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CAPÍTULO 2 71

Caso 10Caso 10

RELATO DOS CASOS

Um casal de irmãos, ela com 17 e ele com 20 anos de idade,relatam história de aumento de volume cervical anterior desde ainfância.

No irmão, foi identificado bócio aos 12 meses de idade asso-ciado a hipotireoidismo primário laboratorial, segundo relato damãe. Ela não notou alterações no desenvolvimento psicomotor erefere que na ocasião havia apenas constipação como sintoma dedisfunção tireoidiana. Foi iniciada a reposição com levotiroxinaapenas aos três anos de idade, com uso bastante irregular, sobre-tudo durante a adolescência quando ocorreu aumento importantedo volume do bócio. Atualmente o paciente faz uso regular de levo-tiroxina e apresenta déficit cognitivo leve a moderado. Nega ou-tros sintomas de disfunção tireoidiana ou de compressão de estru-turas cervicais.

Sua irmã tem 17 anos e história de diagnóstico de hipotireoi-dismo aos dois meses de idade (investigação orientada por médi-co), sem bócio na ocasião. Em uso de levotiroxina desde então.Notou aumento importante do volume cervical anterior a partirdos 11 anos de idade associado ao uso irregular da medicação.Queixa-se de desconforto cervical pelo grande volume do bócio enão apresenta sintomas de disfunção tireoidiana. Menarca aos 11anos com catamênios regulares, sem anormalidades em crescimen-to e desenvolvimento.

Há relato de que a avó materna apresentava bócio volumoso enão há história de consangüinidade na família.

Ao exame físico, o rapaz apresenta tireóide difusamente au-mentada de tamanho (cerca de sete vezes o volume normal), elásti-ca, indolor, móvel à deglutição, com nódulo de 3cm de diâmetro emlobo esquerdo de consistência um pouco maior que o restante doparênquima. Manobra de Pemberton é negativa. Não se palpamadenomegalias regionais. A pele, os fâneros e o reflexo aquileu sãonormais.

Tireóide

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72 CAPÍTULO 2

A menina apresenta glândula tireóide algo maior que a do seuirmão (aumentada em cerca de oito vezes), sem nódulos palpáveise manobra de Pemberton também negativa.

O restante do seu exame não apresentava anormalidades.

EXAMES COMPLEMENTARES (TABELA 2.1)

Tabela 2.1Exames Laboratoriais dos Hormônios Tireoidianos em Ambos os Irmãos

Resultado na IrmãExame Resultado no Irmão (LT4 200mcg/dia) V.R.

TSH 4,97 0,064 0,4 a 4,0µU/mL

T4 livre 1,10 1,50 0,8 a 1,9ng/dL

T3 total 182 82 a 179ng/dL

T4 total 12,5 4,5 a 12,5ng/dL

Anti-TPO Negativo Negativo Negativo

ULTRA-SONOGRAFIA DE TIREÓIDE

No Irmão

Ecotextura heterogênea, com padrão multinodular, com nódulos sóli-dos predominantemente hiperecogênicos apresentando inúmeras áreas dedegeneração cística de permeio. O maior nódulo encontra-se à esquerda(29mm). Incremento da vascularização intraglandular. Maior diâmetro doslobos é de 8cm e estende-se até o intróito torácico. Istmo de 78mm. Semadenomegalias regionais. Leve desvio do eixo traqueal.

Na Irmã

Bócio difuso com alguns nódulos de ecogenicidade variada, bem iden-tificados, e algumas áreas císticas de permeio. O diâmetro longitudinal daglândula é de cerca de 9cm alcançando o intróito torácico. Sem adenome-galias regionais.

TESTE DO PERCLORATO

Positivo em ambos os irmãos. Foi administrado 1,5g de perclorato depotássio, via oral, para a realização deste teste. O normal é ocorrer libera-ção de menos de 15% do radioiodo contido na tireóide. No irmão, ocorreua liberação de 70% e na irmã, esta liberação foi de 50%.

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CAPÍTULO 2 73

RESUMO DOS CASOS

Casal de irmãos com quadro de hipotireoidismo primário e bócio desdeos primeiros meses de vida, sugerindo anormalidade hereditária na síntesede hormônio tireoidiano. O teste do perclorato foi positivo em ambos, indi-cativo de defeito na incorporação do iodo na célula tireoidiana.

DISCUSSÃO

Bócio Dis-hormonogênico

Bócio dis-hormonogênico é o defeito hereditário na biossíntese hormo-nal, causa rara de hipotireoidismo primário. O padrão de herança é autossô-mico recessivo, logo, relacionado a casos de consangüinidade na família. Aapresentação clínica é de bócio cedo na infância associado à produçãosubnormal de hormônio tireoidiano em grau variável. O exame histopatoló-gico revela hiperplasia celular com áreas adenomatosas, padrão microfoli-cular-fetal-embrionário (o colóide é escasso ou ausente) e atipias celularesque podem dificultar a diferenciação com malignidade.

Meu diagnóstico

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74 CAPÍTULO 2

Os defeitos podem ocorrer em pontos diferentes no processo de bios-síntese hormonal, como relacionado a seguir:

Defeito no Transporte de Iodeto

A bomba de iodeto encontra-se em tireóide, glândulas salivares e mu-cosa gástrica. O defeito neste transporte leva à captação de radioiodo redu-zida ou ausente, devendo-se, portanto, diferenciar de tireoidite e contami-nação por iodo. A relação dos níveis de iodeto saliva/sérico e secreçãogástrica/sérico encontra-se reduzida após administração de iodo venoso,devido à falha na entrada do iodeto no tecido glandular. O tratamento con-siste na administração oral de iodeto de potássio em doses suprafisiológicas(1a 5mg/dia) ou reposição de levotiroxina.

Defeito na Incorporação do Iodo

A oxidação do iodeto a iodo orgânico e sua ligação covalente aos resí-duos tirosil da tireoglobulina é dependente da tireoperoxidase e do sistemade formação de peróxido de hidrogênio (NADPH oxidase). No defeito deincorporação do iodo, a captação de radioiodo pela tireóide encontra-seaumentada e o teste do perclorato é positivo. Durante o teste de estímulocom TRH, observa-se resposta exagerada e prolongada do TSH.

No defeito na incorporação de iodo pela célula tireoidiana, a atividadeda tireoperoxidase encontra-se reduzida ou ausente. Se a atividade destaenzima for normal, então deve tratar-se de defeito na geração de peróxidode hidrogênio.

Síndrome de Pendred

É uma anormalidade ligada ao cromossoma 7, no locus q21-34 queleva ao defeito na incorporação do iodeto e no locus contíguo (DNF B4)relacionado à surdez. Caracteriza-se pela presença de bócio, surdez senso-rial congênita e teste do perclorato positivo (incompleto).

Do ponto de vista tireoidiano, observa-se bócio de aparecimento maistardio que nos outros defeitos de biossíntese e hipotireoidismo subclínico aleve. A captação de radioiodo é normal a alta e o teste do TRH leva àresposta exagerada de TSH. A ultra-sonografia de tireóide normalmenterevela bócio multinodular. Os nódulos devem ser investigados, pois existeassociação a carcinoma de tireóide.

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CAPÍTULO 2 75

O defeito coclear que leva à surdez (defeito de Mondini) é a existênciade aqueduto vestibular dilatado, lúmen do meato alargado e canais semicir-culares normais.

Defeito na Síntese e Secreção de Tireoglobulina

Este defeito pode ser quantitativo, em que a tireoglobulina estará redu-zida ou ausente, ou qualitativo, em que a tireoglobulina estará em nívelnormal ou aumentado.

Neste defeito, ocorre produção de iodoproteínas anormais, e a quanti-dade de iodo sérico ligado a elas é maior que a presente em de tiroxinasérica. A excreção urinária de material resultante da degradação destas io-doproteínas anormais está aumentada, servindo como marcador para estaanormalidade.

A captação de radioiodo encontra-se elevada, e o teste do perclorato énegativo. A ultra-sonografia revela bócio multinodular ou difuso.

Defeito no Sistema Iodotirosil Desalogenase

Este sistema é importante para o reaproveitamento do iodeto desaloge-nado das iodotirosinas e para nova organificação a resíduos tirosil da tireo-globulina. Assim, mantém-se o estoque corporal de iodo.

Logo, o defeito no sistema iodotirosil desalogenase leva à deficiênciasecundária de iodo, com conseqüente baixa produção de hormônio tireoi-diano. A dieta rica em iodo pode mascarar este defeito, que pode ser con-fundido com bócio por deficiência de iodo. A captação de radioiodo encon-tra-se elevada. O tratamento com doses altas de iodo (1mg/dia) pode supriras necessidades para produção hormonal normal.

BIBLIOGRAFIA

1. Figueiredo MLD, Cardoso LC, Ferreira ACF, Campos DVB, Domingos MC, CorboR, Nasciutti LE, Vaisman M, Carvalho DP. Goiter and hypothyroidis in two sibilingsdue to impaired CA+2/NaD(P)H-dependent H2O2-generating activity. JCEM.86(10):4843-8, 2001.

2. Medeiros-Neto G, Stanbury JB. Defective organification of iodide. Em Medeiros-Neto G, Stanbury JB, Inherited Disorders of the Thyroid System. Boca Raton, CRCPress; 53-80,1994.

3. Refetoff S, Dumont J, Vassart G. Thyroid Disorders. In Scriver CR, Beaudet AL, SlyWS. The Metabolic and Molecular Bases of Inherited Disease, 8th Ed, Internationaledition, New York. McGraw-Hill; 4029-4075. 2001.

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76 CAPÍTULO 2

Caso 11Caso 11

RELATO DO CASO

Homem de 38 anos, branco, relata início de mialgia há cerca de10 meses de caráter progressivo. A dor é mais acentuada em mem-bros inferiores e piora com atividade física. Notou aumento de volu-me de panturrilhas bilateralmente e refere astenia crescente, ultima-mente aos mínimos esforços. Relata investigação em outro hospital,quando foi detectada elevação de enzimas musculares (sic), sendorealizada biópsia muscular que revelou “fibras musculares em geralpreservadas, sem alterações estruturais, notando-se apenas uma leveirregularidade no tamanho das fibras, algumas um pouco menores ecom núcleos centrais. Há raras fibras em processo de degeneração eregeneração. Ausência de infiltrado inflamatório”.

Na anamnese dirigida refere parestesia ocasional em região pal-mar direita, intolerância ao frio e sonolência e nega diminuição deforça muscular distal ou proximal ou alteração de hábito intestinal.

O paciente é casado, trabalha como técnico de aparelhos agás, natural de Natal. Nega co-morbidades ou doenças na família.Nega etilismo e tabagismo, e sua alimentação é satisfatória quan-titativa e qualitativamente.

Ao exame físico encontra-se lúcido e orientado, porém bra-dipsíquico e com fala arrastada. Corado, hidratado, eupnéico eanictérico. PA: 130×90mmHg, FC: 68bpm, peso: 79kg.

A tireóide é impalpável e a pele ressecada, infiltrada.Há aumento de volume de panturrilhas bilateralmente e dor

muscular à palpação.Ao exame neurológico, apresenta marcha preservada, tônus

muscular normal, força muscular e sensibilidades preservadas,reflexos cutaneoplantares indiferentes bilateralmente, reflexospatelar e bicipital normais e reflexo aquileu com fase de relaxa-mento alentecida.

Não há anormalidades nos aparelhos cardiovascular, respi-ratório e abdome.

Seus exames complementares mostram elevação de enzimas mus-culares, hipercolesterolemia e elevação de TSH e T4 livre indetectá-vel com elevação de anticorpos antitireoidianos (Tabela 2.2).

Tabela 2.2Exames Laboratoriais

Exame Resultado Exame Resultado

Glicose 108mg/dL Colesterol total 416mg/dL

Potássio 4,2mEq/L Triglicerídeos 150mg/dL

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CAPÍTULO 2 77

EVOLUÇÃO

Foi prescrito doses progressivas de levotiroxina até 125µg/d, com de-saparecimento da dor em membros inferiores e da fraqueza muscular, enormalização dos níveis de TSH e T4L.

Tabela 2.2 Cont.)Exames Laboratoriais

Exame Resultado Exame Resultado

Sódio 140mEq/L Hemograma normal

Uréia 39mg/dL VHS 16mm3/h

Creatinina 0,8mg/dL Ptn C reativa negativa

CK total 8.284U/L FAN 1/40 (padrão salpicado)

CK MB 159U/L anti-DNA negativo

LDH 1.149U/L TSH 42,5mcU/mL

TGO 213U/L T4 livre < 0,2

Proteína total 8,50g/dL AC antiperoxidase >1.000U/mL

Albumina 4,40g/dL AC antitireoglobulina 642U/mL

Meu diagnóstico

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78 CAPÍTULO 2

RESUMO DO CASO E IMPRESSÃO DIAGNÓSTICA

Paciente com quadro arrastado e progressivo de mialgia sobretudo emmembros inferiores. Em casos como este, deve ser feito diagnóstico dife-rencial com miopatia pelo hipotireoidismo. Este paciente era oligossintomá-tico quanto às queixas de disfunção tireoidiana, o que postergou o diagnós-tico etiológico. A investigação apontou para o diagnóstico de miopatiaassociada a hipotireoidismo primário por tireoidite linfocítica na for-ma atrófica.

DISCUSSÃO

Miopatia no Hipotireoidismo

Os pacientes com hipotireoidismo freqüentemente apresentam altera-ções neuromusculares. A prevalência de miopatia varia entre 30 e 88% eseu aparecimento não guarda relação com duração do hipotireoidismo. Al-guns autores notaram que pacientes com miopatia apresentam alta fre-qüência da variante atrófica de tireoidite linfocítica.

A intensidade do comprometimento pode variar de mínima, detectá-vel apenas quando é procurado especificamente, até ser a manifestaçãopreponderante e motivo da consulta do paciente. A maioria manifesta mial-gia, fadiga, cãibras, rigidez muscular, reflexos tendinosos com fase de re-laxamento lenta e mioedema. Com menor freqüência podem ocorrer au-mento de volume de massas musculares, bradicinesia, diminuição de forçae espasmos dolorosos. Raramente, foi descrita atrofia muscular. A síndro-me de Hoffmann é o aumento de volume e espasmos de massa muscular epseudomiotonia, e a síndrome de Kocher-Debré-Semelaigne é a ocorrênciadeste quadro em crianças. A miopatia pode preceder os sintomas de hipo-tireoidismo, e os achados de mioedema e de fase de relaxamento do reflexoaquileu prolongada podem ser úteis para levantar a suspeita de hipotireoi-dismo como diagnóstico etiológico.

Os níveis séricos de CPK (fração MM) estão freqüentemente elevadosdevido ao aumento na permeabilidade do sarcolema e redução no clearance.Parece existir correlação entre a magnitude da elevação da CPK e a gravida-de do hipotireoidismo. A LDH e as aminotransferases também podem estarelevadas.

A eletroneuromiografia (ENMG) é inespecífica (potenciais polifási-cos de baixa amplitude e curta duração), não apresenta correlação com aclínica e é anormal em 75% dos pacientes com hipotireoidismo.

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CAPÍTULO 2 79

A biópsia muscular mostra edema intersticial, aumento de fibras mus-culares, predomínio das fibras tipo I e atrofia das fibras do tipo II, perda deestriações, núcleos centrais, acúmulo de glicogênio e lipídeos e degenera-ção sarcoplasmática.

Subcelularmente ocorre defeito na glicogenólise e na oxidação mito-condrial, levando ao declínio rápido nas reservas de energia no músculo emexercício. A predileção pela atrofia das fibras do tipo II poderia ser secun-dária à maior dependência destas da glicogenólise. O baixo pH intracelulardo músculo em repouso e a recuperação lenta do pH após exercício suge-rem que a dinâmica de prótons está anormal no hipotireoidismo. É possívelque isto ocorra, ao menos em parte, por baixa atividade da bomba Na+/H+.

A reposição com levotiroxina leva à melhora dos sintomas e das en-zimas musculares em semanas. O mioedema e as anormalidades ENMGdemoram mais a normalizar.

BIBLIOGRAFIA

1. Rodolico C, Toscano A, Benvenga S et al. Myopathy as the persistently isolatedsymptomatology of primary autoimmune hypothyroidism. Thyroid. Nov;8(11):1033-8, 1998.

2. Tellez R, Arriagada P, Avaria MA, Jalil P, Gonzalez G, Vergara F, Michaud P.Hypothyroid myopathy. Communication of 4 cases. Rev Med Chil. Jan; 122(1):75-81, 1994.

