View
17
Download
0
Category
Preview:
Citation preview
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LÍNGUA E CULTURA
FERNANDA DE OLIVEIRA CERQUEIRA
A SINTAXE DO PRONOME ACUSATIVO DE
TERCEIRA PESSOA NO PORTUGUÊS BRASILEIRO
SALVADOR 2015
ii
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LÍNGUA E CULTURA
FERNANDA DE OLIVEIRA CERQUEIRA
A SINTAXE DO PRONOME ACUSATIVO DE TERCEIRA PESSOA NO PORTUGUÊS BRASILEIRO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Língua e Cultura, do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Língua e Cultura.
Orientador: Prof. Dr. Danniel da Silva Carvalho
SALVADOR
2015
iii
Sistema de Bibliotecas da UFBA
Cerqueira, Fernanda de Oliveira. A sintaxe do pronome acusativo de terceira pessoa no português brasileiro / Fernanda de Oliveira Cerqueira. - 2015. 92 f.: il.
Orientador: Prof. Dr. Danniel da Silva Carvalho. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal da Bahia, Instituto de Letras, Salvador, 2015.
1. Língua portuguesa - Brasil - Pronomes. 2. Língua portuguesa - Brasil - Sintaxe. 3. Língua portuguesa - Brasil - Concordâncias. I. Carvalho, Danniel da Silva. II. Universidade Federal da Bahia. Instituto de Letras. III. Título. CDD - 469.5 CDU - 811.134.3’367.626
iv
Ao amigo Claudionor, por estar sempre perto, mesmo estando longe.
v
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus, por tudo.
Ao meu orientador e amigo, o professor Danniel Carvalho, pelo compromisso,
pelo carinho, pelos seis anos de orientação, pelas discussões, pelo incentivo, por ser um
exemplo e, sobretudo, por confiar em mim, mesmo nos muitos momentos em que nem
eu mesma confiava.
Ao meu marido, Danilo Cruz, pelo companheirismo, pelo apoio e pela
compreensão dedicados desde a seleção para o Mestrado, até a seleção para o
Doutorado, sem esquecer a redação desta dissertação.
À minha mãe, Bárbara Oliveira, e ao meu irmão, Lucas Cerqueira, por serem a
minha família, minha base e minha estrutura, aqueles por quem eu tanto me dediquei.
À professora Risonete Batista de Souza e a Maria de Lurdes Gonçalves por me
tomarem como filha nos momentos em que eu precisei ter mais de uma mãe.
À professora Ilza Maria Ribeiro, por todo amor, carinho, acessibilidade,
discussões e sugestões.
À professora Maria Cristina Figueiredo, pelo exemplo, pela amizade, pelo
carinho, pelas discussões, pelas sugestões e por fazer parte desta banca.
À professora Dorothy Brito, pelas orientações nos anos de Iniciação Científica,
pela acessibilidade e por aceitar fazer parte desta banca.
Aos professores João Costa e Charlotte Galves, pelas referências dadas e pelo
apoio prestado nos anos de Iniciação Científica, fundamentais para a conclusão desta
etapa.
vi
Aos professores Carlos Felipe Pinto, Rerisson Cavalcante, Edivalda Araújo,
Alan Baxter, Dante Lucchesi e Juliana Soledade pelas muitas contribuições ao longo
destes anos.
Às professoras Célia Telles e Rosa Virgínia Mattos e Silva (in memoriam) por
acreditarem em meu potencial.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Língua e Cultura.
À Bárbara Cristina Carneiro pela amizade indefinível.
A Ícaro Bismarck Lopes por ser minha metade.
A minha prima Roberta Barbosa e a amiga Suzane Vitorio pelo apoio e pelos
risos.
Aos amigos queridos e colegas de Pós-Graduação Raisa Reis, Victor Cavalcante,
Amanda Reis, Carla Ferreira, Isis Barros, Ramon Arend, Daniela Alves e Evanilton
Gonçalves por todo apoio, pelo incentivo, pelas discussões e pelas descontrações.
Aos funcionários da Pós-Graduação em Letras, Thiago Rodrigues e Ricardo
Luiz, e, sobretudo, a Cristiane Daltro pela cordialidade, pelo profissionalismo e pela
esperança restabelecida.
A todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram com a realização
deste trabalho.
vii
RESUMO
Neste trabalho, desenvolvo um estudo sintático, levando em conta aspectos semânticos
e pragmáticos, da estrutura interna do pronome pleno de terceira pessoa, ele, em posição
de complemento verbal não preposicionado, no Português Brasileiro (PB), visando
descrever e analisar a sua composição de traços e como a organização hierarquica destes
traços interfere na sua distribuição. Por conseguinte, faço uma discussão acerca da
concepção de pronome como primitivo linguístico e de traços-ϕ como um rótulo
cristalizado de traços, pois assumo com Harley e Ritter (2002), Béjar (2003) e Carvalho
(2008) que os pronomes são compostos por um conjunto de traços e pessoa, número e
gênero são categorias que dominam outros traços presentes nos modelos de geometria
apresentados por tais autores. Portanto, defendo que o licenciamento do pronome ele em
posição acusativa se dá a partir da presença dos traços [Definite] e [Specific] em sua
geometria, uma vez que estes traços se mostram relevantes a sua distribuição, sendo
valorados por Agree através do acarretamento com o traço [D].
Palavras-chave: Pronome de terceira pessoa, Acusativo, Sintaxe, Concordância,
Traços.
viii
ABSTRACT
In this work I develop a syntactic study of the internal structure of the third person
pronoun ele as the non-prepositioned verbal complement in Brazilian Portuguese (BP),
considering its semantic and pragmatic aspects, aiming to describe and analyse its
feature composition and how a feature hierarchy interfere in its distribution. To do so, I
discuss the conception of pronoun as a linguistic primitive and ϕ-feature as a
crystallized label of features, since I assume with Harley and Ritter (2002), Béjar (2003)
and Carvalho (2008) that pronouns are built as a set of features and person, number and
gender are categories which dominate other features which are present in the geometry
model assumed by the mentioned authors. Thus, I advocate that the licensing of a
pronoun in accusative position is done by the presence of [Definite] and [Specific]
features in its geometry, since such features show relevance for its distribution, being
valued by Agree through entailment of feature [D].
Key words: Third person pronoun, Accusative, Syntax, Agreement, Features.
ix
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Quadro 1 – Pro-formas
Quadro 2 – Valoração de Traços
Quadro 3 – Paradigma Pronominal do PB
x
LISTA DE ABREVIATURAS
ADDR Addressee Traço Ouvinte - equivalente ao interlocutor
C Caso
CP Complementizer Phrase Sintagma Complementizador
DP Determiner Phrase Sintagma Determinante
D Traço D
ec Empty Category Categoria Vazia
θ Tema ou papel temático
ϕ Traço - phi
π Traço de pessoa
# Traço de número
ECM Exceptional Case Marking Marcação Excepcional de Caso
ES Espanhol
FR Francês
IT Italiano
ele nominativo ele em posição nominativa
ele acusativo ele em posição acusativa
NP Nominal Phrase Sintagma Nominal
ON Objeto Nulo
PART Participant Traço Participante
xi
SPKR Speaker Traço Falante - equivalente ao locutor
PE Português Europeu
PB Português Brasileiro
PP Prepositional Phrase Sintagma Preposicional
SC Small-Clause
xii
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 13
1.1 APRESENTAÇÃO
13
1.2 OBJETIVOS
17
1.3 REFERENCIAL TEÓRICO - METODOLÓGICO 17
1.3.1 Dos traços à Teoria de Traços-phi 18
1.4 ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO
21
2 A COMPOSIÇÃO PRONOMINAL 22
2.1 INTRODUÇÃO
22
2.2 SOBRE A COMPOSIÇÃO PRONOMINAL 24
2.2.1 Cardinaletti e Starke (1999)
24
2.2.2 Déchaine e Wiltschko (2002) 30
2.2.3 Harley e Ritter (2002)
36
2.2.4 Béjar (2003) 41
2.2.5 Carvalho (2008)
42
2.3 SUMÁRIO 46
3 REFLEXOS SEMÂNTICOS NA SINTAXE DE TERCEIRA PESSOA
47
3.1 INTRODUÇÃO 47
3.2 PARA UMA TIPOLOGIA DO ELE ACUSATIVO
47
3.2.1 Definitude e Especificidade 47
3.2.2 Animacidade
54
3.2.3 Arbitrariedade 60
3.2.4 Ele versus Determinante
65
3.3 SUMÁRIO 67
4 A SINTAXE DO ELE ACUSATIVO
68
4.1 INTRODUÇÃO 68
4.2 A GEOMETRIA DO ELE ACUSATIVO
68
4.2.1 A Categoria Pessoa 66
4.2.2 A Categoria Número
72
4.2.3 A Categoria Gênero 75
4.3 UMA SINTAXE PARA O ELE ACUSATIVO
77
4.3.1 Condições para Match 78
4.3.2 Condições para Value
79
4.3.3 Valoração do Traço [C] 80
4.3.4 Agree
82
4.3 SUMÁRIO 83
CONSIDERAÇÕES FINAIS
85
REFERÊNCIAS 87
13
1 INTRODUÇÃO
1.1 APRESENTAÇÃO
Este trabalho visa descrever e explicar o comportamento sintático-semântico do
pronome pleno de terceira pessoa na posição de complemento verbal não
preposicionado no português brasileiro (doravante PB).
A posição de objeto direto no PB admite três possibilidades de realizações
pronominais, sendo elas com as formas acusativas a, o, os, as; com o apagamento do
item lexical referenciado ou com as formas nominativas ele, ela, eles e elas (CÂMARA
JR., 1972; OMENA, 1978; TARALLO, 1983; GALVES, 1984; DUARTE 1986;
KATO, 1991; NUNES, 1996; CYRINO, 1994, 2003), como em (1).
(1) a. Maria o comprou / comprou-o.
b. Maria comprou ec.
c. Maria comprou ele.
Sabe-se que há uma série de mudanças e variações de formas no sistema
pronominal do PB decorrentes de um evidente processo de reorganização em curso (cf.
GALVES, 1984, 2001). Acredita-se, com base em Carvalho (2008), que tais eventos
sejam oriundos de motivações internas e refletidas sentencialmente por efeitos de
concordância, visto que, nesta ótica, pronome é compreendido como elemento
composto por tipos diversos de traços que o caracterizam de acordo com sua função
gramatical. Defende-se, por conseguinte, que estes traços entram em relação de
concordância com outros traços de outros elementos. Traço aqui será assumido como
“átomo básico da sintaxe” (cf. HARBOUR et al, 2008, p. 1).
Assim, um dos fenômenos decorrentes da reorganização do paradigma
pronominal do PB é a emergência da forma plena de terceira pessoa, tradicionalmente
nominativa, aquela que assume posição de sujeito sintático, para as demais posições
sintáticas, em especial, a posição acusativa, em posição de complemento verbal não
preposicionado. A forma ele tradicionalmente relacionada à função de sujeito passa a
desempenhar também função acusativa, conforme os dados abaixo.
(2) Ou a Dilma tira eles, ou a gente tira a Dilma.
(3) Vamos homem, salve sua vida, eu seguro ela.
14
(4) Confesso que irei, com muito carinho, reservar um tempo para assistir
ele, o Hulk, e também todos os jogadores da Espanha.
(5) Em casa, você carrega ele.
(6) Foca na tua relação com ele e edifica ela.
Os dados de (2) a (6), extraídos da rede social Facebook, cujos referentes são,
respectivamente, políticos corruptos, a noiva, Hulk, celular e tua relação, representam
ocorrências de produção do ele em posição acusativa sem interpretação enfática, tratado
no decorrer desta dissertação como ele acusativo1. Este comportamento, no entanto,
parece não ocorrer com outras línguas românicas, como português europeu (doravante
PE), espanhol (doravante ES), francês (doravante FR) e italiano (doravante IT).
(7) Maria comprou-o/*ele/ec no mercado. PE
(8) María compro lo/*él /ec enel mercado. ES
(9) Marie a achté le/*il/ec le au supermarché. FR
(10) Maria ha dettoche ha trovato lo/*lui/ec. IT
Em (7), (8), (9) e (10), a posição acusativa apresenta variação entre o uso das
variantes clítica e vazia, sendo agramatical a forma plena segundo trabalhos
direcionados ao PE (cf. RAPOSO, 1986, 2004), ao ES (cf. CAMPOS, 1986), ao FR (cf.
CUMMINS; ROBERGE, 2005) e ao IT (cf. RIZZI, 1986).
Galves (2001) afirma que, em contextos muito específicos, o uso de pronomes
lexicais em posição de complemento nas línguas românicas, exceto PB, é satisfeito sob
a condição de duas restrições interpretativas: i) obrigatoriedade do traço [+humano] ao
referente da terceira pessoa; e ii) referência obrigatória a um foco neutro ou contrastivo.
Embora aceitem o uso, Galves (2001, p. 162) também sinaliza que, “[as línguas
românicas] o fazem de uma maneira muito mais restritiva. Primeiramente, certas línguas
exigem a reduplicação do clítico e a presença da preposição a. É o caso do PE”.
(11) a. Não vi a ele aqui. [Referente: Manuel] PE
1 Não há aqui intenção de tratar do sincretismo pronominal da forma plena de terceira pessoa como a existência de duas entradas lexicais distintas, uma de ele nominativo e outra de ele acusativo. Compreende-se que há uma configuração de traços capaz de licenciar a forma plena de terceira pessoa tanto na posição de sujeito, quanto na posição de objeto. O uso de ele nominativo e/ou ele acusativo é feito por uma questão econômica, visando referenciar “ele na posição nominativa” ou “ele na posição acusativa”.
15
b. Não vi ele aqui. [Referente: carro] PB
(GALVES, p. 162)
O pronome pleno da sentença (11a), possível em PE, é referente a um sintagma
nominal com traço semântico [+humano] e é interpretado como foco contrastivo — a
sentença (11a) pode ser interpretada como Foi a ele que eu vi, não a outro. Enquanto, o
exemplo (11b), produzido em PB, apresenta outra leitura, referente a um sintagma
nominal [+/-humano], uma vez que o referente pode tanto ser carro, quanto Pedro, e
sem interpretação de foco.
De acordo com o modelo de Regência e Ligação (cf. CHOMSKY, 1981, 1986) a
distribuição dos argumentos na estrutura sintática depende dos módulos da Teoria
Temática (ou θ) e da Teoria do Caso2. Todavia, no que diz respeito ao caráter dos
pronomes, a Teoria da Vinculação (ou Ligação) também deve ser levada em conta.
Nestes módulos são considerados pronomes aqueles elementos cuja gramática
normativa considera pronomes pessoais, salvo pelo “se” reflexivo (cf. BRITO, 2009).
Assim, segundo Chomsky (1981), um pronome deve obedecer ao princípio B, ou seja,
estar livre em seu domínio de vinculação (cf. 12).
(12) a. Mariai disse [CP que elai/j viajou].
b. Joãoi afirma [CP que elei/j esteve aqui].
Logo, em (12), os pronomes ela e ele podem tanto referir-se aos sintagmas
nominais Maria e João quanto a outros que possam ser recuperados pelo contexto
como, por exemplo, Paula e Sérgio respectivamente. Isto se dá pelo fato de que o
domínio de vinculação dos pronomes, em (12), é CP. As categorias vazias que
concorrem com o pronome de terceira pessoa obedece ao mesmo princípio (cf. 13).
(13) a. Mariai disse [CP que eci viajou].
b. Joãoi afirma [CP que eci esteve aqui].
As sentenças em (12) e (13) apresentam um comportamento muito semelhante
quanto à vinculação. Entretanto, (13) não dispõe da mesma liberdade de vinculação fora
do contexto sentencial que (12), retomando, por exemplo, Paula e Sérgio, pois para que
2 Caso, comportamento sintático de DPs realizados (cf. ROUVERET; VERGNAUD, 1980), é grafado aqui com letra maiúscula a fim de distingui-lo de caso, sinônimo de condição.
16
se estabeleça essa interpretação é necessário que o referente tenha sido mencionado no
discurso (cf. 14).
(14) Falante A: Onde está Paula?
Falante B: Maria disse que ela/ec viajou.
Assim, embora não seja objetivo deste trabalho discutir questões de vinculação
acerca das variantes ele e o objeto nulo3, em PB, é importante reconhecer que há
diferentes restrições para ambos. Por esta razão, assumo aqui o termo referente, em
contraposição a antecedente, por considerar como referente o DP retomado pelo
pronome independente dele ser mencionado no discurso ou de seu conteúdo semântico
ser acionado pelo conhecimento de mundo do falante (cf. 15).
(15) a. Ou a Dilma tira eles, ou a gente tira a Dilma.
b. *Ou a Dilma tira ec, ou a gente tira a Dilma.
A sentença em (15a) foi produzida e veiculada nas redes sociais em junho de
2013, momento em que houve uma forte gama de atos e mobilizações contra práticas de
corrupção do governo brasileiro. Tendo em vista este contexto pragmático, é possível
depreender que o pronome ele, em (15a), se refere ao DP políticos corruptos, mesmo
que este não seja mencionado no discurso. Porém, mesmo com a presença do contexto
descrito acima, a sentença em (15b) é agramatical, pois a sua gramaticalidade está
diretamente relacionada à presença de um antecedente. Para que (15b) fosse gramatical
seria necessário que, em algum momento do discurso, o DP políticos corruptos fosse
pronunciado, uma exigência que não parece existir para que o ele estabeleça essa
referência.
Conforme a distribuição dos pronomes de acordo com Caso, é defendido por
muitos autores, como Said Ali (1966) e Coutinho (1976), que os pronomes em PB são a
única classe que preserva os Casos latinos, nos quais há, segundo estes autores, um
reflexo morfológico. Seguindo essa lógica, os pronomes seriam “obrigados” a assumir
exclusivamente as posições Casuais em conformidade com a sua representação
morfofonológica, isto é, no caso dos pronomes de terceira pessoa, a posição de sujeito
3 De acordo com Cyrino (1994) e Silva (2009), o objeto nulo possui estatuto de elipse de DP, isto é, esta categoria vazia recebe licenciamento por verbos de complemento; sua categoria elidida é um DP; pode ser substituído por um pronome clítico o ou pelo pronome pleno ele; não apresenta paralelismo; e indica um evento.
17
deveria ser satisfeita apenas pelo pronome pleno ele, enquanto a posição de
complemento verbal não preposicionado deveria ser satisfeita apenas pelo pronome
clítico o. Entretanto, há uma série de trabalhos tanto no campo da Sociolinguística,
quanto da Teoria da Gramática (alguns mencionados no início deste capítulo), que
mostram que há, em PB, uma forte tendência ao preenchimento da posição acusativa
pelo pronome nominativo.
