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4 DESCONSTRUIR PARA PERSPECTIVIZAR O direito, tal como o imaginamos, no existe. EmseuartigointituladoOnativorelativo 262oantroplogoEduardo Viveiros de Castro inicia com uma epgrafe de Nelson Rodrigues: O ser humano, talcomooimaginamos,noexiste.Diantedasreflexesqueseseguemno referidoartigoacredito,analogamente,serpossvelaparfrasequeepigrafaeste captulo, pois o direito neutro, imparcial, pacificador de relaes sociais, herdeiro purodosideaisdasrevoluesburguesas,aqueledireitoquedaluzaosujeito dotadodeautonomiadavontade,racional,plenamentecapaz,talcomoo imaginamos e aprendemos nos bancos universitrios, no existe. Crticasquantoaessaconcepohmuitovemsendolevantadase,no entanto, algo parece continuar a insistir em um direito, mais ou menos, comum a todosqueresolvaosconflitossociaisapartirdaproduodesseentechamado justia.claroquequandosetratamdeconflitosmaisobjetivos(como,por exemplo,aquelesquedizemrespeitoaodireitodoconsumidor,aodireitode vizinhana,aodireitotributrio)apacificaodosconflitossociaisea aplicabilidadeeficazdodireitoparecem,emalgumamedida,darcontadeuma certajustiabastantepontual.Odireitouminstrumentoque,bemoumal, funcionaedelenoconvmabrirmo.Todavia,quandoosassuntosse aproximamdosdireitoshumanose,comeles,danaturezahumana,falarda realizaodajustiadeixadesertarefasimples.Mesmoporque,aprpria natureza humana, tal como a imaginamos, no existe; o que sustenta Viveiros de Castro em seu artigo O Nativo Relativo. Igualmente, a justia, tal como a imaginamos, no realizvel. Pelo menos enquanto decorrncia direta da aplicao do direito, da lei, bem possvel que ela noexista.Oaxiomasubjetaldequeodireitopromoveajustiadeixade habitar seu lugar seguro e passa a vagar pelas interpelaes acerca de qual direito 262VIVEIROSDECASTRO,Eduardo.Onativorelativo.Disponvelem: .Acesso em: 25 fev. 2010. PUC-Rio - Certificao Digital N 0812073/CA "#$ e qual justia se est a evocar. Poder-se-ia pensar que (em se tratando das questes indgenas)odireitobrasileiro,obviamente,queestempautaequeajustia, consequentemente,seriaoefeitodaboaaplicaodoconjuntodeleisdeste ordenamento.DvidasnorestamdequenossaConstituiobastantecompletae, ademais, h certo consenso de que os princpios que a norteiam lhe conferem um carterprogramticoqueapontaparaumidealdejustiabastantehumano.O problema que ora se deseja enfrentar, entretanto, de outra ordem; est no campo da facticidade e no da eficcia, e aponta para o questionamento do que seja esse humano do ideal de justia que a Constituio traz a tiracolo. O filsofo francs Jacques Derridaafirma que, por trs dessaestrutura da linguagemqueumtexto,semprehalgumqueoassina,sempreexisteum autor 263.SendoaConstituiobrasileiraumtextoelatambmpossuiseu(s) autor(es): os constituintes e a populao brasileira, na estreita medida em que foi permitidasuaparticipaopormeiodasemendaspopulares264.Infelizmenteno sepodedizer,ajulgarsomentepelaspoucasfalasquelhesforampermitidasna audincia pblica de 05/05/88265, que os ndios tambm tenham sido autores desta Lei Maior.A Assemblia Nacional Constituinte, por mais especial que tenha sido, por maisprximadopoderconstituinteoriginrioquetenhachegado,nopoderia possuiracapacidadedeapagarosefeitosdesculosdesubjugaodas populaes indgenas. Os autores no podiam fugir ao seu meio266, aos signos de suacultura,aoimaginriodesuasociedade.Assim,naquelemomentoforam inscritos no texto legal signos como Deus, povos, humanos e humanidade 263 O autor no simplesmenteaquela pessoa que escreve um texto, pois simplesmente escrever umtextonoalgopossvelparaDerrida.Aescritadeumtextonuncaneutraelivrede intencionalidades.Oautor,emDerrida,umafiguraconstrudahistoricamente.VerDERRIDA Jacques.Prjugs:devantlaLoi.In:DERRIDA,Jacques.etal.Lafacultdejuger.Paris:Les ditions de Minuit, 1985. p. 102. 264 Ver captulo 2. 265 Ver Captulo 2. 266DerridaafirmaqueotextodeumaConstituioessencialmenteumatoque,mesmosem quererdescreverouconstataralgo,buscafazeralgo,constituiralgo.Poressarazoosassinantes dessadeclaraonosedesvinculamouseafastamdovalordaquiloqueestoadeclarar diferentementedaintenodaquelesqueassinamdiscursoscientficos.Enquantoestesse preocupamcomaobjetividadedaquiloqueassinam,nocasodotextodeumaConstituioessa separaonuncapodersercompleta.DERRIDA,Jacques.DeclarationsofIndependence,in Negotiations:interventionsandinterviews(1971-2001).ElizabethRottenberg(ed.;trad.). Stanford, California: Stanford University Press, 2002. p. 49. PUC-Rio - Certificao Digital N 0812073/CA "#% que passaram a representar tambm signos do ponto de vista do Estado e a serem interpretados a partir deste vis 267. Damesmaformaaantropologia(quandovistasoboenfoquedecincia mediadora da relao ndios e direito) possui seus autores que, por seguidos anos, reificaram conceitualizaes alquimizando-as em conceitos cientficos universais, emnormasdiantedasquaistudo,oueraencaixadofora,oueraconsiderado desviante.Apenasposteriormenteosantroplogossederamcontadeque conceitosimportadosdeoutrassociedades(comolinhagem,aliana,grupos corporados,totem,mana,tabu,linhagem,bruxaria)noeramsuficientespara explicar a organizao das sociedades nativas brasileiras268. Quandoseestaproblematizaratensoentresociedades,comoagora entrendioseno-ndios,adiscussonopodeprescindirdedeterminados questionamentos,principalmentediantedatendnciadenossostemposem naturalizaroquenaverdadehistrico,emtomarcomodadoalgoque temporalmenteconstrudo,emfixaremtermosquasemetafsicosalgoques pode ser compreendido em sua profunda, humana e complexa historicidade269. precisoestaratentoparaquenosetomemformulaesculturaisqueso vigentes e atuantes em nosso presente como se fossem realidades trans-histricas, dotadas desde sempre de uma validade que resiste ao desgaste dos tempos270. ApsaANCajustiapassouasignificaralgoque, entreosbrasileiros, valor supremo de uma sociedade fraterna, pluralista, sem preconceitos, fundada na harmoniasocialecomprometidacomasoluopacficadascontrovrsias. PromulgadasobreaproteodeDeusaConstituiopassouatercomo 267Convm,ainda,alembranadeViveirosdeCastro:Oscidadospodemterpontosdevista, mas eles no podem ter um ponto de vista sobre o ponto de vista. Eles podem ter ponto de vista a partir do Estado, mas no podem ter ponto de vista sobre este ponto de vista, o Estado. Este ponto de vista no negocivel, a no ser emmomentos rituais especficos, como na Constituinte. Mas mesmoa,hmeramenteumailusoconvencionalquetudoestemdiscusso,poisalgumas coisas no esto em discusso. VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo B. Uma boa poltica aquela quemultiplicaospossveis.In:VIVEIROSDECASTRO,EduardoB.Encontros.Entrevistas organizadasporRenatoSztutman.RiodeJaneiro:BecodoAzougue,2008.p.229.Entrevista concedida a Renato Sztutman e Stelio Marras. 268KAPLAN,Joanna.SimpsiosobreTempoSocialeEspaoSocialnasSociedadesSul-Americanas.XLIICongressodeAmericanistas1976.Apud.DAMATTA,Roberto;SEEGER, Anthony e VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. A construo da pessoa nas sociedades indgenas brasileiras. In: OLIVEIRA, Joo Pacheco (Org.). Sociedades indgenas e Indigenismo no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Marco Zero e Editora UFRJ, 1987. 269 FONSECA, Ricardo Marcelo. A Lei de Terras e o advento da propriedade moderna no Brasil. op. cit. p. 97. 270 Ibidem. p. 97. PUC-Rio - Certificao Digital N 0812073/CA "#& fundamentosadignidadedapessoahumana271e,desdeento,vige,entreos objetivosfundamentaisdaRepblica,apromoodobemdetodos,sem preconceitosdequalquerordem272.ARepblicabrasileirarege-se,nassuas relaes internacionais, pela prevalncia dos direitos humanos, autodeterminao dos povos e cooperao destes para o progresso da humanidade273.precisoolharparaotextoConstitucionalcomcertainteno investigativaquandoseestdiantedeindivduoscommodosdevidasbastante diferentes do modo Ocidental - como o so os ndios - e refletir a respeito de qual seria esse Deus referido na Carta Magna, qual seria o conceito de povo, de nao edehumanidadepresentesnosdireitoshumanosedepessoahumana.Amaior dificuldadenabuscapelasrespostasaestesquestionamentosqueelasnose encontram no prprio texto constitucional. Com o auxlio da histria do direito possvel comear a reflexo proposta pelapercepodainflunciaquedeterminadostextosexerceramsobreacultura jurdicabrasileira274einferircertoalcancedeconceitoseuropeusecristos.A escolha por esses conceitos ignorou desde logo, com as leis indigenistas coloniais, a cultura indgena e submeteu-a a chaves aliengenas de compreenso de mundo acomearpeladeclaraodequeoterritrioemquehabitavamosndios estariam, a partir da descoberta, sob a soberania da Coroa Portuguesa. Pensar a relao entre ndios e no-ndios exige um exerccio de anlise do singular,doOutroquenocompartilhaomesmouniversonormativoquens, exerccio este que ultrapassa a noo de se colocar em seu lugar, uma vez que isso 271 BRASIL. Constituio da Repblica Federativa do Brasil. art. 1, III. 05 out. de 1988. 272BRASIL.ConstituiodaRepblicaFederativadoBrasil.art.1,III..art.3,IV.05out.de 1988. 273 BRASIL. Constituio da Repblica Federativa do Brasil. art. 1, III; art. 4, II, III, IX. 05 out. de 1988. 274AesserespeitoverWOLKMER,AntnioCarlos.AhistriadodireitonoBrasil.Riode Janeiro: Forense, 2005. AZEVEDO, Fernando de. A cultura brasileira. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ;Braslia:EditoradaUnB,1996.FONSECA,RicardoMarcelo.Aformaodacultura jurdica nacional e os cursos jurdicos no Brasil do sculo XIX: relendo os traos do bacharelismo jurdico.RevistadoInstitutodosAdvogadosdoParan,v.35,p.581-600,2007;FONSECA, RicardoMarcelo.AculturajurdicabrasileiraeaquestodacodificaocivilnosculoXIX. RevistadaFaculdadedeDireito.UniversidadeFederaldoParan,v.44,p.61-76,2006; FONSECA,RicardoMarcelo.Osjuristaseaculturajurdicabrasileiranasegundametadedo sculoXIX.quadernifiorentiniperlastoriadelpensierogiuridicomoderno,v.35,p.339-369, 2006; FONSECA, Ricardo Marcelo. A formao da cultura jurdica nacional e os cursos jurdicos noBrasil:umaanlisepreliminar(1854-1879).CuadernosdelInstitutoAntoniodeNebrijade Estudios sobre la Universidad, Madri, v. 8, n. 1, p. 97-116, 2005. PUC-Rio - Certificao Digital N 0812073/CA "#' pode acabar se mostrando tarefa impossvel - como se ver adiante com Viveiros de Castro e Derrida. Isso porque colocar-se no lugar de outro pressupe uma pr-compreensodoqueooutrodiz,pensa,oufaz.Umacompreensoprofundaque requer,nomnimo,umaparidadedeantropologiasenvolvidas,ouuma desierarquizao de epistemologias, o que em uma cultura eurocntrica, de per si, j uma questo problemtica.No entanto, a despeito de toda dificuldade e da convivncia com o direito posto,asnuanceseparticularidadesdeculturaseindivduosprecisamser constantemente pensadas para que aplicar o direito no seja simplesmente indicar aleimaisadequadaparacadacaso,massimumcaminhoembuscadejustia. Caminhoestequenopodeprescindirdeumexercciodealteridadejque engloba uma relao constante entre culturas, indivduos e sociedades.O pensamento da desconstruo, proposto por Derrida, enriquecido com o perspectivismoamerndiodeViveirosdeCastro,constituiumaalternativa interessante nessa busca, pois ambos visam destacar um novo olhar para a relao com o Outro, o primeiro teorizando acerca doclculo do direito e o segundo a respeito das cosmologias das sociedades amerndias. 4.1Sobre a desconstruo e o perspectivismo preciso reinventar as condies da existncia. (Jacques Derrida: De que amanh...) A partir do olhar atento e minucioso tradio metafsica ocidental, e uma vigilnciacomanaturalizaodosconceitos,opensamentodadesconstruo serve busca infindvel por se fazer justia ao Outro. Mas no somente isso, ao examecrticodametafsicadapresena275devesomar-seainterpretaodos 275 Os pensamentos do perspectivismo amerndio e da desconstruo esto, ambos, interessados no questionamentodaquelesconceitospertencentestradiodenominadametafsicadapresena. Herdeira das idias descartianas de que possvel distinguir com exatido um sujeito ativo de um objeto passivo, a metafsica da presena apregoa a possibilidade da existncia do ser em si, ou seja, apresenadoserdcontadetodaasuaessncia.Ametafsicadapresenarepresentaodesejo pelo acesso imediato ao significado em oposio a um envolvimento mais imanente com o mundo dosconceitos,oser-no-mundo,odasein.Omaisimportantefilsofoacriticaressatradiofoi PUC-Rio - Certificao Digital N 0812073/CA "#( conceitosdecorrentesdestatradioporoutroscaminhos,novosemltiplos. Desconstruoaaberturadossignificados,confortocomambigidades, conscinciadamultiplicidadedeconotaes,ereconhecimentodavirada lingstica276queencontramosemtodasasoutrasnovasreferncias277que aparecem diante da relao como Outro.Pensaradesconstruosignificapreocupar-secomaneutralizaode oposiesbinriaseconceitosforjadosdemodotranscendente,comas hierarquiasestabelecidasecomconstruesestruturaisquerecalcameocultam elementos.Avalia-seaviolnciainerenteaqualquerarcabouoconceitualque,

