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amor à primeira vista:ana carolina barbosa
o design emocional como estratégia mercadológica
UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS
Escola de Design
Graduação em Design de Produto
AMOR À PRIMEIRA VISTA:
O DESIGN EMOCIONAL COMO ESTRATÉGIA MERCADOLÓGICA
ANA CAROLINA DE MAGALHÃES RODRIGUES BARBOSA
Belo Horizonte, Dezembro de 2011
Ana Carolina de Magalhães Rodrigues Barbosa
AMOR À PRIMEIRA VISTA:
O DESIGN EMOCIONAL COMO ESTRATÉGIA MERCADOLÓGICA
Monografia submetida à apreciação de
Banca Examinadora do Departamento
de Design de Produto como exigência
parcial para a obtenção do grau de
Bacharel em Design de Produto,
elaborada sob a orientação da
Professora Doutora Rita Aparecida da
Conceição Ribeiro.
Belo Horizonte
Escola de Design da UEMG
2011
A mamãe, papai, Dri e Mari, por segurarem
o meu mundo no lugar.
AGRADECIMENTOS
A todos que contribuíram para a realização deste trabalho e a conclusão
deste curso, fica aqui expressa minha gratidão, em especial:
Aos meus pais por sempre terem acreditado em mim e me incentivado
mesmo quando havia mais dúvidas do que certezas.
À minha orientadora por todas as oportunidades e auxílios dados, mas em
especial pelo carinho e pelas longas conversas.
Às queridas amigas do Balão por entenderem a ausência provocada pelo
curso, e amizade incondicional.
Aos amigos de sala: Zulo, Mariah e Ursão por sempre me ouvirem e pelos
muitos trabalhos divididos; Mayra por sempre atender meus telefonemas e ser tão
especial e Righi, Robert e Amandinha pelas várias risadas.
Aos amigos (não mais de sala) Juninho, Babhi, Ted e Marina, que me
acolheram e me mostram todos os dias um novo nível de amizade.
À ótima “Galera Feliz” de Ouro Preto por estarem sempre presentes, mesmo
não estando sempre por perto.
Às minhas companheiras de casa Mari, Ste, Beh e Taci por fazerem os meus
dias mais felizes.
A todos os professores e todos aqueles que de alguma forma tornaram essa
trajetória mais prazerosa.
E por fim, ao Adriano, pelo apoio, amor, carinho, incentivo e paciência durante
os – milhares de – ataques de estresse.
Designers shooting for usable is like a chef shooting for edible.
Aarron Walter
RESUMO
As mudanças que vêm ocorrendo na forma com que as pessoas consomem modificam
também, os setores que dizem respeito ao mercado. Essa pesquisa objetiva entender
como essas transformações alteram a atividade projetual do design e como o design
emocional pode ser uma estratégia no mercado atual, cada vez mais exigente e seletivo.
A metodologia de pesquisa adotada baseou-se no levantamento bibliográfico e
documental sobre a temática.
Palavras- chave: design emocional, sociedade de consumo, marketing, mercado,
estratégia mercadológica
ABSTRACT
The changes that have occurred in the way people consume cause also changes in all
sectors that concern the market. Thus, this research aims to understand how these
transformations alter the projetual activity of designing and how emotional design can be
a strategy in today's market, since the buyers are more demanding and selective. The
research methodology adopted was based on literature and documental review on the
topic.
Keywords: emotional design, consumption society, marketing, marketing strategy.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 9
CAPÍTULO 1: AS FUNÇÕES DO DESIGN – DA USABILIDADE À EMOÇÃO ....... 12
1.1. As Funções do Design ..................................................................................... 14
1.2 Entendendo a Sociedade de Consumo ........................................................... 21
1.3 O Design Emocional Como Ferramenta Estratégica ...................................... 29
CAPÍTULO 2: EM UM MUNDO ONDE TUDO SE PARECE, COMO CRIAR
DIFERENCIAIS? ....................................................................................................... 37
2.1 Emoções agradáveis e desagradáveis associadas a produtos .................... 38
2.2 Instrumento de Medição das Emoções nos Produtos (PrEmo) .................... 41
2.3 Como incitar sensações? ................................................................................. 44
2.3.1 – Visceral ......................................................................................................... 46
2.3.2 – comportamental .......................................................................................... 59
2.3.3 – reflexivo ........................................................................................................ 69
2.4 Branding – O poder da marca .......................................................................... 77
2.4.1 – O Design Como Ferramenta de Apoio às Estratégias de Branding ........ 79
2.4.2 – As 7 Mudanças de Gobé ............................................................................. 80
CAPÍTULO 3: CROCS: PROJETANDO AMOR E ÓDIO ......................................... 84
3.1 A Evolução Histórica da Marca ........................................................................ 85
3.1.1 A Ascenção ..................................................................................................... 85
3.1.2 Os Problemas ................................................................................................. 90
3.1.3 A Reparação ................................................................................................... 91
3.2. A Crocs™ e o Design Emocional .................................................................... 94
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 99
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 101
9
INTRODUÇÃO
Diante do grande crescimento do número de produtos disponíveis no mercado
e da consequente mudança que vem ocorrendo no perfil dos consumidores, passa a
ser uma tarefa árdua começar uma nova empresa – ou até mesmo manter uma já
existente. Além disso, o alto nível tecnológico permite que os produtos possuam
maior qualidade técnica, fazendo com que este diferencial não seja mais suficiente
para os consumidores (JORDAN, 2000). Uma das soluções para este problema é se
voltar para as ferramentas estratégicas de mercado. O Design, como afirma Baxter
(1998) possui máxima relevância em uma política de diferenciação dos
concorrentes.
Consequentemente, as discussões sobre as possíveis positivas e inovadoras
interferências feitas pelo Design, têm gerado quebras de paradigmas e
aprofundamentos teóricos em diversas áreas correlatas para tentar encontrar
soluções e formas de se conectar mais profundamente ao cliente. Destarte, uma das
novas vertentes resultantes dessas pesquisas, é o Design Emocional.
Tomando como base a obra de Norman (2004) e fazendo sobre ela uma
análise, é possível entender que existem diversas formas de cativar a atenção do
consumidor (seja através da aparência, da qualidade e funcionalidade ou até mesmo
através dos sentimentos que possuir o produto pode causar no usuário), e esse tipo
de atenção é o que o Designer industrial procura sempre ao desenvolver um novo
produto.
O Design Emocional é uma das melhores formas de criar inovação nos dias
atuais, e para conseguir criar uma fidelidade entre o produto – ou uma empresa – e
o consumidor, é preciso atingir esse nível emocional, um nível simbólico.
A função simbólica é uma das mais complexas. Por um lado porque se liga com a espiritualidade do Homem quando se excita com a percepção de um objeto estabelecendo relações com componentes de experiências e sensações anteriores. Por um lado, a função simbólica tem relação e também é determinada por todos os aspectos espirituais e psíquicos de uso
10
do objeto. Envolve fatores sociais, culturais, políticos e econômicos e, também associa-se a valores pessoais, sentimentais e emotivos. (LÖBACH, 1981)
Apesar de existirem diversos autores que discorrem sobre o Design
Emocional, entendemos que este constitui ainda um universo que começa a ser
explorado e precisa, ainda, ser desenvolvido (DESMET, 2003). Isto não significa que
a estratégia de conexão emocional entre produtos e pessoas não esteja sendo
estudada. Pelo contrário, alguns designers entendem a importância desse apelo
emotivo e o exploram, porém, seguindo apenas sua intuição e conhecimento
empírico (NORMAN, 2003).
Entender sua importância, os seus processos de identificação com o
consumidor e as formas como o Design pode se utilizar dele, são desafios em nosso
campo de pesquisa. O estudo aprofundado de como o Design Emocional pode
modificar o futuro de uma micro, média ou grande empresa é altamente relevante
em um momento onde estão acontecendo inúmeras mudanças nos setores
comercial e ambiental. Para Kazazian (2009), o Design Emocional não vem apenas
como um fator que ajuda a garantir a venda do produto – e consequentemente o
sucesso de uma empresa; ele vem para aumentar o tempo de consumo dos
produtos, diminuir seus desgastes quase instantâneos. Desgastes, estes, que vêm
aumentando o problema da superprodução de artefatos praticamente inúteis, se
levarmos em consideração seu tempo de uso.
O aspecto relacional é determinante para a durabilidade do objeto: guardamos os objetos em função das relações – utilitárias, hedonistas ou cognitivas – que estabelecemos com eles. Um objeto nos agrada porque desperta nossos sentidos. Nele depositamos uma vivência; nós o carregamos de significação, lhe pedimos que conte uma história quando ele materializa para nós um sentimento, a lembrança de um instante. [...] Enfim, é fascinante observar de perto como alguém pega um objeto e o solicita, porque esse comportamento sempre é imprevisível. Um campo de aplicação se abre: o jogo do possível. (KAZAZIAN, 2009, pág. 44)
O maior desafio no campo, talvez, seja a dificuldade de transformar as
informações coletadas em prática, já que as emoções são consideradas intangíveis
e difíceis de prever por três motivos: elas são pessoais, subjetivas e mais de uma
emoção pode ser evocada num só momento (DESMET, 2003).
11
Nota-se, então, dificuldade em transformar as abordagens já existentes em
produtos físicos com foco no ponto de vista emocional, por serem extremamente
vagas ao tratarem da atividade projetual em si. Desta forma, ao perceber uma lenta
evolução neste caminho, o presente trabalho apresenta uma investigação
bibliográfica que pretende coletar informações suficientes e necessárias para um
primeiro passo na direção de correlatar as perspectivas da Emoção e o Design como
prática projetual, podendo, assim, ajudar os designers a utilizarem ferramentas
emocionais para criar uma estratégia mercadológica.
Para que seja possível procurar essas relações práticas, é primeiro
necessário que os conceitos envolvidos estejam claros. Desta maneira, o Capítulo 1
faz uma breve abordagem sobre o Design transitando entre razão e emoção através
do tempo. Ressalta conceitos importantes que definem bem essa transição até
chegar ao atual momento, onde a emoção está sendo tão explorada. Destarte, faz
uma comparação entre os principais modelos emocionais atuais, procurando
identificar suas similaridades assim como suas discrepâncias, para reunir de forma
efetiva os aspectos relevantes de todos os modelos apresentados. Este capítulo
serve como base para o Capítulo 2, que visa analisar ferramentas, estratégias e
ideias de Design e Marketing, que possam ser diretamente conectados às pesquisas
emocionais, através de suas análises e categorizações.
Por fim, o Capítulo 3 apresenta um breve estudo de caso da marca Crocs™,
procurando identificar algumas das ferramentas apontadas no Capítulo 2, de forma a
argumentar sua efetividade em um cenário real. Ademais, essas ferramentas são
analisadas de acordo com a curta história da marca, a fim de verificar se sua adoção
foi responsável por respostas positivas ou negativas, tentando, assim, responder a
pergunta: como o Design Emocional pode ser uma estratégia mercadológica?
12
CAPÍTULO 1: AS FUNÇÕES DO DESIGN – DA USABILIDADE À
EMOÇÃO
Design, segundo o ICSID1, é uma atividade criativa que objetiva estabelecer
as qualidades multifacetadas de objetos, processos, serviços e sistemas,
considerando todo o seu ciclo de vida.
Já o Dicionário Michaelis define Design como concepção de um projeto ou
modelo, planejamento; produto deste planejamento. Já o Dicionário Priberam da
Língua Portuguesa, define a palavra como uma disciplina que visa criação de
objetos, ambientes, obras gráficas, etc., ao mesmo tempo funcionais, estéticos e
conformes aos imperativos de uma produção industrial; conjunto de objetos criados
segundo esses critérios; aspecto de um produto criado segundo esses critérios.
Porém, para alguns autores, o Design não pode ser tão facilmente definido.
Segundo Löbach (1981) o conceito de Design pode muitas vezes causar confusão,
já que nem sempre fica claro o que se quer dizer com este termo. Para ele “Design é
uma idéia (sic), um projeto ou um plano para a solução de um problema
determinado” (p. 16). Seguindo o mesmo pensamento, Bezerra (2008) acredita na
existência de diferentes perspectivas para entender o Design, e por isso sua noção
não pode ser resumida em apenas uma definição, palavra ou disciplina. Para ele,
“somos estudantes de problemas, de problemas que não possuem fronteiras” (p.
24).
A dificuldade de definir o Design parte da própria palavra. Como vimos, o
vocábulo é mutável e agrega diversos significados.
Em inglês a palavra Design funciona como substantivo e verbo (circunstância que caracteriza muito bem o espírito da língua inglesa). Como substantivo significa entre outras coisas: ‘propósito’, ‘plano’, ‘intenção’, ‘meta’, ‘esquema maligno (sic)’, ‘conspiração’, ‘forma’, ‘estrutura básica’ [...]. Na situação de verbo – to Design – significa, entre outras coisas
1 ICSID - International Council of Societies of Industrial Design, cuja tradução para o português é
Conselho Internacional das Sociedades de Design Industrial, fundado em 1957, é uma organização sem fins lucrativos, que protege e promove os interesses da profissão de Design industrial.
13
‘tramar algo’, ‘simular’, ‘projetar’, ‘esquematizar’, ‘configurar’, ‘proceder de modo estratégico’. A palavra é de origem latina e contem em si o termo signum, que significa o mesmo que a palavra alemã Zeichen (‘signo’, ‘desenho’). (FLÜSSER, 2007. P. 181)
A confusão semântica fica ainda maior atualmente, onde as pessoas
passaram a juntar o termo “Design” a atividades que não possuem relação a ele, a
fim de criar uma maior credibilidade, como em Design de sobrancelhas, de unhas,
de flores, etc. Para Heskett (2002) isso acontece porque o termo “[...] amplia-se cada
vez mais em novas subdivisões sem nenhum tipo de organização ou conceito
regulador, podendo, portanto, ser usado indiscriminadamente.” (p.12).
Mesmo com a plausível dificuldade de definir exatamente “o que é Design”,
alguns autores arriscam, porém, nem sempre chegam a um consenso. Essa
divergência de informações e falta de concordância entre teóricos faz com que seja
ainda mais difícil e confuso entender, de fato, a definição da atividade de Design.
Por exemplo, Heskett (2002) aponta o Design como algo completamente inovador,
nunca antes visto, nem mesmo na natureza, enquanto Flusser (2007), afirma que o
Designer copia todos os seus mecanismos da natureza, dando o exemplo da
alavanca, que é baseada no funcionamento de dobra do braço.
[...] o Design, em sua essência, pode ser definido como a capacidade humana de dar forma ao ambiente em que vivemos de maneira nunca antes vista na natureza, para atender às nossas necessidades e dar sentido à vida. (HESKETT, 2002. p. 13)
Apesar das divergências, uma conceituação muito importante e muito
utilizada é a de Maldonato (1977), que é citado por Oliveira (2000):
É uma atividade criativa cujo objetivo é determinar as propriedades formais dos objetos produzidos industrialmente. Por propriedades formais não se deve entender apenas as características exteriores, mas, sobretudo, as relações estruturais e funcionais que fazem de um objeto (ou sistema de objetos), uma unidade coerente, tanto do ponto de vista do produtor como do consumidor. O Design Industrial abrange todos os aspectos do ambiente condicionado pela produção Industrial. (MALDONATO, 1977 apud OLIVEIRA, 2000. p. 41)
14
Todas essas definições se entrelaçam quando consideramos o Design como
uma prática projetual que tem o objetivo de resolver problemas e chegar a um
produto final, sendo esse produto final uma peça gráfica, um objeto, um plano, etc.
Heskett (2002) ainda simplifica a definição dessa prática e ao mesmo tempo mostra
sua importância ao definir o Design como “uma das características básicas do que
significa ser humano e um elemento determinante da qualidade de vida das
pessoas” (p. 10). Ele ainda completa afirmando que o Design é capaz de influenciar
em cada ação cotidiana, já que, ao dar a atenção necessária ao Design dos objetos
que nos cercam, podemos melhorar consideravelmente a maneira que vivemos, “[...]
o Design é profundamente importante para todos, de inúmeras maneiras, e
representa uma área de potencial imenso e subutilizado” (p. 11). Como exemplos de
melhorias possíveis, ele cita a qualidade de iluminação, facilidade de uso de objetos
que antes eram de difícil manuseio, etc.
O que torna essa definição de Heskett interessante é sua percepção da
importância e do papel do Design no dia-a-dia e não só a conceituação da palavra.
Para entender esse papel, precisamos entender quais são as denominadas funções
do Design e como elas atuam nos produtos.
1.1. As Funções do Design
Na linguagem do Design, segundo Gomes Filho (2006), é preciso centrar o
estudo no diálogo existente entre Homem e objeto a fim de perceber as funções
básicas que esse objeto pode vir a ter quando em contato com o usuário. Para
Heskett (2002), essas funções são subdivididas em dois conceitos-chave: o de
utilidade e o de significado.
Ainda segundo Heskett, “a utilidade pode ser definida como a qualidade de
adequação do uso. Isso diz respeito à maneira como as coisas funcionam (...)” (p.
35), e de que forma elas funcionam (em que grau cumprem suas finalidades
práticas). Dentro deste conceito de utilidade, ele agrega atributos como qualidade,
adequação e durabilidade dos materiais usados e ergonomia do objeto. Já o
“significado (...) explica como as formas podem assumir sentido próprio de acordo
15
com a maneira como são usadas, ou os papéis e valores a elas atribuídos” (p. 36). O
autor ainda enfatiza que esses objetos podem assumir o status de símbolos ou
ícones consistentes dos costumes e hábitos. O significado, diferentemente da
utilidade, tem a ver com expressão e sentido. Esses dois conceitos podem ser
completamente separados em um objeto ou trabalhar em conjunto. Por exemplo, um
objeto com alta usabilidade, causa prazer naquele que o usa, fazendo com que ele
possua um alto significado; Já objetos de decoração possuem apelo de significado
enquanto uma faca exige mais utilidade.
Para Bürdek (2006), todos os objetos são portadores de significados e
carregam consigo informações. Ele ainda aponta que as dimensões semióticas de
um objeto abrangem desde as funções até o símbolo independente, ou seja, Bürdek
e Heskett concordam no ponto da existência de múltiplas interpretações e
significações para um mesmo produto.
Essas dimensões semióticas às quais Bürdek se refere, também são
conhecidas como Tricotomia dos Signos. Essa teoria surgiu a partir de Charles
Sanders Peirce, que contribuiu para a introdução da teoria dos signos na filosofia e
nas ciências humanas, mas foi de fato concebida por Morris (1970), que separou as
dimensões da semiose em três relações: sintática, semântica e pragmática.
As dimensões da semiose propostas por Morris (1970) em Fundations of
Theory of Signs, foram aplicadas à área do Design por alguns autores que apontam
a existência dessas mesmas três dimensões semióticas quando aplicadas aos
objetos. De acordo com Quarante2 (1994), “transposto e simplificado à análise de um
objeto ou de um produto, considerado como portador de signos (...)" (p.278,
tradução da autora), temos o seguinte esquema tricotômico: dimensão sintática,
dimensão semântica e dimensão pragmática. Essas são as três dimensões
semióticas do produto apresentadas também por Gomes Filho (2006) no livro
intitulado “Design do objeto: bases conceituais”, e esquematizadas a seguir pela
Figura 1.
2 “Transposé et simplifié à l’analyse d’um objet ou d’un produit considere comme porteur de signes, on
retrouve ainsi le schéma trichotomique dês signes de C. S. Peirce”.
16
FIGURA 1: As dimensões semióticas do Design.
Fonte: Gomes Filho, 2006, p.115.
Esses não são os únicos a reconhecer essas conexões existentes entre
objetos e seus donos. Csikszentmihayi e Rochberg-Halton (1989), ambos
economistas, fizeram nos Estados Unidos estudos sobre “o morar”, onde analisavam
a relação existente entre moradores e seus pertences. Esses estudos seguiam a
linha de raciocínio dos franceses Lévi-Strauss e Barthes, dos semióticos em geral e
da ecologia social, que apontavam o conceito de “cultivação”, que, segundo Lang
(1989), é a ocorrência do diálogo do homem com os objetos (produtos), onde o
homem passa a se definir e ampliar sua identidade a partir da inclusão simbólica da
realidade material.
Löbach (1981) ainda descreve a existência de três funções básicas no Design
do objeto. São elas as funções prática, estética e simbólica. A figura abaixo mostra a
relação dessas funções básicas e outras bases conceituais dos objetos de acordo
com Gomes Filho (2006):
17
FIGURA 2: Quadro: Funções Básicas / Bases Conceituais. Inter-relações Principais.
