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A CRISE DO MOVIMENTO OPERÁRIO E A NECESSIDADE DA OFENSIVA
SOCIALISTA
Sayonara Fernanda Beltrão de Melo1
fernanda_beltrao@hotmail.com
Universidade Federal de Alagoas - UFAL
GT5 - Movimentos Sociais e Estratégias de Resistência
Resumo O presente artigo tem como objetivo investigar alguns dos momentos decisivos da história do
movimento operário para que assim possamos compreender características essenciais da crise vivida
pelas diversas formas de organização proletária. Além disso, este artigo se propõe a destacar a relação
contraditória que se estabelece entre organizações operárias e o Estado em momentos decisivos do
desenvolvimento do capitalismo. Para tanto, buscamos utilizar em nosso trabalho obras de autores
clássicos e contemporâneos buscando assim destacar a continuidade histórica que deve ser considerada
ao tratar desse tema.
Palavras-Chave: Movimento operário, Estado, Classe Trabalhadora.
1. Introdução
Segundo Mészáros, “Vivemos numa época de crise histórica sem precedentes que
afeta todas as formas do sistema do capital” e a chave para a superação dessa condição está
nas mãos do movimento dos trabalhadores. Por isso, o autor destaca a necessidade de “definir
uma alternativa positiva, corporificada num movimento socialista radicalmente
reconstituído.” (2011, p. 21). Para tanto, a proposta apresentada por Mészáros, e que
pensamos ser a mais relevante, é a de que uma “reavaliação crítica do passado” é essencial
para a “criação da alternativa radical ao modo de reprodução metabólica do capital” (2011,
p.21)
1 Mestranda em Serviço Social pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Membro do grupo de pesquisa
Lukács e Mészáros – Fundamentos Ontológicos da Sociabilidade Burguesa.
O trabalho que apresentamos aqui tem por objetivo destacar momentos importantes da
história do movimento operário desde o século XIX até o período de crise estrutural que se
inicia na década de 1970. Buscamos, através desta análise, investigar alguns dos problemas
mais sérios enfrentados pelas organizações operárias assim como a solução proposta por
alguns pensadores contemporâneos para a crise do movimento operário.
Não poderíamos, em algumas poucas páginas, analisar em detalhes séculos de história
do movimento operário ao redor do mundo. Nosso objetivo, portanto, não é estabelecer
soluções absolutas ou messiânicas, mas apenas problematizar alguns elementos que
consideramos ser fundamentais para compreender os períodos históricos destacados e o
desafio estrutural que se coloca nos dias atuais.
É inegável que as formas de organização dos trabalhadores enfrentam hoje problemas
gravíssimos que se traduzem numa crise do próprio movimento. Porem, não é a primeira vez
na história que os trabalhadores se encontram diante de uma realidade hostil. Acreditamos que
compreender as causas dessa conjuntura seja um primeiro passo imprescindível para que
possamos avançar rumo a uma superação radical dessa situação.
2. As Origens da Organização Operária
A classe trabalhadora, desde sua emergência, têm encontrado as mais variadas
maneiras de responder e se proteger dos ataques do capital e das mudanças nas formas de
organização do trabalho. Essas respostas, por sua vez, são determinadas por diversas
variantes, desde o local em que se encontra um determinado grupo de trabalhadores até o grau
de politização do grupo em questão.
Em seu estudo acerca da Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra, Engels
conclui que a consequência natural da situação de exploração a qual é submetida a classe
trabalhadora é a revolta, já que “o operário só pode salvar sua condição humana pelo ódio e
pela rebelião contra a burguesia.” (ENGELS, 2010, p.247). No período de avanço da
Revolução Industrial, ao qual se debruça Engels, a revolta do operário inglês desenvolve-se
conforme a indústria evolui. Na medida em que a situação se desenrolava o trabalhador
industrial buscava se revoltar de acordo com os meios que encontrava. Assim, Engels afirma
que a primeira e mais brutal forma de revolta foi o crime, afinal,
o operário, vivendo na miséria e na indigência, via que os outros
desfrutavam de existência melhor. Não podia compreender racionalmente
porque precisamente ele, fazendo pela sociedade o que não faziam os ricos
ociosos, tinha que suportar condições tão horríveis. E logo a miséria
prevaleceu sobre o respeito inato pela propriedade. (2010, p.248) .