MartinHeidegger;emSereTempoofilsofoalemoafirmaanaturezaparasticadaatitude terica que prima pela presena e desmerece a importncia do contexto em que o ser est inserido eaelaboraoconcretasobreosentidodoser(HEIDEGGER,Martin.SereTempo.Edio brasileira.2vols.,trad.MrciadeSCavalcanti.Petrpolis:Vozes,1988.).SegundoRafael Haddock-LoboatarefaqueHeideggeranuncia,emSereTempo,denominadacomouma destruiodametafsica,Derridatraduzpordesconstruoenodestruio.(HADDOCK-LOBO, Rafael. A desconstruo em Heidegger, Lvinas e Derrida In: IHU On-Line. Disponvel em.Acessoem06 mar.2010).MuitoemboraDerridatenhaadmitidoqueavirtualidadetambmsejauma manifestao da presena, pode-se dizer que a metafsica da presena para Derrida remonta quilo que se forja em busca de identidades e subjetividades para resistir angstia da espectralidade (o espectraloquetransitaentreopresenteoausente,ovalordeespectralidadeporsiprprio desconstrutor, uma fora que atrapalha o crer na presena. (DERRIDA, Jacques. A solidariedade dosseresvivos.FolhadeSoPaulo.CadernoMais.27demaiode2001.)Aesserespeitover ainda NUNES, Benedito. Heidegger & Ser e Tempo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002.276 A virada lingustica ou giro lingustico o nome dado ao momento em que, ao que diz respeito aos objetos de investigao filosfica, a linguagem passou a ter preeminncia sobre o pensamento. JrgenHabermasadotaumaterminologiaqueapontaparatrsviradasqueteriamocorridona filosofia: epistemolgica, lingustica e lingustico-pragmtica. Avirada lingustica origina-se com oquestionamentodafilosofiadaconscinciaetemnoCiclodeVienaarefernciaprincipal,no qual filsofos como George Moore e Bertrand Russel deram origem ao que ficou conhecido como filosofia analtica. O nome virada lingustica se popularizou quando da publicao do livro The linguisticturn,deRichardRortyemcujaintroduosepodeler:Opropsitodopresente volumefornecermaterialdereflexosobreamaiorpartedarevoluofilosficarecente,ada filosofia lingustica. Com a expresso filosofia lingustica, estarei entendendo aqui uma viso de queosproblemasfilosficossoproblemasquepoderiamseresolvidos(oudissolvidos)pela reformadalinguagem,ouporumamelhorcompreensodalinguagemqueusamos presentemente.RORTY,Richard.TheLinguisticTurn:RecentEssaysinPhilosophicalMethod. 2nd.enlargeded.Chicago:UniversityofChicagoPress.[1967]1992.p.3.Vertambm GHIRALDELLI JR., Paulo. O que o pragmatismo. So Paulo: Brasiliense, 2007. Outro nome associado virada lingustica Ludwig Wittgeinstein para quem "O fim da filosofia oesclarecimentolgicodospensamentos.(...)Cumprefilosofiatornarclarosedelimitar precisamenteospensamentos,antescomoqueturvoseindistintos".ParaoautorOsfilsofos deveriamresignar-seaostimoaforismodeseuTratado,ouseja,"sobreaquiloquenosepode falar,deve-secalar".(WITTGENSTEIN,Ludwig.Tratadolgico-filosfico.Vol.4.Traduoe ensaio introdutrio de Luiz Henrique Lopes dos Santos, So Paulo: Edusp. p. 112). 277connotations,andacknowledgementofthelinguisticturnwhichwefindinalloftheother earlyreferences.GOODRICH,Peter;HOFFMANN,Florian;ROSENFELD,Michele VISMANN,Cornelia.Introduction:aphilosophyoflegalenigmas.In:GOODRICH,Peter; HOFFMANN, Florian;ROSENFELD, Michel eVISMANN, Cornelia. (Orgs.) Derridaand legal philosophy. New York: Palgrave Macmillan, 2008. p. 4. PUC-Rio - Certificao Digital N 0812073/CA "#) segundoDerrida,aindaquerefinadoousofisticadosempreterumaestrutura valorativaintrnsecaasuaprpriaconstituio.Ouseja,possvelconstatarque um conceito sempre entendido como sendo mais importante, central ou superior aoutro,queficarelegadomargem,aoperifrico.Adesconstruo,apartirdo questionamentodesignificadosestanquesepretensamenteverdadeiros,procura demonstrareadmitirqueestessomaisjustosquandoestabelecidosemuma relao,emcomparaocomoutros,aoseremcotejadoscomaquiloqueno significam. Adesconstruofazumaleiturafinaeminuciosadetextosjurdicosda tradio ocidental, analisando seus pressupostos idealistas e metafsicos, pois no pactua com a idia de que os conceitos jurdicos existem transcendentalmente em algum espao, cabendo aos homens apreend-los. A desconstruo do direito uma concepo teortica que se reflete em conseqncias prticas em que a lei e o direitonopodem,inevitavelmente,fecharem-separaosdesafioseevitar transformaes.278 Derridaquestionaeapontanessestextosdualismoshierrquicoscomo matria/esprito,sujeito/objeto,significado/significante,alma/corpo, texto/significado,representao/presena,aparncia/essncia,ser/no-ser, realidade/aparncia,masculino/feminino;ViveirosdeCastroacrescenta individual/social,optativo/obrigatrio,afeto/direito,cultura/natureza,etc.Nesses binriossempreseestabeleceumapreeminnciaontolgicadeumtermosobre outro, est implcita uma lgica da suplementaridade, em que um dos elementos o principal e o outro suplementar.EmPositions279Derridaapresentacomoestratgiageralda desconstruo dois movimentos: a inverso (renversement) e o deslocamento.280 O primeiro esfora-se por dar voz ao recalcado e revelar a marginalidade histrica em que um elemento se encontra devido ao comando que um termo exerce sobre o 278CORNELL,Drucilla.Theviolenceofthemasquerade:lawdressedupasjustice.In: Deconstructionandpossibilityofjustice.Vol.11,ns.5e6.NewYork:CardozoLawReview, July/Aug., 1990. p. 1059. 279 DERRIDA, Jacques. Positions. Paris: Minuit, 1972. p. 56. 280 Ibidem. p. 56. ... devrait viter la fois de neutraliser simplement les oppositions binaires de lamthaphysiqueetderesidersimplement,enleconfirmant,danslechampclosdeces oppositions.PUC-Rio - Certificao Digital N 0812073/CA ""# outro(axiologicamente,logicamente,etc.).omomentodeconstataras oposiesbinriaseevitar,todavia,apenasneutralis-lasoupermanecerno campofechadodametafsica. 281Nainversoprecisomanter-sevigilantepara queelanosignifiqueapenasosurgimentodeumanovahierarquiacoma valorizaodoelementoantessubmisso.Oquestionamentodaexistnciadeum sentido original (natural) o alvo da inverso. O deslocamento, por seu turno, d otomprincipaldopensamentodadesconstruo-umavezquenosetrata apenas de inverter os binmios para valorizar o componente considerado inferior - esim,buscarumanovasignificaodostermosparaalmdalgicaemquese encontravam,outra(s)possibilidade(s)abre(m)-sediantedomovimentode deslocamento. Busca-se,pois,noumlugarnoqualaestruturadeopressosedesfar, masmltiplosoutroslugares(in)imaginveis.Odeslocamentofogedatarefade fixaridentidadesebuscanopermanecernamesmalgicadosistema desconstrudo,nocaso,odeorientaometafsicaocidental.Omovimentode deslocamentosecompletanoemdireoaumnovoconceito,ouanovas identidadesmas,comoafirmaDuque-Estrada,namultiplicaodeidentidades282 ou qui, conforme Viveiros de Castro, na multiplicao dos possveis283 . Emoutraspalavras,paraDerridadesconstruirumaoposiorequerem primeiro lugar que se passe pela fase 284 da inverso de uma hierarquia em que seencontrainseridoumconceito.Descuidar-sedessafasedeinversosignifica esqueceraestruturaconflitivaesubordinantedaoposio. 285Todaviaessa 281 DERRIDA, Jacques. Positions. Paris: Minuit, 1972. p. 56-57. 282DUQUE-ESTRADA,PauloCesar.Derridaeaescritura.In:DUQUE-ESTRADA,Paulo Cesar (Org.). s margens da filosofia. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio e Edies Loyola, 2002. p. 12. 283 VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo B. Uma boa poltica aquela que multiplica os possveis. In:VIVEIROSDECASTRO,EduardoB.Encontros.EntrevistasorganizadasporRenato Sztutman.RiodeJaneiro:BecodoAzougue,2008.p.229.EntrevistaconcedidaaRenato Sztutman e Stelio Marras. 284 [...] a palavra fase no , talvez, a mais rigorosa. No se trata aqui de uma fase cronolgica, de um momento dado ou de uma pgina que pudesse um dia ser virada para passar simplesmente a outracoisa.Lemotdephasenestpeut-trepsleplusrigoureux.Ilnesagitpasicidune phasechronologique,dunmomentdonnoudunepagequonpourraitunjourturnerpour passer simplement otre chose. [Trad. livre] DERRIDA, Jacques. Positions. Paris: Minuit, 1972. p. 57. 285 DERRIDA, Jacques. Positions. Paris: Minuit, 1972. p. 56-57. PUC-Rio - Certificao Digital N 0812073/CA """ hierarquiatendesempreasereconstituirfazendocomqueainversosemprese repita. Por essa razo que no se pode cair na armadilha de continuar operando no terreno e no interior do sistema desconstrudo 286. O deslocamento acontece ento para marcar o afastamento entre a desconstruo da oposio em questo e aemergnciarepentinadeumnovoconceito,umconceitoquenosedeixa mais que nunca se deixou compreender no regime anterior. 287

