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eduarda-davidovic
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Somos todos iguais? Reagimos de maneiras parecidas aos mesmos estímulos independentemente do lugar do mundo que vivemos? A resposta é não. Somos seres culturais únicos, com nossos códigos e significados impregnados em cada tomada de decisão do nosso dia a dia. Este livro é um estudo com base em conceitos da antropologia e da neurociencia de como nós, mais especificamente a sociedade cubana, isolada do mundo há mais de 50 anos, reagiria a estímulos publicitários tão óbvios para a sociedade capitalista, mas tão raros na ilha. Aqui você encontrará uma breve análise de alguns códigos fortes e marcantes para essa sociedade, como o que é dinheiro e consumo, que nos ajudarão a desvendar os mistérios nas entrelinhas das entrevistas feitas na pesquisa de campo pela autora.
Citation preview
1
DUDA
DAV IDOV IC
UMSEMCOCACOLA
2
Para
A vida,
Que me levou até uma praia deserta em Cuba e me fez acreditar no meu destino.
3
Ao meu orientador, Prof, Dr. Everardo Rocha, pela inspiração e apoio ao longo do projeto.
A minha mãe Mônica e ao meu pai João, por toda a vida.
As minha irmãs Júlia e Joana, por serem o que tenho de mais
precioso.
A minha tia Denise, que acreditou em todos os meus sonhos,
sempre.
Ao meu namorado Pedro, pelo carinho e apoio a cada dia.
A Olivia e Ivan, os australianos que foram como anjos da guarda e me colocaram na minha estrada em Cuba.
AGRADECIMENTOSAGRADECIMENTOS
4
A Renyer, o amigo que me mostrou a pureza das ruas cubanas.
A Lívia e Chico, os brasileiros que me levaram ao momento mais inesquecível da minha vida.
A Frank Amegah, o exemplo e amigo que me mostrou o quão precioso é amar e perseguir nossos sonhos.
A Kellen Julio, por sempre olhar com os olhos apaixonados meu
projeto.
As minhas amigas Bruna e Clara, que riram e choraram comigo
desde crianças.
5
“Torna-te quem tu és”
Friedrich Nietzsche
6
Sumário Introdução
1) O que são códigos culturais
2) Conceitos Neuromarketing
3) Um resumo sobre Cuba
4 )Estudo de Casos
Conclusão
Referência
Recortes
7
13
29
49
87
110
119
123
7
Introdução
Os imperativos publicitários permeiam o dia a dia
de diversas sociedades durante distintas temporalidades.
“Compre”, “pague”, “beba”, “coma”, “siga”, “vote”, entre
outros, vagam entre a maioria das culturas do mundo em
que vivemos na forma de diferentes discursos e narrativas
históricas: do socialismo de Fidel Castro ao capitalismo de
W. Bush, do catolicismo da Roma antiga ao budismo dos
mais antigos templos na Índia, imperativos travestidos de
homens barbudos em ternos e com ar de notável responsa-
bilidade, à ratos com calça dançando e cantando no maravi-
lhoso mundo de Walt Disney. Disfarçados ou não, é difícil
estar imune aos estímulos publicitários, e que inegavelmen-
te, como um call to action, pretendem gerar uma reação: o
consumo.
Com o passar do tempo, a evolução dos meios de
comunicação e a avalanche de informações que convive-
mos, esses imperativos publicitários ganham outras formas
8
e se revestem com uma nova roupagem que não deixa mais
a criança inocente saber se quem está por detrás é o lobo mau
ou o homem bom. Como o autor Clotaire Rapaille relata
em seu livro O Código Cultural (2007), diversas marcas,
com intuito de atingir o consumidor de uma forma muito
mais eficaz, buscam entender a cultura de cada país e seus
códigos que permeiam os diferentes gestos e elementos da
vida dessas sociedades. Assim, slogans como “Beba Coca-
-Cola” se adapta a esse novo conceito e passa a ser “Viva a
felicidade”; “Coma Mc Donalds” se transforma em “Amo
muito tudo isso”, ambos com a finalidade de significar de
uma forma mais relevante e pertencer ao universo cultural
de cada indivíduo.
O fato é que cada cultura do mundo é única, assim
como sua história e formação. Amor nunca significará a
mesma coisa para um americano e um francês, assim como
fé nunca será entendida da mesma forma por um indiano e
um brasileiro. Pessoas de diferentes culturas sempre inter-
pretarão um sorriso, um gesto, uma palavra, e até uma pia-
da de maneiras totalmente distintas, e é nessa singularidade
9
que residem os códigos culturais. Assim, quando nascemos
em uma determinada cultura, crescemos e aprendemos seus
códigos, e os mesmos se tornarão, a partir de impressões
marcantes, inerentes à nossa forma de pensar e agir. Quan-
do buscamos uma explicação na neurociência, as estruturas
mentais que ligarão a experiência vivida ao seu código mais
adequado serão chamadas de schemas, sendo determinantes
para a formação das reações a todos os estímulos que con-
vivemos. Logo, se cada cultura é única, a resposta de cada
indivíduo cultural a um estímulo será único também.
É diante dessa singularidade que o país Cuba foi escolhido
como recorte para estudo deste trabalho, fundamentalmente por
ser uma das últimas nações genuinamente socialistas, isolada
a mais de 50 anos do mundo capitalista, da globalização, mas
principalmente da quantidade enorme de estímulos publicitários
que convivemos. Dentre todas as particularidades da sua
formação econômica e cultural, passando desde a independência
do país após quatro séculos de dominação colonial espanhola, o
apoio e também “estrangulamento” pelos EUA da sua liberdade
recém conquistada, até a Revolução de 1959, que se mantém
firme, porém não tão mais forte, em Cuba há mais de cinco
10
décadas sobre o comando de Fidel Castro, veremos mais
detalhadamente, afim de ajudar nos estudos de caso que se
seguirão: os diferentes códigos culturais e significados de
como o que é ser cubano nos dias de hoje, o que é líder e
o papel do Estado, e principalmente qual é a relação dos
cubanos com os códigos de dinheiro e comprar.
A autora também apresentará para melhor entendi-
mento e interpretação do leitor a importância e presença
dos códigos culturais no comportamento das diferentes
sociedades e como convivemos com eles, muitas
vezes sem ter consciência do seu pertencimento em cada
tomada de decisão. Assim, da mesma forma que não se es-
colhe em qual barriga materna nasceremos, não poderemos
também optar por qual cultura pertenceremos, uma vez que
ela será aprendida em uma tenra idade através de impres-
sões marcantes.
O projeto apresentará também conceitos provenien-
tes da neurociência e neuromarketing que buscarão dar base
para o entendimento de como interpretamos alguns estímu-
11
los e mensagens. Assim, veremos as diferentes formas de
pensar do cérebro e como em que tipo de situação agimos
por instinto, racionalmente ou emocionalmente, além de
conhecer a motivação que teremos ou não para escolher
uma dessas formas em uma tomada de decisão. O trabalho
não visa ditar regras universais onde nossas redes neurais
agiriam e reagiriam de forma semelhante em todas as situ-
ações apresentadas independente da cultura de cada indiví-
duo, mas sim mostrar os diferentes mecanismos neurológi-
cos e algumas funções que nos ajudarão a interpretar o que
se passa enquanto decidimos por uma coisa e não outra.
Por fim, a motivação para esse projeto é buscar en-
tender as particularidades das diferentes reações referentes
a três tipos de estímulos publicitários – noção de preço x
qualidade, satisfação imediata, e nível de entendimento na
complexidade de uma mensagem – na sociedade cubana.
Assim, a partir de entrevistas feitas na pesquisa de campo
no país, onde os interlocutores cubanos foram questionados
sobre quais seriam suas escolhas diante de três peças publi-
citárias, além de entrevistas sobre consumo, dinheiro e polí-
12
tica, será possível estudar suas diferentes reações baseadas
nos conceitos que serão estudados nos próximos capítulos e
na particularidade dos seus códigos culturais.
Entender a essência das nossas escolhas é uma tare-
fa que está longe de ser concluída. A constante mutação das
culturas e do indivíduo enquanto ser pensante e cultural não
permitirá que o caracterizemos a partir de regras e limita-
ções. Cuba e seus cidadãos também fazem parte desse uni-
verso complexo e inexplicável das ações e reações huma-
nas, com um porém: é um país que se manteve congelado
no tempo e não pertenceu a evolução devastadora da infor-
mação. A importância desse projeto, por sua vez, é de apre-
sentar uma reflexão sobre de que forma uma nação como a
cubana, isolada economicamente há cinco décadas, reagirá
diante do conflito dos seus códigos com certos estímulos
publicitários tão óbvios à nossa sociedade capitalista, mas
tão raros dentro dos muros invisíveis da ilha.
13
O que são códigos culturais
Capítulo 1: O que são códigos culturais
1.1) Códigos culturais e sua influência no comportamento
das sociedades
1.2) Códigos culturais aplicados na lógica de branding e con-
sumo
14
1.1) Códigos culturais e sua influência no comportamento
das sociedades
A pergunta sobre o que é o homem perdura desde
tempos muito remotos na existência da raça humana, e,
diante da sua complexidade, continua sem uma respos-
ta precisa e exata. Sabemos que o homem é diferente do
animal, embora ainda sirva a alguns instintos em situações
extremas. Necessita de condições básicas para viver como
ar, água, alimento e morada, embora alguns seres dessa es-
pécie precisem de águas francesas engarrafadas, comidas
de restaurantes caros e casas com centenas de metros qua-
drados para sua simples subsistência. Se qualificam como
humanos e repelem com asco as suas variações que não se-
guem regras de etiqueta e moral humanas.
A questão é que a antropologia, sociologia, ciência,
entre outros, há séculos tentam desvendar, todas com muita
propriedade, a verdadeira e única resposta para essa per-
gunta um tanto quanto paradoxal. Diante da particularidade
do homem, existiria uma resposta universal?
15
José Carlos Rodrigues em seu livro Antropologia e
Comunicação: Princípios Radicais (1989: 18) escreveu:
O crucial do enigma ai está: jamais existirá uma iden-tidade humana única, re-sultante de uma espécie de consenso universal; encon-traremos porém, ao mesmo tempo, inesgotáveis manei-ras, todas elas profunda-mente humanas, de compre-ender o que se deve designar por humano.
Se as respostas que dão significado sobre o que é o
homem são múltiplas e particulares, então podemos con-
cluir que talvez a única singularidade dessa espécie é exata-
mente a sua diferença.
No mundo das espécies não humanas, os sinais, in-
transformáveis, inerentes à sua existência e sobrevivência,
determinam cada passo e ação a serem dados. As abelhas,
por exemplo, nascem com seus papéis dentro do grupo e
tarefas intrinsecamente determinadas: nascem rainhas ou
operárias, alimentam os ovos no seu primeiro estágio de
vida, ajudam as outras operárias em uma segunda etapa, e
16
só depois saem da colméia para alcançar alimento (Rodri-
gues, 1989: 28), mas, diferentemente da espécie humana,
não conseguem ultrapassar esse universo comunicacional
que lhes pertence organicamente.
O homem, por sua vez, necessita aprender todo um
universo comunicacional e simbólico que já está inserido
no ambiente, e, para pertencer ao mesmo, é indispensável
que adira à ele. Assim, diante de uma perspectiva humana,
a cor preta, por exemplo, pode significar luto para um gru-
po, mas ao mesmo tempo festa para outro, uma brisa pode
significar paz, como também um mal pressagio. O homem,
por sua vez, inserido nesta ou naquela sociedade, nasce e se
adapta às convenções, e, para sua própria sobrevivência, se
torna uma espécie social.
A partir da aversão do ser humano ao caos, ao ale-
atório, esse organiza o ambiente a sua volta assegurando a
existência do grupo, criando valores, expectativas e intera-
ções até antes inexistentes, ou seja, ele cria códigos signi-
ficacionais que serão a base de convivência daquele grupo.
17
A esse conjunto de regras e interações podemos chamar de
cultura, e ela será única para cada sociedade, da mesma for-
ma que será linha mestre indispensável de cada uma delas.
Sobre a cultura, José Carlos Rodrigues em seu li-
vro Tabu do Corpo afirma que “Viver em sociedade é viver
sob a dominação dessa lógica e as pessoas se comportam
segundo as exigências dela, muitas vezes sem que disso te-
nham consciência.” (1979:11). Sendo assim, a cultura é um
fator presente e ativo na vida de todos os homens, assim
como todos os códigos que a formam, ela é inevitável, do-
minadora, excludente, faz parte do ser humano sem que o
mesmo tenha consciência, é irreversível. Da mesma forma
que o homem não determina a barriga materna que espera
para conhecer o mundo, não é possível escolher a cultu-
ra quando se nasce. É uma questão de adaptação, aprender
para sobreviver, ou simplesmente não sobreviver.
Esse novo ser cultural, por exemplo, terá seu apren-
dizado baseado nos códigos de cada experiência vivenciada
deste novo mundo que habita. Tomemos a experiência cul-
18
tural de um jovem árabe: ele descobrirá que na sociedade
em que vive a mulher é propriedade do homem, pois sua
mãe toda vez que sai para rua precisa se esconder com uma
burca e só poderá tira-la no seu lar cujo dono é o homem
que casou; que Deus é o detentor único do seu destino, pois
isso lhe será ensinado no templo toda vez que tiver que ajo-
elhar para rezar o alcorão, entre outros. Cada código que o
rodeia terá significados que determinarão sua maneira de
ver e interagir com o mundo. Se esse mesmo jovem é apre-
sentado a uma cultura americana, por exemplo, onde a mu-
lher é independente e trabalha, e que cada indivíduo tem o
direito por lei de buscar e traçar seus planos, ele achará no
mínimo tudo muito estranho pois ali não verá seus códigos,
não verá sua essência.
A essa discriminação da sociedade do “eu” e a so-
ciedade do “outro”, onde o “outro” será o diferente, pois
sua cultura e códigos são distantes da “minha”, surgirá o
que o antropólogo Everardo Rocha chamou de etnocentris-
mo (O que é etnocentrismo, 1988). Assim, segundo o autor,
a inconsciência desse mundo significacional que nos rodeia
19
chamado de cultura, será talvez o fator mais comum entre
os homens.
