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AASS TTRRAANNSSFFOORRMMAAÇÇ››EESS NNAA PPAAIISSAAGGEEMM DDOO PPOORRTTOO DDOO CCAAPPIIMM:: lleeiittuurraass ddee uummaa ppaaiissaaggeemm uurrbbaannaa
VERA LÚCIA ARAÚJO
João Pessoa Setembro de 2006
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA NATUREZA DEPARTAMENTO DE GEOCIÊNCIAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAIFA MESTRADO EM GEOGRAFIA
VERA LÚCIA ARAÚJO
AASS TTRRAANNSSFFOORRMMAAÇÇ››EESS NNAA PPAAIISSAAGGEEMM DDOO PPOORRTTOO DDOO CCAAPPIIMM:: lleeiittuurraass ddee uummaa ppaaiissaaggeemm uurrbbaannaa
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Paraíba, em cumprimento às exigências para obtenção do título de Mestre.
Orientadora: Profª Drª Doralice Sátyro Maia.
João Pessoa-PB Setembro de 2006
A 663t Araújo, Vera Lúcia.
As transformações na Paisagem do Porto do Capim: leituras de uma paisagem urbana/ Vera Lúcia Araújo. – João Pessoa, 2006.
168 p. : il. Orientadora: Doralice Sátyro Maia. Dissertação (Mestrado) – UFPB/CCEN 1. Geografia Urbana. 2. Paisagem.3. Comunidade. 4. Favela. 6. Porto do Capim.
UFPB/BC CDU: 91. (1-21) (043)
Ao meu pai, Abdias (in memorian), que me ensinou a ler livros de histórias. À minha mãe Guiomar que me ensinou a ler paisagens.
Dedico.
AGRADECIMENTOS Profª. Drª Doralice Sátyro Maia, por acreditar nesta pesquisa, pelo incentivo e, sobretudo, pela valiosa orientação. Profª. Drª Emília de Rodat Fernandes Moreira, pelo apoio recebido no início da pesquisa, junto ao PRODEMA e, posteriormente, no Programa de Pós-Graduação em Geografia. Profª. Drª Maria de Fátima Ferreira Rodrigues pelo apoio em todo o percurso no Programa de Pós Graduação em Geografia (Especialização e Mestrado). Profª. Drª. Ariane Norma de Menezes Sá, pelo apoio, enquanto Professora junto ao Mestrado em Geografia. Profª. Drª Maria Célia de Santi pela receptividade junto ao Projeto Germinar, Porto do Capim. Prof. Dr. Eduardo Viana, pelo apoio junto ao LEPAN.
Profª. Ms. Araci Farias, pelo apoio nas pesquisas de campo e na cartografia temática.
Profª. Ms. Dayse Lucwü Martins, UNIPÊ pelo apoio e por disponibilizar fontes iconográficas. Prof. Ms. Bertrand Lyra, pelas fotos cedidas.
Aos colegas e amigos do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFPB. Moradores das Comunidades Porto do Capim e Vila Nassau e Associação dos Moradores do Porto do Capim. Às Instituições, pela atenção e atendimento, disponibilizando arquivos e dados para consulta: Fundação de Ação Comunitária; Fundação Oficina-Escola de João Pessoa; Comissão Permanente para o desenvolvimento do Centro Histórico de João Pessoa; Creche Pedrelina de Jesus; e Programa Saúde na família – PSF Unidade Varadouro I. Aos sobrinhos Moema, Víctor e Flora pelo apoio em informática e fotografia. Aos demais familiares (irmãos e famílias) pelo apoio.
Aos primos Jornandes e Séphora, pelo percurso de barco nos Rios Sanhauá/Parahyba do Norte. Às amigas de todas as horas, Taysa Tamara, Maria Dulce, Bernadete e Terezinha Leandro.
“Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.”
(Fernando Pessoa)
SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 181.1 Descrição do Objeto de Pesquisa .................................................................... 201.2 Objetivos ......................................................................................................... 231.3 Discussão metodológica .................................................................................. 231.3 Os estudos da paisagem na perspectiva dos geógrafos contemporâneos:
(re)visitando conceitos .................................................................................... 261.5 Estrutura da dissertação ................................................................................... 311.6 Procedimentos metodológicos ......................................................................... 33 2 PORTO DO CAPIM: O RESGATE HISTORIOGRÁFICO DE UMA
PAISAGEM ................................................................................................... 382.1 A leitura da paisagem pelos registros da Iconografia ..................................... 382.1.1 A paisagem registrada nos primeiros mapas ................................................... 432.1.2 A antiga Parahyba retratada por Frans Post .................................................... 562.2 Porto do Capim: descrições de uma paisagem ................................................ 592.2.1 A Paraíba nos Diálogos das Grandezas do Brasil – 1618, por Ambrósio
Fernandes Brandão .......................................................................................... 602.2.2 Descrição Geral da Capitania da Paraíba – 1639, por Elias Herckmans ..... 632.2.3 O olhar dos viajantes e as descrições da paisagem ......................................... 67 3 A PAISAGEM DO PORTO DO CAPIM E AS INTERVENÇÕES
URBANAS ..................................................................................................... 733.1 A paisagem do Porto do Capim no contexto da Modernidade ....................... 793.2 A paisagem do Porto do Capim na perspectiva do Plano de Revitalização do
Varadouro e Antigo Porto do Capim ............................................................... 94 4 PORTO DO CAPIM E VILA NASSAU: PAISAGENS
(RE)VISITADAS ........................................................................................... 1104.1 Um olhar sobre a paisagem: uma paisagem oculta ......................................... 1104.2 Se nos deixam falar... ..................................................................................... 1144.2.1 As primeiras habitações, o rio e a maré .......................................................... 1164.2.2 As moradias .................................................................................................... 1234.2.3 Ruas e Becos ................................................................................................... 1304.2.4 Alternativas de sobrevivência econômica ....................................................... 1384.3 A expressão da religiosidade ........................................................................... 147
CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................... 159 REFERÊNCIAS ............................................................................................ 163 ANEXOS Anexo A Fotografia panorâmica da Cidade Baixa. João Pessoa-PB ...... Anexo B Maquete do Plano de Revitalização para o Varadouro e
Antigo Porto do Capim ........................................................... APÊNDICES Apêndice A Mapa da Área de Estudo .........................................................
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ACS – Agente Comunitário de Saúde
AVC – Acidente Vascular Cerebral
BCUFPB – Biblioteca Central da UFPB
BNRJ – Biblioteca Nacional do rio de Janeiro
BSDEGEO – Biblioteca Setorial do Departamento de Geografia
CAGEPA – Companhia de Água e Esgotos do Estado da Paraíba
CAPS – Centro de Apoio Psico-Social
CBTU – Companhia Brasileira de Trens Urbanos
CCEN – Centro de Ciências Exatas e de Natureza
CHJP – Centro Histórico de João Pessoa.