Operspectivismoamerndio,porseuturno,surgeapartirdasricas referncias da etnografia amaznica a uma teoria indgena que afirma que o modo comooshumanosvemosanimaiseoutrassubjetividadesquepovoamo universodiferentedomodocomoessesseresosvemousevem. 288Assim essepensamentoforaaimaginaoocidentalaemitirsignificaes completamenteoutrasecolocarnossosconceitosemrelaesperigosas:exp-los, periclit-los 289; adaptando e deformando nossa prpria tradio intelectual. 286 Ibidem. p. 56-57. 287 Ibidem. p. 56-57. 288AssubjetividadesquepovoamouniversopodemserDeuses,espritos,mortos,habitantesde outrosnveiscsmicos,fenmenosmeteorolgicos,vegetais,svezesatmesmoobjetose artefatos. Ensina Viveiros de Castro que [t]ipicamente, os humanos, em condies normais, vem os humanos como humanos, os animais como animais e os espritos (se os vem) comoespritos; j os animais (predadores) e os espritos vem os humanos como animais (de presa), ao passo que os animais (de presa) vem os humanos como espritos oucomo animais (predadores). Em troca, os animais e espritos se vem como humanos: apreendem-se como (ou se tornam) antropomorfos quandoestoemsuasprpriascasasoualdeias,eexperimentamseusprprioshbitose caractersticas sob a espcie da cultura vem seu alimento como alimento humano (os jaguares vem o sangue como cauim, os mortos vem os grilos como peixes, os urubus vem os vermes da carne podre como peixe assado etc.), seus atributos corporais (pelagem, plumas, garras, bicos etc.) como adornos ou instrumentos culturais, seu sistema social como organizado do mesmo modo que asinstituieshumanas(comchefes,xams,festas,ritosetc.).(VIVEIROSDECASTRO, Eduardo.Ospronomescosmolgicoseoperspectivismoamerndio.Disponvelem: . Acesso em 10 jan. 2010.) Ensina tambm Tnia Stolze Lima que a problemtica do perspectivismo construdacomoumavariaocontnuaentresignosecoisas,grausdeidiasegrausde realidade. Ou seja, a distncia entre a linguagem e a realidade no para o pensamento indgena o queelaparaopensamentoOcidental.ContinuaLimaexplicitandoduasformasde perspectivismo: na cosmologia Wari o veado v a gente tal como a gente o v, e v-se a si mesmo talcomoagentesev;entreosYudjpormenquantons,sereshumanos,vemososanimais comoanimais,elesseconsideramgente,enosconsideramgentetambm,isto,pessoascom quempoderiammostrardesejodeserelacionar,vistoqueparaosanimaisanossaalteridade relativa com eles humana, quer dizer, poltica. LIMA, Tnia Stolze. Um peixe olhou para mim. So Paulo: Editora UNESP; ISA; Rio de Janeiro: NuTi, 2005. p. 215. 289VIVEIROSDECASTRO,EduardoB.Operspectivismoaretomadadaantropofagia oswaldianaemnovostermos.In:VIVEIROSDECASTRO,EduardoB.Encontros.Entrevistas organizadasporRenatoSztutman.RiodeJaneiro:BecodoAzougue,2008.p.122.Entrevista concedida a Lusa Elvira Belaunde. PUC-Rio - Certificao Digital N 0812073/CA ""* Essepensamento-queexplicitaagrandemarcadasingularidadedos povos indgenas pela forma absolutamente diferente com que explica a realidade - se constitui, em especial, a partir da crtica ao binrio moderno sujeito /objeto e se prope a pensar o sujeito de alguma perspectiva. Mas ateno para este de 290, porqueparaoperspectivismoosujeitoquepertenceaumaperspectiva,a perspectivaqueotornaumsujeito.AproposioperspectivistaOpontode vistacriaosujeitoseopeaorelativismoeaoconstrucionismoocidentais,em que o ponto de vista cria o objeto. 291 necessrio ser pensado (desejado, imaginado, fabricado) pelo outro para que a perspectivaapareacomotal,isto,comoumaperspectiva.Osujeitono aquelequesepensa(comosujeito)naausnciadeoutrem;eleaqueleque pensado (por outrem, e perante este) como sujeito.292 Adesconstruoeoperspectivismoseapresentamcomoumacrtica infinitadoslocaistericossegurosapresentadospelatradiodametafsicada presena293eumadiamentoconstantedaconclusoedaverdade.Nessepasso pode-sedizerquesinteressanteopensamentoenquantopotnciade alteridade294aquelequenosenredaemaesprazerosasearriscadascomo outro295 nos libertando do confinamento do conhecimento cientfico que, no caso do Direito,[...]oreduzficodeumsistemaauto-referentedenormasjurdicas.Um sistemaque,emltimaanlise,temapretensodetornarracionaisos(nossos) conflitos e que na sua formulao mais radical (falo do positivismo de Kelsen) o faz partindo do pressuposto de que tais conflitos esto subsumidos na estrutura de umanorma,daqualnadaescapa,poiscomunicadaatravsdeumalinguagem precisa de um enunciado (cientfico).296 SecomDescartesamximaeupenso,logoexistotornou-seum imperativo com o qual a nica existncia importante para o indivduo passou a ser 290 Ibidem. p. 118.291 Ibidem. p. 118. 292 Ibidem. p. 119. 293 Ver nota 253. 294VIVEIROSDECASTRO,EduardoB.Operspectivismoaretomadadaantropofagia oswaldianaemnovostermos.In:VIVEIROSDECASTRO,EduardoB.Encontros.Entrevistas organizadas por Renato Sztutman. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2008. p. 117-118. Entrevista concedida a Lusa Elvira Belaunde. 295CHUEIRI,VeraKaramde.AforadeDerrida:parapensarodireitoeapossibilidadede justia. Revista Cult. So Paulo, 2007, vol. 117, p. 49. Setembro, ano 10. 296 Ibidem. p. 49.PUC-Rio - Certificao Digital N 0812073/CA ""+ a dele prprio, o perspectivismo amerndio parte da inverso dessa idia, o outro existe, logo pensa297:E se esse que existe outro, ento seu pensamento necessariamente outro que o meu.Quemsabeatdevaconcluirque,sepenso,entotambmsouumoutro. Pois, s o outro pensa.298 Assimnosuficientequesepenseparaser,segundoapregoava Descartes;paraoperspectivismoosujeitoadvmnomomentoemqueo pensamentoseobstinaemapreenderasimesmoesepeagirarcomoumpeo enlouquecido.299

Nasltimasdcadas,emespecialps88,arelaoqueodireito estabeleceucomesteoutrosingularqueondiodependeuemmuitoda mediaodaantropologiaeseusconceitos-quasesempreproduzidospor antroplogosno-ndios.Issoporque,natentativadedarvozaoindgena (sempredentrodoslimitesdalei)essacinciaacabouporservirdeintrprete desse Outro, o ndio. Presume-se que o antroplogo, ou eventualmente, um jurista especializado na matria, possua bases tericas que lhe permita decodificar a fala eoconhecimentodonativoparasignoscompreensveisnossacultura.por meiodessaatividadedetraduo-semprepossvel,massempreimperfeita300- quesefundamentamosembasamentosquedaroconsistnciasleis indigenistas301. Identifica-seaquioprimeiroemaisinteressantepontodecontatoentrea desconstruo e o perspectivismo: o questionamento da produo de verdades, de hierarquiaspr-existentesnadefesadesignificados,daigualdadeapenasformal, enfim, de lentes metafsicas ocidentais e automatismos intelectuais de observao 297VIVEIROSDECASTRO,EduardoB.Operspectivismoaretomadadaantropofagia oswaldianaemnovostermos.In:VIVEIROSDECASTRO,EduardoB.Encontros.Entrevistas organizadas por Renato Sztutman. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2008. p. 117-118. Entrevista concedida a Lusa Elvira Belaunde. 298 Ibidem. p. 117-118. 299GUATTARI,Flix. Astrsecologias. Trad.MariaC.F.Bittencourt.Campinas,SP:Papirus, 13. ed.. 1989/2002. p. 17. 300DERRIDA,Jacques.Forcedeloi:lefondementmystiquedelautorit.In:Deconstruction and possibility of justice. New York: Cardozo Law Review, Vol. 11, ns. 5 e 6. July/Aug., 1990. p. 924. (Fora de lei o fundamento mstico da autoridade. Trad. Leyla Perrone-Moiss. So Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 7). 301A antropologia, como se diz s vezes, uma atividade de traduo; e a traduo, comose diz sempre,traio.Mastudoestemescolheraquemsevaitrair.VIVEIROSDECASTRO, EduardoB.Operspectivismoaretomadadaantropofagiaoswaldianaemnovostermos.In: VIVEIROSDECASTRO,EduardoB.Encontros.EntrevistasorganizadasporRenatoSztutman. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2008. p. 122. Entrevista concedida a Lusa Elvira Belaunde. PUC-Rio - Certificao Digital N 0812073/CA ""$ domundo.Operspectivismoeadesconstruoalertamparaanecessidadedese trocar as lentes dos culos que usa a produo do conhecimento. 302 Adesconstruododireitoesuaanliseperspectivistademandamo questionamentodasestruturasqueocompem,odiscursoealinguagem, mecanismos atravs dos quais o jurdico ganha forma. As atividades permanentes deinterpretao,apropriaoetraduorequeremumavigliaquerevelequea lnguaeseussignificadosnuncasoprpriosdeumindivduo,deuma comunidadeoudodireito,massempreumalnguaatravessadapelaalteridadee estruturadanaiterabilidade303.Ambosfundamentam-senabuscapelos 302 A metodologia de produo do conhecimento que o perspectivismo e a desconstruo criticam temcomoconemaisimportanteatradiokantianamodernaeacrenaabsolutanaRazo emancipadora.Duascitaesexemplificamaatmosferaintelectualdapoca:aprimeiraa respostadeKantsobreoquesignificaIlustrao; afirmaoautorque:Ilustraoasadaporsi mesma dahumanidade deum estado de imaturidade culpvel [...] A preguia e a covardia so as causaspelasquaisgrandepartedahumanidadepermaneceprazerosamentenesteestadode imaturidade.(ANDRADE,RgisC.Kant,aliberdade.Oindivduoearepblica.In: WEFFORT, Francisco C. (Org). Os clssicos da poltica. v. 2. So Paulo: tica, 2003. p. 83-85). Certamente esse era o pensamento a respeito dos povos indgenas. A outra passagem de Hegel e suaopinioacercadaauto-realizaodaRazo:Ahistriauniversalrepresenta[...]o desenvolvimentodaconscinciaqueoespritotemdesualiberdadeetambmaevoluoda realizaoqueestaobtmpormeiodetalconscincia.Odesenvolvimentoimplicaumasriede fases, uma srie de determinaes de liberdade, que nascem do conceito da coisa, ou seja, aqui, na naturezadaliberdadeaosetornarconscientedesi[...]Estanecessidadeeasrienecessriadas purasdeterminaesabstratasdoconceitosoestudadasnaLgica.EstetrechodeHegel representaodesenvolvimentonaontologia,ouseja,oservaievoluindodeSerindeterminado atalaracondiodeSerAbsolutodaLgica,pensamentoestequecontribuiusobremaneira paraqueseafirmasseserondioumafasetransitriarumocondiodohomemeuropeu. (HEGEL.LeccionessobrelaFilosofadelaHistoria.RevistadeOccidente,BuenosAires,1946, t.I.p.134.Apud:DUSSEL,Enrique.1492,oencobrimentodooutro:aorigemdomitoda modernidade. Conferncias de Frankfurt. Trad. Jaime A. Clasen. Petrpolis: Vozes, 1993. p. 7-26). 303Iterabilidade,umneologismodeJacquesDerrida,faladarepetiodeumsignolingustico:a repetioourecorrnciadeumsignoacarretasemprenamodificaodeseusignificado.apartir do sujeito pensado em um horizonte de linguagem. Tudo o que dito ou escrito em um texto abre-seaooutronodizer,sempreumendereamento.Omomentodaimannciadacriaodeum texto,queparaJacquesDerridaumacenaoriginria,apenasummarcojdestinado transcendncia atravs da repetio (iterabilidade) para o outro (alteridade). Aquilo que se fala ou escreveestlivrediantedapossibilidadederepetio.Nohumsignificadonicoeimutvel daquilo que fora dito ou escrito por um autor, o movimento de iterao, de repetio por meio das diversasleiturasquesevorealizandofazcomqueaatividadeinterpretativajamaisseesgote. (DERRIDA,Jacques.DelaGrammatologie.Paris:Minuit,1970.p.72).RosemaryArroyo explicaaiterabilidadedaseguintemaneira:Enquantoescrevoestetexto,estouconstruindouma trama que, para mim, neste momento, tem apenas uma possibilidade de significado, aquela que lhe atribuo agora. No entanto, este texto, colocado no papel e lido por outra pessoa, inclusive por mim mesma,emoutromomento,serumanovaescritura;aprimeiratrama,jdesfeita,sertecida novamente, mas formando outros desenhos, novas formas, e junto com ela tecendo-se, a cada vez, ailusodeseprenderosignonanovamalha.(ARROYO,Rosemary(Org.).Osigno desconstruido.Campinas:Pontes,1992.p.32).AesserespeitoveraindaBENNINGTON, GeoffreyeDERRIDA,Jacques.JacquesDerrida.RiodeJaneiro:Zahar,1996;AMARAL, AdrianaC.L.do.AmetamorfosedoOutro.Disponvelem< http://www.rubedo.psc.br/Artigos/metaoutr.html>. Acesso em 06 mar. 2010; RABENHORST EduardoR.Sobreoslimitesdainterpretao.OdebateentreUmbertoEcoeJacquesDerrida. PUC-Rio - Certificao Digital N 0812073/CA ""% significadosqueseforjamnaprpriarelao,noencontro,nocontato,noporvir Outro de meu Eu. OspensamentosdeViveirosdeCastroeDerridapropemumaanlise crticadedeterminadasconstruestericasque,justamenteporseremno naturais,histricasecontingentesnospermitemdesfiarotecidoqueasaquecee repensar a hierarquia que as sustenta304.Adesconstruoresignificaoconceitodejustiae,inclusive,sua condiodeexistncia.Isso,contudo,assuntoparamaisadiante.Porora precisodestacarqueodireitodesconstruvelpostoquediscursoeest embebidoealicerado,emestruturaspassveisdeinterpretaoeconceitos imanentes s relaes interpessoais.(...)odireitoessencialmentedesconstruvel,ouporqueelefundado,isto, construdosobrecamadastextuaisinterpretveisetransformveis(eestaa histria do direito, a possvel e necessria transformao, por vezes a melhora do direito),ouporqueseufundamentoltimo,pordefinio,nofundado.Queo direito seja desconstruvel no uma infelicidade. 305 Tantoopensamentodadesconstruoquantoodoperspectivismono admitemaproduodoconhecimentoquesepautaemverdadesabsolutas. Desejamencontrarutensliosconceituaisquepermitamcontestaroslimites impostospelaheranaeuropia.Ambosaspiramconceberomundoedescobrir complexos conceituais segundo os quais o ser humano, em especialestehumano