Assim, ainda que haja uma vasta gama de estudos a respeito do paradigma
pronominal do PB, questiona-se: o que favorece o licenciamento de ele acusativo? Visto
que os pronomes “[...] não apresentam caso morfológico, mas resíduos de marcas
casuais em seu sistema [...]” (SIGURÐSSON, 2003, p.234) e “[...] as formas
pronominais ele/ela [...] são tradicionalmente relacionadas ao Caso ‘nominativo’”
(CARVALHO, 2008, p.111), o ele não deveria ser realizado em posição acusativa,
embora esta forma seja de uso na posição de Caso acusativo em PB.
1.2 OBJETIVOS
Neste sentido, esse trabalho visa descrever e analisar os contextos em que há
licenciamento do pronome lexical de terceira pessoa em posição de complemento verbal
não preposicionado, de sentenças do PB, a partir de uma Teoria de Traços-phi (cf.
HARBOUR; ADGER; BEJÁR, 2008; CARVALHO, 2008). Portanto, o mapeamento dos
contextos sintáticos-semânticos nos quais o fenômeno ocorre, assim como a análise da sua
composição de traços (cf. HARLEY, RITTER, 2002; COWPER, HALL, 2002; BEJÁR,
2003; CARVALHO, 2008) são etapas essenciais ao presente trabalho.
1.3 REFERENCIAL TEÓRICO – METODOLÓGICO
Para realização da análise proposta, há adoção do método hipotético-dedutivo. Em
sua execução, utiliza-se o referencial teórico-metodológico da Teoria da Gramática
Gerativa, aos moldes do Programa Minimalista, conforme proposto por Chomsky (1995,
2000, 2001). Deste modo, esta pesquisa realiza-se tendo por base a corrente teórica inatista
acima mencionada, cuja metodologia consiste em analisar dados linguísticos e realizar
testes de gramaticalidade com os mesmos, de modo a atestar ou refutar hipóteses.
Também é feito um panorama do percurso de trabalhos nos quais a concepção de
pronome foi discutida, a saber, Postal (1966), Cardinaletti e Satrke (1999), Déchaine e
Wiltschko (2002), Harley e Ritter (2002), Béjar (2003) e Carvalho (2008), com o intuito de
18
discutir a concepção de pronome como um primitivo4 sintático, além de revisar a trajetória
das perspectivas de composição deste elemento, desde a sua “deficiência” (cf.
CARDINALETTI; STARKE, 1999) até a sua “subespecificação” (cf. CARVALHO,
2008).
Para realização dos testes de encaixamento com ele acusativo, inicialmente, houve
utilização de dados extraídos da rede social Facebook, devidamente registrados com uso da
ferramenta Print Screen Sys Rq, cuja propriedade proporciona apreensão de qualquer tela
exibida, em rede ou não, no sistema operacional Microsoft Windows. Contudo,
posteriormente, houve necessidade de expandir o corpus com dados de introspecção,
devidamente atestados por falantes nativos de PB, conforme os pressupostos teóricos da
Teoria Gerativa (cf. CHOSMKY, 1967, 1981, 1986, 1995, 2000, 2001), por considerar que
o falante nativo de qualquer língua humana é competente nesta modalidade linguística,
sendo capaz de realizar julgamentos de gramaticalidade.
A escolha da Teoria de Traços-phi (cf. HARBOUR; ADGER; BEJÁR, 2008;
CARVALHO, 2008) para tratar deste fenômeno se dá pelo fato de compreender que se os
itens lexicais são compostos por uma série de traços formais, há uma requisição acerca da
configuração hierárquica destes traços para que após a valoração se tenha um elemento e
não outro.
1.3.1 Dos traços à Teoria de Traços-phi
Diante de um olhar minimalista, traço é visto como um primitivo para a ocorrência
das operações sintáticas. Adger e Svenonius (2010) estabelecem um comparativo entre o
traço [plural] e um átomo de hidrogênio, H, sinalizando que ambos representam um
elemento mínimo, existente no mundo real, e que a ligação destes elementos primitivos de
mesma natureza resultam em substâncias novas. Logo, do mesmo modo que uma molécula
de água é composta por dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio; um vocábulo como
menina é resultado de uma “ligação” entre os “átomos” [N], [3ª pessoa], [singular],
[feminino], etc.
Entretanto, uma molécula da substância água (H2O), composta pela ligação entre
dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio, obedece um padrão de ligação iônica, isto é,
compartilhamento dos elétrons presentes nas camadas exteriores ao núcleo. Assim, para
4 Elementos primitivos são as entidades mais simples com que a linguagem lida. Por exemplo, o número 1 é um primitivo de uma sequência finita capaz de formar uma sequência numérica infinita junto com outros primitivos, como 2 ou 3 (cf. LEITÃO, 1995).
19
que se obtenha a água é necessário que se formem várias moléculas desta substância, a
partir da ligação iônica de cada átomo de hidrogênio com o de oxigênio, como na
ilustração abaixo.
Dentro desta lógica, é lícito pensar que se traços possuem um comportamento
semelhante ao dos átomos, eles também dispõem de propriedades estruturais e
composicionais. Assim, se faz necessário mais do que descrever os traços [N], [3ª pessoa],
[singular], [feminino], para deduzir que o resultado desta “ligação” seria o item lexical
menina, até porquê, esta descrição poderia ser de outros vocábulos como moça, aluna ou
secretária. Por esta razão, é preciso “descrever as possibilidades estruturais de um dado
traço a fim de que se possa estipular propriedades que permitem que um traço estabeleça
uma relação qualquer com outro traço” (cf. CARVALHO, 2012, p. 117), identificando,
desta forma, as restrições destes elementos. Logo, um sistema de traços requer uma
organização interna, hierárquica. A possibilidade de organização traçual adotada neste
trabalho é sua disposição em forma geométrica (cf. HARLEY, RITTER, 2002; BÉJAR,
2003; CARVALHO, 2008).
De acordo com Chomsky (1995, 2000, 2001), a faculdade da linguagem atua como
um sistema gerativo computacional no qual há interface com as componentes articulatório-
perceptual e conceitual-intencional, através de níveis de representação, preservados do
modelo T (cf. CHOSMKY, 1981, 1986), a saber, PF (Forma fonética) e LF (Forma lógica).
No modelo minimalista, não está previsto um nível intermediário de estruturação, há, neste
momento da teoria, uma concepção de que os itens vocabulares saem de um léxico5, a
relação de itens lexicais de uma língua, composto por traços fonológicos, semânticos e
formais (cf. CHOMSKY, 1995), e estes entram na derivação, na qual ocorrem as operações
sintáticas (Merge, Move e Agree) e são encaminhadas simultaneamente, em Spell-out, para
as interfaces supracitadas.
5 Com o advento do Programa Minimalista, novas teorias surgem apresentando diferentes posicionamentos acerca de questões outrora consensuais, como, por exemplo, a configuração do léxico e o reflexo desta na derivação. Assim, o léxico pode ser visto, por exemplo, como entidade constituída por categorias hierárquicas (Cartografia), listas de traços, rótulos fonológicos e conhecimento enciclopédico (Morfologia Distribuída) ou por traços geometrizados na sintaxe (Teoria de traços-phi).
20
Nas interfaces articulatório-perceptual e conceitual-intencional são lidos, segundo
Chomsky (1995, 2000, 2001), exclusivamente traços interpretáveis, ou seja, aqueles que
não atuariam diretamente na sintaxe, como, por exemplo, traço [Animate]. Conforme o
Princípio da Interpretação Plena, os traços legíveis ou traços interpretáveis são lidos nas
interfaces e devem manter-se inertes por toda a derivação até atingir PF e LP, enquanto que
os traços ilegíveis ou não interpretáveis, como os traços como [Plural] ou [Acusative],
devem ser checados (cf. CHOMSKY, 1995) ou valorados (cf. CHOMSKY, 2000, 2001,
2005) e, em seguida, “deletados”.
Para Chomsky (1995), como visto acima, há no léxico traços fonológicos,
semânticos e formais, de modo que apenas os formais atuariam na derivação e nas
operações que nela ocorrem (Merge, Move, Agree), pois são os únicos acessíveis ao
sistema computacional e, por isso, demostram reflexos na derivação.
Porém, trabalhos como o de Lopes e Quadros (2005, p. 77) mostram que “[...]
te[mos] traços como especificidade, por exemplo, dependentes de uma dada estrutura
sintática (tipo de predicado, estrutura do sujeito e objeto, etc)”. Do mesmo modo, a
prosódia pode apresentar reflexos sintáticos na compreensão de um dado objeto, como em
casos de topicalização sem pronome resumptivo (cf. ARAÚJO, 2006). Tais fatos induzem
ao questionamento de até que ponto os traços ditos não-interpretáveis seriam os únicos
acessíveis à derivação?
Por conseguinte, Frampton e Gutmann (2000) propõem que os traços não
interpretáveis ao invés de valorados e deletados, permaneçam inertes após sua valoração
até atingirem as interfaces6. À medida que é lançada a proposta de Frampton e Gutmann e
se constata que existe um limite demasiadamente estreito entre os tipos de traços acessíveis
à derivação, se torna pertinente a compreensão de traço como elemento formativo, aquele
que é capaz de “formar” algo (cf. HARLEY; RITTER, 2002; BÉJAR, 2003; CARVALHO,
2008, BRITO, 2009, GRUBER, 2013), ou seja, qualquer componente primitivo presente na
configuração interna de um vocábulo é compreendido como traço, seja ele de natureza
exclusivamente sintática ou de natureza morfológica, semântica e fonológica.
Sendo assim, neste preâmbulo, se encontra a Teoria de traços-phi na qual há a
possibilidade de colaboração morfológica e semântica para compreensão de eventos
sintáticos com “intervenção de efeitos de Agree”, nesta perspectiva é possível se debruçar
sobre temas como sincretismo, hierarquia de pessoa, definitude e anáforas considerando-os
6 Essa discussão será retomada no capítulo 4.
21
como vinculados aos traços-phi (cf. ADGER; HARBOUR, 2008), pois o diferencial desta
área é o interesse em verificar como os traços formais (formativos) atuam na derivação,
através da operação de concordância.
1.4 ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO
Os capítulos posteriores são organizados da seguinte forma: no capítulo 2 é feito
um panorama de trabalhos tendo por foco a concepção de pronome, levando em conta
seu comportamento sintático; no capítulo 3 é feita uma série de testes acerca dos
reflexos semânticos na sintaxe do ele em posição acusativa; no capítulo 4 é feita a
análise do fenômeno, levando em conta os traços que o compõe e seu papel na
geometria, assim como também são levadas em contas as motivações sintáticas para
requisição destes traços, conforme a operação Agree e; por fim são apresentadas as
considerações finais.
22
2 A COMPOSIÇÃO PRONOMINAL
2.1 INTRODUÇÃO
Este capítulo tem por objetivo discutir a noção de pronome, a partir da sua
composição estrutural7. Para tanto, serão revisados os trabalhos mais recentes a respeito
da proposta, a saber, Cardinaletti e Starke (1999), Déchaine e Wiltschko, (2002), Harley
e Ritter (2002), Béjar (2003) e Carvalho (2008), visando, através deste panorama
teórico, delinear como se deu a evolução da perspectiva de pronome como elemento
decomponível cuja representação é dada pela estruturação de diversos traços que o
caracterizariam conforme sua função gramatical.
Em Postal (1966, p. 13), um dos trabalhos iniciais sobre o tema na perspectiva
gerativista, pronomes seriam um subtipo de determinantes (rigorosamente relacionados
com artigos definidos) que, em termos de estrutura frasal, possuem estatuto do que
Abney (1987) chamou posteriormente de DP. O autor também argumenta, com base no
inglês, que a classe pronominal seja uma unidade inteiramente natural uma vez que sua
forma determinaria a sua distribuição.
(1) a. He is happy.
Ele.nom é feliz
b. She kissed him yesterday.
Ela.nom beijou ele.ac ontem
c. He helped himself.
Ele.nom ajudou ele.refl
(POSTAL, 1966, p. 13)
Assim, as formas he, him e himself, expressas em (1), seriam suficientes para
determinar seu comportamento sintático de nominativo (cf. 1a), acusativo (cf. 1b) e
reflexivo (cf. 1c) uma vez que estes elementos seriam primitivos referenciais.
No português, a tradição normativa apresenta o mesmo raciocínio, referendando
a concepção de pronome como primitivo (cf. ROCHA LIMA, 1989; BECHARA, 1999),
7 Composição estrutural é vista aqui como a organização interna de elementos primitivos, traços, do elemento sintático em questão, no caso, o pronome.
23
como em (2) cujas formas ela, o, lhe, sua e se equivalem respectivamente a nominativo,
acusativo, dativo, genitivo e reflexivo.
(2) a. Ela saiu cedo.
b. Maria o viu no mercado.
c. Pedro lhe deu flores.
d. João comeu sua comida.
e. A menina se cortou.
No entanto, diversos trabalhos, tais como Duarte (1986), Monteiro (1994),
Galves (2001) e Carvalho (2008) e Brito (2009) demonstram que o comportamento
pronominal em PB não está relacionado à sua forma, sobretudo a terceira pessoa.
(3) a. Ela saiu cedo.
b. Maria viu ele no mercado.
c. Pedro deu flores pra ela.
d. João comeu a comida dele.
e. Mariai viu elai na TV8.
Em (3), o pronome pleno de terceira pessoa assume respectivamente caráter
nominativo (cf. 3a), acusativo (cf. 3b), dativo (cf. 3c), genitivo (cf. 3d) e reflexivo (cf.
3e), o que aponta para o fato de que há mais do que a constituição morfológica do
elemento pronominal para determinação de seu comportamento sintático.
Embora Postal (1966) defenda que pronome seja uma unidade, o autor assume
que a realização fonológica de um pronome depende dos traços do núcleo nominal
(referente), por exemplo,
se um núcleo nominal consiste de um conjunto de traços que incluem [+Pro, +Humano, +Definido, +Masculino, +III, - II, -I, +Nominativo], o determinante é he. Mas se o núcleo nominal consiste dos traços [+Pro, + Reflexivo, +Humano, +Definido, +Masculino, +III, - II, -I, +Genitivo], o determinante é him e a forma resultante é himself. (op cit, p. 12).
8 A realização da sentença (3e) está condicionada ao dialeto alagoano, em PB (cf. BRITO, 2009).
24
Desde os anos 60, trabalhos, ainda que de forma embrionária, apontam para a
necessidade da decomposição pronominal. Postal afirma que estes traços seriam
gatilhos para um longo processo de regras de transformação (cf. CHOMSKY, 1965),
das quais resultariam as sequências de formas pronominais. Porém, em Aspects of the
theory of syntax, Chomsky concebe traço como elemento distintivo puramente sintático,
o que não contempla traços como [+definido] e [+humano] apresentados na
decomposição feita por Postal, apesar destes traços se mostrarem relevantes para o
estatuto dos pronomes.
Deste modo, a decomposição do pronome em elementos que sejam efetivamente
primitivos, os traços, parece ser o caminho para a compreensão da distribuição das
formas pronominais especialmente o sincretismo da forma pronominal de terceira
pessoa em português brasileiro (PB), que pode assumir tanto função nominativa, quanto
acusativa.9
Também há intento de discutir a perspectiva de que a decomposição pronominal
vai além dos traços-ϕ tradicionais (cf. CHOMSKY, 1995) na qual se compreende
pronome como um componente em que estão presentes exclusivamente traços de
pessoa, número e gênero. A ideia de que pronome é proveniente de uma geometria de
traços cujas relações morfossintáticas são capazes de apresentar todos os tipos de
pronome de qualquer língua natural (cf. HARLEY, RITTER, 2002; BÉJAR, 2003;
CARVALHO, 2008) parece ser ideal. Nas próximas seções será feita a revisão das
propostas supracitadas de modo a estabelecer uma discussão acerca da estrutura dos
pronomes.
2.2 SOBRE A COMPOSIÇÃO PRONOMINAL
2.2.1 CARDINALETTI e STARKE (1999)
O trabalho de Cardinaletti e Starke (1999) defende a ideia de que elementos da
língua assumem classes subjacentes às suas classes primitivas. Estas costumam tipificar
os itens lexicais de qualquer língua humana, como adjetivos, pronomes, verbos, etc.
Para os autores, há uma subclasse interna às categorias lexicais de uma língua cujo
9 Sabe-se que os pronomes nominativos podem emergir para todas as posições casuais em PB (cf. CARALHO, 2008), porém, este trabalho visa tratar exclusivamente deste sincretismo em posição acusativa.
25
elemento distintivo para um pronome ser nominativo ou clítico, por exemplo, seria a
presença ou ausência de algum componente em sua estrutura.
Para ilustração, utilizam dados da terceira pessoa do plural feminino nominativo
do italiano que se dividem em duas subclasses conforme restrições de coordenação e
referência.
(4) Esse (*e quelle accanto) sono troppo alte.
(5) Loro (e quelle accanto) sono troppo alte.
Elas e aquelas ao lado também são altas.
(CARDINALETTI; STARKE, 1999, p. 42)
Em (4), o pronome esse, que possui os mesmos traços de pessoa, gênero e
número que o loro, apresenta comportamento diferenciado à medida que não é
licenciado em contexto de coordenação. Já em (5), observa-se que loro é licenciado em
contexto de coordenação, embora, diferente de esse, o loro não se refere a elementos
não humanos. Conforme a proposta, cada um desses pronomes seria oriundo de uma
subclasse pronominal determinada a partir de sua composição interna.
Segundo Cardinaletti e Starke (1999), esta distinção pode não ser expressa na
forma fonética como nos dados abaixo do francês:
(6) Elles sont trop grandes.
Elas são muito grandes.
(7) Elles et celles d’à cote sont trop grandes.
Elas e as do lado são muito grandes.
(CARDINALETTI; STARKE, 1999, p. 42)
Assim, o pronome de terceira pessoa do plural feminino nominativo elles, em (6)
não “coordenável”, também não possui restrição interpretativa quanto a referentes
humanos, i. e. pode retomar tanto entidades humanas, como não humanas. Já em (7), o
elles, dotado dos mesmos traços e da mesma representação fonética, embora
“coordenável”, apresenta restrição interpretativa, podendo referir-se exclusivamente a
entidades humanas.
Partindo destas observações, os autores sugerem que haja uma subdivisão da
classe de pronomes, em duas subclasses: deficientes (não coordenável e sem restrição
semântica) e fortes (coordenável, mas com restrição semântica). Porém, haveria ainda
26
uma subdivisão da subclasse deficiente em clíticos e fracos, totalizando em uma
tripartição: clíticos, fracos e fortes (CARDINALETTI; STARKE, 1999, p. 60).
Uma vez que este paradigma representa assimetrias morfossintáticas entre as
subclasses, sistematicamente obtém-se uma hierarquia do tipo XDeficient < YDeficient <
ZStrong, na qual um pronome clítico projeta menos camadas estruturais do que um
pronome forte e os pronomes deficientes estariam intermediando as duas, conforme
ilustração em (8).
