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As Idéias Liberais, Ultimo Refugio Dos Inimigos Da Religião e Do Trono. Obra traduzida da língua italiana, da segunda edição feita em Florença em 1817, e destinada a instrução da Mocidade Portuguesa, por Joaquim José Pedro Lopes. Lisboa, 1819
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r'vá _A.
As 5 É? (l'y ..
IDÉwzs LIBERJEs,
ULTIMO REFUGIO
DOS INIMIGOS
fã”
DA
RELIGIÃO E D0 THRoNo.
Obra traduzida da Lingua Italiana, da se
gunda edição feita em Florença em 1817,
e destinada á instrucção da' Mocidade
Portugueza ,
P.0 R
JOAQUIM JQSE PEDRO LOPES..
LISBOA:
NA IMPRESSÃO REGIA. ANNo 1819.
m
Com licença.
PREFAÇÃO Do TRADUYCTOR.
\
Assim como tem havido grande
cuidado nos falsos_.Filosofos do Secu
lo em disseminarem entre a incauta
Mocidade as máximas , e principios
oppostos áboa ordem civil, e ao culto
da Religião , conspirando todos elles
para a propagação de seus erros por
todos os meios possiveis, tambem não
tem faltado homens de saber e cons
tancia, que arrostem , como valentes
campíões , contra esses fataes inimi
gos do Altar e d'o Throne, vencendo
e anniqfuilando seus sofismas , e for.
mando hum clique incontrastavel á
torrente devastadora, que , com o no
me de Ideas e Instituições ,Eber-aos,
se diffun'dio nos ultimos tempos na
Europa; Ideas apregoadas pelos seus
seqnazes como as mais sãs e as mais
uteis aos Governos e aos Povos; mas
`que infelizmente a experiencia tem
K .ostradø Serem. as mais ruinosas a
eews , e as mais Ãremendas âquelles ,
2
ui...
4
cavando a huns e outros hum abysmo
de desgraças. Como este mal tem
subtilmente grassado por toda a par
te ,ç não deixão os dominios da Coroa
de Portugal de ter sentido algum -tan
to os seus effeitos, se bem que menos
que os outros Estados Europeos : ao
ouvirmos os discursos de al uns sujei
tos ,'e ao vermos o proce imento de
outros, facilmente se descobrem os
symptomas da gangrena moral de
que estão inficionados seus corações;
e o homem observador, ao passo que
penetra a hypocrisia de muitos dos
sequazes das falsas doutrinas , se ad
mira da audacia de outros , que as en
sinão, e põem por obra ás bandeiras
despregadas. A fatalindifferen a que
se nota em tudo , d'onde proce e? He
in'differente o Negocíante sobre o mo
do de enriquecer, seja anhando lici
tamente , seja rouban o , huma vez
que aRe'liãião para elle he hum mero nome. le indifferente o Magistra
do sobre dar sentença justa ou injus
ta, huma vez que não teme hum Deos
que o há de julgar. He indifferente o
lEcclesiastico sobre a modestia, e so
bre o digno desempenho do seu ca
`racter , huma vez que considera a
Religião como unico .meio de ganhar
5
a vida: e assim o Militar ,~_o.A~rti-st-a,
o Nobre , e o Plebeo, seja qual for
a sua classe. Hum-homem indifferen
te no que toca ârReligião, por força.
o. ha de tambem ser no que toca ao
bem do Estado , e nunca tem zelo por
cousa alguma. que lhe não traga. pro
veito. Eis-aqui o. estado em que a
falsa Filosofia quer constituir o ho
mem , o que infelizmente em grande
parte ha conseguido; buscandosobre
tudo imprimir assuas chamadas Ideas
liberaes , que a esse fim conduzem,
nos tenros corações da Mocidade. Co
mo hum bom antídoto contra este ve
neno , tomei o trabalho de traduzir e
publicar a presente Obra , tendo em
vista a Mocidade, que passa das Au
las , ou da casa paterna ao commer
cio do Mundo , para que prevenida
evite os. laços que .nelle a esperão.
He hum erro nos Pais e nos Mestres
occultar aos mancebos os perigos , e o
conhecimento , com a devida refuta
ção, das doutrinas perniciosas: como
podem evitar-se os males que se não
conhecem, e os sofismas revestidos de
illusoria e apparente verdade? He re
gra muito mais segura conhecer pre.
Viamente o mal , e o modo de o evi
tar. Fação pois os Pais e os Mestres.
6
ler esta, e outras obras de igual na
tureza , aos mancebos , para que em
seus corações se arreiguem as maxi.
mas sãs , e conducentes â sua felicida
de nesta vida e na futura , e ara
1 que estejão armados contra as ci adas
da falsa Filosofia.
Procurei nesta , assim como nas
mais Obras que , ara utilidade pu
blica , tenho publicado , explicar-me
em huma linguagem clara e verda
deiramente Portugueza , não vestida
.á anti a, nem remendada com termos
estran s, (pois. que as palavras, Fi.
nanças, Conducta , Club , e outras
desta natureza de que algumas vezes
uso , já estão naturalizadas . não só
em bons escritos , mas em Diplomas
Regios), fazendo assim que não seja
menos digna por este lado asua leitu
ra. Praza ao Ceo que este meu traba
lho seja agradavel e util aos Portu
guezes , como espero.
A s
mÉAs LIBEiRAEs.
INTRODUGÇÃQ
OMundo se enganou' summamente
quando, ao ver no anno de 1804 pros
crever-se em França a Democracia,
Se persuadio que oeasâra finalmente a
Revolução; pouco porêmr- tardou que
Bãoconheeesee o seu engano. Bem de.
pressa percebeo a Nação Franeeza
que, procurando livrar-se dos horroâ
res da anarquia , se tinha submettido
lo jugo do mais pezado despotismo,
que jamais affligio o genero huma
HO; e até mesmo os diversos Potenz
tados da Europa quasi subitamente
reconhecêrão que a nova exaltação
dO Chefe do Povo Francez, bem lon
ge de os consolidar nos seus thronos ,
Como se haviã'o lizonjeado , não fize
1% mais que mudar a forma da. sua.
8'
oppressão. O Governo Monarqui'ca
se tinha de novo introduzido em Fran
'ça ; mas os seus passos erão bem di
versos dos do Governo, que tinha sub
sistido naquella Nação antes do anno
de 1789; e era difficil que não acon
tecesse assim, pois que tanto o novo
Mónarca , como os que o cercavão e
formavão a sua Corte e os seus Con
selhos , todos erão filhos da Revolu
ção. O primeiro , tendo principiado
a sua carreira politica entre osangue
e a mortandade , continuou tambem
no throno a respirar sómente mortan
-dade e sangue: e os outros, tendo sa
boreado a doçura do commando e da
rapina durante a democracia , nada
mudárão do seu habito porterem dei
xado os esquâlidos despojos do Jaco
binismo , e por se verem d°improviso
eondecorados com Ordens e com Ti
tulos. Toda a época do passado Go
verno lmperial, assim como a das
novas Monarquias que â sua sombra ,
â maneira de representações ou scenas
de theatro ,` se tinhão visto surgir em
diversas partes da Europa, se devem
por tanto com justa razão considerar
como hum proseguimeuto da Revolu
ção , e esta não cessou propriamente
senão com os portentosos aconteci
9
mentos dos annos de 1814 e 1815 , os
quaes, tanto em Fran a , como no
resto da Europa, recon uzírão e sen
târão nos seus thronos os respectivosantigos legítimos Soberanos. o
Se porém ao presente. estão derru
bados todos estes monstruosos Gover
nos , continúão desgraçadamente a
reinar no animo de muitos homens as
horríveis e erroneasmnximas, ue
derão origem â Revolução , so re
que elles se fundavão.l Todos aquelles
que nascêrão depois do anno de 1789,
ou que nessa época , por sua tenra
idade, ainda não tinhão idéa alguma
fixa , continuão a estar em grande
parte a egados aos depravados prin
cipios os direitos originarios dos ho
mens , e da soberania do Povo, que
bebêrão com a educação. A adhe
são aos mesmos principios deve ser
ainda mais forte naquella caterva im.
mensa de pessoas , que , tendo exer
cido empregos civis e militares, ou
nas extinctas Democracias , ou nas
novas Monarquias produzidas pela
Revolução , provârão a doçura destas
duas especies de Governo, tão pródi
gas para com os seus sequazes. Estas
duas classes de pessoas , assim como
os libertinos e os incrédulos , tem
10
grande interesse em propagar as 'ditas'
maximas erroneas , pois que so por
meio da sua propagação se podem li
zonjear de ver resurgir os sobreditos
Governos revolucionarios , aos quaes
por avareza , por ambição , por im
moralidade tanto estavão afferradas :
e huma indubitavel prova dlisto he o
transporte , que hoje se manifesta em
se fallando nas chamadas Idéas e
Instituições liberaes.
Este vocabulo , considerado em si
mesmo , he totalmente destituídov de
sentido , pois não apresenta idéa al..
guma determinada; mas tem hum sen
tido muito grande , e assaz funesto
no espirito daquelles , que com tanta
frequencia o empregão nos seus dis~
cursos e nas suas obras impressas.
Debaixo desta denominação de Ideas
e Instituições liberaes , entendem elles
a maior parte das maximas que derão
origem âRevolução Franceza , e que
por espaço de mais de vinte annos
encherão o Mundo de horrores e car
nificinas; e principalmente se apre
sentão caracterizados com esta mesma
denominação os seguintes principios ,
a saber : o Governo Constitucional ,_
ou aRepresentação Nacional; os pre
tendidos Delictos de Opinião; a To
ll
lerancia indefinita em materia de Re
Ií ião; a Lei immoral do Divorcio;
a iberdade indefinita da Imprensa.
A todos he com effeito notorio quan
tos fautores estas erroneas maximas
achárão em Hespanha , quando na
Primavera de 1814 ella tornou a sub
metter-se ao seu antigo legítimo So
berano. Erão em tão grande nume
ro, que chegarão a formar hnma es
Peflíe de seita , que então , e agora
mesmo se conhece pelo nome de Li
beraes. Todos aquelles que compu
nhão as Cortes , e que tinhão com
tanta gloria contribuído para livrar
oReino do jugo estrangeiro que se
he queria impôr , apenas vírão co
roados os seus nobres esforços, logo ,
Por huma contradicção daquellas que
tão familiares são aos homens , pre
tendêrão que o restabelecido Monar
cä houvesse de modelar o seu novo
Governo pelas mesmas maximas , e
principalmente pela primeira , con
cernente ao Governo Constitucional,
não vendo ao menos que, se elle fosse
tao frouxo , ou tão pouco previsto,
que annuisse ás suas representações,
In depressa se acharia a Nação en
volvida. nos inconvenientes e nos de
Sastres , para evitar os quaes , com
/
12
admiração de toda a Europa , tinha
combatido pelo espaço de seiscom
pletos annos. e
O mesmo apego ás pretendidas Idéas
liberaes se vio em França , e justa
mente na mesma época. Todosrolha
vão a Representa ão Nacional como
o unico Palladio a Nação, tendo-se
esquecido de que , tanto durante a
Democracía, como sob o Governo
Imperial, não -havia esta mesma Be
presentação Nacional produzidobom
effeito algum. ' A liberdade da Impren
sa era outro objecto que interessava
toda a Nação , sem reflectir que a.
essa liberdade era devedora da con
tagião das maximas que tinhão pro
duzido- a Revolução. E pelo que to
ca á Tolerancia indefinita em materia.
de Religião , ou alias â indifferença.
total de todos os Cultos , continuava
esta erronea doutrina' a ter então em
França tantos sequazes , que huma
das cousas que entre huma grande'
porção daquelles habitantes mais des
agradava na pessoa de Luiz XVIII.,
era a sua exactidão no diario exerci
cio dos deveres religiosos, e das pra
ticas de piedade.
Tambem se tem igualmenteim-ani
festado , e de não equívoco modo , a.
13
adhesâ'o ás pretendidas Idêas liberaes `
em alguns dos outros Estados , que
com a quêda de Napoleão tiverão a
fortuna de verem restabelecidos os
seus antigos Governos legítimos. Em
hum desses Estados foi tão grande o
enthusiasmo pelas ditas máximas er
roneas , e sobretudo pela primeira ,
que ao dirigirem-se os Deputados da
Nação a felicitarem o novo Soberano
restabelecida , chegarão ao ponto de
lhe pedirem o estabelecimento do
Governo Constitucional, ou da Re
presentação Nacional, apezar de não
ter alli jâmais existido d"antes tal es
pecie de Governo.
Outra prova da grandissima pro
pagação actual dos erroneos princí
pios, que se pretendem adornar com es
te especioso nome de Idéas liberaes,
he que Buonaparte invocou tambem
este nome, quando no mez de Março
do anno de 1815 poz os pés em Fran
ça. A7 sua chegada á Capital , todos
Os facciosos envelhecidos nas turbu
lencias da Revolução , ou nos occul
tos meneios do Despotismo, se apre
Sentá/rão em torno delle. Bem via el
e que com tal cortejo não podia il
hldir a parte sã da Nação ; porém
Sabia que o nome de Idéas liberaes
14
tinha então geral acceitaçãoma Eu
ropa : no mesmo acto por tanto em
que estava resoluto, e, por assim di
zer , obrigado a introduzir hum des
potismo mais pezado que aquelle , a.
que se entregâra antes da sua queda,
proclamou que o seu novo Gover..
no havia de ser o reinado das Ideas
liberaes.
Os vocabulos que não se podem
definir, e que não tem huma signifi
cação exacta , inflammão por sua li
geireza o animo do povo, e auxilião
admiravelmente o genio das Revolu
ções. Para precaver por tanto que os
Governos, que nestes ultimos tempos
fizerão a infelicidade da Europa , não
tornem a pullular em prejuizo do ge
nero humano , releva derrubar a ar
vore arrancando-a pela raiz. He ne
cessario rasgar o véo , com que debai
xo do insignificante , mas fascinador
nome de Idéas eInstituiçõ'es liberaes,
se procura cobrir aos olhos dos sim
plices a natural deformidade das ma- '
Ximas, que derão lugar aos sobreditos
monstruosos Governos. He necessario
mostrar que estas mesmas máximas
não se poderião propagar geralmen
te em nação alguma , sem que nella
se vissem renovados os horrores, em
15
que desgraçadamente se vio envolta
a França depois do anno de 1789. E
este he justamente o alvo do livro
que offereço agora ao publico.
Não me lizon'eio certamente de que
em virtude delle se convertão os se
quazes das pretendidas Idéas liberaes.
David Hume reflectia muito bem , nos
seus Ensaios , que não ha elequencia ,
que possa convencer aquelles que não
querem deixar-se persuadir ; e neste
caso exactamente se achão as pessoas
de que fallo. Afferradas, como atraz
disse , por ambição , por interesse,
porimmoralidade aos derrubados Go
vernos novos , tão desastrados , não
tem outra esperança de os verem re
mrgír senão diffundindo e 'generali
Zando, por assim dizer , a contagião
dos principios , que forão a princi
Pal causa das revolu ões politicas,
de que se vio agita a desde 1789
grande parte da Europa. Para esse
effeito , como a ultimo refugio , re
correm ás Idéas liberaes, procurando
rfiproduzir debaixo deste nome a
quelle mesmo systema , que pelas
Suas funestas consequencias tão odio
8° Se tinha tornado a todos os ho
mfllfl de probidade. Ora , emmude
W › o frustrar estes Apostolos da re
16
bellião e da impiedade , não pode ser
obra dos Escritores, mas sim dos Ma.
gistrados. O favor em que depois do
meado do seculo passado entrou a.
Economia Politica, que veio a ser a.
Sciencia da moda, fez que o cuidado
principal dos Governos se diri isse a.
procurar habeis Ministros de äazcn
a e Commercio , não escrupulisan
do muito na escolha dos outros , e
sobretudo daquelles que erão encar
regados da segurança publica , ou
quando muito exigindo que nestes
houvesse meramente a honra. Esta
bastava com effeito algum dia ; pois `
que os delictos não dizião respeito de
ordinario senão ás pessoas particula
res, passando seculos primeiro que se
ouvisse fallar de hum attentado con
tra a authoridade do Governo , e se..
gurança do Estado. Porém as cousas
estão de todo agora mudadas. O lou
vavel modo de pensar antigo sobre o
.respeito e submissão, que se deve aos
Reinantes, está presentemente muito
alterado em grandissimo numero de
`individuos.
Se bem Icom tudo eu me não lizon
jeie de fazer desenganar .aquelles, que
.se achão afferrados aos principios tur
-bulentos e inreligiosos da Revolução,
17
que ao presente procurão cohonestar
com aespeciosa denominação de Ideas
e Instituições liberaes, nem por isso
perderei o animo , nem julgarei ter
trabalhado em vão. Se esta minha
obrinha não fôr favoravelmente aco
lhida pelas pessoas prevenidas a fa
vor das indicadas maximas , poderá.
prometter-se huma sorte mais feliz
nas mãos da tenra mocidade que ain
da não entrou -no theatro do Mundo.
Para eu alcançar a sua approvação ,
não preciso desejar senão que lhe che
gue ás mãos este meu livro. A lin
guagem sim les e clara da verdade,
que nelle re uz , se fará sem duvida
sentir com toda a sua força desta clas
Se de leitores sinceramente dados ã.
instrucção , e totalmente afastados
das preoccupaçõ'es e das paixões , que
entre as pessoas provectas ordinaria
mente retardão os seus progressos.
Deste modo a mocidade , firmemente
persuadida da enormidade e da funes
ta influencia das máximas Vque tem
produzido tantos males , quando das
aulas passar ao comme-rcio do Mun‹
do , resistirâ fortemente ás insinua
ções daquelles que as patrocinão.
Quando por fim estas máximas cessa
'Em de existir, e asociedade se achar
18
'composta de huma nova geração mais
virtuosa , e mais bem instruída, :en
tão triunfará. inteiramente d'o›erro
a verdade, seu terei; plenamente al
cançado ol meu intento. '‹ r'
. I", `
` e
1 ` Ú ‹
'19
cAPLTULo 'Ii
De huma preoccupação que tem con
tribuído muito para accreditar as ma
aa'mas erroneas e pernicz'osas do mo
derno Filoszqfismp. Os fautores das
idéas liberaes ., a. __ƒim de espalharam
00m maior segurança os mesmos er‹
ros, pracar'a'o ¡mina-ar novamente a
mesma preoccupapão.
As Idéas liberaøs, 'segundo os seus
fantores, não são mais que o resulta.:
do dos progressos da; civilização e das
luzes; de modo quo. aquelles vque não
as adoptão ., 'são a seus olhos consided
rados como totalmente estranhos a. es
te novo estado de civilização e decultura. 4 I .
Quando pelo' meadodo Seoolo pas;
sado os Filosofos principíârão a dif
flmdir os mesmos erroneos principios ,
servirão-se do mesmo artificio para.
08 acreditarem. Fizerão `os maiores
elogios do novo. genero. de sapieucia 9
de que se gloriašão de ser invento
2
20
*res , ao qual imprudentemente derão
-o nome de Filosofia. Não se fartavão
lde exaltar até as estrellas o Seculo
decimo oitavo , porque tinha tido a
jactancia de levar a razão a tão alto
gráo de elevação, denominando-o por
antonomasia o Seculo Illuminado, o
Seculo da Filosofia ; e teve com ef
feito em demasia todo o seu exito
este artificio. As pessoas superficiaes ,
frivolas, e dissi adas, que vivião no
bolicio do Mun o, e que ambiciona
vão nellc figurar , aspirârão todas a
se mostrarem iniciadas neste novo ge
nero de saber, que vião alçado atan
ta honra , e o conseguião com pou
co trabalho; bastava que mostrassem
desprezo de todas as maximas e de
todas as instituições , que nos passa
dos tempos se havião sempre venera
do como fundamento da boa ordem e
do bem da sociedade.
vPara que este mesmo artificio não
roduza tambem a mesma funesta il
usão no Seculo decimo nono , he acer
tado primeiro que tudo demorar-nos
hum pouco em avaliar exactamente
este novo genero de Filosofia , que
tem com arrogancia insultado todos os
conhecimentos dos seculos preceden
tes , .como se os homens tivessem até
21'
agora estado cegos: he justo se pa
tenteie toda al fraqueza destagran
de preoccupação para' com o Seculo
decimo oitav . ›
Em primeiro lugar pois; se se tra
ta das Sciencias concernentes ao es
tudo e contemplação da Natureza,
ou que lhe dizem respeito, os predi~
cados de honra , que em tanta'copi'a
a cada pagina se tem prodigal-izado
ao mencionado Seculo decimo oitavo ‹,
dever-se-hião aliàs attribuirl ao Se
culo decimo setimo. Foi este-o Secu'
lo em que a Filosofia sahio verda
deiramente da barbaridade em que
tinha por longo tempo-jazida , e no
qual as suas differentes partes fizerão
os maiores progressos. E com effeito ,
sem nos unirmos ao sentimento por
certo muito exaggerado de tantos ho
mens aliàs doutos , os quaes não apre
cião nimiamente os descobrimentos
feitos em nossos dias sobre a Electri
cidade , e sobre as diversas qualida
des do ar relativamente â Quimica;
pode-se francamente asseverar que
taes descobrimentos , como qualquer
outro de que se possa jactar o Seculo
decimo oitavo , quer pelo numero,
quer pela sua importancia , não são
de modo algum para se compararam
22
com aquelles, verdadeiramente admi
raveis , por meio dos quaes no pre
cedente Seculol decimo setimo os Ga..
lilêos , os Cavalieris, ,os Torriceliis,
os Vivianis , os Cassinis, os Kepleros , os Newtons , os Leibnitzes , Vel
tantos outros genios crcadores , illus
trârão , e levárão a tão grande per
feição a Estatica , a Astronomia , a
Optica, e geralmente Vtodas as partes:
da Filosofia , e da Mathematica ;'e pe..
los quaes a Geografia , a Nautica ,. a.
-Hydrostâtica , e em huma palavraV
todas as Artes, vreceberão tantos au.
xilios novos. z
Ajunte-se a isto, que se hum dos
principaes louvores dos mencionados
grandes homens consiste em terem a
final descobertos) verdadeiro caminho
que se deva seguir para penetrar com.
segurança: nos segredos da Natureza ,. i
e se todos os Fysicos antes delles se
não tinhãopor outro- motivoextra
viado, senãov porque se tinhão lizon
jeado de explicar a `Natureza imagi
nando cansa-s, e descendo destas apóz
os effeitos, quandoldevêrão de come
Içar da consideração d¬estes para che
garem ao descobrimento dlaquellas;
que fincapé se podia jamais fazer
para o adiantamento das Sciencias
112934
fysieas nos systems: tão Am;cpmizkõoiop
de Maillet , de l'a Metrio .,. do Robin
net, defBaiHy , .e .de tantosoutrofi #61
poculadores do Seculo decimo oiítê.,
v0, qzue da admiK-öflfil Obra da' CRQG'ÇÉÍQ
formânão huma gmâgonça ,. na qml
oridiclllo .e .o absurdo .dispmäo áposz
fia asuperioxƒidade.? E gueoutra. _cqur `
sa contém realmentsbsees mesmosisysf
ums mais que .hypothoses a. swmf
pias vagos , ml Gklrmnšlz, Bflgfišlhqãw
ecmditos romances? . z; ‹
Pois se Ldos $oiencias , .com se .ch.a‹‹
mão exactaso, passarmos â Qogsjdogë;
,ção das Scionoiasmoraes.,Y war-sonho,
que essa tão deoaoázads suippnioraiado
do Seculo dooimø oitaynfiñøfhfišmr
nos _insubsistente , coxaggemdp. f sta
he .vordsdegigfamfinta ñ. :Paí'ófh 6m W
08 Filosofos modergps. s'e ,mezfao' de
nxcellenoiñ và 6,35.. mailil'ëodfiafiççl'k
*28, olles' se gâabãa de. kilomšmrñêwz;
zlâmmoe voltado-z osmens- estudos é*
Utilidade 1101 , 13.. 55391555) :çfimp
08 bemfeitomsfldo «nero Lhwwiuwyfi"
io Lorem libertâdm s - preosnninêgofêsg
que .agrilhoavzãzo os, nosflm êMQP êêëëâ
dos: masquom não sabe qpçfiqdg. a
me dos - Filasbäos fmodsrnøfi fconäésêfi
-em ,huma ô IlSfQI'mQçãQf,mêglRfi¬¿flƒë-'
.palavras 2.l m épodfi.:w‹ `Brqsomsf
24
ignorar, que elles entendem por erros
e preoccupaçõ'es todas as opiniões e
todas as instituições , que em todo o
tempo tem sido olhadas como bases
da felicidade do homem , e da socieda
de? A pugnar contra estas opiniões e
instituições geralmente recebidas se
reduzem'todas as obras moraes e me
tafysicas , que ha hum Seculo a esta
parte tem sabido â luz na Europa. As
sim , as Sciencias moraes, e puramen
te intellectuaes são a parte em que o
decimo oitavo Seculo ainda perde
mais, huma vez que se compare com
os outros que o precedèrão ;V e bem
longe de lhe competir o pomposo ti
tulo de Seculo illuminado, de Seculo
filosofico , merece antes ser chamado
Seculo de trevas, e de ignorancia.
Mas isto , que deve ser o cúmulo
da humiliação para a Filosofia mo
derna, he tal, que ainda mesmo nes
tes seus extravios não tem ella sequer
o mérito da invenção , e he servi] e
plagiaria em tudo aquillo que tem
pretendido dar-nos como resultado dos
seus mais preciosos descobrimentos.V
Alguns homens de peito, nos quaes
o zelo pela manutenção do Culto cor
respondia ás luzes de que erão dota
dos , tomarão por empreza descobrir
l
25
este plagio dos Filosofos modernos
naquella parte dos seus erros, que res
peita â Religião ; e demonstrârão, que
no ataque do Christianismo nada mais
fizerão estes Filosofos, que repetir as
mesmas objecções apresentadas em ou- '
tro tempo por Celso , Porfyrio , eJu
liano, calando as victoriosas respos
tas dadas a estes pelos antigos Apo
logistas ; e que no combater a. Reli
gião natural não fizerão mais, que pôr
de novo em campo as opiniões e os
erros de Demócrito, de Anaxâgoras,
de Thales , e de Epicuro, que Cice
ro , Seneca, e Plutarco tinhão soli
damente refutado. E este assumäto,
que tem sido levado á maior evi en
cia, mediante huma exacta confronta
ção da doutrina filosofica antiga e
moderna , não deo pouco auxilio â
causa da Religião; pois que esses ho
mens , que se tinhão deixado alluci
nar , tornarão a crer, vendo que os
escritores em que elles admiravão pe-`
regrina agudeza , e extraordinaria
força de juizo , não erão mais que
huns mesquinhos repetidores dos so
fismas, e das difficuldades tantas ve
zes refutadas`
Não he tambem menos certo , que
0 mesmo plagio commetterão os Fi
26
losofos modernos no tempo em que
espulhãrão as .suas tão decantadas.i theorías antimonarquicas. Rousseau ,
que foi entre elles o primeiro que fal
lou 'dos direitos originarios- dos ho
mens .. e da soberania do povo, tem
passado por hum engenho superior.
Oen'thusiasmo pela sua Obra do lCon.
trato lSocial excedeu quantos elogios
jámais tenha talvez tido algum outro
livro moderno; e a mesma Assembléa
Nacional de França o considerou co
mo author do novo systema politico
introduzido então naqueile Reino. E
entretanto esta theoría da pretendida'l
soberania do povo , que constitua to
do o fundamento daq'uella tão -exaslta
da Obra, não he mais que a renova
ção de' huma opinião e de hum›systema , queV a-paixão, e oespirito de re
bellião edepartido suggerí'rão ahuns
poucos de escritores do seculo decimo
sexto, e do' decimo setfimo, os quaes
forão logo victoriosamente Jcombati
døs (1).
(l) Sobre o assumpto deste plagio commettido pelo Escritor, cujas ideasA se Vorem
inteiramente originam; tive occusi'ão 'de .fal
lar no meu Discurso Historico Politico so
2'2
`fliesumindzo por tanto'as reflexiíeol
até aqui feitas , creio poder concluir ,
que nada he mais insubsistente que
esta grande ¡frreve'nçãoV a favor da
Filosofia moderna, e do Seculo deci.
mo oitavo em que ella se introduzio.
No dito Seculo realmente se escreveo ,
e se fallou mais de Filosofia que no
bre a aiztlioridnde do Pon'tifice Romano ,
publicado em 'Genova em~ 'Setembro de
1815, e ainda mais difiusámente me esten
di sobre o mesmo objecto na Obra, que dei
áluz no principio do anno de 1800 'imi
pressa em Veneza na Olficina de Giacomo
Storti. Neila demonstrei que esta doutri
na da pretendida soberania do povo, que os
Filosofos modernos ollião como hum feliz
resultado da razão humana chegada á sua
maior maturidade, outra cousa com effei.
to não he mais que humu repetição dos er
roneos principios de `Buchflmm , de Bota
*mflm do fingido Junio Bruto, de Sidney,
de Milton , e dos outros au'tliores, qu;I
escrevèrão para sustentar e fomentar maio
is rebelliöes que nos ditos dois Scoulos
XVl e XVII perturba'rão a Inglaterra e -a
França, e os quaes, por este seu institutov
e deprimirem a Authoridade Real, forãp.
Então denominados, e ainda na Historialx
df' Direito Publico se deuourinão Malan
comacos, i
28
Seculo anterior, e em qualquer outro ,
mas todos esses escritos não valem
certamente as Obras daquellcs ho
mens, que no mencionado seculo de
cimo setimo fizerão com seus maravi
lhosos descobrimentos mudar a face a
quasi todas as Sciencias ; o que foi
muito bem expresso pelo doutissimo
Cardeal Gerdil com o bello símile de
huma chapa de metal , a qual perde
tanto em altura , quanto ganha em
superficie (l)
Para acabar porém de destruir es
ta grande ëreven ão pela tão decan
tada nova iloso a do Seculo decimo
oitavo não basta ter demonstrado que ,
tanto pela profundidade da sabedo
ria , como pelo mérito dos descobri
mentos scientificos, elle está muito
abaixo do antecedente Seculo decimo
setimo. He além dlisso necessario fa
zer ver , que os mais celebres Filoso
fos , que neste ultimo fiorecêrão , es
tiverão com effeito bem alheios de
desprezarem aquelles principios, que
o Mundo sempre tem venerado como
fundamento principal da Sociedade,
(1) Gflrdil, Introducçà'o ao estudo da
Religião. '
29
e que só nos nossos modernos tempos .
se tem querido fazer se considerem
como preoccupação e ignorancia.
Os dois homens que no sobredito
seculo decimo setimo dominârão mais
que os outros no imperio das Scien
cias sublimes sãosem duvida/Newton ,
e Lcibnitz. Ora, o primeiro, depois
de haver nos seus Principios Mathe
maticos da Filosofia natural exposto
o systema do Mundo, termina aquel
la immortal obra com algumas con
sideraçõ'es sobre os attributos do Ser
Supremo, cujos vestígios elle havia
assignalado na admiravel ordem do
Universo. Não só estava Newton in
timamente persuadido da existencia
de Deos, que em todas as Obras sup
põe sempre como huma verdade ple
namente incontrastavel; mas tambem
cria , diz Fontenelle , na Revelação;
e entre os livros de toda a especie
que trazia nas mãos , aquelle que
mais assiduamente folheava, era a sa
grada Biblia, aqual até mesmo com.
mentou (J). E pelo que respeita a
Leibnitz', todos sabem que asua Obra
principal; he a Theodicéa. Nesta por
tanto rende elle continua homenagem (l) Fontenelle, Elogio de Newton. r
30
â Religião ,~ e até se pode dizer que
este livro quasi se reduz yunicamente
a desenvolver e conciliar os seus
dogmas. O mesmo espirito reli ioso
diffundio elle em huma infinida e de
outras obras ; e era a cousrzi tão ma..
nifesta, que hum celebre Naturalista
moderno se serve desta grave autho
ridade do'Filosofo Alemão para con
fundir os pretendidos Filosofos do seu
tempo , os~quaes, não tendo nem as
luzes, Bem otalento deste grande ho
mem , tinhão oy atrevimento de des
prezarem o Evangelho , evdlinspira
remfeste. mesmo desprezo atodo o ge
nero humano (l).
-v w
(Í) ,,Co`nstituo-me na obrigação de ob
,, servar , e muito essa obrigação me aprnz ,
,, `que a piedade de Leibnitz , tão verda
,, cleira` como illustrada., nenhuma occa
,, sião perdia de't'ributar ao Filosofo por
,, excellencia , o acatamento mais respei
,, toso , e o mais digno de hum ser in
telligente. Citava com complacencia até
,, as minimas palavras deste Divino Mes
,, tre , e nellas descobria sempre algum
,, sentido occulto , tanto mais hello, quan
,, to mais filosofico era. Aqiwlle que se
`,,›‹c‹›i-n|:›rm:ia em descubrir no Evangelho
,, huma tão' sublime filosofia , era huma.
\. u
31
Bacon de Ver-ulamio , Descartes ,
e os dois primeiros Bernoullis, Boy
le, e geralmente todos os outros gran
des homens, que no dito Seculo deci›
mo setimo contribuirão com as suas
Obras para os progressos e para o
lustre das Sciencias fysicas, forão- do
mesmo modo summamente apegados
á Religião. O ultimo dos referidos
Filosofos , que ainda hoje se olha co
mo o Pai da Fysica experimental,
era dev tal maneira religioso , que,
vendo no seu paiz nativo dllnglaterl'a
serem por algunsy livres pensadores
atacadas a existencia de Deos., a im
mortalidade da alma , e as outras ver
dades fundamentaes lda Religião, não
se contentou de os combater pessoal
,, Encyclopedia viva, ehum dos mais pro
,, fundos engenhos que jamais -a'pparecêrão
,, na terra. Rogo aos que não tem , nemA
,, as luzes , neui o talento deste grande
,, homem , e que não possuem no mesmo
,, grão que elle a arte de duvidar filosofi
,, camente , que se mterroguem a si mes
,, mos , se á vista d'isto lhes quadra bem
,, affectarem desprezar o Evangelho; e for
,, cejarem por inspirar este desprezo a to
,, do o genero humano. ,,- Bonnet , Pa
lyngenesia , Tom. 1, par. 7, Pag. 297.
32
mente ; mas , como era riquíssimo ,
fundou lições publicas , para que per
petuamente em cada hum anno se fos
sem produzindo novas provas dos
principios da Religião Cliristã , ou
se elucidassem melhor as antigas. E
a esta bella fundação he que , além
de outras muitas excellentes apologias ,
se devem os tão célebres profundos
discursos de Samuel Clarke sobre a
existencia de Deos.
Que extrava ante genero de sabe
doria he este fi osofismo do Seculo de
cimo oitavo , que tem posto todo o
seu estudo em desprezar aquelles prin
cipios, e aquellas maximas, que nos
tempos anteriores todos os homens de
maior vulto sc tinhão constituido na
Aobrigação de respeitar ! Mas os
propagadores desta nova sapiencia
tem outro motivo de se envergonha
rexn , e de ficarem confusos.
' Se pouco antes disse , que o Seculo
decimo-sétimo, tanto pela importan
cia dos descobrimentos, como pela su
blimidade do genio daquelles que fo
rão seus authores, he muitissimo su
perior ao decorrido Seculo decimo
oitavo , isso não tira, que tambem
neste ultimo não houvesse grandes ho
mens, que contribuírão para augmen
33 -
tar o esplendor das soiencias ; antes
elle conta muitissimos; mas neste Vnu
mero certamente se não conta al
gum dlaquelles escritores, que, tanto
na ordem religiosa ., `como na ordem
social , tem espargido e authorizado
as maximas que tantas lagrimas nos
tem arrancado, e que os fautores das
idêas liberaes tornão a -pôr agora em
campo.
Ao ouvir otom decisivo, com queo
author do Systema da Natureza asse
vera ue omaterialismo he o resul
tado e hum .profundo conhecimento
da .N atureza., e que em consequencia
dlisso , tendo-a elle attentamente con
sultado , .tinha achado , ,, que a ma
,, teria he eterna; que -vo movimento
,, lhe he essencial ; que lo homem não
_., he livre ; que não existe absoluta
,, mente huma intelligencia suprema;
,, que a vida eterna he hum so
,, nho . . . .,, Ao ouvir, digo, ‹o ar de.
cisivo .com que o fingido Mirabaud
avança todas estas asserçõ'es , qual
uer ficaria á primeira vista inclina
o a crer , que similhante escritor,
mais que nenhum outro , havia pe
netrado os segredos da natureza, eti
nha conseguintemente espalhado gran
des luzes sobre a Eysica. Entretan
34
to , lendo-se o seu livro com atten
ção, se vê, que ondey elle nãose con
tradiz , ou onde não faz iueptos ra~
ciocinios , o que quasi sempre acon
tece , não dia mais que couzas assaz
communs ', o sabidas dlaquelles mes
mos, queapenas começão a ser ini
ciados nesta faculdade; por exem
plo , he oouza que excita riso vello
no capitulo 3.° da primeira parte da.
Obra affirmar , com grandissimo ro
-deio de palavras , que todas as mu
danças da materia provém do movi
mento; e dar-nos similliaute verdade
como inteiramente nova , quando ella
se acha em todos os livros elementa
res (1). O que digo do author do Sys
'tema day Natureza, se pode com igual
fundamento affirmar de yHelvecio , de
Vla Metrie , e de todos os' outros mo
Vdemos fautores do Materialismo. Ne
'nhum delles por certo ha contribuído
de modo algum para o adiantamento
das Sciencias naturaes. Pelo contra
rio Haller , Bonnet, Deluc, e :tantos
outros , que no dito Secnlo decimo
oitavo verdadeiramente augmentâräo
(l) Veiãp-se , entre outros, as Institui
ções Fysicas deM'uscheabroec-k , cap. 1 , IB.
35
o lastro' das'inesmassciencias, não só
não farão liníidion'ados de atheismo ,
mas antes se servirão' da; contempla
ção da' Natureza para oombaterem
hum tão Íinsensato systema; por onde
até nestes ultimos temposse tem ve
rificado a aurea e notissima- sentença
de Bacon,--que huma. leve tintura
de Filosofia pode conduzir os homens
ao atheismo ; mas que hum profundo
conhecimento dlella os reconduz â'Re
lígião (1).
Nada pois he mais insubsistente,
torno a dizer, que aquelles pomposos
elogios , que tanto tempo se fizerão
da nova Filosofia do Seculo decimo
oitavo. Tem ella hum falso nome de
sciencia e de luz , quando em si mes
ma não he mais que hum parto de
trevas'e de ignorancia. Destruida -es
ta prevenção , com cujo auxilio os
mimigos da Religião e dos Thronos
poderão no passado Seculo insinuar
e diffundir tanto suas fallazes e peri
gosissima-s maximas , e que ao pre
Sente a Seita dos Liberaes de novo
quizera insinnar ; eu passo immedia
ll) Bacon , de Augment. Scient. lib. 7,
op. 1.
C 2
36
temente a analysar estas erroneas in'a.
ximasem todas as suas mais peque
nas relações. .E em primeiro-lugaroccorre fallar dlaquella, .que á mesma
Seita importa muitissimo ver genera
lizada, uero dizer, o Governo Cons-`
tituciona . ' L V,
II
. ' \" _" \, Í . . "Í " V.. ,h
c.ÀÉ,LT II'LÓÃ ÍJIÂ . ¬ ,
-.-. v`¡
Do Govèmolfzónsfiituëíonalg' ou da Ré'
- presentaçãozNae'ibfial. f
I' ) Í\I ‹| ‹ .:Q
l'lfl `.~`-z›‹ j.. . e i A l
~~ -A' 11.1' 1 o of .1...
v 12.' r : ' , - `
He falso 'que este genero de Governo
seja a mais antiga especie de Mo
> narquiu. que se viomo .MuvzdmV o
' § í ' ' tj' 1'
-z
Debaixo da. denominação do Go;
verno Constitucional' ese entendem
aquellas Monarquia's , nas quaes a ge-`
neralidade da` Naçãopor zmeio dos
seus representantes :participa mais on
menos do exercicio daz.Anthoridade
Soberana-.f- Osescritores, que depois
do meado do 'Seculopassadb tratârão
de politica, fizerão os maiores elo
gios desta` especie de. Governo ;.atê
não reconhecem como legítimas senão
só aquellas Monarquias .,. em que tal
Governo se acha em vigor , caracte
\
38
rizando todas as outras com os odiosos
nomes de violencia , de usurpação ,
de despotismo. E para córarem aos
olhos das essoas pouco iustruidas es
ta nova t eo'ria sediciosa ,Iasseverá
rão affoutamente , que os primeiros
overnadores dos homens erãoV todos
eis eonstitucionaes. nAssociedades
,, no acto de se formarem , diz Con
,, dillac, não conferírão certamente
,, hum poder arbitrario aos seus no
,, vos magistrados Seria absurdissi
,, mo ensar , que homens , que não
,, tinh o huma idéa clara. 4_e exacta. do
,, bem quc'buscavão reunindmse em
,, sociedade 9 e govern-adosú.por pai
,, xões brutaes , hajão em hum ins
,, tante passado da maior independen
,', cia. á maior1 submissão. 11.9 ' -zÍ-i i
Se leste .modbmd'e Vram'ooinar fosse
justo, dever-se-hialco-ncluir",^q`ne não
já a Monar uia Constitucional,- mas
sim' a Democracia fora a'rfórma de
governo mais antiga. que fno Mundo
se introduzíra ,I pois .que esta ultima
especie de Governo se lohegafiainda
mais ao pretendido estadode indepen
dencia' natural do que: a'lprimeira.
Pnffendorf v foi realmente fdeste pare
cer ,'e axactamente sobre o-flmdamen
to da razão. adduzida por Condillac:
33
,, Nada verosirnil he , diz elle , que
,, os l_¡omens , os quaes vivião' na li
,, herdade e na. independencia do es
,, tado da natureza , podessem n"hum,
,, momento esquecer-se d°estas duas
,, tão grandes vantagens a ponto de
,, se sujeitarem zao arbítrio de hum
,, só homens.l assim que cnidârão de.
,, se unir em sociedade ,f e formarl
,,_ hum corpo politico., .1 Daqui' che
,, muito mais conveniente pensar ,_
,, que estes homens, que gozavão >daz
,, liberdade e igualdade. natural ,›
,, quando assentárão unirem-se em.
,, hum corpos, quizessem que as cou
,, mas commuus fossem administradas
,,,com commum conselho ,. ezi'ormas
,, sem conseguintemeute huma Demo
,,cracia~,¡ (1). Mas esta opinião-de
Puffendorf se oppõe ao parecer de
todos os escritores. ,_ que antes d”ell_ç_
se empregârão. em discutirqual lfosse
amais antiga forma de Governo iu
troduzida no Mundo , e os quaes se.
tinhão todos declarado pela Monar
quia ' '
Ill) Pufl'endorf, de Jure Naturae et` Gen-y
'”'m, lib. 7, cap. 5. § 4. `
(2) lie subida dos eruditos a seguinte
40
Esta razão , em que se funda Puf-'.
fendorf para sustentar o seu assum
pto, não he mais que huma razão de
simples verosimilhança, que deve ce
der á verdade : senão he vedado re
correr âs _conject'uras em ponto de
historia, e se antes ellas servem mui
to de- illustralla , só he permittido fa
zellas quando _faltão os monumentos
e os factos; o que certamente não acou
tece a resâeito do assum-pto de que .
se trata. s mais antigos povos de `
que falla Moisés, os Babylonios, os `
Assyriosf, os Egypci'os, os Elamitas,
as nações que habitavão ao longo do
Jordão el na Palestina , erão todos ,
submettidos a Reis. A Historia pro
` passagem de Justino , no liv. l , cap. l.
- Principio rerum , gentium nationumque
imperium poenes Reges erut. Poderia refe- '
rir muitas outras similhantes author-idades
de escritores antigos., se não cresse que
engrossava de mais 0‹ volume do.~ Opusculo
com huma assaz facil erudição. Ellas se
achão em todas as Obras dosV Publicistas,
nos lugaresv onde tratão. da origem e for
mação das sociedades civis. b'obre este as
sumpto merece sobre tudo ver-se Here-io ,
Elemento Jurisprudentiw civilis4 , part. l -,.
sect. 10 , § 5..
41
fama concorda neste' ponto com asa,
grada. Durante a longai serie *de IS'eí
culos , de que os Chinezes se jactã'o'
e que, se não he fundada em veüfarf
de, como certamente não he,‹ não deii
xa de remontar a grande antiguida
de, nunca forão governados senão por
Monarcas; e he tão estranha âquella
região aidêa de Republica ,` que ,~ eo.1
mo observa Chardin', ainda hoje'ía
não sabem entender. O, mesmo sede;
vedizer de todos os outrosV povos Asiaó
ticos; de modo que o primeiro exemlg
plo principia a ver-seflen'tre › os- Gsm
gos , e isto não nosp-rimeiro's tem?
pos 5 pois que tambem estes prinoil
piárão sendo'sujeitos a Reis. O-Go
Verno Monarquico não só he a mais
antiga, mas a unica forma de Gover;
110 que antigamente houve ; donde
vem que nos monumentos historico's
89 achão sim mencionados aquelle's,
qfle primeiro introduzírãb nas Cida
des as Aristocracias, c as Democracias,
masinteiramfente se ignora quem fo¬
rão os primeiros Reis (*).
k
(t) Porque he certo que do que he com
mummente seguido não se faz menção, como
'e faz do quesobrevem cxuaordinanamem
42
_-~,§N em este. grave testemunhoda His»
toriâir v.eLfêivor da antiguidade do Go
Verno Monarquico se Apodezriaeonci»
liar. com aexpressada opinião de Puf
fendorf ., dizendo-se, como asseverão
os yFilosofos modernos , que os pri
meiros Reis se -distinguião mais pela.
euthoridade -de persuadir ,..qne pela
de mandar ; que elles não erão mais
`que os primeirosMagistmdos e osVprimeiros Capitães das suas nações ;
em summa , que elles não erão mais
que Reis constitucionaes. Os Filosofos
havia já muito tempo que ,tinhão con
/ cebido o projecto de derribar todos
osth-ronos da. Europa ; mas támbemV
nesta,parte , como relativa ao. outro
seuy projecto de destruir a` Religião ,
nãofespalhârão ao principio todo o
veneno das suas doutrinas, pois que
bem vião que os animes ainda. não
estavão preparados' pan-e` o recebe
rem , e ainda. então se não tinhão as`
te. Se os primitivos Governos fossem Ré
publicus, e depoisjeiízessem Monarquias.,
lie sem duvida que está mudança seríu ob
Ztecto de se fazer publica commemorzição
por Vmonumentos que o annunciassem á
posteridade, como couza d'anles não vista.