[email protected],n.1,jul./dez.2002.Disponvelem.Acessoem06mar.2010eSILVESTRE,Daniel. DireitoejustianorastrodeJacquesDerrida.RiodeJaneiro(Dissertaodemestrado-PUC-Rio, 2009). 304 A propsito Viveiros de Castro faz um apontamento frente a essa toda nova estrutura de anlise epistemolgica antropolgica. Diz ele que [...] no realmente preciso fazer um drama arespeito disso.[...]essejogodiscursivo,comtaisregrasdesiguais,dissemuitacoisainstrutivasobreos nativos. A experincia proposta [...] entretanto, consiste precisamente em recus-lo. No porque tal jogoproduzaresultadosobjetivamentefalsos,isto,representedemodoerrneoanaturezado nativo; o conceito de verdade objetiva (como os de representao e de natureza) parte das regras dessejogo[daepistemologiaclssica],nodoquesepropeaqui.Deresto,umavezdadosos objetos que o jogo clssico se d, seus resultados so freqentemente convincentes, ou pelo menos, como gostam de dizer os adeptos desse jogo, 'plausveis'. Recusar esse jogo significa apenas dar-se outrosobjetos,compatveiscomasoutrasregras.VIVEIROSDECASTRO,Eduardo.Onativo relativo. Op. cit. p. 115. 305DERRIDA,Jacques.Forcedeloi:lefondementmystiquedelautorit.In:Deconstruction and possibility of justice. New York: Cardozo Law Review, Vol. 11, ns. 5 e 6. July/Aug., 1990. p. 942. (Fora de lei. Op. cit. p. 26.) PUC-Rio - Certificao Digital N 0812073/CA ""& damodernidade,nosejasujeitoexclusivoepossa,atmesmo,noocuparo lugar de sujeito. 4.2Criticando autoridades AsituaoquesecolocahojenoBrasil,deconflitosentrendiose brancos, pode ser resolvida com a aplicao das normas do ordenamento jurdico brasileiro.Asdemandasquechegamaojudicirioe,mesmoaquelasqueso resolvidas em mbito administrativo na FUNAI, recebem o tratamento de acordo com,basicamente,aConstituio,Leisinfraconstitucionais,Decretosdeautoria doPresidentedeRepblicaePortariasdoMinistriodaJustia.Lana-semo destes atos normativos com o intuito de resolver as demandas e litgios em torno da questo indgena306 no pas. Oque,todavia,operspectivismovemcolocarempautaofatodeque para as culturas indgenas, em oposio, tambm existe uma questo branca (ou seja, o problema que o Brasil oferece para os povos indgenas que aqui vivem) e tantasoutrasquestesqueasculturasindgenassepemelasprpriasequeas instituem como culturas dessemelhantes da cultura dominante.Partindodessapremissaoperspectivismoamerndioredirecionaoolhar para a questo indgena e se interessa no pelos ndios enquanto parte do Brasil, maspelosndiossemmais;paraoperspectivismo,sealgopartedealgo,o Brasilquepartedocontextodasculturasindgenas,enoocontrrio.O pensamento perspectivista e o desconstrucionista, juntos, colocam o problema de queaaplicaodasleisdoordenamentojurdicobrasileiro,aindaquepaream satisfatriasparansbrancos-soinsuficientesparaquesefaajustiaaos povos indgenas, fim almejado pelo direito. 306NalembranadeVIVEIROSDECASTROquestoindgenanomedoproblemaquea existnciapassada,presenteefuturadospovosindgenassignificaparaaclasseeaetnia dominantesnopas.VIVEIROSDECASTRO,EduardoB.Oquemeinteressasoasquestes indgenasnoplural.In:VIVEIROSDECASTRO,EduardoB.Encontros.Entrevistas organizadasporRenatoSztutman.RiodeJaneiro:BecodoAzougue,2008.p.74.Entrevista concedida a Flvio Moura. PUC-Rio - Certificao Digital N 0812073/CA ""' Oapeloporjustianopodesersimplesmenteumapelopelalei.A aplicao das normas jurdicas, ainda que executada perfeitamente, sem equvocos oucorrupes,podenofazerjustia.ParaDerridaomeroclculo307dodireito noapresentarespostassuficientes.Nabuscaporjustia,elesimplesmente ofereceagarantiadeseestaragindocorretamente,dentrodosparmetros previstos e previsveis. Afirma Derrida: Eu no posso saber se sou justo. Eu posso saber que estou certo. Eu posso ver que um ato meu est de acordo com as normas, com a lei. Eu paro no sinal vermelho. Euestoucerto.No hproblema.Masissonosignificaquesou justo.Falarde justia no uma questo de conhecimento, de julgamento terico. Por isso no uma questo de clculo. Voc pode calcular o que est certo. Mas o fato de isso estar corretamente calculado no significa que seja justo.308

O clculo do direito feito de operaes que garantem, portanto, a certeza da justeza da aplicao do direito.A justia, todavia, se h o desejo de respeitar a singularidade309daspopulaesindgenas,maiscomplexaefogesnormas codificadaseprevistas.Issosed,dirDerrida,emvirtudedeodireitoteruma autorizaoinfundadaparausodaviolnciae,diantedisso,nohdireitoque possa ser aplicado sem violncia. 307 Quando Derrida utiliza-se da expresso clculo do direito ele est se referindo verificao do direito realizada pelos juzes no momento de sua deciso, no momento em que escolhem a lei mais adequada e tambm, eventualmente, a interpretao a ser efetuada de acordo com as demais leis do ordenamento. Esta deciso implica em responsabilidade para com o outro, para com aqueles cujas leis no alcanam, para com a vida. 308 CAPUTO, John D. Dreaming of the innumerable. In: FEDER, Ellen K. et al. (Eds.). Derrida and feminism: recasting the question of woman. New York and London: Routledge, 1997. p. 17. 309Asingularidadeumadasprincipaischavesparasecompreenderopensamentoda desconstruo, pois a desconstruo est a servio da justia singularidade. Levantando a questo da singularidade Derrida apresenta mais uma aporia, entre as tantas presentes em seu pensamento, qualseja:comofalaremsingulardiantedeumpensamentoqueapregoaaiterabilidade,ouseja, uma incansvel repetio e reinterpretao do significado das coisas, para que os conceitos possam vir a ser inteligveis? Como possvel falar em algo que seja prprio de somente uma pessoa se a desconstruorequerqueascoisaspossamsignificarcoisasdiferentesemdiferentescontextos? Ou como afirmou Caputo, como isso possvel se as coisas precisam ser tecidas por uma matria repetvel para no serem relegadas incompreenso? A resposta, como dito, est em uma aporia afinal,aconstataodeumasingularidadeatentativadepronunciaralgoarespeitodo impronuncivel, de pronunciar algo repetvel sobre o irrepetvel. (CAPUTO, John. Por amor s coisasmesmas:ohiper-realismodeDerrida,insmargens.ApropsitodeDerrida.Riode Janeiro:Ed.PUC-Rio,2002.p.33).Essaimpossibilidadedeve,aocontrriodenosinstigara nomearosingularaqualquercusto,inspirarumprofundorespeitodeafirmaodasingularidade do Outro. A singularidade o que torna o Outro inacessvel a mim. Nem mesmo uma convivncia intensacomoOutrocapazdeconstruirumapontesobrealacunaqueseparaoOutroeoEu. Essalacuna,porm,comoadvertiuLevinas,noumalacunaepistmicaaseratravessada,mas simumabismoticoaserafirmadoehonrado.Aameaaaosingularestnofatodequea linguagem,utilizadapelodireitoparadescreverumasingularidade,,viaderegra,idealizantee universalizante.AesserespeitoverDERRIDA,Donnerlamort.In:L'thiquedudon.Jacques Derrida et la pense du don. Colloque de Royaumont. Dcembre 1990. Mtaili, 1992. PUC-Rio - Certificao Digital N 0812073/CA ""( AnoodeviolnciadodireitoproblematizadaporDerridanoa violncia,emseusentidomaisbvio,masaquelamelhorrepresentadapelo vocbuloalemoGewalt,quepodesignificartantoviolncia,emseusentido literal, como tambm poder legtimo e soberano, de autoridade justificada que se encontranaordemsimblicadodireito,dapolticaedamoral.Essepodera fora de lei.DerridatematizaaGewaltapartirdotextodeWalterBenjamin,Zur Kritik der Gewalt (Crtica da Violncia), dialogando com o autor e abordando o temaqueinsisteemaparecernopresentetrabalho:anaturalizaodeconceitos.Observandoadinmicadaviolnciaquefundaodireitoedaviolnciaqueo mantmDerridateceusuacrticaaosfundamentosdeautoridadedodireito.O argumentoquefazadesconstruoentraremcenaodequeantimarelao entre direito e violncia no um dado natural, mas sim fruto do construto de um argumentodeautoridadesemqualquernormasuperiorquefundamenteouso legtimodaviolncia.Ainstitucionalizaododireitoinstitucionalizaodo poder e, nesse sentido, um ato de manifestao imediata da violncia.310 Benjaminafirmouqueaviolnciaencontra-serelacionadacomodireito tanto como princpio como quanto violncia propriamente dita, no sentido forte da palavra.311 Segundo o autor as duas grandes correntes do direito - jusnaturalismo e direitopositivoinscreveramaviolncianodireitodemodoqueousodestase tornasselegtimoenorepresentasseumacontradiodentrodaordemjurdica.Atradiojusnaturalistalegitimaosmeiospelajustiadosobjetivosea tradio positivista se esfora para garantir a justia dos fins frente legitimidade dosmeios,ouseja,opositivismoafirmaqueseosmeiosforemlegtimosfins justosseronecessariamentealcanados.312Ambasastradiesestoligadasa 310BENJAMIN,Walter.Crticadaviolncia:crticadopoder.In:Documentosdecultura, documentosdebarbrie:escritosescolhidos.Trad.CelesteH.M.RibeirodeSouzaetal.So Paulo: Cultrix/ Ed. da USP, 1986. p. 179-203. 311 Ibidem. 312 As correntes jusnaturalistas, segundo Benjamin,no vem problemas no uso da violncia para alcanarfinsjustosejustificamautilizaodaforaemseusmeiosparaalcanaraquelesfins, naturais.Aquiaviolnciavistacomoumprodutodanaturezaeshaveriaproblemaemseu empregocasovisasseafinsinjustos.Paraospositivistas,porm,aviolnciatomadacomoum dadohistrico;agoraocritriodalegalidadequeavaliaosmeios.Ospositivistasbuscam distinguir tipos de violncia independentemente das situaes em que ela aplicada, identificando, assim, critrios para a definio do que pode ser considerado como violncia legtima ou ilegtima. Diz Benjamin: tese, defendida pelo direito natural, do poder [gewalt] como dado danatureza, se ope diametralmente a concepo do direito positivo, que considera o poder [gewalt] como algo PUC-Rio - Certificao Digital N 0812073/CA "") racionalidadesquenovemproblemasnousodaviolnciaenoderramamento de sangue para a resoluo de conflitos (rationalizations of bloodless).313 Independentementedatradioqueseabordeofatoqueodireitono escapaviolncia,estejaelapresentenaforamticadaautoridadequeofunda ouestejanocotidiano,namanutenoenaaplicaodalei.Esmiuandoas possibilidades dessas afirmaes, isso que dizer que:Primeiro,aoquedizrespeitoviolnciadoatofundador:odireitose origina performativamente, no sentido mais teatral do termo, apoiando-se em uma autoridadetranscendenteemstica.Haliumsilnciomuradonaestrutura violenta do ato fundador 314. O autor do ato fundador do direito, dotado de uma forainterpretadora,fazaleinumgolpedeviolncia315quesustentaa autoridadedodireitonelamesma,unicamente.Aforadessegolpeinstituio direitoapartirdaausnciadeumaautoridadequeolegitime,demodoqueo discurso do direito s encontra limites no prprio direito316.[U]madecisoinstituinteque,notendo,pordefinio,dejustificarsua soberania diante de nenhuma lei preexistente, apela somente para uma mstica e s pode anunciar-se sob a forma de ordens, de ditos, de ditados prescritivos ou de performativos ditatoriais. 317