(8) clítico < fraco < forte
Em um modelo X-barra, “[...] clíticos são uniformemente melhor analisados
como núcleos, enquanto pronomes fracos são uniformemente melhor analisados como
projeções máximas [...]” (CARDINALETTI; STARKE, p. 64), i.e. o principal aspecto
distintivo entre estes elementos pronominais seriam suas representações e esta
desencadearia as demais assimetrias de cunho morfológico, semântico e fonético.
Embora os autores já mencionassem a existência de um traço γ, responsável por
engatilhar as assimetrias provenientes de pronomes deficientes, a análise por eles
proposta ainda se enquadra no modelo de Regência e Ligação (cf. CHOMSKY, 1981,
1985), sobretudo, por sua proposta de análise direcionada às projeções categoriais dos
elementos pronominais, como em (9)10.
(9) a.
10 Em (9), L equivale a qualquer categoria lexical e Ʃº e Lº seriam lócus de traços de concordância relacionados com a prosódia (CARDINALETTI; STARKE, 1999, p. 86).
27
b.
c.
Enquanto os pronomes fracos carecem da camada funcional CPL, apresentada
em (9a) como projeção máxima dos pronomes fortes; os pronomes clíticos, em (9c),
carecem da projeção máxima do seu “superior imediato”, o pronome deficiente, em
(9b).
A escolha de CPL como categoria de representação da camada funcional mais
alta, tendo valor interpretativo de complementizador (cf. CARDINALETTI; STARKE,
1999, p. 76), remete exatamente ao modelo de projeção verbal (tal qual CP > IP > VP,
CHOMSKY, 1981, 1986).
Para ilustrar a tripartição pronominal proposta, os autores utilizam dados de
terceira pessoa do italiano e eslovaco, como em (10).
(10) pronomes fortes: forte, XP (jemu - eslovaco, lui - italiano)
pronomes fracos: fraco, XP (ono - eslovaco, es – Olang-Tirolese11)
pronomes clíticos: fraco, Xº (mu - eslovaco, lo – italiano)
Os dados apresentados por Cardinaletti e Starke mostram uma clara relação entre
a forma pronominal e seu comportamento sintático dentro da tripartição, ou seja, estas
formas pronominais de terceira pessoa assumem posições correspondentes ao esperado
por um pronome forte, fraco ou clítico, dentro da proposta. O PB, porém, apresenta
outro comportamento.
11 Língua germânica falada na Áustria antiga, na região do Tirol.
28
Sabe-se que o pronome clítico é átono e por isso não pode receber foco (cf.
VITRAL, 1996), assemelhando-se a um afixo verbal, restringindo a inclusão de
elementos lexicais entre ele e o núcleo verbal, conforme os dados em (11).
(11) a. *Eu o não amo.
b. *Maria a já viu.
c. *Pedro abraçou muito o.
Em (12), observa-se que o ele acusativo12 em PB, diferente de um clítico, pode
ter inclusão de um elemento lexical entre ele e o verbo (12a), mas não pode vir antes
deste verbo (12b) ou referenciar sentenças (12c).
(12) a. Paula adora muito ele.
b. *Eu ele quero.
c. *[Te pedi para comprar o pão]i, por quê não elei fez / *fez elei?13
Quando a sentença é retomada por um clítico, ele apresenta um valor semelhante
ao de um demonstrativo: Te pedi para comprar pão, por quê não fez isto/isso? Com um
pronome pleno não há essa possibilidade, uma vez que este pronome precisa ter
referencialidade marcada. Os demonstrativos parecem ter uma liberdade maior no que
diz respeito à referencialidade, enquanto os clíticos estariam numa posição
“intermediária” e os pessoais apresentariam maior restrição, conforme (13).
(13) demonstrativos > clíticos > pleno
Já os pronomes deficientes (fracos e clíticos) apresentam restrição em contextos
de posição periférica (tais como deslocamento, isolamento e clivagem) e não podem ser
coordenados ou c-modificados14, os exemplos a seguir mostram o comportamento do
ele acusativo em PB dentro da tripartição proposta por Cardinaletti e Starke (1999). Para
contexto de topicalização, confira (14); para contexto de c-modificação, (15); para
12 Idem nota 1. 13 Em equivalência a: [Te pedi para comprar pão] i, por quê não oi fez. 14 “Entende-se c-modificação por modificação de todo o DP” (PETERSEN, 2008, p. 290).
29
contexto de isolamento, (16); para contexto de coordenação, (17); e para contexto de
clivagem15, (18).
(14) topicalização
a. Elei, João não viu eci hoje. [Referente: o menino]
b. Elei, João já vacinou eci. [Referente: o cachorro]
(15) c-modificação
a. Amo apenas ela. [Referente: Maria]
b. Pedro quer até ele. [Referente: aquele gato]
(16) isolamento
a. Quem você beijou? / Ele. [Referente: o menino]
b. Quem você carregou? / Ele. [Referente: o bichinho]
(17) coordenação
a. Eu quero pegar ele e ela pra conversar. [Referentes: João e Maria]
b. Levarei ele e ela pra doação. [Referente: este cachorro e esta gata]
(18) clivagem
a. Foi elei que encontrei eci ontem. [Referente: João]
b. Foi elei que eu ganhei eci da vovó. [Referente: esse passarinho]
Os dados de (14-18) demonstram que o ele acusativo além de ser licenciado em
todos os contextos restritos a pronomes forte, segundo a tripartição de Cardinaletti e
Starke (1999), também pode referenciar elementos humanos e não humanos. Quanto à
distribuição sintática, o ele acusativo em PB é um pronome forte, mas quanto à restrição
semântica [+/- humano], ele é um pronome deficiente; o que o torna uma “anomalia”,
pois estaria exercendo dois papéis dentro da tipologia, atuando simultaneamente como
forte e como deficiente. Este comportamento mostra que a proposta de tripartição não
contempla as singularidades do fenômeno. Além disto, como os autores não apontam de
que maneira estas estruturas seriam tratadas na sintaxe, em um modelo Minimalista, não
haveria uma motivação clara para a exigência das mesmas e a valoração de seus traços
na derivação. Para dar conta deste problema se faz necessário observar a sintaxe desses
elementos como fazem os autores a seguir.
15 Segundo Petersen (2008, p. 291), o contexto de clivagem também caracteriza um teste capaz de identificar pronomes fortes.
30
2.2.2 DÉCHAINE e WILTSCHKO (2002)
A proposta de Déchaine e Wiltschko (2002) revisa os esquemas de representação
propostos por Cardinalette e Starke (1999) para decomposição pronominal. Entretanto,
as autoras lançam mão de um modelo mais “enxuto”, de acordo com (19), eliminando as
projeções intermediárias, satisfazendo, ainda que parcialmente, condições de economia
(cf. CHOMSKY, 1995). A proposta de análise das autoras é de uma nova tripartição
pronominal baseada em seu “status” categorial, sendo estes pro16-DPs (19a), pro-φPs
(19b) e pro-NPs (19c).
(19)
Assim como Cardinaletti e Starke (1999), Déchaine e Wiltschko (2002)
defendem que a tipificação pronominal é oriunda de condições/assimetrias
morfossintáticas. No entanto, um fator inovador da proposta das autoras é de que estas
mesmas condições morfossintáticas também seriam responsáveis pelas propriedades de
16 A forma presa pro-, que antecede as projeções categoriais de um pronome, serve justamente para identificação do estatuto da categoria pronome, no esquema de representação de um DP (cf. DÉCHAINE; WILTSCHKO 2002), conforme apresentado por Abney (1987).
31
vinculação destes elementos referenciais. Deste modo, um pro-DP teria um status de
ligação semelhante ao de uma expressão referencial, como representado em (20).
(20) a. Este cachorro é bonito
b. Aquela moça comprou um carro.
Os pronomes em (20) atuam de modo semelhante ao de uma expressão
referencial pelo fato de estarem representados no núcleo funcional D (cf. Abney, 1987).
Por conseguinte, um elemento em D c-comanda elementos que estejam tanto na pro-
forma φP, na qual estariam contidos os traços-φ de número, gênero e pessoa (cf.
CHOMSKY, 1995), quanto na pro-forma N, cujo estatuto seria similar ao de um nome.
Assim, há também nesta proposta uma relação de subclasses ou subconstituintes das
pro-formas, como em (21).
(21) pro-DP > pro-φP > pro-NP
Logo, há uma relação de hierarquia estrutural na qual pro-NP está contido em
pro-φP e ambos são simetricamente dominados por pro-DP em relação de inclusão17.
Porém, apesar de haver certa similaridade entre a proposta de Cardinaletti e Starke
(1999) e a de Déchaine e Wiltschko (2002), a primeira proposta sugere uma tripartição
pronominal aplicada a pronomes pessoais, enquanto a segunda é mais abrangente à
medida que contempla a categoria pronominal no domínio de DP de forma mais ampla.
De acordo com a segunda proposta, as sentenças em (22) podem ser representadas
respectivamente em (23).
(22) a. Este cachorro é bonito.
b. Meu cachorro é bonito.
c. Alguém é bonito.
17 Segundo Chomsky (1981), no princípio de inclusão, α inclui β se todos os segmentos de α dominam β.
32
(23)
As sentenças em (22) apresentam respectivamente pronomes dos tipos
demonstrativo, possessivo e indefinido (cf. Monteiro, 1994), mostrando que esta
proposta de decomposição pronominal parece contemplar mais formas. Porém, não só a
estrutura engatilha assimetrias pronominais, mas outros aspectos designariam os
estatutos sintáticos das pro-formas que são melhor representados pelo quadro 1,
extraída de Déchaine e Wiltschko (2002, p.410).
33
Quadro 1 – Pro-formas18
pro-DP pro-ϕP pro-NP
Sintaxe interna Sintaxe de D Não possui
sintaxe nem de N, nem de D
Sintaxe de N
Distribuição Argumento Argumento ou
predicado Predicado
Semântica Definida ─ Constante
Status de ligação Expressão –
R Variável ─
Quanto à sintaxe interna, o ele acusativo não tem sintaxe de D, pois não pode
assumir posição de SpecDP, conforme mostram os dados em (24a-b). Também não se
comporta como um N, pois não é capaz de referenciar DPs nus, como em (24c-d).
(24) a. *Marcos adicionou ela menina. [Referente: a menina]
b. *Larguei este ele copo. [Referente: o copo]
c. *Eu fui bater ele na porta. [Referente: ec martelo]
d. *Maria foi fazer ela. [Referente: ec comida]
As sentenças (24a-b) são claramente agramaticais. Já as sentenças (24c-d) são
agramaticais se for assumida a leitura genérica para os nomes nus referenciados pelo
pronome de terceira pessoa, porém, pronomes acusativos parecem apresentar esta
restrição19. Saraiva (1997, p.31) propõe que DPs nus em posição de objeto em PB sejam
incorporação nominal, o que exige obrigatoriamente a interpretação genérica destes
constituintes, sobretudo, pela possibilidade de assumir, em muitos casos, uma forma
verbal (25).
(25) a. Eu fui bater ec martelo na porta. / Eu fui martelar [n]a porta.
b. Maria foi fazer ec comida. / Maria foi cozinhar.
18 Aqui é mantida a terminologia assumida pelas autoras, embora sua significação não dialogue em todos os aspectos com a terminologia adotada por Chomsky, como será visto a seguir. 19 Esta discussão será retomada adiante.
34
Quanto à distribuição, o ele acusativo pode se comportar tanto como argumento
(26a-b), quanto como predicador (26c-d20).
(26) a. Quero que tire eles daqui. [Referente: os sapatos]
b. Maria guardou ele na gaveta. [Referente: o dinheiro]
c. Hoje, achei ele bonito. [Referente: o jardim]
d. Colocaram ele deitado na cama. [Referente: o bebê]
Do ponto de vista semântico, o ele acusativo não é contemplado por nenhuma
das três pro-formas, pois não é um pronome capaz de acrescentar definitude a um NP
através de relação estrutural (27a-b), nem possui leitura genérica (27c-d).
(27) a. Paulo procurou nós linguistas.
b. *Paulo procurou eles linguistas.
c. Agora vou buscar eles na escola. [Referente: os meninos/*quaisquer
meninos]
d. Vou ter que lavar ela. [Referente: a roupa/ *qualquer roupa]
O dado em (27a) apresenta um comportamento totalmente diferente de (27b),
uma vez que em (27a) o nós restringe e especifica o grupo de linguistas (não são
quaisquer linguistas, são a categoria da qual faço parte). Em (27b), o ele não é capaz de
realizar esta restrição interpretativa, visto que seria gramatical apenas com leitura de
foco (Paulo procurou eles, os linguistas).
Já em (27c-d), o ele acusativo tem leitura específica e definida21, pois sentenças
como (28) não teriam o mesmo valor semântico do que (27c-d).
(28) a. Agora vou buscar todo menino na escola.
b. Vou ter que lavar toda roupa.
Os testes feitos com o modificador todo (a) em (28), sugere a leitura de
tipo/espécie/grupo, a mesma esperada por elementos cujo valor semântico seja genérico
(cf. SARAIVA, 1997, p. 35), diferente de (27c) em que não há leitura de que “todo tipo
20 Sabe-se que em (26c) e (26d) o ele se comporta como sujeito da SC, contudo, se faz necessário adotar tais exemplos de ECM (cf. CHOMSKY, 1981, 1986) para ilustrar a possibilidade do pronome de terceira pessoa assumir papel de predicado (nos termos de Déchaine e Wiltschko), quanto a sua distribuição. 21 A importância de definitude e especificidade será melhor discutida no capítulo 3.
35
de menino será buscado na escola”, dada em (28a), assim como (27d) de que “todo tipo
de roupa será lavada”, dada em (28b).
Quanto à vinculação, o ele acusativo pode ter caráter de variável22 (29), embora
este não seja obrigatório. Contudo, não tem caráter de uma expressão-referencial.
(29) a. Elai, Paulo trouxe eci de carro. [Referente: Maria]
b. Elei, Eu mesma bloqueei eci do face. [Referente: o rapaz]
A terceira pessoa não possui perfil de pessoa marcada discursivamente, “[...] na
classe formal dos pronomes, os chamados de ‘terceira pessoa’ são inteiramente
diferentes de eu e tu, pela sua função e sua natureza.” (BENVENISTE, 1976, p. 282).
Logo, a terceira pessoa não se encaixa no padrão de expressão referencial estipulado por
Déchaine e Wiltschko (2002), pois embora os pronomes referenciem um DP, a primeira
e segunda pessoas possuem uma referência marcada através do turno de fala no ato da
elocução, como em (30).
(30) Paulo: - João que dia você virá aqui?
João: - Você que vai me dizer, eu estou livre.
Paulo: - Tudo bem, eu vou marcar o dia.
As referências de eu e você são estipuladas por quem assume papel de locutor e
interlocutor, alternando-se no decorrer da elocução. Entretanto, a terceira pessoa não
dispõe desta propriedade visto que é sempre o tema, algo ou alguém fora do discurso.
Assim, não pode ser considerada em nenhuma instância expressão-referencial,
independente de estar em posição de nominativo ou de acusativo.
Conforme os critérios de sintaxe interna, distribuição, semântica e status de
ligação, o ele acusativo não se adéqua a nenhuma das três pro-formas apresentadas na
tipologia de Déchaine e Wiltschko (2002).
Rullmann (2004), em estudos envolvendo a língua inglesa, também assume uma
decomposição dos tradicionais traços-ϕ, acrescendo os traços Speaker [Falante] e
Addressee [Destinatário], em contraposição ao traço pessoa como um traço
indecomponível. Para chegar a tais resultados, Rullmann (2004) revisa a proposta de
22 Sabe-se que, conforme a Teoria da Vinculação, ela/ela não representam uma variável, mas a cabeça de uma cadeia, enquanto sua calda, a categoria vazia, é que teria a leitura de variável (cf. CHOMSKY, 1981, 1986, 1995). Entretanto, é mantida aqui a terminologia adotada pelas autoras, na qual variável seria a possibilidade de mover-se, independentemente da posição assumida na cadeia.
36
Déchaine e Wiltschko (2002) sugerindo que: a) primeira e segunda pessoa podem
assumir papel de variável em inglês; e b) os traços de pessoa e número não teriam
nenhum papel semântico diretamente relacionado à concordância sintática, embora os
pronomes sejam guiados semanticamente.
Embora o comportamento do ele acusativo em PB não se assemelhe aos
resultados encontrados no inglês por Rullmann (2004), a noção dos traços de Speaker e
Addressee como parte da decomposição da categoria pessoa é um dado importante,
retomado na próxima seção, especialmente pelo fato destes traços não poderem estar
presentes na composição da terceira pessoa.
2.2.3 HARLEY e RITTER (2002)
Para Harley e Ritter (2002), a caracterização do paradigma pronominal de
línguas humanas está diretamente relacionada aos traços de pessoa e número. A
representação geométrica de traços morfossintáticos desenvolvida pelas autoras
expressa a gramaticalização de categorias cognitivas, tais como referência, pluralidade e
taxonomia.
Esta geometria de traços morfossintáticos é do mesmo tipo que a geometria de
traços fonológicos proposta por Clements (1985) e Sagey (1986). Para tal analogia, as
autoras justificam que “a geometria de traços morfológica é motivada pela necessidade
do mesmo mecanismo teórico que sua contraparte fonológica” (HARLEY; RITTER,
2002, p. 489).
Harley (1994) mostra que duas das postulações para geometria traçual
fonológica, propostas por Noyer (1992), são aplicáveis à geometria de traços
morfossintática: a) os galhos de árvores, abaixo do nódulo raiz, definem a natureza da
classe de traços por regras fonológicas (adaptadas por Harley para a morfossintaxe); e
b) a relação de dependência codifica a contrastividade.
Visando justificar o desenvolvimento de uma representação estruturada de traços
de pessoa e número de modo que esta seja capaz de prever variedades e interações entre
estas classes, Harley e Ritter (2002, p. 485) assumem, com base em estudos feitos com
paradigmas pronominais e de concordância de línguas, que
a. A faculdade da linguagem representa elementos pronominais como uma geometria de traços morfológicos [apesar de muitas línguas não apresentarem uma correspondência morfofonêmica exata e unívoca];
37
b. A organização desta geometria é forçada e motivada por considerações conceptuais; c. Variações intra-linguísticas, lacunas em paradigmas internos e sincretismos são limitadas pela organização hierárquica de traços na geometria universal; d. A interpretação de sub-árvores da geometria pode ser relativizada hermeticamente em formas restritas de modo que a interpretação de uma língua específica de um dado traço dependerá em parte dos contrastes disponíveis naquela língua.
Estas assertivas, segundo as mesmas, servem também para nortear como se dá a
aquisição de pronomes, em língua materna, por crianças. Logo, o modelo tradicional de
conjunto de traços como um componente único cristalizado, no qual estariam contidos
traços de pessoa, número e gênero, é inviável conforme os padrões supracitados.
Harley e Ritter (2002) assumem, juntamente com Harley (1994), que traços são
monovalentes e aparecem apenas se eles tiverem um valor positivo (cf. HARLEY,
RITTER, 2002, p.490).
(31)
Os traços representados por [B] ou [E] só aparecem na representação estrutural
se forem ativados, caso contrário não, como o traço [-B] que não ocorre neste esquema.
