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11 DO COMUNISMO E DO CAPITALISMO FELICIA: Oh, Sócrates, estou tâo feliz em cncontri-lo por aqui hoje. SÓCRATES: No dia em que nós nos conhecemos, você não estava nem mesmo próxima de um tal entusiasmo. Lembra-se? FELICIA: Isso é porque agora eu parei com as drogas, e estou me dedicando a algo que realmente faz sentido. E é sobre isso que eu quero conversar hoje. Quero que você conheça meu novo amigo, Karl. Ele vem me encontrar aqui dentro de alguns minutos. Ele é uma pessoa extre- mamente importante para mim, pois me deu um grande presente, enorme mesmo: uma causa pela qual viver e tra- balhar. Eu me drogava porque estava à deriva: agora eu encontrei a direção. SÓCRATES: Então, o Karl é seu novo guru? FEIICIA: Pode-se dizer que sim. SÓCRATES: Se ele lhe deu verdadeiramente uma causa pela qual viver, trata-se deveras de um grande presente, sobretudo nesta época, de uma pletora de sentidos e uma escassez de fins. Espero que se trate de um verdadeiro presente, e não de mera aparência do mesmo. FELICIA: É por isso que cu estou tão feliz por você estar aqui, Sócrates. Mal posso esperar para ver vocês dois 173

Comunismo e capitalismo

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11 DO COMUNISMO E DO CAPITALISMO

FELICIA: Oh, Sócrates, estou tâo feliz em cncontri-lopor aqui hoje.

SÓCRATES: No dia em que nós nos conhecemos, você não estava nem mesmo próxima de um tal entusiasmo.Lembra-se?

FELICIA: Isso é porque agora eu parei com as drogas, e estou me dedicando a algo que realmente faz sentido. E é sobre isso que eu quero conversar hoje. Quero que você conheça meu novo amigo, Karl. Ele vem me encontrar aqui dentro de alguns minutos. Ele é uma pessoa extre­mamente importante para mim, pois me deu um grande presente, enorme mesmo: uma causa pela qual viver e tra­balhar. Eu me drogava porque estava à deriva: agora eu encontrei a direção.

SÓCRATES: Então, o Karl é seu novo guru?

FEIIC IA : Pode-se dizer que sim.

SÓCRATES: Se ele lhe deu verdadeiramente uma causa pela qual viver, trata-se deveras de um grande presente, sobretudo nesta época, de uma pletora de sentidos e uma escassez de fins. Espero que se trate de um verdadeiro presente, e não de mera aparência do mesmo.

FELICIA: É por isso que cu estou tão feliz por você estar aqui, Sócrates. Mal posso esperar para ver vocês dois

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AS MflMOUfS COSAS 0 * * 0 *

após o casamento ele continua, se o casamento for bom, um casamento vivo, e nào daqueles mortos. Mas, vqa só! Nào será seu novo amigo chegando? Aquele com um olhar penetrante e um bigodão preto?

FEL1CIA: Sim, é o Karl. Karl, Karl, aqui!

KARI,: Olá, Felícia. Diga, é ele o seu amigo Sócrates de quem você havia falado?

FEUCIA: Sim. Sócrates, este é o meu outro grande pro­fessor, Karl. Espero que os dois possam dividir harmomo- samente minha alma entre vocês.

SÓCRATES: Olá, Karl. Que grande presente é esse, cheio de sentido, que você parece ter oferecido à Felícia? Seja lá o que for, trouxe-lhe um brilho aos seus olhos, uma primavera em seus campos.

KA Kl.: A Felícia trabalha para a causa, agora.

SÓCRATES: Acho que estamos todos trabalhando por alguma causa; do contrário, estaríamos trabalhando por nada. Mas, qual causa? £ essa a questão.

K A R I: A minha causa ê a causa do povo, a causa popu­lar, a causa comum.

SÓCRATES: F. há um nome para essa causa comum?

KARL: Ela se chama comunismo.

SÓCRATES: Claro: a mais comum das causas. Mas nào substituamos uma boa dchnh,ào por um mau trocadilho. Se você é um professor dessa causa, e eu um aprendiz, você responderá minhas questões a seu respeito, nào?

KARL: Com prazer, Sócrates. Dai, então, você também integrará nossa causa?