que se criou historicamente. Se o direito natural pode avaliar qualquer direito existente apenas pela crtica de seus fins, o direito positivo pode avaliar qualquer direito que surja apenas pela crtica de seus meios. Se a justia o critrio dos fins, a legitimidade o critrio dos meios. No entanto, no obstante essa contradio, ambas as escolas esto de acordo num dogma bsico comum: fins justos podem ser obtidos por meios justos, meios justos podem ser empregados para fins justos. O direito naturalvisa,pelajustiadosfins,legitimarosmeios,odireitopositivovisagarantirajustia dosfinspelalegitimidadedosmeios.BENJAMIN,Walter.Crticadaviolncia:crticado poder. In: Documentos de cultura, documentos de barbrie: escritos escolhidos. Trad. Celeste H. M.RibeirodeSouzaetal.SoPaulo:Cultrix/Ed.daUSP,1986.p.179-203eDERRIDA, Jacques. Force de loi: le fondement mystique de lautorit. In: Deconstruction and possibility of justice. New York: Cardozo Law Review, Vol. 11, ns. 5 e 6. July/Aug., 1990. p. 984-986. (Fora de lei. Op. cit. p. 75-6.)313CORNELL,Drucilla.Theviolenceofthemasquerade:lawdressedupasjustice.In: Deconstructionandpossibilityofjustice.Vol.11,ns.5e6.NewYork:CardozoLawReview, July/Aug., 1990. p. 1048. 314DERRIDA,Jacques.Forcedeloi:lefondementmystiquedelautorit.In:Deconstruction and possibility of justice. New York: Cardozo Law Review, Vol. 11, ns. 5 e 6. July/Aug., 1990. p. 942. (Fora de lei. Op. cit. p. 25.) 315Quenonemjusto,neminjusto,poisinexistequalquerjustiaoudireitoanteriorquepossa garantir,contradizerouinvalidarestegolpe.DERRIDA,Jacques.Forcedeloi:lefondement mystiquedelautorit.In:Deconstructionandpossibilityofjustice.NewYork:CardozoLaw Review, Vol. 11, ns. 5 e 6. July/Aug., 1990. p. 940. (Fora de lei. Op. cit. p. 24-5). 316DERRIDA,Jacques.Forcedeloi:lefondementmystiquedelautorit.In:Deconstruction and possibility of justice. New York: Cardozo Law Review, Vol. 11, ns. 5 e 6. July/Aug., 1990. p. 940. (Fora de lei. Op. cit. p. 24-5). 317 Ibidem. p. 1012. (Fora de lei. Op. cit. p. 106). PUC-Rio - Certificao Digital N 0812073/CA "*# Pensandoasituaodocontatoedatensogeradapelasleisqueregem ndios e no-ndios, convm questionar-se sobre a origem dos atos que instituram as leis indigenistas e procurar o fundamento da autoridade que decidiu que os no-ndiosdecidiriampelosndios.bempossvelqueseestejadiantedeummito, ummitodeorigemdodireito,damesmaordemdosmitosfundadoresdeque fazem uso as sociedades indgenas. Osgolpesdeforainstituintesdenormasdedireitosindigenistasem autoridadelegitimadoraestopresentesdesdeaordemdequeasterrasdos indgenas estariam sob a soberania da Coroa Portuguesa, sob o argumento de que nopossuamumapolticaorganizada.Houvetambmaquestodadoutrinada guerrajustaquepermitiuomassacredeindgenasquenosesubmetessem catequizao;asdeterminaesdequeosndiosdeveriamsergovernadospelos portugueses; a deciso de que os ndios eram incapazes e deveriam ser tutelados;a proibio de uma ANC exclusiva em 1988; etc. Aguerrajusta;oassimilacionismo;asdecisespr-constitucionais;o processoconstituinte;aConstituio;osDecretosqueregulamentamas demarcaesdeterrasindgenas,paratodoscabeapergunta:qualautoridade dotouosno-ndiosdacapacidadededecidiracercadavidaedamortedos indgenas?OEstadobrasileiroseriaarespostamaisbviaeclara.Certamente que uma resposta, insuficiente, todavia; uma vez que o prprio ato fundador do Estadotambmesteivadodemticaeviolncia.Dessaforma,aquestosobre quem faz as regras, ou ainda, quem diz quem faz as regras, constrangedoramente exposta.Seraausnciadequalquergovernabilidadeouainfnciapoltica que os portugueses encontraramentre os indgenas, ao chegar aoBrasil, que 500 anosdepois,aindaimpedequesecreditemsuasformasdeorganizaosocial? Seria possvel argumentar que as sociedades indgenas, aquelas bastante isoladas e queaindanoseintegraramsociedadenacional,noevoluram,sequer entraramnahistriaeque,porisso,permanecemnamesmacondiodeh500 anos? A resposta, todavia, no simples como poderia parecer. Segundo,quetangeamanutenododireito,Derridaquerexplicitaro fatodequeesteombitoderealizaolegtimadaforaquandosetratade PUC-Rio - Certificao Digital N 0812073/CA "*" garantir a existncia da ordem jurdica. Se o direito existe a partir da necessidade deregrasdecartergeralquevinculemosmembrosdeumasociedadedeforma imparcial,manteraordem,aindaquepormeiodousodaviolncia,a justificativaplausveldaaplicaododireitoedafora.Aexpressoemingls to enforce the Law, que se se traduz por aplicao da lei , segundo Derrida, maisricadesignificadoparaoseupropsito,poisdemonstraaalusoliteral fora autorizada do direito, uma fora que se justifica e continua a se justificar. Existem, obviamente, muitas leis que no so aplicadas, mas no existe lei sem aplicabilidade. Tambm no h aplicabilidade ou enforceability da lei sem fora, quer essa fora seja direta, indireta, fsica ou simblica, exterior ou interior, brutalousutilmentediscursivaouatmesmohermenutica-,coercitivaou reguladora.318 A fora a condio de existncia de uma lei, se se deseja que ela sejaaplicvel.Odireitopositivogaranteamanutenododireito,poispormeio desteinstrumentosefazemcorretosedeterminadososmeiosdosquaissomente poderodecorrerfinsjustos.Segundoodireitopositivo,meioslegtimosgeram fins necessariamente justos. Esse um dos esquemas segundo o qual o direito se auto-regula e mantm a sua fora. Nesse caso, se um fim exigir o uso de violncia esta ser justa se os meiosempregados tiverem sido legtimos e corretos.Paraodireitopositivistaodevidoprocessolegalumexemplodemeio legtimoquegaranteajustiadosfins;seumalidecorrerdeacordocomo procedimentoprevisto,setodasassuasregrasforemrespeitadascomoprazos, direitoaocontraditrioeampladefesa,etc.noh,diantedodireitoposto, comosefalareminjustiadofimalcanado.Talestacertezadajustiados fins - que o direito torna tais decises coisas julgadas, ou seja, passveis de serem revistas apenas diante de determinadas circunstncias especficas. Masqualagarantiadequeumdevidoprocessolegalasseguraajustia deumfim?Umprocessoquepossuajustezacomrelaosuasregrasleva necessariamente a uma deciso justa? 318DERRIDA,Jacques.Forcedeloi:lefondementmystiquedelautorit.In:Deconstruction and possibility of justice. New York: Cardozo Law Review, Vol. 11, ns. 5 e 6. July/Aug., 1990. p. 924. (Fora de lei. Op. cit. p. 8-9). PUC-Rio - Certificao Digital N 0812073/CA "** AprpriaAssembliaNacionalConstituinte,cujoprocessoduroumeses, seguiuostrmitesprevistos,gestouaConstituiodeumaNaonopde garantirajustiadetodasasnormasalicriadas,mastosomentesuajustezae conformidade com a legalidade. Aconstataodanecessidadedousodaforavemdemonstrarqueo direito,dentrodepadresmodernos,necessitadoimpossvelparaexistir:conceitosindiscutveis,modelosgeraisdenormatizao,certezadeuma humanidade comum a todos e, para que o equilbrio social em torno dessas noes se mantenha, se faz necessrio o uso da fora. A fora o que garante a certeza, e a justia319. Derridaressalta,ademais,queodireitopossuiomonopliodaviolncia (nosentidodeautoridade)eafastaqualquerviolncia(nosentidoliteral)que ameaceasuaordem.Estemonopliovisaprotegermenosfinsoumeios,maso prpriodireito.Tudoaquiloqueodireitonoreconhece,quenolegitima,ele afasta e decreta que violento (fora da lei), ilegtimo. Os agentes encarregados da manutenodoEstadotememexatamenteaquelaviolnciaqueapresentauma possibilidadedefundarumnovodireito,instituiroutraordem320.Dentrodesse esquemaperformativoodireitoestruturatodaafundamentaodalei,produz convenes que garantem o legal e o ilegal da violncia.Ouseja,aestruturadodireitoestfundadaematosdeforalegitimados porcamadastextuaisdalinguageme,aindaquepretendaserjusto,eleno encontrafundamentooujustificativaltimasenonarepetiomticadeseus rastros321,deseusdficitsdejustia,porassimdizer.ComoafirmouDrucilla 319 Certeza e justia esto entre aspas, pois a certeza que se imagina universal, aquela que o direito defende, parcial e produzida a partir dos ditames de uma lei tambm fundada com violncia. A justia, como se explicar melhor adiante no apenas o resultado da aplicao do direito. 320BENJAMIN,Walter.CritiqueofViolence.In:Reflections,Essays,Aphorismsand Autobiographical Writings. New York: P. Dementz ed., 1986. pp. 239-241. 321OrastroapontaparaaausnciadeumOutroquenuncapodeestarpresente.EmDela Grammatologie, Derrida apresenta a idia de rastro institudo como alternativa ao signo arbitrrio deSaussureinstitudojquecontrrionoodenatural(comoosigno).Orastroum conceitoquequerevidenciarano-presenaaoinvsdeindicarapresenadosignificado,a ausncia pertence a sua estrutura. Segundo Gayatri Spivak o rastro o simulacro de uma presena quesedesloca,setransfere,sereenvia,elenotempropriamentelugar.(SPIVAK,Gayatri. Translators preface. In: DERRIDA, Jacques. Of Grammatology. Baltimore: The Johns Hopkins UniversityPress,1976.p.XVIII).Ouseja,norastronuncaseencontrarumapresena.Rastro apagamento da presena naturalizada e codificada. algo queno tem significado prprio e s o PUC-Rio - Certificao Digital N 0812073/CA "*+ Cornell322,amquinafuncionaparaapagarasfundaesmsticasdesuaprpria autoridade. Outramaneiraviolentadesemantervigenteodireitoadelimitao minuciosa,institudapeloprpriodireito,dasformasdeinterpretar323asregras jurdicas. Ou seja, o mesmo direito que outrora instituiu as leis estabelece agora a formaapropriadadeinterpret-las.Aindaquesepossasupor-oquedefato ocorre bastante frequentemente - que em dado momento histrico, haja um grande conjuntoderegrascujombitodeaplicaosejaclaroeinquestionvel,ouseja, que nem tudo se encontre sempre nebuloso e de difcil interpretao, no se pode perderdevistaqueessaclarezaquantosregras,ouaquiloqueestabeleceo dentroeoforadodireito,foiestabelecidopelasmesmasforasqueagora(mas apenas temporariamente) so responsveis pela situao de clareza 324, ou seja, as forasjurdicas,porassimdizer,queentraramemaoparaquedeterminadas regras se tornassem inquestionveis, so as mesmas que agora as mantm. O direito regula at mesmo os momentos em que possvel fazer violncia contra ele. Benjamin fala do direito de greve para ilustrar uma situao em que o prprio direito dispe acerca daquilo que o ameaa, a violncia fora do alcance de suasmos.Osistemajurdicopermiteereconheceumaviolnciaforadeseu monoplio, a greve, na qual a classe trabalhadora considerada, pelo autor, como umdospoucossujeitosintituladoparaousolegaldaviolncia.Trata-sedeuma violncia contra o direito e no simplesmente uma recusa submisso a violncia doempregador.Quemfazumagreverealizaumaviolnciacontraaviolncia,

adquirepormeiodecomparaeseumainfinitaatividadedesopesar.(DERRIDA,Jacques.La diffrence.In:DERRIDA,Jacques.Margesdelaphilosophie.Paris:Minuit,1972.p.23-24; DERRIDA, Jacques. De la Grammatologie. Paris: Minuit, 1970. p. 90 ss.). 322Themachine[...]functionstoerasethemysticalfoundationsofitsownauthority. CORNELL,Drucilla.Theviolenceofthemasquerade:lawdressedupasjustice.In: Deconstructionandpossibilityofjustice.Vol.11,ns.5e6.NewYork:CardozoLawReview, July/Aug., 1990. p. 1050.323AesserespeitoverALEXY,Robert.Teoriadaargumentaojurdica.SoPaulo:Landy, 2001.STRECK,LenioLuiz.Hermenuticajurdicae(m)crise.PortoAlegre:Livrariado Advogado,1999;WARAT,LuisAlberto.Odireitoesualinguagem,2averso.2aed.Porto Alegre:SergioAntonioFabris,1995.CAMARGO,MargaridaLacombe.Hermenuticae argumentao.RiodeJaneiro:Renovar,1999.GRONDIN,Jean.Quehermenutica?So Leopoldo: UNISINOS, 2000. 324FISH,Stanley.Force,in DoingWhatComesNaturally:Change,Rhetoric,andthePractice of Theory in Literary and Legal Studies. Durham e London: Duke University Press, 1989, p. 516. PUC-Rio - Certificao Digital N 0812073/CA "*$ poisaoseremfixadasascondiesdevoltaaotrabalhohumaconstituiodo usodaforaparaaobtenodefins.Ostrabalhadoresestoautorizadosa compartilhardomonoplioestataldousodafora,aindaquenaestreitamedida que o Estado lhes confere esse poder.SeagreveexorbitadessasprerrogativasoEstadopodejulg-laabusivae atmesmoafirmaraexistnciadeummalentendidonaintenooriginriado movimento.Umcomportamentoaceitopelodireitopodeviraserconsiderado violentoe,casoameaceaordemjurdica,odireitoreagirferozmentepara suprimiraquiloqueultrapassouseuslimitesepassouaserconsideradocomo exerccio da violncia ilegal. Outroexemplodealgoqueameaaodireitodeseuinterior,eprenuncia umatransformaonasrelaesdedireito,soasmanifestaespelodireito terrarealizadaspelosindgenasqueocupamosterritriosdeondeumdiaforam retirados.Essaexpressodasoberaniapopular,previstapeloprpriodireito325, pretendeexerceraforacontraaviolnciadecorrentedosefeitosdademorana resposta jurdica da soluo desses conflitos.Naturalmente,emnomedodireitopropriedadeprivadaessasinvases temsidoconsideradasilegais.Masserqueessailegalidadeseriaassimto natural? O que faz da propriedade privada um instituto to natural e bvio?326