As relações entre o traço [A] do nódulo raiz com os traços dos nódulos subsequentes,
[B] e [E], são decorrentes de uma relação de dependência. Assim, os traços [J] e [K]
implicam que o traço [I] foi acionado, uma vez que [J] e [K] estão em relação de
dependência com [I], caso [I] venha a ser excluído, os traços subsequentes a ele também
serão excluídos.
Em (32), há a representação da geometria de traços morfossintáticos proposta
pelas autoras, cujo escopo seria fornecido pela Gramática Universal, de modo que em
qualquer dada língua um subconjunto de traços possíveis pode ser ativado, embora a
maioria das línguas adote apenas uma porção de traços disponíveis (cf. HARLEY;
RITTER, 2002, p. 491).
38
(32) Proposta23:
Nesta geometria traçual, Referring Expression é o rótulo da configuração que
identifica o nominal, isto é, a expressão referencial resultante da sua composição.
Posteriormente, há os nós raízes da configuração, a saber, [Participant], [Individuation]
e [Class] (embora este nó não seja dependente imediato de Referring Expression) que
incluem os primitivos pessoa, número e gênero. Esta proposta parte de uma discussão
feita pelas autoras da Hierarquia Universal de Traços apresentada por Noyer (1992), em
(33).
(33) traços de pessoa > traços de número > traços de gênero > traços de classe
Acerca da geometria de traços apresentada por Harley e Ritter (2002), Carvalho
(2008, p. 72) diz que
as autoras dividem os traço-ϕ em três grandes grupos ou categorias: Participant, Individuation e Class. Participant [Participante] inclui os traços de Speaker [Falante] e Addressee [Destinatário], usados para representar pessoa (primeira e segunda, uma vez que a terceira seria a forma não-marcada); Individuation, incluindo Group [Grupo], Minimal [Mínimo] e Augmented [Aumentado], representa[m] a categoria número; e Class, e seus subgrupos, codifica[m] gênero e outras classes informacionais.
No entanto, as autoras debruçam-se sobre os nódulos Participant e
Individuation, correspondentes aos traços de pessoa e número, visando mostrar que a 23 Tradução apresentada por Carvalho (2008, p. 72).
39
caracterização do paradigma pronominal das línguas humanas está diretamente
relacionada com estes traços de pessoa e número, o que causa a impressão de que,
provavelmente, ainda não houvesse consenso a respeito das relações de inclusão e
continência entre gênero e classe.
No que diz respeito à categoria pessoa, a terceira pessoa pronominal apresenta
distinções em relação à primeira e à segunda, como mostram as generalizações de
Forchheimer (1953), em estudo feito sobre o comportamento morfossintático desta
categoria nas línguas humanas.
a) A concordância de 3ª pessoa geralmente é zero, [em] 1ª e 2ª a concordância é evidente; b) Muitas línguas não tem a 3ª pessoa pronominal – ou pelo menos não a forma nominativa; c) Muitas línguas tem distinção apenas entre pronomes de 1ª e 2ª pessoa, para 3ª pessoa elas usam demonstrativos; d) Línguas intimamente relacionadas tem frequentemente a 1ª e 2ª pessoa cognatas, mas a 3ª pessoa obviamente não é relacionada; e) 1ª e 2ª pessoa são frequentemente similares em forma e flexão, mas são distintas da 3ª pessoa f) 3ª pessoa está muito mais sujeita a subdivisões objetivas, tais como classe, gênero e localidade.
(FORCHHEIMER, 1953 apud HARLEY; RITTER, 2002, p. 493)
Harley e Ritter (2002) reconhecem o trabalho de Forchheimer, mas atribuem a
distinção entre primeira e segunda pessoa versus terceira ao fato de as primeiras
apresentarem referência determinada pela alternância discursiva, enquanto a terceira
teria referência fixa (cf. JAKOBSON, 1971, p. 131).
Para Benveniste (1976), só é possível definir primeira e segunda pessoa em
termos de “locução”, não em termos de objeto, como um NP, o que ocorre apenas com a
terceira pessoa pronominal. “A terceira pessoa apresenta de fato um membro não
marcado da correlação de pessoa” (op cit, p. 282).
Observando línguas como daga, kalihna, tonkwa, chinook, yimas, boumaa fijian,
Harley e Ritter (2002) mapeiam o comportamento das três pessoas pronominais, dentro
da proposta de geometria traçual, sempre excluindo o nó Participant por este ser o
responsável pela marcação dos traços Speaker e Addressee, correspondentes a primeira
e segunda pessoa, de pronomes pessoais, respectivamente.
40
(34) Geometria de terceira pessoa
a. Singular
b. Plural
c. Dual
d. Trial
Em (34), as línguas doga e kalihna apresentam a composição de terceira pessoa
expressa em (34a-b); chinook, yimas possuem composição de (34a,b e c); e boumaa
fijian é contemplado por todos as composições geométricas (34a-d). No entanto, há
praticamente a mesma estrutura para a terceira pessoa, visto que as particularidades
expressas estão exclusivamente no domínio de número.
41
O ele acusativo em PB parece dispor de mais traços na sua composição, como
demonstram os dados em (35).
(35) a. Eu não tenho eles. (Referente: esses livros)
b. Eu não tenho eles no meu face. (Referentes: os meninos/ os
aplicativos)
c. Como é um direito que tenho, prefiro exercer ele. (Referente: um
direito)
d. Ficamos lá esperando ele. (Referentes: o rapaz/ o ônibus)
e. O que você quer? Quero ele. (Referente: João)
f. O que você quer? Quero ele na liquidação. (Referente: o vestido)
Exceto (35c), todos os dados são definidos. Porém, a leitura deste referente não é
de “qualquer direito” ou de “todo direito”, mas de um direito específico, o direito “que
tenho”, podendo ser interpretado como “um dos direitos que tenho”, dando ao
determinante um a leitura de quantificador. Ou seja, parece haver necessidade de
notação positiva dos traços [Definite] e [Specific].
Em (35e), há obrigatoriedade de referência animada, enquanto em (35a,f) há
obrigatoriedade de referência inanimada, uma restrição que parece ser estabelecida
pelos PPs adjuntos24 a estas duas sentenças. Em contrapartida, em (35b,d) não há
restrição de animacidade, podendo o ele acusativo referenciar tanto um DP animado (o
rapaz/os meninos), quanto inanimado (os aplicativos/o ônibus). Logo, a geometria
carece de mais traços para dar conta do comportamento do ele acusativo em PB.
2.2.4 BÉJAR (2003)
Em seu trabalho, Béjar (2003) explora o mecanismo formal pelo qual as relações
de concordância são derivadas na sintaxe, tendo como foco principal alguns casos de
difícil concordância verbo-NP em línguas como georgiano e algoquiano. A autora
observa que os sistemas de concordância, em questão, refletem casos sintomáticos de
uma incompatibilidade fundamental entre sintaxe e morfologia, isto é, a operação de
match, como proposta por Chomsky (2000, 2001), “deveria falhar” em alguns contextos
24 Este tipo adjunção não é considerada aqui como Small Clause (SC), pelo fato de que: i) o PP adjungido não faz nenhum tipo de predicação sobre o ele, logo, não desencadeia concordância; e ii) uma vez que não há checagem de traços na operação de adjunção, o ele e o PP adjunto não estão no mesmo nível hierárquico de representação, como ocorre com DP, AP, PP e DP em uma SC.
42
de verbo-NP das línguas analisadas, pois realizam concordância, mas esta não apresenta
reflexo morfológico.
Assim, Béjar trata tais dados como evidências para a formulação de uma
proposta relativizada de Agree que contempla operações de match e value,25 porém,
assumindo uma concepção de traços-φ mais ampla na qual estão contidos mais do que
os tradicionais traços de pessoa, número e gênero, como unidade atômica. Nessa
perspectiva, a autora assume com Harley e Ritter (2002) que há uma geometria traçual
na qual estão inseridas categorias de pessoa (Participant), número (Individuation) e
Gênero (Class) e, deste modo, Béjar propõe que match não precisa obrigatoriamente
ocorrer entre todos os componentes da geometria de traços, como será melhor discutido
no capítulo 4.
Outra contribuição fundamental dada por Béjar (2003) é a inclusão do traço [π],
mais um nódulo para categoria pessoa, intermediário entre a expressão referencial e os
nós [Participant] e [Individuation], na geometria proposta por Harley e Ritter (2002),
pois a ausência do nó [Participant], caso da terceira pessoa, implicaria automaticamente
na subespecificação da categoria pessoa. Na próxima sessão serão discutidos outros
aspectos da proposta de Béjar (2003) a partir da leitura de Carvalho (2008).
2.2.5 CARVALHO (2008)
Carvalho (2008) desenvolve um estudo acerca da estrutura interna dos pronomes
pessoais em PB, com o intuito de identificar quais os traços formativos destes pronomes
e como sua composição interfere no fenômeno do sincretismo.
Carvalho (2008) argumenta em prol da composição pronominal em elementos
efetivamente atômicos e que a concepção tradicional de traços-φ como um conjunto
cristalizado de traços é inviável, visto que a expressão referencial pode não apresentar
em seu sistema computacional algum destes traços. Para o autor, é cabível uma teoria na
qual haja possibilidade de subespecificação “[...] no sentido de um dado elemento R não
apresentar todos os traços, apesar de tê-los disponíveis em seu inventário” (op cit, p.
77).
Cowper e Hall (2002), em estudos acerca da geometria de traços de flexão
nominal do inglês, argumentam que há um nó [D] no qual estão inclusos traços
pragmáticos gramaticalizados, como a notação em (36).
25 Identidade e valoração de traços respectivamente (cf. CHOMSKY, 2000, 2001).
43
(36)
Os autores argumentam que a distribuição de morfemas flexionais nominais em
inglês seja decorrente da composição de traços expressa pela geometria acima, que
retrata uma versão adaptada da proposta de Halle e Marantz (1993). Para eles, esta
proposta é capaz de mapear certas restrições dadas em itens lexicais que expressam a
flexão nominal.
Tendo em vista a sinalização de Béjar (2003) de que a geometria traçual
proposta por Harley e Ritter (2002) não é suficiente para representar a composição de
certos DPs, como o acarretamento26 dos traços [Definite] e [Animate] pelo nó
[Participant] em húngaro e algoquiano, Carvalho (2008) apresenta outra proposta de
geometria traçual para pronomes pessoais em PB, advinda da releitura e da aproximação
das propostas de Harley e Ritter (2002), Cowper e Hall (2002) e Béjar (2003), o que
será discutido mais adiante.
Portanto, Carvalho (2008) assume a estrutura em (37) como a notação capaz de
codificar as informações nominais de um pronome pessoal que entra na derivação
engatilhando todos os mecanismos sintáticos para que este venha a alcançar PF com
êxito.
(37) Geometria de traços de pessoa proposta para pronomes pessoais27
26 “Dados dois elementos A e B respectivamente numa ordem hierárquica, a presença de B requer a presença do outro elemento A” (CARVALHO, 2008, p. 58). 27 As notações para número e gênero serão mostradas e discutidas no capítulo 4.
44
Deste modo, a representação dos pronomes pessoais em PB, conforme a sua
composição de traços, gera, segundo o autor supracitado, o resultado de [π] ser o único
responsável pela diferença entre primeira, segunda e terceira pessoa. Como expresso a
seguir.
(38)
a. Primeira Pessoa (Definida)
b. Primeira Pessoa (Arbitrária)
c. Segunda Pessoa (Definida)
d. Segunda Pessoa (Arbitrária)
45
e. Terceira Pessoa
Carvalho (2008) afirma que as reticências abaixo do traço [D], presentes na
geometria de terceira pessoa em (38e), expressam que os traços subsequentes podem ou
não estar presentes em sua composição, dependendo da interpretação que venham a
assumir. No entanto, o fato de terceira pessoa não apresentar representação arbitrária,
como a primeira e a segunda, implica que aparentemente há traços que precisam estar
presentes na composição de terceira pessoa, ainda que estes traços estejam sob domínio
de [D] e não de [Participant].
(39) a. Deixarei ela aqui. [Referente: a criança]
“Deixarei esta criança aqui.”
“*Deixarei toda criança aqui.”
“*Deixarei o tipo/a espécie/ o grupo criança aqui.”
b. Quebrei ele. [Referente: o copo]
“Quebrei este copo.”
“*Quebrei todo copo.”
“*Quebrei o tipo/a espécie/o gênero copo.”
(40) a. Coloquei ele pra fora. [Referente: o cachorro]
“Coloquei este cachorro para fora.”
“*Coloquei qualquer cachorro para fora.”
b. Abri ele e limpei ec. [Referente: o celular]
“Abri este celular e limpei.”
“*Abri qualquer celular e limpei.”
Os dados em (39a-b) mostram que a terceira pessoa exige leitura específica,
enquanto os dados em (40a-b) obrigatoriamente assumem definitude marcada, ou seja,
estes traços parecem ser essenciais à geometria traçual da terceira pessoa em PB. Logo,
há traços que precisam estar presentes na geometria da terceira pessoa acusativa, ainda
que estes traços sejam dominados por [D].
46
2.3 SUMÁRIO
No presente capítulo foi feita uma discussão a respeito do conceito de pronome e
da sua estrutura interna. Para tanto, revisou-se as propostas de Cardinaletti e Starke
(1999), Déchaine e Wiltschko, (2002), Harley e Ritter (2002), Béjar (2003) e Carvalho
(2008), apresentando, a partir deste panorama teórico, o desenvolvimento da concepção
de pronome como elemento cuja composição de traços é a causa de sua distribuição.
Em paralelo à revisão teórica, também foi feito encaixamento do fenômeno do
ele acusativo de acordo com tais propostas, com intuito de verificar qual delas pode
explicar o sincretismo da forma nominativa em posição acusativa de terceira pessoa, em
PB.
Conclui-se que a geometria de traços é o caminho para a compreensão do
fenômeno. Porém, a seguir serão recuperadas questões como definitude, especificidade
e arbitrariedade, pois se faz necessária uma tipologia dos traços presentes na
configuração deste elemento para compreensão de seu estatuto, que será apresentada no
Capítulo 3.
47
3 REFLEXOS SEMÂNTICOS NA SINTAXE DE TERCEIRA PESSOA
3.1 INTRODUÇÃO
Tendo em vista que a (de)composição pronominal em elementos atômicos difere
da perspectiva tradicional de traços-φ como um feixe cristalizado de traços, a proposta
da geometria de traços (cf. HARLEY; RITTER, 2002; COWPER; HALL, 2002;
BÉJAR, 2003; CARVALHO, 2008) mostra-se adequada à compreensão do fenômeno
de terceira pessoa em posição acusativa, visto que o item pronominal pode não
apresentar em seu inventário uma gama de traços dominados pelas categorias pessoa,
gênero e número, podendo estas virem a ser acionadas a depender da configuração do
elemento. Esta abordagem propicia a condição de subespecificação, condição em que
um determinado elemento não apresenta todos os seus traços, apesar de tê-los
disponíveis em seu inventário.
Embora se verifique na terceira pessoa um grau de subespecificação maior do
que nos pronomes de primeira e segunda pessoa, assumo com Cowper e Hall (2002),
Schütze (2003) e Carvalho (2008) que os pronomes pessoais apresentam em seu
inventário traços semântico-pragmáticos, a saber [Definite], [Specific], [Local], [Distal],
[Animate], entre outros, que teriam se gramaticalizado em um amplo processo
diacrônico. Assim, o presente capítulo tem por objetivo apresentar um caminho para a
composição de traços do ele acusativo em português brasileiro (PB). Para tanto, será
verificada a relevância dos traços [Definite], [Specific] e [Animate], além de questionar
as condições de subespecificação da terceira pessoa e sua aproximação com
determinantes.
3.2 PARA UMA TIPOLOGIA DO ELE ACUSATIVO
3.2.1 DEFINITUDE E ESPECIFICIDADE
No capítulo anterior, verificou-se, ainda que preliminarmente, a importância que
os traços [Definite] e [Specific] possuem para a composição do ele acusativo. Esta noção
foi apresentada anteriormente por Cowper e Hall (2002), em seu trabalho sobre a flexão
de nomes em inglês, no qual foi proposta uma hierarquia de traços em que definitude e
especificidade estão contidos (cf. 1).
48
(1)
No entanto, há necessidade de recorrer aos traços presentes na tipologia de
Harley e Ritter (2002) para atender aos rótulos dos pronomes pessoais em PB, já que na
notação de Cowper e Hall (2002) não são representadas as categorias pessoa, gênero e
número. Carvalho (2008) propõe, com base em Harley e Ritter (2002), Cowper e Hall
(2002) e Béjar (2003), uma geometria traçual capaz de codificar as informações
nominais de um pronome pessoal (cf. 2).
(2) Geometria de traços de pessoa proposta para pronomes pessoais
Esta proposta, configurada especificamente para dar conta dos pronomes
pessoais, também traz a presença dos traços [Definite] e [Specific]. Em contrapartida, na
tipologia dada pelo autor para terceira pessoa (cf. 3), os traços supracitados não estão
presentes, devido à assunção de que os traços subsequentes a [D] podem ou não estar
contidos na composição da terceira pessoa, dependendo da interpretação que venham a
assumir, como será discutido adiante.
49
(3) Geometria da terceira pessoa
Mariano (2012) conceitua definitude e especificidade28, com base em dados do
português rural afrodescendente, da seguinte forma,
(i) por Definitude, entende-se a propriedade dos determinantes de mostrar que o referente de uma expressão nominal é acessível tanto ao falante, quanto ao ouvinte (identificabilidade) e/ou que a expressão nominal corresponde à totalidade dos possíveis referentes (inclusão); (ii) por Referencialidade, entende-se a capacidade de os nominais fazerem referência a entidades específicas do mundo. Assim, o conceito de referencialidade adotado aqui se confunde com [o de] especificidade [...]. Assim, um nome pode ser indefinido com interpretação específica (referencial) ou não-específica (não-referencial), a depender se faz referência a um objeto específico ou familiar para o falante (Alan comprou uma casa nova) ou não (Rogério precisa de uma caneta). Da mesma forma, os traços [+/- específico] podem ser atribuídos a expressões nominais definidas (Rogério quer entregar a faixa ao presidente – assim, ele tem de esperar o final das eleições [- específico/leitura de intenção] / Rogério quer entregar a faixa ao presidente – mas ele não quer recebê-la [+específico/leitura de extensão]) [...] (MARIANO, 2012, p. 5).
Mariano (2012) assume que a presença do traço definido requer que falante e
ouvinte saibam “quem é / o que é” o referente em questão, ou seja, para que o DP seja
definido é necessário que o valor de seu referente seja um conceito compartilhado por
locutor e interlocutor.