Fonte: Gomes Filho, 2006, p.42.
Gomes Filho (2006, p. 41) aponta essas três funções como “bases
conceituais que participam e auxiliam o profissional do projeto – todas elas se inter-
relacionando no planejamento, na concepção e no desenvolvimento” do Design do
produto. Grosseiramente, podemos dizer que a função prática diz respeito às
relações de uso do objeto, a função estética se relaciona ao processo de percepção
18
do produto, e a função simbólica se conecta diretamente com a percepção do
usuário e suas relações e interpretações pessoais quanto ao objeto.
Todos esses estudos sobre as funções do Design – ou forma como os objetos
conectam-se com seus usuários (entenda usuário como qualquer pessoa que toque,
veja, use de forma correta ou não, etc. o produto), principalmente os conceitos
definidos por Löbach (1981) são imprescindíveis para o estudo do que hoje é
chamado de Design Emocional, como veremos no próximo tópico.
Mesmo hoje sendo tão evidenciadas, nem sempre as funções e o intuito do
Design estiveram tão definidos. Desde seu surgimento até os dias atuais ele passou
por mudanças radicais que transformaram a raiz da prática. Ao analisarmos a
história do Design podemos ver nitidamente a intenção de separar a utilidade do
significado, ou seja, fazer com que a forma dependesse totalmente do cargo
(função) do objeto; e depois, a reconciliação entre forma e função, onde a
importância das duas é considerada.
É difícil apontar na história o momento inicial da intenção de projetar, sendo
que desde os primórdios o homem vem produzindo artefatos para suprir suas
necessidades e facilitar suas tarefas. Segundo Heskett, os primeiros objetos
apareceram quase que por acaso, mas ao longo do tempo foram sendo adaptados.
Apesar disso, com o passar do tempo, as formas foram sendo adaptadas, intencionalmente ou por acaso, passaram por aprimoramentos ou foram transformadas em decorrência de novas possibilidades tecnológicas. Aos poucos, novos estereótipos surgiram e foram adotados como modelos. Esses modelos, por sua vez, se adaptaram a circunstâncias locais específicas. (HESKETT, 2002. p. 19)
Mas quando foi que o Design entrou realmente em cena? Muitos autores
apontam a Revolução Industrial como o marco principal de transição, porém, é o
movimento Arts and Crafts3 (1888) o momento crucial para a história do Design, que
teve como idealizadores John Ruskin e William Morris.
3 Movimento estético e social inglês do séc. XIX que tinha a intenção de recuperar a dimensão
estética dos objetos produzidos industrialmente para o uso cotidiano. “[...] pregava que o papel do
19
[...] só podemos falar, desde a idade da revolução industrial na metade do século 19, do Design industrial em seu sentido atual. Ele começa com o fato de que a divisão de trabalho separa o projeto da manufatura, o que até ali era feito pela mesma pessoa. (BÜRDEK, 2006, p. 19)
Segundo Bürdek (2006), as teorias de revitalização da arte nos objetos que o
movimento inglês pregava deram fruto a outros movimentos na Europa, tais como o
“Art Nouveau" na França, o "Jugendstil" na Alemanha, o "Modern Style" na Inglaterra
e o "Sezessionstil" na Áustria. Em seu conjunto, eram um “sentido de vida artístico
que acentuadamente deveria se refletir nos produtos da vida diária.” (p. 23)
A continuação desses movimentos foi o que deu início à Bauhaus, conhecida
como o ponto de partida para o surgimento do Design como o conhecemos hoje.
Em 1902, Henry van de Velde fundou em Weimar um seminário de artes aplicadas que, sob sua orientação, transformou-se em 1906 em uma escola de artes aplicadas. Na sua fusão com a escola de artes plásticas sob a direção de Walter Gropius, formou-se a Staatliche Bauhaus Weimar (Casa da Construção Estatal de Weimar), que veio a ser o ponto central de partida do grande desenvolvimento do Design. (BÜRDEK, 2006. p. 28)
Ainda segundo Bürdek, a escola foi criada com a mentalidade de unir
novamente a arte à produção industrial, sendo que “a arte e a técnica deveriam
tornar-se uma nova e moderna unidade” (p. 28). A ideia geral da escola era de que
técnica não necessita da arte, mas a arte necessita, e muito, da técnica. Sendo
assim, seus idealizadores acreditavam que através de sua junção, a arte poderia
estar disponível para o povo.
Segundo Rainer Wick (1989), podemos citar três fases que ocorreram durante
o período de existência da Bauhaus se analisarmos os conteúdos ministrados. Na
fase inicial (1919 – 1923), ainda segundo Wick, queria-se desenvolver as
habilidades manuais e artísticas dos alunos de forma equilibrada, porém, houve
conflitos onde a forma acabava por tornar mais importante do que a técnica. Na
segunda fase, denominada por Bürdek de “fase de consolidação” (1923 – 1928), “A
Bauhaus foi tornando-se mais e mais uma instituição de ensino e de produção de
artesão-projetista seria reviver a unidade perdida da prática do Design e de suas qualidades sociais.” (HESKETT, 2002. p. 27)
20
protótipos industriais” (p. 31), porém, por mais que fosse necessário levar em conta
os processos produtivos, a tendência foi se afastar dos mesmos, criando
dificuldades de produção e fazendo com que as peças ali projetadas fossem caras e,
por isso, não atendessem seu propósito inicial, que era de fornecer “arte” ao povo.
Simplificando um pouco, alguns funcionalistas raciocinaram que se a melhor e mais bonita cadeira fosse também a mais eficiente e mais barata de se fabricar, não haveria mais sentido em produzir cadeiras melhores e outras piores (CARDOSO, 2000, pág. 155).
Ainda nesta segunda fase, segundo Bürdek, houve uma mudança de foco, e
as habilidades artísticas foram deixadas de lado a fim de privilegiar as tarefas de
configuração. Diferentes da primeira fase agora predominavam a normalização,
tipificação, fabricação em série, produção em massa e padronização. Foi nesse
momento que a função passou a ter mais valor do que a forma.
Houve ainda, segundo Wick, a terceira fase, denominada “desintegração”
(1928 – 1933), onde foram introduzidas matérias como Fotografia e Psicologia. Essa
nova fase representava uma tentativa de conectar o Designer ao usuário: de forma a
entender seus anseios e necessidades. Porém, com esse pensamento, segundo
Bürdek, “o conceito inicial de uma escola superior de arte foi definitivamente
liquidado” (p. 33). Ainda de acordo com Bürdek, a decadência da Bauhaus se deu
devido a pressões políticas, e “em 20 de Julho de 1933, apenas alguns meses após
a ‘captura do poder’ por Adolf Hitler seguia-se a autodissolução da Bauhaus”. (p 33)
Por fim, depois de tantas transformações na própria prática do Design,
Flüsser (2007) acaba por explicar o que se tornou o vocábulo, concordando com a
intenção final da escola Bauhaus: “(…) Design significa aproximadamente aquele
lugar em que arte e técnica (e, conseqüentemente, pensamentos, valorativo e
científico) caminham juntas, com pesos equivalentes, tornando possível uma nova
forma de cultura” (p. 183 - 184).
Até hoje a Bauhaus é uma das principais referências em Design. Se
analisarmos as fases descritas anteriormente e o momento atual em que vivemos,
podemos notar algumas semelhanças: a escola atingiu seu ápice em pleno
21
funcionalismo, que se parece muito com o momento industrial em que vivemos,
porém, estamos tentando nos assimilar à terceira fase, a fase que entende os
usuários como pessoas com necessidades e emoções, e que reconhece que o
Designer deve conhecer esse usuário a fundo e entender melhor como é possível
criar uma relação positiva entre um produto e seu dono.
O ideal do artista- projetista continua sendo um elemento significativo da postura moderna sobre Design, e profissionais talentosos como Michael Graves e Philippe Starck chamam, por isso, bastante atenção. Porém, o ideal do artista-projetista como agente de mudança da sociedade moderna não tem sido posto em prática. (HESKETT, 2002, p. 28)
Portanto, é possível dizer que o intuito da escola Bauhaus em seus momentos
finais, era a busca para reconectar os objetos às pessoas, porém, mesmo que ainda
hoje esse objetivo esteja claro, de acordo com Heskett essa estratégia ainda não
está sendo colocada em prática com frequência, e por isso aqueles que a exploram
se tornam destaques.
Para entender melhor como essas relações entre usuário e objeto (ou
relações de consumo), é interessante analisar o que é a sociedade de consumo e
como ela vem se alterando ao longo do tempo.
1.2 Entendendo a Sociedade de Consumo
Os consumidores atuais não são mais induzidos a comprar apenas pelo valor
pago pelo produto ou pela marca do fabricante. Hoje em dia, eles são capazes de
ver os produtos e comparar os benefícios e valores gerados por eles. Por isso, é
preciso que os profissionais de marketing e Design tratem os clientes como seres
humanos completos, dotados de corpo, mente e espírito. Segundo KOTLER (2010),
“os clientes estão mais conscientes, ativos e poderosos do que nunca” (p. 12).
Primeiramente, o marketing (chamado por Kotler de Marketing 1.0) era focado
no produto. Essa primeira fase, que ocorreu entre as décadas de 1950 e 1960 ficou
22
marcada na cabeça das pessoas com a famosa frase de Henry Ford: “você pode ter
o carro na cor que quiser, desde que seja preto”.
Historicamente, a publicidade tem sido um dos fatores mais importantes para o sucesso das marcas [...]. Na verdade, a publicidade se beneficiou muito com o grande crescimento da economia mundial do pós-guerra, mas também foi um de seus maiores agentes, aumentando o apetite das pessoas por uma vasta série de novas ofertas de produtos. (GOBÉ, pag. 183)
A publicidade era quase totalmente responsável pelo sucesso ou fracasso de
uma marca, quase independente do produto ou serviço que ela vendia. Dessa
forma, principalmente por falta de concorrentes, na época, não era necessário dar
escolhas aos consumidores. O que quer que fosse produzido era facilmente vendido
desde que tivesse uma forte divulgação.
Já a transformação de marketing 1.0 para o 2.0, ainda segundo Kotler, iniciou-
se em meados dos anos 1970, quando houve o entendimento de novos conceitos de
marketing. Enquanto no estágio 1.0 o objetivo do marketing era de vender produtos,
o 2.0 visava satisfazer e reter consumidores; mudando a visão de que os
compradores eram massas com necessidades físicas e entendendo que o
consumidor é inteligente e faz escolhas emocionais e racionais. Enfim, o marketing
2.0 passa a focar sua atenção no consumidor, que, agora, possui voz e vontades
específicas.
Essa grande mudança que ocorreu do marketing 1.0 para o 2.0 foi
impulsionada especialmente pela evolução da tecnologia da informação, que
permitia que o cliente conhecesse mais sobre o produto que visava comprar, assim
como seus concorrentes. Dessa forma, os clientes podiam comparar suas opções e,
assim, escolher aquela que fosse mais atraente.
O século XXI veio trazendo novos desafios para o modelo tradicional de
marketing que, segundo Gobé, era feito basicamente através de revistas, televisão,
rádio, jornais, outdoors, etc. O aumento do acesso à tecnologia trouxe consigo maior
variedade de canais fechados (TV a cabo ou satélite), web, branding de
entretenimento, blogs, podcasts, etc., o que significa que houve uma fragmentação
da audiência dos veículos de comunicação. O grande acesso a novas tecnologias,
23
segundo Kotler, gera maior poder de comparação de produtos e decisão de compra:
com o crescimento de blogs e sites, as pessoas podem expressar suas opiniões e
influenciar outros compradores – isso faz com que o tipo de marketing corporativo
acabe se enfraquecendo aos poucos; além disso, as pessoas agora têm acesso a
outros tipos de mídia (DVDs, sites, videogame, etc.), o que acaba reduzindo o tempo
em que são expostos aos apelos da publicidade direta.
Ainda segundo Kotler, é preciso uma nova abordagem, por ele denominada
Marketing 3.0, onde as práticas de marketing são altamente influenciadas pelo
comportamento de seus consumidores, o que faz com que demandem abordagens
mais colaborativas, culturais e espirituais.
O antigo modelo de publicidade modernista de “empurrar a mensagem” vai contra a realidade do consumidor fortalecido e familiarizado com o marketing que prefere escolher “a pedido”, ter liberdade para acessar informações quando quiser. (GOBÉ, pag. 193).
Outra força que impulsiona o conceito de Marketing 3.0 é a ascensão da
sociedade criativa, onde as pessoas utilizam mais o lado direito do cérebro (o lado
criativo e intuitivo). Essas pessoas são os inovadores que criam e usam novas
tecnologias e conceitos. O número crescente desse tipo de pessoa faz com que elas
comecem a questionar mais as coisas já existentes no mundo, mudando a maneira
como os seres humanos veem suas necessidades e desejos. Assim como as
pessoas criativas, as empresas devem refletir sobre sua autorrealização além dos
objetos materiais. Resumidamente, Kotler afirma que as empresas precisam se
conhecer e entender o porquê de estar no negócio, saber o que querem ser e o que
querem representar.
24
FIGURA 3: Comparação entre Marketing 1.0, 2.0 e 3.0 segundo Philip Kotler.
Fonte: KOTLER, 2010, p. 12.
Por esses motivos, se fez necessária uma nova abordagem de marketing, que
mudasse o foco de “consumidor” para “ser humano”. Para Gobé, a solução não está
apenas em alterar a cara do marketing. Para ele, o produto é a alma da empresa e a
humanização das marcas acontece através do Design Emocional.
Muito dinheiro é gasto para apoiar os mesmos velhos produtos, quando a melhor “novidade” é o próprio produto, seu Design inovador e sua mensagem potencialmente imaginativa. (GOBÉ, 196)
Quando falamos de consumo, devemos nos lembrar de conceitos como os
apontados por Canclini (1999), que descreve o consumo como “o conjunto de
processos socioculturais nos quais se realizam a apropriação e os usos dos
produtos” (p. 77). Ou seja, devemos nos lembrar de que o próprio consumo é um
processo mutável, passível de alterações que ocorrem de acordo com as mudanças
sociais, econômicas, tecnológicas e até sustentáveis.
Assim, podemos criar uma ponte entre os valores de sociedade que foram
entendidos pelo marketing 1.0 e o consumo segundo a visão dos primeiros
pensadores da Escola de Frankfurt, que apontavam a ideia de que a produção de
25
massa deveria significar consumo de massa. Para Adorno e Horkheimer (1990), a
indústria é repetitiva e empobrece toda a forma de arte, construindo seu domínio no
homem através de promessas de liberdade que eram transmitidas pelo o que hoje, é
chamado de marketing. Ou seja, era papel fundamental do marketing transformar
um produto genérico em sonho universal.
Necessidade é conceito relativo. As necessidades não são constantes porque elas são categorias da consciência humana desde que a sociedade se transforma, a consciência da necessidade transforma-se também. O problema é definir exatamente em que a necessidade é relativa, e entender como as necessidades surgem. As necessidades podem ser definidas a respeito de um número de diferentes categorias de atividade – permanecendo estas completamente constantes no tempo (alimento, habitação, cuidados médicos, educação, serviço social e ambiental, bens de consumo, oportunidades de lazer, amenidades de vizinhança, facilidades de transporte). (HARVEY, 1980, p. 87)
Hoje entendemos sociedade de consumo como um termo altamente amplo
que considera múltiplas facetas – econômicas, políticas, históricas, sociais,
psicológicas, e culturais. Baudrillard (1995, p.59) aponta que a alienação social que
o consumo provoca se dá pela naturalização do consumo, mas o consumo não é de
objetos e sim de signos que obedecem a uma lógica proposta, o que significa que a
necessidade ou função de um objeto não se encontram mais em primeiro plano,
afirmando que “(...) não é a lógica da satisfação (a que prevalece), mas a lógica da
produção e da manipulação dos significantes sociais”.
É o seguinte o princípio da análise: nunca se consome o objeto em si (no seu valor de uso) – os objetos (no sentido lato) manipulam-se sempre como signos que distinguem o indivíduo, quer filiando-o no próprio grupo tomando como referência ideal, quer demarcando-o do respectivo grupo por referência a um grupo de estatuto superior. (BAUDRILLARD, 1995. p. 60)
Csikszentmihayi e Roch berg-Halton, no estudo já citado anteriormente,
denominaram as coisas (ou objetos) como unidades de informação, sendo que
estas, segundo Bürdek (2006, p. 287), “são percebidas e registradas no consciente
das pessoas. Do ponto de vista semiótico, trata-se de signos (...). Além disso,
remetem a que os objetos que nos rodeiam não são apenas ferramentas (...)”, eles
são parte da estrutura do Homem, já que nossa relação com os produtos são
baseadas em experiências.
26
Baudrillard ainda aponta duas formas de consumo: a profusão e a panóplia. A
profusão é aquela que cria “a evidência do excedente, a negação mágica e definitiva
da rareza, a presunção materna e luxuosa da terra da promissão” (p. 16) e acaba
por dar uma ilusão de igualdade através do consumo. Enquanto a panóplia aponta a
organização de objetos como coleções, onde o objeto não é mais consumido como
mercadoria, mas como um signo que expressa diferenciação.
O que é tão procurado no consumo é uma forma de status social (ou
prestígio). Nem sempre essa relação tem apenas a ver com hierarquia monetária, e
sim com diferenciações de grupos.
O status de uma pessoa não é apenas o resultado de seu trabalho (como o grau de escolaridade) ou de uma posição herdada na sociedade. O status resulta também da capacidade de competir, da disposição de afirmar-se através de símbolos socialmente aceitos. Os produtos industriais são especialmente indicados para isto, para simbolizar uma categoria, para dar testemunho do que é alguém. (LÖBACH, 1981. p. 95)
FIGURA 4: A construção do prestígio social segundo B. Löbach.
Fonte: LÖBACH, 1981, p. 96.
Para Löbach (1981, p.29), “na sociedade industrial altamente desenvolvida o
objetivo de quase toda atividade é a elevação do crescimento econômico e do nível
de vida”. Isso significa que existe uma busca constante por novas necessidades e
aspirações a serem satisfeitas em forma de produtos. É essa eterna procura que
permite que o mercado não se estagne e que os objetos sempre evoluam.
27
Löbach ainda aponta a existência de quatro tipos de objetos: os naturais, que
existem sem influência do homem; os objetos modificados da natureza; os de arte; e
os de uso. Sendo os que:
a) Objetos naturais são aqueles necessários como matéria-prima para as
subsistência física do homem e em sua forma natural para a saúde psíquica
(percepção de natureza intacta);
b) Objetos modificados da natureza são aqueles que uma vez foram matéria
prima e agora suprem as necessidades básicas do homem;
c) Objetos artísticos possuem conteúdo representativo a partir de elementos
estéticos e são percebidos instantaneamente em sua totalidade. Esses são,
ainda para Löbach, os objetos que possuem mais informações em si,
podendo ou não, ter utilidades;
d) Objetos de uso são, segundo Löbach (1981, p. 36), “um retrato das condições
de uma sociedade” já que são produzidos para suprir as necessidades
humanas, sejam elas fisiológicas, psíquicas ou até mesmo sociais.
Tomando como base o pensamento de Baudrillard, Gobé, Kotler e Löbach, é
possível chegar à conclusão de que os produtos há muito, deixaram de ser vistos
como apenas produtos e passaram a ser tratados como signos pelos seus
compradores, que buscam, através do consumo, além de suprir suas necessidades
e desejos, diferenciar-se.
As mudanças na mentalidade do consumidor que os autores descrevem
impactam principalmente nos produtos consumidos. A forma de pensar desses
consumidores mudou, fazendo com que essas mudanças impactem a indústria do
Design tanto – senão mais – quanto a do marketing. A explosão de produtos nas
prateleiras é responsável pela maior liberdade de escolha já vista na história da
humanidade. É praticamente possível comprar tudo e qualquer coisa em qualquer
lugar do mundo via internet, e o consumidor não se satisfaz mais com a escolha que
o fabricante faz por ele. Para conseguir unir todos os desejos atuais desses novos e
28
conscientes consumidores, é necessário que o Design, assim como o marketing, se
desenvolva a um patamar emocional, tornando-se responsável pelo vínculo
existente entre empresa e usuário.
Analisando os pensamentos dos teóricos, é possível concluir que o consumo
sempre esteve e permanecerá ligado aos signos que os objetos trazem consigo.