CHJP – Centro Histórico de João Pessoa
DST/AIDS – Doenças Sexualmente Transmissíveis / Síndrome da Imuno Deficiência Adquirida
FAC – Fundação de Ação Comunitária
FUNAD – Fundação de Apoio ao Deficiente
FUNJOPE – Fundação Cultural de João Pessoa
IBAMA – Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IHGB – Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
IHGPB – Instituto Histórico e Geográfico Paraibano
LEPAN – Laboratório de Ensino e Pesquisa em Análise Espacial
NDIHR – Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional
PPGG – Programa de Pós-Graduação em Geografia
PRODEMA – Programa Regional de Desenvolvimento e Meio Ambiente
PSF – Programa Saúde na Família
SETRAS – Secretaria do Trabalho e Ação Social.
SETUR – Secretaria de Turismo.
SUDEP – Superintendência de Desenvolvimento da Pesca
UFPB – Universidade Federal da Paraíba
USF – Unidade de Saúde da Família
LISTA DE MAPAS E CROQUIS MAPA 1 Área de Estudo ....................................................................................... 19 CROQUI 1 Localização das Ruas e Becos nas Comunidades Porto do Capim e
Vila Nassau ............................................................................................ 131 CROQUI 2 Ilha da Santa, no Rio Sanhauá (2001) .................................................... 148
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1a Mapa: “Capitania da Paraíba em 6º a sul da Equinothial”. 1609 .......... 46 FIGURA 1b Mapa: "A Cidade Philipea". 1609. .......................................................... 46 FIGURA 2a “Carta da Barra do Rio Paraíba ou Rio de São Domingos. 1626” .......... 49 FIGURA 2b “Paraíba ov Rio de São Domingos, 1626” .............................................. 49 FIGURA 3 Mapa: “Afbeeldinghe Van Paraíba Ende Forten”. 1634 ......................... 53 FIGURA 4 Mapa com título não identificado, 1640. ................................................. 54 FIGURA 5 Vista: “Cidade Frederica na Paraíba”. 1638. ........................................... 57 FIGURA 6 Vista: “PARAHYBA”. 1647. .................................................................. 57
LISTA DE FOTOGRAFIAS
FOTO 1 Praça Maciel Pinheiro em 1910 (atual Praça 15 de Novembro), vendo-se
o cais do Porto do Capim e um velho navio ancorado. Acervo Gilberto Stuckert. ........................................................................... 77
FOTO 2 Antigo Largo da Gameleira. 1915. (atual. Praça Álvaro Machado) ........... 80 FOTO 3 Bacia do Rio Sanhauá com a Draga Parahyba Bate-Estacas e Cabrea
Flutuante, de 60 ton. Parahyba d/N 10.2.22. Acervo do CHJP. ......................................................................................... 90
FOTO 4 Vista Geral do Cáes. PARAHYBA. 1922.
Acervo do CHJP. ......................................................................................... 91 FOTO 5 Construcção do Cães Provisório. PARAHYBA. 1922.
Acervo do CHJP. ......................................................................................... 92 FOTO 6 Av. Guedes Pereira. (1944) Acervo: Gilberto Stuckert.
Acervo: Gilberto Stuckert. .......................................................................... 93 FOTO 7 Rua Visconde de Inhaúma.
AUTORA: Flora A. Coura. jun. 2005. ........................................................ 102 FOTO 8 Rua Visconde de Inhaúma.
AUTORA: Flora A. Coura. jun. 2005 ......................................................... 103 FOTO 9 Largo da Alfândega.
AUTORA: Flora Araújo Coura. 2005 ........................................................ 104 FOTO 10 Vila Nassau. “Uma paisagem oculta”.
AUTOR: Stanley M. Souza. 2001 .............................................................. 111 FOTO 11 Ancoradouro no Porto do Capim/Rio Sanháuá.
AUTORA: Ana Maria Barbosa. 2003 ........................................................ 121 FOTO 12 O trapiche. Porto do Capim.
AUTORA: Flora Araújo Coura. 2005 ........................................................ 122 FOTO 13 Casa de taipa na Vila Nassau.
AUTORA: Vera Lúcia Araújo. 2001 .......................................................... 126 FOTO 14 Construção em taipa.
AUTOR: Jorge Flávio Kasé. 2005 .............................................................. 127 FOTO 15 Vila Nassau: Casa Construída em estrutura pré-moldada.
AUTOR: Jorge Flávio Kasé. 2005 .............................................................. 128
FOTO 16 Vila Nassau: Casa construída em madeira.
AUTOR: Jorge Flávio Kasé. 2005 ............................................................. 129 FOTO 17 FOTO 17. Prédio ocupado, na Praça XV de Novembro.
AUTORA: Flora Araújo Coura. 2005 ......................................................... 135 FOTO 18 Prédio ocupado.Rua Porto do capim. 2005.
AUTORA: Flora Araújo Coura .................................................................. 136 FOTO 19 Campo de Futebol na Vila Nassau, vendo-se, ao fundo, a entrada para
uma propriedade privada. AUTOR: Jorge Flávio Kazé. 2005 ............................................................. 137
FOTO 20 Vila Nassau. Residência com mercadinho.
AUTOR: Jorge Flávio Kasé. 2005 ............................................................. 138 FOTO 21 Procissão de N. Srª. da Conceição, em 08 de dezembro.
AUTORA: Vera Lúcia Araújo. 2001 .......................................................... 152 FOTO 22 Procissão de N. Srª. da Conceição, em 08 de dezembro.
AUTORA: Vera Lúcia Araújo. 2001 .......................................................... 153 FOTO 23 Procissão de N. Srª. da Conceição, em 08 de dezembro.
Vera Lúcia Araújo. 2001 ............................................................................. 154 FOTO 24 Quadrilha Ribeirão. Estandartes do folclore nordestino (artesanato
confeccionado com material reciclado. AUTORA: Flora Araújo Coura. Jun. /2005 ................................................ 156
FOTO 25 Quadrilha Ribeirão. Encenação de personagens do universo religioso.
