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CEAD-FTSA
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ApresentaçãoO curso trata dos fundamentos Bíblicos, Teológicos e Históricos e contextuais da Espiritualidade para o desenvolvimento de uma espiritualidade cristã integral.
Objetivos1. Descrever os fundamentos bíblicos, históricos e
teológicos da espiritualidade evangélica contemporânea;2. Desenvolver uma perspectiva espiritual própria,
comunitária e em relação ao próximo;3. Compreender a espiritualidade como aspecto
imprescindível da Missão Integral da Igreja;4. Adotar disciplinas espirituais que conduzam ao
engajamento histórico na vida e na missão da Igreja Brasileira.
Elevo a Deus a minha voz, e clamo, elevo a Deus a minha voz, para
que me atenda. No dia da minha angústia procuro o Senhor: erguem-
se as minhas mãos durante a noite, e não se cansam; a minha alma
recusa consolar-se. Lembro-me de Deus e passo a gemer; medito e
me desfalece o espírito. (Salmo 77.1-3)
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Sumário
Aula 1 – Conceitos de Espiritualidade 3Aula 2 – O Contexto da Espiritualidade 10Aula 3 – Propostas de Espiritualidade 26Aula 4 – Fundamentos Bíblicos da Espiritualidade 50Aula 5 – Breve História da Espiritualidade Cristã 57Aula 6 – A Espiritualidade Cristã latino-americana 66Aula 7 – Teologia e Espiritualidade em Juan Mackay 71Aula 8 – Devoção e Espiritualidade 77Aula 9 – Serviço e Espiritualidade 86Referências Bibliográficas 92
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Aula 1Conceitos de Espiritualidade
Apresentação da Aula
Introduziremos este curso de Espiritualidade com o ensino de
um teólogo escocês com alma latina, chamado John Mackay:
"Um dos paradoxos do cristianismo consiste em que o homem é
tanto mais plenamente livre e tanto mais verdadeiramente
humano, quanto mais vive sua vida cativo a Deus. A forma
perfeita da bondade humana é a liberdade espiritual, e a única
forma verdadeira de liberdade espiritual é a liberdade cristã."
(Mackay, Prefácio a la Teologia Cristiana, p. 125).
Objetivo da Aula
Nosso objetivo nesta aula é discutir sobre as dificuldades
próprias de se compreender o que é a Espiritualidade diante dos
diversos termos, conceitos e experiências que normalmente
relacionam à ela
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Introdução
Definir espiritualidade não é uma tarefa tão fácil quanto parece
ser, ao menos em nosso contexto latino-americano com forte
tendência para a religiosade. Na América Latina somos
religiosos por natureza e nossa compreensão de espiritualidade
normalmente diz respeito à intensidade dessa vida religiosa.
É devido a isso que em Teologia Latino-americana não é
possível tratar do assunto da espiritualidade cristã sem
ambientá-lo no contexto do qual ele faz parte: a religiosidade
latino-americana. Isso é necessário porque ela é experiência
humana em relação ao divino, e o humano sempre está
localizado em algum tempo e lugar. Em se tratando de realidade
brasileira tal necessidade se intensifica, pois nosso quadro
religioso é bastante complexo e completamente inter-
relacionado à situação sócio-histórica. Isso quer dizer que,
culturalmente, não vivemos a religião como algo à parte, mas no
conjunto da vida. Quando acontecem as costumeiras enchentes
de início de ano e pessoas diversas ficam desabrigadas em várias
regiões do país, ao serem entrevistas por repórteres sobre o que
farão à respeito, geralmente respondem: “Somente Deus poderá
nos ajudar agora”, ou “Deus nos dará forças pra reconstruir”.
Religião para nosso povo, principalmente aquele mais simples,
não é um conceito, mas uma forma de viver.
Precisamos ter consciência de que espiritualidade não acontece
no vácuo, mas dentro das situações de vida no mundo. Ela não
somente possui uma localização, como afeta a vida em todos os
seus aspectos. Por mais que a modernidade iluminista tenha
relegado a religião à esfera dos valores e da ética e entregue às
ciências a orientação da vida concreta, na prática do dia a dia o
fator religioso ainda é significativamente condicionador de
nossas relações com as questões sociais, econômicas e culturais.
O contexto em que nossa espiritualidade acontece, aqui
compreendida como relacionada à nossa religiosidade, deve ser
visto de modo integral, ou integrado, ou seja: histórico-religioso,
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sócio-econômico, cultural, ecológico, etc. Na cultura brasileira,
historicamente ela tem sido um fator agregador desses aspectos.
Para iniciarmos uma conversa sobre o assunto podemos, então,
distinguir alguns conceitos religiosos que, invariavelmente, são
relacionados à espiritualidade. Como dizemos popularmente em
nosso país “vamos dar nomes aos bois”:
Algumas definições:
Temos alguns termos que normalmente são utilizados como
sinônimos ou relacionados à espiritualidade. No entanto, eles
possuem sentido próprio e designam alguns aspectos ou
momentos da nossa espiritualidade, mas não ela propriamente
dita. São eles:
a) Religiosidade –
Trata-se do seguimento criterioso de uma determinada crença,
obediência às suas regras, cumprimento dos seus ritos, etc.
Refere-se à dedicação a um sistema religioso.
b) Fé –
Tem a ver com o envolvimento com Deus a partir de uma
resposta pessoal a ele. Possível mediante a conversão, ou seja, a
decisão pelo seguimento como fruto de um ato de liberdade.
Demanda a crença nesse Deus a ponto de um envolvimento de
vida com ele.
Barth esclarece que a fé não é um estado humano e nem mesmo
uma qualidade, isso ele chama de “religiosidade”. Fé é história
que se constrói com Deus através da sua Palavra “uma história
nova a cada dia”. Fé, também, não é o misterioso que vai além
do racional e do inteligível. Sobre isso ele esclarece fazendo
alusão a uma determinada situação:
...uma pessoa, chegada ao limite daquilo que julga ser conhecimento
humano comprovado, resolve dar espaço a uma situação, a uma
opinião, estabelecer um postulado, um cálculo de probabilidades,
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para então identificar o objeto da teologia com aquilo que supôs,
postulou e considerou verossímil, e, neste sentido, o assumir1.
Ele ainda acrescenta: “Claro que tal caminho poderá ser
trilhado, mas ninguém deve pensar que isto seria a fé na qual
poderá tornar-se e ser teólogo”.
Para Barth a fé é condição inegociável para a Teologia, afinal,
conforme ele, ela é objeto da Teologia. A fé é o evento da
admiração, do abalo e do comprometimento com a palavra de
Deus. Ela está relacionada ao credere in (crer em), prossegue
ele: “a saber, em Deus mesmo, no Deus do evangelho, que é Pai,
Filho e Espírito Santo”. Este crer além de ser cognoscitivo é
evento dinamicamente histórico, pois orienta nossa vida a cada
dia, nos surpreende e nos transforma.
...a palavra de Deus, provida do poder vivo do Espírito que lhe
é próprio e, assim, provida da soberania que só ela possui,
liberta uma pessoa dentre muitas – de modo que ela se torna
liberta e pode existir constantemente para isto – para aceitar
esta mesma palavra....
c) Misticismo –
Os termos místico, mística e misticismo aparecem com
freqüência na história da Igreja e como sinônimo, de certa
forma, de espiritualidade. Misticismo tem a ver, todavia, com a
experiência espiritual e não com o seu pensamento e reflexão
necessariamente. Trata-se da vivência interna do evento
religioso, geralmente comunicada por meio de narrativa.
d) Espiritualidade –
Podemos defini-la com uma qualidade não material que diz
respeito à vivência, envolvimento, dedicação religiosa em geral,
à luz de reflexão e entedimento. Mas, podemos falar também de
Espiritualidade Cristã, que é aquela forma de espiritualidade
específica da fé cristã e sua vivência. Neste caso, o seguimento
religioso e a experiência mística são orientados pela fé.
1BARTH, Karl. Introdução à Teologia. São Leopoldo: Sinodal. 1996. p. 64
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Alister McGrath distingue então espiritualidade referente à
vivência religiosa em geral, que ele explica como:
... à busca por uma vida religiosa autêntica e satisfatória,
envolvendo a união de idéias específicas de determinada
religião com toda a experiência de vida baseada em e dentro do
âmbito dessa religião2.
E espiritualidade cristã como:
... refere-se à busca por uma existência cristã autêntica e
satisfatória, envolvendo a união das idéias fundamentais do
cristianismo com toda a experiência de vida baseada em e
dentro do âmbito da fé cristã3.
De acordo com ele a palavra espiritualidade procede do termo
hebraico ruach, que pode ser traduzido por “espírito”, inclusive
no sentido de “vento”, “alento”. Refere-se ao ânimo de vida,
tanto que a gera como que a sustenta. Também tem a ver como
cada cristão responde à sua fé nas diversas representações cristãs
que existem o que, de acordo com ele, permite-nos falar de
“espiritualidades cristãs”4.
Há algumas idéias relacionadas à espiritualidade que devem ser
mais bem pensadas, por exemplo:
1) É algo próprio do ser humano – é uma prática que requer
pensamento, decisão, comportamento, vivência, o que é
característicamente humano.
2) É algo que se opõe ao material - historicamente tem sido
entendida em contra-posição ao corpóreo ou material, ou seja,
vida espiritual contrapõe vida mundana.
3) Sempre é tratada em referência à vivência religiosa – como
se naturalmente dissesse respeito à religião.
4) Na religião refere-se à relação com a transcendência –
superação da materialidade e contato com o divino.
2MC GRATH, Alister. Uma Introdução à Espiritualidade Cristã. São Paulo: Vida, 2008. P. 20.3Ibidem, P. 20.4MC GRATH, Uma Introdução à Espiritualidade Cristã, p. 37.
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Na atualidade não cabe mais explicar espiritualidade como o
oposto do que é material e concreto. Vivemos em um tempo que
busca superar os vícios impostos pela modernidade. Um deles
foi o dualismo entre fé e razão, religião e ciência, espiritual e
material. A cultura chamada de pós-moderna esforça-se pela
integração em todos os sentidos e aspectos da vida humana.
Espiritualidade, nesse caso, não é algo que se refere
exclusivamente à questão religiosa, pois tem a ver com a vida
como um todo, e não está à parte da vida no mundo e com a
vivência nele.
e) Devoção -
A devoção está relacionada à vida piedosa e observação das
práticas religiosas de modo espontâneo e fiel.
A Espiritualidade Cristã
A Espiritualidade Cristã baseia-se na fé, pois é por ela que
acolhemos a palavra de Deus. A experiência mística e a devoção
religiosa fazem parte e auxiliam nossa espiritualidade, mas não
são sua fonte principal. A fonte de nossa espiritualidade é Jesus
Cristo, que conhecemos prioritariamente pela palavra de Deus.
A vida não é a razão da nossa espiritualidade, mas seu contexto.
A espiritualidade cristã, conforme o próprio nome diz, é
cristológica e cristocêntrica.
O seguimento de Jesus Cristo gerador da espiritualidade cristã
não se dá, no entanto, como a um líder religioso de grande
inspiração. Conhecemos Jesus pela obra de salvação que ele
realizou. Nesse sentido, nossa espiritualidade é fruto do evento
do encontro com Cristo e a salvação que ele concede a nós,
conforme ensinou o apóstolo Paulo aos cristãos na cidade de
Corinto: “Porque nada me propus saber entre vós, senão a Jesus
Cristo, e este crucificado” (I Cor. 2.2).
É em função disso que o estudo da espiritualidade cristã requer
compreender seus fundamentos bíblicos e a experiência e
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elaboração histórica da Igreja. Também não podemos prescindir
da análise do contexto onde essa espiritualidade acontece, que
será nosso próximo estudo no curso.
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Aula 2O Contexto da Espiritualidade:
geográfico e de tempo
Apresentação da Aula
Nesta aula trataremos sobre a importância do contexto em que
acontece nossa espiritualidade e qual o seu lugar em uma
teologia da Espiritualidade evangélica latino-americana.
Objetivo da Aula
Esperamos que após o estudo desta aula você seja capaz de:
- Reconhecer que compreender o contexto é condição para se
pensar a Espiritualidade;- Perceber que embora o contexto seja extremamente importante para uma teologia da espiritualidade cristã, a palavra de Deus possui primazia.
- Identificar aspectos específicos da espiritualidade evangélica latino-americana.
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O contexto geográfico a que nos referimos é o da sociedade e
cultura brasileira. Nelas focaremos muito mais a questão da
religiosidade, que possui uma relação bem íntima com a
espiritualidade, embora não exclusiva. Já no contexto de tempo,
tratataremos um pouco sobre o que chamam mais
convencionalmente de pós-modernidade e suas demandas
específicas.
A Religiosidade Brasileira e a Espiritualidade
Dr. Sidney Sanches
A cultura religiosa do povo brasileiro traz consigo a presença de
valores cristãos não necessariamente apoiados em alguma
doutrina ou instituição religiosa oficial, mas que fornecem
identidade, um rosto brasileiro ao cristianismo aqui praticado.
Esses valores cristãos não podem ser compreendidos
isoladamente, mas como parte e originários em uma cultura
religiosa cristã.
a - A religiosidade do povo brasileiro
Um povo tem como um de seus elementos fundamentais, senão
o mais fundamental, a religiosidade. Por religiosidade se
entende o interesse e a participação de determinado povo nas
atividades religiosas que sua cultura propicia. Nem sempre essa
participação requer o compromisso da pessoa, apenas que ela
cumpra as diversas etapas da prática e do ritual religioso
previsto pela cultura. O fato de uma pessoa ser mais ou menos
religiosa depende, portanto, do grau de envolvimento e da
freqüência de participação nestas atividades culturais.
A religiosidade de um povo não se expressa apenas por meio de
crenças e idéias, pois ela é também o exercício de práticas e
rituais providos pela cultura. Por outro lado, crenças e idéias,
práticas e rituais, são alimentados por valores religiosos, que,
compartilhados pelos usuários de determinada cultura, apóiam e
orientam sua religiosidade.
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Esse entendimento é fundamental quando se trata de
compreender a religiosidade do povo brasileiro. Nela, por força
da assimilação cultural do cristianismo, existem dois valores
cristãos básicos:
a) O valor da providência, isto é, o mundo e a vida são
dirigidos por Deus.
b) O valor da fé, isto é, o mundo e os fatos da vida podem
ser alterados pela fé em Deus, o milagre, considerado
uma resposta direta e imediata de Deus a qualquer
necessidade básica da existência.
Esses valores, por sua vez, se desdobram em outros valores, que
são enumerados como segue:
1. Busca do propósito da vida. Existe uma finalidade ou
propósito para a vida, e este é entendido como um desígnio
divino. Longe da negação ou da falta de sentido para a história,
há uma direção, ainda que oculta às vezes, e que o brasileiro
religioso tenta localizar nos acontecimentos.
2. Busca de segurança e salvação. A percepção de que o mundo
sem Deus é caótico e maligno faz com que o brasileiro religioso
busque na fé em Deus o fortalecimento de uma sensação de
segurança em meio ao caos desalentador. Isto significa, para ele,
a salvação, um consolo inexplicável de que as coisas ainda
podem ser consertadas e vir a dar certo.
3. Sentido de pertencer a um povo cristão. Para o brasileiro
religioso pertencer ao cristianismo é condição para afirmar as
relações familiares, de vizinhança, de afetividade e, até, de
nacionalidade.
4. Fonte de virtudes humanas. A cultura religiosa cristã é fonte
de virtudes e de caráter que constrói o imaginário virtuoso do
brasileiro religioso. Os valores compartilhados desde a
observação da vida que Jesus viveu, dos demais personagens
bíblicos, e dos homens e mulheres santos da fé cristã estimulam
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o desejo da semelhança ou fornecem critérios de avaliação e
juízo.
5. Riqueza de participação nas práticas e rituais religiosos. A
exuberância de criatividade em cada manifestação religiosa do
povo brasileiro demonstra a enorme força que sua cultura
religiosa imprime sobre sua imaginação. Por meio desta, o
brasileiro religioso se enfeita; se expressa; cantando, dançando,
orando, gesticulando, ritualizando cada etapa da vida,
redesenhando, a cada vez e de novo, a sua fé.
6. Abertura ao sobrenatural. O brasileiro religioso vê a realidade
como bi-dimensional, feita de mundo natural e mundo sobre-
natural, coisas visíveis e in-visíveis, materiais e i-materiais,
paralelas, porém integradas e entrelaçadas umas às outras.
b - Reflexão bíblica e teológica acerca da concepção religiosa
cristã do povo brasileiro
Condiz com o ensino bíblico da origem de tudo em Deus e que
estabelece a relação divina com a sua criação.
Segundo a narrativa bíblica, Deus não somente criou o universo
natural (Gênesis 1:1; Hebreus 1:2; 11:3), porém se manteve
distinto de sua criação existindo ao lado dela (Salmo 90:2; Atos
17:24-28). A partir do existir de Deus numa realidade que não a
natural, visível e material, surge uma outra realidade que passa a
existir ao lado e entrelaçada a esta, sobre-natural, in-visível e i-
material.
Desde esse ponto de vista, Deus é nomeado como:
O Santo (Isaías 6:1-7). Deus está separado e ultrapassa o mundo
da natureza e dos homens em seu caráter e perfeição.
O Todo-Poderoso (Gênesis 17:1). Agindo desde fora de sua
criação, Deus tem a capacidade de dominar a natureza e os
homens, subjugá-los e levar adiante os seus propósitos.
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O Invisível e o Imaterial (1 Timóteo 1:17) Não há forma natural
ou humana que possa apreender a Deus e ele é totalmente
independente, em existir e agir, de qualquer limite natural ou
humano a um grau que jamais será imaginado.
Assim separado da ordem natural, visível e material da
realidade, Todo-Poderoso para dominá-la, inacessível a qualquer
forma ou expressão natural e completamente livre de suas leis e
limites, Deus aparece como a Outra Face da realidade que os
seres humanos nascem, vivem e experimentam igualmente. Esta
se constitui em toda uma ordem de existência explicada como
sobrenatural, invisível e imaterial.
Desde essa outra realidade, Deus age nos eventos do mundo
natural e humano por seus agentes, seres igualmente celestiais.
Mas, freqüentemente, ele mesmo se apresenta intervindo em
situações críticas em favor de algumas pessoas (Gênesis 12:1,4)
ou do seu povo (2 Reis 19:6,7); falando aos homens por profeta,
visão, sonho, ou boca a boca (Números 12:6-8); deixando-se ver
em aparições (Êxodo 3:2-6); manipulando fenômenos da
natureza (1 Reis 18:36-39).
As ações de Deus no passado continuam acontecendo no tempo
de Jesus Cristo e da Igreja, como: visitas de anjos (Lucas 1:26;
Atos 10:3); sonhos (Mateus 1:20); visões (Atos 10:10);
profecias (Atos 21:19,11), e, sobretudo, na afirmação de que em
Jesus Cristo, o Filho de Deus manifestou ao mundo o resplendor
da glória de Deus (Hebreus 1:3).