325Existeumagrandediscussopolticaejurdicasobrealegitimidadeounodasocupaesde terras. Em relao questo indgena, diante da relutncia dos poderes institudos de efetivar seus direitos,especialmentedeacessoedetitulaodaterra,aquelesatosdereivindicaoso legtimos.Issoporqueasocupaesdeterrasnosocrimesepodemserconsideradas manifestaolegtimadodireitoderesistncia/desobedinciacivil(LACERDA,MarinaBasso. Ocupaes como manifestao legtima do direito de resistncia - caracterizao e fundamentao constitucional. Captura Crtica: direito, poltica, atualidade, Florianpolis v. 2, p. 181-206, 2009.), quando so atos pblicos realizados em grupo, visando a alterar uma lei ou a efetivar uma poltica pblica, de acordo com o disposto na Constituio como o caso das ocupaes realizadas por indgenas.Odireitoderesistncia/desobedinciacivil,emtaiscondies,temrespaldo constitucional, porque na omisso do Estado em seu dever de efetivao dos direitos fundamentais, albergadopelaclusuladeaberturadoartigo5;porquearesistnciaaopoderexpressoda livreiniciativa,expressanoartigo1,incisoIVdaCRFB(GRAU,ErosRoberto.Aordem econmicanaConstituiode1988.10ed.rev.at.SoPaulo:Malheiros,2005);porque expresso da soberania popular - artigo 1, par. nico.326precisotersempreemmentequeanoodepropriedadeestintimamenteligadaaointra-subjetivo devido operao iniciada com JohnLocke de tornar dominio rerum e dominio sui institutosjurdicosinseparveis,tornandoapropriedadedascoisasumaespciedemanifestao externa daquela propriedade intra-subjetiva que cada indivduo tem de si mesmo e que se relaciona PUC-Rio - Certificao Digital N 0812073/CA "*% Sabe-se que o Estado moderno recusa ao sujeito individual todo o direito violncia, a qual monoplio do Estado. Esse ponto visto com naturalidade pelo sensocomumqueentendequesomenteoEstadopodepossuirexclusividadeno usodafora327.Areivindicaoporumdireitoquerespondaquestodaterra indgenademaneiramaisclere,oudemaneiradiferente,ouatmesmo,a reivindicao de que os prprios ndios possam resolver os litgios referentes aos seusterritriossomanifestaesqueameaamdiretamenteasexclusividades estatais.Aameaavindaporpartedosindgenaspodepareceraindamais assustadoraumavezqueoembatecomoEstadopraticamentedireto,sem instnciasintermediadoras;ondioserelacionadiretamentecomaUnio,o espao estatal por excelncia. possvel que uma das maiores diferenas entre as sociedades de ndios e no-ndiossejaainsubordinaoindgenatranscendnciadoEstado.Osno-ndios pactuamos o contrato social, seja ele roussoniano ou hobbesiano. De sada jogamosojogodaindiscutibilidadedopontodevistadoEstado.Associedades indgenas, por seu turno, possuem outras formas de organizao social que no a ocidental, a qual so obrigadas a se submeter. O Estado no est em discusso e, o que tensiona ainda mais a situao que o ponto de vista do Estado sempre esteve bastantedefinido:oEstadoumEuquenuncaOutro328.TemosoEstado como o inventor do universo329: a monopolizao no s da fora, mas tambm

com a valorizao pessoal. A esse respeito ver GROSSI, Paolo. Histria da Propriedade e outros ensaios.... p. 13. Ver tambm item 2.2.2 supra. 327Anaturalidadecomqueserecebeessaafirmaodeve-seaofatodequeatradio contratualista,segundoaqualoEstadofoipensadocomgrandesupremacia(personificadona figuradosoberano,aoqualtodosdeviamobedincia),serviudealicerceparaaestruturaoda sociedade poltica contempornea. A esse respeito ver HOBBES, Thomas. O Leviat ou Matria, forma e poder de um Estado eclesistico e civil. Trad. Joo Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza daSilva.SoPaulo:AbrilCultural,1974;JAUME,Lucien.Hobbesetl'Etatrepresentatif moderne.Paris:PressesUniversitairesdeFrance,1986.LOCKE,John.Segundotratadosobreo governo.SoPaulo:MartinClaret,2006;DUNN,John.ThepoliticalthoughtofJohnLocke:an historicalaccountoftheargumentofthe'Twotreatisesofgovernment'.Cambridge:Cambridge University Press, 1969; ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. So Paulo: Abril Cultural, 1978eBONAVIDES,Paulo.Democraciaeliberdade.In:EstudosemhomenagemaJ.J. Rousseau. Rio de Janeiro: Fundao Getlio Vargas, 1962. 328 VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo B. Uma boa poltica aquela que multiplica os possveis. In:VIVEIROSDECASTRO,EduardoB.Encontros.EntrevistasorganizadasporRenato Sztutman.RiodeJaneiro:BecodoAzougue,2008.p.230.EntrevistaconcedidaaRenato Sztutman e Stelio Marras. 329 Ibidem. p. 230. PUC-Rio - Certificao Digital N 0812073/CA "*& da personitude ou agentividade distribuda no cosmos, sua concentrao num s lugar. 330 A esse respeito afirma Viveiros de Castro: OEstadopodeserimaginadocomoaencarnaodoabsoluto,noapenasno sentidohegeliano,mascomoaposiodeuminegocivel,comoalgoque,por definio,noscolocadiantedeumFatoConsumado. PertencemosaumEstado, querendo ou no, a despeito de todo pacto, todo contrato, todo livre arbtrio, todo ideal democrtico. Se no estivermos no Estado, imersos no elemento do Estado, nosomosningum.TodooEstadouniversal,aspiraaserumEstado universal.331 AssociedadesindgenasdealgumamaneirareconhecemoEstado,seu poderpolticopautadopelaviolncia,elas,contudo,resolveramneg-loenessa negao est sua ameaa ao direito. A essa intimidao o Estado responde com violncia e uso da fora, j que nohumaautoridadelegalquepermitaaosndiosaocupaodepropriedades privadas,sendoessaatitudeencarada,portanto,comoilegal.Masemsetratando deautoridade,precisolembrar,queautoridadelegtimatambmnoexistia quando da fundao do direito vigente. O que legitima, mantm, autoriza o direito vigente apenas um fundamento mstico de autoridade332. Mstico, porm com forasuficienteparaabsolutizarasaesdoEstadocomoseessasfossemuma dimenso apriorstica do direito. NotoanessesmomentosdetensooEstadolanamodeuma instituiocomlimitesindeterminveis:apolcia.impossveldeterminaros limitesemqueoperaapolcia,poiselatransitaentreaviolnciafundadoraea violncia conservadora do direito. Ela a fora de lei, ela tem fora de lei, em sua autoridadesuspende-seaseparaodasviolncias. 333Apolcianoapenaso grupodeagentesfardados,oradecapacetes,oracomescudosoracomcavalos, armas e cassetetes, organizados em uma estrutura civil de moldes militares aos quais se probe o direito de greve. Para os presentes fins ela muito mais que isso, 330 Ibidem. p. 230. 331 Ibidem. p. 229. 332DERRIDA,Jacques.Forcedeloi:lefondementmystiquedelautorit.In:Deconstruction and possibility of justice. New York: Cardozo Law Review, Vol. 11, ns. 5 e 6. July/Aug., 1990. p. 940-42. (Fora de lei. Op. cit. p. 25). 333Idem.Rhtoriquedeladrogue.In:Pointdesuspension.Galile,1992.p.36.Apud. DERRIDA,Jacques. Forcedeloi:lefondementmystiquedelautorit.In:Deconstruction and possibility of justice. New York: Cardozo Law Review, Vol. 11, ns. 5 e 6. July/Aug., 1990. p. 1006-1008. (Fora de lei. Op. cit. p. 99). PUC-Rio - Certificao Digital N 0812073/CA "*' est presente e representada em toda parte onde h fora de lei. Ela est presente, svezesinvisvel,massempreeficaz,emtodaparteondehconservaoda ordem social. 334 Assim a relao que se estabelece entre a violncia fundadora do direito de cunho jusnaturalista - e aquela que o mantm de matriz positivista - apresenta umcicloalgovicioso,poisafundaododireitoinauguraleisquesomodelos interpretativos335prpriosparaseremlidos(aplicados)retroativamenteafimde dar sentido, necessidade e, sobretudo legitimidade violncia que produziu, entre outros, o modelo interpretativo (lei) em questo336. Ou seja, a fora conservadora dodireitoforneceralegitimidadenecessriaparaaqueledireitocujosalicerces foram fundados sobre uma autoridade sem qualquer legitimidade.[...] a lei transcendente, violenta e no violenta, porque ela s depende daquele queestdiantedela[...]daquelequeaproduz,afunda,aautorizanum performativoabsolutocujapresenalheescapasempre.Aleitranscendentee teolgica, portanto sempre futura, sempre prometida, porque ela imanente, finda e portanto j passada. Todo sujeito se encontra de antemo preso nessa estrutura aportica.Somenteofuturoproduzirainteligibilidadeouinterpretabilidade dessalei.[...]aordemdainteligibilidadedepende,porsuavez,daordem instaurada que ela serve para interpretar.337 Essaaformacomonodireitoseconstriodiscursodeautolegitimao resistenteainfiltraes,umdiscursoquenomeramenteumpontodevista comooutroqualquer,masopontodevista338.Aviolncia,Gewalt,portanto, 334 Idem. Force de loi: le fondement mystique de lautorit. In: Deconstruction and possibility of justice. New York: Cardozo Law Review, Vol. 11, ns. 5 e 6. July/Aug., 1990. p. 1008. (Fora de lei. Op. cit. p. 102).335SobremodelosinterpretativosehermenuticajurdicaverALEXY,Robert.Teoradelos DerechosFundamentales.CentrodeEstdiosPolticosYConstitucionales,Madrid,1997; ATIENZA, Manuel. As razes do direito teorias da argumentao jurdica: Perelman, Toulmin, MacCormick,Alexyeoutros.SoPaulo:Landy,2000;GRAU,ErosRoberto.EnsaioeDiscurso sobreaInterpretao/AplicaodoDireito.3edio,MalheirosEditores,2005;HBERLE, Peter.Hermenuticaconstitucional:umasociedadeabertadosintrpretesdaconstituio: contribuioparaainterpretaopluralista"procedimental"daconstituio.PortoAlegre:Srgio AntnioFabrisEditor,2002;PERELMAN,Chaim.ticaedireito.SoPaulo:MartinsFontes, 2000;PERELMAN,Chaim.Lgicajurdica.TraduodeVirgniaK.Pupi.SoPaulo:Martins Fontes,2004;PERELMAN,Chaim;OLBRECHTS-TYTECA,Lucie.Tratadodaargumentao: a nova retrica. Traduo de Maria Ermantina Galvo. So Paulo: Martins Fontes, 1996. 336 DERRIDA, Jacques.Force de loi: le fondementmystique de lautorit. In:Deconstruction and possibility of justice. New York: Cardozo Law Review, Vol. 11, ns. 5 e 6. July/Aug., 1990. p. 992. (Fora de lei. Op. cit. p. 84). 337 Ibidem. p. 994. (Fora de lei. Op. cit. p. 85). 338 VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo B. Uma boa poltica aquela que multiplica os possveis. In:VIVEIROSDECASTRO,EduardoB.Encontros.EntrevistasorganizadasporRenato PUC-Rio - Certificao Digital N 0812073/CA "*( necessria para a fundao e a manuteno de um direito que reproduz os signos lingusticosdatradiometafsicaOcidentalesuasconsequncias.Umcontedo inequvoco, auto-suficiente, universalizante, dotado de Standards de interpretao spossvelcomorecursodaviolncia,casocontrrionohdireito.339[O] direitosempreumaforaautorizada,umaforaquesejustificaouquetem aplicaojustificada,mesmoqueessajustificaopossaserjulgada,poroutro lado, injusta ou injustificvel.340 Aviolnciamsticadaautoridadedodireitofunda-oeomantm naturalizando,banalizandoaconstruohistricaqueculminounessearcabouo normativoqueinstauraerestauraaordementreoshomens.Odireitoocidental possui premissas, a primeira vista, inabalveis que o pensamento da desconstruo escavaedeixamostraosalicerces.Aprimeiradelasomitodefundaoe manuteno,masexistemoutrosdualismosespalhadospelostextosdaleique alimentam a conservao hodierna da metafsica da presena.Assimcomoadesconstruocriticaaautoridadedodireitoafigurado antroplogo,nacondiodeautoridadefrenteaoindgena,tambmcriticada pelo perspectivismo. Cada um sua maneira, o direito e a antropologia, guardam uma autoridade mstica, fundada a partir de a prioris que se naturalizam com o passar dos anos e se amparam na lgica moderna ocidental. ArespeitodaatividadedoantroplogonostermossugeridosViveirosde Castroconstataqueonativoapenassetornaumnativograasauma pressuposio por parte do antroplogo de que a relao daquele com sua cultura natural,intrnsecaeespontneae,sepossvel,noreflexiva;melhoraindase forinconsciente. 341Ambos,nativoeantroplogo,exprimemsuasculturaspor meio de seus discursos, porm se este pretende no ser igual ao nativo deve poder exprimirsuaculturaculturalmente,reflexiva,condicionaleconscientemente.O antroplogousanecessariamentesuacultura;onativosuficientementeusado