53
senhoreado da.I opinião publica 'E da~
qui veio que não prëgirão 'de repen
te a Democracia; mas bontentãrãolse
com dizer, que os Monarcasnão do
vião menos-prezar o voto da Nação
na publicação `das leis; .'promettendoh
lhes que aquillo que em appareneiá.
houvessem perdido de authoridado no
referiram-se ás assembléas n-acionaesz,
viria a ser» amplamente compensado s `
pelo muito 'que desse 'modo virião p.
reinar no coração dos 'subdifios.'l Não
fazião por tanto ímaisque) mialtar fa
convocação dos Estados\o'lo «Governo
Constitucional ;=bèm`-odntbsfúo¬ qdov nb
dia'om que qualquèriPrifm-.ipe'äiom
vesse~ sidofiI tão mal ,acoífiseihado que
posesseI o poderdegisiatiwr 'nasu mãos
da Nação ,‹ clic: Iseria :dèr'rubado do
throno. E parammelhm' comiamA este
senostratogoma ,f ooboirão-no'oom o
vêo imposto:- da antiguidadel, asseve
rando qub :os primeioos'gReis,er,ão to. .
dos cosrštiúnoionaes. 0m. ésta'a'sserção
he inieiram'o'nto contrarimá Historia-,
guia que sel t'emos' exemplosxdesbes
eis munidos de huma authoridademais de persuadir quando mandar;
como forão. os Reis que dominavão a
Grecia nos tempos heroicpsr, e os Che
fes das Nações Germnicasidescritas
4!
por Taeito , não são estes 'por' certo`os primeiros Reis de que nosifalla a
Historia. Os Egypcios, que são tal;
vez osflmais antigos/dos homens , os
Médos, os Assyrios , não-eonhecião
nenhuma. destaspe'ras com que os Filosofos «modernos quizerão Aque em to
da. a parte-fosse contrapezado o poder
dos. rinfi-ipes..` Entre estes Povos,
não menos que entre as'outras Na
çõesxda antiguidade , a idea de hum
poder absoluto , ou livre e indepen
dente: de. qualquerzprizão , “estava de
tal modo «unida- ávidéa da; Magestade
Real ,V que' Aristóteles, nos seus livros
.da‹Scieheía'civil , ‹faz a. reflexão de
que 'hum Rei .sujeito eao jugo; da-lei
não; merece; o= nome de Rei (1).V vAris
-tóteles tinha sustentado. :na mesma
-Obra , que Ia Monarquia 'ei-a. o mais
wantigo defirdos os Governos; e certa
.mente .não teria exprimido tal opi
«niãou se Íosprcimeiros Reis houvessem
`sido constituei'onaes , isto he ,› taes
.que , segundo o seu sentir, não'me
.recião'o nome de Reis (2). ^ t
322.; Lt'ski `.=1,
(Tlt :A . ' A :H ‹ 'I- ...U-I ', l .
1; 11» Aristot.`Pol`rt. Iib. 2;' e. il.
-“ (2 Que a primeira-especie de Governo
introduzida no; Mundo fosse com~‹et`t`eit0
45
'E este constante vtestemunho da His..
toria a~favor da antiguidade da Mo
narquia , e da Monarquia absoluta e
independente , toma muito» maior for
ça, em) se reflectindo que apretendida
razão de verosimi-lha-nça , pela qual
Condillac , e com elle todos=os outros
Filosofos modernos crem que as mais'
antigas Monarquias for-ão todas cons
tituionaes, he destituida de todcI o fun
damento racionavel. Se os apontados
escritores peccârão contrarias regras
da boa Critica , recorrendo 'ás conje
cturas quando fallão os factos , tam
bem violârão outra lei evidentissima
da Critica , a qual prescreve , que
nunca se admittão conjecturas, que não
sejão verosimeis. E este caracter não
convcm certamente ao estado de na
tureza que nos he descrito pelos Filo
sofos , ou âquelle estado de mutua
guerra , em que elles suppõem que
viverão os primeiros homens , e no
qual, como temos visto, elles unica
não sô a Monarquia , mas a Monarquia
absoluta' e independente , he hum facto,
o qual se acha muito bem iliustrado nas
Memorias da Academia Real das Inscri
pções e Bellas Letras dezParís, no vol. VI,
pag. 480 e seg. da edição da Haya.
/
46
mente se fundão para deduzirem que
as primeiras e mais antigas sociedaâ
des se hajão governado , ou de todo
democraticamente , on .de hum modo
pouco differento , como he a. Mo
narquia Constituional. Ora, nada he
mais insubsistente que esta lpretendi.
da independencia dos primeiros ho.
mens. He estranho que nos'nossos tem
pos modernos , nos quaes se tem ba
nido da Fysica as hypotheses pura
mente arbitraàrias, se tenhão introdu
zidoestas nas ScienciasI moraes e me
tafysicas , onde tem muito peiores
consequencias: 'com effeito, que hy
pothese mais'arbitraria doque esta. ,
s-qne o estadopnatural dos homens
seja hum estado de total independen
cia ? Como !\ Hum estado , em que ,
tirada toda a mutua confiança `entre
os homens , haveria huma guerra-de
todos contra todosz, será a situação a
que oEnte Supremo haja querido su
jeitar 'o genero humano? De que mo
do se pode considerar como estado
natural dos homens huma situação, ue
elles devem necessariamente aban o
nar se querem subsistir? i
_ Se o 'estado natural do. homem ,
isto he ›, aquelle a que 'o Author
da Natureza; o ha vdestinado 'f de
47
ve ser necessariamente o mais confor
me â sua natureza,Y á sua constitui
ção, ás suas precisõesfe 'se todas es.
tas ciroumstancias convem perfeita-`
mente ao estado de civil subordina
ção, e não já ao estado detotwl inde
pendencia, he claro que 'esse he'o
verdadeiro estado natural dos homens.
O Ser Supremo , tendo-os sujeitado
almma communicação recíproca, quiz
que este estado de socieda e fosse ac
'companhado de huma authoridade pu
blica, pois que sem esta não poderia
a sociedade subsistir; e temendo que
elles desestimassem huma tão sauda
vel instituição , quiz que fossem natu
ralmente conduzidos a formalla , fa
zendo-os para esse effeito nascer em 'familia , econstituindo-os dlesta _manei
ra em estado que fosse a subordinação
o primeiro dos seus h'abitos.", Os p'ri
meiros homens, avezados âsubordina
ção no estado de familia'y'i forão sem
prévia deliberação, isto he,= natural
mente , levados a submetterem-se â.outhoridadef- Hum velhoL veneravel
pela idade , por huma longa experien
cia , e por huma reputação'de intei
reza e de conselho, veio naturalmente
a ser o arbitro , e o pacificadorf' das `
diversas familias juntas todas emhum'
I
48
districto, e, a ouco e pouco , o moh
derador e o so crano do mesmo dis.
tricto. Aristóteles, que, como ha pou
co observâmos, se tinha declarado pe.
la antiguidade da Monarquia absolu
ta , com exclusão de todas as outras
formas de Governo , era tambem de
constante opinião , que os homens fo
rão naturalmente guiados do estado
de familia a sujeitarem-se a hum
Monarca. Platão pensava do mesmo
modo , e geralmente todos os outros
Filosofos antigos estavão persuadidos
de que os primeiros homens havião
naturalmente passado ao estado de
subordinação civil sob a authoridade
de hum Monarca; ignorando total
mente aquelle estado de independen
cia, ou de mutua guerra, em que os
Filosofos modernos suppõem se achou
o genero humanolna sua origem. Hu
ma. tal supposição he diametralmente
contraria â origem que elle teve 5 e
essa mesma hypothese se não pode
admittir de modo algum , sem que
tambem se admitta , que os homens
sahírão todos de repente bellos e ro
bustos das entranhas da terra como
os fúngãos. l, I
`Se a sociedade primitiva e origi
naria , galera, natureza poz'entre os
49k
homens , fosse huma sociedade de in.
dependencia , e de liberdade , como
hoje se pretende, em vez de se terem
form-ado Governos, como realmente
aconteceo, › ter-se-'hia o genero huma
no em sua mesma origem inteiramen
te anniquilado. E como ise ha de com
effeito :suppor , que5 em hum estado
turbulento e bellicoso , qual devia
necessariamente ser este pretendido
estado f de independencia , e qual ef
fectivamente'he descrito pelos Filo
fos modernos', podessem ter lugar as
deliberações pacificas, que-estes pre
suppöem PQuem 'pode racionavelmente
pensa9,'flquefhomens habituados a le
var Çliuma- vida :barbara e feroz , sehájão d¬improvisomudado , el tenhão
abraçado o 'sabio 'conselho de se con
gregar'em , e de se sujeitarem ahuma.authoridade 2 Os Poetas aindaA que
acostumados a dar livre curso ái'sua
imaginação , quando fallão da 'fabu
la de fC'a'dmo', isto he , de 'homens lí
vres ,- e _de todo independentes 'huns
dos outros ," discorrem *mais Aajustada- ,
mente do que ffazem os Filosofos , os
quaes se gabão Il_:an'tcr(leuezractidãg,
pois que fazem que similhantes ho
mens se entregflerIx; 'aos .maiores'ex
50
_ce'ssos, eacibem matando-se huns aos
foutrosv(l). . .wi-q
' z. . . . . Furit omni: faria: :uoquc
.Murta cadunt subiu' per mama vulnem fratru.
Além de todos `os factos até agora
«ponderados zpara rovar, quea pri
`.meire 'es ecie dev overno introduzida.
'no.Mun o não foinem az. Democra
.cia ,mem a Monarquia Çmstitíucio
nal; que daquella pouco dëftieneqi mas
sim Ve.:`.lVI‹_¡nm'‹;1uia absoluta.” e inde
pendente , lia outra consideração à: jque
merece ser 'notada , chegue/as duas
primeiras; especiesztde Governo; índi
cadas são; muito 4mais complicadas
`quleav ultima. A essencia da; Socieda
.de -civil consistcfznzaf submissão de» to.
âdQssosúcidadãos â vontade ,do Sobera
no. Ora *esta submissãozhe muito mais
facil. dezse comprehender quandofes
taÃunica .vontade moderadorade todom corpozàísolitieo ‹sez` acha-freíalmente
mncentr «fz-qm hnmša øpeesoaA f sim,
`como. :acontece .na/z Monatrquismi` elu
zta. , .ido zzzquel quando fa f mesma «im-ice
.1 W; ,Mui fi', tina; (...~ -'- '° UL,
:zel'zz.‹š'.`i.i..; fw» :Lumi mp :ffg
Í Metalà 5.5 ~ '52 "41'
. (j
51
vontade só.. -existe z em ‹huma pessoa
moral ,_.íisto he, .cmi fhumalassembléa 5
comi-sucpede. nasâDemocracias e nas
Mouíirqmñs Ooustituuionaesz Para que
este I- ser uooliectiyodmãomteuha vmais
que' .home ívontade - -,›‹,riequerem-se ' os
maiores esforçoqidaâpoliticoƒp pornonf
sequencia ,- fpas'a formas durma, tal jes.
maieede Governo. 1 fatias; ¡necess ariolzo
mnlišoimentoàodàa propriaosciencia -;
cirwmstaneia z que-fnãozpaieee'âque zse
haja' t'podidoúverifiicar úios. primeiros
hdmênfluíâm') ob; ¬ ls' o?? Í ~ :-;- ni
'- Barbeyrao em huma judioiošsa;z nota
que pozza'haixo .daspassagomrdeiPuffendorf”I -refenida no principio do pm,l
sente antigo ,-.'.›estende:56 miIÃÊQHObflo
esta razãozda grande simpliicidedepdo
Governoi) iyIouarquico.I 'para rmntmaõil
Zel' a. «opiniãohdo t seu; Autholiíilàr'; ao
em apoio- .doz'seufmosim dmfiãnsar reh
fere'humespassagemideílfot z, oq, h
tambem era de parmemqfllfl mfuerdarf
deira Z',l_\‹1ons.rquiaz f, . assimí mOLfiue a.
mais simples,;;r.¢_ a. menossomplzicada
de todas. asmpe'ciesšdez .Gorêrno saido
.'íeimu mr). .ríi .š minor-m f d!
_ › .m-à
(l)y :Boffendorfi ,4,.Nnta .deà Barbeyrac"a0
§lV. do Cap. V- dDo Liv. Vl'L .
2
52
mesmo modo fdevia necessariamente
ser tambem a'mais antiga (1)., V
' `Unem-se*'por:tanto 'ás conjecturas á.
Historia efao'sentimento' dos eabios ,
em geral; para desme'ntireme'ssa tão
gabada hypothese dos'modernos Filo
sofos, de que a. Monarquia Constitucio
nal fora` a' primeira. especie de Go
verno introdlrtidaY no 'Mundo.“ Se' pois
_ ha hoje Soberanos absolutos lnafEuro
pa `, › não YShe 'isto hum effeifiošldo 'des
potismo ,j e da usurpa ãodos *Pl-inch
Pes que _hajão attenta o contrarfos di
reitos: das respectivas'mções , 'como
ealumnids-'amente- os . F'ilosofos tem're
pétido tantas: vezes ; mas sim huma.
continuado.l e successiva progressão `
:lajquella 'especie de Governo-que: mo.
delado' 'Vinte'infimente pelo Y dos :Ghefes j
de faíàilfa, Íse fvi'o iutroduzídomo mun- z
doi assinffqüë o genero hm'nano» come- j
edu-Ja .muitiplicarz-se eai'eätender-se 1
pela face ¡im-terra; V' v :if
«'Begr zconheço~l que a; 1-' uestão 'da `
maior Iol'fm'enotí anígiglliday ef'dasf dif
ferenbes formasz-ideGoqemo hef'total- j
mente estranha â da. sua maior ou
(1) L°¢k¢y Governo. Civil~,'~'pai'te II,
Cflp- 8. ã w. .fU
53
f;I
menor bondade, que he a unica que
deve interessar os homens. com
effeito , se Puffendorf ã vista da alle.
gada razão da pretendidaverosimi
lhança sustentou, que a Democracia
era a mais antiga especie de Governo.
introduzida no -Mundo ; desta sua `
presumida antiguidade não deduzio
de modo algum que .a Democracia
fosse igualmente o_melhor dos Gover
nos; antes o Vpoz muito abaixo dos
outros.› Porém os Filosofosfldo Seculo
decimo oitavo nãoestavão animados
.daquelle amor da verdade , que tive
ra unicamente em vista- o celebre Pu
blicista Alemão do Seculo decimo se
timo no exame da sobredita questão.
Não foi outra a razão- porque elles
mostrârão tanto empenho em susten
tar, contra oconstante testemunho da
Historia e dos Sabios , que as mais
antigas Monarquias erão todas cons
titucionaes , senão para fazerem ca
pacitar os simplices de que, se huma
tal forma de Governo está hoje aban
donada pela maior parte dos Estados
Europeos , proveio isso unicamente
da usurpação e do despotismo dos So
beranos , para assim animarem os Po
vos areco rarem os seus pretensos di
reitos antigos. Julguei por tanto de
54
via rasgarfcste véo da 'suppoštma'ntià
guidade , com lque os F-ilosofos'mo
dernos pretender-ão cobrir Iseus sedi.
ciosos desígnios. Desempenhado este
assumpto, passo immediatamente a
analysar em si mesmaf, e em todas 'as
suas relações esta especie de Gover
no , que os fauto'res'da's idêàslibe
raes tentão reproduzir como o unico ,
que seja com ativel com a liberda
de, 1e com o em do genero: humano.
.Ill (3
l'ARTIGO II.
A' 'introducção do Governo Consti
tucional em França 1zo._reinadb de
Luiz XVI Í produzia a dissolução
da Monarquia. 1 '
He facil formar systemas em ma
teria.. de Legislação e de Governo.
Hnma 'imaginaçãofelectrizada , hum
talento Prompto , principalmente jun
tando-se-lhe a força e a elegância do
estilo , gcrão em humlmomento hum
novo 'systema de administração , que
allucina e seduz ; mos a difficuldade es
tá. 'em ligar bem os principios , e em
55
os calcular sobre a pratica e sobre o
homem como realmente elle he. As
sim em Politica como em Fysica , a.
experiencia he o unico bom methodo
deestudar. E com effeito, assim eo
mo esta ultima Sciencia não por ou
tra razão existio tantos Seculos em
miseravel estado , e reduzida a huma
simples metafysica' , senão porque,
desprezado. a vereda das experien
cias, os Filosofosse abandonavão.
unicamente â imaginação e ás hypo
theses , da mesma sorte qualquer -es-V
critor que tratando de Politica não
tenha a advertencia de se ater á ob
servação , não produzirá mais que
vãs especulações impraticaveis;
Neste escolho naufragou grande
parte dos escritores, que, principian-~
do por Platão, tem tratado de Legis
lação e de Governo; mas nem por is
so estes naufragios preservárão os Po
liticos do passado Seculo de irem tam
bem dar nelle ; e até será difficil de
achar outro que conte maior numero
de simi'lhantes desastres.
Este essencialissimo defeito sobre
tudo reina geralmente naquelles li
vros , que pelo meado do mesmo de
cimo oitavo Seculo forão publicados
pelos chamados Economistas ,- e que
56
em virtude deste simples nome ape
nas haverá pessoa que os confunda
com os cultores da verdadeira Scien
cia Economica. Quando ha cem an
nos o celebre Ustar'iz lançou. em Hes
Panha as primeiras sementes desta im
portantíssima faculdade , não fez mais
que estribar-se na observação , e na
pratica. Tendo visto , que a Ingla
terra e a Hollanda com menores van
tagens naturaes que a Hespanha, ti
nhão hum Commercio muito mais ex
tenso , e huma Marinha mais florida,
entrou ainyestigar as leis e os regulamentos, quel entre aquellas duas indus
triosas e intelligentes nações tinhão
produzido huma tão rande prosperi
dade e opulencia , e desenvolvendo as
propriedades e a sabedoria daquellas
eis, apontou as maximas que a sua na
ção devia seguir, assim como qualquer
outra, queaspirasse a chegar ao mesmo
estado de prosperidade e opulencia.
O discurso de Ustariz, como lhe dava
valor a experiencia, fez grandissima
sensação na Europa : e muitos escri
tores de outras nações, rincipalmen
te de Inglaterra , ten o seguido as
mesmas pizadas , e tendo-se nellas
adiantado mais , levârão a Sciencia
da Economia Publica a tal grão de
57'
evidencia e certeza , que fez de im
proviso mudar a face dosEstados, que
tiverão o acordo de fazer a applica
ção destes principios. Porém huma
tão grande luz correo risco de ficar
eclipsada em seu mesmo nascimento
pela ambição dos Filosofos do Sena.
O desejo de se avantajarem em todos
os generos de Litteratura , de que
erão dominados , os induzio a não
desdenharem a Economia Politica ,
que vião andar então em tanta vo
ga ; mas como já os primeiros luga
res estavão occupados , e 'lhes não fi
caria outra gloria que repetir as ver
dades já por outros descobertas e in
culcadas , recorrêrão ao costumado
expediente da singularidade; Insul
tando orgulhosamente todos os maio
res homens que tinhão illustrado esta
faculdade , edando-se a si mesmos ex
clusivamente e por excellencia o ti
tulo de Economistas , creârão huma
nova Economia inintelligivel e ara
bica, fundada sobre o tributo unico,
sobre a indefinita exportação dos ge
neros , sobre a livre importação das
manufacturas e sobre outros muitos
paradoxos politicos inteiramente op
postos â pratica seguida pelas nações
mais intelligentes , e mais famosas
58'
pela sabedoria do Governo., os lquase
paradoxos ein hum instante zterião fei-V
to desappareeer - da França V.toldos o's
frutos dos trabalhos do grande Col
bert , se opportunamente não fosse
afastado da direcção das finanças Mr.
Turgot , o nal infelizmente cria nos
especificos s mencionados empíri
cos, e jâ tinha principiado a pôr em
execução as suas receitas.
Ora, do mesmo defeito sem duvida.
se resente aquella immensa turba de
escritos, que nesse tempo os mesmos
F-ilosofos do Sena publicârão a favor
do Governo Constitucional. Nada. he
certamente mais hello e seductor que
a pintura, que-se faz nesses livros
desta especie particular /de Governo.
A parte não indzfferente, que nelle vem
a ter todos los cidadãos no exercicio da
authoridade soberana , faz que elle se
aoizz'nhe muito ao estado da natureza,
no qual todos os homens erão livres e
iguaes : debaixo de huma tal forma de
Governo não se conhece mais que o
imperáo das leis , e estas são sempre
justas eimparoiaes, porque são oresul
todo da vontade geral de todos os ci
dadãos. Para afformosearem mais es
te-quadro , :não deixavão os Filoso
fos .de pôr a par de cada. hum destes
- 59
bens o contraste dos defeitos oppos-V
tos , que se achão nas Monarquias
absolutas, e que'maliciosamente con
fundião com OsV Estados despoticos;
Ora para descobrir toda a quimera
destas bellas pinturas do GovernoConstitucional nãol he preciso mais
que recorrer á pratica. Consultando
esta, nós veremos que ellas são intei
ramente .parecidas ~âquellcs retratos,
que se fazem' por oocasião de espon
saes entre pessoas afastadas , nos quaes
o pintor afformosea as feições mais
ordinarias , e occulta a sua deformi
dade o; por cujo motivo á vista do
original entra oV arrependimento , e
muitas vezes' tambem a desesperaç'ão
em quem sobre hum tão debil funda
mento teve a imprudencia de se ligar
com hum nó indissoluvel.
O Governo Constitucional introdu
zio-se em França logo no principio
da Revolução, de 1789i Os Filosofos
exultavão de ver finalmente realiza
da na pratica huma especie de Go
verno , que tantosannos havião 'pre
conizado como o melhor e omais per
feito , e repetião mil vezes ao dia,
que huma tal nação ficaria sendo o
modelo da maior felicidade ,. que se
pode gozar na terra; mas o facto em
60
nada correspondeo a estas bellas pro
messas. .
No Governo Constitucional, tinhão
elles dito , como ha pouco apontei,
que as leis são justas e imparciaes,
porque são o resultado da vontade ge
ral de todos os cidadãos expressa por
meio dos differentcs Deputados da Na
ção reunidos todos em assembléa. Ora,
ao cstabelecerem esta regra , não ví
rão , ou fingírão não ver, que, huma
vez que os Deputados estão eleitos,
não consultão de ordinario os verda
deiros interesses da Nação , mas sim
unicamente as suas miras particula
res. Isto se verificou â risca na Re
volução Franceza, e merece ser bem.
observado. .
Os Deputados da Assembléa Nacio
nal não tinhão certamente direito al
gum dc despojar o Monarca da prin
cipal prerogativa da Soberana Au
thoridade, transferindo â Nação, ou
á mesma Assembléa o poder legisla
tivo , como elles fizerão na nova Cons
tituição do Reino. Similhante Cons
tituição devia-se olhar unicamente
como effeito da violencia, e da usur.
pação , ainda mesmo quando se pode
ra sustentar como verdadeira e sub
sistente a absurda theoría da Sobera
'6'1
mia I'do Povoyeem consequencia dis
eo se Vquizesse conceder á Nação o
pretendidol Vdireito originario e im
`prescriptivel de fazer as leis que jul
gasse mais vantajosas a si mesma : ea razão dlisto he porque os Deputa
dos da Assemblêa não estavão para
isso authorizados. Não podião ter ou
tro direito mais que o expresso nas
procurações que receberão das Assem
léas primarias ou particulares, =em
que tinhão-sido eleitos ': e essas , co
mo todos sabem , se restringiãof 'ao
objecto de reformar os abusos das Fi
nanças, e de supprir a deficiencia do
l_šrario;H Mas se os Deputados 'da `As
semblêa 'Nacional de França de 1789 '
desprezârão as instrucçõ'es conteúdas
nas procurações dos seus .respectivos
commet'tentes`para ado tarem efa'bri'
carem hum X pretendi o s stemafide
regeneraçãdfuniversal mo elado pela
normaifdqi Contrato Social 'de lRuns'
seau ',` _eor'nmetterão i' ial prevarioaf
ção .naobra .danova egislaçãofgffliá.
que lançarão a [mão logo depois'ëde
temem ,publicado a dita nova Consti
tuição, epela: nal' 'af mesma Assem
bléa passou de onstítuinte adenomi
nar-se Legíiflàtivàl" ' '_
EI com effeitol, pedindo todas as
'82
_prbcuraçõ'es das diversas Assembléas
Brimarias do Reino , quofossem os
ens ecclesiast'icos igualmente tribu
tarios como os dosV seculares , vinhão
claramente a reconhecer dfo direito do
Clero sobre-estes mesmos bens ; e a
Assembléa os\ despojou inteiramente
delles_., As procurações não' dizião cou
zaz alguma sobre- os privilegios vhono
rifioos da› Nobreza. 1,396 q-uerião que
se › derogassemf os privilegios pecunia..
rios, que he o-.mèsmo qnedizerz, que
.ficasse igualada aos outros ,contribuin
tes no pagamento dos yimpostos ; e=a.
Assemblêa os supprimio 'todos , isto
het, tanto os |honorificosfcomo os ypo'
cnnia-rios ;.e deste' modo'anniquilou-úzlI
pro riafNobifezawn. . . 1;.” ¢ ›.`- 'Epm' nenhuma. das' sobroditas pi'ocu
raçõesi se fallqvande modo algum no
Culto , io qual desde a primeiraori
gem d'a Monarquiafse achavauestabe
lecido em Frnçalfe pelo qual- tinha
adquirido o titulm.derlhzinol Chris
tianissi'm'o `;'›e. 'a .Assomblêa comahuma
Serie deoperaçõesttque sõ"á,lm¡iiedq
dezena. Heresiaqbunidàs ambals ,'rfpo- .
dião › suggerixé (11) ,comnietteo os ‹m'ai
. v- -¬‹'~ “w [0h Uma: -
1-' l
(I) Sobre a realidade' dest: ligay'qu'd no
v63
sac-rilegos attentados contra este mes
mo Culto de tantol tempo dominante
no Reino : em 4 de Agosto de 1789
supprimio os dízimos ecclesiasticosf;
a 27 de Setembro despojou as Igrejas
de todos os vasos sagrados ; a 18 de
Outubro prohibio os votos religiosos;
a 2 de Novembro adjudicou á Nação
todasV as propriedades do Clero, dei'
xando-lhe porém; a.admini`straçã0 del
las na iõde Abri-l do- seguinte anno
de 1790.~tirou-lhe também esta adm'is
nistraçãoa reduziadmoizâ condição* 'de
sim les assalariado ;i.ely por fir'n 'aÃ-'2
de olho., com a sabida? Constituição
.Civilodoflerøs ,atacou ,todas as Leis
,da Igrejafylderrubouúo seul ä verao
e initualfefdestruío aësuazf u -
'_ _ _gb- ` mma., Itudo; quanto fizerão a
Assemb éa Constituinte , e a A'ssemf
LJ ' 'Il-.1. r4 :'x'iz :_ i s i ~ z;
' ia'iiir. ': .r Í'mrm r'>› =Y .'. .a
rfineiris í1 .da Resolução firssõsr os :Asseme
bléalälqçionaln s Brotestantes '409111, oslos'qfos, para. 111,.destruiçà'0. dorThrono, .por
der-_se-hu'lyek''` ,F :entre outras muitas tibia”,a que ft'e'rrlfípor titulo :` Dizinonciirtio'nV aúfr
Ffáiaài? "eäthf'oñ" ue: "dês 'iiifo'yzéviš'¡íäiifl'äwleëf f aticn'dk -pdu'r détruire 'eh
l't-añceiâtf m'Caiho ' «éra-"- Pot-.'Hw
rique'gAlelan ë 4Audui ,'-Conde ,d'En'f
thiguflhpêgpw e Sei. Inf. rf) .unem
64
-blêa Legislativa , he prevaricação
da parte dos seus Deputados, que
não erãofcertamente já Deputados,
nem Representantes desde o momen
to emV que obravão directamente con
tra a vontade e contra as ordens ex- `
pressas dos seus commettentes. Todos
os artigos , e-todos os decretos da
primeira .e da vsegunda Assemvblêa são
por tanto directamente contrarios aos
poderes , =e ' or consequencia contra
-rios á vonta e geral: da Nação ,r ma.
fnifestada do melhor modo que se` po
'dia fazer; pois que 'certamente não
Lha outro meio mais se ro -de conhe
Itšero'voto'Q-e a'vonta e geral de hu
qna nação);A que-pela unanimidade e
pluralidade das<deliberaçõeš parciaes
coõnsignadas erra? maioria 'das' procura.
Bia "' ff' . ` e
Ê A mesma Assembléa não podia dis
simular esta mancha, e anhelava por
isso gran ear- actosde adhesão da
'parte dosv iversos Departamentos , e
'das povoações em particular. HMas es
;,ta multidão dê actos deadhesâo ,pda
991,1 ramláçãóizqllehumasrandePan
.te a Naçãofazia aos ,mineraiszdecre.I
.tos da -A ssemblêafi, .nãoba'stavãoz-para.
ade'gul'at '.os . bons. ~ Sabião-.selgeraL
mente os artificios com-1 que; a mesma
65
Assemblêa havia multiplicado estes
actos de adhesão, e supprimido as
queixas. Não permittia se admitissem
senão as homenagens; mas fora da
sua sala só reinava a inquietação , a
magoa , a desesperação. Armava-se
metade dos `Cidadãos para snffocar
os clamores da outra; a morte, o sa
que, ~o incendio aguardavão todo
aquelle que ousasse levantar a voz; e
estava prompto sempre hum exercito
de assassinos para reprimir aquelles
que se lamentavão.
Não conseguio , verdade seja, este
perigo suffocar todas as reclamações.
.irão infinitas as representações que
vinhão de todas as partes do Reino.
Houve na mesma Assemblêa al uns
VOgaes virtuosos , que, sem nen um
temordp punhal dos assassinos , que
os seus Coryfeos tinhão lcontinuamen
te assoldadados , se atreve-rão a le
vantar a voz contra todos estes pas
sos violentos , e funestos, procuran
dO revocalla a idéas de b0a`ordem;
mas a voz destes sa'bios ficava sem
Pre vencida pela maioria dos malva
08 , e dos ardilosos de que se com
Punha. a Assembléa : de modo que.,
Pêra se não fazerem complices das
mJustiças e das atrocidades, de que
E
se
ella se 'tornava culpada, tornarão t0~
Vdos o partido de se retirarem.
A Filosofia , que se envergonhava
de ter produzido tantos males , emvez da Vtão promettida felicidade ,
tambem não deixou de reclamar a
4boa ordem. Hum'dos seus mais famo
sos prosêlytos, o Abbade Raynal, `_se
incumbio particularmente d°isto,quan
do a 31 de Maio de 1791 fez ler na
.Assembléa Nacional huma sua carta
(l) , em que fazendo huma satyra lu
l
v(l) A sobredita Carta, que Rayual dirigio
á Assembléa Nacional, hé `do teor seguiu
te, traduzida fielmente do Francez:
,,Estou , eu vo-lo confesso, yestou pro
fundamente entristecido pelos crimes que
cobrem de luto este Imperio. Será pois
verdade, que 'eu me devo lembrar com
espanto ,. de ter sido hum d'aquelles
que, sentindo huma generosa indignação
contra o poder arbitrario , derão talvez
armas á licença? A Religião, as Leis,
a Authoridade Real , a Ordem publica
reclamão com effeito á razão os vinculos
que as unem a esta grande Isociedade da
Nação 'Franceza , como se, perseguindo
os abusos, lembrando os direitos dos l'o
-vos e os deveres dos Principes, os nos
sos .esforços houvessem quebrado estes
vínculos? áProximo a baixar áiescuridio
`”
,9
9,
3,
S
,J
3
,l
a,
a,
,a
Q
`1
67 `\
ubre , mas verdadeira da co ducta
a Assembléa , deplorava a arga
mente a situação presente efutura da
França. Mas estes seus lamentos vi
,, da sepultura, e a deixar esta familia im
,, meusa cuja ventura hei desejado , que
,, he o que vejo ao redor de mim P Desor
,, dens religiosas, dissensões civis, a cons,, ternação Vde huus, a tyrannia dos outros,
,, hum Governo escravo dos caprichos do
,, povo , o santuarioi das leis rodeado de
,, homens desenfreados, que querem alter
,, nativarnente ou dictallas, ou insultallas;
,, Chefes sem authoridade , Ministros sem
,, recursos; hum Rei, o maior amigo do seu
,, povo, submerso em amargura, ultrajado,
,l ameaçado, Encarcerado, e não existindo
,, a força publica senão nos Clubs, onde
,,' huns homens ignorantes e grosseiros se
,, atrevem a decidir sobre todas as questões
n Politicas. Tal he a verdadeira situação du
,, França ; não se affoutarião outros a di
n ler-vos estas verdades; mas eu me af
fouto a isso , porque vou chegando aos
meus 86 annos de idade. FaIIo-vos da
authoridade destruida; porque não pos
so parecer a ninguem suspeito de ter
saudade do antigo regimen. . . . Vós não
podeis salvar da total ruins o Estado se
" Rio retrocedendo , ou aliàs indicando
z» esta marcha retrôgrflda a vossos succes
s sores. ,,
E 2
:Iääš'šã
6'8A
nhã'o 'demasiado tarde. ` A Revolução
de França he toda obra da Filosofia:
esta a 'procurou lcom as suas declama
ções impias e sediciosas, que por es
paço de quarenta annos ou mais ha
via feito contra o poder dos Reis;
e não pode por isso deixar de ser res
ponsavel por todos os maos effeitos,
que de'víão infallivelmente dimanar
de _se'teremquebrado todos os vincu
los os mais sagrados que ligavão os
homens. estes lamentos de Raynal ,
assim como os de Neker, não fizerão
mais que aviltar cada vez mais esses
que se dizem Filosofos, mostrando â
posteridade , que elles vivião na maior
ignorancia do coração humano, e da
Historia , a ponto de não conhecerem ,
que huma vez que o povo se poz em
movimento, já não ha meio de ocon
ter , 'e que a multidão, em se suble
vando , se assemelha a huma torrente
Ene rompendo as suas-comportas mu
'a de leito , e já não se pode fazer
que tome o seu primeiro curso , sem
se ter tambem a certeza se se pode
râõ levantar outros diques para a
conter no novo leito que se formou.V
A Assemblêa Nacional não deo com
effeito attenção alguma ás menciona
das representações de Raynal, e con
'69
til'mou cada vez a peiorar no seu co
meçado systema del violencia edes,
traição. - r
A nova Assembléa que , em 21 de
Setembro de 17-92, debaixo do nome
de Convenção Nacional , succedeo -a
este violento Senado, ,ainda foi mais
violenta e destruidora. Levantando
(le-todo. a mascara , na. mesma sessão
primeira, do dito dia 21 , proclamou
oGoverno Republicano; e-depois'de
ter feito soffrer os mais humilhantes e
duros tratamentos ao mesmo virtuoso
Soberano , chegou ultimamente ao ex
cesso de lhe fazer dar amortc em hum
cadafalço.
Esta he a rapida progressão dos
males , a que ficou sujeita a França
depois que em 1789 se introduzio nel.
la oGov'erno Constitucional. Que eu
tão huma talinnovação politica, tan
ÍO entre os Francezes , como entre
huma grande partedos outros povos,
produzisse tão grande en-thusiasmo,
não he de maravilhar. Este generode Governo havia sido quasi Imeio lse
culo com tanto artificio proclamado
Pelos Filosofos como o melhor de to
dOS , que era mui difficil que nestes
Primeiros momentos não allucinasse a
Opinião publica , tomando o- aspecto
70
venerando da felicidade nacional. Mas
a ora que se tem visto os amargosos
e feitos que elle produzio , todos os
paralogismos adduzidos a seu favor
deverião de todo tornar-se inefficazes
einuteis: e os sequazes das Ideas libe.
raes, tentando de novo fazer adoptar
similhante forma de Governo, clara
mente mostrão haverem herdado o
odio contra todos os thronos, de que
estavão animados os Filosofos, quan.
do pela primeira vez ousárão procla
mallo. Continuemos porém a consi
derar de perto e nos seus effeitos es.
ta forma de Governo , que hoje de
novo tanto se exalta.
*_
ARTIGO Ill.
Tendo-se introduzido o Governo Cons.
titucioual em França no anna de
1804 , não fez mais que aggmvar e
fazer mais intoleraoel o despotismo
do novo Monaroa.
As sediçõ'es, as discordias, as mor
tandades, os roubos, as oppress'ões e
os delictos de toda. aespecie , que tan
71
io affliišírão a França durante o Go
verno emocratico, induzírão aquel
la desolada nação a restabelecer no
anno de 1804 a formar de Governo ,‹
que erto de doze annos antes havia
tão fevianamente abandonado; ou,
ara fallar com maior exactidão ,
uonaparte, valendo-se do estado de
abatimento em que por causa dos di
tos erros se achava aquella nação , te
ve a destreza de fazer que lhe fosso
conferida a Authoridade Soberana, a'
qual havia quatro annos elle já exer
citava- de facto com a modesta deno
minação de Primeiro Consul.
Esta subitaaea mudança esseneial
na forma e na constituição do Governo produzio de repenteA outras mui
tas. Os mais acérrimosRepublicanos ,1
aquelle's mesmos que tinhão votado
na orte do Rei , e que infelizmente
formavão qu-asi sós o conselho e o»
cortejoV do novo Monarca, condecora-.
dos com Ordens eTitulos , a resentá-.
rão-se d`improviso em pub ico com
hum fasto muito superior ao dos .an-
tigos Grandes, que elles pouco antes`
havião tanto deprimido e maltratado.
Os homens de letras tambem mudârãorepentinamente de linguagem ;V e seI
Pouco antes havião insultado tanto ef
72
vilipendiado o Governo Monarqui..
eo , depois da mencionada mudan a. ,
fizerão delle o maior elogio: não is
simulárão ellesacontradicção, em que
vinhão a cahir com esta liguagem ,
mas assentavão se podião livrar desta
nota dizendo, que anova Monarquia ,
que então se erigia sobre as ruínas
do Goveruo popular, era inteiramen
te diversa da que tinha existido no
tempo. dos Reis , pois que na nova
› Constituição era o Poder Imperial
modificado , erestringido pela autho
ridade do Senado e do Corpo Legis
lativo ; e d°aqui` promettião a maior
felicidade â Nação; sem sequer se
lembrarem de que essas mesmas pom
posas promessas tinhão elles feito,
quando o mesmo Governo Constitu.
cional se tinha pela primeira vez in'
troduzido no anno de 1789. Ora exa`
minemos se nesta segunda época fo
rão mais bem fundados esses prognos
ticos.
Não ha duvida que depois desta
nova época de Governo Constitucio
nal esteve a França izenta dos hor
rores da anarquia, e dos partidos que
tanto na primeira aperturbârão: po
rém não pôde evitar tão grande in
conveniente sem cahir em outro igual~
73
mente funesto , isto he ', no jugo do
mais duro e do mais lpezado despotis
mo, de que jâmais a istoria haja fei
to menção. V
O esplendor das victorias que os
Francezes ganhârão sob o novo Go
verno Imperial, a immensa extensão
ue vírão dar aos seus antigos con
gns, induzião a crer, âprimeira vis
ta, que a Nação tinha realmente ad
quirido huma verdadeira felicidade..
Os Oradores do novo Monarca o re..
petião sem cessar nas tribunas; e os
periodicos , que sob o seu Governo
não tinhão outro fim que extraviar a
opinião publica, tambem assim odi
zião em suas immensas folhas. Tanto
huns como os outros , embriagados
pelas ensanguentadas bandeiras ini
migas , que â maneira de troféos em
tanta copia estavão penduradas, quer
nos templos, quer na sala da Assem
bléa , não fallavão senão de similhan-~
te felicidade; mas estas bandeiras não
escondião aos olhos destes panegyris.
tas assalariados a consternação e a
miseria a que se achava reduzida a
maxima parte dos habitantes. Estas
victorias erão o fructo, `e aconsequen
cia da barbara lei da Conscripção,
que periodicamente levava todos os.
74
annos em toda a extensão do Imperio.
a flor da mocidade. Estas victorias
fazião que as contribuições se pagas
sem sempre como em tempo d'e guer
ra , sendo por conseguinte immensas;
e vinha o seu pezo a carregar tanto
mais sobre a nação , quanto âs infi
nitas despezas causadas pela guerra
se ajunt-avão as de huma immensida.
de de obras publicas para transmittir
á posteridade a otencia e a preten
dida gloria. do lVibnarca que as tinha'
mandado fazer. Entre estas havia real
mente algumas que tinhão por obje
cto a utilidade publica : mas se estas.
emprezas são louvaveis quando se fa
zem â força de economias , vem aser
hum flagello quando são o fructo de
accrescentamento de tributos sobre
huma nação já delles carregada. Por
outra parte , de que servia multipli..
car tanto os canaes, os portos, as es
tradas, se pelas disposições orgulho
sas e insensatas do novo Monarca ,
achando-se quasi de todo anniquila
do o commercio , ficavão estes seus
novos vehículos inteiramente inuteis ?
Mais insensatos ainda erão os cuida
dos, que em todo o decurso do seu rei
nado tomou no que respeita á Mari-_
nha; pois que as embarcações que em
fl
75
tanta copia, e com tanto dispendio se
construião em todas as costasdo Im
perio, estavão reduzidas a apodrecer
nos portos e nas enseadas pelo receio
de cahirem nas mãos de hum inimi
go , que então , mais que nunca, do.
minava em todos os mares , e que el
le tão grosseiramente havia nltraja
do.-E entretanto a Assembléa dos
Deputados nunca ousou levantar a
voz contra estas tão enormes profusões
continuas dos bens dos subditos ; as
sim como o .Senado nunca se oppoz â
continua effusão do seu sangue.
Hé por tanto falso que o Governo
Constitucional sirva de rémora ao po
der arbitrario dos Pri-ncipes , como se
tem por muito tempo procurado fa
zer acreditar. Eu ainda me adianto
mais , e di o , que suppondo hum
Principe am icioso , violento , e pou
00 cuidadoso do bem dos seus subdi
tos, esta especie de Governo unica
mente servirá de o animar a mais
augmentar o seu despotismo ; e facil
he provallo.
Quando os Filosofos fallão das As
Sembléas Nacionaes , suppõ'em sem
pre que os Deputados de que elias
são compostas , sejão outros tantos
Catões , que não tenhão em vistaf
76
mais que o dever, a virtude, e o i'n`
teresse do Povo. Ora nos nossos Es
tados modernos, inveterados no luxo ,
e nos quaes por conseguinte o amor
das riquezas he hum dos principaes
motores, não formaráõ porcertoindi
viduos dessa qualidade a maxima par
te de huma Assembléa muito nume
rosa. Assim como, ainda mesmo nos
paizes onde existe o Governo Consti
tucional , o Principe he o unico que
confere os cargos todos, e por conse
guinte a riqueza, do mesmo modo as
Assembléas acabão sempre adherindo
a todas as proposições do Ministerio
e da Corte. Por isso , se hum Prin
cipe he pouco cuidadoso do bem dos
seus subditos , mas ao mesmo tempo
sagaz , estando seguro de que as leis
e as proposições mais injustas e one
rosas não acharâõ oppositores, se vai
cada vez animando mais em seu des
potismo, porque está certo que todo
o odio recahirâ nos representantes do
povo. Hum profundo escritor Inglez ,
fallando das violencias, e dos actos'
arbitrarios , que se arrogárão os diversos VGovernos da França no decur
so da Revolução , deo a razão dlisso
dizendo, que não ha despotismo mais
pezado que o que se pratica debaixo
.__T-fiifl
77
das formas, e apparencia de liberdade.
Ora esta maxima de Mr. Burke se
verificou igualmente no reinado de
Napoleão. .Como este era inclinado
ás conquistas , e por consequencia `
desprezador das vidas eÀ dos bens dos
subditos , não teria certamente ousa
do levantar tantos milhões de comba
tentes , nem augmentar tanto os im
postos , se os actos concernentes a es
tas duas profusõ'es de homens e de
dinheiro unicamente houvessem de
sahir do seu Gabinete. Houvera re
ceado ser a cada momento sacrificado
á vingança publica. Elle porém se
tranquillizava, e se animava cada vez
mais a abusar do seu poder , vendo
que aos olhos da multidão se mostra
va a Conscripção como resultado das
resoluções do Senado , e a Receita e'
Despeza da Fazenda como obra das
discussões 'do Corpo Legislativo.
78
ARTIGO IV.
Do Governo Constitucional considerado
debaixo de hum Principe virtuoso,
mas firme , e que sabe governar por
sz mesmo.
C onsiderei o Governo Constitucio
nal debaixo de hum Principe virtuo
so , amante dos seus subditos , mas
por sua nimia bondade incapaz de
tomar aquellas medidas fortes, que
são necessarias para reprimir os fac
ciosos; e vimos, que elle produzio a
ruína total da Monarquia. Depois eu
o considerei debaixo de hum Princi
pe ambicioso, insaciavel de conquis.
tas, e porconsequencia sem fazer ca.
so do sangue e da fazenda dos subdi
tos ; e vimos, que este não faz mais
'que augmentar o seu despotismo`
Agora , para de todo exhaurir o as
sumpto , falta considerar-se esta mes
ma especie de Governo no reinado de
hum Principe bom , virtuoso, mas ao
mesmo tempo intelligente , firme , e
que sabe por si mesmo governar.
