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PROCESSO DE CAVITAÇÃO A JUSANTE DA COMPORTA SEGMENTO NO
DESCARREGADOR DE FUNDO DO AH CAMBAMBE
CAMBAMBE HYDROELECTRIC POWER PLANT - CAVITATION PROCESS
DOWNSTREAM THE GATE OF THE BOTTOM OUTLET
Marcos C. Palu Rafael P. G. Salles Joaquim C. Cunha Engenheiro Hidráulico Coordenador de projetos Coordenador técnico
Engevix Engenharia S.A Engevix Engenharia S.A Engevix Engenharia S.A
marcos.palu@engevix.com.br rafael.salles@engevix.com.br joaquim.cunha@engevix.com.br
Resumo
O presente artigo trata do caso de erosão ocorrido a jusante da comporta segmento no
descarregador de fundo do aproveitamento hidroelétrico de Cambambe, localizado na
província de Cuanza Norte, Angola. Uma inspeção nos túneis do descarregador após
cinco décadas de funcionamento revelou um processo de cavitação/erosão de
notoriedade histórica. O objetivo deste artigo é a avaliação do processo de cavitação e
erosão ocorrido na estrutura, bem como apresentar o desenvolvimento dos estudos
teóricos e experimentais para implantação de aeradores, possibilitando a reabilitação
da estrutura danificada.
Introdução
No âmbito da realização de serviços de engenharia no exterior, encontra-se a cargo da
Engevix a execução de projetos contratados pela Empresa Nacional de Energia – ENE,
no Aproveitamento Hidrelétrico de Cambambe em Angola.
Este aproveitamento encontra-se no trecho médio do Rio Cuanza, principal rio de
Angola, cerca de 180 km da capital Luanda, na província de Cuanza Norte, distante
cerca de 10 km do município de Dondo, Angola. A construção foi efetuada na década
de 60 pela SONEFE (Sociedade Nacional de Estudo e Financiamento de
Empreendimentos Ultramarinos) com estudos hidráulicos detalhados realizados pelo
LNEC (Laboratório Nacional de Engenharia Civil) em Lisboa.
Atualmente o aproveitamento passa por obras para reabilitação da Central existente,
alteamento e construção de uma nova central. Também ocorre a reabilitação da
descarga de fundo, tema de explanação deste artigo. A Figura 1 mostra a construção
do aproveitamento na década de 60.
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Figura 1 – Imagem da época da construção do AH Cambambe na década de 60.
Reabilitação da Central Existente
Atualmente estão em estágio final de execução as intervenções correspondentes à
reforma, modernização e repotenciação da Hidrelétrica Cambambe 1, construída na
década de 60 e operando continuamente por mais de 40 anos, encontrando-se as
unidades geradoras em fase de comissionamento. Com a repotencialização Cambambe
1 passará dos 180 MW originalmente instalados para 260 MW. A UHE Cambambe 1 foi
concebida com casa de força subterrânea com aproximadamente 80 m x 15 m e estará
equipada com 4 unidades geradoras com turbinas Francis de eixo vertical com potência
unitária de 65 MW. A Figura 2 apresenta a casa de força existente no AH Cambambe.
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Figura 2 – Central 1 existente no AH Cambambe
Construção da Nova Central (Central 2)
Os trabalhos envolvidos para execução da nova central (Central 2) são a execução do
projeto básico, executivo e acompanhamento da construção. A nova central deverá
possuir potência instalada de 700 MW, sendo projetada com casa de força do tipo
abrigada a céu aberto, equipada com 4 unidades geradoras em turbinas Francis de eixo
vertical de 175 MW cada. As obras civis já se encontram em andamento.
Com o início da operação conjunta das duas usinas, serão adicionados ao sistema
elétrico de Angola 780 MW (80 MW adicionais em Cambambe 1 + 700 MW em
Cambambe 2) o que significa praticamente dobrar a atual capacidade de geração do
país (790 MW).
Alteamento do barramento
A barragem existente é do tipo arco, com aproximadamente 70 m de altura e cerca de
300 m de comprimento. O vertedouro existente é do tipo soleira espessa com
aproximadamente 100 m de comprimento, localizado no corpo da barragem. A Figura 3
apresenta uma imagem do barramento existente.