Sztutman.RiodeJaneiro:BecodoAzougue,2008.p.229.EntrevistaconcedidaaRenato Sztutman e Stelio Marras. 339FISH,Stanley.Force,in DoingWhatComesNaturally:Change,Rhetoric,andthePractice of Theory in Literary and Legal Studies. Durham e London: Duke University Press, 1989. p. 506. 340 DERRIDA,Jacques.Force de loi: le fondementmystique de lautorit. In:Deconstruction and possibility of justice. New York: Cardozo Law Review, Vol. 11, ns. 5 e 6. July/Aug., 1990. p. 924-926. (Fora de lei. Op. cit. p. 07-08). 341 VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. O nativo relativo. Op. cit. p. 114. PUC-Rio - Certificao Digital N 0812073/CA "*) pelasua 342,comoseonativoexteriorizasseasuacultura,mascomelano estabelecesseumarelaocomoantroplogo.Arelaosed,doladodo antroplogo, em uma via de mo dupla, ele antroplogo porque usa sua cultura paraseexpressareparadeterminarumarelaodediferenacomonativo;por outrolado,emrelaoaonativo,tem-seumaviademonica,eleapenas expressa a sua cultura, inconscientemente. 343 Nessalinhadedicotomiaentreasidiasnativaseoquerealmente acontece, John Gilissen, historiador do direito, afirmou que a cultura jurdica dos indgenas uma espcie de pr-direito 344 e que o acesso ao direito geralmente se dpelapassagemdocomportamentoinconscientepuramentereflexoao comportamentoconsciente,refletido,senointeligente 345.Opr-direitodeque falaGilissen,luzdosensinamentosdeViveirosdeCastro,seriaaqueleque consideradoumdireitointrnseco,espontneo,naturaleaevoluoem direoaoverdadeirodireitosedariaquandoonativopassasseaexpressaro direito de modo cultural e consciente. Atraduoqueoantroplogorealizadaculturaindgenaeousoqueo direito faz dessa traduo para transform-la em lei tornam-se processos bastante corrompidosdiantedaautoridadedaqualoantroplogosereveste.Uma hierarquiaartificialentreosdiscursos(doantroplogoedonativoe, indiretamente, do legislador e do nativo) se fixa no pano de fundo desse encontro econstituiumarelaocontaminada,porassimdizer.Umahierarquia,preciso queseressalte,nonatural,masprpriadojogodelinguagemquevamos descrevendo,edefineaspersonagensdesignadas(arbitrariamentenomasculino) como o antroplogo, o nativo346 e o legislador. O antroplogo ou o legislador gozam,deantemo,deumavantagemepistemolgicasobreonativo,poisso elesquemdetmoconhecimentonecessrioecapazdeexplicareinterpretar, traduzireintroduzir,textualizarecontextualizar,enfimjustificarosentidodo 342 Ibidem. p. 114. 343 Ibidem. p. 114. 344Paramaioresconsideraesacercadaidiadepr-direitoverPoirier,Jean.Ethnologie gnrale . In: La Pliade. Paris: 1968.p. 1091-1246 Cf. GILISSEN, John. Introduo histrica ao direito.Trad.AntnioManuelHespanhaeManuelLusMacastaMalheiros.4.ed.Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 2003. p. 37. 345GILISSEN,John.Introduohistricaaodireito.Trad.AntnioManuelHespanhaeManuel Lus Macasta Malheiros. 4. ed. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 2003. p. 37. 346 VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. O nativo relativo. Op. cit. p. 114 PUC-Rio - Certificao Digital N 0812073/CA "+# discurso do nativo. A matriz relacional do discurso antropolgico hilemrfica, ouseja,osentidodoantroplogoforma;odonativo,matria.Odiscursodo nativonodetmosentidodeseuprpriosentido.347apartirdessa desigualdadeinicialquealeiindigenistainstituda,aplicada,confirmadae conservada.Aconstataorealizadapeloperspectivismodessarelaohilemrfica entreosdiscursosapresentaalgodedesconstrucionista,visaredimensionara epistemologiaapartirdanoodequenohqualquercomprovaocientfica, oudequalqueroutraordem,quenoamtica,queautorizeasuperioridade epistemolgica do discurso do antroplogo e do legislador sobre o do nativo. Assimapreeminnciadostermossujeito/cultura/antroplogosobreos termosobjeto/natureza/nativoapenasaparente.precisoinventaruma autoridade para que a relao de conhecimento entre o antroplogo e o nativo seja concebidacomounilateral.Talautoridadequeoraseestacriticaroque autoriza o antroplogo a conhecer de jure o nativo, ainda que possa desconhec-lodefacto. 348Quandosevaidonativoaoantroplogo,asituaoseinverte: aindaqueeleconheadefactooantroplogo(freqentementemelhordoque esteoconhece),nooconhecedejure 349,poisnopareceplausvelaidiade queonativosejaantroplogocomooantroplogo.Entende-senatradio ocidental que: A cincia do antroplogo de outra ordem que a cincia do nativo, e precisa s-lo: a condio de possibilidade da primeira a deslegitimao das pretenses da segunda, seu "epistemocdio", no forte dizer de Bob Scholte. 350 O conhecimento por parte do sujeito exige o desconhecimento por parte do objeto. 351

Operspectivismoexigeumnovoolharsobreaantropologiaesobreo nativo.Alis,operspectivismocolocadiantetambmdodireitoeemespecial dodireitoindigenistaanoodeumOutroquepensa,capazdeteracessoao 347 Ibidem. p. 114. 348 Ibidem. p. 114. 349 VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. O nativo relativo. Op. cit. p. 114. 350SCHOLTE,Bob.1984."ReasonandCulture:TheUniversalandtheParticularRevisited". AmericanAnthropologist,86(4).p.964.Apud:VIVEIROSDECASTRO,Eduardo.Onativo relativo. Op. cit.351 VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. O nativo relativo. Op. cit. p.114. PUC-Rio - Certificao Digital N 0812073/CA "+" logos no apenas nos termos da razo moderna e, que este Outro possui conceitos e formas de organizao social diferentes, seno melhores que as nossas, mas que obrigado s nossas se adaptar. 352 Seodireitoesuasestruturasperformticasfundao,aplicao,etc.- soimpossveisdeserempensadossemviolncia,aprimeiraviolnciaento estabelecidaapartirdomomentoemqueseproduz(eseimpe)umdireito indigenistamargemdodireitoindgena-eperdurariaaindaqueoantroplogo buscasse traduzir o direito indgena para ser aplicado pela ordem jurdica vigente - seisso,poracaso,fosseumapossibilidade.Aindaassimseriaimpossvelse desfazerdeestruturasinjustascomoatraduo,arepresentaoeono reconhecimento, pois tais estruturas exigem uma quase que total compreenso do Outro, o que diante da singularidade pode no ser possvel sem violncia. 353 Acrticasautoridadessemfundamentododireito edaantropologiano se dissolvem apenas ao se concederem oportunidades aos ndios para reclamarem seusdireitosestabelecidospelosbrancosoudeconcederoportunidadespara queosndiospossampormeiodeumagraduaotornarem-seantroplogos como os antroplogos. Afirma Viveiros de Castro que a mera igualdade passiva - oudefato,entreossujeitosdosdiscursosnativo,antropolgicoejurdico,eu 352 preciso lembrar que j no sculo XIX, durante o perodo em que foi permitido aos ndios se autogovernarem, foram registrados diversos processos em defesa dos direitos indgenas, o que no mais ocorreu quando os ndios passaram a ser representados por procuradores no-ndios, diretores de aldeias. Mesmo tendo que atuar emuma lgica e emum sistema completamente diferente dos seusosindgenasdaaldeiaAramarisdeInhambupedeCima,naBahiarepresentaram,em1815 contraaespoliaodesuas;osndiosGameladeViananoMaranho,em1821e1822, reclamaramademarcaodesuasterras;em1825,umndioXukuru,capito-mordavilade CimbresemPernambuco,denunciouabusoscometidosprovavelmentepelodiretordaaldeia. CUNHA,ManuelaCarneiroda(Org).HistriadosndiosnoBrasil.SoPaulo:Companhiadas Letras/ Secretaria Municipal de Cultura/ FAPESP, 1992. p. 152. 353Aviolnciasingularidadedoindgenapodesertantoaviolnciapropriamenteditaaquela que viola o corpo como tambm uma violncia de outra ordem, que poderamos chamar de moral ou psicolgica. Ao se tentar traduzir seu idioma preciso, por exemplo, partir da premissa de que osconceitosdendioseno-ndiossorepresentadosdamesmaformanasduasculturasequea simplestraduodeumnomeconferidoaalgosersuficienteparaofereceracompreensoentre osindivduos;damesmamaneira,atentativaderepresentarosanseiosdospovosindgenasou inclu-losemumprocessocriadopelaculturanacionalbrasileiradecujaelaboraoelesno participaramrequerumatorotalnavidadealgunspovosindgenasquenohcomoser imaginada semviolncia. Isto porque, como afirmou Derrida, a singularidade algo queresiste e permanece,resistindoatmesmosuaatribuiosubjetividade(emtodosossentidosdo termo:osujeitocomosubstnciaidnticaasi,sujeitodoinconsciente,sujeitodalei,sujeito cidadoousujeitodedireito,etc.).DERRIDAJacques;ROUDINESCO,Elisabeth.Deque amanh... Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004. p. 122. PUC-Rio - Certificao Digital N 0812073/CA "+* acrescentaria-nodevesatisfazer.Destafeitaoperspectivismoreivindicauma igualdade ativa, ou de direito, entre os discursos. Emlugardeadmitircomplacentementequesomostodosnativos,levarmoss ltimas,oudevidas,conseqnciasaapostaoposta-quesomostodos 'antroplogos', e no uns mais antroplogos que os outros, mas apenas cada um a seu modo, isto , de modos muito diferentes.354 4.3 O porvir ona da Diffrance O animal nos olha, e estamos nus diante dele. E pensar comea talvez a.(Jacques Derrida: O Animal que logo sou) Paraproblematizarasestruturasconceituaishierarquizadasquese encontrampresentesnostextosdatradioocidentalafimdequesepossa desconstruir a lgica de suplementaridade estabelecida Derrida lana mo de uma categoria que denominou diffrance355.Esteneologismodiffrancegrafadoassimmesmocoma (diferentementedediffrencecome,quesetraduzdofrancscomo diferena356) significa o movimento de um olhar especfico que se direciona a um significante357 e sua relao com determinado significado. Especfico porque no 354 VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. O nativo relativo. Op. cit. p. 116. 355TermocunhadoporDerridaem1965,emumartigodedicadoaAntoninArtaud,Laparole souffle(publicadooriginariamentenaRevistaTelQueleposteriormenteemLEcritureetla diffrence)e,maisespecificamenteemumaconfernciaLadiffrance,em27.12.1968,na Sociedade Francesa de Filosofia. DERRIDA Jacques. Lcriture et la diffrence. Paris: ditions du Seuil, 1967. p. 253. 356Paramaisinformaesacercadacompreensoderridianaacercadossentidosdoverbolatino differre ver DERRIDA, Jacques. Marges de la philosophie. Paris: Minuit, 1972. p. 8. 357 Segundo Saussureum significante aformagrfica, ou osom deumsignificado. Emais, a imagemacstica,aimpressopsquicadeumsom.Osignificado,porsuavez,oconceito,o sentido, a significao, o contedo semntico, a representao mental de um objeto ou da realidade social em que nos situamos, representao essa condicionada pela formao sociocultural que nos rodeia. Em outras palavras, para Saussure, conceito sinnimo de significado (plano das idias), algocomooladoespiritualdapalavra,suacontraparteinteligvel,emoposioaosignificante (planodaexpresso),quesuapartesensvel.Jsignoumaunidadesignificativaresultanteda uniosolidriaentresignificadoesignificante.Assimosignolingusticoformadopelo significado,aquecorrespondeumconceitoe,pelosignificante,aquecorrespondeumaimagem acstica ou grfica do conceito. Ver CARVALHO, Castelar de. Para compreender Saussure. 12 PUC-Rio - Certificao Digital N 0812073/CA "++ setratadequalquerolhar,massim,umaapreciaoacuradaeatentas significaesdostermosdemodoquenosejapossvelaexistnciadeum significadoestanque.Adiffranceexigequecadaelementoserelacionecom outra coisa que noelemesmo, guardandoem si a marca doelemento passado e deixando-sejmoldarpelamarcadasuarelaocomoelementofuturo. 358A diffrancedizrespeitoaalgoquenosedeixasimbolizareexcedea representao.359 Mais fcil queexplicar seu significado talvez seja dizer que da diffrance resultaaexposiodasoposieslogocntricasdostextos,libertandounidades verbaisnaturalizadasaqueDerridachamabrisuresoupalavras-charneira360. Essa libertao diz respeito ao espaamentocomo escritura, o vir-a-ser-ausente deumsignificantequedlugaraodevirdaprpriaconstituioda subjetividade.361Oefeitodadiffrance,pormeiodestadesconfianacomos significados, capaz de. A significao diante disso no se forma seno no oco da diffrance:dadescontinuidadeedadiscrio,doraptoedareservadoqueno aparece.362