Quanto à especificidade, embora o autor mencione a sinonímia presente na
adoção dos traços especificidade e referencialidade, neste trabalho, é estabelecida uma
distinção tipológica entre ambas a fim de preservar a terminologia adotada na teoria de
traços. Especificidade é tratada aqui como propriedade de um DP referenciar elementos
distintivos e essenciais (cf. COWPER; HALL, 2002), enquanto referencialidade é tida
aqui como propriedade de um elemento pronominal recuperar os traços-ϕ de seu
antecedente/referente (cf. HARLEY, RITTER, 2002).
28 Mariano (2012) trata especificidade e referencialidade como componentes semânticos sinônimos.
50
Observemos os dados em (4)29.
(4) a. Pediram pra levar ele amanhã. [Referente: o menino]
b. Que dia você vai ver ele novamente? [Referente: o seriado novo]
c. Me alimentei para usar ele. [Referente: cataflan]
d. Neste dia, ele matou ela. [Referente: aquela cadela]
e. Eu já venci ele. [Referente: o jogo]
Todos os dados em (4) possuem referência definida. Em (4a), (4b) e (4e), a
definitude é dada pela presença de um artigo definido no DP referente. Seus referentes
são, respectivamente, o menino de quem falávamos, o seriado novo que gostamos e o
jogo que estamos vendo. Ainda que possa ser feita alguma alteração no contexto
comunicativo/interpretativo, como o menino filho da vizinha, o seriado mais popular ou
o jogo de futebol para Xbox, todas as possibilidades serão lidas como um referente
conhecido pelo locutor e pelo interlocutor.
Em (4c), o referente é a marca de um produto medicinal cujo conceito e cuja
função são amplamente compartilhados na comunidade de fala do PB, logo, não há
possibilidade de leitura indefinida do mesmo. Já em (4d), a definitude é dada pelo
demonstrativo aquela que condiciona à leitura de que a cadela em questão é aquela da
vizinha, aquela cadela assassinada, aquela cadela vira-lata ou qualquer outra leitura na
qual se perceba que a cadela em questão é conhecida tanto pelo falante, quanto pelo
ouvinte.
Dadas as sentenças em (5), observam-se questões acerca não só da definitude,
mas também da especificidade.
(5) a. Por quê não dá na cara do macho que chifrou ela? [Referente: a mulher]
b. Eu leio a mensagem, respondo ela mentalmente, mas esqueço de
responder ela de verdade. [Referente: a mensagem]
c. Como é um direito que tenho, prefiro exercer ele. [Referente: um direito]
29 O objeto nulo (ON) não parece ser licenciado em todos os contextos em que há ocorrência de pronome pleno de terceira pessoa. Sentenças como (4e), por exemplo, apresentam uma leitura diferente de Eu já venci eci. Em Eu já venci ele, independente do referente ser pronunciado ou recuperado pelo contexto, há a leitura de que Eu venci algo/alguém. Porém, em Eu já venci eci,, o antecedente precisa ser mencionado para que haja a mesma leitura de (4e), caso contrário, a sentença pode assumir caráter intransitivo.
51
d. Se eu ver30 algum cachorro aqui, mato ele. [Referente: algum cachorro]
Em uma primeira leitura, é possível identificar que a terceira pessoa acusativa
em (5a) apresenta um comportamento diferente de (5b-d), pois sua leitura é claramente
definida e específica, isto é, a mulher em questão é aquela que foi alvo de traição, esta
informação é compartilhada por locutor e interlocutor e, uma vez que se trata da mulher
traída, ela é específica. A traição da qual foi vítima atua como um traço distintivo entre
ela e qualquer outra mulher envolvida no processo.
Em (5b), pode-se pensar que o pronome ela apresenta apenas o traço
[Definite]31, pois neste contexto é possível pensar que qualquer mensagem recebida se
enquadra a esta condição. Porém, a observação do contexto como um todo mostra que
não se trata de qualquer mensagem que o locutor venha a receber, mas exclusivamente
das mensagens recebidas e lidas, visto que, se a mensagem foi recebida, mas não foi
lida, não há como assegurar a inteligibilidade da sentença. Deste modo, há aqui não só a
presença do traço [Definite], mas também do traço [Specific].
Em (5c), à primeira impressão, o DP um direito, ao qual o ele se refere, parece
ser indefinido. Entretanto, a expansão de (5c) para ?Como é qualquer direito que tenho,
prefiro exercer ele resulta, novamente, em uma sentença comprometida
semanticamente, o que mostra que o elemento pré-nuclear um assume papel de
quantificador32 e não de artigo indefinido, como pode aparentar uma leitura inicial.
Logo, há leitura definida e específica aqui também.
A sentença (5d), por sua vez, assemelha-se a (5b) e (5c). Do mesmo modo que
(5c), (5d) possui um determinante indefinido que parece dar-lhe a mesma leitura. No
entanto, assim como (5b), sua observação por um prisma mais amplo mostra que há aí
marcas de definitude e especificidade. É clara a correferência entre as sentenças Se eu
ver algum cachorro aqui, mato ele e Se eu ver qualquer cachorro aqui, mato ele.
Porém, não será qualquer cachorro que corre o risco de ser morto, somente os que forem
vistos aqui, uma interpretação condicionada aos traços [Definite] e [Specific].
30 Sabe-se que há a variação entre as formas vir e ver, correspondentes ao subjuntivo. Entretanto, será mantido o dado original, como produzido por informante na rede social Facebook. 31 Aqui não é assumida notação negativa, pois, de acordo com Harley e Ritter (2002, p. 490), o traço só entra na geometria se sua notação for positiva. Caso ela não seja positiva, significa que o traço está presente no inventário, mas não foi acionado. Assim, não demanda representação notacional, evitando a representação tradicional do traço como [-X]. 32 Se a sentença for expandida para Como é um dos (dois) diretos que tenho, prefiro exercer ele/este é muito mais aceitável do que a expansão com o pronome indefinido qualquer.
52
Além dos dados acima, há outros testes que apontam para conclusões
semelhantes acerca dos traços em questão. Em sua análise, Cardinaletti e Starke (1999)
apontam cinco contextos nos quais o pronome deficiente apresenta restrição. Adoto
aqui, tais testes, a saber, topicalização, c-modificação, isolamento, coordenação e
clivagem, a fim de identificar a proeminência dos traços [Definite] e [Specific] nestes
contextos.
(6) topicalização
a. Elei, João não viu eci hoje. [Referente: o/este menino]
b. *Elei, João não viu eci hoje. [Referente: todo/qualquer menino]
(7) c-modificação
a. Estou procurando só ela. [Referente: Maria]
b. *Estou procurando só ela. [Referente: toda/qualquer moça]
(8) isolamento
a. Quem você beijou? Ele. [Referente: o/esse cara]
b. Quem você viu? *Ela. [Referente: toda/qualquer menina]33
(9) coordenação
a. Eu quero pegar ele e ela pra conversar. [Referentes: João e Maria]
b. *Eu quero pegar ele e ela pra conversar. [Referentes: todo/qualquer
menino e toda/qualquer menina]
(10) clivagem
a. Foi elei que eu comprei eci. [Referente: o/aquele sapato]
b. *Foi elei que eu comprei eci. [Referente: todo/qualquer sapato]
Em todos os contextos de (6-10), as sentenças em (a) são gramaticais por
apresentar definitude e especificidade, enquanto que as sentenças em (b) são
agramaticais justamente pela ausência destes traços.
Logo, os traços [Definite] e [Specific] parecem ser fundamentais à composição
traçual do ele acusativo34, o que não parece ser uma condição básica para o ele
nominativo (cf 11), no qual há outras possibilidades.
33 Em contexto homoafetivo masculino, há possibilidade de realização da variante uma ela, referindo-se a alguém do sexo feminino, como em Quem você beijou? Uma ela. Contudo, uma assumiria papel de quantificador e não de artigo indefinido, visto que não se pode beijar alguém “indefinido”. 34 Idem nota 1.
53
(11) a. (Eles) tocaram a porta.
b. Na Espanha, eles falam espanhol.
c. ec Choveu.
d. Ele comprou um carro novo.
Diferente do ele acusativo, o ele nominativo apresenta uma gama maior de
possibilidades no que diz respeito à presença dos traços definido e específico. Em (11a),
há leitura específica, mas não definida, pois se sabe que o pronome se refere a alguém
que bateu na porta, mas nem falante, nem ouvinte sabem de quem se trata. Em (11b), há
leitura definida, mas não específica, já que a terceira pessoa se refere aos habitantes da
Espanha, mas não a algum ou a alguns falante (s) em particular.
Embora este trabalho não discuta categorias vazias, em uma língua não pro-
drop, a representação da sentença em (11c) seria dada, por exemplo, por It rained (ec
Choveu), tendo a realização do sujeito sintático dada por um pronome expletivo, que,
por sua vez, é a forma pronominal de terceira pessoa em qualquer língua deste tipo (cf.
FORCHHEIMER, 1953) e não dispõe nem dos traços de definitude, nem dos de
especificidade.
Por fim, em (11d), aquele que efetuou a compra do carro novo, uma vez já
mencionado, possui leitura definida e específica, único caso em que o ele nominativo
se assemelha ao ele acusativo. Entretanto, o ele acusativo necessita ter estes traços em
sua notação traçual, o que não ocorre com o ele nominativo, visto que a presença destes
traços neste elemento é opcional. Esta é mais uma evidência de que definitude e
especificidade não só são relevantes, mas indispensáveis à estrutura interna do ele
acusativo.
Logo, uma vez que o ele nominativo pode apresentar as combinações de traços
expressas em (11) e o ele acusativo deve ter obrigatoriamente os traços [Definite] e
[Specific], fica claro que estes traços são determinantes para a distribuição do pronome
de terceira pessoa, caracterizando-os como traços formais35, ou seja, primitivos
constitutivos.
35 A discussão sobre a valoração destes traços na sintaxe será feita no capítulo seguinte.
54
3.2.2 ANIMACIDADE
Tendo em vista que o traço [Human] é derivado do traço [Animate], já que não
existe uma entidade humana e inanimada, está seção busca identificar até que ponto
efetivamente há relevância destes traços para a composição do fenômeno do ele
acusativo em PB.
Galves (2001), ao estabelecer um panorama comparativo entre as estratégias de
pronominalização em posição acusativa das línguas românicas, mostra que algumas
destas línguas quando podem adotar a forma plena em posição de objeto direto, fazem-
no de maneira muito mais restritiva, pois certas línguas, como português europeu e
espanhol, exigem reduplicação do clítico, a presença da preposição a e restrição
semântica, como mencionado no capítulo 1.
O uso dos pronomes não-clíticos na posição de objeto está sujeito, nas outras línguas, à restrição de interpretação que os distinguem crucialmente dos clíticos: a. o referente da terceira pessoa é obrigatoriamente [+humano]; e b. eles nunca podem fazer referência a um tópico; ao contrário, só podem ser interpretados como informação nova, foco neutro ou contrastivo (op cit., p. 153).
A autora mostra que o PB apresenta um comportamento diferenciado, podendo
fazer referência a um tópico inanimado não contrastivo ou pode ocorrer como pronome
lembrete em relativas, o que, segundo a mesma, poderia enquadrá-lo ao estatuto de
pronome fraco na tipologia de Cardinaletti e Starke.
Na tipologia de pronomes proposta por Cardinaletti e Starke (1994), os pronomes objetos [de terceira pessoa] são considerados pronomes deficientes não clíticos, ou seja, fracos, por oposição aos pronomes fortes, que lhes correspondem nas línguas românicas (GALVES, 2001, p.154).
No entanto, no capítulo anterior, mostrou-se que o ele acusativo, em PB, não só
é licenciado em todos os contextos restritos a pronomes fortes, a saber, topicalização, c-
modificação, isolamento e coordenação, como também é capaz de referenciar elementos
humanos e não humanos. Ou seja, quanto à distribuição sintática, o ele acusativo em PB
é um pronome forte, mas quanto à restrição semântica, [+/- humano], ele é um pronome
deficiente.
Cyrino (1994), em seu estudo diacrônico sobre o objeto nulo no português,
defende que um aspecto relevante para o surgimento e a concorrência da variante nula
(objeto nulo/elipse de DP) e da variante plena (terceira pessoa nominativa em posição
55
acusativa) contra o clítico acusativo (o/a) em PB seja a animacidade. A autora aponta
que,
para explicar a ocorrência de pronome pleno em posição de objeto, hipotetisei que se o clítico ‘o’ [-animado] é perdido em favorecimento de uma posição nula, o clítico ‘o’ [+animado] poderia também começar a desaparecer e, para que a referência a um antecedente [+animado] fosse feita, o falante, por não ter mais o clítico ‘o’ disponível, faria uso do pronome tônico ‘ele’ (op. cit., p.4)
Deste modo, observa-se que a presença do traço [Animate] no DP referenciado
pelo elemento pronominal tem sido considerada um aspecto relevante para a escolha da
estratégia de pronominalização no PB (cf. DUARTE, 1986; BIANCHI; FIGUEIREDO
SILVA, 1994; CYRINO 2003, 1997; KATO, 1993). Assim, com a queda do clítico, o
pronome pleno seria licenciado pela marcação de animacidade, enquanto o objeto nulo
seria licenciado pela ausência deste.
Porém, retomando os testes estabelecidos por Cardinalette e Strarke (1999)
como parâmetro para distinguir pronomes fortes de fracos, é possível observar que o ele
acusativo não só é livre da restrição do traço [Human], como também é livre em todos
os contextos quanto ao traço [Animate] (cf. 12-16) 36.
(12) topicalização
a. Elei, João não viu eci agora. [Referente: o menino]
b. Elei, João não viu eci agora. [Referente: o cachorro]
c. Elei, João não viu eci agora. [Referente: o livro de espanhol]
(13) c-modificação
a. Estou procurando só ela. [Referente: Maria]
b. Estou procurando só ele. [Referente: aquele gato]
c. Estou procurando só ela. [Referente: a farinha]
(14) isolamento
a. Quem você beijou? Ele. [Referente: o cara]
b. Quem/o que você viu? Ele. [Referente: o bichinho]
c. O que você viu? Ele. [Referente: o carro roubado]
36 Cabe salientar que a assunção da clivagem como um teste relevante para a distinção entre pronomes fortes e fracos é feita por Petersen (2008), como dito no capítulo 2.
56
(15) coordenação
a. Eu quero pegar ele e ela pra conversar. [Referentes: João e Maria]
b. Eu levarei ele e ela pra doação. [Referentes: este cachorro e esta gata]
c. Eu quero comprar ele e ela pra mim. [Referentes: este quadro e aquela
poltrona]
(16) clivagem
a. Foi elei que eu encontrei eci ontem. [Referente: João]
b. Foi elei que eu ganhei eci da vovó. [Referente: esse passarinho]
c. Foi elei que eu comprei eci. [Referente: aquele sapato]
Todas as sentenças acima são gramaticais. Já que a discussão acerca do caráter
de gramaticalidade das sentenças em b foi feita no capítulo anterior, na seção que trata
do trabalho de Cardinaletti e Starke (1999), aqui será dado maior enfoque às sentenças
em c cujos referentes são inanimados.
A sentença em (12c), inicialmente, pode parecer agramatical, porém, observada
em um contexto mais amplo, a presença do traço específico, lida a partir do PP de
espanhol adjungido, parece contribuir com o licenciamento do ele acusativo. Em uma
situação na qual o falante A diz: Estou procurando o livro de espanhol, sabe se alguém
viu ele? E o falante B responde: Ele, uhm..., João não viu. Senão teria falado com a
gente. O contexto de topicalização não parece condicionar o fenômeno à leitura
animada.
Em (13c), é possível pensar em uma situação na qual o falante A pergunta ao
falante B: Carlos, venha logo almoçar! Você já pegou a farinha? e o falante B responde
ao falante A: Estou procurando só ela. O que mostra que não há restrição de
animacidade em contexto de c-modificação.
Em (14c), em um contexto no qual o falante A fala para o falante B: Eu te disse
que meu carro foi roubado, né? Por que está com essa cara? O que você viu? e o
falante B responde ao falante A: Ele. Logo, não há restrição de animacidade em
contexto de isolamento.
Em (15c), o locutor pode se dirigir ao interlocutor fazendo o seguinte
comentário: Adorei essa loja de decoração, este quadro e aquela poltrona são
fantásticos. Quero comprar ele e ela pra mim. Não há restrição de animacidade em
contexto de coordenação.
57
E, por fim, em (16c), o contexto seria de duas amigas entrando em uma loja de
sapatos, quando uma dirige-se a outra e diz: Ali olha lá, foi ele que eu comprei37.
Também não há restrição de animacidade em contexto de clivagem.
Silva (2009), em seu trabalho acerca do estatuto do objeto nulo em comunidades
rurais baianas, trata da animacidade visando desmistificar a importância deste traço.
Nesta subseção, concentro minha análise, principalmente, na investigação do ELE a fim de demonstrar que esta é uma estratégia disponível para retomar antecedentes com traço [-animado], procurando encontrar um argumento a mais em favor de que a animacidade não é um fator categórico na escolha pelo ON [objeto nulo] ou pelo ELE. (op cit, 102).
Em sua análise, Silva (2009, p. 106) mostra que além do comportamento de
nominativo, o ele acusativo estaria perdendo, nas comunidades em questão, os traços
[Human] e [Animate]. Embora neste trabalho não haja intenção de confrontar as
estratégias de pronominalização em posição de objeto direto, mas de apresentar uma
composição de traços que caracterize a estrutura interna do pronome de terceira pessoa
em sincretismo na posição acusativa, assumo com Silva (2009) que o traço [Animate]
não possui a relevância esperada, sobretudo, no que diz respeito à configuração interna
do pronome.
Além dos testes de (12-16), há outras condições (cf. 17-20) nas quais se verifica
que a relevância da animacidade pode ser questionada. Estas situações são divididas a
partir da possibilidade da sentença apresentar ou não um referente animado e/ou
inanimado, o que é tratado aqui como ambiguidade.
(17) Sem ambiguidade
a. Sabe aquele gelo que você me deu? Estou tomando ele com vodka.
[Referente: aquele gelo]
b. Ele agrediu ela também? [Referente: Maria]
c. Abri ele e limpei, voltou a funcionar. [Referente: o celular]
d. Aí você pirraça ele também. [Referente: o amigo dela]
Em (17), há sentenças nas quais a animacidade é claramente dada no próprio
âmbito sentencial. Em (17a), a leitura do pronome está “presa” ao valor semântico do
seu referente, visto que ele é mencionado. Ainda, não é possível abrir algo vivo, pois se 37 Quando o ele acusativo é inanimado, o traço [distal] parece ser requerido. A noção de distância parece aproximar os pronomes de terceira pessoa dos demonstrativos. Entretanto, essa discussão ultrapassa os objetivos desta dissertação. Logo, ela será retomada em trabalhos futuros.
58
o fizessem, o ser vivo seria morto, salvo em contexto cirúrgico, (17c); não se agride
algo inanimado, é possível depreciar um patrimônio, por exemplo, mas não o agredir
(17b); e não se pode pirraçar um objeto (17d).