Desse modo, o ser humano existe em uma realidade na qual
estão entrelaçados o natural e o sobrenatural, o visível e o
invisível, o material e o imaterial, e a personalidade religiosa do
povo brasileiro é capaz de se tornar sensível e receptiva a
ambas, conscientemente ou não.
c – A espiritualidade e a cultura religiosa do povo brasileiro
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A possibilidade da relação entre espiritualidade e cultura
religiosa do povo brasileiro requer algumas observações
preliminares:
1) As práticas e rituais religiosos atrelados a esta cultura
religiosa nem sempre se apóiam no cristianismo oficial, não
parecem recomendáveis por este, mas é inegável o espírito
cristão que as orienta.
2) Conforme esta cultura religiosa, todos os acontecimentos da
vida são encarados religiosamente sob a esfera do cristianismo.
As necessidades básicas para viver são por ela respondidas.
Existe uma visão da existência onde a causa e a resposta de
todas as questões da vida estão ligadas a Deus.
3) O brasileiro religioso é muito mais sensível à solidariedade e
integração coletiva promovida pelo cristianismo. As práticas e
rituais religiosos são coletivos, tendo seu clímax nas festas
religiosas. Nelas, conhece-se a vida dos outros e as necessidades
são expostas sem nenhuma vergonha de apresentá-las. Os
resultados e as graças alcançadas são testemunhados
publicamente e celebra-se o favor adquirido conjuntamente.
Após estas três observações, pode-se expor que evangelização
melhor satisfaz as observações feitas acima. Esta é feita desde a
cultura religiosa cristã do povo brasileiro e compreende as
seguintes questões:
1) É necessário reconhecer a existência real de dois mundos,
natural e sobrenatural, experimentados ao mesmo. No processo
formal da espiritualidade, fala-se deles como se estivessem
separados em duas realidades distintas. Isto gera posições
ambíguas, tais como: aceita-se o natural e rejeita-se o
sobrenatural; aceita-se o natural e racionaliza-se o sobrenatural;
confunde-se o natural e o sobrenatural; rejeita-se o natural e
mistifica-se o sobrenatural. O adequado é assimilar o natural e o
sobrenatural igualmente através da abertura da capacidade do
brasileiro religioso de percebê-las juntas.
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2) Não se deve menosprezar as práticas e rituais ligados à
cultura religiosa do povo brasileiro. Ao contrário, deve-se levá-
las a sério seja qual for o revestimento que utilizem.
3) Deve-se enfatizar o Espírito Santo, sua pessoa e atividade
como interlocutor privilegiado nesta cultura religiosa do povo
brasileiro. É necessário falar sobre ele, ensinar como age e
orientar quanto à dependência dele e acerca da sua presença na
ordem natural, incluída a vida humana.
4) É preciso lidar com o sobrenatural. Não como uma simples
questão de aceitá-lo ou administrá-lo. Os agentes sobrenaturais
estão por toda parte.
Por último e por fim deve-se considerar a necessidade da
vivência da espiritualidade adequada a essa cultura religiosa do
povo brasileiro, na medida em que os evangélicos desejem se
integrar à cultura do povo brasileiro, a qual possui as seguintes
características:
1) Cultura simbólica e oral, dramática e pictorial.
Desenhos, flores, quadros, imagens, figuras, dramas devem ter
um papel importante nas estratégias de evangelização. O
elemento escrito deve ser reduzido ao mínimo. A pregação deve
ser espontânea e dinâmica com maior ênfase no testemunho e na
narrativa que na explicação e doutrina.
2) Caráter comunitário, coletivo e associacional dos
relacionamentos. Não se deve isolar o evangelizado do restante
da família ou da comunidade, antes, deve-se incentivá-lo a
prosseguir sua vida comum com a qual estava acostumado. O
grupo não deve ser removido para uma igreja fora do local onde
a comunidade mora. Deve-se começar uma igreja no próprio
lugar e manter um forte vínculo com ele.
3) Os problemas da vida como ponto de partida da
evangelização. A evangelização deve trabalhar desde as
necessidades físicas e materiais do evangelizado, demonstrando
que o evangelho beneficiará realmente a pessoa e que ela
melhorará de vida ao aceitá-lo, o que é inteiramente verdadeiro.
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4) O caráter festivo, comemorativo e dramático do culto.
Cultos com muita música e ritmos populares, testemunhos,
orações e manifestações do Espírito Santo, uso de apresentação
de crianças, apelos, imposição de mãos, batismo e Ceia do
Senhor, dentre outros motivos para celebrações.
5) A devoção como o ponto forte para efetivar e manter os
resultados da evangelização. Orações em suas diversas
maneiras, jejuns, vigílias, períodos de devoção, práticas de
devoção, são uma constante na vida dos evangelizados. Quando
o brasileiro religioso é evangelizado pelo cristianismo, por vezes
é forçado a abandonar sua devoção afro-indígena e nada lhes é
oferecido no lugar, deixando um grande vazio emocional.
As classes sociais mais simples e populares também devem ser
vistas como espaço privilegiado da vivência da espiritualidade
em relação com a cultura religiosa do povo brasileiro. Da
perspectiva das classes média e alta da sociedade brasileira, que
é a mentalidade que prevalece na maior parte do Catolicismo
oficial, e nas igrejas protestantes históricas e pentecostais
clássicas, o pensamento é que a espiritualidade é muito mais
confessional, portanto, racional, litúrgica e cognitiva. O
processo pelo qual ela se torna possível no povo brasileiro é a
educação metódica e transposição cultural.
Conclusão geralAs origens da cultura religiosa do povo brasileiro remontam à
colonização e consolidação das múltiplas experiências religiosas
de colonizadores portugueses, indígenas da terra e escravos
africanos. Bem mais tarde, chegou o Protestantismo, com uma
experiência religiosa estranha àquelas já existentes, o que
dificultou sua penetração. Coube ao Pentecostalismo a profunda
inculturação que ocorre bem recentemente.
Não se pode falar de uma espiritualidade do povo brasileiro sem
diálogo e inserção nesta cultura religiosa, cujo resultado será
uma igreja evangélica popular. Esta espiritualidade é legítima,
pois o Evangelho e o Espírito Santo que o comunica a nós é para
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todos, portanto, não deve ser seletivo. Ainda, pode funcionar
como o início de um movimento de inserção social e cultural das
classes mais simples em um projeto brasileiro de nação.
Para que tal aconteça, são necessárias algumas mudanças na
forma tradicional como os evangélicos veem a espiritualidade, a
igreja e a teologia. A primeira mudança é de natureza histórica.
Esta diz respeito à aceitação dos valores cristãos já presentes na
formação desta cultura religiosa que seriam apenas re-orientadas
em uma teologia brasileira da espiritualidade.
Uma segunda mudança é de natureza cultural. Esta diz respeito
às muitas formas de expressar a cultura religiosa como resultado
desta formação histórica. Por serem esses traços culturais por
demais materiais, simbólicos e afetivos, a nova compreensão de
espiritualidade deve saber distinguir e aceita-los sem criar
grandes empecilhos à sua permanência como espiritualidade
cristã.
Uma terceira postura é de natureza social. Esta diz respeito aos
participantes desta cultura religiosa cristã, entre os quais ela se
faz mais presente, quase intuitivamente. As pessoas mais
simples conservam mais facilmente a experiência religiosa
tradicional e são refratárias a uma forma de espiritualidade que
se torna cada vez mais burguesa em busca das classes superiores
da sociedade.
Uma quarta mudança é de natureza teológica. Esta diz respeito
ao tipo de teologia que libertará a compreensão de
espiritualdiade para assumir as três mudanças anteriores. Como
discurso humano, a teologia tende a se amoldar histórica,
cultural e socialmente. Crítica de seu próprio discurso, a teologia
pode ser voz desta cultura religiosa do povo brasileiro na
medida em que se aproxima de sua categoria fundamental de
comunicação: a narração. Conhecer Deus como experiência
humana imediata do povo brasileiro, aproximando essa
experiência humana daquela narrada na Bíblia, seria a grande
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possibilidade de uma teologia evangélica popular,
contextualmente brasileira.
II - A(s) espiritualidade(s) pós-modernaDr. Sidney Sanches
Neste pequeno ensaio, entende-se a espiritualidade como a
relação entre o espírito humano e o lugar no qual o ser humano
mora, vive e constrói sua identidade. Lugar é solo, chão, que
nutre, alimenta, dá e mantém a vida, mas que também a recebe
de volta, quando a vida é sepultada nela.
a) Os dias de hoje como lugar de espiritualidade
Os dias de hoje são o lugar no qual e desde o qual se pode falar
de espiritualidade. Descritos como multifacetados,
descentralizados, superfragmentados, hiperindividualizados,
coletivizados, não se pode falar nem de uma única identidade e
nem de uma só espiritualidade nestes dias.
Nem mesmo o Cristianismo favorece um único lugar. A
experiência cristã, nos dias de hoje, é tão multifacetada,
descentralizada, superfragmentada, hiperindividualizada quanto
são esses próprios dias. Ela se realiza em micro-lugares, tais
como: Protestantismo(s), Pentecostalismo(s),
Neopentecostalismo(s), Catolicismo(s). E, em micro-temas:
missão integral, libertação, feminismo, minorias, jejum e oração,
batismo com o Espírito Santo, santificação, guerra espiritual,
cura interior, discipulado, cultura, e muitos outros. Ainda que
alguém queira dizer que a espiritualidade é uma – a cristã,
contudo ela é apenas vivenciada nesses e outros diversos
lugares. Isto é, só a conhecemos desse modo.
Como lugar, onde os dias de hoje são encontrados, melhor
dizendo, mapeados, e, assim, a espiritualidade localizada? Na
Internet, na TV, nos clips da MTV, no cinema, nas idéias, na
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cidade, no ar... Talvez essa seja a palavra-metáfora, AR, que
melhor represente os dias atuais.
O ar é a atmosfera que respiramos e da qual não nos
preocupamos em reconhecer, pois estamos imersos nela. Somos
ensinados, pela Ciência, que se preocupa com a análise da
natureza física das coisas, que ele é decomposto em substâncias
benéficas para os seres humanos, as principais sendo Oxigênio e
Hidrogênio, e as maléficas, que podem nos destruir como o Gás
Carbônico, afora muitas outras das quais é composto.
Talvez essas informações científicas sejam importantes quando
se trata de melhorar ou piorar o ar que todos respiramos. Talvez
elas impressionem quando se descobre que se pode manipular o
ar, separar suas partes boas das ruins, guardar as partes boas em
garrafões e vendê-los para melhorar e prolongar a vida de
pessoas nos hospitais.
Ela também nos diz que no ar passa tudo o que nós precisamos
ou consumimos, que pode nos matar ou nos fazer viver. As
bactérias e vírus mortais, as ondas de rádio e TV, os fios e cabos
suspensos no ar, as balas e palavras que saem das armas e das
nossas bocas. Mais do que o chão, a terra, o ar é o lugar onde
nos movemos, vivemos e existimos, sem sequer sabermos de
onde vem e para onde vai. Não é à toa que o ruah hebraico e o
pneuma grego insistam que o espírito que age por Deus é ar.
Terrível mesmo é a falta do ar. Que o digam os seres humanos
asmáticos e os que padecem de problemas respiratórios.
Também que o diga quem se sente sufocado, afogado, perplexo,
por isso mesmo, com a sensação de que está sem ar, sem fôlego.
É assim que se parecem muitos dos evangélicos nos dias de
hoje.
Nessa hora, a Ciência do ar pouco importa. Trata-se de viver e
somente é possível respirando-o. O ar é o mundo que respiramos
e sentimos a necessidade quando este parece nos faltar, quando
o mundo não parece mais familiar, quando ele parece
envenenado e as pessoas usam máscaras que o filtram para não
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ter contato direto com ele. No entanto, é impossível parar a
respiração, é impossível deixar de viver no mundo. A alternativa
é a morte.
Interessante quanto ao ar é que dele não se pode fazer reservas,
nem do passado nem para o futuro. E nesse caso, a Ciência não
nos é de nenhuma ajuda. Essa condição de existência no mundo
impõe aos seres humanos a ordem do presente. É ela que orienta
o espírito humano e, assim, a sua espiritualidade, carregada de
um presente intenso e urgente. O ser humano sabe, quanto ao
passado, que se respirou algo; mas, quanto ao futuro, o máximo
que sabe é que se deve continuar respirando o ar de agora, e
sofregamente.5
Assim, os dias de hoje, enquanto o ar que os seres humanos
respiramos, oferecem um mundo de sensações bastante
complicado para o espírito humano. No momento, a sensação é
de confusão quanto ao passado, que provoca a avaliação de cada
decisão tomada, cada gesto efetuado, cada palavra dita. O
espírito humano nos obriga a buscar pela memória; mas ela é
difusa e interesseira.
Habitantes de um mundo urbano, a arquitetura urbana retira o
horizonte, veda o futuro, encerra o espírito humano em uma
caixa, onde parece que ele repete cotidianamente as mesmas
experiências. O ar está aí, porém viciado, a vida já está dada, o
caminho já foi definido, cabe-lhe apenas seguir respirando sem
maior significação.
Dizia o pregador:
Que prazer tem o homem debaixo do Sol?6
Nesse mundo urbano, não há escatologia, um fim aonde se
chegar, porque ele já chegou. Não há o que planejar, porque
tudo já está planejado. Não há o que organizar, porque tudo já
foi organizado. Deve-se somente encaixar naquele lugar que
5 GUMBRECHT Hans Ulrich. “Sem Saída”. Folha de São Paulo. São Paulo, 25/09/05. Caderno Mais, p. 10.6 Eclesiastes 2:22.
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melhor agrada, nos sonhos que já foram sonhados antes por
outros.
Se a sensação mais forte não é de caminhar para um fim, a
sensação é de que o fim já chegou. Não é escatologia, é
apocalíptica. Não é à toa o sentimento atual de juízo e cansaço.
As promessas da Modernidade falharam, o Sol fez e concluiu
seu percurso, e, sem percebê-lo, o tempo passou para todos,
deixando um enorme gosto amargo de fim de campeonato, com
as emoções em frangalhos, a mente sobrecarregada, e imposta a
necessidade espiritual de prosseguir vivendo.
Na ausência de algo a mais por fazer, da desistência de que surja
um buraco no céu de onde alguma novidade desça, sob a ameaça
dos buracos que brotam das profundezas da terra de onde saem
todos os males, o espírito humano agoniza e se diverte com isso.
O grotesco, o sujo, o inominável, o amoral, o deturpado, polui o
ar tornando-o irrespirável. O espírito humano se diverte com a
própria sensação de morte, com o próprio sufocamento.
A alternativa é o salto, o escape para o angelical, o onírico, o
celestial, feito de recursos produtores de alguma sensação de
bem-estar, normalmente tendo as emoções exploradas ao
máximo. Por elas, o espírito humano se entretém, isto é,
mantém-se suspenso de qualquer juízo, compromisso, análise.
Ele é drogado, entorpecido, impedido de pensar, de
compreender, de refletir, sentindo-se confortavelmente
entorpecido.
Sem futuro, a antiga noção judeu-cristã de sacrifício, tão cara à
Modernidade, perdeu o sentido.7 Era a certeza de que há um
futuro que o justificava. Esse futuro era oferecido como prêmio
pela renúncia a algo, aqui e agora, em troca de outra coisa mais
à frente. Se o ser humano passasse a vida inteira se sacrificando
financeiramente, os filhos e netos teriam uma vida melhor mais
à frente.
7 LÖWY Michael. “O Capitalismo como Religião”. Folha de São Paulo. São Paulo, 18/09/05. Caderno Mais, p. 6.
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O sacrifício também era o preço a pagar pelos erros cometidos
no passado, individuais ou coletivos, e que traziam, como
conseqüência no presente, sofrimento, pena, castigo, culpa, e a
esperança futura de uma expiação, perdão, alívio. Desligado do
passado, perdeu-se o significado do sofrimento. Sem um futuro
a se realizar, não há razão que justifique o sofrimento.
Todavia, o sacrifício não foi removido da experiência humana
de estar no mundo de hoje. Com um presente inesgotável à
frente, ele deve ser bem vivido e isso a qualquer preço. Quanto
mais caro, melhor a vida, sendo esse o sacrifício que se conhece.
Dedica-se a vida à devastação, verdadeira rapina de coisas,
denominada consumo ao qual os seres humanos dedicam a
maior parte do que obtém com algo chamado trabalho,
convenientemente chamado nos dias de hoje, de luta.
Quando não se pode pagar à vista, faz-se dívidas, acumulando-
se a culpa, e recebendo castigo não depois, mas agora mesmo,
por meio dos mecanismos de crédito e financiamento, resultando
em condenação e exclusão.
Um antigo sábio cristão-judeu, na carta de Tiago, dizia: “Vocês
cobiçam coisas, e não as têm; vocês vivem a lutar e a fazer
guerras! Pedem e não recebem, porque pedem para gastar em
seus prazeres!”8
Seja a busca pelos melhores bens e serviços, seja a exclusão
dessa possibilidade, faz pender o espírito humano sobre o Nada
e o Vazio, entre o medo de ter e perder, e o medo de perder e
não mais ter. Semelhante ao antigo temor de ficar fora do céu,
indo para o inferno, pior é ficar fora do mercado de trabalho, do
mercado de consumo, do mercado das bênçãos religiosas, do
mercado da celebridade.
Ocupar ou, pelo menos, ajudar a tornar esse Vazio tolerável é a
tarefa ora proposta no surpreendente retorno à religião. O
abandono da religião foi um daqueles planejamentos da
Modernidade que mais foram contraditados e que contribuíram
8 Tiago 4:2,3.
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para seu descrédito, por mais que seus valentes defensores ainda
queiram insistir no contrário. Por um breve momento, ela fez
crer que os seres humanos não eram mais religiosos, para, agora,
descobrir que eles nunca deixaram de ser religiosos.
Não se sabe quem mudou? Se a terminologia científica para a
experiência religiosa dos seres humanos ou se os seres humanos.
De fato, os dois mudaram. O que se estuda, nos dias de hoje,
como religião tem muito pouco a ver com o que a Modernidade
chamava de Religião, normalmente as denominadas Grandes
Religiões mundiais: Cristianismo, Islamismo, Judaísmo e as
religiões orientais, nessa ordem. Religião, nos dias de hoje, pode
ser qualquer coisa que se queira chamar assim.
Também, mudou o ser humano. Religião, para ele, possui várias
possibilidades dependendo da tensão entre individualidade e
coletivividade. Ele é um autônomo ou um autômato da
experiência religiosa? Mas, essa experiência não vai muito longe
do que lhe é possível respirar no mundo no qual vive. Ainda
assim, ele é mais exposto a experimentações, podendo se tornar
um híbrido religioso, isto é, todos os deuses ao mesmo tempo,
aqui e agora.