SÓCRATES: Como posso saber se integrarei algo antes saber do que se trata? Nào devem o conhecimento pre­ceder a ação?

KARL: Na verdade, não. Essa é uma lógica tipicamente

burguesa.

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« T M O t in

dialogarem. Eu não pude vencer os exam es profundos que você fez da minha vida, nem o meu an tigo guru, Psico Pop, foi capaz, mas tenho certeza que o K arl pode. Talvez você até possa aprender algo com ele.

SÓCRATES: Eu posso aprender algo com to d o mundo.

FELICIA: Digo, ele pode acrescentar a lg o à sua sabedoria.

SÓ CRA TES: É bastante fácil acrescen tar a lg o a o nada.

FELICIA: Talvez ele possa lhe dar o m esm o presente que me deu.

SÓ CRA TES: Talvez. M as eu n ào estou à deriva. Eu tenho uma causa pela qual dar a m inha vida.

FELICIA : Fala dos seus q u estion am en tos? S ab e . eu sem ­pre quis perguntar algo a esse resp eito : será que isso pode ser verdadeiramente o seu fim e p ro p ó sito na vida se você nunca chega ao fim? Você só busca p o r b u scar?

SÓ C R A TES: Excelente q u estão , F e líc ia ; de fa to , a m elhor que você já colocou!

FELICIA : E você tem uma excelen te resp osta?

SÓ C RA TES: Ah, m inha boa in fecção p arece estar se dis­seminando, pelo que vejo . Bem , m u ito b em ! O estudante com eça a superar seu professor. E o p ro p o sito d o profes­sor, então, está cum prido.

FELICIA : Você ainda n ão respondeu a m inha q u estão .

SÓ C R A TES: M inha resposta é qu e eu b u sco ta n to pelo buscar em si co m o p elo en co n trar. Se eu n à o buscasse com o objetivo de en contrar, m inha busca seria desones­ta. Qual seria o sentido de b u scar a lg o q u e v o cê n ã o quer encontrar? M as, eu tam bém b u sco co m fins d e um a c o n tí­nua busca. Pois, m esm o q u an d o e n c o n tro um p o u co des­sa coisa que eu sem pre bu sco - a V erdade - cu en co n tro essa outra verdade: que eu n ã o p o sso p a ra r d e procurar.O filosofar se parece com o flerte de d o is a m a n te s , m esm o

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HT» «€irrM __________________________________________________

SÓCRATES: Não sabia que a lógica mesma se dividia cm classes econômicas.

KARL: Bem, essa é uma das novas coisas que você pode aprender comigo. Vocês, filósofos desocupados, têm tem­po para especular, mas o povo não tem. Esse é o proble­ma com vocês: vocês só querem entender o mundo. Nós queremos mudá-lo. Vocês passaram milhares de anos ten­tando entendê-lo; agora ê a hora da ação, para uma ver­dadeira mudança, para a revolução. Ela está chegando. Está acontecendo. Estamos nela agora mesmo, se apenas pudéssemos ver.

ADAM [aproximando-se): Karl, você ainda está ai com a sua história maluca c revolucionária da rale insurgente?

KARL: Adam! O que você está fazendo aqui? Isto nào é lugar para você. Vá para casa c pare de me atormentar.

SÓCRATES: Quem é esse suicito, Karl, e por que você lhe

nega o direto de falar?

KARL: Ele é um inimigo. É um tolo , Sócrates.

ADAM: Nào, ele é o tolo, Sócrates, f o meu irmão mais novo. Ele fugiu de casa há alguns anos, e só se enfiou em encrenca desde então.

SÓCRATES: Isso é verdade, Karl?

KARL: É verdade que ele é meu irm ão, sim. M as, por favor, não espalhe isso por aí. Eu tenho vergonha dele.

SÓCRATES: N ão tema; ninguém por ai presta seus ouvi­dos àquilo que sai de minha boca. M as, por que ele é o inimigo?

KARL: Porque ele está trabalhando contra a causa. Ele é o fardo que eu tenho de suportar, a força regressiva, a força

desumamzante, o sujeito anti-povo. Ele é um capitalista!