Engels afirma que conforme se expandia a indústria, aumentava a delinquência. No
entanto, não demorou para que os operários percebessem que aquela forma isolada e
individual não traria resultados positivos. Segundo Engels, uma atitude com caráter coletivo
veio em seguida, com a revolta contra as máquinas ou, como ficou conhecido, o ludismo. Para
ele, “a classe dos operários deu início à sua oposição à burguesia quando se rebelou
violentamente contra a introdução das máquinas, nos primeiros passos do movimento
industrial.” (2010, p. 249)
Entretanto, Engels admite que “[...] essa forma de oposição era também isolada,
limitada a determinadas localidades e dirigia-se contra um único aspecto da situação” (2010,
p.249). Portanto, podemos dizer que a quebra das máquinas era uma luta da qual a classe
trabalhadora não poderia sair vitoriosa. A evolução do sistema capitalista deixava claro que
era necessária uma oposição mais eficaz e organizada.
Engels destaca, então, o papel das associações operárias. Sabemos que por muito
tempo tais associações foram proibidas e existiram apenas na clandestinidade, enquanto
sociedades secretas. Contudo, em 1824, foi aprovada na Inglaterra a Reform Bill, uma lei que
permitia aos operários associar-se livremente. Segundo o autor, a partir desse período o
número de associações começa a crescer assim como a intervenção delas em disputas com os
patrões. O autor destaca que as finalidades principais dessas associações eram:
fixar o salário, negociar en masse, como força, com os patrões, regular
salários em relação aos lucros patronais, aumentá-los no momento propício e
mantê-los em todas as partes no mesmo nível para cada ramo de trabalho;
por isso, trataram de negociar com os capitalistas uma escala salarial a ser
cumprida por todos e recusar empregos oferecidos por aqueles que não a
respeitassem. (ENGELS, 2010, p. 250).
Engels destaca também que várias tentativas para unificar essas associações foram
realizadas, mas com pouco sucesso devido às condições objetivas daquele período, já que o
cotidiano daqueles trabalhadores impossibilitava esse tipo de mobilização. Porém, o autor
afirma que:
Quando foi possível e vantajoso, os operários de um mesmo ramo de
trabalho de diferentes distritos uniram-se numa associação federada,
organizando assembleias de delegados em datas fixas. Em alguns casos,
tentou-se unir numa só organização de toda a Inglaterra os operários de um
mesmo ramo e também houve tentativas – a primeira, em 1830 – de criar
uma única associação geral de operários de todo o reino, com organizações
específicas para cada categoria; mas esses experimentos foram raros e de
curta duração, porque uma organização desse tipo só pode ter vida e eficácia
à base de uma agitação geral de excepcional intensidade. (ENGELS, 2010, p.
250)
A classe trabalhadora parecia, então, reconhecer o poder das associações que logo se
espalharam por todo o país e aos poucos tomavam a forma de sindicatos. Engels destaca
também que mesmo que na maioria das vezes seus objetivos fossem tímidos essas associações
conseguiam representar os interesses da classe trabalhadora e, além de amenizar as condições
de trabalho do proletariado inglês, representavam um tipo de ameaça aos patrões que
entrassem em conflito.