Umadessasverdadessemdvidaadequealinguagemcarregaa possibilidadedeexpressarumaverdadetranscendental,comoseossignificantes poreladenominadosfossemcapazesdedescreveralgoqueseencontramuito alm das relaes interpessoais. Derrida, diante disso, questiona veementemente o dualismo significado/significante denunciando a idia da ligao natural entre eles e apontando para o carter arbitrrio do signo363. Creio que a diffrance liga-se

ed.Petrpolis:Vozes,2003.eSAUSSURE,Ferdinandde.Cursodelingsticageral.Trad.A. Chelini , Jos P. Paes e I. Blikstein. So Paulo: Cultrix; USP, 1969. p.80-83. 358DERRIDA,Jacques.Ladiffrance.In:_____. Margesdelaphilosophie.Paris:Minuit,1972. p. 13. 359 DERRIDA Jacques; ROUDINESCO, Elisabeth. De que amanh... Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004. p. 33. 360Assimasignificaoseformasomentenointeriordadiffrance:dadescontinuidadeeda discrio,do desvioedareservadoquenoaparece.Lasignificactionneseformeainsiquau creux de la diffrance: de la discontinuit et de la discrtion, du dtournement et de la rserve de cequinapparatpas.[Trad.daautora].DERRIDA,Jacques.DelaGrammatologie.Paris: Minuit, 1970. p. 101- 108. 361 Ver DERRIDA, Jacques. De la Grammatologie. Paris: Minuit, 1970. p. 100. 362 Ibidem. p. 101. 363 Quando Saussure afirma que o signo lingustico arbitrrio ele quer explicitar o fato de que o significado no depende da livre escolha de quem fala, tornando o significante um ente imotivado, isto , arbitrrio em relao ao significado, com o qual no tem nenhum lao natural na realidade. PUC-Rio - Certificao Digital N 0812073/CA "+$ aosegundomovimentodadesconstruo,odeslocamento,essaespciede coreografiaentreossignificantes,estabelecendoentreeles,diferentemente daquelas oposies binrias da tradio ocidental, um movimento de espaamento quepermiteoemergirdaalteridadeeumaheterogeneidadequeno primordialmente oposicional. 364 Desconstruo e perspectivismo procuram pelo significado que se forja na prpriarelaoeissoporqueentendemosignificadonocomotranscendente, massimcomoaquiloquetomaformadentrodeumacadeiadesignificantesque seabrediantedasrelaesquesevoestabelecendoentreossujeitos.Os exercciosdadesconstruoedoperspectivismo,questionamaexistnciadeum significadonicoqueorbitaaoredordeumsignificante,demonstrandoqueos significantesssocompreensveisapartirdaquiloqueeupoderiaaqui denominar lanando mo de uma metfora - de acareao entre os significados, produzindo uma definio que se trama em oposio, ou simplesmente em relao aos demais, exatamente por sua condio de provisoriedade e imanncia.Nosistemadediferenasque alngua, todo significantefunciona remetendo a outrossignificantes,semquesecheguenuncaaumsignificado.[...]Um significadonomaisdoqueumsignificantepostonumacertaposiopor outros significantes: no existe significado ou sentido, s h efeitos.365 Paraumafinalidademeramentedidticasesignificanteforsubstitudo porpalavrapode-sedizerqueumapalavranuncapossuicompletamenteum

VerSAUSSURE,Ferdinandde.Cursodelingsticageral.Trad.A.Chelini,JosP.PaeseI. Blikstein. So Paulo: Cultrix; USP, 1969. p. 81-83. 364Derridaaofalardadiffranceexpesuapreocupaodaassociaoentrediffranceeas discusses comunitaristas, de cunho aristotlico-hegeliano, ou o que ele chama de narcisismo das minorias.Acrescentasuapreocupaoanecessidadedeemcertosmomentosassumir responsabilidadespolticasqueexijamsolidariedadecomaquelesquelutamcontraopresses especficas.Afirmaquecompreenderaurgnciavitaldoreflexoidentitrionooimpedede desconfiardareivindicaoidentitriaoucomunitriaenquantotal.DERRIDAJacques; ROUDINESCO, Elisabeth. De que amanh... Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004. P. p. 34-5. ViveirosdeCastro,aoquetangeaodebateliberais/comunitrios,afirmaqueessemontono diferendo um dilogo de surdos uma vez que tanto os liberais quanto os comunitrios no tm nem o mesmo conceito de natureza nem o mesmo conceito de cultura, visto que duvidoso que os comunitriosexistamrealmente,pelomenoscomtodasasbizarraspropriedadesqueosditos liberaislhesatribuem.VIVEIROSDECASTRO,EduardoB.Setudohumanoentotudo perigoso.In:VIVEIROSDECASTRO,EduardoB.Encontros.Entrevistasorganizadaspor RenatoSztutman.RiodeJaneiro:BecodoAzougue,2008.p.90.EntrevistaconcedidaaJean-Cristophe Royoux. 365 BENNINGTON, Geoffrey; DERRIDA, Jacques. Jacques Derrida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996. p. 34. PUC-Rio - Certificao Digital N 0812073/CA "+% sentidopresenteeverdadeiro,jqueosentidosempredependedoqueaquise chamou de acareao de significados, ou ento da diferena que existe entre uma palavra e as outras da linguagem, ou seja, um significante depende daquilo que ele nosignifica.366Comefeito,senohsignificadooriginrio,ossignificantes operamemumsistemalingsticoemfunodeumsistemadediferenas,de diffrance.Osignificado,quandopensadodesvinculadodosistemalingstico-conceitual em que se insere, sempre ser um significado arbitrrio. Assim, no h umsentidoousignificadooriginriopairandosobreosdiscursoseesperandoser absorvido;osignificantestemsentidodeacordocomolugarqueocupaem determinada cadeia de significantes.Assignificaesporissosoefeitosderelaesdiferenciaispossveis dentrodeumsistemalingsticoconceitual.Fugindodatradiofilosficaa desconstruoeoperspectivismoinsistemqueoconhecimentoearealidades possamserpensadosapartirdeumsistemadediferenas367noquala universalizaodeixadesercabvel.Tudoqueahierarquizaofechava, separava, dispersava, entra em contato.368 A nica universalizao interessante aquela que universaliza os encontros e aumenta a possibilidade de acareao entre os significantes. Essacrticaarbitrariedadedosignomuitopertinenteparasepensara interpretaodasleis,poisnegarapossibilidadedesignificadospluraisaum mesmosignojurdicoconstituiumfetichedosjuristas,paraosquaisaleiganha contornos de verdade absoluta, mascarando o seu contedo ideolgico 369. Pensar odireitocomolinguagemedesconstru-lopermiteoacessoaumdosmitosque cercamalinguagemjurdicasegundooqualpossvelsentidosnaturaisaos 366comobrincarcomaspalavras,quenosegastam,quantomaissebrincacomelasmais novaselasficam.(PAES,JosPaulo.Convite.Poemasparabrincar.12ed.SoPaulo:tica, 1997. p. 36).367DUQUE-ESTRADA,PauloCesar.Derridaeaescritura.In:smargens:apropsitode Derrida (org.). Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio; So Paulo: Loyola, 2002, p. 27-8. 368VerBAKHTIN,Mikhail.ProblemasdapoticadeDostoivski.Trad.PauloBezerra.Riode Janeiro:ForenseUniversitria,2008.p.193.Apud.COCCO,Giuseppe.MundoBraz:odevir-mundo do Brasil e o devir-Brasil do mundo. Rio de Janeiro/ So Paulo: Record, 2009. p. 201-202. 369KOZICKI,Katya.Linguagemedireito:problematizandoatexturaabertadosenunciados jurdicos.In:FONSECA,RicardoMarcelo.Direitoediscurso:discursosdodireito. Florianpolis: Boiteux, 2006.p.80-81. PUC-Rio - Certificao Digital N 0812073/CA "+& enunciados jurdicos, como se eles, por si ss, fossem portadores de significados prprios.370 Assim em vez de um legado da essncia da natureza humana muitas outras naturezastornam-sepossveisquandosesujeitamperspectivadoOutro.Da incluso da alteridade e dos conceitos do Outro em relao aos meus que nasce a no-verdade do significado, a indecidibilidade371 e o deslocamento para uma nova lgicadeinterpretatividade.Assimnohquesebuscaroutrasidentidades(se no homem e no mulher, ento homossexual; se no sujeito, nem objeto entononada;senopatronemempregadodesempregado,etc.),mas multiplic-las.Asrelaesdealteridadesoresponsveisporabalarqualquer identidade estvel que se queira imputar ao Eu ou ao Outro. Adiffrance,portanto,aausnciadeumlugarparaosignificado,mas umaausnciaqualificada372,oquepermiteoemergirdeontologiasno-ocidentais, no-naturalistas.O confronto entre significados de brancos e ndios adiffrance.Masparaissoserpossvelprecisoqueseadmitaqueos significadosindgenassodamesmaordemdeimportnciaqueosnossos.No existemossignificadosreaisdosbrancoseossignificadosdefantasiados ndios.Nosetrataderealizarumexerccioldicocomparandosignificados verdadeiros com significados que no dizem respeito Realidade373, algo sobre oqualapenasacinciatemacesso.Operspectivismoamerndioresignificaa ontologiaetodaasuacargafilosficaqueadmiteoserapenasapartirda perspectiva ocidental, relegando o Outro subsidiariedade. 370Ibidem. p. 80-81. 371OsindecidveissoproposiesqueDerridavaitomaremprestadodamatemticaparadizer queexistemafirmaesquenosonemfalsas,nemverdadeiras.Comosindecidveis,Derrida estproblematizandoassuposiesdeoposiodametafsica:nemisto,nemaquilo,nempreto nembranco,nemdianemnoite,nemforanemdentro,nemseco,nemmolhado.Ver RODRIGUES, Carla. O sonho dos incalculveis: coreografias do feminino e do feminismo a partir deJacquesDerrida.2008.DissertaodeMestrado.PontifciaUniversidadeCatlicadoRiode Janeiro. p. 31-32.372SPIVAK,Gayatri.Translatorspreface.In:DERRIDA,Jacques.OfGrammatology. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1976. p. XVIII. 373ViveirosdeCastroexpeironicamenteRealidadecomrmaisculo,comoqueasignificar que s existe uma, indiscutvel, sem plural. Entrevista de Viveiros de Castro Folha de So Paulo, republicada em VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo B. Filosofia Canibal. In: Jornal da Cincia em22ago.2005.Disponvelem. Acesso em 07 mar. 2010. PUC-Rio - Certificao Digital N 0812073/CA "+' A cosmologia amerndia nos convida a abandonar a perspectiva que afirma queosbrancostemosumanaturezaeumacultura,enquantoqueosndioss possuemacultura,sendosuanaturezaumafantasiacultural.Aontologia resignificada pelo perspectivismo das cosmologias amerndias enfatiza esse outro tambmcapazdeproduodarealidade.Odiscursoontolgicodeixadesero discurso do Um e do universo e desloca-se para a ontologia dos multiversos374. Aatmosferadeproduodoconhecimentoqueoperspectivismoamerndio inaugura explicita que o ndio no um outro eu, mas um eu outro. Ou seja, a diferena entre ser um outro eu e um eu outro est no fato de que o primeiro implica em que o outro seja visto a partir de minha matriz interpretativa, do eu, enquanto que no segundo evidencia-se a diferena, a alteridade e a singularidade, pois o outro entendido como um outro eu, isto , to importante e respeitado quanto o si mesmo. Diferentementedomulticulturalismooperspectivismoapresentaum multinaturalismo no qual, em vez de uma universalidade objetiva dos corpos e da substncia,tem-seumaparticularidadesubjetivadosespritosedos s


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