AUTORA: Flora A. Coura . jun./2005 ....................................................... 157
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 Nível de conhecimento do Plano de Revitalização para o Varadouro e
o Antigo Porto do Capim (%)................................................................. 100 TABELA 2 Renda (mensal) Familiar ........................................................................ 141 TABELA 3 Renda Mensal Complementar ................................................................ 141 TABELA 4 Membros da Família que não trabalham/Razão ..................................... 141 TABELA 5 Sugestão(ões) para melhorar a qualidade de vida da família ................ 142 TABELA 6 Condição de escolaridade do chefe da família ....................................... 142 TABELA 7 Condição de escolaridade do cônjuge .................................................... 142 TABELA 8 Condição de escolaridade dos filhos ...................................................... 142
RREESSUUMMOO
A pesquisa “As Transformações na Paisagem do Porto do Capim. Leituras de uma paisagem urbana” analisa as transformações ocorridas no sítio de origem da cidade de João Pessoa-PB, fundada na condição de cidade, em 05 de agosto de 1585, para sediar as funções comercial e administrativa. A pesquisa resgata a paisagem da cidade em três momentos distintos da sua história: inicialmente como cidade colonial (séculos XVI e XVII), quando foi denominada Cidade Philipéa, sob o domínio ibérico, e posteriormente, Frederica, após ter sido ocupada pelos holandeses. Nessa abordagem, a pesquisa é documental, utilizando-se mapas, cartas e telas da iconografia, e as descrições dos viajantes e administradores, para reconstituir os fatos relevantes da historiografia da cidade e seu contexto social e econômico. O segundo momento resgata a paisagem da cidade então denominada Parahyba, inicialmente capital de uma província imperial e, posteriormente, capital do Estado da Parahyba, no período republicano. Nesse contexto, ocorrem as transformações da paisagem sob o paradigma moderno quando são implementadas amplas reformas de urbanização. Na área do Porto do Capim, algumas ruas são alargadas e pavimentadas, instalando-se, ainda, o cais da capital. O comércio e a atividade portuária são expressivos até 1950, quando têm início a expansão da cidade, na direção leste, e a progressiva perda dessas funções. O terceiro segmento, o mais denso da pesquisa, aborda a paisagem (re)construída pelas populações de baixa renda, moradoras nessa área, desde 1950, quando teve início um processo continuado de ocupação desordenada. Como metodologia: trabalhos de campo, com ênfase para as observações, aplicação de questionários e realização de entrevistas, sendo a investigação direcionada para as alternativas de moradias, as estratégias de sobrevivência econômica e, ainda, o grau de aceitação da proposta de revitalização para essa área histórica, no que se refere ao remanejamento das moradias. Aproximadamente oitocentas famílias residem nas Comunidades Vila Nassau e Porto do Capim. Nessa pesquisa, são analisadas as transformações da paisagem que reflete o cotidiano dessas comunidades e a relação com o meio. Analisa-se, por fim, as propostas do Plano de Revitalização para o Antigo Porto do Capim e o posicionamento dessas comunidades, no que lhes dizem respeito.
Palavras chave: paisagem, comunidade, favela, Porto do Capim.
RESUMEN
La investigación “Las transformaciones en el paisaje del Porto do Capim. Lecturas de un paisaje urbano” analiza las transformaciones ocurridas en el lugar de origen de la ciudad de João Pessoa-PB, fundada como ciudad el 05 de agosto de 1585, para ejercer las funciones administrativa y comercial. La investigación rescata el paisaje de la ciudad en tres momentos sucesivos de su historia: inicialmente como ciudad colonial (siglos XVI y XVII), cuando fue denominada Ciudad Philipéa, bajo el dominio ibérico y posteriormente, Frederica después de haber sido tomada por los holandeses. En este abordaje la investigación es documental y utilizamos mapas, cartas, telas y las descripciones de los viajantes y administradores para reconstituir los hechos relevantes de la historiografía de la ciudad y su contexto social y económico. El segundo momento rescata el paisaje de la ciudad ya denominada Parahyba, en otras condiciones políticas (inicialmente capital de la provincia imperial y, posteriormente, capital del Estado de Parahyba en el periodo republicano). En este contexto, se abordan las transformaciones del paisaje bajo el paradigma moderno cuando son implementadas amplias reformas de urbanización. En el área del Porto do Capim algunas calles son optimizadas para el tráfico y pavimentadas, construyéndose el puerto del capital. El comercio y la actividad portuaria son expresivos hasta 1950, cuando se inicia la expansión de la ciudad en dirección al Este y la progresiva pérdida de esas funciones. El tercer momento es el más denso de la investigación, aborda el paisaje (re)construido por las poblaciones de baja renta que, desde 1950 ocupan el area del Porto do Capim, en un proceso continuado de ocupación desordenada. Como metodología: trabajos de campo, con énfasis en las observaciones, aplicación de cuestionarios y realización de entrevistas. La investigación se dirige a las alternativas de habitación y las estrategias de supervivencia económica y además al grado de aceptación de las propuestas de revitalización para esta area histórica, en lo que se refiere a la recolocación de las poblaciones. Aproximadamente ochocientas familias residen en las Comunidades Vila Nassau y Porto do Capim. En esta investigación, especialmente se analizan el paisaje de las relaciones entre estas comunidades, en la perspectiva del Plano de Revitalización para el Antiguo Porto do Capim, que ahora se les presenta.
Palabras clave: paisaje, comunidades, ciudad, Porto do Capim.
CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
A paisagem e os lugares, no campo ou na cidade, sempre despertaram o meu
interesse. As paisagens em sombreado desenhadas por minha mãe, na folha fina dos cadernos
de desenho, suscitavam a criatividade e, como um rito de passagem, iniciavam-me nos
primeiros anos de escola. Aquela abertura continha um exemplo de respeito à natureza, uma
despretensiosa lição de geografia. Dava gosto ver e rever, cada vez que eu e meus irmãos
abríamos nossos álbuns e lá, na primeira folha de papel de seda transparente, as paisagens
rurais, os pequenos povoados e vilas. A paixão pela paisagem reporta-se àqueles desenhos.
Afora essas emoções, o interesse pela paisagem foi se firmando e acompanhando os estudos,
enveredando pelo curso normal e, finalmente, até à Universidade quando busquei na
Geografia, estudos sistemáticos sobre o espaço, a paisagem e o lugar. Por ocasião dos Cursos
de Pós-Graduação, consolidou-se a determinação em investigar o espaço urbano. A partir de
então, estabeleceu-se uma relação mais direta com o processo de (des)construção da paisagem
urbana, na pesquisa junto às Comunidades Porto do Capim e Vila Nassau, localizadas no
bairro do Varadouro, um bairro antigo da cidade de João Pessoa, capital do Estado da Paraíba.
Normalmente, a estética da paisagem desperta sentimentos e emoções nos
moradores que, na vida cotidiana, reagem conforme a susceptibilidade aos estímulos da
imagem da cidade. Sentimos paz ante a quietude e a beleza de um parque arborizado, ante a
harmonia de uma praça bem cuidada e alegria por podermos estar em canteiros e jardins
floridos. Sentimentos adversos também são suscitados ante a agitação e o barulho do tráfego
de veículos nas avenidas em horas de rush, o medo ante a violência constante, a insegurança
das ruas ermas, sem calçadas, e o abandono nas “casas” sem teto, portas, janelas ou jardins.1
Portanto, é preciso zelo e cuidado pela imagem da cidade, mas, antes de tudo, urge lutar pela
inclusão social e pela qualidade de vida das comunidades que compõem a paisagem, em todos
os lugares, no campo ou na cidade.
Esta dissertação trata de uma paisagem em particular – a paisagem da área
popularmente conhecida como Porto do Capim, na cidade de João Pessoa-PB, com suas
transformações e permanências.
1 A estética é aqui considerada de acordo com o pensamento de Michel Maffesoli (1995), que se estende ao
conjunto da vida social, isto é, a estética como uma maneira de sentir e de experimentar em comum: “a estética de uma sutil ligação entre a vida cotidiana e o imaginário; o estado da empatia, do desejo comunitário, da emoção ou da vibração comum, a noção de estilo em que o homem não tem valor senão nos quadros de seu meio ambiente social e natural” (MAFFESOLI, 1995, p. 37).