Organizou-se, para atender essa nova demanda do espírito
humano uma nova área do saber nas Ciências Humanas nos dias
de hoje sob o pomposo nome de Ciências da Religião. A esse
respeito, chama a atenção, sobretudo, o retorno da filosofia
contemporânea à religião9, descobrindo que r(R)eligião ou
d(D)eus é o lugar onde chegou a secularização efetuada pela
Modernidade, em uma espécie de: d(D)eus morreu, vamos
conversar sobre e(E)le.
Algumas propostas atualizam a prática da espiritualidade nos
dias de hoje e trataremos delas na próxima lição na forma da
espiritualidade pragmática do samaritano,10 a espiritualidade
9 ROUANET Sérgio Paulo. “A volta de DEUS”. Folha de São Paulo. São Paulo, 19/05/02. Caderno Mais, p. 9-11.10JR. Paulo Ghiraldelli. “Pragmatismo Samaritano”. Folha de São Paulo. São Paulo, 03/07/05. Caderno Mais, p 7. Veja, também: BOFETTI Jason. “Richard Rorty encontrou a religião”. Traduzido por Júlio Paulo T.
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fraterna do bom senso,11 a espiritualidade quenótica do serviço,12
a espiritualidade extática e estética do sublime,13 a
espiritualidade sacerdotal da ação14 e a espiritualidade ética da
mudança.
Zabatiero, em Junho de 2005, para o site: www.filosofia.pro.br.11 DENNET Daniel. “A religião do bom senso”. Folha de São Paulo. São Paulo, 12/02/06. Caderno Mais, p. 7.12 WARD Graham. “Kenosis and Naming: beyond analogy and towards allegoria amoris”. In: HEELAS Paul (Org.). Op. Cit. p. 233-257.13 CUPITT Don. “Post-Christianity”; MILBANK John. “Sublimity: the Modern Transcendent”; BLOND Phillip. “The Primacy of Theology and the Question of Perception”; HART Kevin. “The Impossibile”. In: HEELAS Paul (Org.). Op. Cit. p. 218-232, 258-284, 285-313, 314-331, respectivamente.14 SANCHES Sidney de M. Hebreus. Espiritualidade e Missão. Belo Horizonte: Lectio, 2003.
CEAD-FTSA
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Aula 3Propostas de Espiritualidade
Apresentação da Aula
Um bom texto para introduzir essa lição é a parte abaixo da
música do João Alexandre "É bom viver". Nela o cantor
comunica uma compreensão da vida com Deus que torna a vida
no mundo muito agradável:É bom viver
Estar completo e ser felizFalar de amor
E ouvir de perto o que ele dizUm olhar bem alto e os pés no chão
A paz de Deus no coraçãoTão bom viver seguro em suas mãos
Só quem conhece a DeusVai muito mais além
Tem sempre o seu amorQuando a tempestade vem
É bom viverEstar com Deus é ser feliz
Reconhecer, andar e crer no que ele dizUm olhar bem alto e os pés no chão
A sua paz no coraçãoTão bom viver 2x
Seguro em suas mãos
Objetivo da Aula
Nesta aula temos como objetivo ampliar nossa discussão sobre o
que compreendemos por espiritualidade cristã, com algumas
propostas teológicas atuais. A intenção não é fechar um conceito
ou definição da espiritualidade cristã, mas colocar "mais lenha
na fogueira", ou seja, apresentar novos argumentos sobre o
assunto.
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Pr. Sidney M. Sanches(Livro: Perplexos, mas não desanimados. Lectio
Editora)
Introdução
Algumas propostas atualizam a prática da espiritualidade nos
dias de hoje. São elas: a espiritualidade pragmática do
samaritano,15 a espiritualidade fraterna do bom senso,16 a
espiritualidade quenótica do serviço,17 a espiritualidade extática
e estética do sublime,18 a espiritualidade sacerdotal da ação19 e a
espiritualidade ética da mudança.
Retiradas da leitura do Evangelho de Jesus Cristo, e, portanto,
fortemente marcadas pelo Cristianismo, elas podem ser
explicadas a partir de seis categorias evangélicas: a compaixão,
a recepção do próximo, a auto-entrega, o sublime, a missão e a
conversão. E sugerem caminhos para o espírito humano que
deseja prosseguir cristão e evangélico nos dias de hoje.
b) A espiritualidade pragmática do samaritano
O termo foi cunhado por Paulo Ghiraldelli Jr. em um texto
publicado no jornal Folha de São Paulo. Nele, comenta uma
obra recém-lançada pelo teólogo Santiago Zabala, denominada
The Future of Religion, no qual reúne uma conversa entre
Richard Rorty e Gianni Vattimo, segundo ele, um anticlerical e
outro religioso, respectivamente.
O diálogo entre ambos trata do reaparecimento da experiência
religiosa como formadora da identidade pública e não mais
15 JR. Paulo Ghiraldelli. “Pragmatismo Samaritano”. Folha de São Paulo. São Paulo, 03/07/05. Caderno Mais, p 7. Veja, também: BOFETTI Jason. “Richard Rorty encontrou a religião”. Traduzido por Júlio Paulo T. Zabatiero, em Junho de 2005, para o site: www.filosofia.pro.br.16 DENNET Daniel. “A religião do bom senso”. Folha de São Paulo. São Paulo, 12/02/06. Caderno Mais, p. 7.17 WARD Graham. “Kenosis and Naming: beyond analogy and towards allegoria amoris”. In: HEELAS Paul (Org.). Op. Cit. p. 233-257.
18 CUPITT Don. “Post-Christianity”; MILBANK John. “Sublimity: the Modern Transcendent”; BLOND Phillip. “The Primacy of Theology and the Question of Perception”; HART Kevin. “The Impossibile”. In: HEELAS Paul (Org.). Op. Cit. p. 218-232, 258-284, 285-313, 314-331, respectivamente.19 SANCHES Sidney de M. Hebreus. Espiritualidade e Missão. Belo Horizonte: Lectio, 2003.
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restrita à identidade privada das pessoas, sobretudo entre os
mais jovens nos dias de hoje. Enquanto as pessoas mais velhas,
cuja experiência de estar no mundo foi modelada pela
Modernidade, tinham e ainda manifestam alguma vergonha em
admitir publicamente uma experiência religiosa, isto não ocorre
com os mais jovens, que não demonstram o mesmo
constrangimento e, inclusive, buscam claramente essa
experiência.
Segundo o articulista, a postura dos dois conversadores é que se
deve ser cauteloso acerca de um aspecto desse interesse recente
dos jovens: separar o dogmatismo inerente a qualquer
experiência religiosa, que impediria a convivência com os outros
que não a possuem ou discordam dela. E, ao contrário, fortalecer
as atitudes, práticas e valores que tal experiência pode
proporcionar para o bem-estar e convívio públicos.
No que se refere particularmente à experiência religiosa
promovida pelo Cristianismo, eles propõem o “uso pragmático
do Novo Testamento” e sugerem como exemplo a parábola do
bom samaritano contada por Jesus. Ensinada aos jovens, deve
levar à seguinte conclusão:
Mostrar que o pertencimento a um ou outro povo é secundário, ser de uma ou outra raça é irrelevante, o prioritário é agir de modo desprendido por amor, por solidariedade, corajosamente.
De fato, a prática da conduta confirma a veracidade da
experiência religiosa afirmada. Ela redefine um novo campo
semântico para a palavra “justiça”, não mais empregada
juntamente a “reparação” e “vingança”, mas com “perdão”,
“amor” e “solidariedade”.
Em sua proposta, Paulo Ghiraldelli Jr descreve-se como neo-
pragmatista e fala de um Jesus pragmatista. É comum, nos dias
de hoje, usar nomes novos para falar de idéias velhas. Porém,
quando se usam esses nomes novos, é comum, também, adaptá-
los a um novo uso. O que acontece, hoje em dia, é que existe
uma suavização naquilo que se quer dizer com um velho nome
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de modo que não haja um compromisso profundo com o que se
diz.
No caso em questão, Pragmatismo20 trata-se de um antigo
esforço filosófico de encontrar a verdade não naquilo que
antecede a experiência humana de estar no mundo, mas a partir
dos resultados que essa experiência produz. Nos dias de hoje,
dizer-se neo-pragmático é afirmar que qualquer que seja a
verdade, ela sempre será esse resultado das ações humanas, não
cabendo maiores explicações. O único compromisso é procurar
ser coerente com o saber que esse resultado oferece.
De que modo essa explicação de Cristianismo se apresenta como
um projeto de espiritualidade evangélica para os dias de hoje?
Primeiro, ela mantém a separação entre a identidade privada
formada pelo conjunto de doutrinas cristãs, que interessa apenas
aos cristãos, e a vivência, ou prática, ou experiência das atitudes,
valores e sentimentos que elas inspiram. Especificamente, Jesus,
conforme narrado nos Evangelhos Sinóticos, e não a doutrina,
conforme preservada pela tradição cristã, é que será o exemplo a
ser seguido.
Segundo, ao referir a Jesus como exemplo coloca-o como
modelo de imitação. Isso sugere a retomada do seguimento de
Jesus, não em termos de uma concentração no que se disse a seu
respeito na Teologia cristã, mas em termos de uma imitação ou
repetição do que ele fez e ensinou. A conseqüência, então, é que
se trata de uma obediência a uma pessoa, algo bastante típico
dos primeiros seguidores de Jesus, nos primeiros séculos do
Cristianismo.
Terceiro, para que essa concentração em Jesus aconteça é
preciso retornar a Jesus, não como uma busca pelo que há de
histórico ou verdadeiro nele, mas como a narrativa de um ser
humano que, em sua busca de Deus, e sendo o próprio Deus,
20 Não cabe, aqui, um estudo mais detalhado sobre o Pragmatismo, uma influente corrente do pensamento filosófico nos dias de hoje. Um estudo introdutório e bastante acessível está no artigo de Paulo Ghiraldelli Jr.: “Pragmatismo e Neopragmatismo”, no site: www.filosofia.pro.br.
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ensinou por ações e por palavras qual seria a vontade de Deus
aos seres humanos nos dias de hoje.
Por fim, isso equivale a colocar a salvação em outros termos.
Não se trata de definir o destino final dos seres humanos e nem
de dividí-los entre os que seguem a doutrina cristã e freqüentam
a igreja e aqueles que não o fazem. A salvação deve ser
explicada em termos daqueles que seguem a Jesus e daqueles
que não o seguem. Sua eficácia será medida não em quanto
conforto pessoal oferece, porém em quanta conduta, vivência
conforme o modelo de Jesus, ela estimula. Seu resultado medido
não como os efeitos interiores de uma santidade interna, e, sim,
no impacto externo de uma ação que santifica tudo o que toca.
c) A espiritualidade fraterna do bom senso
Daniel Dennett reconhece que para boa parte das pessoas nos
dias de hoje a religião não apenas é importante como é uma das
poucas coisas que dão sentido à sua existência humana no
mundo. Portanto, não se faria nenhum bem às pessoas negar-
lhes a possibilidade de praticar a sua religião.
O que ele coloca, quanto a essa prática, contudo, é a seguinte
situação: E quando a prática religiosa engana e manipula por
exigir uma sujeição sem limites a seu d(D)eus, à sua doutrina, à
sua igreja, aos seus líderes? Essa religião continua sendo
benéfica a tal pessoa? Ela não deveria ser alertada sobre o
quanto a religião está sendo prejudicial para ela? Porém, se essa
pessoa se sente bem, aceita as coisas que a religião lhe impõe e
que lhe dá sentido à existência, é lícito e correto tomar essa
postura? Uma posição a respeito exigirá, no final das contas,
uma decisão moral.
Segundo ele, uma decisão moral a esse respeito é uma ação
individual ao alcance de qualquer pessoa nos dias de hoje. Elas
podem ser de cinco tipos: 1) aquela que admite a própria
superioridade da sua religião e aguarda com paciência que as
demais desapareçam; 2) aquela que admite que qualquer religião
é boa e o importante é que se tenha uma; 3) aquela que admite
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que a religião é uma coisa desnecessária, nem boa e nem ruim, e
que desaparecerá com o tempo; 4) aquela que admite que sua
religião deve ser preservada e, para isso, é preciso apresentá-la
às outras pessoas no mercado religioso dos dias de hoje; 5)
aquela que admite que somente a sua religião é boa, que não
considera a existência de outras alternativas religiosas e, pior,
trabalha ativamente para eliminá-las.
Cada decisão moral é uma ação individual, e, nos dias de hoje,
impõe a cada pessoa o dever e o poder de tomá-la. Isso lhe traz
uma grande sensação de liberdade, mas, também, uma grande
carga de responsabilidade. Simplesmente, nessas ocasiões, as
pessoas não sabem como decidir. O mais comum é que essas
pessoas se apóiem em uma orientação moral da sua religião e
decidam com base nela sem maior reflexão ou questionamento.
A conclusão de Dennett é que
qualquer pessoa que argumenta que um ponto particular de convicção moral não é discutível ou negociável – simplesmente por ser a palavra de Deus ou porque a Bíblia diz assim ou porque é “o que todos os muçulmanos (ou hindu ou sikh...) acreditam, e eu sou muçulmano (ou hindu ou sikh...)” – deve ser vista como alguém que impossibilita ao resto de nós levar seus pontos de vista a sério...Não é digno de ser adorado nenhum Deus a quem agradam as manifestações de amor destituído de razão.
De que modo essas reflexões ajudam na formulação de uma
espiritualidade evangélica nos dias de hoje? Primeiro, é preciso
dizer que toda espiritualidade, inclusive a evangélica, é
entendida como o lugar onde o espírito humano habita. Ela
requer e se faz de uma prática religiosa, isto é, há um
comprometimento com certas ações, posições, as quais, no
fundo, remetem a valores partilhados ou ensinados por
determinada religião, os quais, por sua vez, orientam decisões
morais que a pessoa toma enquanto existe no mundo.
É comum, portanto, que a espiritualidade, também para um
evangélico, signifique muito mais que o mero usufruto de
práticas desvinculadas de uma existência que se vive no mundo.
Em grande medida, boa parte das pessoas nos dias de hoje,
procuram a espiritualidade evangélica como auxílio para
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orientação sobre como viver no mundo. Isso coloca a questão de
como elas tomam decisões orientadas por essa espiritualidade.
Segundo, o que se pede de toda espiritualidade é que ela seja
praticada com discernimento ou, segundo pede o articulista
comentado, com razão. Alguém, mais idoso, diria: com juízo!
Tal postura requer, porém, que se mantenha a difícil tensão entre
a identidade individual e a coletiva, entre a proximidade e o
afastamento. A prática da espiritualidade não é algo que se faça
como se compra uma mercadoria, mesmo para os consumidores
vorazes de espiritualidade. Sempre há um mínimo de
envolvimento coletivo, o que coloca forte pressão sobre a
decisão individual.
É provável que quanto mais dependente e envolvida em uma
prática religiosa, menos discernimento e raciocínio alguém seja
capaz de exercer particularmente. Também é possível que
quanto mais problemas conduzam uma pessoa a uma prática
religiosa, mais disponível ela estará a receber e fazer as
orientações que lhe forem dadas. E, se ela se torna uma
divulgadora dessa prática, é certo que sua capacidade individual
de discernimento se torne menos útil ainda.
Terceiro, há um limite que o bom senso estabelece em toda
espiritualidade e é que é exercido pela grande maioria das
pessoas. Elas não se dispõem a correr riscos em sua vida, em sua
família, em seus negócios, em sua saúde mental, quando a
prática religiosa parece ameaçar essas vivências. Há uma boa
dose de bom senso, de razão, de juízo quando alguém se recusa
a se matar ou a matar a outra pessoa por amor a Deus e isso
acontece mais freqüentemente do que se pensa.
No entanto, o bom senso está condicionado por muitas outras
coisas que acontecem com as pessoas enquanto existem no
mundo. Quando o sentido da sua existência no mundo está
ameaçado porque sua prática religiosa está sob ameaça, é bem
possível que ela reaja em defesa da sua espiritualidade nem que
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isso custe a sua própria vida. Nesse caso e para essas pessoas,
vale a pena morrer ou matar por d(D)eus.
Quarto, uma espiritualidade somente é fraterna quando a
existência humana no mundo permitir que se confie mais nas
pessoas. Isso é bom senso! Portanto, a fraternidade, tal como o
bom senso, não são coisas adquiridas de antemão com a
espiritualidade, mas construídas a partir dela. E isso depende,
em grande medida, de como se vê Deus, o que a torna uma
questão teológica.
Para uma espiritualidade evangélica, o Deus do Evangelho é
conhecido naquilo que realiza em favor do ser humano. Em
favor, não contra. E a ação mais benéfica que realizou foi o
envio de Jesus Cristo. Apresentado por Jesus Cristo como o seu
Pai e o nosso Pai, oferece as condições para se ver uns aos
outros como irmãos, isto é, cria fraternidade. Dizendo de outro
modo, cria a prática pela qual as pessoas poderão confiar umas
nas outras.
Para uma espiritualidade evangélica, a extensão dessa
fraternidade aos demais seres humanos passa por dois
momentos. O primeiro: o Deus Pai é o Criador, portanto, não
estão excluídos de sua paternidade toda criação, inclusive todos
os seres humanos. Há, assim, uma fraternidade possível sob
essas condições. O segundo: o Deus Pai é o Redentor, e, assim,
toda a criação, inclusive todos os seres humanos, estão
potencialmente incluídos nesta fraternidade de redenção. Esse é
um bom ponto de partida quanto a se praticar uma
espiritualidade evangélica que considere a fraternidade e o bom
senso nos dias de hoje.
d) A espiritualidade quenótica do serviço
A doutrina da quénose (esvaziamento) de Jesus Cristo ganhou
fôlego nas discussões teológicas nos dias de hoje a partir de
reflexões filosóficas que explicam a realidade como esvaziadas
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de conteúdo ou de qualquer presença nas coisas que cercam os
seres humanos. Isso diz respeito à criação ou natureza, às obras
que eles executam e também aos nomes que dão a essas coisas,
quando falam, escrevem e lêem sobre elas.
Essas pessoas querem dizer que não há algo para além daquela
experiência de estar no mundo que elas vivem. Não há
substância, não há conteúdo nem alguma coisa a mais a ser
percebida. Algumas delas admitem que é possível que exista
esse algo além, mas que é totalmente inacessível aos seres
humanos na sua experiência atual.
Esse conhecimento explica o ser humano como alguém que vive
a experiência do vazio, da incompletude e da des-possessão.
Também explica como ele deve se relacionar com as coisas que
experimenta no mundo, como alguém privado da verdadeira
realidade, como se fosse um asceta às avessas, não do que vê,
mas do que não vê. E, por fim, explica como ele usa a
linguagem, isto é, o que fala, escreve e lê, como sendo a forma
pela qual a experiência humana é identificada e pela qual ela se
realiza.