O passo seguinte dado pela classe trabalhadora em seu caminho de luta contra o
sistema do capital é a tomada da via política. O proletariado inglês passou a reivindicar no
parlamento aquilo que não alcançava negociando com o patrão. Esse apelo à política mostrar-
se-á mais claro no final do século XIX, no entanto, ainda na primeira metade desse século é
possível encontrar exemplos de movimentos que recorrem à legislação para proteger os
interesses da classe operaria, o maior dos exemplos é o movimento cartista de 1838. Segundo
o autor,
O cartismo é a forma condensada da oposição à burguesia. Nas associações e
nas greves, a oposição mantinha-se insulada, eram operários ou grupos de
operários isolados a combater burgueses isolados; nos poucos casos em que
a luta se generalizava, na base dessa generalização estava o cartismo – neste,
é toda a classe operária que se insurge contra a burguesia e que ataca, em
primeiro lugar, seu poder político, a muralha legal com que ela se protege.
(ENGELS, 2010, p.262)
Entre as reivindicações desse movimento destacam-se o sufrágio universal, a
instituição do voto secreto e de colégios eleitorais para que fosse garantida uma representação
equitativa dos eleitores. É verdade que o cartismo aprisionava de certa forma a classe
trabalhadora nos limites da política e do Estado burguês, no entanto, Engels justifica esse
movimento de maneira simples. Segundo ele, “uma vez que os operários não respeitam a lei,
mas apenas reconhecem sua força enquanto eles mesmos não dispõem da força para mudá-la,
é mais que natural que avancem propostas para modificá-la, é mais que natural que, no lugar
da lei burguesa, queiram instaurar uma lei proletária.” (ENGELS, 2010, p. 261)
Ao fim do século XIX o sindicalismo toma conta da Inglaterra e a organização da
classe trabalhadora atinge seu ápice quando da Central Sindical Inglesa, a TUC (Trade Union
Congress), origina-se o partido Trabalhista Inglês, o Labor em 1900. Parecia então que o
movimento se fortaleceria ainda mais. Contudo, a ligação entre a central sindical e o partido
rompeu-se rapidamente, seguindo uma tendência que se espalhava a nível mundial. Com o
inicio do século XX, o movimento operário foi tomado por uma grave crise a qual tenta até
hoje superar.
3. Sindicalismo social-democrata e a cooptação dos movimentos operários pelo capital
Ao investigar a situação da organização operária no século XX, o estudioso francês
Alain Bihr afirma que há uma profunda crise de representatividade no movimento europeu
revelando que o movimento iniciado no século XIX parece ter tomado outros rumos ao longo
de seu desenvolvimento. Segundo ele, “organizações (políticas, sindicais, associativas) do
movimento operário experimentam uma grave crise de representatividade, marcada pela
diminuição de interesse por elas: a queda dos efetivos, a fraqueza do militantismo, a
incapacidade de mobilizar os trabalhadores não cessaram de se agravar no curso desses
últimos anos.” (BIHR, 2009, p.11)
Ainda segundo o autor, a chave para compreender esse desenvolvimento está no início
do século e nas decisões tomadas pelo movimento operário nesse período, pois, para Bihr, a
própria organização operaria é responsável pela situação em que se encontra hoje. Além disso,
[...] essa crise de representatividade das organizações do movimento
operário depende de um certo número de transformações mais gerais que
afetaram a sociedade em seu conjunto sob a influência crescente das relações
sociais capitalistas: dissolução de identidades coletivas, ascensão do
individualismo, perda generalizada de direção etc. (2009, p.12).
Segundo Bihr, nas primeiras décadas do século XX o modelo chamado por ele de
Sindicalismo Social Democrata emerge e torna-se predominante nos países centrais do
capitalismo. O autor define o modelo social democrata como aquele que “propõe ao
proletariado emancipar-se do capitalismo de Estado, emancipando o Estado do capitalismo”
(2009, p.20). Essa é, segundo ele, a fórmula seguida por duas correntes que surgem ao mesmo
tempo, o reformismo social-democrata e o leninismo/bolchevismo “revolucionário”.