11 IInnttrroodduuççããoo
19
1 INTRODUÇÃO
A pesquisa intitulada “As Transformações na Paisagem do Porto do Capim:
leituras de uma paisagem urbana” resulta da determinação em estudar a paisagem do Porto
do Capim, motivada pela constatação de seu estado de intensa degradação, não obstante a sua
singularidade histórica e paisagística. Na área situada à margem direita do rio Sanhauá,
afluente do rio Parahyba do Norte, da planície até a colina, no Bairro do Varadouro, há
marcas da origem da cidade. A primitiva paisagem do Porto do Capim foi sendo naturalmente
transformada. O confronto de culturas em meio às complexas relações entre os povos
autóctones e os novos povoadores intensificou as transformações que continuaram na
paisagem da cidade em fundação (MAPA 1).
MAPA 1: Área de Estudo. FONTE: Própria autora.
O Mapa da Área de Estudo foi elaborado para possibilitar, ao leitor, a apreensão
R. P
OR
TO D
O C
AM
PIM
R . VIS
CONDE DE IN
HAUNA
LADEIRA PEDRO GONÇALVES (24)
R. FREI VITAL
RIO
SA
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AU
Á
CBTU
RIO
AV.
SAN
HAU
Á
L E G E N D A
VEGETAÇÃO ARBOREA
MANGUE
LIMITE DE PROPRIEDADE
(10,12, 13, 14, 17) Armazen Antigo (15) Igreja Protestante (16) Escola de Ensino Fundamental (19, 20) Sobrados(21)Sindicato dos Arrumadores(25)Praça XV de Novembro(27) IAB
291141 291241 291341 2914419213341
9213441
9213541
9213641
9213696
9213341
9213441
9213541
9213641
9213696291141 291441291241 291341
LINHA DA CBTU
0 50 100m
Escala Gráfica
(27)
(25)
(26)
(10)
(14) (12)(13)
(28)
(17)
(19)
(8)
(21)
(20)
(16)
(15)
Fonte: Fotografias Aéreas 1998 FX. 11 -311, 313. Escala 1:8.000.
MAPA DA ÁREA DE ESTUDO
CBTU
(24)Igreja de São Pedro Gonçalves(26)Hotel Globo(8) Predio Antigo em Ruinas
(28)
R. PADRE ANTONIO PEREIRA
N O R T E
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA-UFPB
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO - As transformações na paisagem do Porto do Capim: leituras de uma paisagem urbana. AUTORA: Vera Lúcia Araújo ORIENTADORA: Doralice Sátyro Maia
20
da área objeto de estudo em relação ao Bairro do Varadouro, em que está localizada, e sua
vinculação com a cidade, embora se trate de uma área atualmente considerada “zona
periférica”..22 Neste mapa, o Porto do Capim corresponde a uma área ribeirinha, com vegetação
de mangue, estando sujeita aos alagamentos nas cheias provocadas pelo fluxo das marés e,
mais intensamente, no período chuvoso. Esse ecossistema constitui-se uma presença marcante
na paisagem em relação às manchas de vegetação arbórea. Margeando o rio, “adentrando-se”
sobre parte do mangue aterrado, encontram-se as Comunidades Porto do Capim e Vila
Nassau. Nessa área de ocupação, o traçado espontâneo das vias de circulação – a rua Porto do
Capim, alguns becos, pequenas vilas e o amontoado de moradias – contrasta com o desenho
retilíneo das ruas antigas: Frei Vital, Visconde de Inhaúma, XV de Novembro. O mapa mostra
também algumas ruas e largos da área de entorno: a Ladeira Frei São Pedro Gonçalves, que
leva ao Largo e à Igreja de Frei São Pedro Gonçalves, no perímetro oficial do Centro
Histórico da cidade, onde se encontram alguns monumentos edificados e um reduzido casario.
Outras ruas e praças se espalham na direção Norte – Sul, estendendo-se ao longo da Avenida
Sanhauá, onde foram instalados os trilhos da via férrea. Na direção leste, algumas ruas do
Varadouro levam à Cidade Alta, localizada à direita, na parte inferior do mapa.
1.1 Descrição do Objeto de Pesquisa
Estando situada na parte baixa do Bairro do Varadouro, o Porto do Capim
representa a localidade mais antiga da cidade, portanto, a única centralidade até a década de
1960, quando se iniciou o processo de expansão da cidade.3 Na década de 1950, essa área
passou a ser ocupada por populações de baixa renda. A desvalorização imobiliária e as 2 Ver Anexo A. 3 A morfologia da cidade de João Pessoa-PB é caracterizada por duas unidades bem marcadas: a baixada
litorânea (planícies fluvio-marinhas) e o tabuleiro costeiro. A cidade expandiu-se, erguendo-se sobre a colina, permanecendo até 1960-70 “[...] centrada nessas duas unidades morfológicas, resumindo-se à cidade alta e cidade baixa, característica da cidade histórica ou tradicional” (MAIA, 2000, p. 15).
21
facilidades existentes, tais como a infra-estrutura de transportes urbanos e a proximidade com
o comércio varejista, contribuíram para a ocupação desordenada do solo urbano. As
possibilidades de emprego remunerado com carteira assinada, a oportunidade de exercer
atividade autônoma e, até mesmo, a participação no mercado de trabalho informal motivaram
as populações de baixa renda que foram atraídas por sua localização central e a facilidade de
acesso, além de outras comodidades. As famílias, sem moradia, aos poucos, ocuparam os
espaços “fora do mercado imobiliário”. Essas são as razões das Comunidades Porto do Capim
e Vila Nassau. Grosso modo, esse processo é resultante do sistema econômico que acarreta a
concentração de renda, os baixos salários e o desemprego. Outros fatores são coadjuvantes
nesse processo: a estrutura fundiária e o sistema agrário que acarretam o êxodo rural e a
formação de favelas urbanas, estas favorecidas pelo modelo tradicional de gestão urbana.4
A transferência da função portuária para o município de Cabedelo contribuiu para
estagnação da área do Porto do Capim que, paulatinamente, foi perdendo a condição de única
centralidade, transformando-se numa zona periférica, enquanto o antigo Bairro do Varadouro
entrava em gradativa decadência. As famílias que nela se instalaram, migrantes, muitos
oriundos do meio rural, formaram essas comunidades, dando continuidade ao processo de
transformação da paisagem. Atualmente, o processo de uso e ocupação do solo reflete a
segregação espacial e habitacional a que são submetidas populações cada vez mais numerosas
4 O IBGE e a FAC utilizam o termo Aglomerados Sub-Normais para designar as favelas - núcleos urbanos
originados de ocupação desordenada. De acordo com a FAC (2002), existe na Região Metropolitana de João Pessoa, 167 aglomerados, com 43.963 domicílios sub-normais, dos quais 106 aglomerados com 24.735 domicílios situam-se no município de João Pessoa-PB. No Varadouro existem 08 aglomerados, a saber: Comunidade Nova II, Feira Mulungu, Frei Vital, Vila Nassau, Porto do Capim, Vila Caiafu e Vila União I. O aglomerado Porto do Capim consta com 124 domicílios subnormais. Também a Travessa Frei Vital e a Vila Nassau são citadas com 43 e 30 domicílios subnormais, respectivamente. Na pesquisa utiliza-se o termo Comunidades por considerar o termo que melhor traduz as relações entre os seus moradores, tendo em vista a permanência de numerosas famílias na área, envolvendo até cinco gerações. São núcleos assentados há mais de 50 anos, apresentando características de favelas urbanas: moradias (mais de 50 domicílios sem estrutura básica), insalubridade ambiental. Todavia, os moradores se declaram como moradores das Comunidades Vila Nassau e Porto do Capim, que rejeitam a expressão favelas/favelados – estigma social a que são submetidos os moradores em áreas assim caracterizadas. Outro motivo da opção pela denominação Comunidades é que os moradores da Vila Nassau e do Porto do Capim assim se consideram e as novas gerações buscam inserção ao sistema urbano “normal” - trabalho, saúde educação; moradia e consumo de bens vitais.