79
Debaixo de hum Principe desta na".
'turcza jãmais o Governo Constitu
cional poderá produzir algum dos in
convenientes, que ponderámos nos dois
artigos precedentes ; mas neste caso
mesmo não deixará de ser prejudicial;
e não he difficultoso provallo.
A Democracia foi em todo o tem
po olhada como o peior, de todos os
Governos ; e o principal motivo que
tem induzido os sabios a formar si
milhante juizo , he o pouco discerni
mento, a confusão , as miras de par
tícular interesse da maior parte dos
individuos que compõem as numero
ias assembléas , nas quaes , nesta cs
pecie de Governo , reside a suprema
authoridade , e que por conseguinte
decidem , sem appellação, dos mais
graves negocios do Estado. Isócrates
e Xenofonte , a pezar de nascidos em
huma Republica popular , e a mais
Popular de todos os Estados livres da
Grecia , nos deixârão huma miuda
descripção de todos os apontados in
convenientes destas assembleas (1).
Cicero , não obstante ser tambem ci
'(ll Isocnates, Orat. in .Mood-Xeno
Ph. de Repub. Athen.
80
dadão de hum Estado livre , não deo
dellas mui vantajosa idéa , quando
descreveo os Comicios de Roma. Ora
estes defeitos , que se attribuírão sem
pre ás Assembléas soberanas dos Es
tados democraticos , são communs
igualmente âs das Monarquias Cons
titucionaes , ypois que pelo que toca
ao numero dos que as compõem nadadifferem estas dlaquellas.
Se Luiz XIV., em vez de se entre
gar ao genio creador de Colbert ,
houvesse convocado os Estados Ge
raes como fizerão alguns dos seus re
decessores nas grandes crises do Rei
no , certamente não teria. remediado
a desordem da Fazenda Real, nem ti
vera a satisfação de ver em hum mo
mento , como por encanto , crear-se
e estabelecer-se aquella industria ma
nufactureira , que tanta utilidade
grangeou á Nação. Se Pedro oGran
de , na execu ão do seu immortal pro
jecto Vde civi izar os seus povos, hou
vesse consultado o Senado , terião os
seus sublimes esforços sido inuteis ;
pois que a totalidade dos Russos , e
por consequencia tambem o SenadoJ
estava afferrada aos vícios e aos ha
bitos que elle se proposera extirpar ,
e que com tanta felicidade effectiva
.si /
mente extirpou. E para apresentar
dlisto hum exemplo mais .chegado aos
nossos tem os , e mais conhecido de
nós os Ita ianos , se o Governo de
Toscana fôra Constitucional, e conse
guintemente Pedro Leopoldo deves
se submetter os seus bellos projectos
economicos ao exame da Assembléa
Nacional , não teria tido certamente
adita formosa porção da nossa Pe
ninsula (*) a ventura de ser felicita
da pela immortal Legislação econo
mica do mencionado Soberano ; nem
della se terião podido aproveitar as
outras nações, como tem feito. E hu‹
ma convincente prova d”isto he, que
por espaço de muitos annos rande
parte da Toscana , como to os sa
em , se mostrou decididamente con
traria a esta mesma Legislação que
tanto agora -louva , e de que com ra¬
zão tanto se gloria. -
Ha. porém outra reflexã'o igualmen
Íe persuasiva, pela qual, ainda mes
mo na hypothese contemplada no pre
sente artigo, se ve , que não deve ser
vantajoso. o Governo Constitucional.
Nesta hypothesc hum Principe aman
(*j Dn Italia.
82
te' do bem dos seus subditos , e que
sej.r_ ao mesmo tempo dotado dos ta
lentos necessarios para'o' conhecer, a
Viim de não ser contrariado, ou retar
dado na sua marcha, procurará gran
gear com liberalidades e promessas
aquelles Deputados da Assembléa, que i
preceber serão mais oppostosaos seus
projectos. Mas se isto tende a conse
-guir` o llouvavel tim de sollicitar a.
execução` de huma lei, ou de hum re
gimento'util ao Estado , produz por
outra; parte hum grandissimo incon
weniento, que he introduzir a venali
dadénaflblação. E com cffeito, o exem
plo dos Oradores da Assembléa ga- ~
:irmas pela corte por mais de lar- Y
gueza's, onde Cargos ,"reduzirá todos Í
os~i>ndividuos da mesma `Nação-a desejarem 'ansiosamente serem eleitos f
paraDeputados da Assembléa, azfim `
de tirarem o mesmo proveito das' suas
opiniões. - Compraráõ -os votos , que '
são precisos para' 'serem *eleitos Be
presentantes-publicos; e deste modo
'sairá introduzisdo l a pouco e pouco
em toda a *Nação o espirito deveria
lidade ,f'e de ínteresse',›fque he sem
duvidahuo dos maiores. sérios .de
,qualquer Estado , pois destróe todos
os principios de honra e de virtude.
83:
*v
' .
ARTIGO V. V› .
Differençajmportante, que se' deve fm
zer relativamente ao Governo Cons
titucional.
Com as'refiexões feitas no decurso
deste Capitulo não pretendo insinua:
que se haja. de abolir oGoverno Cons¬
titucional nas Monarquias em que .el¬
le se acha. estabelecido. São. semprer
perigosas as innovaçõ'es grandes em
materia. de Governo: os .antigos as
aborrecião; erã'ofde' voto , que nunca.
se deve emprehender couza alguma.
contra o genero de Governo em quenascemos , com pretexto de o lmelho-I
rar. E com effeito [sócrates , Xeno.
fonte , e Cicero, que , como hnípou
co observâmos, pintârão tanto' ao vi.
vo os defeitos da. , Democracia , se
portârão .não obstante isso como pa»
cificos, e zelozoseidadã'os das snazs res»`
pectivas Rêpublieas. E esta continen
cia he assâs sensata e louvavel , pois
que bem se vêem os defeitosdo Go
vernosob que se vive; mas he diffi
cil, por não dizeš- impossivel , prever
2
84
aquelles que podem nascer da refor
ma, aqual muitas vezes ainda os pro
duz maiores. Ora , por esta mesma.
razão de que o Governo Constitucio
nal se não deve abolir nos Estados
em que ha muito tempo se acha esta
belecido, todos muito bem percebem
que não convem introduzillo onde el
le era desconhecido.
Por outra parte, a considerar bem
a couza , ha mui grande differença
entre estes dois casos , que eu aqui
tenho ponderado. Se esta especie de
Governo se acha ha lmuito tempo in
troduzida em alguma parte da Euro
pa , isto não se fez em consequencia
dos direitos originarios dos homens,
e da pretendida Soberania do Povo.
Estes principios erroneos, esediciosos
não forão conhecidos ,1 ao menos no
que respeita ao geral das nações , se
não por todo o meado do Seculo pas.
sado. Naquelie momento pois em que
hum Principe ao presente, adherindo
ás insidiosas declamações dos Filoso
fos,` e dos fautores das idêas liberaes,
fizesse huma tão rande reforma no
Governo dos seus stados , introdu
zindo ne'lles a Representação Nacio
_nal , viria a confirmar aos olhos da
multidão as ditas maximas sediciosas,
85
em virtude das quaes se estabeleceo em
França , em 17.90, oJ mencionado Go
verno , e terminaria provavelmente
produzindo os mesmos funestos effei-tos, que por-causadielle sentio aquel
la Nação.
Esta distincçã'o', que tenho feito
entre os dois differentes casos. aqui
ponderados , me parece assâs bem fun
dada : e poderá por isso' servir de
resposta a huma objecção , que os so
breditos sequazes das ideas liberaes
talvrz não deixem de me fazer , isto
he, que o Governo Constitucional tem
existido , e existeainda em algumas
Monarquias, sem que estas liajão sof
frido as horríveis consequencias que
em França se .experimentárãm Este
facto não se pode certamente contra
dizer; mas isso em nada destroe a for
ça das razões atéagora adduzidas
para tolher qualquer Soberano de
introduzir nos seus Estados simi
lhante forma de Governo; e a ra
zão d”isto he , porque ao presente
todos os Estados da Europa se a
chão em circumstancias inteiramente
diversas das em que se achavão os
Povos , entre os quaes se introduzio
antigamente a representação nacional.
0 Filosofismo nas suastenebrosas pro.
86
ducções tem* falledo' tanto dos direitos
primitivos 'dos homens; e da soberania
do Povo, e tem osprose'lytos dwquel
la fallaz sapiencia. sustentado tanto,
que em toda- a forma fade-Governo o
poder supremo reside de direito na.
Nação, representada'pelo corpo dos
Deputados congregados' -fna Assem
bléa e ue cone` ' uintemente'osReÍS a7
não são mais que os primeiros Ma
istrados ~; que ,onde 4zhouvessle hum
rincipe ltão pouco prudente que es
tabeleoesse' esta Representação Na
cional nos Estados onde
imente ella se não achava em vigor,
as cabeças provavelmente' se elec
anterior- '
*trizarião Aao ponto deL as verem bem 1
depressa. entregaram-se aos horri
:riveis excessos , que exactamente em 1
caso em tudo identico acontece
rão ha vinte e cinco unnos em Fran- 4
a, . . ,_ ‹ . `
~ He de advertir além dlisto, que por 1
huma instituição não ter produzido al
gum mão effeito em hum Estado, não se
segue por necessaria consequencia que
deva experimentar-se - igualmente a
mesma felicidade em outro Estado, para onde › essa mesma vinstituição se
quize'sse transplantar. Esta reflexão
he tão verdadeira , que Wdos osescri
87
toras de maior fcredito ``em materia de;
Politica tem estabelecido como maxi-›
ma geral , fille ao transportando hum
para outro `stado huma lei, ouqfuarl-íA
quer re ulam'ento ,' se devo primeiro
que tu o examinar , se ospcestumes ,L
os caracteres , os habitosdaz noção.
para a qual se íntenta. fazeneqlia tras¬
ladação q permittem.V ¡ L. , , ¿ a; `
MylordV Bristol , Bispo .do Loodoow.:
dery, que pelo seu original ¡nododq
pensar era tão conhecido a§ê~,-de nós
osltaliaoos , - entre os '›quaes..tanto›
tempo habitou . eooabou.›seus dias ,.
achou-se hum dia aj-antar em casa de
Lord Howñ'é'no tempo'éur uouwww-tomo da lViouarquie'lí'rziueezaV en'a o
assumpto de `todos as conversaçflesfef
sobre o qual'cada'_hum`discorria ao_`
seu modo sobre o'GoYemon'ilueeon
vinha alli sustentar, ' Yeu'dö"elle_,quq
todos os .outros convidados opinevão'.pela Constituição là leza,` À*pega-ndo?
em bum~copo de vin ofzfle Champaú»
nha , -- Como'quereis , ` dissëieile ",ffqllgef
huma N ação - onde se'pod'e lie'loer'us'ularlà;I
mente ao jantar 'hum v'i'uho'` 'tã'o .espiii
rituoso , se possa, accommodar ã Copel;
tituição' de hum 'Povo ,i l>que u_äote_n.t2
outra. .bebida que huma zadazçdonrf
So cervojo3››n,`rEste ,ago eza, viva e.
88
espirituosa triunfou de todas as ra›
zões contrarias , e conduzio toda a
companhia ao sentir do Conde' de
Bristol. . p
Os Francezes discorrêrão de hum
modo totalmente diverso do dos com
mensaes de Lord Howhe, e bem-depressa levârão ocastigo dlissoz. Trou
xerão em 1789 de Inglaterra o syste
ma;da Representação Nacional com a
mesma precipitação , com que vinte
annos antes tinhão trazido dalli a mo
da dos Jardin-s irregulares , e a de
andarem continuamente acavallo (l).
(l) Luiz XV, que näo amava os Filoso
fos, mas que infelizmente lhes deixou to
da a liberdade de corromperem o espirito
dos seus vassallos, plenamente conheceo a
fatal infl'uencia, que a mania por ell'es iu
troduzida de imitar os usos e costumes
Inglezes podia trazer comsigo a ruina da
Monarquia ;. edeixou de quando em quan
do escapar algumas expressões que clara
:fomenta attestavão a sua aversão a esta An
` glomania, que nos ultimos annos da sua vi
da se tinha introduzido em França-A
todos he notorio em França o apodo ver
dadeiramente agudo, que o Monarca dis
se a hum dos seus Cortezäos moços ao vol'
tar de huma das frequentes viagens que fa
zia a Londres;-¿Que tendes andado. fa~
89
Mas a vivacidade da Nação France
za, e o seu grande amor da novidade
zendo em Inglaterra? lhe perguntou Luiz
XV.--Apprendre à penser. -A penser des
eheuaux sans doute. (Aprender a pensar.
-Certmnente apensar cavallosj, replicou o
Rei, e lhe voltou as costas com ar de des
prezo.
Tendo proposto Mr. Paris Duvernay,
Director da Escola Militar , ao mesmo
Principe, que introdurisse nella oestudo da
Lingua InglezaP, ` foi a proposta recebida
com frieza. Quiz o Director insistir, al
legando quantas vantagens poderião tirar
d'esse estudo .principalmente os Alumnos
da Marinha; mas o Rei positivamente o
excln'io dizendo: Ils ont perdu l'esprit de
mon royaume, 'n'erposons pas la génération
naissanie au danger d'être pervertic elle
meme. (Elles tem perdido o espirito do meu
Reino, não exponhamos a geração nascente
ao risco de _ficar tambem pervertida.)
Como entre as modas inglesas introdu
zidas em França huma das mais estimadas
era a dos Jardins irregulares e agrestes, tão
usados na Gran-Bretanha, Luiz XV indu
zio o seu Ministro Mr. Bertin a fazer aquel
les famosos Jardins Chinezes, que todo Pa
ris hia ver a Chatou perto de Neuilly. A in
tenção do Monarca era que o gosto d'elles
seestentende entre os seus vassallos , puro.
que, oppondo singularidade a singularidade,
90
fizerão que não se cingisse. a copiar
o original. O Governo Constitucional
Inglez, que ella tantos annos conside
râra como a mais perfeitaConstitui
ção politica do Mundo , foi notavel~
mente alterada em França nos mes
mos rimeiros momentos em que se
intr uzio. E com effeito , ao passo
que em Inglaterra a Representação
Nacional foisempre dividida em duas
se desacostumassem diaquellas modas que lhe
pareciäo ligadas a ideas que lhe desagrado
vão, porque as julgava funestas em Moral,
em Religiio, e em Politica; mas foi-exa
ctamente por esta ligação que o gosto In.
gler-triunfou do gosto'Chinez', e que o
exemplo de Mn Bertin não tem imitado
res:` ` m .-› \\-' Luiz XV estava tio persuadidoy que , ata
tendido o caracter da sua nação , .d'esta
paixão pelas modas lngie-vzas passaria 'a
adoptar-tambem a Constituição politica da
Grã~Bretanha , e por tanto a arruinar a
Monarquia; que na occasiäo da Revolução
Parlamentar idisse hum dia ao Delfim estas
memoraveis palavras, veriñcadns em França
:io-depois á risca-:š-Á" Vós talvez chegarei:
mifm ; mas` não he muito certo que vos
succeda algumfilho vosso , ou que se sus
tente no thromw-A moda dos Rm vai
acabando.” -
9 I'
Camaras , humados. Deputados do
Povo , e a outra dos Pares que repre
sentão a Nobreza; em .França pelo
contrario se concentrou inconsidena
(lamento em huma só Assembléa , o
que. visivelmente dava' huma grande
tendencia para a l'Democracia Em
Inglaterra he oRei pela Constituição
revestido das maiores prerogativas; e
em França pelo contrariowficou Luiz
XVI reduzido a não ser mais `què
hum' simples fantasma da Dignidade
Real; assim , em brevissimo espaço
de tempo foia Monarquia inteira
mente ahniquilada; e em huma gran
de Nação , -inveterada no luxo, e em
todos os vícios que dl'e le são conse
uencia, se vio com admiração intro
uzir-se aquella especie de Governo
que semlpre se Vmostrára turbulenta
até nos pequeninos Estados da Grecia;
Condillac ,'e todošIošoutms Filoso
fos que antes da Revolução exaltárão
tanto as vantagensído 'Governo Cons
titucional ,- fallavão das nossas M0
flül'quiars da Europa. como se em na.
da differissem v'dos Estados despoticos
a Asia.. Ora quem não vê nlisto a.
maior malígmidadez.,ze a mais visivel
má fé? Entre todosos Estados Chris
Íãos não ha luunÀ só que seia desposià
92
co , pois que , como' muito bem-ad;
vertio Montesquieu, esta monstruosa
especie de Governo he de todo em` to
do incompatível com os preceitos da
nossa Divina Religião. Por outra
parte , o direito de propriedade, que
os Soberanos da Europa tem sempre
respeitado , a faculdade geral de tes
tar, consequencia accessoria do direi
to de propriedade , hum Código Ide
Leis civís e criminaes, pelo qual he
limitada , c restringida a authoridade
dos Tribunaes e dos Juizes, são ou
tras tantas circumstancias , que ha
muito tempo tem adquirido ás nossas
Monarquias Européas o honorifico
caracter de moderadas, que as diffe
rença essencialmente dos Reinos Asia
ticos , onde o momentaueo capricho
do Sultão , e dos Sátrapas he a uni
ca lei.Em vãoI se declama contra o poder
absoluto dosReis: em vão se diz que
a liberdade civil he o bem principal
dos homens , e que esta não se pode
achar senão nos Estados, em que aNa
ção participa do exercicio da Sobe
rania. Todos estes freios da authori
da'de dos Principes se tornão vãos e
inuteis na pratica, se esses Principes
não são virtuosos, le amantes do bem
93
dos subditos. O Governo de Napoleão
he, como nós vimos 'huma recente
prova dlisto. E por isso os antigos,
que nós com grande semrazão des
prezamos, medião a tyrannia não já.
pela Constituição do Governo , mas'
sim unicamente pelo facto , ou pelo
procedimento pratico dos Reinan
tes (l).
A Europa no momento actual he
bem feliz , pois que longe de ter que
desejar ver encadeada a authoridade
dos proprios Soberanos , deve antes
anhelar que elles possão exercitar
com toda a. possivel energia o poder
de que Deos os revestio, afim de frus
trarem deste modo os esforços, que
os occultos inimigos da boa ordem
tentão pôr em pratica para perturba
rem de novo o publico socego. Em
(1) Quid interest inter tyrannurn, et re
gem? Species enim ipsa~fortunae ac licen
naapar est: nisi quod tyranni ex voluptáte
saevinnt , reges non nisi ex cansa, ac ne
cessitate? Quid ergo non reges quoque oc
cldere solent? Sed quoties id fieri publi
CQ utilitas persuadet. Tyrannis saevitia cor
‹l\ est; tyrannus antem distal: a rege factis,
non nomine. Senec. de Clem. lib. 2. cap.
ll. e 12.
94
nenhum outro tempo com effeito se
dao-huma combinação de Principe:
tão virtuosos , tão benéficos , e tão oc
cupados no grande objecto do bem pu‹
blico. Se ha dois annos, com exemplo
` inteiramente novo, elles se ligârão em
estreita alliança entre sipara abate
rem aquella Potencia, que queria per.
petuar no nosso continente o ílagello
da. guerra ,a continuão a estar perfei
tamente unidos a'fim de consolidarem
com os seus conselhos o inextimavel
beneficio da paz , que com'as suas ar
mas der'à'ov ã terra. Deixamos porém
`aos Historiadores e â imparcial pos
teridade o celebrar os factos e as vir
tudes dos Soberanos Européos do rin
cipio do decimo nono Seculo. Ju guei
entretanto que devia tocar, por assim
dizer, de fugida este ponto , para
mostrar ao leitor quanto fóra de provposito os fautore's'das idêas liberaes
-tem- escolhido hum tal tempo para
apresentarem de novo em campo o
'systema do Governo Constitucional,
cujo funesto exemplo he de tão recen
te data.x
95
oAPI'r Ulíol 111.'
-Dos Apratemas delicias' de opinião.
Quando pelo meado 'do Seculo pas.
sado os Filosofos concebèrão o horx
rivel projectode prostrarem todos os
thronos , 'procurârão primeiro que ` tu'
do ganhar huma perfeita impunida
de; procurando para este fim' debili
tar no espirito do .publico o horror,
que antecedentemente se tiverasem
pre ao delicto , que elles tinhão ten'
ção de commotter. Mas tambem sobre
este ponto, 'como relativo a todas'as
outras suas maquinações , não apre
nentárão logo todo o veneno da sua
doutrina ‹, pois que assim terião-no
primeiro intro'ito afastado os seus=le_i- ›
, v . 4,
-_Oontentârão~se por então com es
Ea-lhanihum grandissimo desprezo so*
re a legislação criminal, que wião
'estar' ' oralmente em vigor na Enro
a , pintando-a como incoherente, in
sman'a, e sanguinaria'. Deploravão
96
com o tom mais pathetico a sorte do
genero humano , que, em hum Seculo
em que todas as outras Sciencias se
achavão tão profundadas, a. que de
cide da vida , e da honra dos. homens
estivesse ainda na infancia. Todos sa
bem quanto taes invectivas depois de
1770 se hajão repetido em todos os
Reinos. E como parecia que ellas não
tinhão outro finrmais que advogar a
causa da humanidade , produzírão
por tanto o effeito que os Filosofos
se tinhão proposto. Vendo pois estes
que o Mundo estava quasi eralmen
te prevenido contra a legis ação cri
minal datEuropa , passârão a atacar
em particular aquella parte da mes
ma legislação , que tratava dos de
lictos d”Estado , caracterizando com o
nome de méras opiniões politicas
aquelles discursos, e aquelles meneios
tendentes â subversão dos respectivos
Governos existentes r, que d"antes se
tinhão sempre posto na classe dos de
lictos de Lesa Magestade , e com ra
zão , pois que quando este delicto es
tá de todo consummado, já não ha meio
de o punir.
n He huma in'ustiça (diz o author
,, do Systema šocial) castigar hum
,, homem por mêras opiniões ;--.8e ha.
w-a-i
97
cou'za , que meipert'en'pa de direitd
natural `e divino, são os meus pen.
samentos. Todas as Potencias da
terra unidas nunca conseguirâõ
obrigar-.me a pensar aquillo que
eu não quero, a ter por verdadei
ro e evidente aquillo que me pare.
ce falso e absurdo. Se jámais hou- .
ve despotismo insensato, he aquel
le que quer dominar no entendi
,, mento eua razão dos homens. av (1)
Helveci'o repetio quasi o mesmo (2);
mas como foi possivel não ver o en.
gano , por não dizer o absurdo, dess
tes raciocinios? Quando eu tenha o`
direito de pensar o que bem me pa
recer, tenho por ventura tambem odi
reito de o ensinar, de oprofessar pu
blicamente , de' o escrever, de o im..
primir? Hum sedicioso , punido por
ter perturbado com as suas maximas
o publico socego , be` castigado por
méras opiniões? Os meus pensamentos
são propriedade minha sómente enr
quanto /estão internos; nenhum poder
f z
(l) Systême Social. Parte ll, c. 5.
(É) Helvefius, -De l'homme, de se.: _fa‹
culle's intellectuclles , et de san Education ,
1.1., seu. IV. c. 17.
9.8
humano pode ter inspecção nelles. Se
eu os faço depois conhecer por meio
dos discursos, dos escritos, e das ac
ções, desde esse mesmo momento mo
vem a sociedade; e a sociedade pode
preservar-se 'ustamente do damno que
a sua contagião pode'produzir, casti
gando para esse fim aquelles, que os
es alhárão.
sta nova theoria. extravagante, que
converte em meras opiniões politicas
os attentados contra o poder e autho
ridade dos Reinantes , e que em todo
o tempo forão olhados como os mais
odiosos entre os delictos , não se pode
' de modo algum sustentar sem que ao
mesmo tempo se admitta o horrivel
principio , tão exaltado da Filosofia
moderna, de que em todos os Estados
aSoberauia reside intrinsecamente no
corpo da Nação. Verdadeiramente
nem o author do Systema Social, nem
Helvecio , nem os outros escritores,
que forão dos primeiros em espalhar
esta mal entendida jurisprudencia ,
o disserão ; mas , como já observei ,
todos s bem , que os Filosofos não
espalhárao logo ao principio todo o
veneno das suas pestilentes doutrinas.
A' medida pois que elles se hião as
seuh'oreando' da opinião publica , e
99
'que conseguintemente vião que se bia
avizinhando a época do cumprimento
dos seus votos pela destruição do
Throne , abandonárão toda a reserva
atêalli praticada; e sobre o revoltoso `
rinci io da pretendida Soberania do
govo undârão abertamente a sua di.
ta nova theoria , que transformava
em méras opiniões politicas osverda
deiros crimes de Lesa Magestade.
João Paulo Marat , nove annos an.
tes que surdisse a Revolução France
za , na qual por desgraça do enero
humano teve tanta parte , pu licou
hum projecto de Legislação Crimi
nal, que teve subitamente grande vo.
ga , não só na sua Nação, mas tam
bem na Alemanha , e .na Suissa, onde
pela primeira vez foi impresso (l).
Depois de na primeira parte desta
Obra , com o pretexto de estabelecer
os principios de huma boa Legisla
šão , se ter abandonado ás mais ve
ementes invectivas contra todas as
Monarquias da Europa , e de modo
que demostrava. que não contava ne
nhuma entre os Governos legítimos,
(l) Plan de Législation crimir'telle , porV
M. Mam. Neuehatä. 1780. f
, z q
100
,passou no 'rincipio da segunda para
te a expen er mais claramente .o seu
modo de pensar -sobre este ponto ,
dizendo expressamente quev pela pa
lavra Soberano entendia unicamente
aNação unida emvcorpo, e por meio
dos seus Representantes. Estabelecido
este sedicioso principio, o qual, como
todos vêem, he o_mesmo do Contrato
Social de Rousseau , entra Marat a.
fallar dos crimes de Estado , os quaes
divide em duas classes , isto he , em
falsos , e verdadeiros. Na primeira
classe põe todos os attentados contra
os Principes , e na segunda os que
se commettem .contra o Estado. Mas
he bem oouçamos a elle mesmo, pois
que o absurdo das razões , com que
pretende sustentar esta nova jurispru..
dencia , se descobre logo por si mes
mo sem necessidade de refutação al
guma. _ ~
v7 De se considerarem aquelles que
tem as redeas do Governo (diz elle)
como absolutos senhores dos Po
,, vos , .quantos crimes de Estado se
,, tem introduzido, que não tem por
objecto o Estado 1 Nem podia ser
,, de outro modo; homens que querião'
,, destruir a liberdade ,. temião tudo
,, aquillo que a podia manter ; d”a-`
\
101?
',, qui, para sedescartarem daquel
,, les que tinhão'o1 valor de se oppo.
,, remy a tão negro attentad'o , preci»
,, savão achallos culpados , e em bre
,, ve fizerão do amor da patria hum
,, crime. Destruida a liberdade, te
,, mèrão tudo aquillo que podia ael
,, la revocar os animos; e. por isso cri
,, írão em'crimes orecusar obedecer
,, s suas ordens injustas, o reclamaa`
,, os direitos 'do homem , o lastimar
,, os infelices opprimidos. Chega-dos
,, ao ponto de não- contarem porlEs~
,, tado senão as suas pessoas, qualifi
cârão delicto tudo aquillo que lhes
fazia sombra ; e cavon al tyrannia
abysmos debaixo dos pés dosCida.
dãos. 'Assim que o Principe se achou
,senhor do poder supremo , prodiga
lizârão-lhe os aduladores os titulos
mais pomposos, e, entre outros,ode
Sagrada Ma estade, eerigírão'emcrimes de lgaesa Magestade tudo
,, aquillo que lhe .clesagradava.,,
Supprimo-«aqui algumas outras pas
Sagens mais incendiarias 'contra as
pessoas dos Monarcasa, e continúo a
referir os raciocinios de Marat, rela-I
tivos aestes pretendidos falsos crimesdiEstado. . r i
“Nada >ha Ímais repugnante (dia
“uuuvvv-v
v.,`.`.`._.`.u`.
102
7,
1,
H
.U
37
77
,I
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n
sa
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,,
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,,
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n
n
n
l,
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},
A elle) que as falsas idéas , que Le.
gistas assalariados tem dado dos
crimes d'Estado: tem elles com
prehendido debaixo diesta denomi
nação tudo aquillo que se faz con
tra o Principe, tendo ara esse fim
dividido os crimes de esa Mages
tade em differentes classes. '
,, Deixando ao Principe o titulo. de
Magestade, todos os crimes que se
commettcm contra elle são com ef
feito crimes de Lesa Ma estade;
mas estes crimes de Lesa agesta
de não são crimes diEstado. Pelo
contrario restituindo-se ao Sobera.
no o titulo de Magestade (e por
esta palavra entendo sempre ,
accrescenta elle em nota, a. Nação)
restituindmse ao Soberano , alias
ao Povo , o titulo de Magesta.
de , que só a elle pertence , he
claro que todos os crimes de Lesa
Magestade são verdadeiros crimes
d”Estado ; mas então os crimes
contra o Principe já não são cri
mes de Lesa Majestade ,, (l).
E como sc com todas estas passa
(l) Plan de Législation criminelle í);
Mural. `Edil. de Paris chez Rocheue, 1790
Seconds partia, l sect., chap. l. pag. 41 eis.
103
gens tão atrevidas ellev não tivesse
exprimido assãs claramente oseu mo
do de pensar , e para que ninguem
podesse duvidar que inteiramente se
devi'ão desterrar da Jurisprudencia
Criminal os delictos de Lesa Magesta~
de no sentido em que sempre até alli
se tinhão entendido , passou Marat
depois a applicar a sua'nova theoriszI
aos casos particulares.
Em primeiro lugar, diz elle que os
escritos contra o Principe , bem lon-`
e de serem olhados 'como delictos de
sa Magestades, devem pelo contra.
rio ser permittidos e animados (1).
Diz que n°esta classe igualmente se
não devem comprehender nem as re
clamações contra o Principe , nem a
resistencia ás suas ordens injustas (2).
-Vai ainda por diante , e diz que
nem tão pouco os attentados contra
a... .Mas aqui me cabe da mão a.
penna dc horror.
Deixemos no esquecimento que me
rece este novo projecto de Legislação
criminal, formado por' hum dos mais
(l) Murat , ubi supra. Ediç. de Paris,
pag. 43. '
(2) Marat, ubi supra, pag. 45.
Min-¡- k..~``._ _M...
104
atrozes revolucionaríos que a França .
teve: nem eu ousâra fallar d'elle, se» 1
não víra esta extravagante theoria ,
que converteo em méras opiniões po.
liticas os mais odiososdelictos de Lesa. ;
Magestade, incluida nas pretendidas i
ideas liberaes , que, como ao princi- 1
pio dissemos , andão agora em tanta !
voga no Mundo. E com effeito ', se- 1
gundo os fautores dlessas idéas,›todos i
aquelles que ha vinte annos'¿a. esta
parte tem com as suas maquinações e .
tramas contribuído tanto para a que
da dos respectivos legítimos Sobera
nos não são réos senão demeras opi
niões ! Ora , todos -conhecem muito
bem , como eu ha pouco dizia , que
não se pode admittir tão grande ab
surdo , sem que ao mesmo tempo se
admitta ohorrivel principio de Rous
seau, de Marat,‹e de todos os outros
Filosoƒos modernos ., que a Sobe
rania em todo e qualquerEstado re
side de direito' no corpo da Nação ,
e que os Reis não são mais` que Mi
nistros e primeiros .Magistrad95. do .
Povo. Restitua-se porém o verdadei
ro nome'ás couzas, e , no rigor "das
antigas leis penaessobre ocrime de
rebellião,'temão os entranhaveis íni
migos da suprema authoridade dos
E A . .1 E - A,4__.‹A
105
Principcs, assim como da boa ordem
publica , temão , digo, haverem de
ficar sujeitos ás penas das menciona
das leis antigas, toda avezfque tive.
rem a tentação de se entregarem de
novo aquelles discursos, âquellas cor
respondencias , âquellcs conluios ,
áquellas tramas , que nestes tempos
atrás impunemente praticârão, e que
tão fataes tem`sido ao Mundo.
Mas prosigamos em decobrir e pôr
no seu verdadeiro monstruoso aspecto
todos os outros extravios, que os fan.
tores das idéas liberaes desejão, com
este especioso nome , fazer de novo
dominar no Mundo. Os Filosofos do
decimo-oitavo seculo , antes de pôrem
descobertamente em pratica a conju
ração contra o Throno , da qual até
agora temos fallado , trabalharão á
cerca da outra que tinha por alvo a
subversão do Altar , persuadidos de
que, em quanto os antigos sentimen
tos relifl'iosos continuassem a reinar
no espirito dos homens, e conseguin
temente se continuasse a olhar como
hum positivo dever de Religião e de
consciencia a submissão aos Monarcas
da Terra, jâmais ellos poderião con
seguir ocnmprimento do seu ssdicioso
intuito. E infelizmente se não enga
106
nârão no modo que devião seguir pa.
ra effectuarem a sua mencionada cons.
piração anti-religiosa. Foi este meio
o prégarem a tolerância, ou por ou.
tros termos a total indifferença em
materia de Religião. Esta. doutrina
da tolerancia indefinita ainda não se
riscou da mente dos homens , apezar
de se terem visto os amargos fructos
que tem produzido. He huma das mui
tas maximas que se põem no numero
das idéas liberaes; e por isso he bem
que eu passe a fallar d”esta em huma
Obra, que se dirige a preservar o
Mundo da contagião d'estcs novos fan.
tores dos erros e das publicas cala
midades.
Ú___-___.
o
107
CAPITULO IV.
Da Tolerancia.
An'rleo I.
O systema da Toleraneia , tão gabado
dos pretendidos Filosoƒos do Seculo
decimo oitavo , eque agora se repro
duz e se põe no numero das Idéas
liberaes, não he mais que huma cul.
pavel indifferenpa em materia de Re
ligiãa.
DEos não pode approvar cultos
que mutuamente se destroem : a jus.
tiça e a injustiça, a luz e as trevas ,
a fé e a incredulidade não podem li
gar-se entre si. Huma Religião que
tolera todas as outras , não he hum
Culto , he a destruição de todos os
Cultos; porque a indifferença para.
com todos os Cultos contradiz aber
tamente a idéa de hum'Deos sabio,
108
unico, e verdadeiro; porque suppõ'e
rio/homem hum formal desprezo da
verdade , e indolencia em se instruir
d”ella , incompatível com oque sedeve a Deos.- H' Y - -'
A Religião Catholica, A ostolica,
e Romana .he*incontestaive mente a
unica boa , a unica segura , a unica
verdadeira. He esta huma verdade
que os Apologistas tem provado com
huma serie de deducçõ'es tão luminosas
e convincentes , que dellas tem con
cluido como. legítimo corollario não
havermeio termo entre o Catholicis
mo =e zo Atheismo.` Ora qualquer que
rofessa huma tal Religião , e está.
persuadidoda sua verdade , deve ser
apaixonadamente. afferradp a ella ,A e
conseguintemente não pode deixar de
olhar todos os outros Cultos como ou
tros tantos ultrages feitos â Divinda
defl~Não pode ter aquella indiffieren
ça- para; com todas as Religiões,À que
os Filosofos quererião ver geralmen
te'estabelccida, pois que conviria que
abjurasse a sua; cumpriria que fosse
falsario' e mentlirosm; 'e com .effeito
não depende de.I hósí olhar como falso
o que he verdadeiro., duvidar .quando
estamos convencidos 9' considerar .a
verdade eo erro' como,.cousas.indif¬
109
ferentes. Os Hebreos', como reflecte
muito bem a este proposito hum im
pugnador do moderno filosofismo, sem
pre seguirão as mesmas maximas que
os Catholicos no ponto da Tolerancia ,
pois que , assim como estes agora, pos
suírão elles por tempos o deposito
precioso da verdade , que he huma ,
santa, zelosa, e que não se pode unir
âmentira (1). t '
A intolerancía dos Catholicos, lón
ge por tanto de merecer todas as vio
lentas diatribes com que tem sido atacada pelos Filosofos , he tambem hu-i
ma fortissima prova da verdade da
nossa Religião. OI erro pode tolerar
o erro ; mas quem teve a ventura de
conhecer a verdade , não pode deixar
de amalla, e de lhe ser muito affer
rado. 1
Quem com effeito não he de todo hos
pede na Historia , sabeI que esta into
lerancia dos Catholicos foi hum dos
principaes motivos que induzírão Hen
rique IV a abjurar oCalvinismo. To
das as .razões politicas e interesses
particulares suggerião a este Princi
(l) La vraie Fhilosophie, par le P. Elie
Hard. Paris, 1783. pag. HG. '
110
pe que passasse ao partido dos Ca
tholicos, pois que a sua adhesão aos
Protestantes era a unica couza ue
nclle desagradava ao geral da a
ção; mas elle , que 'por desgraça ti
nha sido creado no erro , não o quiz
fazer , porque ainda não estava des
enganado. Se elle fora indifferente
em materia de AReligião , ter-se-hia
feito Catholico depois da morte de
Henrique III , pois que dando este
passo vinha a remover todos os obs
taculos, sabendo muito bem que asua
adhesão ao Calvinismo era , como já
disse, o unico defeito que a Nação
aborrecia na sua pessoa ; não se de
terminou porém a tomar similhante
partido senão no fim de quatro an
1103 , que he 0 mesmo que dizer
quando, depois de já ter atterrado a
Liga e triunfado de todos os seus ini
migos , lhe não podia já a coroa ser
disputada pela força das armas. As
circumstancias em que Henrique se
converteo , e. ocuidado que tanto tem
po empregou para conhecer em qual
das duas Religiões, que então reina
vão em França , residia realmente a.
verdade, attestão pois, torno a dizer,
que elle não era indifferente em ma
teria de Religião. Ora, entre as ou
.mll
Ill
tras muitas razões que o determina.
rão , huma dellas foi esta intoleran.
cia dos Catholicos tão desacreditada`pelos Filosofos.l Tinha elle sabido do
seu amigo Sully, que cinco dos mais
acreditados Ministros da Reforma
plenamente convinhão no seu pro'e
cto de conversão, concordando to os
elles livremente que tambem na Re
ligião Catholica se podia chegar á
eterna salvação. Alguns outros Minis
tros attestárão directamente a Henri
que a mesma couza , como refere o
outo Arcebispo de París, que escre
veo a sua vida. ,,Hum historiador
,, (dia elle) refere que tendo o Rei
,, mandado fazer na sua presença
,, huma conferencia entre al uns Dou
,, tores de huma e outra greja , e
,, vendo que hn'm Ministro convinha
,, que podia salvar-se tambem na Re.
,, ligião Cathol-ica, levantou S. M. a
voz , e disse ao mesmo Ministro:
-Sois vós pois de parecerque se
pode chegar âzeterna bemaventu
rança tambem na Religião destlon
tros Senhores 2-- O Ministro respondeo,,que nada dlisso duvidava, com
tanto que se vivesse bem. Então o
Rei replicou mui judiciosamente:
-Pede pois ea prudencia que eu
“uøvuvuuuviuvuwvgu
112
,, seja da sua Reli ião , e não da.
,, vossa ; pois que a raça'ndo a sua ,
,, eu me salvo segundo elles dizem , e
,, segundo vós dizeis ; ao passo que
,", continuando a estar na vossa , eu
,, sim me salvo segundo vós dizeis,
,, mas não segundo elles dizem (1)”.
Este raciocinio , que tanto contri‹
buio para dispor Henrique a favor
da Religião Catholica,l he com effei
to assâs concludente; e em vão Rous
seau, no seu livro do Contrato So
cial , procurou debilitallo, dizendo,
com aquelle tom de oraculo, que lhe
era tão familiar , que a razão pela
qual se diz que Henrique IV abra.
çára a Religião Romana , devera tam..
bem fazella abandonar de qualquer
homem próbo , e sobre tudo de qual
quer Principe que discorra. Clara.
mente se ve que o Cidadão de Gene.
bra allude nleste lugar á doutrina ex.
clusiva dos Catholicos contra a qual
se tinha desenfreado tanto .na mesma.l
Obra , a ponto de dizer que se de
vem tolerar todas as Religiões, excepto
aquella que se atreve a dizer: Que
fóra da Igreja não ha salvação.
- (1) Vie de Henri IV par Monseig. de
Pero/irc, Archeve'que de París.
1-13
Locke , muito antes de Rousseau,
tinha sustentado o mesmo no seu Chris
tianismo raciomwel , e mais diffusa
mente ainda na sua Carta sobre a To
lerancia. Durante a sua estada em
Hollanda , aonde se retirou em com.
panhia do seu protector o Conde de
Shaftesbury , que tinha incorrido na
desgraça da Corte , contrahio gran.
de familiaridade com Leclerc , Lim
borch, e outros muitos doutos d°aquelle
paiz, huns d”elles Socinianos, outros
Ariminianos , os quaes então traba.
lhavão de acordo por introduzir huma
illimitada tolerancia entre as diffe
rentes Communhões do Christianismo
antigas e modernas, e por fazer que
todos aquelles que tinhão os nomes
de Cristãos, não só vivessem em paz
huns com os outros , mas tambem se
considerassem todos estarem na estra
da da salvação ,' qualquer que fosse
a diversidade e existisse nos do
guias, de que grão profissão.
Segundo estes principios, tão repe.
tidos nas duas apontadas Obras de
Locke., nem Sabelio quando confun
dio as tres Pessoas da Trindade, nem
0! Triteistas quando dividião em tres
a natureza e a essencia de Deos, nem
Mio e MacedonioH quando poserão
114
no numero de creatu ras hum o Filho
de Deos , e o outro o Espirito Santo ,
nenhum sem summa injustiça podia
ser separado da Communhão da Igre
ja; todos ellescaminbárão pela estra
da da salvação ; e ainda hoje se po
derião crer asmesmas cousas que crêi
'são aquelles heresiarcas, sem temor al
um de fazer naufragio na Fé. Nãotgraternizão com effeito os Calv'mjst-as
com os Lntheranos , ainda que estes
tenhão conservado oy dogma da pre
`sença real, que os primeiros conside
rão como huma idolatria dos Catho
licos? Sómente estes ultimos , olhados
A'corno pessoas essencialmente intole
rantes, erão exclusidos no systema de
Locke do beneficio desta universal fras
'ternidade , de modo que claramen
te se ve que Rousseau, na passagem
ha uco indicada, não fez mais que
copiar o Filosofo Inglez, como os
sectarios das ,ideasigliberaes copião
actualmente hum e utro , pré ars
'do-nos de novo a doutrina da ole
á=raneia.
A Igreja Romana he realmente in
tolerante ; mas esta intolerancia que
os Filosofos , de acordo com os Hete
rodoxos , tão agramente reprovão,
nãohe outra cousa mais que a sua
115
fidelidide , a sua firmeza em con.
servar em toda a sua pureza o sagra
do deposito da Divina verdade, que
ella está encarregada de ensinar , e
' de transmittir/de geração em geração
até o fim dos Seculos, do mesmo mo
' do que lhe foi pelo seu Divino Mes
'z tre confiado. Ella não soffreria que
nelle se fizesse a minima alteração.
Todo o erro , huma vez que offenda
temerariarnente as maximas da sua.
crença , deve ser rejeitado do seu
seio. Esta inflexibilidade de sentimen
to tem a. sua. origem na infallibilida-`
de, que ella faz profissão de susteni tar , como hum dos pontos fundamen
fl taes da. sua doutrina. Crera que os
renunciava, se depois de ter pronun
ciado sobre qualquer dogma , couti
nuasse a admittir á sua communhão
aquelles, que se fizessem refractarios
e rebeldes ás suas decisões. Se podes
se dissimular e trahir huma unica das
verdades do seu Symbolo, cessaria de
ser huma depositaria fiel, e a Bali.
gião que ella ensina não sería já con
siderada como huma Religião* essen'.
cialmente verdadeira , cujos dogmas
e cujos preceitos dimauavãso da Au- `
tboridade Divina. A \
Eis aqui em que sentido a Igreja
2
116
Romana he e deve ser necessariam-en.
te intolerante; sem que por outra. par
-te possa por isto merecer a nota de
ser perseguidora. =Esta calumnia , que
`tanto resôa a cada pa ina das obras
tenebrosas dos preten idos Filosofos
do décimo-oitavo Seculo, e que elles
-tomárão do famoso Commentario fi
losofico de Bayle , não tem outro fun
damento mais que a confusão , mali
ciosamente feita por este fantasioso
escritor , da Tolerancia theologica
com a Tolerância civil, a qual he
sem duvida outra cousa.
Debaixo desta ultima denominação
se entende a liberdade concedida pelo
-Governo aos que se uem differentes
.Cultos , fóra da Re igião dominante
do Estado , de se uirem os ritos e adisciplina'dlella, eensinarem os seus
dogmas nas suas assembléas, ede pro
fessarem mais ou menos publicamente
'o seu exercicio. E para fallar em
concreto dos nossos rEstados Catholi
cos da Europa, esta denominação de
tolerancia civilzdesigna a permissão,
que, segundo as convenções, os tra
Vtados , as leis , tem os sectarios do
Lutheranismo, do Calvinismo , eIdas
outras Seitas heterodoxas introduzido ,
depois da .pretendida reforma do Se
117
culo decimo-sexto , de professarem o»
seu exercicio de hum modo mais ou
menos extenso, mais ou menos limi
tado. Mas ou conceda hum Soberano
Catholico aos Heterodoxos esta tole
rancia ,' ou lha negue , o que ainda
he melhor , quando se possa fazer
sem comprometter a segurançaV , e a
tranquillidade do Estado ,z he fóra de
toda a duvida que similhante toleran
cia nada tem com a tolerancia theo
logica , que he a que interessa aos
Filosofos estender, e radicar na opi
nião dos homens. EsteÀ genero. de t0- .
lerancia , como temos mostrado em to
do o decurso do presente artigo , se
reduz em ultimaanalyse a huma in
ditferença total para com todos os
cultos :V erro abominavel , e que não
pode sobejamente ser. detestado por
hum Catholico; pois que não só o
levaria a abjurar a sua Religião,
mas. terminaria fazendo-o cahir nas
trevas e nos erros do Atheismo, como
no artigo seguinte mostrarei._
118
s
*I
An'rmo II.