Essa elevada carga simbólica sempre presente – de forma boa ou ruim – está
diretamente ligada à emoção humana às ligações existentes entre produto-usuário;
Ou seja, na forma como eles interagem entre si e as sensações que essas
interações causam.
O Design Emocional é exatamente esse elo existente entre a simbologia e
essas relações entre o consumidor e o objeto consumido, de forma que é o Design
Emocional que tenta entender como é possível criar esse vínculo e de que forma ele
pode existir. Ou seja, mesmo que sempre haja uma conexão entre objetos e
pessoas, o Design Emocional tenta explicar qual o tipo de conexão existente entre
cada produto ou marca e seu usuário.
Gobé ainda afirma que o Design é a melhor estratégia para uma empresa que
pretende chegar ao topo ou manter-se nele: “a mais poderosa evolução foi o
surgimento do Design como ferramenta de comunicação, atualmente a melhor
‘ferramenta’ para avivar as marcas” (p. 30).
Entretanto, como definimos Design Emocional? É um “design hedônico”, “design afetivo”, “design de fatores humanos afetivos”, “design humano-centrado” ou “design empático”? Essencialmente, ele é sobre o papel das emoções humanas como fator influenciador na forma como lidamos e nos relacionamos com objetos [...]. Para fazer Design para as necessidades emocionais das pessoas, nós precisamos levar em consideração que as pessoas precisam se sentir bem em relação a elas mesmas e suas interações, e precisam se sentir eficientes enquanto participam de experiências significativas e prazerosas (VAARTJES, pag. 30. Tradução da autora).
4
4 “However, how do we define Emotional Design? Is it "hedonic design", "affective design", "affective
human factors design", "human-centered design" or "empathic design"? Essentially, it is about the role of human emotions as an influencing factor in the way we deal with and relate to objects [...]. In Designing for people's emotional needs, we should take into consideration that people need to feel good about themselves and their interactions, and need to feel effective while engaging in meaningful or pleasurable experiences.”
29
Assim, é possível dizer que o Design Emocional vem para suprir a
necessidade de um novo consumidor, que exige mais e quer mais. E essa mudança
não pode ser feita apenas no âmbito promocional da empresa, ela precisa ser real
para conseguir atingir os possíveis consumidores. Já que “dotar os produtos de
valores adicionais sempre proporciona ao usuário a oportunidade de tornar realidade
novos desejos” (LÖBACH, 1981. p. 103), vejamos de que forma é possível fazê-lo.
1.3 O Design Emocional Como Ferramenta Estratégica
Damásio (1996) nos mostra que, diferente do que se acredita comumente, a
tomada de decisão não é puramente racional. Mesmo que tradicionalmente as
pessoas acreditam se afastar das situações – para eliminar qualquer tipo de afeto –
para tomar uma decisão “racional” (isto é, pesar as possibilidades existentes e seus
benefícios), Damásio (1996) afirma que esse processo não acontece, já que ele
seria demorado e a maioria das decisões tomadas no dia-a-dia é empírica. Ou seja,
as decisões que tomamos não se baseiam apenas em sua lógica, e sim a outros
fatores, como, por exemplo, a emoção.
EMOÇÃO s.f. 1 ato de deslocar, movimentar 2 Agitação de sentimentos; abalo afetivo ou moral; turbação, comoção 2.1 PSIC reação orgânica de intensidade e duração variáveis, geralmente acompanhada de alterações respiratórias, circulatórias, etc. e de grande excitação mental. (HOUAISS, 2001 p.1123).
Os discursos que envolvem a emoção no campo do Design foram
intensificados na última década, porém, a denominação desses ainda não possui
anuência. No Brasil possuímos dois termos para Designá-los: Design Emocional
(IIDA, 2006) e Design e Emoção (DAMAZIO, 2006), enquanto que
internacionalmente esses termos são correspondidos por Emotional Design
(NORMAN, 2004) e Design and Emotion (GREEN, 1999) respectivamente. Ainda em
inglês temos o termo Emotion Design (BUCCINI; PADOVANI, 2005).
30
Os novos esforços nessa área pretendem satisfazer a necessidade humana
mais alta na hierarquia proposta, inicialmente, por Maslow (1968) e adaptada por
Bonapace (2002), conforme a Figura 5 nos mostra, e entender os vínculos criados
entre produtos e pessoas.
FIGURA 5: Hierarquia de necessidades dos usuários em interação com produtos.
Fonte: BONAPACE, 2002, p. 196.
A partir desses estudos espera-se o desenvolvimento de modelos que
possam descrever essa relação usuário-objeto e futuramente a criação de
ferramentas efetivas que auxiliem o processo de Design, porém essas ferramentas
ainda se encontram em fase inicial e necessitam de melhoras para conseguirem
atingir seus objetivos. (PERSON, 2003)
1.3.1 Entendendo o Design Emocional
Como vimos, Löbach (1981) aponta que as funções de um produto são suas
principais características quando falamos de sua relação com o usuário. Para melhor
compreensão essas funções serão mais bem explicadas:
a) Função Prática: Correspondente aos atributos de usabilidade e seus
aspectos fisiológicos. Essa função contribui para o conforto do homem e
garante sua integridade física. Por exemplo: conforto, facilidade de uso,
oferecer segurança, prevenção de fadiga, etc.;
31
b) Função Estética: Caracterizada pelos aspectos de percepção durante o uso
do produto. Seus atributos principais prezam pela qualidade estética (ou
beleza) dos objetos, o prazer de usá-los. Essa função ainda guarda, do ponto
de vista de comunicação, as principais características simbólicas do produto,
já que é nesse âmbito que as primeiras informações são passadas para o
usuário;
c) Função Simbólica: Atribuída aos aspectos psíquicos, sociais e espirituais de
uso. Essa função é diretamente derivada da função estética, já que é esta
que faz as conexões “[...] de um objeto estabelecendo relações com
componentes de experiências e sensações anteriores” (LÖBACH, 1981. p.
64). Envolve sentimentos e avaliações pessoais, assim como valores
culturais, políticos e sociais.
Essas funções acabam por nortear praticamente todos os aspectos de um
objeto, sendo que cada uma das funções pode aparecer com mais ou menos
intensidade em cada produto (GOMES FILHO, 2004). Para que as funções sejam
usadas de forma proveitosa, é preciso que elas sejam estudadas e adequadas às
múltiplas necessidades, vontades, desejos e aspirações dos indivíduos ou grupo de
usuários (LÖBACH, 1981).
Para verificar aonde essas funções se encaixam, tomemos uma outra
classificação. Essa se dá em função da intensidade da relação existente entre
produto-indivíduo, onde “quanto mais distante estiver um usuário de possuir ou
utilizar um produto, maior é sua indiferença em relação ao mesmo”. (LÖBACH, 1981.
p. 46) Nesse âmbito os produtos são divididos em quatro, sendo que principalmente
os produtos de uso são aqueles que os Designers industriais mais se propõem a
desenvolver:
a) Produtos de consumo: são os produtos que deixam de existir logo após sua
utilização, fazendo da relação efêmera. Exemplo: alimentos;
32
b) Produtos de uso 1: produtos para uso individual, o que cria uma relação
especialmente forte entre o produto e seu dono. Esses produtos são os que
criam maior ligação emocional. Como exemplo, temos um laptop pessoal;
c) Produtos de uso 2: são utilizados por pequenos grupos de pessoas, o que
ainda permite um vínculo emocional, porém, mais distante do que os
Produtos de uso 1. Um bom exemplo seria uma máquina de lavar roupas;
d) Produtos de uso 3: são produtos para uso indireto, isso é, produtos que não
têm contato direto com o usuário final. Um exemplo são as turbinas elétricas,
que fornecem energia porém não são diretamente usadas.
Norman (2004) tenta aprofundar-se ao descrever as emoções em relação ao
processamento das informações no cérebro. Assim, ele aponta três camadas (ou
níveis) em que o Design atua:
a) Design Visceral: se relaciona ao início do processo emocional, onde o
cérebro faz distinção do que é bom ou ruim, seguro ou perigoso, agradável ou
desagradável. Por isso, a ele são relacionados à aparência do produto, o
toque (os sentidos), impacto inicial dos produtos. Norman (2004) ainda aponta
que o sistema emocional muda a maneira como o sistema cognitivo opera, e
por isso um produto visualmente agradável é mais bem aceito, mesmo se
este possuir defeitos (de fabricação, dificuldade de uso, etc.);
b) Design Comportamental: demanda análises cerebrais mais sofisticadas que
o nível visceral, e diz respeito ao uso, à funcionalidade. Prioriza os quatro
componentes do bom Design comportamental: função (se realiza a atividade
para qual foi desenvolvido), compreensibilidade (compreensão no uso),
usabilidade (facilidade de uso) e sensação física (peso, textura, fadiga, etc.).
c) Design Reflexivo: atua como a parte contemplativa do cérebro, onde há
pensamento consciente (diferente das outras duas camadas), reflexão e
aprendizado. O nível reflexivo, mesmo não tendo acesso direto às
informações dos sentidos e ao controle do comportamento, consegue
33
influenciar os outros níveis de processamento. Ele trata dos significados que
os produtos possuem, assim como relações de memória, cultura, satisfação
em possuir, identidade, etc.
Podemos ver claramente uma relação entre os Níveis de Norman (2004) e as
Funções e Classes de Löbach (1981), cujas relações são mostradas na Figura 6. A
relação entre os Níveis e as Funções já foi previamente apontada por Iida, Barros e
Sarmet (2007). A relação entre os Níveis e as Classes é demonstrada por Löbach
(1981).
FIGURA 6: Relação entre os modelos de Níveis, Funções e Classes, baseadas nos modelos de Iida,
Barros e Sarmet (2007) e Löbach (1981).
Fonte: a autora.
Temos ainda outra perspectiva: o Modelo Multicamadas demonstrado por
Desmet (2003), que divide as emoções em relação a produtos em cinco classes:
a) Instrumentais: nessa classe os produtos devem ser vistos como
instrumentos facilitadores ou dificultadores de metas ou ações. Pode-se
prever sua efetividade a partir das informações que o próprio produto passa
(através do preço, embalagem, marca, aparência, etc.). As emoções
instrumentais dizem respeito à satisfação ou decepção;
b) Sociais: os produtos são avaliados em termos de legitimidade por serem
julgados pelos mesmos padrões sociais aplicados às pessoas. Os objetos
34
pertencentes a essa classe são chamados Agentes, podendo ser o próprio
objeto ou um agente associado (como impacto presumido que ele possa
causar na sociedade). As emoções sociais são relacionadas à indignação ou
admiração;
c) Estéticas: os produtos são avaliados em termos de características físicas
(todas as que podem ser percebidas através dos cinco sentidos). Nesse caso,
são essas características que fazem um usuário gostar ou desgostar de um
produto, sendo que as emoções envolvidas nessa classe são a repulsa ou a
atração;
d) de Surpresa: acontecem quando alguma(s) característica(s) do produto é
avaliada como incomum, não habitual ou inesperada. Porém, essa reação é
apenas momentânea, já que depois de se habituar a essas novas
características, o usuário deixa de possuir esse sentimento de surpresa. As
emoções vinculadas a essa classe são a surpresa ou o pasmo;
e) de Interesse: nessa classe estão envolvidos os estímulos, isto é, a presença
ou ausência deles. Os produtos associados às emoções de interesse são
aqueles que fazem rir, criam estímulos, pedem para ser explorados, etc. As
emoções causadas por essa classe podem ser o fascínio ou o aborrecimento.
É muito importante ressaltar que o Modelo Multicamadas, assim como todos
os outros modelos apresentados, demonstra que, diferentemente do que é
popularmente suposto, não são apenas as qualidades estéticas que possuem
respostas emocionais, ou seja, o Design – quando voltado à emoção – não trata
apenas da aparência (DESMET, 2003). Além disso, fica claro que nem sempre os
esforços emocionais colocados em um produto resultam em boas sensações, o que
sugere a necessidade de aprofundamento no estudo do público alvo, da semiologia
dos objetos e das emoções que se pretende evocar.
Outra forma de abordagem é a de Russo e Hekkert (2008), que apresentam
os cinco princípios que induzem uma experiência amorosa com os produtos:
35
a) Interação Fluida: diz respeito a uma resposta imediata onde há um equilíbrio
entre níveis de dificuldade (desafio) e controle da situação quando o usuário
está imerso em uma atividade. Esse princípio é baseado em um conceito que
Csikszentmihalyi (1990) chama de experiência fluida;
b) Lembrança de memória afetiva: onde o produto atua como lembrete de
memórias e traz com ela os sentimentos da lembrança original;
c) Significado Simbólico: esse princípio se relaciona à capacidade que alguns
produtos têm de criar identidades de grupos e de separar as pessoas desses
grupos de outras pessoas;
d) Compartilhamento de valores morais: quando os produtos valorizam a
sustentabilidade, responsabilidade e ética no consumo;
e) Interação física prazerosa: se relaciona aos produtos que proporcionam
sensações táteis relacionadas a seu material, formato, superfície, partes
móveis, etc.
Por fim, temos Jordan (1998) que acredita que para um trabalho realmente
centrado no usuário, a usabilidade não deve ser o único fator a ser considerado,
levando em conta, então, os aspectos que provocam prazer/desprazer para criar
objetos prazerosos de serem usados. Em trabalho posterior (2000) desenvolve um
estudo onde ele aponta quatro prazeres:
a) Prazer Físico: relacionado aos sentidos, ao corpo;
b) Prazer Social: diz respeito a prazeres relacionados a outras pessoas (ou até
mesmo a sociedade, grupos, etc.);
c) Prazer Psíquico: relacionado à demanda cognitiva do produto enquanto ele é
utilizado e quais emoções são despertadas nesse processo;
d) Prazer de Ideias: derivado de valores “teóricos” como a música, arte, livros,
filmes, etc. No caso, quais os valores que o produto carrega consigo.
36
Analisando os modelos anteriormente descritos, podemos notar que,
grosseiramente, todos eles falam de basicamente três tipos de conexão: uma
estética (que fala sobre a aparência, materiais, etc.), uma funcional (que diz respeito
à usabilidade, facilidade de uso, facilidade de compreensão, etc.) e uma contextual
(que pode ser exemplificada pela marca do produto, contextos sociais, memórias,
etc.).
Como vimos, existem diversos autores que estudam o tipo de relação
emocional que um produto pode ter com uma pessoa. Porém, ainda são escassas
bibliografias que abordem uma forma prática de aplicar esses conhecimentos à
metodologia do Design para ajudar no processo de criação. No próximo capítulo
serão abordados alguns estudos que tentam introduzir aspectos emocionais aos
objetos através da atividade do Design.
37
CAPÍTULO 2: EM UM MUNDO ONDE TUDO SE PARECE, COMO
CRIAR DIFERENCIAIS?
Retomando algumas ideias já esclarecidas, podemos afirmar que, de acordo
com Damásio (2000), a emoção é um dos fatores que integra os processos de
decisão (assim como os de raciocínio). Segundo Desmet (2005), no mundo
globalizado atual, é difícil diferir os produtos que se encontram nas mesmas
categorias, por competirem entre si com características técnicas, de desempenho e
de preço altamente similares. Por isso, os aspectos exclusivamente funcionais não
podem mais atender as exigências dos usuários (JORDAN, 2000). As qualidades de
emoção passam, então, a se tornar diferenciais vantajosos, tendo influencia direta
nas decisões de compra dos consumidores (DESMET, 2005).
Com o Design Centrado No Usuário5 tão em voga, tem havido grandes
esforços para mudar o foco da usabilidade para as experiências afetivas do usuário
(DESMET; HEKKERT, 2007). Porém, existem dificuldades ao se estudar a emoção.
Damásio (2000) propõe que “emoção” seria um conjunto complexo de reações
químicas e neurais que podem ser observados publicamente, enquanto “sentimento”
seriam as experiências mentais causadas pelas emoções. Dessa forma, os
sentimentos são percebidos apenas por aqueles que os sentem, complicando sua
observação e análise.
Mesmo não contestando o papel essencial da emoção na comercialização e
divulgação de produtos, Norman (2003) afirma que, mesmo que Designers
entendam sua importância e usem seu ferramental disponível para explorar o
recurso emocional, ele ainda não foi absorvido na concepção profissional. O primeiro
passo para atingir essa meta é entender como, de fato, os produtos podem evocar
emoções, e quais são elas.
5 “O design centrado no usuário expandiu-se além do design tradicional [...] na medida em que ele
considera não somente as capacidades físicas e funções cognitivas dos usuários, mas também o entorno cultural e a situação social do usuário no período em que utilizam o produto ou serviço.” (COELHO, 2008, p. 92)
38
Jordan (1998) aponta em seu estudo Human factors for pleasure in product
use, que a usabilidade sempre foi o principal foco de estudo dos produtos, porém,
ele ainda descreve que “usabilidade” se restringe apenas a eficiência dos produtos,
deixando de lado o fator atitudinal, que vem a se relacionar ao prazer do uso. A
premissa de seu estudo se baseia no seguinte:
[...] este tipo de usabilidade no sentido objetivo pode ser menos importante, afinal, se o usuário tem a impressão de que este produto não é utilizável eles tendem a ser menos satisfeitos com ele (JORDAN, 1998, p. 26, tradução da autora).
6
Isto quer dizer que mesmo que um produto possua boa usabilidade (que ele
funcione de forma correta e fácil), é importante que o usuário consiga perceber essa
qualidade no objeto. Caso contrário, para o usuário, o produto torna-se ruim de ser
usado ou até mesmo inútil, mesmo não o sendo. No seguinte tópico, esse estudo
será mais bem descrito, tentando verificar quais são os principais sentimentos que
evocam prazer de uso.
2.1 Emoções agradáveis e desagradáveis associadas a produtos
Para justificar a necessidade de um estudo sobre a satisfação no uso, Jordan
(1998) toma emprestada a definição de Usabilidade fornecida pela International
Standarts Organization (ISO), que a define como: “... a efetividade, eficiência e
satisfação com que usuários específicos podem atingir metas específicas e
particulares ambientes” (IS0 DIS 9241-11). Assim, ele mostra que a usabilidade
ainda deve abranger satisfação, além de efetividade.
Para este estudo Jordan utilizou 18 pessoas (em sua maioria estudantes
entre 25 anos) que foram instruídas a escolherem dois produtos: um que fosse
particularmente prazeroso de usar e um que fosse desagradável. Posteriormente,
foram feitas séries de perguntas sobre os sentimentos causados pelos produtos,
6 [...] usability in the objective sense may be less important - after all if users have the impression that
a product is not usable they are likely to be less satisfied with it.
39
aspectos de Design que eram particularmente agradáveis ou desagradáveis, o efeito
desses sentimentos no uso do produto e intenções de compras futuras.
Em relação à usabilidade dos produtos, os resultados do estudo apontavam
que os objetos considerados prazerosos traziam sentimentos de segurança,
confiança (englobando também a autoconfiança), orgulho (relacionado ao uso e à
autoimagem), excitação (durante o uso, ou antecipação), satisfação (apontada como
uma sensação neutra), diversão, liberdade e nostalgia.
Ainda foram apontados os sentimentos negativos que os produtos podiam
trazer consigo. Dentre eles, os mais apontados foram: agressão (relacionada a
produtos que não cumpriam suas promessas de funcionamento), enganação,
resignação (onde o usuário fica tão desapontado com o produto que passa a aceitar
seus erros), frustração, desdém, ansiedade e irritação.
Jordan ainda lista os principais atributos dos objetos que podem torná-lo
agradável ou desagradável:
a) Funções: a pesquisa apontou que quando as funções de um produto são
úteis (ajudam o usuário a atingir seu objetivo eficientemente) elas provocam
sentimentos positivos, porém, a falta de funções necessárias e o exagero de
desnecessárias acabam sendo um fator negativo do produto;
b) Usabilidade: apontada como um dos principais atributos capazes de
influenciar no prazer de uso. Usabilidade aqui foi apontada como facilidade de
uso e de compreensão do produto;
c) Estética: tanto a forma quanto a cor foram de suma importância na avaliação
feita pelos usuários, que gostavam ou desgostavam de objetos por
combinarem com seus quartos, gostarem das cores, gostarem de suas
formas, etc.;
d) Desempenho: ligado à capacidade de um produto de realizar sua função
primária com alto desempenho.
40
e) Confiabilidade: esse atributo é central quando se espera criar um laço entre
produto e usuário. A confiabilidade pode vir através de um bom e longo
relacionamento, e pode não existir quando há frustração por parte do usuário;
f) Conveniência: esse atributo foi especialmente relacionado a produtos que
são usados em momentos específicos ou contextos de uso. Um bom exemplo
seria uma cafeteira durante o período da manhã;
g) Tamanho: alguns produtos dependem diretamente de seus tamanhos para
provocarem sentimentos tanto agradáveis quanto desagradáveis. Por
exemplo, um celular muito pequeno pode dificultar o apertar de suas teclas,
se perder na bolsa, etc., enquanto um muito grande pode chamar atenção
indesejada, não caber no bolso da calça, etc. Os usuários apontaram a
existência de um “tamanho ideal” para cada objeto;
h) Preço: o alto preço de um produto pode agravar ainda mais os sentimentos
áridos de usuários que possuem problemas com os produtos, porém, não foi
averiguada uma relação direta entre baixo preço e prazer de uso;
i) Artifícios: foi apontado como um quesito desagradável de objetos o atributo
de possuir funções que na verdade são “inúteis” (ou que o usuário considere
inútil). Por exemplo, uma entrevistada apontou a escova de dente elétrica
como “ridícula”;
j) Marca: apresentada como um quesito capaz de aumentar a confiabilidade e o
prazer dos usuários, assim como diminuí-los.
Na psicologia das emoções, o principal tópico em pesquisa se baseia na
geração e diferenciação de respostas emocionais. O que implica tentar estabelecer
a compreensão dos padrões que originam as emoções para conseguir reproduzi-las
através de produtos (DEMIR; DESMET; HEKKERT, 2009)
Através do estudo de Jordan (1998) podemos perceber que a teoria e a
pesquisa prática do Design Emocional são muito próximas. Os atributos encontrados
41
podem ser considerados impulsionadores de emoções. Isto é, podemos considerá-
los como alguns padrões capazes de originar emoções. Se dividirmos os principais
atributos apontados pela pesquisa nas três categorias listadas por Norman (2004),
veremos que todas se encaixam perfeitamente nos níveis emocionais citados por
ele, como mostra o Quadro 1:
QUADRO 1 Relação entre atributos e níveis emocionais
VISCERAL COMPORTAMENTAL REFLEXIVO
Estética Funções Confiabilidade
Tamanho Usabilidade Conveniência
Desempenho Preço
Conveniência Artifícios
Artifícios Marca
Ainda existem problemas para conseguir identificar esses atributos, como
Jordan (2000), Demir, Desmet e Hekkert (2009) nos mostram, porque são reflexo de
pesquisas feitas com usuários que muitas vezes falham ao conseguir expressar
seus sentimentos e vontades através de palavras. Etcoff e Magee (1992) mostram
que, na maioria dos casos, a expressão facial e corporal é um meio mais eficaz de
comunicação emocional. Por esse motivo, Desmet (2002) utiliza figuras para tentar
desvendar, de forma mais aproximada, as reações humanas. Para tal, foi criado o
Product Emotion Measurement Instrument (PrEmo), ou “Instrumento de Medição das
Emoções nos Produtos”
2.2 Instrumento de Medição das Emoções nos Produtos (PrEmo)
O PrEmo baseia-se no uso de representações pictóricas das emoções para
avaliar produtos, utilizando expressões corporais além das faciais, porém, não atribui
nenhum tipo de complementação verbal. Foram feitos diversos estudos que
42
diminuíram o número emoções de 347 para 14, de acordo com testes que evitavam
redundância e dúvidas e selecionavam os termos mais utilizados. Assim, essas 14
emoções foram divididas em duas categorias: uma positiva (agradáveis: desejo,
agradável surpresa, inspiração, diversão, admiração, satisfação e fascínio) e uma
negativa (desagradáveis: indignação, desprezo, repugnância, desagradável
surpresa, insatisfação, decepção e tédio) (DESMET, 2002) – se assemelhando ao
estudo de Jordan (1998).
Cada emoção é representada por nove a 14 imagens que começam com uma
expressão neutra e levam à emoção específica, como mostra a Figura 7. Essas
imagens são na verdade animações que representam as emoções através de
expressões faciais, corporais e vocais (não verbais).
FIGURA 7: Diferentes animações representando emoções em diferentes níveis Fonte: Expressões Faciais e Corporais Representadas por Animações, DESMET (2002) P.M.A. DESMET (IN PRESS) Measuring Emotion Delft University of Technology, Department of Industrial Design.
O processo de um experimento PrEmo é autoexecutável, isto é, um usuário
pode fazê-lo sem supervisão, já que o computador exibe em sua interface as
necessárias orientações para que o respondente possa completar sua tarefa. O
programa foi desenvolvido para ser fácil de usar e intuitivo, mostrando as 14
emoções (em uma de suas formas, randomicamente) e permitindo que o usuário
marque as emoções escolhidas de acordo com a intensidade em que as sente. Os
43
níveis de intensidade são “eu sinto isso fortemente”, “eu sinto isso mais ou menos” e
“eu não sinto isso”7.
As grandes vantagens desse tipo de experimento são: a possibilidade de usar
a mesma interface em vários países, por utilizar expressões em vez de termos que
podem se diferenciar de idioma para idioma; possibilita o reconhecimento emoções
misturadas, não restringindo o usuário a selecionar apenas uma sensação; permite
que atributos específicos ou produtos inteiros sejam testados; é economicamente
viável, por não necessitar de programas ou computadores de alto desempenho
(DESMET, 2002).
Mesmo com tantos esforços para tentar quantificar e identificar emoções,
podemos notar que estes estudos ainda são vagos e não possuem uma aplicação
direta. Ainda que alguns autores consigam identificar alguns dos sentimentos do
usuário para com o produto, eles não demonstram como esse conhecimento pode
ser usado ou como um novo produto poderia se beneficiar dessas descobertas.
Estes estudos ainda possuem outros problemas, já que muitas vezes o
sentimento de uma pessoa em relação a um objeto pode ser extremamente pessoal
ou subjetivo, podendo variar enormemente por causa de detalhes que às vezes o
usuário nem ao menos consegue apontar. Além disso, as emoções apontadas nos
estudos são limitadas. É claro que para os estudos terem aplicabilidade é
imprescindível que a quantidade de opção seja realmente reduzida, porém, para o
Designer, que pode estar buscando diferentes tipos de reação e vínculos, elas
podem ser insuficientes.
No entanto, ainda que pequenos, estes são avanços na área do Design.
Porém, o uso dessas ferramentas de medição de emoção acaba sendo mais
apropriado para testes de objetos já projetados, como uma forma de confirmar ou
cancelar as intenções iniciais do Designer. Isto é, agora conhecemos alguns dos
sentimentos que produtos podem evocar, mas não temos uma fórmula concreta para
projetar que nos garanta os resultados esperados.
7 traduzido pela autora a partir dos termos originais, em inglês: I feel this strongly, I feel this somewhat
e I do not feel this.
44
Apesar de ainda nos encontrarmos no início dessas descobertas, podemos
vincular conhecimentos, estratégias e ferramentas de Design com as teorias do
Design Emocional para tentar encontrar a solução para os problemas de projeto. O
próximo tópico abordará algumas dessas ferramentas tentando vinculá-las aos
níveis de conexão entre usuário e produto, ou níveis de processamento emocional
do cérebro apontados por Norman (2004).
2.3 Como incitar sensações?
Depois de analisar os principais estudos do Design Emocional, foi possível
perceber que a maioria dos autores acaba por dividir as relações emocionais entre
pessoa-objeto em três categorias, como já foi apontado anteriormente. A partir
desse momento serão usadas as denominações feitas por Norman (2004), por
serem um pouco mais abrangentes que as demais, considerando mais fatores
dentro de cada uma delas.
Assim, utilizando os três níveis de Norman, serão demonstradas algumas
ferramentas que podem ser utilizadas pelo Designer que deseja criar vínculos entre
seus produtos e seus usuários. É importante ressaltar, ainda, que não há uma
receita exata para o sucesso, porém essas ferramentas podem, sim, nos aproximar
dele, já que um projeto bem elaborado e executado com certeza terá chances
maiores de atingir êxito do que aqueles que se preocupam apenas com um aspecto
do produto e deixam os outros ao acaso.
Baxter (1998) em seu livro “Projeto de Produto: Guia prático para o
desenvolvimento de novos produtos” tenta formular um método simples que ajude
Designers a obterem êxito em seus projetos. Para tal, ele demonstra primeiramente
que os fatores determinantes do sucesso ou fracasso de um novo produto podem
ser divididos em três, será explicado a seguir.
45
a) Forte orientação para o mercado: onde existam benefícios significativos
para os usuários, assim como valores superiores aos dos concorrentes. Isso
significa diferenciar seu produto de outros similares no mercado;
b) Planejamento e especificação prévios: onde o produto seja previamente
especificado obedecendo as limitações tecnológicas, de materiais,
econômicas, funcionais, etc.;
c) Fatores internos à empresa: onde haja uma relação direta entre produção e
marketing, antes e depois do desenvolvimento do produto.
Pode-se afirmar, então, que esses fatores estão diretamente ligados aos
conceitos do Design Emocional, já que este pode contribuir para uma forte
orientação para o mercado (ao fornecer produtos diferenciados, com altos valores
simbólicos, que atendam as necessidades dos usuários, etc.), pode ajudar a definir
as prioridades funcionais de um produto durante seu planejamento prévio (ao criar
interfaces agradáveis para melhorar o uso do produto, melhorar a usabilidade do
produto, etc.) e por fim, pode ajudar na relação entre marketing e desenvolvimento
de produtos (principalmente na questão da imagem da marca ser consistente com
seus produtos e valores simbólicos).
Assim, percebemos que o Design Emocional pode ser uma estratégia
mercadológica, isto é, uma estratégia para tentar garantir o sucesso de um produto.
Como já foi discutido, ainda não se conhece um método exato a ser seguido para
atingir esse propósito, porém, existem algumas ferramentas já conhecidas que
podem ajudar o Designer a incitar emoções através de seus produtos.
É importante frisar que nem sempre os projetos conseguem transitar de forma
positiva entre os níveis emocionais, e ao mesmo tempo, não existe uma experiência
com apenas um dos níveis, já que todo produto é dotado de uma aparência, uma
função e significados, sejam eles bons ou ruins. Ainda “é evidente que nenhum
produto individual pode esperar satisfazer todo mundo” (NORMAN, 2004, p. 59), por
isso o primeiro passo para um bom projeto é o conhecimento de seu público alvo.
46
Ressalta-se, ainda, que o objetivo deste trabalho não é descrever
minuciosamente as ferramentas existentes para atingir uma conexão emocional, e
sim expor a existência de algumas delas mostrando sua importância e eficiência.
2.3.1 – Visceral
Como vimos, o aspecto visceral é dominado por aspectos físicos: aparência,
toque e som. Neste trabalho o enfoque será para a aparência por ser a primeira
forma de conexão – de fato – entre o usuário comum e um objeto.
Mesmo que a estética não seja o principal foco da atividade de Design como
aponta Desmet (2003), ela tem suma importância, já que ela tem o poder, inclusive,
de mudar a interpretação de um usuário quanto à usabilidade de um produto.
No início da década de 1990 dois pesquisadores, Masaaki Kurosu e Kaori
Kashimura (KUROSU; KASHIMURA, 1995), fizeram um experimento usando
diferentes layouts de painéis de controle de caixa eletrônicos de banco, que não se
diferenciavam em número de botões, maneira como operavam, nem em funções.
Porém, alguns tinham botões e teclas dispostos de maneiras atraentes, enquanto os
outros não. Depois dos testes com os usuários chegaram à conclusão de que a
facilidade de uso e compreensão de interfaces são fatores diretamente ligados à
aparência.
Esse é apenas um dos estudos que tem como objetivo estabelecer uma
relação entre estética e usabilidade. Quando uma pessoa faz uso de um produto
considerado esteticamente agradável, fica mais fácil e prazeroso entender seus
mecanismos e funções, fica mais fácil compreender esse objeto e aceitar os defeitos
que ele possa vir a ter. Isso acontece porque o sistema emocional muda a maneira
como o sistema cognitivo opera. (NORMAN, 2004)
47
A importância da estética em um produto a partir dessas descrições fica clara:
é nesse nível que o produto consegue chamar a atenção de um consumidor,
afastando seu olhar de toda a concorrência.
Vidro, plástico, qualquer que seja o material, o Design se torna o produto. É o engarrafamento que atrai o poderoso nível visceral da emoção, que causa uma emoção imediata e visceral: “Uau! Gosto disso, eu quero isso.” Esse é, como me explicou um Designer, o fator “uau”. (NORMAN, 2004, pág. 86)
Baxter (1998, p. 25) afirma que “Hoje, todos os segmentos da sociedade [...]
aceitam a idéia (sic) de que o estilo é uma forma importante de adicionar valor ao
produto, mesmo sem haver mudanças significativas no seu funcionamento técnico”.
Isso porque a aparência de um produto é uma forma instantânea de atrair o cliente,
independendo da marca e da qualidade do produto, já que a percepção humana é
completamente dominada pela visão. (LÖBACH, 1981)
Para Baxter (1998) existem quatro formas de tornar um produto atrativo para
os consumidores. São elas:
a) Atração do que já é conhecido: O ser humano tende a se aproximar daquilo
que ele já conhece. Isso explica o motivo das pequenas variações estéticas
existentes em um produto ao longo de sua existência ou de marca para
marca. A aparência de um produto pode mudar (e deve), porém, ainda deve
ser possível reconhecê-lo. Isto é, ao projetar, por exemplo, uma faca, deve-se
deixar claro que aquela é uma faca. É claro que existem projetos que fogem
completamente dessa premissa – um bom, e muito comum, exemplo é o
espremedor de laranjas do Designer Philippe Starck – porém, isto acontece
pela carga simbólica que o objeto traz consigo como veremos no quesito
Atração simbólica;
b) Atração semântica: Para produtos completamente novos (ou para pessoas
que ainda não conheçam os produtos) é muito importante que ele aparente
ter um bom desempenho, que ele transmita confiança. Assim, o produto deve
refletir o objetivo pretendido. Por exemplo, um carro de corrida deve ter
48
formas aerodinâmicas, produtos usados para o trabalho devem ser sóbrios e
eficientes, e produtos infantis devem parecer leves e alegres;
c) Atração simbólica: A imagem simbólica é extremamente importante nos
produtos que, muitas das vezes, não são adquiridos pela função em si, mas
para refletir a autoimagem de seu comprador. Falaremos mais sobre atração
simbólica (ou nível reflexivo) no item 2.3.3.
d) Atração intrínseca da forma visual: Esta é qualidade da Beleza, puramente
estética. Esta deve incorporar aspectos da percepção visual (como, por
exemplo, a Gestalt), e respeitar os determinantes sociais e culturais do
público alvo.
A Gestalt afirma que, por sempre enxergamos as coisas a partir de um
conjunto de relações, as vemos distorcidas. Um bom exemplo é a ilusão de óptica
baseada em figuras geométricas simples. Para o gestaltismo, todo o nosso processo
de percepção e pensamento tende, naturalmente, ao equilíbrio. Ela possui leis
básicas: unidade, segregação, unificação, fechamento, continuidade, proximidade,
semelhança e pregnância da forma. (GOMES FILHO, 2006). Coelho (2008) ainda
afirma que a Gestalt seria um conjunto de formas gerando um processo de
organização:
Para os teóricos gestaltistas, num sentido mais amplo, o termo Gestalt Designaria um todo morfológico [...]. Tratar-se-ia de uma palavra com o significado de uma entidade definida, com caráter próprio, tendo uma forma ou estrutura como produto resultante de um processo de organização. (COELHO, 2008, p. 145)
Essa organização visual da forma tem muito a contribuir para o lado estético-
formal do objeto. Dessa forma, o Designer pode se basear em requisitos para um
bom resultado. Um deles é o princípio da organização visual em si, que é ditado pela
Gestalt, “associadas às categorias conceituais fundamentais da Harmonia,
Equilíbrio, Contraste e adequada Pregnância Visual, bem como das categorias
conceituais relativas às técnicas visuais aplicadas” (GOMES FILHO, 2006, p. 102).
Um bom exemplo desses princípios é o de Continuidade da forma, quando em um
49
objeto, é mais bem representada por formas orgânicas. Para o âmbito do Design são
destacados, ainda, dois conceitos importantes (GOMES FILHO, 2000):
a) Monossemia: configurações simples, sem adição de elementos supérfluos.
Baxter (1998) também discorre sobre o assunto e aponta esse tipo de
configuração como uma simplicidade elegante, onde os estudos da Gestalt
estão mais aplicados (utilizando formas limpas e simétricas) e sendo
conduzidos ao Minimalismo;
b) Polissemia: configurações altamente complexas, com muitas informações
visuais e elementos supérfluos. A polissemia é vista por muitos autores como
algo mais próximo da desorganização, por isso, um produto que exige muitas
informações (como por exemplo, um celular, com suas diversas teclas)
precisa de uma atenção maior.
Baxter (1998) também nos mostra que a complexidade da aparência é
pessoal, e usa como exemplo o anel de benzeno, que para um químico é simples e
elegante, enquanto outras pessoas podem considerá-lo complexo e pouco atraente.
Um problema conhecido do apego apenas às leis da Gestalt é que elas conduzem
sempre para a simplicidade, a geometria simples, o que nem sempre é desejável.
Por isso, não devem ser seguidas rigidamente.
Por outro lado, Löbach (1981) aponta que um produto industrial necessita de
uma certa complexidade para manter a atenção do usuário por mais tempo, numa
tentativa de nunca tornar-se desinteressante dando oportunidade ao usuário de
desvendar o produto aos poucos. Podemos, então, afirmar que o equilíbrio entre a
monossemia e a polissemia seria o ideal, onde haja um grande número de
informações, porém, de forma organizada, a fim de manter o interesse do usuário
sem confundi-lo.
A Figura 8 irá exemplificar como as leis da Gestalt podem ser aplicadas
diretamente em um produto para melhorar a interface com o usuário. No caso, um
antigo aparelho celular foi redesenhado para facilitar a localização de suas teclas
principais, evitar desligamento acidental, enfim, melhorar a usabilidade a partir da
estética do produto, utilizando as leis de Proximidade, Similaridade e Continuidade.
50
FIGURA 8: Redesenho de um celular utilizando as leis da Gestalt. Fonte: Adaptado de Baxter, 1998, p. 32.
Ainda dentro da organização formal, temos o tratamento cromático, apontado
por Gomes Filho (2006) como uma forma de atrair ou repelir os usuários. A
atribuição de cores adequadas – quanto à usabilidade, intenção de projeto,
injunções de marketing, etc. – é, também, um dos fatores que atingem o emocional
do comprador, já que cada cor possui significados distintos de acordo com a nossa
natureza psicológica ou institucional.
Tentando explorar o potencial comunicativo de produtos (objetos em geral),
Santaella (2005) propõe três formas de se observar um produto semioticamente: o
qualitativo-icônico, o singular-indicativo e o convencional-simbólico, que, quando
comparados aos níveis emocionais de Norman (2004) se aproximam muito do
visceral, comportamental e reflexivo, respectivamente. Essa relação acaba por
confirmar a importância que deve ser dada aos aspectos estéticos de um produto a
fim de lhe dar uma imagem positiva.
A semiótica é outro tipo de ferramenta amplamente utilizada para contribuir na
análise e desenvolvimento de projetos visuais. Para Niemeyer (2003) é ela que pode
mais contribuir no processo da construção de um sistema de significações. Assim,
ela conclui que sua principal utilidade na atividade projetista é possibilitar a
descrição e a análise da estruturação sígnea dos objetos, procurando delimitar quais
as intenções do Designer ao projetar um objeto, evitando que formas, cores,
51
texturas, etc. sejam mal interpretadas e acabem por representar coisas negativas.
Vimos anteriormente que a semiótica afirma que um objeto não só apenas o é, e que
na verdade ele traz consigo uma infinidade de símbolos e significações, muitas
vezes ignoradas pelo projetista. Portanto, analisar e tentar desvendar essas
subcamadas pode ser uma ótima ferramenta para alcançar o resultado desejado.