22
que, ao longo dos últimos cinqüenta anos, numa trajetória lenta e desordenada, agregaram-se
às primeiras famílias que iniciaram esse processo e se instalaram nessa área que se
desvalorizava sempre mais, na medida em que a cidade se expandia na direção leste. As
transformações na paisagem e essas comunidades são o objeto de estudo desta pesquisa.
A paisagem urbana do Porto do Capim revela muitos contrastes. Alguns
monumentos históricos resistem precariamente à ação do tempo. Os elementos da paisagem
natural – o rio e o mangue – formam uma moldura para a paisagem de fundo, um belo cenário
onde interagem vários atores do cotidiano urbano: os vendedores, o vai-e-vem dos moradores
e das pessoas que trabalham no local, o tráfego de veículos de todos os portes e também o
fluxo de pessoas que diariamente vêm das cidades vizinhas e retornam no fim do dia, nos
trens que se integram à paisagem. Há um processo constante de degradação ambiental: os
dejetos humanos são canalizados diretamente para o rio, enquanto poluentes químicos são
depositados no mangue, resíduos provenientes das atividades comerciais e de serviços –
madeireiras, marmoraria, oficinas mecânicas, borracharias e outras atividades – que
funcionam no local.
Não obstante a contínua degradação dos elementos da paisagem natural e a
descaracterização dos seus atributos históricos e paisagísticos, ao longo de sua existência, essa
paisagem secular tem despertado o interesse dos turistas que visitam a cidade e há muito se
cogita uma intervenção na área com a finalidade de implementar a atividade turística. Na
condição de sítio original de fundação da cidade e por suas singularidades paisagísticas, o
Porto do Capim tem sido alvo de diversas propostas de revitalização. Esta pesquisa procura
demonstrar que o estudo das transformações nessa paisagem reporta-se ao estudo do próprio
processo histórico de (re)construção do espaço urbano. O Plano de Revitalização para o
Varadouro e o Antigo Porto do Capim, sob a coordenação da Comissão Permanente do Centro
Histórico de João Pessoa, apresenta propostas de intervenção que envolve o meio e a
23
comunidade. Transformações de impacto ocorrerão na paisagem e, afora os motivos já
apontados, justifica-se a preocupação, relativa à paisagem e às comunidades, e à decisão de
investigá-las como objeto de pesquisa.
1.2 Objetivos
Partindo do princípio segundo o qual o resgate histórico da paisagem é
fundamental para a leitura da paisagem, o objetivo geral da pesquisa consiste em analisar as
transformações da paisagem urbana do Porto do Capim. Como objetivos específicos pretende-
se realizar a leitura dessa paisagem urbana a partir do resgate de suas características, nas
diversas fases de sua existência, e explicar as transformações que ora se processam, no que
diz respeito à estrutura e aos equipamentos urbanos, à condição de moradia e, ainda, ao
cotidiano dos moradores das comunidades Porto do Capim e Vila Nassau.
1.3 Discussão metodológica
A abordagem do tema – transformações na paisagem – surgiu com a elaboração
do Projeto de Pesquisa intitulado “As transformações da paisagem do Porto do Capim: um
regate histórico-geográfico”, tendo a paisagem como categoria de análise.5
Nos percursos metodológicos da história do pensamento geográfico, a
5 Projeto apresentado inicialmente ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente da
UFPB – PRODEMA, em 2001. A pesquisa foi conduzida de acordo com as diretrizes desse programa, até o ano 2002, com a conclusão dos créditos de mestrado. Mesmo com o desligamento do PRODEMA, a pesquisa de campo prosseguiu, na área do Porto do Capim. Houve um intervalo e, no segundo semestre de 2003, a pesquisa, ainda inédita, foi reiniciada com aplicação de questionários e a realização de entrevistas. Foram coletados dados referentes à estrutura urbana, à caracterização dos domicílios e à condição econômica e social das famílias envolvidas. Após a análise dos dados quantitativos, as pesquisas de campo foram reiniciadas. Houve um intervalo no primeiro semestre de 2004 e, no segundo semestre desse mesmo ano, foram realizadas novas entrevistas e introduzida a coleta de depoimentos entre os moradores mais antigos dessas Comunidades. Nessa ocasião, após aprovação pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia, a pesquisa foi reiniciada, então vinculada ao Mestrado em Geografia, no ano de 2004.
24
institucionalização da Geografia como ciência e a elaboração do saber geográfico ocuparam o
cerne dos estudos geográficos. Os estudos sobre a paisagem reportam-se à obra dos
precursores clássicos, entre os quais, Alexander Von Humboldt (1769-1855), Karl Ritter
(1778-1855) e Paul Vidal de la Blache (1845-1918). A partir desses geógrafos é possível
confirmar que a diversidade cultural tem sido uma abordagem significativa no pensamento
geográfico (MAIA, 2000). Vale ressaltar a importância da abordagem lablachiana
introduzindo a noção de gêneros de vida no campo da Geografia Humana. Essas premissas
foram pontos de partida para a elaboração do referencial teórico que norteia o
desenvolvimento desta pesquisa, porquanto se entende que o atributo cultural permeia as
representações, sendo as relações e os eventos fatores atuantes na (des)construção da
paisagem. Portanto, para analisar a paisagem objeto de estudo, partindo de um conceito
abrangente como se caracteriza o conceito de paisagem, ao qual convergem idéias originadas
em várias correntes de pensamento, esta pesquisa enveredou pelo universo da Geografia
Humana, área do conhecimento geográfico que busca analisar a realidade segundo os
parâmetros social e cultural. Buscou-se subsídio no aprendizado adquirido nas leituras da obra
de Milton Santos (1986a; 1986b; 1988; 1998), e a partir das leituras antropológicas,
porquanto, a Antropologia tradicionalmente tem analisado grupos étnicos e, mais
recentemente, vem estudando a vida urbana. Para analisar as transformações ocorridas na
paisagem, em suas diversas fases, buscou-se a perspectiva da Geografia Histórica, linha de
pesquisa que possibilita resgatar a trajetória da paisagem e estabelecer a articulação necessária
entre os recortes espaço-temporais assim, metodologicamente, traçados.6 Além dessa
ancoragem, buscou-se também o aporte da Fenomenologia, linha de pesquisa que se aproxima
6 A Geografia Histórica revelou expressivo crescimento a partir da segunda metade do século XX, tendo sido
utilizada em diversas pesquisas que abordaram questões relativas aos ordenamentos territoriais que se vão detectando ao longo dos séculos. No Brasil, a geografia histórica é pouco desenvolvida, embora freqüentemente se trabalhe com a dimensão temporal nas pesquisas geográficas.
25
com as propostas da Nova História, também um aporte que se buscou nesta pesquisa.7
Essa paisagem tem sido intensamente transformada, portanto, interpretá-la exige
diversos olhares. Além de volver ao passado epistemológico em que se teorizou o
conhecimento geográfico, é necessário buscar os fundamentos teóricos nos quais se baseiam
os estudos contemporâneos do espaço através da leitura da paisagem. A escola Americana de
Geografia Cultural e seu fundador Carl Otto Sauer (1925) consideram a compreensão da
paisagem o ponto de partida para a investigação geográfica, “[...] a porta de entrada da
Geografia para a análise de seu objeto de estudo” (SAUER. 1925, in CORREIA e
ROSENDHAL, 1998, p. 12). Na sua obra “Morfologia da Paisagem”, Saeur (1925),
sistematiza o método morfológico de análise da paisagem, propondo uma investigação
induzida pela realidade, tendo como parâmetros os fatores espaço, tempo e cultura. Nesta
pesquisa, busca-se apreender a paisagem pela interação desses fatores e a forma como o
arranjo de seus elementos torna-a reveladora para a investigação geográfica. De acordo com
Josefina Gomes Mendonza (1982), atualmente, na abordagem geográfica da paisagem, há
dois pontos de vista epistemológicos, bem diferenciados:
[...] el que considera el espacio com um objeto de observación y el que toma al indivíduo como punto de partida. [...] el segundo, entroncado con la visión fenomenológica de la geografía de la percepción, parte de la Idea de que el entorno en tanto que percebido no es algo neutro y con organización propia, sino un conjunto de signos que se leen y se estructuran en forma de paisage según una sistemática semiológica propia del sujeto (MENDONZA, 1982, p. 132).
Portanto, os fundamentos da Fenomenologia e as propostas da Nova História se
tangenciam na leitura da paisagem.8 Assim, a pesquisa se reporta, também, a Jacques Le Goff
7 A abordagem fenomenológica transcende aos fatos observáveis, quando propõe buscar os seus significados,
inserindo-se no seu contexto. Os significados da filosofia fenomenológica, tais como a compreensão e a intencionalidade, visam os processos permanentemente vivos da experiência humana. O método fenomenológico se caracteriza pela ênfase ao “mundo da vida cotidiana”, o que significa um retorno à totalidade do mundo vivido (MENDONZA, 1982).
8 Esta pesquisa se remete aos princípios metodológicos desta Escola Francesa que surgiu em 1929 com a revista “Annales d!histoire économique et sociale”, com propostas renovadoras para o conhecimento histórico que propõe uma análise crítica da narrativa histórica e o questionamento do determinismo histórico, repensando, ainda, o lugar do observador na pesquisa histórica. Os historiadores que a representam buscam a história dos povos e das mentalidades, a história dos possíveis e a liberdade na História.
26
(1995), por sua trajetória de elaboração de um novo paradigma histórico e a tentativa de
introduzir alguma racionalidade na história vivida e na memória. A Nova História prioriza o
estudo das estruturas, não se atendo ao simples relato dos fatos, pois “[...] a história de curto
prazo é incapaz de apreender e explicar as permanências e as mudanças” (LE GOFF, idem, p.
45). De acordo com esse historiador,
[...] Para compreender determinada sociedade, em determinada época, é preciso o esforço de conhecê-la em todos os seus aspectos. [...] o historiador tem o dever de colocar questões como eixo do seu trabalho. [...] deve levar em conta o movimento da história, a sua diversidade, sua irracionalidade, sua flexibilidade. [...] no imaginário, há muita irracionalidade. Portanto, introduzir a racionalidade na história não significa excluir o irracional, o impreciso, o flutuante, [...] explicar as mudanças históricas a partir da resposta a uma questão que, por sua vez, é racional. 9
1.4 Os estudos da paisagem na perspectiva dos geógrafos contemporâneos: (re)visitando conceitos
A análise da paisagem, por suas transformações recentes, não se dá sem um
estudo e uma reflexão relativa às populações envolvidas. A paisagem é importante pelos
significados que encerra, enquanto parte da memória coletiva das comunidades que nela se
reconhecem e através dela mantêm a sua identidade.
Este estudo buscou referências ao conceito de paisagem, por sua importância para
a história do pensamento geográfico, estando presente em todos os seus percursos e na pós-
modernidade, com o resgate da singularidade das paisagens locais, do sentido de lugar e do
sentimento de pertença. Sem deixar de louvar o mérito dos precursores pelo trabalho de
elaboração dos fundamentos epistemológicos da ciência geográfica, a pesquisa se reporta ao
conceito de paisagem nos estudos contemporâneos, contemplando as pesquisas realizadas por
geógrafos brasileiros, considerando ser este o caminho mais indicado na busca de um conceito 9 Extraído, em parte, de entrevista concedida, pelo historiador, a Monique Aufira. (Paris, janeiro de 1992).
Disponível em: <www.maisondefrance.org.br/mediateca>. Acesso em: 21 ago. 2006.
27
que viesse traduzir as singularidades da paisagem objeto de estudo, cuja construção contou
com uma participação heterogênea de atores sociais. Portanto, são considerados os estudos
que levam ao resgate histórico-geográfico da formação do espaço urbano, nesta cidade.
Optou-se por esse procedimento, tendo em vista que o conhecimento da trajetória da
paisagem proporciona uma dessas vertentes, levando ao entendimento do processo atual de
transformação na paisagem. Ao ser assim iniciada, a pesquisa procura fortalecer o
fundamento segundo o qual se pode analisar o espaço geográfico a partir da leitura de suas
paisagens.
Na obra de Milton Santos (1997), a paisagem é considerada a expressão
materializada do espaço geográfico:
Paisagem é o conjunto de formas que, num dado momento, exprimem as heranças que representam as sucessivas relações localizadas entre o homem e a natureza. O espaço são essas formas mais a vida que as anima. [...] A paisagem se dá como um conjunto de objetos reais-concretos. Nesse sentido, a paisagem é transtemporal, juntando objetos passados e presentes, uma construção transversa (SANTOS, 1997, p. 83).
O autor ressalta a “distinção entre paisagem e espaço”, como “uma necessidade
epistemológica”. Nesta perspectiva, o termo paisagem, é utilizado como um constituinte do
espaço geográfico:
O espaço é a sociedade, e a paisagem também o é. No entanto, entre espaço e paisagem o acordo não é total e a busca desse acordo é permanente; essa busca nunca chega ao fim. [...] Paisagem e sociedade são variáveis complementares cuja síntese, sempre por refazer, é dada pelo espaço humano.[...] a paisagem permite apenas supor um passado. Se queremos interpretar cada etapa da evolução social, cumpre-nos retomar a história que esses fragmentos de diferentes idades representam juntamente com a história tal como a sociedade a escreveu de momento em momento. Assim, reconstituímos a história pretérita da paisagem, mas a função da paisagem atual nos será dada por sua confrontação com a sociedade atual. [...] A paisagem é história congelada, mas participa da história viva. São as suas formas que realizam, no espaço, as funções sociais. [...] A paisagem é testemunha da sucessão dos meios de trabalho, um resultado histórico acumulado. O espaço humano é a síntese, sempre provisória e sempre renovada, das contradições e da dialética social (SANTOS, ibidem, p. 84-87).
28
Em tempos de paisagem globalizada, a condição das paisagens locais, possibilita
conhecer as questões que envolvem o trabalho, não somente do geógrafo, mas daqueles que,
na sua realidade, necessitam se dedicar ao estudo do espaço e da paisagem. Assim, esta
pesquisa buscou, no pensamento de Milton Santos (1986a; 1986b; 1988; 1998), explicações
para os desequilíbrios urbanos que se materializam nas paisagens locais, oferecendo métodos
e técnicas para analisar a realidade brasileira. A pesquisa também se reporta aos geógrafos
Denise Elias (2002), Dirce Maria Antunes Suertegaray (2001), Arlete Moysés Rodrigues
(2001), Doralice Sátyro Maia (2000), Roberto Lobato Correia (1999), Zeny Rosendhal
(1996), e Edvânia Torres Aguiar Gomes (1997), pelas contribuições para a geografia
brasileira, oferecendo fundamentos para o estudo da paisagem, a análise do espaço e
explicações para a exclusão social que se apresenta nas cidades brasileiras e, particularmente,
na interpretação da área objeto de estudo. Portanto, nesta pesquisa, enquanto a paisagem é
analisada sob várias dimensões, resgata-se o próprio processo de construção do espaço
geográfico. Assim, a paisagem é percebida enquanto forma e funcionalidade, como parte de
um processo de (re)constituição de formas conjugadas à dinâmica social.
Pressupondo que o conceito de paisagem foi sendo (re)elaborado, o estudo se
remete à pesquisa de Edvânia Torres Aguiar Gomes (1997), pela sua referência à escola alemã
de Geografia e à sua produção científica, entre 1920 e 1970, que enfatizou estudos e
discussões em torno dos conceitos geográficos e afins de paisagem. Tendo como objeto de
estudo as paisagens na cidade do Recife, a pesquisadora se reporta às tipologias da paisagem
elaboradas pelo geógrafo alemão Gerhard Hard (1992, in GOMES, 1997, p. 38).10 Nesta
10 Recortes de paisagens na cidade do Recife. Uma abordagem geográfica. 1997. 313f. Tese (Doutorado em
Geografia). Universidade de São Paulo, São Paulo, 1997. Buscou-se embasamento no Capítulo 2 – Os conceitos geográficos e afins de paisagem –, em que são analisadas as 11 tipologias identificadas pelo geógrafo alemão Gerhard Hard (1992). O elenco das tipologias identificadas por Hard (1992) é formado pelas seguintes tipologias: Paisagem 1: Quadro paisagístico do vivenciado e do vivido; Paisagem 2: Fisionomia dos espaços terrestres; Paisagem 2ª: Aspectos Fisionômicos de microespaços; Paisagem 3: Espaços paisagísticos (aspectos fisionômicos próprios); Paisagem 4: Espaço terrestre com o conjunto de coisas que o constitui; Paisagem 5: Estrutura espacial ordenada; Paisagem 6: Ecossistema; Paisagem 7: Meio dos organismos; Paisagem 8: As relações geográfico-naturais como adversárias dos grupos humanos; Paisagem 9: As
29
pesquisa, algumas dessas tipologias são identificadas por ocasião das leituras da paisagem do
Porto do Capim, em suas diferentes fases.
A tipologia Paisagem 1 – Quadro paisagístico do vivenciado e do vivido –,
caracteriza a paisagem de um espaço rico de atributos naturais e paisagísticos. Na paisagem,
os elementos naturais “evocam sentimentos de amenidades e recordações vitais, capazes de
rápida apreensão e descrição pelo observador” (HARD, 1992, in GOMES, 1997, p. 38). Nesta
pesquisa, a paisagem, enquanto objeto de estudo do primeiro segmento, que trata da paisagem
sob o olhar do observador, é caracterizada em conformidade com essa tipologia, porquanto, o
primeiro segmento se refere ao conceito de paisagem elaborado pelos cientistas, literatos,
historiadores de arte, pintores paisagistas, podendo ser identificado em relatórios, descrições e
telas que deixam transparecer o lirismo da paisagem como se registrava no imaginário de seus
autores. Este conceito de paisagem tem sido referência nas pesquisas recentes, sob a
abordagem interdisciplinar, e por profissionais em diversas áreas, entre os quais, geógrafos,
historiadores, sociólogos, arquitetos e planejadores de paisagens, individualmente ou em
grupos. Mas, este conceito também se aplica à paisagem focalizada no segundo segmento,
pela característica de estrutura do meio nele presente, pois repercute na percepção dos seus
usuários que a desejam modernizada. Na análise de Gomes (ibidem): “Paisagem nesse
conceito, não é só uma expressão de composição lingüística complexa, mas também uma
específica e traduzível estrutura de concepção do Meio – antes de tudo um Meio extra-cidade
e para além dela.”. Considerando a abrangência desta forma de percepção de paisagem, nas
diversas visões do mundo, na interação do indivíduo com o meio e nas relações cotidianas,
também no terceiro segmento, a análise da paisagem das comunidades a ele se remete. Assim,
a pesquisa se identifica com as análises dessa autora, sobre essa figura de percepção da
constantes históricas de recortes espaciais; Paisagem 9ª: Espaço terrestre com constantes históricas características; Paisagem 10: Sistemas limitados de integrações sociais; e Paisagem 11: A fenomenalidade de uma expressão agradável (uso metafórico).
30
paisagem que “se apega a valores subjetivos de grupos específicos de pesquisa, questiona
estruturas sociais reais, valores práticos e aspectos comportamentais, onde as decisões
humanas são estudadas e analisadas segundo a forma como se processam na troca de
estímulos com o meio” (GOMES, 1997, p. 38).
A paisagem objeto de estudo da pesquisa na perspectiva da geografia histórica se
aproxima da tipologia Paisagem 2 – Aspectos fisionômicos de micro-espaços – e a própria
pesquisa se identifica com este conceito que valoriza “As observações diretas em campo e a
interpretação histórica [...]” (idem, ibidem, p. 39). Portanto, a concepção da pesquisa como
um todo, se remete a este conceito pela aproximação da geografia cultural, da geografia
histórica e da etnografia na interpretação das diferentes fases da paisagem. Identificando-se
com este conceito, a pesquisa se reporta à geografia social moderna alemã, nos anos 50 e
início dos anos 60, pois, “[...] representam a Paisagem e os fenômenos paisagísticos,
categorias centrais de análise, sendo os indicadores sociais da paisagem, privilegiados na
geografia social”, como analisa Gomes (ibidem, p. 40).
Pelo exposto, esta é uma pesquisa que busca apreender a paisagem que se insere
no âmbito da prática social e cultural, no plano do espaço vivido. Buscou-se elaborar um
conceito compatível com a preocupação relativa à condição social das comunidades
envolvidas, sempre presente, em todos os momentos da pesquisa. Portanto, ao longo da
pesquisa, procurou-se demonstrar uma concepção de paisagem em constante transformação,
em processo. Trata-se de um conceito “inconformado”, pela consciência de que a paisagem
não se concebe apenas pelo que se apresenta, buscando apreender a essência que se apresenta,
além da aparência visível. De acordo com Henri Léfèbvre (1983, p.223),
[...] o ser abstrato [...] e a essência são inerentes ao conceito; são seus graus, seus momentos. Na lógica concreta (dialética), o conceito vem após o ser abstrato e a essência, no grau superior. O conceito é um produto mais elevado da atividade pensante. A lógica objetiva mostra sua gênese, pelo menos sob o aspecto lógico. [...] Entre os momentos do conceito, figura
31
igualmente a atividade prática. O conceito brota dessa atividade, já que é através dela que entramos em contato com o mundo e que o saudável faz parte da prática. E volta a ela, pois o pensamento abstrato, o conceito, tem por “finalidade” e verdade suprema a prática e ação. (grifos do autor)
Assim, procurou-se contemplar o fator mais significativo de transformação da
paisagem – a materialização das relações sociais cotidianas, porquanto, para apreender uma
paisagem assim, tão intensamente transfigurada, há que se reportar, também, à lógica
dialética, pois a realidade se apresenta móvel, múltipla, diversa e contraditória. Elaborar e
desenvolver o conceito de paisagem significa interpretar paisagem reais e, ainda, aperfeiçoar
essas paisagens.
Considerou-se, também, o (re)desenho da paisagem pelas intervenções públicas
ou privadas demandadas pelas necessidades urbanas contemporâneas e enquanto atreladas à
conjuntura política e econômica. Evidentemente, o planejamento e as intervenções são
necessários, sobretudo no contexto de degradação ambiental, insalubridade urbana e
disfunção social. Em escala global, a ação política e o sistema econômico determinam as
configurações espaciais, resultando em grandes transformações na paisagem. Todavia, a
paisagem é plena de significados e valores simbólicos que atestam sua (re)construção
espontânea ao longo da história da sociedade.
Neste estudo, entende-se por paisagem a forma como ela se apresenta e além da
realidade que se revela ao olhar, a paisagem além da aparência, cuja essência não se apreende
sem a conjunção de vários olhares, a circunvisão que considere a convergência de todos os
atores num contínuo processo de interação.
1.5 Estrutura da dissertação
Embora comprometida com o resgate do processo histórico e ancorada na
32
perspectiva da Geografia Histórica, a pesquisa procurou se distanciar da linearidade temporal.
No entanto, ainda que concatenada com a noção evolutiva – espiral – de tempo, fragmenta-se,
metodologicamente, em segmentos temporais sucessivos, tendo em vista caracterizar cada
uma das fases da (trans)formação da paisagem. Essa tentativa de evasão à estabilidade de
tempo cíclico aponta para uma circunvisão que considera a temporalidade espiral. Portanto,
procurou-se apreender as peculiaridades de cada uma das fases da paisagem, identificando as
conexões entre elas. Assim, foram definidos os procedimentos metodológicos que levariam à
leitura da paisagem, segundo critérios específicos para cada segmento, sem perder de vista a
paisagem presente. Nesse contexto de tentativas metodológicas, buscou-se identificar,
também, a forma de convergência dos fatores de transformações nessa paisagem. Portanto, a
dissertação apresenta a seguinte estrutura:
• Porto do Capim: o resgate historiográfico de uma paisagem urbana;
• A paisagem das intervenções modernas;
• Porto do Capim e Vila Nassau: a paisagem (re)visitada.
A partir dessa estrutura, foram determinadas linhas de abordagem para cada
segmento, mas, que se tangenciam na leitura da paisagem. Por isso, leituras de uma paisagem
urbana.
Não obstante a concepção temporal do fenômeno, seqüenciado linearmente, e essa
segmentação metodológica da pesquisa, optou-se pela perspectiva do tempo espiral,
porquanto presente e passado são conceitos que se coadunam. De acordo com Dirce Maria
Antunes Suertegaray (2001, p.3): “[...] o espaço geográfico é a coexistência das formas
herdadas [...], reconstruídas sob uma nova organização com formas novas em construção, ou
seja, é a coexistência do passado e do presente ou de um passado reconstituído no presente”.
Portanto, para dissertar sobre a paisagem de uma área, na perspectiva da Geografia Histórica,
é necessário identificar as conjunções entre as suas fases evolutivas.
33
1.6 Procedimentos metodológicos
Para a construção do primeiro segmento, intitulado Porto do Capim: o resgate
historiográfico de uma paisagem urbana, foram consultadas as crônicas dos viajantes, as
narrativas dos historiadores e as descrições dos primeiros administradores da Capitania da
Parahyba, que reproduzem suas leituras da paisagem, portanto “a intermediação de outras
consciências”. Assim, a pesquisa se reporta à produção científica dos historiadores Irwin
Panofsky (1949) e Carlo Ginzburg (1989) pelo trânsito no universo da História das
Mentalidades. Foram consultadas as seguintes obras seiscentistas: Diálogos das Grandezas do
Brasil (1618), de autoria de Ambrósio Fernandes Brandão (Brandônio), importante para este
primeiro segmento da pesquisa pela narrativa histórica da Cidade Filipéia, no início de seu
povoamento pelos colonizadores portugueses; Descrição Geral da Capitania da Paraíba,
edição de 1982, escrita por Elias Herckmans, no período de 1636 a 1639, que administrou a
Capitania da Paraíba nesse período. Como recursos visuais, são utilizadas as imagens
produzidas nos séculos XVI e XVII pela Iconografia portuguesa e holandesa, particularmente
o rico acervo que contempla a Capitania da Parahyba no período de construção de seu espaço
urbano. A paisagem urbana foi retratada nos mapas e vistas iconográficas, cujas imagens são
inseridas no texto. Por fim, foram consultadas as narrativas dos viajantes, entre os quais,
Viagem ao Nordeste do Brasil (1942), de Henri Koster, e Notícia de uma viagem à Paraíba
em 1924 (1987) de Joaquim Inácio.
O segundo segmento, intitulado A paisagem das intervenções modernas, aborda a
paisagem no espaço temporal compreendido entre a segunda metade do século XIX (1850) até
o final do século XX. Este recorte foi estabelecido como um recurso metodológico para
reconstituir a paisagem do Porto do Capim, em meio ao processo de urbanização-
modernização que se implementava na capital paraibana. Portanto, o enfoque se remete à área
34
portuária integrada ao centro da antiga Cidade da Parahyba, localizado na Cidade Baixa.
Procurou-se resgatar a paisagem da área do Porto do Capim, reportando-se à memória visual
da fotografia, à narrativa do escritor Walfredo Rodriguez – