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CONTRADIÇÕES ENTRE OS SISTEMAS DE TRANSPORTE PÚBLICO, OS PADRÕES DE MOBILIDADE E A ESTRUTURAÇÃO DO

ESPAÇO NA REGIÃO METROPOLITANA DE FLORIANÓPOLIS.

RODRIGO GIRALDI COCCO1

Resumo

As contradições entre a qualidade dos serviços de transporte público coletivo, os padrões de mobilidade e de produção do espaço na Região Metropolitana de Florianópolis refletem uma inércia dinâmica proveniente da Formação Sócio-Espacial regional. Estes problemas se relacionam também à esfera institucional, à capacidade de financiamento estatal e às estruturas de poder presentes em diferentes escalas. Resultam destas contradições, a falta de intermodalidades e a ineficiência das redes de transporte público e, consequentemente, incrementos nos tempos de deslocamento cotidianos. Este artigo apresenta as origens destas contradições espaciais, acumuladas ao longo do processo histórico e sublinha a importância das instituições públicas de planejamento, nas ações de gestão, de planejamento, na criação de inovações e no financiamento de sistemas de transporte público – e mais além – de condições gerais de mobilidade, modificando este contexto adverso. Palavras-chave: Mobilidade Urbana, Formação Sócio-Espacial, Logística, Eficiência e Eficácia.

Abstract The contradictions between quality of collective public transport, mobility patterns and space structuring in the Florianopolis Metropolitan Area reflect the dynamic inertia arising of regional Socio-spatial Formation. These problems are related also to the institutional sphere, State financing, and power structures, at different scales. The results of these contradictions are the lack of intermodality and inefficient public transport networks, the lack of metropolitan connectivity, and therefore, increase in displacement times of daily mobility. This article shows the origins of these spatial contradictions, accumulated through of historical process and highlights the importance of the excellence in planning public institutions, in the actions of managing, planning, innovating, and financing public transport systems – and in addition – general conditions of mobility, changing this adverse situation.

Keywords: Daily mobility, Socio-Spatial Formation, Logistics, Efficiency and Effectiveness.

1. Introdução

A Região Metropolitana de Florianópolis (RMF) 2 possui características muito

peculiares no tocante aos seus padrões de mobilidade cotidiana, nível de serviço de

1Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Santa

Catarina (UFSC) e da Universidade Autônoma de Barcelona (UAB), em convênio de cotutela e dupla titulação. Contato: rodrigog.cocco@gmail.com. 2 Constituída pelos municípios catarinenses de Florianópolis, São José, Palhoça, Biguaçu, Santo

Amaro da Imperatriz, Governador Celso Ramos, Antônio Carlos, Águas Mornas e São Pedro de Alcântara. A nova Lei (LC 1/2014) também oficializa uma Área de Expansão Metropolitana que abarca os municípios de menor porte Alfredo Wagner, Angelina, Anitápolis, Canelinha Garopaba, Leoberto Leal, Major Gercino, Nova Trento, Paulo Lopes, Rancho Queimado, São Bonifácio, São João Batista e Tijucas.

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transportes públicos e condições gerais de mobilidade. A Região, dentre as áreas

metropolitanas do Sul e Sudeste, foi uma das que mais incrementou frota de

automóveis, como resultado das medidas anticíclicas adotadas desde o Governo

Lula da Silva (2003-2010) e sua continuidade no Governo Rousseff (2011-2014). Ao

mesmo tempo, programas habitacionais subsidiados e convencionais expandiram a

mancha urbana suburbana da região a taxas altíssimas, sem conferir acesso

adequado aos centros urbanos, tais como ocorrera em outras regiões do país.

Estes processos coetâneos ocorreram sobre um espaço com características

físico-naturais e socioespaciais muito peculiares, com aspectos provenientes de

outros modos de produção que intensificam estas contradições. Questiona-se,

portanto, que fatos específicos do processo histórico determinaram e vem

condicionando a continuidade destes problemas, bem como quais agentes sociais

tem sido hegemônicos e contra hegemônicos no sentido de manter concertações

conservadoras entorno deste tema.

