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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO/2015
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CONTRADIÇÕES ENTRE OS SISTEMAS DE TRANSPORTE PÚBLICO, OS PADRÕES DE MOBILIDADE E A ESTRUTURAÇÃO DO
ESPAÇO NA REGIÃO METROPOLITANA DE FLORIANÓPOLIS.
RODRIGO GIRALDI COCCO1
Resumo
As contradições entre a qualidade dos serviços de transporte público coletivo, os padrões de mobilidade e de produção do espaço na Região Metropolitana de Florianópolis refletem uma inércia dinâmica proveniente da Formação Sócio-Espacial regional. Estes problemas se relacionam também à esfera institucional, à capacidade de financiamento estatal e às estruturas de poder presentes em diferentes escalas. Resultam destas contradições, a falta de intermodalidades e a ineficiência das redes de transporte público e, consequentemente, incrementos nos tempos de deslocamento cotidianos. Este artigo apresenta as origens destas contradições espaciais, acumuladas ao longo do processo histórico e sublinha a importância das instituições públicas de planejamento, nas ações de gestão, de planejamento, na criação de inovações e no financiamento de sistemas de transporte público – e mais além – de condições gerais de mobilidade, modificando este contexto adverso. Palavras-chave: Mobilidade Urbana, Formação Sócio-Espacial, Logística, Eficiência e Eficácia.
Abstract The contradictions between quality of collective public transport, mobility patterns and space structuring in the Florianopolis Metropolitan Area reflect the dynamic inertia arising of regional Socio-spatial Formation. These problems are related also to the institutional sphere, State financing, and power structures, at different scales. The results of these contradictions are the lack of intermodality and inefficient public transport networks, the lack of metropolitan connectivity, and therefore, increase in displacement times of daily mobility. This article shows the origins of these spatial contradictions, accumulated through of historical process and highlights the importance of the excellence in planning public institutions, in the actions of managing, planning, innovating, and financing public transport systems – and in addition – general conditions of mobility, changing this adverse situation.
Keywords: Daily mobility, Socio-Spatial Formation, Logistics, Efficiency and Effectiveness.
1. Introdução
A Região Metropolitana de Florianópolis (RMF) 2 possui características muito
peculiares no tocante aos seus padrões de mobilidade cotidiana, nível de serviço de
1Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC) e da Universidade Autônoma de Barcelona (UAB), em convênio de cotutela e dupla titulação. Contato: rodrigog.cocco@gmail.com. 2 Constituída pelos municípios catarinenses de Florianópolis, São José, Palhoça, Biguaçu, Santo
Amaro da Imperatriz, Governador Celso Ramos, Antônio Carlos, Águas Mornas e São Pedro de Alcântara. A nova Lei (LC 1/2014) também oficializa uma Área de Expansão Metropolitana que abarca os municípios de menor porte Alfredo Wagner, Angelina, Anitápolis, Canelinha Garopaba, Leoberto Leal, Major Gercino, Nova Trento, Paulo Lopes, Rancho Queimado, São Bonifácio, São João Batista e Tijucas.
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transportes públicos e condições gerais de mobilidade. A Região, dentre as áreas
metropolitanas do Sul e Sudeste, foi uma das que mais incrementou frota de
automóveis, como resultado das medidas anticíclicas adotadas desde o Governo
Lula da Silva (2003-2010) e sua continuidade no Governo Rousseff (2011-2014). Ao
mesmo tempo, programas habitacionais subsidiados e convencionais expandiram a
mancha urbana suburbana da região a taxas altíssimas, sem conferir acesso
adequado aos centros urbanos, tais como ocorrera em outras regiões do país.
Estes processos coetâneos ocorreram sobre um espaço com características
físico-naturais e socioespaciais muito peculiares, com aspectos provenientes de
outros modos de produção que intensificam estas contradições. Questiona-se,
portanto, que fatos específicos do processo histórico determinaram e vem
condicionando a continuidade destes problemas, bem como quais agentes sociais
tem sido hegemônicos e contra hegemônicos no sentido de manter concertações
conservadoras entorno deste tema.
Diante deste cenário, o presente trabalho objetiva analisar as contradições
entre a organização espacial da RMF e os sistemas de transportes e mobilidade
neste recorte espacial, bem como as fragilidades institucionais na escala
metropolitana, que acabam dificultando uma ação mais efetiva sobre estes
problemas.
2. Metodologia
O presente trabalho emprega metodologias mistas (quantitativo-
qualitativas), as quais vêm sendo defendidas por Geógrafos e outros pesquisadores
da área de transportes e de mobilidade. Isso não quer dizer excluir os dados
quantitativos, mas munir-se de conhecimento qualitativo sobre o objeto, que permita
inclusive melhor interpretar as matrizes e informações numéricas provenientes do
território (RØE, 2000). Nos seus elementos quantitativos, este trabalho inclui
analises de dados secundários, que incluem tabelas e gráficos que foram obtidas em
diferentes instituições públicas e privadas, quais sejam: Santa Catarina Parcerias e
Participações (SCPar), que encomendou o PLAMUS (Plano de Mobilidade Urbana
Sustentável), que inclui entrevistas de origem-destino (O-D), de volume de tráfego,
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de renovação de passageiros por quilômetro (IR), matriz modal, densidades urbanas
etc., financiadas pelo BNDES; Secretaria Municipal de Transportes de Florianópolis
(SMTF); Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); Departamento
Nacional de Trânsito (DENATRAN) e empresas privadas de transporte. As
entrevistas em profundidade foram direcionadas a gestores e planejadores de
instituições públicas, companhias privadas de transporte coletivo e, sindicatos de
empresários e de trabalhadores do serviço de transportes na RMF. Ao total, desde
2013, foram aplicadas 39 entrevistas com duração média de 1 hora e 30 minutos
desde uma sequência de questões especificas (10 a 20 perguntas) a cada agente,
segundo o papel desempenhado por cada um na organização do sistema.
Especificamente para este artigo, foram utilizadas reflexões originadas de algumas
destas entrevistas. Vale ressaltar que estas entrevistas foram analisadas a partir de
procedimentos de análise do discurso (IÑIGUEZ-RUEDA ET AL, 2003), identificando
coesões ou divergências de ações e de interesses, bem como o posicionamento
político destes agentes sociais.
3. A influência da Formação Sócio-Espacial regional sobre as contradições
entre mobilidade, infraestruturas de transportes e produção do espaço
metropolitano.
O primeiro aspecto a ser salientado é o da tradição portuguesa de
planejamento, no que se refere à localização das primeiras vilas em suas colônias.
Como é notório, o planejamento das áreas de colonização portuguesas – tal como
em Florianópolis – seguiram a lógica de adaptar-se a acidentes geográficos,
objetivando dificultar as invasões (VEIGA, 1990), fato que com o passar do tempo
seria um obstáculo para a mobilidade no espaço da cidade. Posteriormente, o
território recebeu levas de imigrantes açorianos (séc. XVIII) (PELUSO JR, 1991),
fator que também teve impacto no processo de urbanização, haja vista que o sui
generis desmembramento dos lotes de famílias açorianas resultou em estruturas de
vias e caminhos estreitos e longos sem a presença de quadrículas. Este processo
gerou impacto às diferentes formas de mobilidade.
Por exemplo, um único segmento de servidão (denominação deste tipo de
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via) – que pode se estender ao longo de 2 ou 3 quilômetros – dificilmente é capaz de
gerar demanda para uma única linha de transporte publico. Isso gera a necessidade
econômica de “aproveitamentos de linhas” que formam “ziguezagues”, com os
ônibus indo e voltando em cada uma destas vias estreitas de difícil acesso3. Esta
realidade é comum em bairros como Forquilhinhas (área continental) e na Ilha, em
Capivari e Santinho, no norte da Ilha de Santa Catarina.
Outro reflexo da Formação Sócio-Espacial (FSE) (SANTOS, 1982) sobre a
mobilidade relaciona-se com a involução da pequena produção açoriana no sentido
de avançar em direção a uma produção efetivamente capitalista (CAMPOS, 1991).
Este cenário afetou os padrões de mobilidade, ao conduzir praticamente a uma
“divisão regional do trabalho” entre a Grande Florianópolis – convertida em centro
administrativo do Estado – e o Vale do Itajaí, de maior teor industrial, onde se
desenvolveu uma pequena produção capitalista alemã (MAMIGONIAN, 1969). O fato
é que todas as instituições públicas de gestão e planejamento de Santa Catarina,
bem como importantes autarquias federais, foram sendo edificadas e concentradas
na parte insular de Florianópolis, na Ilha de Santa Catarina, enquanto as áreas
privilegiadas de expansão urbana foram se consolidando na parte continental
(municípios como São José, Palhoça e Biguaçu), condicionando o padrão de
deslocamentos (Figura 1). As áreas privilegiadas de expansão da mancha urbana
correspondem aos municípios continentais de Palhoça, em direção ao sul da
Região, áreas a oeste de São José, Biguaçu e, o norte da Ilha, onde se observam as
manchas em vermelho (Figura 01). Os demais municípios da RMF e da Área de
Expansão Metropolitana também participam deste processo, em maior ou menor
intensidade. Ressalta-se que as pontes funcionam como vias expressas, nas quais
não há pista exclusiva para ônibus e as passagens para pedestres e ciclistas são
inadequadas. Ademais, não há um transporte marítimo regular eficaz para os
passageiros.
3 Entrevista concedida por Edgar Conrado, Gerente de tráfego da empresa Estrela Transportes
Coletivos. Entrevista I. [fev. 2015]. Entrevistador: Rodrigo Giraldi Cocco. Florianópolis, 2015.
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Figura 01: Expansão urbana na Região Metropolitana de Florianópolis entre 1950 e 2000.
Fonte: Prefeitura de Florianópolis; PLAMUS, 2015. Organização: COCCO, 2015.
Esta configuração territorial e de ocupação, embora tenha se complexificado
– devido à geração de centros e centralidades também nos municípios continentais
– tem condicionado um padrão de fluxos pendulares diários (commutings), processo
que foi se intensificando devido a pouca intervenção do Estado no que diz respeito
ao incentivo de implantações de usos do solo mistos, visando maiores
autocontenções e viabilidades para transporte público na ilha e no continente. No
entanto, a ilha segue sendo o maior polo de atração de viagens diárias, seguido dos
municípios de São José e Palhoça. As condições nas quais se efetuam os
deslocamentos destes commuters – principalmente quando são efetuadas por
transporte público – tem piorado progressivamente em função da ausência de
corredores exclusivos e do próprio caráter disperso e praticamente monofuncional
do entorno destes itinerários. As áreas mais densas onde há forte ocorrência entre
3.000 e 8.000 hab./km2 (IBGE, 2014) concentram-se praticamente apenas nas
cabeceiras das pontes, que correspondem ao núcleo inicial da colonização. Estas,
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no entanto, não aumentam em termos populacionais no ritmo das demais áreas,
como o Norte da Ilha e as cidades continentais.
Ademais, estas áreas conformam apenas cerca de 200 km2 dos 2.514 km2
de toda a Região Metropolitana, onde predominam índices de ocupação de baixa
densidade (predominância de uma faixa de 32 a 1.700 hab./km2) (IBGE, 2014). É
importante ressaltar, sob baixa mescla de usos do solo, o que é nefasto para a
consolidação de desenvolvimentos urbanos orientados por transporte público
(Transit Oriented Development) (CERVERO, 2013). Enquanto isso, 80% da
população de cidades como Barcelona, vivem em entornos urbanos com densidades
superiores a 15.000 hab./km2 (MIRALLES GUASCH; MARQUET SARDÁ, 2014).
Não por acaso, os melhores índices de renovação (IR) 4 do sistema de
transporte público da RMF ocorrem apenas em linhas que se aproximam do centro
histórico insular e continental, como é o caso das linhas “UFSC Semi-direto” e a
linha “Volta ao Morro”, que tem, respectivamente, IRs de 2,01 e 2,52.