SÓCRATES: Uau! Você expeliu essa palavra com o se fos­se uma praga. M as ele é seu irm ão, não é?

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AS M gl><*B COSAS OAtfQA

K A R I.: N i o n o c s p ín to . O m ero acid ente que é term os

a n cestra is co m u n s, o qu e n i o basta para co n stitu ir uma

verd ad eira fratern id ad e.

A D A M : P ois v o cê está negand o suas raízes, é , K arl?

V ocê n i o se lem bra m ais d o v ov ô H ob b es? O u d o bisavô

M a q u ia re i? H,kk‘ >

S Ó C R A T E S : C o m licen ça , vocês d ois, m as an tes que n o s d istra iam o s co m caso s de fam ília , p osso con tin u ar

m in h as q u estõ es para o K arl? Eu qu ero m u ito enrender

p or qu e a Felícia o v ê co m o seu professor.

K A R L : T u d o bem , Só crates. Eu responderei as suas qu es­tões para o bem da Felícia , e talvez para o seu próprio ,tam bém . F e líc ia , ou ça co m cuidado.

F E L ÍC IA : Eu sem pre o fa ço , K arl.

S Ó C R A T E S : E n tã o , K arl, eu ouvi bem que o Adam é seuirm ão , m as n à o o c cm espírito?

K A R L : Sim .

S Ó ( R A T E S: V ocê afirm a, en tào , que é o esp írito que co n ­fere a um hom em sua identidade?

K A R L : N ão , n áo . O esp írito é uma ilu s io . Só existe am ateria .

S Ó C R A T E S : E q u an to à mente?

K A R L : F'squeça isso , im e d u ta m m tt .

S Ó C R A T E S : Uma vez m ais estam os trocand o uma boa defin ição por um m au trocadilho.

K A R L : A m ente é um cpifenòm eno: um efeito , mas n io um a cau sa. O cérebro produz o pensam ento assim com o o fígado produz a bile. O pensam ento é com o o calor gerado pela eletricidade: ele n io faz o trabalho, é apenas dela um subproduto. C om o a lufada de fum aça que sai pelo escap am ento do carro .

S Ó C R A T E S : Entendo. C om o um peido.

K A R L : N ào precisa ser grosseiro.

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Ad

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ffTER K*ttnL 4 | __________________________________

SÓCRATES: Mas é preciso entender. Você não está |usta- niente dizendo que o pensamento c como um peido? Eu não poderia com razão rotular o seu epifenomenalismo de Teoria do Pensamento Flatuloso?KARL: Pedra e pau podem até causar-me mal; mas suas palavras em nada me ferem.SÓCRATES: Não queria ferir, mas apenas rotular adequada mente.

KARL: Bem, você ainda não rotulou adequadamente a minha causa. Não quer ouvir a seu respeito?

SÓCRATES: Certa men te, quero. E também gostaria de ouvir de seu irmão Adam, que esteve nos ouvindo tão pacientemente.

KARL: Não, não gostaria. Ele é um inimigo do povo, estou lhe dizendo.

SÓCRATES: Foi esse o rótulo que me imputaram quando cu fui executado. Eu tenho uma certa simpatia para com vitim as dc falsas rotula^òcs. Assim, eu gostaria de ouvi­dos c, então, decidir se você, ele ou ambos são culpados dc falsa rotularão.

KARL: Está perdendo o seu tempo, Sócrates. Você con­tinua querendo entender as coisas sem nunca chegar a mudá-las. Una-se à minha causa agora e eu lhe mostrarei a marcha real do povo rumo à terra prom etida...

ADAM: Está vendo, Sócrates? Ele sempre foi assim: uni­lateral. Ele não me deixa falar. M as eu o deixarei falar. Sou eu o campeão da liberdade. Um m ercado livre dc ideias - é assim que cu costum o fazer.

KARL: Não se deixe enganar, Sócrates. Só existe verda­deira liberdade sob o comunismo.

ADAM: Isso c absurdo, Karl. Por que, então, o seu povo persegue os dissidentes? C om o você pode dizer que há liberdade sob o controle totalitário?

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AS M flHOW SCOSAS OAVTOA

K ARL: É o povo quem controla. E o controle deve ser total

para que a liberdade seja garantida: livres da pobreza, da

ignorância, do desemprego, da dominação estrangeira...