Ainda existem alguns outros conhecimentos que podem auxiliar o Designer
quanto à estética dos objetos, a saber.
a) Percepção da face: A percepção de expressões faciais é uma capacidade
altamente desenvolvida desde seus primeiros minutos de vida, e com o
passar do tempo as pessoas desenvolvem essa habilidade, tornando-as
capazes de reconhecer expressões faciais e associá-las a emoções (FIELD,
et al. 1982). Assim, produtos que possuem traços que se assemelhem a
expressões e faces conseguem atrair o consumidor por criar a impressão de
conhecimento prévio do produto, passando sentimentos agradáveis de
reconhecimento. Os produtos que fazem uso desse tipo de associação não
precisam ser diretos (como pelúcias, bonecos, produtos de Fun Design que
deixam rostos evidentes, etc.), podendo ser indiretos (como carros);
A face infantil: Segundo Bruce, Green e Georgeson (1996), as
pessoas, independente de suas culturas, tendem à preferência de
feições infantis, isto é, como cabeças proporcionalmente maiores que o
corpo, testas pronunciadas, olhos grandes, etc. Gould (1980)
exemplifica essa preferência aplicada em um produto com a evolução
da personagem Mickey Mouse da Disney, criado em 1928, que com
passar do tempo (e evolução das pesquisas na área) teve o tamanho
dos olhos dobrados em relação a sua cabeça, que também obteve
crescimento de 15% em relação ao corpo, além disso, sua testa ficou
20% mais abaulada, como mostra a Figura 9. Toda essa neotenia foi
planejada para cativar ainda mais o público. O caso Mickey não é
isolado, e podemos ver o mesmo tipo de neotenia acontecer com
personagens da Turma da Mônica, Pica-Pau, Mario (da Nintendo), etc.;
52
FIGURA 9: Evolução do Mickey Mouse em razão da preferência humana por feições infantis. Fonte: Revista Super. Disponível em <http://super.abril.com.br/cotidiano/aparencia-move-mundo-438296.shtml>. Acesso em 02 out. 2011.
b) Percepção de formas orgânicas: Baxter (1998) afirma que, assim como
acontece com a percepção das faces, possuímos sensibilidade visual
especial para formas orgânicas naturais;
FIGURA 10: Flow Bench, do designer Chris Kabatsi. Fonte: Lazy Environmentalist. Disponível em <http://www.lazyenvironmentalist.com/green-home-and-design/all-%E2%80%98bout-arktura-%E2%80%93-designer-of-seriously-curvy-eco-friendly-furniture/>. Acesso em 02 out. 2011.
c) Cores: Como vimos anteriormente, a aplicação de cores nos produtos pode
ser uma grande estratégia estética. É sabido que cada cor evoca um tipo
diferente de emoção e reação. Como por exemplo, o vermelho e o amarelo
(principalmente combinados) que dão sensação de fome, e por isso são
amplamente usados em redes de fast-food. É importante que as cores sejam
bem analisadas quando empregadas nos produtos, porque assim como a cor
53
certa pode reforçar as ideias desejadas, a cor errada pode ser um grande
desestímulo de compra. Farina (1994, p. 201) afirma que ao comprar,
obedecemos a impulsos nem sempre programados, e que “na maioria das
vezes, a cor tem grande responsabilidade”;
Cores quentes: Lüscher (1990) afirma que cores quentes tendem a
ser estimulantes, produzindo sensação de proximidade, densidade,
secura, calor, sensualidade, etc.;
Cores frias: Ainda segundo Lüscher, as cores frias passam
sentimentos de frieza, leveza, distância, calma, aéreo, etc.;
Adequações: As adequações quanto a que cores devem ser usadas
são muito específicas para o tipo de produto, público alvo e sensações
desejadas. Como vimos, brinquedos e produtos alegres devem ser
coloridos, enquanto produtos de trabalho, normalmente, devem ser
sóbrios. Cada cor tem, ainda, o poder de evocar sentimentos e
sensações individualmente. Portanto, o melhor a se fazer ao projetar
um produto e definir sua coloração é consultar um bom autor que
descreva de forma clara quais são essas propriedades das cores;
d) Razão áurea: Também conhecida como número de ouro (por ser equivalente
ao número 1,618, ou phi) ou proporção dourada, trata-se de uma proporção
considerada perfeita. Descoberta por matemáticos gregos da Antiguidade, ela
é matematicamente e geometricamente perfeita, Cf. HALLAWELL, 2007.
Hallawell (2007, p. 35) afirma que esses matemáticos descobriram como “[...]
segmentar uma linha de tal modo que o segmento menor, em relação ao
segmento maior, tivesse a mesma proporção do segmento maior em relação
à linha toda”. Essa proporção tem grande importância na estética, tanto na
natureza quanto no mundo dos produtos;
Na natureza: um exemplo muito comum é o do corpo humano, onde
essa proporção aparece em diversos casos, como: a altura do corpo
humano e a medida do umbigo até o chão, a medida do ombro até a
54
ponta do dedo e a medida do cotovelo até a ponta do dedo, a medida
do quadril ao chão e a medida do joelho ao chão, etc. Ainda na
natureza, as concha de moluscos, as sementes de girassol e da pinha,
obedecem a essa razão, enquanto na geometria o pentagrama
também obedece a essas proporções, entre muitos outros
(HALLAWELL, 2007);
Nos produtos: Hallawell ainda afirma que muitos dos objetos comuns
do dia-a-dia possuem proporções muito semelhantes à dourada, como
folhas de papel, portas, janelas, entre vários outros. Bons exemplos de
aplicação da proporção áurea em produtos são a cadeira Panton (do
arquiteto Verner Panton), o iPod Classic (do Designer Jonathan Ive), e
o famoso espremedor Juicy Salif (do Designer Philippe Starck), como
mostra a Figura 11;
FIGURA 11: Produtos que foram projetados utilizando a proporção áurea. Fonte: Revista Dezeen. Disponível em <http://www.dezeen.com/2010/06/10/the-golden-rules-by-olivia-lee>. Acesso em 02 out. 2011.
e) Benchmarking: Camp (1996, p. 12) define-o como “a busca das melhores
práticas do setor que levam ao desempenho superior.”. O que significa na
verdade o benchmarking centra-se na procura de pontos referenciais em
empresas líderes para atingir o melhor resultado. Não apenas na aparência,
mas em outros aspectos do produto, essa ferramenta de análise de
concorrência é um importante passo para conhecer as preferências do
55
mercado, as melhores opções disponíveis, os problemas atuais, o que pode
ser melhorado, etc. Spendolini (1993, p. 10) afirma que ele é um “processo
contínuo e sistemático para avaliar produtos, serviços e processos de
trabalho de organizações que são reconhecidas como representantes das
melhores práticas, com a finalidade de melhoria organizacional”, enquanto
Baxter (1998) completa ao afirmar que as boas características observadas
podem ser reunidas e incorporadas a um novo produto. Muitos autores
discorrem sobre o assunto e como fazer um benchmarking efetivo e
apropriado, porém, todos concordam que o processo deve ser contínuo para
evitar a obsolescência da empresa e do produto;
f) Atração Bissociativa: Baxter (1998, p. 42) apresenta esse tipo de estratégia
como “quebra de nossa expectativa de associação normal, sendo substituída
pelo inusitado, surpresa ou choque”, gerando um quê humorístico. Koestler
(1965), autor da tese do “ato bissociativo” a qual Baxter se refere, propõe que,
na verdade, a bissociação baseia-se no contato de duas matrizes sem
conexões anteriores. O autor ainda defende que a bissociação é uma das
principais fontes de criatividade, podendo ser utilizada para todo tipo de
inovação. Por isso o uso dessa estratégia cria um ar de surpresa, que é uma
das emoções entre usuário-objeto descritas por Desmet (2003) como positiva.
Porém, Baxter ainda alerta para a sutileza ao utilizar essa ferramenta, para
evitar o exagero e o ridículo. O Fun Design é um bom exemplo desse tipo de
associação, como veremos;
FIGURA 12: Paliteiro Pick-Ur-Pine, do Studio Mango. Fonte: Kitchens-It. Disponível em <http://www.kitchens-it.com/articolo.asp?art=2905>. Acesso em 03 out. 2011.
56
g) Fun Design: Marcas como Alessi (Itália), Koziol (Alemanha) e Imaginarium
(Brasil) são exemplos claros do bom uso do Fun Design. Muitas vezes
utilizando do Design bissociativo (como criar brincadeiras e trocadilhos com o
nome do produto, transformar um travesseiro em uma barra de chocolate,
copos de vidro que parecem ser tradicionais copos de plástico amassados e
um peixe em um abridor de garrafas) para criar efeitos de humor, é uma
forma de atrair a atenção do consumidor gerando emoções positivas.
Segundo Hoekman (2006), normalmente, Designs peculiares e divertidos
fazem do objeto mais atraente. Eles são atraentes para a personalidade do
usuário e não apenas pela sua função esperada. Norman (2004) também é
defensor do Fun Design, alegando que um produto que traga alegria e prazer
é um produto que chama a atenção do usuário e se destaca entre outros
produtos. Khaslavsky e Shedroff (1999) apontam que um produto, ao seduzir
um usuário, deve: incitá-lo, atraindo sua atenção; surpreendê-lo com alguma
novidade; ir além das expectativas e necessidades óbvias; criar uma resposta
emocional instintiva; expor valores e conexões do objetivo com o usuário;
fazer promessas inerentes do cumprimento dessas metas; levar o usuário a
descobrir algo além do que era esperado; ou cumprir pequenas promessas
relacionadas aos valores e aspirações do usuário. Assim, o Fun Design
ganha uma vantagem em relação a outros tipos de Design por surpreender,
criar respostas emocionais instantâneas, conectar-se com usuários, etc.
Também é importante lembrar que o Fun Design nem sempre precisa ser
apenas divertido, engraçado, lúdico ou infantil, apesar de seu nome. A
intenção é criar surpresa, prazer e um diferencial, mesmo que apenas em
pequenos detalhes inusitados;
57
FIGURA 13: Sombrinha Olha o Arco-íris, da Imaginarium, que mudam de cor quando entram em contato com a água. Fonte: Blog oficial da Imaginarium. Disponível em <http://www.imaginarium.com.br/blog/?tag=guarda-chuva>. Acesso em 04 out. 2011.
h) Retrô: A estética retrô pode ser um ótimo artifício. Guffey (2006), em seu livro
Retrô: A Cultura do Renascimento8, explica que o termo francês (rétro) foi
adotado pelo mundo através da moda e da cultura da imprensa, sugerindo um
renascimento cínico de objetos de um passado próximo. O grande motivo de
sucesso dessa estética é mais do que apenas nostalgia, como será melhor
explicado no tópico 2.3.3, que trata do nível reflexivo, ou seja, do nível
simbólico que os objetos possuem;
i) Painéis de Imagens: Baxter (1998) apresenta os Painéis de Estilo de Vida,
Expressão do Produto e do Tema Visual como uma estratégia para tentar
captar aspectos comuns entre as imagens desses painéis, como veremos
melhor a seguir. Baxter ainda afirma que eles são ferramenta importante para
o produto projetado que deve transmitir sentimentos e emoções. A sua função
é demonstrar visualmente onde se deseja inserir o produto, com o que ele
deve parecer, com que produtos deve dialogar, que emoções deve passar;
Painel do Estilo de Vida: Trata-se de um painel que represente os
futuros consumidores do produto. Suas aspirações, suas alegrias, seus
cotidianos, seus valores sociais e seus tipos de vida. É importante
inserir produtos e ambientes que dialoguem com o produto, e outros
produtos que seriam utilizados por esses consumidores. Os aspectos
8 Título original em inglês: “Retro: the culture of revival”.
58
retratados devem sempre ser positivos, a fim de gerar respostas
positivas. “[...] O simbolismo do produto deve explorar faixas de
consumidores e procurar os valores pessoais e sociais comuns a cada
grupo específico de consumidores” (BAXTER, 1998, p. 190) a fim de
evitar que apenas um tipo específico de público seja retratado,
afunilando seus possíveis usuários;
Painel da Expressão do Produto: A partir do Painel do Estilo de Vida
deve-se identificar uma expressão para o produto, isto é, quais as
primeiras sensações que o produto deverá passar, que sentimentos
deverá incitar. A intenção desse painel não é selecionar produtos com
funções parecidas, e sim imagens que representem bem a intenção do
produto e sua expressão. Por exemplo, “macio e confortável (imagem:
urso coala)” (BAXTER, 1998, p. 191). É importante também que as
imagens não sejam muito abstratas, o que pode levar à confusão;
Painel do Tema Visual do Produto: Este painel reúne imagens de
produtos que possuam o espírito, a expressão escolhida. Não é
necessário limitar-se a apenas uma categoria de produtos, na verdade,
é aconselhável que sejam selecionados produtos de sucesso que
possuam características e expressões semelhantes à desejada. Este
painel serve como uma inspiração, onde os produtos podem ser
“adaptados, combinados ou refinados” (BAXTER, 1998, p. 191) em um
novo produto.
Ainda no nível visceral é importante lembrar-se dos materiais: sua aparência,
seu toque, seu cheiro. Por exemplo, artefatos para cozinha não devem ter cheiro
forte, pelúcias devem ser macias, toques aveludados são agradáveis, porém,
algumas ferramentas exigem toque rugoso a fim de evitar acidentes, etc.
Enfim, a melhor estratégia quanto à estética é conseguir conciliar todos os
seus condicionantes (como seus antecessores, sua marca, o estilo dos concorrentes
e o benchmarking) com as outras ferramentas disponíveis. Como foi apontado
anteriormente, este trabalho não apresenta todas as ferramentas existentes, assim
como não tem o propósito de explicar cada uma delas em profundidade, e sim
59
demonstrar que existem, sim, ferramentas fundamentadas que podem ajudar o
Designer a definir a um novo produto.
Assim, a Figura 14 demonstra como Baxter (1998) acredita que a estética de
um produto deve ser planejada, considerando pesquisas prévias dos condicionantes
de estilo, explorando a semântica e os valores simbólicos (estes serão explorados
no item 2.3.3) do produto e por fim, produzindo um objetivo para o estilo do produto,
baseando-se em todas as informações já coletadas.
FIGURA 14: Requisitos do estilo no condicionamento do produto. Fonte: Baxter, 1998, p. 151.
2.3.2 – comportamental
Foi explicado anteriormente que a usabilidade de um produto depende de
diversos fatores, inclusive o prazer de uso. Porém, a funcionalidade do produto em si
60
– a forma como ele funciona, quão bem ele funciona, sua compreensibilidade, etc. –
é digna de uma atenção particular.
A maior dificuldade existente, no nível comportamental, é entender
efetivamente a vontade, os desejos e as necessidades dos usuários. “À primeira
vista, acertar na função parece o mais fácil dos critérios a satisfazer, mas na verdade
é complicado”, muitas vezes os produtos passam a ser necessidades percebidas
apenas depois de serem lançados, e não antes. (NORMAN, 2004, p. 92) Bons
exemplos deste tipo de acontecimento são o iPod, os telefones celulares, etc.
Norman (2004) afirma que para um bom Design comportamental, é preciso que,
antes, entenda-se de que forma o produto vai ser usado. Ele ainda aponta a
diferença entre o olhar do Designer e o olhar do usuário, onde o Designer falha em
prever o comportamento do consumidor: suas dificuldades, suas dúvidas, os usos
secundários dos produtos (isto é, os consumidores usarem os produtos de forma
diferente das propostas, por exemplo, sentar-se em mesas), etc.
Iida (2005) compartilha das ideias de Norman ao afirmar que a melhor forma
para decifrar essas necessidades e comportamentos é através da observação
sistêmica e objetiva dos usuários finais dos produtos, isto significa que deve-se
realmente observar os usuários e seus costumes, procurando formas de melhorar o
uso do produto como um todo e também em seus detalhes. Porém, Iida se distancia
de Norman ao afirmar que questionários, entrevistas verbais e conversas com
grupos de pessoas são tão efetivos quanto a observação em si.
Iida ainda destaca a importância da Definição da Amostra do grupo de
Sujeitos a ser estudados, considerando suas diferenças individuais (como suas
características gerais, físicas, psicossociais e níveis de instrução e experiência). O
autor continua, apontando que essas diferenças podem gerar variações individuais
maiores do que as permitidas pelo experimento, mascarando o resultado final.
Além da preocupação de entender a interação entre homem e produto e suas
variáveis, Preece, Rogers e Sharp (2003) apontam a importância de analisar,
também, as atividades que as pessoas realizam enquanto interagem com os
produtos. Esse conceito que busca a interação das pessoas com os objetos,
61
pessoas e lugares (seja no lar ou no trabalho) de forma harmoniosa, é denominado
Design de Interação. As autoras ainda afirmam que existem metas de usabilidade a
serem cumpridas para que o produto possa oferecer uma boa interação com o
usuário. Elas são: a eficácia, a eficiência, a segurança, a utilidade, a capacidade de
aprendizagem e a capacidade de memorização (PREECE, ROGERS e SHARP,
2003, p. 35). Além das metas de usabilidade, elas apontam as metas decorrentes da
experiência do usuário, como mostra a Figura 15.
FIGURA 15: Metas de usabilidade e metas decorrentes da experiência do usuário. Fonte: Preece, Rogers e Sharp, 2003, p. 41.
Foi abordada anteriormente a relevância da estética quando falamos de
usabilidade (lembrando que esta engloba, também, o prazer de uso). Vimos que a
aparência de um produto (suas cores, materiais, arranjos espaciais, peso, etc.) atua
diretamente sobre a impressão de uso que o usuário possui. Essa dependência fica
ainda mais evidente quando falamos das interfaces, onde o usuário tem contato
direto com o produto. Nesse âmbito podemos, novamente, destacar as cores e as
ferramentas da Gestalt para demonstrar como a estética do produto vem a ser útil
para o Designer que deseja criar uma interface mais compreensível, memorizável e
agradável.
62
Para melhor compreensão visual de como esse vínculo acontece, um bom
exemplo de uso de Gestalt com ajuda das cores é o teclado para computador da
A4Tech, modelo KB-28G, representado pela Figura 16. O que faz desse exemplo
interessante é o destaque das principais teclas usadas pelos gamers (feito através
do conceito de similaridade, onde estas se destoam das
demais
), sem alteração da funcionalidade do teclado para outras atividades. Essas teclas
são utilizadas pela maioria dos jogos de computador, e esse modelo, além de
apenas destacar tais teclas com cores diferentes, traz um material aveludado e um
toque mais macio (permitindo que o jogador não precise olhar para o teclado durante
todo o jogo e aumentando a agilidade dos comandos enviados). É claro que existem
outros teclados projetados especialmente para jogos específicos, mudando
totalmente seu desenho clássico e adicionando várias outras funções e teclas,
porém, essa diferenciação faz com que, para um momento que não seja de um jogo
específico, essas novas funções tornem-se inúteis.
63
FIGURA 16: Teclado para gamers modelo KB-28G, da marca A4Tech. Fonte: Site Oficial da Marca A4Tech. Disponível em <http://www.a4tech.com/product.asp?cid=2&scid=12&id=303>.Acesso em 12 out. 2011
Por mais que o nível comportamental pareça extremamente distante das
emoções e dependente de boa qualidade técnica e tecnológica, é o nível
responsável por algumas das melhores respostas emocionais, como entendimento,
facilidade de uso, etc. Ao relembrar os estudos feitos por Jordan (1998), podemos
confirmar essa ideia, já que podemos afirmar que cinco dos dez atributos
responsáveis por desencadear emoções nos usuários apontados por ele são
pertencentes ao nível comportamental. Além disso, é importante lembrar que o
prazer de uso não diz respeito apenas ao funcionamento em si do produto, e sim à
usabilidade.
Ainda quanto à importância da análise comportamental dentro do tema da
emoção, podemos destacar que muitos dos dados coletados são de fácil leitura,
entendimento e aplicação, e por isso são imprescindíveis para um bom projeto. Isto
é, se a usabilidade é um aspecto tão importante do produto, e temos ferramentas tão
e boas e simples, por que não aplicá-las aos nossos projetos?
Ao falar de funcionalidade é impossível deixar de citar a Ergonomia, definida
pela Associação Internacional de Ergonomia (IEA) como:
[...] uma disciplina científica relacionada ao entendimento das interações entre os seres humanos e outros elementos de um sistema, aplicando princípios teóricos, dados e métodos para projetar a fim de otimizar o bem estar humano e o desempenho geral do sistema. Os ergonomistas contribuem para o planejamento, concepção e avaliação de tarefas, trabalhos, produtos, organizações, ambientes e sistemas a fim de torna-los compatíveis com as necessidades habilidades e limitações das pessoas.