A indifferença em materia do Religião a
conduz necessariamente ao Atheismo. l
Fatal influencia, que hum tal systems
tem por sua natureza na Sociedade.
Voltaire, que os Filosofos do Secu
lo decimo oitavo olhão com razão
como o fundador e Patriarca da sua
seita , escolheo para atacar a Religião
hum methodo , cujas pizadas Bayle
lhe havia apontado ; que foi, espar
ir hum ar de indiffercnça sobre to
das as verdades, que formão o objecto
da crença dos Christãos. Desde os
primeiros momentos em que entrou
na carreira litteraria, logo deixou en
trever este systema , do qual nunca
deixou de fazer o uso mais funesto
em todo o decurso da sua longa vida.
AHenriade (ou Henriqueida), que he
exactamente huma das suas primeiras
producçõ'es , he huma prova d'isto;
pois que se bem á primeira vista pa
rece este Poema consagrado â victo
ria da Fé sobre o erro , sem embar
ll,
go d'í'sso, considerando-o bem, se ve
que elle tinha.- por objecto espalhar
a doutrina da indifferença total em
materia de Religião. Tal he com ef'
feito o caracter que Voltaire constam
temente dá ao seu Hei-oe; e a authoó
risar esta doutrina. se dirige a maior
parte dos discursos que lhe põe na
boca. Deste modo, prestando o Poeta
a Henrique o seu proprio modo de
pensar, persuade os leitores de quees
se era effectivamente o do grande Rei.E dlaqui se formou a opinião , quasi
geral , de que Henrique não tinha
mudado de Religião senão por inte
resse e por politica , e que da sua
conversão lhe não fioára mais que hu.
ma absoluta. indifferença para com
todos os Cultos. ~
Antes de Voltaire publicar o dito
seu Poema da Henriade, communicou
o manuscrito a João Baptista Bons?
sean. Este célebre Lyri-oo facilmeli.~
te percebeu a contradicçäo que ha'
via entre o objecto do Poema , e o
espirito que o dictâra: aconselhou
por tanto o author que supprimisz
se as frequentes invectivas» contra a
Igreja Romana , contra os Papas ,
contra os Frade: , e em geral contra
todas as intitniçõea do Catholieismo.,
120
fazendo-lhe ver que hum Poema
Epico não deve ser tratado como hu
ma Satyra. Porém o projecto, que
Voltaire havia concebido, de mudar o
espírito religioso da sua nação, não
lhe permittio render-se a estes conse
lhos dietados pela razão, e pelo bom
gosto. Sahio a obra á luz como tinha
sido imaginada; e o bom Henrique,
a quem nunca lembrou dogmatizar,
mostrou-se aos olhos do publico em
ar de hum dissertador, que solta pom
'lposamente sentenças filosoficas , sem
he importar se ellas convem ou não
ao seu caracter , e á pessoa que de
ve representar.
Quando, no primeiro Canto, Hen
rique aporta â Ilha de Jersey , e se
apresenta ao Solitario da mesma Ilha,
lhe diz :
,, Hélás! Un dieu :i bon, qui de l'homm:
est le maitre,
En eut e'té servi, s'il :wait voulu l'êire. ,,`
,, Ah ! Hum Deos tão bom , qu' he se
nhor do homem,
D'elle fôra servido , se quizera» ,,
› Qual' he o fito desta máxima , que
o Poeta põe na boca do seu Heroe?
He evidentemente o fazer todos os
homens indifferentes sobre o artigo da
121
Religião , lançando a culpa do mes
mo Deos a causa dos seus erros.
Mas este dogma característico do
moderno Filosofismo ainda torna a.
apparecer de hum modo mais repu
nante no segundo Canto , no qual
enrique , fallando com a Rainha.
Isabel, lhe diz:
Je ne décide point entre Geneve et Rome.
,, Entre Roma e Genebra não decido. ,,
E não decide elle realmente com o
facto , combatendo pelo partido de
Genebra , contra a Religião de Ro
ma, e implorando o soccorro de Isabel
para fazer triunfar o primeiro sobre
as ruínas da outra .P Convinha por
outra parte a Henrique , Chefe de
hum destes dois partidos, lançarigual
mente sobre ambos elles os horrores
das guerras civis ? Em fim , se elle
não via a verdade mais em huma que
na outra Religião, porque não abra
çOu lo o aquella que lhe abria a es
trada ão throno , e cuja profissão te
ria feito cessar huma guerra sangui
nosa com os seus proprios subditos?
Vê-se pois que ocaracter, que Vol-y
taire dá aHenrique IV , ara\otrans.
fOrmar em. hum Filoso o do Seculo
122
decimo oitavo , não só he contra as
condiçô'es e regras da Epopéa , a qual
exige que se fação fallar os Heroes
conforme o caracter das pessoas que
representão, mas tambem os senti
mentos de humanidade que formavão
particularmente o caracter de Henri.
que. Se este Principe fôra de todo
indifferente em materia de Religião,
devia logo ao principio da Liga fa
zer-se Catholico, como já disse no ar
ti o precedente; pois que elle bem
sa ía, que não era a sua essoa que
desagradava 'ao geral da ação, mas
sim unicamente a sua crença. Devia
procurar poupar aos seus subditos os
orrores da guerra civil , adoptando
a antiga Religião do Reino. Esta
mudança, que , segundo o Cantor da
Henriade, era indifferente ao seu He
roe relativamente á consciencia, não
o podia ser ao seu coração. A huma
nidade e o patriotismo de Henrique,
unidos aos seuspartieulares interes
ses, e â felicidade dos povos sobre que
era chamado a reinar, não o devião
deixar hum só instante em duvida so.
bre o partido que lhe convinha to
mar; de outra sorte sería insensato o.y
seu procedimento , eaté atroz, fazem.
do aguerra aos seus subditos por hum
123
culto , em que elle não cria. E entre
tanto unicamente sobre o desprezo de
todas estas considerações he que se
tem estabelecido a opinião da sua
pretendida indifferença em materia,
de Religião.
Depois de ter publicado a Henriade
fez Voltaire huma viagem aInglater
ra. Condorcet, seu discípulo mimoso ,
e que foi tambem o compilador da
sua vida , refere que na Sociedadedos Livres Pensadores dla nella Ilha.
concebeo elle o projecto e destruir
todas as preoccupaçõ'es , de que era
escravo o seu paiz natal. Por preoc
cupações já ao principio eu disse que
se devia na nova linguagem filosofica.
entender tudo aquillo, que aexperien
cia. dos Seculos havia consagrado pa
ra manter os povos na pratica dos
seus differentes deveres, e principal
mente depois tudo aquillo , que a Fé
propõe mais respeitavel á crença dos
Christãos. E com effeito , rcgressado
que foi Voltaire da Inglaterra , an
ciava pôr em execução o seu indica
do pro'ecto. Mas ou fosse que os ou
vidos os seus concidadãos ainda não
estivessem dispostos a receber aberta
mente positivas impiedades , ou que
elle temesse os procedimentos dos
-124
Magistrados, os quaes ainda-naquel
le tempo não tinhão affrouxado o
rigor das antigas leis concernentes á;
censura dos livros , continuou ainda
algum tempo a usar de contempla.
ções; contentando-se, como fizera an
teriormente na Henriade, com di'ffun
dir o indifferentismo. A Zaíra he a
producção , que elle principalmente
escolheo para este fim. Infinitas são com
effeito as passagens que nesta Traše~
dia, ainda hoje mesmo representa a,
e tão applaudida, se encontrão diri
gidas todas a inspirar esta perfeita
indifferença de todos os Cultos.
' Eis aqui como a Heroina do Dra
ma se exprime sobre este ponto logo
na primeira scena :
Je le vois trop , les soins qu'øn prend de
nótre enfance
Forment nos sentimens , nos mwurs, notre
croyance.
J'cusse été près du Gange, esclave desfaur
Dieux ,
Chrétienne dans Paris, Musulmane en ces
lieux.
L'instruclion fait tout , et Ia main de nos
pères
Grave en nos lfaibles cwurs ces prémiers
caracteres,
Que l'eremple et Ie tems nous vicnnem re.
trøcer , '
125'
Et que peutêlre en nous Dieu seu] peu!
ez'facer.
,, Bem vejo, u educação da nossa infancia
Nos forma opiniões, costumes , crença.
No Ganges fôra d'ldolos escrava ,
Fôra em París Christã, como aqui Moura.
Faz tudo o ensino, e em nosso tenro peito
Grava a paterna mão taes caracteres,
Que nos vem avivar oexemplo , e o tem
Po r
E que em nós talvez só Deos riscar pode. ,,
Não ha duvida que as instrucções
da infancia inspirão as maximas do
Culto que reina no lugar onde cada
hum nasce ; demais, ,todos os objectos ,
que cereão o homem no decurso da
sua educação, tendem a confirmallo
nas mesmas maximas , que por isso
se pode dizer que são quasi bebidas
com o leite ; mas pregoar no theatro
similhante doutrina , erigilla em má
xima em hum lugar , onde não he
possivel fazer séria discussão , apre
sentar de hum modo vago , e sem'o
mais pequeno correctivo este mesmo
principio, que he susceptivel de hum
sentido assaz perverso , não era acaso.
offerecer aos espectadores ideas peri
gosas , das quaes ,estão sempre assaz
propensos a abusar? Não era espalhar
126
dúvidas sobre a verdade da. sua Reli
gião , fazendo-lhes crer que não são
Christãos senão por prejuizo da edu
cação, e em ultima analyse persua
dir-lhes que os differentes cultos que
ha no Mundo , são em si mesmos de
todo indifferentes?
\ Voltaire, nlesta sua tão famosa Tra.
gedia , tende igualmente a inspirar
indifferença para com todas as Reli
iõ'es, quando em outra scena põe na.
šoca de Zaíra a seguinte exprobação
contra o mesmo Deos:
Eh .' porqvoi mon amam n`est il pas ne'
pour lui?
Orosmcme est il fait pour être sa victime _?
,, Ah! por que o amante meu lhe não
pertence? ,
He para ser sua victirna Orosmano? ,,
Com estes dois versos dá o Poeta
a conhecer aos espectadores , que to
das as Religiões são totalmente in
differentes , com tanto que seja hum
homem virtuoso , como elle tanto ha
via estudado pintar o amante de Zaí
:ra ; mas ainda se exprime sobre este
objecto mais claramente nos outros
dois versos seguintes , com os quaes
acha. Zaíra que o titulo de Christie
127
nada accrescentaria mais ao mérito
de Orosmano , e que lhe devem bas
tar as suas virtudes.
Ge'ne'reux, bienƒaisant, justa, plein de ver/us.
S'il étail né Chrétz'en, que serait il de plus .9
,, Liberal, bemfeitor, e virtuoso ,
Se nascem Christão, que mais tivera? ,,
Estas passagens irreligiosas espa
lhadas pela Tragedia Zaíra , assim
como na Henrimde , e em outras que
taes producções , não tinhão outro
objecto mais que tactear , por assim
dizer, o gosto do publico , e prepa
ratto a acolher favoravelmente ouovo
genero de Filosofia, que Voltaire se
havia proposto introduzir na sua na
ção. As circunstancias the forão fa
voraveis ; pois ue a corrupção dos
costumes que , pois da morte de
Luiz XIV. , da Corte do Regente se
introduz'i'o nas grandes sociedades ,
promettia huma segura e facil adim..
são á nova maneira de pensar em ma.
teria. de Religião , que , como se
disse , Voltaire se havia proposto ge.
neralizar entre os seus compatriotas;
assim, deixando todos os ti ruídos res
peitos , que eontinou ainda. a obser
var por. algum tempo depois da sua
volta de Inglaterra, tirou a máscara
128
\
de todo , e começou a atacar directa
mente a Religião de seus pais.
Nelle tomou a irreligião hum cara
cter de odio, e de furor, que não ‹:o
nheceo limite algum , e sustentou este
seu novo papel com huma pertinacia,
que nada pôde affrouxar. Nada com
effeito escapou â sua critica atrevi
da ; o Deposito da Revela ão , osDo mas os Ministros, os Msilagres,
as rofecxas, a Tradição, a Lithur
gia , em summa, tudo aquillo que até
então fora objecto da publica vene
ração , ficou sujeito aos seus sacri
legos sarcasmos. O seus numerososdiscípulos o auxiliârão tambem Vad
miravelmente neste execravel proje.
cto de desterrar da terra o Christia
nismo , e estabelecer sobre as suas
_ruinas o Deismo: assim, quando nos
passadosSeculos apenas se achavão
alguns incredulos entre os libertinos ,
ou entre alguns homens de letras ni
miamente orgulhosos do seu saber;
pelo meado do Seculo passado de tal
modo se tinhão multiplicado em todos
os Estados e em todas as classes da
Sociedade , que mais de huma pes
soa disse , que a incredulidade era a.
grande heresia do 'décimo oitavo Se
culo. Mas não continuarão os Filo
129
sofos por muito tempo a prêgal' o
Deismo ; bem depressa lhe substitui.
rão o Materialismo. v
Esta he a terrivel progressão que
ha tido , e em assazI breve espaço de
tempo , o systems daquella total in.
differença em _materia de Religião
tão gabada do Filosofismo do decimo
oitavo seculo debaixol do especioso e
illusorio nome de Tolerancia. O pré.
gar por tanto a Tolerancia he o mesmo
que pregar o Atheismo, visto que ella
aeste necessariamente conduz; e o pré
gar o Atheismo h'e o mesmo que pregar
a destruição dos fundamentos da Moral,
das virtudes , dos deveres do homem,
e de todos os vínculos da sociedade.
He verdade que o author do Sys
tema da Natureza, que no Seculo pas.
sado foi o mais atrevido pregoeiro do
Atheismo , asseverou com toda a af
fouteza, que' não he a Religião, mas
sim as Leis , quem sustenta a Socie
dade. Helvecio, e outros muitos dis
serão o mesmo ; porém esta opinião
ha dois mil annos já que se acha re
futada até pelos Poetas , sendo sabida,
ãamlmente a seguinte passagem de
oracio (l). I .
(1) ode xxiv. sí, as.
13'0
Quid leges sine moribus
Vime prlyíciunt .9
,,l)e que servem as leis sem bons costumes P”
f v Não ignoro que os escritores acima
citados tambem elogião muitissimo
`a Moral, e apontão os seus preceitos;
mas tambem sei que, se tem havido
no mundo contradicção e extrava an
eia , he esta. A moral do Materia ista
he huma palavra totalmente sem sen
tido; he huma couza absolutamente
inintelligivel: “Se eu sou hum ser
-,, puramente material , n (reflecte
muito bem hum escritor, 'que refu.
tou'o livro do Systems da Natureza,)
a: se eu sou hum ser puramente mate.
rial, se o meu procedimento, bom
ou mão, virtuoso ou vicioso, util
ou nocivo , he huma coneatenação
de acções igualmente necessarias,
como o são todos os outros movi.`
mentos do Universo ; e em summa
se a todos os respeitos e em todos
os instantes da minha vida eu não
sou mais que huminstrumento pas.v
sivo nas mãos da necessidade , en
tão sou necessariamente aquillo que
,, sou, eque devo ser. O homem hon.
~,, rado e de bem he huma maquina
,, de beneficencia ; o malvado he huma
31
n
'n
:a
:a
a;
n
L”
'n
n
5,
131
¡,' maquina do'crimes ; o homem de'
,, bil e pusilla'nime huma maquina de
remorsos ; o Athêo huma maquina.
,, dezblasfemias; exactamente do mes.
,, mo modo -qnc hum moinho he hu.
,, ma maquina de moer ,' e hum ro.
,, lojo huma maquina para medir q
,, tempo . . . Pergunto eu, (prosegue o
mesmo escritor) se isto são principios
,, sobre que se possa fundar systema.
,, al um de moral? Eu certamente os'
,', ac o mais proprios para fazer. an;
,, dara cabeçaâ roda, do que para:
,, nos estimularem â virtude
Em vão. o Author do Systema da
Natureza , para sustentar que, ainda
que se exclua a Religião, se não ex
clue a' Moral, assevera' que a carrcié
ra da virtude he. inseparavel da nos
sa felicidade. nl'ndicar (diz elle) aoz
,, homem os seus deveres, he indiear
i, lhe os meios que deve pôr em pra..
,4, tica para chegar ao. termo que in.
,, eessantemente se porpõe , que' he a
a, felicidade; Prova! que huma acçãoli, he do seuV dever ', he provar-lhe que
n na Pratica elle o'hrarâ de hum mo
(l) oxions philosophiques sur Ie.
swfêmeiglz Ia~Nature~, por M. Holland.
831,”1773" I 2
132
do conforme aos 'seus verdadeiros
interesses ,e que pelo contra^rio,omit
tiudo-a , diminuirá o numero dos
,, sentimentos agradaveis, que houve
,, ra podido grangear.” (1) Bellas
promessas são estas, hmas frequentis
simamente se achão desmentidas pela
experiencia. Em mil occasiõ'es suc'ce-,
de que o exercicio da virtude , bem
longe de ser acompanhado de felici
dade, comsigo traz os maiores males;
em consequencia do que , se a Moral
não tivesse outros motivos que nos
propor, mais que os interesses desta
vi'da , fora huma bem quimerica sci
eneia (2). Pelo contrario tudo muda
,7
,7
(l) Passagem exit'rahida por Mi'. Hol
land, ubi supra. _
(2) Nada ha com effeito mais quimerico
que a moral dos atheos fundada unicamen
te nos interesses d'esta vida. Como hum tal
systema foi repetido em tantos livros ,
por isso seduzio por algum tempo ainda
alguns homens doutos, os quaes aliàs não
tinhão riscado do seu coração a Religião.
Neste numero se achou o proprio Mr. De
Luc, celebre Professor de Gottinga , que
adiante bei de ter occasiâ'o de nomear, co
mo bum Filosofo que ha feito os maiores
serviços á causa da Religião; mas como não.
133
com a ersuasão de que` em praticar
a virtu e sigo a Vontade de hum De
tinha depravado ocoraçã'o, por isso se des-\
eu anou, inteiramente do seu= erro ; e isto
lh succedeo em consequencia das sabias
reflexões que lhe fe; outro célebre Filoso
fo , o qual tambem havia sido ulluciuado
pelo mesmo fallaz systema.-“Mr. De Luc
,, (diz hum respeitavel escritor que abaixo
, terei tambem occasião de nomear hon
,, rosamente) Mr. De Luc creo por muito
,, tempo nos deveres do homem bebidos
z, em suas affeições , e nas relações natu
,, raes; mas dissuadiofse d'isto` pelas refle‹
›, xões que lhe suggerio a anecdota , que
,, os nossos leitores nos levaráõ a bem lhe
,, refiramos. Estava hum celebre Professor
,, de Filosofia Moral em Edimburgo (o
,, Cavalheiro Pringle , Medico da Rainha
,, d'Inglaterra , e. Presidente da Sociedade
,, Real de Londres antes do Cavalhei
,, ro Banks) conversando com Mr.
,, De Luc; e tendo-lhe este offerecido
,, o Livro intitulado Moral Universal, ou
,, os Deveres do homem fundado na Natu
,, roxa , recusou aquelle ancião a offerta,
n dizendo” :ZFuL por espaço de alguns
annos Proffessor dessa pretendida sciencia;
tinha exhaurido as bibliothecas e a minha
cabeça, paral achar os seus fundamentos;
mas quanto mais procurava persuadir os
meu; discipulos, menos confiança tinha eu
s.
13.4
os,`a.o qual devo tudo , que não que;
senão a minha verdadeira felicidade,
que vê os meus mais occultos pensa
mentos , que desapprova até os simples
desígnios viciosos que›ser~á-o vremune
rado'r infallivel do homem de bem , e
o castigador dos _maos: adoptado o
systema da Religião , 'não duvidohum só instante da natureza dos meus
deveres; op onho então os interesses
da eternida e'aos do momento pre-_
no que lhes ensinava, de maneira que por
fim mudei de vocação, e dei-me outra vez
ä Medicina, queffóra o objecto dos meus
primeiros-estudos. Continuei com tudo `por
'algum fitempo a examinar quanto epparecia
sobre este assumpto , que eu me não 'sen
tira em estado de ensinar com convicção;
mas larguei finalmente mão d'isso, reconhe
cendo bem profundamente que sem huma
sancção. divina immediata das leis moraes,
e sem leis positivas acompanhadas de mo
tivos exactos e 'urgentes , não podem con
vencer-se os `homens de queree devão sujeitar
a nenhum Codigo similhante , nem con
Çordar sobre elle entre si. De então para
cá, não 'leio obmfalguma de More'l , senão
a Biblia, e sempre o faço com prazer no
vo.:Mr. de Bonald, Legislativa: Primiti-`
ve; tom. III, chop , 3., de `I'Edumtàm re¬
,_igimse. ' t
1,315V
sente; a minha consciencia, revestida.`
da authoridade do Ser Supremo, falla
mais imperiosamente ao meu coração ,'
e torna~se a regra de todos os meus
pensamentos , e de todas as minhas
acções, qualquer quexseja o resultado,
feliz ou infeliz , que ellas (possão ter;
assim , vem a Religião a ar a maior
eonsistencia á moral, ou, para melhor
dizer , constitue a sua essencia.
De mais, se os escritores, que de
pois do Seculo passado prégârão com
tanto ardor o materialismo, poderão
á força de declamações, e paralogis
mos persuadir que a Religião he to'
talmente estranha ao bem da socieda
de ; huma tão extravagante theoría
já agora felizmente se não pode apre
sentar , pois que tem contra si a im.
periosa authoridade da experiencia.
ancemos huma. rápida vista sobre os
primeiros principios do grande aronè
tecimentos da Revolução de 1789, e
veremos que fôrão realmfnte hum ef-. .
feito da irreligi'ão. A contemplação
de hum facto visivel, e assaz recente,
fará por certo mais impressão no ani
mo do leitor, do que poderia fazer hu
ma longa repetição de todas as razões
que , começando de Cicero até os nos
sos, ultimos tempos , se tem trazido.4
136
para provar que de lmodo nenhunr
pode subsistir huma. soçiedade de
Athêos.
Í *e
ARTIGO III.
yA Revolução de França de 1789 de
z
ve-se manifestamente attribuir a
‹ 'Irrehgiãm
Em todo o tempo se oppoz aos
Athèos , que o sn' systems quebra
hum dos maiores vínculos da socieda
de , fazendo de todo desapparecer a.
santidade do juramento. Foi o jura
mento quem sustentou por tanto es
paço de tempo as leis de Lycurgo
em Esparta. A santidade dojuramen
to foi tambem muitissimo tempo o_
esteio da Republica Romana, tendo
a salvado dos mais urgentes perigos;mas á medida que o Epicnreismol alli
corrompeo os costumes , destruindo o
temor dos Deoses, nenhum caso se
foi fazendo dos mais sagrados empe
nhos, e foi-se apressando a decaden
eia de Roma..
Ora este mesmo espirito de irreli-A
` 1'37
gião .' que , zombando da santidade
do juramento , tanto contribuído pa
ra a decadencia do antigo poder dos
Romanos , foi tambem a causa dos
terríveis acontecimentos politicos, que
depois de 1789 trouxerão comsigo
a total ruína. da Monarquia Fran¬
ceza.
Quem conhece a historia da obra-_
dita Revolução , sabe que quando ,
pelos fins de Março de 1789 , o ter
ceiro Estado , ao qual incautamente
se tinha concedido o direito da dupla.v
representação, deo o atrevido passo
de se declarar Assembléa Nacional,
recusârão as Guardas Francezas fazer
o serviço costumado, dizendo que se'
tinhão alistado para defender a'
patria , e não para a opprimir. E
quandí, depois da demissão de Ne
ker, opovo correo ás armas, asGuar
das Francezas se unírão ás Compa.
nbias dos Cidadãos amotinados. A
mesma prevaricação commetteo huma
parte do Regimento de Provença , e
por ão do de Ventimiglia. As tropas
de rest tambem. se unirão â Guarda
Civica , e o mesmo fez em Bordeos
arte do Regimento de Champanha.
m summa não ha lugar algum de
duvidar que a Revolução houvera si-_
/
138'
do suffocada em sua mesma origem ,v
se a causa de Luiz XVI. fôra susten-V
tada por aquellas tropas, que ao alis¬
tarem-se haviãojurado defendello até
a ultima gota de seu sangue.
Se pois o espirito de irreligiã'o,
que fez desprezarem as tropas a. san
tidade do juramento , produzio a'Fe-,
volução , â mesma. cansa se devem
manifestamente attribuir todos os er
ros, de que no seu mesmo principio
veio acompanhada, e que nunca ces-,
sárão de a seguir.
Embriagado o povo com o triun¬
fo de haver derribado a Bastilha , e
tendo neste encontro principiado a.
manchar-se de sangue, já se não ali.,
menta que dos mais horriveisespecta
culos, e pede em altos gritos cabeças
illustres. Foulon , Conselheiro d”Esta.
do , he immolado pela multidão , e
acompanhão as mais vivas acclamaçõ'es
o exangue corpo arrastado pelas ruas
da Capital. Berthier de Savigny , seu
genro, e lntendente de París , ho
mem por todos os titulos respeitavel,
participa com elle de igual sorte ; e
quando entre todas as Nações , ainda
as menos polieiadas , os supplicioa:`
dos grandes criminosos compungem
os corações de todos, a morte do dito
‹ 139
virtuoso Magistrado não suspende tão
sanguinario encarniçamento ; dece
pão-lhe a cabeça, que levão em tri
unfo ; arrancão-lhe o coração , que
dividem embocadinbos , e yos entre
lação nos topes ; mutilão todos os
Seus membros , que depoisatê cortão
em pedaços juntamente com os seus
vestidos: ame-sma effervescencia, eos
mesmos horrores se praticavão naquel
le tempo em todas as Províncias do
Reino; de sorte que parecia que o
Povo Francez se tinha em hum ins
tante convertido em huma nação de
Iroquez'es, e de C'annibaes.
Os Gentios convínlião não haver
cousa que podesse civilizar os selva
gens , senão as impressões religiosas;
e -he exactamente pela qualidade de
interprete dos Deoses , que Horacio
(1) loliva Orfêo de ter humanizado
es antropófagos, e de lhes ter inspi
rado hum justo horror aos seus detes
taveis banquetes.
Sylvestres homines racer, interpresque Dem.
num .
Credibus, et victu fmde deternuit Orpheur,
(1) Horacio, Arte Poetica.v.391 e-sya.
HO
`,‹, Ori'eo, sagrado interprete dos Deoses,V
Horrorisou os homens inda brutos
De se. darem¬a morte, _e. se_ tragarem. ,,
Estes estimaveis effeitos de adoçar*V
os costumes dos homens , e de os fa-.
zer menos sanguínarios, tem-se attri.`
buido sobreI tudo ao Christianismo
Qra , depois que os Francezes, adhe
rindo aos escritos dos Filosofos , não
só abandonârão a Religião de seus
pais, mas demais amaís princip-iârão
a ter huma indifferença total”, e até
hum positivo desprezo para com toda
a sorte de Culto , vierão a cahir no
mesmo estado dos selvagens. Os hor
rores até agora mencionados são'disto
huma boa prova; porém forão muitol
maiores .aquelles, a que depois se en
tregou este mesmo Povo tão conheci
do pela sua amenidade , e tomado tão
brutal em hum momento._ As cruelda
des praticadas a 2 de Setembro (de
1792) em París com Ecclesiasticos en
cerrados na Igreja do Carmo fazem
estremecer , e em. tal occasiãepode
se tambem dizer , que os Francezes
se. fizerão antropófagos, poisque até
che ârão algumas mulheres ao exces
so e beberem o sangue, que corria`
daquelles _martyres.
1141
_ Montesquieu disse, que ainda quam
do *a Religião fosse inutil ara o po
vo, não o sería para aque les quees.
tão â testa do Governo dos Estados,
pois que sendo superiores ás Leis,
não podem ter outro freio senão aquel.
le ydo que se‹~chama Rei dos Reis , c
Senhor dos Senhores. Destituidos des
te-freio ,' não são mais que animaes
bravíos; eesta sentença se realizou na
Revolução de França. l
Depois de alli ter sido introduzidaa
Democracia, e mortoo Rei, os Jaco
binos , que desde de 1790 , quando
ela primeira vez se unírão 'em Club,›
Eavião dado tantas provas do seu ca~
racter acerbo e sanguinario, tinhão
se apoderado de toda a authoridade,
e dominavã-o só'por'meio do terror e
do sangue. Para sahirem melhor com
o seu projecto , sob pretexto de se
opporem âs-contraqevoluçõ'es verda.
deiras ou imaginarias, proclamárão o
Governo Revolucionario , que devia
durar até a paz. ~Mas se as crueldades
até agora descritas fazem estremecer,
não tem comparação com aquellas a
que esteve sujeita a França durante
este' reinado de Terrorismo, e confes
so-que Anão tenho cores com que as
pinte. Com effeito , quando eu dis
Piz
sesse , que a França naquelle tempo`
se permittio eouzas, que não praticam`
rião os Iroquezes , e os Cannibaes ;4
quando dissesse , que no espaço de'
erto de dois annos ficon mais asso:
fada do que se Genserico e A°tila,
seguidos de quinhentos mil combaten-I
tes, proporcionados ao' seu furor , a'
tivessem atravessado; quando dissesfi'
se , que em tão breve espaço se reno
vârão não só os horrores' e' as atroci.
dades, em que se vio Roma'envolta
desde os tempos de Sylla até Domif
ciano , mas tambem aquellas que emf
diversos Seculos, e entre diversas na
ções commettêrão os mais odiosos'y
tyrannos ; quando finalmente disses.
se, que Robespierre', que era a alma
dos Jacobinos , reunia em si mesmo
todos os furores que dominârã'o todosos monstros vomitados em diversosV
tempos pelo'inferno, diria mui pou
co e faria huma mui debil` pintura
da `infeliz situação da. França nos
dois annos que durou o sobredito neió
nado do Terror.
E se bem, com a morte deBDloesó'
pierne , eahio o Governo Revolucio-f
nario , nem por' isso a França deixou
de ser inundada del sangue. Devia o
Tyranno necessariamente arrastar na
143
sua queda tudo aquillo que se acha
va com elle ligado ; 'e nos primeiros
transportes da publica indignação era
impossivel que hum movimento de
reacção se não Idesse a conhecer , e
' u_e a sede da vingança não se esten
esse contra o maior numero de i-n
dividuos, que tinhão parte com este
monstro no Governo Revolucionario.
_ Estes horrores tambem cessârão por
haver «faltado materia â vingança;
'mas para ser feliz não basta deixar
de ter suspenso sobre a cabeça o cu
tello dos tyrannos , ou não ter que
temer o punhal, e os fachos'dos amo
tinados. Todos os grandes politicos
temobservad'o, que a Democracia ten
de naturalmente â anarquia , ou ao
despotismo ; e a passada Republica
Franceza confirma cada. 'vez mais a
verdade diesta theoría. Des de -ospri
lmeiros movimentos da Revolução até
ao principio do reinado de Robes
-pierre esteve a-França sujeita â anar
quia. Com a introducção do Governo
'Revolucionario passou a ser vietimaAdo despotismo , sem por outra parte
se livrar dos filnestos'effeitos d'a- anar
`quia,.-pois' que Robespierre, que pre
cizava dos Jacobinos, se via obriga-do
a deixar-lhes a liberdade de rouba
144
re'rn ,` e de commetterem toda a quaz
lidade de delictos ; pois todos sabem
muito bem, que agrande tactica dos
Jacobinos consistia justamente no's
saques e nos outros movimentos po
pulares. Ora , se com a Constituição
do anno terceiro Republicano, ou de
1795 , cessou aV anarquia, não cessou
o' despotis'mo; não fez mais que pas.
sarxa diversas mãos , pois'ao des o
'tismo de Rob'spierre succedeovo esà
potismo dol Directorio.A
Esta nova Constituição do anno
terceiro, acceita pela Nação por meio
de Barras, não concezlia ao Directorio
.senão oPoder Executivo, e' até os at
tributos dfeste lhe limitava muito , su
jeitando-o em todos os'casos mais pon.
derosos ás determinações dos dois Con
selhos; e o Directorio pelo contrario,
apenas se vio instalado, lo'go assumio
toda a soberania representativa da Na
ção, esoube tomar tão bem as suas me
didas para se manter nesta usurpaçã'o,
que todos aquelles Membros dos di
tos Conselhos que se quizerão oppor
a similhante attentado, forão punidos
com de redo e confiscação.
Debaixo do Governo Consular , que
succedeo ao do Directorio , pareeeo
que a França havia finalmente che
145
ado a hum estado feliz ; mas, além
de não ter nesse tempo tambem esta
do izenta Vde desordens , e assaz gra
ves, deve-se reflectir, que este novo
Governo era huma molla , que estava
comprimida para melhor poder a seu
tempo desenvolver toda a sua elasti
cidade. E com effeito, aquelle , que
estava â testa do mesmo Governo,
tão depressa ôde a oderar-se de to
da a authori ade , lbgo desenvolveo
o maior despotismo que jamais se ha
visto reinar sobre a terra: até seguio
o trivial expediente dos tyrannos de
sonhar conjuraçõ'es para se descartar
das pessoas que temia. E se debaixo
do novo Governo Imperial os Fran
cezes não tinhão que temer o ferro
dos anarquistas, ou dos algozes , a.
desmedida avidade de conquistas, de
que era dominado o novo Soberano,
fez derramar mil vezes mais sangue
do que se vertêra em todo o tempo
da Revolução.
Por fim cahio tambem este Gover
no. A reversão do antigo le itime
Governo , que a parte sã da Ração
havia vinte e cinco annos tanto de
sejava , e ao qual por conseguinte
acertadamente deo o titulo de Dese
jado , parecia quIeÇ, depois de tantos
146
males , asseglií'aria ao Reino huma
felicidade permanente. Della com ef
feito principion a gozar; porém não
durou senão só dez mezes; e a sua.
nova infelicidade tambem proeedeo
d”aquelle 'espirito irreligioso , que
tanto se havia dilatado pela Nação,
l-como veremos no artigo seguinte.
.A R T'I e o IV.
A nova revolução succedida em Fran
pa em Março de 1815, deve tambem
visivelmente attribuir-se d Irrelí
gião.
Vie-se no artigo precedente que
a Revolução que houve em França
`em 1789 , e que tantos males produziu
não só naquelle Reino , mas tambem
em grande .parte dos outros Estados
da Europa , ho'uvera sido suffocada
`em s'uaorige'm, se oespirito de Irre
-ligião , .que precedentemente se havia
~espalhado tanto naquella Nação , e
que tinha até inficionado as tropas,
'não as induzíra a uniram-se aos
amotinado's , desprezando desta ma'
147
neira a santidade do juramento que
tão intimamente as ligava. á causa do
Rei. Ora, que a este mesmo despre.
zo do juramento., e conseguintemente
ao espirito d'Irreligiãoi, se deva at
ftribuir o novotranstorno grande, suc
cedido na mesmo Nação em Março
do anno de 181.5 , he inutil que eu
me demore a demonstrallo , pois que
a todos he notorio que a tentativa do
Usurpador não teve mais apoio que
a prevaricação das tropas; e por is_
so unicamente me ein irei a lembrar
ao leitor, por assim izer, de passa
gem, algumas ci'rcumstancias de facto ,
pelas quaes se mostra, que naquella
segunda revolução ainda foi mais vi
-sirel o desprezo da Religião.
No anno de 1789 era quasi geral
na Na ão o fermento contra a Corte;
ji des e os fins de 1787 havia princi.
piado a tomar hum aspecto de posi.
tiva rebellião pela grande contesta
ção ue se excitou então entre o Rei
e os arlamentos, os quaes recusárão
registrar o Edicto dos Emprestimos
Successivos , imaginados para. reme.
diar o grande vacuo, que se tinha des
coberto nas Rendas. Havião os Par.
lamentos de França já em outras oc
casiões mostrado Krepugnancia em se
2 t
, 148
prestarem aol registro ldos Edictos
ãReaes; mas aque nesta occasião mos
trou o Parlamento de París , e .que
em breve foi seguida por todos os
outros Parlamentos do Reino, era de
huma natureza totalmente diversa , e
claramente fazia ver que os Membros
da primeira Magistratura estavão
A tambem imbuidos das maximas da nova
Filosofia contra o poder absoluto dos
VReis ; e com effeito não contentes os
Parlamentos com seterem o'pposto ao
`prescrito registro , sustentârão con
secutivamente esta sua nova resisten
cia com representações, nas quaes a
cada palavra ressumbrava hum ar de
independencia , e que só por si erão
bastantes para animar o povo â re
volta , como com effeito produzírão.
z-E se este uniforme aspecto sedicioso
detodo o Corpo da Magistratura vi
.nha a dar grande pezo ao artido
«contrario á Corte, deo-lhe infe izmen
te muito maior pezo a circumstaucia
Lde se achar á testa do mesmo Corpo
~~o proprio Primo , Principe do Rei
(o Duque d'Orleaus). Era isto hum
facto que todos vião; mas poucos, ou
talvez nenhuns, conhecião as occultas
.maquinações horrendas, que elle pu
nha «em pratica para proseguir os
149
seus projectos de ambição e de -vin-¬
auça , e sobre tudo aquelle , verda
eiramente infernal , e açambarcar
e remettcr para foraido Estado qwasi
todo ogrão do paiz', por~cujo estrata
gema , tendo no meio da mais abun
dante colheita subido desmedidamen
te o preço do genero mais necessario
ao sustento da vida , acabou orpovo
de perder algum (E: ueno restoida.
adhesão .â pessoa ` ei , que todos
já olhavão como absolutamente in.
digno do throno , -visto que faltava
até ao pri-meire e mais sagrado dever
de qualquer reinante , 'qual he o'de
sustentar o seu povo.V Astropas .por
tanto que vião , que o fermento con..
tra a Corte 'não só eraz geral, mas que
além d`isso se achava sustentado por
quanto havia maior e mais respeita.
vel na Nação , poderão talvez com
certa boa fé' ter~se illudido sobre anatureza doj'uramento ,V coml que-'se
achavão ligadas â causa do Rei. l'In'
capazes de julgar por si mesmas :de
que 4parte estava aâz razão , podécã'o
ter-se deixado seduzir da apparencia,
e 'ulgar por conseguinte que -,» como
o eiparecia aos olhos detodosfobrar
contra.Y os. verdadeiros interessesƒda.
Nação, tambem não erão obrigadasaM sustentallo. i
1:50
Ora, dearènhima similhante appa
rencia. enganadora podião cer-tamen
te ser allucinadas as tropas que noI
anno 1815 , a pezar do seu juramento ,
bandonârão Luiz XVIII. Quando'
Ê'umanno' antes o Seriado deolafrou
Napoleão deposto do Throne , havia
já muito tempo que ogeral da Nação
não podia ísupportai' o seu jqêo vio
lento, lraparee , e'sanguinario. aquel
la oonjuncção vie-se na verdade' o
amor proprio nacional hum pouco
offendido , por dever em hum instan
Ite renunciar aqueilas immensas 'con
quistas , que havião sido o fructo de
tantos annos -de guerra , e que 'tantohavião isllnstrado o valor das armas
Francesas. .Mas todos reflectião , que
-a Frans. *propriamente dita , bem
longe e ter tirado vantagem d”essa
tão grande fdilataçño :dos seus con
fins, antes d”ah'i tinha tiradoprejuizo,
visto que não ffieera isso mais f sue
animar o Soberano a emprehender
l'novas expedições, as quaes Vfazião de
dia -a dia peiorar o 1flagello da. `cons
eripção , e o pezo dos ftrifhutos, ue
enão os `dois :grandes zol›j|eotos.4:la an
felãeidade , e 'doulescontentarmento ge.
mal. *As tropas e'rão a unica'pan'te da
äaçãzo., que não pensava deste Cmodo.
151"
Tislião prestado o seu juramento a L'uàd
íz` XVIII., mas no fundo do seu sora»
ção continuavão a estar laffeiçoodas a
Napoleão; e farão ellos sós as que
tuniânão e effeituásão aconspiração,
que denovo opoz nothrono. _A todos
com effeito he notorio-o triste aoolhi,
mento, que ao mesmo Napoleão -fizef
rãotodas as povoações, por onde pas.
seu ao transferi-se do lugar do desem.
barque .a París. A parte meridional
do Reino, que hum anno antes, quan,
do era levado tr Ilha dlElba , tanto o
havia. insultado , .coherente sempre
øomsigo mesma, mostrou omaior en,
thusiasmo possivel pela causa dev
Luiz XVIII., apenas-se ouvia a noti,
oia de que o- Usurpadozrftinha posto
o pé nas suas praias : e senão mos,
trârão este mesmo enthusiasmo os has
bitantes das outras Províncias por
onde elle atravessou , esses mesmos
não deixárão- de lhe testemunha:I a
sua má vontade; não podendo op.
por-se á sua assagem , e iêmiitoznu-z»`
nos eombatel'o , porque a pequena
escolta, que trouxera do lugar doseul
desterro , se bia a cada passo engros
aando pela vergonhosa adhesão das
tropas Reaes , receberãoarm çom hum
triste silencio, que visivelmente indi»
152
cava quanto desapprovavão o seu
attentado.
Não tinhão por tanto as tropas o
minimo pretexto , que a seus olhos
Vpodesse palliar a enormidade do per
jurio que hião commetter va: clara
mente se ve , que , de todo msensiveis
aos motivos religiosos, que as devião
conter de perpetrar tão grande pre
varicação, não considerârão mais que
os refiexos do maior interesse, que ti
nhão de tornar a servir hum homem ,
que só respirava guerra; exactamen
te do mesmo modo que em Roma , de
pois da decadencia da Religião e dos
costumes , as Legiões, a despeito- de
seus reiterados jnramentos, assassina
vão ou depunhão o Imperador para
erearem outro , que lhes promettia
maiores liberalidades.De ois dlestes dois memoraveis e
xemp os dos males, que no decurso de
vinte cinco annos visivelmente occasio
nou â França o desprezo da santida
de dojuramento, que he omesmo que
dizer o Atheismo, ninguem certamen
te poderá pô-r em duvida, que a Reli
gião não seja absolutamente necessa
ria â subsistencia e á felicidade dos
Estados, como pensavão todos os sa
Bios da antiguidade 5 e por isso de
153
verá detestar o dogma da Toleran
cia , que os fautores das idéas libe
raes procurão de novo insinuar; do
gma , o qual , como temos demonstra
do no decurso do presente capitulo ,
não se pode generalizar em huma na.
ção , sem que ella, s'e ache envolta
em breve espaço de tempo nas trevas
e nos erros do Atheismo. _ ` j
E maiormente por tanto se confirma.
râ o leitor na subsistenci'a desta antiga
maxima , que a Religião não he in
differente ao bem dos Estados, ven
do ``no artigo seguinte , que da nim'ia
mente grande extensão `do vicio 'op
posto tenistirado'ia .França , e conti
nua ainda areinar nella, outro terri
vel excesso, e talvezro maior a que
os homens possão ter chegado. ¬ ... ' " v I
. 1›.`›
y'- l
IM
ݒ.V
1,; , ..
_. ' , ' W
w.. :'. ' ` a
~› An'rieo V.
,'.m ~
ä grande multršplicaução das suicidio; ,
,que depois do; meado do __secu'lo'pas
"sado começou e haver em _Franpd
deve .tambemf's'er considerada 90m
huma 'funesta' consequencia da Irreligiã'o'. __ q t '
-u
' .':Y g
Em França, assim como em outra
qualquer Nação , houve sempre ho.
mens que attentárão contra sua proF
çprãa vida; mas estes casos erão mui
to raros. Para que algum se abando
nasse a este excesso , de que nunca
se vio entre osbrutos vestígio algum,
era preciso, que afor a de huma pai
xão , ou de alguma esventura , em
seu entendimento operasse hum geral
transtorno, que inteiramente lhe tirasse
todo o uso da razão. Ora, as cousas
sobre este ponto devião necessaria
mente mudar-se, ecom effeito se mu
dárão , depois que huma Filosofia es
tragadora ensinou aos homens, que a
morte he o fim de tudo.
[55
Hum escritor Franca de algilmmé¬
rito, ue em 1783 entrou a impugnar
esta fa laz sapiencia, lqzue já tinha en
tão šr'mcipiado a genexalizar-ee m
sua. ação , apresenta hum quadro
dos suicídios, que por aquelle tempo
snooedáão -em França., o -qual cent»
mente faz horror. ,,Contai 'no Rei;
,, mo (diz elle) trinta Províncias com
,, sideraveis, e em eadaPmviaeia eo.
,, mente dez Cidades notaveis pelo
,, numero dos seus habitadores: Tre»
,, zentas Cidades. Não ha nenhuma
,, destas Cidades em que noespaço
,, de dez annos , se não tenhizo visto
,, pelo .menos einoo zpessoas que se
,, hajão dado .a morte. Eis-a ui mil
,, e quinhentos suicídios em ez am
,, nos. .Ajuntai a estes mil equinbem
,, tos mil edemntas pessoas, que, pe
,, do menos , pereoem cada :anno `em
,, París ászsuae p i . ias mãos , ná
,, vista de todos; digo á vásta de to»
,, dos , lpois: que muitos morremflo.
w mesmo modo em segredo ; estando»
,, averiguado que no anno de 1m
,, houve mil quatrocentos etres suici
,\, dios na Capital e seu termo-Do
,, ze mil suicídios em dez .annoa
,, Do que resulta., vque a doutrina .da
,, nova Filosofia custa. â França em
156
,, dez annos treze 'mil equinhentos
;,›“'dos seus habitadores (1). . r
-nDepois da dita época' de' 1783 , ã.
qual se refere zo calculo agora expen
dido, assim como alrreligiãovse dila
tou cada vez mais em França, tam
bem o furor dos suicídios notavelmen
teraugmentou. E toda a pessoa que
residia por algum tempo naquella re.
gião ,~ e sobretudo na Capital,A certa
mente meynão ha de taxar de'exage
rado.: Filósofos lizonjeiros e Latrozes,
esta he a felicidade que vós promet..
tieis ás .nações e aos homens , sse', ad
herindo ásvossas instituições , se li
vravão dos temores e das ameaças da
Religião , que›vós caracterizaveis de
vãos fantasmas l' Quando ha meio se
culo principiastes a dar-vos a conhe
cer ao Mundo,'o augmento da`= popu
lação era para vós hum objecto sa
grado; dizieis que por este signal se
conhece principalmente se huma na
ção. avança' para a felicidade. E a
vossa doutrina , em vez de produzir
hum tal effeito , tem pelo contrario
. ‹ . _. › e 4 › '
,(IlflLa '-vfaie philosophie , par le P. Hu.
fal. ut Pari: chez IQuillot , 1783 ,l Pag'
265 ,^ e 266.l i, _ '
'157
concorrido para diminuir as popula
ções que já existião.
~ Mas esta diminuição d'homens não
he a unica consequencia funcsta da
grande multiplicação dos suicídios,
occasionada pelo progresso da Irre
ligião. Ha outra ainda muito mais
terrivel , e tal , que deve atterrar a
sociedade , e aquelles que a Provi
dencia ha posto â sua. frente para a
governarem. Que segurança pode ha
ver com homens, que estão dispostos
a commetter tão grande horror? Não
está a vida dos cidadãos continua'menú
te exposta ao seu furor e á sua rai
va 3 Se o apego, que anatureza ins
pira. â propria conservação, não he
capaz de tolher o Athéo de attentar
contra a propria vida , que \motivo_
poderá contello de attentar contra `a
dos outros .P Sabidos são a este pro
osito os dois seguintes versos do ce
ebre Corneille na Tragedia de Cinna.:
Quelque soin qu' il se dorme , et quelque
ordre qu'il liemze , `
Qui me'prise sa vie est maitre de la tienne.
,, Por mais que cuide em si , que bem se
reJa , ` ' '
Quem sua vida despreza rouba 'a tua. ,,
As leis são certamente .de todo in
158 \
suffioientes para espantar huns mal
vados, que nada temem truncar o fio
__ de seus dias , e que por meio do sui
` eidio estão seguros de fugir da infa
mia do supplicio. Podem tudo com
metter affoutamente, visto que, depois
de terem sacrificado os outros , estão
promptos a sacrificar-se a si mesmos,
se virem que não podem escapar im
punes.
Estas dolorosas reflexões não são
nem na minima lparte exageradas;
pois que , torno arepetir , as leis não
tem authoridade alguma sobre os ho
mens, que tem hum refugio seguro
para se esqurvarem a sua vingança.
A Religião he o unico meio que po
de conter os ulteriores progressos de
tão terrivel excesso. Se a firme cren
ça de huma vida futura tornasse a.
substituir nos homens o insensato as
pecto do nada , por certo não se lem
'brarião mais de attentar contra os
¬seus proprios dias. Huma coragem
animada è sustentada pela Fê os ele
'varia a cima de todas as adversida
des. Horrorizar-se-hião de enviar a
este pretendido nada huma alma re
servada a todos os. resentimentos do
.Author da vida , justamente irrita
do pelo desprevo de hum beneficio.,
159
que he o fundamento de todos'os om
lmss '
Conheço quanto seja difficil , que
homens envelhecidos no desprezo ',
e no odio de todos os principios re.
lígiosos se convertão; mas sem que
perca de todo a esperança d'esta ven..
turosa conversão , pois que a Provi.
dencia-, quando quer, sabe por occul.
tas vias operar as maiores mudanças
nos corações dos homens : os actuaes
Governos da Europa devem tomar o
maior interesse em que a geração nas
cente não se embeba nas mesmas er
roneas maximas; e isto está absoluta
mente em seu poder fazello.
-i-.I
.ARTIGO VI.
Corollarz'o de quanto se tem exposto no
presente Capitulo. Importancz'a de
unir a, Educação moral e religiosa
la' Educação civil e litteraria.
O s .authores da Revolução de Fram
fa para se assegurarem de que a Re
igião , que elles , com exemplo to~z
talmente desconhecido até então , ha
160
vião inteiramente expulsado da sua
nova organização social , fosse para
sempre apagada até do espirito e do
coração dos Cidadãos, banírão das
escolas publicas todo o conhecimen
to, ainda 0 mais leve, das leis divi
nas, e oexercicio de todas as praticas
de piedade: e o resultado sahio como
elles desejavão. A mocidade educada
durante a Revolução offerecia huma
depravação , de que nem em Fran
ça , nem entre outra nação alguma
se havia jâmais visto exemplo.
A fim por tanto de que a Religião
torne a reinar no espirito e no cora
ão dos homens, cumpre seguir hum
systema totalmente contrario. He pre
cizo que â educação civil e litteraria
se torne a unir a educação moral e
Christã: e .para produzir tão deseja
do effeito, parece que não pode haver
melhor meio que confiar o ensino da
mocidade âs Corporações Religiosas.
Esta idéa não he minha , mas de hum
escritor Francez ainda vivo , e não
Ecclesiastico , o qual havia obser
vado de perto acorrupção e a immo
ralidade , que se tinha introduzido na
sua nação desde que a educação da
mocidade havia deixado de estar nas
mãos das ditas Corporações Religio
161
sas. Referirei succintamente as razõ'es
com que Mr. de Bonald sustenta es
ta sua idêa.
O systema de educação (diz elle)
deve ser perpetuo, universal, unifor
me; d°ahi , epois de se ter demorado
alguma cousa em pôr em toda a. evi
dencia este principio , ajuuta como
necessaria consequencia: ,, Cumpre
,, pois que a educação seja confiada
,, a hum corpo, pois que fóra de hum
,, corpo não pode haver nem per
,, petuidade, nem generalidade, nem
uniformidade. ,,
Refiecte depois d°isto Mr. de Bo
nald , que este corpo educador não
pode ser puramente secular. ,,Onde
existiria em tal caso (diz elle) o
vinculo que asseguraria a sua per
petuidade , e por conseguinte a uni
formidade P Sería o interesse pes
soal? Porém os seculares terão, ou
poderão ter familia. Pertencerâõ
mais â sua familia que ao Estado,
mais aos seus filhos que aos filhos
dos outros , mais ao seu interesse
particular que ao interesse publi
co; pois que o amor de si mesmo,
de que a Filosofia tem pretendido
fazer o laço uuiÊi-sal dos homens,
Menu» 'uma'
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ás
5)
11o e será seimpfre o motta] Vinimigo
do amor dos outros. ` -
,, Se os mestres são solteiros (prm
segue Mr. de Bonhifd) , ainda 'que se
g, jão seculares , não poderáõ fazer
3,
š,
“sf
h
3,
93
'27
'ía
5,
31
`99
3a
,a
,5
'57
á)
É»
,1
a,
corpo entre si. A fortuita aggre
gação de pessoas ,- que hoje entrão
neste corpo ‹para terem meio de
subsisteneia , e 'que delle sahi'ráõ
ãmanhã se poderem obter melhor
estabelecimonto', não formará de
modo algum hum-a 'sue-cessão de in.
dividuos addrietos á instrueção pn
blica. Por outra. ›par'be-, 'que ai de
familia ouáa'râ coinfiar seus fi hos a.
eelibaltarios folia moral fiiio estalú
asseguraäa porz une. 'disciplina m
âigiosà 2 Se pelo contras-io este;
professores publicos são casados.,
como poderá 'o Estado assegurar .a
homens carregados de filhos , e am'
mados coh'sequedtemente de huma
'justa ambição de adquirir bens.,
como poderá oEstaelo , digo, asse
guranlhes ordemados *tão avulta
dos, que os afastam perpetuamen
te de abraçar 'alguma especulação
mais lucrativa? Se por in'tuiftos de
economia 'se reuuissem 'todos no
memo-edificio jun-tamento oo'm as
168
suas mulheres e os seus filhos , se
ría impossivel a concordia: se se
lhes permittisse viverem separada
mente , serião incalculaveis as des.
'n' Pezas n
Estas poucas reflexões bastarião a
Mr. de Bonald para sustentar o seu
assumpto da. grande importancia. de
confiar a educação publica ás Coral
porações Religiosas. Mas assim como
isto ha. sido hum objecto das maiores
declamações dos Filosofos , tambem
elle não deixou deresponder atodasas
suas objecções. Tomou principalmente
ã sua conta océlebre Quimica Mr. de
Chaptal, pois que este havia ajunta..
do todas as objecções em hum Rela.
torio , que no anno de 1800 apresen.
tou ao Conselho d°Estado de París, so-f
bre o assumpto da educação publica.
Se as Corporações Religiosas , di
zia. o referido Relatorio , possuião
a arte de transmittir os conhecimem
tos já existentes , raramente ellas se
elevavão ao mérito da invenção: con.
servavão ,› mas nãoaprefeiçoavão,
nem inventavão. Outro defeito, que
sr sa
a,
`n
u e
- (l) De Bonald , Legislativa Pfimih'oe,
com. Ill,` C. 7,-Paiís Leoa. - . . .
\ 2
164
Mr. de Chaptal exprobava ás ditas
Corporações Religiosas, era ode ensi
narem como outras tantas verdades as
opiniões consagradas por longa tra
dição nas Escolas. O terceiro vicio
finalmente , e o maior de todos, era.
o de dominarem imperiosamente sobre
o espirito dos seus discípulos , e de
jâmais proporem a dúvida, que he o
que excita e desenvolve as faculdades
\ do entendimento humano.
Estas increpaçõ'es , como todos co
nhecem , envolvem-se humas nas ou
tras , e todas se reduzem a negar ás
Corporações/Reli iosas o talento da. in
venção. Ora Mr. e Bonald não se mos
tra de modo algum perplexo com es
ta objecção , apresentada por tantas
formas differentes por Mr. de Chaptal:
,, Mestres que nada inventão (respon
de elle) formão discípulos que inven
`,, tão ; porque he muito mais o me
,, thodo do ensino do que o engenho
,`, do Mestre quem desenvolve no dis.
,, cipulo o espirito dlinvenção. Os
,, mestres dos nossos maiores inven
,, tores, de Descartes, de Malherbe,
,, de Corneille , de La Bruyere , de
,, Bossuet, erão certamente muito in
,, feriores aos seus discípulos. E en
,, tão , tem-se em França inventado
165
t.-ua..-`...`..
:33,33--`.3`._.--
“save
“um”
mais e melhor depois que a educa
ção deixou de ser confiada ás Cor
poraçõcs Religiosas? . . . . . Duran
te a Revolu ão gozou-se da maior
extensão da liberdade , e bem lou.
ge de se com rimirem os vôos da
imaginaçãoe otalento, se deolivre
curso a todos os desvarios , a todas
as extravagaucias do espirito huma
no. Que resultou d°ahi que fosse
rande, util, ou sequer engenhoso?
aperfeiçoamento de alguns metho
dos , algumas nomenclaturas feitas
com mais arte e melhor ordem, ou al
gum invento mecanico, que em par
te nenhuma se pratica, nem mesmo
em casa do seu inventor: mas quan
tos erros em Moral, quantos absur
dos em Legislação , quantas cineas
em Politica , quantas sandices em
Litteratura, quantas imposturas em
Historia , quanta obscenidade nas
.Artes dlimitação , que decadencia
até na Lingua l E quanto devemos fi.
car humilhados, vendo que tão gran
de vôo permittido â imaginação e
ao enio, tanta extensão dada â li
ber ade de pensar tudo, e de dizer e
escrever quanto vem á cabeça, não
haja produzido , nem sequer na Ar;
te Dramatica , nesta Arte em que se
IGG
-. quiz fazer consistir o Palladio 'da v
Moral, o supplemento das Leis, e
,, o primeiro meio (Pinstrucção pu.
,, blica, huma Obra, a penas huma.
,, unica Obra , que possa sobreviver
ás circumstancias que a fizerão nas
,, cer , e aos panegyristas que tan
,, to a preconizârão! (l) ,,
Se Mr. de Bonald demostrou con
ceder por hum momento ao seu ad
versario a mencionada imputação da
pouca aptidão das Corporações Relí
iosas sobre o ponto da invenção,
não tardou que o não combatesse
tambem neste eutrincheiramento que,
como se ha visto , constituía todaa.
força das suas objecções. “Quantos
,, felices descobrimentos em Fysica,
:a diz elle, quantos inventos engenho
:a sos em Mecanica não tem sahido
a: do recolhimento dos Claustros 1,,
Enumera lVlr. de Bonald diversos des
tes benemeritos Cenobitas, cujos no
mes ainda hoje resplandecem nos An
naes das Sciencias. Mas ainda se po
deria augmeutar muito o seu nume
ro, se da França, que elle teve qua
si unicamente em vista, se passasse a
(l) Bonald, ubi supra.
lê?
gyrar por todos as outras .regiões
Àcultos da Iilfliu'opa` Não acabaria tão
.depressa , se aqui .ou quizesse com
tar Vsó os que pertonoem â. Italia. Re
mqttendo portanto o leitor â Historia
.Litteraria de Tiraboschi, oinginme
hei a apontar alguns daquolles que
pertenciãonnicamonte ás Communi-v
dados Religiosas encarregadas da edu
cação da mocidade., o que demais a
mais viverão nestes. ultimos tempos,dosl quaes por conse uencia se não
faz .mon ão na dita istoria. , que,
como to os sabem, acaba no fim do
seculo dooimo setimo` . '
Ro orio Bosohoyioh ', que julgo
soro oa razão poder contar entre os.
nossos Sabias Italianos, visto que oa
.tenra idade de quatorze annoa entrou
em Roma na Companhia de Jesus , e
.passou a ma orparte da sua vida na
Italia , onde. tambem :terminou seus
dios, ho author de huma infinidade
.de demobrimentos e observações to
ialmente novas na. Algebra, na Gen
metria , na Astronomia , ena Fysica.
A Cortezde França, levada da Vgran
de celebridade do seu nome ,i oçha
mou de ois de 1770 a.París para Di,
.rector a» Optisê da ,Marinhaa o oorf
respondeu plenamente â expectaçãfl
168
ue d'elle houve, tendo com estima.
issimas obras novas illustrado mui
to esta Sciencia , assim como to.
das as outras partes da Astronomia
(1). Por esta mesma grande re uta
ção, que tinha o nome de Boschovreh, o
havia anteriormente aSociedade Real
de Londres escolhido para irlâ Cali.
fornia, e observar asegunda passagem
de Venus; mas por algumas circums
tancias não pôde acceitar esta incum
bencia.
Contemporaneamente ao Boscho
vich tinha e Companhia de Jesus na
Italia outro célebre Mathematico na
pessoa de Vicencio Riccati. E'mulo,
e talvez superior ao Conde Jácome
seu pai, não só deo maior clareza, e
extensão ás regras , e aos methodos
achados por outros na Algebra; mas
elle mesmo inventou alguns inteira
mente novos: e tambem no Tratado
das Series, e nas Instituições .Analyti
oas ensinou muitas novas e interessan
tes verdades; por cujo motivo foi de
(l) Roger. Joseph. Boschovich Opera ad
Opticam et Astronomiam maxima ea: parte
nova , et omnia hucusque inedita. Bassani,
1785.
169
nominado , e ainda hoje he conside.
rado, o Pai da Algebra sublime na
Italia.
O Padre Paulo Frisi , Barnabita Mi
lanez, fallecido no fim do seculo pas.
sado , era tambem reputado geralmente por hum Mathematico daprimeiraÀ
ordem. A Academia das Sciencias de
Berlin , que tinha coroado a sua bel
la dissertação sobre o movimento diur.
no da terra, fez brazão de o alistar
entre os seus Socios; o que igual
mente fizerão o Instituto de Bolonha ,
a. Sociedade Real de Londres, a Aca
demia das Sciencias de París, e a de
Petersburgo. Não deixavão os maio
res Sabios da Europa de consultallo
nos pontos mais abstrusos da Astro
nomia e das Mathematicas. E hum dos
primeiros pensamentos dos Estrangei
ros cultos, que chegavão a Milão, era,
como eu mesmo presenciei por mui
tas vezes , poderem fallar com este
meu celebre concidadão, que com os
seus profundos escritos tanto havia il
lustrado a serie das Sciencias Natu
raes. /
A Sciencia da A ua , que he tal
vez a parte das lãathematicas mais
util á sociedade, teve no P. Lecchi,
Jesuita Milanez, hum dos seus maio
170
res illustiu'idores` Newton , Hüighens;
Maclaurin , Euler, Çlairaut, Mauper
tuis, D°Alembert, tinhão contribuído
muito para os progressos da Hydros
tática no que toca á parte puramen
te theoriea; mas esta parte ,, bem que
Se possa reputar a mais sublime e a,
mais nobre , he com tudo demasiado
' abstracta para oder servir do utili
dade alguma. or outra parte , os
Hydraulioos, que, destituidos dos prin
ci pios scientificos, sómente proeurão
avançar na pratica , estão muito su
jeitos a errar , principalmente se as
trata de operações grandes , e total
mente novas. Ora o P. Lecehi tem o
merecimento de ter reunido no mais
eminente grão huma e outra couza: e
na Hydrostátiea emaminada nos seus
principios deo â Europa huma da;
Obras mais instructivas , mais exa
ctas , o mais conformes â verdade,
que sobre tal assumpto se hajão pu
blioado.
~› No. mesmo tempo vivião na Italia
outros dois illustres Mathematicos,
que tambem aos conhecimentospra
ticos relativos â Hydraulioa união as
mais subtis , e sublimes theorias fun
dadas em calculos; pela qual razão
forão tão uteis as nossas regiões, tal
171
vez mais que nenhuma outra 'parte da
Europa sujeitas aos estragos dos rios
e das torrentes : hum he o P. Frisi
acima honrosamente mencionado ; o
outro oex-Jesuita Ximenes, Mathema.
tico de Pedro Leopoldo, G-rã_Duque
de Toscana.
Quem tiver ouvido fallar de Ele
ctricidade não ignorarâ tambem o
nome do PJ João Baptista Beccaria,
Religioso Piemontez das Escolas Pias ,
e quanto esta curiosa e interessante
parte da Fysica seja devedora ás suas
fadigas , e ás suas observações. Não
ha experiencia que elle não fizesse , e
varias'se de diversos modos; nem fe
nómeno , que escapasse â sua pene.
trante vista ; a electricidade natural
foi pelo mesmo P. illustrada com tanto
estudo como a artificial; e tambem
intentou examinar aquillo que nin.
guem tinha aindafeito , isto he , a
electricidade da atmosfera quieta e
serena, de modo que ocelebre Fysico
lnglez Priestley asseverou com toda a
razão na sua famosa Historia da Ele
c'tricidade , que o P. Beccaria pela
extensão do seu trabalho neste gene¬
ro excedeo tudo quando sobre tal ma;
teria se havia feito antes edepois del
le. O proprio Franklin tributou ao seu
172
mérito hum testemunho não menos
honorifieo, e ainda muito mais lizon
geiro , pois fez traduzir epublicar no
idioma ln lez o Curso completo da
Sciencia eectrica publicado pelo P.
Beccaria no anno de 1772.
Quantas luzes não diffundio o P.
Pino , Barnabita Milanez , sobre os
fósseis e sobre os mineraes E Com as
suas viagens scientificas , e com as
suas profundas observações illustrou
muitissimo estes dois interessantes ra
mos da. Historia Natural; e o seu no
me he por isso collocado entre os dos
Voltas , dos Fortis, dos Fontanas,
que nestes ultimos tempos tanto con
tribuírão para o adiantamento dlesta
Sciencia , ao presente tão cultivada
na Europa , mas que teve o seu pri
meiro renascimento na Italia ha secu
lo e meio por obra do celebre Bolo
nhez Aldovrandi , que oPlinio Fran
cez chama com razão o mais douto,
não menos que o mais laborioso. de
todos os Naturalistas (1).
As Sciencias Naturaes , em que os
Religiosos até agora nomeados tanto
(l) Bouffim, Hist. Nat. tom. I, Disc.
Prelimin.
173
ss distinguírão , não são porém os
unicos generos de estudos , que são
precisos aos4 interesses da Sociedade,
e que constituem o seu ornamento. E
se daqui se passa a considerar todos
os ramos 'da grande arvore dos conhev
cimentos humanos, que novo e vasto
campo se não abre á gloria litteraria
das Ordens Religiosas, que se occupa
vão na educação da mocidade!
A Metafysica , por exemplo, que
os Filosofos modernos avalião em na
da , e que até desejârão ver banida
da classe das Sciencias , he hum estu
do do maior interesse para os ho
mens , pois lhes descobre as maravi..
lhas do Mundo intellectual , como a
Fysica as do Mundo material. A” Me
Vtafysica he que nós devemos as pro
vas da existencia do Ser Supremo,
das suas infinitas perfeições , da im
materialidade da nossa alma, e da sua
distincção do corpo , não obstante o
'laço incomprehensivel que os reune.
He ella quem nos mostra a differença
essencial do justo e do injusto , quem
nos descobre nas :leis eternas da ordem
a base de toda a moral. Mas exacta.
mente por estes nobres fins da Metafy
sica he que os chamados Filosofos do
Século decimo oitavo se desvelárão
174
tanto em a desacreditar: era natural
que huns homens interessados em pro
pagar o materialismo procurassem
afastar o Mundo do estudo daquella.
Sciencia , na qual seus erros se acha.
vão tão antecipadamente confutados;
.e teve o seu artificio em grande parte
o melhor exito: digo em grande parte,
porque, se he fóra de toda a duvida. ,
que ncnhumaoutraoouza lia favoreci
do tanto os rapidos progressos do ma
terialismo nos nossos dias, he tambem
certo , que este estragador systema, o
qual nos abate até a condição dos
brutos , em nenhum outro tempo ha
tido maior numero de excellcntes im..
pugnadores: entre estes merece prin
cipalmente ser mencionado o P. Ger
dil, fallecido não ha muitos annos com
as honras da Purpura Romana. Ne
nhum certamente melhor que este
doutissimo Barnabita, que ao mérito
de profundo Theologo e de excellen
te Filologo unia o de ser o maior`
Metafysico do seu tempo , soube des
cobrir e pôr na sua verdadeira luz a
incongruencia e absurdo da famosa
hype-these de Locke sobre apossibi
.lidade da materia pensante (I).
i /l/ Gerdil, Dissert. swf l'immok'rinfiü
de l'ame contre Mr. Locke. -
y175
› Oestudo da Litteratura amena tam'
bem he de grande interesse para huma
Nação. Ella se divide, como as Scien
eias , em varios ramos, enenhum' ha',
que não tenha sido cultivado com
gloria pelas Corporações Religiosas,
'que se applicavão á educação da mo~
cidade; ' ' '
Bourdaloue passa ainda hoje entre
õ Francezes por hum dos mais elo
quentes lhomens da sua lingua, assim
como Ségneri goza -da mesma repu
tação entre nos os ' Italianos. Estes
dois celebres Jesuítas são olhados tam
bem peias outras Na ões como mes.
tres da arte oratoria o'pulpito , ge.
nero de elequencia talvez unico que
se cultivo com honra nos Estados mo'
dernos da Europa , pois que, atten
dida a sua constituição politica , dii
versa total-mente da dos Gregos e dos
Romanos , veio nelles a faltar nativ
ralmente a grandeza dos objectos em
que se empregavão os E”schines ,aos
_lsócrates , os Demósth'enes , os Tull
lios, os .Homensiog e provavelmente
a eloquencia se houvera de'to'd'o per.
dido, se os Qradores Christãos, voltan.
do dos interesses 'temporaes aos espi
rituaes eeternos, não houvessem crea~
do hum-novo genero de arte 'orato
`176
ria inteiramente desconhecido pelos
antigos.
O Somasco Genovez Frugoni he ge
ralmente olhado como o Principe dos
Lyricos Italianos do decimo oitavo
seculo; pela variedade dos metros,
dos assumptos e do estylo , pela su
, blimidade dos pensamentos, pela. ma
gnificencia, e belleza das imagens , epor outros muitos primores poeticos,'y
forma , a `juizo de muitos , huma no
va época na Lyrica Italiana. Ao lado
porém de Frugoni não desmerecem
Betinelli , e Bondi.
A Historia de Hespanha por Ma
rianna , a das Guerras de Flandres
or Famiano Estrada , a Historia da
gaz de Westfalia de Guilherme Bour
geant são de admiravel belleza. Es
tes tres Jesuítas continuão a occupar
ainda hoje hum assaz distincto lugar
entre os Historiadores modernos. A
Obra do ultimo he huma das mais
classicas da Sciencia do Direito Pu
blico, e não ha Negociador, ou ho
mem d”Estado que a não tenha con
tinuamente nas mãos. ›
A Historia Litteraria- he hum ge
,nero dlestudos nascido nos nossos tem
.pos modernos. Quasi todas as_Nações
tem huma Historia Litteraria mais
177
ou menos extensa , mais ou menos
boa; mas a grande Obra de Historia
Litteraria , a Obra pela qual fica a
Italia nesta parte notavelmente avan.
tajada ás outras Nações, he a plena e
completa Historia da Litteratura Ita.
liana de Tiraboschi. Quando este em.
dito ex.Jesuita tinha acabado de pu.
blicar a sua Historia , hum seu con
frade Hespanhol , mas que habitava
entre nós , e conhecia muito bem a
nossa lingua , começou a dar â luz a
sua Obra da origem , progressos , e
estado actual de toda a Litteratura.
O annnncio deste titulo fez ao princiz
pio julgar , que hum plano tão vasto
e atrevida , que ninguem até alli ti.
nha concebido, sería superior ás for.
ças de hum só homem. Porém depois
que sahio â luz toda a Obra do Ab.
bade André , fallârão os Doutos de
outro modo , não se fartando de ad
mirar nella a vastidão da erudição,
a profundidade dos juízos, e oexqui~
sito do discernimento. '
A Chronologia, que tanta li a ão
tem com a Historia , teve no lle
tau o maior illustrador; e com effei
to a sua grande Obra intitulada De
Dootrina Temporum , a sua Uranolo
gia , o o seu Rationlrçíium temporum
l78
^ são ainda hoje, a juizo dos doutos de
todas as noções, o mais precioso the
souro , de qšue esta. Scieneia se pode
gloriar. ' - -1 '
Se o P. Mabillon he geralmente
consideradocomo o creador da Diplo
matiea, bemsabem'os eruditos quan
to o Jeanita Papebroquio he tambem
bellemeribo dlesta Sciencia totalmente
desconhecida dos antigos, e que além
de ser tambem muitonecessaria ahum
Historiador, he de grande utilidade
aos Estados , emesnu) ás familias
particulares , para a-intelligencia e
verificação dos titulos e dos perga
minhos antigos. Com as suas origi
naes e eruditissimas investigações ,
que são aos olhos dos Críticos os mais
preciosos ornamentos da grande Obra.
dos Bollandistas , traçou Papebro.
quio , porassim dizer, as primeiras
linhas desta Sci-encia. , que forão co.
mo os fundamentos d°aquella soberba
fabrica , que com tanto louvor seu
erigio depois o sobredito immortal
Benedictino Francez.4
O nome de Sinmond', que o'ccupa
tão eminente lugar entre os mais
profundos Theologos , vive ainda e
viverá eternamente! nos Fastos da
Littemtura pela sua delicada critica,
` J'.
`\
179
epela sua escolhida erudiçã'o. AObra
que elle publicou sobre os Capitula
res de Carlos o Calvo , e de outros
lmperadores posteriores, contém the
souros que os Críticos se não fartão
de admirar. E Baluzio , que tanta
gloria grangeoucom a sua douta e
critica edição de todos os Capitular'es
dos Imperadores Frances , não teria.
provavelmente podido matter mão a4
esta. grande Obra, se não fora prece.
dido do dito trabalho parcial do Je
'suita Sim/loud.
A Numismatiea , parte tão impor
tante das Anti _uidades , quanto nãodeve ella á diligencia el âs doutas far
digas do P. Hardouin? Com as meda
lhas e com as moedas na mão elle se .
fez senhor das antigas Cidades e eo.
lonias ; fixou a sua posição, estaba-'
leceo os seus limites , e descobrio as
suas prerogativas e propriedades.
Corn esta segura guia,woom aqual il»
`lustrou tanto a Geografia antiga , es
palhou tambem muita-s luzes na Chrof
nologia, assignalando as épocas pro
prias de algumas nações que tinbão
esc ado aos C-l'rronólogos.v O Jesuita
Ha ouin pela profundidade da sua
¡erudição soube-fazer uteis e interes
M 2
-180 '
r'
santos até os seus fantasticos, mas en
genhosissimos paradoxos.
O P. Ferrari e o P. Marcelli des
pertârão na nossa Italia 0 bom gosto
das inscripçõ'es Latinas , que parece
unicamente serem as dignas. O pri
meiro compozy dlellas hum volume ,
álém de outras muitas que andão
soltas ; e o segundo não só fez hum
|volume ainda maior das suas inscri
'pções, mas tambem nos deixou a arte
de as compor.
Todos estes grandes .homens , que
até. agora tenho mencionado , e cujos
nomes viveráõ' em quanto tiveremestima as lSciencias e as Letras, não
só erão Claustraes, mas de mais a mais
j pertencião _ a Corporações Religio
sas que tinhão por instituto appli
car-se âweduca ão da mocidade : por
tanto, depois de similhante enumera
ção , certamente não ficará no animo
do leitor a menor duvida sobre a fri
volidade da nota de incapacidade que
tanto lhes exprobão os Filosofos.
' Não ignoro quanto elles tem decla
mado contra o methodo praticado em
todas as sobreditas Communidades Re
ligiosas , de terem por muitos annos
occupado os rapazes no estudo da
181
Lingua Latina. A todas estas inve-`
ctivas porém se pode responder com`
o exemplo dos homens mais abaliza
dos nas Sciencias, na Litteratura , e
até nas mesmas Artes amenas , que
todos bebêrão nos antigos escritores
classicos desta Lingua a mais copiosa
porção do seu discernimento, da sua
erudição, e das suas invenções. Nem
para divertir a grande força de si
milhante exemplo serviria o dizer,
como realmente se ha dito , que a
Lingua Latina poderia mais facil
mente , e ainda melhor aprender-se
em huma idade menos tenra , como
se aprende o Francez , o Inglez , o
Alemão. As Linguas vivas podem-se
aprender em qualqueridade, mas não
he possivel adquirir hum perfeito co
nhecimento das Linguas doutas , se
huma pessoa nellas não he iniciada ,
por assim dizer, na infancia. As de
clamações dos Filosofos tem tambem
nesta parte sobejamente prevalecido
sobre o antigo s stcma; mas o resul
tadonão ha si o feliz. Em vez de
continuar a trazer a tenra mocidade,
como se fazia al um tempo, no estu
do daV Lingua atina , abrio-se-lhe
huma carreira mais ampla; procurou
se exercitar a sua memoria sobre hu
182
ma grande quantidade de objectos,
fazendo-lhe aprender Resumos de
Geografia, de Historia, de Mitholo.
gia, e até de Geometria, e de Fysi¬
ea. Aexperiencia parecia que se decla¬ l
râra a favor do methodo novo, pois que
hum rapazinho de dez ou doze an
nos, nos actos publicos que se fazião
no fim do anno escolastico, mostrava.
huma universalidade de conhecimen
tos, que admirava os circumstantes, e
fazia conceber aos pais as mais lizon.
jeiras esperanças. Mas o facto não`
tardou em fallar imperiosamente a.
favor do methodo antigo , tendo›se
visto que estes rapazes tão maravi
lhosos na idade de dez edoze annos, se
tornão ineptos na de trinta; e he bem
natural que , ao passo que se avezão
desde a infancia a belisear muitos
objectos, do mesmo modo quando são
adultos se occupão menos vivamente
em hum só. Não deixarei finalmente
de accrescentar que este mesmo aban
dono da Lingua Latina , occasionado
pelas vãs declamações dos Filosofos,
tem sido prejudicial até mesmo ao
estudo das Scicneias. Não sendo já
estas tratadas em Latim , como algum
dia se praticava, mas sim na Lingua.
nativa, convem que os doutos de hu-z.
l 183
:na Nação, ou renunciem aproveitar.
se das luzes conteúdas nas obras dos
Sabias das outras, ou he preciso que
tomem a resolução de aprender as dif
ferentes Linguas respectivas , o que
não pode deixar de os afastar mui.
tissimo do estudo mais interessante,
das Sciencias que elles professão. O
mesmo Mr. D” Alembert , posto que
haja sido sem duvida o maior de
tractor dos Latinistas modernos, (l)sem embargo d¬isso se vio obrigado a.
reconhecer , e exactamente em vista
da razão aqui adduzida, que as Scien
cias devem sempre ser tratadas em
Latim ; se bem que na pratica elle
contradisse esta sua theoria , visto
que todas as suas Obras Mathemati
eas são escritasana sua propria Lip.
gnfalas he inutil , que eu me entrete
nhamais ytempo ' a lr'efutar aV i-mputat
ção tão repetida dos Filosofos sobre
a pretendida incapacidade das Cor.
porações Religiosas na educação da
mocidade, pois que tambem n°isto el
les não erão de boa fé. O- que lhes'
(l) Veja-seáD' Alembert-Sobre a Lali~
sidodødos Materias. v `
184
desagradava em similhante systema
não erão os defeitos da instituição
litteraria, mas sim a applieação que
se praticava em unir á mesma tam..
bem a educação moral e Christã.
Bem vião elles que em quanto por
meio dos ditos institutores amocidade
viesse a beber, por assim dizer, com
o leite os sentimentos e os deveres'
religiosos , sería impossivel chegarem
elles a conseguir o seu projecto de
extinguir o lume da Religião sobre
a face da terra. Ora a união destes
dois generos de educação he o que
justamente constituía o mérito do
systema de educação das Corporações
Religiosas. Se a Religião he sem du
vida alguma o que ha mais coheren
te para a humanidade , que obriga
ção se não deve a huns institutores,
que fazião todos os esforços por ins
pirarem desde os mais tenros annos o
respeito , o amor , e os sentimentos
d¬ella 2 O principal desígnio de cada
hum dlestesI institutores era fazer cur
var o espirito ainda docil da mocida
de â veneração devida ao Ser Supre
mo , expor os motivos que ha deo
amar , e apontar os meios-pelos quaes
só lhe podemos agradar. A estas ins.
.trucgões se unia o exercicio da ora.
185
ção , as differentes praticas diarias
de piedade ; em summa , nada se
omittia de quanto podia fazer ger
minar em seus animos as virtudes do
Christianismo. Tudo se reune na ida
de das paixões para afastar-nos das
práticas e máximas de piedade ; por
isso he summamente interessante, que
desde a mais tenra idade ellas tenhão
lançado em nossos animos as mais
profundas raizes. Quintiliano cria
que a escóla em que se houvesse
aprendido a bem viver , seria mui
preferível áquella em que se houvesse
aprendido a bem fallar (1). Segundo
esta maxima do homem mais perito
que teve a antiguidade no ensino da
mocidade, as escolas das Corporações
Religiosas merecerião toda a preferen
cia , ainda mesmo quando tivessem
defeitos sobre ,o ponto da educa ão
litteraria. Ora , quanto se não con e
eerâ mais a importancia de huma tal
preferencia , depois de se ter prova.
do com a maior evidencia, que ainda
mesmo nesta parte ellas não deixavão
nada a desejar?
Este yadmiravel enlace dos ditos ,
o
l
. (l) Quintil. l. l , c. 2.
186"
dois genero's de educação be o que ti.
nha feito conceber ao immortal Chan
celler Bacon a mais alta. idea da ca
pacidade dos Jesuítas para a educa
ção da mocidade. EstawaÀ elle tão
convencido d”isto , que fazendo-se su
perior n` todas as preocoupações do
partido Protestante , no qual nasce'
ra. , veio por fim a invejar os Jesuítas
ã Igreja Romana (1).
Similhantes homens respeitaveis ,
penetrados e embebidos (Testa estima ,
que o grande Bacon fazia da summa.
applicação dos Jesuítas no unirem a.
educação litteraria com a educação
religiosa , chegárão ao ponto de di
zerem , ,que aRevoinção de França
não houvera acontecido ,. se prêvia~~ mente se não tivessem destruidona.l
quelle Reino os Jesuítas. Eu não re
petirei o mesmo , pois q'ue só Deos
,.
(l)/“N_obilissime\ para priscz disciplina
(sciiicet educationis) revocáta est niiquate¬
nus , quasi posxliminio in Jesuitarum
collegiis, quorum cum intueor indus
triam , soiertiamque , tam in doctrina
excolenda, quam in moribus informan
dis , iliud occurrit Agesiiai de de Phar
,, nabaso: Tnlz's cum sis, utinam noster es~
,, ses.” - Bacon, De Augment. Scimlidrum.
,1
J)
,J
l,
5
¡87
pode saber o que neste caso houvera
acontecido. 0 'que sobre Vesite ponto
posso dizer com certeza he, 'que aRe.lvol'ução de França se executou prin
cipalmente por obra de mancebos ,
isto he , de pessoas que principiârão
a sua educação depois do anuo de p
1762 , época da destruição dos Jesui‹
tas no dito Reino. Esta circumstan
oia de facto conhecida de todos ac
crescenta grandissimo pezo ás citadas
razões de Mr. de Bonald sobre a ne
cessidade de confiar de novo ás Cor.
porações Religiosas a educação da
mocidade , pois mostra que o seu sys
tema tem a seu favor a, grave autho.
ridade da experiencia.
A importancia d'este mesmo syste
ma de Mr. de Bonald se conhecerá aim
da mais pelo que me resta adizer soâ
bre as pretendidas idéas liberaes, por
onde se conhecerá melhor ainda quam
to continúa a estar depravada a opi'
nião em materia de Religião.
ll
me
' o_APITULo v. \
Do Divorcio.
ARTIGO I.
Voltaire , asseverando que o Evange.
lho permitte o divorcio em caso de
adulterio , não fez mais que copiar
os Heresiarcas do decimo sexto Se
colo.
l
Grande numero de pessoas tambem
conta a permissão do divorcio entre
las idéas e instituições liberaes , con
siderando-se como couza conforme ás
luzes do Seculo e aos progressos da
Religião; porém já mostrei no Capi~
tulo l.° que este tão decantado proresso das luzes , pelo l'que toca ás
bciencias moraes, não consiste em ou
tra couza. que' em contrariar as ideas
geralmente recebidas , sobre tudo na
ordem da Religião : e este he sem
189
duvida o motivo por que os Filosofos
modernos pregão tanto a favor do
Divorcio. -
Sei que o Antesignano dos mesmos
Filosofos francamente asseverou que
Jesu Christo declarou odivorcio per.
mittido em caso de adulterio; e dlisto
toma novo argumento para .invecti
var contra os Papas, dizendo ser cou
za bem singular que a Igreja Catho
lica tenha com o seu rigor passado
tanto além do seu mesmo fundador
(1). Mas quem ignora o abuso que
este escritor fez das Divinas Escri
turas P `
Voltaire , fazendo estas exproba.
ções aos Papas , não fez mais que co
iar os Heresiarcas do decimo sexto
geculo : não contentes estes de terem
avançado , que o Matrimonio dos
Christãos pode ser dissolvido por dif
ferentes causas , como pretenderão
Luthero , e Melancton , ou somente
pelo adulterio de hum dos dois conju
ges , como opinava Calvino , vomi
tárão as maiores injnrias contra a
Igreja Romana, tratando de tyrannia
(l) Quest. sur I'Éncyclop. Art. Adub`
tère. _ -w . f
190
a prohibiçio que -ella faz aos Fieis
de se divorciarem, sob qualquer pre
texto que seja, para passarem depois
.a outras nupcias: o que deo lugar ao
Concílio de Trento de produzir na
vigesima quarta sessão o Canon seti-`
mo que pronuncia Ana'thema contra to..
dos aquelles , que ousarem dizer que a
Igreja esta' em erro quando ensina,
como sempreensinou, conforme a Dou.
trína do Evangelho, e dos Apostolos,
que o vinculo do matrimonio não po
de ser dissoivido por pescado de adul
terio de huma` das duas partes.: E que
kos Padres do Concílio na formação
deste Decreto sehajão realmente ati
do ao que Jesu Christo ensinou, e os
Apostolos , he couza que bem facil
mente comprehenderáõ' até as pessoas
que nenhuma noticia tem dos estudos
Theologicos. ,
Jesu Christo disse em S. Marcos
(l): Aquelle que largar sua mulher, e
casar com outra, commette adulterio
com esta. E em S. Lucas , que todo
o homem que larga ou repudia a sua
i l(l) “Quicumque dimiserit uxorem, et
aliam. duxerit, `adulterium comânittit su
per eam.,, Marc. c. X, 30 ll. - ~
191I
mulher , e casa com outra, commette
hum adnlterio (l). Quem diz aquelle
que, todo o homem, como nota Santo
Agostinho , não exceptua ninguem
(2). Por isso claro está que os textos
dos dois mencionados Evangelhos com.
prehendem tanto aquelle que toma
por motivo de se tomar a casar oadulterio de que a mulher he Iculpa
da , como qualquer outro~ pretex
to. , ~ r
Nem oSalvador fallou de outro moi.
do em S. Mattheus , digão o que qui..
zerem os Lutheranos , e os Calvinis
tas, os quaes se fundão em hum tcx- z
to de Cap. XIX deste Evangelho para a
sustentarem¬a sua opinião favoravel
ao divorcio. v 1
O Douto Abbade Bergier, respon
dendo aos indicados ímpios sarcasmos
de Voltaire , que tinha renovado o
erro dos Protestantes , refiecte muito
bem , que a. resposta de' Jesu Christo
'E'
¡me! 1 . - i _”
(l) "Omnis, qui dimittituirorprn- suam,
et alteram ducit moechatur' š et"qúi di: *
miuam a viro ducit , moechatur.” Lu'ç.
c. XVI, 'Í'Hi Y ' 'r "
a (2) S. Augustin. De Conjug. adult.` cnp'.
11, " 12'.: um . J n
192
referida por S. Mattheus no vei-seta
9.° do dito Cap. XIX , era relativa ã.
pergunta dos Fariseos , e á questão
que reinava entre elles sobre o verda
deiro sentido da Lei de Moysés , que
alguns delles tinhão desfigurado, pre
tendendo que o marido tinha authori
dade de repudiar a mulher por qual
quer causa de desgosto, se bem outros
mais sensatos sustentavão, que isto não
era permittido senão no caso de algu
ma falta de castidade. “Jesu Christo,
(diz o mesmo escritor) docidio a ques
,, tão a favor dos ultimos, declaran
,, do que Moysés não tinha tolera
do o divorcio senão por motivo de
,, infidelidade , nisi obfornicationem.”
Por isso em S. Marcos , prosegue o
mesmo escritor, quando não já os Fa
riscos , mas sim os seus discípulos lhe
perguntãrão em particular sobre es
teassumpto do` divorcio , e que por
conseguinte já se não tratava de in
terpretar o verdadeiro sentido da
Lei de Moysés , mas unicamente se
tratava de saber o que se devia pra
ticar na nova Lei da Graça , elle
decidio sem restricçã'o p' algum , e
absolutamente , que quando hum dos
lesposos usa do divorcio , e se torna
a casar ', commette hum adulterio
193
(1). E a mesma decisão, como 'á dis
semos ,deo tambem segundo S. ucas.
Mas quando mesmo se insista uni
camente sobre o Evangelho de S.
Mattheus , não he difficil mostrar a.
insubsistencia da doutrina dos Hete
rodoxos , pois ue tudo conspira no
citado Cap. Xlä do dito Evangelis
ta para fazer ver que o Matrimonio
he indissoluvel em todos os casos.
Com effeito, se alli o divino Redem
ptor declarou , que a Lei de Moysês
permittia. abandonar a mulher por
motivo de adulterio , remontou ao
mesmo tempo â maior antiguida
de, e fez ver, que em virtude da ins
tituição primitiva , e da Lei natu
ral, o matrimonio era em todos os
casos indissoluvel. Ensinou aos Fari
seos que he Deos oseu author, tendo
unido por meio do matrimonio o ho
mem e a mulher com hum laço tão
legítimo , que he muito maior que
aquclle que ha entre os filhos e seus
pais , e que, se bem omarido e amu
lher sejão dois individuos , não for
. g. l., v . .1 Liu-X.. l _
T. . . .em ,_,u .
(l) Bérgier , Trabad'o'historico e do -
matico da verdadeirallfleligião. Tomo I ,
cap. XI, Art. Il, palçigr. 17.
194
mão todavia mais que huma só car
ne. Do que veio a concluiu como re
gra e preceito geral , que do nenhum
modo he permittido ao homem sepa
rar aquillo que Deos ajuntou, (1)..
E para que não se cresse que Moy
sês,- concedendo aos Hebneos repudi
ar mas mulheres vem caso de adulto.
rio , havia derogado aquella divina.
Lei noimernente á primitiva institui
ção do mattinmnio, declarou igual
nwnts'Josu Çhristo 'nesta oceasião aos
Farisaos , que essa licença era vmais
huma. ¡espcoie de tolerância forçada. ,
que huma vemdadoira petmiseãoo. .Moy
sés não .nos concedeo desqwitardes-uos
de mois-sas mulheres , lhes disse Jesn
AChristo ,› senão pela dureza dovasso
l
*V o i.