Etnocentrismo é uma visão do mundo onde o nosso pró-prio grupo é tomado como centro de tudo e todos os ou-tros são pensados e sentidos através dos nossos valores, nossos modelos, nossas de-finições do que é a existên-cia. (Rocha, 1993: 7)
É a partir desse tipo de visão distorcida que diversas
sociedades do mundo apresentaram suas justificativas
para as guerras étnicas e religiosas, que o processo de
catequização das Cruzadas nas Américas foi tão doloroso para
os nativos, assim como outros acontecimentos similares a esse tipo de
transgressão da cultura durante toda a história. Assim, a dificuldade que
impede as sociedades de entenderem o “outro” será a mesma que as
continuará impedindo de conhecerem a si mesmas.
20
1.2) Códigos culturais aplicados na lógica de branding e
consumo
Aprendemos a conviver com cada código cultural
da nossa sociedade. Acreditamos pertencer à forma corre-
ta de existir, enquanto vemos o “outro” agindo tão erro-
neamente e diferentemente de nós. Antes de questionar o
porquê desses códigos serem tão fortes e presentes em nós,
devemos entender como eles se tornam tão inerentes à nos-
sa existência.
O antropólogo Clotaire Rapaille, em seu livro O Có-
digo Cultural (2007) manifesta sobre a aprendizagem dos
códigos culturais em cada sociedade ressaltando que “quan-
to mais forte uma emoção, mais nitidamente uma experiên-
cia será aprendida” (2007:6). Seriam nas nossas primeiras
experiências que vivenciaríamos fatos tão emocionalmente
marcantes, que, por sua vez, guiariam nossas impressões
sobre o mundo durante nossa existência.
Imagine como exemplo uma criança que é adverti-
da por sua mãe a não tocar na panela sobre o fogo pois a
21
mesma está quente e queimará sua pele. A criança, por sua
vez, desrespeitando a ordem até então sem fundamento da
mãe, toca a panela e se queima, sentindo muita dor. Pronto.
A dor, fruto da desobediência, criará ali um primeiro código
para a situação: perigo. Esse código estará gravado a partir
daquele momento emocionalmente marcante, guiando to-
dos os próximos momentos de decisão em que esse código
será ativado.
A combinação de experiên-cia e emoção cria algo am-plamente conhecido como um imprint (impressão mar-cante), termo usado pela primeira vez por Konrad Lorenz. Quando ocorre uma impressão marcante, ela condiciona fortemente nos-so processos de pensamento e confere forma às nossas ações futuras. Cada impres-são marcante ajuda-nos a tornar aquilo que realmente somos (Rapaille, 2007:6)
Assim, quando um americano e uma americana dão
a luz a uma criança, eles na verdade estão colocando no
mundo um pequeno americano que descobrirá através de
cada impressão marcante a como ser e agir como um le-
22
gítimo estadunidense. Da mesma forma, as outras culturas
moldarão os seres sociais que a pertencem. É válido ressal-
tar que cada uma delas, conjunto de símbolos e significados,
é passível de transformação, e encontrará no deslocamento
do tempo e da história suas próprias impressões marcan-
tes, responsáveis também pela sua formação e reformula-
ção. Assim, quando os EUA sofreram em 11 de setembro
um ataque terrorista que derrubou não só os dois maiores
prédios da cidade de NY, mas sim um dos mais importan-
tes símbolos do capitalismo, essa cultura certamente sofreu
uma impressão emocional que abalou alguns dos seus códi-
gos mais importantes como segurança e inimigo.
A questão é que se conseguimos mapear quais são
esses códigos e porquê eles são tão fortes para um grupo,
é possível de forma muito mais efetiva moldar e manipular
uma mensagem para atingir esse indivíduo. Se as culturas
são como jóias únicas lapidadas por seus códigos, quando
uma marca se comunica massivamente, sem se preocupar
com o valor e característica de cada uma, ela perde a opor-
tunidade de comunicar uma mensagem única e preciosa
23
também. Assim, da mesma forma que a cultura é inerente
a sobrevivência humana e das sociedades que convive, ela
deverá ser elemento crucial para as marcas que desejam ul-
trapassar os limites da mediocridade.
Cloraire Rapaille (2007), durante suas sessões de
descoberta1 realizadas para grandes multinacionais em
busca de um input mais certeiro para atingir seus consu-
midores, desvendou quais seriam alguns dos códigos que
estariam por trás do discurso dos seus entrevistados quando
questionados sobre suas experiências sobre um determi-
nado assunto. Segundo o antropólogo, para essa análise o
mais importante seria olhar para a estrutura das mensagens
e não seu conteúdo (2007: 19). Ora, se as culturas são de
uma forma ou outra organizadoras do caos significacional
de uma sociedade, então, se buscamos um código dentro de
uma mensagem, ela só poderá estar naquilo que a sustenta. 1. Nas sessões de descoberta de Rapaille é organizada uma pesquisa qualitativa a partir de pequenos grupos, onde na primeira hora o interlocutor assume o papel de um astronauta do espaço que precisa entender os conceitos mais básicos. Na hora seguinte, os participantes são convidados a sentar no chão como crianças e fazerem exercícios cognitivos. Já na terceira hora os participantes são convidados a deita-rem, e totalmente relaxados, voltarem às suas lembranças mais antigas sobre o assunto.
24
Sendo assim, essa estrutura será comum àqueles que
pertencem ao mesmo universo significacional, a mesma
cultura, sendo possível delimitar um código comum para
suas mensagens.
A partir deste conceito, podemos entender porque
a comunicação de algumas marcas, mesmo que em nível
inconsciente, são tão efetivas. Tomemos como exemplo o
código cultural para bebida na cultura francesa e americana.
Os franceses são acostumados pelos pais desde uma tenra
idade a ingerirem bebidas alcoólicas, ensinando aos filhos
que o vinho, por exemplo, acentua o sabor dos alimentos
de uma forma prazerosa. Os americanos, por sua vez, man-
tém os filhos totalmente afastados da bebida, imprimindo
o rótulo de proibição até eles atingirem a idade certa pela
lei para esse tipo de consumo pois o álcool seria intoxican-
te e pode levar ao comportamento irresponsável. Assim, a
impressão marcante sobre a bebida é atingida em uma ida-
de rebelde da adolescência desse americano, e ao invés de
encará-la como um prazer para se degustar junto à comida,
se torna uma ferramenta inebriante, ou seja, para se ficar
25
bêbado exclusivamente.
Diante desse quadro, quando questionados nas ses-
sões de descoberta de Rapaille sobre qual o significado para
bebida, as lembranças dos americanos entrevistados reve-
lavam situações onde resgatavam um sentido muito pode-
roso, como algo que muda seu organismo e te deixa fraco,
em situação de perigo, que faz você se “sentir vulnerável”2,
e pensar que “iria morrer”, letal. A conclusão de Rapaille
seria então que o código cultural americano para bebida é
arma (2007: 141). Assim, marcas de bebida como o uís-
que Colt .45 tem o nome de um revólver e a divulga em
letras de rap violentos, e a cerveja Anheuser-Busch faz sua
comunicação com a imagens de cães de caça e distribuem
“Equipamento de caça Oficial da Busch” com copos e porta
cervejas camuflados, como se estivessem na guerra. A partir
do código cultural delimitado para bebida, essas e outras
marcas atingem esse consumidor na raiz de suas impressões
mais marcantes.
2. Trecho retirado das entrevistas recolhidas nas sessões de descoberta conduzidas por Clotaire Rapaille.
26
Outro exemplo é de como a empresa francesa de
cosméticos L’Oréal teve que aprender os diferentes códigos
culturais para beleza nos países que atua para atingir uma
comunicação mais efetiva dentro desta pluralidade cultural.
Enquanto as americanas investem em lipoaspirações, sili-
cones e clareamento dental, as francesas podem gastar duas
horas em frente ao espelho se arrumando para ficarem mais
naturais possíveis. Assim, se uma mulher francesa parece
propositalmente maquiada ela tem grandes chances de ser
confundida com uma prostituta, além do que se ela demons-
trar que está tentando atrair propositalmente um homem
será um forte indicador de desespero. Já na cultura inglesa,
onde os homens vêem somente em outros homens um om-em outros homens um om-
bro amigo verdadeiro para falar sobre seus sentimentos e
gastam a maioria do seu tempo em bares e em pubs, as mu-
lheres inglesas se sentem deixadas um tanto de lado, o que
as levam a se arrumar exageradamente, usarem roupas de-
masiadamente chamativas, isso tudo numa tentativa, muitas
vezes frustrada, de chamar atenção do sexo masculino.
27
Os depoimentos das mulheres americanas sobre
sedução nas sessões de descoberta de Rapaille (2007: 42)
estão cheias de situações desagradáveis e constrangedoras,
de momentos em que elas, ao invés de chamarem atenção
positivamente com um vestido novo, ou com o amadureci-
mento da puberdade, se sentiram diminuídas ou ameaçadas
pelos homens. A partir disso, onde mesmo as mensagens
se diferenciando, a sua estrutura se baseia em experiências
negativas, onde elas se exergavam como “bonecos” ao in-
vés de seres humanos, situações até caracterizadas como
“nocivas” por essas mulheres, nos levando a pensar que o
código americano para sedução seria então manipulação.
A mulher americana não se sente seduzida por um homem,
e sim manipulada, pois para ela provavelmente ele estará
fazendo isso para conseguir algo e depois a deixar.
Se as mulheres americanas quando se sentiam sedu-
toras ligavam seu sentimento diretamente a uma situação
que em fossem manipuladas, a L’Oréal tomou a decisão
de afastar-se do código. Enquanto os anúncios eram muito
sensuais na França, a publicidade para as americanas de-
28
veria fugir de uma conotação sexual, focando no sentir-se
bem consigo mesma. Surge então o slogan “Porque você
vale muito”3, evocando genuinamente o código e conver-
sando diretamente com essa consumidora.
Da mesma forma que as nossas impressões sobre o
mundo estão culturalmente codificadas, as marcas devem
entender e pertencer a esse universo significacional à medi-
da que desejam fazer parte da experiência desse ser huma-
namente cultural.
3. Tradução do slogan original em inglês Because you’re worth it
29
Conceitos Neuromarketing
Capítulo 2: Conceitos Neuromarketing
2.1) Os cérebros e suas formas de pensar
2.2) O que são shemas
2.3) Como nossos cérebros “sentem”
30
2.1) Os cérebros e suas formas de pensar
Penso, logo existo. A famosa frase do filósofo fran-
cês René Descartes (1596-1650) talvez sintetize melhor o
que somos, e a impossibilidade de ser se não possuíssemos
um órgão tão fundamental e precioso como o cérebro. Esse
emaranhado de neurônios e massa cinzenta é o responsável
pelas nossas ações mais vitais como respirar ordenadamente
de forma a garantir a oxigenação do corpo humano, e tam-
bém raciocinar ao ponto de descobrir a teoria da relativida-
de. É dentro dessa caixa orgânica misteriosa que tomamos
decisões, nos tornamos e externalizamos quem somos. E,
como um quadro em branco, o cérebro humano absorverá a
cultura, de forma que essa se tornará parte tão fundamental
para a tomada de decisão quanto uma conexão sináptica.
Portanto, não é difícil con-cluir que as estruturas neu-rológicas são, até uma me-dida considerável, formas vazias que as diferentes cul-turas preencherão diferente-mente, e que os complexos emocionais assim formados estarão a serviço das dife-rentes sociedades, como mecanismos avaliadores e
31
controladores da observân-cia e não observância das normas comportamentais culturalmente constituídas. (Rodrigues, 1989: 121)
Embora a cultura seja sim fator determinante sobre
a forma que reagiremos a certas situações e casos, o cérebro
humano apresenta muito mais complexidades na sua essên-
cia e formação. O ser humano é capaz de ao mesmo tempo
amar, odiar, sentir medo e perigo, sentir desejo por um par,
pensar, criar, raciocinar, etc. A cada uma dessas ações uma
parte específica do cérebro é ativada de forma à cumpri-la,
podendo dividi-lo primariamente em 3 partes que explicarei
mais detalhadamente a seguir: reptiliano, límbico e córtex
– responsáveis pelos instintos, emoções e inteligência res-
pectivamente.
32
Para Clotaire Rapaille o cérebro reptiliano é a nossa
herança do que um dia todos nós teríamos sido diante da
evolução das espécies, répteis (2007: 15),. Diferentemen-
te do cérebro límbico e córtex, ele é inerente a todos os
seres humanos desde o nascimento. Sem ele, nem a nossa
e nem nenhuma outra espécie teria permanecido já que o
mesmo nos programa para duas principais coisas: sobrevi-
ver e reproduzir. É a partir dele que somos guiados a agir
por instinto, prevalecendo sobre todos os outros estímulos
na tomada de decisão.
Podemos tomar como exemplo o conceito de beleza
em diferentes sociedades. Numa sociedade esquimó, uma
mulher bela fatalmente será uma mais gorda, já que ela será
nitidamente um indicador de que possui capacidade de so-
brevivência devido à sua reserva de gordura e energia, e
caso seja escolhida para reprodução, provavelmente seus
filhos nascerão com as suas qualidades biológicas. Pode-
ríamos encarar a beleza, portanto, como uma dimensão do
cérebro reptiliano, mesmo que o nosso racional nos alerte
que talvez esse não seja o padrão esquálido das capas de
33
revista (Rapaille, 2007: 22).
Se o cérebro reptiliano pertence à nossa espécie, o
córtex, responsável pela parte motora e intelectual do indi-
víduo, é adquirido, segundo Rapaille (2007), logo depois
dos 7 anos de idade. Quando aplicado um teste a um grupo
de crianças menores que essa idade e outro maior, a dife-
rença do desenvolvimento do córtex é visível. Tomemos
duas bolas de massa de modelar exatamente com a mesma
quantidade de material, forma e tamanho. Quando os dois
grupos são questionados se as esferas são iguais em peso e
tamanho, ambos os grupos responderão que sim. Mas, se
transformo uma das esferas em uma forma achatada como
uma cobra e pergunto novamente, o primeiro grupo respon-
derá que não são iguais, pois ainda não possui a capacidade
de raciocinar com esse nível de complexidade, enquanto o
segundo argumentará o porquê o são (Lehrer, 2009).