64
(Associação Internacional de Ergonomia, disponível em <http://www.iea.cc/01_what/What%20is%20Ergonomics.html> acesso em 30 de Out. 2011, tradução da autora)
Iida (2005, p.3) aponta que a ergonomia “estuda os diversos fatores que
influenciam no desempenho do sistema produtivo e procura reduzir as suas
consequências nocivas sobre o trabalhador”. Ela evita o estresse, acidentes, fadiga
e busca a segurança, satisfação e saúde dos trabalhadores. O trabalho, nesse caso,
se refere a qualquer atividade produtiva, ou seja, ela não se limita apenas ao
exercício profissional. Mesmo assim, seu foco principal acaba por decair nessa
atividade, que exige muitas horas consecutivas de esforço.
Através desta conceituação, podemos verificar que a ergonomia, na verdade,
estudo todo e qualquer tipo de interação entre usuário e produto, com foco não
exclusivo na usabilidade. Por isso, se formos analisar todas as publicações sobre o
assunto, encontraremos muitos dos assuntos abordados pelos níveis visceral e
reflexivo (como exemplo temos as cores e a gestalt).
É claro que tanto a conceituação quanto a atividade da ergonomia são muito
mais complexas do que o demonstrado por este trabalho, conforme Iida (2005),
porém, a intenção aqui é de demonstrar que mesmo que o foco da ergonomia não
seja, de fato, produtos comuns, os estudos ergonômicos e suas teorias podem
contribuir diretamente em seus projetos, visando principalmente a usabilidade.
Alguns exemplos, ainda de acordo com Iida (2005) são:
a) Antropometria: É a ciência que estuda as dimensões físicas do corpo
humano, procurando obter medidas médias e confiáveis de uma população. A
grande importância da aplicação da antropometria se deve à necessidade de
produção de produtos para massas. A antropometria ainda possui princípios
que ajudam o projetista a definir para qual faixa da população o produto deve
ser direcionado, quando e porque eles devem ser individuais, etc. Alguns
exemplos destas aplicações nos produtos são: auxílio no projeto de mesas e
cadeiras, na procura de alturas e angulações ideais para diferentes tipos de
atividade; na numeração de roupas e sapatos; no dimensionamento mínimo e
máximo da maioria dos produtos (principalmente dos mais complexos) a fim
65
de evitar acidentes, falhas e custos adicionais. Ainda é importante lembrar
que a antropometria contribui diretamente para a pega e maneja dos
produtos;
Projeto Universal: Jardim (2002) aponta o projeto universal como
aquele que se preocupa em dotar características que tornem o produto
mais fácil de ser utilizado pela maioria das pessoas, incluindo algumas
minorias como canhotos, portadores de deficiências físicas e idosos,
afirmando que em questões de custo, é mais barato desenvolver um
produto adaptável do que projetar produtos secundários para as
minorias;
b) Manejo: Diz respeito à uma forma de controle, “[...] onde há um predomínio
dos dedos e da palma das mãos, pegando, prendendo ou manipulando
alguma coisa.” (IIDA, 2005, p. 243). Ele pode ser dividido em dois tipos: o fino
(executado com as pontas dos dedos) e os grosseiros (executados com o
centro da mão). Esses conceitos são extremamente importantes ao se definir
a precisão do manejo de um objeto e, consequentemente, sua pega. Além
disso, o dimensionamento e aplicabilidade das pegas, assim como sua forma,
podem ser definidas através dos estudos ergonomêtricos de manejo, visando
maior conforto, precisão e adequação, assim como menos esforço e força, no
uso dos produtos.
c) Biomecânica Ocupacional: Se relaciona com as interações físicas feitas
pelo trabalhador com o ambiente e objetos a sua volta, procurando reduzir a
fadiga e os esforços desnecessários. Ela analisa, basicamente, a aplicação
de forças e postura durante o trabalho, e suas consequências. Exemplos de
produtos que poderiam beneficia-se destes estudos são os domésticos (como
fogões, vassouras, pás de lixo, etc.) que muitas vezes exigem do usuário
grande esforço e posturas errôneas;
d) Uso de símbolos: O autor ainda aponta que o uso de símbolos que, em
comparação à escrita, pode ser vantajoso. Esta vantagem se dá pelo fato de
que os símbolos podem ser interpretados por diferentes pessoas de
66
diferentes culturas e níveis de instrução, além de serem reconhecidos com
maior rapidez do que as instruções verbais. Porém, Iida (2005) alerta para a
prevenção de diferenciações semânticas muito grandes entre o objeto e sua
representação.
Vários autores abordam os princípios de Design, que podem ser entendidos
como um auxílio aos projetistas, demonstrando o que deve ser feito a fim de projetar
um objeto – ou suas interfaces – que atenda as metas de usabilidade. Abaixo serão
descritos alguns dos principais, que já foram abordados por Norman (2006) em seu
livro O Design do Dia-a-Dia de forma mais específica e aprofundada:
a) Feedbacks: O feedback pode ser de vários tipos (áudio, tático, visual, verbal,
ou uma combinação deles). Sua função é dar um retorno contínuo e,
preferencialmente, instantâneo para o usuário, com a intenção de informá-lo
que o produto está funcionando ou respondendo à interação do usuário.
Norman (2004) ainda afirma que o feedback deve indicar precisamente o que
está acontecendo e o que ainda falta acontecer, a fim de evitar confusão,
irritação e longas esperas desnecessárias, um bom e simples exemplo de
feedback é o barulho que as teclas do telefone fazem a serem pressionadas;
b) Visibilidade: A visibilidade das funções e informações é apontada por
Norman (2006) como um dos mais importantes princípios, já que ela aumenta
a facilidade de compreensão do produto e suas funções. O autor ainda
destaca que o excesso ou falta de indicações são responsáveis pelos maiores
erros de visibilidade, e muitas vezes eles ocorrem porque o projetista decide
optar pela aparência do produto. Assim, Norman utiliza o exemplo do painel
de carro para exemplificar um produto com boa visibilidade, destacando que
todas as funções estão evidentes e próximas umas das outras de acordo com
a semelhança de suas funções;
c) Restrições: As restrições são uma forma de limitar o tipo (ou quantidade) de
interação que pode acontecer com o objeto. Elas são extremamente úteis
para evitar que o usuário seja induzido ao erro e à frustração. Norman (2006)
classifica-as em três tipos: física (onde o próprio produto impõe barreiras
67
físicas para evitar confusão, como discos externos e drivers, que possuem
formas específicas para demonstrar seu encaixe correto), lógica (dependem
do entendimento e do senso comum dos usuários, mas a ideia é tornar óbvias
as ações e suas consequências; por exemplo, é comum que os relógios de
pulso sejam acertados por uma roda lateral, e trocar esse funcionamento
pode causar confusão) e cultural (são aquelas que são definidas por
convenções, como por exemplo, o símbolo de uma caveira indicando perigo,
a cor amarela indicando atenção, etc.).
d) Mapeamento: Diz respeito à configuração das funções (seus controles) de
um produto entre elas e o mundo. Isto é, essas configurações devem explorar
a ordem natural das coisas, assim como as convenções e analogias culturais,
a fim de deixar mais fácil a localização e a utilização desses controles.
Preece, et al. (2003) também discorrem sobre o tema, e utilizam os comandos
de um MP3 player como exemplo de bom mapeamento, afirmando que os
botões play (ao meio), rewind (à esquerda) e fast forward (à direita), estão
mapeados diretamente de acordo com a direção das ações a qual
correspondem;
e) Modelos Conceituais: Bons modelos conceituais permitem ao usuário prever
os efeitos de suas ações nos objetos. Caso isso não ocorra, os usuários
acabam por operar seus produtos de forma cega, apenas seguindo passos,
sem entender causas ou efeitos, o que gera uma incapacidade de concertar
eventuais erros ou enganos. Um bom exemplo são os aplicativos comuns
presentes nos aparelho celulares (como a calculadora, despertados, lista de
tarefas, etc.): a cada novo modelo, a cada nova marca, esses aplicativos
aparecem em menus diferentes, e às vezes, até separados. Isso implica em
confusão para o usuário, que falha ao encontrar o aplicativo desejado por
faltar uma boa consistência;
f) Affordance9: Norman define esse termo como Pistas, que o produto pode dar
ao usuário de como ser utilizado. Exemplos comuns de affordance são as
9Affordance é um termo utilizado para se referir ao atributo de um objeto que permite às pessoas
saber como utilizá-lo. Por exemplo, um botão de mouse convida-nos a pressioná-lo (o que acaba
68
maçanetas, que demonstram um óbvio encaixe para as mãos e
consequentemente de que forma elas devem ser giradas para ser abertas. A
intenção é que o próprio produto torne fácil sua compreensão física, ajudando
o usuário a interagir com ele. Da mesma forma, o autor defende que as ações
inapropriadas devem ser “invisíveis”.
Além destas ferramentas e recomendações, existem outras que podem auxiliar um
projetista a transformar as necessidades dos usuários em produtos de forma efetiva.
Algumas delas são descritas abaixo, lembrando que o propósito deste trabalho é
apontar essas ferramentas e não servir de manual para executá-las:
a) Manuais: Alguns produtos possuem enorme complexidade e, é claro, nem
todas as suas funções podem ser explicitadas. Por isso, os manuais de
instrução ainda são uma das melhores maneiras de evitar erros e dúvidas. É
imprescindível, porém, que assim como o produto, o manual receba uma
atenção especial: seja claro, possua cores e contrastes corretos, faça bom
uso de ícones, possua linguagem simples e compreensível, não deixe
dúvidas ao usuário, enfim, é importante que o manual seja tratado como um
projeto (seguindo, inclusive, as ferramentas previamente descritas) que tem
como maior objetivo conseguir que o consumidor seja atraído a lê-lo e
entende-lo, e não apenas tenha essa obrigação;
b) Tangibilidade: diz respeito ao peso, textura e superfície dos objetos. Norman
(2004) complementa essa definição afirmando que há prazer em manusear os
objetos e, com a era digital, esse prazer não vem sendo suprido. É preciso
lembrar que nem todas as atividades podem ser substituídas por botões.
Algumas delas, e ainda muitos produtos devem considerar a possibilidade de
tocar, sentir e mover objetos físicos reais;
c) Inovação: Seja na melhora de um produto existente ou na criação de um
produto completamente novo (NORMAN, 2005), o importante é que os
benefícios oferecidos pela nova proposta sejam realmente percebidos pelos
ativando o clique), pela forma como está fisicamente posicionado em sua concha de plástico. (PREECE, ROGERS e SHARP, 2003, p. 46)
69
usuários. A inovação pode, também, ser feita a nível produtivo (como nos
materiais, processo de fabricação, tecnológica, etc.), ainda assim, o usuário
final deve entender essas mudanças como algo positivo para eles, e não
apenas para a empresa.
2.3.3 – reflexivo
Como vimos, o nível reflexivo atua diretamente sobre o simbolismo dos
produtos. Norman (2004) apresenta o termo self, completamente ligado ao nível
reflexivo do cérebro, que corresponde aos sentimentos da autoimagem (perante a
sociedade ou a nós mesmos). Ele destaca que é um conceito muito dependente das
culturas, porém, que alguns traços são universais, como o desejo de ser
reconhecido, bem visto. Faggiani (2006, p.10) afirma que os indivíduos procuram se
identificar através de bens de prestígio, “seja por fatores psicológicos de
enquadramento cultural e social, ou de distinção e adequação a um determinado
perfil”.
O Design reflexivo cobre um território muito vasto. Tudo nele diz respeito à mensagem, tudo diz respeito à cultura, tudo diz respeito ao significado de um produto ou seu uso. Por um lado, diz respeito ao significado das coisas, às lembranças pessoais que alguma coisa evoca. Por outro, diz respeito à autoimagem e às mensagens que um produto envia às pessoas. (NORMAN, 2004, p. 107)
Os produtos que um indivíduo consome, assim como seu estilo de vida,
acabam por determinar a imagem que este indivíduo possui, seja sua autoimagem
ou a imagem que a sociedade tem dele. Ainda que a intenção deste indivíduo seja
esconder-se e negar a influência desse desejo de demonstrar esses sentimentos de
self, esta ainda é uma demonstração da necessidade de ser visto como alguém que
não se importa (NORMAN, 2004).
Faggiani (2006) descreve que Nietzche (2005) afirma que há grande prazer
em ser diferente, ou se ver diferente. Isto é, existe uma busca por encontrar uma
definição particular e individual de personalidade, e ao mesmo tempo identificar-se
70
na sociedade em que vive. Silva (2004) demonstra que a globalização trouxe com
ela uma identidade que está em constante transformação ao longo da vida das
pessoas, fazendo assim, que mudem também, os objetos que elas consomem,
individualmente e em massa. Ortiz (1996, p. 170) conclui que “o consumo constitui
um universo de significação capaz de modelar as práticas cotidianas. Nele, os
indivíduos se reconhecem uns aos outros e constroem suas identidades, imagens
trocadas e reconfirmadas pela interação social”.
Essas teorias acabam por confirmar as ideias de Baudrillard (1981), que
apontam que os objetos em si, não possuem valor, e que são as suas significações,
seu contexto social e sua interpretação que trazem seus significados e simbolismos.
Twitchell (2000) ainda afirma que é praticamente impossível consumir produtos sem
significados, e, consequentemente, não utilizá-los como comunicadores.
Ainda é relevante destacar que pessoas de classes sociais diferentes tendem
a desejar coisas diferentes. Bourdieu (1981) afirma que o gosto (ou grupos de
gosto), as preferências de compra e até o comportamento (estilo de vida) podem ser
associadas a facções de classes e ocupações (por exemplo, grupos de pessoas que
têm o mesmo trabalho, estudam nas mesmas classes, jogam os mesmos jogos,
praticam os mesmos esportes, etc.), e por isso podem ser mapeados, entendidas e
utilizados para saber o que é considerado positivo ou negativo dentro desses
grupos. Nesse ponto torna-se ainda mais relevante o conhecimento do público alvo.
Se o contexto social e o cultural contribuem tanto para os valores simbólicos, nada
mais claro que, para projetar produtos que contenham tais valores, é necessário
entender a cultura na qual se deseja inserir o novo produto.
Faggiani (2006) demonstra que produtos que tendem a ser altamente
reflexivos, isso é, produtos carregados de valores simbólicos, possuem estratégias
de venda diferentes dos produtos de massa, como: valorização das características
tangíveis dos materiais, matéria prima, durabilidade, conforto, e principalmente a
estética, por valorizarem especialmente a imagem transmitida.
Retomando a pirâmide de necessidades Maslow adaptada por Bonapace
(Figura 5), as pessoas possuem necessidades que levam às compras. A
71
necessidade, nesse caso, não é do produto em si, mas da diferenciação que o
produto pode trazer, e assim, adquirir prazer.
Podemos, então, dizer que os bens de consumo estão localizados no nível do
prazer, onde se busca reconhecimento social. Veblen (1965) nos mostra que objetos
de luxo (isto é, objetos que servem como medidores de status e posição social)
servem como instrumentos de diferenciação social, apontando que estes são
possuídos por altas classes e desejados por classes imediatamente inferiores.
Strehlau (2004) aborda um fenômeno originado da relação entre consumo e
as diferentes camadas sociais, chamado de trickle down effect (TASCHNER, 1996-
97 e 2000).
Há um processo de gotejamento de elementos de distinção de camadas sociais mais altas para as mais baixas, conhecido como trickle down effect, através do qual ítens (sic) de consumo de luxo, pelo próprio fato de serem elementos de distinção social, vão sendo copiados e adaptados por outras camadas sociais; com isso, são popularizados, perdendo seu efeito prévio de exclusividade, de distinção social. (STREHLAU, 2004, pág. 27)
McCracken (2003) afirma que esse fenômeno é o que sustenta a inovação
constante e necessária nos produtos: se as classes altas desejam se diferenciar das
baixas, e as baixas desejam se aproximar das altas (através do consumo), nada
mais lógico do que criar novos produtos para que as classes altas possam,
novamente, se diferenciar.
Fica clara a opinião e as ideias dos autores citados: o objeto em si carrega
simbolismos que são o motivo da compra de um produto que atua no nível reflexivo
do cérebro. Porém, assim como acontece com os outros níveis emocionais, não fica
claro como um Designer pode inserir esse status desejado a um produto. Essa
confusão acontece principalmente porque, na maioria das vezes, esse desejo
acontece por externalidades.
Denis (1998, p. 28-29) afirma que “o Design é, em última análise, um
processo de investir os objetos de significados que podem variar infinitamente de
forma e função, e é nesse sentido que ele se insere em uma ampla tradição
72
fetichista”. O sentido de fetiche, aqui, é o de agregação de valores subjetivos ao
objeto. Ele ainda afirma que o papel do Designer é “dar existência concreta e
autônoma a idéias (sic) subjetivas” (DENIS, 1998, p. 19).
Norman (2004) aponta que ao aumentar o preço de um produto ou tornar seu
acesso mais difícil, automaticamente o faria mais interessante e mais procurado.
Mas não é tão simples assim, já que a concorrência trabalha com outras estratégias,
talvez, mais interessantes e mais eficientes para conquistar o público. É interessante
destacar que, de fato, produtos com alto valor simbólico podem ter preços elevados
mesmo que o seu custo seja baixo. Isso acontece exatamente porque não é o
produto que está sendo comprado, e sim, seus valores.
É claro que nenhuma dessas estratégias pode ser tratada por única ou 100%
eficiente, assim como acontece no nível visceral, porém, podem ser uma boa ajuda
para entender, além da teoria, apenas, como acontece esse deslumbre. Serão
abordadas algumas ferramentas que tem a intenção de ajudar Designers a
conseguir criar uma relação simbólica entre seus produtos projetados e seus
usuários.
a) Design de Interação: como vimos, a interação criada entre o produto e o
usuário é uma importante ferramenta para o nível comportamental. Ele
também se destaca no nível reflexivo porque o prazer de uso se relaciona
diretamente aos valores simbólicos e às emoções que associamos aos
produtos;
b) Faça você mesmo: Norman (2004) aponta que uma forma simples e efetiva
de atingir o nível reflexivo (ou sentimento de self) de maneira positiva é
através do sentimento de realização pessoal. Como exemplo, temos a IKEA,
empresa sueca especializada na venda de móveis domésticos de baixo custo,
onde as pessoas compram seus produtos desmontados e podem montá-los
em casa, criando um vínculo forte de autorealização, onde um indivíduo leigo
pode, através de bons manuais, montar seu próprio móvel, criando um
sentimento de “fui eu quem fez”. Outra forma do Faça Você Mesmo é a
estilização, onde o usuário pode participar ativamente na escolha da estética
final do produto, mesmo não participando, em si, de sua concepção ou sua
73
montagem. Bons exemplos são os novos Toy Art que são comprados
completamente em branco, para que o comprador possa estilizá-lo da
maneira que preferir, assim como algumas peças de roupas da Nike, que
antes do ato da compra, permite que o usuário escolha diferentes estampas,
textos e imagens e os óculos Wayfarer da marca Ray-Ban, que em edição
especial trazem canetas especiais que permitem que o usuário possa colori-
los e estiliza-los (Figura 17), tornando-os único, tornando-os dele;
FIGURA 17: Colorize Kit, que acompanha o modelo Wayfarer nesse lançamento. Fonte: Blog Oficial da Ray-Ban. Disponível em <raybanworld.blogspot.com>. Acesso em 12 out. 2011.
c) Materiais: Faggiani (2006) aponta que a raridade de origem e/ou dos
materiais é um alto fator de diferenciação do produto, e afirma que, por isso,
tem ligação direta com as ideias de qualidade, satisfação pessoal,
reconhecimento, admiração, etc. Enfim, bons materiais conseguem remeter,
sozinhos, a muitos dos sentimentos desejáveis a um produto.
d) Produtos Premium e Exclusivos: Estes tipos de produto tornam-se
simbolicamente especiais por possuírem o poder de diferenciação. São
versões sofisticadas de produtos comuns (FAGGIANI, 2006). Eles não
chegam a ser produtos de luxo, porém, se destacam claramente dos produtos
comuns. Segundo Roman e Mass (1999, p. 152) os produtos premium
“começam com qualidade, não com apelo esnobe”. Ainda mais do que os
produtos premium, os produtos exclusivos reforçam a ideia de singularidade,
como, por exemplo, produtos de edição limitada. É uma forma clara de
74
diferenciação por raridade e qualidade, criando, o que é chamado por
Faggiani de valor afetivo e subjetivo;
Artesanais: estes produtos podem ser vistos de duas formas. Uma
primeira que se relaciona às produtos locais de feiras de artesanato,
que podem ter valor afetivo de memória (isto é, um não morador do
local poderá comprar objetos como forma de lembrança de uma
viagem, por exemplo); e uma segunda maneira, que diz respeito a
produtos feitos manualmente, como, por exemplo, joias, bordados e
até algumas bolsas da Gucci. Essa segunda maneira diz respeito
especialmente à raridade e particularidade dos objetos, assim como
qualidade (especialmente de acabamento). Os produtos artesanais
tendem a possuir enorme conexão com o usuário por seu valor
agregado dada sua singularidade;
e) Sustentabilidade: O conceito de Design sustentável vai além dos aspectos
ambientais, e devem influenciar a vida dos consumidores, “[...]que, sob a ótica
da justiça social e do bem estar, devem ter acesso a produtos acessíveis
economicamente e seguros à sua saúde”, além disso, eles devem sempre
obedecer ao conceito dos 3Rs: Reduzir, Reutilizar e Reciclar (LOURES, 2009,
p, 103). Faggiani (2006) aponta que Valor Ecológico dos Materiais é um dos
bons significados que podem ser atribuídos aos produtos, pelos Designers.