XY) ,,Et accesserunt fadz eum Pharísei
tenmmaes eum, et `dicemes: *Si 1icet homi
mi diwittere mwrem quaoumque.ze|c cau
sai? *Qui respondem, ait giga-'Non Ie
“gipçig , guiaA . ui .fecit _homimâuoÁ iniíio,
_mascn-Lum et aeniinwm -feoit zeos: _zçt- dixit š
-Propter hoc diriúttet homo "patrern , et
naum, et adbâfirfàbit .vzsQri _SWÇzfiLemut
duo in carne una.-ltaque `jam non sunt
.duo ,- sedafinaíeomz'Qnbd em Dgus om;,I 0m0.imn. Bwtní ,'ZH_ I
Cap. XIX. -4, :5, 6. ' ‹
195
› cqração; mas não se praticou assim no
principio (1). Estas palavras do divi,
na Redemptor , não se praticou assim.
no principio, evidentemente mostrão a
-exprohação que lhes fez de serem elles
nisto os violadores da instituição Di,
visa; e que por consequencia erão
` indescul aveis no seu procedimento.
0 que fgz dizer com razão a. Santo
› Agofiinho , que quando Moysés per.
` mittio aos Aliqrâlirecuâr repudiarern suas
mulheres , deu a conhecer coml isto
*me mais .lhes lançava em resto Os
r Seusöivomiss, do que lhes sPPrPvs
i Vê 2- .
› 08 disÇiPHIOS que 88 achar/'ão Href
8612148' ao discurso que Jssll Qhusfq \
fu aos Farisees, nãs 0 istarpfetárãs
ds astro mudo. qse Per huma. lu
*fi Probibisãs de fwrgiivqrmz en.
do'elles y,~ .eus nã? 1mm Vsus esperar
(l) “ Diçunt illi; Quid efgo 'Mqyses
mandavit dare .libelhlfs .fevediii rf? .difrit*FTF ?._‹Aitl illis; Quoniapi Mqyse ad dq
nuam 'cordi'sfàëstri 'permisit'vebis 'mittere
llšflegvestras 5 ah initio antem nou fuit81°' n-Ibid. Ú 7, 8. ` h ' `
(2.) “Que is g sxprsbatio Qtius, quam
Ê'Pfl'bvflmerv n must» ..-Augwf~ De
°"° (Jung-,pan
196
.modificação alguma do rigor da Leidivina concernente â Vindissolubilida
de dol matrimonio , concluírão , que
não convinha casar (l).
Mas ainda `quando fosse verdade
que a maneira com que S. Mattheus
referio a resposta , que deo Jesu Chris
to aos Fariseos incluisse alguma le
ve obscuridade , nem por isso seria
menos bem fundada a doutrina da
Igreja Catholica sobre a absoluta in
dissolubilidade do matrimonio por di
reito divino; pois que S. Marcos e
S. Lucas explicârão tão claramente
o pensamento e a ordem do Divino
Salvador , que não ha o_minimo lu
gar de duvidar , que elle prohiba o
casar de novo tantoáquelles cujas mu
lheres se achão culpadas de adulte
rio , como aos que pudessem allegar
outros pretextos para passarem a se
undas nupcias em vida de suas mu
heres: e em consequencia, como pro
segue o mesmo Doutor , não se pode
dar outra interpretação ás palavras
de S. Mattheus huma vez que se não di
(4) “Dicunt ei discipuli ejus: Si ita est
causa hominis cum uxore, non expedit
nubere.n Matth. Cap. XIX. :Í 10.
197
ga, o que seria huma impiedade,
que os Evangelistas se con-tradisse.
tão l .
O(A)postolo S. Paulo, que certa
mente era hum bom interprete da
doutrina de Jeso Christo, diz tambem
em termos geraes. , e sem fazer ex.
cepção alguma , no Cap. 7.° da pri
meira Epistola aos Corinthios que a
mulher está ligada â lei do matrimo
nio em quanto vive seu marido. E o
mesmo repetio em outro lu ar do dito
Cap. 7.° : ,,Quanto âquel es que já.
,, são casados , não sou eu , mas o
,, Senhor, que dá este mandamento,
,, que a mulher se não separe nunca
,, de seu marido z e quando delle se
,, haja de separar, permaneça sem
,, casar com outro , ou se reconcilie
,, com o marido ; e tambem o mari
.. do jamais abandone sua mulher.”
Este mesmo eral e illimitado preceilO foi repetizglo pelo Apostolo no 72
Capitulo da Epistola aos Romanos.
Se a mulher durante a vida do mari
(ll “Sancti Matthei locus ab alliis Evan
gelistis ita explanatus est , nulla ut super
sit flifficultatis umbra.” S. August. DE
CWug. adult. lib. I, cap. 11.
19'8
do , dit ellef, se despoâaf com outro
hoi'nem Sei'ã ëbusiderada comi) adul
tera. ›
,àEstas palavras do Apostolo tantas
,, vezes repetidas, tantas vetes ineul
,, cadas , são verdadeiras , diz Santo
,, Agostinho, são-vivas, são sãs, são
ela-ras. Hume mulher, segundo S.
Pauloi (prosegue o mesmo santo
Doutor) não pode vil' 'a ser esposa.
de outro homem 5 em quanto não
tiver 'ce'ssad'o lie o ser do primeiro
com quem se despozou, e não po
de cessar de ser sua mulhex` senão
pela morte' deste marido, nem mes
mo pelo seu adultetio. He verdade
que sep'ei'uiitte repudiat huma mu
lher por commette'r adulterio, mas
nem por isso fica desatado o vincu
,, lo do matrimônio; e isto ainda
,,› mesmo que o seu marido jâmais se
,, reconciliasse com ella (1). ,,
,2
u.e
7,
77
7,
97
8,
S)
,7
3)
7)
(l) “Haec verba Apostoli, tot-ies inculcata,
vera sunt , viva sunt, sana sunt, plana
sunt.l Nullius viri posterioris mulier uxor
esse incipit, nisi prlioris esse desierit. Esse
autem desi'net uxor pr'ioris, si' 'mofiátui" vir
ejus,` `non si fo'rnicetur; Iicite igitui' dimit
titur èonjux oh causam fornicaii'o'ni's ,`nec
carebit illo yineulo, etiam si nanquim re.
199
Poderia citar outras muitas passa
gens d'este grande Doutor, tendentes'
aprovar que omatrimonio dos Chris
tãos, por direito divino, he indisso
luvel em todos os casos , sem exce
ptuar sequer o de adulterio. Restrin
gir-me-hei porém a referir a seguin
te reflexão. ,, Se o adulterio , diz el
,, le , fosse huma razão sufficiente
,, para dissolver o matrimonio, se
,, guir-se-hia dahi a monstruosa e
,, abomiuavel consequencia` de que o
,, delicto de huma mulher lhe sería
,,tão favoravel , que por este seu
,, grande attentado contra a fidelida
,, de conjugal , não só ella se livra
,, ria de hum marido de que não gos
,, tava., mas até por meio deste seu de
,, licto cessaria de ser culpada; por
” que desligando este mesmo seu de
,,licto o seu matrimonio , eessaria
,, ella de seradultera (1). n
concilietur viro; carehit autem si mortus
fuerit vir ejus.,,-S. August. Iib. II. Adul
tmais Conjug. cap. 5.
ll) “Quomam si per conjugis adulterium
°°njugale solvitury vinculam , .sequitzur illa
Pfrversitas, quam cavendam esse monstru
VI, ut te mulierp'er impudicitiam solvatur;
00 vinculo, quae si solvitur , libera eric'
200
O matrimonio na Lei nova foi ele.
vado á dignidade de Sacramento. Os
Hereges, que o negão, fechão' intei
ramente os olhos â luz , pois que a
authoridade S. Paulo no Cap. V. da.
Epistola aos Efesios he sobre este
Ponto sobejamente clara e terminante ;
ora esta he mais outra razão pela qual
Santo Agostinho faz ver que o ma
trimonio dos Christãos he absoluta
mente indissoluvel. ,,Tendo sido por
`,, Jesu Christo elevados â di nidade
,, de Sacramento , recebeo, iz elle ,
,, hum novo grâo de indissolubilida
,, de que não tinha na Lei antiga. ,,
Os outros Padres e Escritores Eccle
siasticos , tanto anteriores como pos
teripres a Santo Agostinho , forão tam
bem scm discrepância alguma do mes
ino parecer, que omatrimonio he por
direito divino indissoluvel, ainda mes
mo no caso de adulterio; o mesmo se
pode dizer dos Concilios , e dos Pa
pas , tanto assim , que os Padres do
a lege viri, eideo quod insipientissimè di
citur, non erit adultera, si fuerit cum alio
viro ,. yquia per adulterium Iiberata est a
priori viro.” S. Augustim' lib. 2. De Adult.
Conjug. Cap. 5.
À201
Concilio de Trento , ao formarem o
dito Canon VII da Sessão vegesima
quarta , com todo o fundamento asse
verârão , que a doutrina conteúda no
mesmo Canon he realmente a que a
Igreja em todo o tempo ensinou (l).
(l) Esta doutrina da indissolubilidade
do matrimonio em todos o casos , compre
hendido tambem o de adulterio , foi cla
ramente exposta , antes de Santo Agosti
nho, por S. Clemente Alexandrino /Slrom.
Iib. 2), e por Origenes (Homel. 7 in Mat
th.) E contemporancamente, e depois do
mesmo grande Bispo de Hippouia, susten
tárão a mesma doutrina Santo Ambrosio
(no livro 1.' de Abrahamo cap. 4). _S. João
Chrisostomo. /HomeL 17 in MatlhJ,S. Je‹
ronymo (in Epitaphio Fabioloe ad Ocea
uum , seu epist. 50, et in Epist. 147 ad
Amandum); S. Basilio (no Livro da Vir
gindade , e na Homelia 7 , sobre a obra
dos sei: dias) ; Lanfranc (na 10 carta a
Thama's Bispo d'York); e IvoI de Chartres
(na Carta 125.) f ,
E pelo que toca aos Concilios, além da
decisão já referida,. e subida de todos, do
Concilio vde Trento no Canon 7_,da sessão
XXIV , podem citar-se ,o Concilio de
Elvira , Canon 9 ; o de Milevi _, Canon
17; outro de Africa, ao qual tinha assig
tido Santo Agostinho, Canon 69 ; `o pri
202
He por tanto falso que aactual dis
ciplinada Igreja concernente á geral
meiro' Concilio de Arles, Canon 10; e o
Concilio Ecumenico de Florença.
Finalmente, pelo que toca aos Pontifices `
Romanos, poderá ver-se a Carta 3 de In
nocencio Iud Exuperi.; Innocencio III, no
cap. Gaudemus, de Divortiis; e Eugenio
IV no Decreto enviado aos Armenios. Es
te Descreto era concebido nos termos se
guintes: “Quamvis ex causa fornicationis
liceat thori separatione facere, non tamen
alium matrimonium contrahere fas est, cum "
matrimonii vinculum legitime contracti per
petuum sit. ,,-Assim se vê claramente
que a Igreja, por constante tradição ensi
nou sempre , que o matrimonio he de tal
sorte indissoluvel, que não se .pode desatar
nem mesmo por causa de adulterio.
Sei que se tem objectado, que alguns
Padres tem sustentado que mesmo na Lei
nova he permittido dissolver o matrimonio
pelzrcausa acima indicada; fe citão-se en
tre outros S. Justino na primeira Apologia
dos Christãos, dirigida á cerca do an'no de
150 ao 'Imperador Antonino, e Tertulliano
no Livro 4 contra Marcião. Mas isto he
hum erro. Se' se lerem com nttenção es
tes escritores, conhecer-se-ha que elles não
fullárã'o senão da separação 5' em quanto ao
thílaino e á habitação , que elles julgárão
permitti'da, quando a mulher he convenci
203
é absoluta prohibição do Divorcio
sejaA Obra da ambição e da politica
dos Papas , como assevera o Corifeo
do moderno Filosofismo, sem intlical`
porém quaes sejão estes motivos de
ambição e de politica , que o indu
zirão a. fazer huma tão importante
mudança na Igreja (l). Das reflexões
feitas em todo o decurso do presente
artigo Se manifesta claramente , que
ella neste ponto tambem sempre en.
slnou la. mesma constante doutrina..
Alguns Escritores , tanto entre os
Protestantes., comorentre os Filosofos,
para provaremque a Igreja Romania
v
i
da de adulterio;` e ver-se-ha por conseguiu-_
.te que nenhum dos' Padres disse que (le-_'poisl d'aquellá separação he permittido 'ao
marido casar com oufra mulher durante i!
:vitlá' d'aqueila que repudibu: excepto'uúi‹
camem'e Laétaneio, o quai era secular, e
hum Rhetorico criado na Corte do Im~
p'eradoficønatantino., e não instruido _de
iodo .na ddoutrina _da igreja. ,Cria elle quea excepção feita porV Jesu'Cliristo em S.
Matthias ,u S,e___‹levia entender lconforme a
disposição das Leis Romanas, que permit
fliO~o divoreio.V '
(l)fVoltaire,»'Q¶eat`. sur I'Encyciopedó
Grliêfi Adúltemí. › . `-_ '
204
não sustentou sempre a doutrina actual
sobre o divorcio, tem citado as Leis
de Theodosio , de Valentiniano, e de
Anastacio , insertas no Codigo de Jus
tiniano no titulo dos Repudios. Os
tres mencionados Imperadores, dizem
elles, erão Christãos, e com tudocom
as suas citadas Leis permíttirão aos
conjuges poderem tornar a casar depo
is de se terem separado. Este modo de
discorrer nã'o só he contrario â Logi
ca , mas. tambem' ao simples bom sizo.
He o mesmo que se , quinhentos ou
seis centos annos atraz ,~‹ citasse alguem
o Codigo Napoleão , para provar
que no principio do decimo nono se
culo tinha. aIgreja Romana approva
do o Divorcio. Nos primeiros temposí
da. Igreja erão as Leis dos Im erado
res mui diversa couza_que as eis de
' Jesu Christo .: e S. Paulo e Papiuia
no ordenavão couzas que erão entre
si muito diversas , como observou S.
Jeronymo (1).
Justiniano nas suas novas Consti
tuições abrogou a maior parte das
(l) “Aliae sunt leges Caesarum, aliae
Christi : aliud Papinianus ,\ aliud Paulus
noster praecipit.”-HyerenimrEp 30
205
Leis Romanas favoraveis ao Divor
cio, e exactamente por serem oppos
tas â Lei de Deos: e se algumas con
tinuârã'o asubsistir, não foi por mui
to tempo. A' medida que o Chris
tianismo se hiadilatando entre os po
vos , e sobre tudo desde que toda. a'
Europa se achou convertida á Fé,
cahírão em desuso todas as antigas
LeisRomanas que approvavão o di
vorcio , eprevaleceo` inteiramente so
bre ellas a disposição do Direito Ca.
nonico, de modo que com toda asem
razão na Encyclopedia Methodica , e
em outras obras modernas aliàs sãs ,
se citou a Polonia como hum exem
plo sempre subsistente de hum Reino
-Catbolico , em que he permittido o
divorcio.
ARTIGO II.
\
Hefalso que o Divórcio haja sido sem~
pre authorisado na Polonia.
Este erro vem de que em nenhu
ma outra parte são mais frequentes as
dissoluçõ'es do matrimonio que na Po
lonia. Se em yez de se aterem ao
20.6
simples facto , considerassem os meti..
vos que o produzíi'ão, não terião os
apontados authores avançado tão ligei
ramente similhante asserção, O author
da Obra intitulada Codigo Matrimonial
provou sem réplica, que as sentenças
pronunciadas na Polonia sobre esta
materia não são, fundadas na faculda
de que alli exista de fazer divor..
cio , mas sim na grandissima facili
dade de admittir as causas de _nullida
tde , e d°ahi tira por tanto huma con
”sequencia totalmente contraria ao seu.
tir dos escritores , de que temos fal
_lado. “0 uso da Polonia , diz elle ,
longe de estabelecer a authorisaçãø
do divorcio, antes demostm 0 con
trario, Quando .Se dissolve hum ma.
trimonio contrahido por força, suc
cede, que se julga que não interveio
jâmais 0 consentimento; esendo es
,, te a basedo matrimonio , por isso
,, se julga nunca haver sido verda.
,, deiro matrimonio; Depois , não se
,, achão¬outros meios de permittir a
,, dois conjuges , descontentes da sua.
,, sociedade _. que formem outra, de
4, novo, senão declarando não whe
,s vide vinculo quem haja ligado;
a .e M0 he huma Prova sessivel de
s, que ,se houvesse. .vins'uloseéstç mãe
,1
9)
i,
,1
H
,7
,207
à, podia deixar de ser indissoluvel.
.,, Assentado isto , quer os`Juizes se
,, jão mais, ou menos faceis em admit
,, tir as provas cf'eata nullidade do
,a vinculo matrimonial, sempre aLei
,, fiea em pé, O Juiz pode prevari
,,, car; mas a Sua, Vmesma prevarica.
,, lção , longe de abolir aLeii, mostra
,, a orça do seu imperio, da qual se
,, não pode subtrahir senão por meio
,, de hum delicto.” .
Se a índole de hum simples artigo
o pormittisse ,_ poderia referir outros
similhantes esoriptores, que se impo.
serão o dever de refutar esta falsa
idéa do que o divoroio propriamente
.dito haja sido sempre na Polonia per
mitiído. .Nãozposso porém deixar de
referir huma. passagem z de Benedicto
XIV ,' ,pois que-o Leitflr olhará como
deçisiva ,a sua authoridade. ,4 w
Resoluto este grande Pontifice are;
pzrezaro curso dasdemasiado frequen} o
tes .dissoluções de .Wimønio na' Poj
lonian' dirigia para yesse effeito diver
sos Breves' aos Bis os daquellešpaiz; i
msq-uaes depois lhes haver ,feito
sentir 'os ¡move/Mentes dfisso, vai, 422!,- .
pondo as anais' cousasdç medo Seguiu;
to.: ff Estamos (dis 10116). .WSBMÃMPS a
a, que 'a âesøsdenmfi eøwfusãow de
208
J,
,9
H
J,
2,
,7
7,
,9
37
ã)
,7
7,
H
,1
,7
3,
i)
H
,7
1"
a:
n
'n
que acima fallamos , e que reinão
na Polonia, provêm pela maior par
te da maneira porque ahi se con
tratão e celebrão os matrimonios.
Muitas e muitas vezes deixa de as
sistir a isso oproprio Parroco; dâ
se âs vezes, sem elle o saber, acom
missão a hum simples Clerigo seja.Y
qual for; concedem-se tambem fre
uen'temente dispensas de banhos,
de modo que, apezar de não haver
alguma causa legitima e urgente,
não se dá lugar sequer a huma
denuncia. Fecha-se com isto todo e
qualquer caminho pelo qual se pos
sa vir no conhecimento se o matri‹
monio foi celebrado com a neces
saria liberdade de hum e do outro',
e se ha ou não entre hum e outro
algum impedimento por cujo mo
tivo o mesmo matrimonio já con
trahido deva consecutivamente ser
dissolvido. D'ahi nascem frequen
tissimas contestações sobre a nulli
dade dos matrimouios ainda que
celebrados â face da Igreja. A°s
vezes pretendem que o matrimonio
se contrahíra ou por violencia, ou
por temor, sem o livre consenti
mento de hum dos dois espozos; Ou
tras vezes pmduz-se e oppõe-se
\
209
hum impedimento , o qual , bem
que legítimo , podéra. ter-se desco
berto antes de se contrahir o matri
` monio, se premeditadamente ecom
apostasia o não tivessem querido
esconder. Outras vezes, eisto acon
tece com mais fre uencia , faz-se
depender a nullida e do matrimo
nio do motivo de se haver celebri
do perante outro Sacerdote em vir
tude de huma commissão, quer do
VParroco , quer do Bispo , a qual
se não deo vsegundo as formulas or
dinarias e estaveis. Não ha certa
mente algum .que não comprehen
da que tudo isto , abrindo facil
mente a estrada ao delicto , lie cau
sa de que o beneficio canonico da
appellação , que concedemos nas
nossas ultimas Letras , e do qual
poderia gozar hum dos éspozos por
,, meio da obtida sentença de nulli
.,, dade, vem por estas fraudes e sub
,, terfugios a_ ficar impedido ; .e por
,, consequencia, que, com gravissimo
,, escandalo da gentede probidade ,
,, são tão fre uentes na Polonia as
,, dissoluções o matrimonio. ,,
Estas dissoluções do matrimonio
não são pois, torno a dizer , funda.
das na Polonia na permissão do di
“v “e
uuuauwuugqvuuuvv-Vu-“»u~q~¢-uuuuqvuuu
u v
210
vorcio , mas sim em razões de nulii.
dade e impedimentos dirimentes , dos
quaes :e abusa. Se existira similhan
to permissão, o douto e zeloso Ponti
fice não deixaria de em seus Breves
desenganar aquella nação Catholicis
tina. e tão respeitosa para com a San
ta Sé , sobre hum erro tão opposto
aos principios do Evangelho. D"a.qui
concluo em ultima analyse , que em
todos os Estados Catholicos, sem ex
oeptuavr algum , sempre ha. sido pro
hibido o divorcio.
‹-.__
Al'rloo III.
Das Lei; de França de 1792 , e 1803
a favor do Divorcio.
Aprimeira vez que em hum paíz
reputado Catholico se ha visto publi
car huma Lei a favor do Divorcio,
foi em França no me: de Setembro
de 1792` Mas bem se sabe que na
quella época não tinha a Religião
Catholica naquella região mais que
huma existencia meramente nominal.
Os seus verdadeiros Ministros pros
I
211 '
critos , desterrados por paizes estran
geiros , estavão substituídos por in.
trusos, por scismaticos , os quaes não
formavão mais que hum vão simula..
cro de Igreja. Ainda entre estes ulti
mos alguns houve que reclamarão al
tamente contra o escaudalo da nova
Lei. Tal foi principalmente hum oer.
to Mr. Gracian , intruso de Ruão, o
qual foi perseguido pol` ter sustenta
do em huma sua Pastoral a absoluta
indissolubilidade do vinculo do ma
trimonio. Mas este clamor de hum
Bispo sem missão, que barreira podia
oppor â torrente da impiedade que
devastava então aquella' outrlora tão
florente porção da Igreja Universal?
Esta. Lei de 1792 , obra de huma.
Assembléa que tinha arruinado a Cons
tituição politica e religiosa de hum
vasto reino , nada offerccia extraor
dinario. O que verdadeiramente cau
sou singular assombro foi ver succes
sivamente Napoleão propor huma si
milhante Lei ao Corpo Le islativo.,
hum anno depois de ter pällicado a
Concordata , por meio da qual tanto
blazonava. ter restabelecida com todas
as suas premgativas o Culto ÁCatholi
co em França.
. O pretexto wddmoido pelos seus ora.
. 2
212
dores para' córârem esta contradicçã'o
he digno do motivo que havia inspi
rado a Lei. Era isto , dizião elles,
orque havia em França seguidores
se differeutes Cultos que admittião o
divorcio ; razão verdadeiramente ri
dicula , e digna de hum tal legisla
dor! Como se , po-r contentar os filhos
de Luthero e de Calvino , os quaes
não formavão em França senão huma
pequena parte dos habitantes , fôra
precizo compro-metter a delicadeza da
consciencia da totalidade moral de
Nação , que professava a ReligiãoCatholical i
Além do que, os sectarios que Na
poleão tinha em vista favorecer , não
admittem o divorcio senão por causa
de abandono ou de adulterio. A sua
Lei, mais.` geral, sim era sujeita aal
gumas restricções , mas estas erão tão
vagas , que condescendia com todos
os caprichos , e favorecia todas as
paixões. Hum Legislador mais reli
gioso emais coherente teria feito hu
ma Lei fundada no preceitoevange
lico , a fim de declarar prohibido â
Nação Catholica o divorcio; salva
huma excepção particular para os
Protestantes nos dois casos authorisa
dos pela sua doutrina. Mas Buona
l
213
parte tinha miras mais distantes; e
hum secreto desígnio, que facil era de
perceber. Entrava nos seus projectos
remeter os preceitos de Jesu Christo
ao numero das opiniões puramente
theologicas , e avezar insensívelmente
d°este modo os Catholicos â prevari
cação. Tudo isto conduzia a. pouco e
pouco ao grande systema da indiffe
rença de todos os Cultos, o qual tan
to tinhão a peito os Filosofos.
___
ARTIGQ IV.
Opposição do Divorcio ao bem
da Sociedade.
Se o Divorcio he visivelmente con-
trario aos principios do Evangelho,
não o he menos â ordem social debai
xo de todas as relações de utilidade
publica que hum Legislador deve ter
em vista , a fim de que as suas orde
nações produzão o commodo da Na
ção; o que bem provou o Abbade de
Rastignac na sua bella obra intitula
da : Accord de la Revelation et de la
Raison contre le Divorce.
IÁ214
Tambem ' o Abbade Bergier depois
de ter amplamente provado , na sua.
já mencionada Apologia da verdadei
ra Religião , que o divorcio he con
trario ao Evangelho , não deixa de
~se espraisr do mesmo modo sobre a.
sua opposição ao bem da sociedade.
Demonstrou elle concludentemente que
o divorcio he contrario ao interesse
dos filhos , offende o direito natural
das mulheres, pcrjudica a pureza dos
costumes , e arma finalmente hum la
ço â fidelidade dos Àesposos, pois que
aquelle dos dois conjuges, que desgos
tar do seu estado , se sentirá movido
a. ser infiel , para dar ao outro hum
motivo de se divorciar.
Muito antes de qualquer destes dois
escritores , e exactamente pelo fim ldo
decimo sexto seculo , tinha o coorde
nador' do Cathecismo Romano , com
pilado em consequencia dos Decretos
do Concílio de Trento , exposto di ver
sas vantagens consideraveis que , aín
da a respeito da ordem social, se de
rivão da Lei da indissolubilidade do
matrimonio (1). _
1 (l) “Ac ne alicuizvideatur durior ma
trimonii lex, quod nulla unquam ratione dis
215
Como porém a anthoridade d'estes
escritores , por mui respeitavel que
seja , poderia não ser talvez de gran.
de pezo aos olhos de certas pessoas
que reprovão anteci adamente tudo
aquillo que provem apenna dos Ee.
clesiasticos ; juntarei aqui a opinião
'solvi possit, doceudnm est, quae sint cum
ea ntilitates conjunctae. Primnm enim hm
mines iu conjungendis matrimoniis virtü:
tem patins, et mornm similitudinem, quam
'divitias, et pulchritudinem spectandum Bb
se intelligunt.: qua quidem re communi
societate maxima consuli , ncmo dubimrç
potest. Praeterea si divortio matrimonium
dissolveretur, vix unquam dissidendi causa:
`liominibus, quae iis ab antiquo pacis et pd
dicitiae hoste quotidie objicientur, deesseutí.
Nunc vero cum fideles secum cogitant,quam
vis etiam conjugii convictu et consuetu
dine carea'nt, se tamen matrimonii vinculo
-contriotos teneri, omncmqne- alterius uXim'iS
du'cendae spam sibi praecisam essel ea re
fit, ut ad iracuudiom, et dissidia tardiores
esse cousueverint. Quod si interdlum etiam
divortium faciunt, et diutius coniu is def
siderium ferre non possunt, et 'amle pei
amicus reconciliati ad ejus convictum` re'
deaut.” Catherbis. Rom. e.: 'decreto 'Sad
Com-.f Tridm. jun» Pit' V. P.~M.'Udil|í|1š
Cap. s. quam. m. z e .~ 4; fz
216
de David Hume , hum dos oraculos da
Filosofia moderna. No decimo oitavo
dos seus Ensaios abertamente se de
clara contra o divorcio, e bem pode
cada qual imaginar que elle certa
mente não tomou do Evangelho os
argumentos com que apoia o seu sen
timeuto.
Pode-se consultar tambem o excel
lente escrito de Mr. de Bonald atraz
louvado , que tem por titulo: Du Di
vorce consídèré au dixneuvieme siecle.
Este author , que ainda vive e goza
de grande reputação de probidade
'entre a sua nação , tinha composto
este discurso com a intenção de fazer
sentir ao Legislador da França , em
1803, os inconvenientes da Lei anti
christã , e immoral de 1792 , e im
pedir assim , que ella não fosse de
novo consagrada pelo Codigo Civil
que então se compilava. Fazia elle
principalmente observar que odivor
cio se torna mais funesto á medida
que huma nação mais se vai estra
ando, porque se faz mais frequente.
, l que elle. prova com o exemplo do
Povo Romano, entre o qual o divor
cio, se bem authorizado pela Lei, foi
por longo tempo summamente raro,
e não se tornou frequentissimo senão
_ 217
nos ultimos tempos da Republica,
quando a corrupção dos costumes se
tinha feito excessiva (l). Juvenal,
que vivia exactamente no dito tem.
po , exercitou o seu éstro satyrico
contra as .matrouas Romanas, que ti
nhão achado o segredo de permuta
rem oito maridos cada cinco annos.
Muitos escritores Protestantes do
passado seculo decimo oitavo, es an
tando-se desta excessiva multip ica
(l) D'esta louvavel conducta dos Roma
nos antigos de não se aproveitarem da lei
que permittia o divorcio, temos huma au
thentica prova em Valerio Maximo, o qual
no Liv» 2, cap. `l nos diz que a Republi
ca Romana Ââ tinhaexistido mais de 500
annos primeiro que se ouvisse fallar do
repudio das mulheres; e que Spurio Car
bilio foi o primeiro que repudiou sua
mulher corn o pretexto da esterilida
de , a fim de casar com outra. O mes
mo Historiador ajunta , que , se bem es
te pretexto parecesse toleravel , com tudo
não deixou de ser o mesmo Spurio Cal-bi
lio geralmente vituperado porque, como
_todos dizião , não devia preferir á fé con
jugal o desejo de ter filhos._“Qui quam
,, tolerabili causa motus videbatur, repre
,, hensione tamen'no'n'raruit, quia nec
,, cupiditatem quidem liberorum conjuga
,, li fidei praeferri debuisse arbitrabatur. ,,
218
ção' dos divorcios que havia'entre os
seus, e pelo mesmo motivo que a
Ptoduzio. entre os. antigos Romanos,
desejavão ardentemente ver sobre este
onto restabelecida a doutrina da
greja Catholica , que os seus avós
tão temeraria e tão ligeiramente ha
vião ,oondemnado no decimo sexto.
o .Accrescentarei a isto , que na Ca
mara dos Pares dllnglaterra, de cuja
jurisdicção dependem as causas do
divorcio, tem muitos membros respei
taveis varias vezes declarado os seus
votos pela inteira abolição deste uso,
como unico meio de suspender os seus
escandalos. ,
Assim , entretanto que os escritores
mais (rapazes de fazerem authori'dadc,
e os homens mais distinctos pela sua
moral ainda mesmo nas nações pro
testantes, abertamente reprovavão o
divorcio , applicava-se o pretendido
restaurador do .Culto Catholico em
Fran a a consolidallo na sua nova
Le is ação.
` as se depois da época de 1803 ti
verão todos os bons a mortificação
_de verem estender-se aLei anti-chris
tã e immoral do Divorcio até por
diversos paizes Catholicos, podem ao
presente tranquillizar-se de todo , pois
219
ã se tem restabelecido neste tão de.
licado ponto a ordem das couzas. O
Soberano da minha patria foi o pri
meiro que rendeo esta homenagem â
Religião e á' moral ; por quanto no
mez de Maio depl814 , quando , de
pois da derrota de Napoleão , as suas
victoriosas falanges pozerão pé no
territorio Veneziano, o primeiro acto
de authoridade que exercitou , foi
proscrever a dita Lei do Divorcio;
exemplo que brevemente foi imitado
pelos outros Principes Catholicos ue
na mesma época entrarão na posse os
seus antigos dominios.
, 220
'cAPITULo VL
Da Liberdade da Imprensa.
ARTIGO I.
Os Filosofos modernos tem artificiosa.
mente confundido a liberdade da
Imprensa com a liberdade de pen.
sar , e tambem dlesta nos tem dado
huma noção totalmente falsa.
Aliberdade da Imprensa he a ulti
ma das idéas pretendidas liberaes, que
eu me hei proposto examinar neste
opusculo. Sobre este objecto não teria
eu na verdade precizão de me esten
der muito , antes me poderia limitar
a duas alavras , dizendo , que este
he infelizmente o meio pelo qual se
tem espalhado tanto oveneno das ma
ximas irreligiosas e anti-sociaes que
ha vinte cinco annos aesta parte tan
tas lagrimas tem produzido no Mun
221
do. Porém os Filosofos tem ha mais
de meio seculo repetido incessante.
mente , que a liberdade da Imprensa
he a principal salva-guarda da feli
cidade das nações , tem-se soltado tan
to contra os Principes e contra os
Ecclesiasticos por semostrarem affer
rados aos antigos regulamentos sobre
a censura dos livros , olhando simi
lhante proceder como o ultimo grão
do Despotismo Sacerdotal e Ministe
rial; que para encaminhar em tão
interessante objecto a opinião publi.
ca, creio não ser inutil descobrir to
da a fraqueza dos sofismas com que
se tem chegado a depravalla.
O Marquez Gorani , que na nossa
Italia foi hum dos primeiros e mais
ousados promulgadores do filosofismo
ultramontano, depois de ter, nas suas
Investigações sobre a Sciencia do Go
vcrno , feito os maiores elogios da li
berdade de pensar, que considera como
a mais nobre prerogativa do homem,
assa. a fallar nestes termos da liber
dade da Imprensa: “A liberdade de
fallar, de escrever, e de publicar
cada hum os seus pensamentos he
huma consequencia necessaria da
liberdade de pensar. De que servi
ria com effeito esta ultima facul
r
222
3,
2,
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37
Mah»
vuflvv
:a
,7
,7
a:
:1
,7
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n
5,
,3
37
,J
H
dade , de 'que serviria investigar
verdades , e couzas uteis, se fosse
vedado communioallas aos outros?
Por meio de similhante prohibição
he 'que o Despotismo Sacerdotal e
Ministerial tem reduzido tão pou
cos verdadeiros omens de Estado,
e poucos livros bons sobre a scien
cia do Governo. Se fosse possivel
anniquilar a'faculdade de publicarsos proprios pensamentos , não se
chegaria jamais a libertar os po,
vos do flagello dos erros e da ty
rania, a reformar os costumes, as
leis, os Governos, a conter em de
ver os Ministros , aquelles princi..
paes inimigos dos homens, a dar a
conhecer os males e os remedios, a.
assegurar penas aos delictos e re
compensas á virtude , a comparar
as opiniões proprias com as dos
outros , e a aproveitar suas idéas
para aperfeiçoar os conhecimentos
proprios ; em fim o genero huma.noV condemnado a huma perpetua
infancia não poderia jamais sacu.
dir o jugo dos seus tyrannos , nem
regenerar-se (1).” -
(l) Goreni, Ricerche su la scienza del
Governo, tom. 1, cap. 60.
223
VEste modo de discorrer do Marquez
Gorani , que he commum a todos os
outros livres ensadores do seculo de
cimo oitavo, lÊe em todas as suas partes
vicioso, e inconcludente. A liberdade
de pensar, e a de fallar, e escrever,
são duas couzas entre si inteiramente
diversas e distinctas. E a razão d"isto
se manifesta promptamentepor si mes
ma, pois que em quanto temos dentro de nós mesmos os erros, não po-V
dem estes fazer damno algum á socie
dade , o que não succede quando se
expõem com as palavras , e .muito
mais com os escritos. Mas já que os
Filosofos tem artificiosamente confunà
dido estas duas couzas tão oppostas
entre si , julguei não sería inutil se
uir os seus raciocinios ; e antes de
šallar directamente da liberdade da
Imprensa, julgo interesse da obra en
treter-me hum pouco sobre o erro do
principio de que elles a fazem deri
var ç demonstrando para esse'effeito`
que aliberdade de pensar, sobre que
ellesítanto tem escrito , não he outra
eouza mais que a libertinagem e a
soltura. E creio que não posso satis»
fazer melhor este empenho do que
seguindo passo a passo os raciocinios
e as idêas do Escritor de que todos
224
tomârã'o este do ma característico do
moderno Filoso smo.
João Antonio Collins , o discipulo
predilecto, e intimo amigo de Locke,
depois de ter abalado os alicerces da
moral e da Religião , tirando ao ho
mem a liberdade , levou mais longe
este seu audaz desígnio dando ao mes
mo homem a funesta licença de exa
minar as liberdades reveladas e de
submetter a Fé ã razão. Fez elle pri
meiro isto com hum opusculo sobre o
uso da Razão, mas depois mais par
ticularmente , e , por assim dizer ,
ex professa , no seu famoso discurso
sobre a liberdade de pensar , que pu
blicou em 1713 , por occasião de ter
sido aggregado a huma sociedade de'
livres-pensadores, que então se tinha
erigido em Inglaterra.
Collins principia estabelecendo co
mo principio e axioma, que rege to
do o seu discurso , que nada se deve
crer sem exame; d`ahi faz consistir a
liberdade de pensar no uso do enten
dimento para procurar e descobrir o
sentido de huma proposição conside
rando a natureza das provas pró e
contra , a fim de formar cada hum o
seu juizo, segundo ellas parecem mais
ou menos fortes. /
22
' Esta definição, que Collins, da
liberdade de pensar -, app icada ás
Sciencias Naturaes he justissima; e
todos pensarião tambem que a suain
tenção seria realmente restringir a
sua mencionada definição dentro d”es
tes justos limites ; tanto mais que na
época em que elle `publicou o 'seu dis
curso sobre a liberdade de pensar
reinava ainda geralmente o Peripaõ
tecismo, o qual foi sem duvida hum
grande obstaculo aos progressos e ao
adiantamento das Sciencias. Mas deo
infelizmente ao seu systema huma ex
tensão muito'maior. Corn effeito, em
todo 0 fio do -mesmo discurso não
cessoufelle de applicar a sua aponta
da definição igualmente âs verdades
reveladas; o que certamente não ho
lícito fazer: assimpois, Anão se pode
de modo algum duvidar que o prin
cipal fim: do seu livro não haja sido
deprimir vemy geral. a Revelação , o
em particular o Christianismo. _
Verdadeiramente , ainda em ordem
á Religião , 'de todo nãoflhe excluído
o meio do exame..v Dev-e ,porémlhum
tal exame ter por objecto sóa exis
tencia , , e não 'áv o fundamento da.
verdade , o qual he de Lsua natureza
impenetraveh Tudo p) que .pode em,
226
gir a este respeito. hum prosélyto he
ser convencido .da solidez das provas
sobre que aV Relirrião se funda , e que
motivos de credu idade citão osTheoú
logos. .
- Em vão por tanto Collins , e .com
elle os seus dois-nacionaes e coeta
neos Tindall e Tolando , como tam
bem todos os nossos' modernos incre.
dulos incessantemente gritão , que a
evidenciavhe ro fundamento da persua.
são e concluem f, que não se pode
acreditar aquillo que se não concebe
claramente. .A evidencia'he sem du
vida o fundamento da persuasão: mas
ha diversos gen'eros de evidencia e de
certeza. A certezamoral, aqual, bem
como a' certeza fysica , tem por ob'jeú
cto os factos, pode ser levada a. tal
grão de convicção, que vença até as
mesmas provas fysicas. Os nossos mais
caros interesses ,r os nossos deveres , e
a nossa conducta na vida civil repou
são unicamente sobre provas moraes ,
tanto assim, que , 'se nctlzas. não se ti.
vesse confiança, não poderia subsistir
a sociedade. Ora a certeza moral ho
exactamente a que se deve principal- ,
mente procurar em materia de Reli..
gião; e atendo-nos â mesma, quam
do veneramos ossacrosantos mysterios
` fi'í
_GÍÍ Clírištišl'ui'šuiol bém ltfli " 'dê 'nós
mostr'àfz'nós êréaúíos eisâên àtóé; no.
íno _'hös' exprobã'ô 'os 'incré'dülds 'É'j visñioš pelo* contrário` _âá'li'sarl da. ñia'iof:
racionalidade' pôiü estamos iu'tirhaé
flelrrtjeperšuädidosj que a Religião;
gif” propõe. â, nossa õrèuça' ,, vem
'ea mente de `D'eos'. Celso tambem
vicupçrava 'o mesmo éóé' Christsô'ä'du
seu tempo' ;‹f comparam-.os -ã _gentaiha
'né se dè'fxaénganärj dos charlataesz32x ` dba'vai-'lhés que tirflläho'sempfäna
Bo' a estas alàvras :` não examiñeis
ñádc , frias rédë', ë' à' v'ošsa' ƒä v'bs sal;
üär'á.' Más Órifgehés, que nos refereéq'tâ À«fzzƒf' tabagãq éalqgúúíçssa .hà-ee!i
só, a fé úcó'ú çptiínaméutéf, com tam-.
Bem ó~ näó sñéiiáfsq sé fazer` os' m0.
âéfiiq'é ú djâôlõgistâs fiés§~çfldéndó' aos
Dêist'as os n ssöS'ÊFIÍÍ os; _ I '
' *f H'é acá'šó' argumfe'r'í ö ,` (diz muito
ea z «fé éf'ó õšifóafifim'oâás'óbszditosI riiaišmé'fe'res ä blo`` istas) z 'he
,, acasqwguzúsbwnéú fi-ç'i ffi'é là limn fi'dm'éni fqüë näšéçšqsgfóçgis,', e'égugiraíí. para' asšévérar quêz'he' -
,, sie*ptcllänajitƒ:xy tudo.quántp"'_elfé ës"u:.f
,',' fáí lu'víre1 d'atsncórès? Podiây 16
,; san -lötréufafi ass-suis» v de: masno qbáñtó* óWídizeÊPEHI a'plfiaíeii'ëit
2
228.
parece que tem todos os mais ra.
zoaveis motivos para crer que essa
luz e essas cores são outros tantos
absurdos. Na sua-mente huma pers;
pectiva encerra contradicção, hu~
ma superficie plana não pode pro
duzir no seu es irito huma sensa.
ão de profundidade. Para elle a
uz, hum espelho, as cores, todos
os fenomenos 'que d`aqui nascem,
são outros tantos mysterios. Parece
que .tem razão' de assim estar er
suadido; não tem de tudo isto ¡dêa
alguma ; quanto se lhe diz a este
respeito he para elle incomprehen
sivel: Ina sua fantasia não tem tão
pouco fundamento algum com que
, possa revestir de qualquer imagem
,, hum fantasma seja qua for, fabri
,, cado aseu capricho. D'esta incom
”.prehensibilidade , d”esta falta de
,, idêas e de fundamentos assaa
,, deduzir a impossibilidade a cou
,, za: discorre elle, ou delira. ? Pois
,, que! ha de a possibilidade das co.
,, res ser medida pelo cego de nasci
,, mento só pela insufiiciencia. que,, Item de formar idêa diellas ela
',, força do seul entendimento 2 ão
,, tem ` elle outros fundamentos que
“NUM”
`XUUU
2.2.
W
n.
H.
:a
:1
.1:
n
n
a:
u
229
,Í lhe. facão crer aquillo que não po;l
,, de comprehender (l)?,,
O exemplo do cego de nascimento.,
continuo eu , he exactamente o caso'
de Collins, de Tindall, de Tolando, e'
de todos os outros Filosofos incrédu
los. Rejeitão temerariamente os myste.
rios , unicamente porque os não com-I
prehendem , se bem por outra parte'
enhão todos os maiores motivos de.
crer, ue aReligião, que os propõe `,'
de nen um modo nos pode enganar.
Quantos e quaes não são com effeit'o'
estes motivos que induzem 0 homemp
Christão a crer verdadeira a sua Rel'
ligião , e em conse uencia a prestafi
o seu assenso a toäas as verdades ¡_
que ella ensina , ainda que al umas.
sejão totalmente incomprehenslveis 2'
As profecias precedentes â verifica-.
ção e realizadas exactamente com'os*
factos ; os multiplicados martyriosá;
força dos mais crueis tormentos; a'
propagação da Fê executada pelas'
pessoas mais debeis, e mais desconhe
cidas , e por meio deV maximas as
mais contrarias â natural inclinação'
dos homens , e em hum tempo em que
(1) Beègier , Deimgo reƒ'utado por u'
mesmo. Carta I. '
*ea
*WW M. www a mts; qm; a
tyranma. er'ãrqfiz l “a p _QJAQlq gli):
lväfladfl; gs 913%5'58 wfiãgãadgãuaqor
-ma na aq wma., qn, . a .. Q.0°? `d§ fšhidêdâ 69 fêotflg ,elos "9335
êmamiçadfls âmmiâfls. dQC ristiamis.
mas ê Puma da, dautrinê; a- santidâz
Jç e_ q `(ida irgepqehepqivel de Jqq
hlrjsƒo; tuqp, .mpI qugqmp. attesta.l qq
.bristãq que.. lxãv ppfle Pensar 8.8 um
Bim; instante pt_n “ão Ser Chrislt_o¿
falam 1m a Qonviáêçao q'àe 119118 nr°¬
dmcm çqäes solihos fun amentqç dê;
Ygrdadç gi Sua. Religião, E têgtq
wi: oÇhx'IpÇiQ iq não gffëdígq › ¡1.011!
äçƒÍ? lrçfundar Os mystççigs que ag
glggigq prgpãe â_ çuq ogçnça., quan.1
mesma qrqçm naturçza ha,
kummlaltiëão de» ffiflómfiflofl ›. O» 6°.
mxfikëiqfi z Que São. Supfirioffis à razãa
1m gua por; lyajs qperfeiçpgãa qufi.
ag] ._ He esta ,lmqlqração que foi ad;V
.apiilzayelmepiç mêmejada ppl' Leibgitq
:lyrefutação de Tolando. ,_ o qqa1,'
symiíhantemente a Collins, como` aci‹_
ma tocámos , regeitava tambqmA a. Re,J
Vglaçã , só porque não. podia com`
Fgehen er evidentemente os seus mys¬
erios (l).
'(l) Leibnitz , vol. V. npag. 142 ¬ç, Seg.É
231l
Para sustentar o seu lystema da lia
bem-dade de pensar ainda .mesmo em
materia de Religião, adduz Collins o
infinitonumero das seitas que , nas.eidasv das differentes interpretações
da Escritura, inundârão a Christan
dade; e do escandalozdas heresias tia
ra arrogante hum argumentoI para
impedir toda a qualidade de confiam
ça no que a. Igreja ensina. Para esse
effeito emprega huma grande parte
do seu' discurso em recordar com
affectação ao espirito i do Legisla.
do! as divisões que nos diversos tem.
pos se excitárão entre' los Ministros da.
Religião , .afim~defdesaol'editar omes..
mo Ministerio. Se alguns tem avan
çado opiniões inconsideradas, ou sus-
tentado sentimentos extravao'antes, Se
alguns Theologos no calor das dispu‹
tas se tem mutuamente censurado com»
amargura hum pouco demaziada; tu
do isto he contado com complacencia ,
e exagerado com má fé para o fazer
redundar em prejuizo do Cbristianis
mo; como se este devesse ser respon
savel pelas loucuras e excessos d'sv
:Aunolationunrulae Subitaneae ad Tolau
di Iibrum. `- - -'
232)
quelles que o professão": 'e comedia,
essas o iniõ'es ,sobre que existe al-ó
guma discrepância -entre'os Theolo.'
os, fossem rhuma -pr-ova de que a
äeligião nada offerece firmc,'em que
o Christão possa fundadamente esta
belecer a sua crença. Este metho
do tão commum a todos os incré
dulos era tirado de Collins funda
do sobre esta maxima ,- que tudo o
que está sujeito .a.dis uta. deve ser
considerado .oomo'duvi oso e incerto.
Masnão he acaso evidente ,i que com
tal principio se poderião igualmente
arruinar-'as mais 'importantes verdaé:
des da mesma leiflnaturalf, pois que
algumas d”ellas, forão vivamente ata¬
oadas pelos vFilosofos tanto antigos
como modernos? No-nascimento mes
modo. Christianisnio selevantárão no
seu seio similhantesdivisões , das qnaes
se tem validoflfios lnoredu-los para im
pugnarem a Divindade. Porém o que
assegura plenamente os fieis sobre es
te assnmpo de escândalo he ,- que el
las forão previstas e predictas (l), e
que ao mesmo tempo, para nos firmar
(ill-NF, 9 510' Romi a l7~ I!
ml Tim. Vl, 3. i
233 e .
na Fê; se havia annunciado queolm
ferno , que as suscitava , jámais
revalecoria contra Jesu Christo. A.
Eeligião de nenhum modo poderia fi;
car responsavel por estas divisões ,
ois de nenhuma sorte foi causa d'el
fas ; que provêm só das paixões ou
dos extravios daquelles que recusão
reportar-se â authoridade que Jesu
Christo estabeleceo na Igreja para
terminar definitivamente as contesta
ções suscitadas pelos espiritos iuquie¬
tos que sc revoltão contra esta divi
na authoridade , e que de tudo se
aproveitão para excitar turbulencias
e dissensões.
O discurso de Collins sobre a liber.
dade de pensar encerra infiuitos ou.
tros paradoxos , cujo exame serviria
cada ves mais de patentear a insub¬'
sistencia do systema , e a má fé do
author. Mas essa discussão excederia
muito os limites de hum mero artigo,
que já sahio assaz extenso. Por outra
parte o fim que me propurl no pre;
sente Capituhr não he a liberdade de
pensar , mas sim a liberdade da Im.
prensa. Entretanto assentei entreter
me até agora em demonstrar que os
Filosofos nos tem dado huma. noção
assaz enganosa da primeira ,› tendo
23!
confundido com a racionavel liberda-i
de de filosofar, necessaria ao progres¬
so e perfeição das Scienoias , a soh
tura e a libertinagem do espirito que
não respeita verdade alguma ; a fim
de todos se convencerem de que hum
principio tão absurdo não podia ser
o fundamento da liberdade da Im.
prensa. O homem he senhor` de abn.
ser do mais hello dom ue Deos lhe
deo, isto he, da faculda e de discor.
rer; mas nem por isso tem o minimo
direito de communicar aos outros os
seus devaneios. A` razão manifesta-so
por si mesma , como acima disse, e
acontece que em quanto temos dentro
de nós mesmos os erros , não podem
estes produzir damno algum , o que
não succede quando se manifestão
com as palavras , e muito mais com
os escritos. '
Prevírão os Filosofos que se daria
esta facil resposta ao seu dito erroneo
principio de que a liberdade da Im.
prensa he huma consequencia neces.
saria da liberdade de pensar; e para
sustentarem hum tão absurdo parado.
xo, imaginárão outro ainda mais ex
travagante , como veremos no artigo
seguinte , e he , que nenhum livro
pode ser pernicioso.
za:
An'rxeo II.
Emtmoqgqnte apiniċo do Author do
. Systema da _ atureza , degque ne.
¡thum liqrq possa ser pernicioso.
n Não, tomamos jâmaís , diz este
,, escritor , diffu dir idéas entre os
,, homens. São eTlas uteis? Frutifi
,, cão pouco a pouco._ São falsas?
,, Servirâõ de fazer apparecer a ver.
” dade em todo a. gua luz; rir-se-zhão
,, do , seu author , ou o desprezarâõ..
x, Nenhum livro pode ser perigoso,
,, SObre tudo se contem verdadesá
,, nem tão pouco elle o seria se con.
u tivesse principios evidentemente.
,, contrarios á experiencia e ao Vbom
,, sm (1).”Este raciocinio. de modo nenhum
he justo , responde hum escritor 1%ue
refuton muito bem o Systema da. › a
tureza. ,, Podem existir , d'iz elle , e
(J)y Syttemq de Ia Nmre, tqm, II, cep.V
3.
23s
com effeito existem Obras assaz
nocivas na sociedade. Que! direis
acaso, que aquelles escritores, que
pintão o vicio como deleitavel , 'e
a virtude como huma simplicidade;
que empregão todos os adornos da
eloquencia , e da poesia em meter
a ridículo , e destruir os sagrados
principios do bom procedimento
e da probidade dos homens , direis,
torno a dizer, 'que estes escritores
não fazem mal algum , que jámais
envenenão a mocidade, que jámais
corrompem coração algum mal pre..
catado contra o vicio, que não in
troduzem 'âmais a discordia , e a
infelicidade nos casamentos , nas
familias , em todas as classes da.
sociedade? (1),,
:Nenhuma obra pode jamais ser
perigosa , diz o fingido Mirabeau. i:
Dizei pois antes, responde Mr. Hol.
land, que o erro e a mentira nun
ca podem prejudicar; dizei que os
seus apostolos são personagens in
nocentes, dizei que hum corrupto:
nunca he perigoso , pois que hum
homem que estabelece e .que espa.
F*
pa
(l) Holland, Rqƒ'ul. do Syst. da Nata,
g. 286.
237
lha principios falsos não he mais
que hum corru'ptor (l). ,, A'
“ Quereis , prosegue este escritor ,
,, que nos contentemos com rir de hum
,, homem que .espalha mãos princi
pios; mas entretanto que vós rirdes
da. sua loucura, elle deitarâ a per
der os vossos filhos , ersuadirâ â.
vossa consorte que afi elidade con
jugal he huma ridicula simplicida
de; o vosso mordomo aprenderá
,',, das suasl ições a roubar-vos sem re
,, morso algum (2). ,, ,
He eouza verdadeiramente sin u
lar, que o author do Systema da a
tureza tenha sustentado ao mesmo
tempo , que hum bom livro he util,
e quehumllivro máo nunca possa
produzir mal , como se o homem nãoosse accessivel senão á verdade. Con-l
cedo que hum livro mâo possa con
t'ribuír para fazer apparecer a ver
dade em maior esplendor , em razão
das refutapô'es', a que possa dar ocea
sião. Had isto exemplos, e ainda não
muito distantes. Os Deistas que im
pugnârão a Revelação ,l e'os Atheos'. ` Jr' rt
1
UV'
u
uuquov ¡Duque-a
' \
. ll)v Íbidem, pag. 286. , . .zi
Ibidcm, pag. 287, › f. A '“
u hr
-'›
\
éâë
'qüë ñegârãd á existencia de Deöš,tem sido excêllenInëu'xentel refütados
pôry mil p'enñas doutas, de modo l'ue
s'g' 'pç'de'dizer que _os fqllaz'es sy te;
Íñas d”estas duas differentes classes; de
incredlllós tem sérvidd de pôr' a Rd;
Iigiãô em 'maíör' luz. Mag pó; isto
íílãõdge vem' a _tirar o pr'éjufzó e ii fu:
ílësfairifluencíà 869' rn'áos Íivi'oíi, Es:
`iaš refutaçöes'”sô ëáhbín de óñdi'ifafíö
úàé' mãos' d'aš peésó'às ' que' e'âamifiãuàs' c'óuzas' dê bLó-zéz*a fé, e que fi'efihúm'
interesse: tem de' 'se deixarem Êéršijaí
dir do' e`í'_'1'o. Ajtmte-šé , ¡wir!l féflez
été, m-lücó _b'ém à esfq pm âózâfmâíV Mn;
Hõnânfl ', qúe- 'à verdade éwútigâ';
é qúe põr' 'corisegui'nte exéítâ muifô'
menos curioâiágde db q'uç fâzjqerbó,
que' s'e' a `re'sél'ltl'z có'm' todoš' 018 âttfm
ctivós' a 1íoviäaãè. ,, Se'r'iíá'* ` ' por
,r eiempfd , discótrer. müitä ¡Ima! ,I
,, Ponãei'á'éfle ,_ diizér que óš' cšèxƒ'itps'
£ iéénciosbs' são nteis`,' Í`*öró[pë po.
115m da'r' dôcfàsiãq de' a 'u'ñ'á bons)
,,`1 tfatadbš de' rhdr'al. As' pešsbfãís 'lq'üè'
,,zmai$' áivigalñêntë bebem ó Wenenb*
,; q'u'e' sè"lli'es' ã'preâëñt'a' ," sä'‹'›'j'u'sta.1
,f maquellaswe» de_mo.d.0_, neâ
,, nhum lem os bons livros. Isfio sed,, ria omesmo, “Vsê'gi'ae' .'cójño
v se outro , valid “ Mui aštüfákhäi'
239
a latão a grandes brados entre 'o po.
vo apregoar e vender perniciosos
elixires, dissesse : deixei-o, que de
pois» virá algum douto Medico , que
em tendo examinado o veneno que
vende ocharlatão, provarâ solida.
mente que se não deve fazer dlelle
uso algum (l). ,,
O rende equívoco , ou para me.
lhor šizer, amâ fê do author do Sys
tema da Natureza , e de todos os ou
tros que tem discorrido do mesmo
modo . consiste em quererem que as
opiniões, que yrespeitão â Religião,
aos costumes, e â ordem publica, se*
'äo consideradas como os systemas de
_ ysica` e os roblemas de Geometria.
Estas duas u timas especies de escri
tos jámais perturbão. o repouso. da
sociedade, bem que muitas vezes ex~
citem mui vivas disputas entre os dou
tos'. Mas não succede assim com as
opiniões que acima apontdi; tomenws
porz exemplo dellas o Atheismo~,z¡o
qual he justamente huma das.` que,
mais que nenhuma outra, os Filosofos
tinhão a eito propagam, elemfavor
da qual abricârão a sua theoria. da
3:33:333
(1) Holland, ubi supra, pag. 289.
240
liberdade indefinita da Impremia.I A
maior parte do genero humano creo
sempre , que, em se tirando aDivina v
dade, se vinhão atirar ao mesmo tem
po todos os principaes motivos da
virtude , e alargar-se a redea âs pai.
Xões. Ora o Atheo do matistatraba
lha por quebrar o me hor- vinculo da.
sociedade, aquelle que os homens em
todos os tempos tem considerado eo:
m-'o o mais forte freio daspaixões.
Leibnitz era de sentimento inteiras
mente op osto ao do author do Sys-f
tema da atureza sobre este objecto
dos mãos livros. Estava tão persuadiú
do de que pode haver e realmente
ha obras perniciosas , que vendo no'
seu tempo os livres pensadores d`Inâ
glaterra espalharam livros nos quaes
era vivamente atacada a Religião,
declarou abertamente , que virião a
produzir por fim huma Afunesta revo
` lução geral f no mundo. Como este
vaticinio desgraçadamente se verifi
cou, e por outra parte he pouco sas
bido, julguei não sería inutil fazello
conhecer ao leitor.
241
AnTrGo III;
Predicção de Leibm'tz sobre huma res
volução, que as' doutrinas irreligios
sas, que nv seu tempo começavão a
diƒƒundiràse, havião de produzir get
ralmente em toda a Europa. ›
Apredicção de quefalla'mo's acham
se nor'E'nsaio que este grande homem
compoz~sobre o entendimento humano ,
para .servir de correctivo ao de Locke
sobre ‹o mesmo assumpto, que elle
justamente collocava entre os livros
perigosos. ›
Começa Leibnitz d'este modoz¬
.Ha toda a razão de tomar precau
ções contra as más doutrinas, que
temiinfluencia nos costumes , e na
pratica da piedade. Se a equidade
quer que se poupem, as pessoas, a
Religião prescreve se represente, em
toda a parte onde se. poder, o mão
effeito dos seus dogmas , quando
são -nocivos , quaes são com effeito
aquelles que são contra a provi
dencia- de hum DQeos-perfeitamente
.vv 'uv
u w
-vou-Mw”.
-quasi-nu
242
sabio , bom , e justo, não menos
,, que contra a immortalidade da 'alô`
,, ma , sem fallar de outras muitas `
, opiniões peri osas relativamente â.3, moral, e âor em politica.” Dlaqui
passa'a responder ä' 'objecção' , tantas
vezes repetida até os nossos dias,
que a favor do Atheísmo se deduz da.
vida t'ranquil'la e re ular de Spino
sa , de Hobbes , e e alguns outros
Atheos mais decididos; dizendo mui
to bem , que as razões porque'estes
cabeças de seita obrárão 'contra os
seus principios cessão inteiramente
'em se fallando dos' seus sequazes. Edepois 'passal â' predio ão'v de que se
'trata , que he concebida nestes ter
mos ': ,, As Vditas más doutrinas insi-'
,, nuendo-se pouco apoucovno espiri
,, to dos homens do mundo Y, que re
,, .geitão os outros , .assim como nos
,, livros da moda, dispõe todas as
,, couzas vpara a revoluçãogeral ,9, deV que está ameaçada a Europa. ,,
Quem não ve nestas ultimas pala
v-ras claramente designada a terrivel
revolução que succedeo diante 'de
nossos olhos depois doI anno de 1789?
Leihnitz disse,` que a revolução seríageral.; Se eum'v esta expressão elle
__quiz significar , o que he mui pra.
u` w
u
243
Varal , que a 'revolução'nada havia
de poupar, que tudo havia de arruiê
nar, fácil he reconhecer se esta pará
te do vaticinio foi confirmada pelo
acontecimento. Mas se elle quiz dar .
a'en'ten er que a revolução šería ge.
ral no sentido de que se estender-ia
com effeito atodos os Estados da Eu
ropa , devemos cpnvir , que isto se
não verificou; porém os mesmos mo;
tivos que obrârão em França pene
trârão tambem 'nos outros Estados, e
nelles obrão com mais ou menos for
ça. Este mesmo meu opus'c'ulo he d'is;
to huma prova, visto que por nenhum
outro motivo o emprehendi, senão`
para. combater as sobreditas Idéas'
ibe'raes, ao presente tão diffundidas
pela Euro ai e que, como tenho'v
mostrado esde o principio à não são'
outra couza mais que as mesmas 'mas'
limas erroneas que operárão em' Frans'
ça a revolução. ` 4 z
^ Quando Leibnitz ha cem anno's fiz
esta predícção , aindaa irreli iãojesfi
tava mascarada , e só cfontava'luím'pequeno numero de sequazes.Í Estava
além disso encerrada em huma re
gião que o mar separava deltotlo o;
nosso continente ; mas as couzas mu;
darãoJ pouco depãis da sua morte.”
` 2
244
Na viagem que , justamente por yaquel..
le tempo, fez Voltaire a IInglaterra.,
concebeo, como já dissemos, o ímpio
/projecto de dar a conhecer e intro
duzir na sua nação as o iuiõ'es atre~
vidas de Tolaudo , de indall , de
Collins , e de todos os outros livres
pensadores daquella Ilha; e no seu
regresso a França , se dispoz logo a.
'pollo em execução, sem reflectír ,
que os mencionados escritores erão
abominados entre os seus'compatrio
tas em geral, alguns dos quaes até
os tinhão victoriosameute refutado.
A elegância, e ligeireza do seu esty.
lo fizerã'o que a nação Franceza che
gasse ávidamente â boca a envenena
da taça ; iufinitos outros escritores
da mesma nação seguirão as pizadas
A de Voltaire ; e como a língua Fran
ceza havia já meio seculo se achava
de posse de ser conhecida por todas
as pessoas cultas das outras na ões,
assim passou a conta ião a iu ectar
bem depressa quasi to a a Euro a.
Ora que diria o grande Leigmitz
se tivesse vivido até os infelices tem
pos em que o espirito de irreligião
tanto se tinha tornado perversoe di
latado P Se elle tanto se queixou da
simples duvida de Locke sobre apos
245
sibilidade da materia pensante, quan.to maiorA não fôra a sua magoa , ven
do Voltaire , e a immensa turba dos
discípulos converter esta duvida em
huma asserção formal .P Que diria el
le do atrevimeuto do author do Sys
tema da Natureza, o qual, não já em
hum livro de Geometria , e portanto
inaccessivel á multidão , como tinha
feito Spinqsa , massim na sua nativa
linguagem, com estylo chão, intelli
ivel a todos , sustenta que não ha'
eos? Certamente crè'ra , que estava
chegado o tempo de se verificar asua
predicção ; como não deixârão 'de
assim o pensarem e dizerem tantoshomens grandes, os quaes , Vaddictos'
como elle sinceramente â Religião'e"
ao bem da sociedade, viverão no tem-j'
po em que esta contag'ião'irreligiosa'tanto se tinha dilatado.V v ' *i '. ' "
Í u .l ; ..
('I .`_“v' v :\l‹t' |p v .|".', l`
. v -\ v' I
'\ i' . f ‹ I-u.'| nl .i . r 11.1.' '10) ,_
. . .' .~-'| (-f".f .. ' U '
.-:,-':'I."" `›
*Is , - v ' í
,A «AR'rrooll-Vf.v
Í De algumas 'mediações litterarias
mais recentes sobre a Re'voluà
' pão ,lf'ranoezarV¡Hu
Padre Neuville, hum dosmaiores
Oradoresilque a Companhia de Jesus
teve em França,,de lois de haver em
hum panegyrico de šanto Agostinho,
que recitou perto,¡ de .trinta annos an¬
tes |da Revolução feito hum ` quadro
espantoso, mas verdadeiro., dos erros
domoderuo Filosofismo , 'que via tão
dilatado na. sua Nação ,^ _fez aseguinte
exclamação z. 'í Oh santa Religião de
,,› Jesu Ohristo'l Oh throno dos nossos
,, Reis i oh França! oh Patria! oh
,, Pudor l oh Decencia l So eu não
,, devesse gemer como Christão , não
~,, cessaria jâmais como cidadão de
,, chorar sobre os ultrages , que de
,, continuo aqui se fazem , e sobre a
,, tristosorte , que se prepara. Com
,, tinñão ainda aestender-se, e a con-_
,, solidar-se estes horríveis _systcmas ,
:z Seu veneno devorado; não tardará
\
247
eg:eeeesreezezeeeaee-:se:aem consumir os principios , o apoio,`
oesteio. necessario e essencial do Es..
tado; Amor do Soberano e da Pa
tria , laços de familia e da socie.
dade., desejo da estima e da repu‹
tação publica , soldados intrepi.
dos , Magistrados desinteressados,
amigos generosos, esposas fieis, fi
lhos respeitosos, ricos bemfeitores,
~ não espereis tornallos a ver em hum
ovo , entre o qual ~o prazer e o
Vinteresse forem a unica deidade, a.
unica lei, a unica virtude, o uni
co bem. Então no mais.florente Im¬
yperio cumpre que tudozse derro
que, se abysme , se anniquile. Pa
ra o destruir não será precizo que
Deos fulmine os seus raios. Poderá
' o Ceo deixarsá Terra o cuidado de
o vingar. Arrastrado da vertigem
e do delírio da Nação , cahirâ o
Reino, o precipitar-se-ha n”hum abys
mo de anarquia , de` confusão, de
l'ethargo , de inaeção., Ee 'do rui.na' (l) Í” V ' v _
Se esta passagem do P. Neuvillev,
mais qnehum simples vaticinio , `¶aa¬
rece huma descripção da Revolução
l(l} Õeuvres du Neuuillcitoin, III.:
248
de' França' ,Í feita de pois do aconte.
cimento, igualmente clara , exacta,
e talvez ainda mais miuda nos seus
effeitos , he.indubitavelmenteV a pre..
dicção que o P. Beauregard , outro
celebre Jesuita , fez treze annos antes
da Revolução , pregando na Cathe¬
dral de París. Patenteaudo os pro.
jectos do Filosofismo , fez dlimprovi.
so , no tom dos Profetas , retumbar
as abobadas do templo com estas pa.
lavras, tão vergonhosamente cumpri
das pela Revolução : ,, Sim , contra o
,, Rei; contra o Rei, e contra a Re
,, ligião conspirãoI os Filosofos. O
,-, machado e o martello estão em suas
,, mãos , e não esperão mais que o
,, momento favoravel de derrubarem
,, o Throno e o Altar. Sim , os vos¬
,, sos templos, Senhor, serão despo.
,, jados, e destruídos, as vossas ess
,, tas abolidas` o vosso culto proscri..
,, to: mas que escuto, grande Deos,
,, que vejo! .Aos oanticos inspirados,
,, ue retumbavão nestas sagradas
,, abóbadas'em vosso louvor , succe
,‹, dem cantigas lúbrioas e profanas!
,, E tu , infame deidade do Paganis.
,, mo, impudica Venus, vens atrevi.
',, damente occupar neste sitio o lu»
,, gar do Dcos _vivo, sentarste no
249'
;, throno-do Santo dos Santos , e re
,, ceber o criminoso incenso dos teus
,, novos adoradores (l). ,,
Poderia referir outras muitas pro
fecias'similhantes , pois que tanto os
Bispos, como ainda mesmo alguns dos
Magistrados nas censuras que fazião'
das Obras dos Filosofos, jâmais dei.
xavão de representar o deploravel
exito a que a contagião das suas ma
ximas havia de 'infallivelmente con
duzir a Nação. Todos sabem que de
pois do meado do seculo passado se
cuidou em Parísna construcção do
famoso templo de Santa Genoveva,
mais conhecido ainda pelo nome de
Pantheon. Ora , hum Poeta engenho.80, Vendo llevantar este grandioso edi
ficio em hum tempo em que a deca
denciavda Reli ião se tornava cada
dia mais visivš, dirigio o seguinte
(l) Esta passagem verdadeiramente pro
fetica, que por muitos dias foi o assumpto
de todas as- conversações da Capital, acha
se referida em muitas obras, e ultimamen
te tambem 'na nova e volumosa Biografia
Universal, qu'e actualmente imprime em
París o lmpressor- Michand. Veja-seo tom.
III, pag. 652. e
250?
pêzame â Piedade , ãue 'ellechámg
tardia , por ter differi o tanto: tempo.
a execução de tão belle obra.
Templum augustum, ingens, regina auufi
gi! in urbe,
Urbe et Patrono Virgine digna domus.
Tarda m'mis, Pietas, vanos moliris honores;
.Non sunt haec caeptis tempora digna luis.
Ante Deo in summa, quam templum erexe
ris urbe,
Impietas templis, tollet, et urbe Deum.
Templo augusto, e magestoso
Na Capital se levanta,
D'ella edificio, e da Santa. v
Padroeira, digno e`homfoso. g
Rendes tarde em demazia
Balda'dos cultos, Piedade;
D'essaeinpreza utilidade `
“Nãofirar'ás hóje em dia.Y Antes de o templo acabares
N'alta Cidade,l ha de vir
A lmpiedade a Deosy banir
Da Cidade e dos Altares. -.~
' Não estaxido este tempo ainda aca.
Vbado em 1790 , época. do pleno triun.
fO da Impiedade em França, sobeja.
rnen'te se verificárão os versos profe
ticos que acabamos vde referir : mas
foi sobre tudo a. 11 de Jul-ho do se.
guinte anno , quando o esqueleto de
M
25!
šoltairo foi alli collocado como huma
iviqdade, que 'este vaticinio recebeo
l_itteral, exacto , e decisivo cumpri.
mento. . _ ` '
_.I
ARrIGo V.
De humafalsa razão de utilidade, que
tem contribuído muito. ara acredi.
tar o systema da liber ade da Im
prensa. r
Aliberdade. Imprensa , diz o
Marquez _Gorani já, acima citado, he
absolutamente necessaria para a pros,
peridade de differentesvl ramos lucrati`
vos do commercio , quaes são a Arte
typografica , a do Papel , o negocio
dos livros (l). A_ mesma couza tinha
entretanto. sido re etida .por todos. os
outrosseqtarios dl) filqsofismo. Mas
similhante razão he tãobaixa/e des
prezível , que sería pura perda de
(l) Goreni, no citado _Cap. 60 do tom. l.,
das Investigações sobre a Sciencia da Le‹
gisleção. . ,- , . .
ési
tempo entreternio¬noš a refiitalla'. 'Quepezo pode com Ieffeito ter aos olhos
de hum homem 'cordato 'esta utilida
de, á vista do damno que da sobre'di'.
ta desenfreada liberdade pode vir â
Religião , aos costumes, em summa.
ao verdadeiro bem do Estado? E com
tudo a consideração desta mesquinha
utilidade he o que , talvez mais que
nenhum outro motivo , ha contribuído
para fazer que alguns Governos- ado
ptassem tão erroneo systema.
Hum dia que diante do Delfim , fi
lho de Luiz XV , epai do Rei actual
se fallava dos livros contrarios â Re
ligião , e que se procurava justificar
a sua circulação , como couza que fa.
vorecia hum interessante ramo de
commerci'o: “Ai d'aquelle reino, res.
,, pondeo elle , que pretendesse enri
,,' uecer-se com similhante qualida
,f, 'de de commercio , pois sacrificaria
,', riquezas šverdadeiras e duraveis a
,, riquezas ficticias e efímeras, que
,, destruirião a virtude dos cida
,, 'dãos. ,, ' '
Este Principe, que agrandes talentos naturaes iuni'a os mais extensos co.
nhccimentos , .hum coração recto, eo.
ragem , grande firmeza, e cuja pre`
matura morte foi huma verdadeira
253
_victoria para o Filosofismo , estava
intimamente persuadido, que a desen
freada licen a. .de fallar e de escreverera averdadseira fonte de todas as de‹
sordens roprias do seculo decimo oi
tavo. ,, oje em dia , dizia elle, qua
,, si ,se não escreve que para tornar
,,, desprezível zaReli ião, e odiosa a
Monarquia. Quasise não vê sahir
â luz hum livro ,V em que a 'Reli
gião não seja tratada de supersti
ão e de quimera, e em que'os
eis não sejão representados como
outros tantos tyrannos, e a sulalau
-,, thoridade como hum .insupportavel
.,, deSPOtismo. ,, (1) 1 r
-O acontecimento da Revolução fez
lconhecer cada vez mais quanto era
racionavel a aversão ue tinha o Del
fim â liberdade da mprensa, pois
lie incontestavel , como tantas vezes
se ha dito , que este mesmo funesto
“vamu”
muuuuv
(I) Sobre esta grande opposição do Del
`fim ás maxima: erroneos dos modernos Fi
`iosoi'os , além de todas as Biografias de
París, podera' tambem ver-se a sua Vida
escrita pelo Abbade Proyart , assim como
as Memorias para a Historia d'este Prin
cipe, recolhidas e publicadas pelo célebre
P. Griffet, Jesuita, em 2 vol. de sf.
254\
acontecimento he obra dos livros
pestilenciaes que por mais de meio
seculo antes havião cooperado para
depravar em todas as couzas o antigo
modo de pensar d'aquella nação. E
huma tal circunstancía de facto deve
ajuntar grande força ás razõesaté
agora ex endidas contra os parado
xos dos ilosofos dirigidos a favoreó
cer a liberdade illimitada da impren.
ea. Creio d'este modo poder com boa
razão concluir que , bem longe de se
haver de abandonar o antigo systema
da censura dos livros , antes se deve
ter'summo cuidado neste objecto. Al
gumas observações que exporei no
artigo seguinte manifestarão mais
claramente esta necessidade.
255
. .
›!«_ ' 'An'rroío VI.
Fraudes ue se podem usar , e que
- 'com ejg'bito se temV raticado para
oladir os saudaveis e feitos da consu..
ra dos livros.
Sealleligião fôra atacada só di
rectamente, sería mui facil a incum
bencia da revisão dos livros.` Mas es
te não he o unico genero' de assa'lto
que ella tem recebido , sobre' 'tudo
nos nossos modernos tempos. A cons..
piração 'dos Filosofos para atotal ex
tincção `desta. luz divina ha sido tão
sagaz 'e engenhosa , `lquenão se con
tentârão com atacar a Religião com
obras abertamente destinadas a que-1
brarfesta móla a mais forte dc todos'
os Estados. Revestida a Irreligião de
toda la sorte de 'figuras , amalgamou'»
secotn `asmaterias, que por sua na‹
tureza' parecião ser-lhe mais hetero-`
geneasf- Historia , Geo rafia , Fysi
ea ,-_Astro_nomia‹, em= uma palavra '
'todas as~Sciencias farão mais ou mea ~
nosfinfeotãdas d1ella; de modo que pa'
255
reeia que ninguem podia applicar-se
aos estudos scientifims ,. nem menos'
aos da amena litteratura, sem'se achar
a cada passo reprezado'4 por algum
insulto feito ás mais venerandas ver
dades do Christianismo. ¬.z,à-.¡z z
- lVlasV sobre tudo da Historia Nato;
:ral `he que sefliiez'o` maior abuso- neste
malvado proposito de .affastãr da Re.
ligião os ânimos f;='~e como este artifi
cio *teve infelizmente grande exite;
não-"sè1'§^‹inutil fallarmos d°elle hum
pouco no presente- artigno, dirigidoa
mostrar `, não fisó y'aíabsolute; necessidaz
de da censura"dos-li-vlros , Vmastanu
bem quanto ella :deva ser. eintelligente
e perspicaz. é* n. .ê- za. `
Virão-fos Filosoibs que apelar-.dos
seus grandes. esforços fem ‹ diffuudirem
a inoredulidade; 'uãošcontarião entreos seus proselytosr'senão'I homens sui
4peri'ifáaes e viciosos Vgazeique: as pes-õ
'soas instruídasfe que por-.seu'roguler
procedimento Ànão tinhãoà interesse` em
sacudir áo jugo da Religião; jamais se
entregarião aos seus" p'armlogismos
tantas ' vezes pulverizados pelosvautiäVos 'è pelos modernos Apelogistes. f A
'm pois de ganharem osuffragie d'ess
te respeitavel enšero ¡ie-leitores.. mó'
correrão 'depois ~¿do .' meado; .doÍ .século
›') 1.- Hr J.`
257
passado â Historia Natural , que vião
ser então 'a Sciencia da moda: e eisa`
aqui como elles procedêrão em tão
criminoso projecto. ~
A Religião Christã' suppõ'e neces
sariamente a verdade da revelação
Moysaica. Ora Bouffon, Maillet, Le
Cat, eoutros similhantes Naturalistas
modernos , pretender-ão fazer depor
aNatureza contra a Historia de Moy
sés , assegurando aos homens , que tu
do na Natureza contradizia o livro do
Genesis. Ecomo este genero de argu
mento parecia directo, enão admittia.
réplica, fez humainfinidade de incré
dulos ainda mesmo entre as pessoas
instruidas que se não tinhão deixa
do illudir pelas outras razões dos es
critores incrêduios.
Verdade he que hum tal argumen
to, por forte que fosse â primeira'vis
ta , não conseguio demover o homeml
bem arrei ado na Fê. A Religião
Christã, izia elle, está demonstrada
verdadeira por huma infinidade de
provas directas e aptas a produzirem
a maior convicção em qualquer es
pirito racionavel. Por tanto estou seu
guro , concluia elle , que tudo isso
ge parece oppor-se-lhe não he ver
deiro, pois que a Eiáerdade não po
258
de ser contraria á..verdade.-Y Masestas
essoas bem-arreigadasna Fé; infeâ
lizmente erão-poucas. A in'differença
em materia de Religião., como já.
-mostrámos , esta-va já nimiamente es
palhada por toda aparte; daqui veio
que .este argumento tirado dos pre.
'tendidos novos descobrimentos relati
'vos á Historia Natural , .contribuio
'muitissimo para introduzir a increó
dulidade , até nas pessoas doutas , mas
que. não tinhão profundo conhecimem
to damesma sciencia. . .
Sobretudo veio isso a dar grande
pezo, e hum apoio mui forte a hum-a
`objecção que contra a verdade da His
toria Moysaica.,í e porconseginte con
tra a divindade do Christianismo, se
havia muitoantes .tirado da preten
dida anti uidade da Chronolo ia dos
Chinas. ã'odos sabem quanto oltai
're , e os outrosiescritores da sua esto
fa, ñzerão valer esta objecção._ Outros
homens igualmente grandes a .tinhão
destruído, demonstrando até a maior
evidencia , `que todas as Chronolo
gias, ue'n'ãotem por.base o Gene
'sis são abulosas (l): ecom effeito ha.
~ (l) Teria demeziadamente allongado o
259
¡víastem'p'o que .já- uingu'em o'uzav'a
` presentalla; mas depois que as obras
¡irèsente' artigo se quizesse referir sequer
os nomes dos authores e das obras em que
se acha solidamente refutáda esta preten
dida grande antiguidade das Chronoiogias
Chinezas. assim como as dos Caideos e dos
Egypcios, em que-tanto insistírio os Filo
Sofos modernos com o perverso intuito de
'deprimirem a_Histoi-ia do Genesis. Cingir
¡ne-hei por tanto a referir o` ,que sobre isto'
brevemente, mas com summa profundidade
'e erudição , disse o celebre Filosofo e Ma
thematico Itaiano P. Frisi.-“Solent etiam
,, opponi portentosa'e illae Chaldeorum, Egyf'
,, ptiacum, Sinieusium chronoiogiae. Fama
,, est Chaldeo's Alexandri magni tempori.
,, bus, observatio'nes astronomicas jactita'sse
,, 473000;annis ante institutas : A quamvis
,, Porphyriuls et Berosus, quiAntiochi secu
,, io vixerunt, nuilas 1093 vetustiores me:
moraverint. Egyptii tres dinastaru'm series,,v recensebant, Deorum, Heroum, Regum,
quibns imperium»36525 traductum fuis‹v
,,. se asserebant ad VNectflnebum usque, qui
,, ab Ocho Persarum rege. victus, ac put
,~, sua est' ante Alexandri magui expeditio-l
V.,, nes. Sinenses denique'imperium fami
,, .lim . Hia , ,demandatuçn fuisse dicunt
, piusquam 2000 annis ante Christum.
,, Septem alios .reges, qui simul plusqnam
,, seculorom septem intervallo imperaverint,
à, priores statuunt: allifsque insuper ¡mma!
2 .
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u. o
y
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dos modernos Naturalistas musik-ario
darem ao Mundo huma antiguidade
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nis antiquitutis. At si accurate exploras
traditionum hujusmodi originem, ai quz.
ras quæ eorumdem seculorum aut pros
xime posteriorum saltem monumenta, et
scriptores sint tantae 'nntiquitatis , testes
ne unus quidem in medio proferri pote
rit. Sune Confueius anno ante christum
551 natus , cum fiorentissimo imperii
tempere, et ante combustionem libro
fumi veterum scripsisset , missis veluti
nimium dnbiis , quae sub dynastis Hia
et Change uccidernnt,` a familiae Tchan.
imperio exorsus est; anno scilicet' nee
ante christum. Antiquitatum earumdem
fabnlas, contradictiones, mendacia, natis
jam explicarunt Marshamus in Canone,
Witsius in Egiptíacis, et Duhalt in Si
nae descriptione; ut mirum sit Abba
tem de Prades Lutetiae Parisiorum pu
blice recoxisse hanc crambem , et cyclo
Sinensi quodam , ut Belgicarum episto
larum author ostendit , male intellecto
imperii totius epocham longe ante dilu
vinm constituisse. ,, 'Pauli Frisii Medi
iationes quædam methaphisicm, tom. II.
Disserl. variar. pag. 206, 107. -- Luca!
l 762.
Ea'
Este Abbade de Prades de quemfalla
grande homem que acabo de citar, acha
se intimamente ligado com D'Qlembert
26.1
muito maior que aquella que Moysës
indicou,-tornou a ter grande voga..
. Porém odivino Salvador não aban- ~
donou tão ponho a` sua Igreja. nesta
collisão. A Providencia Divina , que
logo no nascimento do Christianismo
fez qzue este fosse abraçado: por_di
versos Sabios do Paganismo..,'‹ para
-que o Vpodessem defender contra as
armas que a Filosofia: então empunhêh`
va' ara o derrubar; a Providencia
Divina. ,- que dispoz que nascessena
.Africa Agostinho `rio/:mesmo dia em
que nas costas dlAlbião Eveio Pelagio
ao mundo; que -aoslinnovadores do
decimo - sexto Seculo oppoz Ignacioae
a Sociedade porrelle instituida;~e ue -
jârnais ha permittido que se- intro u..zisse erro algum sem qne'sse suscitas'
sem _novos Apologistas ; esta'mesma
e Diderot, eersz hum dos seus follabora
dores na compilação da Encyclopedia. Por
instigaçäo . destes .dois .grandes Corifeos do
partido filosofico , sustentou o Abbade de
Frades 'no anne 'de 1751frm .Sorbona-hu
mas Conclusões publicas, onde entreoutros
muitos erros havia huma *these tendente
visivelmente a propagar o materialismo, a
qual excitou contra eller a indignação de
todos os bonsfporrcujo mot'mo foi obriga
V,zdo a ,saliir` de Reino.. . v . rar.V '
262?
Divida' Previdência emtou'si'mäh'ahé
tcs- Varões possantes'; que igualmenterepeilissem'te'st'elnovo' enero de`ata¬
que; de ƒ'q'ub tenho falado. * "o '
=›'()omo~B_uifouf'e1_-a5 o- mais'forte, e o
mais 'estimado die todos os' Piaui-alis-l
tas;L que tentáräq contradizer. a `ver,
dado da' Historia Moysaica , por ter
para' esse effieito* nas sua: Epocas do
Natureza , aibem dizer arcada pagi,
na,'procurado provar-,'que o Mundo'
he' muito maisantigo do quese mos;tra da 'mesma' Historia ; Àdo mesmo mo¬
do não muito/d ois Io douto err-Je»l`
suita Flamengo Abba'de 'Feller pu,
blieou huma refiitação das'Epoeas -da
Natureza , que' geralmente se` reco
nhece' ser (mui solida ; o proprio
Buffon 'a considerou tão grave e vi-`
ptor'iõsa, que não deixou de empre¬
gar~todo o seu crédito para impedia'
_que ¡se' espalhasse fpelp: Reino (l). 1.;
› 'u' sz' 1:1).v ' .JLH $51.12
,_ i
- I -~ 4~ .u'r;'.'- .1
~-'(l) Oswmthores' 'Jansenism'das bem co
nhecidas'Noticinr Liueruries de Pai-ir, e
pezav» de tão' interessadas em desacreditàrem
' os .Jesuítas ,'Ye em 'particular yeste doutissi
mo-Manltenedor d'a Religião e+da anthoriz
dudeda SanmlSéâ, wirãwse'com-tudo obri
gfldofl tambem. e fuer-juro? Vii m bella
263
Similhantes outros homens douto:
tra'tárão :Jcontemporaneamen-te esse
mesmo louvavel assumpto , entre 'os
quaes merecem sobre tudo ser mencim
nadosfi' os celebres'f Naturalistas Sans
sure ie Dolomieu. Sem de nenhum mo
do se deixarem fascinar da'grande fa
mwaque geralmente havião subido os
degan'tes romances do Plinio moderno,`
l'econhecèrãoV ederãofal-ém d'isso pro;
vás assazl convincentes dir-pouca. anti¬‹ '
guidade dosnossos continentes.. Mas
nenhum deo - tão grande extensão a;
similha'nte empreza ,^ nema executou
com -tãoffel-iz exito , como. ocelebre
Professor' Ide Gottiliga` Mnw-De'iàuc'.)
E tanto mais julgouv elle devia-*tomar
v ›t `1)'4.". ,e-li.
vii
refuta'ção das fEpocas daírNqmtçzq. Esta
homenagem não suspeita seiecha Vna folh'd
de 5 =de Março de 1784; 'uaqnal se'lê d
seguinte i. “ Depuisy une. .vimgtaioe diannéesi
que l'abbé'Feiiew habite iarpaye-deLiègeg¡u_.piumeféoonde a produit quantité d'zé-V
erits dont queiquns sont estimés. Par, exem
pleson examen impartiei des.Ep ues de.
M. de Buffon , passe pour une re utati'org
fort soiide; et l'euteur même de i'Hisltoire
Natureile ,' i'a trouvée' sÍ-accabiante, 'q\fil_
a employé effica'cementlson credit-pour'en'
empêçher le débit'dans' lemoyaumei-,z fl '
264
este encargo; , quanto, ~ sendo compa
triota e' amigo deY Rousseau , sabia,
gua-esta retendida grande ontignà~
.ode do undo era hum dos princi.
paes .ar mentos , e talvez o. unico',
que tin a impedido que elle , de Dois.
ta, se fizesse Christão. Rousseau tinha
Iesistido a todos os p.a.ralogismos-.dos
incredulos; todos lhe paeecião mui
fracos ,; mas'os: argumentos de Buffon
sobre a theoriazda terra, cuja illusão
elle nãojconheeia ponnão serem anã,
` logoszeosnseus estudos, o seduzírão e
infelizmente o oonservârão no Deismo.
Vendo por tanto Mr.. De Luc, que
o systemaparadoxo, ou, para melhor
dizer,z o romance destesnovos. Natura
listas, tinha vindo a. ser o principal
argumento dos~ .incredulos contra a.
Revelação, não poupou fadiga a. fim
de demonstrar ,a sua. ineubsistencia.
. Desceo :ao fundo `do mar ,ge ás en.
tranhas) dadfteflal .parar-arrancar aos.
ditos 'escritores e voltar contra ele
les ‹ mesmos' Aaquellas › armas que rev
tendião ter alli achado contra a- is
toria-de Moy'sés. A obra com que'
elle tão felizmente .desempenhou hum
tal a'ssumpto tem o titulo de Carta:
Çeológicas _, án. ,naes._paro esse fim
remetio o leitor.. Q'erdadeheque quem
265
não he versado na .Historia Natural 3
ou que não tem ao menos'alguma tin;tura dlella , não poderá plenamente
tomar-lhe o gosto : todos porém po
derâõ'v optimamente comprehender a
indizivel força de sexta das ditas Car.
tas, â qual sereferem todas as outras.,
e que 'por todas as razões se pode
olhar como hum Commentario fysieo
dos onze primeiros Capítulos do Ge‹
nesrs. .+- J . ' . ~
Assentei estenderane hum pouco-so
bre este 'objecto do grande'damno _ti-'
rado das obrasfque 'de hum'modo in
directo atacãrão a Religião,l para que
não só se conheça cada vez 'mais a
necessidade dos anti os regulamentos
sobre a censura dos švros; mas tam
bem para que seentenda quanto os
sujeitos encarregados dessa 'inspecção
devão ser cantos e perspicazes. Sem
esta grande circunspecção bem longe
de corresponder ao intento para que
se instituío a mesmaCensura , não
se faria mais que augrnentar o mal;
pois que alicença que se veria á fran'te'da obra'seria humacilada armadaI
ás pessoas simplíces e'pouco instrui~
das ,para lhes fazer adoptar sem des
confiança alguma os erros , que nella
se. poderlãocoater. _a-zf. ‹
266
,- Nada direi da introducção das o.
bras já impressas, sendo claro que a
estas tambem se deve estender a neces.
sidade da censura. Se todos os Gover.
nos fossem igualmente vigilantesv em
não permittirem que se imprim'ão li
vros perniciosos , seria com effeito
inutil talcautéla; mas como isto não
he de esperar, e como em alguns pai
zes a liberdade da i'mprensa- se Vacha
tambem authorizada pela mesmaconsà
tituição do :Estado,'‹' todos muito bem
conhecem, qluede nada serviria ter su.
jeitado a huma sabia revisão as Obras
que se imprimem ,. onde se deixasse
livre campo-â introducção das que
Sahem'á- luz nos outros Estados. Fôra
certamente de' desejar que esta-pro.
videncia se tivesse'posto em pratica
em toda a parte lha meio seculo ,-a.n.
tes f ue 'Yo Filosofismo- inundasse o
Mun o dèflsuas tenebrosas'produ'cà
ções `;'!fn'r'as ainda que ao presente já.
seja assaz' tarde›,f'näo.deixará de pro
duzir utilidade, pois fará- que não
`lavre mais"a corrupção;` Por outra
'pai-'te' ,- para impedir afunestaé influ'
e'ncia dos l'iv-ros mãos , lque existem ,
não podem f faltar efficazes meios. Sc
Os Magistrados- mandão. .def4 vez em
quando fazer visita ou`dar busca aos
267
armazéns dos mercadores para desce-_ .
brirem ›se- ha fazendas que se- tenhão
sonegado ao pagamento dos direitos;
porque não lse poderião praticar as
mesmasúnvestigações nas lojas e ca
sas dos Livreiros a firn de impedir a
venda e circulação das obras perni
ciosas? Pelo que toca ás Bibliothe.
cas publicas , as quaes podem ser
grande causa de corrupção , conten
do tantos livros bons como mãos, tem
os nossos Estados Catholicos grande
vantagem em comparação dos paizes
_heterodoxos; e com effeito, assim eo.
mo nos primeiros he vedado por dever
de consciencia ler livros prohibidos,
se para isso 'a pessoa não tiver a de
vida licença; do mesmo modo aquel.
les que estão encarregados das Bi
bliothecas não costumão ermittirV a
leitura das mencionadas o ras, senão
se a resenta essa licença. Tem a Igre
ja omaua sido mui calumniada so
bre o ponto do Indice dos livros pro
hibidos , como se co'm isto quizesse
Éerpetuar'no Mundo a ignorancia.
ste amargo vituperio se acha repe
tido em infinitos livrinhos, tanto. dos
Protestantes, como dos Filosofos; mas
tambem nesta parte não tardou que a
não justificassemos factos. Os livros.,
268
que com as suas maximas perniciom
eonduzírão o Mundo aos luctuosos
apertou de que apenas acabamos de
sahir , todos immedíatamente â sua
publicação forão proscritos , e repro
vados no Indice.