ADAM: Isso c tudo o que você quer dizer por liberdade?

E quanto à liberdade de pensamento?

KARL: O pensamento é um mero epifenómeno. A verda­

deira liberdade esta no plano do real, no plano da matéria.

ADAM: Está vendo, Sócrates? Você e eu somos irmãos espirituais. Você esta do meu lado, não do dele.

SÓCRATES: M as a liberdade da qual você fala, Adam,não é o livre comércio?

ADAM: Sim. Ele quer que o Estado possua tudo. Eu sou pela liberdade do setor privado. “O melhor governo é o que menos governa".

SÓCRATES: M as, você não vê que a sua definição de liberdade é tão materialista e economicista como a dele?

ADAM; Oh, bem, eu também sou pela liberdade de pen­samento c de expressão.

SÓCRATES: Você parece oferecer esse ponto somente com o um adendo. Como se a economia de mercado fosse o primeiro ponto. Não é verdade; a liberdade de pensamento não é exclusividade do Capitalismo, que não é o fator defi­nidor do Capitalismo, mas que a economia de mercado o é?

ADAM: Sim.

SÓCRATES: Então, você poderia ter capitalismo sem liberdade de pensamento, e também poderia ter liberdade de pensamento sem capitalismo, a principio.

ADAM: M as, na verdade, o capitalismo sempre cami­nhou com a liberdade de pensamento, e o comunismo

sempre esteve em oposição a ela.

SÓCRATES: Pretiro argumentar sobre prinopiot, mais do que sobre fatos históricos. O seu irmão me desaconselhou a fazê-lo. Você também me desaconselha?

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n n * kmêêttL a _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ADAM: Não. Fu »ou toulm ente a favor do princípio de livre pensar e livre expressão. £ por isso que você deve ficar do meu lado. Você foi executado por defender a liberdade de expressão, não foi?

SÓCRATES: Por que você acha isso?

ADAM: Eu li diversas vezes aquela obra-prima que é o seu discurso em seu julgamento. E uma de minhas gran­des inspirações.

SÓCRATES: A A p olog ia . você quer dizer? Você deve tê-la mal compreendido diversas vezes, então. F.u nunca falei em liberdade de expressão.

ADAM: Não foi por isso que você foi executado?

SÓCRATES: Não. Eu fui executado por haver corrompi­do a juventude do Estado e por não acreditar nos deuses do Estado.

ADAM: M as, você mesmo aponta no seu discurso que a real acusação que caía sobre você era de ser um filosofo.

SÓCRATES: Isso é verdade.

ADAM: E um filósofo é um livre pensador.

SÓCRATES: Um filósofo c um am ante da sabedoria. Aca­so um amante descia a liberdade acim a de tudo? Não dcsciaria o amante, sobretudo, estar eternam ente atado ao seu amado?

ADAM: Você concorda com o K arl, então, que o direito ao livre pensar e à livre expressão não são importantes?

SÓCRATES: N ão.

ADAM: Por que, então, você não invoca esses direitos na sua Apologia?

SÓCRATES: Porque eles não faziam parte de minha defe­sa. Minha vida não estava devotada a eles com o meu bem primeiro.

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A S t« lH O a n C O *A S Q A V (tt

ADAM: A que ela se devotava, cntào?

SÓCRATES: Sabedoria e virtude. A verdade e o bem.

ADAM: M as, n io é necessária a liberdade de pensamentoe expressão com o meios para essas coisas?

SÓCRATES: Talvez, embora eu n io veia como a liberdadede e x p reu ã o sq a necessária a elas.

ADAM: Por que não?

SÓCRATES: Se uma coisa é necessária a outra, então, quando se tira a primeira coisa, nio se poderia obter asegunda, não é assim?

ADAM: Sim.

SÓCRATES: Bem, então, você acha que quando te reti­ra de uma pessoa seu direito à liberdade de expressão, remove-se também sua sabedoria e sua virtude? Quando um prisioneiro é atado e amordaçado, torna-se ele tolo evicioso?

ADAM: Não.

SÓ( RATES: Então, a liberdade de expressão n io é neves-viria a sabedoria c nem à virtude.