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Figura 3 – Barragem em arco existente do AH Cambambe
Na etapa de execução das obras civis para Cambambe 2 será realizado o alteamento
da barragem em torno de 20 m, visando a elevação do nível do reservatório de forma a
possibilitar a operação simultânea das duas usinas. A altura máxima final da barragem
será de cerca de 90 m. A Figura 4 apresenta uma ilustração do alteamento proposto
para o barramento do AH Cambambe.
Figura 4 – Ilustração do alteamento proposto para o AH Cambambe.
Nas obras de alteamento está inclusa a execução de dois novos vertedores para a
descarga de cheias. As estruturas de vertimento estão projetadas para descarregar a
vazão decamilenar, avaliada em 9.000 m³/s. As principais características destes
vertedores são:
Vertedouro do tipo orifício (controlado por comportas do tipo vagão):
Dimensões: 5 vãos com 9,50 m x 5,20 m (largura x altura);
5
Elevação da crista da ogiva: 107,29 m;
Capacidade de descarga: 4.500 m³/s;
Vertedouro de encosta na margem esquerda (controlado por comportas do tipo
segmento):
Dimensões: 2 vãos com 19,50 m x 15,00 m (largura x altura);
Capacidade de descarga: 4.500 m³/s.
A Figura 5 apresenta a disposição dos vertedores em planta no AH Cambambe após
alteamento.
Figura 5 – Vertedores projetados para o AH Cambambe após alteamento
Foram efetuados estudos em modelo reduzido no LACTEC/CEHPAR (Curitiba) para
avaliação do desempenho hidráulico dos vertedores. A Figura 6 apresenta uma imagem
do modelo para a vazão decamilenar (Q = 9.000 m³/s) com o funcionamento conjunto
dos vertedores.
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Figura 6 – Modelo reduzido dos vertedores do AH Cambambe
Reabilitação da descarga de fundo existente
Visando possibilitar a execução das obras do barramento foram executadas galerias
sob a barragem e a descarga de fundo com emboque na margem direita. O túnel do
descarregador possui uma extensão total em planta de aproximadamente 520 m. O
emboque é constituído, em perfil longitudinal, por uma soleira com perfil hidrodinâmico.
Este emboque é seguido de um túnel com dimensões médias de 6 m x 7 m. Após o
desenvolvimento deste túnel existe uma comporta de manutenção do tipo lagarta com
dimensões 4,5 x 6,7 m (largura x altura). Após esta comporta existe uma comporta
segmento, com as dimensões 6 x 3,5 (largura x altura); assentada na elevação 35,00
m. A jusante da comporta existe um túnel em seção arco-retângulo com 7,5 m de
altura e 6 m de largura, com 420 m de extensão, declividade 0,0341 m/m e a elevação
final do fundo, a jusante, de 21,00 m. Após o túnel existe um canal com
aproximadamente 36 m de comprimento, com seu término na elevação 19,50 m. Este
canal possui saída livre e lança o jato no Rio Kwanza.
A carga na comporta segmento é atualmente de 70 m, passando a aproximadamente
100 m após o alteamento. A capacidade de descarga atual é de 620 m³/s passando
para 740 m³/s após o alteamento.
A Figura 7 apresenta uma imagem aérea do empreendimento apresentando a locação
das estruturas existentes
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Figura 7 – Imagem aérea do empreendimento com a locação do eixo da descarga de fundo
existente
Uma inspeção nos túneis do descarregador após cinco décadas de funcionamento
revelou um processo de cavitação/erosão de grandes proporções conforme a Figura 8 e
Figura 9.
Barragem e
vertedouro
existentes
Desemboque da
descarga de fundo
Emboque da
descarga de fundo
Tomada da central
existente
Saída dos túneis da
central existente
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Figura 8 – Desenho esquemático da erosão ocorrida a jusante da comporta segmento da
descarga de fundo do AH Cambambe
Figura 9 – Imagem da erosão ocorrida a jusante da comporta segmento da descarga de fundo do
AH Cambambe
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Contudo cabe o comentário que na época da concepção e execução do projeto (década
de 60) os efeitos de cavitação não eram suficientemente conhecidos, a única aeração
existente prevista era a do poço da comporta segmento. Com a ocorrência de casos
históricos em estruturas como vertedores e descargas de fundo em diversas partes do
mundo (Yellowtail-EUA, Bratsk-Rússia, Sirikit- Tailândia), a partir da década de 70, a
identificação e o tratamento para mitigação do efeito tiveram grande progresso.