Diante deste cenário, o presente trabalho objetiva analisar as contradições

entre a organização espacial da RMF e os sistemas de transportes e mobilidade

neste recorte espacial, bem como as fragilidades institucionais na escala

metropolitana, que acabam dificultando uma ação mais efetiva sobre estes

problemas.

2. Metodologia

O presente trabalho emprega metodologias mistas (quantitativo-

qualitativas), as quais vêm sendo defendidas por Geógrafos e outros pesquisadores

da área de transportes e de mobilidade. Isso não quer dizer excluir os dados

quantitativos, mas munir-se de conhecimento qualitativo sobre o objeto, que permita

inclusive melhor interpretar as matrizes e informações numéricas provenientes do

território (RØE, 2000). Nos seus elementos quantitativos, este trabalho inclui

analises de dados secundários, que incluem tabelas e gráficos que foram obtidas em

diferentes instituições públicas e privadas, quais sejam: Santa Catarina Parcerias e

Participações (SCPar), que encomendou o PLAMUS (Plano de Mobilidade Urbana

Sustentável), que inclui entrevistas de origem-destino (O-D), de volume de tráfego,

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de renovação de passageiros por quilômetro (IR), matriz modal, densidades urbanas

etc., financiadas pelo BNDES; Secretaria Municipal de Transportes de Florianópolis

(SMTF); Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); Departamento

Nacional de Trânsito (DENATRAN) e empresas privadas de transporte. As

entrevistas em profundidade foram direcionadas a gestores e planejadores de

instituições públicas, companhias privadas de transporte coletivo e, sindicatos de

empresários e de trabalhadores do serviço de transportes na RMF. Ao total, desde

2013, foram aplicadas 39 entrevistas com duração média de 1 hora e 30 minutos

desde uma sequência de questões especificas (10 a 20 perguntas) a cada agente,

segundo o papel desempenhado por cada um na organização do sistema.

Especificamente para este artigo, foram utilizadas reflexões originadas de algumas

destas entrevistas. Vale ressaltar que estas entrevistas foram analisadas a partir de

procedimentos de análise do discurso (IÑIGUEZ-RUEDA ET AL, 2003), identificando

coesões ou divergências de ações e de interesses, bem como o posicionamento

político destes agentes sociais.

3. A influência da Formação Sócio-Espacial regional sobre as contradições

entre mobilidade, infraestruturas de transportes e produção do espaço

metropolitano.

O primeiro aspecto a ser salientado é o da tradição portuguesa de

planejamento, no que se refere à localização das primeiras vilas em suas colônias.

Como é notório, o planejamento das áreas de colonização portuguesas – tal como

em Florianópolis – seguiram a lógica de adaptar-se a acidentes geográficos,

objetivando dificultar as invasões (VEIGA, 1990), fato que com o passar do tempo

seria um obstáculo para a mobilidade no espaço da cidade. Posteriormente, o

território recebeu levas de imigrantes açorianos (séc. XVIII) (PELUSO JR, 1991),

fator que também teve impacto no processo de urbanização, haja vista que o sui

generis desmembramento dos lotes de famílias açorianas resultou em estruturas de

vias e caminhos estreitos e longos sem a presença de quadrículas. Este processo

gerou impacto às diferentes formas de mobilidade.

Por exemplo, um único segmento de servidão (denominação deste tipo de

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via) – que pode se estender ao longo de 2 ou 3 quilômetros – dificilmente é capaz de

gerar demanda para uma única linha de transporte publico. Isso gera a necessidade

econômica de “aproveitamentos de linhas” que formam “ziguezagues”, com os

ônibus indo e voltando em cada uma destas vias estreitas de difícil acesso3. Esta

realidade é comum em bairros como Forquilhinhas (área continental) e na Ilha, em

Capivari e Santinho, no norte da Ilha de Santa Catarina.

Outro reflexo da Formação Sócio-Espacial (FSE) (SANTOS, 1982) sobre a

mobilidade relaciona-se com a involução da pequena produção açoriana no sentido

de avançar em direção a uma produção efetivamente capitalista (CAMPOS, 1991).