A baixa mescla de usos dificulta a constituição de IRs adequados aos
sistemas de transportes públicos intra-urbanos e metropolitanos, como se observa
nas linhas de ônibus entre Palhoça e Florianópolis (Tabela 01).
Linha Pass.
Embarc-ados
Extensão da linha
(km) Horário Sentido IPK IR
Vel. Média
(Km/hora)
Palhoça-Florianópolis 22 14 07:50 Bairro 1,55 1,05 45
Palhoça-Florianópolis 93 14 6:50 Centro 6,55 1,00 10
Palhoça-Florianópolis 50 14 16:51 Centro 3,52 1,00 35
Palhoça-Florianópolis 83 14 17:10 Bairro 5,85 1,08 10
Tabela 01: Desempenho operacional da linha Palhoça-Florianópolis, em 2014. Fonte: PLAMUS, 2015.
Organização: COCCO, 2015.
Ao mesmo tempo, as medidas anticíclicas baseadas na dinamização da
indústria automobilística, com incremento de renda, conduziram a um cenário de
engarrafamentos diários em muitos trechos do território da RMF, com repercussões
que afetam a eficiência e a eficácia (FENSTERSEIFER, 1986) do sistema, como
abordaremos a seguir.
4 Os índices de renovação de passageiros (IR) refletem os ritmos e a frequência de embarques-
desembarques em uma determinada linha de transporte público, apontando assim, sua eficiência, eficácia e lucratividade. Quanto mais próximos de “1,00” menores são as ocorrências de renovações (embarques e desembarques) ao longo da linha e, portanto, menor é a sua eficiência econômica.
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4. Contradições territoriais e seus efeitos sobre os transportes públicos e a
mobilidade cotidiana na RMF.
Em função da combinação destes fatores que foram analisados, os tempos
de deslocamento do sistema de transporte público na RMF têm crescido
sistematicamente. Os transportes públicos, devido às suas características
operacionais singulares são os mais prejudicados por este cenário, exibindo uma
média de tempo de viagem de 59 minutos, enquanto o transporte individual privado
mostra uma média de 31 minutos (PLAMUS, 2015). Esses e outros fatores afetam
negativamente a mobilidade das categorias sociais que utilizam o ônibus, assim
como geram avaliações negativas na percepção daqueles que podem optar entre o
transporte público e o individual (MIRALLES-GUASCH; MARQUET SARDÁ, 2014),
levando ao uso diário e exacerbado deste último.
Mais concretamente, p.ex. desde o norte da Ilha de Florianópolis, até a
Universidade Federal (UFSC), se efetuada de automóvel, uma viagem leva cerca de
30 minutos, mas se é efetuado por ônibus, pode levar 75 minutos ou mais,
considerando que neste itinerário de apenas 26 km, o ônibus deve adentrar 3
terminais de baldeação antes de chegar à UFSC.
Outro exemplo que pode ser dado é o de deslocamentos entre terminais de
integração importantes. Entre o TICEN e o TICAN5, nos anos de 2003, o trajeto de
ônibus era efetuado em 25 minutos e atualmente, se faz em 45 minutos nos entre-
picos e até 1h e 50min. , nos horários mais congestionados. A eficiência econômica
do sistema também diminui, pois 1 único ônibus, com uma tripulação de 1 motorista
e um cobrador, em 2003 efetuava 20 viagens por dia. Este mesmo ônibus
atualmente, só consegue efetuar 7 viagens e para as demais, é necessário deslocar
mais 1 ou até 2 ônibus, incrementando custos operacionais e reduzindo o nível de
serviço ao usuário, haja vista que se trata de um sistema sem subsídio aos custos
operacionais.
Ressalta-se que os atrasos recorrentes dos ônibus em congestionamento
podem encarecer o sistema, gerando muitos custos ao operador, como excesso de 5 TICEN – Terminal de Integração Central, TICAN – Terminal de Integração de Canasvieiras.