(18) Ambiguidade sanada pela reconstrução do contexto
a. Eu amei ele. [Referentes possíveis: João/ o novo Peugeot]
b. Agarre ele ainda mais. [Referentes possíveis: o cara/o edredom]
c. Tranquilo, deixarei ela aqui. [Referentes possíveis: a cadela/a televisão]
d. Imagine quando ela conhecer ele. [Referentes possíveis: João/o sítio]
Em (18), há sentenças nas quais é preciso mais do que o contexto sentencial para
identificar a presença ou ausência do traço [Animate]. Nestas situações, somente a
observação do contexto, como um todo, é capaz de dar esta informação, ou seja, em
cada uma delas é possível a leitura animada ou inanimada, a depender do contexto que
se tenha.
Em (18a), pode-se ter as situações: a’) João é um cara fantástico, eu já amei ele;
ou a”: Acabei de fazer o teste drive com o novo Peugeout, eu amei ele. Em (18b), as
situações podem ser: b’) Falante A: Não sei o que faço com meu namorado, ele anda
tão distante - Falante B: Agarre ele ainda mais; ou b”) Falante A: Estou morrendo de
frio e agarrada no edredom, mas ele não tá ajudando em nada – Falante B: Agarre ele
ainda mais. Em (18c), c’) Falante A: Maria, sei que você vai viajar, sua cachorrinha
pode ficar comigo – Falante B: Tranquilo, deixarei ela aqui; ou c”) Falante A: Rapaz,
como você vai levar essa televisão enorme no meio de tanta coisa, larga ela aí e pega
depois – Falante B: Tranquilo, deixarei ela aqui.
(19) Ambiguidade sanada pela expansão do contexto sentencial
a. Eu não tenho eles. [Referente: os sapatos]
b. Eu não tenho eles no face. [Referente: os meninos/os aplicativos]
c. Por favor, marca ela aí pra mim. [Referente: a consulta]
d. Por favor, marca ela aí pra mim neste post. [Referente: a aluna nova]
As sentenças em (19) retratam circunstâncias em que a ampliação do contexto
sentencial pode interferir na presença ou na ausência o traço [Animate]. Em (19a), a
leitura é inanimada, pois o verbo ter representa posse, sendo o elemento possuído
59
exclusivamente inanimado, mas se há a adjunção do PP38 no face (cf. 19b) é possível
que seja feita tanto leitura animada, Não tenho os meninos no face, quanto inanimada,
Não tenho esses aplicativos no face, por tratar-se da posse de uma entidade em um
contexto específico, uma rede social. Em (19c), a leitura obrigatoriamente inanimada é
dada pelo fato de que o elemento marcado deve ser inanimado, Por favor, marca essa
consulta aí pra mim, enquanto que a expansão do contexto sentencial, dada pela
inclusão do PP neste post (cf. 19d) indica que um dos membros da rede social deve ser
sinalizado naquela informação, isto é, é preciso que seja um elemento animado, Por
favor, marca a aluna nova aí pra mim neste post.
(20) Ambiguidade sanada pelo contexto paralelo ao conhecimento de mundo
a. Quebrei ele. [Referentes possíveis: o celular/o cara]
b. Eu batizo ela. [Referentes possíveis: Maria/a vodka]
c. Coloca ele no eixo. [Referentes possíveis: o ventilador/ o menino]
d. Nem sempre poderei apagar ele. [Referentes: o garoto autista/o histórico
da conversa]
Em (20), as sentenças apresentam verbos polissêmicos, sendo assim, a marca de
animacidade estará, nestes casos, diretamente ligada ao significado que venham a
apresentar a partir da relação entre o contexto em questão e com o conhecimento de
mundo do falante.
Em (20a), o verbo “quebrar” pode se comportar tanto como “partir
efetivamente”, quanto como “bater/agredir”. Deste modo, pode-se pensar em dois
contextos: a’: Meu celular estava no bolso, quando sentei, quebrei ele; ou a”: Não tava
mais suportando aquele cara antipático, no meio daquela discussão, não aguentei e
quebrei ele.
Em (20b), o verbo “batizar” assume papel de “realizar batismo religioso” e de
“acrescentar algo tóxico em uma bebida”. Assim, temos: b’: Ah não, Paula, vou ser a
madrinha da sua filha, eu batizo ela; ou b”: Naquele dia, eu precisei dar um jeito
naquele cara, quando ele saiu, peguei a vodka dele e batizei ela.
Em (20c), c’: Este ventilador está torto, coloca ele no eixo; ou c”: Que menino
insuportável, esse João do 5º ano, como você é a Coordenadora, coloca ele no eixo. A
38 Idem nota 24.
60
expressão “colocar ___ no eixo” tanto assume significado de “alinhar/ajustar”, quanto
de “repreender/coagir”.
Já (20d), em contrapartida, não apresenta exatamente a mesma ambiguidade
presente em (20a-c), pois apesar de possuir um verbo polissêmico apagar, que pode ser
compreendido como “extinção de uma informação” ou como “matar”, há, no próprio
contexto sentencial, uma restrição interpretativa nem sempre, forçando a leitura
inanimada. Se a referência fosse animada, neste caso, a sentença estaria comprometida,
visto que não há possibilidade matar a mesma pessoa eventualmente ou várias vezes.
Porém, se o verbo “apagar” for compreendido como “dopar”, neste caso, há
possibilidade de leitura animada, tendo como referente, por exemplo, o garoto autista.
Deste modo, observa-se que o traço [Animate] pode estar presente na notação do
ele acusativo, em determinados contextos, porém, não possui a mesma relevância que os
traços [Definite] e [Specific]. Logo, a animacidade é um traço que apresenta relevância
para a descrição do ele acusativo, mas não para sua distribuição. Por conta disso, este
traço, embora presente na geometria, é lido apenas em LF, já que não interfere nem no
comportamento sintático do fenômeno, nem em seu rótulo fonológico.
3.2.3 ARBITRARIEDADE
Arbitrariedade é vista aqui como a condição de um pronome apresentar
referência genérica, ou seja, não dispor dos traços [Definite] nem [Specific] (cf.
CARVALHO, 2008), i.e., o DP possui valor semântico de grupo/espécie/tipo
(SARAIVA, 1997; RIBEIRO, 2010).
Carvalho (2008) apresenta duas notações para cada pronome pessoal, sendo uma
definida (cf. 21 e 23) e uma arbitrária (cf. 22 e 24). Porém, diferente da primeira e da
segunda pessoa, não há distinção na notação para terceira pessoa.
(21) Primeira pessoa (Definida)
61
(22) Primeira pessoa (Arbitrária)
(23) Segunda pessoa (Definida)
(24) Segunda pessoa (Arbitrária)
(25) Terceira pessoa
Logo, se a terceira pessoa não dispõe de representação arbitrária, como a
primeira e a segunda, é possível que: i) haja traços que precisam estar presentes na
composição de terceira pessoa, ainda não descritos; e ii) a terceira pessoa de modo geral
não apresenta leitura arbitrária.
Arbitrariedade, a condição de um DP desempenhar leitura genérica pode ser
verificada em (26) cujos constituintes em negrito possuem valor semântico de
grupo/espécie/tipo.
(26) a. O leão é feroz por natureza.
b. Eu não tenho tempo para buscar menino na escola.
62
Este tipo de leitura também é permitida aos pronomes de primeira e segunda
pessoa (cf. 27). Todavia, a terceira apresenta um comportamento diferenciado (cf. 28).
(27) a. Depois de certa idade, a gente fica besta.
b. Você pensa que tá fazendo a coisa certa, mas na verdade, não está.
Em (27), é possível ser feita a leitura de (27a) como Depois de certa idade, o
tipo/a espécie/ o gênero pessoa/ qualquer grupo de pessoas na qual o falante esteja
incluso fica besta e em (27b), O tipo/a espécie/ o gênero pessoa/ qualquer ouvinte
pensa que tá fazendo a coisa certa, mas na verdade, não está.
Os dados em (28), por sua vez, retratam outra situação, uma vez que, a terceira
pessoa não tem o mesmo comportamento que a primeira e a segunda.
(28) a. O kit de reconstrução, você vende ele a 175 reais.
b. Namore com alguém que entenda que você pode dormir a qualquer
momento e deixar ela no vácuo.
Em (28), há situações hipotéticas nas quais o falante simula respectivamente
uma venda e um perfil de relacionamento afetivo. Em (28a), qualquer falante envolvido
no contexto poderia ser o referente de segunda pessoa e efetuar a venda, mas o produto
em questão, ainda que houvesse omissão do tópico o kit de reconstrução, o ele necessita
ter leitura definida e específica, pois não se vende algo que não seja do conhecimento do
vendedor (falante) e do cliente (ouvinte). Em (28b), um primeiro olhar pode dar a
impressão de que a terceira pessoa possa ser arbitrária, tendo por referente alguém.
Entretanto, se observa que a partir do momento em que há o estabelecimento de um
namoro, o referente passa a ser a pessoa com quem você namora, até porquê o traço
feminino concorda com pessoa e não com alguém, um pronome neutro que exigiria um
traço masculino, o default do PB (cf. BISMARCK LOPES, 2014).
(29) a. Fiz isso pra agradar ela. [Referente: a garota]
“* Fiz isso pra agradar o tipo/ o gênero/ a espécie garota.”
b. Curti ela. [Referente: a foto]
“* Curti o tipo/ o gênero/ a espécie foto.”
c. Fui esquentar ele. [Referente: o feijão]
“*Fui esquentar o tipo/ o gênero/ a espécie feijão.”
63
d. Você já está ajudando ela. [Referente: a secretária]
“* Você já está ajudando o tipo/ o gênero/ a espécie secretária.”
A agramaticalidade das sentenças em (29) reforçam a ideia de que o ele
acusativo não pode ser arbitrário. Contudo, Hoffher (2003) argumenta que haja um
valor de arbitrariedade em pronomes de terceira pessoa do plural, para ela, sentenças
como (30) teriam leitura arbitrária.
(30) a. Eles consertaram seu computador ontem.
b. Em Paris, (eles) dirigem como mil demônios.
c. Neste parque, (eles) jogam futebol à tarde.
d. Eles encontraram uma motociclista no pátio.
(HOFFHER, 2003, p. 83-86)
De acordo com a discussão estabelecida na seção 3.2.1 e com a assunção feita
aqui para arbitrariedade, é possível perceber que as sentenças em (30) não apresentam
pronomes de terceira pessoa com leitura arbitrária, mas leitura impessoal. Em (30a), o
referente é alguém que consertou seu computador, mesmo sendo indefinido, é
específico. Em (30b), o referente é lido como os habitantes de Paris, isto é, são
definidos, mas não específicos. Em (30c), o referente é os frequentadores do parque
que jogam futebol, logo é definido e específico. E, por fim, em (30d), o referente é
alguém que encontrou uma motocicleta no pátio, por sua vez, é indefinido, mas
específico.
Hoffher (2003) sugere uma tipologia para estes eventos de terceira pessoa, mas
todas as ocorrências são de terceira pessoa do plural em posição de sujeito, realizado ou
nulo, este estatuto se assemelha a definição normativa dada para sujeito indeterminado,
aquele cuja referência é desconhecida, mas que pode ser retomado pela desinência de
terceira pessoa do plural (cf. BECHARA, 1999, p. 408). Assim, os dados utilizados por
Hoffher (2003), de terceira pessoa do plural, tratam-se de pronomes impessoais, uma
vez que não possuem a noção de “pessoa”, pois não dispõem dos traços [Speaker] e
[Addressee], acarretados por [Participant], em sua composição.
Do ponto de vista semântico, a terceira pessoa do plural em posição nominativa
pode ser indeterminada ou impessoal, mas levando-se em conta a definição assumida
aqui para arbitrariedade, decorrente da ausência dos traços definido e específico na
64
geometria de traços, as sentenças em (30) não possuem pronomes de terceira pessoa
com leitura arbitrária, oposto de (31).
(31) a. It rained.
b. Il a plu.
c. ec Choveu.
O pronome expletivo, em (31), representado pela terceira pessoa, não possui
nenhum traço expresso na geometria. Visto que o pronome expletivo é uma categoria
sintaticamente preenchida, mas semanticamente vazia, este seria um caso de
arbitrariedade no qual haveria total subespecificação, representado pela notação
proposta por Carvalho para terceira pessoa (cf. 25).
Sabe-se que a categoria vazia PRO possui leitura arbitrária (cf. RIZZI, 1986).
Porém, ainda que ela possa engatilhar concordância de terceira pessoa plural, como no
caso das infinitivas flexionadas (cf. RAPOSO, 1987) esta categoria vazia não pode ser
realizada foneticamente (cf.32). Assim, esta categoria não está no mesmo patamar de
terceira pessoa que o ele e o pro, especialmente, pelo fato de PRO não ser regulado pelo
princípio B dos pronomes39.
(32) a. As crianças desejam PRO/*elas voar.
b. As crianças desejam PRO/*elas voarem.
Logo, a arbitrariedade pronominal também está condicionada ao nó
[Participant] e não só a [D] como se pensava. Para um pronome pessoal ser arbitrário,
ele precisa ter a presença dos traços [Speaker] ou [Adressee], além de não selecionar
[Definite], nem [Specific] em [D]. A arbitrariedade pronominal está relacionada com a
leitura de “qualquer X é pessoal, tal que X seja igual Participante”, mas se o ele não
parece ser uma pessoa do discurso, já que não é nem falante, nem ouvinte, ele não pode
ter essa leitura.
39 O Teorema de PRO diz que esta categoria vazia não possui domínio de vinculação, por isso, comporta-
se como anáfora e um pronome, simultaneamente (cf. CHOMSKY, 1981, 1986; RAPOSO, 1992).
65
3.2.4 ELE versus DETERMINANTE
No capítulo anterior, foi visto que o pronome pleno não é capaz de retomar
qualquer tipo de referente, não podendo atuar exatamente como um clítico acusativo,
pois além da impossibilidade de próclise, o ele também não pode retomar uma sentença
que atue como referente de outra, como em (33).
(33) a. [Te pedi para comprar o pão]i, por quê não oi fez?
b. *[Te pedi para comprar o pão]i, por quê não elei fez / *fez elei?
Se a sentença é retomada por um clítico (cf. 33a), este elemento passa a
desempenhar um valor semelhante ao de um demonstrativo, como em Te pedi para
comprar pão, por quê não fez isto/isso? Um pronome pleno é incapaz de atuar neste
tipo de vinculação, uma vez que este pronome precisa ter referencialidade marcada.
Os demonstrativos parecem ter uma liberdade maior no que diz respeito à
referencialidade, enquanto os clíticos estariam numa posição “intermediária” e os
pessoais apresentariam maior restrição, conforme (34).
(34) demonstrativos > clíticos > pleno
Forchheimer (1953, p.6) identificou, observando o comportamento da categoria
pessoa em diversas línguas humanas, que em muitas destas línguas é feita uma clara
distinção entre primeira e segunda pessoa. Entretanto, na ausência de um item lexical
que represente a terceira, estas línguas o fazem com uso de um demonstrativo. Este fato
aponta para a existência de um “parentesco” entre os pronomes de terceira pessoa e os
determinantes.
Postal (1966, p. 13), em sua tese, cujo objetivo foi questionar a concepção de
pronome como um subtipo de nome, isto é, uma subcategoria de NP, definiu pronome
como uma categoria DP, sendo ela um subtipo de determinantes, semelhante a artigos
definidos. A terminologia dada à categoria pronome por Postal contribui de modo
significativo com dois aspectos tratados neste capítulo: i) se pronomes são um subtipo
de DP, semelhante a artigos definidos, de fato, a requisição do traço [Definite] é
importante à maioria dos pronomes pessoais, salvo em contextos outros, como
66
arbitrariedade; e ii) se pronomes são um subtipo de demonstrativo, há algo em comum
entre estas categorias.
Outro aspecto interessante e em comum entre estas duas categorias é o fato de
ambas engatilharem concordância de terceira pessoa, em PB, como em (35).
(35) a. Isso caiu agora.
b. Ele caiu agora.
Em (35), ambas as sentenças apresentam morfologia de terceira pessoa, o que
parece aproximar ainda mais o pronome de terceira pessoa de um determinante.
Observando o fenômeno pelo prisma diacrônico, Coutinho (1976) mostra que os
pronomes considerados pessoais eram mais produtivos no latim vulgar do que no
clássico, seriam as classes vocabulares que mais “fielmente” apresentariam vestígios
das declinações latinas. “Os da 1ª e 2ª pessoa originaram-se dos de idênticas pessoas do
latim. O da 3ª proveio do demonstrativo ille, que Grandgent afirma ter sido usado, no
latim vulgar, com igual função” (COUTINHO, 1976, p. 297). Assim, o demonstrativo
ille passou a assumir função nominativa no latim vulgar, sendo reduzido a êle, assim
como illa>ela.
Quanto ao acusativo, o autor defende que a redução tenha sido illu> elo >lo> o;
e illa> ela >la> a. Sua argumentação parte da queda do e- devido ao caráter proclítico
da língua, em função de artigo, que teriam a mesma origem; quanto a queda do –l-, ele
argumenta que se deu por ter se tornado intervocálico, um fenômeno bastante produtivo
na passagem do latim vulgar para o português dada por influência basca (cf. MATTOS
E SILVA, 1989).
Deste modo, já que os clíticos são advindos de demonstrativos e o pronome
pleno vem desempenhando o mesmo papel que o clítico, salvo em contextos de
referência sentencial (cf. 33b), é possível pensar que o pronome de terceira pessoa seja
uma espécie de subespecificação de um demonstrativo como este/esse/isto/isso. Porém,
avaliar como se daria este processo é uma etapa que ultrapassa os limites desta
dissertação, por isso, será retomada em trabalhos futuros.
3.3 SUMÁRIO
No presente capítulo estabeleceu-se uma discussão acerca dos reflexos que
traços semânticos podem ou não ter na sintaxe do ele acusativo. Para tanto, verificou-se
67
a relevância dos traços definido, específico e animado para a distribuição do elemento, o
caráter de arbitrariedade da terceira pessoa e as aproximações do ele acusativo com os
determinantes.
Com base em testes de encaixamento do fenômeno em diversos contextos,
concluiu-se que : i. o pronome de terceira pessoa deve ter obrigatoriamente os traços
definido e específico em sua notação para que haja seu licenciamento em posição de
acusativo; ii. diferente do que aponta o trabalho de Cyrino (1994), o traço animacidade
não é relevante para a distribuição do ele acusativo, devido ao fato de não interferir na
realização do fenômeno, sendo lido, por sua vez, apenas em LF; iii. a terceira pessoa
pronominal não pode ter leitura arbitrária, visto que ela está condicionada à presença do
nó [Participant] e ausência do nó [D], assim como dos traços definido e específico; iv.
devido a condições de vinculação e concordância, o pronome de terceira pessoa pode
ser uma espécie de subespecificação de um demonstrativo, o que faz com que eles
tenham uma distribuição diferenciada.