Este cenário afetou os padrões de mobilidade, ao conduzir praticamente a uma

“divisão regional do trabalho” entre a Grande Florianópolis – convertida em centro

administrativo do Estado – e o Vale do Itajaí, de maior teor industrial, onde se

desenvolveu uma pequena produção capitalista alemã (MAMIGONIAN, 1969). O fato

é que todas as instituições públicas de gestão e planejamento de Santa Catarina,

bem como importantes autarquias federais, foram sendo edificadas e concentradas

na parte insular de Florianópolis, na Ilha de Santa Catarina, enquanto as áreas

privilegiadas de expansão urbana foram se consolidando na parte continental

(municípios como São José, Palhoça e Biguaçu), condicionando o padrão de

deslocamentos (Figura 1). As áreas privilegiadas de expansão da mancha urbana

correspondem aos municípios continentais de Palhoça, em direção ao sul da

Região, áreas a oeste de São José, Biguaçu e, o norte da Ilha, onde se observam as

manchas em vermelho (Figura 01). Os demais municípios da RMF e da Área de

Expansão Metropolitana também participam deste processo, em maior ou menor

intensidade. Ressalta-se que as pontes funcionam como vias expressas, nas quais

não há pista exclusiva para ônibus e as passagens para pedestres e ciclistas são

inadequadas. Ademais, não há um transporte marítimo regular eficaz para os

passageiros.

3 Entrevista concedida por Edgar Conrado, Gerente de tráfego da empresa Estrela Transportes

Coletivos. Entrevista I. [fev. 2015]. Entrevistador: Rodrigo Giraldi Cocco. Florianópolis, 2015.

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Figura 01: Expansão urbana na Região Metropolitana de Florianópolis entre 1950 e 2000.

Fonte: Prefeitura de Florianópolis; PLAMUS, 2015. Organização: COCCO, 2015.

Esta configuração territorial e de ocupação, embora tenha se complexificado

– devido à geração de centros e centralidades também nos municípios continentais

– tem condicionado um padrão de fluxos pendulares diários (commutings), processo

que foi se intensificando devido a pouca intervenção do Estado no que diz respeito

ao incentivo de implantações de usos do solo mistos, visando maiores

autocontenções e viabilidades para transporte público na ilha e no continente. No

entanto, a ilha segue sendo o maior polo de atração de viagens diárias, seguido dos

municípios de São José e Palhoça. As condições nas quais se efetuam os

deslocamentos destes commuters – principalmente quando são efetuadas por

transporte público – tem piorado progressivamente em função da ausência de

corredores exclusivos e do próprio caráter disperso e praticamente monofuncional

do entorno destes itinerários. As áreas mais densas onde há forte ocorrência entre

3.000 e 8.000 hab./km2 (IBGE, 2014) concentram-se praticamente apenas nas

cabeceiras das pontes, que correspondem ao núcleo inicial da colonização. Estas,

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no entanto, não aumentam em termos populacionais no ritmo das demais áreas,

como o Norte da Ilha e as cidades continentais.

Ademais, estas áreas conformam apenas cerca de 200 km2 dos 2.514 km2

de toda a Região Metropolitana, onde predominam índices de ocupação de baixa

densidade (predominância de uma faixa de 32 a 1.700 hab./km2) (IBGE, 2014). É

importante ressaltar, sob baixa mescla de usos do solo, o que é nefasto para a

consolidação de desenvolvimentos urbanos orientados por transporte público

(Transit Oriented Development) (CERVERO, 2013). Enquanto isso, 80% da

população de cidades como Barcelona, vivem em entornos urbanos com densidades

superiores a 15.000 hab./km2 (MIRALLES GUASCH; MARQUET SARDÁ, 2014).

Não por acaso, os melhores índices de renovação (IR) 4 do sistema de

transporte público da RMF ocorrem apenas em linhas que se aproximam do centro

histórico insular e continental, como é o caso das linhas “UFSC Semi-direto” e a

linha “Volta ao Morro”, que tem, respectivamente, IRs de 2,01 e 2,52.