Ela ainda afirma que há uma tendência ao desenvolvimento sustentável e
valorização da diversidade cultural (não apenas dos costumes, como também
das matérias primas disponíveis). Retomando as ideias de Kotler (2010),
pode-se, ainda, afirmar que o consumidor atual vem procurando por valores
espirituais e emocionais (além dos funcionais) e marcas que demonstrem
interesse em fazer o mundo melhor. Esta teoria explica a visão de Faggiani,
demonstrando que a sustentabilidade pode ser uma forma de atingir o
consumidor de novas maneiras.
f) Retrô: Os produtos retrôs são ótimos exemplos de produtos que atingem
diretamente a memória do usuário. O termo pode ser usado para descrever
produtos atuais que tenham estética antiga. É importante não confundir o
75
Retrô e Vintage, já que a única semelhança entre eles é o passado. Enquanto
o Vintage se baseia em um objeto antigo em boa conservação que ainda é
(ou pode ser) utilizado, o Retrô pode ser tratado como uma releitura do
passado, onde características de objetos antigos (geralmente consagrados)
são transpostos para novos objetos, utilizando nova tecnologia e novos
materiais (GUFFEY, 2006). Seja de forma direta (lembranças do passado) ou
indireta (referências a uma época a qual o usuário gosta da estética), os
produtos que possuem essa estética conseguem evocar fortes emoções
apenas a partir da estética. Ribeiro e Kakuta (2007) demonstram um
crescente interesse da sociedade em resgatar ícones e valores do passado.
Segundo os autores, isso acontece por motivos como nostalgia e insegurança
quanto ao futuro, especialmente para aqueles que assistiram a transição
entre o mundo analógico e o digital, mudanças drásticas no comportamento
da sociedade, etc., e claro, existem ainda aqueles que simplesmente gostam
da aparência dos produtos. De certa forma, podemos afirmar que o estilo
retrô tem se destacado por já ser conhecido (forma de atração estética
apontada por Baxter, 1998), e, ao mesmo tempo, por evocar sentimentos de
memória, que Russo e Hekkert (2008) demonstram ser um dos princípios que
induzem uma experiência amorosa com os produtos, mesmo que estas
memórias não sejam propriamente do usuário, mas que lembrem alguém
próximo ou um ícone de alguma época a qual o usuário admira. Exemplos
atuais que abordam esse tipo de estética para evocar sentimentos reflexivos
são os discos de vinil, que vem sendo gravados por bandas atuais e os
eletrodomésticos, que constantemente se voltam à estética dos anos 50, 60 e
70, como na Figura 18;
76
FIGURA 18: Geladeira Brastemp Retrô Frost Free. Fonte: Click Eletro. Disponível em <http://clikeletro.blogspot.com/2011/04/brastemp-retro-clikeletro.html>. Acesso em 18 de out. 2011.
Outras Memórias: É claro que o estilo Retrô não é o único que pode
evocar o sentimento de memória. Existem ainda produtos que remetem
diretamente a lembranças e experiências pessoais como aqueles que
são vendidos em grandes eventos (por exemplo, o Rock in Rio, que
possuía diversos itens à venda, desde chaveiros, a mochilas,
camisetas, etc. Nenhum deles possui grande valor, exceto para
aqueles que estavam presentes no festival e que gostariam de levar
para casa um pedaço daquele momento), que fazem referência a
filmes, bandas, artistas, personagens, lugares, etc. Estes produtos
possuem, assim como os retrôs, uma forte carga de memórias e por
isso possuem valor afetivo e subjetivo para usuários específicos;
g) Moda: A moda é um dos fatores que tem poder de inserir significados
simbólicos nos produtos. McCraken (2003) aponta que, em conjunto com o
Design e o marketing, a moda é um mecanismo extremamente importante de
transmissão de significados, tornando possível que qualquer produto ganhe
qualquer tipo de valor simbólico. Ele aponta que a moda, mediante opinião
de líderes, tem o poder de convencer e converter valores;
77
h) Estética: Como foi visto, a estética é imprescindível para um produto. Sua
aparência, ainda, acaba por ser um dos mais importantes valores simbólicos
de um produto (LÖBACH, 1981).
Assim, podemos observar que o nível reflexivo está diretamente ligado ao
visceral e ao comportamental, fazendo com que seja árdua sua segregação. Os
mesmos fatores que aparecem em um nível podem aparecer em outros. Por
exemplo, os materiais são importantes no nível visceral (quanto à sua aparência,
toque, cores), no comportamental (aumentando a usabilidade de um objeto ao, por
exemplo, torna-lo mais durável, mais higiênico, leve, etc.) e no reflexivo (bons
materiais remetem a boas experiências e bons símbolos), e ainda o bom
desempenho em um dos níveis automaticamente tem o poder de melhorar o
desempenho do produto em outro nível. Os produtos são conjuntos de informações
e símbolos, e por isso, não é possível separá-los de forma totalmente objetiva. O
importante é, então, entender que não importa em qual nível o Designer esteja
atuando com maior dedicação, o efeito positivo será no produto como um todo.
Além da influência direta dos outros níveis emocionais, o nível reflexivo sofre
influência direta de externalidades, como a própria moda e suas tendências, os
contextos socioculturais que podem mudar em questão de instantes por diversos
motivos, a obsolescência tecnológica, entre diversos outros fatores. Porém, talvez,
uma das mais importantes (e que pode ser controlada pela empresa) é a marca e a
forma como ela é vista.
2.4 Branding – O poder da marca
Segundo Pinho (1996) as marcas vem sendo utilizadas desde a antiguidade
como atestadoras de prestígio e qualidade, mas foi no século XI que elas passaram
a ter sentido comercial, estabelecendo um vínculo entre o fabricante e o produto que
era usado como garantia. Porém, a primeira vez que uma marca foi utilizada como
78
elemento de diferenciação foi apenas em 1835, na Escócia, com a Old Smuggler,
Designando um uísque que empregava um tipo diferenciado de destilação.
Ainda segundo Pinto (1996, p. 14), a definição de marca, dada pelo Comitê de
Definições da American Marketing Association em 1960, é “[...] um nome, termo,
sinal, símbolo ou desenho, uma combinação dos mesmos, que pretende identificar
os bens e serviços de um vendedor ou grupo de vendedores e diferenciá-los
daqueles dos concorrentes.”.
A importância de uma boa marca se dá por diversos fatores. Pinto (1996)
explicita algumas de suas vantagens, como: a unicidade preservada do produto,
possibilidade de fidelidade do usuário (por reconhecimento da marca), possibilidade
de uma estratégia de preços (podendo aumentar o preço dos produtos, aumentando
a lucratividade), possuir garantia implícita representada pela marca, rápida
identificação da origem dos produtos e reconhecimento das possíveis diferenças
entre uma marca e outra. “As marcas se tornaram uma fonte de referência, uma
linguagem visual, verbal e sensorial que nos ajuda a comunicar nossos sentimentos,
nossas crenças e emoções. As pessoas vão muito longe para obter as marcas que
amam.” (GOBÉ, 2007, p. 111)
Porém, entre uma boa e uma má marca encontram-se milhões fatores
diferenciadores que não envolvem apenas o marketing da empresa, seu nome e
logotipo ou sua capacidade produtiva. Não se trata apenas de ter boas ideias de
negócio, é preciso construir uma imagem de marca.
Strunk (2001) aponta que a imagem de uma marca é formada a partir das
associações que as pessoas fazem a partir dela, considerando seus atributos,
benefícios e atitudes. Essa imagem pode ser definida por Kotler (1998), que explica
o termo como o conjunto de crenças, impressões e ideias a respeito de algo, a
maneira como este algo é percebido.
A melhor maneira de criar uma imagem coerente e positiva de marca é
através do branding. Faggiani (2006) explica que a palavra Branding é derivada de
Brand, que significa marca e, portanto, resumidamente diz respeito ao conjunto de
ferramentas voltadas à sua gestão. Este trabalho abrange o naming (criação do
79
nome da marca/empresa), a definição das vantagens e diferenciações da marca em
relação a seus concorrentes, definição dos objetivos da organização, administração
e análise do brand equity. Tudo isso procurando seguir os 3 C’s do branding: clareza
(ser clara quando ao que são, entendendo bem e honrando sua Promessa de
Valores), consistência (realmente ser o que se dizem ser) e constância (manter-se
visível ao público alvo, sendo constantes e se mantendo próximos de seus clientes).
O processo de branding, assim como o Design, é extenso e altamente
complexo. Faz-se necessária a leitura de diversos autores para um entendimento
aprofundado e claro. Porém, neste momento, a intenção é demonstrar como o
Design pode ajudar uma empresa em seu branding, ou seja, como o Design pode
servir de base à marca, e não, apenas, o caminho contrário.
2.4.1 – O Design Como Ferramenta de Apoio às Estratégias de Branding
Gobé (2007) acredita que uma avaliação racional (tanto da marca quanto do
Design) pelos consumidores é a maior forma de omitir o seu potencial, e ainda
afirma que “O branding eficaz tem a ver com as emoções que o Design gera”
(GOBÉ, 2007, p. 38). Assim, ele conecta o Design inteligente ao bom branding,
afirmando que os dois sempre estão conectados, mas afirma que para isto
acontecer exige-se um grande compromisso da empresa e de seus altos executivos,
que devem ter paixão pela inovação.
O autor ainda afirma que é preciso alavancar o Design como uma ferramenta
para que esta inovação possa acontecer, o Design é imprescindível, já que ele é
capaz de criar uma conexão mais humana (ou humanamente perceptível) entre a
marca e o usuário, convidando, assim, os consumidores a recriarem suas
expectativas quanto a ela. Além disso, o mundo tem passado por transformações
diversas que geraram uma confusão quanto às intenções das empresas: apenas
com o marketing não é fácil transmitir suas missões, visões e valores. “O Design
surge acima da confusão” (GOBÉ, 2007, p. 47) e por isso tem o poder de impactar
de forma mais coerente e certeira na percepção dos usuários.
80
O grande problema é que a maioria das empresas (principalmente aquelas
que estão acomodadas com o modelo modernista do marketing) ainda está lutando
contra a mudança dos consumidores, que agora exigem mais de suas marcas
preferidas que apenas produtos. Para Gobé, o Design é responsável por restaurar
essa conexão perdida, “Liderando a mudança e redefinindo sua missão [...] um
produto pode reforçar sua posição no mercado, assim como seu domínio em uma
categoria [...]” (GOBÉ, 2007, p. 108). O importante, nesta visão, é adequar o
branding e o Design, colocando-os no mesmo patamar, levando compreensão da
marca através do produto aos usuários e, assim, reafirmando tudo o que a marca
deseja significar.
2.4.2 – As 7 Mudanças de Gobé
Para Gobé (2007) as marcas passam por transformações, assim como os
seres vivos: nascendo, crescendo, evoluindo e, algumas, chegando ao fim caso não
se reestruturem de acordo com as necessidades mutáveis. Ele ainda afirma que o
problema da maioria das marcas é não estimular o consumidor, e falhar ao observar
o público alvo com o qual a marca deseja se comunicar. A ideia é procurar quais são
os valores subconscientes que este público procura.
Assim, o autor apresenta sete mudanças que podem ser feitas acerca da
marca e sua posição, procurando humanizá-la de acordo com oportunidades
relevantes e atuais, criando, assim, um maior vínculo entre o usuário e a marca. Um
detalhe importante é a autenticidade: a empresa precisa ser honesta com ela
mesma e os clientes e abraçar sua identidade emocional de fato, caso contrário,
toda a imagem pode ser interpretada de forma errônea e negativa. Porém, Gobé
deixa claro: não adianta tentar salvar uma marca que venda um mau produto.;
O papel do Design então se torna a linguagem dominante para promover a
inovação. [...] o Design viabiliza a natureza participativa dos profissionais de
marketing e consumidores em torno de um novo conjunto de regras que
privilegiam a intuição, o risco e a emoção. (GOBÉ, 2007, p. 115)
81
a) Pensar na identidade emocional: Consiste na definição do caráter da
empresa: sua alma, a expressão de sua cultura corporativa. A ideia desta
etapa é conseguir repercutir a humanização da marca no usuário,
demonstrando que as paixões e a aspirações dos dois são similares. Esta
mudança terá impacto em todas as outras, norteando, por exemplo, seu
nome, sua logo, suas atitudes, etc. Gobé aponta a existência de cinco
determinantes emocionais “[...] universais que refletem como a maioria das
personalidades corporativas é percebida no mundo” (GOBÉ, 2007, p. 118),
são eles: cidadania, liberdade, status, harmonia e confiança. A Figura 19
demonstra o arquétipo das identidades emocionais;
FIGURA 19: Arquétipo das Identidades Emocionais.
Fonte: GOBÉ, 2007, p. 119.
b) Pensar na iconografia da marca: A iconografia da marca deve ser coerente
com a mensagem que se deseja passar através dela, aumentando sua
legitimidade. Além disso, é importante que ela se destaque, seja icônico e
memorável, porque ela acaba por ser a maior fonte de reconhecimento da
marca. Para tal, é preciso transmitir através das linguagens visuais (e não
apenas através do logotipo) os sentimentos que a empresa deseja transmitir.
O Design é usado aqui por ser o melhor modo de transmitir essas mensagens
de modo imediato e provocador;
82
c) Pensar na publicidade como experiência: A publicidade passou por
diversas transformações que mudaram seu modelo convencional,
apresentando novos desafios para o profissional de marketing, por não estar
mais em sintonia com o consumidor. Gobé (2007) aponta o futuro da
publicidade em uma forma de mídia intuitiva, aberta e sensorial (como a
internet, por exemplo, que é altamente personalizável e por isso pode atrair
os usuários individualmente e mais profundamente, por permitir que eles se
aprofundem em seus interesses), utilizando novos meios de comunicação, e
acaba por apontar o próprio Design como um deles, onde o produto fala por si
e demonstra por si só o que a empresa representa;
d) Pensar no varejo como publicidade: É importante enxergar que o varejo
tem o poder de atrair atenção do consumidor de forma a criar experiências
positivas. Assim, ele é mais um veículo expositivo da marca, e por isso
demanda atenção, demanda planejamento, demanda Design. Ainda, o varejo
diferenciado atrai a imprensa, que acaba servindo como uma segunda forma
de publicidade (tanto do local quanto da marca) positiva, confiável, e trazendo
credibilidade à mensagem. “Os ambientes de varejo precisam criar clima para
o ótimo Design brilhar e estimular a compra. O Design de uma experiência
emocional é a melhor mensagem da marca.” (GOBÉ, 2007, p. 250);
e) Pensar na pesquisa de Design: Uma colocação interessante nesta mudança
é a de parar de confiar na pesquisa feita com os consumidores: elas tendem a
ser racionais, repetitivas e têm limitado as oportunidades das marcas. Assim,
devem-se considerar outras formas mais intuitivas de entender o consumidor,
porém, Gobé ainda afirma que há falta de alternativas disponíveis. Portanto, o
interessante, na pesquisa de Design, é encontrar formas diferenciadas de
sondar as emoções e opiniões dos objetos de estudo, não tomando suas
palavras como finais, porém, ajudando as pessoas a se comunicarem para
gerar um “novo nível de compreensão de seus desejos não satisfeitos”
(GOBÉ, 2007, p. 288);
83
f) Pensar em Design como commodity (Não!): Esta mudança se baseia, na
verdade, em perceber como o Design pode ser positivo – e quais mudanças
ele pode vir a trazer. Gobé destaca quatro impressões pessoais sobre o
futuro do Design: o foco voltado às pessoas, reação aos estilos de vida
planejados, tentativa de criação de experiências emocionais e percepção e
aceitação das grandes corporações em relação ao Design. Ainda, esta
mudança explicita a importância do Design de produto como o primeiro e
definidor contato com o usuário, assim como o bom senso na tomada de
decisões;
g) Pensar na personalização emocional: A última mudança sugere que o foco
principal da marca seja o indivíduo e que, através da personalização, ela
consiga deixar esse foco claro. A ideia é adequar os produtos e a marca às
diferenças cotidianas dos usuários através de experiências, personalização
de produtos, serviços personalizados, etc.
Enfim, as mudanças no branding propostas por Gobé deixam clara a sua visão: o
Design – principalmente aquele dotado de emoção – é uma das (se não a mais)
principais ferramentas a serem aceitas e desenvolvidas no futuro das principais
empresas e marcas. Ainda é possível afirmar que todas as mudanças propostas por
ele acabam esbarrando em outros conceitos do próprio Design Emocional, como a
personalização, a busca por experiências, a evidenciação de emoções, etc., porém,
é interessante analisar que Gobé traz alguns conceitos puramente do marketing
para mais perto do Design, como no caso do varejo e na publicidade como
experiência, demonstrando, mais uma vez, que o Design Emocional está
diretamente ligado às estratégias mercadológicas.
84
CAPÍTULO 3: CROCS: PROJETANDO AMOR E ÓDIO
A Crocs™, Inc. é uma empresa que desenha, produz e vende calçados para
homens, mulheres e crianças sob a marca Crocs™. Ao falar sobre ela, existem
apenas dois aspectos que são consenso entre os autores: quanto a sua aparência,
salvo alguns poucos, os autores tendem a colocar os sapatos da marca em
categorias como feio, estranho, engraçado, e afins (tamanho desafeto pode ser
comprovado pela existência de blogs – e até um “site oficial” – em sua oposição);
porém, os autores também tendem a concordar sobre o conforto que os sapatos
proporcionam.
FIGURA 20: a) Logo do site I Hate Crocs.Com b) Logo da página I Love Crocs, no Facebook
Fonte: Montagem da autora a partir das imagens dos sites I Hate Crocs Dot Com. Disponível em <http://ihatecrocsblog.blogspot.com/search?updated-max=2010-03-12T15%3A09%3A00-04%3A00>. Acesso em 05 nov. 2011 e I Love Crocs, disponível em <http://www.facebook.com/pages/I-LOVE-CROCS/343169348217>. Acesso em 05 nov. 2011.
Hoje, a Crocs™, segundo seu site oficial americano10, possui seis fabricas
(Estados Unidos, México, Itália, Bósnia, China e Canadá), está presente em mais de
125 países, possui cerca de 250 modelos (com aproximadamente 400 combinações
de cores para escolher) e estima-se que produza mais de 30 milhões de pares de
calçados anualmente, todos projetados sob a missão da marca: Trazer profundo
conforto, diversão e inovação aos pés do mundo11.
O propósito de estudar esta marca que gera reações extremas e opostas é
procurar, identificar e analisar as ferramentas estratégicas de mercado (aquelas 10
Disponível em <http://company.crocs.com/brands/crocs/> 11
Bring profound comfort, fun and innovation to the world’s feet.
85
associadas ao Design) adotadas por ela ao longo de seus anos de existência, e
dessa forma verificar qual foi o resultado dessas adoções perante o público e a
imagem da Crocs™.
Para tal, será apresentada uma breve linha histórica da marca, ressaltando
seu surgimento e sua trajetória (passando pelo ano de 2009, onde houve diversos
problemas que foram apontados como o possível fim da marca, até sua
recuperação). A partir destes dados, torna-se possível analisar as estratégias
adotadas pela empresa para recuperar-se desse momento. Tais estratégias serão
categorizadas de acordo com o Capítulo 2 e os três níveis emocionais apresentados
neste trabalho, a fim de relacioná-las ao êxito da marca e comprovar sua efetividade.