Quando um escoamento rápido é alterado localmente por alguma irregularidade do
conduto o aceleramento localizado do fluxo é acompanhado por uma redução de
pressão que pode atingir a tensão de vapor e provocar a formação de bolhas de água
vaporizada. Arrastadas pelo escoamento para regiões de maior pressão, imediatamente
a jusante, as bolhas são destruídas. O súbito colapso das cavidades é acompanhado
de intensa elevação de pressão constituindo verdadeiros choques que se sucedem
ininterruptamente. O descrito efeito pode ser visualizado em larga escala no
descarregador de Cambambe.
Para reparos e reabilitação da estrutura foram efetuados tratamentos e injeções na
rocha, visando estabilizar o maciço e evitar desprendimento de blocos. Com os devidos
reparos estão sendo implantados aeradores, visando proporcionar aeração sob o
escoamento e evitar as baixas pressões na região próxima ao fundo do canal. Também
foram efetuados reparos na comporta lagarta e está previsto a reparação da comporta
segmento.
Índice de cavitação
Investigações experimentais foram conduzidas pelo Bureau of Reclamation e Corps of
Engineers (USA) para definir as condições incipientes de cavitação para diferentes
desníveis abruptos e ou graduais ao longo do contorno sólido. Os dados foram
condensados referindo-se ao índice de cavitação σi definido segundo a seguinte
expressão:
[1]
Onde:
H – Pressão absoluta (m.c.a);
Hv – Pressão de vapor (m.c.a);
V2/2g – Altura de velocidade (m);
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Segundo Pinto (1986) um limite de velocidade de 30 m/s ou um índice de cavitação de
0,25 indicam um limite, isto é, para velocidades maiores ou índices de cavitação
menores, um aerador é recomendado
Segundo estimativas a velocidade atingida nos túneis de Cambambe foi de
aproximadamente 30 m/s, suficiente para iniciar o processo de cavitação. A erosão
ocorrida resultou em uma cratera de aproximadamente 40 m de comprimento e 12 m de
profundidade, iniciada imediatamente após a blindagem a jusante da comporta
segmento.
Estudos teóricos
Para dimensionamento dos aeradores foram utilizadas formulações empíricas: Pinto
(1991), numéricas: Falvey (1990) e construção de modelo físico para otimização e
consolidação do projeto. Utilizou-se a formulação empírica para um pré-
dimensionamento dos aeradores. Pinto (1991) avaliou uma expressão para os
protótipos das usinas de Foz do Areia (Brasil), Emborcação (Brasil), Amaluza
(Equador), Colbun (Chile) e Tarbela (Paquistão), apesar da diversidade de geometrias.
[2]
[3]
[4]
[5]
Onde:
C- concentração média de ar, qa – vazão de ar (m³/s), q – vazão de água (m³/s), Fr –
número de Froude do escoamento, c – coeficiente de descarga do duto de ar, A área da
seção transversal do orifício de controle do aerador (m²), b – largura da rampa
suprimida pelo aerador, h – profundidade do escoamento sobre a rampa do aerador.
Com a utilização da formulação apresentada para avaliação da concentração inicial de
ar no aerador, decaimento da concentração de ar estimada em 0,5%/m Pinto (1986) e
uma concentração mínima de ar em relação ao volume total (ar e água) de 10% foram
dimensionados e espaçados os aeradores respeitando as taxas mencionadas.
Ao final foram implantados 3 aeradores, sendo um imediatamente a jusante da
comporta e os demais espaçados em aproximadamente 120 m.
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Estudos experimentais
Tendo por objetivo uma avaliação do desempenho hidráulica das estruturas hidráulicas
foram efetuados estudos em modelo físico reduzido.