Essa experiência leva a compreender Deus como sublime,
elevado, portanto, não-acessível e não-presente imediatamente
como se fosse o estofamento da realidade. Ele não compõe a
natureza das coisas que os seres humanos costumam
experimentar. Isso não quer dizer que Deus não faça parte da
experiência humana. Afirma a Bíblia que Deus se esvaziou de si
mesmo quando se fez carne, quando nasceu no mundo em Jesus
Cristo. E é assim que se pode conhecer ou falar de Deus:
enquanto Jesus Cristo encarnado, morto e ressurreto.
A doutrina quenótica retoma a afirmação paulina de Filipenses
2:7,8
mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo (assumindo a existência de um escravo), tornando-se igual aos homens. E, sendo encontrado em aparência (esquema, imagem) humana, humilhou-se a si mesmo e foi obediente até a morte, e morte de cruz!
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35
É comum, na história das discussões teológicas acerca da
quénosis de Deus em Jesus Cristo, preocupações acerca de:
quais características teriam sido esvaziadas? Como Deus
continuou participando em Jesus Cristo? Semelhante é a mesma
coisa que igual? Até onde o corpo e morte de Jesus Cristo levou
a um distanciamento da presença de Deus? E assim por diante.
Essas especulações apenas obscurecem o raciocínio e impedem
ver que a declaração paulina pretende ser um relato daquilo que
Deus realizou em Jesus Cristo na cruz e a explicação do
significado e importância desse ato para a experiência humana
de estar no mundo. Isso fica claro quando se nota que a
identidade de Jesus Cristo é narrada desde a condição de um
escravo: a humildade e a obediência do serviço, tendo por ápice
a ação final que realiza: o abandono ou a entrega da vida da qual
não reteve a posse. De modo que encontrar a Deus é encontrá-lo
nessa narrativa da humilhação e serviço de Jesus Cristo.
Essa parece ser a típica experiência vivida pelos primeiros
seguidores de Jesus Cristo e ensinada às suas igrejas à medida
que se lê o Novo Testamento. A memória da vida e, sobretudo,
da morte de Jesus Cristo como um derramamento é belamente
retomada toda a vez que se partia o pão e se bebia o vinho. Entre
as epístolas, de uma maneira ou de outra, remete-se
continuamente a essa memória para orientar a conduta das
igrejas. E assim age o apóstolo Paulo na citação acima.
A manutenção dessa memória atribui uma identidade a Jesus
Cristo que conta a sua vida e morte como a de um escravo – na
forma de escravo, à semelhança da imagem humana. Nenhuma
outra referência a essa identidade é tão forte, além da citação de
Filipenses, quanto aquela de Marcos 10:45: “Assim como o
Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir, e
dar a sua vida”.
Deus na forma de escravo, à semelhança da imagem humana,
servindo e não sendo servido. Quando se olha a Deus desde essa
imagem reversa, a qual é a única imagem possível de se olhar, é
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que se percebe toda a força de uma experiência humana de estar
no mundo com Deus e a partir de Deus.
Para uma espiritualidade evangélica nos dias de hoje, essa forma
e imagem de Deus auxilia da seguinte maneira. Primeiro: cada
época da experiência humana de estar no mundo escolhe certas
imagens de Deus desde as quais os seres humanos conseguem
refazer suas próprias narrativas. Nos dias de hoje, é propícia a
imagem humana de Deus esvaziada na forma de um escravo. A
experiência de uma realidade desnudada, à semelhança de uma
paisagem da caatinga ou do cerrado, na qual se precisa penetrar
fundo para extrair alguma vida é a maneira de se vivenciar
Deus.
Segundo: Tal imagem de Deus já carrega consigo uma avaliação
da própria imagem humana. Ela não é diferente quando se vê
desvestida de toda a glória que parecia cercar a experiência
humana na Modernidade. A humildade, que sugere a terra, o
húmus, que leva ao reconhecimento de quão frágil é a vida, de
quão tênue é conservar o seu equilíbrio, de como tudo é tão
provisório, de quão facilmente a vida se vai quando ela volta à
terra de onde veio. Na experimentação desse vazio pode-se
encontrar o próprio Deus.
Terceiro: Assim ocorreu quando Jesus Cristo morre e é
sepultado, isto é, ele é devolvido à terra. Anterior a essa
narrativa, e causa dela, está a sua crucificação, na qual ele
derrama seu sangue sobre a terra. Desde que o sangue é a vida
na tradição hebraica, é esta que é derramada desse modo.
Nessa palavra-metáfora utilizada para narrar a morte de Jesus
Cristo sempre se vê o derramamento desde o observador que
está de fora, isto é, o sangue que foi derramado. Porém, deve-se
observar desde o outro lado, isto é, desde dentro de um corpo
que estava cheio de sangue, de vida e se esvazia, pois esse foi o
olhar de Deus em Jesus Cristo. Ele pode ser explicado como um
estar-aí-para-outros.
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37
Estar-aí-para-outros descreve a palavra-metáfora do
DERRAMAMENTO que ilumina a mais bela ação ao alcance
do ser humano e realizada por Deus em Jesus Cristo. É o auto-
esvaziamento que permite e explica a possibilidade do serviço.
Sem essa ascese da identidade privada, essa limpeza de si-
mesmo, essa purificação do coração, não é possível o serviço, o
qual, por compreensão própria é para outro, não para si mesmo.
Somente assim se pode sair do individual para o público e pedir
responsabilidade, compromisso, fraternidade. Somente essa
espiritualidade pode salvar a experiência humana de estar no
mundo nos dias de hoje.
e) A espiritualidade extática e estética do sublime
O êxtase é uma palavra utilizada na experiência humana de
transcender. Transcender é outra daquelas palavras que, de tão
usadas, acabaram perdendo qualquer sentido nos dias de hoje.
Um retorno ao uso original, sugere que transcender trata da
elevação a algo superior em relação à posição na qual se
encontra quem usa a palavra. O prefixo trans denotando: ir além
de, passar para o outro lado. Transcender, portanto, descreve a
ação de subir uma escada ou escalar um muro. O que sugere a
experiência humana de: elevar-se, ultrapassar, colocar-se
acima, exceder, atravessar.21
Fica sempre a questão do que é transcendido. Nesse caso, os
usos variam mais ainda, porém dois são bastante claros. As
pessoas usam essa palavra para falar de algo que vai além delas
mesmas, seja para fora delas, seja para dentro delas. E, também,
usam essa palavra para dizer de algo que está acima de sua
experiência comum, cotidiana.
Há, assim, duas características importantes do uso da palavra
transcender na experiência humana de estar no mundo, pessoal
ou coletiva.. Uma delas é a experiência de elevação, um
21 TRANSCENDÊNCIA, TRANSCENDER. In: FERREIRA Aurélio Buarque de Holanda. Op. Cit., p. 1397; VALLE Gabriel. Op. Cit., p. 825; HOUAISS Antônio. Op. Cit., p. 2749.
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deslocamento de baixo para cima. A outra, sugere a experiência
de ir além, de ultrapassar certos limites condicionados pela
própria experiência humana.
O êxtase22 é a palavra usada para identificar a típica experiência
humana de transcender. Ele ocorre quando a pessoa ou o grupo
se coloca na posição mais acima e mais além do que lhe é
comum, ordinário e natural. Por isso, também êxtase é associado
ao uso de outros termos, como: in-comum, extra-ordinário,
sobre-natural. O êxtase produz sensações de arrebatamento, de
enlevo, de encanto, como se aos sentidos e à mente fossem
oferecidas experiências, conhecimentos e contatos impossíveis
de se ter acesso em condições normais.
Até a Modernidade, o êxtase era uma prática quase
exclusivamente religiosa. Na Modernidade, desconfiada e
independente da experiência religiosa, propôs-se o êxtase
através de diversos meios por ela disponibilizados, tais como: as
substâncias químicas e naturais; as religiões orientais; o alcance
de certos valores morais ou de uma meta na vida; e até a
conquista de uma competição esportiva. Trata-se de um tipo de
êxtase sem religião.
Nos dias de hoje, e em continuidade com essa experiência
moderna, o êxtase é proposto em outras experiências humanas,
como: na performance, principalmente nos eventos de
entretenimento e diversão onde os acontecimentos são
propositalmente orientados para produzir efeitos extáticos nos
seres humanos. No consumo, no qual se criam ambientes,
shopping-centers ou lugares exclusivos, de modo a estimular
efeitos extáticos vinculados ao gozo de bens e produtos. No
culto ao ídolo, no qual o encontro ou mero toque em um ser
humano elevado à admiração e desejo de imitação dos demais
produz o êxtase.
22 ÊXTASE. In: FERREIRA Aurélio Buarque de Holanda. Op. Cit., p. 601; VALLE Gabriel. Op. Cit., p. 261; HOUAISS Antônio. Op. Cit., p. 1290.
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O sublime é uma palavra bastante usada em associação com o
transcender.23 Ele sugere a experiência humana de subir voando
aos ares, ficando, por isso mesmo, na posição mais elevada em
uma escala ascendente. Na religião é, freqüentemente,
identificado com o divino na sua posição de pura dignidade
resultante de sua perfeição ou santidade. A palavra mais
comumente usada para descrever o divino sob essa metáfora é
outra metáfora: LUZ.
O sublime produz a sensação humana da incomunicabilidade
por estar perante algo impossível de se descrever, de se imaginar
e, ainda mais, de falar sobre. A melhor forma de comunicar o
sublime é a arte, não o conceito e nem a linguagem ordinária. E
a arte relaciona o sublime com a estética, isto é, o sentido de
beleza, o qual, por sua vez, aponta para a generosidade, para o
dom.
Na Modernidade, a estética tornou-se uma ciência filosófica que
tratava de aplicar os princípios da razão à criação artística e seu
impacto sobre os sentidos e emoções humanas dentro dos limites
dessa mesma experiência. Ela tratava da ordem, da organização,
do útil. Era uma forma de valorização do progresso moderno.
Poucas pessoas sabiam, ainda que vagamente, do uso da
estética, sendo ela restrita a uma experiência humana acessível a
poucos.
Nos dias de hoje, contudo, a estética assumiu lugar importante
entre as pessoas e grupos no chamado culto à beleza. Esse culto
nada mais é que uma busca disfarçada do sublime. O uso
comum e conceitual da arte cedeu espaço para a linguagem da
poesia, da metáfora, como meio de alcançar o sublime, ao invés
de descrevê-lo ou definí-lo. Desse modo, a linguagem religiosa e
teológica retomou todo o seu vigor, não mais como expressão de
conceitos e definições, mas como caminho para se alcançar e se
comunicar o encontro com o sublime.
23 SUBLIME. In: FERREIRA Aurélio Buarque de Holanda. Op. Cit., p. 1330.
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O uso da palavra sublime, nos dias de hoje, deslocou o uso da
palavra transcender. Essa sempre sugeriu uma posição da pessoa
do lado de fora e além dos limites da sua experiência humana de
estar no mundo. Esse é um caminho, de certo modo, cortado da
possibilidade humana hoje.
No entanto, dentro da experiência humana pode-se experimentar
algo que estaria entre aquilo que é visível e aquilo que não é. É
como se a própria experiência humana fosse vivida no limite
entre uma realidade e outra, sendo esta outra realidade
impossível de uma clara representação. É típico da experiência
humana o uso do véu, que encobre e revela ao mesmo tempo,
mas não com muita clareza. Nos dias de hoje, e sob a influência
da mitologia oriental, fala-se de um portal, um meio de acesso
entre um lugar e outro. Na Ciência, diz-se de buracos negros e
certas portas no universo que dão acesso a outro universo.
Desse modo, a espiritualidade, nos dias de hoje, é
profundamente orientada para a experiência humana extática e
estética do sublime. Isso não é nenhuma novidade, pois,
tradicionalmente, é na religião que se encontram os maiores
estímulos para essa experiência. Não raro, nos dias de hoje, é
exatamente isso o que as pessoas e grupos buscam quando se
tornam religiosas e são as sucessivas experiências extáticas e
estéticas que as mantém religiosas.
Para uma espiritualidade evangélica que considere os dias de
hoje, o extático e estético no sublime orienta para as seguintes
conclusões. Primeiro: Deus, conforme apresentado no Antigo
Testamento, é representado como sublime e elevado. Sua
perfeição, também chamada santidade, coloca-o muito além,
muito acima e no mais alto degrau no modo como os seres
humanos experimentam a criação. Os caracteres da
invisibilidade, da imprevisibilidade, da liberdade de Deus são-
lhe atribuídos de modo a ressaltar essa representação.
No Novo Testamento não é muito diferente. Isso é notado na
glória de Deus que preenche momentos significativos da
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41
narrativa evangélica de Jesus Cristo. O auge dessa identificação
acontece no relato joanino. Nele, Jesus Cristo torna-se um meio
de acesso à glória de Deus Pai, sendo feito à imagem de Deus,
refletindo a sua glória e, por fim, é exaltado e entra na própria
glória de Deus.
Assim, a experiência humana de Deus o é do sublime, e,
portanto, também, extática e estética, produzindo espiritualidade
semelhante. Essa espiritualidade não precisa ser,
necessariamente, um transcender para algum lugar fora da
humanidade, em busca de uma origem ou de um fundamento
último e final de qualquer coisa que seja.
Segundo: o extático nessa espiritualidade indica que Deus
chama para um encontro para além da experiência humana
cotidiana que a enleva, que a arrebata, que a esvazia e a
preenche com novos sentimentos e sentidos, implicando um
novo olhar sobre a própria experiência.
Terceiro: o estético nessa espiritualidade indica que Deus se
apresenta como no limite da posse e da comunicação, porém
sem se dar ao domínio do ser humano e nem à sua representação
em linguagem humana. Portanto, só se pode falar de Deus
enquanto o belo, o prazeroso, o agradável. Tanto a
impossibilidade da representação quanto a imagem do belo só se
permitem expressar na arte. Nela e por ela, tenta-se capturar a
forma, mas se dá vazão aos sentidos e aos sentimentos.
Quarto: nessa espiritualidade, Deus é o sublime que se dá e é
recebido, gerando a experiência humana da generosidade,
simulacro da graça. Deus, portanto, é claramente recebido e toda
experiência humana de Deus apenas pode ocorrer como uma
experiência de recepção. Esta requer uma outra experiência
humana: a abertura. Porque Deus se dá, ele se abre. Porque o ser
humano o recebe, ele também se abre. A espiritualidade, desse
modo, provoca e estimula a abertura como a típica experiência
humana de estar no mundo enquanto recebe a Deus.
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f) A espiritualidade sacerdotal da ação
Há um apelo contínuo, no Novo Testamento, para imitação de
Jesus Cristo. Imitar equivale a seguir. Porém, é melhor falar
imitar por considerar a inexistência de proximidade física e
histórica entre os dias de hoje e os dias nos quais se seguia a
Jesus. Por isso mesmo a função de modelo ou exemplo que
Jesus passa a oferecer é que prevalece nos dias de hoje. A
imitação centraliza a vida na pessoa de Jesus Cristo, desde a sua
vida, morte e ressurreição, dada à contemplação da fé.
Na “epístola” aos Hebreus, é contínuo o apelo a que se
considere (3:1; 5:7; 12:2; 13:13), isto é, a que se observe tão
fixamente a Jesus Cristo que ele, naturalmente, se torne modelo
de imitação. A contemplação recai sobre a narrativa de Jesus,
isto é, o caminho da experiência humana de estar no mundo que
ele percorreu para se tornar alguém capaz de cumprir a missão
que lhe coube: ser feito sumo sacerdote fiel e misericordioso
para com os seres humanos.
Desse modo,
A imitação, pois, não é apenas a confissão da encarnação histórica e da morte pascal de Jesus. Esta confissão torna-se modelo e padrão a ser imitado. A forma como Jesus viveu a paixão da morte é transformada da esfera do anúncio para tornar-se em exemplo apropriado de vida. A motivação e a atitude que cercaram a vida e a paixão de Jesus devem fazer-se presentes, igualmente, em nossa imitação dele.24
A imitação, assim considerada, trata da reprodução de uma
imagem. Não, porém, uma cópia servil e estática, mero repetir
acrítico e inconsciente de gestos, simples sujeição individual a
normas e esquemas pré-dados. Trata-se de uma entrega de si
mesmo ao modelo que resulta em uma nova afirmação da
identidade individual.
O primeiro e fundamental ato de imitação é a contemplação de
Jesus Cristo. Nela se percebe o que ver em Jesus Cristo. E o que
se vê é a sua entrega em favor dos pecadores na cruz. No
entanto, essa entrega não é feita sem propósito, sem missão. Por
24 SANCHES Sidney de M. Op. Cit., p. 80.
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ela, Jesus Cristo é feito sumo sacerdote que oferece sua vida
como um sacrifício que reconcilia a inimizade, que corrige o
conflito, que estabelece a paz.
O preço de cruz bem mostra que essa tarefa auto-imposta não foi
fácil, prazerosa e cheia de charme e prestígio. Na verdade, esse
preço demonstra que os que assim pretendem agir não
encontrarão a aprovação, a admiração e, muito menos, a
exaltação da vaidade humana. No silêncio do jardim, no
isolamento e desprezo da cruz e no vazio da sepultura é que esse
preço foi pago.
Uma espiritualidade evangélica nos dias de hoje propõe que o
caminho de Deus passa, necessariamente, por Jesus Cristo
“Quem me vê a mim, vê o Pai”.25
Mesmo o caminho da presença onipresente do Espírito Santo,
algo como uma Era do Espírito segundo Joachim de Fiore26,
também passa, necessariamente, por Jesus Cristo “O Espírito
dará testemunho de mim”.27
Pelo caminho de Jesus Cristo, oferecido à contemplação, três
atitudes são propostas. Primeiro: deve-se entender que Cristo
também é uma identidade, aquela de Jesus. Jesus, o Cristo.
Acontece assim: aquele que viveu, ao qual chamavam Jesus,
pela história que viveu foi identificado o Cristo. Logo, a
identidade não é o nome, mas a vida que se vive. Seguir a Jesus,
o Cristo, é repetir semelhante processo de identificação “Não
serás mais chamado Simão, mas Pedro”.28
E em Antioquia, foram chamados cristãos pela primeira vez.
Segundo, esse processo de identificação se dá pela imitação do
caminho de Jesus, que lhe forneceu a identidade: o Cristo. Imitar
é mimetizar, reproduzir, copiar, duplicar, multiplicar.
25 João 14:9.26 VATTIMO Gianni. Depois da Cristandade. São Paulo: Record, 2004.27João 15:15.28 Mateus 16:17,18.
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E percorria Jesus os povoados e aldeias, expulsando os demônios e curando as doenças do povo.29
Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e poder, e como ele andou por toda parte fazendo o bem e curando todos os oprimidos pelo Diabo.30
Ensinai-os a fazer tudo o que vos tenho mandado.31
Vai tu, e faze o mesmo.32
Terceiro: se a experiência humana de estar no mundo nos dias
de hoje é de extremo individualismo, a identidade resultante de
se imitar a Jesus Cristo é de total comum-ação, agir-comum,
em-comum, com-o-comum “Onde estiverem dois ou três
reunidos em meu nome, aí estarei no meio deles”.33
A espiritualidade evangélica que é produto dessa vivência cristã
reúne e une a todos que permanecem comuns sob esse agir
comum. O Nome cristão nada tem de excepcional a não ser por
identificar aqueles que se amam fraternalmente, como irmãos.