3.1 A Evolução Histórica da Marca
3.1.1 A Ascenção
Fundada em maio de 2002 nos Estados Unidos, a Crocs™ foi idealizada por
três americanos da cidade de Boulder no Colorado. Lyndon “Duke” Hanson, Scott
Seamans e George Boedecker eram velejadores e sentiam a necessidade de um
sapato que fosse confortável, resistente e antiderrapante. A ideia para o novo
sapato, em si, surgiu em 1999, quando a empresa canadense Foam Creations
desenvolveu o material Croslite™, que atendia aos requisitos do sapato planeado.
O Croslite™ é composto por uma resina de célula fechada12 antimicrobiana, o
que faz com que o sapato, teoricamente, elimine o odor do suor. Ainda aumentando
sua funcionalidade, as solas são antiderrapantes, não marcam o piso e evitam o
acúmulo de detritos (ANDERSON, 2007). Além disso, o material é extremamente
12
Resultando em material forte e flexível, por ser composta de poros internos, ou células, que se assentam muito próximas umas das outras, porém, não estão conectadas. Outros tipos de materiais que possuem células fechadas são o isopor, o neoprene, a borracha e o polietileno. (WHAT, 2004)
86
leve, reciclável, à prova d’água e pode ser esterilizado com vários tipos de produtos
químicos (PICKETT, 2006).
O primeiro sapato projetado e lançado pela marca foi o Beach, que tentava
solucionar os principais problemas de seus criadores enquanto velejadores. Com o
foco em um público náutico, o modelo Beach aproveita de todas as propriedades do
material para criar um modelo extremamente confortável (com calcanhares
acolchoados, solas ortopédicas e relevos que estimulam a circulação), leve (pesa
apenas 170g) fácil de manter, lavar e secar. Segundo o site oficial da marca, os
furos da biqueira do sapato são projetados para que água, areia e ar possam passar
através sapato, facilitando a locomoção do usuário. O material e o processo
produtivo, se comparado a outros da indústria, permite que o sapato tenha um baixo
custo e menor variabilidade quanto a possíveis erros de fabricação: o processo
produtivo permite um uso mínimo de mão de obra, tornando baixo o tempo de
produção e consequentemente seu preço (PICKETT, 2006).
FIGURA 21: Modelo Crocs™ Beach. Fonte: A autora.
Até então, a marca confiava tanto no poder da usabilidade acima da
aparência, que os balconistas eram treinados para passarem todas estas
informações a seus clientes, ressaltando sua qualidade. Essa estratégia ainda é
87
usada hoje, mesmo depois das várias reformulações pelas quais a marca passou
(CANDANCE, 2005).
Por ter sido um sapato desenvolvido primeiramente para velejadores, sua
primeira venda oficial foi em novembro de 2002, em uma feira náutica na Flórida. Em
três dias, o sapato vendeu mais de mil pares sem nenhum tipo de divulgação exceto
os comentários de seus compradores. Desta forma, os sapatos foram ganhando
popularidade não apenas entre velejadores, mas entre trabalhadores que passavam
longos períodos em pé.
Um dos fatores que auxiliaram essa disseminação espontânea foi no nome da
marca – muitos autores concordam que o nome da marca é uma das mais diretas
formas de sua promoção. Um nome de sucesso deve ser simples, significativo, fácil
de ser pronunciado e lembrado (KELLER, 1997). O Nome Crocs™ é o diminutivo
para crocodilo13, em inglês, que é um anfíbio extremamente forte e resistente,
exatamente como os sapatos da marca, que também se adaptam tanto na água
quanto na terra – essa imagem é reforçada pela logo, que possui um crocodilo
amigável ao lado do nome. Ainda, o nome faz referência ao material Croslite™.
FIGURA 22: Logo da marca Crocs™. Fonte: Mundo das Marcas. Disponível em <http://www.mundodasmarcas.blogspot.com/2007/11/crocs.html >. Acesso em: 16 nov. 2011.
Durante o curso de um ano, o que começou com uma simples ideia em um
veleiro evoluiu para um dos maiores fenômenos de sapatos da década. Em 2003 já
era comum vê-las nos pés de celebridades como Al Pacino, Jack Nicholson e até o
ex-Presidente americano George Bush. Assim como o “boca-a-boca”, esta foi outra
13
Crocodile
88
forma de publicidade grátis recebida pela marca – como vimos o vínculo de um
objeto a uma pessoa icônica traz sentimentos reflexivos aos consumidores que
desejam assemelhar-se a ela.
FIGURA 23: Famosos usando Crocs™. Fonte: London Evening Standart. Disponível em <http://www.thisislondon.co.uk/news/article-23410106-plastic-fantastic-crocs-launch-clothing-range.do>. Acesso em 21 nov. 2011.
Enquanto a marca continuava crescendo, crescia também o número de
pessoas que clamavam odiá-la por sua aparência. De fato, é difícil encontrar autores
que defendam os primeiros modelos da Crocs™ por sua aparência. Já o contrário,
está presente em artigos, livros e notícias em unanimidade: as pessoas acham os
tamancos feios, estranhos, ou pelo menos engraçados (DIAS, 2010; SANDÁLIAS,
2007; SANDÁLIAS, 2009; HUDSON, 2007; CANDANCE, 2005). É claro que, por
mais que escassos, existem pessoas defensoras dos modelos. Estes alegam que as
cores chamativas, a semelhança com répteis, e a aparência quase infantil são
fatores de diferenciação que chamam a atenção do cliente (PICKETT, 2006;
LIDWELL, MANACSA, 2009)
2004 e 2005 foram anos de estratégias de negócios, com a compra da Foam
Criations (para garantir a patente do Croslite™), criação de novas fábricas, criação
de um programa de logística para a crescente demanda de produção, etc. (DIAS,
89
2010) Dentre essas estratégias destacam-se a revolucionária logística que, diferente
do modelo comum (onde é necessário que o lojista faça o pedido com meses de
antecedência), permitia que os varejistas fizessem seus pedidos com apenas
semanas de antecedência, podendo solicitar apenas 24 pares de sapatos. Esta
estratégia encoraja um preço consistente e previne problemas de estoques em
excesso – que, por fim, geram liquidações; ela ainda permite que novos modelos e
cores cheguem rápido aos varejistas de acordo com as necessidades e variações de
demanda. (ANDERSON, 2007; CANDANCE, 2005). O segundo destaque
estratégico foi o slogan adotado em 2005: O Feio Pode Ser Bonito14, que
demonstrava a paixão da empresa pelo seu produto, se aproximando ainda mais de
suas raízes.
Em 2006, a empresa escolheu o Brasil para instalar sua primeira fábrica na
América Latina, porém, após a crise econômica em 2008, a fábrica foi fechada. No
mesmo ano aconteceram duas outras importantes mudanças: a abertura de seu
capital (que lhe rendeu capital suficiente para investir em novos modelos de sapatos
e permitiu sua entrada em outros segmentos, já que apenas nos seis primeiros
meses a empresa cresceu 350%) (ANDERSON, 2007), e a compra da Jibbitz (marca
de acessórios que produziam enfeites especiais para os sapatos, como uma forma
de broches que se encaixavam em suas aberturas), que possui broches paras
crianças e adultos.
FIGURA 24: Crocs™ com Jibbitz de personagens da Disney. Fonte: Rakuten Store. Disponível em <http://global.rakuten.com/en/store/double/item/sm-jibbitz-disney/>. Acesso em: 16 nov. 2011.
14
Ugly Can Be Beautiful
90
A Crocs™ sempre manteve uma imagem sustentável criando designs
universais, participando de eventos e campanhas contra o câncer, a favor do meio
ambiente e várias outras ao redor do mundo, mas em 2007 a empresa criou sua
própria organização em prol da sustentabilidade social: a Crocs CaresSM que recolhe
antigos sapatos da marca e redistribui para pessoas necessitadas (como vítimas de
desastres naturais e pessoas carentes), diminuindo assim doenças infecciosas
causadas pelo contato com fungos e bactérias e cortes. Desde 2007 mais de 2,5
milhões de sapatos foram doados.15
3.1.2 Os Problemas
A crise econômica mundial no final de 2008 atingiu diretamente a empresa,
que por ser nova, acabou sendo um fácil alvo. Diversos investidores recuaram
causando um enorme buraco financeiro de U$227 milhões. As ações, que antes
chegaram a ser vendidas a U$74,00, estavam sendo trocadas por menos de U$1,00.
(SANDÁLIAS, 2009; RUBIN, 2011).
Para piorar a situação da empresa, começaram a surgir casos de crianças
que se acidentavam em escadas rolantes por conta da flexibilidade e grande
tamanho dos tamancos. Além disso, a Crocs possuía agora três submarcas (a
Jibbitz, a YOU by Crocs™ e a Ocean Minded), aumentando extremamente a gama
de modelos em seu catálogo, o que foi apontado por alguns autores como algo
negativo, já que a marca estava se distanciando de sua origem em um momento de
crise (VAZ, 2011; SANDÁLIAS, 2007).
O grande número de falsificações e produtos altamente similares (inclusive de
boas marcas, como a Nike e a Skechers) que possuíam peso e aparência similar, e
em alguns casos, preços extremamente menores, intensificaram o processo de
decadência da Crocs™, o que fez com que a mídia bombardeasse os consumidores
com artigos que duvidavam do futuro da marca.
15
Informações retiradas no site oficial da Crocs CaresSM.
Disponível em <http://crocscares.com/>
91
FIGURA 25: Comparação entre os modelos originais da Crocs™ e seus concorrentes. Fonte: a autora.
3.1.3 A Reparação
Depois de passar por estes problemas, a Crocs™ redefiniu alguns parâmetros
do modelo original Beach, para evitar acidentes similares. Hoje, existem autores que
aconselham o uso de Crocs™ em livros que falam sobre como conviver com
doenças como a Epidermólise Bolhosa, a Neuropatia Periférica e o Autismo, As
melhorias recentes nos sapatos fizeram com que os problemas (ser largo, agarrar
nas escadas rolantes) sejam apropriados para crianças, inclusive as com autismo.
(WALTON, 2010)
Durante 2010 e 2011 (até então) o encargo da empresa foi se reerguer. O
novo slogan Sinta o Amor16 tenta resgatar o (e gerar um novo) sentimento de
fidelidade dos compradores. Como o Croslite™ faz dos sapatos muito duráveis, a
Crocs™ percebeu que para vender novos pares, é preciso oferecer diversidade e
que os compradores sempre retornem – o que não significa apenas adicionar novos
produtos às linhas, mas renová-los. Dessa forma, a nova estratégia é investir
diretamente no relacionamento da marca com o cliente (SANDÁLIAS, 2009; RUBIN,
2011).
Para tal, novas estratégias foram adotadas e algumas antigas reforçadas. A
relação da Crocs™ com o mundo esportivo aumentou exponencialmente –
16
Feel The Love
92
participando diretamente de eventos, patrocinando atletas, fazendo contratos com
times da NFL17, criando novos sapatos especiais para golfistas, etc. – mesmo que já
houvesse um vínculo entre eles (LUSSIER, KIMBALL, 2009). A empresa também
está atendendo eventos infantis e de adolescentes, o que acaba sendo uma forma
de criar um vínculo entre as pessoas – enquanto ainda novas – e a marca, para
gerar um relacionamento em longo prazo.
Assim como a parceria com a NFL, a Crocs™ percebeu a força do
licenciamento de marcas, adquirindo licenças para utilizar personagens da Disney,
HelloKit, Garfield e diversas outras. A Jibbitz, que utiliza esses licenciamentos
igualmente, também percebeu um bom mercado em pingentes decorativos para
festas e feriados.
FIGURA 26: Modelo Crocs™ Disney Beach. Fonte: Loja Virtual InCrocs. Disponível em <http://www.incrocs.com/crocs-disney-beach-c-7.html>. Acesso em 16 nov. 2011.
A criação de um mascote de mesmo nome do material patenteado ajudou na
humanização da marca, a personificando, de forma a representar seus valores e ao
mesmo tempo transmitir seus melhores benefícios (KELLER, 1997). Outra grande
estratégia de aproximação foi a criação de perfis nas principais redes sociais, blogs
e sites personalizados para cada país atuante. Desta forma a Crocs™ consegue
entrar em contato direto com seu público, ouvir suas reclamações e elogios e
desenvolver melhores produtos. Como a divulgação da marca sempre contou com o
depoimento de seus usuários, a internet facilita ainda mais essa divulgação,
17
National Football League
93
aumentando a gama de clientes e sua fidelidade. É claro que a televisão não foi
descartada, porém, os anúncios são veiculados em canais fechados.
FIGURA 27: Novo mascote da marca Crocs™, demonstrando os princípios e benefícios da marca: conforto, diversão, inovação e simplicidade. Fonte: Site Oficial Brasileiro da Crocs™. Disponível em <http://www.crocs.com.br/>. Acesso em 15 nov. 2011.
Combatendo a ideia inicial de sempre lançar novos modelos e agregá-los à
coleção, agora a Crocs™ faz lançamentos de dois em dois meses, projetados por
uma equipe de designers italianos (VAZ, 2011; TERRA, 2008), tentando seguir as
tendências da moda, e se afastar da imagem de “sapatos feios”. Além disso, nem
todos os modelos são direcionados para todos os países. A empresa percebe a
diferença entre seus consumidores e por isso cada país recebe uma atenção
especial: os modelos que serão disponibilizados, os pontos de venda, as lojas
conceito e o material promocional são meticulosamente pensados de acordo com o
público local (TERRA, 2008). No Brasil, atualmente, estão disponíveis 70 modelos
(infantis, masculinos, femininos e especiais).
FIGURA 28: Exemplos de modelos disponíveis no Brasil.
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Fonte: Montagem da autora, adaptada do Site Oficial Brasileiro da Crocs™. Disponível em <http://www.crocs.com.br/>. Acesso em 15 nov. 2011.
Assim, em apenas nove anos, a marca surgiu, chegou a ocupar o terceiro
lugar dos maiores fabricantes de sapatos do mundo, quase foi à falência e
conseguiu se reerguer através de estratégias de conexão emocional com seus
usuários. Hoje, economistas e analistas da bolsa afirmam que a previsão para a
marca nos próximos cinco anos é de um crescimento de 25%, e afirmam que esse
percentual é extremamente positivo nos anos pós-crise. A Crocs™ voltou a se
recuperar lentamente (SHIVAPURKAR, 2011; RUBEN, 2011). É improvável que a
marca volte a crescer como em 2006 em tão pouco tempo, já que ela ainda não
conseguiu desenvolver outro produto tão inovador quando o Crocs Beach e com
tantos outros produtos similares no mercado. Porém, o crescimento gradativo
demonstra que suas decisões voltadas à emoção tiveram êxito e permitiram um
novo futuro.
3.2. A Crocs™ e o Design Emocional
Como vimos, o design foi o responsável primordial para o sucesso
instantâneo da Crocs™: não foram necessárias ações publicitárias para a primeira
divulgação de um projeto que podia se vender sozinho. As dificuldades causadas
pela aparência duvidosa dos sapatos ficaram em segundo plano enquanto a marca
crescia e adotava novas estratégias e fazia uso de várias das ferramentas já
descritas neste trabalho. Estas serão apontadas no Quadro 2, utilizando exemplos
reais vivenciados pela marca:
95
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Além das ferramentas, podemos ligar a marca diretamente às mudanças de
Gobé, já que ela se manteve conectada à sua identidade emocional desde seu
princípio, buscando formas diferentes de reforçá-la, incluindo toda a sua identidade
visual (através da logo, dos próprios produtos, anúncios, mascote, etc.). Além disso,
a marca já começou a perceber a força de estratégias de experiência – como
participação em eventos, marketing de guerrilha, e uso dos próprios consumidores
para gerarem publicidade – assim como a força de lojas e pontos de vendas
especiais. Porém, talvez o mais importante seja que a marca percebeu a unicidade
de seus consumidores e aprendeu a oferecer mais (mais variedade, mais escolhas,
mais proximidade, mais individualidade) através do Design e da emoção.
É claro que ainda há um longo caminho a ser percorrido. Muitas das soluções
e mudanças são cômodas e não revelam o potencial inicial de inovação que a marca
possuía em 2002, e por isso ela acaba permanecendo em uma área de conforto,
onde há um crescimento planejado e seguro.
Uma observação interessante é que, apesar de os consumidores da Crocs™
afirmarem que seu principal atrativo é a usabilidade, muitos deles pecam ao encher
os furos dos sapatos com os Jibbitz – prejudicando a circulação de ar, um fator
importante no conforto, já que o material, em si, não permite tal circulação – o que
acaba por comprovar que o nível comportamental não está realmente acima do
visceral. Um pode comprometer o outro dependendo da intenção do usuário.
99
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através da análise dos atuais modelos que explicam o Design Emocional, é
possível perceber diversos problemas, como a falta de concordância entre os
autores, que muitas vezes reiniciam seus trabalhos desconsiderando os prévios, o
que acaba gerando muitos modelos iguais (ou extremamente parecidos) que usam
denominações diferentes – dificultando novas adições de informação.
Há também dificuldade em encontrar um modelo definitivo, já que – segundo
a maioria dos autores – as emoções ainda não podem ser quantificadas ou
analisadas de forma clara. Desta forma, chega-se a conclusão de que ainda são
escassos os estudos sobre a percepção humana e sua relação com os objetos, por
isso, faz-se necessário o desenvolvimento de uma boa forma de observação dos
usuários.
Ainda, podemos destacar a dificuldade de expor as informações coletadas até
o momento aos designers de forma clara e objetiva. Mesmo que os benefícios do
Design Emocional fiquem claros, percebe-se a carência de estudos e teóricos que
demonstrem na prática como inserir o fator emocional no produto.
Para chegar aos seguintes resultados, foi necessário apresentar e analisar as
teorias sobre o Design Emocional, procurando perceber de que formas ele afeta os
produtos, seja durante sua concepção, sua exposição, sua venda, ou até mesmo
seu vínculo com a empresa produtora (sua marca), objetivando entender como é
possível inserir “emoção” em um objeto de forma a atrair o mercado.
Assim, é possível dizer que se atingiu o objetivo principal deste trabalho ao
iniciar, ainda que apenas preliminarmente, uma nova linha de pesquisa que se
preocupa, não somente com os sentimentos, mas com a inserção da estratégia
emocional através do uso do Design e suas ferramentas.
Mesmo que esta investigação possua maior enfoque no produto, é importante
lembrar que o marketing sempre terá papel importante em sua imagem –
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principalmente no nível reflexivo. Porém, fica cada vez mais claro que a formatação
do mercado vem mudando lentamente de acordo com as novas necessidades do
consumo.
Estudos como os de Gobé (2007) e Kotler (2010/1998) apontam que a
utilização apenas da publicidade tradicional não consegue atingir seu público de
forma próxima. Percebemos que, na atualidade, as maiores e mais bem sucedidas
empresas – em relação às suas concorrentes – deixaram de investir todas as suas
possibilidades somente na propaganda de seus produtos: passaram a investir no
próprio produto e na percepção da marca através do uso do Design e do branding,
sendo que o último ainda está diretamente ligado ao desenvolvimento de produtos,
como percebemos nas mudanças sugeridas por Gobé (2007).
Esta mudança significa, então, que as grandes empresas passaram a
perceber que o novo comportamento do consumidor busca bons produtos antes de
produtos muito ofertados. Sendo assim, nota-se que cada vez mais o marketing abre
espaço para que ele e o Design possam atuar de forma conjunta para atingir o novo
nível emocional que os usuários procuram.
Como foi mostrado ao longo de todo este trabalho, o Design, assim como o
marketing, começa a andar em uma nova direção que busca atingir o consumidor de
forma diferente da usual. Isto é, fomenta uma maneira de projetar baseada nas
pluralidades apresentadas pelo novo arquétipo social, adotando as disparidades e
unicidades como forma de diferenciação.
Ainda, outro ponto importante, é a demonstração da importância da emoção
nos processos cognitivos, demonstrando que a relação entre objeto-usuário difere-
se pouco (ou nada) de qualquer outro tipo de relação humana e, que até mesmo
detalhes visuais são capazes de mudar a forma como vemos, usamos e sentimos os
objetos. Destarte, devido à força e potencial presentes na relação entre o Design e a
Emoção, entende-se a possibilidade da percepção de uma nova forma de projetar
respeitando as novas realidades mundiais, as condições humanas e coletivas, as
diferenças culturais e as atuais e futuras necessidades ambientais.
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