O modelo da descarga de fundo de Cambambe foi construído nas dependências do
Laboratório da Bardella S.A Indústrias Mecânicas em Sorocaba, SP – Brasil. O modelo
segue o critério de semelhança de Froude e foi construído na escala geométrica 1:30.
O modelo reproduz toda extensão do túnel da descarga de fundo, desde o emboque até
o defletor de saída para o rio. Este modelo teve por objetivo o teste de aeradores
projetados para implantação ao longo do túnel com a finalidade de incorporação de ar
no escoamento com a finalidade de evitar os efeitos danosos da cavitação.
Figura 10 – Projeto do modelo reduzido da descarga de fundo do AH Cambambe
Figura 11 – Modelo reduzido da descarga de fundo do AH Cambambe
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Figura 12 – Modelo reduzido do AH Cambambe em operação
Após diversos experimentos constatou-se um desempenho adequado dos aeradores,
ocorrendo intenso arraste de ar sem ocorrência afogamento ou efeitos indesejáveis.
Conclusão
Este artigo apresentou os trabalhos efetuados no aproveitamento do AH Cambambe
visando um aumento na potência instalada da usina. Para viabilizar as obras fez-se
necessário a reabilitação da descarga de fundo, estrutura danificada após 50 anos de
operação.
A partir deste caso evidencia-se a necessidade de fornecimento de correta aeração no
escoamento a jusante de comportas com cargas hidráulicas que proporcionem
velocidades elevadas (da ordem de 20 m/s ou mais). Esta aeração tem por objetivo
evitar os efeitos danosos da cavitação, que conforme apresentado, podem resultar em
grandes erosões.
Recomenda-se o estudo numérico e experimental dos aeradores afim de se obter um
projeto eficiente e seguro contra a cavitação.
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Referências Bibliográficas
Falvey,H.T (1990) “Cavitation in Chutes and Spillways”. Engineering Monograph Nº 42,
a Water Resources Technical Publication. United States Department of the Interior.
Bureau of Reclamation. Denver, Colorado
Palu, M.C, Salles. R.P.G, Souza, D.D.B (2010) – “Processo de Cavitação e Projeto
dos Aeradores no Descarregador de Fundo do AH Cambambe” XXIV Congresso
Latinoamericano de Hidráulica, Punta del Este, Uruguay.
Pinto, N.L.S e Ota, J.J (1976) “Considerações Sobre o Arrastamento de Ar a Jusante
de Descargas de Fundo ”.XI Seminário Nacional de Grandes Barragens, Fortaleza,
Ceará.
Pinto, N.L.S (1979) “Cavitação e Aeração em Fluxos de Alta Velocidade”.Publicação Nº
35, CEHPAR, Curitiba, Paraná.
Pinto, N.L.S e Neidert, S.H (1986) “Modeling Aerator Devices”. CEHPAR, Curitiba,
Paraná.
Pinto, N.L.S e Wood R. Ian (1991) “Air Entrainment in Free-Surface Flows”. AA.
University of Canterbury, Christchurch, New Zeland.
Autores
Marcos C. Palu – Engenheiro Civil formado pela Universidade Federal do Paraná.
Possui mestrado em Recursos Hídricos na Universidade Federal do Paraná e MBA em
Gerenciamento de Projetos pela Fundação Getúlio Vargas. Atualmente é engenheiro
projetista da divisão de hidráulica da Engevix Engenharia S.A.
Rafael. P. G. Salles – Engenheiro Civil formado pela Universidade Federal de Santa
Catarina. Atualmente é coordenador de projetos na Engevix Engenharia. Possui 17
anos de experiência profissional e trabalhou em empreendimentos hidrelétricos em
diversos países incluindo Brasil, Venezuela, Panamá e Angola. Seu trabalho envolve
estudos de inventário, viabilidade, projetos básicos e executivos de empreendimentos
hidrelétricos.
Joaquim C. da Cunha – Engenheiro Civil formado pela Universidade de Pernambuco.
Atualmente é coordenador de projetos na Engevix Engenharia. Possui 45 anos de
experiência profissional em aproveitamentos hidrelétricos. Seu trabalho envolve
estudos de inventário, viabilidade, projetos básicos e executivos de empreendimentos
hidrelétricos.
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