Desse modo, comunidade tem outro nome: fraternidade. Na
identidade de Jesus Cristo reproduzem-se infinitamente as
identidades individuais contemporâneas, as quais, por isso
mesmo, encontram-se agindo comumente, estão em comum “O
meu mandamento é este: Amem-se uns aos outros como eu vos
amei”.34
g) A espiritualidade ética da mudança
Nada parece soar mais evangélico, enquanto aquilo que é
peculiar, particular, caráter do Evangelho, do que a conversão.
Ela está no início da pregação de João Batista e de Jesus Cristo.
Ele [João Batista] percorreu toda a região próxima ao Jordão, pregando um batismo de arrependimento para o perdão dos pecados....Dêem frutos que mostrem o arrependimento.35
“O tempo é chegado”, dizia ele [Jesus Cristo]. “O reino de Deus está próximo. Arrependam-se...”36
29 Marcos 1:39; 6:55,56.30 Atos 10:38.31 Mateus 28:20.32 Lucas 10:37.33 Mateus 18:20.34 João 15:12.35 Lucas 3:3,8.36 Marcos 1:15.
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45
Enquanto em João Batista, a conversão é uma preparação do
caminho para a vinda do Messias, na pregação de Jesus Cristo
ela é a própria porta de acesso ao Reino de Deus. Ambas as
notícias são tão agradáveis que a conversão só pode significar,
de modo igual, uma coisa boa. Tanto a vinda do Messias quanto
a entrada no Reino de Deus são os motivos para que ela ocorra.
Como já ocorreu com outras palavras, CONVERSÃO é uma
palavra-metáfora que envelheceu e morreu ao se prestar a
muitos usos, especialmente o uso moral. Por isso, praticamente
ela perdeu todo o seu poder de dizer alguma coisa. As pessoas
passaram até a odiar essa palavra. Um esforço de recuperar algo
de sua força é recuperá-la na fonte da experiência humana de
onde ela foi tirada: mudar.
Mudar é típico da experiência humana do deslocamento físico,
da remoção de um espaço para colocar em outro. Ela serve para
dizer de algo que já não é mais o mesmo quando ele olha para si
mesmo, para as pessoas e demais coisas ao seu redor, e para os
aspectos, as aparências que ele observa do mundo à sua volta.
Pela experiência humana de estar no mundo, as pessoas
aprenderam que elas mesmas, as outras pessoas, as coisas ao seu
redor, o tempo e as estações, o próprio mundo muda. O enorme
impacto da Modernidade sobre a experiência humana é que ela
introduziu e realizou a mudança. Ao fazer assim, ela se
diferenciou da Idade Média e dos antigos gregos, com sua
ênfase na estabilidade ou na fixidez de todas as coisas.
Porém, a Modernidade ainda reteve o princípio da estabilidade
em meio à mudança. E esse princípio estava atrelado ao esforço
por planejamento, organização, que produzia uma mudança após
a outra, permitindo a relativa adaptação ao avanço, chamado,
então, de progresso.
O que acontece, nos dias de hoje, é que as mudanças tornaram-
se tão rápidas, intensas e múltiplas, que o princípio da
estabilidade foi dissolvido. Quando uma série de mudanças
acontece ao mesmo tempo, de fato, não é possível planejar,
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46
ordenar, adaptar. Cria-se um estado de contínua mudança, no
qual as pessoas vão-se acostumando a observar as coisas no
momento em que elas acontecem e a viver apenas aquele
momento e a aceitar o princípio da multiplicidade como a nova
ordem da experiência humana de estar no mundo. No percurso
sócio-cultural que a palavra mudança percorreu percebe-se que
ela deixou a experiência humana da fixidez e da seqüência para
trás ordenando a experiência humana pelo fluxo contínuo e
múltiplo de alterações rápidas.
Assim, à medida que a experiência humana atual permite às
pessoas localizarem-se em várias posições ao mesmo tempo, e
mesmo em muitos lugares do mundo a qualquer hora, elas são
levadas a mudar várias vezes em um único momento ou mesmo
a não mudar coisa nenhuma, em uma espécie de lugar-nenhum.
É por isso que as pessoas buscam tanto a auto-ajuda para que
consigam resolver os difíceis problemas e lidar com as
profundas conseqüências que a necessidade de escolher ou de
não fazer nenhuma escolha lhes impõem os dias de hoje. A auto-
ajuda é a ética da mudança, o como se conduzir da experiência
humana atual.
Desse modo, a atual experiência humana modificou o
comportamento das pessoas quando se trata de sua experiência
religiosa. Até a Modernidade, a mudança religiosa era
totalmente impossível, pois se nascia em uma opção religiosa e
nela morria. Nos dias modernos, é bom mudar de religião dentro
de uma ordem, de um sentido apoiado em razoáveis razões para
isso, sendo esse um direito da liberdade do indivíduo.
Nos dias de hoje, a mudança de religião não parece ser algo
muito desejável, pois a religião parece ser a única coisa à qual
uma pessoa ou um grupo humano pode se apegar como o que
lhe resta de sua identidade sócio-cultural no mundo globalizado.
Por outro lado, e de modo contraditório, a liberdade de mudar é
levada até o extremo. É por isso que se fala em mercado
religioso, self-service de bens de consumo da religião.
6
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47
Proporcionalmente, cresce o número das pessoas que não se
preocupam com a mudança de religião pelo fato de entender que
qualquer lugar serve, até mesmo lugar-nenhum.
O que se precisa, então, é de uma espiritualidade ética da
mudança, do modo mais amplo que se possa pensar acerca da
experiência humana de estar no mundo nos dias de hoje,
inclusive a mudança de religião. Mudar é preciso e jamais foi
tão acessível a qualquer ser humano, porém nunca foi tão difícil
escolher mudar, para onde mudar, por que mudar e o que fazer
com as conseqüências da mudança.
Para uma espiritualidade evangélica nos dias de hoje, uma ética
da mudança é fundamental e ela deveria se guiar pelas seguintes
orientações. Primeiro: mudar é algo individual, diz respeito à
necessidade e opção particular de uma pessoa. Se as pessoas não
quiserem mudar e não quiserem que alguma coisa no público, no
coletivo mude, nada mudará.
Segundo: as pessoas são estimuladas à mudança por algo que
lhes atinge desde o coletivo, o público. Foi assim com a
pregação de João Batista e de Jesus Cristo, os quais pregavam às
multidões uma mensagem de mudança. Longe de se tornar algo
do interesse particular de cada indivíduo, o Evangelho deve ser
trazido para a esfera do público, da discussão ampla e oferecido
como opção de mudança às pessoas.
Terceiro: as pessoas mudam quando estimuladas por algo que
seja desejável porque é agradável e bom. Foi assim com a vinda
do Messias e a chegada do Reino de Deus. Eles foram as razões
para o Evangelho ser uma boa notícia. A notícia da vinda do
Messias é o anúncio do fim de um mundo envelhecido,
esgotado, caminhando rapidamente para a autodissolução e
apontando para um novo mundo. A notícia do Reino de Deus é a
chegada desse novo mundo, o nascimento, a renovação das
possibilidades da experiência humana, a afirmação de que
mudar não só é preciso, é possível, mas que vale a pena.
6
Anotações: _________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
48
Conclusão
Começando pela análise das condições que a experiência
humana de estar no mundo nos dias de hoje oferece ao espírito
humano, chega-se à conclusão paradoxal de esvaziamento de
qualquer espiritualidade e, igualmente, da oferta de múltiplas
espiritualidades. Esse é o acontecimento mais interessante que
acontece às pessoas nos dias atuais e ao qual muitas pessoas
têm-se dedicado à observação e ao estudo.
A preocupação desse pequeno ensaio foi acerca de como essas
condições afetam os evangélicos e as suas propostas em
alimentar o espírito humano nos dias de hoje. Foram
apresentadas e desenvolvidas seis possibilidades. De modo
algum, elas não devem ser entendidas e praticadas como
separadas umas das outras. Como tudo que acontece nos dias de
hoje, elas devem ser auto-inclusivas, isto é, deve haver um
esforço para mantê-las juntas, praticá-las juntas, na medida em
que o espírito humano requer uma ou outra.
Naturalmente, isso requer perceber que não há nenhuma opção
exclusiva, o que equivale a viver de mudança em mudança, na
incerteza, na inconstância, na descontinuidade, sem saber qual
espiritualidade será a mais adequada no dia de amanhã. Porém,
quem sabe essa não seja a espiritualidade mais biblicamente
construída, quando se sabe que “pela fé, Abraão, quando
chamado, obedeceu e dirigiu-se a um lugar que mais tarde
receberia como herança, embora não soubesse para onde estava
indo”.37
Essas orientações, por fim, não são fórmulas, algo tão típico da
orientação ética da auto-ajuda nos dias de hoje. De fórmulas, à
semelhança do que se diz dos conselhos, o mundo da
tecnociência está cheio delas. São tantas que já deveriam ter
resolvido o problema da existência humana.
Como dizem os modernos atuais, nunca estivemos tão longe
disso, por mais que os oráculos da modernidade prossigam em
37 Hebreus 11:8.
6
Anotações: _________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
49
nos assegurar uma receita de felicidade. Não! O que foi escrito
não se trata de uma fórmula, pois o que se requer de fórmulas é
que dêem certo, que funcionem!
No entanto, quando se trata de existir para a vida e para a morte,
não existem fórmulas, mas caminhos possíveis, tão bem
percebido por Jesus Cristo, quando disse: “Eu sou o
caminho!”38.
38 João 14:6.
CEAD-FTSA
50
Aula 4Fundamentos Bíblicos da
Espiritualidade
Apresentação da Aula
Nesta lição trataremos sobre bases da espiritualidade cristã no
Antigo e Novo Testamento. Faremos alguns recortes e a partir
deles analisaremos o assunto, tendo em vista tratar-se de um
texto de pequeno porte. Mas verificaremos que a verdadeira
Espiritualidade Cristã é necessariamente bíblica.
Objetivo da Aula
Argumentar sobre as origens bíblicas da Espiritualidade Cristã,
bem como orientá-la para uma compreensão e prática correta.
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Anotações: _________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
51
Para tratar das bases bíblicas da espiritualidade cristã a partir do
nosso contexto sócio-cultural, introduziremos o assunto com
citações de dois teólogos terceiro-mundistas que experienciam
situações de vida parecidas com a nossa, ou seja: sérios
problemas sócio-econômicos, riquezas cultural e ecológica não
devidamente aproveitadas, diversidade religiosa e uma teologia
que emerge da situação sócio-histórica.
Nossa teologia da espiritualidade deve corresponder a essas
situações e seus problemas comprometedores da vida. Devemos
fazê-lo a partir de dentro dessa realidade, conforme ensina John
Mbiti, teólogo, filósofo e poeta africano, queniano:
A religião permeia todas as partes da vida, de maneira tão completa
que não é fácil, talvez nem possível isolá-la. Um estudo desses
sistemas religiosos é portanto... um estudo do povo em si, com toda a
sua complexidade da vida tradicional e moderna. (Mbiti, Christianity
and traditional religions in Africa, 1970, p. 1)
De fato, viver com Deus é compartilhar das suas preocupações e
fazer delas as nossas preocupações pessoais e comunitárias. É
também aprender a amar o próximo como fruto da nossa
liberdade de acordo com Kosuke Koyama, teólogo japonês que
foi missionário na Tailândia:
Quando o amor funciona, o caráter da liberdade se revela – mesmo
que continue sendo um mistério para nós. “Ninguém tem maior amor
do que este, de dar alguém sua vida pelos amigos” (João 15:13). O
homem tem a liberdade de amar e “dar sua vida pelos amigos”.
Quando escolhe perder a sua liberdade pelo amor aos outros, é que
ele se torna mais livre e mais amoroso. (Koyama, Fifty Meditations,
Orbis Books, 1979, p. 46).
Um outro teólogo chamado Juan Stam, latino-americano de
coração e naturalização, relacionou a vida no mundo à esperança
do cristão, à luz do seus estudos em escatologia:
Vivemos nestes tempos como cidadãos de uma nova ordem. De agora
em diante, somos a levedura e a semente, a luz e o sal da nova
criação, assim como do Reino que veio e virá. Isso significa viver
como primícias da nova criação vindoura. Enquanto isso, “entre os
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tempos”, vivemos desejando e apressando a gloriosa transformação
de todas as coisas, conforme o Criador prometeu. (Stam, Profecia
Bíblica e Missão da Igreja, 2003, p. 98.)
É tendo como ponto de vista (de onde vemos as coisas) essa
compreensão de uma fé contextualizada que iremos agora para o
texto bíblico:
Bases para a Espiritualidade no Antigo Testamento
O melhor ponto de partida para qualquer teologia que se queira
afirmar cristã é a criação. A chamada Teologia da Criação serve
para nós como base para o tratamento do problema humano no
mundo e a relação disso com Deus.
Também é nas narrativas da criação que encontramos os
primeiros relatos sobre a presença e atuação do Espírito Santo.
Nelas, ele é apresentado como ruach, termo hebraico que
significa “vento”, no sentido de “alento”, “fôlego”, “ânimo”. O
Espírito na criação é aquele que anima a vida, ou seja, dá
energia (no sentido da física mesmo). Explicando de uma forma
poética e bem latino-americana: “Ele faz com que simples
bonecos de barro cantem e dancem à luz do sol”.
O Espírito foi a energia de vida na criação de todas as coisas, e,
como tal, ele é também, até hoje, o sustentador dela no mundo,
tal como deu a entender o Mauro Sérgio Borges em nosso
Fórum ao expressar “...ação do Espírito Santo na Vida humana e
no Cosmos”. Cosmos significa mundo, no sentido de universo.
Se a Floresta Amazônica permanece verde e as árvores de
Buriti39 continuam a dar seus frutos e sua seiva a alimentar
muitos, é porque o Espírito de Deus ainda age no mundo. Se as
matas ao longo das estradas de Minas reverdecem com uma
pequena chuva após longo período de estiagem, é porque a vida
está nelas, e essa vida (ânimo) vem do Espírito Santo e não de
39. Buriti: árvore comum no norte do país, que tem todas as suas partes
utilizadas em alimentos ou para construção de artefatos, por isso, chamada
pelos indígenas de “árvore da vida”.
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Anotações: _________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
53
outro. Se o ser humano é capaz de dizer “a vida continua” após
grandes perdas e sofrimentos, é porque há esperança no mundo,
e, esperança é vida e vida tem como fonte o Espírito Santo de
Deus. Neste sentido, todo atentado contra a vida no mundo, nas
suas mais diversas manifestações, é também atentado contra o
Espírito Santo e sua obra vivificadora. É nesse sentido que se
deve compreender a evangelização, que não deve visar o
doutrinamento ou acréscimo de membros a uma Igreja local,
mas ser a condução de pessoas a Jesus Cristo, a única fonte
possível de vida por meio do Espírito.
O que isso tem a ver com a Espiritualidade cristã? Podemos
dizer que são dessas águas teológicas que ela emerge. Como
afirmou no fórum da disciplina nosso colega de estudos João
Carlos Gomes: “É submeter-nos ao ministério do Espírito
Santo”. E o ministério do Espírito Santo é gerar e manter a vida
na criação de Deus. E, pensando na pergunta da Flavianne
também no Fórum, podemos afirmar que essa é a medida da
nossa espiritualidade.
Ainda no Antigo Testamento podemos perceber como os
profetas corresponderam ao Espírito ao encarnarem a Palavra de
Deus em suas vidas, comunicando-a de modo integral. Também
compreendemos a espiritualidade horizontal do sapiencialismo,
que relacionou-a a vivência da vontade de Deus na vida, em sua
organização e inter-relacionamentos. Sapiencialmente viver no
Espírito é viver em sabedoria.
Bases para a Espiritualidade no Novo Testamento
A vida e obra de Jesus são mais do que modelo de
espiritualidade, mas sua fonte principal, como ele mesmo
afirmou: “Eu sou a porta; se alguém entrar por mim, salvar-se-á,
e entrará, e sairá, e achará pastagens.” - João 10:9. Neste caso,
achar pastagens é achar alimento e assim viver.
Não há espiritualidade verdadeira se não for cristológica. Nossa
vida com Deus somente é possível porque Cristo, através da sua
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Anotações: _________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
54
obra salvadora, faz a mediação entre nós e ele, “Eu sou o
caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por
mim”. - Jo 14;6. Cristo é o caminho por onde passa nossa
espiritualidade. Como afirma o termo que a denomina, ela é
cristã.
Mas ele também comentou que enviaria o Espírito da Verdade:
“O Espírito de verdade, que o mundo não pode receber, porque
não o vê nem o conhece; mas vós o conheceis, porque habita
convosco, e estará em vós.” - João 14:17, que é também
apresentado nesse mesmo capítulo de João como o Espírito
Santo. Ele esclarece que o mundo não pode receber o Espírito
porque não o reconhece, mas aqueles que pela fé acolheram o
conhecimento revelado de Deus, sabem quem é o Espírito e
estão sensíveis à eles. Esses, sim, podem recebê-lo bem como o
conhecimento da verdade que ele transmitirá.
Já no Atos dos Apóstolos o ministério do Espírito se evidencia
tanto no esclarecimento da verdade de Jesus Cristo, como vemos
no caso do sermão de Pedro no pentecostes, como na vida da
Igreja. Ele, o Espírito, é apresentado como a energia que
impulsiona a Igreja em sua missão. Uma palavra recorrente no
livro de Atos é “poder”. Ela é utilizada para se referir à
proclamação dos apóstolos “os apóstolos davam, com grande
poder, testemunho da ressurreição do Senhor Jesus” - 4.33; ao
ministério de Estevão “cheio de fé e poder” - Atos 6.8 e outros.
O sentido de poder nas narrativas tem a ver com energizar
mesmo, fazer com que a proclamação, a oração, o testemunho
surtam efeitos extraordinários, que vão além da condição natural
humana. Quando compartilhamos do ministério do Espírito ele
compactua com nossa missão dando a ela a força necessária para
que o impossível aconteça, “E disse Pedro: Não tenho prata nem
ouro; mas o que tenho isso te dou. Em nome de Jesus Cristo, o
Nazareno, levanta-te e anda. E, tomando-o pela mão direita, o
levantou, e logo os seus pés e artelhos se firmaram” - Atos 3:6-
7.
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55
É bom lembrar, no entanto, que o mérito disso é todo do Espírito
Santo, pois ele é o poder de Deus em nós “E disse-me: A minha
graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza” -
II Co. 12:9. Isso também não torna ninguém mais especial que o
outro, mas certamente com maiores condições para o serviço
(serviço no sentido de atuação de servo), conforme o texto sobre
a cura realizada pelos apóstolos relata: “Pois tinha mais de
quarenta anos o homem em quem se operara aquele milagre de
saúde” - 4:22.