O autor admite que, a primeira vista, parece um equivoco colocar essas duas correntes
relacionadas à mesma fonte social-democrata, mas segundo ele ambas apresentam um
“comum fetichismo do Estado” a diferença fundamental é que enquanto a versão reformista
enxerga o Estado como um órgão neutro que pode ser colocado acima das classes, a versão
revolucionaria apresenta o Estado “como transcendente e resolvendo as contradições inerentes
à acumulação do capital (em particular, aquela entre a socialização crescente da produção e a
propriedade privada dos meios de produção.)” (2009, p. 22)
Ao analisar a articulação entre organizações operárias, em especial os sindicatos, e os
partidos políticos Bihr afirma que nessa articulação existe uma hierarquização que prioriza a
ação do partido. Segundo ele,
Os partidários e defensores desse modelo do movimento operário estão de
fato convencidos que, deixado a si próprio, o proletariado é incapaz de
ultrapassar o nível da consciência imediata (a de seus interesses econômicos
e políticos imediatos), que se exprimirá na organização e na prática sindicais
(ou cooperativas mutualistas) (BIHR, 2009, p. 23).
Ele continua afirmando que entre esses militantes há também a ideia de que o
movimento operário carece de uma liderança de intelectuais que dirijam o movimento para o
bem dos trabalhadores que, por sua vez, devem apenas aceitar segui-los sem questionar.
Nesse modelo, o poder de decisão não estaria nas mãos dos trabalhadores, mas de um grupo
qualificado o bastante para mostrar-lhes o caminho a seguir, pois,
Do ponto de vista deles, uma consciência maior e mais profunda de sua
situação e de seus interesses, das necessidades e possibilidades de sua luta de
classe só pode chegar ao proletariado vinda de fora, dos famosos
“intelectuais revolucionários”, os únicos que possuíam a ciência da
sociedade e da história e que, por isso, ao se juntarem as fileiras do
proletariado, podiam legitimamente aspirar à direção de sua luta. Daí
precisamente a necessidade de um partido dirigente [...] E, sobre esse ponto
decisivo, que resulta diretamente de sua opção estratégica e de seu projeto
estatista. (2009, p.24)
Bihr afirma que ambos os modelos social-democratas tiveram que concorrer por um
determinado período com uma outra corrente que se espalhou por alguns países da Europa
(França, Itália, Espanha) e nos EUA, o modelo de sindicalismo revolucionário. O autor
analisa que este modelo de sindicato tem profundas raízes anarquistas e a característica que
mais o afasta do modelo socialdemocrata é a total negação do Estado, pois, “De seu ponto de
vista, o Estado é um órgão parasitário, em relação ao corpo social, que é preciso erradicar e
suprimir, sendo o objetivo da revolução proletária fazer desaparecer definitivamente qualquer
espécie de aparelho de Estado.” (2009, p.26)
Esse movimento não só se colocava contrário a qualquer participação do Estado na
tomada de decisões dos trabalhadores, mas também se colocava abertamente a favor da
construção de uma nova forma de sociedade sem esse órgão. Opondo-se ao centralismo
presente no bolchevismo, o sindicalismo revolucionário defendia que “Qualquer tentativa que
conduzida fora do proletariado e que pretenda emancipá-lo só pode ser uma enganação e leva,
em ultima análise, a renovar, sob outras formas, as estruturas de sua própria opressão.” (2009,
p. 27)
Esse modelo defendia diversas práticas de ação, desde a greve até o boicote aos
patrões e a sabotagem da produção. A organização espontânea também era incentivada, pois,
desta acreditava-se que emergiria a emancipação do proletariado. A concepção da estrutura
sindical era a mais radical possível, ela seria “o embrião da organização da futura sociedade
anarquista-comunista”(BIRH, 2009, p. 27). O plano político, exaltado pelo modelo social-
democrata, era veementemente rejeitado pelo sindicalismo revolucionário e segundo Bihr,
“por trás dessa recusa do primado político, o que se recusava era a separação entre
organização encarregada dos interesses imediatos e organização com a responsabilidade dos
interesses históricos do proletariado.” (2009, p.28-29)
Resta, portanto, a questão: o que fez com que o modelo social-democrata de sindicato
se impusesse sobre o modelo revolucionário? Bihr responde a essa pergunta de seguinte
forma:
O sucesso do modelo social-democrata do movimento operário é explicado,
em primeiro lugar, pela impregnação do fetichismo do Estado no próprio
seio do proletariado e do movimento operário, fetichismo que, como vimos,
constituiu o princípio diretor do modelo social-democrata. (BIHR, 2009, .31)
Na sociedade capitalista diversas características garantem ao Estado a falsa impressão
de que este é um órgão neutro, defensor de ambas as classes que constituem o sistema,
contrariando a afirmação de Marx e Engels de que “O poder executivo do Estado moderno
não passa de um comitê para gerenciar os assuntos comuns de toda a burguesia” (MARX;
ENGELS, 1998, p. 12). Bihr destaca que até mesmo a legalização do movimento operário,
“destinada a resolver a „questão social‟ por vias pacificas” (2009, p. 31) se traduz numa
importante arma para o Estado.
Segundo Bihr, a conclusão a que chegou a classe trabalhadora neste período foi
simples, a via estatal parecia ser uma saída plausível para os males da sociedade capitalista.
Seria possível, portanto, contornar os males do sistema através do Estado. Assim, difundiu-se
a “ideia de que a solução dos problemas encontrados pela luta de classe do proletariado, e até
a via de sua emancipação, encontravam-se no Estado; e que convinha, então, dar forma
política (ou melhor, estatal) a essa luta.” (BIHR, 2009, p. 32)
Dessa forma, foi firmado, segundo Bihr (2009), um acordo da classe trabalhadora com
o Estado, acordo que o autor intitula de “compromisso fordista” (p. 35) Apesar da
denominação atribuída por Bihr, o autor destaca que o compromisso ao qual se refere não
deve ser compreendido “com base no modelo da relação contratual entre dois indivíduos, tal
como é codificada pelo direito civil”, pois, “ele não é resultado de duas vontades livres, que se
engajam reciprocamente de maneira clara e refletida uma em relação à outra.” (p. 36)
Para Bihr existem três pontos essenciais para que possamos compreender este
compromisso. Primeiro, ambos os lados foram, de certa forma, forçados a aceitar o acordo,
pois este parecia ser o caminho mais seguro para garantia dos objetivos de ambas as partes.
Além disso, “mesmo onde foi oficial e declarado [...] esse compromisso resultou de um
processo muitas vezes cego e, portanto, também ilusório para seus protagonistas” (2009,
p.36). Por ultimo, Bihr afirma que não foram os membros das classes envolvidas que
aceitaram tal acordo, mas seus representantes oficiais ou “intermediários organizacionais e
institucionais” (2009, p.37)
Para o autor a consequência para a classe trabalhadora é que está acabou por renunciar
à luta revolucionária por uma nova sociedade e aceitou a legitimidade do poder da classe
dominante em troca de garantias de seguridade social. Apesar disso, o autor acredita que “esse
compromisso não acabou com a luta de classes, com o enfretamento entre o proletariado e a
burguesia. No máximo, ele terá circunscrito a disputa à instauração do compromisso, à
definição de seus termos e à delimitação de seu campo de aplicação.” (Bihr, 2009, p. 37)
Em troca, o capital proporcionou à classe trabalhadora concessões2 das mais variadas
que garantiam desde a estabilidade no emprego até o atendimento de necessidades sociais
ligadas à habitação, saúde, educação etc. Como resume Bihr, este acordo tratava-se da
perspectiva de sair da miséria, da instabilidade, da incerteza do futuro e da
opressão desenfreada, que basicamente caracterizam até aquele momento a
condição proletária. É justamente a garantia de adquiri direitos, não só
formais (direitos cívicos e políticos) mas reais (direitos sociais), cujo
respeito seria garantido pelo Estado, e de ter acesso a uma vida se não
agradável, pelo menos suportável (aceitável). (BIHR, 2009, p.38)
Do lado da burguesia, ainda que esta abrisse mão de alguns privilégios, garantia
através dessa barganha o livre desenvolvimento do capital que aquele período necessitava. Do
lado da classe trabalhadora, no entanto, este acordo foi responsável por instaurar uma
verdadeira crise no movimento operário em um momento histórico crítico. As vantagens das
quais a classe trabalhadora pode tirar proveito não podiam durar muito tempo. O período que
ficou conhecido como Estado de Bem-Estar – que representou o ápice desse momento de
prosperidade e conquista de direitos sociais – não podia se manter por muito tempo.