A baixa mescla de usos dificulta a constituição de IRs adequados aos

sistemas de transportes públicos intra-urbanos e metropolitanos, como se observa

nas linhas de ônibus entre Palhoça e Florianópolis (Tabela 01).

Linha Pass.

Embarc-ados

Extensão da linha

(km) Horário Sentido IPK IR

Vel. Média

(Km/hora)

Palhoça-Florianópolis 22 14 07:50 Bairro 1,55 1,05 45

Palhoça-Florianópolis 93 14 6:50 Centro 6,55 1,00 10

Palhoça-Florianópolis 50 14 16:51 Centro 3,52 1,00 35

Palhoça-Florianópolis 83 14 17:10 Bairro 5,85 1,08 10

Tabela 01: Desempenho operacional da linha Palhoça-Florianópolis, em 2014. Fonte: PLAMUS, 2015.

Organização: COCCO, 2015.

Ao mesmo tempo, as medidas anticíclicas baseadas na dinamização da

indústria automobilística, com incremento de renda, conduziram a um cenário de

engarrafamentos diários em muitos trechos do território da RMF, com repercussões

que afetam a eficiência e a eficácia (FENSTERSEIFER, 1986) do sistema, como

abordaremos a seguir.

4 Os índices de renovação de passageiros (IR) refletem os ritmos e a frequência de embarques-

desembarques em uma determinada linha de transporte público, apontando assim, sua eficiência, eficácia e lucratividade. Quanto mais próximos de “1,00” menores são as ocorrências de renovações (embarques e desembarques) ao longo da linha e, portanto, menor é a sua eficiência econômica.

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4. Contradições territoriais e seus efeitos sobre os transportes públicos e a

mobilidade cotidiana na RMF.

Em função da combinação destes fatores que foram analisados, os tempos

de deslocamento do sistema de transporte público na RMF têm crescido

sistematicamente. Os transportes públicos, devido às suas características

operacionais singulares são os mais prejudicados por este cenário, exibindo uma

média de tempo de viagem de 59 minutos, enquanto o transporte individual privado

mostra uma média de 31 minutos (PLAMUS, 2015). Esses e outros fatores afetam

negativamente a mobilidade das categorias sociais que utilizam o ônibus, assim

como geram avaliações negativas na percepção daqueles que podem optar entre o

transporte público e o individual (MIRALLES-GUASCH; MARQUET SARDÁ, 2014),

levando ao uso diário e exacerbado deste último.

Mais concretamente, p.ex. desde o norte da Ilha de Florianópolis, até a

Universidade Federal (UFSC), se efetuada de automóvel, uma viagem leva cerca de

30 minutos, mas se é efetuado por ônibus, pode levar 75 minutos ou mais,

considerando que neste itinerário de apenas 26 km, o ônibus deve adentrar 3

terminais de baldeação antes de chegar à UFSC.

Outro exemplo que pode ser dado é o de deslocamentos entre terminais de

integração importantes. Entre o TICEN e o TICAN5, nos anos de 2003, o trajeto de

ônibus era efetuado em 25 minutos e atualmente, se faz em 45 minutos nos entre-

picos e até 1h e 50min. , nos horários mais congestionados. A eficiência econômica

do sistema também diminui, pois 1 único ônibus, com uma tripulação de 1 motorista

e um cobrador, em 2003 efetuava 20 viagens por dia. Este mesmo ônibus

atualmente, só consegue efetuar 7 viagens e para as demais, é necessário deslocar

mais 1 ou até 2 ônibus, incrementando custos operacionais e reduzindo o nível de

serviço ao usuário, haja vista que se trata de um sistema sem subsídio aos custos

operacionais.

Ressalta-se que os atrasos recorrentes dos ônibus em congestionamento

podem encarecer o sistema, gerando muitos custos ao operador, como excesso de 5 TICEN – Terminal de Integração Central, TICAN – Terminal de Integração de Canasvieiras.