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ônibus nos terminais; sobrecarga mecânica de determinados veículos em detrimento
de outros; excesso de passageiros nos terminais; excesso de mão de obra adicional
operando ou efetuando muitas horas-extras etc. É considerando este contexto que
as empresas de maior porte têm aplicado softwares de programação horária e de
escala de tripulação, considerando que as variáveis para planejar são múltiplas.
Estes softwares geram cenários futuros semanais e mensais, sem alterar a
quantidade de funcionários e de frota de ônibus utilizada6. Assim, funcionam:
Acumulando as estatísticas de congestionamento para a geração de escalas de
trabalho (diagramas de marcha);
Projetando escalas que reduzem adição de fatores, evitando horas-extras,
escalas de folgas, veículos que entrarão e sairão da manutenção etc.;
Cruzando os dados de demanda provenientes da bilhetagem eletrônica, via
conexão inalâmbrica dos ônibus, com os tamanhos de veículos disponíveis.
De fato, nas operações corporativas internas, os capitais buscam ao máximo
integrar processos (inclusive entre capitais, atualmente consorciados), mas no
âmbito de suas operações externas, o sistema é gerido de modo fragmentado e com
contradições entre os próprios agentes estatais, haja vista a fraqueza do Estado em
planejar, gerir e reestruturar o sistema.
Embora esta Logística Corporativa (SILVEIRA, 2011) opere na contenção de
custos, não necessariamente se reflete em eficácia para o usuário. Pelo contrário,
paradoxalmente, as ações de sincronização de linhas efetuadas com ajuda destes
softwares de escala de tripulação – uma categoria de SIT (Sistema Inteligente de
Transporte) (SEGUÍ PONS; MARTINEZ REYNÉS, 2004) afetam negativamente a
confiabilidade do serviço ao usuário, pois consistem em alterações constantes de
horários (atrasos de certas linhas para que, nos terminais de integração, sincronizem
com outras). Dados de janeiro/fevereiro de 2015 mostram que, considerando certas
linhas de um dos operadores privados, somente 60% das viagens estavam dentro
do ciclo de linha ideal e apenas 56% operavam com pontualidade7.
6 Entrevista concedida por técnico de empresa operadora privada do setor de transporte público.
Entrevista II. [fev. 2015]. Entrevistador: Rodrigo Giraldi Cocco. Florianópolis, 2015. 1 arquivo .mp4 (2h 15 min.). 7Id., 2010.
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Não obstante, estes capitais normalmente são reticentes a reestruturações
mais profundas do sistema (VASCONCELLOS, 2014), como conversões em BRT-
FULL, sistemas intermodais (com outros modos e modais), modernizações de frota e
categorias de SIT pró-eficácia ao usuário etc. Em suma, estas ações corporativas
(para garantia de rentabilidade) nem sempre fazem do transporte público um serviço
competitivo em relação à escolha do uso diário do automóvel.
Esta baixa competitividade dos transportes públicos na RMF se reflete na
matriz modal da Região. Em Florianópolis, 48 % das pessoas utilizam automóvel
particular em seus deslocamentos diários, contra apenas 20% que utilizam
transporte público (PLAMUS, 2014). Ressalta-se que entre os anos de 2002 e 2014,
o aumento da frota de automóveis atingiu cifras de 80% na capital Florianópolis, e
até 200 % no caso de Palhoça, enquanto o aumento da frota de ônibus permaneceu
praticamente estagnada (DENATRAN, 2014). As taxas anuais seguiram valores
entre 5% e até 12% de adição de automóveis nos sistema viário da Região,
conduzindo a congestionamentos crescentes. Aqui, deve ser colocado em questão
não a estratégia nacional anticíclica de geração de empregos através da indústria
automobilística (pelo menos 21% do PIB industrial), mas a dificudade de superar as
contradições geradas pelos saltos dialéticos inerentes ao desenvolvimento
(RANGEL, 2005).