68
4 A SINTAXE DO ELE ACUSATIVO
4.1 INTRODUÇÃO
De acordo com as discussões e testes apresentados no capítulo anterior,
observou-se que os traços [Definite] e [Specific] são fundamentais à distribuição do
pronome de terceira pessoa em posição de acusativo, pois a ausência de um destes
traços implica em sentenças agramaticais. Com base em tais constatações, o presente
capítulo tem por objetivo verificar como estes atuam na geometria de traços,
apresentada por Harley e Ritter (2002) e revistas por Béjar (2003) e Carvalho (2008), e
como estes são valorados em Agree40.
Para tanto, será apresentada a definição de cada traço presente na geometria
traçual adotada aqui, assim como, a relevância que estes traços possuem para a
distribuição sintática do ele acusativo. A seguir, será realizada uma discussão acerca da
operação Agree considerando os estudos de Chomsky (2000, 2001), Frampton e
Gutmann (2000), Bejár (2003, 2008) e Carvalho (2008) visando justificar o
requerimento dos traços [Definite] e [Specific] para a sintaxe do fenômeno em questão.
4.2 A GEOMETRIA DO ELE ACUSATIVO
Nesta seção serão apresentadas notações dos traços presentes na geometria
proposta Carvalho (2008) para os pronomes pessoais em PB, seccionada a partir dos
nódulos raiz das categorias que compõem ϕ.
4.2.1 A CATEGORIA PESSOA
Os traços aqui definidos estão no domínio de [π], o nódulo raiz, proposto por
Béjar (2003), correspondente à categoria pessoa. Segundo Carvalho (2008, p.79), a
geometria proposta por Harley e Ritter (2002) carece de adaptações para descrever o
que acontece com o sistema pronominal do português.
[...] Béjar introduz um novo traço à geometria, a saber, [π]. π seria um nó
intermediário entre a raiz do elemento referencial e o nó [PARTICIPANT].
Este é também um rótulo para a categoria pessoa. Segundo a autora, π é
40 Agree (concordância) é compreendida aqui como operação sintática na qual os traços formais são valorados e deletados na derivação. Nas seções seguintes este termo será melhor definido.
69
empiricamente necessário. Por exemplo, sem ele, não-participantes são
obrigatoriamente subespecificados exceto pelo traço [INDIVIDUATION], e,
talvez, pelo traço raiz R. A introdução deste traço (que, como já mencionado,
codifica abstratamente a cateogria pessoa) é também motivada pelo fato de a
subespecificação de traços para terceira pessoa poder ser o ponto de variação,
uma vez que, apesar de alguns pronomes de terceira pessoa serem totalmente
subespecificados, há pronomes de terceira pessoa com subespecificação
parcial, os quais podem atuar como interventores. Béjar afirma que a
inserção do traço π é necessária como uma camada representativa, já que
alguns traços categoriais devem ser incluídos dentro do nó PARTICIPANT.
Segue abaixo a notação proposta por Carvalho (2008) para hierarquia dos traços
ligados a tal categoria.
a) [Participant]: refere-se aos participantes envolvidos na elocução (primeira e
segunda pessoa), é o traço que domina os traços [Speaker] e [Addressee]. A ausência de
[Participant] implica na representação de alguma notação de terceira pessoa.
b) [Speaker]: a presença deste nó paralela à ausência do nó [Addressee] equivale a
primeira pessoa.
c) [Addressee]: a presença deste nó paralela à ausência do nó [Speaker] equivale a
segunda pessoa.
70
d) [D]: este traço equivale ao traço [N], proposto por Chomsky (1965), visto que é
característico de elementos nominais. [D] domina os traços [Definite] e [Specific], logo,
ele é um dos traços raiz ao qual a arbitrariedade está relacionada, pois a ausência dele, e,
consequentemente, de [Definite] e [Specific], implica em pronomes com leituras
arbitrárias como (1) e (2).
(1) A sociedade é assim, eu não faço nada por ninguém e ninguém faz nada por
mim.
(Situação na qual um indivíduo fala sobre o comportamento coletivo do ser
humano.)
(2) Para fazer esta receita, você usa farinha de trigo, manteiga, queijo e sal.
(Situação na qual um indivíduo ensina a um grupo de pessoas como preparar
biscoitos de queijo.)
e) [Definite]: é o traço correspondente à presença da informação referenciada pelo
DP no universo discursivo, ou seja, o referente é conhecido tanto pelo falante, quanto
pelo ouvinte.
71
f) [Specific]: trata-se do traço que representa a particularidade do
indivíduo/elemento expresso por DP, ou seja, é um elemento que se distingue dos
demais por alguma especificidade.
Carvalho (2008) adota a notação em (3) para representar a terceira pessoa. Ele
afirma que as reticências abaixo de [D] expressam que os traços por ele dominados
podem ou não estar presentes em sua composição, a depender da interpretação que
assumam.
(3)
No entanto, o fato de terceira pessoa não apresentar representação arbitrária,
como a primeira e a segunda, implica que há traços que precisam estar presentes na
composição de terceira pessoa, ainda que estes traços estejam sob domínio de [D] e não
de [Participant].
No capítulo anterior, verificou-se que definitude e especificidade são traços
indispensáveis para o licenciamento do pronome de terceira pessoa em posição
acusativa. Por isso, estes traços precisam estar presentes na composição deste elemento.
(4)
Proponho, portanto, que a notação em (4) seja a ideal para representar a
composição dos traços do ele acusativo, tendo em vista, o reflexo que os traços de
definitude e especificidade apresentam para a sintaxe deste fenômeno, como em (5),
para definido, e (6), para específico.
72
(5) a. Coloquei ele pra fora. [Referente: o cachorro]
“Coloquei este cachorro para fora.”
“*Coloquei qualquer cachorro para fora.”
b. Abri ele e limpei ec. [Referente: o celular]
“Abri este celular e limpei.”
“*Abri qualquer celular e limpei.”
(6) a. Deixarei ela aqui. [Referente: a criança]
“Deixarei esta criança aqui.”
“*Deixarei toda criança aqui.”
“*Deixarei o tipo/a espécie/ o grupo criança aqui.”
b. Quebrei ele. [Referente: o copo]
“Quebrei este copo.”
“*Quebrei todo copo.”
“*Quebrei o tipo/a espécie/o gênero copo.”
4.2.2 A CATEGORIA NÚMERO
Na geometria de Harley e Ritter (2002), o traço [Individuation], irmão de
[Participant], é compreendido como “a distribuição de entidades no mundo de acordo
com suas propriedades discursivas independentes, tais como classe e quantificação”
(CARVALHO, 2008, p. 86). Por conseguinte, este traço é o nódulo dominante de
número, [Group], grau, [Minimal], e gênero, [Class], como em (7).
(7)
Conforme Harley e Ritter (2002), o nó [Individuation] é o responsável pelos
aspectos de número, grau e classe. Entretanto, Carvalho (2008) observa que há um
problema epistemológico para a geometria apresentada pelas autoras, no que diz
73
respeito à categoria número, semelhante ao sinalizado por Béjar (2003) para categoria
pessoa.
Para Harley e Ritter (2002), quanto a número, o traço [Group] é o único
responsável pelo plural dos pronomes. Porém, algumas línguas efetuam distinção entre
um grupo composto por dois sujeitos e outros por mais de dois, como em (8).
(8) a. Vi ambos os meninos na praia.
b. I saw both boys on the beach. Eu vi ambos garotos em a praia.
Deste modo, Carvalho argumenta que a geometria deve conter o traço [Dual],
responsável pela referenciação de uma quantidade superior a singular e inferior a plural,
isto é, um conjunto representado por dois indivíduos. Logo, assim como a inclusão de
[π] é empiricamente necessária para composição de pessoa, o autor mostra que há
necessidade da inclusão do traço [#] para composição de número (cf. 9).
(9)
A presença de [Group] e [Dual] dominados por [#] prevê a representação de um
pronome como ambos ou both em um sistema numérico em línguas como o português e
o inglês. Já a representação de [Group] como único dominado por [#] representa o
plural (cf. 10) e [#] o singular.
(10)
Abaixo há a definição dos traços presentes na categoria número.
a) [#]: é o traço cuja leitura determina a quantificação do DP, sua representação
sem os traços por ele dominados, representa o singular.
b) [Group]: é o traço correspondente à leitura de plural.
74
c) [Dual]: é o traço correspondente à leitura de dois elementos.
Dadas as sentenças em (11-13) observa-se que a categoria número não interfere
na distribuição do ele acusativo.
(11) a. Isso, estou esperando ele.
b. Isso, estou esperando eles.
(12) a. Leve ele até a frente da casa.
b. Leve eles até a frente da casa.
(13) a. Só sei que conheci ele assim.
b. Só sei que conheci eles assim.
As sentenças em (a) apresentam a notação [#] e as sentenças em (b) apresentam
a notação [#[Group]]. Salvo pela noção de quantidade, não há nenhuma
perda/interferência no sentido das mesmas. Tampouco há alguma distinção quanto ao
comportamento sintático da terceira pessoa com a presença ou ausência do traço
[Group]. Sendo assim, adoto a notação em (14) para terceira pessoa singular em
posição acusativa e em (15) para terceira pessoa plural em posição acusativa.
(14)
(15)
75
4.2.3 A CATEGORIA DE GÊNERO
A representação da categoria gênero, como proposta por Harley e Ritter (2002),
não atende ao comportamento dos nominais em PB (português brasileiro), pois nesta
língua não há distinção entre os pares de traços animado/inanimado e
masculino/feminino. Uma vez que em PB elementos inanimados podem ser tanto
masculino quanto feminino, neutro e inanimado não parecem ser traços sinônimos.
Tendo em vista tais aspectos, Carvalho (2008) propõe a divisão dos pares
[FEMININE / MASCULINE] de [ANIMATE / INANIMATE], evidenciando o fato de
feminino ser mais especificado do que masculino, pois, para que haja o tratamento com
a forma feminina, é necessário que todos os indivíduos sejam figuras femininas, quando
há presença de um único membro masculino, há requerimento da referência masculina,
ou seja, o traço [Masculine] parece ser um traço default (cf. BISMARCK LOPES,
2014), logo, subespecificado.
Assim, Carvalho (2008, p. 90) propõe que a interpretação de masculino seja
dada a partir da ausência do traço [Feminine], sendo este diretamente dominado por
[Class], conforme (16).
(16)
No entanto, na geometria de Harley e Ritter (2002), em (5), retomada aqui como
(17), o nódulo raiz [Class] domina tanto gênero, quanto animacidade e, uma vez que,
gênero é desvinculado de [Animate], deduz-se que [Class] domina, em um vértice,
gênero e, no outro, animacidade.
(17)
76
Levando em conta a notação em (17) para gênero e tendo em vista que [Class]
também domina animacidade (cf. 16), seguem abaixo as notações de [Class].
(18) a. Masculino e Animado
b. Feminino e Animado
c. Masculino e Inanimado
d. Feminino e Inanimado
Uma vez que a distinção entre primeira, segunda e terceira pessoa é dada pela
configuração do nó [π], as notações em (18a) e (18b) representariam primeira e segunda
pessoa, já que estes nominais não podem ser inanimados. Enquanto, a terceira pessoa,
que também exerce papel de neutro em PB, seria representada pelas notações de (18a) a
(18d).
O traço [Neuter], ao invés de ser uma equivalência de [Inanimate], como
propõem Harley e Ritter (2002), representado por masculino e inanimado (cf.19), seria a
subespecificação do nó classe, visto que o neutro é a ausência de referencialidade de
gênero, pois não há, por exemplo, neutro animado feminino.
(19) CLASS
Da mesma forma que número, gênero não apresenta interferência no
comportamento sintático do ele acusativo.
77
(20) a. Peguei ele. (Referente: o celular)
b. Peguei ela. (Referente: a jarra)
(21) a. Isso foi muito antes de eu conhecer ele. (Referente: o rapaz)
b. Isso foi muito antes de eu conhecer ela. (Referente: a moça)
(22) a. Ainda estou procurando ele. (o livro)
b. Ainda estou procurando ela. (aquela garota)
As sentenças (20a) e (22a), podem ser representadas por (18c); (20b), por (18d);
(21a) por (18a); e (21b) e (22b) por (18b).
Conforme a desvinculação do gênero do traço [Animate], aqui apresentada, e a
inclusão do traço [#], feita por Carvalho (2008), proponho a geometria de traços abaixo
(cf. 23) para os pronomes pessoais em PB.
(23) Geometria de traços dos pronomes pessoais em PB
4.3 UMA SINTAXE PARA O ELE ACUSATIVO
O sincretismo da forma nominativa para a acusativa se dá quando um pronome,
que em princípio deveria ocorrer em posição de sujeito, é licenciado em posição de
complemento verbal não preposicionado (objeto direto). Tradicionalmente, as relações
estabelecidas entre um verbo e seu argumento interno são chamadas de Head – Comp
(cf. CHOMSKY, 1981, 1995; URIAGEREKA, 2000), decorrentes da operação merge
(concatenar).
Segundo Chomsky (2000, 2001), merge é resultado de outra operação, a saber,
Agree, operação sintática na qual há apagamento dos traços não interpretáveis durante o
78
mecanismo de valoração41 dos traços formais de um elemento nominal (alvo) através da
identidade de traços formais do mesmo tipo de um núcleo funcional (sonda). Chomsky
(2000), propõe que Agree seja regulada por condições de match (identidade),
Match é a relação que envolve uma sonda P [probe] e um alvo G [goal]. Para tanto, G precisa (pelo menos) estar no domínio de D(P) de P e satisfazer condições de localidade. A assunção mais simples para o sistema sonda-alvo é: (i) Match é identidade de traços; (ii) D(P) é irmã de P; (iii) Localidade é reduzida a ‘c-comando mais próximo’
(op. cit., 2000, p. 122)
Tendo em vista o fenômeno de subespecificação e a noção de acarretamento42,
Béjar (2003, 2008) propõe um modelo de concordância, adaptando o modelo tradicional
de Agree proposto por Chomsky (2000, 2001), provando que pode haver
compatibilidade de match e value com subespecificação.
4.3.1 CONDIÇÕES PARA MATCH
Segundo Béjar (2003) uma dada sonda [F] pode dominar um dado alvo [F[G]].
No entanto, questiona-se como haverá compatibilidade entre estes traços, se match não
foi satisfeito? Carvalho (2008) sugere que Agree possa ser repensada em termos de
acarretamento.
Deste modo, [F] encontraria correspondência em [F[G]], já que [F] é um
subconjunto de [F[G]], implicando, por exemplo, que há correspondência entre [π] e
[π[PART]]. Portanto, assumo com Béjar (2003) e Carvalho (2008), que para match ser
satisfeito, não há necessidade de identidade total de traços de sonda e alvo, mas sim que
haja uma “interseção” de traços dos mesmos. Logo, a identidade total de traços não
seria uma exigência para Agree43.
41 Value é mecanismo de valoração de traços não interpretáveis (cf. CHOMSKY, 2000, 2001), anteriormente tratado na teoria como checagem (cf. CHOMSKY, 1995). 42 Idem nota 26. 43 Béjar (2003, p. 53) propõe a seguinte generalização: “i. a compatibilidade de traços é dada na raiz; ii. sonda (F) e alvo (F’) são compatíveis se alvo (F’) acarreta a raiz sonda (F)”.
79
4.3.2 CONDIÇÕES PARA VALUE
As adaptações de match para a teoria de traços aqui adotada acarreta ajustes
também em value. Assim, value é tratado aqui não como o compartilhamento de traços
“idênticos”, mas do traço raiz, ou seja, a interseção dos traços de sonda e alvo.
Entretanto, Frampton e Gutmann (2000) propõem que após o compartilhamento
dos traços não haja uma deleção, como propôs Chomsky (1995, 2000, 2001), mas que
estes entrem em estado de inércia. Sendo assim, após a valoração de um traço [F], ele
permanece inerte no decorrer da derivação, mas disponível para leitura, caso haja
necessidade.
Portanto, assumo a generalização (cf. 24) proposta por Béjar (2003, p. 65-66)
por ser caminho para compreensão da valoração de elementos subespecificados (cf.
quadro 2).
(24) Alvo valora sonda se e somente se os traços do alvo acarretam os traços
da sonda.
Quadro 2 – Valoração de traços
a.
b.
(CARVALHO, 2008, p. 100)
Os quadros acima mostram que se os traços de alvo acarretam os da sonda, value
não é satisfeito, mas quando sonda dispõe de mais traços do que alvo (cf. b), caso
contrario, value é satisfeito (cf. a).
80
4.3.3 VALORAÇÃO DO TRAÇO [C]
De acordo com Carvalho (2008, 2012), há cinco Casos no sistema pronominal
em PB, a saber, nominativo, acusativo, dativo, ablativo e genitivo. Os Casos nominativo
e acusativo, designados ao sujeito e ao objeto direto, são os Casos estruturais, pois estes
Casos são estabelecidos a partir das relações entre o verbo e seus argumentos
(Spec – Head e Head – Comp, respectivamente). Os demais Casos, acima
mencionados, são os oblíquos, pois não estão diretamente ligados à argumentação
verbal, no caso do PB, são regidos por uma preposição.
McFadden (2004, 2007) defende que os Casos estruturais não possuem
especificação de traços, visto que eles estão intrinsecamente ligados ao licenciamento
do DP de acordo com a posição que ocupam dentro da estrutura (Spec ou Comp). Logo,
sua interpretação depende exclusivamente da posição sintática em que o DP teve seus
traços formais valorados. Em contrapartida, os Casos oblíquos dispõem, nesta ótica, de
traços específicos, pois seu licenciamento não depende de nenhum traço formal
presente no DP, mas de outro elemento que, neste caso, não é decorrente da sua
posição na estrutura sintática.
Levando em conta tais aspectos, Carvalho (2014, p.18), propõe uma geometria
para traços de Caso em PB, como em (25).
(25)
Abaixo a definição dada pelo autor para os traços presentes na geometria
supracitada:
a) [C]: é o traço responsável por Caso, de modo geral, atuando de modo semelhante
a [π], para pessoa, e [#], para número.
b) [OBLÍQUO]: é o traço distintivo entre DPs argumentais, em Spec – Head ou
Head – Comp, e os DPs complementos de P ou D.
c) [GENITIVO]: é o traço que determina que a valoração do nominal que ocorre
dentro do domínio de DP, no caso do PB, também identifica o elemento pronominal
como possessivo.
81
Carvalho (2008, p. 126 - 127) identifica também que há um sincretismo
generalizado no paradigma pronominal do PB cuja forma nominativa emerge em todas
as posições Casuais.
Quadro 3 – Paradigma pronominal do PB
Este panorama sugere que a forma nominativa é a mais subespecificada, quanto
aos traços de Caso, em PB. Comportamento semelhante ao observado por MacFadden
(2002) no alemão e no islandês.