Logo, ainda no século XX, mais especificamente na década de 1970, o sistema do
capital entrou em sua crise estrutural3, que, diferente das crises (cíclicas) anteriores, colocava
em risco a reprodução de seu metabolismo social. Sem alternativas, o capital não hesitou em
retirar a maioria absoluta das concessões que havia feito à classe trabalhadora em seu
momento de prosperidade. Assim, o movimento operário tinha a sua frente um imenso desafio
histórico a superar.
2 No entanto tais concessões representaram apenas soluções parciais para problemas estruturais inerentes ao
sistema do capital. Um estudo mais completo acerca desse tema pode ser encontrado em LESSA, S. CAPITAL E
ESTADO DE BEM-ESTAR: O Caráter das Políticas Públicas. São Paulo: Instituto Lukács, 2013. 3 Conceito que Mészáros analisa ao longo de sua mais conhecida obra Para Além do Capital - Rumo a uma teoria
da transição. São Paulo: Boitempo Editorial, 2011.
4. A necessidade da ofensiva socialista
Podemos afirmar que a história do movimento operário evoluiu de maneira complexa
e, em muitos momentos, imprevisível. Segundo Mészáros, graças às próprias condições
objetivas que interferiram em seu desenvolvimento, “o movimento operário não conseguiu
evitar ser setorial nem parcial.” (MÉSZÁROS, 2011, p. 22). Além disso, segundo o autor, “o
caráter setorial e parcial do movimento operário se combinou com sua articulação defensiva.”
Por sua vez, “o aprofundamento da postura defensiva representou, portanto, um avanço
histórico paradoxal. Pois o movimento operário, por meio de seus primeiros sindicatos,
passou a ser o interlocutor do capital, sem deixar de ser objetivamente seu adversário
estrutural.” (2011, p. 22-23)
Mészáros admite que a consequência imediata dessa cadeia de acontecimentos foi que
“desta nova posição defensiva, foi possível ao movimento operário, em condições favoráveis,
obter algumas vantagens para certos setores do movimento.” (2011, p. 23) Porem, o autor
lembra que as vantagens concedidas pelo capital foram superficiais e breves. Em sua análise
do Welfare State, Mészáros afirma que este:
foi limitado, tanto no que se refere às condições favoráveis de expansão
tranquila do capital nos países onde tal ocorreu como precondição para o
surgimento do Estado de bem-estar, quanto no que se refere à escala de
tempo, marcada no final pela pressão da direita radical, ao longo das três
ultimas décadas, pela liquidação completa do Estado de bem-estar, em
virtude da crise estrutural do sistema do capital. (2011, p. 23)
Para Mészáros, a constituição dos partidos trabalhistas em várias partes do mundo
“assumiu a forma da separação do „braço industrial‟ do movimento operário (os sindicatos) de
seu braço político (os partidos social-democratas e de vanguarda)” (2011, p.23) e essa
separação, por sua vez, representou também a tomada de uma postura defensiva. O autor
explica:
[...] esses dois tipos de braços se apropriam do direito exclusivo de tomada
de decisão, o que já podia ser antevisto na setorialidade centralizada dos
próprios movimentos sindicais. Esta atitude defensiva tornou-se ainda pior
em razão do modo de operação adotado pelos partidos políticos, que
obtinham algumas vantagens ao custo do afastamento do movimento
socialista de seus objetivos originais. (MÉSZÁROS, 2011, p.23)
Para Mészáros, grande parte da ineficácia da ação dos partidos políticos está no fato de