A capacidade do córtex cerebral de raciocinar nos
induz a sempre tentarmos justificar nossas escolhas. Assim,
quando compramos uma Land Rover 4x4 Off Road de 100
34
mil reais para dirigirmos pelo asfalto liso e novo das ruas
de São Paulo, nosso córtex busca um álibi intelectual para
isso. Ele nos dirá “preciso de um carro desses pois gosta-
ria de ser aventureiro e tirar um fim de semana com meus
amigos para ir para o interior”, enquanto na verdade é o seu
cérebro reptiliano comanda a decisão dizendo “preciso ser
grande e forte para assustar meus inimigos e mostrar que
sou o líder do grupo”.
Segundo Clotaire Rapaille, “os álibis funcionam
porque parecem legítimos. Eles nos dão bom motivos para
fazermos as coisas que queremos fazer de qualquer jeito”
(2007: 158). Assim, mesmo que nos esforcemos muito para
racionalizar nossas escolhas, o instinto de sobrevivência e
reprodução do cérebro reptiliano falará mais alto e guiará
nossa tomada de decisão, mesmo que inconscientemente.
Enquanto no cérebro do instinto (reptiliano), pré
programado à nossa existência, sabemos da grande proba-
bilidade da não intervenção da cultura, não podemos falar o
mesmo do cérebro límbico, responsável pelas nossas emo-
35
ções. “As emoções são a chave para o aprendizado, a chave
para gerar impressões marcantes”, segundo Clotaire Ra-
paille (2007: 17), pois são a partir delas que aprenderemos
nossos códigos culturais.
Assim, será em uma tenra idade que seremos educa-
dos pela cultura através de experiências que nos marcarão
emocionalmente, e essa depositará seu conhecimento e o
armazenará incondicionalmente no nosso cérebro límbico,
fazendo-nos regatá-lo sempre que for preciso ativar o mes-
mo. Assim, usando o exemplo descrito no primeiro capitulo
deste trabalho (p. 17), uma criança que desobedecendo as
ordens da mãe coloca a mão na panela quente e gera a partir
de uma experiência emocionalmente marcante seu primei-
ro código para a situação, perigo, aprenderá, inserido den-
tro de uma cultura, outros códigos para outras situações da
mesma maneira.
Muito tempo se pensou que o homem alcançaria a
perfeição se conseguisse racionalizar todas as suas deci-
sões. Como podemos ver, isso é praticamente impossível,
36
pois dependemos do emocional e será nele que nossas im-
pressões mais marcantes sobre o mundo serão ativadas. Pla-
tão usou uma analogia bem simples para entendermos um
pouco desse paradoxo. Imagine o seu cérebro como uma
carroça, a qual temos os cavalos, que a puxam, e o seu mo-
torista, que determina a direção e destino dela. Os cavalos
seriam a nossa emoção, que são a força das nossas vidas,
que nos empurram e nos fazem sentir sentimentos dos mais
variados, que nos fazem “cavalgar” vida a fora. Já o moto-
rista seria a razão, que canaliza toda a força da emoção para
um rumo certo, um destino apropriado, ou não, para essa
avalanche incontrolável de sentimentos e força (Lehrer,
2009: 10). Sem o motorista viramos loucos desenfreados,
sem os cavalos ficamos alheios e apáticos ao mundo.
Uma situação interessante é a descrita pelo autor Jo-
nah Lehrer em seu livro How we decide (2009: 15), onde
algumas pessoas que possuiam tumores na região límbi-
ca, responsável pela emoção, tiveram a mesma danificada,
descobrindo-se que elas se tornaram incapazes de fazer es-
colhas simples como tomar um café ou um suco no café
37
da manhã. Sem a emoção elas ficaram incapazes de decidir
sobre as coisas mais banais da vida.
2.2) O que são shemas
Enquanto vimos que as estruturas neurológicas do
nosso cérebro serão, até de certa forma, quadros vazios
onde as culturas preencherão com seus códigos significa-
cionais, podemos sintetizar que os schemas serão, por sua
vez, a estrutura mental usada para organizar e simplificar
esse conhecimento sobre o mundo à nossa volta, como ve-
remos a seguir.
Os estudos sobre o que são schemas caminham en-
tre a neurociência e psicologia desde o século XIX, quando
o neurocientista Sir Henry Head originalmente descreveu o
termo como body schema:
38
Como modelo postural do corpo que organiza ativa-mente e modifica “as im-pressões produzidas pelos impulsos sensoriais que chegam de tal maneira que a sensação final de [corpo] posição, ou de localização, se eleva para a consciência carregado com uma relação a algo que aconteceu antes “.4
Ou seja, teríamos noção da representação das dife-
rentes partes do nosso corpo a partir de “modelos organiza-
dos de nós mesmos” (Head & Holmes, 1911: 189), que por
sua vez seriam ativados regatando um aprendizado passado.
O psicólogo Jean Piaget, que teve como um dos
seus trabalhos mais reconhecidos o estudo sobre o desen-
volvimento cognitivo das crianças (Piaget, 1952), acredi-
tava que os schemas seriam categorias do conhecimento
que nos ajudariam a entender e interpretar o mundo. Não só
isso, os schemas não seriam somente o conhecimento em si,
mas sim a forma com que aprendemos e reaprendemos ele.
Assim, da mesma forma em que os códigos são aprendidos
4. http://en.wikipedia.org/wiki/Body_schema
39
através de experiências marcantes, os schemas teriam a fun-
ção de resgatar esse conhecimento e ligá-lo à experiência
atual vivida.
Um schema ou scheme (PL--schemata) é uma estrutura cognitiva geral de conhe-cimento, o que representa domínio sobre aspectos es-pecíficos de experiências perceptivas de um indivíduo (de pessoas ou objetos) e as respostas comportamentais ou seqüências de ação gera-dos por essas experiências .5
Tomemos um exemplo usado por Jean Piaget (1952)
onde uma criança vê pela primeira vez um cavalo. Ela sa-
berá que ele é um animal, grande, com um rabo comprido
e peludo, e que anda sob quatro patas. Toda vez que essa
mesma criança ver algum cavalo, ela ligará o significado
aprendido à situação vivenciada e formará portanto um
schema para essa situação. Se essa mesma criança vê um
pônei e por suas características acredita ser o mesmo um
5. http://www.nature-nurture.org/index.php/future-direction/apprai-sals/schemas-vs-appraisals/
40
cachorro, quando seus pais a ensinarem que na verdade um
pônei é um cavalo bem menor, através dessa experiência,
seu schema existente será modificado e a nova informação
aprendida.
Sir Frederic Bartlett, psicólogo britânico, definiu
schema como “uma organização ativa de reações do passa-
do, ou de experiências passadas, que supostamente sempre
deveriam estar operando em qualquer resposta bem adapta-
da organicamente” (Bartlett, 1932: 201). Assim, da mesma
forma que os códigos culturais e significados culturais são
aprendidos em uma tenra idade e se perpetuam pela vida do
homem, os schemas serão inerentes a esse aprendizado e
pertencente à tomada decisão.
Os schemas são freqüentemente compar-tilhados dentro das culturas, permitindo as comunicações de atalho. Nós tendemos a ter schemas que usamos com mais freqüência. Ao interpretar o mundo, vamos tentar usar estes em primei-ro lugar, indo para os outros, se não forem suficientemen-te adaptáveis.6
6. http://changingminds.org/explanations/theories/schema.htm
41
A noção de qualidade baseado em preço, forte-
mente vivido pela cultura capitalista, é um dos exemplos
claros da força inconsciente dos schemas na nossa tomada
de decisão. Baba Shiv, neuroeconomista da Universidade
de Standford (EUA), aplicou uma pesquisa em um grupo
de jovens, os quais experimentaram um drink energético
que os fariam se sentirem mais alertas e acordados. Alguns
participantes pagaram o preço cheio para adquirirem a be-
bida, enquanto foi oferecido ao resto um desconto. Após
ingerirem o drink, o grupo foi confrontado com um teste
de lógica. Shiv percebeu que as pessoas que compraram a
bebida com desconto resolveram 30% menos questões do
teste do que as pessoas que pagaram o preço cheio (Lehrer,
2009: 147). O drink energético mais barato seria menos efe-
tivo que o mais caro? Na verdade não. Em muitas situações
nós assumimos a partir de schemas já constituídos que o
que é mais caro será sempre melhor em qualidade do que
é mais barato. Esses schemas, por sua vez, serão baseados
nos códigos culturais desse participante, reafirmando a in-
terdependência dos dois.
42
Como no exemplo, basearemos esse tipo de decisão
no que podemos chamar de uma situação placebo, onde nos-
so cérebro racional, o córtex, acreditará que essa é a verda-
de absoluta, baseada nos códigos e schemas já aprendidos,
distorcendo ou ignorando totalmente a realidade. Assim
como um remédio feito de farinha que funciona como um
placedo para o corpo humano à medida que juramos que
esse medicamento surtirá algum efeito, esses schemas serão
peça chave para aplicarmos o mesmo conceito sobre nossas
decisões.
43
2.3) Como nossos cérebros “sentem”
O cérebro talvez seja o órgão mais complexo e mis-
terioso da existência humana. Não caberá a este trabalho
explicar cada ligação neurológica e suas funções, e muito
menos tirar conclusões sobre as diferentes formas de toma-
da de decisão a partir de fenômenos isolados e particula-
res envolvendo essa indecifrável caixa orgânica repleta de
massa cinzenta. Mas será papel da autora alertar que toda
correlação entre o que se entende por cultura e o que se en-
tende pelas diferentes formas de agir e reagir baseados nas
funções cerebrais são tão adaptáveis e flutuantes no tempo
e espaço quanto os códigos e significados são para uma so-
ciedade. Ou seja, entende-se que se o cérebro é simples e
puramente orgânico, e a cultura e seus códigos são, por ele,
bens adquiríveis, então a reação do cérebro dentro de cada
cultura também será diferente não pelo órgão em si, mas
pela influencia direta do aprendizado dos seus significados.
Assim, ao mesmo tempo que a morte de um ente
querido em uma cultura ocidental provoca tristeza e dor em
44
seus parentes e amigos, em uma cultura indígena poderá
despertar sentimentos de alegria e libertação, fazendo em
algumas situações que até mesmo o sacrifício seja escolhi-
do para que esse indivíduo “vá em paz”. Enquanto o código
cultural para morte no primeiro exemplo é um, no segundo
será o oposto. No primeiro caso teremos uma experiência
emocionalmente negativa, a qual será encarada pelo nosso
cérebro como um estímulo totalmente distinto do segundo
caso, por sua vez positivo. Será o caráter desse estímulo
que ditará como organicamente reagiremos: positivamente
ou negativamente, ou como veremos a seguir, dopamina ou
insula.
Todos nós já sentimos alguma sensação de prazer ou
recompensa em nossas vidas. Às vezes ela se revela na for-
ma de uma intensa felicidade inexplicável, outras em uma
palpitação no coração, ou até mesmo como uma carga de
energia que parece ser injetada em nossas veias. Em 1954,
dois neurocientistas, James Olds e Peter Milner, descobri-
ram a importância de um neurotransmissor chamado do-
45
pamina7 que ajuda a regular as resposta emocionais, assim
como a sensação de recompensa e prazer no cérebro. Mas
foi na década de 70 que Wolfram Schultz, neurocientista da
Universidade de Cambridge, em um experimento com ma-
cacos para descobrir como resgatar movimentos de pacien-
tes humanos com Parkinson, descobriu o porquê e como a
essa substância nos move afim de alcançarmos prazer em
algumas ações (Lehrer, 2009 : 35).
O experimento seguiu a seguinte forma: era soada
um buzina bem alta e logo em seguida servido suco de fru-
tas dentro da boca dos macacos. Monitorando as atividades
elétricas nas células desses animais, foi possível perceber
que quando o suco era entregue, havia uma explosão da
substância dopamina. Após algumas vezes feito o exercí-
cio, esses mesmos neurotransmissores começavam a se es-
7. A dopamina é um neurotransmissor que ajuda a controlar a recom-pensa do cérebro e centros de prazer. A dopamina também ajuda a regular o movimento e as respostas emocionais, e isso permite-nos não só para ver recompensas, mas de tomar medidas para se mover em direção a eles. Resultados deficiência de dopamina na doença de Parkinson, e as pessoas com baixa atividade da dopamina podem ser mais propensos ao vício. A presença de um certo tipo de receptor de dopamina também está associada com a sensação de busca. (http://www.psychologytoday.com/basics/dopamine)
46
palhar ao som da buzina, e não mais somente quando o suco
era entregue. É como se os macacos tivessem aprendido o
padrão de recompensa e fossem capazes de prevê-lo. Mas,
se em uma certa situação o sinal sonoro toca e o suco não é
entregue, o padrão é violado e a produção de dopamina cai
profundamente. Essa situação de erro será então gravada
pelo cérebro, assim como a de recompensa (Lehrer, 2009:
36).
No nosso dia a dia nos confrontamos com diversas
situações onde inconscientemente buscamos o prazer da re-
compensa sem ônus. Um exemplo nítido é quando efetua-
mos uma compra com cartões de crédito. Imagine que você
vá até uma loja e escolha comprar uma televisão no valor
de mil reais. Se você abre a carteira e tira em notas o valor
referente ao eletrodoméstico, claramente ela pesará menos
da mesma forma que você sentirá e verá a perda desse di-
nheiro. Você terá o sentimento positivo de recompensa por
ter adquirido a TV, mas ao mesmo tempo o sentimento ne-
gativo de perda por ter consciência do dinheiro gasto. Mas,
se pagamos o mesmo valor com o cartão de crédito, muitas
47
vezes até mesmo dividindo o preço em várias parcelas, essa
sensação de perda se extingue, pois não conseguimos ra-
cionalizá-la, sobrando somente a sensação de recompensa.
Essa falha possui origem nas nossas emoções, que tendem a super valorizar ganhos imediatos (como um novo par de sapatos) em relação ao custo de futuras despesas (high interest ra-tes). Nossos sentimentos são guiados pelo desejo de recompensa imediata, mas eles não conseguem lidar com conseqüências fiscais a longo prazo dessa decisão. (Lehrer, 2009 : 87)
Assim, nessa situação, a atividade da insula8, tam-
bém conhecida como a região do cérebro chamada de cór-
tex insular, que possui um papel importante na experiência
da dor e de uma série de outras emoções, incluindo raiva,
medo e tristeza, reduz totalmente sua presença, dando lugar
8. A ínsula trabalha em parceria com outras duas estruturas cerebrais, o córtex pré-frontal e a amígdala e, tem função de processar a infor-mação para produzir um contexto emocionalmente relevante para a experiência sensorial. É espécie de intérprete do cérebro ao traduzir sons, cheiros ou sabores em emoções e sentimentos como nojo, dese-jo, orgulho, arrependimento, culpa ou empatia. (http://www.guia.heu.nom.br/insula.htm)
48
à dopamina, responsável pela sensação de prazer nessa si-
tuação (Lehrer, 2009: 89).
