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  • P IE R R E SA LA M A

    SOBRE O VALORELE MEN TO S PARA UMA CRTICA

    LIVROS HORIZONTE

  • Ttulo: SU R L A V ALEURE lem ents pour une critique

    Autor: P ierre iSalama Libriairie Franois M aspero, Paris, 1975

    L ivros Horizonte, 1980

    Tradutor: Rui Junqueira Lopes

    iColeco: M ovim ento n. 29

    Capa : Soares Rocha

    33 6 .5 \6 h[p

    iPPUR - UFRJb i b l i o t e c a

    Oata: f .J o A - J 2 0 . 0 ^ N. R eg jstro :.43M .l__

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    R eservados todos os direitos de publicao total ou parcial para a lngua portuguesa (P ortugal) por

    LIVROS HORIZONTE, LDA.

    R ua d'as Chagas, 17, 1., Dt. 1200 LISBOA

    Im presso em P ortugal

  • N o fim do sc. x ix , o centro de gravidade dos conflitos sociais passara do antagonism o entre capitalistas e proprietrios fundirios para a oposio entre trabalhadores e capitalistas. O m edo e at o horror, suscitados pelas obras d e Marx, foram exacerbados em toda a Europa pela Comuna de P aris (1871). A s doutrinas, que afirm avam a existncia de conflitos, foram, desde ento, consideradas indesejveis. Pelo contrrio, as teorias, que a fastavam as atenes do antagonism o entre classes sociais, eram m uito bem acolhidas.

    J. E atw ell e J. Robinson L Econom ique m oerne fidisciense, 1974, p. 46

    O m arxism o ta lvez demasiado vlido para que o deixem os apenas a o s m arxistas. iFornece um prism a crtico atravs do qual o s 'economistas da -corrente dominante tero toda a vantagem em exam inar a s suas anlises.

    P. A. Samuelson,E-conom-ics: W inds of Change. E volution of EconomAc D octrine,McGraw Hill, N ew York, 1973, p. 866

  • INTRO D U O GERAL

    M arx ... num curso de anlise econmica, mesmo que lhe custe a crer, um filsofo... M arx... em filosofia, no possvel, um econom ista... e a prova que escreveu O C A P IT A L . Sempre entre duas esferas, M arx no estava inserido em nenhum a, excepto quando algum obstinado apontado a dedo tentava faz-lo penetrar numa. Q uando, por vezes, lhe concediam algumas referncias, era em geral para dizer: A teoria do valor-trabalho est m orta e en terrada... a prova? Foi Schum peter que o disse, ou ento: M arx? Pois tome-se um pouco de Ricardo, um pouco de Hegel e a est!

    A brindo um m anual do prim eiro ou do segundo ano * verifica-se que, na m aior parte deles, a anlise m arxista est ausente e, no entanto, fala-se a de valor, de preos, de moeda, de desemprego, etc. De M arx, nem um a palavra. Trata-se de Cincia, forja-se o homo economicus, so abolidas as classes sociais, procuram-se condies de equilbrio, algumas vezes deduzem-se mesmo as do equilbrio' geral. Em resumo tudo mecnico, soberbo, m as... onde est a explorao? Em parte alguma ! O que norm al, porque isso poltico, e evidente que a Cincia, afectando' neutralidade, deve elevar-se acima desses interesses contingentes ou at mesqui-

    * O autor refere-se aos program as franceses, m as encontram os um bom paralelo nos nossos (antes de 25 de A bril), das cadeiras bsicas de Teoria -Econmica, A nlise Econm ica ou sim plesm ente Economia do 1. e 2. ano das Faculdades de Economia. (N . do T.).

  • 10 SOBRE O VALOR ELEMENTOS PARA UMA CRTICA

    nhos, em bora fonte de tantos desequilibrios. Cria-se artificialmente um a sociedade ideal, em que os indivduos, quer sejam trabalhadores ou em preendedores, so iguais, senhores das suas opes e do seu destino.

    A partir daqui, deduz-se um a poltica econmica capaz de vergar a realidade rebelde, de a fazer corresponder a esta sociedade ideal em que cada um maximiza a sua satisfao... Isto pode ter como consequncia concreta que se preconize a lim itao dos direitos sindicais (J. Ruelf nos anos 1920- -1930) ou que se deseje que os sindicatos se tornem parceiros responsveis (discurso de Jacques C hirac). Em qualquer dos casos, trata-se de simples deduo lgica. T entar descortinar a traos de poltica corresponderia a sermos mal intencionados.

    Mas eis que M arx, expulso pela porta, reentra pela janela. Ser que alguns espritos esclarecidos compreenderam que as teorias que ensinavam no eram coerentes, que o sistema reynesiano tinha as suas limitaes ? Ou ser antes que o marxismo se impe do exterior, a partir das lutas e das fbricas ocupadas, da crise do capitalismo e dos seus valores ?

    O perigo grande ! As duas citaes que destacamos de incio provam-no. Uma vez que M arx se impe, aceitmo-lo mas desenrazemo-lo. Despojemo-lo do seu aspecto ideolgico, faamos dele um homem de cincia puro, superior s paixes...

    O objecto deste trabalho fornecer alguns elementos de crtica sobre aquilo que constitui a pedra angular de qualquer teoria econmica: o valor.

    A prim eira parte ser consagrada s teorias neoclssicas. Apresentaremos integralmente as teorias deste economista, no por prazer, mas porque elas so muitas vezes apresentadas de forma fragmentada, parcelar. Mostraremos assim que um raciocnio aparentem ente andino como a determinao do preo por um mercado conduz negao da explorao. Se bem que em crise, esta teoria hoje dom inante. Por isso, iremos expor a sua crtica interm a. Depois de termos entrado no jogo, mostrarem os que a incoerncia interna destas teo

  • INTEODTJO GERAL 11

    rias provm do carcter inaceitvel das suas hipteses e do seu desenvolvimento.

    A segunda parte ser consagrada s teorias ricardianas e marxistas. Mais precisamente, mostraremos em que fundamentos se baseia a tentativa recente de secularizar a economia poltica m arxista. A crtica da interpretao neo-ricar- diana de M arx conduzir-nos- a um a anlise detalhada do problem a da transform ao dos valores em preos de produo. M ostraremos assim que o estudo- dos preos de produo perm ite analisar a anatom ia da sociedade burguesa. Longe de estar esterilizada, a anlise m arxista revela assim a sua fora. Por ser um a arm a de actuao, ela realiza a crtica da economia poltica.

  • A POSIO NEOCLSSICA

    I

  • INTRODUO

    A teoria neoclssica assenta era bases simples, evidentes prim eira vista. a que reside a sua fora.

    O indivduo, as suas opes, as suas decises constituem a pedra angular da anlise neoclssica. Por um lado, ele sabe quais as suas necessidades, por outro, os preos e o rendim ento so para ele um dado. M unido deste binm io, ele optimiza a sua escolha. Neste sentido, podemos dizer que ele senhor das suas decises.

    O indivduo constitui apenas um a nfima parte da sociedade. Esta form ada pelo conjunto dos indivduos, tomados um a um. Estes indivduos so todos iguais e racionais, quer sejam trabalhadores ou empresrios. A aco racional do conjunto destes indivduos faz que os preos sejam determinados ao nvel do mercado. O mercado soberano. O indivduo porque um a parcela infinitesim al, ter de se lhe adaptar. Ele , pois, escravo do mercado.

    Senhor e escravo, o indivduo constitui a base do raciocnio neoclssico. O que o caracteriza a sua capacidade de escolher livremente. Se os indivduos puderem escolher livremente, ento o sistema em que vivemos o melhor; no se justificar, portanto, qualquer tentativa de o destruir: bastar aperfeio-lo, concedendo aos homens ou a alguns de entre eles a sua liberdade, e se, porventura, esta lhes tiver sido coarctada.

    As concluses so im portantes: os preos so determ inados pelo mercado, e no poder haver explorao do trabalho, se ... os (homens) puderem exercer o seu livre arbtrio. Bastar que apenas um impea a livre escolha dos outros,

  • 16 SOBRE O VALOR ELEM ENTOS PARA UMA CRTICA

    que exera um poder de dominao, que -tente detu rpar as leis do mercado em seu beneficio, para que o conjunto de individuos, tomados um a um (a sociedade), no possa atingir o mximo de satisfao.

    Vamos expor as hipteses e a deduo que permitem tais concluses. Numa prim eira fase, iremos aceitar o conjunto das hipteses. Iremos ligar entre si os fragmentos da anlise neoclssica, que, considerados isoladamente parecem bastante insignificantes. Vamos efectuar esta construo do conjunto porque os manuais evitam muitas vezes faz-lo1.

    Numa segunda fase, demonstraremos que, mesmo aceitando as hipteses de partida neoclssicas, o raciocnio incoerente e que, para que no o fosse, seria necessrio considerar um a economia onde existisse um s bem, ou seja, a prpria negao da escolha que os neoclssicos obstinadamente colocam em prim eiro plano.

    Numa terceira e ltim a fase, criticaremos as hipteses explcitas e, sobretudo, implcitas, que so avanadas. Demonstraremos que a incoerncia interna desta teoria no mais do que a consequncia lgica do carcter inaceitvel das suas hipteses falsamente simplifieadoras.

    N otas

    i Quem m ostra, por exemplo, as consequncias da anlise do consumidor ou do produtor? Mais concretam ente, quem most r a que estas anlises constituem as traves m estras da anlise neoclssica do valor, que conduz muito naturalm ente tese da no-explorao ? preciso confessar que, reg ra geral, , necessrio esperar pelo doutoram ento para 'entender este tipo de ligaes...

  • 1. A D E D U O

    A deduo dos neoclssicos simultaneamente simples e complexa. Simples, porque repousa sobre hipteses iniciais aparentemente evidentes e triviais. Complexa, porque a globalidade do raciocnio dedutivo raram ente apresentada e varia de autor para autor. Para bem entendermos esta deduo, temos de conhecer a filosofia em que se inspira tal corrente e as hipteses simplificadoras que levada a con-, siderar.

    Seco 1. Filosofia e deduo

    A base filosfica do raciocnio simples. A sociedade com parada a um a complexa mquina, da qual os indivduos so as vrias peas. A sociedade , pois, form ada pelo conjunto desses indivduos tomados um a um. Em si mesma no tem autonomia prpria. O seu com portam ento a resultante do comportamento dos indivduos que a compem *. A sociedade , pois, o somatrio dos indivduos e nada mais. Parte-se das quantidades infinitesimais (os indivduos) para chegar ao todo (a sociedade). Portanto, parte-se do indivduo, cujo comportamento se estuda.

    O indivduo colocado perante um a srie de bens. Estes bens so em quantidade lim itada. Sero, portanto, mais ou menos raros. O indivduo tem necessidades. Essas necessidades so naturais. Deste modo, antes mesmo de saber o preo das m ercadorias, bem como o seu rendim ento, ele poder dizer qual a satisfao que lhe dar o consumo deste ou daquele bem , em m aior ou m enor quantidade. Pode efec-

  • 18 SOBRE O VALOR 1 ELEM ENTOS PARA TJMA CRTICA

    tuar estas estimativas independentem ente do conhecimento -dos preos e do rendimento-, porque est sujeito a necessidades naturais, inatas. P-oder assim afirm ar que, se comer1 kg de po, beneficiar de um a utilidade total (uma satisfao) de 9; se comer 1,5 kg, a utilidade ser de 10 e, finalmente, se comer 2 kg de po, a utilidade total ser de 10,5. A evoluo da utilidade total (9-10-10,5) m ostra que, quanto mais po ele consome, m enor O' apetite. Diz-se ento que a intensidade de um prazer que se prolonga, decrescente e acaba por s-e anular -no ponto de saciedade (Lei de Gossen). A utilidade total cresce, mas de form a cada vez menos intensa. Esta constitui um a lei essencial2.