que eles jogam segundo as regras do capital. O parlamento não pode representar o trabalho e
para que um partido seja aceito pelo capital precisa abrir mão de suas reivindicações mais
radicais. A classe trabalhadora passa assim, a representar uma moeda de barganha dos
partidos trabalhistas. Segundo o autor,
na estrutura parlamentar do capitalismo, a aceitação pelo capital da
legitimidade dos partidos políticos operários foi conquistada em troca da
declaração da completa ilegalidade do uso do „braço industrial‟ para fins
políticos, o que representou uma severa restrição aceita pelos partidos
trabalhistas, e que condenou à total impotência o imenso potencial
combativo do trabalho produtivo materialmente enraizado e potencialmente
e politicamente mais eficaz. (MÉSZÁROS, 2011, p.23)
Parte da solução para a crise em que o movimento dos trabalhadores se encontra está,
segundo Mészáros, na rearticulação entre braço sindical e braço político do movimento
operário que, segundo ele, deve se dar:
mediante, de uma lado, a atribuição aos sindicatos de tomada de decisão
significativa (incentivando-os a serem diretamente políticos) e, de outro, e
pela transformação dos próprios partidos políticos em participantes
desafiadoramente ativos nos conflitos industriais, como antagonistas
incansáveis do capital, assumindo a responsabilidade pela luta dentro e fora
do parlamento. (MÉSZÁROS, 2011, p. 23)
Podemos destacar algumas similaridades na crítica de Mészáros com a análise
apresentada por Alain Bihr. Entendemos que, de fato, o movimento operário parece ter
estabelecido uma espécie de pacto com o Estado. Um pacto que parecia justo, afinal, os frutos
do Welfare State pareciam legitimá-lo e consagrar sua eficácia. No entanto, a realidade que se
apresenta para aqueles que analisam dos fundamentos dessa condição é que esse compromisso
representou uma espécie de “autocensura entorpecente, que resultou numa inatividade
estratégica que continua até hoje a paralisar até mesmo os remanescente mais radicais da
esquerda histórica organizada.” (MÉSZÁROS, 2011, p. 24)
Ao analisar o movimento dos trabalhadores na Inglaterra, movimento este entrelaçado
com o Novo Trabalhismo, ou o New Labour inaugurado por Tony Blair, Mészáros afirma que
este “é hoje em dia, em todas as suas variedades europeias, o grande facilitador de resultados
apenas para os interesses arraigados do capital, seja no domínio do capital financeiro [...] ou
em algumas de suas seções comerciais e industriais quase completamente monopolistas.”
(MÉSZÁROS, 2011, p. 25)
Entretanto, apesar de Mészáros, assim como Bihr, reconhecer que o movimento
operário vive, desde meados do século XX, uma profunda crise de representatividade, o autor
defende que a ofensiva socialista pode e deve se impor ao capital representando uma saída
radical em favor do trabalho.
O autor chama também atenção para o momento delicado que vivemos atualmente e
afirma que é preciso se manter atento. Soluções antigas voltam a ecoar nos momentos críticos,
em especial em um momento de crise estrutural. A classe trabalhadora precisa então se
organizar e resistir às soluções propostas pelo capital que se assemelham tanto àquelas
encontradas pelo Estado de Bem-Estar. De fato, as concessões que foram dadas naquele
período não podem ser oferecidas novamente pelo capital ou por seu interlocutor, o Estado.