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ônibus nos terminais; sobrecarga mecânica de determinados veículos em detrimento

de outros; excesso de passageiros nos terminais; excesso de mão de obra adicional

operando ou efetuando muitas horas-extras etc. É considerando este contexto que

as empresas de maior porte têm aplicado softwares de programação horária e de

escala de tripulação, considerando que as variáveis para planejar são múltiplas.

Estes softwares geram cenários futuros semanais e mensais, sem alterar a

quantidade de funcionários e de frota de ônibus utilizada6. Assim, funcionam:

Acumulando as estatísticas de congestionamento para a geração de escalas de

trabalho (diagramas de marcha);

Projetando escalas que reduzem adição de fatores, evitando horas-extras,

escalas de folgas, veículos que entrarão e sairão da manutenção etc.;

Cruzando os dados de demanda provenientes da bilhetagem eletrônica, via

conexão inalâmbrica dos ônibus, com os tamanhos de veículos disponíveis.

De fato, nas operações corporativas internas, os capitais buscam ao máximo

integrar processos (inclusive entre capitais, atualmente consorciados), mas no

âmbito de suas operações externas, o sistema é gerido de modo fragmentado e com

contradições entre os próprios agentes estatais, haja vista a fraqueza do Estado em

planejar, gerir e reestruturar o sistema.

Embora esta Logística Corporativa (SILVEIRA, 2011) opere na contenção de

custos, não necessariamente se reflete em eficácia para o usuário. Pelo contrário,

paradoxalmente, as ações de sincronização de linhas efetuadas com ajuda destes

softwares de escala de tripulação – uma categoria de SIT (Sistema Inteligente de

Transporte) (SEGUÍ PONS; MARTINEZ REYNÉS, 2004) afetam negativamente a

confiabilidade do serviço ao usuário, pois consistem em alterações constantes de

horários (atrasos de certas linhas para que, nos terminais de integração, sincronizem

com outras). Dados de janeiro/fevereiro de 2015 mostram que, considerando certas

linhas de um dos operadores privados, somente 60% das viagens estavam dentro

do ciclo de linha ideal e apenas 56% operavam com pontualidade7.

6 Entrevista concedida por técnico de empresa operadora privada do setor de transporte público.

Entrevista II. [fev. 2015]. Entrevistador: Rodrigo Giraldi Cocco. Florianópolis, 2015. 1 arquivo .mp4 (2h 15 min.). 7Id., 2010.

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Não obstante, estes capitais normalmente são reticentes a reestruturações

mais profundas do sistema (VASCONCELLOS, 2014), como conversões em BRT-

FULL, sistemas intermodais (com outros modos e modais), modernizações de frota e

categorias de SIT pró-eficácia ao usuário etc. Em suma, estas ações corporativas

(para garantia de rentabilidade) nem sempre fazem do transporte público um serviço

competitivo em relação à escolha do uso diário do automóvel.

Esta baixa competitividade dos transportes públicos na RMF se reflete na

matriz modal da Região. Em Florianópolis, 48 % das pessoas utilizam automóvel

particular em seus deslocamentos diários, contra apenas 20% que utilizam

transporte público (PLAMUS, 2014). Ressalta-se que entre os anos de 2002 e 2014,

o aumento da frota de automóveis atingiu cifras de 80% na capital Florianópolis, e

até 200 % no caso de Palhoça, enquanto o aumento da frota de ônibus permaneceu

praticamente estagnada (DENATRAN, 2014). As taxas anuais seguiram valores

entre 5% e até 12% de adição de automóveis nos sistema viário da Região,

conduzindo a congestionamentos crescentes. Aqui, deve ser colocado em questão

não a estratégia nacional anticíclica de geração de empregos através da indústria

automobilística (pelo menos 21% do PIB industrial), mas a dificudade de superar as

contradições geradas pelos saltos dialéticos inerentes ao desenvolvimento

(RANGEL, 2005).