    Afirma-se que os indivduos agem em conform idade com ela, para efectivarem as suas opes. O que interessa ao indivduo no sobre-tudo a utilidade total que lhe adviria do consumo d-e determ inada quantidade de um bem, mas sim o acrscimo de satisfao, que ele sentir, devido ao consumo de cada unidade suplementar. este acrscimo' de satisfao que ele ir com parar a um -outro acrscimo resultante do consumo de uma unidade suplem entar de um outro b-em. O indivduo raciocina, pois, marginalmente *. Com para as utilidades marginais, que lhe proporciona o consumo deste ou daquele bem. um dos elementos que com andar a sua escolha.

    Consideremos um exemplo:

    Po

    (1,5 kg-1 kg) = 0,5 kg > U.M. = 10 - 9 = 1 (2 kg-1,5 kg) = 0,5 kg U.M. = 10,5-10 = 0,5

    Tecido

    (3 m-2 m) = 1 m --------------> U.M. = 0,8(4 m-3 m) = 1 m --------------~> U.M. = 0,5

    * Ou seja considerando acrscim os suplem entares no consumo, e comparando os correspondentes aum entos de prazer ou de satisfao. {N. do T.).

  • A DEDUO 19

    O consumo de 2 kg de po proporciona-lhe um a satisfao, que excede em 0,5 aquela que ele teria, se apenas tivesse comido 1,5 kg. A utilidade marginal , pois, 0,5. Equivale utilidade marginal que lhe advm do consumo de 4 m de tecido. A evoluo das duas utilidades marginais (a do po e a dos tecidos) ser im portante nos momentos da opo.

    O indivduo obedece, pois, a um hedonismo perfeito. Ele optimiza os seus p raze res3. Mas pode ser-lhe difcil calcular as suas necessidades. Por isso, a anlise neoclssica adoptou de um a form a geral a ideia de que, se o indivduo no pode m edir os seus prazeres, pode ao menos estabelecer entre eles uma relao de ordem, pode dizer, por exemplo, se a combinao de duas mercadorias (ou mais) num a determ inada quantidade lhe proporciona uma satisfao semelhante, m aior ou m enor do que um a outra combinao dessas duas mercadorias. Chega-se assim construo de curvas de indiferena:

    Um quilo de po e dois litros de vinho proporcionam a mesma satisfao que dois quilos de po e um litro de vinho. O indivduo, dado que age racionalm ente ( hom o econom kus, segundo nos disseram), tanto pode escolher a prim eira combinao como a segunda. -lhe indiferente. Se

  • 20 SOBRE O VALOR ELEM ENTOS PARA UMA CRTICA

    preferir consumir mais vinho, a utilidade m arginal que da advir ser decrescente. Inversam ente, o facto de consumir menos po (para consum ir mais vinho) faz que aumente a utilidade m arginal, que retira de um consumo m e n o r4. O decrscimo da utilidade marginal do vinho e o acrscimo do po compensam-se. devido a este facto que ele extrai a mesma satisfao da prim eira com binao que da segunda5.

    Se o indivduo quiser consumir dois quilos de po e dois litros de vinho, obter um a satisfao superior quela que obtm das combinaes precedentes, dado que dois quilos de po e dois litros de vinho representam um a quantidade superior a dois quilos de po e um litro de vinho ou a dois litros de vinho e um quilo de po. Ele poder relacionar este nvel mais elevado de satisfao com um a outra combinao que lhe proporcione idntico nvel, por exemplo, um litro de vinho e quatro quilos de po. Situar-se- ento num a curva de indiferena (I2) superior precedente (li). Pode ento afirmar-se que, passar de um a curva para a outra, trepar a colina dos prazeres (P are to )... O conjunto destas curvas constituir o mapa de indiferena de cada indivduo.

    At agora, no fizemos interferir nem os preos das mercadorias nem o rendim ento do consumidor. Trata-se, pois, de um a hiptese de com portam ento que, apesar de aparentem ente insignificante , de facto, her ica... O indivduo conhece as suas necessidades independentem ente dos preos e do rendim ento, mas ainda no pode fazer a sua opo. A inda lhe faltam certos dados. Analisaremos a sua escolha na seco 2. Por agora, prossigamos.

    O indivduo um a quantidade infinitesimal. igual a todos os outros e no pode influenci-los. O indivduo consum idor de bens tem, pois, o mesmo comportamento que o indivduo empresrio 6, e igual a ele. O indivduo em presrio consome os servios que se lhe deparam . Pode, pois, op tar entre consum ir diversas quantidades de trabalho e as correspondentes quantidades de capital. Trabalho e capital so mercadorias. Mas trata-se de m ercadorias com caractersticas particulares: participam na criao de outras m ercadorias, sendo, portanto, factores de produo.

    Tal como o conhecimento da utilidade marginal dos bens de consumo im portante para o indivduo consum idor,

  • A DEDUO 21

    tambm a dos factores de produo o para o indivduo empresrio. A utilidade marginal que corresponde utilizao de uma dada quantidade de factores de produo a produtividade marginal. O indivduo empresrio constri, pois, curvas de isoproduto, que correspondem s curvas -de indiferena para o consumidor. Estas curvas m ostram tal como as curvas de indiferena as diversas combinaes de factores de produo, que lhe proporcionaro a mesma quan itidade -de produto, quer dizer, a mesma satisfao. O em presrio tem um a posio de indiferena na escolha, ta l como o consumidor. Obedece s mesmas regras.

    Seco 2. A deduo propriamente dita

    M unidos destas hipteses e do seu fundam ento filosfico, podemos agora analisar a deduo dos neoclssicos. Para com preender bem -esta deduo, necessrio ter sempre em mente o -objectivo fixado:

    M ostrar que os preos so indicadores d-e escassez, quer dizer, que o preo determ inado pela utilidade marginal (ou pela produtividade marginal).

    Que, neste caso, nos encontramos no m elhor dos m undos possveis, onde no pode haver explorao.

    O raciocnio faz-se em trs etapas:

    1.a etapa: Permanecendo ao- nvel do indivduo, esta-belece-se a relao preo ---------> procura. Por outras palavras,constri-se a curva da procura a que chamamos terica.

    2.a etapa: Passa-se para o nvel da sociedade, quer-dizer, do conjunto dos indivduos. Estabelece-se ento a relao procura --------- > preo. Mostra-se assim como- se determinam os preos. Estabelece-se assim a lei do valor utilidade.

    3. etapa: Generalizam-se os resultados obtidos determ inao dos preos dos factores de produo. Tais -preos so determinados pela produtividade m arginal. N o poder a -existir explorao, se houver -equilbrio. Deve-se pois procu

  • 22 SOBRE O VALOR ELEM ENTOS PARA UMA CRTICA

    rar o equilbrio. As condies para que ele exista devem, portanto , ser respeitadas.

    1. Primeira etapa: estabelecimento da relao P ----------> D

    A : dado um equilbrio

    As necessidades so dadas. Vimos que hipteses isto implicava (necessidades naturais, eternas). Deduz-se o consumo das curvas de indiferena (mapa de indiferena) para dois bens x e y ,

    Consideramos dados os preos (Px, Py) e o rendim ento (R) disponvel do indivduo consumidor. Isto perm ite constru ir a recta de oramento-. Esta recta de oram ento pode representar-se: R xPx + yPy ou ainda:

    xPx Ry = ---------- + -------

    Py Py

    Esta recta intercepta curvas de indiferena. Como existe um a infinidade de curvas, ela interceptar algumas e outras no. D onde se pode deduzir que existe um a curva que ser tangente , recta de oramento. Este ponto de tangncia extrem am ente im portante. Exprim e o ponto onde o indivduo, tendo em conta, por um lado, as suas necessidades e, por outro, os preos e os seus recursos, maximiza a satisfao. um ponto de equilbrio e o mais elevado que ele pode atingir, consideradas as limitaes atrs referidas. Neste ponto, o indivduo racional est satisfeito.

    Este ponto de equilbrio goza de um a propriedade muito im portante. Sabe-se, com efeito, que a tangente a um a qualquer curva de indiferena exprime o sim trico da taxa mar-

    dy UMxginal de substituio TMS = ---------- = -------- . Sabemos, en-

    dx UMytretanto, que a inclinao desta tangente tambm igual a

  • A DEDUO 2 5

    Px. De onde:

    Py

    UMx Px UMx UMy(em valor absoluto) e , que po-

    UMy Py Px Py

    demos alargar a n mercadorias.

    Trata-se de um a lei extrem am ente im portante para' a anlise neoclssica: em situao de equilbrio as utilidades marginais das diferentes mercadorias ponderadas pelos respectivos preos so iguais.

    Podemos efectuar exactamente o mesmo raciocnio para o em presrio produtor. O em presrio tem sua frente o conjunto das .curvas de isoproduto. Cada curva exprime as diversas (infinitas) possibilidades de combinao de factores de produo para obter um a quantidade determ inada de produto. Introduzem-se os preos de aluguer dos factores de produ o 7 e os recursos do empresrio. Pelo mesmo raciocnio-, obtm-se o equilbrio do produtor, igualmente as produtivi- dades marginais ponderadas pelos respectivos preos:

    que podemos alargar a n factores de produo.Tudo isto nada tem de espantoso, pois que, mais uma

    vez, todos os indivduos so iguais, quer sejam produtores ou consumidores e obedecem ao mesmo comportamento: escolher, m aximizando a sua satisfao.

    B. Este equilbrio perturbado

    A sequncia do raciocnio consiste em rom per este equilbrio. O preo e /o u o rendim ento variam . Porqu ? Pouco im porta. Supe-se que um dos dados se modifica. Q ual a inteno ? V er como se passa de um equilbrio para outro.

    PMA PMB

    PA PB

  • 24 SOBRE O VALOR ELEM ENTOS PARA UMA CRTICA

    Analisam-se as condies de passagem deste equilibrio perturbado ao novo equilbrio. Surgem-nos assim destacados dois efeitos: um efeito de rendimento e um efeito de substituio. Uma baixa de preos conduziu deste -modo a um novo equilbrio, graas ao jogo combinado destes dois efeitos, que, no entanto, necessrio distinguir.

    Por um lado, a baixa de preo de X m elhora o poder de compra (efeito rendim ento) e conduz naturalm ente a um acrscimo na compra de X e de Y (com um a excepo: os bens inferiores para os quais a procura baixa, quando o poder de compra aum enta, como por exemplo, a m argarina).

    Se P o ponto de equilbrio inicial, a baixa do preo de X conduz a um deslocamento paralelo da recta de oram ento, suscitando um efeito de rendim ento em que o indivduo aum entar o seu consumo de Op para O p.

    Por outro lado, esta mesma baixa do preo de X leva o consum idor a preferir X a Y pois Y tornou-se mais caro, em relao a X 8 (efeito de substituio). A recta de

  • A DEDUO 25

    oramento desloca-se para a direita, dado que se pode comprar um a quantidade superior de X com o mesmo rendimento. O indivduo com prar O q em lugar de Op.

    O efeito total a soma dos dois efeitos, tanto para X como para Y. O novo ponto de equilbrio Q , situado sobre uma curva de indiferena superior. Poder-se-ia pensar que intil distinguir os dois efeitos, um a vez que, no exemplo anterior, o ponto de equilbrio final possvel de obter, se considerarm os s o efeito de substituio. Mas cometeramos um erro. Os dois efeitos podem agir em sentidos contrrios, como demonstraremos. Im porta, pois, distingui-los. O esquema o seguinte: P (equilbrio perturbado) P Q (equilbrio final). A curva N PQ um conjunto de pontos de equilbrio, pois o lugar onde se situam todos os pontos de equilbrio, para sucessivas variaes de Px.

    Chegados ao novo equilbrio, vamos de novo romp-lo. Px continua a baixar. Isto permite-nos construir a curva M PQ, unindo os diversos pontos sucessivos de equilbrio. Esta curva tem um a propriedade interessante. Podemos dela derivar a

    curva terica de procura do produto X, em relao ao preo. Com efeito, cada ponto desta curva est de acordo com a

    Px dyrelao antes definida: tga = ---------- = ------------. Como Py

    Py dx

  • 26 SOBRE O VALOR ELEM ENTOS PARA TJMA CRTICA

    Px constante, e ---------- - representa a inclinao da tangente s

    Pycurvas de indiferena, facilm ente se deduz a variao que sofre Px, quando a quantidade de x aum enta. Temos dx f

    e Tga = > tg > Px i . Construmos assim uma curva de procura. Esta deduz-se das propriedades de equilbrio do consumidor. Trata-se, pois, de uma curva terica decrescente. Difere de um a curva obtida estatisticamente, na medida em que no construda com base em observaes estatsticas, mas sim deduzida da sucesso de pontos de equilbrio, tendo por origem o mapa de indiferena.

    2. Segunda etapa: Estabelecimento da relao D -> P, ou lei do valor propriamente dita

    Consideramos a curva de procura de um indivduo para o bem X. Poderemos proceder analogamente para todos os outros bens Y, Z .. . ou factores de produo A, B, C ,...

    A . Construo da curva de procura do m ercado

    Devemos agregar as curvas de procura individual para o bem X. Vimos que tal era possvel, pois considera-se que a sociedade form ada pelo somatrio, pois considera-se que a ento a curva de procura total para o bem X, ou seja a curva da procura no mercado de X . a este nvel, e apenas a ele, que o preo determinado.

    Ao nvel do indivduo, o preo seria um dado que ele no podia m odificar por ser um simples tomo. Se bem que o indivduo esteja situado no fulcro da anlise neoclssica, se bem que seja ele quem escolhe e quem decide, ele apenas o pode fazer condicionado a um a srie de variveis que lhe so impostas. No pode actuar sobre elas. Pelo contrrio, o m ercado que sintetiza o .conjunto das vontades, pois ao seu nvel que as curvas de procura individuais so agregadas. D este modo, o mercado ser soberano. O indivduo sujei- tar-se- sua deciso, o preo, que lhe surge como um dado. ao nvel do mercado que se fixar o preo. , pois, a que ir operar a teoria do valor-utilidade, transformando-se o

  • A DEDUO 27

    preo, j que determ inado e no um dado, num indicador de escassez. Um preo muito elevado significa que o bem raro, logo muito til, e, inversamente, pouco consumido (por ser muito caro), e que, por isso, dotado de um a utilidade marginal m uito elevada.

    O M ERCADO pois soberano. Se a procura cresce (em relao oferta), o preo eleva-se (a curva da procura deslo- ca-se para cima). O preo de equilbrio passa de A a A \ O preo , pois, claram ente determ inado pela procura, no de um indivduo, mas do conjunto dos indivduos. Temos ento a relao inversa:

    PROCURA -> PREO

    B. Interdependncia dos 'mercados

    Quedarmo-nos aqui seria, no entanto, largam ente insuficiente e mesmo parcialm ente falso. O indivduo , com efeito, .continuamente colocado peran te opes a efectuar. Q uando maximiza a sua utilidade, f-lo em relao a um conjunto de bens. Com prar mais X pode querer dizer com prar menos Y. Verificmo-lo, quando analismos os efeitos de rendim ento e de substituio. Desde logo, a ideia de opo implica necessariamente a existncia de vrios bens e de vrios mercados em contacto.

  • 28 SOBRE O VALOR ELEM ENTOS PARA TJMA CRTICA

    O s mercados de X , Y, Z .. . A , B, C .... so necessariamente interdependentes. Esta interdependncia no mais do que o resultado da ideia de escolha e de deciso individual, base da anlise neoclssica.

    Teremos, pois:

    Deveremos neste m om ento distinguir dois casos: aquele em que apenas existe um equilbrio nas trocas; aquele em que se considera que os bens oferecidos

    so tambm produzidos.

    a) Equilbrio das trocas: supe-se neste caso ultra-sim- ples que cada indivduo tem, partida, antes de qualquer troca, um patrimnio constitudo por um a srie de bens. Esses bens no so produzidos. J existem. No h, pois, actividade de produo e, por esse facto, no existem m ercados de factores de produo. Portanto, as quantidades dos diferentes bens so dadas.

    Cada indivduo decide trocar o que possui por aquilo que no tem mas que deseja e entra, deste modo, em contacto com outro indivduo que deseja efectuar a operao inversa. Podemos, desde j, considerar que a oferta de um constitui a procura de outro inversamente. O preo determinado, no m ercado soberano, pela interseco da oferta e da procura, com a seguinte particularidade: A oferta no mais do que um a procura recproca, independente da procura, pois que provm de um outro indivduo (cujas decises so independentes dos outros indivduos). Poderemos ento dizer que o preo determ inado exclusivam ente pelas curvas da procura (a procura e a procura recproca).

  • A DEDUO 29

    Temos, portanto, a relao D ------------ > P.O preo constitui assim um indicador de escassez. O que

    vlido para um mercado -o para o conjunto dos mercados. Os mercados independentes so, pois, soberanos. A troca uma troca directa de um bem por outro. Cada bem expresso em funo de um outro bem. Mais precisamente, o preo de um bem dado em relao ao preo de um outro. a consequncia da ideia fundam ental de escolha avanada pelos neoclssicos. Os preos so assim preos relativos: o preo de X, em relao ao de Y, que escreveremos P x/y . Q uando buscamos os preos do conjunto dos bens no consumo dos mercados, necessrio considerar um bem cujo preo servir de referncia. Poderemos assim exprim ir os preos das outras mercadorias em funo deste preo padro. A m ercadoria, que servir de referncia, chamar-se- numerrio (N) e o seu preo ser, por hiptese, igual a 1 . Esta m ercadoria pode ser um a qualquer. Mas necessrio um a, para que possamos passar da troca entre dois indivduos para a troca generalizada *. Porque se trata de troca (no sentido anterior), o numerrio no dinheiro. O equilbrio um indivduo real e no monetrio. Os indivduos perm utam um a certa quantidade do bem X por uma certa quantidade do bem Y. A relao X Y , e o preo ser quer P x /y , quer, no casode nos interessar, a determinao sim ultnea de todos os preos, no conjunto de todos os m ercados interdependentes, P x /N , P y /N , etc., com N = 1. Estamos em presena de um equilbrio geral, quando o conjunto dos indivduos est satisfeito, feliz, equilbrio esse que se exprime em termos reais (uma m ercadoria em relao outra).

    Os preos relativos so, portanto, indicadores de escassez. Eles so determinados pela procura (utilidade m arginal).

    b) Introduo de uma actividade de produo: As m ercadorias so em parte j existentes (patrim nio do indivduo) e em parte produzidas. A existncia de um a actividade produ

    * N o sentido anterior d e troca d irecta de produtos. {N . o T. ) .

  • 50 SOBRE O VALOR ELEMENTOS PARA TJMA CRTICA

    tiva introduz o em presrio, que, como qualquer indivduo, tem um comportamento tendente a maximizar a utilidade, que emerge da sua actividade, neste caso, o lucro. As quantidades dos bens de consumo deixam de ser um dado, mas as dos factores de produo continuam a s-lo. N a m edida em que, como vimos, a actividade do produtor em presrio obedece rigorosamente s mesmas regras que a actividade do indivduo consum idor, teremos de forma semelhante a determ inao dos preos. Mas o facto novo que existe agora um a curva da oferta: a oferta dos empresrios resulta de uma actividade produtiva, ou seja, da combinao de vrios factores de produo (coeficientes tcnicos).

    Esta oferta apresenta-se no mercado face a um a procura. Alm de independente da procura, ela j no um a curva de procura recproca. O preo , pois, determ inado, aparentemente, pela oferta e pela procura. Q uando nos colocamos ao nvel da sociedade, ou seja do conjunto dos indivduos, e, consequentemente, dos m ercados X , Y, Z .. . A, B, C ... interdependentes, obtemos um modelo, no qual as procuras individuais dos bens, as quantidades produzidas e os respectivos preos (excepto o do num errio igual a 1) so incgnitas. A resoluo de tal modelo perm ite determinar estes preos de equilbrio. (Para sermos mais exactos, seria necessrio acrescentar que, se bem que tenham os o mesmo nm ero de incgnitas e de equaes, no poderemos garantir que os preos obtidos correspondam a uma s soluo de equilbrio.)

    A satisfao de cada indivduo, consumidor ou produtor, ento mxima.

    No deixa, contudo, de parecer que os preos so determinados igualmente pela oferta. Sem nos determos em pormenores inteis por agora, devemos dizer que a curva de oferta de um mercado corresponde ao agregado do conjunto de curvas de custos marginais das empresas, que produzem o bem em causa, vendido no m ercado. A so integrados os coeficientes tcnicos de produo (combinao dos factores de produo), que poderemos supor fixos ou no. Porm, a curva da oferta no desempenha exactam ente o mesmo papel que a curva da procura, ainda que seja ao nvel de interseco destas duas curvas que se fixa o preo de equilbrio. Por outras palavras, no existe simetria. M as se estes indi-

  • A DEDUO 31

    vduos, tendo encontrado os servios produtores necessrios procedessem ao fabrico dessas mesmas m ercadorias e introduzissem os seus produtos no m ercado, as mercadorias, cujo preo de venda excedesse o custo de produo, multiplicar- -se-iam e aquelas, cujo custo de produo excedesse o preo de venda, escasseariam, at que a igualdade do preo de venda e do custo de produo fosse restabelecida. Eis o problem a da produo e eis como a considerao dos custos de produo determina a quantidade e no o p reo 9.

    A concorrncia pura e perfeita (conceito que definiremos seguidamente) desemboca, pois, num a situao paradoxal, em que a procura do mximo lucro (para alm do juro rem unerador do capital em patado), por cada empresrio, conduz a uma situao de equilbrio, em que deixa de haver lucro. Havendo lucro, ele atrairia concorrentes, a oferta aumentaria, o preo seria reduzido o lucro anulado. A busca por parte de cada um do mximo lucro conduz assim a uma situao de equilbrio em que o lucro em todos os casos nulo e onde, deste modo, toda a gente dever ser feliz (a existncia, a contrrio, de um lucro em determ inado bem faria decerto que o produtor desse bem ficasse satisfeito, mas faria tam bm que os outros produtores, que no pudessem beneficiar desse rendim ento, no fossem felizes, e, portanto, a sociedade, no seu conjunto, no se encontraria em situao ptima). A oferta, nestas condies (condies discutveis, mas que no criticarem os por agora), actua apenas sobre as quantidades que, por existir um a procura, fazem variar os preos. Os preos de equilbrio so, pois, fundam entalm ente determinados pela procura (utilidade marginal ou produtividade marginal) e este equilbrio significa, simultaneamente, que as quantidades produzidas so tais, que no se verifica um lucro em nenhum a empresa, loso que os custos marginais so iguais aos outros custos mdios mnimos.

    Assim, mesmo neste caso mais complexo, em que existem dificuldades devidas aos custos, o preo de equilbrio determinado fundam entalm ente pela procura. um indicador de escassez.

    Assim p p n riT P a ^ PPFCO

  • 5 2 SOBRE O VALOR ELEM ENTOS PARA UMA CRTICA

    C. Equilbrio perturbado e papel desempenhado pela lei dovalor

    M ostrmos como se passava do equilbrio individual ao equilbrio geral, havendo ou no um a actividade produtiva. Vimos assim com o eram determinados os preos, e, deste modo, realamos o profundo sentido da teoria subjectiva do valor. Dizer que o preo determ inado pela utilidade m arginal pressupor que o com portam ento do indivduo consiste em maximizar a sua utilidade (ou lucro), dado que node faz-lo, efectuando escolhas (afectao ptim a de recursos) e ainda pressupor que o resultado final ser que o conjunto dos indivduos obtm a satisfao mxima, porque cada um deles a obtm individualm ente.

    Mas no basta chegarmos a este ponto. necessrio m ostrar como, se este equilbrio for perturbado, se regressa sob certas condies a novo equilbrio. necessrio mostrar que o regresso ao equilbrio implica que a lei do valor pode actuar em pleno. Irem os faz-lo rapidam ente.

    Para que o equilbrio seja estvel, necessrio que um ligeiro m ovimento, a p artir de um a situao de equilbrio, faa intervir outras foras, que tendero restabelec-lo. Isto equivale a dizer que um a elevao dos preos acima do nvel de equilbrio dever necessariamente provocar a interveno de foras tendentes a um a diminuio dos mesmos, o que implica, em concorrncia pura e perfeita, que um a alta nos preos torne a oferta mais im portante que a procura. A condio de estabilidade , pois, a seguinte: um a alta dos preos torna a oferta mais im portante que a procura (Hicks, p. 55). A condio de equilbrio no mercado , portanto: Ox = Dx,sendo a de estabilidade: Px 4, ----- > Dx f tal que Dx > Oxou dx > O (procura excedentria p o s itiv a )10.

    a) Troca de dois bens x e y

    As condies de equilbrio so as mesmas para x e para y. Neste ponto verificaremos quais as implicaes de um a baixa do preo de X no seu m ercado. Depois, num segundo ponto,

  • A DEDUO 53

    analisaremos as consequncias da baixa do preo de X sobre os outros m ercados (interdependncia).

    A baixa do preo de X provoca dois efeitos. O primeiro o efeito de substituio. Q uando o preo de X dim inuir, a procura aum enta e a oferta contrai-se. Da resulta um a procura exoedentria positiva (dxt). O segundo um efeito de rendim ento. A baixa do preo de X conduz a um acrscimo da procura, exceptuando-se, claro, o ,caso dos bens inferiores. O problem a torna-se, no entanto, mais delicado, no tocante oferta. Esta pode crescer ou decrescer. A procura excedentria (dx2) no , pois, necessariamente positiva. necessrio, portanto, estudar, caso por caso, a evoluo da oferta, na m edida em que esta, no s determina a existncia de um a procura excedentria positiva ou negativa (dx2), mas determina igualmente o efeito final, por comparao desta procura excedentria (dx2) com aquela, que resulta do efeito de substituio (dxi).

    Analisemos pois a evoluo da oferta:

    Aquele que oferece pode desejar m anter o seu rendim ento total, apesar da baixa do preo de X. A um entar naturalmente a sua oferta, embora ganhe menos por unidade vendida. Se o aum ento da oferta corresponde ao aum ento da p ro cura, a procura excedentria, que resulta do efeito de rendim ento, nula. Como o excedente de procura, que resulta do efeito de substituio, positivo, o excedente de procura total (dx = dxi + dx2) igualmente positivo. O mercado de X regressa ao equilbrio, dado que a condio de estabilidade cumprida. A contrrio, o mercado de X no regressar ao equilbrio, quando a procura excedentria final fo r negativa. O ra, pode ser este o caso, quando o acrscimo da oferta tal, que a procura excedentria, que resulta do efeito de rendimento, no s negativa, mas tambm assume um valor em que o efeito final no positivo (dx2 < 'O tal que | dx2 1 > | dxi | e dx < O).

    Temos assim caso muito particular em que as foras contrrias no podero actuar. Os neoclssicos gostam, de

  • 54 SOBRE' O VALOR ELEM ENTOS PARA UMA CRTICA

    um a form a geral, de estudar este tipo de casos. O nosso propsito apenas m ostrar que tais casos podem dar-se e neles a lei do valor segundo os neoclssicos no pode actuar. Estes casos, especiais, so, em geral, considerados aberrantes e a poltica econmica deve agir de modo a elimin-los (da a necessidade de os detectar com rigor).

    b) Trocas mltiplas, interdependncia.

    Q ualquer desequilbrio num m ercado repercute-se necessariamente sobre outros que, em contra partida, podem influenciar, de novo, aquele em que inicialmente se verificou a perturbao e podem, um a vez mais, desequilibr-lo, se, entretanto, ele tiver voltado ao equilbrio. O raciocnio im portante, pois trata-se de m ostrar que, se as decises individuais so respeitadas, no s a situao, que se obtm , a m elhor, mas tambm qualquer perturbao no poder conduzir ao caos, mas sim ao retorno a este ptimo, sempre no caso de a liberdade re inar...

    Suponhamos, para simplificar, que O' m ercado de X estvel, mas que o mercado de Y perturbado (Py t ) por um deus ex machina (ou seja, no im porta porqu h que no fazer perguntas... pois pode estragar-se tu d o ! ) . Que acontece a Mx ? Sempre dois efeitos: um efeito de rendim ento e um efeito de substituio.

    Primeiro efeito: de rendim ento. Podemos considerar que fraco (salvo se o bem Y era quantitativam ente im portante em relao a X no cabaz de com pras do consumidor). O aum ento de preo de Y conduz a um a procura exce- dentria negativa de Y e a um a ligeira baixa na de X.

    Segundo efeito: de substituio. Deveremos considerar dois casos limites:

    X e Y so estritam ente sucedneos: Uma elevao no preo de Y leva a um aumento da procura de X, que, graas lei do valor, acarreta um a alta no preo de X , que conduz a um regresso situao de equilbrio, po r reabsoro do excedente (Dx 4- ef. o 1. ponto).

  • A DEDUO 35

    X e Y so bens estritam ente complementares: A elevao do preo de Y implica uma baixa na sua procura, mas, por definio, baixar tambm a procura de X. A procura excedentria de X torna-se negativa, o que conduz a uma reduo do seu preo. A elevao do preo de Y suscita, pois, uma diminuio do preo de X. Existem, portanto, neste caso mltiplos problemas, podendo o desequilbrio ser cumulativo e generalizvel aos outros mercados. Compreendemos a razo pela qual o caso dos bens complementares no nada apreciado pelos neoclssicos. Pois precisam ente o caso em que no se pode escolher.

    A filosofia geral , portanto, simples: se o equilbrio global no existe, ou se, existindo, no node ser reatingido, aps um a perturbao, porque os automatismos livres do mercado (dos mercados) no puderam funcionar. Pode ser, por exemplo, o caso da existncia de monoplios que vo entravar a baixa de preos necessria, face a um a procura excedentria negativa. Ou ainda o caso dos sindicatos (sim, sim !) pois que, obrigando os patres a pagar mais do que deveriam, impedem a baixa dos preos (dos salrios), quando esta se torna necessria (caso em que a procura de trabalho inferior oferta de trabalho por parte dos trabalhadores). M elhor, favoreceriam o desemprego, pois no perm itiriam que este fosse reabsorvido. Fora m alfica, os sindicatos devem, pois, ser suprimidos (hoje, mais prudentem ente, dir-se-ia que os sindicatos devero ser responsveis, tal como os sindicatos alemes). No so os homens iguais entre si ? (revoluo de 1789, lei d e \L e Chapelier). Um trabalhador no igual ao seu patro ? Associarem-se , necessariamente, bloquear o livre jogo de m ercado... e da no perm itirem que os indivduos atinjam o paraso da satisfao mxima.

    Eis como, partindo de uma ideia simples, evidente prim eira vista a escolha, a opo se chega ao equilbrio, e do equilbrio s suas consequncias sociais, justificadas precisam ente pela necessidade de m anter a liberdade individual. Que esta liberdade seja form al ou no, que im porta ? ... a apologia do sistema encontra a o seu fundam ento pseudo- cientfico.

  • 56 SOBRE O VALOR ELEM ENTOS PARA UMA CRTICA

    RESUMO

    O equilibrio do consum idor e do produtor obedece s mesmas leis. Os dois indivduos situam-se rigorosamente em p de igualdade. Cada um deles pode transformar-se no outro, se assim o desejar, sem qualquer obstculo a dificultar-lhe o cam inho. Esta homogeneidade dos indivduos e dos com portam entos resulta na constituio de diversos m ercados fundam entalm ente idnticos. Os m ercados de bens e os mercados de factores de produo constituem plos situados exactam ente sobre o mesmo plano. No existe qualquer hierarquia. Apenas os laos de interdependncia se m anifestam. Nestes mercados os preos dos bens e dos factores de produo 11 so determinados. Os m ercados so, pois, soberanos, definindo o quadro em que os indivduos devero optar (fixando preos), mas eles prprios so formados pelo somatrio das vontades (opes) individuais.

    Podemos estabelecer o seguinte paralelismo:

    TEORIA 'DO CONSUMIDOR

    V erifica-se equilbrio, s e dados os preos

    TJMx UM y UMz

    P x P y P z

    Introduzida uma perturbao:

    E feito de rendim ento, efeito de substituio:

    Curva de procura individual

    QPx

    TEORIA DO PRODUTOR

    -Verifica-se equilbrio se, para os preos de aluguer, tem os

    P t A P t R P t M

    PA PB PM

    - Introduzida um a perturbao:

    E feito de rendim ento, efeito de substituio:

    _ ^ Curva de procura individual

    Q

  • A DEDUO 37

    uma curva terica. passagem ao m ercado de X

    (nvel dos consum idores)

    interdependncia dos m ercados de X e de Y, condio de estabilidade, se

    Px f > dx > O P x

    t

    um a curva terica.i passagem ao mercado de A

    (nvel dos produtores)

    interdependncia dos m ercados de A e de B , condi

    es de estabilidade, se PA 4, > dA > 0 PA P

    Sem evocar, por enquanto (cf. a 3.a etapa), que tipo de problem a especfico pode arrastar a agregao das curvas de procura individuais de factores de produo, recordemos um a vez mais que a interdependncia de mercados, situados ao mesmo nvel, a consequncia lgica das decises individuais. Certamente se poderia objectar que esta interdependncia ter tambm por origem o facto de, para produzir este ou aquele bem, ser necessria esta ou aquela combinao produtiva. O aumento do preo de X arrasta assim um acrscimo na procura dos factores de produo (A no nosso^ caso), que servem para produzi-lo. Esta interdependncia ser tambm de natureza tcnica. De facto, podemos dizer que esta interdependncia tcnica desprezada, apesar da existncia de coeficientes tcnicos, que j assinalmos. prim eira vista, isto pode parecer estranho, pois que, como evidente, a anlise de um a (a interdependncia dos mercados) conduz ao estudo da outra (interdependncia tcnica). Mas num m bito estritam ente neoclssico, esta conexo no pode ser efectuada facilmente, dado que os factores, que influem na oferta e os que determ inam a procura, so pressupostam ente independentes. Segundo a viso neoclssica da economia, os mercados esto ligados uns aos outros, no porque os diferentes produtos sejam consumidos no fabrico de outros, mas porque, por exemplo, a com pra de um a quantidade exagerada de um bem

  • 5 8 SOBRE O VALOR ELEM ENTOS PARA UMA CRTICA

    qualquer perturba a procura dos outros m ercados; de igual modo, a produo de um a quantidade mais elevada de qualquer bem perturba a procura nos outros m ercados; ainda na mesma linha, a produo de uma m aior quantidade de um bem tem influncia sobre os factores de produo, afastando-os da produo de outros bens. (E. S. Nell). E, parafraseando Sraffa, Nell acrescenta: A produo considerada como uma espcie de rua de sentido nico, em que os factores finais so transform ados em produtos finais, sendo ignoradas todas as etapas interm dias, fixando-se a ateno, po r um lado, sobre as condies que influenciam a venda dos produtos finais e, por outro, sobre a rem unerao dos factores. Num tal sistema, a produo poderia ser tecnicamente interdependente, mas esta caracterstica no se torna de m odo nenhum necessria, dado que a escassez dos factores condio suficiente de interdependncia dos m ercados12.

    Compreende-se, desde logo, porque que no sistema neoclssico o indivduo pode ser soberano, sendo escravo dos mercados que ele p rprio subproduz, devido s suas opes em comum com os outros indivduos.

    3. A generalizao: a teoria da no explorao

    Iremos estudar sucessivamente trs pontos:

    A teoria da repartio deduzida da anlise precedente; A teoria da repartio vista sob um ngulo im ediata

    m ente macroeconmico; A teoria da repartio e a sua representao sob a

    forma de funo de produo.

    A) A teoria da repartio deduzida da anlise precedente

    As m ercadorias so fabricadas com o auxlio dos factores de produo: trabalho e capital. O trabalhador aluga o seu trabalho ao em presrio. Com o rendim ento, que obtm , pode efectivar escolhas, com prar aquilo que lhe apetece. O u melhor, podemos afirm ar que a sua deciso de trabalhar repousa sobre um a escolha: trabalhar ou no trabalhar. T rabalhar, se o salrio suficiente para com pensar o sacrifcio e

  • A DEDXJO 59

    satisfazer as suas necessidades. Caso contrrio, no trabalhar (desemprego voluntrio ...). O empresrio indivduo como os outros encontra num certo m ercado os fundos necessrios para efectuar um a escolha: tanto de trabalho, tanto de capital, para produzir um a determ inada quantidade. Tal como em relao ao trabalhador pode-se mesmo dizer que a sua deciso de em preender, resulta de uma opo: em preender no caso do rendim ento que espera extrair ser satisfatrio, no em preender, no caso contrrio.

    Trabalhadores e empresrios decidem e escolhem, segundo os preos, que resultam dos mercados. 'Estes p retos so os preos dos factores de produo. Trata-se para os neoclssicos de factores de produo, mais do que bens de produo. O trabalho e, sobretudo, o capital, no participam apenas na criao do valor. So parte integrante desta criao de valor. o que os distingue dos simples inputs. Desde logo, a determinao dos seus preos de aluguer perm itir explicar como se distribui o valor criado. A anlise da determinao destes preos , pois, a anlise da repartio dos rendimentos. Salrio, taxa de juro, preos dos factores de produo so determinados nos respectivos mercados pela sua produtividade marginal como o preo de qualquer m ercadoria o pela utilidade marginal. Os factores de produo so, pois, pagos na proporo em que contribuem para a criao do valor.

    Ao longo de toda a nossa anlise, insistimos sobre o paralelismo que existia entre a determinao dos preos das m ercadorias e dos factores de produo. Isto significa, repitamo-lo, que a anlise do equilbrio do consumidor (ou do produtor) no neutra.

    'Pelas hipteses e pelo desenvolvimento, ela conduz teoria do valor utilidade, segundo a qual os preos das m ercadorias so determinados pela utilidade marginal e os preos dos factores de produo pela produtividade m arginal. Pelas hipteses e pela deduo chega-se assim logicamente teoria da no explorao e, logo, harm onia universal. Tese extremamente til para as polticas econmicas que a tm por origem, pois surge como um a justificao, quando acontece precisamente que um factor de produo (o trabalho) explorado.

  • 40 SOBRE O VALOR ELEM ENTOS PARA TJMA CRTICA

    O problem a muito mais complexo do que parece prim eira vista. J evocmos a sua dificuldade, quando dissemos que os preos das m ercadorias eram preos de com pra, enquanto que os preos dos factores de produo eram preos de aluguer 13. Mais precisamente, o em presrio escolhe e com bina factores de produo, de tal forma que as produti- vidades marginais ponderadas pelos preos sejam todas iguais entre si. Mas ao seu nvel os factores de produo em causa so constitudos, certam ente, por trabalho, mas tambm e sobretudo, por um conjunto de bens de produo especficos, tais com o tom os, m quinas de lam inar, fresadoras, etc. Obtm-se as curvas de procura destes bens de produo, agregando as curvas de procura individual de cada empresrio , referentes a estes bens. Obtm-se ento os mercados de tornos, lam inadores, fresadoras, etc.

    A dificuldade provm do facto de no nos interessar nada perm anecer a este nvel. Para fazer um a teoria da repartio dos rendimentos, necessrio ultrapassar o plano do torno, do laminador, da fresadora, etc. Do mesmo modo que consideramos o m ercado do trab a lh o ,14 necessrio termos um mercado do conjunto destes bens de produo, ou seja, o mercado do capital. Assim, podemos m ostrar como se distribui o valor criado pelo dois (trs, se considerarmos a terra) factores de produo: o trabalho e o capital.

    Mas a que reside a dificuldade. Com efeito, os tornos, as fresadoras, etc., apenas constituiro um factor de produo, se este for homogneo, pois um produto define-se pela sua hom ogeneidade1S. O ra os referidos bens de produo so produtos diferentes, logo no homogneos. No podemos agregar curvas de procura e oferta correspondentes aos m ercados de tornos, lam inadores, fresadoras, etc. para obter o mercado do capital, factor de produo tal como no se podem somar cenouras e nabos. A nica soluo que pode existir consiste em homogeneizar estes diversos factores de produo atravs de um preo. Podero ento ser comparveis e susceptveis de agregao. Poderemos, para utilizar um a expresso recente, fazer a soma de capitais heterogneos (Samuelson). O preo que pode servir de referncia, pode ser o preo unitrio da mercadoria que escolhemos como num errio. Assim podemos exprim ir o torno em bens de consumo X , a fresadora idem,

  • A DEDUO 41

    etc. O capital conjunto destes capitais heterogneos, conjunto destas coisas ser homogeneizado atravs de um preo: o preo do capital em bens de consumo (preo relativo). Passaremos assim da produtividade m arginal, em termos fsicos, do torno, da fresadora, etc., . produtividade marginal dita em valor do capital.

    Como nos situamos sempre ao nvel do equilbrio geral em termos reais 16 (preo relativo), o capital, enquanto factor de produo, transformar-se- deste modo em algo indefinido, um conjunto de coisas concretas, mas como coisa homognea (tornada homognea), procurada e oferecida num mercado, algo totalm ente incompreensvel. N o ser um torno, nem um a fresadora, mas tudo ao mesmo tempo, ou seja um a coisa q u a lq u e r17. Compreende-se por que razo os economistas neoclssicos puderam eles prprios evocar recentemente estes problemas, caracterizando o seu capital como um capital geleia, resumindo assim a sua dificuldade em aprender o inapreensvel. T riste ironia da sorte para aqueles que desejavam partir de coisas concretas, de comportamentos que se pretendiam naturais.

    Sobre este mercado do capital determina-se um preo. Este preo a taxa de juro. determinada pela produtividade marginal, porque cada um dos seus elementos o tambm. O capital enquanto factor de produo remunerado pela sua produtividade marginal e o trabalho idem. Os dois factores de produo so, pois, remunerados na proporo em que contribuem para o processo de criao de valor. N enhum deles se o equilbrio geral respeitado explorado. No h exploradores nem explorados. lgico, um a vez que os indivduos so pressupostam ente iguais e podem m axim izar as suas satisfaes. Alguns com pram bens de consumo, vendem os seus servios (o trabalho), em prestam um a parte do seu rendim ento, que preferem no consum ir im ediatam ente (teoria da abstinncia) e, portanto, oferecem capital. O utros alugam os servios do trabalho, pedem emprestado capital, e, com um a combinao ptima destes factores, fazem produzir bens de consumo ou de p ro d u o ls. No m ercado do capital (e no trabalho 19 verificam-se as mesmas condies de equilbrio e de estabilidade que nos outros mercados. A um a baixa do preo de oferta do capital (a taxa de juro)

  • 42 SOBRE O VALOR > ELEM ENTOS PARA TJMA CRTICA

    deveria .corresponder um a escolha preferencial d o capital em detrim ento do trabalho, tornando-se aquele relativam ente menos caro do que este. Desta baixa da taxa de juro deveria resultar um aum ento da intensidade de utilizao do capital

    i i -------------> tL

    CONCLUSO

    Como lembramos atrs, a passagem do equilbrio do produtor ao equilbrio dos produtores no se efectua sem surgirem mltiplos problemas. Estes problemas residem essencialmente:

    na dificuldade em conceber as ligaes entre os mercados dos diferentes bens de produo e o mercado do capital, conjunto destes bens;

    - na dificuldade de conceber, no quadro de um sistema econmico tomado em termos reais, o que podero ser concretam ente a oferta e a procura de capital.

    A dificuldade, em ltim a anlise, reside na passagem de um a anlise da troca e da produo (interdependncia dos mercados) ou seja, a uma anlise em que os factores de produo (trabalho, capital) sero remunerados na proporo em que cada um deles contribuiu para a criao de valor, quando se verificam as condies de equilbrio geral.

    isto que permite explicar porque que, em geral, os autores neoclssicos se viram em dificuldades, quando se tratava de definir o que era exactamente o capital. Apresentmos um a parte essencial do raciocnio. Evocmos ainda algumas outras. Resta acrescentar que a m aioria das vezes, sobre este ponto nodal, tais raciocnios so apenas esboados, quando no integralm ente ignorados, pelos economistas neoclssicos contemporneos, at quase aos nossos d ia s 20. Passa-se levianamente do clculo da produtividade fsica de um factor de produo (o torno, a fresadora) para a determ inao da taxa de lu c ro 21, atravs da produtividade marginal (em

  • A DEDUO 4 5

    valor) do factor de produo capital, por simples extenso ou generalizao, como se tal fosse um a coisa perfeitam ente linear. N ada de supreendente, pois que no se defina o capital, o que , com o se obtm. Ensina-se o estudante de cincias econmicas a escrever y = f (L, K) (funo de produo), em que L a quantidade de trabalho, K a quantidade de capital e y o volume anual de bens produzidos. Recomenda-se-lhe que no diferencie os trabalhadores, medindo deste modo L em homens-horas, como quantidade de trabalho, e fala-se-lhe do problem a dos nmeros-ndices que colocado pela escolha de uma unidade de medida do produto; neste momento, apresenta-se-lhe subitam ente a questo seguinte, na esperana de que ele se esquea de perguntar em que unidade se deve medir o K. E, antes mesmo de ele ter posto esta questo, ele j se tornou p ro fesso r22... . Enfim , nada de surpreendente, pois escamotear esta questo poder concluir sem aparentes dificuldades que a repartio dos rendimentos ptima, quando cada um dos factores de produo (capital e trabalho) remunerado pelo que lhe devido, ou seja, logo que as condies desequilbrio geral estejam cumpridas. Am bos esto felizes. No existe explorao. Autojustificao do sistma, que se alimenta destes esquecimentos na anlise, e que facilm ente reveste formas cientficas pela matematizao a que se presta, explorando assim abusivamente numerosos estudantes para quem o hbito faz muitas vezes o monge.

    Estas dificuldades em m ostrar que pode e deve existir no quadro do sistema capitalista um estado de equilb rio em que ningum explorado, e que, mesmo se acidentalmente pudessem existir explorados, nenhum indivduo seria exp lo rador23 so dificuldades reais. N o nos surpreendem , no entanto, pois trata-se de negar a realidade concre ta ... para a explicar. A pesar disso, o facto de estas dificuldades existirem no nos perm ite refutar a anlise neoclssica a nvel da sua coerncia interna. N a m elhor das hipteses, apenas poderemos supor na fase em que nos encontramos que essas dificuldades so reveladoras da problem tica que conheceu o sistema neoclssico a nvel da sua prpria coerncia, questo que estudaremos em seguida.

  • 44 SOBRE O VALOR ELEM ENTOS PARA UMA CRTICA

    B. A teoria da repartio observada sob um ngulo im ediatam ente macroeconmico

    Porque estas dificuldades existem, um a outra corrente de pensam ento no seio dos neoclssicos imaginou poder escamote-las abandonando o(s) indivduo(s) e situan- do-se imediatamente ao nvel das grandezas globais: Rendim ento, Capital, T rabalho. Esta corrente inspira-se no sistema m acroeconm ico de Ricardo e tenta ultrapass-lo, corrigindo a anlise clssica da determ inao do preo do trabalho, do capital, e da terra utilizada. Mais concretam ente, esta corrente tenta homogeneizar a anlise de Ricardo. A anlise de Ricardo m ostra com efeito que o preo do trigo determinado pela ltim a unidade de terra utilizada (a unidade marginal de terra), de tal form a que os proprietrios fundirios possuidores das primeiras terras cultivadas, extraem uma renda igual diferena entre o preo do trigo (fixado pela ltim a unidade) e o custo desse tr. > (fixado pela unidade de terra utilizada), sendo, no entam , o preo do trabalho e do capital determinados de m aneira diferente.

    A partir do m om ento em que se considera que terra, trabalho e capital so factores de produo, ou seja, coiscis susceptveis de criar valor, dever-se-ia, para se manter a coerncia, adoptar um m todo de determinao semelhante para o preo de cada um destes factores. Seno, poderamos deduzir que no se tratava de factores de produo ou que, por exemplo, apenas o trabalho criador de valor e que os bens de produo, longe de criarem valor, apenas transferem o seu valor. O objectivo desta corrente de pensamento consistir prim eiro em pressupor que terra, trabalho e capital constituem factores de produo e depois em m ostrar que, generalizando o sistema de determ inao do preo da terra factor de p roduo aos outros factores, se pode efectuar uma determ inao anloga do preo destes ltim os. Assim, no somente a renda seria determ inada pela produtividade m arginal da terra, mas tambm a taxa de lucro (ou juro) o seria pela produtividade marginal do capital e, finalm ente, a taxa de salrio pela produtividade marginal do trabalho. este tipo

  • A DEDUO 45

    de raciocnio que J. B. C lark efectua no final do sculo passado.

    Este estudo levantou logo de incio alguns problemas. A generalizao do raciocinio de Ricardo poderia ter sido vlida, se a determinao do preo da terra obedecesse ao princpio da produtividade m arginal. De facto, tal no se verifica. A anlise da renda de Ricardo diferencial. No obedece, pois, a este principio. Trata-se, no caso de Ricardo, de considerar terras diferentes de fertilidades diferentes. O preo do trigo s depende da ltim a trra utilizada, na condio desta ser a menos frtil. Q uanto mais cresce a procura do trigo, mais se alarga a superficie cultivada a terras cada vez menos frteis. A firm ar que o preo do trigo depende da trra menos frtil utilizada dizer, por um lado, que esta terra no recebe renda e, por outro, que apenas as terras mais frteis recebem uma renda, igual diferena entre o custo do trigo na trra menos frtil (o preo) e o custo do trigo nas terras mais frteis. A renda no existe, pois, no caso da ltim a trra utilizada, precisam ente porque se tra ta da menos frtil. No rem unerada ao seu preo, igual renda produtividade marginal pois que esta ltim a no existe.

    Avancemos agora um pouco mais. O princpio da determ inao do preo da trra pela produtividade marginal ou se ja pela ltim a trra cultivada no pode ser aplicado, pois que as prim eiras e as ltimas terras no so semelhantes, em Ricardo. Trata-se de terras com fertilidades diferentes e, daqui, se seguirmos a lgica neoclssica, cada terra diferenciada pela sua produtividade, deveria constituir um factor de produo. Por outras palavras, a terra no homognea (fertilidade diferenciada). Ela no , pois, um factor de produo, um a vez que este como qualquer outro produto se define pela sua homogeneidade. Para se conhecer o acrscimo de produto obtido pelo aum ento do factor de produoSQ

    ------- ainda condico necessria, que o acrscimo sei a daST

    mesma natureza que o factor de produo utilizado anteriormente. De outro modo no podemos efectuar este tipo de clculo.

  • 46 SOBRE O VALOR ELEM ENTOS PARA DMA CRTICA

    E assim voltamos a encontrar o problema que havamos colocado a propsito do

  • A DEDUO 47

    marginal, na m edida em que existe interesse em contratar trabalhadores suplem entares, enquanto a taxa de salario for inferior produtividade marginal do trabalho.

    O produto y igual superfcie do trapzio OBDL2, em que OD o produto por trabalhador e OL2 o nm ero de trabalhadores. A taxa de salrio OC, igual a BL2, p rodu tividade m arginal do trabalho, quando OL2 trabalhadores so utilizados. A massa de salrios , pois, equivalente i superfcie L2BOC, ou seja ao produto da produtividade m arginal pelo nm ero de trabalhadores. Resta a superfcie DCB. Ela representa a fraco a conceder ao capital Ki. 'Pode-se ento afirm ar que a rem unerao do capital representa um resduo. A taxa de ju ro custo unitrio do cap ita l pois um resduo dividido por .certa quantidade de capital.

    A originalidade desta anlise advm da inverso que ela faz dos dados do problema. Trata-se, como sempre, de produzir a quantidade y, mas, desta vez, fazendo variar a quantidade de capital, sendo constante a quantidade de trabalho.

    KoInicialmente temos a combinao . A quantidade de

    L2capital passa de Ko a Ki, sendo Ki > Ko. Como qualquer outro factor de produo, a sua produtividade marginal decres-

  • 48 SOBRE O VALOR ELEMENTOS PARA UMA CRTICA

    cente. O em preendedor pedir em prestado capital at ao ponto em que o produto obtido pela aplicao da ltim a unidade de capital (produtividade marginal) equivalente ao custo dessa mesma unidade (taxa de juro).

    O produto y igual superfcie do trapzio M OKiJ, em que OM representa o produto por unidade de capital utilizada (tambm cham ada produtividade mdia) e OKi a quantidade de capital utilizada de forma a igualar a produtividade marginal e a taxa de juro ON. A parte correspondente ao capital , pois, igual ao produto da sua produtividade marginal JKi pela quantidade OKi ou seja, a superfcie OKi JN. Resta, pois, para com pletar a superfcie do trapzio, a rea M NJ, que se destina rem unerao dos trabalhadores. Portanto, a massa de salrios , neste caso, um resduo. A taxa de salrio o quociente deste resduo pelo nm ero de trabalhadores.

    bom recordarm os que nos estamos a referir sempre mesma quantidade de produtos y. Num caso, a taxa de salrio determ inada pela sua produtividade marginal e, no outro, pelo resduo, dividido pelo nmero de trabalhadores. Inversam ente, num caso, a taxa de lucro determ inada pelo quociente do resduo pela quantidade de capital e, no outro, pela produtividade marginal do capital.

  • A DEDUO 49

    Para cada factor de produo, o resduo unitrio corresponde produtividade m arginal, com um a condio, porm: que tal seja verdadeiro, pelo menos, para um dos factores. Por outras palavras, no basta que as superfcies dos dois trapzios sejam iguais para da se deduzir que as superfcies ocupadas por cada factor so correspondentes. Para que a superfcie e ONJKi seja igual superfcie CDB, quer dizer, para que a produtividade marginal do capital m ultiplicada pela quantidade de capital seja igual ao resduo, necessrio e suficiente que no exista um sobrelucro neste resduo. preciso, pois, supor um a perfeita m obilidade do capital, de tal form a que os sobrelucros sejam eliminados. Resumidamente, deveria existir um estado de concorrncia pura e perfeita.

    Se este estado existe, estamos ento em equilbrio. O raciocnio torna-se rigoroso. Os factores de produo so rem unerados pela sua produtividade m arginal. esta que determina o nvel de tal rem unerao. No existe explorao.

    C. Repartio e funo de produo

    Desde o incio, os neoclssicos formalizaram o seu raciocnio, introduzindo a funo de produo m acroeconm ica26. Esta funo adquiriu um a posio de grande relevo na anlise. Por essa razo, til relem brar rapidam ente o que representa no a funo de produo tout court, mas a funo de produo neoclssica.

    a) Funo de produo e escolha das tcnicas

    Ao nvel mais geral, a funo de produo um a relao particular entre os inputs (os factores de produo) e a quantidade produzida. A funo de produo, para um dado nvel de conhecimentos, descreve as diversas combinaes produtivas e estabelece um a relao entre estas e a quantidade produzida.

    Mais precisamente, no que diz respeito aos neoclssicos, a juno de produo microeconmica indica qual a combinao produtiva que maximiza a taxa de lucro, de en tre n

  • combinaes produtivas possveis. O em presrio .conhece um leque de tcnicas de produo. Estas podem ser definidas pelo seu coeficiente de fabricao, ou seja, a relao entre a quantidade produzida e a quantidade de factores utilizados. O empresrio conhece a taxa de salrio. O seu objectivo , pois, operar uma escolha, de tal modo que, m unido de um conjunto de tcnicas e da taxa de salrio, ele escolhe a tcnica ptima: aquela, precisam ente, que maximiza a sua taxa de lucro.

    Como vimos, podemos desenvolver o m esmo raciocnio a nvel global. O objectivo dos empresrios efectuarem a mesma escolha, se estiverem perante dados idnticos. Suponhamos, pois, dois factores de produo, o capital e o trabalho. Representemos em abcissas as diversas combinaes produtivas, de tal form a que, quando K varia, L permanece constante. Representemos em ordenadas o produto por trabalhador. Podemos igualmente indicar no grfico as diversas tcnicas, dado que estas se definem como um a relao entre a quantidade produzida e a quantidade de factores produtivos utilizada. Sejam as tcnicas X , Y, Z , L, M.

    5 0 SOBRE O VALOR ELEM ENTOS PARA UMA CRTICA

    Seja Owi a taxa de salrio. A taxa de lucro, se for u ti

    lizada a tcnica X, ser - 1 . Ser m anifestam ente menor,O ai

  • A DEDUO 51

    sc utilizarmos a tcnica M. A tcnica X , pois, ptim a. ela a escolhida. A outra rejeitada, pois inferior. No far parte da funo de produo. Para esta taxa de salrio Owi, a tcnica Y proporciona a mesma taxa de lucro que a tcnica X. O em presrio est, pois, num a situao de indiferena. Se a taxa de salrio aum entar para O w 2, a tcnica Y perm ite

    bi W2a taxa de lucro ------- . A tcnica Z proporciona idntica

    O a 2taxa de lucro, o que no se verifica com a tcnica L. Esta ltim a , pois, rejeitada.

    Se considerarmos que o em presrio dispe de um a infinidade de tcnicas, a curva XYZ torna-se contnua. Cada um dos seus pontos representa um a tcnica de produo. A tcnica utilizada ser aquela que maximiza a taxa de lucro, considerada um a determ inada taxa de salrio.

    Se o salrio O w , a tcnica E maximiza a taxa de lucro (fig- 2 ).

    Q uanto mais se eleva o salrio, mais o ponto E se afasta para a direita, mais a intensidade de utilizao do capital

    ,K .( ) cresce.

    L

    Podemos im ediatam ente tecer certas consideraes:

    supe-se que os factores de produo podem ser substitudos. Q uando a taxa de salrio cresce, a intensidade de utilizao do capital cresce (o capital torna-se menos caro em relao ao trabalho);

    a funo de produo tem um a forma particular. Os rendimentos de escala (s K varia) so decrescentes. Diz-se que esta funo se comporta correctam ente (well-behaved);

    finalm ente, as duas concluses precedentes no se deduzem de propriedades inerentes funo de produo, mas sim, da maneira como esta foi construda. As propriedades da funo de produo, tal como elaborada pelos neoclssicos, deduzem-se a partir das hipteses de com portam ento, que acabamos de considerar. Assim, as tcnicas M e L foram rejeitadas como tcnicas inferiores. N o fazem parte da funo de produo, pois no perm item maximizar a taxa de

  • 5 2 SOBRE O VALOR ELEM ENTOS PARA UMA CRTICA

    lucro, para urna dada taxa de salrio. A funo de produo neoclssica reflecte, portanto, uma via de equilbrio. Ela no se demonstra. Apenas descreve tal equilbrio grfica e algbricam ente. Eis, pois, um a concluso essencial.

    b) Funo de produo e repartio

    A funo de produo a nvel macro apresenta as mesmas propriedades que a nvel micro. um indicador da optimizao da escolha de tcnicas. A nvel macro ela apresenta contudo, mais uma propriedade. Indica tambm a repartio dos rendimentos. Q ualquer que seja a taxa de salrio Ow, a parcela dos lucros, em relao ao rendim ento, ser igual a

    ------- e a dos salrios, tam bm em relao a rendi-Ob

  • A DEDUO 5 5

    mento ser - , sendo finalm ente a relao lucro/sal- Ob bw

    rio igual a -------. fcil a leitura destas diferentes relaesOw

    no grfico anterior (fig. 2 ).N a m edida em que a funo de produo neoclssica

    reflecte o raciocnio desta escola de pensam ento, ela deve tambm m ostrar que a repartio dos rendim entos se verifica de acordo com o princpio da rem unerao da produtividade marginal.

    As quantidades de trabalho e de capital so consideradas ao nvel da sociedade. O preo destes factores tal como para qualquer ou tra m ercadoria estabelece-se atravs das regras da oferta e da procura, de tal forma como vimos a tr s que todas as quantidades oferecidas correspondem procura. Todo o trabalho utilizado, o mesmo se verificando com o capital. No pode haver subutilizao para os factores de p ro d u o 27. Se subsistisse um a parcela de trabalho no utilizado, a taxa de salrio deveria descer, at que essa parcela fosse absorvida, sendo a condio de equilbrio, recordmo-lo, que a oferta iguale a procura em cada m ercado, e a condio de estabilidade que um a reduo no preo faa emergir um a procura excedentria. Se efectivamente estiverem verificadas as condies de equilbrio e de estabilidade, existir pleno emprego dos factores de produo. A utilizao destes dois factores de produo determ ina, pois, um a combi-

    Knao produtiva ( ) , que indica sobre a funo de produ-

    Lo (via de equilbrio tcnica J) (fig. 2). A inclinao da funo de produo neste ponto determ ina a taxa de lucro.

    SYEsta inclinao igual a d (Y /L )/d (K /L ) = -------

    8KSY

    O ra, ------- a produtividade m arginal. A taxa de lucroSK

    , pois, igual a produtividade marginal do cap ita l2S. Esta produtividade m arginal do capital im portante fris-lo no depende das qualidades intrnsecas do capital, nem da

  • 54 SOBRE O VALOR 1 ELEM ENTOS PARA DMA CRTICA

    ltim a unidade utilizada em relao s precedentes. Depende, antes de mais, da quantidade de trabalho com a qual o capital est combinado. A produtividade marginal do capital , pois, funo de um a combinao produtiva. Portanto, funo de dados tecnolgicos.

    este o facto que explica que as m odalidades da repartio dos rendim entos, segundo os neoclssicos possam encontra r um fundam ento tcnico e econmico. Tcnico, porque se tra ta de escolha entre combinaes produtivas existentes; econmico, porque a opo se efectua, segundo os principios da suposta racionalidade, de maximizao da taxa de lucro. Podemos obter a repartio dos rendimentos no estado de equilibrio, calculando no ponto J a elasticidade do produto per capita em relao ao capital per capita.

    _ d (Y /L ) / d K / L _ d (Y /L ) / Y_

    C ~ Y /'L / K /L ~ d (K /L ) / K

    d(Y /L ) 8 Ycomo ---------- = -------- = r, teremos:

    d(K /L ) 5 K

    K P Lucrose r X = = ------------------

    Y Y Rendimento

    A elasticidade da funo de produo indica, portanto, a parte em que os lucros participam no rendimento, de tal form a que a produtividade marginal do capital determina a taxa de lucro. Se tivssemos feito variar o trabalho em vez do capital, a elasticidade teria igualmente determinado arepartio dos rendimentos, desta vez com a determinaoda taxa de salrio atravs da produtividade marginal do trabalho. A repartio dos rendimentos tem, pois, um fundamento tcnico-econmico. Ela no resulta nem da correlao de foras nem da luta de classes. Ela , pois, optim izada, quando as condies, que visam um estado de equilbrio, so respeitadas.

    Uma vez mais, esta concluso no se extrai das propriedades inerentes a qualquer funo de produo. Ela apenas

  • A DEDUO 5 5

    a concluso matemtica de um raciocnio econmico. Eis a razo por que um a funo de tipo particular geralmente privilegiada pelos neoclssicos. Trata-se da funo de produo homognea de grau 1. Mas os paradoxos a que ela conduz fazem que alguns prefiram rejeit-la.

    c) Propriedades matemticas e paradoxos econmicos

    A funo de produo homognea de grau k por definio um a funo tal que, se multiplicarmos os factores de produo por X, o produto m ultiplicado por Xk. A homogeneidade de grau 1 significa pois que, se os factores de produo so m ultiplicados por X, o produto tambm m ultiplicado por X. esta funo que os neoclssicos privilegiam. Ela significa, economicamente, que, a curto prazo, os rendim entos de escala (varia apenas um factor) so decrescentes e que, a longo prazo, os rendimentos de escala so constantes ou proporcionais (a escala altera-se, dado que os dois factores variam ). Diz-se tambm que a longo prazo, no existem economias de escala, pois que nenhum ganho (nem perda) particular obtido a nvel do custo, quando se m ultiplicam os factores de produo por X, sendo o produto m ultiplicado pelo mesmo factor X. Fundam entalm ente nada se altera, dado que a escassez relativa, entre os factores de produo, perm anece idntica.

    Essa funo de produo tem um a propriedade matem tica interessante. Pode aplicar-sejlhe o teorema de E u le r29.O produto total sempre igual soma dos produtos marginais relativos a cada factor considerando-se o outro constante m ultiplicada pela quantidade utilizada de cada um desses factores. O que economicamente significa que o produto total se reparte integralmente, quando cada factor de produo pago segundo a sua produtividade marginal. Como a funo hom ognea de grau 1 corresponde a um a via de equilbrio, esta proposio no mais que a consequncia matemtica deste equilbrio que se considerou realizado.

    A questo complica-se, quando se considera que a funo de produo pode ter um a homogeneidade diferente de 1 . Sabemos, com efeito, que os capitalistas tm todo o interesse em procurar as economias de escala. A simples observao

  • 56 SOBRE O VALOR ELEM ENTOS' PARA UMA CRTICA

    da realidade (sejamos concretos !) mostra-nos que os capitalistas se concentram , a fim de alcanarem as possibiidaes financeiras para alargarem o seu aparelho de produo (eles m ultiplicam os seus factores de produo por X,). O interesse desta operao consiste na esperana que tm de ver baixar os seus custos unitrios. Por outras palavras, o objectivo procurado que o produto total aum ente mais que os factores de produo. A funo de produo seria assim homognea, sem dvida, mas de um grau superior a 1 .

    O ra, neste caso, tudo se desmorona ! Demonstra-se facilm ente que o produto insuficiente para remunerar os dois factores de produo, segundo a sua produtividade marginal. Existe, pois, um a p e rd a 30. Com efeito, neste caso, os factores de produo so cada vez mais eficazes. Rem unerar os factores de produo, segundo a sua produtividade marginal, traduz-se, pois, em rem unerar as doses anteriores de cada factor as menos produtivas (ou eficazes) semelhana da ltim a dose a mais produtiva (ou eficaz) o que arrasta certam ente um a perda lquida. Portanto, dado que estamos em presena de rendim entos de escala crescentes, estamos perante um a perda.

    O paradoxo , pois, o seguinte: qualquer situao aparentemente boa m.

    Inversam ente, se considerarmos o caso de rendim entos de escala decrescentes, ou deseconomias de escala (K < 1), a situao deveria ser m. Ora, garante-se que ela excelente !

    Q ualquer tentativa, ainda que leve, de ligao realidade, seguindo paralelam ente o raciocnio neoclssico da rem unerao dos factores de produo, segundo a sua produtividade m arginal, conduz, pois, a absurdos ! pelo facto de estes absurdos tornarem frgil a teoria neoclssica que certos autores tentaram m ostrar que no era de form a alguma necessrio ter um a funo de produo homognea e de grau1 para se verificar a justia da sua teo ria ... suficiente, dizem esses autores, que nos transportem os imediatamente para o equilbrio. Ficaramos com dvidas, pois que precisam ente qualquer situao favorvel apenas pode corresponder a um a situao de equilbrio ... Mas vejamos o seu raciocnio; podemos escrever:

  • A DEDUO 57

    Y Py = A Pa + BPb

    Trata-se de um a simples equao contabilstica; o produto Y multiplicado pelo seu preo igual taxa de salrio (Pa) m ultiplicada pela quantidade de trabalho utilizada (A), qual se junta a taxa de lucro (PB), m ultiplicada pela quantidade de capital (B), se considerarmos que A e B so o trabalho e o capital. Esta igualdade significa simplesmente que o rendim ento se decompe em salrios e lucros.

    Podemos tam bm escrever esta igualdade da seguinte maneira:

    APa BPbY = -------+ ------ -

    Py Py

    colocando assim em relevo os preos relativos.Sabemos que em equilbrio no h qualquer outro lucro

    que no seja o juro atribudo ao capital em prestado31. O preo de venda igual ao m nim o do custo mdio 32. Estabelecendo as diferenas, podemos descrever matem aticam ente esta situao econmica:

    _ S Y _ _ _ P a _ SY _ Pb

    SA Py SB Py

    da

    SY SYY = -------A + --------B = f A A + fB B

    SA SB

    Obtivemos assim o mesmo resultado que anteriorm ente ou seja, a repartio integral do produto, quando os factores de produo so remunerados pela sua produtividade m arginal , sem que tivssemos que recorrer a qualquer funo de produo.

    O significado econmico do que acabamos de escrever simples: em equilbrio, temos a repartio integral do produto. O ra o equilbrio significa que reina no mercado a con-

  • 5 8 SOBRE O VALOR 'ELEMENTOS PARA DMA CRTICA

    corrncia pura e perfeita, ou seja, que esto preenchidas as 5 condies bem conhecidas:

    a atom icidade do mercado (ningum tem peso suficiente para influenciar outrem );

    a homogeneidade do produto (no existem monoplios de m arca);

    a livre entrada e sada do m ercado (no actuao de monoplios);

    a perfeita mobilidade de factores de produo (liberdade de efectuar despedimentos, por exemplo);

    o rpido e perfeito conhecimento do mercado.

    Se um a destas condies no for respeitada, no podemos obter a equao final. Os factores de produo j no so pagos pela sua produtividade m arginal. So, pois, explorados. Chegamos assim ideia, segundo a qual a explorao depende da natureza dos mercados. Se no forem concorrenciais, estes factores so explorados. O u melhor, os factores podem ser todos explorados, sem que, no entanto, exista um explorador! Concluso, se queremos ev itar a explorao, necessrio criar as condies para que o equilbrio reine nos mercados, a fim de que estes possam ser concorrenciais. necessrio, pois, estimular o livre em preendim ento... e sobretudo evitar as ligaes entre os trabalhadores. Indo mais ao fundo da questo, na medida em que se denunciam os sindicatos como possuindo um poder de monoplio, denunciam-se igualmente aqueles que esto na origem da explorao: ou sejam os sindicatos ! 33 o que se cham a a neutralidade da cincia econm ica...

    Um raciocnio semelhante feito, hoje em dia, pelos polticos e economistas burgueses, sob a capa, bem entendido, da Cincia com C grande. Em vez de equilbrio, fala-se de crescimento equilibrado e transportam-se as concluses de um para outro, o que gera o seguinte raciocnio: se reclamais demasiado, o bolo no poder crescer com suficiente rapidez (crescimento no equilibrado e da no ptim o), se, pelo contrrio , vos com portardes bem, fordes modestos nas vossas reivindicaes, o bolo crescer mais depressa e vs de tal beneficiareis. Concluso: calai as vossas reivindicaes, pois

  • A DEDUO 59

    apenas podereis ganhar com isso ... se fordes demasiadamente gulosos, apenas podereis p erd er... e quem ter a c u lp a ? .. .

    CONCLUSO

    Algumas palavras para concluir este captulo. Desm ontmos a teoria neoclssica de duas formas:

    partindo do indivduo; partindo imediatamente de quantidades globais.O prim eiro m todo microeconmico. Justifica as deci

    ses do indivduo e, por generalizao, m ostra que este , sim ultaneam ente, senhor e escravo. Passa-se assim do equilbrio de um indivduo ao equilbrio geral, respeitante ao conjunto da sociedade. Neste caso a teoria neoclssica pretende dem onstrar que os factores de produo bens particulares, especficos, porque eriam v a lo r so pagos, segundo a sua produtividade marginal.

    O segundo mtodo macroeconmico. A parenta no privilegiar as decises do indivduo, porque aparenta ignor-lo. Procuram-se as condies de equilbrio da sociedade. Trata-se ento de um equilbrio global (e j no apenas geral). Neste quadro a teoria neoclssica do valor tenta dem onstrar que os principais factores de produo o trabalho, o capita l so rem unerados pelo seu contributo, quer dizer, pela sua produtividade marginal.

    Q uer partam os de um mtodo, quer de outro, chegamos s mesmas concluses, o que se torna aparentem ente em baraoso.

    Poderamos m ostrar que se trata de dois conceitos ambguos: que um contm elementos de outro. Isto j foi levado a cabo por certos autores (M aohlup), no tendo qualquer interesse retom ar o assunto. Pelo contrrio, o que mais im portante no tar que, de cada vez que partimos de um nvel macroeconmico, tivemos que recorrer a raciocnio de nvel micro para tornar lgica a exposio. Assim se processou a tentativa de determinados economistas no sentido de homogeneizarem o raciocnio de Ricardo, quanto rem unerao dos factores de produo. Foi necessrio recorrer concorrncia

  • 60 SOBRE O VALOR ELEMENTOS PARA UMA CRTICA

    pura e perfeita para dem onstrar que a superfcie representada pelo pagamento ao capital segundo a produtividade marginal correspondia superfcie residual. De igual modo, procedemos ao mesmo tipo de raciocnio, quando mostramos que no era de todo necessrio a existncia de um a funo homognea de grau 1 . O u, noutro exemplo, recorremos natureza dos m ercados para chegarmos s condies de equilbrio. Apenas no caso de se verificarem as condies de concorrncia pura e perfeita, no haveria explorao e os factores seriam rem unerados, segundo a sua produtividade marginal.

    Desta m aneira, tudo nos surge mais claro. O mtodo macroeconmico, avanado no incio do sculo pelos neoclssicos, aperfeioado e desenvolvido nos anos trin ta por certos economistas em reaco corrente neoclssica (os Keynesia- nos), pode facilmente ser recuperado pelos neoclssicos recentes, porque precisamente a noo de equilbrio global pode muito bem integrar a de equilbrio geral. Parte-se, ao que parece, de quantidades globais como o capital, o trabalho, etc. mas estas no so mais, de facto, que a agregao das unidades elementares. O problem a do no bridge, entre micro e macro, assim resolvido. O indivduo, os seus critrios de escolha e as suas decises constituem sempre os fundam entos da anlise. A partir daqui, no lgico que cheguemos s mesmas concluses, quer partam os de um m todo, quer de outro ?

    Mas quantas hipteses implcitas foi necessrio durante o percurso esconder, quantos esquecimentos foi necessrio cam uflar para tornar o raciocnio aparentem ente, coerente ?

    o que tentaremos m ostrar seguidamente.

    BNFotas

    1 U m a im agem poder esclarecer este ponto de vista: um a m ultido com posta por uma m ultiplicidade de indivduos. N o h efeitos de m assas, aquando de um a m anifestao. O comportamento da m ultido a agregao doe com portam ento s de cada indivduo.

    2 E sta lei parece em ergir da prpria evidncia. Contudo, sem pretenderm os ainda criticar nem a filosofia d esta escola,

  • A DEDUO 01

    nem as hipteses, realcem os a relatividade desta lei citando o bem conhecido provrbio comer e coar, o m al comear. E ste provrbio no encontraria um terreno de estudo na anlise neoclssica, pois esta se ocupa dos indivduos normais e exclui aqueles que, por estarem esfom eados, poderiam sentir um prazer crescente, a um a taxa crescente, pelo m enos de incio, nos actos de consumo.

    3 l)a a expresso de Jevons: A aritm tica dos prazeres...4 A taxa, de 'crescimento da utilidade total decrescente

    (utilidade m arginal decrescente), quando o consumo aumenta. Inversam ente, a utilidade m arginal cresce, quando o. consumo diminui. T rata-se da m esm a lei, m as v ista por um prism a diferente.

    5 O nosso propsito expor uma deduo. ,No tem os inteno de m ostrar o conjunto das definies e do raciocnio neoclssicos. Para este efeito, devem consultar-se os manuais. Acrescentem os, porm, que os neoclssicos calculam, em relao ao indivduo., o custo de preferncia de um pouco m ais de vinho em detrimento de um pouco m ais de po. Chamam a este custo taxa m arginal de substituio (T .M . S .). E sta taxa ser igual inclinao da curva de indiferena. decrescente. Com efeito, por definio,jd (vinho) x UM (vinho) | + [d (po) X U M '(po) | = 0

    ganho + perda = 0

    dp U M vdonde tg a = ------ = ----------- , sendo p o po e v o vinho.

    dv UMp

    6 Referindo-se ao em presrio e empresa, H icks escreve:Convm, todavia, rever 'este assunto a fim de fazer realar o paralelism o que existe entre o caso da empresa e o do indivduo. graas a este paralelism o que ns vam os poder apresentar as leis, que regem a atitude da em presa no mercado, sob um a form a anloga quela que j adoptm os para o caso doindivduo. Poderem os finalm ente alargar a teoria da troca questo da produo. (HICKS, Valeur e t C apital, Dunod, p. 69).

    7 O empresrio um tomo. E le no pode, pois, compraro trabalho, pois assim ficaria num a posio dominante em relao ao trabalhador. Portanto, no possui factores de produo; alugados. Terem os ocasio de voltar a este com plexo assunto, m ais adiante.

    8 Salvo no caso de X ser Complementar de Y.9 W alras, E lm ents dconomie politique pure. A ppendice

    Pichn, 1926, p. 477 (citado por A. Chameau, L a D em ande d encaisses m ontaires, Cujas, 1970).

    10 A sequncia deste ponto no essencial. Poder ser omitido., devendo neste, caso o leitor retom ar o texto n a p. 3:6.

  • 62 SOBRE O VALOR ELEMENTOS PARA TJMA CRTICA

    11 A nica diferena, frisam os um a vez m ais, que, para estes ltim os, se tra ta de preo de aluguer.

    12 S . Nell Thories de la croissance e t thories d e ia valeur, P roblm atique de la croissance, Econmica, 1974, t. II, p. 180.

    13 E sta distino, algum as vezes pouco explcita nos neoclssicos, im portante. O indivduo-em presrio no pode comprar os factores de produo, porque, nesse caso, os possuiria,o que lhe conferiria um poder de dominao. O s factores de produo so, pois, alugados. E sta distino, no entanto, est na base de dificuldades in u ltrapassveis para os neoclssicos, ao pretenderem tornar coerente a su a tese da no explorao, (cf. caps. 2 e 3).