Poderíamos simplificar, embora devemos ter a cons-
ciência de que o diagnóstico em si é muito mais complexo e
cheio de detalhes, que enquanto certos estímulos provoca-
rão sentimentos positivos e de prazer, que serão ministrados,
dentre outras substâncias, principalmente dela dopamina,
existirão entretanto estímulos que provocarão sentimen-
tos negativos, por sua vez liderados pela insula. Uma das
questões que este trabalho buscará levantar é exatamente
a flutuação e não aderência a regras de quais substâncias
serão por um motivo ou outro excitadas e a que ponto que
os códigos culturais de cada sociedade serão a linha mestre
e predeterminante dessas reações.
49
Um resumo sobre Cuba
Capítulo 3: Um resumo sobre Cuba
3.1) Formação cultural cubana
3.2) Cuba pós revolucionária e sua economia
3.3) A tríade
3.3.1) O conformismo cubano
3.3.2) O Pai que cuida e castiga
3.3.3) Um pecado chamado “comprar”
50
3.1) Formação cultural cubana
Cuba, em pleno século XXI, é uma das únicas so-
ciedades ainda genuinamente socialistas, que, embora incli-
nada a ruir a qualquer momento, revive a cada dia as lem-
branças de um passado de conquistas políticas. Há todos
os estudiosos que anteviram o fracasso e desmantelamento
dessa sociedade isolada economicamente durante muitos
anos, presa somente ao cordão umbilical da antiga URSS,
que quando se desfez levou consigo toda a esperança de
desenvolvimento cubano, seus palpites arruínam-se frente
a um povo que mesmo diante de todas as dificuldades e
a miséria econômica continuou simplesmente aceitando as
mesmas idéias vigentes de décadas atrás.
Cuba foi uma colônia espanhola por mais de quatro-
centos anos até 1898, regida majoritariamente por militares,
chamados de capitães gerais, nomeados pela metrópole.
Com base na mão de obra escravista, teve como principal
pilar da sua economia a produção açucareira e de tabaco.
No século XIX, era um país racista, marcada por profundas
51
desigualdades e uma instabilidade provocada pela sua po-
sição estratégica para outros países. Experimentou no final
desses mesmos anos a influência das lutas pela libertação
da escravidão, principalmente as do Haiti, e muitos acre-
ditam que a independência conquistada e liderada por José
Martí, grande mártir da cultura cubana, tenha tido como pa-
pel fundamental a força e número dos “não brancos”, como
denomina o autor Fernando Martínez Heredia sobre a popu-
lação negra do país (Heredia, 2010: 185).
Os cidadãos cubanos viviam sob um regime auto-
crático, sem oportunidades de exercer qualquer tipo de auto
governo e decisão sobre seu próprio destino, além da discri-
minação exercida sob o comando espanhol na ilha. A partir
desse cenário surgem as lutas armadas independentistas li-
deradas pelo herói cubano José Martí,
52
fortemente presente como o exemplo de coragem e
vitória na revolução até hoje9, mas que morre em 1895 an-
tes da independência ser conquistada.
Surge então na batalha um novo aliado que será
decisivo para a liberdade do país frente ao seu dominador
espanhol: o Estados Unidos. Sua influência militar e eco-
nômica, em um primeiro momento, chegou a ser solicitada
pelos próprios cubanos que vislumbravam dias melhores
libertos da mão de ferro européia. Em 1898, após enfim de-
clarada a independência cubana, o governo norte americano
firma a chamada Resolução Conjunta garantindo que “el
pueblo de La islã de Cuba es y de derecho ser libre e inde-
pendiente” (Clark, 1992: 10), embora mantenha seu aparato
militar ancorado na ilha por mais alguns anos e continue
exercendo uma forte influência política e econômica nos
governos que se seguiram.
9. Em praticamente todas as cidades em Cuba, em cada esquina ou praça, pode-se encontrar um busto de José Martí. Sua imagem e presença são tão fortes na história cubana como um exemplo de cora-gem e fé dos ideais revolucionários que nas escolas, por exemplo, os estudantes possuem um dicionário Martiano com mais de mil páginas de citações do grande líder.
53
Em um primeiro momento o país se livraram do
peso dominador que o atormentava há quatro séculos, mas a
dominação norte americana veio de forma suave e silenciosa
frente a promessa de dias melhores e um desenvolvimento
econômico compatível a de países democráticos e livres.
Foram implantados diversos mecanismos que garantiriam
essa submissão como a Emenda Platt10, que colocava Cuba
sob tutela formal dos Estados Unidos tanto internamente
como externamente. A ilha se torna assim um protetorado.
Conquista a independência dos espanhóis mas não possui
pulso para se livrar de um outro tipo de dominação, talvez
mais velada, mas que a impõe e subordina.
O sonho da primeira república (1902-1940) não foi
capaz de atender totalmente a utopia de um país livre e justo
como José Martí foi eternizado com seus ideais. Na verda-
de, essa primeira fase foi marcada por lideranças políticas
10. A chamada Emenda Platt foi um dispositivo legal, inserido na Carta Constitucional de Cuba, que autorizava os Estados Unidos da América a intervir naquele país a qualquer momento em que interesses recíprocos de ambos os países fossem ameaçados. Desta forma, na prática, Cuba passou a ser um protetorado estado-unidense. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Emenda_Platt)
54
corruptas e a total desconfiança do povo na gestão pública.
A insatisfação e descrença chegou a níveis tão altos que era
comum que muitas cidadãos cubanos se absterem em parti-
cipar da atividade política. “Yo no me meto en política”, era
uma expressão popular daquela época (Clark, 1992: 29).
Diante dessa descrença, Fulgêncio Batista, militar
que havia sido presidente de 1940 a 1944, destrói a mesma
ordem constitucional que ajudou a criar depois de se dar
conta que suas possibilidade de chegar ao poder pelos vo-
tos novamente eram mínimas (Clark, 1992: 31). Arma um
golpe de estado em 10 de março de 1952 e toma o poder,
implementando uma ditadura que ficaria em vigor no país
até 1959. A conseqüência da ineficiência ao combate dessa
apoderação da liberdade cubana, que já não vislumbrava
com tanta paixão seus dias de glória, foi a instauração de
uma nova ordem autoritária, baseada em métodos terroris-
tas e um derramamento de sangue, principalmente de jovens
contrários ao governo vigente. Essa espiral de repressão,
violência e corrupção não só possuía reconhecimento diplo-
mático como também apoio militar dos EUA. Os tempos de
55
humilhação da colonização econômica e a exploração esta-
dunidense, representados de uma certa forma pela figura e
poder de Batista, foram pelo próprio presidente americano
Jon Kennedy considerados “a encarnação de uma série de
pecados por parte dos EUA”11.
Após meio século de dominação estadunidense é di-
fícil contabilizar o ônus e cicatrizes que essa relação deixou
na cultura cubana, mas não podemos deixar de ressaltar o
intenso desenvolvimento industrial e ampliação da impor-
tação de bens de consumo nessa época. Carros luxuoso dos
anos 40 e 50, assim como a arquitetura da cidade fazem
parte de um museu a céu aberto que pode ser visto em pleno
século XXI nas ruas.
Em 1959 as forças revolucionárias opostas à ditadu-
ra tomam o poder e sob a liderança de Fidel Castro, Raul
Castro e Che Guevara expurgam todas as formas huma-
nas e materiais do que um dia significou a dominação norte
americana. Fidel não só se torna o símbolo de um messias
11. Presidente Americano John F. Kennedy, em entrevista com Jean Daniel, 24 de outubro de 1963.
56
salvador, como também uma referência de honestidade e
honra que lavará a alma corrupta do país. Com a fuga de
Batista abre-se uma brecha política que logo é preenchida
por Fidel e poucos cidadãos de ilha poderiam imaginar que
a revolução social prometida pelo líder se transformaria em
uma revolução totalitária comunista (Clark, 1992: 59). O
sociólogo cubano Juan Clark, autor de uma das obras mais
completas sobre Cuba durante o período castrista, salienta:
Há mais de 30 anos de dis-tância, parece que mais se demonstra a vocação dita-torial e controle absoluto do poder por parte de Castro (Fidel). Durante a luta con-tra Batista e nos primeiros tempos da revolução no poder, como veremos, Cas-tro teve que manobrar para não levantar suspeitas suas verdadeiras metas, entre os setores democráticos que o apoiavam, buscando, por sua vez, as alianças domés-ticas e internacionais ne-cessárias que permitiam a consolidação para seus fins autoritários com aspirações de uma liderança internacio-nal. (1912: 43)
57
Após uma série de reformas que tomaram proprie-
dades e terras em Cuba de todos os estrangeiros, foi decla-
rado o bloqueio econômico pelo EUA, o qual decidia que
estavam terminantemente proibidos de manter qualquer tipo
de relações com Cuba os países que ainda desejassem ser
aliados americanos. Em 1961, o governo cubano naciona-
liza todos os bens da Igreja Católica e expulsa do país seus
representantes, declarando que a nação se tornava atéia. A
única religião a ser seguida deveria ser o nacionalismo. No
mesmo ano a publicidade desaparece dos canais de tele-
visão, o Estado assume seu financiamento, tornando-se na
época o país com indicador per capita de televisores mais
alto da America Latina.
Fidel (a secas), como popu-larmente se chamava e se chama atualmente em Cuba, projetava uma imagem de honestidade e desinteres-se através de uma retórica muito hábil e calculada e uma bem dirigida propagan-da pessoal de maneira que poucos podiam crer em uma ação sua incorreta. (Clark, 1992: 54)
58
Um “messias da televisão”, com Juan Clark escreve
em seu livro sobre Fidel Castro que conquistou uma nação
e a manteve convencida sobre seus ideais por mais de cin-
qüenta anos. Embora o uso do terror contra os anti revolu-
cionários na década de 60, que levou muitos cubanos ao
fuzilamento, e a abertura dos portos para que os traidores
pudessem fugir para junto do inimigo norte americano, foi
o discurso que conseguiu envolver por tantos anos uma ilha
que muitas vezes deixou de comer em prol da luta socialis-
ta.
3.2) Cuba pós revolucionária e sua economia
Cuba tem marcada em sua história uma linha de pri-
vações quanto à sua liberdade de expressão e a verdadeira
identidade do seu povo. Quando finalmente conquistou a
independência da Espanha, virou, imediatamente, proteto-
rado dos EUA, e quando se libertou foi dominada pelo seu
próprio “eu”, a luta socialista. Da mesma forma, a transição
pelas diversas etapas da economia cubana, mais especifica-
mente após 1959, transformaram a realidade da ilha em um
59
peculiar paradoxo de consumo onde o papel do dinheiro é
manipulado pelo governo assim como as experiências ofe-
recidas pela sua utilização. A nessecidad, expressa no artigo
de Martin Holbraad (2010: 368) sobre o “Período Especial”
a partir da década de 90 em Havana, como veremos mais
detalhadamente a seguir, tem como definição a lucha (luta)
diária para suprir as necessidades mais básicas dos cubanos,
necessidades que não deixam de suprimir a demanda, ou no
mínimo desejo, por bens de “luxo”12 para uma sociedade
que primeiro tem que garantir o pão e o leite.
Logo após a revolução de 1959, Fidel Castro deci-
diu que Cuba teria que se livrar da produção açucareira e
seus estreitos vínculos com os EUA para poder enfim se de-
senvolver. A industrialização seria não só a resposta chave
para alcançar o desenvolvimento, como também sua mão
de obra, el proletariado, seria a base de uma forte políti-
ca adotada. Esses planos não foram muito bem sucedidos,
tendo Cuba que readotar a produção açucareira como base.
12. Neste caso, podemos considerar como “luxo” tudo aquilo que o homem não necessita para sua subsistência, como água, ar, comida e moradia.
60
Com embargo econômico norte americano e a impossibili-
dade de se autosustentar, o apoio da URSS seria vital para a
sobrevivência econômica da ilha e a estabilidade do gover-
no de Fidel nas décadas seguintes.
A partir de um modelo soviético que perdurou até a
década de 90 com a queda da URSS, que tinha alimentação,
moradia, emprego, saúde, educação e cultura oferecidos
majoritariamente pelo governo, foi possível proporcionar a
entrada de bens materiais na ilha. Mesmo assim, o raciona-
mento dos produtos mais básicos, como alimentos e mate-
riais de higiene, frente a uma realidade muito diferente do
que na verdade o ideal de distribuição igualitária procurava
passar aos cidadãos, teve como uma eterna cicatriz o con-
trole através das cardenetas13, onde desde a revolução até
os dias de hoje os cubanos recolhem nas tiendas produtos
de primeira necessidade que provavelmente não sustenta-
13. A carderneta é um controle em formato de papel feito pelo governo onde cada cidadão cubano tem direito a certos produtos de alimentação e higiene básicos de graça. Na década de 90, no Período Especial, até os dias de hoje, muitos cubanos reclamam que a quan-tidade de produtos oferecidos não é o suficiente para um mês inteiro, o que leva muitos deles a buscarem outras fontes de renda afim de adquirirem o que falta no mercado negro ou no mercado paralelo.
61
rão suas famílias até o final do mês.
A realidade do racionamento na cultura cubana per-
durou pelos seus tempos de glória como nos tempos adver-
sos, às vezes com menor intensidade de uma forma quase
anestesiante, outras com uma intensidade que revirou até
os revolucionários de carteirinha em suas camas. O fato é
que como consumidor, o cubano nunca pecou pelo exces-
so, mas sofreu na lucha diária para suprir as necessidades
mais básicas de sua existência. Enquanto o governo castris-
ta aparecia como o pai provedor, o filho subserviente, não
contradizendo a então generosidade quase santa e paterna-
lista, busca o que falta para se alimentar e manter sua casa
no chamado mercado negro14, uma forma clandestina de se
consumir.