Voltamos à pergunta: e o que isso tem à ver com a
Espiritualidade? - Se espiritualidade é estar e viver no Espírito, é
então corresponder com suas ações e obras maravilhosas.
Quando pensamos em Espiritualidade cristã normalmente nos
vem à mente aquela postura contemplativa de internalização da
fé e vivência mística da experiência religiosa cristã. Esse é o
modelo típico herdado do monasticismo medieval, que ofereceu
a nós um modo de espiritualidade mais ascético, meditativo e
baseado nas disciplinas espirituais. Embora seja extremamente
interessante este modelo, ele não define por si só a
espiritualidade cristã. Necessitamos por vezes do isolamento, da
quietude e da meditação para alimentar nossa vida espiritual,
mas, conforme o livro de Atos, o sair em missão, proclamar,
conceder saúde a doentes também é espiritualidade. Quando
fazemos isto estamos mais do que nunca no Espírito. O efeito
disso em nós é como o efeito do exercício físico feito em boa
medida, que no momento em que é realizado parece estar
consumindo nossas forças, mas com o tempo descobrimos que,
com ele, ganhamos saúde, portanto, energia de verdade.
Conclusão
Concluiremos essa lição com um texto do teólogo latino René
Padilla acerca da oração e da vida cristã:
Necessitamos internalizar esta radicalidade da fé cristã que faz
possível que vivamos no mundo sem ser do mundo, envolvidos
6
Anotações: _________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
56
plenamente na sociedade, com os valores do reino de Deus e
com os recursos do Espírito Santo40.
40 PADILLA, René.
http://www.kairos.org.ar/images/revistaKairos/rpadilla-oracionpolitica.pdf,
acesso em 10/03
CEAD-FTSA
57
Aula 5Breve História da
Espiritualidade Cristã
Apresentação da Aula
Nesta aula faremos uma passeio como que de avião sobre a
história da Igreja, mas focando a espiritualidade cristã, como foi
pensada e praticada no decorrer dos tempos. Certamente faltarão
muitas informações importantes, mas precisaremos fazer
recortes devido ao espaço que temos. Retomaremos o período
bíblico e fecharemos com a espiritualidade da Missão Integral.
Objetivos da Aula
1) Desenvolver uma visão de conjunto da história da
espiritualidade cristã;
2) Apresentar caminhos para estudos posteriores e mais
minuciosos da espiritualidade cristã;
3) Compreender a espiritualidade na atualidade à luz da sua
prática histórica.
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Anotações: _________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
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A história da Espiritualidade cristã somente é possível como um
recorte dentro da história mais abrangente da Igreja e da sua
teologia. Não se trata de um assunto à parte, pois diz respeito à
vivência da fé dessa Igreja no mundo.
c) Antecedentes históricos
Como tratamos na lição anterior os antecedentes da história da
espiritualidade cristã estão na espiritualidade bíblica. No Antigo
Testamento a espiritualidade é baseada na relação histórica
concreta do povo com Deus. A história é o lugar da ação divina.
Ele promete salvação e a realiza no tempo e no espaço. Essas
promessas realizadas viram memória e esperança, que se
revitalizam nas novas situações do povo com seu Deus. Da
mesma forma, Deus requer do seu povo fidelidade à aliança que
estabeleceram no Sinai. Tanto nas narrativas do Pentateuco,
Livros Históricos e Profetas, como nos ensinos dos Escritos a
vida com Deus se faz na coletividade (do povo de Israel), e
realizada mediante a fidelidade aos preceitos do Senhor. Essa
fidelidade, que seria sinónima de espiritualidade, deveria ser
visibilizada através de políticas corretas e justas, vida social e
familiar exemplar, dedicação religiosa, transmissão do
conhecimento de Deus, etc. A necessidade de ser fiel se devia ao
fato de que Israel era o povo eleito de Deus e com ele havia
firmado a aliança:
A finalidade da eleição é o serviço, e quando ele é recusado, a
eleição perde seu sentido. Primordialmente, Israel deve servir
os marginalizados em seu meio: o órfão, a viúva, o pobre e o
estrangeiro. Sempre que o povo de Deus renova sua aliança
com Javé, reconhece que está renovando suas obrigações com a
vítimas da sociedade41.
É em vista das razões acima que a espiritualidade de Israel
estava estreitamente relacionada à sua missão de transmissora
do conhecimento de Deus pela via da vida no mundo e da
comunicação e registro da revelação. Era preciso que as nações
41BOSCH, David. Missão Transformadora. São Leopoldo: Sinodal, 2002. p. 36.
6
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59
adorassem a Deus e, para isso, teriam que conhecê-lo. De certa
forma, a espiritualidade das nações passava pelo serviço de
Israel.
No Novo Testamento a espiritualidade passava pelo
reconhecimento do Messias em Jesus Cristo e o seguimento dos
seus ensinos, conforme transmitidos pelos apóstolos e, em vista
disso, a reunião como Ekklesia e o exercício da missão. Tanto
quanto a espiritualidade é dinâmica e celebrativa no AT, no NT
ela proclamadora (kerigmática), de serviço (diaconia),
comunitária (na koinonia), requer ensino (didaskalia) e é
celebrativa (litúrgica).
No período Antigo
No período antigo aconteceu uma mudança no paradigma
teológico, portanto, de compreensão da espiritualidade cristã. A
fé histórica, dinâmica e narrativa do período bíblico cedeu lugar
gradativamente para uma forma mais reflexiva e abstrata. A
helenização da teologia cristã afetou o modo de se vivê-la no
mundo. Outro fator que contribuiu para isso foi a
institucionalização da Igreja, que trouxe consigo a formalização
do culto e a instituição do clero como mediador da relação com
Deus. A espiritualidade a partir desse período começou a ser
sinónima de religiosidade.
Na medida em que o povo era distanciado da Palavra de Deus,
mais religioso se tornava. Não há espiritualidade sem
conhecimento de Deus por meio da sua Palavra. Qualquer
relação com a fé cristã que se estabeleça sem esse conhecimento
é meramente seguimento religioso, porque a fé cristã requer
consciência, como afirmou orienta I Pedro 3.15: “Antes,
santificai ao Senhor Deus em vossos corações; e estai sempre
preparados para responder com mansidão e temor a qualquer
que vos pedir a razão da esperança que há em vós”. Isso é
devido porque a fé cristã fundamenta-se na revelação de Deus e
ela nos foi transmitida pela Palavra de Deus, bem como o
conhecimento de Jesus Cristo.
6
Anotações: _________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
60
O monasticismo surgiu nessa época como movimento de
espiritualidade, em reação aos rumos excessivamente
institucionais da Igreja. Ele propôs uma vivência alternativa da
fé, caracterizada pelo isolamento e reclusão, levando ao
surgimento de uma espiritualidade de caráter apofático42.
Um exemplo de espiritualidade apofática nesse período é
Gregório de Nissa ( viveu em Cesaréia, Capadócia em 330 a
395), como bem comprova um texto dele próprio:
Quanto mais acreditamos que, o “Bem”, por sua própria
natureza, está muito além do alcance do nosso conhecimento,
maior é nosso sentimento de tristeza por estarmos separados
desse “Bem”, que é tão grande quanto desejável, embora não
possa ser completamente contido em nossa mente43.
Um outro exemplo de espiritualidade nesse período é Agostinho
de Hipona, um importante teólogo dessa época e grande
influenciador do pensamento medieval, inclusive dos
reformadores. Conforme MacGrath “Agostinho argumenta
basicamente que fomos criados para a comunhão com Deus.
Quando isso não se realiza, o resultado é um sentimento de
insatisfação e inquietude”44. Nesse caso, a felicidade humana
está diretamente relacionada à espiritualidade:
Para Agostinho, as verdadeiras realização e satisfação
humanas vêm somente quando Deus é adorado e conhecido. É
interessante que Agostinho admita que outras coisas no mundo
poderão oferecer pelo menos alguma aparência de felicidade;
para ele, o fato de o mundo ser criado por Deus significa que
em toda a criação existem indícios da bondade e majestade de
Deus. A criação, então, contém algum “reflexo da verdadeira
42Espiritualidade Apofática – parte da concepção teológica que a mente humana não consegue compreender plenamente os mistérios de Deus e que isso condiciona sua espiritualidade. Devido a isso ela é mais contemplativa e com ênfase no esvaziamento e na negação dos desejos. A espiritualidade catafática baseia-se na afirmação dos pensamentos e desejos na devoção cristã. 43Gregório de Nissa, apud MACGRATH, Alister. Uma Introdução à Espiritualidade Cristã, SP:Vida, 2008, p. 246. 44Ibidem, p. 249.
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61
felicidade”, que poderá servir de indicação para a fonte e
satisfação dessa alegria: Deus45.
No Período Medieval
As tendências do Período antigo acentuaram-se no período
medieval. O clero centralizou e exclusivizou a leitura da Bíblia.
A Teologia se distinguiu da doutrina e se tornou nas grandes
escolas uma forma de pensamento especulativo da fé. O
monasticismo se tornou a grande força missionária e de
espiritualidade da época. Aqueles que estavam fora dele, mas
compunham a cristandade, se apegaram à religiosidade e,
quando muito, ao misticismo medieval.
O misticismo medieval, caracteristicamente apofático, gerou
representantes interessantes e que são lembrados até hoje na
história da espiritualidade, como por exemplo Bernardo de
Claraval (monge de Claraval, França, que viveu entre 1090 a
1153). Conforme ele a Escritura Sagrada, pela qual possuia
grande apreço, deveria ser muito mais orada do que estudada.
Seus textos se caracterizavam pela ênfase no sentimento e
linguagem poética.
Existe indubitavelmente uma espantosa analogia entre o azeite
e o nome do Amado, pelo que a comparação apresentada pelo
Espirito Santo não é arbitrária. A não ser que possais sugerir
algo de melhor, afirmarei que o nome de Jesus possui
semelhança com o azeite na tripla utilidade deste último,
nomeadamente, para iluminar, na alimentação e como lenitivo.
Mantém a chama, alimenta o corpo, alivia a dor. É luz,
alimento e medicina. Observai como as mesmas propriedades
podem ser encontradas no nome do noivo divino. Quando
pronunciado fornece luz; quando meditado, alimenta; quando
invocado, serena e abranda. (Bernardo de Claraval)
Outro nome bem conhecido, principalmente por ter sido o
grande inspirador de Lutero, foi Meister Eckhart (1260 a 1327).
45Ibidem, p. 249.
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Anotações: _________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
62
Monge dominicano, filósofo e místico, que se serviu do
neoplatonismo para explicar sua compreensão de Deus.
Nessa época surgiram também várias mulheres que contribuíram
com a mística cristã, como: Hildegarda de Bingen, Gertrudes a
Grande, Matilde de Magdehurgo, Matilde de Hackeborn e a
conhecida Teresa de Ávila.
Na Reforma Protestante
De todos os reformadores parece ter sido Lutero o que mais foi
influenciado pela mística medieval. Seus escritos transparecem
essa forma de espiritualidade bastante dependente de uma
relação mais íntima e interna com Deus.
A santidade cristã ou a santidade comum da cristandade é a
seguinte: quando o Espírito Santo dá às pessoas fé em Cristo,
santificando-as pela fé (Atos 15.9). Em outras palavras, quando
o Espírito cria um novo coração, uma nova alma, um novo
corpo, uma nova obra e uma nova natureza e escreve os
mandamentos de Deus em corações (2 Coríntios 3.3), não em
tábuas de pedra46.
No entanto, eles propuseram um novo paradigma de
espiritualidade cristã ao afirmarem o sacerdócio universal de
todos os crentes, ou seja, que todos temos livre acesso a Deus.
Isso implica que não dependemos de mediadores humanos para
nos relacionarmos com Deus. Podemos fazer-lhe orações,
oferecer-lhe nossas vidas em serviço, ler a Palavra e buscar
entendê-la, pois, conforme ele, o Espírito Santo ilumina a todos
igualmente para o entendimento das Escrituras.
Lutero esclarece que o conhecimento de Jesus Cristo e sua graça
que recebemos da Palavra nos torna pessoas livres. Como seres
livres em Deus estamos prontos para o serviço ao próximo e as
boas obras, como fruto de nossa própria liberdade. Nisso está a
verdadeira espiritualidade cristã, na liberdade diante de Deus.
Calvino também afirmava que o o homem somente se
compreende de fato em Deus. Menos místico, mais filósofo e
46LUTERO. Como reconher a Igreja. São Leopoldo: Sinodal, Coleção Lutero para hoje, 2001, p. 11.
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sistemático em seus pensamentos teológicos, ele relacionava a
espiritualidade à disciplina da vida cristã, sua ética e
reconhecimento da verdade.
O pietismo, movimento posterior à Reforma e que aconteceu
dentro do luteranismo, apresentou uma nova forma de
espiritualidade. O ortodoxismo que passou a caracterizar o
protestantismo pós-reforma foi críticado pelos pietistas, que
fizeram a chamada para a experiência da fé cristã, não somente
sua confissão. Retomaram a importância da oração e da leitura
piedosa das Escrituras e ficaram conhecidos como um
movimento de espiritualidade. No moravianismo, movimento
interno do pietismo, aliaram essa prática da espiritualidade à
vida missionária para outros povos. A oração serviu não
somente para alimentar a vida espiritual, mas para a vocação e a
sustentação da obra missionária.
Na Modernidade
A Espiritualidade na modernidade possui várias representações.
Não há mais cristandade (uma sociedade cristã) nos sentido
medieval, pois o próprio cristianismo se apresenta na forma de
protestantismo e seus vários movimentos, catolicismo ocidental
e catolicismo oriental. Cada segmento cristãos apresentações
suas concepções de espiritualidade subsidiadas por teologias
diversas.
No protestantismo tanto encontramos aquelas formas mais
racionalistas de vivência da fé, quanto aquelas pietistas e
devotas. Destaca-se nesse período o movimento evangelical.
Surgiu na Inglaterra no séc. XVIII, no interior da Igreja
Anglicana e afirmava a necessidade de arrependimento,
conversão e mudança de vida, com isso, a necessidade da
evangelização e da experiência da fé. Este movimento foi
influenciador do metodismo e gerador de um esforço
missionário no séc. XIX para várias partes do mundo. Ele surgiu
no contexto dos chamados grandes avivamentos (na Inglaterra,
na América do Norte e com vários focos na Europa). Estes
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avivamentos são como que movimentos radicais de
espiritualidade.
O Pentecostalismo
No início do séc. XX surgiu nos Estados Unidos um novo
movimento de espiritualidade que chamaram de
Pentecostalismo, sob a liderança de William Seymour. Afirmava
a atualidade do batismo no Espírito Santo e dos dons espirituais,
até então compreendidos como específicos da Igreja do primeiro
século.
O pentecostalismo se espalhou por vários lugares no mundo,
mas seu impacto maior foi na Ásia, África e América Latina.
Embora tenha dado origem a várias Igrejas até os dias de hoje,
sua importância também está na contribuição para a
revitalização da vida cristã e do culto nas igrejas históricas.
Originalmente, para o pentecostalismo a vida com Deus passa
por uma via pneumatológica, ou seja, do poder do Espírito
Santo, bem como a vida e missão da Igreja no mundo.
Movimentos Atuais de Espiritualidade
Na atualidade temos, além do pentecostalismo que continua a
comprovar sua vigência e força de influência, os movimentos
teológicos do mundo dos dois terços que apresentam também
suas formas de espiritualidade. Elas são sempre muito
relacionadas à uma nova práxis cristã no mundo (práxis: ação
tranformadora), solidária e preocupada com a realidade
concreta. Dentre elas destaca-se a Teologia latino-americana da
Missão Integral da Igreja, que propõe uma missão e forma de
espiritualidade mais abrangente, holística e preocupada com o
todo. Para tanto, apresenta o contexto percebido integralmente
como lugar de onde se busca conhecer Deus e onde realizamos
nossa missão. Da mesma forma, a Escritura deve ser lida como
Palavra de Deus em um contexto, como também é contexto de
vida, deve ser visto de modo integral.
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Surgem no momento as espiritualidades pós-modernas, que
ainda serão mais bem exploradas nesse curso.
CEAD-FTSA
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Aula 6A Espiritualidade Cristã a
partir da Pneumatologia de
Orlando Costas
Apresentação da Aula
Nesta aula discutiremos sobre as possibilidades de uma teologia
da espiritualidade cristã latino-americana, a partir da
pneumatologia do Pr. Orlando Costas, apresentada no texto "A
Vida no Espírito". Esse texto produzido por ele é uma breve
reflexão sobre a obra do Espírito no mundo.
Objetivo da Aula
Visa apontar elementos para uma Teologia da Espiritualidade
Latino-americana. Partiremos da compreensão de que não há
como tratar da temática da espiritualidade à parte da
pneumatologia, pois um assunto remete necessariamente ao
outro.
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Na TLA (Teologia latino-americana) difilcilmente
encontraremos uma pneumatologia pela pneumatologia, ou seja,
com a intenção somente de compreender melhor o ser do
Espírito Santo. Uma pneumatologia latino-americana parte da
pergunta sobre a ação do Espírito no mundo e a relação desse
mundo com Ele. É devido à isso que podemos inferir a teologia
do Espírito Santo de Orlando Costas do texto escrito por ele
entitulado “A Vida no Espírito”47. Da mesma forma, podemos
afirmar que a teologia da espiritualidade cristã dele deriva-se da
sua teologia do Espírito.
Costas contextualiza sua Teologia do Espírito no que em sua
época chamavam de Mundo dos Dois Terços e, atualmente,
chamamos de povos subdesenvolvidos ou em desenvolvimento,
ou seja: África, Ásia, América Latina e Caribe. Ele deixa claro
isso ao dizer “Neste trabalho proponho-me a explorar o
significado desta peregrinação para o povo de Deus no Mundo
dos Dois terços” (p. 52). É a partir desse lugar mais sócio-
econômico e cultural do que geográfico que ele escreve e para o
qual deseja responder (ou corresponder).
Ele descreve como um lugar de vida cultural e religiosamente
diversificado, em contrapartida, lugar de gente empobrecida,
devido à isso, enfraquecida. No entanto, essa gente demonstra
uma evidente dependência do Espírito Santo, como argumenta:
“Em qualquer parte do mundo dos dois terços a que alguém
possa ir , se encontrará com sinais do Espírito...” (p. 51).
Esses povos são naturalmente sensíveis ao Espírito Santo. Isso
possibilita um crescimento rápido do movimento pentecostal e
de renovação, ou movimentos carismáticos e místicos como é o
caso da Ásia e Pacífico.
Essa parte do mundo não sofre do problema de falta de religião,
pois é naturalmente religioso, portanto, afeito à espiritualidade e
propício à evangelização.
Costas então inicia sua reflexão sobre a teologia do Espírito
Santo explicando que, como seres humanos, somos espíritos
47COSTAS, Orlando. A Vida no Espírito. In.: Boletim Teológico, Ano 3 (dezembro de 1989), nº 10. São Paulo: FTL – Brasil, p. 51-63.
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“encarnados” (com carne), ou seja, materializados no mundo.
Quer dizer com isso que por sermos também seres espirituais,
somos capazes de ir além da nossa materialidade e nos
sintonizar (linkar mesmo) com o Espírito sustentador do
universo. É devido à isso que não estamos limitados ao concreto
e à materialidade, como quis convencer a modernidade. A
realidade para nós é muito mais do que aquilo que simplesmente
podemos tocar. Somos seres que transcendem. É também por
isso que somos capazes de produzir arte e compreender o
abstrato, bem como o mundo espiritual.
No entanto, como seguidores de Jesus Cristo, desejamos a partir
do conhecimento de Deus, sermos orientados para uma vida no
Espírito Santo e, com isso, participantes da sua obra no mundo.
Para isso nosso teólogo porto-riquenho trabalha dois aspectos:A
Fonte da Peregrinação – um esboço de uma Teologia do
Espírito Santo a partir e para o contexto que ele focaliza: o
Mundo dos Dois Terços.
As Dimensões da Peregrinação – um esboço de uma Teologia
da Espiritualidade Cristã à luz da Teologia do Espírito Santo
anterior, a partir e para o contexto que ele focaliza: o Mundo dos
Dois Terços.
O Espírito Santo: Fonte da Vida
Para uma pneumatologia que parte da Ásia, África, América
Latina, Caribe e até Oceania (como incluiu Costas), não se pode
deixar de considerar a preocupação fundamental desses povos e
lugares: a vida e sua preservação. Vida apresentada na forma de
seres humanos, animais e plantas, bem como os ecossistemas
que eles integram. E tudo que a eles estão relacionados,
inclusive pra fins de preservação, como: culturas, organização
social interação ecológica, etc.
Em função disso o texto inicia a teologia do Espírito Santo
apresentando-o como a Fonte da Vida, conforme ensina a
própria Bíblia: ele é Ruach, aquele que gera a energia que
mantém o mundo.
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Conforme Costas, o Espírito Santo é muito mais que a presença
da transcendência de Deus. Ele é o próprio Deus se fazendo
presente em nosso mundo. Todavia, a presença e atuação Dele
no mundo é percebida de modo real.
Cada aspecto do desígnio de Deus – desde a criação do mundo
até a consumação de todas as coisas – está associado com o
Espírito. Isto implica que a identidade pessoal do Espírito se
revela em eventos e fatos concretos48.
É Ele quem nos permite tomar conhecimento do outro e nos
relacionarmos com ele, bem como com o próprio Deus em Jesus
Cristo. Recuperando a tradição cristã do ponto de vista que ele
propôs, o Mundo dos Dois Terços, ele afirma que a terceira
pessoa da Trindade é “o Deus mediano”, tanto em relação à
Jesus Cristo como com a própria criação. Ele reforça:
“... pelo Espírito o gênero humano toma consciência da
existência de 'outros' e recebe a capacidade para comunicar-se,
ou formar uma comunidade, com eles. Este estar em relação
com os outros é o que torna a vida humana espiritual” (p. 54)
Conforme Costas, quando reconhecemos que o outro é outro e
não nós, nem mesmo uma extensão nossa, e aprendemos a nos
relacionar com ele a partir desse “respeito”, o fazemos pelo
Espírito, transcendemos. De fato, a vivência assim evitaria
desentendimentos e até guerras, seria a Koinonia (comunhão) da
oikoumene (terra habitada). Isso, de fato, somente poderia ser
obra do Espírito.
O Espírito Criador
Novamente Costas recorre ao texto bíblico para tratar do
Espírito como Criador, como de praxe na TLA a Palavra possui
primazia. Referindo-se ao Gênesis ele argumenta que a força
criativa da palavra de Deus na criação de todas as coisas, é o
Espírito Santo. Ele é “a energia da palavra”. Mas, é na vida
humana que essa energia se torna mais evidente, pois conforme
48Ibidem, p. 53.
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Jó “O Espírito de Deus me fez; o sopro do Todo-poderoso me
dá vida” (Jó 33.4).
Mas o Espírito não somente deu a vida, como dá a vida
continuamente. Conforme o texto bíblico (Salmo 104) é ele
quem renova a vida no mundo, não somente humana, mas de
toda criação. Inferimos que toda ação humana contrária à vida, é
também contrária à ação de Deus no mundo.
O texto encerra esse ponto afirmando que se o Espírito age no
mundo criando e sustentando a vida em sua totalidade, a missão
da Igreja não pode ser em outro lugar, a não ser em participação
à obra do Espírito. Isso é espiritualidade.
CEAD-FTSA
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Aula 7Teologia e Espiritualidade
em Juan Mackay
Apresentação da Aula
Nesta aula trataremos sobre a compreensão de espiritualidade
cristã, conforme apresentada por Juan Mackay, teólogo e
missionário escocês, em seu livro “Prefácio a la Teologia
Cristiana”.
Objetivo da Aula
A teologia da espiritualidade de Juan Mackay é percebida no
conjunto da sua teologia que, por outro lado, se apresenta como
caminhante ou da caminhada. Esta aula visa apresentar ao aluno
a possibilidade de se teologizar ao longo do caminho, seja
pastoral, missionário e mesmo da vida no mundo.
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Introdução
John Mackay nasceu na Escócia em 1889. Sua família
participava da Igreja Presbiteriana Livre e eram crentes piedosos
e devotos. Foi no seio espiritual da própria família que Mackay
afirma ter conhecido o Senhor em uma experiência marcante,
que ele narra:
Deus me achou e se fez real em minha vida. Aprendi que o
Criador não é um ser distante (...), sim uma realidade atual
aqui no caminho da vida. (Mackay, 1988: 20).
Graduou-se em Teologia na Escócia, em 1916 casou-se com
uma jovem batista e tornou-se missionário na América Latina,
mais precisamente no Peru. Atuou na América Latina até 1932,
quando se mudou para os EUA para ser secretário da obra
missionária na América Latina e África, tornando-se depois
presidente do Seminário Teológico de Princeton por um período
de 23 anos. A Teologia missionária de Mackay foi uma das
inspiradoras da Teologia Latino-americana. Sobre ele, atesta
Luís Eduardo Catero:
O teólogo Mackay teve a aparência de uma pessoa cortez e
delicada, não possuía um espírito tradicional. Porém, tinha um
espírito apaixonado para lutar contra todas as forças
desumanizantes que degradam o ser humano. Mackay se baseou
em uma teologia de compromisso social e de participação, e na
capacidade de solidarizar-se com os que estavam sofrendo [...].
(Cantero, 2005)
No entanto, sua preocupação social não era fruto de ideologias
da época, embora demonstrasse possuir bom diálogo com várias
correntes de pensamento filosófico e sociológico do seu tempo.
Parece sim ser resultado de uma saudável teologia, que por
causa de Deus se ocupava do humano e seu ambiente de vida.
A Teologia de Juan Mackay
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A teologia da espiritualidade cristã de Juan Mackay pode ser
bem resumida no texto abaixo:
Um dos paradoxos do cristianismo consiste em que um homem
é tão plenamente livre e tão plenamente humano, quanto mais
vive sua vida cativa ao divino. A forma perfeita da bondade
humana é a liberdade espiritual, e a única forma verdadeira de
liberdade espiritual é a liberdade do cristianismo.(Mackay, p.
125.
A metáfora da Teologia mais bem conhecida de Mackay é a do
Balcão e a do Caminho, que trata das inquietações teológicas à
respeito da vida humana e as últimas coisas que a espera. Ele
alerta que este é um assunto de séria investigação, mas ao
mesmo tempo de perspectivas, ou seja, de onde e como se vê.
No caso, destaca duas:
1) Primeira perspectiva - devemos levar o sério a importância
do lugar de onde buscamos esta compreensão, pois nossas
verdades muitas vezes são meros pontos de vista, temos que
buscar esse discernimento:
É necessário que o estudante das coisas divinas realize suas
observações quando e onde brilha plenamente a luz,
recordando..., que há um panorama noturno, assim como um
diurno, do mundo. ( Mackay, p. 35).
Ele cita como exemplo a diferença diurna e noturna da baía do
Rio de Janeiro, vista desde o Pão de Açúcar. A luz radiante do
sol permite uma belíssima e clara visão durante o dia, mas a
escuridão noturna não permite que se veja entornos e detalhes
importantes para o entendimento do que se vê. É devido à isso
que Mackay orienta:
Todo que deseja estudar a realidade espiritual sob outra luz
que não seja a plena luz solar da auto-revelação de Deus, está
condenado a não obter mais que uma visão noturna do mundo,
com tudo o que isso implica. (P. 36).
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2) Segunda perspectiva – tem a ver com a atitude pessoal do
estudante-teólogo: que é negativa se ele for movido meramente
por uma curiosidade intelectual e científica, mas será positiva se
ele:
O investigador se sente movido não somente pela curiosidade,
sim por um espírito de verdadeiro e sério interesse; se o que lhe
interessa antes de mais nada não é achar boas causas para
argumentar, sim uma boa causa para abraçar; se o que aspira
não é simplesmente alcançar um vislumbre da verdade, sim
chegar a uma decisão em relação à verdade; se tem fome e sede
de uma ordem superior de vida, então está preparado, mediante
tudo isso, para obter a iluminação espiritual. (p. 36-37)
Para melhor explicar o assunto ele propõe duas figuras que
simbolizam formas de se olhar e lidar com a realidade:
1) A teologia da sacada de uma casa (balcón). De onde vemos à
distância, na condição de expectadores, o que se passa na rua ou
em lugares que a visão permite. Ele explica:
A Sacada é o ponto de vista clássico, e, por tanto, o símbolo do
expectador perfeito, para quem a vida e o universo são objetos
permanentes de estudo e contemplação [...] a sacada significa
uma imobilidade da alma, que pode coexistir perfeitamente com
um corpo móvel e peripatético. (P. 38)
A atitude da sacada é daquele que não assume como sua as
causas importantes que assiste de longe. No caso do teólogo, é a
atitude daquele que analisa de longe, formula teses e especula
conhecimentos. Mesmo a fé e a espiritualidade são objetos que
analisa a partir de certo distanciamento.
2) A teologia do caminho. É aquela feita não somente na rua,
mas na caminhada nela, na vivência e na experiência da própria
vida, conforme o poema:
Como disse Mackay:
A verdade se encontra no Caminho. Ainda poderia dizer que
somente até que um homem desça da sacada ao caminho, seja
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por sua própria vontade, seja por circunstâncias que o tirem
dali, é quando começa a conhecer o que é a realidade.
É aquela forma de teologia que se ocupa não tanto com
perguntas sobre nossa “essência última”, mas com nossa
“existência concreta”. Um exemplo interessante dessa atitude
que ele apresenta é a dos discípulos (caminhantes) no caminho
de Emaús, que criam que seria estabelecida uma nova ordem
com a chegada do Messias, porém, tiveram suas expectativas
frustradas com a morte de Jesus. Voltavam para casa
entristecidos, quando foram abordados por um desconhecido,
que se pôs a caminhar com eles e a explicar-lhes o verdadeiro
sentido das promessas bíblicas e como elas estavam se
realizando naqueles fatos. A esperança reacendeu no coração
daquelas pessoas e, já em casa, no partir do pão, reconheceram
que o caminhante amigo era Jesus. De fato, somente poderia ser
ele.
Mackay ensina:
Porque o caminho de Emaús é o caminho dos nossos tempos.
Naqueles caminhantes que transitavam com fadiga, há dezenove
séculos atrás, por aquele escabroso caminho, vemos a nós
mesmos e a nossos contemporâneos. Nós também, como aqueles
discípulos, havíamos sonhado com uma nova era, como eles,
temos saboreado a amargura da decepção. A cristandade têm
sofrido uma desintegração. Milhões de nossos companheiros de
caminho tem se separado de Cristo e da civilização e das
esperanças cristãs. Uma era tem chegado ao fim. Nosso
caminho é o caminho de Emaús. Um estado de tranqüila
desesperança tem dominado nosso espírito. A teologia tem hoje
uma nova tarefa, a de devolver à vida seu sentido, a de
restaurar os cimentos sobre os quais se constroem toda vida
verdadeira e todo verdadeiro pensamento.(P. 11)
A teologia do próprio Mackay foi elaborada em sua caminhada
missionária pela América Latina e América do Norte, conforme
Cantero confirma “Finalmente, Mackay sempre foi um ativista
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que fomentava a reconciliação nacional e internacional. Sempre
militou nos movimentos ecumênicos e populares a favor da
democracia, dos direitos humanos”. (Cantero, 2005).
Conclusão:
O pensamento de Mackay nos faz lembrar que não podemos
viver a fé de forma verdadeira se não for como caminhantes, tal
qual foi Jesus em sua vida. Ainda que estudemos a fé de modo
formal nos cursos de teologia, não podemos fazê-lo como se
fosse uma área qualquer do conhecimento. Devemos lembrar
sempre que pensamos a fé a partir de dentro dela, da sua
experiência. Essa é a principal relação da Teologia com a
Espiritualidade. Uma teologia somente se justifica se alimentar
nossa espiritualidade. Por outro lado, nossa espiritualidade
solicita ser fundamentada e esclarecida. Para isso, faz-se
necessário uma teologia que se faz no caminho da fé e da vida.
A Teologia do Caminho se faz no seguimento do modelo do
próprio Jesus. Os evangelhos escolheram narrar sua obra na
perspectiva geográfica, da caminhada dele da Galiléia para
Jerusalém. Seus milagres, ensinos e cuidados foram manifestos
para os do caminho. Em nenhum momento ele se apresentou
como expectador da vida, mas como um seu participante. Seja
no encontro com os pescadores à beira do mar, com a mulher à
beira do poço, com o cobrador de impostos na realização de sua
tarefa, com a multidão em sua busca desesperada por ajuda.
Eram nessas situações que Deus se tornava conhecido
maravilhosamente na vida de Jesus Cristo.
Bibliografia
CANTERO. Luis Eduardo. El pensamiento teológico de John Mackay. Un aporte a la teología latinoamericana, en especial Colombia. In.: Teologia y cultura, año 2, vol. 4 (diciembre 2005).
MACKAY, Juan A. Prefácio a la Teologia Cristiana. Buenos
Aires: La Aurora, 1957.
CEAD-FTSA
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Aula 8Devoção e Espiritualidade:
Oração e Leitura Bíblica
Apresentação da Aula
Nesta lição trataremos das práticas devocionais da Oração e da
Leitura da Bíblia e sua relação com a espiritualidade cristã.
Elevo a Deus a minha voz, e clamo, elevo a Deus a minha voz, para
que me atenda. No dia da minha angústia procuro o Senhor: erguem-
se as minhas mãos durante a noite, e não se cansam; a minha alma
recusa consolar-se. Lembro-me de Deus e passo a gemer; medito e
me desfalece o espírito. (Salmo 77.1-3)
Objetivo da Aula
Argumentar a importância das práticas devocionais, ou, como
chamam alguns, das “disciplinas espirituais”, para a vivência e
desenvolvimento da espiritualidade cristã. Todavia, faremos um
esforço por compreender uma espiritualidade que não reduz as
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práticas devocionais a momentos escassos de disciplinas cristãs,
mas diz respeito à forma de ser cristão no mundo.
Introdução
Nossa hinologia possui vários cânticos que chamam à prática da
oração como caminho para a comunhão com Jesus Cristo e a
experimentação da sua presença. Como muitos desses hinos
antigos são fruto de situações reais de vida e expressam uma
chamada legítima para a busca de uma vida com Deus, devemos
considerá-los seriamente como umas fontes para a nossa
teologia da espiritualidade cristã, como o hino abaixo:Preciosas são as horas
Preciosas são as horas na presença de Jesus Comunhão deliciosa da minh'alma com a luz
Os cuidados deste mundo não me podem abalar Pois é Ele o meu abrigo quando o tentador chegar.
Se confesso meus temores, toda a minha imperfeição. Ele escuta com paciência essa triste confissão.
Com ternura repreende meu pecado e todo o mal Ele é sempre o meu amigo, o melhor e mais leal. Se quereis saber quão doce é a divina comunhão Podereis mui bem prová-la e tereis compensação Procurai estar sozinhos em conversa com Jesus
Provareis na vossa vida, o poder que vem da cruz.
Mas não podemos desprezar o valor da nossa corinhologia, com
suas evocações à prática devocional como modo de comunhão
com Deus:
Ao orarmos
Ao orarmos, SenhorVem encher-nos com Teu amor
Para o mundo agitado esquecer,Cada dia Tua vida viver
Nossas vidas, vem pois transformarRefrigério pra alma nos darE agora com outros irmãosNos unimos aqui em oração
Mas, a leitura da Bíblia também é vista por nós como meio e
fonte de espiritualidade. Não somente pelos ensinos que ela
proporciona, mas também pelo ato de dedicação ao estudo do
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livro sagrado. Dedicar-se à leitura da Bíblia é visto como busca
pela comunhão com Deus pela via do seu conhecimento.
De fato, o cristão dedica-se à várias práticas espirituais e entre
elas a oração e a leitura da Bíblia. Isto remonta às origens do
cristianismo e perpassa toda a história da Igreja até os dias
atuais.
A Oração
A oração é sempre uma ação humana em relação ao divino. É o
meio mais direto de contato com Deus que concebemos, seja
para súplica, intercessão ou ação de graças, que são as principais
formas de oração que praticamos. Moltmann ensina que não
devemos recorrer em oração a Deus somente para realizarmos
petiçoes e súplicas, como um servo recorre ao seu senhor, diante
da falta de uma comunicação livre com ele49. Deus é nosso pai e
amigo, por isso, temos liberdade em falar com ele. A liberdade
não significa necessariamente irreverência, falta de respeito, mas
proximidade e acessibilidade. Ele assegura:
Aconselhamo-nos com Deus como um amigo que nos compreende
[…]. Falar com Deus e ouvi-lo nessa liberdade, que expressa um amor
imenso, é “orar no Espírito Santo”. É assim que oram amigos de Deus.
(Moltmann, p. 130)
Moltmann ainda nos apresenta uma análise interessante da
linguagem corporal na oração, com destaque para três delas:
d) A atitude muçulmana de oração - prostração com rosto
em terra. Conforme ele, refere-se à atitude de submissão
de um súdito diante de seus senhores governantes
(déspotas asiáticos), em um esforço de demonstar
pequenez, insignificância como um “embrião em ventre
materno”. No Antigo Testamento há casos dessa atitude
(Gn. 17.3-17; Js. 7.6; Nm 16.22 Dn 8.17), mas em
referência ao temor diante do poder divino.
49Moltmann, A Fonte da Vida, p. 130.
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e) A atitude cristã – juntar as mãos, fechar os olhos e
ajoelhar-se. Trata-se de uma atitude de interiorização, de
voltar-nos para dentro de nós mesmos em gestos como
de dor. Também refere-se ao esforço por humilhar-se
ante o divino, como na antiguidade que os servos não
poderiam mirar (olhar nos olhos) dos seus senhores, daí
o abaixar a cabeça em reverência. O juntar as mãos
também era um ato comum, no sentido de mostrar que
estavam desarmados. Os joelhos dobrados simbolizam o
fraquejar do corpo e, portanto, humildade. O comentário
de Moltmann sobre essa atitude é:
Quando uma pessoa está tão vergada sobre si mesma, não pode
respirar livremente. Parece que está carregando a si própria como um
grande peso. Nessa modalidade de oração, evidencia-se uma religião
de interiorização que deprime. Os sentidos estão cerrados. Solitário, o
ser humano busca a Deus no próprio íntimo, em seu coração ou na
alma. (Moltamnn, p. 132)
f) Adoradores e adoradoras da primeira Igreja – cabeça
erguida, olhos abertos e braços levantados. Típicos das
figuras dos primeiros cristãos encontradas em algumas
catacumbas antigas. Conforme Moltmann:
É a atitude de uma grande expectativa e da prontidão amorosa para
receber e abraçar. Os que se abrem para Deus nessa atitude são
pessoas livres. […]. Os braços erguidos expandem o peito para a
respiração. A posição ereta é o ponto de partida para movimentar-se
no recinto e convida a caminhar, andar e dançar. Quem ora nessa
posição ora sobretudo pela vinda do Espírito Santo: “Vem, Espírito
Criador...” (Moltmann, p. 132)
Devemos concordar com Moltmann que oração é prática da
liberdade. Poder estar diante de Deus, nosso Criador e Pai, e
falar-lhe de modo espontâneo e sincero, é como revisitar o
jardim do Éden nas tardes de outono, ou seja, sentir-se humano e
livre.
A Oração Intercessória – é uma prática da Igreja que encontra
suas bases mais antigas no ofício dos sacerdotes de Israel, que
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entravam no santo dos santos no templo para interceder pelo
povo. É uma ação solidária, que foi também realizada por Jesus
quando interceu pelos discípulos e todos os cristãos que viriam
após eles (João 17). Tem a ver com o identificar-se com o
sofrimento do outro e desejar ardentemente que Deus seja com
ele. Esta é uma forma de doação e serviço realizado por cristãos.
A prática da oração:
Embora oremos sempre em nossos cultos e em alguns horários
fixos no dia, como nas refeições, ao levantar e ao dormir, nossa
vida de oração não deveria resumir-se a essa rotina. Precisamos
observar a oração como também aquele momento não
programado, quando abrimos nosso coração ao nosso Deus e
conversamos com aquele que sabe de todas as coisas. Devemos
nos permitir ouví-lo e ser confortados por ele.
Orar, como dissemos no início, é sempre uma ação humana em
relação ao divino e, conforme a Reforma Protestante, um ato de
liberdade.
A Leitura da Bíblia
E a palavra eterna do nosso Deus
se fez vista, entendida e contada.
Se fez profecia, lei e sabedoria;
se fez ouvida na própria vida.
E se tornou conto e canto.
Se fez notícia, se fez escrito, por mãos de homem.
Ainda hoje, a palavra escrita do nosso Deus,
se faz ouvida na própria vida e é contada e cantada.
Na teologia evangélica afirmamos que a palavra de Deus possui
primazia em tudo o que fazemos. Isto significa que ela é
autoridade maior em toda nossa elaboração teológica e,
consequentemente, em nossa pregação.
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Tratar a Bíblia assim é assumir para com ela uma
responsabilidade de vida e ministério. No entanto, também
requer um verdadeiro interesse de entendê-la e com um coração
sensível para ouvir o que ela tem a nos dizer como Palavra de
Deus. Se houver dedicação, tanto a leitura será muito mais
interessante do que imaginamos como saberemos o que anunciar
em nossa pregação.
A Bíblia, além de trazer respostas para o momento em que
vivemos e nos ajudar a compreender a própria realidade, nos
conduz a um conhecimento amplo de Deus e de suas ações no
mundo dos humanos. Trata-se de um livro que foi escrito a
centenas de anos, mas que em todo o seu conteúdo teológico
reivindica constante atualidade, pois envolve a história da
humanidade. Isto torna esse livro, ao mesmo tempo,
maravilhosamente divino e humano, diferente de todos os
demais já produzidos no mundo, afinal, é divino, ou seja, de
alguma forma veio de Deus para nós, a fim de o conhecêssemos,
bem como a sua vontade.
Princípios básicos para a leitura da Bíblia
Não podemos esquecer que embora a leitura da Bíblia é uma
tarefa fácil e completamente edificante, ela exige de nós o
cumprimento de certas regras básicas para que possamos
aproveitá-la melhor.
1. Não existe leitura dinâmica das Escrituras.
Não a lemos para cumprir uma obrigação acadêmica ou
religiosa. Lemos a Bíblia para conhecermos a Deus, suas
grandes obras e Sua maravilhosa vontade. O salmo 119.11 diz o
seguinte: “Escondi a tua palavra em meu coração para eu não
pecar contra Ti”. Este texto afirma que conhecemos a vontade
de Deus através da palavra e, se a guardamos em nós,
poderemos evitar o pecado. Faz-se necessário, no entanto,
determo-nos no texto Bíblico em atitude de reflexão, oração e
desejo de ouvir a voz de Deus.
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2. A Bíblia não é um livro de “histórinhas”.
A Bíblia também não é um livro de fábulas, cheias de
historinhas onde príncipes e super-heróis fazem coisas
extraordinárias. Ela, além de ser o livro da Revelação de Deus, é
um livro de história. Sim, história da relação de Deus com Seu
povo e, de certa forma, com o mundo. Nesse caso, todas as
pessoas citadas nos textos bíblicos são homens e mulheres que
viveram num certo momento da história. Eles possuíam
qualidades e defeitos, vestiram e comeram conforme os hábitos
culturais de seu povo e época e foram fiéis ou infiéis a Deus,
conforme os relatos bíblicos. Essas pessoas, em determinados
momentos, foram usados por Deus como agentes de sua vontade
no mundo.
3. A Bíblia não é um livro de “lições morais”
Embora a Bíblia nos ensina em como conduzir a vida no mundo,
não podemos ler a história que ela relata somente para tirar
lições para os dias de hoje. Quem lê a história de Davi com
Golias somente para apontar significados para as pedrinhas da
funda ou dar nomes para o gigante, não dá o devido valor para
toda a ação histórica de Deus no sentido de livrar Israel da
ameaça dos filisteus, de se firmarem na terra de Canaã e do
estabelecimento de uma Monarquia. A Bíblia não traz “lições
morais”, como já afirmamos, ela apresenta a vontade de Deus
para nós, humanidade por ele criada. Ela nos relata o que Ele fez
para a nossa salvação. Isto é muito mais que algumas lições ao
final de cada capítulo. Na realidade, ela trata da grandiosa
história da salvação.
4. A Bíblia deve ser lida com o coração e com a mente
De fato, ler a Bíblia não é uma tarefa complicada, mas ela deve
ser feita com o coração e com a mente, que são, na realidade, os
maiores dons que o Senhor nos deu e devem ser utilizados,
principalmente, para Ele e para o seu conhecimento. Não
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podemos ter medo de pensar sobre as coisas que a Bíblia diz.
Aliás, certamente seremos muito mais transformados pelo poder
da Palavra se aplicarmos nossa mente para entendermos seu
conteúdo e o deixarmos entrar em nossa vida transformando
nossos valores, nossos ideais e nossa visão do mundo e da
história. A salvação que a Bíblia apresenta através da exposição
do Evangelho é espiritual, mas também histórica, somos salvos
para viver no céu, mas também somos salvos para viver no
mundo. Para entendermos a dimensão da Salvação que o Senhor
Jesus nos concedeu devemos aplicar a mente e o coração numa
atitude de reflexão da nossa fé.
5. A Bíblia nos fala hoje.
No entanto, para ela nos falar não precisamos forçá-la a dizer o
que ela não está dizendo. Não podemos achar que a Bíblia diz
tudo o que queremos ouvir, ela não é escrava da nossa vontade.
Ela diz o que Deus quer que saibamos, sua verdade é completa e
devemos lê-la com a preocupação de conhecer realmente o seu
conteúdo, ainda que este contrarie nossa vontade e nos leve a
rever idéias e comportamentos. Na verdade, é isso mesmo que
Deus quer fazer conosco, transformar nossas vidas pela sua
Palavra.
Conclusão:
Nós cristãos oramos e lemos a Bíblia para alimentar e como prática de
nossa espiritualidade, pois viver para Deus e celebrá-lo em nossas
vidas é o que nos satisfaz, como diz a canção de João Alexandre:
Fim de Madrugada
Fim de madrugada, luz do sol
Marejando o dia que já vai chegar.
Pousa um passarinho na janela:
Lá vem ela, manhã.
E aqui de joelhos eu estou
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Contemplando a última estrela.
Cantando a canção da alvorada:
Pra te fazer feliz, pra te louvar,
Pra te reconhecer, pra te encontrar,
Pra ver no sol que nada sou sem tua luz,
Só pra saber que nada sou sem ti, Jesus.
CEAD-FTSA
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Aula 9Serviço e Espiritualidade
Apresentação da Aula
Qual a relação entre o serviço cristão na Igreja e no mundo com
a espiritualidade? Qual a abrangência do serviço cristão e como
ele deve ser realizado pela Igreja? Este é o assunto dessa aula,
que trataremos de forma narrativa.
Objetivo da Aula
Refletir sobre o serviço cristão, como caminho para a
espiritualidade cristã, na perspectiva do Reino de Deus.
Procuraremos compreender a abrangência do nosso serviço no
mundo e como, a cada nova experiência, aprendemos mais tanto
com o próprio Jesus que nos ensina por meio do Espírito Santo,
como com as pessoas às quais servimos.
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Introdução
O termo serviço procede do termo grego diakonia:
Diaconia (termo cristão), significa: serviço ao próximo, servir á
mesa... A graça e alegria por tudo que Deus tem feito por nós,
abençoando-nos em nossas vidas, nos faz sentirmo-nos à vontade
para promover a diaconia. Diaconia e missão, palavras que
dificilmente se separam, nos desafiam a entendê-las melhor dando-
nos a oportunidade de colocá-las em prática cada vez mais50.
Há uma íntima relação entre a diaconia e a espiritualidade cristã.
Para nós protestantes o serviço é uma consequência natural da
nossa salvação. Servimos porque somos salvos e não para
sermos salvos, como lemos em Tiago:
Meus irmãos, que vantagem há se alguém disser que tem fé e não
tiver obras? Essa fé poderá salvá-lo? Se u m irmão ou irmã estiverem
necessitados de roupas e do alimento de cada dia, e algum de vós lhes
disser: Ide em paz, aquecei-vos e saciai-vos; e não lhes derdes as
coisas necessárias para o corpo, que vantagem há nisso? Assim
também a fé por si mesmo é morta, se não tiver obras. (Tiago 2.14-
17)
Portanto, podemos afirmar que a verdadeira espiritualidade
possui como base de sustentação uma fé que gera obras, serviço.
Serviço e Ministério: uma narrativa
Contextualização e Doação: exigências do serviço
Sidney e eu iniciamos nosso ministério em 1986, em Brasília,
auxiliando em educação teológica e alguns projetos sociais. Em
1987 atuamos em uma congregação formada por artesãos e
pescadores, na cidade de Icoaracy em Belém do Pará. Éramos
muito novos e estavamos aprendendo com aqueles irmãos o
significado da palavra “serviço”, na prática. Descobrimos
50http://www.luteranos.com.br/diaconia/diaconia.html , Acesso em 17/05/2009.
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naquela época que serviço, além de ser um termo de origem
grega, diakonia, é sinônimo de contextualização,
despreendimento e doação.
Contextualização: é o processo pelo qual assumimos como
nossa uma cultura e um modo de vida diferente daquele de onde
nascemos, se que isto é possível. Em nosso tempo em Icoaracy,
aprendíamos a cada dia com os irmãos a apreciar novas
comidas, novas palavras e mesmo uma maneira diferente de
lidar com a vida. Compreendemos que servir aquelas pessoas
exigiria de nós percorrer esse caminho: do reconhecimento da
legitimidade do seu modo de vida. O melhor exemplo a ser
seguido em relação à isso é do próprio Jesus Cristo, que
conforme Filipenses 2.5-11:
o qual, existindo em forma de Deus, não considerou o fato de ser igual
a Deus algo a que se devia prender, mas, pelo contrário, esvaziou-se a
si mesmo, tomando a forma de servo e fazendo-se semelhante aos
homens.
Despreendimento e Doação – são requisitos essenciais para o
serviço. O serviço cristão, conforme o ensino bíblico, não visa a
promoção de quem serve, mas o bem de quem é servido. Tal
qual Jesus, não podemos servir esperando receber algo em troca,
a não ser a satisfação de ver as pessoas transformadas pelo amor
de Deus, como ensinou Costas:
… a Igreja começa a redescobrir o caráter de serviço da sua missão.
Se dá conta de que tem sido chamada a servir o mundo em nome de
Deus […]. Redescobre ao seu Senhor, o vê como o servo sofredor de
Javé e como o modelo autêntico para sua missão no mundo51.
Servir é cuidar
Depois de quase cinco anos em Belém fomos para o sul da
Bahia, trabalhar com uma Igreja de uma pequena cidade. A
Igreja era grande e possuia vários irmãos com muitos recursos
financeiros, mas um grande número de pessoas muito pobres.
51COSTAS, Orlando, Qué significa evangelizar hoy?, p. 37.
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Descobrimos naquela Igreja que servir aos irmãos era,
principalmente, cuidar daquelas pessoas. Uma das coisas que me
recordo é que Sidney plantou uma enorme horta no quintal da
nossa casa, sempre que fazíamos visitas levávamos verduras
para aqueles irmãos, junto com a conversa, a leitura da Bíblia e
a oração. Aprendemos que às vezes nosso serviço é realizado
através de gestos simples, mas que possuem um enorme
significado para as pessoas que o recebem. Servir é cuidar.
Cuidar nem sempre é oferecer o que gostaríamos, mas o que as
pessoas precisam.
Assim, enquanto temos oportunidade, façamos o bem a todos,
principalmente aos da família da fé. - Gál. 6.10
As vezes queremos servir comunicando uma mensagem
evangelizadora, mas quantas vezes a pessoa que evangelizamos
está precisando de fato é de quem ouça suas histórias de vida,
como foi o caso da mulher samaritana (João 3).
O pacto de Lausanne propõe três formas possíveis de relação
entre a evangelização e a ação social:
g) A ação social como consequência da evangelização.
h) A ação social como ponte para a evangelização.
i) A ação social como parceira da evangelização.
De qualquer forma, o amor às pessoas por causa do nosso Deus nos
faz desejar que sejam salvas e cuidadas ao mesmo tempo, e isto,
conforme Costas “é transcender”, portanto, é espiritualidade.
O serviço é integral
Saímos da Bahia e fomos para Minas Gerais trabalhar com a
Educação Teológica. Ficamos lá por dezesseis anos e
descobrimos que deveríamos atuar em várias frentes de serviço,
pois a ceara é grande e, de fato, são poucos os ceifeiros. Além
do mais, a missão é integral. Há muita gente “trabalhando” no
ministério cristão, mas poucos com disposição para a diakonia.
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Cuidamos de seminaristas, limpamos alojamentos, demos aula,
fundamos escolas, estudamos, escrevemos, plantamos árvores,
enfim, aprendemos que o serviço do Reino envolve múltiplas
ações, mas com um única finalidade: tornar esse Reino real no
mundo e conhecido das pessoas. Nosso serviço é para o Reino
de Deus e em nome do Senhor Jesus, segundo Bonhoeffer:
Como colaboradores de Jesus estão os discípulos sob as ordens
claras de seu senhor em sua tarefa. Não tem liberdade de encarar e
atacar esta obra a seu critério. A obra de Cristo a eles confiada
coloca-os sob a vontade de Jesus. Felizes os que recebem tal ordem
para seu ministério,livres que estão de decisão e cálculos52.
Servir à Igreja e à sociedade em nome do Reino de Deus é estar
disposto a desgatar-se, como no caso dos discipulos de Jesus
quando voltaram cansados e com fome da missão que Ele havia
os designado (Mc 6.30-44). Mesmo assim, estavam afoitos para
contar para Jesus as obras que haviam realizado. Jesus chamou-
os para comer algo e descansar, mas quando viram a multidão
que os seguia, Jesus sentiu compaixão dela e tiveram que
continuar o trabalho até o final do dia.
Serviço à criação
Após esse tempo seguimos para Vitória no Espírito Santo, onde
ficamos por um ano. Estávamos bem mais maduros e
conscientes de que se quiséssemos realmente servir aos irmãos
daquele lugar teríamos que dar tempo para conhecê-los melhor.
Foi maravilhoso teologizar na costa do Atlântico. Aprendemos
olhando para o oceano e passeando entre as matas de Santa
Teresa, Santa Leopoldina e Domingos Martins que nosso
serviço é para a criação. Não podemos reduzí-lo aos humanos,
pois Deus nos envia ao mundo criado por ele.
Porque a criação aguarda com ardente expectativa a revelação dos
filhos de Deus. Porque a criação ficou sujeita à inutilidade, não por
sua vontade, mas por causa daquele que a sujeitou, na esperança de
52BONHOEFFER, Dietrich, Discipulado, p. 124.
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que também a própria criação será libertada do cativeiro da
degeneração, para a liberdade da glória dos filhos de Deus. Porque
sabemos que até agora toda a criação geme e agoniza, como em
dores de parto... (Rom. 8.19-23).
Nossa luta é pela vida conforme a vontade de Deus. O serviço
cristão, portanto, deve ser realizado em participação ao serviço
do Espírito Santo, de sustentar a vida no mundo.
Conclusão
Depois desses vinte e cinco anos de caminhada pelo Brasil,
voltamos ao nosso querido Paraná. Temos descoberto com as
passagens pelo centro-oeste, norte, nordeste e sudeste as
riquezas do nosso Brasil e do nosso povo brasileiro. Foram
muitas cores, linguagens, jeitos de ser gente e de ser Igreja que
conhecemos e com os quais tivemos convivência. Nesses
lugares, servir é estar disposto a caminhar com os mais pobres,
acolhe-los e cuidar deles, como é o caso das famílias em Belém
que moram sobre os Igarapés. Descobrimos na Bahia que não
precisamos ter muito, basta um pedaço de quintal e algumas
sementes. Temos, no entanto, como aprendemos em BH, que
estar dispostos à trabalhar, e muito quando for o caso. Mas,
quando ampliamos nosso olhar e enxergamos o restante da
criação, como nossa experiência no Espírito Santo, descobrimos
que nosso serviço se assemelha àquele do autor do Salmo 104, e
somos forçados à dizer:
Ó Senhor, quão variadas são as tuas obras! Todas as cousas fizeste
com sabedoria; cheia está a terra das tuas riquezas. (v. 24)
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