No entanto, Mészáros atenta que “não é de surpreender que, nas atuais condições de crise, o
canto de sereia do keynesianismo seja ouvido novamente como um remédio milagroso, como
um apelo ao antigo espírito do „consenso expansionista‟ a serviço do „desenvolvimento‟”.
(MÉSZÁROS, 2011, p. 25)
Para o autor, é inegável que “A reconstituição da unidade da esfera política e
reprodutiva material é a característica essencial definidora do modo socialista de controle
sociometabólico.” No entanto, a esfera política não pode, de forma alguma, estar confinada ao
parlamento – legitimado pelo capital, afinal “não se podem esperar bons resultados do
confinamento da dimensão abrangente da alternativa radical hegemônica ao modo de controle
sociometabólico do capital à esfera política.” (MÉSZÁROS, 2011, p. 30)
A proposta de Mészáros é, portanto, a de uma verdadeira ofensiva socialista4, ou seja,
um movimento que deixe de lado as características negativas e defensivas que herdou das
negociações enganosas que empreendeu com o capital, para que a radicalidade das
organizações dos trabalhadores possa ser recuperada e ultrapasse os limites impostos por este
sistema. Somente assim, para o autor, uma alternativa fundamentalmente nova e disposta a
superar essa sociedade poderia ser construída.
5. Considerações Finais
Alain Bihr alerta na introdução de seu livro que “tudo que tange ao movimento
operário, à sua situação atual ou à sua história recente suscita, hoje, na melhor das hipóteses,
um desinteresse educado, quando não uma hostilidade declarada” (2009, p. 9). De fato, no
momento em que nos encontramos, no qual buscamos incessantemente uma saída para a
situação atual, olhar para trás pode parecer uma perda de tempo.
A investigação que realizamos, no entanto, nos mostra algo diferente. Acreditamos
que somente ao compreender as decisões precipitadas tomadas no passado podemos garantir
que estas não se repitam no futuro. Queremos, portanto, destacar a importância de conhecer a
história do movimento operário para a realização de uma crítica fundamentalmente radical
deste nos dias atuais.
Através do estudo aqui apresentado tentamos demonstrar como as relações e acordos
realizados entre as organizações operárias e o capital, tendo como intermediário o Estado,
colocou o movimento operário em uma situação complicada, que se traduz hoje em uma grave
4 O autor discorre em detalhes acerca do que defende ser a ofensiva socialista no capítulo 18 de sua obra Para
Além do Capital.
crise. Aqui também destacamos que as concessões que o capital garantiu a classe
trabalhadora, e que por algum momento pareceram vantajosas, não puderam ser mantidas por
muito tempo. Assim, fica comprovado que a contradição radical entre capital e trabalho não
pode ser amenizada por muito tempo.
Ao analisarmos a situação atual do movimento dos trabalhadores, concluímos que,
diante de uma crise estrutural que ameaça todas as bases do sistema do capital, a necessidade
de uma ofensiva socialista é inegável. Essa ofensiva, por sua vez, não pode ser construída até
que os erros do passado sejam corrigidos e a crise do movimento seja superada. Por último,
destacamos que apesar da tarefa para o futuro ser clara esta não é simples, e muitos erros
podem ser cometidos novamente. Contudo, a reconstituição do movimento operário não só é
possível como é necessária, pois, uma alternativa viável ao sistema do capital só pode ser
construída pela ofensiva do movimento organizado dos trabalhadores.
Referências Bibliográficas
BIHR, A. Da Grande Noite à Alternativa: o movimento operário europeu em crise São
Paulo: boitempo, 2009.
ENGELS, F. A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra. São Paulo: Boitempo
Editorial, 2013.
MARX, K; ENGELS, F. O manifesto do partido comunista. São Paulo: Cortez, 1998.
MÉSZÁROS, I. Para Além do Capital - Rumo a uma teoria da transição. São Paulo:
Boitempo Editorial, 2011.
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