Ressalta-se que a RMF se urbanizou praticamente ao longo das rodovias
estaduais e federais, as quais, originalmente foram implementadas para os
deslocamentos interestaduais e regionais de longa distância (BR-101, BR-282), e
para unir os núcleos mais densos às então áreas de balneários (SC-401, SC-408
etc.). Estas infraestruturas, atualmente funcionam como vias de ligação local e de
deslocamentos intra-urbanos, sendo muitas delas já incorporadas enquanto
verdadeiras avenidas urbanas. No entanto, não são geridas como tais, haja vista
que muitas instituições estatais, em geral, ainda:
Tem sido avessas à inclusão de corredores exclusivos para ônibus;
Ainda se pensa em construções de passarelas sobre as vias e não em reduções
de velocidade, semaforização específica para BRTs e VLTs etc.
Apesar da estruturação de uma nova instituição metropolitana (SUDERF), as
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concertações interinstitucionais ainda são pouco consolidadas8.
Além disso, havendo contradições entre instituições que não rompem os
padrões anteriores de ações (HRELJA et al, 2013) – que não resulta em uma
síntese dialética – pouco se discute em termos de avançar no sentido de uma
política interinstitucional de subsídios, fundamental para a convergência entre
eficiência (para o capital) e eficácia (para o usuário).
5. Conclusões
No presente artigo foi possível observar a presença de contradições na
esfera institucional, bem como a ausência de agentes institucionais que operem
como um ponto de convergência para as demandas sociais. Estas fragilidades,
somadas às contradições acumuladas historicamente e cristalizadas no espaço, tem
condicionado a má qualidade dos serviços de transporte público e as más condições
de mobilidade urbana na Região Metropolitana de Florianópolis. Observa-se
também, fragilidades de integração de trabalho entre as entidades federais e de
conciliação entre as instituições catarinenses e entre estes e os agentes privados
(operadores de transporte público). Há, portanto, fragilidades nas ações de Logística
de Estado, que afetam tanto a eficiência econômica para o capital de transportes,
quanto à eficácia dos transportes públicos para o usuário. Concluímos que embora a
Formação Sócio-Espacial (FSE) e suas rugosidades afetem intensamente a criação
de soluções para a mobilidade, não se trata de impeditivos absolutos. Obviamente
que devido às combinações geográficas presentes, a tarefa de produzir sistemas de
transportes públicos eficazes e mais confortáveis tem exigido uma combinação de
ações que as instituições, os sistemas de financiamentos e sistemas de normas
historicamente sedimentados na RMF, não estão preparadas para executar, pois
foram estruturadas para operar segundo outra conjuntura da FSE. Isso pode ser
verificado no caso da operação das rodovias da Região.
Contudo, é possível gerar convergências entre ações corporativas e ações
para a eficácia, mas isso exige uma intervenção muito contundente do Estado, no
8Entrevista concedida por técnico estatal do setor. Entrevista III. [abril. 2015]. Entrevistador: Rodrigo
Giraldi Cocco. Florianópolis, 2015. 1 arquivo .mp4 (2h min.).
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que concerne às políticas de subsídios à operação (criação de fundos); criação,
manutenção e aperfeiçoamento contínuo das instituições de planejamento
metropolitanas; treinamento de mão de obra altamente qualificada para estas
instituições, com praticas regulares de benchmarking e; estímulo à inovação
tecnológica no setor. Deve-se também, refletir sobre a formação de planejadores
críticos, ou seja, intelectuais-planejadores orgânicos (GRAMSCI, 1989) com as
necessidades imediatas, mas também futuras da população servida. O produto, a
inovação, produz seu consumidor (MARX, 2011) e do mesmo modo, sua estagnação
produz um consumidor com baixo padrão de consumo – no caso, referimo-nos aos
produtos “mobilidade” e “transportes” – e assim, exigências aquém daquilo que há
disponível em termos de soluções. Por essas razões, os “participativismos” nas
políticas urbanas denunciados por Maricato (2012) são ainda mais ineficazes no
tocante às inovações em mobilidade e transportes, pois dependem de intelectuais
orgânicos que ajudem a guiar a tomada de decisões da população. Obviamente não
se trata de defender menos participação, mas sim, consolidar uma participação mais
efetiva, a partir de um locus institucional aparelhado para fazê-lo.
6. Bibliografia
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