Quando um pronome de terceira pessoa apresenta os traços [Definite] e
[Specific] em sua composição, ele pode ser tanto nominativo (a presença destes traços é
opcional) ou acusativo (a presença destes traços é fundamental para seu licenciamento),
o que determina o seu Caso é a sua posição estrutural, ou seja, é possível que, em alguns
casos, haja a mesma composição traçual tanto para o ele nominativo (Ele me faz feliz.)
quanto para o ele acusativo (Vou educar ele.), e, nestes casos, o que determinará se este
elemento será nominativo ou acusativo, será a sua posição na estrutura.
Assim, as formas nominativas, em PB, são consideradas as formas default, nos
termos de McFadden (2007). Isto significa que o traço [C], o único traço de Caso
presente na geometria do nominativo, licencia este elemento em qualquer posição
Casual da sentença, pois os alvos potenciais para Caso terão no mínimo a mesma
especificação. Isto é, considerando a generalização de Béjar para value, a geometria
Casual de Carvalho e a concepção de nominativo como Caso default, o que é de fato
determinante para o licenciamento da forma nominativa ele em posição acusativa, são
os traços acarretados por [D].
82
4.3.4 AGREE
Em conformidade com as discussões e assunções estabelecidas nas subseções
anteriores, a operação Agree tem (26) como resultado.
(26) a.
83
b.
A identidade dos traços do verbo com os do ele acusativo se dá a partir da
valoração do traço [D], o nódulo raiz que acarreta [Definite] e [Specific]. A relevância
que estes traços demonstraram ter na distribuição da terceira pessoa (cf. capítulo 3) é
dada pelo fato de que eles são traços formais, isto é, mesmo sendo, em princípio, de
natureza semântica, são valorados na derivação, e, conforme Frampton e Gutmann
(2000), entrariam em estado de inércia para serem lidos em LF.
Em contrapartida, animacidade que não apresentou relevância na distribuição do
fenômeno, atua como traços interpretáveis aos moldes de Chomsky, isto é, já entram
valorados na derivação, sendo lidos, posteriormente, em LF. Logo, não desempenham
nenhum papel em Agree.
4.3 SUMÁRIO
Neste capítulo foram apresentadas as notações dos traços que atuam na
composição do ele acusativo, tanto dos não interpretáveis, lidos na derivação, quanto
dos interpretáveis, lidos nas interfaces. Paralelamente, foram apresentadas a hierarquia
dos traços que compõem o fenômeno, tendo por base as categorias que originam os
84
traços ϕ, a saber, pessoa, número e gênero, e sua relevância para a configuração e
distribuição do ele acusativo no PB.
A seguir, foi desenvolvida uma discussão sobre a operação Agree com intuito de
apontar que se o único traço de Caso presente na geometria do nominativo o licencia em
qualquer posição Casual (de acordo com a generalização de Béjar para value, a
geometria Casual de Carvalho e a concepção de nominativo como Caso default) o que
determina o licenciamento da forma nominativa ele em posição acusativa, são os traços
acarretados por [D], [Definite] e [Specific]44.
44 Ainda que seja possível uma configuração de terceira pessoa nominativa com a presença dos traços [Definite] e [Specific], uma vez que o traço [C] é default e tem papel configuracional, sua ordem na estrutura determinaria se este elemento seria nominativo ou acusativo.
85
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O principal objetivo desta dissertação foi mostrar que o licenciamento do
pronome de terceira pessoa (tradicionalmente assumido como nominativo) em posição
acusativa é possível devido à presença de determinados traços em sua composição. Para
tanto, revisou-se as propostas de Cardinaletti e Starke (1999), Déchaine e Wiltschko,
(2002), Harley e Ritter (2002), Béjar (2003) e Carvalho (2008), apresentando, a partir
deste panorama teórico, o desenvolvimento da concepção de pronome como elemento
cuja composição de traços é a causa de sua distribuição, atestando a insuficiência da
perspectiva de pronome como primitivo referencial.
Posteriormente, verificou-se a relevância dos traços [Definite], [Specific] e
[Animate] para a distribuição do ele acusativo e o caráter de arbitrariedade da terceira
pessoa. Assim, com base em testes de encaixamento do fenômeno em diversos
contextos, concluiu-se que : i. o pronome de terceira pessoa deve ter obrigatoriamente
os traços [Definite] e [Specific] em sua notação para que haja seu licenciamento em
posição de acusativo; ii. diferente do que aponta o trabalho de Cyrino (1994), o traço
[Animate] não é relevante para a distribuição do ele acusativo; e iii. a terceira pessoa
pronominal não pode ter leitura arbitrária, visto que esta leitura está condicionada a
presença do nó [Participant] e ausência do nó [D], assim como dos traços [Definite] e
[Specific].
Em seguida, foram apresentadas as notações dos traços que atuam na
composição do ele acusativo. E, posteriormente, foi realizada uma discussão acerca da
operação Agree visando mostrar que se o único traço de Caso presente na geometria do
nominativo o licencia em qualquer posição Casual, a saber, [C], o que determina o
licenciamento da forma nominativa ele em posição acusativa são os traços acarretados
por [D], [Definite] e [Specific], na posição de complemento verbal não preposicionado,
dada pela estrutura verbal.
Este evento aponta para o fato de que definitude e especificidade teriam se
gramaticalizado no curso histórico da língua (cf. COWPER, HALL, 2002; SCHÜTZE,
2003; CARVALHO, 2008; GRUBER, 2013), proporcionando a introdução dos mesmos
na gramática do português brasileiro (PB). Contudo, de que forma deu-se esse processo
de gramaticalização, a partir de possíveis mudanças microparamétricas (cf. ROBERTS,
2012), ultrapassa os limites desta dissertação.
86
Este trabalho também contribuiu com a compreensão de parte das variações de
formas pronominais do PB decorrentes de um claro processo de reorganização do
paradigma pronominal como sinalizado outrora por Galves (2001) e Carvalho (2008).
Por fim, reconhecem-se as limitações deste trabalho, porém, há perspectiva de
ampliar a presente discussão futuramente, tendo em vista identificar a composição dos
traços que configuram o pronome de terceira pessoa em PB, comparando-a com a de
outras línguas humanas para atestar seu caráter universal, já que a terceira pessoa parece
ser a forma pronominal default, pois: i. é o pronome pessoal mais subespecificado; ii.
não possui leitura arbitrária; e iii. é a forma expandida para neutros e expletivos na
maioria das línguas humanas (cf. FORCHHEIMER, 1953).
87
REFERÊNCIAS
ABNEY, S. The English Noun Phrase in its sentencial aspects, 1987. Teses (Doutorado) – MIT, Cambridge.
ADGER, D. Core Syntax: A minimalist approach. USA: Oxford University Press, 2002.
ADGER, D.; SVENONIUS, P. Features in minimalist syntax. In: BOECKX, C. The Oxford Handbook of Linguistic Minimalism. New York: Oxford University Press, 2010.
ADGER, D.; HARBOUR, D. Why phi? In: ADGER, D.; HARBOUR, D.; BÉJAR, S. Phi Theory: Phi-Features across modules and interfaces. New York: Oxford University Press, 2008, p. 1-34.
ALI, M. S. Gramática histórica da Língua Portuguesa, 6ª edição, São Paulo: Melhoramentos, 1966.
ARAÚJO, E. A. As construções de tópico do português nos séculos XVIII e XIX, 2006. Tese (Doutorado em Letras e Linguística) – Instituto de Letras, Salvador: UFBA.
BECHARA, E. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro, RJ: Lucerna, 1999.
BÉJAR, S. Phi-syntax: a theory of agreement, 2003. Tese (Doutorado em Linguística) – University of Toronto, Ontário.
________. Conditions on phi-agree. In: ADGER, D.; HARBOUR, D.; BÉJAR, S. Phi Theory: Phi-Features across modules and interfaces. New York: Oxford University Press, 2008, p. 130-154.
BENVENISTE, E. A natureza dos pronomes. In: ________. Problemas de Linguística Geral. São Paulo: Nacional, 1976. p. 277-283.
BIANCHI, V. E; FIGUEIREDO SILVA, M. C. On some properties of agreement-object in italian and brazilian portuguese. In: MAZZOLA, M. Issues and theory in romance languages XXIII. Washington, DC: Georgetown University Press, 1994.
BISMARCK LOPES, I. C. Traço e concordância de gênero na constituição da gramática do português brasileiro, 2014. Dissertação (Mestrado em Língua e Cultura) – Instituto de Letras, Salvador: UFBA.
BRITO, D. B. S. O se reflexivo no português do Brasil, 2009. Tese (Doutorado em Letras e Linguística) – Faculdade de Letras, UFAL, Alagoas.
CÂMARA JR, J. M. Êle como um acusativo no português do Brasil. In: CÂMARA JR., J. M. Dispersos. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1972.
88
CAMPOS, H. Indefinide object drop. Cambridge: Linguistic Inquiry, v. 2: 1986, 354 – 359.
CARDINALETTI, A.; STARKE, M. The typology of structural deficiency: a case of the three classes of pronouns. In: VAN RIEMSDIJK, H. (Ed.) Clitics in the language of Europe. Berlin: Mouton et Gruyter, 1999, p. 41-109.
CARVALHO, D. S. A Estrutura interna dos pronomes pessoais em português brasileiro, 2008. Tese (Doutorado em Letras e Linguística) – Faculdade de Letras, UFAL, Alagoas.
________. Traços. In: FERRARI NETO, J.; SILVA, C.R.T.. (Org.). Programa Minimalista em Foco: princípios e debates. 1 ed. Curitiba: Editora CRV, 2012, v. 1, p. 113-132.
________. Caso default e o sincretismo pronominal no português. Ms. 2014.
CLEMENTS, G. N. The Geometry of Phonological Features. Phonology Yearbook 2, 1985, p. 225-252.
CHOMSKY, N. Aspects of the Theory of Syntax. Cambridge, Massachusetts: MIT Press, 1965.
________. Lectures on Government and Binding. Dordrecht: Foris, 1981.
________. Barriers: Linguistic Inquiry. 13. Cambridge: MIT Press, 1986.
________. Minimalist program. Cambridge: MIT Press, 1995.
________. Minimalist inquiries: The framework. In MARTIN, R.; MICHAELS, D.; URIAGEREKA, J. Step by Step: Minimalist Essays in Honor of Howard Lasnik. Cambridge, Ma.: MIT Press, 2000, p. 89-155.
________. Derivation by phase. In: KENSTOWICZ, M. Ken Hale. A life in Language. Cambridge, Ma.: MIT Press, 2001. COUTINHO, I. de L. Pontos da gramática histórica. 3ª ed. rev. Editora Ao Livro Técnico: Rio de Janeiro, 1976.
COWPER, E.; HALL, D. C. The syntactic manifestation of nominal feature geometry. In: Proceedings of the 2002 Annual Conference of the Canadian Linguistic Association. Montréal: Cahiers Linguistiques de l’UQAM, 2001, p. 55-66.
CUMMINS, S.; ROBERGE, Y. A modular accout of null objects in French. Amsterdam, 2005.
CYRINO, S. M. L. O objeto nulo no português do Brasil: um estudo sintático diacrônico. Tese de Doutorado, UNICAMP, Campinas: 1994.
89
________. Para a história do português brasileiro: a presença do objeto nulo e a ausência de clíticos. Letras de Hoje, Porto Alegre, 2003, v. 38, n. 1, p. 31-47.
DÉCHAINE, R-M; WILTSCHKO, M. Decomposing Pronouns. Linguistic Inquiry, 2002, v. 33, n.3. p. 409-442.
DUARTE, M. E. L. Variação e Sintaxe: clítico acusativo, pronome lexical e categoria vazia no português do Brasil, 1986. Dissertação (Mestrado em Letras e Linguística). São Paulo: Universidade Católica.
FORCHHEIMER, P. The category of person in language. Berlin: Walter de Gruyter, 1953.
FRAMPTON, J.; GUTMANN, S. Agreement is Feature Sharing. Ms.: Northeastern University, 2000.
GALVES, C. M. C. Pronomes e Categorias Vazias em Português do Brasil. Cadernos de estudos linguísticos, Campinas: UNICAMP, 1984, v.7.
________. Ensaios sobre as gramáticas do português. Campinas: UNICAMP, 2001, cap. 8.
GRUBER, B. The spatiotemporal dimensions of person: a morphosyntactic account of indexical pronouns, 2013. Tese (Doutorado em Linguística). Utrecht University, UiL-OTS.
HALLE, M.; MARANTZ, A. Distributed Morphology and the pieces of inflection. In.: The view from building 20. HALE, K.; KEYSER, S.J. (org). Cambridge, Mass.: MIT Press, 1993, p. 111-176.
HARBOUR, D.; ADGER, D; BÉJAR, S. Phi Theory: Phi-Features across modules and interfaces. New York: Oxford University Press, 2008.
HARLEY, H. Hug a tree: Deriving the morphosyntactic feature hierarchy. Papers on phonology and morphology: MIT Working Papers in Linguistics 21. Andrew Carnie and Heidi Harley (ed.). Cambridge, MA: MIT Working Papers in Linguistics, 1994, p. 289-320.
HARLEY, H.; RITTER, E. Person and number in pronouns: a feature-geometric analysis. Language, 2002, v. 78. p. 482-526.
HOFFHER, P. C. Arbitrary readings of 3pl pronominals. In: WEISBERGER , M. (Ed.) Procedings of the conference, Germany: Universitat Konstanz, 2003.
JAKOBSON, R. Selected writings 1 -2. Vol. 1: Phonological studies. 2ed. The Hague & Paris, 1971.
KATO, M. A. The Distribuicion of pronouns and null elements in objetct position in Brazilian Portuguese. ASHBY, R. et al. (Org.). Linguistic perspectives on Romance
90
languages: selected papers from the XXI Linguistic Symposium of Romance Languages. Philadelphia: John Benjamins, 1993. ________. Null objects, null resumptives and VP-ellipsis in European and Brazilian Portuguese. In: QUER, J.; et al.(Org.). Romance languages and linguistic theory. Amsterdam: BEJAMINS, J. 2001, p. 131-153.
LEITAO, A. M. Introdução à linguagem Lisp, p. 1-5, 1995.
LIMA, R. Gramática normativa da língua portuguesa. 30. ed. Rio de Janeiro, RJ: Jose Olympio, 1989.
LOPES, R. V.; QUADROS, R. Traços semânticos na aquisição da linguagem: há efeitos de modalidade de línguas? Revista da ABRALIN, v. 4, n. 1 e 2, p. 75-108, 2005.
LYONS, C. Definiteness. Cambrige: Cambrige University Press, 1999.
MATTOS E SILVA, R. V. Estruturas trecentistas: elementos para uma gramática do português arcaico. Lisboa: IN-CM, 1989.
MARIANO, V. C. A estrutura dos DPs em posição de sujeito no português rural afrodescendente. In: Revista Inventário, 2012, 11ª ed.
McFADDEN, T. Adventures in resolving redundancy: Case vs. EPP. In: Proceedings of the 26th Penn Linguistics Colloquium, University of Pennsylvania, 2002.
________ . The position of morphological case in the derivation: A study on the syntax-morphology interface. PhD Dissertation, University of Pennsylvania, 2004.
________ . Default case and the status of compound categories in Distributed Morphology. Ms., 2007.
MONTEIRO, J. L. Pronomes Pessoais: subsídios para uma gramática do português do Brasil. Fortaleza: Edições UFC, 1994.
NOYER, R.R. Features, positions and affixes in autonomous morphological structure, 1992. Tese (Doutorado em Linguística) – MIT, Cambridge.
NUNES, J. Direção de Cliticização, objeto nulo e pronome tônico na posição de objeto direto em português brasileiro. In: KATO, M.; ROBERTS, I (Org.). Português brasileiro: uma viagem diacrônica. Campinas, SP: UNICAMP, 1996, p. 207 - 222.
OMENA, N. P. Pronome pessoal de terceira pessoa: suas formas variantes em função acusativa. 1978. Dissertação (Mestrado.em Linguística) - Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes, PUC, Campinas.
PETERSEN, C. A tripartição pronominal e o estatuto das proformas cê, ocê e você. DELTA vol. 24, n. 2, 2008, p. 283-308.
91
POSTAL, Paul. On so-called ‘pronouns’ in English. In F. Dinneen ed. 19th Monograph on Languages and Linguistics, Washington, D.C.: Georgetown University Press, 1966.
RAPOSO.E. P. Case theory and Ifl-to-Comp: the inflected infinitive in European Portuguese. Linguistic Inquiry, n. 18, 1986, p. 85 - 109.
________ . Teoria da Gramática: a faculdade da linguagem. Lisboa: Caminho, 1992.
________ . Objetos nulos e CLLD: uma teoria unificada. Revista Abralin: Maceió, 2004, v. 3, p. 47 - 73.
RIBEIRO, I. O sistema de definitude e de referencialidade de uma falante afrobrasileira idosa. Comunicação apresentada no congresso da ABECS – Associação Brasileira de Estudos Crioulos e Similares, 2010.
RIZZI, L. Null objects in italian and the theory of the pro. Linguistic Inquiry, v.17, Cambridge, 1986, p. 501 - 557.
ROBERTS, I. Macroparameters and Minimalism: A Programme for Coparative Research. In: Galves, Charlotte, Sônia Cyrino, Ruth Lopes, Filomena Sandalo e Juanito Avelar (orgs.) Parameter Theory and Linguistic Change, Oxford University Press, Oxford, 2012.
ROUVERET, A.; VERGNAUD, J. R. Specifying reference to the subject. French causatives and conditions on representations. Linguistic Inquiry 11, 1980, p. 97-202.
RULLMANN, H. First and second pronouns as bound variables. Linguistic Inquiry 35. 2004, p. 159-168.
SARAIVA, M. E. F. O comportamento gramatical do SN nu objeto. In: _______. Buscar menino no colégio: a questão do objeto incorporado em português. Campinas: Pontes, 1997, p. 25-59.
SAGEY, E. C. The representation of features and relations in non-linear phonology. 1986. Tese (Doutorado em Filosofia e Linguística) – MIT, Cambridge.
SIGURÐSSON, H. A. Case: abstract vs. morphological. In: BRANDNER, E.; ZINSMEISTER, H. (Ed.) New Perspective Theory. Standford: CSLI. Publications, 2003, p. 65 - 108.
SCHÜTZE, K. Pragmatic relevance as cause for syntactic change: The emergence of prepositional complementizers in Romance. In: BLAKE Barry; BURRIDGE, Kate. Historical Linguistics. J. Bejamins: Amsterdam, 2003, p. 378 – 394.
SILVA, M. C. V. F. O estatuto do objeto nulo no português do Brasil: teoria temática e elipse de DP. 2009. Tese (Doutorado em Letras e Lingüística) – Instituto de Letras, UFBA, Salvador.
92
TARALLO, F. (1983) Relativization strategies in spoken Brazilian Portuguese.1983. Tese (Doutorado) - University of Pennsylvania, Philadelphia.
URIAGEREKA, J. Some Thoughts on Economy Within Linguistics. D.E.L.T.A. vol. 16, n° Especial, 2000, p. 221-243.
VITRAL, L. A forma cê e a noção de gramaticalização. Revista de Estudos da Linguagem, Ano 5 (4), 1996.
Recommended