Ressalta-se que a RMF se urbanizou praticamente ao longo das rodovias

estaduais e federais, as quais, originalmente foram implementadas para os

deslocamentos interestaduais e regionais de longa distância (BR-101, BR-282), e

para unir os núcleos mais densos às então áreas de balneários (SC-401, SC-408

etc.). Estas infraestruturas, atualmente funcionam como vias de ligação local e de

deslocamentos intra-urbanos, sendo muitas delas já incorporadas enquanto

verdadeiras avenidas urbanas. No entanto, não são geridas como tais, haja vista

que muitas instituições estatais, em geral, ainda:

Tem sido avessas à inclusão de corredores exclusivos para ônibus;

Ainda se pensa em construções de passarelas sobre as vias e não em reduções

de velocidade, semaforização específica para BRTs e VLTs etc.

Apesar da estruturação de uma nova instituição metropolitana (SUDERF), as

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concertações interinstitucionais ainda são pouco consolidadas8.

Além disso, havendo contradições entre instituições que não rompem os

padrões anteriores de ações (HRELJA et al, 2013) – que não resulta em uma

síntese dialética – pouco se discute em termos de avançar no sentido de uma

política interinstitucional de subsídios, fundamental para a convergência entre

eficiência (para o capital) e eficácia (para o usuário).

5. Conclusões

No presente artigo foi possível observar a presença de contradições na

esfera institucional, bem como a ausência de agentes institucionais que operem

como um ponto de convergência para as demandas sociais. Estas fragilidades,

somadas às contradições acumuladas historicamente e cristalizadas no espaço, tem

condicionado a má qualidade dos serviços de transporte público e as más condições

de mobilidade urbana na Região Metropolitana de Florianópolis. Observa-se

também, fragilidades de integração de trabalho entre as entidades federais e de

conciliação entre as instituições catarinenses e entre estes e os agentes privados

(operadores de transporte público). Há, portanto, fragilidades nas ações de Logística

de Estado, que afetam tanto a eficiência econômica para o capital de transportes,

quanto à eficácia dos transportes públicos para o usuário. Concluímos que embora a

Formação Sócio-Espacial (FSE) e suas rugosidades afetem intensamente a criação

de soluções para a mobilidade, não se trata de impeditivos absolutos. Obviamente

que devido às combinações geográficas presentes, a tarefa de produzir sistemas de

transportes públicos eficazes e mais confortáveis tem exigido uma combinação de

ações que as instituições, os sistemas de financiamentos e sistemas de normas

historicamente sedimentados na RMF, não estão preparadas para executar, pois

foram estruturadas para operar segundo outra conjuntura da FSE. Isso pode ser

verificado no caso da operação das rodovias da Região.

Contudo, é possível gerar convergências entre ações corporativas e ações

para a eficácia, mas isso exige uma intervenção muito contundente do Estado, no

8Entrevista concedida por técnico estatal do setor. Entrevista III. [abril. 2015]. Entrevistador: Rodrigo

Giraldi Cocco. Florianópolis, 2015. 1 arquivo .mp4 (2h min.).

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que concerne às políticas de subsídios à operação (criação de fundos); criação,

manutenção e aperfeiçoamento contínuo das instituições de planejamento

metropolitanas; treinamento de mão de obra altamente qualificada para estas

instituições, com praticas regulares de benchmarking e; estímulo à inovação

tecnológica no setor. Deve-se também, refletir sobre a formação de planejadores

críticos, ou seja, intelectuais-planejadores orgânicos (GRAMSCI, 1989) com as

necessidades imediatas, mas também futuras da população servida. O produto, a

inovação, produz seu consumidor (MARX, 2011) e do mesmo modo, sua estagnação

produz um consumidor com baixo padrão de consumo – no caso, referimo-nos aos

produtos “mobilidade” e “transportes” – e assim, exigências aquém daquilo que há

disponível em termos de soluções. Por essas razões, os “participativismos” nas

políticas urbanas denunciados por Maricato (2012) são ainda mais ineficazes no

tocante às inovações em mobilidade e transportes, pois dependem de intelectuais

orgânicos que ajudem a guiar a tomada de decisões da população. Obviamente não

se trata de defender menos participação, mas sim, consolidar uma participação mais

efetiva, a partir de um locus institucional aparelhado para fazê-lo.

6. Bibliografia

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