Enquanto o governo tentava através do então criado
mercado paralelo15, a partir de 1970, trazer para a popula-14. Na sociedade cubana é muito comum um cidadão entrar em conta-to, ou até fazer parte, do mercado negro. Esse oferece bens de consu-mo básicos que faltam no sistema de racionamento, como alimentos e material para higiene, ou até mesmo produtos que não são oferecidos pelo governo cubano nas cadernetas de racionamento.15. O mercado paralelo opera hoje em Cuba em CUCs, peso conversí-vel (possui o papel de uma “moeda dolarizada”).
62
ção produtos que não eram oferecidos na caderneta e evitar
a clandestinidade do consumo, os preços oferecidos eram
muito mais elevados que o próprio mercado negro, além
de serem totalmente incompatíveis com o salário médio da
população, inviabilizando quase que propositalmente seu
consumo. Por sua vez, o sistema ainda apresentava uma pe-
culiaridade: os cidadãos que acumulassem certo número de
horas despendidas em trabalhos voluntários e méritos revo-
lucionários16, e claro, provassem sua verdadeira necessida-
de pelo produto a ser adquirido17, tinham a oportunidade de
pagar um preço mais baixo e à prazo, diferentemente dos
que não se enquadravam nessa situação. Assim, era muito
comum ver famílias vendendo no mercado negro jóias e
objetos preciosos de família em busca de dinheiro para ad-
quirir bens mais novos ou elétricos (Clark, 1992: 303).
16. Assistir sessões de doutrinamento, fazer guarda no centro de trabalho, entre outras práticas pró revolucionários e reconhecidas pelo governo.17. Mesmo acumulando horas de trabalho pró revolução e provando a necessidade do artigo, os consumidores cubanos ainda tinham que enfrentar uma lista de espera para finalmente poder levar para casa o artigo.
63
Em 1993, quando Cuba passava por um período
econômico chamado de Especial pelo líder Fidel Castro,
a entrada do dólar americano foi liberado no país, sendo
em 2004 a medida anulada, substituindo-se o mesmo pelo
chamado “peso conversível” ou “CUC” 18(Holbraad, 2010:
369). Assim, Cuba passa a operar com duas moedas simul-
taneamente, o peso cubano, destinado ao cidadãos da ilha
e altamente desvalorizado nas relações de troca, e o CUC,
destinado aos turistas e remessas internacionais. O país
também vive uma economia de consumo onde uma ampla
gama de produtos, até de necessidades básicas que não são
encontrados no sistema de racionamento, podem ser com-
prados nas lojas que operaram em CUC, chamadas la cho-
pin (proveniente da palavra shopping, em inglês).
A verdade é que grande parte do dinheiro circulan-
te em Cuba era oriundo de remessas dolarizadas feitas por
parentes e cubanos que moravam fora do país e também do
turismo. Com a economia indo de mal a pior, a única forma
de reverter um pouco esse quadro era abrindo essa porta, 18. Hoje o CUC possui praticamente o valor de um para um em relação ao dólar.
64
embora não signifique que o governo cubano deixa de ter o
controle sobre a moeda e dos seus bens de consumo. Aliás,
com o dólar proibido de circular, os cubanos necessitavam
trocar suas verdinhas pelo CUC nas casas de câmbio con-
troladas pelo Estado.
Assim, se a cultura do con-sumo – como tem sido tan-tas vezes sugerido – está su-primindo uma certa espécie de cultura global, então os habaneros cada vez mais se encontram na desconfortá-vel situação de serem seus interpretes competentes porém – por necessidade – falantes pouco articulados. (Holbraad, 2010: 374)
A questão é que a todo momento o governo manipu-
la o sentido e o objetivo do dinheiro na vida dos cubanos.
Esse, por sua vez, nunca será o suficiente para consumir
qualquer coisa que seja um pouco a mais que produtos de
subsistência, e então o significado de compra e oferta se
desfaz pela impossibilidade dos altos preços, também con-
trolados pelo Estado. O desejo de consumo continua a exis-
tir, a medida que pela impossibilidade de adquirir qualquer
65
coisa com o salário banal em pesos cubanos, os cidadãos
buscam outras fontes de renda, ilegais mas dolarizadas. O
fato que “em dólar tudo tem um preço” ou “tudo o que pre-
cisamos é em dólar” só fazem demonstrar a realidade de
uma demanda reprimida (Holbraad, 2010: 387).
3.3) A tríade
3.3.1) O conformismo cubano
Em minha viagem para Cuba com o propósito de
pesquisar a influência da formação política e econômica do
país nos seus códigos culturais e tomadas de decisão da po-
pulação cubana frente a estímulos comuns à nossa socieda-
de capitalista – e em alguns pontos totalmente incomuns em
Cuba - me deparei com paradoxos quase que racionalmente
insustentáveis, mas verdadeiros e onipresentes. O que este
subcapítulo e os seguintes pretendem mostrar são ensaios
de descobertas e relatos do dia a dia da cultura cubana e sua
força em cada decisão desse povo.
66
Imagine a seguinte situação: você e sua família zar-
pam em um cruzeiro que navegará somente pela costa já co-
nhecida do seu país. A bordo estão alguns eletrodomésticos
e móveis que garantem o conforto da viagem, comida em
fartura se formos levar em consideração que em alguns dias
todos estarão em terra novamente para reabastecer se for
preciso, e um rádio que os distrairá com músicas e notícias
em um momento de tédio. Infelizmente uma forte tormenta
abate o navio e o afunda, mas, vocês naufragam perto de
uma ilha totalmente deserta. É possível salvar um pouco
de tudo o que se levava no navio e a impossibilidade de se
comunicar de qualquer forma faz com que todos se insta-
lem em terra sem previsão de saída. Com o passar do tempo
a comida precisa ser racionada para não acabar. Mas tudo
bem, todos ainda possuem o que comer, ainda mais se for-
mos contar com alguns côcos e ervas que são encontrados
no meio do caminho e completam a dieta escassa. Os mó-
veis e eletrodomésticos começam a ficar corroídos e velhos.
Mas tudo bem, ainda se tem onde sentar e dormir, e é isso
que importa, mesmo não havendo todo o conforto. O rádio
67
ainda funciona – embora muito mal – sintonizando em so-
mente uma estação de conteúdo religioso que muito de vez
em quando transmite alguma notícia sobre o mundo fora da
ilha. Mas tudo bem, pois ninguém morrerá de tédio por um
bom tempo. Você e sua família sabem que a ilha deserta não
deve ficar assim tão longe da costa onde navegavam, mas
nem se esforçam mais em fazer algum tipo de contato ou
pedir ajuda. A força da mensagem religiosa do rádio é tão
forte e carismática que todos agradecem à Deus por estarem
vivos, e isso é o suficiente.
Podemos fazer um paralelo simples do que é Cuba
para seus habitantes nos dias atuais diante da situação an-
teriormente apresentada. Em poucas palavras, até porque
neste capítulo já desmembramos detalhadamente o histó-
rico da formação econômica e política do país, podemos
falar que os cubanos vivem hoje com o básico para sobre-
vivência extremamente racionado, tendo que buscar mui-
tas vezes na marginalidade formas de adquirir esses bens,
assim como os náufragos usados no exemplo. Fora isso,
guardam como heranças preciosas – pois são a única coisa
68
que tem e possivelmente terão, tendo em vista a economia
de consumo totalmente desregulada - móveis, utensílios do-
mésticos, objetos, carros, bicicletas, etc, que se desmante-
lam e se decompõe, adquiridos em tempos melhores, como
quando Cuba ainda recebia apoio da URSS. Como nossos
habitantes ilhados, recebem a informação sobre o mundo de
forma limitada e até um certo ponto doutrinatória, levando
em consideração o conteúdo político e unilateral oferecido
pelos meios de comunicação19 revolucionários. Em ambos
os casos, todos sabem que o contato com o “outro” ou com
a “salvação” para o isolamento existe à pouquíssimos ki-
lômetros, mas o conformismo e até certo ponto dívida com
seu messias – Deus ou Fidel – é maior e mais forte.
Em Havana, tive a oportunidade de entrevistar Mery,
uma mulher cubana viúva de personalidade forte com seus
cinqüenta anos. Ela, sua mãe Berta e sua irmã Miriam se
19. Em 2012 Cuba possui 5 canais de televisão nacionais e alguns jornais como Granma e Juventud Rebelde, além de algumas rádios. Quando estive no país em junho de 2012, pude analisar o conteúdo da maioria desses veículos, totalmente politizado e com pouquíssimas noticias internacionais. A internet, que seria uma forma dos cubanos se aproximarem de maneira mais realista com as noticias do mundo, ainda é escassa, cara – paga em CUC – e com muitos sites bloqueados.
69
espremiam em um dos cômodos da casa na badalada Rua O
Bispo, em Havana Vieja, para dar espaço aos estrangeiros,
que como eu, alugavam um dos quartos por um preço em
CUC. Toda a sua família havia participado da luta revolu-
cionária, e em seu discurso era possível notar a gratidão
à tudo o que o regime tinha transformado em suas vidas.
Mesmo sua casa possuindo pouquíssimos móveis, que por
sua vez se mostravam antiqüíssimos e de uma simplicidade
quase deflagradora de tempos de escassez que se estendiam
mais do que o esperado, quando a questionei se gostaria
de ter mais bens materiais a resposta foi: “Tenho tudo o
que necessito, educação, casa, comida, saúde, e tudo de
qualidade. O que mais posso querer nessa vida?”. Mesmo
afirmando que sim, já existiram tempos melhores, e nem
Mery, nem Berta e Miriam vislumbram um futuro diferente
do presente.
Claudio, um cubano vendedor de chips de celular
para estrangeiros com cerca de 30 anos é o oposto da luta
pró revolucionária e diferentemente da família de Mery,
não viveu as décadas de ouro da revolução. Pelo contrá-
70
rio, é confrontado diariamente com o paradoxo do consumo
cubano onde ele é um personagem ativo da troca confusa e
caótica de vender, mas não conseguir comprar. Em entre-
vista ele declara que “Cuba deveria se chamar Alcatraz20”,
mostrando seu descontentamento com um regime “que o
persegue, não lhe deixa fazer nada”. Quando pergunto se
existe alguma coisa que pode ser feita para mudar essa situ-
ação a resposta é no mínimo desanimadora: “Não vai mu-
dar. Nada vai mudar isso.”
A descrença em dias melhores, ou pelo menos mais
livres, transita não só entre os que agarraram o regime e
participaram dele, mas como também a geração que nem
chegou a conhecer seus dias de glória e se limita a aceitá-lo
– embora nem sempre desejá-lo – de cabeça baixa. Renyer é
um estudante cubano da Universidade de Havana altamente
informado e politizado. Ele, como seus colegas de faculda-
de, possuem acesso a informações e meios de comunicação,
como a internet, mais facilmente que qualquer outro cida-
dão. Com seus 21 anos e a maioria dos amigos estrangeiros,
20 Prisão de Alcatraz.
71
vindos de outros países com o intuito de estudar em Cuba,
tem a oportunidade de conhecer o outro lado da moeda da
relação entre o capitalismo e o socialismo. Mesmo assim
Renyer revela que “Cuba não está pronta (para uma aber-
tura), pois não conhece o outro lado”. Para ele o país já foi
surpreendido nos últimos tempos com algumas mudanças,
mas que ainda não seria tempo para uma abertura da nação
ao universo globalizado.
A mensagem dentre as dezesseis entrevistas feitas,
entre elas as descritas acima, foram diferentes à medida que
o contexto e experiência dos entrevistados variavam, mas a
estrutura, que é o fator chave para se descobrir os códigos
culturais, segundo Clotaire Rapaille (2007: 15), continuou
a mesma em praticamente todas elas. Não importa a idade,
situação econômica ou força política que guiava os entre-
vistados, quando descreviam como vislumbravam o futuro
ou falavam sobre seu cotidiano atual em Cuba a idéia chave
era conformismo.
As coisas poderiam estar indo de mal a pior, ou não
72
estarem tão boas quanto no passado, mas a questão é que
“nada poderá ser feito para mudar isso”, mesmo que seja
insuportável. É como se todos estivessem anestesiados, vi-
vendo dia após dia em um conformismo silencioso. O pas-
sado se transformou no vício do presente e na impossibili-
dade de olhar para o futuro.
3.3.2) O Pai que cuida e castiga
Como vimos no primeiro capítulo (p. 18), segundo
Clotaire Rapaille, as culturas e seus códigos são passíveis
de sofrerem mudanças a partir do deslocamento do tempo
e da história, responsável também pela sua formação e re-
formulação (2007: 22). Ou seja, momentos em uma cultura
como o da revolução de 1959 em Cuba e toda a mudança
estrutural e até sentimental que foi provocada em seus có-
digos culturais a partir desse evento, podem explicar um
deslocamento na visão de vários fatores, mas em especial o
do que é Estado e líder hoje para os cubanos.
Os habitantes da ilha migraram de forma abrupta de
um governo promíscuo, corrupto e violentamente domina-
73
dor do período anterior à revolução para um governo que
em sua teoria não faz distinção de classes, luta pelo bem
estar do país e acima de tudo é justo. O Estado cubano há
cinco décadas provém educação, cultura, moradia, saúde,
transporte e alimentação para toda a população de graça.
Não só o faz, como também regula, principalmente quando
se diz respeito aos bens de subsistência, qual a quantidade
e periodicidade que cada família os receberá a partir das
cadernetas de racionamento. Age por meritocracia, ofere-
cendo privilégios aos cidadãos que acumularam horas de
trabalho voluntário e méritos revolucionários, e descrimina
aqueles que falharam nesse aspecto. O mesmo acontece na
educação onde os alunos que alcançarem notas melhores
terão direito de escolher a faculdade e curso que desejam
estudar, enquanto os que não obtiverem terão que se con-
tentar com cursos técnicos.
Embora o país tenha alguns canais de televisão, jor-
nais e rádio, todo o conteúdo passará pelo filtro do Estado,
onde o mesmo poderá ter certeza sobre a qualidade e ve-
racidade do que os cidadãos assistirão todos os dias. Mas,
74
quando o Estado acreditar que alguma notícia fere os ide-
ais revolucionários e a educação do país, os cubanos serão
gentilmente privados da mesma para que suas almas não
sejam manchadas. O mesmo acontece com a internet, que
mesmo sendo implantada em Cuba terá a maioria dos seus
sites bloqueados pois algumas informações denegririam a
imagem da nação.
Se qualquer cubano, por sua vez, resolver revelar
sua insatisfação em relação ao governo, como é o caso da
blogueira Yoani Sánchez21 que escreve quase que diaria-
mente em seu blog os problemas sociais e econômicos que
enfrenta em Havana, esse cidadão será automaticamente
punido pelo Estado. A forma de castigo variará entre servir
como mau exemplo para a comunidade à sua volta, sendo
excluído das atividades comuns, ou até mesmo perder al-
guns direitos, como o privilégio de sair do país. Por isso,
o mais comum entre minhas entrevistas era ouvir cidadãos
de diferentes partes da ilha se sentirem incomodados em 21. Yoani Sánchez escreve o blog Geração Y que fala sobre o cotidia-no difícil dos cubanos no país. Foi eleita pela Revista Time em 2008 uma das cem mulheres mais influentes do mundo, embora pouquíssi-mos cubanos tenham acesso a internet e ao seu site.
75
falar sobre política, ainda por cima quando eram totalmente
contrários ao sistema.
Chichi, um jovem universitário cubano residente da
cidade de Trinidad avisa antes da entrevista: “Falo, desde
que não seja sobre política. Não gosto de falar sobre essas
coisas”. Não só ele, como outros entrevistados como Cláu-
dio – o vendedor de chips de Havana que vimos anterior-
mente – e José, seu companheiro de trabalho, que quando
pergunto sobre política dizem: “Não gosto de falar sobre
isso”, afirmam olhando para baixo com um ar contrariado.
A verdade é que, como cubano, você provavelmente per-
tencerá ao grupo dos que amam a revolução e a enaltecem
como o significado da própria vida – que é formado majo-
ritariamente por adultos e idosos que viveram sua época
áurea– ou ao grupo dos que não concordam com o rumo do
país e que permanecem calados sobre o assunto, como se
com receio das conseqüências que isso poderá causar e o
conformismo de que nada irá mudar mesmo.
76
A questão é que podemos fazer aqui um paralelo di-
reto entre o papel do Estado, diretamente representado por
seu líder Fidel Castro, e como esse governo é encarado pelos
cubanos. A relação direta entre eles pode assim ser descrita
como ma relação entre pai e filho. Assim, o pai Fidel li-
vra seus filhos (cubanos) em 1959 do mal que assombrava
suas noites de sono, a ditadura de Batista, e reinstala a paz
como um herói. Provém casa, comida e roupa lavada na
medida das suas possibilidades, sem ser questionado pela
escassez ou pela abundância. A única coisa que pede em tro-
ca é obediência e esforço dos seus filhos com suas respon-
sabilidades. Assim, os que alcançarem mais méritos serão
visivelmente parabenizados e recompensados, mas o que se
mostrarem contrários e arredios ficarão de castigo para que
sirvam de exemplo para os outros. Será esse mesmo pai que
educará com fervor a ideologia da sua ninhada, e fará o pos-
sível para privá-la do mau do mundo. Tomará controle dos
meio de comunicação e filtrará as mensagens que realmente
interessam. Escreverá em outdoors no meio da estrada “Si,
se puede” ou “Trabajo duro, creo en usted”22 para incenti-22. Mensagens retiradas de outdoors na estrada de Cienfuegos para Havana.
77
var cada passo vitorioso do seu filho. E, ao final, imporá o
respeito que necessita para ser visto como o líder do grupo,
fazendo com que as crianças mau criadas ranzinzem em voz
baixa seu descontentamento.
Em muitos depoimentos veremos essa analogia de
forma ainda mais clara. Miriam (60 anos), uma das irmãs da
família de Mery que vive em uma casa em Havana Vieja de-
clara com fervor: “A Nação é como um pai para mim. Meu
coração é cubano, todo por Fidel. Fidel é nosso pai, o pai
dos cubanos”. Juan Fernandez, um campesino23 da cidade
de Trinidad que organiza passeios à cavalo para turistas de-
clara que “Cuba é toda a vida, é tudo o que temos. Graças a
ele (Fidel) terminamos a pobreza, não vivemos como em 51
que viviam os campesinos na pobreza. Eu sou fidelista. O
que temos para viver e o que nos anima para viver é Fidel.”
O que poderemos notar é que não importa o grupo
que cada cubano pertence, a favor ou contra Fidel, ou até
mesmo sua classe social. O fato é que essa relação entre a
população cubana e seu líder se impregna em cada fecha do
23. Pequeno agricultor.
78
cotidiano, se tornando quase inevitável. A questão diante
dessa análise não é limitar uma relação tão complexa como
essa, mas sim apontar uma tendência tão clara quanto os
códigos culturais cubanos que a rodeiam.
3.3.3) Um pecado chamado “comprar”
A relação entre dinheiro e consumo sempre foi um
assunto no mínimo delicado para a maioria dos cidadãos
em um país como Cuba desde a revolução de 1959. O go-
verno, à medida que necessitava frear qualquer impulso ca-
pitalista que infringisse a luta socialista, usou de diversos
mecanismos para regular com mão de ferro sua economia e
moeda. Impôs um sistema de racionamento de bens de con-
sumo mais básicos para a sobrevivência, que a cada crise
econômica se viam cada vez mais reduzidos, forçando os
cubanos a procurarem como alternativa o mercado negro
ou, posteriormente, o mercado paralelo para adquirir o que
faltava.
O fato é que ambas as “fugas” para o consumo do
79
que o Estado se tornou ineficiente na forma de oferecer, se
tornaram também um paradoxo na relação entre dinheiro
e comprar, a partir do momento que as alternativas de se
adquirir bens operavam em dólares e posteriormente em
CUCs. O autor Martin Holbraad em seu artigo Dinheiro e
necessidade no “Período Especial” de Havana ressalta so-
bre a relação de controle do Estado cubano sobre sua eco-
nomia:
Em outras palavras, quan-to mais o Estado assume o cálculo monetário, mais ele tende a retirá-lo dos con-sumidores. O dinheiro, nas mãos desses, fica muito res-tringido ao seu papel de ca-talisador da comensuração, uma vez que a amplitude e a possibilidade de escolha tendem a desaparecer do processo de planejamento. A razão de ser do planeja-mento, afinal, é regular o consumo. Assim, do pon-to de vista das pessoas que consomem, os pesos não tem a capacidade de sempre, interminavelmente, traduzir todas as coisas que eles “po-deriam” comprar. (Halbra-ad, 2010: 381)
80
Para esclarecer a relação entre os pesos cubanos e
CUCs que existe hoje tomemos como exemplo um traba-
lhador cubano comum que trabalhe como médico e ganhe
cerca de 600 pesos cubanos por mês. Levando em conta
que cada 1 CUC24 é o equivalente à 24 pesos cubanos, en-
tão esse médico ganhará 25 CUC mensais. Essa renda em
CUCs será praticamente o equivalente em dólares, levando
a concluir que um cubano “vive” com cerca de 25 dólares
por mês, uma faixa de renda de países altamente subdesen-
volvidos se não fossemos relevar a particularidade cubana.
Se esse cidadão deseja adquirir algum bem de consumo bá-
sico na Chopin (loja que opera em CUC e vende diversos ti-
pos de artigos), ele poderá comprar um sabonete por 2 CUC
(48 pesos cubanos), ou um pacote com 4 rolos de papel
higiênico à 3,20 CUC (76,80 pesos cubanos)25. Nessa mes-
ma loja ele encontrará por detrás das vitrines de vidro que
protegem todos os produtos do alcance das mãos dos seus
consumidores, bens de “luxo” como um condicionador para
cabelos da maca Seda por 4,80 CUC (115 pesos cubanos)
24. 1 CUC representa 1,20 dólares25. Preços pesquisados entre 19 de junho e 4 de julho de 2012
81
ou uma fragrância para a pele por 7,40 CUC (177,60 pesos
cubanos). Vale ainda ressaltar o preço de artigos como ar
condicionado, 1.200 CUC (28,800 pesos cubanos), e uma
simples porta de madeira para casa, encontrada por 700
CUC (16,800 pesos cubanos).
Assim, a renda mensal de um cubano não consegue
suportar a compra de bens que estão inseridos dentro do
contexto de necessidade, e se torna praticamente inalcan-
çável quando falamos em bens como um ar condicionado.
O significado de trabalho na cultura cubana terá uma re-
presentação diferente do que talvez seja evidente em uma
cultura capitalista como “ganhar dinheiro”, “se sustentar”,
“comprar coisas”, etc. Pelo contrário, a forma de se alcan-
çar a verdadeira moeda com poder de troca, o CUC, será
através do que o autor Martin Holbraad (2010: 375) chama-
rá de lucha diária, onde os cubanos utilizarão de mecanis-
mos “extra oficiais” para garantir seu sustento.
Veremos um cidadão comum exercendo sua profis-
são, mas alugando um quarto de sua casa para turistas à
82
dólares, ou sendo garçom em um restaurante em busca das
generosas gorjetas em CUC. A prostituição das mulheres
cubanas, mais conhecidas como jineteras, e dos homens
que seduzem turistas em salões de salsa, serão uma das for-
mas mais comuns de se garantir por alguns meses a comida
na mesa da família.
Mas, enquanto a economia cubana gira em torno
de uma economia de sobrevivência, os cubanos parecem
que não deixam de desejar bens materiais. Na pesquisa de
campo, foi possível observar o comportamento de cuba-
nos formando filas ansiosas esperando as Chopins abrirem,
olhando curiosos as vitrines, saindo na maioria das vezes
de mãos vazias, e mesmo não consumindo alguns produtos,
sabendo seus preços de cabeça. Quando possuíam o dinhei-
ro para efetivamente fazer a compra, eram certeiros nas es-
colhas, assim como a atendente que ficava do outro lado do
balcão que não dava a chance dos clientes experimentarem
ou sentirem o produto antes do pagamento.
83
Durante as entrevistas os interlocutores foram ques-
tionados sobre o significado do dinheiro e a posse de bens
materiais. Frank, um inglês de 30 anos que morava há um
ano em Havana em uma casa de família, disse que sua im-
pressão mais marcante sobre dinheiro na cultura cubana era
a relação que os cidadãos da ilha com o universo aspira-
cional dos turistas presentes no país, assim como ele. “Os
cubanos acham que os turistas acordam e têm dinheiro. Não
conseguem ver na realidade que existem muitas pessoas
que lutam diariamente para pagar suas contas. Capitalismo
acaba virando sinônimo de felicidade, de feriados viajando,
mas eles nunca saíram do país para conhecer outra coisa”,
afirma Frank. Esse gap entre a realidade cubana e a constru-
ção mental sobre o ideal de consumo, segundo ele, é ainda
mais acentuado através das novelas, campeãs de audiência
nacional, que transmitem um contexto totalmente inimagi-
nário ao cenário cubano, mas que é altamente admirado e
desejado pelos seus telespectadores.
Quando perguntados sobre o que seria dinheiro, os
garçons residentes da cidade de Trinidad, Victor (50 anos) e
84
Ande (23 anos), respondem racionalmente que “É algo com
que posso ter as coisas” e que “Dinheiro faz muita falta”.
Victor narra que a sua experiência mais marcante com di-
nheiro foi quando, há alguns anos, juntou uma quantia para
comprar uma bicicleta e quando chegou na loja ela tinha
dobrado de preço. Quando voltou novamente com mais di-
nheiro, a bicicleta já havia aumentado novamente. Ele diz
que demorou 3 anos para comprar o item, que acabou cus-
tando 2 mil pesos cubanos, ou seja, o seu salário de um ano.
Com uma certa amargura na voz conclui, “Querem saber
de uma coisa, o dinheiro foi a pior coisa que inventaram.”.
Victor também comenta a impossibilidade de comprar o
presente de aniversário que seu filho de 13 anos pediu, um
computador de 500 CUC, ou seja, 12 mil pesos cubanos,
uma quantia irreal para um cubano comum.
Embora muitos dos entrevistados tenham afirmado
que o dinheiro, no final das contas, não é algo tão importan-
te, como o depoimento de Miriam que diz que “quando um
coração é grande, não se falta dinheiro. E em Cuba, sem di-
nheiro, mas feliz.”, podemos notar um paradoxo entre o que
85
os cubanos dizem e como eles agem. Mery, sua irmã, embo-
ra aparentemente desinteressada por dinheiro, não deixa de
mostrar orgulhosa a cafeteira elétrica que conseguiu com-
prar, usando-a e comentando as qualidades do café feito por
ela a todo o momento. Também conversa sobre o perfume
francês que ganhou da prima americana que a estava visi-
tando em Cuba, e o jantar em um restaurante para turistas
na última noite, o qual não teria condição de pagar e entrar
se não fosse convidada26.
O que podemos notar é que a relação entre dinheiro
e consumo é uma variante no mínimo complexa. Enquanto
o governo se apodera dos rumos da economia e regula os
preços dos produtos, ele estrangula qualquer possibilidade
de um consumo saudável e modifica o código do que é di-
nheiro. Cria dois tipos de moeda, a que não possui valor
agregado nas relações de troca, o peso cubano, e a que é
capaz de efetivamente comprar, que são os dólares e CUC.
A primeira é assumida nas relações trabalhistas com o papel
26 Uma refeição em um restaurante que serve turistas pode chegar a custar 25 CUC, ou seja, o salário médio de um cubano por mês.
86
de recompensa pelo esforço, embora seu valor seja quase
vazio e somente em grandes quantidades possibilite algum
tipo de troca. A segunda se encontra no universo da mar-
ginalidade e do proibido, embora assuma um papel fun-
damental para o consumo no cotidiano cubano. Assim, os
cidadãos da ilha, diante da influência do mundo globalizado
que entra por entre as fechas ainda abertas do país, e por
também um simples desejo ter e possuir bens materiais, ad-
miram os produtos na vitrine que só poderá ser ultrapassada
através da busca de dólares na marginalidade. Esse desejo
altamente suprimido que faz com que os cubanos busquem
formas não convencionais de ganhar dinheiro, no segundo
sentido apresentado, burlando muitas vezes as leis, nos leva
a pensar que talvez a melhor palavra para definir comprar
na cultura cubana, seja nada menos que pecado.
87
Análise Final
Capítulo 4: Estudo de Casos
4.1) Estudo da pesquisa anúncio qualidade x preço
4.2) Estudo da pesquisa sobre satisfação imediata
4.3) Estudo da pesquisa anúncio Orfanato
88
4.1) Estudo da pesquisa anúncio qualidade x preço
Diante da singularidade da cultura cubana, sua for-
mação econômica e principalmente a relação com o con-
sumo e o dinheiro, a pesquisa que se seguirá é baseada na
escolha de três peças publicitárias, que, de alguma forma,
despertam tomadas de decisões pertencentes aos seus códi-
gos, schemas e formas de pensar particulares. A intenção da
autora não é criar regras ou simplesmente tirar conclusões
universais a partir da entrevistas feitas na pesquisa de cam-
po, mas sim despertar um discussão acerca do assunto sobre
se possuímos formas distintas de tomar decisões pelo fato
de convivermos em culturas totalmente diferentes.
89
Fig. 1 – Anúncio da marca Das AutoVolkwagen – AlmapBBDO 2010 modificado, adaptação autora
publicidade acima é uma adaptação do anúncio bra-
sileiro da marca Das Auto Volkswagen, que tem como ob-
jetivo divulgar seus serviços de mecânica e manutenção das
suas concessionárias autorizadas. O texto original da peça
é Which one would you buy? (Tradução: Qual deles você
compraria?), traduzido para o espanhol ?Cuál compraria
usted? para melhor entendimento dos entrevistados cuba-
nos. A imagem representa dois salva vidas laranjas, apa-
rentemente idênticos, mas com preços distintos, sendo um
90
mais barato que o outro.
A propaganda nos faz pensar sobre qual tipo de es-
colha faríamos se tivéssemos que optar entre um produto
mais caro ou um mais barato. Sabemos que os serviços de
mecânica oferecidos pelas concessionárias autorizadas são
geralmente mais financeiramente dispendiosos que os das
mecânicas “não oficiais”, mesmo muitas vezes não sendo
tão claro o ônus e bônus entre os dois, tendenciando os con-
sumidores a escolherem, na maioria das vezes, o que é mais
“em conta”. A marca usou como analogia para seu produto
dois coletes salva vidas que representam segurança, e mais
do que isso, nos leva a refletir se, quando o assunto é a segu-
rança das nossas vidas, continuaríamos poupando ou paga-
ríamos mais caro afim de garantir que o produto realmente
é bom. Assim, se na sociedade baseada no consumo em que
vivo os produtos mais caros, como as marcas de luxo de
carros, roupas e jóias, significam diretamente possuir uma
qualidade maior, escolherei o salva vidas mais caro, mesmo
tendo consciência que ambos são idênticos.
91
Seguindo essa linha de raciocínio, se a manutenção
do meu veículo também representa a minha segurança, es-
colherei aquele que me oferece maior qualidade, logo leva-
rei em conta que como o serviço da concessionária Volkswa-
gen é mais caro que os outros “não oficiais”, ele deve ser
melhor. Da mesma forma, a adaptação feita acima da peça,
pretende, descontextualizando a marca Volkswagen, surtir o
mesmo efeito entre seus interlocutores.
O anúncio foi apresentado a uma amostra de nove
pessoas em Cuba27, em uma pesquisa onde eles eram ques-
tionados sobre qual dos dois salva vidas da propaganda es-
colheriam e o porquê. Afim de contextualizar a situação e
ressaltar o código segurança, essencial para a interpretação
da peça publicitária, a autora descreveu para os participan-
tes uma cena onde eles em breve fariam uma viagem de
barco e que, para se precaverem de uma tormenta que po-
deria ou não acontecer em alto mar, deveriam comprar um
colete salva vidas antes da sua partida.
27. Todas as entrevistas foram feitas pela autora em Cuba no período de 14/06 a 06/07.
92
O resultado foi que 87% dos entrevistados escolhe-
riam o salva vidas mais barato mesmo tendo consciência
que o produto representa a segurança das suas vidas. No
geral, a percepção de qualidade sugerida pelo preço mais
elevado não foi percebida, e em muitos casos os entrevista-
dos questionaram por que não escolher o item mais barato
já que os dois pareciam totalmente idênticos. Alguns entre-
vistados ainda comentaram que escolheriam o mais barato
e ainda “sobraria alguns pesos para comprar outras coisas”.
Somente um cubano comentou, após escolher o salva vidas
de 9 dólares, que “se afinal são iguais, são iguais! O capita-
lismo estimula a sociedade de consumo, então ele influên-
cia que o mais caro é melhor”.
A partir desse resultado podemos ressaltar dois pon-
tos importantes para o entendimento e contextualização da
tomada de decisão que levou quase a unanimidade dos en-
trevistados cubanos a pouparem dinheiro na hora da compra,
mesmo diante de um código tão forte como o de segurança.
No capítulo anterior (p. 50) vimos a complexa relação da
população cubana com o consumo e seus diferentes papéis
93
como atores e coadjuvantes dessa encenação. Nos últimos
cinqüenta anos, o país vive diariamente com a realidade do
racionamento de bens mais básicos, providos pelo governo,
e a impossibilidade de aspirar o possuir outros bens mate-
riais devido à uma moeda fortemente regulada pelo Estado
que impossibilita uma relação saudável de consumo.
As relações de ganho e troca, principalmente mo-
netárias, se tornaram tão complexas e instáveis na ilha nos
últimos anos que é fácil notar nas entrevistas o lado total-
mente racional dos cubanos nas suas escolhas diárias do
que comprar e não comprar. Em uma sociedade onde cada
CUC é valioso e representa uma moeda capaz de realmente
adquirir produtos, diferentemente da dificuldade enfrenta-
da pelo ínfimo valor de troca do peso cubano, a escolha
dos mesmos serão meticulosamente estudadas, levando em
conta primeiramente a necessidade do bem. Cuba enfrenta
um racionamento para a maioria da população tão grande
que não há muito espaço para luxo e nem desperdício.
94
Assim, poderemos pensar que o cérebro racional
é constantemente ativado nas negociações do dia a dia,
muitas vezes deixando de lado a parte límbica, emocional,
evitando as compras por impulso e conseqüentemente um
desperdício. No anúncio estudado em questão, a escolha do
colete mais barato poderia inspirar diretamente essa forma
de encarar esse processo de tomada de decisão. Além de
escolherem o item com menor preço, muitos entrevistados
ainda ressaltaram que com a economia que teriam poderiam
comprar outras coisas.
Fora isso, podemos salientar a aparente então não
relevância do fator preço x qualidade, onde, embora os
coletes sejam idênticos, o preço maior, como visto ante-
riormente, deveria inspirar o senso de maior qualidade, e
dentro da contextualização levar à escolha do mesmo. Com
a relação de compra na sociedade cubana muitas vezes es-
cassa e distorcida, o laço entre a experiência de consumo
e o código o que é mais caro é melhor pode simplesmen-
te se enfraquecer ao ponto de parecer não existir em uma
situação como o anúncio em questão. Assim, levando em
95
consideração que será uma experiência marcante que dará
espaço para que um código seja aprendido, e que serão os
schemas que organizarão de uma certa forma esse conhe-
cimento, então a não ativação do código o que é mais caro
é melhor, que pode existir na cultura cubana assim como
existe nas outras sociedades, não acontecerá a partir de uma
ruptura em um dos pontos do esquema que podemos visu-
alizar abaixo.
Experiência
Schema
Código
O que é mais caro é melhor
Fig. 2 – Esquema ilustrativo 2012, criação autora
96
A pesquisa feita com base neste anúncio e seu re-
sultado, levando os participantes a escolherem o produto
mais barato por não “enxergarem” a vantagem de comprar
o mais caro, poderia então representar claramente essa rup-
tura. Podemos levar em consideração também que o código
o que é mais caro é melhor pode ter sido substituído por
outros códigos mais fortes referentes a dinheiro e consumo
nessa sociedade, levando em conta a experiência de com-
pra, estritamente relacionada a aspetos como sobrevivência
e escassez. Dessa forma, os schemas ativados resgatariam
certos códigos, mais fortes e presentes na cultura cubana,
em detrimentos de outros, julgando qual deles é o mais
marcante e assertivo para o contexto em questão.
97
4.2) Estudo da pesquisa sobre satisfação imediata
Sabemos que a realidade econômica de muitos dos
países do mundo, principalmente os classificados como
desenvolvidos, possuem relações sofisticadas de compra e
venda de produtos e serviços. As relações de troca permi-
tem que não só se tenha acesso fácil e prático a uma infini-
dade de bens materiais, como o livre mercado estimula uma
competição de preços e o surgimento de cada vez mais e
mais coisas para se comprar. Somos estimulados minuto a
minuto através de anúncios e ofertas para trocarmos nosso
dinheiro pelo o que desejarmos, e, mesmo se não tivermos
o suficiente, poderemos pagar em suaves parcelas através
de meses ou anos.
Fig. 3 – Anúncio usado na pesquisa de campo em Cuba 2012, criação
autora
98
O anúncio acima apresenta-se como parte da pes-
quisa tendo como objetivo estudar a tomada de decisão de
compra baseada na escolha do consumidor pela recompen-
sa imediata de se obter um produto ou não, tendo como
variante o preço dos itens. A peça publicitária foi criada
pela autora afim de questionar os entrevistados se eles com-
prariam o computador em questão à vista, ou se aceitariam
pagar em dez vezes a prazo, mesmo sabendo que nessa cir-
cunstância o preço do artigo aumentaria 100 CUC. É válido
ressaltar que em Cuba, um equipamento eletrônico como
um computador é um artigo de luxo, primeiro pois o item
é escasso para compra e o acesso é controladíssimo pelo
governo, e segundo que as quantias em questão, 400 CUC
e 500 CUC, representam mais do que um cubano comum
ganha em um ano de trabalho.
A questão levantada para os entrevistados foi que,
se eles tivessem que comprar esse produto, qual das formas
de pagamento escolheriam: à vista ou parcelado? Dentre
as nove entrevistas, 55% escolheram pagar o item à vista e
45% a prazo. Dentre os que optaram por pagar o preço de
99
uma só vez, podemos notar, novamente, uma racionalida-
de muito forte quando se envolve o dinheiro. Depoimentos
como “Pagaria à vista, porque me estressa muito o dinheiro.
Se comprasse parcelado, é como se estivesse andando com
uma coisa que não é minha.”, e “Penso que não é bom se
endividar. Trabalharia e juntaria dinheiro do meu trabalho
para pagar uma coisa de cada vez.” refletem de uma forma
clara essa relação. Em compensação, alguns dos entrevista-
dos ressaltaram que “compraria a prazo, embora não tivesse
essa oportunidade em Cuba”, mostrando que o desejo de
possuir levaria sim alguns cubanos a migrarem dessa re-
doma racional que tanto falamos anteriormente, para uma
esfera de consumo e prazer imediato de “ter”. Nesse caso,
mesmo possuindo consciência do ônus de arcar com uma
quantia de 100 CUC a mais para poder comprar o computa-
dor, esses entrevistados não pareceram se importar ao nível
de impedi-los.
O resultado das entrevistas nos oferece duas situa-
ções distintas: o grupo dos que escolheram pagar o preço
do artigo em uma única vez, mesmo isso significando que
100
não poderiam efetuar a compra naquele momento e teriam
que trabalhar durante alguns meses ou até anos para isso,
e o grupo dos que, mesmo sabendo que não possuem todo
o dinheiro para efetuar a compra, e provavelmente não o
terão nos próximos meses, escolheriam pagar o computa-
dor de forma parcelada afim de o obterem imediatamente.
Assim, o primeiro grupo se mostrou capaz de não ceder ao
prazer da recompensa imediata, enquanto o segundo cedeu
a essa tentação.
O prazer da recompensa imediata permeia a maio-
ria das relações de consumo, onde nossos cérebros vivem
uma batalha entre se comportarem e serem racionais, ou
apresentarem as garras mais fortes do emocional e decidi-
rem por impulso ou sem pensar nas conseqüências. Jonah
Lehrer faz uma analogia sobre essa relação com base na
experiência que os cartões de crédito proporcionam. Segun-
do o autor, pagar com plástico muda fundamentalmente a
forma como gastamos dinheiro (2009: 88). O fato é que se
para comprar um produto abro a carteira e retiro o dinheiro,
conseqüentemente ela ficará mais leve e eu verei a perda do
101
mesmo. Os cartões de crédito, por sua vez, tornam a transa-
ção em algo abstrato, mascarando a experiência de perder
dinheiro, e reduzindo a atividade da insula, uma região do
cérebro humano associada a sentimentos negativos (2009:
86). Assim, o descontrole de muitas pessoas que gastam e
se endividam desenfreadamente com cartões de crédito, tem
como um dos fatores o sentimento contínuo da recompensa
imediata, sem que seus cérebros consigam racionalizar a
perda e então parar de gastar.
Da mesma forma que o exemplo que acabamos de ver
desperta uma tomada de decisão que deverá ser baseada
em uma forma racional ou emocional, ativando ou inibin-
do partes do nosso cérebro, o anúncio apresentado para os
entrevistados oferecia a mesma situação. Assim, mais um
vez, o lado extremamente racional da cultura cubana, que
possui códigos particulares para dinheiro e consumo, aflora
na maioria das entrevistas, embora já possamos notar uma
corrente dos que começam a aspirar novas formas de com-
prar, mesmo que para isso seja preciso ultrapassar os limites
da racionalidade.
102
4.3) Estudo da pesquisa anúncio orfanato
No mundo globalizado em que vivemos é inegável
a afirmação que somos “bombardeados” de informações
segundo a segundo. As marcas, não diferentemente, se
apropriaram desse universo de oportunidades onde os limi-
tes dos estímulos publicitários que recebemos diariamen-
te simplesmente não existem. Assim, quando vamos a um
supermercado, não escolhemos somente um shampoo com
sua funcionalidade básica de lavar o cabelo, mas sim bus-
camos através de uma marca a sensação de pertencimento
e aspiração do que gostaríamos de ser ou ter. Será através
de diferentes estímulos que essa mesma marca entrará em
contato com esse consumidor não somente na gôndola na
hora da compra, mas sim em diferentes espaços e tempora-
lidades, muitas vezes sem que o mesmo perceba.
As fontes são incontáveis: comerciais de TV, revis-
tas, banners de internet, merchandising nos seus programas
favoritos, ídolos como porta vozes, rádio, patrocínios de
esporte, logotipos por toda parte, etc. Dessa forma, quase
103
que inconscientemente, absorvermos o que talvez que se-
jam milhões de comunicações publicitários dia após dia, e
interpretamo-los, ou não, de acordo com nossos interesses
e necessidades.