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80 CAPÍTULO 2

Caso 12Caso 12

RELATO DO CASO

M.H.M.S., mulher de 40 anos, encaminhada ao ambulatório deendocrinologia por apresentar hipotireoidismo subclínico. Trou-xe uma dosagem de TSH realizada em laboratório particular de5,2mUI/mL. Nega sintomas de hipotireoidismo.

A paciente é natural do Rio de Janeiro e trabalha como do-méstica. Possui hipertensão arterial em uso de enalapril, dislipi-demia sem tratamento e precordialgia atípica. Realizou teste ergo-métrico que foi negativo para isquemia apesar da capacidadefuncional atingida ser inferior a média prevista para a idade. Ges-ta 3 para 1, com parto cesáreo. Refere dois abortos (espontâneos,no primeiro trimestre). Seus ciclos menstruais são regulares. Negahistória familiar de tireoidopatias, doença coronariana e dislipi-demia. Nega tabagismo e etilismo. Sedentária.

Ao exame físico, não possuía edema peripalpebral. PA: 130× 80mmHg, FC: 68bpm. Peso de 72kg, altura de 156cm, IMC:29,6kg/m2.

Tireóide aumentada cerca de 1,5× bilateralmente, regular,móvel, com nódulo de 1cm em lobo esquerdo.

Reflexos tendinosos simétricos e sem alterações.

Restante do exame físico sem alterações.

EXAMES COMPLEMENTARES (TABELA 2.3)

• Punção aspirativa por agulha fina guiada por ultra-sonografia de ti-reóide: laudo de tireoidite linfocítica.

Tabela 2.3Exames Laboratoriais para Avaliação de Hipotireoidismo

Exame Resultado V.R.

TSH 4,74 0,4 a 4,0µUI/mL

T4L 1,0 0,8 a 1,9ng/dL

Anti-TPO Positivo

Colesterol total 340 < 200mg/dL

Triglicerídeos 74 < 150mg/dL

HDL 65 > 45mg/dL

LDL 260 < 160mg/dL

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CAPÍTULO 2 81

Foram prescritos 25mg/dia de levotiroxina, evoluindo com normaliza-ção do TSH e T4l (1,06µUI/mL e 1,11ng/dL, respectivamente).

No sexto mês de acompanhamento, evoluiu com hipotireoidismo manifes-to, apresentando TSH elevado com T4l diminuído (9,91µUI/mL e 0,67ng/dL,respectivamente) (Tabela 2.4). Nesse momento a tireóide encontrava-se au-mentada cerca de 2×, permanecendo com o nódulo palpável de 1cm no loboesquerdo. PA: 130 × 80mmHg, FC: 67bpm, peso: 78,7kg, IMC: 32,3kg/m2.Sem edema peripalpebral, com reflexos tendinosos simétricos e sem alterações.

Tabela 2.4Perfil Lipídico Realizado no Sexto Mês de Acompanhamento

Exame Resultado V.R.

Colesterol total 440 < 200mg/dL

Triglicerídeos 74 < 150mg/dL

HDL 64 > 45mg/dL

LDL 361 < 160mg/dL

Meu diagnóstico

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82 CAPÍTULO 2

RESUMO DO CASO

Mulher de meia-idade apresentando hipotireoidismo subclínico comleve elevação do TSH. Seu exame físico já revelava tireóide aumentada,com biópsia de nódulo compatível com tireoidite linfocítica. Outro dadoimportante é a presença de anticorpo antiperoxidase. Mesmo após ter sidoiniciado dose pequena de levotiroxina, evoluiu para hipotireoidismo comdiminuição do T4L e aumento do peso. A dose era suficiente numa faseinicial para normalizar o TSH quando a disfunção tireoidiana (se existisse)era mínima ou inicial.

DISCUSSÃO

Hipotireoidismo Subclínico

O hipotireoidismo subclínico é definido, pela maioria dos autores, comouma anormalidade detectada laboratorialmente. Caracteriza-se por elevaçãodo nível sérico do hormônio tireoestimulante (TSH) acompanhada de ní-veis normais de hormônios tireoidianos.

Questiona-se se trata de uma disfunção tireoidiana precoce ou mínima,uma vez que os pacientes podem ter sinais ou sintomas inespecíficos dehipotireoidismo. A prevalência de hipotireoidismo subclínico na populaçãoadulta varia entre 1% e 10%. Quando analisadas populações de mulherescom mais de 60 anos, essa prevalência pode chegar a 21%. A taxa deprogressão para hipotireoidismo manifesto descrita é de 4% a 18% aoano, quando associado à presença de anticorpos antitireoidianos.

Alguns autores preconizam o tratamento baseados na ocasional asso-ciação com sintomas e possível melhora com levotiroxina, além de possí-vel reversão de efeitos metabólicos e cardiovasculares e prevenção de pro-gressão para hipotireoidismo manifesto. Quando o paciente apresentainfertilidade, não se questiona o tratamento.

É importante destacar a variedade existente entre os indivíduos que pre-enchem critérios laboratoriais para o diagnóstico de hipotireoidismo subclínico:

• Disfunção tireoidiana leve ou inicial (tireoidite crônica auto-imune, irra-diação externa do pescoço, pós-cirúrgica);

• Hipotireoidismo, em reposição insuficiente de levotiroxina;

• Hipertireoidismo “supertratado”;

• Situações de elevação transitória do TSH (recuperação da síndrome dodoente eutireoidiano; uso de drogas, tais como amiodarona ou lítio; uso

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CAPÍTULO 2 83

de antidopaminérgicos; tireoidite linfocítica e pós-parto; tireoidite de“De Quervain”);

• Outliers eutireoidianos (termo aplicado a 2,5% da população com ní-veis de TSH acima do percentil 97,5 da distribuição normal dos euti-reoidianos).

Outras condições que entram no diagnóstico diferencial do hipoti-reoidismo subclínico incluem:

• Insuficiência renal crônica;• Síndrome nefrótica;• Artefato pela presença de anticorpos heterófilos contra tireotropina no

soro do paciente;• Mutações causando inativação do receptor de tireotropina.

Estudos tentam relacionar hipotireoidismo subclínico com alteraçõesmetabólicas, especialmente do perfil lipídico , apesar dos dados serem con-flitantes. No que diz respeito à doença aterosclerótica cardiovascular, ten-ta-se demonstrar tal relação inclusive de forma independente da presençade alterações do perfil lipídico. Estudos intervencionistas não são unânimesquanto aos benefícios da levotiroxina no perfil lipídico quando se comparaaos efeitos de placebo. Em uma metanálise recente realizada por Danese ecols., todos os estudos publicados sobre hipotireoidismo subclínico entre1966 e 1999 foram avaliados. Treze estudos utilizando levotiroxina parahipotireoidismo subclínico foram analisados, mostrando redução média decolesterol total de 7,9mg/dL (0,2mmol/L), representando uma redução de5% a partir de valores basais, cujos valores médios foram de 255mg/dL(6,7mmol/L). A queda foi maior nos grupos com hipotireoidismo “subtra-tado” e com níveis de colesterol pré-tratamento maiores que 240mg/dL.Houve uma queda pequena, porém homogênea entre os estudos, nos níveisde triglicerídeos.

Somente quatro estudos citaram os níveis de LDL-c. A queda médiafoi de 10 mg/dL. A modificação nos níveis de HDL foi heterogênea e a boaresposta encontrada na metanálise deveu-se, basicamente, ao ótimo resul-tado de um estudo isolado.

O que parece ser comum é que a maioria dos estudos que encontrarambenefícios relacionou com níveis elevados de TSH de pelo menos duasvezes o limite superior da normalidade.

Além do perfil lipídico, outras possíveis alterações neuropsiquiátricas,musculares, hemodinâmicas e cardiovasculares parecem estar relaciona-das ao hipotireoidismo subclínico. Tenta-se correlacionar tais alteraçõescom níveis de TSH e com a presença de anticorpos.

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84 CAPÍTULO 2

Deve-se levar em consideração o fato de que tal entidade é mais preva-lente na população idosa, a qual freqüentemente já utiliza rotineiramentealgum tipo de medicamento e que o benefício do tratamento deva superaros riscos da “polifarmácia” e da possível supressão do TSH. É descritoque até 40% dos pacientes que fazem uso de hormônio tireoidiano têmníveis de TSH abaixo do limite inferior da normalidade, sendo que na meta-de dos casos os níveis são inferiores a 0,1mUI/mL.

BIBLIOGRAFIA

1. Canaris GJ et al. The Colorado thyroid disease prevalence study. Arch Intern Med.Feb;160:526-34, 2000.

2. Chu JW, Capro LM. Clinical perspective. The treatment of subclinicalhypothyroidism is seldom necessary. J Clin Endocrinol Metab. 86(10):4591-9, 2001.

3. Cooper DS. Subclinical hypothyroidism. N Engl J Med. Jul; 345(4):260-5, 2001.4. Danese MD et al. Clinical review 115: Effect of thyroxine therapy on serum

lipoproteins in patients with mild thyroid failure: A quantitative review of theliterature. J Clin Endocrinol Metab. 85:2993-3001, 2000.

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CAPÍTULO 2 85

Caso 13Caso 13

RELATO DO CASO

F.V.S., 81 anos, negra, natural do Rio de Janeiro, viúva, comqueixa principal de “caroço na tireóide”.

Refere aumento do volume da região cervical anterior há cer-ca de 20 anos tendo sido encaminhada para cirurgia por conta deum nódulo tireoidiano. Não foi operada por descontrole da pres-são arterial (sic).

Em 1997 iniciou acompanhamento no HUCFF por apresentarenterorragia (investigada adequadamente e atribuída à presençade doença diverticular do cólon). Encaminhada, a partir da proc-tologia, para o ambulatório de Clínica Médica para investigar adoença tireoidiana e controlar os níveis pressóricos.

Ao exame físico, PA: 260 × 100mmHg, FC: 88 bpm (duas ex-trassístoles/min), FR: 16irpm.

Tireóide móvel, indolor à palpação, aumentada à custa dolobo direito, cerca de 5×, consistência elástica, superfície lisa, comimprecisão na delimitação do pólo inferior, com dois nódulos nolobo esquerdo fibroelásticos com cerca de 1,5cm cada. Linfonodo-megalias não-palpáveis. Ausência de frêmito. Turgência jugularpatológica.

Linfadenomegalia supraclavicular direita com cerca de 2cm,móvel, elástica, sem flogose e indolor.

EXAMES COMPLEMENTARES (TABELA 2.5)

Tabela 2.5Exames Laboratoriais dos Hormônios Tireoidianos (julho de 1998)

Exames Resultados V.R.

TSH 0,48 0,4 a 5mcUI/mL

T4L 1,3 0,9 a 1,9ng/dL

T4 9,0 4,5 a 12,5mcg/dL

T3 94 51-165ng/dL

• Radiografia de tórax: Opacidade na transição cervicotorácica direita,com desvio da traquéia para esquerda (bócio mergulhante?). Aumentoda área cardíaca. Transparência pulmonar normal.

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86 CAPÍTULO 2

• Ultra-sonografia de tireóide: Glândula assimétrica com lobo direito maiorque o esquerdo.

LD: 7,5 × 5,5 × 4,5cm destacando-se volumoso nódulo sólido ocupandodois terços inferiores e medindo 5,6 × 5,3 × 4,0cm.

LE: 4,4 × 1,7 × 1,7cm com dois nódulos sólidos hipoecóicos nos doisterços inferiores com 1,3 e 2,0cm nos seus respectivos diâmetros.

Sem adenomegalias.

• Cintilografia realizada em outro hospital (1989) demonstra que o nódulodo lobo direito era hipocaptante.

Iniciado propranolol 80mg/dia e encaminhada à cirurgia geral, realizan-do PAAF que apresentou material hipocelular hemorrágico, inadequado paraanálise. Foi indicada a cirurgia, porém a paciente se recusou e não compa-receu para realizar o risco cirúrgico. Foi realizada nova PAAF que teve olaudo de material hipocelular representado por raras células foliculares comnúcleos pequenos, agrupados, e escasso colóide, impróprio para o diag-nóstico. Foram solicitados novos exames laboratoriais (Tabela 2.6) e cinti-lografia com captação tireoidiana (Fig. 2.1).

Tabela 2.6Exames Laboratoriais (Janeiro de 2001)

Exames Resultados V.R.

TSH < 0,002 0,4 a 4,0mcUI/mL

T4L 1,5 0,8 a 1,9ng/dL

Anti-TPO < 10 < 15UI/mL

Antitireoglobulina < 20 < 20UI/mL

Sódio 144 135 a 148mEq/L

Potássio 3,8 3,5 a 5,3mEq/L

Glicose 110 70 a 110mg/dL

Uréia 18 20 a 40mg/dL

Creatinina 0,8 0,7 a 1,4mg/dL

• Cintilografia e captação da tireóide: Realizada 4h após administraçãooral de 123I, mostrou captação de 4,73%. Volumosa área hipocaptanteocupando todo o lobo direito e o istmo (Fig. 2.1).

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CAPÍTULO 2 87

EVOLUÇÃO

A paciente recusou o tratamento cirúrgico. Não havia possibilidade dedose terapêutica (iodoterapia), pois a captação tireoidiana estava baixa. Foioptado por iniciar propiltiouracil na dose de 300mg/d, mas a paciente fezuso irregular desta medicação e suspendeu por conta própria. Foram solici-tadas nova ultra-sonografia, PAAF e densitometria óssea:

• Ultra-sonografia: Glândula tireoidiana bastante aumentada à custado lobo direito, de ecotextura difusamente heterogênea e contornoslobulados.

LD: 7 × 3,7 × 5,4cmLE: 4 × 1 × 1,2cmIstmo de espessura pouco aumentada (6mm).

Vários nódulos hiperecóicos de limites imprecisos, ocupando todo olobo direito, por vezes calcificados de permeio. Observam-se pequenosnódulos também hiperplásicos no lobo esquerdo.

Traquéia desviada para esquerda. Sem linfonodomegalia cervical.

• PAAF: Material inadequado para avaliação.

• Densitometria óssea: escore T de -2.7 (osteoporose).

Devido às características benignas do nódulo na ultra-sonografia, foidecidido manter a paciente em tratamento clínico. Foi iniciada reposiçãocom carbonato de cálcio e vitamina D3. Manteve-se com hipertensão con-

Fig. 2.1 � Cintilografia de tireóide, após administraçãooral de 123I, mostra volumosa área hipocaptante ocu-pando todo lobo direito e istmo. Observa-se captaçãonormal apenas em lobo superior do lobo esquerdo.

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88 CAPÍTULO 2

trolada, em uso de enalapril, propranolol e hidroclorotiazida. Não apresen-tou sintomas compressivos cervicais. Em ultra-sonografias seriadas, nãoapresentou aumento dos nódulos (em cinco anos de acompanhamento) e oTSH manteve-se no limite inferior da normalidade sem necessitar do uso deantitireoidianos (Tabela 2.7).

Tabela 2.7Exames Laboratoriais dos Hormônios Tireoidianos

Exames Jan/ Abr/ Ago/ Out/ Mai/ Set/ Jun/ Set/01 01 01 01 01 01 02 02 V.R.

TSH < 0,002 0,03 0,29 0,39 0,28 0,75 0,55 0,47 0,4 a4,0mcUI/mL

T4L 1,5 1,2 1,5 1,1 1,2 1,3 1,3 1,2 0,8 a1,9ng/dL

Meu diagnóstico

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CAPÍTULO 2 89

RESUMO DO CASO

Paciente idosa apresentando bócio multinodular e mergulhante, comvolumoso nódulo dominante de 5,6cm no maior diâmetro. A paciente apre-senta laboratorialmente hipertireoidismo subclínico, ou seja, a dosagemde TSH suprimida com T4L dentro da faixa de normalidade.

Aqui cabe uma interessante discussão no manejo diagnóstico e terapêuti-co do caso. O mais importante é a diferenciação destes nódulos serem benig-nos ou malignos, pois apesar de o bócio ser multinodular, há um nódulodominante. A paciente apresenta há 20 anos um nódulo de tireóide, semnenhuma manifestação sistêmica nem crescimento grosseiro, o que diminuia possibilidade deste nódulo ser maligno. No entanto, a ultra-sonografia mos-trava um nódulo sólido, com relato de ser hipocaptante em cintigrafia prévia.As punções por agulha fina não ajudaram nesta diferenciação.

Quanto à conduta terapêutica, um nódulo de 5cm em paciente eutireói-dea já seria indicação de cirurgia, mas a paciente a recusa. A dose terapêu-tica com iodo radioativo também não consegue ser realizada devido à baixacaptação tireoidiana. Vale lembrar que a baixa captação pode ter acontecidopor ingesta de alimentos contendo iodo ou exames contrastados realizadospreviamente ao exame.

Uma opção alternativa seria a escleroterapia, com aplicação local deálcool no nódulo, com resultados ainda controversos.

DISCUSSÃO

Hipertireoidismo Subclínico

Estudos avaliando as conseqüências do hipertireoidismo subclínicono organismo abordam os pacientes em uso de doses supressivas de levo-tiroxina (para carcinoma) ou reposição de forma inadvertidamente excessi-va para BMNA ou hipotireoidismo, visto a raridade da tireotoxicose subclí-nica espontânea (conseqüente da autonomia de um nódulo, ou de um bóciomultinodular, ou de uma doença de Graves leve/inicial, ou ainda de umatireoidite).

As conseqüências clínicas são:

1. Menor densidade óssea;

2. 28% dos pacientes com mais de 60 anos desenvolveram fibrilação atrialnum follow-up de 10 anos no Framingham Heart Study (TSH menorou igual a 0,1) e quando foram comparados com o grupo-controle,observou-se um risco três vezes maior de desenvolvimento da arritmia.

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90 CAPÍTULO 2

Dados de prevalência na população oscilam entre 1% e 14%, porém, emestudos nos quais foram realizados ensaios de terceira geração e de onde foramexcluídos pacientes em uso de T4L, observou-se uma prevalência ≤ 1%.

Causas de Diminuição do TSH

• Doença de Graves• Tireoidite• Adenoma autônomo• Bócio multinodular• Doença não-tireoidiana (eutireoidiano doente)• Gestação• Doenças psiquiátricas agudas• Excesso de T4L exógeno• Medicações (dopamina, glicocorticóides, aspirina, fenclofenaco, fu-

rosemida)• Idade avançada

Causas de Hipertireoidismo com Baixa Captação de Iodo Radioativo

• Captação falsamente diminuída pela não retirada de drogas ou alimen-tos contendo iodo nos dias anteriores à realização do exame

• Tireoidite subaguda• Factício ou iatrogênico• Struma ovarii (5a e 6a décadas, em que só 5% a 10% cursam com

tireotoxicose)• Pseudo-struma ovarii (cisto ovariano benigno)• Metástases funcionais de câncer tireoidiano (geralmente carcinoma fo-

licular no osso)• Hipertireoidismo induzido por iodo

O bócio multinodular tóxico geralmente ocorre em mulheres com bó-cio multinodular atóxico (BMNA) de longa data. A captação do iodo pelatireóide está normal ou levemente aumentada, predominando em um ou maisnódulos. No seu diagnóstico diferencial deve-se atentar para o fato de quea doença de Graves pode desenvolver-se em uma glândula multinodular.

Seu diagnóstico é feito com os seguintes dados:

• Paciente com hipertireoidismo• Bócio multinodular• As áreas funcionantes parecem-se com grandes adenomas com folícu-

los apresentando epitélio hiperplásico.

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CAPÍTULO 2 91

• O indicador mais sensível de surgimento de autonomia é quando ocorrediminuição do TSH entre 0,1 a 0,2.

A patogenia é semelhante à do BMNA, não havendo inflamação ouneoplasia. Há várias teorias para seu surgimento:

1) Algum defeito na síntese hormonal?

Este defeito seria conhecido como deficiência de iodo ou por uso delítio, ou seria desconhecido? Seria congênito ou adquirido? Detectável pormeio, por exemplo, do teste do perclorato ou não?

Fato que poderia suportar tal hipótese seria a redução da glândula queocorre em alguns casos quando se submete o doente à terapia supressivacom levotiroxina, porém tal teoria não explica os níveis normais de TSH namaioria dos doentes. As possíveis explicações seriam:

a) Algum fator que leve à depleção de iodo intratireoidiano com conse-qüente aumento do bócio independentemente do TSH?

b) A elevação do TSH seria tão pequena que não seria detectável labo-ratorialmente?

c) Um estímulo bociogênico poderia ter ocorrido no passado, e os ní-veis atuais normais de TSH somente serviriam para a manutenção dotamanho do bócio?

2) Aumento de TGIs? (Igs – fatores de crescimento intratireoidiano)

Estimulariam o crescimento, porém não ativariam a adenilato ciclase.

As duas hipóteses citadas (aumento do TSH e aumento de TGIs) nãoexplicariam o motivo de formação de nódulos em bócios de longa data e odesenvolvimento de autonomia heterogênea.

3) Estudos no curso precoce de bócios tóxicos e não-tóxicos demonstramáreas de micro-heterogenicidade de estrutura e função misturadascom áreas de autonomia funcional e pequenas áreas de hemorragia focal.

4) Policlonalidade e monoclonalidade:

Muito dos nódulos dominantes são monoclonais, principalmente os decrescimento rápido, e pode haver coexistência de nódulos policlonais e mo-noclonais na mesma glândula. Eventualmente a quantidade de tecido funcio-nalmente autônoma num bócio multinodular pode ser o suficiente para supri-mir o TSH (que pode ser detectável por uma resposta subnormal ao TRH,além de ausência de supressão quando se administra LT3). A hiperfunçãoautônoma geralmente é tamanho-dependente, e pode ser suficiente para pro-duzir tireotoxicose ou esta pode acontecer quando se expõe o paciente acertas quantidades de iodo, como é o caso do uso de contrastes.

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92 CAPÍTULO 2

5) Hereditariedade:

Mecanismos propostos para o desenvolvimento de autonomia:

1. Mutações ativadoras do TSHr2. Mutações ativadoras da PTN Gs3. Mutações inibitórias contra o feedback negativo pelo iodo4. Mecanismos não-genéticos, durante a embriogênese (provocada por

estimulação das células foliculares por citocinas?)

A doença de Plummer ou adenoma tóxico geralmente é causada porum adenoma autônomo (apesar de poder ser até três adenomas autôno-mos). Estes nódulos geralmente são maiores que 3cm, de crescimentolento, com supressão do restante da glândula. São adenomas folicularesverdadeiros, razão pela qual a PAAF não é o método diagnóstico de escolhapara nódulo hiperfuncionante. Alguns secretam predominantemente T3.Pode ocorrer necrose e hemorragia, tornando-se frio na cintilografia.

Sua patogenia é explicada por:

1) Mutação somática pontual no gene TSHr, geralmente com comprome-timento da terceira alça transmembrana. Tal mutação também está rela-cionada com o hipertireoidismo não-auto-imune autossômico dominante.

2) Alguns adenomas são por mutação no gene da PtnGs, levando ao mes-mo estado de ativação.

BIBLIOGRAFIA

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CAPÍTULO 2 93

Caso 14Caso 14

RELATO DO CASO

PRIMEIRA CONSULTA: 31/5/2000

N.S., 38 anos, masculino, negro, apresentou em 1996 cerca dequatro episódios de paraparesia durante a noite, de instalaçãoaguda, com resolução do quadro em horas. Aproximadamente trêsmeses após o último episódio observou fraqueza em membros infe-riores (MMII) de predomínio proximal que se instalava no final dodia, observando melhora com repouso noturno. Concomitantemen-te, apresentou emagrecimento progressivo (de 115kg para 75kgentre 1996 e 1999), hiperdefecação, ansiedade e tremor fino deextremidades. Procurou assistência médica nesta época, sendo fei-ta investigação, com exames ditos normais (sic). Houve resoluçãoda fraqueza muscular em 30 dias.

Evoluiu assintomático até novembro de 1999, quando apre-sentou novamente, ao final do dia, episódio súbito de paraparesiaseguida de tetraparesia durante três dias, com resolução espontâ-nea. Em 2/3/2000, após esforço físico moderado e ingestão de grandequantidade de carboidratos, apresentou tetraplegia por quatrodias, também com resolução espontânea.

No dia 18/5/2000 houve novo episódio de paraparesia seguidade tetraparesia, sendo admitido em outro hospital em 23/5/2000ainda sintomático. Neste mesmo dia foi feita dosagem de potássio(K: 2,4mEq/L) e solicitados hormônios tireoidianos (T3: 754ng/dL,T4: 24µg/dL, TSH: 0,03µUI/mL). Houve melhora com reposição depotássio, sendo aventada a hipótese de paralisia periódica hipoca-lêmica secundária à tireotoxicose. Foi iniciado Tapazol® 30mg/d,propranolol 80mg/d e espironolactona 100mg/d, com encaminha-mento do paciente ao ambulatório de endocrinologia do HUCFFpara acompanhamento da doença tireoidiana.

O paciente é casado, natural do RJ, reside em São Cristóvão,técnico em reabilitação (fisioterapia). Portador de hipertensãoarterial sistêmica diagnosticada em 1991, fazia uso de proprano-lol 80mg/d e hidroclorotiazida 25mg/d irregularmente. Refere hi-percolesterolemia leve. Safenectomia interna bilateral em 1994por varizes de MMII. Cirurgia de cisto em menisco lateral esquer-do em 1985. Nega fenômenos alérgicos, hemorrágicos, hemotran-fusão e outras afecções. Mãe com diagnóstico de hipertireoidismode difícil controle, abriu quadro aos 38 anos (durante a gestação).Tratada com tireoidectomia subtotal seis meses após o parto. Ta-bagista de 10 maços/ano. Etilista social. Alimentação hipercalóri-ca rica em lipídios.

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94 CAPÍTULO 2

Ao exame físico:

Ansioso, com tremor fino de extremidades, pele quente, sedosae úmida, pulsos amplos (celere magnus), proptose discreta, semacometimento de musculatura ocular e sem edema periorbitário,HAS leve (135 × 100mmHg), taquicardia (120bpm). Altura: 179cme peso: 89,2kg.

Tireóide aumentada difusamente (cerca de 40g), de superfícielisa, consistência fibroelástica, sem nódulos e sem sopros.

RCR 2T, B1 hiperfonética, sem sopros.

Força diminuída em MMII, sobretudo em musculatura proximal(grau III em IV).

Manobras de Mingazzini para MMII e Barré alteradas; manobrade Pitres normal. Força em MMSS normal. Tônus e reflexos normais.

Meu diagnóstico

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CAPÍTULO 2 95

RESUMO DO CASO

Paciente masculino de 38 anos, negro, abriu quadro de episódios deparaparesia noturna, súbitos em 1996, associados a manifestações de hi-permetabolismo. Houve resolução dos sintomas neurológicos dentro de 30dias, que recidivaram cerca de três anos após, caracterizados por parapa-resia, tetraparesia e culminando com tetraplegia após esforço físico e in-gesta excessiva de carboidratos. Exames coletados na vigência de um des-tes episódios agudos evidenciaram hipocalemia e hipertireoidismo primário,tornando possível o diagnóstico de paralisia periódica hipocalêmica se-cundária à tireotoxicose.

EVOLUÇÃO

O paciente foi encaminhado para realização de dose terapêutica comiodo-131, recebendo 5,3mCi em agosto de 2000. Manteve-se com hiperti-reoidismo e necessidade de doses crescentes do antitireoidiano, além devários episódios de paralisia. Foi indicada nova dose terapêutica, recebendo16mCi em julho de 2001. Evolui com hipotireoidismo necessitando de re-posição de levotiroxina na dose de 75mcg/dia, sem nenhum relato de para-lisia e mantendo níveis séricos de potássio normais.

DISCUSSÃO

Paralisia Periódica Hipocalêmica

A paralisia periódica hipocalêmica (PPH) é uma afecção bastante pecu-liar, complicando de 1,8% a 8,8% dos casos de tireotoxicose em pacientesde descendência asiática, sendo incomum sua apresentação em populaçõesocidentais. A forma mais comum de paralisia periódica é a PPH familiar,cuja herança é autossômica dominante e os sintomas aparecem geralmentelogo após a puberdade. A PPH secundária à tireotoxicose difere da formafamiliar nestes dois aspectos, uma vez que os pacientes são amiúde maisvelhos quando da abertura do quadro (idade variando de 20 a 39 anos em84% dos casos) e uma história de paralisia periódica familiar ocorre emmenos de 2% dos casos. Homens são mais afetados que mulheres emambas as formas, com incidência aproximada de 6:1. A PPH tireotóxicatem sido relatada em associação com doença de Graves, bócio nodulartóxico, tireoidite linfocítica e tireotoxicose, e resultante de administraçãoexógena de hormônios tireoidianos.

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96 CAPÍTULO 2

A PPH familiar é uma doença ligada ao cromossomo 1q31-32, causa-da por mutações no gene relacionado ao receptor di-hidropiridínico (subu-nidade alfa-1 do canal de cálcio tipo -L do músculo esquelético) e de pene-trância variável. A causa da paralisia periódica na tireotoxicose parece seruma despolarização do sarcolema produzindo inativação dos canais de só-dio, que por sua vez leva à perda da excitabilidade da membrana; o meca-nismo dessa despolarização ainda não está claro. A tireotoxicose aumenta onúmero de bombas de sódio e potássio (Na-K) em 68%, o que pode expli-car a hipocalemia associada com os ataques de fraqueza muscular, sobre-tudo após administração de insulina. A captação de cálcio fica prejudicadaem espécimes de biópsia de músculo de pacientes com PPH tireotóxica, ea liberação de cálcio também pode estar comprometida. Existem algunspoucos casos relatados na literatura de paralisia periódica normocalêmicatireotóxica, em que os fatores causando paralisia parecem estar diretamen-te relacionados aos níveis de T3 e T4 circulantes.

Clinicamente a PPH caracteriza-se por ataques recorrentes de paresiaou paralisia flácida dos músculos de membros inferiores, superiores e tron-co, com acometimento predominante de musculatura proximal de MMII,havendo resolução espontânea completa em poucas horas a dias. Na doen-ça de longa duração pode ocorrer fraqueza permanente de intensidade levea moderada. Os episódios geralmente ocorrem à noite ou nas primeirashoras da manhã. Os músculos da expressão facial, mastigação, deglutiçãoe movimentação ocular geralmente são envolvidos em menor grau, e osmúsculos lisos não são afetados. Os reflexos estão diminuídos ou ausen-tes; não há alterações sensoriais ou do nível de consciência. O grau deparalisia varia de um ataque para o outro, e ataques graves e generalizadoscorrelacionam-se com grandes deslocamentos de potássio do meio extra-celular para o intracelular. Nestes episódios graves, pode haver paralisiacompleta de todos os músculos esqueléticos, incluindo aqueles que contro-lam a função respiratória; entretanto, raramente ocorre envolvimento a pontode acarretar insuficiência respiratória.

Os ataques são geralmente precipitados pela ingestão de alimentos ri-cos em carboidratos e descanso após exercício extenuante; nesta últimasituação, o exercício leve pode abortar um ataque iminente. Outros fatoresdesencadeantes incluem: aumento da ingesta de sódio, administração deinsulina e epinefrina, exposição ao frio (que pode exacerbar um ataque oucausar fraqueza local).

As manifestações clássicas de hipertireoidismo como intolerância aocalor, nervosismo, palpitações, entre outras, amiúde não são proeminentes,sendo encobertas pelo quadro neurológico, o que pode dificultar a princí-pio o diagnóstico. A PPH deve ser considerada no diagnóstico diferencialde todos os episódios agudos de paralisia motora em pacientes jovens.

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CAPÍTULO 2 97

Alterações laboratoriais incluem hipocalemia e hipofosfatemia noseventos agudos, apesar da reserva corporal total de potássio ser normal. Acreatinoquinase (CK) pode estar normal ou discretamente elevada entre osataques, podendo haver maior elevação após um ataque grave.

Os estudos de condução nervosa (ECN) e a eletromiografia (EMG)geralmente são normais quando o paciente está assintomático. Durante ossintomas, os ECN podem evidenciar diminuição ou ausência das amplitu-des dos potenciais de ação musculares complexos (CMAP) e a EMG podeadquirir um padrão miopático. Testes provocativos podem ser feitos paradesencadear os sintomas, e incluem: ECN prolongado com monitorizaçãode CMAP após exercícios; após sobrecarga de glicose seguida de insulinapor via subcutânea; após sobrecarga de carboidratos + exercícios na noiteanterior ao teste + insulina por via endovenosa (se necessário). Nestescasos, o teste é positivo se o paciente apresenta fraqueza muscular comCMAP reduzidas ou ausentes na vigência de calemia menor ou igual a3,0mmol/L. Os testes provocativos não devem ser feitos em pacientes comtireotoxicose, doença renal ou adrenal, ou com hipocalemia antes do iníciodo teste, mesmo se assintomáticos, pelo risco potencial para o paciente. Oteste negativo não exclui o diagnóstico, uma vez que alguns indivíduosapresentam refratariedade ocasional.

A principal alteração estrutural encontrada na biópsia de músculo depacientes com PPH familiar e tireotóxica é uma miopatia vacuolar (dilata-ção vacuolar do retículo sarcoplasmático) com agregados tubulares nasfibras musculares tipo I. Esses achados já foram relatados durante e entreos ataques. Bolhas subsarcolemais ricas em glicogênio e dilatação da cis-terna terminal do retículo sarcoplasmático também já foram observadasem fibras musculares obtidas durante um ataque.

A pedra angular do tratamento é o retorno ao eutireoidismo. Os casosde melhora parcial são exemplos da coexistência de duas doenças separa-das, uma PPH familiar latente que se manifestou após o desenvolvimentode tireotoxicose. A reposição via oral de potássio pode melhorar os sinto-mas e abortar uma crise em estágio inicial (neste caso, 2g de KCl devemser dados a cada 2 horas enquanto se monitoriza o potássio sérico). Opropranolol em doses de 60mg a cada 6 horas bloqueia a estimulação beta-adrenérgica da Na+-K+ ATPase e melhora a fraqueza muscular na PPH ti-reotóxica, mas não na PPH familiar, podendo inclusive prevenir ataquesrecorrentes em alguns casos. A acetazolamida é útil na redução da freqüên-cia de ataques na PPH familiar, devido ao seu efeito de causar acidosemetabólica e prevenir desta maneira o deslocamento intracelular de potás-sio, mas o seu uso não está associado à melhora clínica da PPH tireotóxica.O tratamento de um episódio agudo grave de paralisia consiste em reposi-

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98 CAPÍTULO 2

ção de potássio, suporte ventilatório e proteção das vias aéreas. É impor-tante evitar o uso intravenoso de potássio, que pode elevar o potássio cor-poral total a níveis tóxicos, além de solução glicosada IV, que pode estimu-lar a secreção de insulina e promover shift de K+ em direção ao compartimentointracelular e exacerbar o problema. O tratamento com prednisona cursoucom melhora significativa da fraqueza muscular em um paciente com para-lisia periódica normocalêmica tireotóxica, provavelmente devido aos seusjá conhecidos efeitos sobre o metabolismo dos hormônios tireoidianos.

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Page 29: TIREOIDE 02

CAPÍTULO 2 99

Caso 15Caso 15

RELATO DO CASO

Data: 11/6/2000.

Paciente M.S., feminina, 45 anos com queixa principal de “fal-ta de ar”.

Há 45 dias refere cansaço aos médios esforços, evoluindo gra-dativamente com piora do quadro, com aparecimento de dispnéiaaos grandes esforços, ascite e edema de membros inferiores. Procu-rou atendimento médico de emergência, sendo notado bócio e exof-talmia. Realizado exame ultra-sonográfico de tireóide e dosagenshormonais que foram compatíveis com bócio difuso tóxico. Inicia-do propiltiouracil (PTU, 100mg 1×/dia), propranolol (PPL, 40mg3×/d) e Higroton® (clortalidona, 25mg 1×/d). Solicitada interna-ção no HUCFF para compensação do caso.

A paciente refere perda de peso (não mensurada), tremor deextremidades, diarréia aquosa de 5 a 6 vezes por dia, palpitação enervosismo.

A paciente é casada, doméstica, natural do Rio de Janeiro.Nega cardiopatias, infarto agudo do miocárdio ou acidente vas-cular cerebral prévios, alergias, hemotransfusões. Hepatite aos 20anos de idade e cirurgia de ligadura de trompas sem complica-ções. Possui irmã que sofreu tireoidectomia devido ao bócio difusotóxico, e mãe cardiopata. Nega tabagismo e etilismo.

Ao exame físico, apresentava dispnéia leve, hipocorada (++/4),com exoftalmia, com proptose (olho direito maior que esquerdo) eretração palpebral, sem lagoftalmia ou irritação conjuntival.

PA: 110 × 60mmHg, FC: 108bpm, FR: 30irpm.

Tireóide aumentada quatro vezes, lobo direito maior que loboesquerdo, elástica, superfície lisa, sem nódulos ou linfonodos cer-vicais, sem sopros. Turgência jugular patológica a 45o.

Ritmo cardíaco regular, presença de B3, B1 hiperfonética, P2 > A2,sopro sistólico ++/6 em foco aórtico.

Murmúrio vesicular diminuído em base direita, com presençade estertores crepitantes em base direita.

Abdômen ascítico com fígado palpável a 6cm do rebordo cos-tal direito, indolor à palpação, homogêneo. Ponta de baço palpá-vel e traube maciço.

Membros inferiores com edema +++/4 cacifo positivo, até raizda coxa, sem flogose.

Reflexo aquileu exacerbado. Tremor fino de extremidades.

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100 CAPÍTULO 2

Tabela 2.10Exames Laboratoriais de Internação � Hormônios Tireoidianos

Exames Valor V. R.

TSH 0,011 (0,4-4)

T4L 2,5 (0,8-1,9)

T3 198 (70-170)

Antitireoglobulina 262 < 20UI/mL

Anti-TPO >1.000 < 15UI/mL

EXAMES PRÉVIOS

• Ultra-sonografia de tireóide (relato) – aumento da glândula, sem nódulosou cistos, finamente heterogênea e regular, compatível com bócio difuso.

EXAMES DE INTERNAÇÃO (13/6/2000) (TABELAS 2.9 E 2.10)

• Eletrocardiograma – alteração de repolarização assimétrica (inespecífica).• Radiografia de tórax – aumento da área cardíaca, congestão pulmo-

nar, derrame pleural direito.

Tabela 2.8Exames Laboratoriais Prévios � Hormônios Tireoidianos

Exames Valores

TSH 0,01mUI/mL

T4 18ng/dL

T3 224ng/dL

Tabela 2.9Exames Laboratoriais de Internação � Hemograma Completo e Bioquímica

Exames Valor V.R. Exames Valor V.R.

Hemoglobina 11,4 (11,5-16) Uréia 25 (20-40)

Hematócrito 33,3 (35-47) Creatinina 0,8 (0,7-1,4)

VCM 77,4 (82-101) Proteínas T 7,6 (6-8)

CHCM 34,2 (32-36) Albumina 3,3 (3,5-4,8)

Leucócitos 5.000 TGO 28 (5-40)

Diferencial 0/1/0/0/12/46/38/3 TGP 19 (8-40)

Plaquetas 175.000 (150-300) Bilirrubina T 2,4 (0-1,1)

Glicose 79 (70-110) BD/BI 1,2/1,2 (0-0,2)

Sódio 137 (135-148) F. alcalina 610 (40-240)

Potássio 3,0 (3,5-5,3) gGT 91 (7-32)

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CAPÍTULO 2 101

Inicialmente, foram tomadas as seguintes medidas:

• Aumentado PTU para 200mg 2×/d.• Diminuído PPL para 60mg 2×/d. Iniciada furosemida venosa 20mg

3×/d.• Solicitado ecocardiograma e ultra-sonografia abdominal.• Solicitado parecer para endocrinologia com as seguintes perguntas:

– Insuficiência cardíaca congestiva é causada ou apenas descompen-sada pelo hipertireoidismo?

– Devemos suspender o PTU devido à colestase?

Evoluiu com melhora progressiva do quadro (Tabela 2.11):

– Diminuição da freqüência cardíaca.– Diminuição do edema de membros inferiores e ascite.– Desaparecimento da dispnéia. Cansaço mantido.

Nesta ocasião foram tomadas as seguintes condutas:

• Aumentado PTU para 200mg 3×/d.• Diminuída furosemida gradativamente até 40mg VO 1×/d.• Aumentado propranolol para 80mg 2×/d.• Ecocardiograma com Doppler – Ao: 2,7; AE: 4,1; VEd: 4,6; VEs: 3,5;

SIV: 0,8; PP: 0,8– Valvas cardíacas normais.

– Aumento biatrial, mais pronunciado à direita. Ventrículos normais. – Congestão venosa sistêmica (veia cava inferior dilatada com redução

do colapso inspiratório). – Disfunção sistólica de VE leve. – Doppler: regurgitação mitral leve e regurgitação tricúspide leve a

moderada. – PSAP: 43mmHg (HAP moderada).

• Ultra-sonografia abdominal

– Fígado levemente aumentado e heterogêneo, sem lesão focal evidente.– Vesícula de parede espessa com diversos pequenos cálculos no

interior.– Vias biliares de calibre normal. Pâncreas e rins sem alteração.– Esplenomegalia leve (13,5cm).

Recebeu alta hospitalar oito dias após internação, sendo encaminhadapara o ambulatório de clínica médica para continuar investigação de coles-tase e de endocrinologia.

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102 CAPÍTULO 2

Tabela 2.11Exames Laboratoriais de Bioquímica após Tratamento

Exames 13/6 18/6 V. R.

Glicose 79 74 (70-110)

Sódio 137 138 (135-148)

Potássio 3,0 3,9 (3,5-5,3)

Uréia 25 17 (20-40)

Creatinina 0,8 0,9 (0,7-1,4)

Proteínas T 7,6 7,5 (6-8)

Albumina 3,3 3,0 (3,5-4,8)

TGO 28 35 (5-40)

TGP 19 15 (8-40)

Bilirrubina T 2,4 0,6 (0-1,1)

BD/BI 1,2/1,2 0,6/1,1 (0-0,2)

F. alcalina 610 497 (40-240)

γGT 91 100 (7-32)

Meu diagnóstico

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CAPÍTULO 2 103

RESUMO DO CASO

Paciente de 45 anos que apresentou disfunção grave da função cardía-ca como mostra o exame físico, rico em sinais de insuficiência cardíacadireita e esquerda (ICC) – dispnéia aos esforços, anasarca, TJP a 45º –como resultado da hiperestimulação adrenérgica ocasionada pelo quadro dehipertireoidismo descompensado. A causa da ICC não parece ser o hiperti-reoidismo, mas este apenas descompensou um quadro clínico subjacente,uma vez que a paciente já possuía alterações ecocardiográficas. O quadrohepático não parece ser ocasionado pelo PTU já que a colestase é um efeitocolateral mais raro que a hepatite. Outras causas possíveis são a congestãohepática pela ICC e pelo próprio hipertireoidismo. A evolução favoráveldeste quadro, com a diminuição da colestase, confirmou esta impressão. Aultra-sonografia revelou também quadro de colelitíase.

DISCUSSÃO

Tireóide e Sistema Cardiovascular

Todo efeito no músculo cardíaco é causado pela triiodotironina (T3), jáque não há conversão da tiroxina (T4) em T3 nos miócitos em quantidademensurável. A T3 entra no núcleo, liga-se ao receptor nuclear, que por suavez se liga aos elementos responsivos ao hormônio tireoideano em genes-alvos. A ocupação destes receptores combinados com um recrutamento deco-ativadores leva à ativação de transcrição. Na ausência de T3, os recep-tores suprimem genes que são regulados positivamente pela T3.

Assim, através de seus efeitos nucleares, aumenta a produção de pro-teínas regulatórias e estruturais. Entre elas, a miosina de cadeia pesada(α e β), responsável direta pelo aparato contrátil dos miócitos cardíacos.Em animais, a transcrição da α-miosina é ativada pela T3, enquanto aβ-miosina é suprimida, mas estas alterações nas isoformas são provavel-mente de magnitude insuficiente para serem as responsáveis pelas altera-ções funcionais.

Alterações nos genes de transcrição pela T3 também regulam a produ-ção de proteínas do retículo sarcoplamático, canais de cálcio ATPase efosfolambam. A liberação de cálcio e a sua recaptação no retículo sarco-plasmático são fundamentais para a contração sistólica e dilatação diastóli-ca. O transporte ativo de cálcio para o lúmen do retículo sarcoplasmáticopelos canais de cálcio ATPase é regulado pelo fosfolambam, cuja atividadeé modificada pelo seu nível de fosforilação. Assim, alterações na quantida-de e no estado de fosforilação dos fosfolambans podem alterar a função

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104 CAPÍTULO 2

diastólica na ICC e na doença tireoidiana. Em ratos sem fosfolambam, acontratilidade cardíaca estava aumentada e o tratamento com hormôniotireoidiano não possuía efeito inotrópico adicional.

A T3 também age em sítios extranucleares, alterando canais de sódio,potássio, cálcio e assim aumentando o inotropismo e o cronotropismo.

Há três maneiras de o hipertireoidismo causar as alterações cardiovas-culares, por efeitos:

• Cardíacos diretos• Mediados pelo sistema nervoso simpático• Secundários a alterações hemodinâmicas

Efeitos cardíacos diretos – o uso de betabloquador não reverte todos osefeitos e mesmo quando há o bloqueio adrenérgico, o uso de T4 aumenta ataxa de contração do músculo cardíaco.

Efeitos mediados pelo sistema nervoso simpático – não ocorre umaumento sérico das catecolaminas, mas há alteração da afinidade dascatecolaminas nos seus receptores, alteração do número de receptoresou modificação no mecanismo pós-receptor. Este último não está claro,provavelmente pelo aumento da subunidade da proteína Gs, estimulandoa adenilciclase.

Efeitos secundários a alterações hemodinâmicas – ao aumentar o con-sumo de oxigênio periférico, causa um aumento secundário da contratilida-de cardíaca.

Ao dilatar as arteríolas da circulação periférica, tanto por efeito di-reto nas células musculares lisas causando seu relaxamento como atra-vés do aumento da termogênese, causa a diminuição da resistência vas-cular periférica. Como conseqüência ocorre maior volume de ejeçãopor diminuir a pós-carga, além do aumento do volume sangüíneo queaumentaria a pré-carga. Associado ao aumento do cronotropismo, re-sulta em aumento do débito cardíaco de 50% a 300% (Tabela 2.12). Aimportância da resistência vascular periférica (RVP) é comprovada coma administração de vasoconstritores, atropina e fenilefrina, que dimi-nuem o débito cardíaco (DC) em 34% no hipertireoidismo, mas nãopossui efeito em pessoas normais.

O quadro clínico apresenta-se com:

• Palpitação (85%)• Dispnéia de esforço (80%)• Pressão divergente• Taquicardia (FC > 90bpm)

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CAPÍTULO 2 105

A taquicardia ocorre principalmente no repouso e durante o sono (oque diferencia de crise psicogênica). O aumento fisiológico no exercício éexacerbado. É o sinal de hipertireoidismo mais comum, só menos freqüen-te que o bócio. No idoso, predomina insuficiência cardíaca congestiva (ICC)e fibrilação atrial (FA), sem sintomas de hipertireoidismo.

O exame físico apresenta-se com:

• Precórdio hiperativo.• B1 hiperfonética, P2 acentuada (componente pulmonar de B2), presença

de B3.• Atrito Mens-Lemman = atrito durante a expiração no segundo espaço

intercostal esquerdo provavelmente pelo sopro de fluxo pulmonar rela-cionado ao aumento do DC.

• Sopro mesosistólico em borda esternal esquerda.• Hipertensão sistólica (diastólica também pode ocorrer).

Durante muitos anos se acreditava que ICC e angina só ocorriam seexistisse doença cardiovascular subclínica. Contudo se demonstra que:

– ICC foi produzida em animais só com a administração de T4;

– Pode desenvolver em crianças com tireotoxicose sem doença cardíacasubclínica;

– Angina ocorre com coronárias normais, provavelmente por vasoespas-mo das artérias coronarianas;

– A função do ventrículo esquerdo (VE) anormal durante o exercício não érevertida com β-bloqueador, mas com o tratamento do hipertireoidismo.

Assim, a tireotoxicose, quando grave e persistente, pode causar ICC eangina, mas na maioria dos casos significa doença cardíaca ou coronarianasubclínica. Nos pacientes com ICC de alto débito, 50% não têm evidência

Tabela 2.12Medidas da Fisiologia Cardiovascular no Hiper e Hipotireoidismo

Medidas Hipertireoidismo Hipotireoidismo Normal

RVP 700-1.200 2.100-2.700 1.500-1.700 (dyn.s.cm�5)

FC 88-130 60-80 72-84 (bpm)

Fração ejeção > 60 ≤ 60 50-60 (%)

DC > 7,0 < 4,5 4,0-6,0 (litros/min)

Tempo de relaxamento 25-40 > 80 60-80 (ms.)isovolumétrico

Volume sangüíneo 105,5 84,5 100 (% do valor normal)

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106 CAPÍTULO 2

de doença cardíaca subclínica e são revertidos apenas com tratamento dohipertireoidismo.

Na radiografia , aparece ventrículo esquerdo, aorta e artéria pulmonarproeminentes. Pode haver aumento da área cardíaca generalizada.

No eletrocardiograma, pode ocorrer:

• Taquicardia sinusal (> 100bpm) (40%) – está correlacionado com ati-vidade da doença. Ocorre devido à diminuição do tempo de conduçãoátrio-ventricular e do período refratário funcional.

• Fibrilação atrial (10-15%) – persistente, refratária a digoxina.• Prolongamento da onda P (15%).• Prolongamento do intervalo PR (5%).• BAV 2o e 3o graus, BRD (15%).

Obs.: Taquicardia supraventricular paroxística e flutter são raros.

Menos de 1% de novos casos de FA são causados por hipertireoidismo,mas o TSH deve ser medido em todos os casos, já que é comum sua ocor-rência sem outros sintomas de hipertireoidismo; 13% dos pacientes com FAinexplicada possuem evidências bioquímicas de hipertireoidismo. O hiperti-reoidismo subclínico está associado a três vezes mais chance de desenvolverFA que uma pessoa normal, quando comparados com indivíduos maiores de60 anos. Num estudo, a FA desenvolveu-se em 21% dos hipertireoidismos,12% dos hipertireoidismos subclínicos e 8% dos indivíduos normais.

No ecocardiograma, o aumento da contratilidade do miocárdio podeser vista nos seguintes parâmetros:

– Período pré-ejeção mais curto = tempo de início do complexo QRS atéa abertura da valva aórtica.

– ↑ Tempo de ejeção do VE = fluxo através da valva mitral durante diástole.

Devido ao aumento de contratilidade, ocorrem alterações nos índicesde função de VE no exercício, mas geralmente estão normais no repouso.

Há associações com a cardiomiopatia familiar, na qual a freqüência dehipertireoidismo está aumentada e associada com prolapso de valva mitralem 1/3 dos casos.

O tratamento é feito com as seguintes drogas:

1. Digoxina – a ICC e a fibrilação atrial são resistentes ao tratamento comdigoxina (diminui sensibilidade), podendo ocorrer toxicidade com do-ses com pequeno efeito terapêutico.

– Os níveis séricos da digoxina ficam diminuídos, não pelo aumentodo metabolismo mas porque o volume de distribuição é maior.

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CAPÍTULO 2 107

– O hipertireoidismo diminui o efeito na força de contração e no pro-longamento do período refratário no nodo AV.

2. β-bloqueador – geralmente usado com cautela na ICC, é benéfico quandoa ICC é causada por hipertireoidismo, já que parte dos efeitos são cau-sados pela taquicardia. Pode ser usado no hipertireoidismo subclínicopara prevenir FA.

3. Anticoagulante – é controverso. A idade, mais que a própria FA, foi ofator de maior risco para embolização num estudo retrospectivo com610 pacientes. Assim, em jovens sem doença cardíaca preexistente,hipertensão ou outro fator de risco para embolização, o risco do trata-mento anticoagulante é maior que seu benefício. Já no idoso com sus-peita de doença cardíaca ou com FA crônica, deve ser usado.

• O tratamento do hipertireoidismo reverte, se não elimina, os sinto-mas relacionados com sistema cardiovascular.

• 50% dos casos de hipertireoidismo com angina de início concomitanteevoluem com completa remissão após tratamento do hipertireoidismo.

• 30-40% dos casos de FA com mais de uma semana de duraçãorevertem espontaneamente quando se instala o eutireoidismo. A taxade reversão é menor em idosos. Assim, só se deve tentar a reversãoelétrica ou química quando o paciente estiver eutireoidiano.

Obs.: o TSH deve ser medido em todo idoso com:

– Hipertensão sistólica– Pressão divergente– Angina de início recente– FA– Exacerbação de doença coronariana subclínica

BIBLIOGRAFIA

1. Lansen PR, Davies TF, Hay ID. Thyroid. In: Williams Textbook of Endocrinology,9th edition. Wilson JD, Foster DW, Jronenberg HM, Larsen PR (editores). WBSaunders Company, 389-516, 1998.

2. Klein I, Ojamaa K. Thyroid hormone and the cardiovascular system. N Engl J MedFeb 15;344(7):501-9, 2001.

3. Williams GH, Lilly LS, Seely EW. The Heart in Endocrine and Nutritional Disorders.In: Heart Disease. 1889-1895, 6th edition. Braunwald E, Zipes DP, Libby P (editores),2001.

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108 CAPÍTULO 2

Caso 16Caso 16

RELATO DO CASO

C.R.C.A, feminina, 20 anos, parda, com queixa de “dor nabarriga”.

Paciente sabidamente hipertireóidea há cerca de dois anos,em tratamento irregular com propiltiouracil (PTU) 600mg/d epropranolol (PPL) 120mg/dia. Após diagnóstico de gravidez foiorientada a elevar dose de propiltiouracil para 900mg/d, poréminterrompeu tratamento, evoluindo após quatro dias com agra-vamento da palpitação, tremor, intolerância ao calor, hiperdefe-cação, surgimento de dispnéia e posteriormente cólica em regiãohipogástrica e sangramento transvaginal. Procurou assistênciamédica no Hospital Maternidade Escola da UFRJ em 24 de outu-bro, sendo admitida, com 16/17 semanas de gestação, com hiper-tensão (160 × 100mmHg), taquicardia (140bpm) e dispnéia. Rea-lizado perfil biofísico fetal mostrando boa vitalidade eadministrado PTU 400mg e PPL 80mg, evoluindo com piora dataquicardia, edema agudo de pulmão e hipertermia, sendo feitadose adicional de PTU, antitérmico, cedilanide (cardiotônico ve-noso) e transferida para a emergência do HUCFF.

A paciente é natural do Rio de Janeiro, solteira, auxiliar deescritório. Refere parto normal a termo, menarca aos 11 anos, ca-tamênios regulares, gesta 1 para zero. Seus pais são vivos e saudá-veis, sem história de hipertensão arterial sistêmica, diabete melitoou tireoidopatia. Nega tabagismo ou etilismo. Gravidez desejada.

Ao exame físico a paciente apresentava-se taquidispnéica, hi-pocorada + a ++/4, febril.

PA: 160 × 100mmHg, FC: 160bpm, FR: 28irpm.

Exoftalmia bilateral.

Tireóide palpável, aumentada de volume cerca de 3×, assimé-trica, elástica, com frêmito e sopro.

Precórdio hipercinético, com ictus cordis visível e palpável noquinto espaço intercostal esquerdo, na linha hemiclavicular, comterceira bulha palpável, ritmo cardíaco regular com presença deterceira bulha, com sopro sistólico +2/6 pancardíaco. Turgênciajugular patológica.

Murmúrio vesicular universalmente audível, com estertores definas e médias bolhas até ambos os ápices.

Abdômen flácido, com fundo de útero palpável na cicatrizumbilical, sem outras visceromegalias; peristalse presente.

Edema perimaleolar +/4 bilateral em membros inferiores.

Feito o diagnóstico de crise tireotóxica + edema agudo depulmão e iniciado tratamento específico:

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CAPÍTULO 2 109

– PTU 600mg VO → 400mg 6/6h– Lugol 8 gotas VO → 8 gotas de 6/6h– Hidrocortisona 300mg IV → 100mg 8/8h– Furosemida 40mg IV → 20mg 8/8h– Cedilanide 1/2 amp. → 1/2 amp. 12/12h– Cateter nasal de O2

EXAMES INICIAIS

• Eletrocardiograma → taquicardia sinusal.• Radiografia de tórax → área cardíaca no limite da normalidade, con-

gestão pulmonar.• Ausência de alteração eletrolítica.• Hemograma → anemia (hematócrito: 30,5 e hemoglobina: 10,4), sem

leucocitose.• Ecocardiograma → cavidades cardíacas de tamanho normal, função

sistólica de ventrículo esquerdo global e segmentar normal, avaliaçãode função diastólica prejudicada pela taquicardia.

Após melhora parcial do quadro de congestão pulmonar, foi iniciadoPPL 60mg 4/4h e depois elevado para 80mg 4/4h.

Em 27 de outubro a paciente foi transferida para enfermaria de endo-crinologia, ainda com sangramento transvaginal de pequena monta, bastan-te tóxica, porém sem critério de crise tireotóxica. Retirado digital, reduzidoprogressivamente o corticóide, iniciado α-metildopa para melhor controlepressórico, solicitada ultra-sonografia e avaliação obstétrica:

– Útero em ântero-verso-flexão– Feto único, situação longitudinal, batimento cardiofetal e movimentos

fetais presentes– Biometria fetal: diâmetro biparetal: 35,8mm, circunferência abdominal:

21mm– Idade gestacional estimada = 16 a 17 semanas– Placenta prévia marginal.

• Dosagem hormonal colhida em 28/10:– T4 livre: 3,3ng/dL (0,8-1,9)– TSH: 0,005mcU/mL (0,4-4,0)

Em 30 de outubro relata retorno de cólica abdominal e aumento da perdade sangue, evoluindo com abortamento. Enviado material para o serviço deanatomia patológica, solicitados tipagem sangüínea (B+), hemograma (hema-tócrito: 27,4; hemoglobina: 9,4; leucócitos: 24.700 com 13 bastões e 50 seg-mentados). Feita ultra-sonografia que evidenciou restos ovulares, sendo ne-

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110 CAPÍTULO 2

cessária curetagem, realizada na Maternidade Escola no mesmo dia. Colhidahemocultura (sem crescimento bacteriano) e iniciado antibiótico. Evolui afe-bril, com involução uterina satisfatória, regressão da leucocitose e com pro-gressivo melhor controle do hipertireoidismo.

Foi submetida à tireoidectomia quase total em 22 de outubro semintercorrências, evoluindo no pós-operatório sem sinais de hipocalcemia(Ca = 8,0mg/dL) ou descompensação do hipertireoidismo; apresentouapenas sangramento leve pela ferida operatória. Recebeu alta hospitalarsem medicação.

Em 15 de dezembro foi reavaliada ambulatorialmente, encontrando-seclinicamente eutireoidiana, sendo solicitadas dosagens hormonais e aindanão iniciado levotiroxina.

Nova consulta ambulatorial em janeiro de 2000, sem queixas de hipoti-reoidismo e dosagem hormonal: T4 livre: 0,7ng/dL e TSH: 6,66mcU/mL.

Prescrito levotiroxina 25µg/d, com programação de elevação progres-siva até 100mg/dia.

• Resultados de exames histopatológicos:

– Feto masculino, sem malformações. Placenta compatível com se-gundo trimestre de idade gestacional. Corioamnionite.

– Tecido tireoidiano com 30g, cortes histológicos com folículos detamanho variados, epitélio hiperplásico, com focos de metaplasiaoxifílica. Compatível com doença de Graves.

Meu diagnóstico

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CAPÍTULO 2 111

RESUMO DO CASO

Paciente jovem com diagnóstico de hipertireoidismo por doença deGraves, com uso irregular da medicação. Ficou grávida ainda sem controleadequado e continuou com má adesão ao tratamento farmacológico. Evo-luiu com crise tireotóxica com descompensação cardíaca sendo realizadainternação e tratamento adequado. Mesmo assim evoluiu com aborto.

Foi optado por tratamento definitivo através de tireoidectomia devido àmá adesão ao tratamento, tendo evoluído com hipotireoidismo.

DISCUSSÃO

Hipertireoidismo e Gestação

Causas de hipertireoidismo na gestação:

– Doença de Graves– Tireotoxicose transitória gestacional– Outros

A tireotoxicose transitória gestacional é a causa mais freqüente dehipertireoidismo no 1o trimestre. Está relacionada à estimulação direta datireóide materna pelo hCG.

Condições Associadas

– Mola hidatiforme– Hiperêmese gravídica– Gestação múltipla

A doença de Graves possui como complicações:

• Maternas:– Toxemia– Abortamento/parto prematuro– Descolamento prematuro de placenta– Insuficiência cardíaca congestiva– Crise tireotóxica

• Neonatais:– Aumento da mortalidade perinatal– Crescimento intra-uterino retardado– Prematuridade– Baixo peso– Bócio e hipotireoidismo– Hipertireoidismo mediado pelo TRAb de origem materna

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112 CAPÍTULO 2

Estudo feito por Skuza e cols., com objetivo de avaliar se o nível deTRAb em recém-natos (RN) de mães com doença de Graves correlacio-na-se com o risco de desenvolvimento de hipertireoidismo, apresentoucomo resultados:

14 RN → 7 RN com TRAb < 0,15 → eutireoidismo

→ 7 RN com TRAb > 0,25 → hipertireoidismo transitório

O tratamento do hipertireoidismo durante a gestação é feito com:

Drogas antitireoidianas (DAT): Propiltiouracil (PTU) × Metimazol(MMI)?

O metimazol está relacionado com aplasia cutânea do recém-nas-cido, efeito colateral que não ocorre com o PTU. Estudo feito porMomotani e cols. acompanhou 77 gestantes com hipertireoidismo, 34em uso de PTU e 43 em uso de MMI, mantidas com T4 livre dentro dafaixa de normalidade. A avaliação neonatal foi feita dosando T4 livre eTSH em amostra de sangue do cordão. Não houve diferença estatísticaentre os grupos:

• T4L baixo → 6% em uso de PTU × 7% em uso de MMI• TSH elevado → 21% em uso de PTU × 14% MMI

– A dose indicada é a menor necessária para controlar hipertireoidismo

O acompanhamento materno é através da clínica e do laboratório,devendo-se manter T4L no limite superior da normalidade. O TRAb possuicorrelação grosseira entre nível materno e risco de tireotoxicose fetal.

O acompanhamento fetal:

• Monitorização da freqüência cardíaca• Ultra-sonografia para acompanhamento de crescimento fetal• Ultra-sonografia para avaliação de bócio no feto

Para tratamento de hipertireoidismo fetal são usadas doses ele-vadas de DAT (MMI 60 a 120mg/d) e se necessário repor levotiroxinapara a mãe.

O propranolol possui segurança questionável. Há risco de crescimentointra-uterino retardado, hipoglicemia neonatal ou depressão.

A cirurgia possui como indicações:

– Alergia às DAT– Resistência às DAT (necessidade > 400mg/d de PTU)– Baixa adesão ao tratamento– Bócio muito volumoso

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CAPÍTULO 2 113

As contra-indicações são:

– Primeiro trimestre devido ao risco de abortamento– Terceiro trimestre devido ao risco de parto prematuro

O iodo radioativo é contra-indicado em qualquer período da gestação.

BIBLIOGRAFIA

1. Momotani N, Noh JY, Ishikawa N, Ito K. Effects of propilthiouracil and methimazolon fetal thyroid status in mothers with Graves hiperthyroidism. J Clin EndocrMetab. Nov; 82(11):3633-6, 1997.

2. Skuza KA, Sills IN, Stene M, Rapaport R. Prediction of neonatal hyperthyroidismin infants born to mothers with Graves’ disease. J Pediatr. Feb; 128(2):264-8, 1996.

Page 44: TIREOIDE 02

114 CAPÍTULO 2

Caso 17Caso 17

RELATO DO CASO

A.D.S., feminina, parda, 29 anos, com queixa principal de “olhosaltado”.

Refere que há cerca de oito meses notou seu olho esquerdomais protruso. Inicialmente era assintomática evoluindo com ar-dência, principalmente quando ventava, e sensação de corpo es-tranho. Relatava ainda queda de cabelos. Procurou oftalmologis-ta que suspeitou inicialmente de glaucoma agudo, mas descartouessa hipótese após realizar campo visual e PIO e encaminhou aoendocrinologista para investigação diagnóstica. Recebeu atendi-mento inicial em outro hospital onde foram solicitados dosagensde hormônios tireoidianos, anticorpos e ultra-sonografia de ti-reóide. A ultra-sonografia de tireóide mostrava glândula com pa-rênquima heterogêneo, discretamente aumentada com lobo direi-to medindo 59 × 15mm e lobo esquerdo 35 × 15mm, porém nãorealizou dosagens hormonais. Retornou ao oftalmologista há cer-ca de dois meses, quando foi feita ultra-sonografia de órbita compa-tível com oftalmopatia infiltrativa em fase inflamatória. Foi enca-minhada ao HUCFF para acompanhamento.

A paciente é solteira, natural do Rio de Janeiro, costureira,residente em Queimados. Refere miopia diagnosticada há três anos.Nascida de parto normal a termo. Crescimento e desenvolvimentonormais. Menarca aos 12 anos e ciclos menstruais regulares. Ges-ta 1 para 1. Mãe hipertensa, pai e irmãos saudáveis. Mora em casade alvenaria com água encanada e esgoto com o marido e filha dedois anos. Nega tabagismo, etilismo social.

Ao exame físico, seus sinais vitais eram:

PA 130 × 80mmHg, FC 88bpm, peso 53,7kg.

Cabelos ressecados e quebradiços, pele úmida.

Olho esquerdo com discreta proptose. Ausência de lagoftal-mia, sem alterações da motilidade ocular, pupilas isocóricas e fo-torreagentes e reflexo de acomodação normal.

Tireóide discretamente aumentada de volume, consistênciaelástica, superfície irregular sem nódulos, sem frêmito ou sopro.

RCR, sem bulhas acessórias, presença de B1 hiperfonética,sopros sistólico 2+/6+ em focos de base.

Restante do exame físico sem alterações.

Foi então levantada a hipótese diagnóstica de doença de Gra-ves e solicitados anticorpos e hormônios tireoidianos.

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CAPÍTULO 2 115

Na segunda consulta, a paciente mantinha quadro ocular es-tável com discreta proptose de olho esquerdo, sem irritação con-juntival e sem alterações da musculatura extrínseca do olho.

Exames: T4 livre: 1,7ng/dL, TSH: 0,01mcU/mL. Anticorpo an-titireoglobulina < 20U/mL, anticorpo antiperoxidase < 10U/mL.

Foi iniciado, então Tapazol® (metimazol) na dose de 10mg/dia.

Na terceira consulta, a paciente retorna ao ambulatório refe-rindo melhora dos sintomas oculares. Não apresentava queixas dedisfunção tireoidiana e ao exame clínico apresentava-se eutireoi-diana, porém não havia feito a nova dosagem hormonal.

Meu diagnóstico

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116 CAPÍTULO 2

RESUMO DO CASO

O interessante neste caso foi a manifestação da oftalmopatia como oprimeiro sintoma da doença de Graves, estado conhecido como doença deGraves eutireoidiana. O exame físico sugere hipertireoidismo devido àpressão sistólica elevada, pele úmida, hipercinesia. Seus exames laborato-riais apontaram para um quadro de hipertireoidismo subclínico. O trata-mento do hipertireoidismo ajudou na melhora do quadro oftalmológico.

DISCUSSÃO

Oftalmopatia de Graves

É a doença que mais comumente afeta a órbita, acometendo 0,5% dapopulação dos EUA. Pode ser apontada como causa de 15% a 28% dasexoftalmias unilaterais e cerca de 80% das bilaterais e é evidente em 50%dos pacientes com doença de Graves. Cerca de 15% a 20% dos casos deoftalmopatia de Graves podem ocorrer na ausência de evidências clínico-laboratoriais de disfunção tireoidiana, sendo essa condição conhecida comodoença de Graves eutireoidiana. Essa última forma da doença é com fre-qüência encontrada inicialmente por oftalmologistas. As manifestações clí-nicas da oftalmopatia podem preceder, coincidir ou surgir posteriormenteao quadro de hipertireoidismo.

Patogenia

• Hipertrofia (edema) dos músculos extra-oculares → depósito de glico-saminoglicanos secretados por fibroblastos. Pode-se observar aumentode até oito vezes dos músculos, levando ao risco de compressão donervo óptico e alterando a estrutura dessa musculatura.

• Infiltração celular → células plasmáticas, linfócitos, macrófagos e mas-tócitos iniciam um processo inflamatório que leva à degeneração dasfibras musculares, podendo evoluir para miopatia. Isso ocorre pela pre-sença de um antígeno comum a glândula tireóide ou semelhante. O pro-cesso é deflagrado provavelmente por uma reação antígeno-específicada célula T, acreditando-se que o TRAb (anticorpo anti-receptor deTSH) esteja envolvido na patogenia.

• Proliferação da gordura orbitária e do tecido conectivo.

Classificação NOSPECS (Associação Americana de Tireóide):

0. N (no) – ausência de sinais ou sintomas1. O (only) – apenas sinais limitados à retração da pálpebra superior, lid

lag (assinergismo oculopalpebral) e proptose até 22mm

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CAPÍTULO 2 117

2. S (soft) – envolvimento de partes moles (incluindo sinais e sintomas)3. P (proptosis) – proptose > 22mm4. E (extraocular) – envolvimento da musculatura extra-ocular5. C (corneal) – envolvimento da córnea6. S (sight) – perda da visão por envolvimento do nervo óptico

O quadro clínico é caracterizado por irritação nos olhos, sensação decorpo estranho e lacrimejamento exacerbados com a exposição ao ventoou corrente de ar. O fechamento incompleto das pálpebras leva à sensaçãode pressão atrás dos olhos, edema periorbital, exoftalmia (geralmente bila-teral e assimétrica), lagoftalmia, quemose, turvação visual, diplopia, paresiaou plegia da musculatura extrínseca do olho (a mais comum é a perda damirada súpero-lateral), aumento da pressão intra-ocular e até mesmo redu-ção da acuidade visual e amaurose.

O diagnóstico não levanta dúvidas quando as manifestações ocularessão bilaterais e vêm acompanhadas de tireotoxicose no presente ou passa-do, porém as exoftalmias unilaterais, mesmo com quadro de tireotoxicose,devem ser investigadas e afastadas outras causas: neoplasias da órbita,trombose do seio cavernoso, fístula no seio cavernoso, doenças infiltrati-vas (sarcoidose, amiloidose etc.), pesudotumor da órbita, síndrome da veiacava superior e oftalmoplegia isolada do DM. Quando bilateral e associadacom eutireoidismo, devemos afastar origem familiar, cirrose hepática, ure-mia, Cushing e DPOC.

Bartley e Gorman consideram que a oftalmopatia está presente quandohá retração palpebral associada a evidências de disfunção tireoidiana ouregulação anormal (aumento de T3 ou T4 livre; diminuição de TSH; capta-ção aumentada de radioiodo pela glândula ou a presença de TRAb) ou exof-talmia (> 20mm) ou disfunção do nervo óptico ou envolvimento da muscu-latura extra-ocular.

Se a retração palpebral estiver ausente eles consideram apenas paradiagnóstico a presença de exoftalmia ou envolvimento do nervo óptico oumiopatia extra-ocular quando estão associadas a disfunção tireoidiana ouregulação anormal e se não tiver outra causa possível de oftalmopatia.

Kazuo e Fujiikado estudaram 35 pacientes com oftalmopatia associadaa tireóide e os dividiram em dois grupos: o grupo A, composto de oftalmo-patia e eutireoidismo definido pela presença de sinais de oftalmopatia (con-siderados pelo autor como exoftalmia > 17mm, retração palpebral, disfun-ção da musculatura extra-ocular e disfunção do nervo óptico) com dosagensde T3 e T4 dentro da normalidade; e o grupo B, composto de pacientescom hipertireoidismo diagnosticado com a elevação de T4 livre ou T3 livree diminuição do TSH.

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118 CAPÍTULO 2

Nos resultados encontraram entre os eutireoidianos (grupo A) pequenapercentagem com TSH baixo, porém a maioria mostrava sua dosagem dentroda normalidade. Em relação aos anticorpos foram encontrados TSAb (anticor-po estimulador da tireóide) em 82,9% e TBII (imunoglobulina inibidora daligação do TSH) em 28,6% (no grupo B ambos estavam presentes em 100%).Em contrapartida, o anticorpo antitireoglobulina foi positivo apenas em 8,6% eo anti-TPO em 17% contra 37% e 74%, respectivamente, no grupo B.

Os autores concluem que pacientes eutireoidianos com oftalmopatiaparecem ter alterações imunológicas mais leves do que os pacientes comhipertireoidismo e que nesses casos o TSAb seria mais sensível do que oTBII e que os anticorpos antitireoglobulina e anti-TPO não seriam eficazesno seu diagnóstico. Ele levanta ainda que o TSAb deve ser dosado váriasvezes nos pacientes eutireoidianos, pois resultados falso-negativos podemrefletir uma forma muito inicial da doença.

Khoo observou uma prevalência inesperadamente alta de anticorposanti-TPO e antitireoglobulina negativos em pacientes com formas gravesde oftalmopatia de Graves. Dosaram anti-TPO, antitireoglobulina, TSI (imu-noglobulina estimuladora de tireóide) e TBII (imunoglobulina inibidora daligação de TSH) e concluem que a combinação de altos níveis de TSI eanti-TPO negativo está associada ao risco aumentado de oftalmopatia clini-camente evidente.

Kasagi revisou testes de função tireoidiana entre 1990 e 1992 na Univer-sidade de Kyoto no Japão que mostravam T4 e T3 normais e TSH abaixo donormal e analisaram a doença de base. O TSAb (anticorpo estimulador datireóide) foi dosado em pacientes com nódulo autônomo, em pacientes euti-reoidianos com oftalmopatia e em pacientes com bócio difuso sem oftalmo-patia aparente, e foi detectado em todos os pacientes dos dois últimos grupose concluíram que a dosagem de TSAb é útil no diagnóstico de Graves subclí-nico em paciente eutireoidianos com TSH abaixo do normal.

BIBLIOGRAFIA

1. Bartley GB, Gorman CA. Diagnostic criteria for Graves’ ophthalmopathy. Am J ofOphthalmol. Jun; 119(6):792-5, 1995.

2. Kasagi K, Takeuchi R, Misaki T et al. Subclinical Graves’ disease as a cause of subnormalTSH levels in euthyroid subjects. J Endocrinol Invest. Apr; 20(4):183-8, 1997.

3. Kazuo K, Fujikado T, Ohmi G, Hosohata J, Tano Y. Value of thyroid stimulatingantibody in the diagnosis of thyroid associated ophthalmopathy of euthyroid patients.Br J Ophthalmol. Dec; 81(12):1080-3, 1997.

4. Khoo DH, Ho SC, Seah LL et al. The combination of absent thyroid peroxidaseantibodies and high thyroid-stimulating immunoglobulin levels in Graves’ diseaseidentifies a group at markedly increased risk of ophthalmopathy. Thyroid. Dec;9(12):1175-80, 1999.

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CAPÍTULO 2 119

Caso 18Caso 18

RELATO DE CASO

J.A.S.M., 49 anos, masculino, branco, com início do quadro hádois meses com febre vespertina (temperatura máxima de 38ºC)associada a calafrios e sudorese. Notou, nesta mesma época, nódu-lo no pescoço doloroso a palpação, sem outros sinais flogísticoslocais. Devido aos sintomas, procurou auxílio médico sendo pres-crito cefalexina e antiinflamatórios não-hormonais por sete dias,com melhora parcial. Nega sintomas relacionados à disfunção ti-reoidiana, odinofagia, disfagia ou dispnéia. Foi internado na clí-nica médica para biópsia renal devido à hematúria microscópicae elevação de escórias nitrogenadas.

O paciente é solteiro, ex-comerciante, natural do Rio de Janeiro.Refere hipertensão arterial e faz uso de enalapril e hidroclorotiazida.

Ao exame físico, PA: 150 × 90mmHg, FC: 118bpm e temperatu-ra axilar: 38,5ºC. O aspecto da pele era normal.

Tireóide aumentada de volume duas vezes, lobo direito maiorque lobo esquerdo, móvel. Nódulo de 3cm em lobo direito, de con-sistência aumentada, doloroso à palpação. Nódulo em pólo infe-rior esquerdo, menor que 1cm, indolor. O restante do exame físiconão apresentou alterações significativas.

Foi solicitada ultra-sonografia da tireóide com punção aspi-rativa de agulha fina (PAAF) do nódulo guiada, além dos exameslaboratoriais (Tabela 2.13).

• Ultra-sonografia: tireóide tópica, móvel com deglutição, como volume aumentado à custa de lobo direito. Lobo direitomedindo 4,4 × 1,6 × 2,2cm difusamente heterogêneo com áreamal definida, predominantemente hipoecóica, ocupando todo

Tabela 2.13Exames Laboratoriais � Hemograma, Bioquímica e Hormônios Tireoidianos

VHS 85 Glicose 89

Hematócrito 36,5% Sódio 144

Hemoglobina 11,8 Potássio 4,6

VCM 84,9 Uréia 72

Leucócitos 9.500 Creatinina 1,9

Diferencial 1/1/68/21/9 TSH 0,042 (0,4-4µUI/mL)

Plaquetas 262.000 T4L 2,1 (0,8-1,9ng/dL)

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120 CAPÍTULO 2

o pólo inferior. Lobo esquerdo medindo 3,6 × 1,4 × 2,2cm,apresentando três pequenos nódulos hipoecóicos e bem defi-nidos, o maior medindo 1,1 × 0,9 × 1,6cm localizado no póloinferior. Realizado PAAF no pólo inferior do lobo direito e nomaior nódulo à esquerda.

• PAAF: o material foi insuficiente.

Paciente manteve febre diária durante as investigações. Ini-ciado propranolol e ácido acetilsalicílico (AAS) 2g/dia. Foi soli-citada cintilografia com captação de iodo de 24h, anticorpos an-titireoidianos e tireoglobulina.

Após uma semana, captação de iodo < 3%, TSH: 0,04µUI/mL eT4L: 4,3ng/dL. Houve elevação significativa das escórias sendonecessária a suspensão transitória do AAS. Manteve a medicaçãopor mais dois meses, e, após um mês, o TSH apresentou-se ligeira-mente elevado com T4L normal. Cinco meses após a internação,seus hormônios tireoidianos voltaram ao normal.

Meu diagnóstico

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CAPÍTULO 2 121

RESUMO DO CASO

Homem de 49 anos, internado eletivamente para investigação de glome-rulopatia, apresentava-se com queixa de dor em topografia tireoidiana efebre há algumas semanas. Palpados nódulos dolorosos em tireóide, sendoiniciada a investigação (ultra-sonografia e PAAF). O exame físico sugesti-vo e o laboratorial confirmaram hipertireoidismo. Melhora da febre apósinício de antiinflamatório não-esteroidal. A baixa captação de iodo radioati-vo de 24h confirmou a hipótese de tireoidite subaguda.

DISCUSSÃO

Tireoidite Subaguda

Doença inflamatória transitória da tireóide, também chamada de tireoi-dite de De Quervain ou granulomatosa de células gigantes. É rara e asmulheres são mais afetadas que os homens. A etiologia é viral, sendonormalmente precedida de infecções do trato respiratório superior. Portan-to, a tireoidite pode obedecer à sazonalidade e ocorrer em situações deagregação geográfica. Os vírus mais comumente envolvidos são o da paro-tidite, coxsackie, ecovírus, influenza, adenovírus. O pico de incidência éem torno da quarta ou quinta década de vida.

São eventos primários na fisiopatologia a destruição do epitélio folicu-lar e a perda da integridade folicular. Haverá liberação de tireoglobulina, T4e T3, pré-formados, produzindo tireotoxicose e queda do TSH. A síntesede hormônios encontra-se interrompida e, portanto, há baixa captação deiodo pela glândula. Posteriormente, quando os estoques de T4 e T3 estãodepletados, desenvolve-se um estado de hipotireoidismo e início de regene-ração do parênquima, restabelecendo o eutireoidismo.

Os folículos afetados são infiltrados predominantemente por célulasmononucleares. Ocorre a ruptura do folículo com perda do colóide parcialou completa. O achado histológico característico consiste em lesão foli-cular com core central de colóide circundado de células gigantes multinu-cleadas. O colóide pode ser encontrado no interstício ou dentro de célulasgigantes (coloidofagia). As alterações nos folículos progridem para forma-ção de granulomas. Quando a doença regride, a histologia é restaurada.

O quadro clínico é representado por dor em topografia de tireóide quepode piorar com movimentos da cabeça ou deglutição. Pode ocorrer irradia-ção para orelha, mandíbula, occípito. À palpação, a glândula é dolorosa, deconsistência firme ou até endurecida, freqüentemente nodular. A pele subja-cente pode estar hiperemiada ou quente. Sintomas gerais estão presentes namaioria dos casos (astenia, mialgias, febre). Sinais e sintomas de tireotoxico-se ocorrem em 10 a 30 dias seguidos de hipotireoidismo e eutireoidismo. A

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122 CAPÍTULO 2

duração da doença pode ser de vários meses. Raros são os casos de exacer-bações repetidas por alguns meses levando ao hipotireoidismo.

Os achados laboratoriais variam com a fase da doença. Na fase ativa:

– VHS e PTN C aumentados;– Leucometria pode estar discretamente alterada;– Tireoglobulina está elevada, correspondendo ao grau de lesão tireoidiana;– TSH suprimido e T4L elevado caracterizando o hipertireoidismo transitório;– Anti-TPO e antitireoglobulina não são detectáveis;– Captação do iodo pela glândula usualmente está reduzida a próximo de

zero nas fases iniciais da tireoidite;– USG (os achados não são uniformes em todas as fases da doença);– Aumento do volume, contornos imprecisos, ecotextura não-homogênea.

Após um mês: TSH alto e T4l normal ou baixo.

No diagnóstico diferencial, a hemorragia de um nódulo prévio podecursar com a síndrome clínica de tireoidite subaguda, porém a função ti-reoidiana é normal e o VHS é baixo. Tireoidite de Hashimoto, na fase agu-da, tireoidite aguda piogênica e tireoidite silenciosa ou neoplasia infiltrantede tireóide fazem parte do diagnóstico diferencial.

No tratamento da tireoidite subaguda, são utilizados antiinflamatóriosnão-esteroidais (AINES) nos casos leves. Nos casos graves, é utilizadocorticosteróide. Em geral, ocorre alívio dos sintomas em 24 a 48h, porémnão há influência no processo de doença. A redução da dose é gradual. Emmédia a duração do tratamento é de 5 a 6 semanas. Os sintomas podemretornar com a interrupção precoce da medicação. As recidivas são mini-mizadas quando se mantém a terapia até que a captação de iodo pela glân-dula retorne ao normal. A tireoidectomia pode ser considerada em pequenaminoria que apresenta recidivas apesar do tratamento apropriado. A recu-peração é a regra. Menos de 1% evolui com hipotireoidismo.

BIBLIOGRAFIA

1. Grenspan FS. The Thyroid Gland. In: Basic and Clinical Endocrinology, 6th ed.Greenspan FS, Gadner DG (editores). MacGraw-Hill, 2001.

2. Larsen PR, Davies TF, Hay ID. The Thyroid Gland. In: Williams Textbook ofEndocrinology, 9th ed. Wilson JD, Foster DW, Kronenberg HM, Larsen PR (editores).WB Saunders Company, 1998.

3. Vaisman M. Estados Infecciosos Inflamatórios Tireoidianos. In: Endocrinologia Clínica,1a ed. Vaisman M (editor). Ed. Cultura Médica, 72-7, 1998.

4. Mizokami T, Okamura K, Hirata T, Yamasaki K, Sato K, Ikenoue H, Yoshinari M,Inokuchi K, Fujishima M. Acute spontaneous hemorrhagic degeneration of the thyroidnodule with subacute thyroiditis-like symptoms and laboratory findings. Endocr J.Oct; 42(5):683-9, 1995.

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CAPÍTULO 2 123

Caso 19Caso 19

RELATO DO CASO

M.G.D., 26 anos, sexo feminino, branca, encaminhada paraavaliação de nódulo na tireóide.

Relata início do quadro há cerca de um ano com aumento devolume na região cervical anterior direita, progressivo. Há quatromeses notou abaulamento na região cervical anterior esquerda.Nega febre, disfagia ou dispnéia. Relata insônia, astenia, diminui-ção do tom da voz, constipação intestinal.

A paciente é vendedora, residente em Duque de Caxias, natu-ral do RJ. Nega cirurgias, alergias, internações, hemotransfusões,hipertensão arterial sistêmica, diabete melito. Relata uso de clor-promazina ½ comprimido por dia. Parto eutócico. Menarca 15anos. Ciclos regulares. Nega gestações.

Pai saudável. Mãe com HAS. Dois tios com doença psiquiá-trica. Nega tabagismo e etilismo. Boas condições de moradia ealimentação.

Ao exame físico, apresentava linfonodomegalia cervical ante-rior direita, confluente, indolor, consistência endurecida; avalia-ção da tireóide difícil.

EXAMES COMPLEMENTARES

• Punção aspirativa com agulha fina (PAAF) da linfonodomegalia cer-vical direita (dezembro/93): ausência de células neoplásicas, compatí-vel com lesão cística.

Formulada hipótese de cisto branquial e solicitada internação na enfer-maria de cirurgia geral.

• Cintigrafia da tireóide com 131I (abril/94): glândula tópica, forma e ta-manho normais com distribuição irregular do radiotraçador. O nóduloassinalado em topografia do lobo direito é hipofuncionante e os dasregiões laterais do pescoço não-funcionantes (gânglios?).

• Ultra-sonografia da tireóide (abril/94): aumento do volume do lobodireito que apresenta textura heterogênea e nódulo sólido de 09 × 14mmem seu pólo superior. Lobo direito com 4,8 × 1,9 × 1,9cm e loboesquerdo com 3,6 × 0,9 × 1,1cm. Múltiplos linfonodos cervicais àdireita. Lesões expansivas císticas de paredes finas contendo vegeta-ções internas em algumas. À direita, localizam-se em cadeia cervicalsuperior medindo a maior cerca de 2,8 × 2,1cm, paralela ao músculo

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124 CAPÍTULO 2

esternocleidomastóideo. À esquerda observa-se lesão cística única de4,2 × 2,8cm, de paredes finas e lisas na região cervical inferior.

Em 19/4/94, a paciente foi encaminhada ao centro cirúrgico onde foirealizada congelação do nódulo em lobo direito e dos linfonodos: carcino-ma papilífero com metástases ganglionares bilateralmente. Decidido portireoidectomia total e linfadenectomia bilateral. A histopatologia da peçacirúrgica confirmou carcinoma papilífero com metástases gangliona-res bilateralmente.

No segundo dia de pós-operatório evoluiu com quadro clínico e labora-torial de hipocalcemia (6mg/dL), sendo introduzido gluconato de cálcio.Posteriormente foi mantida com cálcio Sandoz® (1g VO 6/6h) (26/04/94 –cálcio: 10,2mg/dL) e Rocaltrol® 0,25mg 2×/dia.

• Captação de 131I (maio/94): 0,5% (24h).• Cintigrafia óssea (maio/94): normal.• Pesquisa de corpo inteiro (PCI) com 5mCi (junho/94): resto de tecido

funcionante na topografia de tireóide e órgãos de excreção.• Exames laboratoriais (maio/94): T4L < 0,1Ng/dL, TSH: 75µU/mL,

Ca: 9,0mg/dL, fósforo: 4,9mg/dL.• Radiografia de tórax (maio/94): normal.• Dose terapêutica (junho/94): 150mCi Na131I. Foi mantida com levotiro-

xina em dose supressiva após este procedimento.

Evoluiu com uso de medicamentos de forma irregular sem linfonodome-galia cervical palpável até 2001 e com dosagens de tireoglobulina persisten-temente elevadas, com PCIs negativas e radiografias de tórax normais.

• Níveis de tireoglobulinas: 46; 27,1; 18,1; 30,7; 63,4; 21,5; 121; 99,7;39,3; 91,6; 17,7; 4,9ng/dL.

• Ac antitireoglobulina < 20.• Ultra-sonografia cervical (abril/96): sem tecido tireoidiano.

Consulta no dia 31/1/00: tireóide impalpável. Presença de linfonodomegaliacervical palpável à esquerda. Ausência de sinais de Trousseau e Chvostek.

• Ultra-sonografia cervical (novembro/00): à esquerda, pequena forma-ção hiperecogênica podendo corresponder à cápsula tireoidiana, po-dendo haver resquícios de tecido tireoidiano. Presença de linfonodosem cadeia jugular anterior bilateralmente medindo à esquerda 1,3 × 0,6e à direita 1,4 × 0,7cm.

• Tomografia computadorizada de tórax (outubro/00): normal.

• Tomografia computadorizada cervical (outubro/00): múltiplas adeno-megalias em cadeias cervicais (Figs. 2.2 e 2.3).

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CAPÍTULO 2 125

Figs. 2.2 e 2.3 � Tomografia computadorizada cervical com contraste, mostrando múltiplasadenomegalias em cadeias cervicais, notadamente à esquerda.

Encaminhada ao serviço de cirurgia geral para biópsia de linfonodocervical.

Meu diagnóstico

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126 CAPÍTULO 2

RESUMO DO CASO

Paciente de 34 anos com carcinoma papilífero, que foi submetida àtireoidectomia total e linfadenectomia bilateral com posterior dose de Na131I(150mCi) em 1994. Evoluiu com hipoparatireoidismo pós-cirúrgico.Permaneceu em acompanhamento desde então com uso, por vezes irregu-lar, de carbonato de cálcio, vitamina D3 e dose supressiva de levotiroxina.Tireoglobulina sempre elevada com anticorpo antitireoglobulina negati-vo. Ultra-sonografia cervical mostrou formação hiperecogênica que podecorresponder a tecido tireoidiano e linfonodos em cadeia jugular anteriorbilateralmente e tomografia computadorizada cervical com múltiplas ade-nomegalias em cadeias cervicais notadamente à esquerda e PCIs negati-vas, radiografias e tomografia computadorizada de tórax (com contrasteem 30/10/00) normais, hemogramas normais, último cálcio e fósforo nor-mais. Última consulta com linfonodomegalia palpável em cadeia cervicalposterior esquerda e sem sinais de hipocalcemia.

DISCUSSÃO

Carcinoma Papilífero com Tireoglobulina Elevada e PCI Negativo

Conduta no seguimento do carcinoma diferenciado da tireóide subme-tido à tireoidectomia total ou quase total complementada por ablação actíni-ca do remanescente tireoidiano:

1. Dose supressiva de levotiroxina (níveis de TSH < 0,01µU/mL em altorisco e 0,05 a 0,1 em baixo risco; alguns preferem manter entre 0,3 e 0,4);

2. Nova PCI com 131I 6 a 9 meses após dose ablativa inicial:

– Se anormal, nova dose;– Se normal: a cada 6 a 12 meses T4L, TSH e tireoglobulina séricos

(maior sensibilidade com TSH elevado; valores > 5ng/mL são sus-peitos com ou sem TSH elevado) e radiografia de tórax anual;

3. Nova PCI com 131I se:

– Aumento de tireoglobulina;– Evidência de metástases em exames de imagem ou com marcadores

alternativos;– De Groot recomenda PCI com 131I 1, 3 e 6 anos após dose terapêu-

tica, mesmo com tireoglobulina normal; – Pacientes de alto risco.

Observação: TSH recombinante permite dosar tireoglobulina ou fazerPCI sem suspensão da levotiroxina.

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CAPÍTULO 2 127

Causas de Tireoglobulina Elevada e PCI Negativa

• Metástases difusas muito pequenas para serem detectadas apesar decaptarem 131I;

• Síntese intacta de tireoglobulina com captação de 131I diminuída ouprejudicada;

• Contaminação com iodo;• Níveis de TSH suficientes para induzir síntese de tireoglobulina mas

não para estimularem captação de 131I;• Presença de tecido tireoidiano remanescente;• Efeito gancho (falsa elevação da tireoglobulina);• Ac antitireoglobulina (presentes em 2 a 45% dos pacientes com carci-

noma diferenciado da tireóide): mais comum fonte de erros. O métodode dosagem por RIE superestima ou subestima; por IMA subestima.

Conduta em Pacientes com Tireoglobulina Elevada e PCI Negativa

• Realizar PCI com traçadores alternativos como 201Tl e 99mTc-sestamibi(alta sensibilidade e especificidade associada à tireoglobulina, sem ne-cessidade de suspender levotiroxina);

• Ultra-sonografia, tomografia computadorizada, ressonância magnéticaou cintigrafia óssea para pesquisa de metástases;

• Tratamento das metástases:– Sempre que possível (lesões recorrentes palpáveis) tentar exérese

cirúrgica seguida de radioiodo (100 a 200mCi).– Focos pequenos respondem melhor ao 131I.

BIBLIOGRAFIA

1. Vilar L et al. Endocrinologia Clínica. Editora Médica e Científica Ltda., 2a edição,2001.

2. Wilson JD, Foster DW, Jronenberg HM, Larsen PR. Williams Textbook ofEndocrinology. WB Saunders Company, 9th edition, 1998.

Page 58: TIREOIDE 02

128 CAPÍTULO 2

Caso 20Caso 20

RESUMO DO CASO

S.R.B., feminina, branca, nascida em 29/11/29 (70 anos), comqueixa principal de “tumor de tireóide”.

Paciente atendida pela primeira vez no ambulatório de endo-crinologia em fevereiro de 1985 com relato de tireoidectomia em1980 e totalização em 1983, seguida de dose terapêutica de 131I.Histopatológico evidenciou carcinoma papilífero. Pesquisa decorpo inteiro (PCI) realizada em abril/84 e novembro/84 sem anor-malidades. Evoluiu sem intercorrências neste período, procuran-do atendimento médico no HUCFF para acompanhamento. Relatarouquidão desde a segunda cirurgia. Nega surgimento de novosnódulos ou sintomas compressivos.

A paciente é casada, do lar, natural da Paraíba, residente naIlha do Governador. Possui hipertensão arterial sistêmica há cer-ca de 10 anos em uso de hidroclorotiazida e reserpina. Possuitambém amiloidose cutânea. Refere menarca aos 11 anos, gesta 9para 6, com três abortos, menopausa aos 51 anos. Nega tireoido-patia na família. Nega tabagismo ou etilismo.

Ao exame físico, PA: 140 × 90mmHg e FC: 78bpm.Tireóide impalpável, sem adenomegalia cervical.RCR, com presença de B4, bulhas normofonéticas, sem sopros.

Restante do exame físico sem alterações.

EVOLUÇÃO

Permaneceu em uso de 200mg diários de levotiroxina. Após um ano eseis meses (jan/87) retorna com massa palpável em topografia de póloinferior do lobo direito, endurecida, móvel à deglutição, de 2,5cm de diâ-metro. Solicitada cintilografia de tireóide e ultra-sonografia cervical.

Em setembro de 1987 retorna com resultados:

• Cintilografia: prejudicada pela baixa captação.• Ultra-sonografia evidenciou massa sólida de 2,8 × 2,5 × 2,1cm.

A paciente foi encaminhada à cirurgia, mas não quis operar.

Em abril de 1988 foi realizada biópsia de massa cervical.

• Anatomopatologia: dois diminutos fragmentos com raras fibras mus-culares e tecido adiposo. Material inadequado para diagnóstico.

Em novembro foi submetida à terceira exploração cirúrgica cervical.

• Relato cirúrgico: nódulo tireoidiano em pólo inferior de lobo direito,fixo à traquéia e ao músculo esternocleidomastóideo (MECM).

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CAPÍTULO 2 129

• Resultado histopatológico: tecido de 3 × 2 × 1cm sem cápsula e aoscortes lesão de 2,2 × 1,5cm. Neoplasia com arranjo papilífero revestidopor células anaplásicas; em algumas áreas folículos de tamanho variadosrevestidos por epitélio neoplásico, contendo material colóide eosinofíli-co. A neoplasia infiltra cápsula tireoidiana e músculo esquelético. Con-clusão: carcinoma papilífero infiltrando tecido extra-tireoidiano.

Cinco meses após a cirurgia nota surgimento de nova massa próximo ainserção do MECM de 2,5cm de diâmetro, endurecida, móvel à deglutição.Solicitado cintigrafia e captação (captação: 0,6%, ausência de tecido cer-vical iodocaptante). Interpretado pela cirurgia como possível fibrose e re-encaminhada ao serviço de endocrinologia em novembro de 1990.

Em outubro de 1991, em uso de 250mg de levotiroxina, apresenta TSHde 0,03 (0,4-4,0mcU/mL) e tireoglobulina de 44,5ng/mL. Solicitada ultra-sonografia cervical.

Em setembro de 1995, a paciente retorna com massa de 3 a 4cm dediâmetro, pétrea, aderida a planos profundos. Solicitado exames e avaliaçãoquanto a dose terapêutica: Captação de 1%, TSH: 38µUI/mL e tireoglobu-lina de 80ng/mL.

Conduta: encaminhada à cirurgia.

Submetida à quarta exploração cervical em junho/96:

– Relato cirúrgico: tecido endurecido, com conteúdo cístico, fixo, aderidoà traquéia, músculo esternocleidomastóideo e à jugular interna. Feita res-secção parcial da massa.

– Histopatológico: tecido de 5 × 4 × 2,5cm formado por neoplasia epitelialmaligna com arranjos papilíferos, revestida por células anaplásicas e te-cido fibroso denso. Há pequenas calcificações psamomatosas. O carci-noma papilífero infiltra tecido fibromuscular, vasos e nervos.

– No pós-operatório a paciente foi encaminhada ao serviço de radiotera-pia (RT) externa pelo serviço de cirurgia geral (1996).

Permaneceu em tratamento clínico, em uso de 200mg de levotiroxinacom dosagem seriada de tireoglobulina. Devido ao crescimento lento, masprogressivo, foi reencaminhada ao Serviço de Medicina Nuclear para rea-valiar possibilidade de dose terapêutica.

EXAMES REALIZADOS

• Tomografia computadorizada cervical: lesão expansiva em loja ti-reoidiana (Fig. 2.4).

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130 CAPÍTULO 2

Tabela 2.14Acompanhamento Laboratorial de Carcinoma Papilífero

de Tireóide com Dosagens de TSH e Tireoglobulina

Out/ Nov/ Mai/ Jan/ Set/ Abr/ Out/ Jan/ Abr/Data 91 95 97 98 98 99 99 00 00

TSH (µUI/L) 0,03 38,1 0,85 7,7 0,03 0,077 0,008 0,03 82

Tg (ng/mL) 44,5 80 4,3 26,8 17,6 17,9 19,5 35,3 358

Anti-Tg (UI/mL) � � � � � � � � < 20

Fig. 2.4 � Tomografia computadorizada da região cervical, mostrando massacervical em topografia de tireóide, sem plano de clivagem com a traquéia,medindo 4cm no seu maior diâmetro, estendendo-se até fúrcula esternal.Presença de adenomegalia cervical.

• Tomografia computadorizada de tórax: pequenos nódulos pulmonaresem hemitórax esquerdo superior (2) e direito (1), não se podendo afas-tar a possibilidade de implantes. Pequenos nódulos calcificados em he-mitórax direito superior, aspecto residual. Estrias densas em hemitóraxdireito superior e hemitórax esquerdo inferior. Hilos anatômicos e me-diastino sem evidência de massa ou linfodo.

• Captação = 0,3%.• PCI: captação somente em órgãos de excreção normal de radioiodo.• TSH = 82, Tg = 382, Anti-Tg < 20.

Foi contra-indicada a dose terapêutica e encaminhada para radioterapiaexterna (julho/00, 2.700cGy). A paciente mantém massa pétrea de 4cmaderida a planos profundos, imóvel à deglutição (Tabela 2.14).

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CAPÍTULO 2 131

RESUMO DO CASO

Paciente idosa apresentou carcinoma papilífero sendo realizada tireoi-dectomia total e permanecendo com tratamento clínico com levotiroxina parasuprimir TSH e conseqüentemente o crescimento de tecido tireoidiano.

Apresentou recidiva da doença sendo encontrado tumor infiltrativo, no-vamente ressecado. Cinco meses após apresenta nova recidiva, confirmadacom exame clínico (massa palpável) e tireoglobulina elevada. Como a capta-ção se mostrou baixa, foi optado por nova cirurgia. O tumor novamenteestava infiltrativo e aderido, não sendo possível a ressecção completa.

A paciente continua com níveis elevados de tireoglobulina e a massapalpável, já se manifestando com metástases. O tumor deve ter provavel-mente sofrido desdiferenciação, tornando as células mais indiferenciadas

Meu diagnóstico

Page 62: TIREOIDE 02

a tal ponto que não conseguem mais captar o iodo e assim tornar impossí-vel a realização da dose terapêutica com iodo-131.

DISCUSSÃO

Recorrência Local de Carcinoma Diferenciado de Tireóide

Ocorre em 5 a 20% dos casos.Distribuição: 20% → leito tireoidiano

60 a 75% → linfonodo< 10% → partes moles ou trato aéreo-digestivo

O tratamento da recorrência depende do momento em que é detectada:– Pós-lobectomia → totalização da tireoidectomia + ressecção linfonodal

+ dose terapêutica;– Pós-totalização → ressecção de linfonodo;– Recorrência em trato aéreo-digestivo;

sem acometimento de lúmen → cirurgia + RT externa;com acometimento do lúmen → cirurgia.

A radioterapia externa cervical geralmente é pouco eficaz. A princi-pal indicação é em pacientes acima de 40 anos, com carcinoma papilíferocom extensão extratireoidiana sem resposta ao radioiodo.

As principais complicações são:

• esofagite;• traqueíte;• diminuição do fluxo salivar;• alterações dentárias;• fibrose cervical;• necrose de laringe;• indução de tumor (sarcoma de partes moles);• neuropatia do plexo braquial;• trombose arterial.

O ácido retinóico (AR) é usado pra induzir rediferenciação. Os reti-nóides podem induzir fenótipo mais diferenciado em precursores celula-res indiferenciados, assim como exercer efeito inibitório sobre o cresci-mento. Desta forma os derivados de vitamina A podem ser úteis notratamento de neoplasias.

A ação do retinóide é mediada por receptor nuclear (RAR e RXR), queage como fatores de transcrição ligante dependente.

No carcinoma diferenciado de tireóide, estudos demonstram que tireói-de normal, adenoma e adenocarcinoma apresentam receptor para ácidoretinóide.

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Evidências in vitro do efeito do AR:

• A deiodinase 5´ tipo I possui atividade diminuída no carcinoma dife-renciado de tireóide. O AR aumenta em 10 a 100 vezes a atividade emcultura de célula de carcinoma folicular.

• Há diminuição da expressão de NIS nos casos de desdiferenciação, quesão responsáveis pela não captação de iodo. Ocorre aumento da expres-são do NIS após incubação de células tireoidianas neoplásicas com AR.

• A diminuição da expressão de caderina E está associada a tumor inva-sivo e de pior prognóstico. O AR aumenta a expressão de caderina.

• A molécula de superfície celular relacionada com status de diferencia-ção (FA) também tem sua expressão aumentada com o uso do AR.

• O crescimento celular é inibido pelo AR, que determina diminuição do nú-mero de células neoplásicas em cultura (talvez por indução de apoptose).

Schmutzler comandou estudo clínico com 75 pacientes (40 papilífe-ros, 23 foliculares e 12 CCH). Foram incluídos carcinomas avançados epobremente diferenciados, inoperabilidade devido à extensão local e/ou dis-seminação metastática e ausência de captação de iodo. Foram excluídos oscarcinoma anaplásico e gestantes. Usaram o ácido retinóico na dose de 1,0a 1,5mg/kg/dia por cinco semanas:

Complicações:

• Irritação de pele ou mucosa (45);• Náuseas (5);• Prurido (4);• Sangramento nasal (4);• Queda de cabelo (1);• Artrite (1);• Elevação de transaminases (1).

Resultados:

• A tireoglobulina diminuiu em 11 casos, permanecendo inalterada em 18e elevou-se em 25.

• A captação com iodo aumentou em 21 casos, permanecendo inalteradaem 30 e diminuindo em 1.

• O tumor diminui sua extensão em quatro casos, permanecendo inalte-rado em 11.

BIBLIOGRAFIA

1. Schmutzler e cols. Retinoic acid redifferentiation therapy for thyroid cancer. Thyroid.10:393-406, 2000.

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134 CAPÍTULO 2

Tabela 2.15Exames Laboratoriais de Hormônios Tireoidianos

Exame Resultado V.R.

TSH 1,05 0,4 a 4,0mcU/mL

T4 livre 1,6 0,8 a 1,9ng/dL

Ac antitireoglobulina < 20 < 20U/mL

Ac anti-TPO 12,4 < 15U/mL

Caso 21Caso 21

RESUMO DO CASO

S.S.S., masculino, 31 anos, branco, encaminhado ao HUCFF em27/11/00 para investigação e acompanhamento de tireoidopatia.

Há cerca de onze meses refere aumento progressivo da regiãocervical anterior, com dor local, sem outros sintomas flogísticos.Relata emagrecimento de cinco quilos em seis meses, diarréia lí-quida, tremor, palpitação, irritabilidade, artralgia. Procurou aten-dimento médico, sendo solicitadas dosagens hormonais (TSH:2,7mcU/mL, T4 total: 6,8ng/dL), ultra-sonografia de tireóide e ini-ciado propranolol (PPL) 80mg/d e tapazol 40mg/d.

O paciente é casado, pedreiro, natural do Rio de Janeiro, resi-dente em Nova Iguaçu. Nega outras doenças, alergia medicamentosa,hemotransfusão ou cirurgias. Sua mãe tem diabete melito e é cardio-pata. Pai com doença pulmonar obstrutiva crônica. Irmão em investi-gação de adenomegalia cervical. Nega tabagismo ou etilismo.

Ao exame físico, apresentava-se emagrecido, mas com pele detemperatura normal, ausência de tremor de extremidades e ausên-cia de sinais oculares de oftalmopatia. PA: 110 × 80mmHg, FC:80bpm, altura: 180cm, peso: 59kg, IMC: 18,20kg/m2.

Tireóide palpável, lobo direito aumentado de volume, comnódulo doloroso de 2cm de diâmetro na junção com istmo e outronódulo de 3cm em 1/3 médio.

Restante do exame físico sem alterações relevantes.Inicialmente foram solicitadas novas dosagens hormonais,

anticorpo anti-TPO, hemograma, VHS e cintigrafia de tireóide,sendo mantido PPL e tapazol (Tabela 2.15 e Figs. 2.5 e 2.6).

Três semanas após mantinha queixa de emagrecimento, palpi-tação, tremor e dor cervical. Ao exame: tireóide aumentada, poucomóvel, bastante dolorosa, dificultando a palpação. Adenomegaliacervical e massa supraclavicular ipsilateral. Restante do examefísico sem alterações evolutivas.

EXAMES COMPLEMENTARES (TABELA 2.15)

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CAPÍTULO 2 135

• Ultra-sonografia de tireóide (dezembro/00): lobo direito de 3,4 × 1,5 ×1,4cm, lobo esquerdo de 3,8 × 1,0 × 1,5cm e istmo de 4mm de espes-sura. Nódulo hipoecóico, limites precisos, contorno regular, diâmetrode 1,4cm, fluxo ao color doppler central e periférico. Restante comecotextura normal. Massas nodulares hipoecóicas, homogêneas ao longoda cadeia jugular direita, estendendo-se até fúrcula esternal, sugerindoconglomerado linfonodal. Pequenos linfonodos cervicais em cadeiacervical esquerda. Traquéia desviada para esquerda.

Foi então solicitada punção aspirativa por agulha fina (PAAF) e inter-nação para acelerar investigação.

Na primeira internação (21 a 30/12/00) o paciente foi submetido à biópsiade linfonodo supraclavicular e punção de nódulo tireoidiano em 26/12:

• Aspecto na cirurgia: massa de linfonodos endurecidos e aderidos a pla-no profundo;

• PAAF: Esfregaços e cell block exibindo células foliculares com leve amoderada anisocariose e discariose, com freqüência apresentando nu-cléolo evidente e cromatina granular, ocasionalmente marginação. O ci-toplasma, por vezes, é amplo e finamente granular, sugerindo transfor-mação oxifílica. As células são observadas soltas ou agrupadas emfolículos, sincícios e massas com sobreposição e despolarização nuclear.Compatível com neoplasia folicular, porém os achados sugerem a pre-sença de componente oxifílico, não podendo excluir carcinoma medular.

• Biópsia: neoplasia epitelial maligna com células esboçando arranjo glan-dular. Infiltrado de tecido conjuntivo com intensa proliferação vasculare discreta fibrose.

Figs. 2.5 e 2.6 � Cintilografia de tireóide mostrando lobo direito aumentado de tamanho,com várias áreas hipocaptantes. Massa supraclavicular acaptante.

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136 CAPÍTULO 2

O paciente foi internado novamente (2 a 25/1/01) para tratamento ci-rúrgico de neoplasia tireoidiana, sendo submetido à tireoidectomia total eesvaziamento ganglionar em 16/1/01:

• Relato cirúrgico: o acesso foi a incisão cervical anterior com prolonga-mento até lobo da orelha direita, sendo encontrada tumoração pétrea emlobo direito, fortemente aderida a traquéia, esôfago e músculo esterno-hióide, envolvendo nervo laríngeo inferior. Metástase pétrea aderida àparede anterior de traquéia, à fúrcula (com extensão para mediastinoanterior) e em cadeia jugular. Lobo esquerdo de aspecto normal.

Foi realizada tireoidectomia total, com ressecção do músculo esterno-hióide e secção do músculo esternotireoidiano. Ressecção de metástasespétreas aderidas à fúrcula, cadeia jugular. Paratireóides direitas e nervolaríngeo recorrente não individualizados.

Evoluiu no pós-operatório com hipoparatireoidismo, sendo reposto comcarbonato de cálcio e vitamina D3.

Foi novamente internado (7 a 22/2/01), sendo realizada tomografiacomputadorizada da região cervical e torácica e submetido em 13/02 aesternotomia, quando foi encontrado:

• Massa tumoral endurecida de 6,0 × 4,0cm ocupando o mediastino su-perior, firmemente aderida aos grandes vasos e pequenos gânglios es-curos na gordura mediastinal.

• Histopatológico: carcinoma medular de tireóide metastático e gor-dura livre de neoplasia.

Meu diagnóstico

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CAPÍTULO 2 137

DISCUSSÃO

Carcinoma Medular de Tireóide

O carcinoma medular de tireóide é uma doença maligna infreqüente,representando 5% a 10% de todas as neoplasias malignas da tireóide. Ori-gina-se das células parafoliculares. Em 75% dos casos corresponde à for-ma esporádica e 25%, à forma familiar. Geralmente acomete indivíduosapós 40 anos de idade, sendo um pouco mais freqüente em mulheres.

As três variantes familiares de carcinoma medular estão ligadas aomesmo locus no cromossomo 10q11-2, codificador do gene RET. O geneRET é um membro da família do receptor tirosina-quinase, que codificauma proteína transmembrana. Apresenta cerca 60Kb e pelo menos 21 éxons.O ligante deste receptor é o GDNF/GDNFR-α.

Importância do RET:

– Desenvolvimento do SNC e periférico, desenvolvimento renal (sistemaexcretor renal).

– A identificação de mutação RET levando à perda de função em algumasformas de doença de Hirschsprung demonstra o papel crítico da proteínaRET na diferenciação, proliferação e migração das células da crista neural.

– Esta proteína é mutada em tumores humanos derivados da cristaneural, como o neuroblastoma, carcinoma medular de tireóide efeocromocitoma.

– É também expresso em carcinoma papilífero, resultante de rearranjocromossômico somático.

As variantes do carcinoma medular de tireóide são:

• FamiliaresNEM 2A (neoplasia endócrina múltipla tipo 2A)– Mutação do domínio extracelular, na região rica em cisteína.– Em 95% dos casos detecta-se mutação pontual no éxon 10 (códons

609, 611, 618, 620) ou éxon 11 (códon 634).– Oitenta e cinco por cento das famílias com carcinoma medular e feo-

cromocitoma têm mutação no códon 634. As mutações no éxon 10têm baixa penetrância de feocromocitoma e hiperparatireoidismo.

NEM 2B (neoplasia endócrina múltipla tipo 2B)– Mutação do domínio intracelular.– Em 97% dos casos identifica-se mutação do éxon 16 (códon 918).

FMTC (carcinoma medular de tireóide familiar)– Em 80% dos casos observa-se mutação no éxons 10 ou 11.– Outras mutações descritas: éxons 13, 14 e 16.

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138 CAPÍTULO 2

• Esporádicas– Mutação somática.– Mutação do gene RET é encontrada em 25% a 80% dos casos.– A mutação RET mais freqüente é no éxon 16 (códon 918).– Outras mutações: éxons 10, 11, 13, 14 e 15.– A presença da mutação somática no códon 918 parece estar relacio-

nada a um pior prognóstico.

Os fatores de bom prognóstico são:

– Estágio I e II;– Sexo feminino;– < 45 anos;– Tumor < 10mm;– Negativação pós-operatória da calcitonina;– Calcitonina pré-operatória;– Fatores histopatológicos de mau prognóstico: necrose tumoral, padrão

escamoso, < 50% das células com imunorreatividade para calcitonina.

A avaliação do paciente com carcinoma medular:

Antes da disponibilidade da análise de DNA:

– História clínica;– Teste secretagogo de calcitonina;– Screening de feocromocitoma;– Cálcio e PTH.

Desvantagens:

– Não exclui não-portadores;– Diagnóstico por vezes tardio;– Efeitos colaterais do teste de estímulo de calcitonina diminuem adesão

ao acompanhamento;– Falso-positivo.

Hernandez e cols. realizaram o teste de calcitonina basal e pós-penta-gastrina em 53 membros de três famílias com NEM-2a. A taxa de falso-positivo em não-carreadores foi de 6,6% para dosagem basal e 15,4%pós-estímulo.

Rastreio Genético para Proto-oncogene RET

Vantagem: o diagnóstico mais precoce permite tratamento num estágioinicial de doença, melhorando o prognóstico.

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CAPÍTULO 2 139

Learoyd e cols. publicaram que a tireoidectomia realizada por indicaçãobioquímica revelou carcinoma medular em 98% dos pacientes (44/45) ehiperplasia em 2% (1/45). A indicação cirúrgica baseada apenas em análisegenética evidenciou carcinoma em 43% (3/7) e hiperplasia em 57% (4/7).

BIBLIOGRAFIA

1. Hernandez G, Simo R, Oriola J, Mesa J. False positive results of basal andpentagastrina-stimulated calcitonin in non-gene carriers of MEN-2A. Thyroid.Feb; 7(1):51-4, 1997.

2. Learoyd DL, Marsh DJ, Richardson AL, Twigg SM, Delbridge L, Robinson BG.Genetic testing for familial cancer. Consequences of RET proto-oncogenemutation analysis in multiple endocrine neoplasia, type 2. Arch Surg. Sep;132(9):1022-5, 1997.


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