. . .
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269
coNcLUsÃa”
Povos , que depois de haverdes es.
tado por muitos annos sujeitos a Go
vernos rapaces, immorâcs, e tyranni.
cos , tendes voltado ao dominio dos
vossos antigos legítimos Soberanos,
ponderai bem a vossa presente felicida
de; não vos deixeis lseduzir dos novos
enãodos que os occultos inimigos da
Re igião e da Sociedade vos apresen
tão para vos fazerem recahir nas pas;
sadas desventuras. As maximas que ha
annos tanto -se exaitã'o sob o especie
so nome de idéas e de instituições li
beraes são aquellas mesmas que, tan
to na ordem moral'como na ordem po
litica produzir-ão todos os males que ,
de 1789 para cá , do mais inaudito
modo affligírão e assolârão tão cruel
mente a França. Eu me lizonjeio' de
o ter'evidentemente provado no de
curso desta'obra; mas analysamfi) ao.
mesmo tempo debaixo de todos. osseuë
'270
aspectos as referidas maximas, tenho
feito ver até a ultima evidencia, queelias se não poderião generalizar emV
qualquer Estado, sem que sobrevies
,sem logo as mesmas terríveis conse
quencias.
Porém ainda não tenho dito tudo,
e para inteiramente exhaurir a ma
teria me falta expor o argumento
mais convincente de todos; quero di
zer , a manifesta desapprovação que
Deos fez dlessas mesmas maximas, ten
do-se elle opposto de hum modo tão
sensível á continuação do horrivelestado de couzas que , apozl a geral
propagação das máximas sobreditas,
se tinha introduzido no Mundo.
A Democracia, que se estabeleceo ení
França, durou apenas tres annos des-I
de que se.a'doptou o Governo Consti
tucional; depois de ter vexa'do e op-l
primido aquelles infelices habitantes
com todo o genero-de' desgraças , aca
bou' dando lugar ao mais pezado des
potismo , de que as historias nos te
nhão -deixado lembrança. O homem
soberbo ;'¡ que , aproveitando-se dês
ltramente do-abaztirnento em que esta
va. a- Nação por tantos'males soffri
dos Í, ~fez zoom' que se lheoonferisse-a
soberana au'tboridade', em -vez ~de usa!
v
271'
d'ella para' sarar tantas feridas, como
facilmente podera fazer , não fez se
não dilatallas mais. Era pouco a seus
olhos senhorear oReino, que passava
pelo mais florente da Europa ; para
dominar imperiosamente sobre todo
o nosso continente , não lhe faltava
mais que levar as armas ao Dwina e
ao Wolga , e va sua desmarcada am
bição lhe fez conceber tambem este
projecto. Mas entretanto que elle ha
via já começado a executallo , acon
tecimentos de natureza totalmente di
versa se preparavão nas secretas dis
posições .da Providencia. para pôr
or huma vez termo Naos males do
undo. ,
'_Buonaparte parece ter sido destinav'do para realizar na sua pessoa do
modo mais assombroso o antigo ada
gio , que Deos cega aquelles qrue quer
perder :Quos perdera vult upiter,has dementnt ::. A uerra ,dlHesp-a
nha, que durava havia quatro annos,'
não apresentava no de 1812 mais que
lmm aspecto assaz ruinoso. A tactica
adoptada pelos Hespanhoes fazia inu
teis os grandes exercitos empregados
pela França na conquista do seu paiz ,
Vconsumia-os inscnsivelmente , e pu
nha-os no ycaso de. frequentemente usa
272
eessitarem de numerosos reforços para
se sustentarem. O insensato conquis‹
tador os privou (Testa vantagem com
o_emprehender a guerra cont-ra aRus.
sia.
O Imperador Alexandre tinha feito
toda a especie de sacrifícios , e offe
recia fazer ainda os maiores a fim depreservar dleste flagello os seus subdi
tos. A infracção do Tratado de Tilsit,
por meio do qual se tinha. obrigado
a romper toda a sorte de commercio
com a Inglaterra não podia ser alle
gada por Napoleão como justo moti
vo de guerra , pois que elle mesmofora o primeiro adnr o exemplo dliss
so.` Com o seu tão odioso systema
das licenças infringia elle pro rio to
dos os dias os seus famosos ecretos
de Berlin e de Milão, que, como to
dos muito bem sabem , tinhão por ob.
cto a mesma prohibição de toda a
qualidade de commercio com a Inglafi
terra.
Esta guerra da Russia, tão injusta
no principio que ahavia dictado, co.
mo adlHespanha, era ainda mais im
politica pelas funestas consequencias
que devia naturalmente ter sobre a
pessoa do seu author. E com effeito ,
além da impossibilidade moral de sus‹`
273
.isentar ao mesmoztempo. duas guerras
offensivas a oitocentas leguas de disf
iancia huma 'da outra; podia acaso
conceber-se nada mais perigoso , que
entranhar-se com hum grande exercito
:nos desertos da Russia , a travéz das
brenhas ,' dos rios,` dos pantanos; onde
não» jh'avíaz estradas sufficient'ëmente
cfapazes para transportar a artilheria;
as bagagens, os viveres, onde se de,
yião arrastar os rigoresdo clima ,. as
intempéries das estações ,. a subitauea
passagem .de huma seccuraextrema ás
maisz copiosas. chuvas, dos calores da
canicula aosfriosdo Polo glacíal 3,y e
onde finalmente `os povos erão affeiâ
çoadissimosao seuGovemo ,não tenõ
do entre elles ainda penetrado _aqueló
la-tallaz cultura; que em outras' para
_tes tinha feito acha-r tantos adherenõ
tes aos exercitos.~1'e,voluçionarlos da
França 2.-Como podem .por tanto deja `
:ar de ver-sena guerra da Russia os
symptomas, d'aquellaz cegueira com
, ue Deos prepara oeastigo exemplar
-g'aquellss que tem determinado pera
derf'e provar d'esteI modo ás Nações
'qua os~_instrumentos_ da sua colerza se
nouverteml em; _victimas, da sua vingaú
dora justiça? v _, v ‹-.
e. Estamesmfizçegušitsz. .quelevouNag
274
poleäo a emprebender tão ineonsidera'
dainente similhantešuerra, não se lhe
tirou dos olhos nas ifferentes opera
ções -da mesma guerra. Caminhava
a marchas forçadas atravez da Lithu
`ania na coufiança de sorp'render os
Russos; porém quando chegou aWil
na , já havia dois dias que elles ti
nhão abandonado esta Cidade , quei
mando tudo oqne comsigo não podiãolevar. O fructo dlesta operação foi a
perda de vinte mil cavallos do exer
'eito Francez', osflquaes perecèrão por
falta de forragem, e que elle nos seus
boletins disse terem ficado afo ados
em hum diluvio de trinta e seis oras
a fio. Vin ou-se `d”esta prudente reti
rada dos ussos com hum sarcasmo,
dizendo nos mesmos boletins, que era.
mais difficil podellos alcançar que
vencellos. Seguírão elles ainda depois
este plano de campanha tão sabiamen.
te combinado; assim, de posto em pos
to o atrahíräo até Moscow , onde os
'elementos pareoeo haverem-se todos
oonjurado para 'anniquilarem o seu
exercito , e obrigarem-noáquella de
zastrosissima retirada` que lhe custou
a perda de trezentos mil'- combatentes,
de immensa artilheria, da sua Caixa
Militar-,e que fez eahir em poder do
'52%
vê'néeaór tàdó o frucfó das meias 'do
Vencido. › A' dNesta expedição da Russia, Bu'ónaä
parte, tão incous'idefad'o nos seus cóliit
selhos , como temera'rio nas' suas 'er'mJ
prezas, se deixou demorar pelo G'abiá'
'netede Petersburgo 'com huma nego:ciação que 'retardoul üilnte dias a suà.
retirada, e a tornou mais difficultósa'r
ignorou totalmente o Tratado de Pai
èntre esta Corte e a Po'rt'a Ottoma'na ,
pelo qual o inimigo teve' á sua dispo;
siçã'o hum novo exercito que o v'eãioií
de* continuo pelos flancos. Em summa
todos' os'- acontecimentos ,` militares ou?
politicos, concorrião para verificar os
secretos' design'i'os da* Providencia sos
bre' este homem , o qual parecia pre:
eipita'r-se ell'e proprio para asua'perz'
da debaixo- 'd'a ómnipo't'enlfe tflão' d'a.:`
quelle, fqu'e dfieue queria fazer hum'
rand'e exemplo das 'extravagancias
` `m`fllias.
- Depois desta' fatal retirada , chega'B'uortapart'e só a París, e, semI` a mir
sima li'riqiiietm;ã‹› pelo grande luto*
que havia ec'casíonado em' toda a em.Í
t'ensã'ddo Imperio , não se' occupou
senão 'nos meios de poder reunir
entre eäier'eit'ó.v A actividade que poz'
naJ execução destesš preparativos, foi'
2
' 276
ão grande , que apenas' erão assa
dos tres mezes depois da sua vo ta, e
já se achava em estado de entrar de
novo em campanha â testa de hum
exercito reorganizado como por en
_anto. As tropas dos Principes da Con
;ederaão do Bheno , tornados seus'
'Vassal os , e que elle obrigava a to.
mar parte em todos os seus extrava.
gantes projectos, tinhão igualmente
sido postas em hum pé respeitavel;
de modo que os dois exercitos reuni
dos em nada cedião, ao menos a res
peito do numero . áquelles que no an
no recedente elle havia sacrificado
na ussia. -
Í A campanha de 1813 abria-se com
a sanguinosa batalha de Lutzen, on.
de a artilheria Franceza tirou' aos
Russos e aos Prussianos a victoria, ue
o valor e a íntrepidez mostravão l es
devião segurar. Se Napoleãotivera
sabido aproveitar este momento para.
offerecer a paz aos seus inimigos en.
tão amedrentados , fôra honrosa pa
ra as suas armas , gloriosa para elle,
e proveitosa á França e aos seus al.
liados. Com esta victoria tinha elle
restabelecida a sua reputação mili.
tar , e apagado ao mesmo tempo a
' deshonra e amemoria dos desastres da
277
precedente campanha ,' ela qual fiÃ
'carião responsaveis os" e ementos ;"è
ao titulo de primeiro Capitão do seu
Seculo ajuntaria o outro mais'lizoni
jeiro de Pacificador da Europa. Os
seus inimigos lhe tinhão poupado os
rimeiros passos , propondo-lhe ele
les mesmos hum armisticio para con.
cordarem nas bases em que se pudesl
se negociar de boa fé. Se Buonapartc
se houvera então recordado da maxi-y
ma de Machiavello , que huma perƒi.
dia pode ser algumas vezes util , mas
que pelo contrario huma reputação
md sempre he perigosa ; fôra aquella
huma bella occasião de desvanecer a.
dolorosa impressão do seu procedimen
to contra os Priucipes da Hespanha,
desenvolvendo ao tratar do armisticio
huma lealdade, que se jul ava pouco
análoga ao seu caracter. ševia além
d”isso temer, que continuando aguer.
ra , imitassem os confederados ao prià
meiro revez o exemplo da Prussia, a
qual se tinha apartado da sua allian-Í
ça , e voltassem contra elle as suas
armas, como fizera esta Potencia. E
tanto mais parecia que devia apreciar
este perigo, quanto olmperador d”Aus-'
tria sobre isto mesmo` lhe mandou dar'
saudaveis conselhos por meio doG-ea'
us
21.6191 Bulma ,_ 9 «qz al estava tambem.
encarregado de asse .orar a Napoé
leão , que 86 Se m9 rasss obstizuads
em`~reeusar condições lzuiequadas de
paz,` .o seu Soberano se veria obriga
šlo a. fazer causa commuu; com osseus
.inimigos .
Cumpre tambem aqui notar os
Pet-'vlws juízos d'aquella Providencia.
que .lhe tinha posto nos olhos huma
Yenda para lhe esconder a vistaI do
PrecipiciQ» as qual. caminhava a lar,
'os sassos, .Os .conselhos do Impera¬
_or 'Austria fprão desprezados , [o
'á Buonaparte devorava com o pen,
samento os Estados deseu sogro, como
huma preza, que não odia fugir das
çuas mãos, Rpmpeo el e o armistico;
e o fructo .que tirou d'este seu furor
uçlƒ-reírp , foi a perda da batalha de
íerpsick , que reduz'io o seu exercito
a huma extremidade, de que não pô,
de tornar a resurgir; afastou da sua
causa todos os seus alliados , queIl_nuito havia já aspiravão a sacudir
o jugo , que lhes havia imposto 5 e
armou contra si a Europa em pezo.
_ _Buonaparte se reduzio a preparar
terceiro exercito ; mas primeiro que
este estivesse em estado de se pôr eu;
campo, já os alliados tinhão passado
279'
0' Rheno ; -inundavão as bellas Pro..
vincias Franeezas do Nascente e do
Meiodia , e se hião aproximando â
Capital do Imperio. Posto que re.
duzido a-esta dura extremidade, po‹
dia. ainda obter a paz ; allucinado
porém por algumas efémeras vanta‹
gens das suas armas, persistio em não
se arredar de condições tão orgulho
Sas , que irritârão justamente os seus
inimigos : dobrârão estes os seus es
forços; e no dia 30 de Março veio fi
nalmente a arrancar-se este flagello,
que ameaçava a civilização Européa.
de huma proxima destruição.
Que o gigantesco Imperio de Naa
poleão se não sustentasse depois da.
sua morte ., ao menos em toda a sua.
grande extensão , era couza que tal
vez se podia prever, e atê varias pes.
soas mui sensatas assim o pensârãmV
Mas nenhuma por certo sonhou jamais
de prognosticar, que similhaute dis.
solução havia de acontecer havida
do seu mesmo fundador, como acon
teceo. Ora quem `nãoV ve neste-terrñ
vel acontecimento a mão daquelle
que, como diz Job, desata o bol'driéV
da espada dos Reis , e flies cinge'os
rins com huma corda - que expõe os
Principes soberbos ao desprezo dos Poa
280'
vos, wealth aquelles que estavão' oppriämidos (1)? Quem não ve nesta'l gran¬
de 'humilhação de Napoleão renovado
o' terrivel exemplo do orgulhoso Rei
de Babylonia , que queria engulír a
terra , e foi elle proprio em hum me;
mento destruído por Cyro'? 1 "
Esta visivel mão do Omnipotente
somentefoi desconhecida por aquelle
homem que ella tinha principalmentel
em vista. Napoleão, em vez de se hn..
milhar diante de Deos, e de' ser grato
á moderação dos seus vencedores, os
quaes lhe deixarão ainda hum thro
no, pequeno semz duvida , e quasi
nullo em comparação daquelle de que
decahíra , mas muito superior a tudo
aquillo que quinze ou dezeseis annos
antes teria podido desejar; medita no
seio do seu asylo novos pro'ectos de
ambi ão, e de ruína, sahe su itamen,
te da Ilha dlElba, e senta-se de novo
no throno da França. Mas inuteis es»
forços l Deos , que hum anno antes
u rv-rv 1.. .u .r -.v..r n ._ r I . s ›.¬ I
(l) “Baltheum regurn dissolvit, et praeq
__çingit fune renes eorum....Effundit` deti-A
pectionem super príncipes , eos, qui op-.
pressi fuerunt, relevans.” Job. XII. Ú
8,...21, ' ' '
2813
tinha'obrãdd tantos" 'p'rodi'gios 'para
livrar o genero'humano do flagello
do seu oppressivo Governo . não ~p'er-¬
mittio, que _a França e a- Europa fi.
cassem muito tempo suspensas sobre
› o seu permanente destino. Anova _poó
tencia de Buonaparte he an'ni'quiladaí, depoisl de hum reinado de tres
mezes , depois de huma campanha de.tresA diasl- Hel transportado a acabar
os seus dias a =mais de quatro mil le-'
guas de nós , e reduzido assima hu
ma. verdadeira impotencia de poder
tornar a perturbar a Europa, aquel-k
la Europa , ' que tres annos antes era'
nimiamente limitada á sua ambição,
e â sua insaciavel avidez de conf
quistas. ' ` >
Mas não são menos sensiveis os
prodígios que a mão do Altíssimoobrou â nossa vista em apoio da. Re.-V
ligião. Se os infinitos triunfos , que
por dezoito inteiros seculos a Igreja
tem ganhado sobre todos os seus ini¬
migos, não tivessem ainda sufficien..
te força no espirito dos incrêdulos
para os'reduzirem a reconhecerem o
eumprimento das promessas de Jesu
Christo sobre a estabilidade da mes.
ma; as provas d'esta sua alta pro.
noção, que de _ha vinte annos a esta
282
parte se tem renovado ã vista mesmo
dos ,incrédulos , são tão multiplica.
das , e tão resplandecentes, que de
vem para sempre confundir todas as
duvidas , confirmar a fé dos Chris.
tãos , e unillos cada vez mais â sua
Mãi a Santa Igreja Catholica Roma.
na , a unica animada , e sempre diri‹
'gida pelo Espirito Santo.
Os Filosofos do seculo decimo oi.
tavo não se lizonjeavão de ver reali.
zado o seu projecto de fazer desappa..V
recer o Christianismo da face da ter.
ra , em quanto existisse esta Igreja,
que como Mestra e directora de to.
das , ha sempre vigiado que em ne.
nhuma, ainda que remota região, o
espirito do erro enxovalhasse as divi
nas instrucções. E como não davão
credito algum ás palavras de Jesu
Christo , com que a havia assegura.
do de que as portas do Inferno 'á.
mais contra ella havião de preva e‹
cer , persuadião-se que , privados os
Papas dos seus dominios temporaes ,
havião de pouco a pouco infalli.
velmente vir a perder tambem 0 exer
cicio do seu poder espiritual. Daqui
veioy cingirem-se a invectivarem con.
tra a soberania temporalV da Santa
Sé , a fimde poderem deste modo
288
chegar maisefficazmenta , e com maio;
presteza a arruinar o seu poder espi.
ritual. Mas não era tão facil como
isso destruir 4huma posso do .mais de
dez seculos, consagrada pela venera
ção dos Povos Ve dos Principes,; e os
seus insidiosos sofismas mascaradol
com hum falso zelo de Religião aca
barião cahindo de todo no esqueci.
¡nento , como exactamente aconteceu
aos de Arnaldo de Brescia , o qual
no dundecimo seculo tinha espalhado
as suas primeiras sementes , se não
sobreviera o terrivel acontecimento
que derrubou a mais antiga e a mais
bella Monarquia da Europa. -
Os primeiros authores da Revolu
ção de França , que não odiavão me
nos a Religião Catholica , do que
aborrecião o Governo Monarquico, en'
trarão 'plenamente nas miras do Fi
losofism'o â cerca do indicado projecto.de arruinar e destruir a authoridadel
espiritual dos Papas por meio do to
tal anniquilamento da sua Soberania
temporal. Assim , depois de terem
_com a Constituição Civil do Clero in
troduzido o scisma na Nação; depois
de terem assassinado huma multidão
,de Ministros do Sanctuario , e obri
gado .os .outros todos a ssoopderem-se
~ m
ou a emi rarem; depois de terem. fe-'I
chado to as :as Igrejas ,^ 'elsubstitnido
nellas , em lugar da adoração do Deos
vivo , o'ridiculo'c'ulto da Deoszi Ra
zão , desthronizárão no principio'de
1798` 'o -Papa Pio VI , ao qual' dois
annos antes Buenaparte , como Ge.
neral das Tropas do Directorio , ti.
nha tirado tres das suas mais bellas
Províncias. A im iedade mascarado
com a capa da ilosofia triunfava
por assim ver preenchidos os seus
votos , e exclamava em sua exulta.
ção pouco mais ou menos como ou
trlora Frederico Barbarroxa (1): Em
. (i) Frederico I. Imperador, denominado
Barbarroxa, insultava o Summo Pentifice,
pelos annos 1160 com os seguintes versos:
Roma diu titubam, variisque erroribus arto,
Corruet, et mundi desine: esse caput.
Roma ha muito vacillante ,
D'erros varios agitada,
Deixará, no chão prostrada,
- De ser 'do Mundo a Imperunte.
O Papa Alexandre III lhe respondeo
com estoutro distico:
Niterí: incauum nuvem dissolvere Petri:
Flucluat; as! nunquam mergitur illa ralis.
Em vão tudo pões por obra
Para de Pedro aft'undares
A Barca; ella sobre os mares
IFluctúa, e ja'mais soçobra.
285
não havendo Papa , nãoV ha Igreja.
Mas similhante triunfo foi de lassaz
curta duração. A desthronização do
Papa não tardou de ser seguida por
novos 'acontecimentos , que visivel
mente manifestãrão os desígnios da
Providencia , de que falla Bossuet em
hum passo que nestes ultimos tempos
tem sido tantas vezes referido pelo
escritores (l). -
(I) Como alguns dos leitores. poderáõ
não ter visto a passagem, assente'i re'f'erile
la aqui por modo de notam-H" Dieu vous
,, loit que l‘Eglise Romaine, la mere coma
,, m-une de tous les royaumes, dans la suite
,, ne fut dépendante d’aucun royaume dnnl
,, le temporel, et que le sièo'e où tous les
,, fideles doivent garder -l'umté , à la fit;
,, -fut mis au dešsus des partialités que les
,, divers i-nterêts et les jalousies d’état
,, pourraient causer. . . . . L’Egiise , pro
,, segue o Prelude, indépendante dans son
,, Chef de toutes les puissances temporel
,, les, se voit en état d'exercer plus libre
5, ment pour le bien commun. et pour'la,, commune protection des rois cln'étiemil
,, cette puissance celeste de regir lealâmes
,, et tenant en main la balance droite, au
,, milieu de tant d’empires, souvent eum-_
À, mis., elle entretientl'unité, dansjgut la -‹
,, corps , tantôt par d'inflexibles décrets; f
1 _ 253
f A muitav idade e as moléstias de Pio
Sexto ., o seu dester'ro para paiz dis
;,ltzzntôt par des sages temperemens. , Bos
Suet, Discour's sur l'Um'té de' I'Egliir'e. l
Esta judiciosa retiexão do- diouto Bispo
de Meanx se acha ainda' mais desenvolfvida
na Historia Ecclesiasticado Abba'de Fle'uify'.
Este* se empregouv principalmente em das.
truir a ob'eeção que contra4 a dita opinião
daquelle relado se podia deduzir do es-'
tado.da›..primitiva Igreja, em. que .os Papas
certamente não erão Soberaiios.-"Tant
_`,, que t'Empii-e Romain 'subsiste , diz
i, dia , .il~rent-`ermoit dans sa vaste étendue
,,,p‹reeque toute la cbrétieoté; mais depuis
A“que l'Euiope est~divisée etrplusietm
,, princesz iudépeudaos'l les une' d'es autres,
,, si le Papo eu: -été»~mjet de Pon d'eux.,
,, il cut été à craiodre' qire'les autres n'euss
,y sent eu- peine à le recon'noitre' pour pèrc
,, common, et. que lestectiismes n'eusscn't
,,› été frequensl. On 'peut doneV croire que
,, dest par un effet pmiculier de la Proó
,, vidermel que le Papo: sfesttrotrvé indép'enõ
5, dont' èt maitre díu'n atue aissez puiesant
i, pour nlètrey pas uisémcwt opprimé'l pal
,gi les autres' ysouveiuiiis, sfin qnfit foiÀ
,, libre deixe lf'eaercieefi de sa pisissanee
A,y spirituelie, et qu'ilE put conteui'r plue
,,‹facilem'en't'A Vtous les' autres' evêqeeo
,~, dans; leur devoir.,,--Fieury ,- Quutfilo
InexDiecoun sur' I'Hisfoire' Ecclesíhsä'qudv
i 4I ¡ - . vt
287
tante , fazião prever que a Sé Apos
tolica não tardaria muito que não fi
ca-sse privada do seu Chefe. Era de
recear que os Cardeaes, dispersos,
se não podessem reunir em Conclave
para lhe darem hum Successor, e que
não ficasse d'este modo a Igreja pri.
vada do Supremo Pastor por mais
tempo do que exigião as necessidades
do rebanho. Mas aquelle vque tinha
promettido estar com ella até a con.
summação dos Seculos velava do alto
dos Ceos na sua defensão. _
AlgunsCardeaes , expulsos de Ro.
ma ao mesmo tempo que o venera
vel Summo Pontifice , tinhão-se re
tirado ao territorio Veneziano , uni
co paiz da Italia , em que a Religião
šozava ainda de todos os seus direitos
ebaixo da protecção'do Imperador
Francisco. Em breve se lhes reunirão
os Cardeaes que na mesma occasião se
tinhão retirado ás suas casas pater
nas na Lombardia , no Piemonte , e
na ¡Liguria O fundado temor de hum
rompimento entre a França e a Aus
tria fez tomar este' partido a todos os
sobreditos Purpurados ,. pois que a
renovação das hostilidades 'lhes teria
impedido a jornada. »0_s-out`ros Cars
238
deaes, quese tinhão refugiado na' Sia
cilia, tambem não tardárão em seguir
. o mesmo exemplo; de modo que,- quan
do em 29 de Agosto de 1799 acontec
cco em Valença do Delfinado a mora
te do. virtuosissimo Pontífice , já se
achavão todos os respeitaveis Mem.
brõs do Sacro.Collegio reunidos em
Veneza. ' v ~ , \
O Conclave se abriõ no principio
deaDezembroz Pio~Setimo foi eleitos.
-M de Março do seguinte anno de 1800.
E como as. ~falanges do Directorio',
derrotadas. pelas armas Austro-Russas,
tinhão alguns mezes antes evacuado
inteiramente a. Italia, não encontrou
o" novo Pontífice difficnldade alguma.
em passar a Roma ; assim, supposto
que a Impiedade , como'parecia não
se poder duvidar,- com oarre'bata
mento de Pio Sexto1,'e 'com a disperâ
'são dos Cardeaes , se houvesse pro.Vposto dissolver. o Governozda Igreja,
:e fazerI cessarza _suceessão dos Sum
vmos Pontifices, devia ficar bem con.
fusa vendo os meios que a Provider»
"cia tinha sabido pôr em obra paradar comttanta promptidão e tãocru
nonicamentei'hutn' suecessor ao Papa,
o qual tinha perecido ,victi “ _ Vdapesi;
›,~¬-,
iss
iégniç'ãô ,. e para facilitar a -Pió'mo o caminho sralaosua Sede ,zelCa-i
pital dos seus' stadosr.-__í -. , .1;1
Porém a Igreja. , que 5 lmimo! diz
AAgostinho , he destinada. a; caminhar
na Terra entre _as consolaç'ões ,do SelV
nhor e as perseguições' do Mundo, nãó'
conserva porniuito tempo osl seus
vestidos d'e gala..` Excitouëse .contraI
ella `hunia nova borrasca_;. e isto (o
que jámais ninguem esperâra) foi porlparte dlaquelle mesmo homem ¡ que
pouco antes havia. sido .o proprio quê
procurara restabelecer emFrança ó
Culto Catholico ; signal evidente de
que em dar similhante passo não teve'
em vista maisque oseuparticularim
teresseye a olitica. Napoleão de' ‹ .is
de ter por ois annos inteirbs fati a..
'dotincessantementelPio VII com so lí;
eitações,__ .que tendião directamente a.
- fazer arrei ar aquella. Nação Doca;
hos da i'rre igião e do scisma, e que
elle` melhor vqueniizfuem .sabia que
o Papa não podia . e modo nenhuni
conceder., tirou finalmente a mascara
ele-,todo no principio de Jupho dê1809.; Foi oÍ Papa duramente arraslv
Irado Vde desterro em desterro , e a
cadaginstzante ensopado em amargu;
ta. Apartãrão. do serio lado ,os seus
ZM
eMlbëiresínatbs ," osrquaes forãomesmo amado. injuriosamentc perseúv
uidos , .assim como f infiuito's outros
šécleai-acticoa.` f .
*1. lllstay .segundaflperseguição constem
noúws Fiéis mulfiofmais do que fizes
ra a quase exeitá'í'aino tempo de-Pio
Sexto '9 pode rque` além de setI muito
mais atraz., apresentava caracteres de
duraçäw que ¡afsoutra não tinha. No
principio de 1798l havia todas as ap.
gerenciais: de' que a Republica Fran
ceeamio tardaria muito em se dissol.
ver5 Mu pelaforçaiexterna, ou pelo
desgolt'o interior da Nação. Mas es
tasesperanças Vsegundo todos os cal.
eulos da Politica , não as havia em
Junho de mos. Nesta ultima êpoea a
duração da nani-poção dos Estados da
Igreja parecia ligada á de hum Im
perio., cu'a dominação naEuro a pa
recia' dev ra ser sem limitet ecla
tando Roma asegmida Cidade da :sua
colossal dominação , investindo com
o titulo 'Ide Rei de Roma `o herdeiro
presumptivo da sua Coroa., anuuns
oitiva Napoleão abertamente que ou
'Estados Romanos deviãc ser lolhados
como perdidos para sempre ' pelo seu
amigo `e legítimo Soberano. .Mas ht
Wctameute quando faltão eo recur
291'
Íös Ílúiüahos q'ue mais se uiahifesíá. 8
fésplandece nos acontecimentos o deà '
'do da; d'extra do Altíssimo. A.Rbovià
dencia, q_11`e`'_zombaI d'e todos .oscalcuá
los'dá.. Politico; fë'l com efifeito quea colossal Poteiibià so ' lque gëmião
tantos-Sobhranõs le tantos Povos I, sé
'destsuisse ‹'e` ,abysinasse com huma
promptidão e Com ëircunstancias, 'quo
visivelmènte manifestão o úrilla " re. E
1mm dos primèiios èffeitos d°es a mai;
'ravilh'osa .rèvoluçãm (le que he diffiioil achar outro lexè'mplona Historia;
foi :justamèote orfegresso do. Sili'n'md
Pontífice _âA Capital- dos seus Estados 5
è o' seu l_i'vJ'e röstgbblc'cimèñto na suaSêdeo. '7" › . , I.. 4: "I
.__f Foiho mesmo Palacio de Fohtais
hebieau ', em qué `läízzxjwl'eãoftinha, tie,
ao dezoito mez'e's prëàdvPio VII; qué
elle reneb'eo o decroiofdo. Senado que'
u'declarava doposto Vdo Thronü ; coó
mo qué Dèos, do theati'o do' _'seu in
ao'lente triunfo sobre «Chefe-do.` lI rw
já , 'quizom fake; o 'da sua hum lisa
ção ,Ve 'da süa queda. _ ' A. _ z
ä;- Asseuhoreando-sa dos Estados dz
Igm'á , tinha Napoleão' ass' u_ado a
Pio _ II a ¡zongrua dodois mi äes de
francos (oitocentos mil cruzados), 'os
quaes “elle comanteéqentz rç'cuspu, .o.2 À
292
de que nunca quizK receber a minima
orção. Foi á mesma assignação de
sois milhões de francos que' o ávido
Usurpador,`Y ue tirava cada anno hum
milhar de mi hões aos povos subjuga.
dos ,sâse vio reduzido por. huma com
venção, na qual se presenciou nego-fciar elle mesmo minuciosamentel afa.
culdade de levar comsigo para a
Ilha d`Elba 'os mais dos effeitos que
podia. ' . a l.
.1.0' re resso do Sumrno Pontifice â
Capita dos seus Estados, combinou;
secam a época da viagem de Buona;
arte para'o seu novo Imperioziuhoi
.jAcodem de toda a parte os povos ao
encontro do primeiropara lhe tribu.
tarem 'os expressivos testemunhos da
sua..profunda veneração , como ou.
' telora seítinhão visto apressurarem-se
a'seguirem` os'passos dos Athauasios ,
dos Chrisostomos, e de tantos outros
coufessores chamados aofiscio dos seus
rebanhos.` A- sua marcha vhe a cadainstante' suspensav pelo zeloV dos fieis
que entre si dispu'tão ahonra del pu-_
vxar a sua carroagem Pau'a'o` conduzig
rem como em triunfo. Correm igual.
mente as' povoações ao 'encontro de
Buonap'arte'; mas sójpa-ra ozeuchereui'
écrieláwbsriu ¡Lfimëãr lhe. Refis!!.. _ ' r 'e
293
¡Ssfi'lhosa-rrancados de' seu seio para:Ierem'sacrificados' át sua ambição; os
paiszl'he mostrão os .seus.,campos ta;
- ados pelas tropasinimigasë, cuja vin
gança onseu` extravagante delírio ti
.nha justamente provocado ;vos man,
cebos, que formavãoz'a. esperança e 'o
esteio de suas familias; ihe exproba
virão o ser elle a cansa de `severem
mutilados z; segue-o .por` toda a 'parte
a execução publica; crescem a cada
:passo _os perigos na. sua jornada; não
Vse .pode esquivar ao V'furor popular
senão disfarçado , `ez artificiosamente
confundido entre os :da sua escolta;
.e com huma' precipitada fugida , .que
.mil lanços` de vileza da .sua patte'fià
.zerão ainda? finais' `vergonhosa. ~ "" “r
p Adiversa sorte 'que fo diaV 3'0 de
Março' de -18I4iez provar a PioVlI;
e ao seulOppr'essorí'as d'iffezrentè's ein;
jcunstancias , .que `.acon'lpanh'ín'ãoiaI
viagem zdmpriznieiro ,v'e'a dos un*
'glo ,z 'attestã'o por tante' ode' hum modo
`señsiv,elí,`¿ quee'xistm hum Deos rèmn'
iiemdor ,'í e vingador',. huma'Prdvif
¡íeíncia ,.; que dispõe zdetodos. os facon:
tec'imentos .pelo triunfo da 'virtudeperseguidaTe" peia punição'do'lviciõ
.fslía ,- .e ffinašmnte. “que a ReligiãoàVue o pri'méírö honrnucom' .a suahe;
fl9!
pica -fiml'ennig a 'qua o 'outro' um
qfltrajõúyhe vepdadçira, é lie-divina.
E havpnáfiaiwda, .'pessàaäàztão í'nsølflsa?
tašç fóu', .paga melhor (kizer,4 tão ce'»
gas ^,` aq'ub persistão 'ainda em secou?
šervarem :nas trevas dbi'lühèisçng qu
dazlnçredqlidade ?\. v `‹-. ê .J
Hum ›grafnde› Ro'i dqfsenulo passm',A
do, que se divartig lem áè'çartea'r com
ps~ Filosdfos , "mas dos =quaes plçnag
'mentacunhpcia .ítoüds os gicfpiposf, ~_e
:que sempre ¡se :guapdmg 'üvad'o'ptar os
principiosvdâell'asf np governo das "geug
lpovos », ¬à.› que; tanto fsç'dedi'cava , e
pelo ~que,_' não menos que .pela'suz
grande perícia nã'sçiènçi'af 'das armas'x
viviráflfletemmhenrtç 'Eua .memnria dos
windourosqi *Freduriáo-flléí, escrevia,
pm VLUIS? aq flôçifêqfFmncn 'dos 'Im.
pics; Os Pfllosoƒas Vnvinwíio' abertamente
ps'l ~ alícçroes “do "Thrp'rgo ' Pontifícia, Tag
ldo -f estäl'perdida a,- heƒprecim hum' mig
lagre para salvar-I a Ifgrqja. «'›E.'v`ós te-.
veis a conšotaçãwde 1a fe'wwrfvlr'd‹z.s'V . e
da lhe fa'z'erdes. o Pfepitafiq~(4i)..‹ -Eía
`ois,!_ (1'`e_1_›1.1'í:a` judiciosàmentç húfn'gag
gia Biapo Fça'qoez depqis'de - té; Teféé
.fr , v,
e* -T'ff' "Twfxf'a- H. .V _
.5 t/T) YCo'rrÉà'pô1'íllív'zea Hu; :RM :Qiøpràu 3
www w?
.^."›Y -v ‹ .
m5 e
:ido 'a nieúèioladai passa' m'_ danado
do :Rei ,`) ,›, Eia .pois !.-› I Cliefliaâdos
,', Incrednlos yhe morto; .o Reidiiilø'â
,, sofo he mortoq ea Igreja'iem-not.
,, brevivido a ambos ellos ; zos, rails..
3, gres qpe edito Principe. julgará.
,, necessarios. para 1salvar humorada'
,, outra , sem os esperar , nem. crer
,, nelles , effectivamente se operárão
,, em menos de quinze annos ,,confir.
,, mando-se deste modo cada vez mais
,, as promessas de Jesu Christo sobre
,, a erpetuidade da igreja. Porta:
,, in cri non praevalebunt adversas eam
a 1)' n '
, . ¡(Àh! não sejamos insensíveisa estes
novos prodígioído` níisericordia, que
.em tão 'brevevespaço de tempo se
obrârão duas vezesdiante de nossos
olhos em apoio da Religião , e ,da
Igreja , para nos não vermos no ca.
so de exprimentarmos os prodígios da
(l) Mandement de Monseigneur Pisani
de 1a Gaude, Eoô ue de Namur, ou Clør¬
gl et aux fideles e :rm diocese pow ordon
mr une messc solemuelle suis-ie d'un Te
Deum en action de gface: de Ia de'lioranco
_de nótre V.Saint Pêro, Pie VII , e: de im;
remar triomphanc à ¡Romøú ' - _
fla sua» justiça irritadu'rCada Seclflo
tem tido 'seu caracter diaincäggš'tah,
`to; I'nos' vícios ,› como nàs A
Incredulidade foi o- vicio do Seculq
decimo oitavo; zfaçaàmos que a vittu,
,de opposta seja o caracterxparticular
flçpScculQ dçcimo ngqofioiakfiawfll ,Q
agiografia? qampàazàáizwâpufäim u
015': fi'fgqo'ea aiízafflfsvšmáš'lfi . wii-m ,f
«Hyu1:.’.'..u: “1' ‘
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Do. .que .contém este Volume.
š .E il*
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r .ø_. z.;,.
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-aiii rñg) 'Jxx'w '_ ` 'ii . '-.Pagai
sb ` -n~-`~fi`s- ~` i à»
PRsfiçãp do' mducton . s ç ,3.I
Introduççãazuww-g ¬' - ¬ `-V - - _7,
EAF. I.- De huma preoccupaçãa .
guetsm'contvn'bm'do muito para. . 1,
accreditarƒns .maximus erroneas
.me pemicámaszwtnzmãderno Fila;
sofismo. Os fautores. das ideas' `›
.5 vliberam: ,..a jim de espalharam . .
com maiarƒaagurança. as' mesmos' ._ â
erros ,qlrøcu'r'ãa insinuar' naum. ,imen'te ‹a'. mesmo preocoupäçãq.- 19.
CAP. IL 'DaGavemO Constitu-‹ . ›
ciouab, `ou da Representação
NaCl-Ofifllf g' f\3 .1- 1- -› e 37¬
ART. L: Hefalsa que estegenef
' ro de. Goma aaja` a mais am, ;.
tiga especie de Monarquia que ~.
se viene Mundo. f “-. -` í- ibid.
email. Áintrodueção doaGa- 'x
' ”gzç›íu°.flans_1imçianalrem Image .w
298
no reinado de Luiz XVI pra.
duziaaíxüsmbqpãadaJ/[owz
quía. v D U G O 9 O I' 54.
ART. HL' Iendors'ç, introduzido
o (Siomn'noi Ê'ons'tituoiohal em
Françmno anno de 1804, não
fez 'mais ue aggravar e fazer
mais: in' ' emulmošodapotjsmá
do novo Monarca. -. ~ - ¬ 70.
ALTMIV, Do Governo Constitu
cional considerado debaixo 'da.f'fhum Principe Íuiiiiuošmíf `
.'Ljírme ,~c que-sabe governarfpor
si mosaico-.mf uma: z... .J . 13.8,
AivraV-fi Diƒƒaronçu importante, .\- à
que :adm fizzer ›ralativomm f-'â
ao Governo .Uonstiwdmlu -I 83.
vCAE III. Bospwotøâsošdelictor z: '
de Ú' r ' v 'Ie 311.'lá'* .š v 950
CAPö V'L Dafiflmmfuciau .-: 107.
Ami-Im Owsystmazda Toileram ~
.ã bia f, -' tãøzfg'n'bado do: pfetondià
. dos- Fiiosoƒos dolstmloädeoimo'á/ )
oitavoyí'øquafiagovb sc reprv.t ' -z
.Tduz'o-se-pãe no mumeroydas '
Idéaâ* libehuei-.àxë uãoQhe maisi '. i
` que fkamawoutpauefindiƒfermça h?
em'Wnflwm v Iwdu
ART. --›I'I.'- - A lincliƒ'ƒ`91rzaáøg,'è'í'omvnva- Tz .'f
teria deâReligiãoKco ' ` nom..zz'lfafidmenu v Ê'Àâflúnfu 4
\`
_
295
írzƒbtmvfi, 'q'ueflihuíra iafsystšñíaxr* 3.
tem por suaI naturäâa na. Sooi'e- Í
.€.`›3d'asle, - v -- .-- ~- 9- ›-~\ v' -fl 113
Anrfifll. ¡A'Revolação deFrän... '- :à
-Y ça -defll'zs'e dweesefimaniƒesea- .
meme'aü'ribuir sí Irml'igião - E1361
.hier-IV. «A nova revolução .mc-f.
` çedi'da' mFranga em_~.Ma1fiça de.v .1.
" 1815 , deve tamõmm-visáoelmen»te attribuirase sí .I1.~.r`x›,lig~:¿ão.,` - 1:48,
.Ann-'VJ 14. gwmdle Wz'ldfiplions ' '1
ção =dos suicidi'es, que depois. si.' ido-meadg .da Sabado: .pmsado 'wi
cpmëgšouha 'haver 'cms França, 'ä
deve-.tmbem ser msíderada -y e,
comoI 'numa funestu womequem .ni.Ez da- Ir-religião. Í -ff ›- 1 1 vU- '154.
.An'rnYIlyà Comando de quanto'1"*°*- X
' se tem eoposto no _ "answer #10.
o _ pitulo. Importancw de um? 0"» o ,1
Educação mara'lwe lmligãwus a' faEdueupãa m'vü, e zlimmsia. -al-ss.
CAP' V.ó--!›Do 'Divuhcim .s n. 'f 9188-.
.ABL-L' 11 iVoltaswyossevemndoque .' K0 Evangelho pemitte «'a 'divorw É.
.2 Feio. em'oase'çie adoötsn'o \,`:`z não` l
fezmzois :que eopiur'o's Heresior-é às..cas do decimo zssmto -Seculm ~ - ibid.
`An'ra'llz ú He falsoyusâoâDivan- I:--1 .
i Acio›.h‹zj‹¡` sàdossemp'r'e autñoñsa-us=t
'-ÂifyiiQMíPQkQÍGn-z v 'v avi s» 12051
y eee _ i `
.hu-.Tm *Des de Fm”, '.
de 179,2 , e 1803 a _'fmionl do
.' Divorcío.. - _., ___... ._ - e 210.Agir. I'V,\.V Opposição do Diver-_cio ao Vbem da Sociedade; _- .. 213.
CAP.'VI.-¬ DaLiberdade da Im. . "
Tensa. Q v n o u p _ .ART. I. Os. Filosofds modernostem artiƒiçiosamente confundido
.na liberdade ' de Imprensa com
o liberdade de pensar ,l_e tambem'fdlesta .nos tem defdo huma I. '
flopã'o totalmente' falsa. e; - .‹- ibid.
AMLIIE xtravagante eopinião z. .da .Authondo Systemazda Na- w
tureza , .zde que. nenhum' liw'o'V .o
.epossa- saw-«pernicios'om'fr-vfi - .-' 235.
Anrúlll. Pfedicpão deLeibnitz. Y
sobrezhuma revolução, que as .e
doutrinas irreligioeas , que Yno
sew'tempo" 'começae'ão 'a diffun. .
. 'dir-se, havião-'de produzir ge. ,lJ ralmente em todau 'Eui'opav'V ‹ 241'-`
Àm'. IV.`l De algumas predic- .› :'.
,ções litterarias mais recentes so.4
bre à Revolução .ll`r:1›ze,~ezsa-` - 2.246*
ART. V. De humd'ƒalsu razão,
.É de utilidade, que tem contribuà
do muito. para .acreditar o sys..
tema .deliberdade da Impren-V 1
- Sap~1' v' a o ø Q .nf- Io'zálo
'5
'i
301
'Alvin VVI. YI‹`'raudc.‹›' que sepodem
usar , e que com effeito se tem
praticado para eludir os sauda
veis efƒeitos da censura .dos Ii'- ,
,vrOš- e - - e - e 4- -2551
Conclusão. . . .. - - _ .1,2697
«
ERRATAaÊ
Pag. Lin. Erro: ' Emendas..
20 26' demorar-nos demorarmo-nos
37 8 do de v" ,.
8! 8 preceber perceber Í "
122 5 tambem ns' ~ tambem contra os
135 11-42 depois do Seculo desde o Seculo A
137 2 contribuído '. contribuío
140 23 com Ecclesi- › com os Ecclesi-'
asticos aslicos
200 5 S. Paulo de S. Paulo
202 12 separatianc :eparationemü
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