ADAM: Você está se opondo á liberdade de expressãoagora, com o o Karl?

SÓI RATES: Certamente, n io . Eu só disse o que cu disse: i|ue ela não é necessária à sabedoria ou à virtude.

ADAM: A liberdade não é importante, então?

SÓCRATES: Eu tampouco disse isso.

ADAM: Mas ela não é importante para as coisas mais elevadas, a sabedoria e a virtude?

SÓCRATES: Nem tampouco disse isso. Existe um outro tipo de liberdade que parece ser absolutamente necessário à liberdade c à verdade, que c o simples livre-arbítrio, a liberdade que todos nós temos, por conta de nossa natu­reza mesma. Isso não nos foi dado pelo Estado e nem

Ui

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n n i»rtfcrrupode ser removido pelo Estado - nem m esm o um Estado

to ta litário - , e náo carece, p ortan to , de ser defendido co n ­

tra o Estado. Isso parece se con clu ir logicam ente, não?

A DA M : N io ? Precisam os defender nossas liberdades?

K A R I.: Está vendo. Adam ? O Só crates está m ais d o meu

lado que do seu. lem b re-se , foi o seu a lu n o Pia r io quem

inventou o com unism o, antes de to d o m undo, na sua R ep u b lica .

SÓ C R A T E S: Tem o que esse seja m ais um erro de com p re­ensão dos textos. P latão, de fa to , escreveu sobre um tipo

de com unism o, se com isso você se refere à a b o lirã o da

propriedade privada. M as, isso só se ap licaria ás peque­nas classes dom inantes, e n á o a toda a p op ulação. M as,

Adam , eu ainda n áo encerrei o ca so co m você. Ainda tenho de entender quais são suas finalidades. V ocê apren­

deu quais sáo as m inhas - sabedoria e virtude - m as cu

náo sei quais são as suas, em bora cu c que devesse esfar

questionando e aprendendo com você, e n áo o contrário. Esse seu sistem a preferido deve ser pretendo p or alguma

ra/Jo. Que razão é essa? Por qu e m otiv o o ( apita lism o ê

m elhor? A qual fim ele e um melhor meio?A D A M : Prosperidade, Sócrates. As nações cap italistas

tem um padrão de vida m u ito m ais e levad o que as nações

com unistas. O nosso sistem a fu n cion a, o deles n áo . A his­

tória )á fez o teste e provou que estáv am os cerros.

SÓCRATES: Entendo. O cap ita lism o c um m eio m ais efi­

ciente à prosperidade. E a que serve a prosperidade? Ê ela um fim , ou m eio a um fim ulterior?

ADAM : Serve a o que se queira qu e ela s in a . Você ta/ sua

fortuna e, en táo , está livre para gasta la com o hem quiser.

Ve, nós remos liberdade e eles n io .

SÓ C R A T E S: O seu sisrema ca p ita lis ta , en tã o , n i o lhe o fe ­

rece o fim, mas tão-somente o s m eios.

Page 11: Comunismo e capitalismo

AS MCIMOBS COfiAS O * *OA

ADAM: Stm. Você c livre para escolher sua própna fina­lidade. O Estado não a dita para você.

SÓCRATES: Mas, se você não sabe qual é o verdadeiro fim da vida humana, como pode saber que os meios pro­vidos pelo capitalismo são bons?

ADAM: Não entendi.

SÓCRATES: Um meio só pode ser considerado bom se atraves dele alcançamos o fim do qual ele ê meio, não é?

ADAM: Sim.

SÓ ( RATES: Uma pá é um bom meio para se escavar, e um mau meio para se comer; um garfo é um bom meio para se comer, mas um mau meio para se escavar.

ADAM: Certo. Os meios são relativos.

SÓCRATES: Relativos aos fins, sim. Então, bem, supo­nhamos que os fins aos quais eu devotei minha vida - sabedoria c virtude - são de fato fins verdadeiros. Eu não lhe provei que eles o sejam, mas você tampouco provou que eles não o são. Então, t jlir z assim seja. Bem, se a sabedoria c a virtude são os verdadeiros fins da vida humana, e a prosperidade não é um bom meio para a obtenção da sabedoria c da virtude - se pessoas ricas não forem necessariamente melhores ou mais sábias que pessoas pobres - então, a prosperidade não é uma coisa assim tão boa no fim das contas. Não é verdade que uma coisa deriva da outra?

ADAM: Mas, c claro que a prosperidade c algo bom. lo d o mundo a quer. Todo mundo está de acordo quantoa isso.

SÓCRATES: Exceto os seus homens sábios. E como deve­mos medir os bens, pelos padrões dos sábios ou pelos padrões dos tolos?

ADAM: Dos sábios. Mas...

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PCTEffKftEETr

SÓ CRA TES: E cntào? N ào c verdade que todos os sábios advertem quanto às tentações dos bens m ateriais? N ào c verdade que Jesus tratou disso com mais frequência do

que de qualquer outra coisa?

ADAM : M as, Sócrates, qual você afirm a ser o fim do Esta*

do, se nào a prosperidade c a liberdade para alcançá-la?

SÓ C R A TES: A virtude.

ADAM : Isso é uma tolice, Sócrates. A virtude nào p<»de ser da conta do Estado. O Estado nào pode tornar as

pessoas virtuosas. Esse c o erro do Karl e da sua causa.

São as pessoas que fazem o Estado, e não o contrário . No meu sistem a, o Estado não impede o indivíduo de perse­

guir a justiça. M as, ele tam bém nào tenta im por a virtude.

SÓ C R A TES: M as, você acha que um Estado nào tem

nada a ver com a virtude? O Estado nào pode pelo menos

tornar as coisas m ais fáceis para que as pessoas seiam

virtuosas? N ào seria essa uma boa definição de um bom

Estado? “Aquele Estado no qual é fácil scr virtuoso é um

bom E stad o". Parece ser o que resta quando rejeitam os

a ideia de que o Estado nos to r r u virtuosos e a ideia de

que o Estado não tem absolutam ente nada .1 ver com a

virtude. Algo razoável, uma posição interm ediária.

A DA M : Por que você rejeita a ideia de que o Estado

não tem absolutam ente nada a ver com nos tornarm os

virtuosos?

SÓ C R A T E S: Você quer separar m eios c fins. Estado c vir­

tude, com pletam entc?

A D A M : Q u ero que o Estado deixe as pessoas livres.

S Ó C R A T E S : E n ào as ajude a rum ar para a virtude?

A D A M : N ão se for à força.

SÓ C R A T E S: E toda ajuda se im põe por m eio da força?

ADAM : N ão . M as eu qu ero m anter a liberdade.

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Page 13: Comunismo e capitalismo

As»*i>oc$co«ASOAvefc

SÓCRATES: Acaso toda aiuda para que se rume à virtu­

de exclui a liberdade?

ADAM: Depende do tipo de ajuda, eu acho.SÓCRATES: Tomemos um exemplo. Ê verdade que um bom pai aiuda seu filho a caminhar na virtude?ADAM: Sim.SÓCRATES: E é verdade que um bom pai respeita a liber­dade da criança?ADAM: Sim.SÓ CRA TES: E seria a aiuda para a conquista da virtudeuma ameaça à liberdade da criança?

ADAM: Nâo, necessariamente.

SÓ CRA TES: Então, por que nào poderia o Estado fazer omesmo com seus cidadãos?

ADAM: Porque os cidadãos são adultos, nào crianças. Você quer tom ar o Estado paternalista.SÓCRATES: Ou matemalista. Sim, quero. Vê, eu nào acho que nós de fato sejamos adultos espiritualmemc - jamais. Você acha que tenha acabado de progredir navirtude?ADAM: Nào, mas nào é o Estado quem deve ser nossotutor m oral.

SÓ ( RATES: 0 negócio do Estado são os negócios,entào?

ADAM : Sim.

SÓ C RA TES: E no seu sistema, a prosperidade vem docapital?

ADAM : Sim.

SÓ C R A TES: E o capital c um lucro?

A DAM : Sim.

SÓ C R A T E S: E o lucro nào é automático, mas nos chega som ente por meio dc um esforço inteligente?

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» n u m — r t

ADAM: Sim.SÓ C RA TES: Então, o seu sistem a é basead o na m otiva­ção pelo lucro.

ADAM . Sim.

SÓ C R A TES: Sabe co m o os m oralistas cham am a m otiv a­ção pelo lucro?

A DA M : C om o?

SÓ C R A T E S: G anância.

A DA M : As m otivações de um a pessoa n ão sã o da conta do Estado, Sócrates.

SÓ C R A T E S: Ah, são sim . Sem essa m o tiv ação - d ecla ­radam ente viciosa e im oral por quase tod os o s grandes m oralistas - o seu sistem a n ão fu nciona. O que vocè acha que aconteceria a uma n ação cap italista se cad a indivíduo praticasse o desapego de Jesu s, Buda ou m esm o I horeau?

A D A M : A econom ia entraria cm co lap so .

SÓ C R A T E S: Exatam ente. E n tão , o E sta d o en co n tra parte de seu fundam ento no cam po da m oralid ad e. M a s n ã o se tra ta , con tu d o , de uma virtude; c um vício .

K A R L : Parabéns, Sócrates. Você dem oliu a lou cu ra do meu irm ão m alvado quase tã o bem c o m o eu o fa ria . A go­ra você entende que deve aderir ã m inha ca u sa . O cap ita lism o é baseado na ganância . E n tão , |untc-sc a m im para elim inar a ten tação g an an ciosa . R em oven d o a p ro p ried a­d e privada rem ove-se a possibilidade da g a n â n cia .

S Ó C R A T E S : O h , in feli/m ente n ã o , n ã o rem ove. Porque eu n ão poderia ser tã o g an an cio so pela p rop ried ad e d o E stad o c o m o pela propriedade d o meu v i/in h o ?

K A R L : O E stad o c o povo. O E stad o é m eu v izin h o .

S Ó C R A T E S : E n tã o , cu p osso co b iça r a in d a m ais d o que o m eu vizinho tem .

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AS MELMOKS COISAS DA VOA

K A R I: Mas ao menos o meu Estado aumenta a possi­bilidade de as pessoas serem virtuosas, como você diz. A tentação da ganância é muito menor, pois não existe esperança de se acumular um tesouro privado. As pessoas sào muito mais gananciosas em relação ao que esperam obter do que àquilo de cuja obtenção não hi esperança.

SÓC RATES: É essa a razão pela qual você quer eliminar a propriedade privada? Por ela nos tentar a uma ganância imoral?

KARI.: Na verdade, não. Essa não é minha motivação, mas a sua. Mas nós podemos trabalhar pelo mesmo fim, ainda que tenhamos diferentes razões para tanto.

SÓCRATES: Quais são suas razões, senão as mesmas que as minhas, para querer abolir o capital e a proprie­dade privada? E por que você não compartilha da minha razão?

KARI.: Eu não sou um moralista, como você. Lcmbrc-sc,cu sou um materialista, um realista.

SÓC RATES: Percebo. Quais são suas razões, então?

KARL: Para abolir o capital?

SÓC RATES: Sim.

KARI.: Ele c o instrumento pelo qual os ricos oprimem os pobres. Por meio dele, os ricos ficam mais ncos e os pobres mais pobres. Aqueles que não o tem devem ven­der se a si próprios e a sua mào-de- obra. O capitalismo aliena e desumaniza as massas.

SÓCRATES: Isso soa bastante moralista para mim. Mas, ao invés de partirmos numa longa investigação do senti­do de todos esses termos complicados que você utiliza, deixe-me apenas colocar-lhe uma simples questão. Qual é a fin alidade do seu sistema?

K ARE: Nós superamos a alienação e a distinção de clas­se, e atrelamos tudo à causa comum.

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frrf » Kwerr

SÓ C R A T E S: Causa com um - o que é isso?K A R L: D o Estado, você quer dizer?

SÓ C R A T E S: Sim .

K A R L: A p rodução, é c laro . N ós rem ovem os os m eios dc produção dos opressores c fazem os com que eles retor­nem a o povo.

S Ó C R A T E S : Eu n ão estou perguntando q u e m m as o q u ê . A p rod u ção é o seu fim ? Produção de quê?

K A R L : D c tudo aqu ilo de que o povo necessita. S Ó C R A T E S : C oisas.

K A R L : Sim . M as as coisas são para o povo.

S Ó C R A T E S : Para que o povo as tenha?

K A R L : Para que o povo as utilize. A finalidade d o Adam é ter; a m inha é utili/ar. A dele ê o bem privado, a minha é o bem com um .

S Ó C R A T E S : Q u er se trate dc ter ou de usar, e de coisas qu e e stã o am bos tra tan d o , então.

K A R L : í c la ro .

S Ó C R A T E S : E m uitas co isas constituem a prosperidade.

K A R L : Sim .

S Ó C R A T E S : E n tão , o seu fim c o m esm o que aquele de seu irm ão : prosperidade m aterial. É som ente o seu m eio qu e d ifere.

K A R L : A h, isso n ão !

S Ó C R A T E S : Q u a l, en tã o , ê a d iferen ça de fins entre vocês?

K A R L : E le está a serv iço de uns p ou cos, e cu , da m aioria.

A D A M : Isso é m en tira , Só crates . M eu sistem a c para a m a io ria , tam b ém . O ca p ita lism o faz t o d o s enriquecerem .E a h istó ria prov ou isso .

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AS M f L X M K COCAS M MO*

K A R l.: Seu idiota! O passado pertence a você, mas o futuro pertence a nós. N ós triunfaremos!

SÓ C R A T E S: M as, K arl, ainda que você esteia certo e se»a você o cam peão das multidões, enquanto que Adam o cam peão de uns poucos, ainda que você trabalhe para os pobres enquanto Adam trabalha para os ncos, ain­da assim , ê a mesma finalidade que vocês buscam: você para a m aioria e ele para uma m inona ou para a m aio­ria: riquezas. E não há nada de novo aí. f uma velha resposta ã questão fundamental do sum m um b on w n , o bem suprem o. Am bos os sistemas são apenas dois novos meios sociais com o mesmo fim de sempre. Se o fim não ê bom , que grande diferença faz saber qual c o meto que a ele conduz m ais eficazmente?

K A R L e A DA M : ||untos| Ah, isso não!

SÓ C R A T E S: O que você acha de tudo isso, Felicia?

FF.LICIA: Sócrates, acho que você fez aquilo de novo! Você “desguruzou" meu guru. Ele não é melhor que seu irm ão. K arl, sinto m uito, mas eu devo pensar muito maisa esse respeito antes de aderir à sua causa.

K A R L: Felicia, esse falastrão a seduziu com uma ferra­menta burguesa decadente, a especulação abstrata. Você está (ogando fora a possibilidade de agir em troca de m eros pensam entos. Som os nós que mudaremos o mun­do. sabe. enquanto você estará aí, com esse mero pensa­dor. a pensar m eram ente nesse caso.

F E U C IA : A cho que eu tenho de pôr ordem em minha própria vida antes de mudar o mundo, Karl. Se eu não sei realm entc o que ê o bem , com o posso aiudar os outros aencontrá-lo?

K A R L: Essa é m ais uma sedução, Felicia: individualismo. Você não percebe que todos os seus pensamentos são pro­dutos sociais? Eles não têm validade independente.

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K « £ F T

FELICIA : Neste caso , K arl, o m esm o vale para você e seus pensamentos. A ideia de que todas as idéias são meros produtos sociais é tam bém um m ero produto social, e a idéia de que as idéias não tém validade independen­te tam pouco tem validade independente. A sua teoria refuta-se a si m esm a. Por que eu deveria ouvi-lo? Se vocé estiver certo , vocé é incapaz de co n tro lar o m odo com o sua língua sacoleja em sua boca. Vocé não e senão um produto das forças sociais que o determ inam , tanto com o o é Sócrates.

K A R L : A i, Felicia, você se to m o u um a pensadora lógica burguesa decadente.

FE L IC IA : A i, K arl, vocé se tornou um insultador. em lugar de um sábio.

SÓ C R A T E S: E v o c ê se tornou uma filósofa de primeira ordem , F elicia ! Eu n ão poderia ter feito m elhor nesse últi­m o debate.

FE L IC IA : O b rig ad o - ach o . Isso m e cu stou um a am izade. Lá vai ele , ab o rrec id o , co m seu irm ão.

S Ó C R A T E S : A verdade é sem pre am iga m elhor d o que aqueles qu e dela n ão su p ortam a co m p an h ia .

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