O autor Mario Beja Santos, expressa com o título do
seu livro Somos aquilo que consumimos (2007) a idéia de
que buscamos no consumo das marcas as grandes escalas
de valores com que nos olhamos, nos sentimos indivíduos
e procuramos a representação social28. Assim, as diferentes
formas que interpretaremos os estímulos publicitários bem
como diferentes formas das marcas se comunicarem com
seus consumidores serão ambas particulares a cada indivi-
duo e a cada cultura, ao ponto que a segunda necessita se
adaptar e entender a primeira para ser realmente efetiva.
28. http://www.wook.pt/ficha/somos-aquilo-que-consumimos/a/id/195109
104
Fig. 4 – Anúncio Orfanato El Sol 2012, criação autora
105
Fig. 5 – Anúncio Indian Association for Promotion of Adoption and Child Welfare 2007, criação Ogilvy&Mather, adaptação autora
106
Os dois anúncios acima fazem parte da pesquisa re-
alizada, sendo o primeiro criação da autora, e o segundo
uma adaptação de uma peça publicitária da Indian Asso-
ciation for Promotion of Adoption and Child Welfare29 (As-
sociação Indiana para Promoção da Adoção de Bem Estar
das Crianças). As duas peças trazem a legenda traduzida
para português “Você pode apoiar uma criança órfã com 1
CUC”.
O objetivo da pesquisa é testar os entrevistados so-
bre qual dos dois anúncios eles escolheriam se tivessem que
doar 1 CUC para um dos orfanatos em questão. É impor-
tante ressaltar que as duas pecas procuram trazer estímulos
opostos, sendo o primeiro anúncio trazendo uma imagem
com crianças pobres e aparentemente tristes pedindo es-
mola na janela de um carro, e o segundo, com cores mais
quentes, procurando passar o amor de uma criança órfã que
encontra uma mãe adotiva. Devemos notar que a mensagem
do primeiro anúncio é clara e direta, enquanto o segunda
necessita de uma interpretação mais aprofundada para seu 29. Peça retirada do site http://www.adpunch.org/adopt-you-will-receive-more-than-you-can-give.html
107
perfeito entendimento. O valor em CUC foi escolhido para
se obter relevância do gasto devido ao valor agregado dessa
moeda, o que poderia não acontecer se tivesse escolhido o
peso cubano.
Dentre as 10 pessoas entrevistadas, 60% escolhe-
ram o anúncio do Orfanato El Sol, com as crianças tristes, e
40% escolheram o anúncio do Orfanato La Paz, com a me-
nina abraçando uma mulher. Dentre o grupo que escolheu
a segunda peça, 75% foram motivadas a fazer essa opção
com base no nome do orfanato, e não pela imagem pura e
simplesmente.
Durante as entrevistas, o primeiro questionamento
dos interlocutores sobre os anúncios foi o porquê um or-
fanato pediria doações, e se caso doassem, como saberiam
se realmente esse dinheiro foi entregue. Casas que abrigam
crianças sem pais não fazem parte da realidade cubana, e
com raras exceções, essas instituições não dependem de
doações da população por se encontrarem sob a tutela do
governo. Mesmo trabalhando em cima de uma hipótese não
108
tão comum à realidade cubana, a maioria dos entrevista-
dos escolheram doar 1 CUC para o “orfanato das crianças
tristes” pois “mostram mais a necessidade” ou “necessitam
mais”. A palavra necessidad foi usada na maioria das entre-
vistas, nos permitindo traçar um paralelo de talvez identi-
ficação dos entrevistados com a própria necessidad cubana
de todos os dias em busca de dólares e bens fora da cader-
neta de racionamento.
Outro ponto importante é que ambas as peças tem
por finalidade cativar seu interlocutor através da emoção,
sendo ela negativa ou positiva. Assim, se desperto senti-
mentos negativos, nossos cérebros conseqüentemente terão
a insula, região do cérebro que possui um papel importante
na experiência da dor e de uma série de outras emoções, in-
cluindo raiva, medo e tristeza mais estimulada. Mas, se des-
perto sentimentos positivos, será a dopamina, neurotrans-
missor que ajuda a regular as resposta emocionais, assim
como a sensação de recompensa e prazer no cérebro, que
será estimulada. A escolha dos entrevistados da peça com as
crianças tristes, poderia ser então um reflexo sobre qual tipo
109
de sentimento, em uma situação como essa, ditaria o maior
ou menor sucesso do retorno de uma propaganda.
A também interpretação direta e básica com base
que se uma criança parece mais triste e com mais cara de
fome que a outra provavelmente ela precisará mais da do-
ação ficou evidente, revelando, talvez, a falta de “malícia”
dos participantes a estímulos publicitários mais complexos.
Em Cuba, além dos cidadãos não possuírem um alto
contato com estímulos publicitários, principalmente de mar-
cas, salvo publicidades políticas, as formas de propaganda
são extremamente primárias, não apresentando necessidade
de interpretações aprofundadas, sendo sempre muito dire-
tas. Assim, como possuímos diversas etapas quando apren-
demos a ler, passando de livros mais fáceis até textos muito
mais complexos, parece que a cultura cubana ainda se en-
contra nos primeiros passos desse aprendizado publicitário
tão pertencente ao mundo globalizado, mas ainda tão básico
na ilha.
110
Conclusão
A partir do embasamento teórico assinalado durante
os capítulos que se seguiram e uma breve perspectiva histó-
rica e antropológica do recorte escolhido para esse projeto,
o caso Cuba, podemos concluir que independentemente dos
espaços e temporalidades ou das formas estruturais com
que pensamos e agimos, como constatamos vendo alguns
conceitos da neurociência, será a cultura e sua forma única
de ser e estar em cada sociedade que determinará a tomada
de decisão de cada indivíduo. Não serão as redes neurais e
seus estímulos que provocarão nossas escolhas ou reações,
mas sim será a cultura que a moldará como um quadro em
branco e determinará através de códigos o significado de
cada coisa. Como seres dependentes do seu aprendizado
afim de nos adaptarmos às convenções que nos rodeiam,
poderemos perder por vezes a consciência dessa forma úni-
ca de existir e julgar a sociedade do “eu” e do “outro” como
111
simples objetos distantes, e não plurais como se deve ser.
Enquanto seres individuais, já as encontramos prontas fora de nós, na sociedade a que devemos aderir. So-mente após tê-las aprendido, passarão a existir em nós. E é necessário que façamos, pois esta é a única maneira de viver na sociedade que estas convenções presidem. Assim as convenções e os símbolos figuram primeiro no grupo. E apenas porque aí estão podem estar tam-bém nos indivíduos que a compõe. (Rodrigues, 1989: 38)
Dessa forma ficará clara a peculiaridade da cultura
cubana diante da sua também formação cultural e econômi-
ca únicas. Enquanto a maioria dos países do mundo convi-
vem com a avalanche de informações e economia de merca-
do favorecida principalmente pelo advento da globalização,
Cuba permanece “ilhada” dessa realidade há mais de cinco
décadas sobre o comando quase que onipresente do líder
revolucionário Fidel Castro. Possui além de tudo um sis-
tema de consumo extremamente controlado a partir de um
sistema monetário que opera com duas moedas distintas,
112
também manipulado pelo governo castrista. Enquanto seus
códigos para dinheiro e comprar estão intrinsecamente li-
gados a uma série de eventos na sua formação histórica,
que tem início desde antes da libertação da Espanha até a
era de ouro concedida pelo vínculo do país com a URSS,
esses, por sua vez, diferem fortemente dos significados que
estamos acostumados a ver na esfera capitalista do livre
consumo.
É a partir das entrevistas realizadas na pesquisa de
campo em Cuba que conseguimos mapear, embora não podendo
generalizar como verdade absoluta, as diferentes formas e
códigos culturais em relação a qual o significado de ser cuba-
no nos dias atuais para seus habitantes, o que significa a
relação com o Estado e seu líder no seu cotidiano, e qual
o sentido de comprar para uma população tão tolhida eco-
nomicamente durante décadas. A tríade conformismo, pai e
pecado, descrita durante o trabalho, nos guia não somente
no sentido de leitura do conjunto de mensagens coletadas,
mas sim à análise da sua estrutura comum.
113
Assim, baseando-se nas entrevistas realizadas, inde-
pendente do grupo social ou idade que esses cubanos per-
tencem, ser cubano nos dias de hoje carrega as amarras da
indisposição de vislumbrar um futuro ou uma situação dife-
rente da atual e de alguma forma mudar isso. Um fantasma
chamado conformismo parece assombrar a soleira das por-
tas da ilha sem animar seus moradores a transformarem a
situação do país, que há décadas não vivencia seus tempos
de glória.
A relação entre a população e seu líder Fidel Castro,
por sua vez, revela-se não só dentre os discursos coletados
como também pela estrutura trabalhista, estudantil e econô-
mica. O sentido das relações entre líder e população é forte-
mente evidenciado em um cotidiano onde pai (Fidel) e filho
(cubanos) interpretam perfeitamente seus papéis de coman-
do paternalista e obediência subserviente respectivamente.
Encaramos ainda a estrangulação econômica e li-
mites impostos pelo governo nas relações de troca, onde
comprar para o cubano se assimilaria a cometer um pecado,
114
diante da sua quase proibição e infração de regras para rea-
lizá-lo. Como expectadores aguçados, mas nem sempre tão
ativos, é indispensável analisar que o significado de com-
prar nas últimas cinco décadas da cultura cubana esteve
sempre envolvido em contextos de racionamento, escassez
, frustração e crise moral.
São algumas dessas respostas, tão indispensáveis
quanto sua análise imparcial, que nos ajudarão a ler pos-
teriormente as respostas dos mesmos entrevistados sobre
os três estímulos publicitários na forma de anúncios os
quais foram questionados sobre. Diante dos conceitos so-
bre algumas formas de funcionamento do cérebro humano
apresentados neste projeto, que como dito anteriormente,
não pretendem de modo algum questionar o valor e poder
indubitável da cultura diante da formação das diferentes
reações a estímulos diversos, vimos a força do cérebro ra-
cional nas decisões desses cubanos, como também a noção
de preço x qualidade, o freio dos consumidores pela satis-
fação imediata, e o nível de entendimento básico em relação
a complexidade das mensagens apresentadas.
115
Sobre o primeiro anúncio, uma adaptação de uma
peça publicitária da marca Volkswagen, foi possível notar
que além do lado extremamente racional dos entrevistados
de não se “iludirem” com o fator preço x qualidade, op-
tando pelo colete salva vidas mais barato ao invés do mais
caro como foi feito, possivelmente há na cultura cubana
uma ruptura no código o que é mais caro é melhor ao pon-
to do mesmo não ser estimulado em uma situação como
a apresentada. Dessa forma, diante do resultado das entre-
vistas, poderíamos levantar a hipótese de que os schemas,
estruturas mentais que organizam o conhecimento, ativa-
riam códigos mais fortes para esses cubanos baseando-se
intrinsecamente nas impressões mais marcantes no dia a dia
dessa cultura.
Vimos também o peso de uma tomada de decisão
baseada na sensação recompensa imediata de se obter um
produto ou não, tendo como variante o preço dos itens ofe-
recidos para compra. Em uma sociedade que não possui
espaço para o desperdício e o luxo, em sua maioria, a ra-
cionalidade acaba imperando sobre as decisões emocionais
116
e por impulso. Assim, para a maioria dos entrevistados,
compra-se quando se tem dinheiro para comprar, embora
possamos notar uma percentagem considerável daqueles
que abandonariam esse porto seguro por um momento e se
aventurariam pagando por diversos meses um objeto como
o computador apresentado na pesquisa.
Por fim, quando questionados sobre para qual dos
orfanatos dos dois anúncios apresentados escolheriam para
doar 1 CUC, sendo que ambas as peças tinham como ob-
jetivo instigar uma emoção positiva ou negativa, a maioria
dos entrevistados escolheu a mensagem simples e direta das
crianças tristes pedindo esmola na janela de um carro. Mais
do que entender que nesse caso a insula, responsável pelas
emoções negativas produzidas pelo cérebro, “ganhou” da
produção de dopamina, neurotransmissor referente à sen-
sação de recompensa e prazer, é identificar que a comple-
xidade das mensagens envolvidas foi determinante para a
tomada de decisão. Em uma sociedade como a cubana que
não convive com a avalanche de informações e propagan-
das dos países capitalistas, por exemplo, podemos notar que
117
a reação sobre um estímulo publicitário terá fatores deter-
minantes como os apresentados.
Aprender e investigar cada cultura afim de descobrir
o que realmente motiva os indivíduos a se comportarem
de tal forma e não de outra frente aos diferentes estímulos
que o mundo apresenta é uma prática exercida não só por
antropólogos, mas também por institutos de pesquisa con-
tratados por grandes empresas que gostariam de entender
o porquê das escolhas dos seus consumidores. Estudar as
culturas e sua singularidade nos permite somente a abrir os
olhos para o “outro”, mas principalmente entender o “eu” e
quem realmente somos.
O estudo do caso Cuba frente a diferentes estímulos
publicitários com a intenção de rascunhar sobre as reações
dessa sociedade é a continuação de uma série de pesquisas
realizadas nesse país tão único, e possui a pretensão de esti-
mular futuros projetos de pesquisa no campo antropológico.
Se os dias de glória da ilha já se encontram em lem-
branças distantes e em páginas amareladas, essa é a hora de
118
sermos espectadores atentos. Os ares de mudança já come-
çam a mostrar as transformações na ilha e talvez, em poucos
anos, os antagonismos aqui estudados sejam coadjuvantes
de uma Cuba que volta a pertencer ao mundo.
119
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Centro da cidade de Havana sob a chuva de verão
Quadro Museu da República - Campanha Contra o Analfa-betismo na década de 60 em Cuba
RECORTESRECORTES
124
Menina em Havana indo para a escola com meias Adidas
Vitrine com eletrodomésticos antigos na Chopin.
125
La Chopin em Havana Vieja
126
Carro antigo em Cienguegos - Cuba
Meninas voltando da escola primária em Trinidad - Cuba
127
Parede da rodoviária Via Azul em Trinidad - Cuba
Sorveteria Coppelia em Camaguey - Cuba
128
Guarda dormindo no famoso Museu da Revolução em Havana - Cuba
129
Duda Davidovic, eu, na Universidad de la Habana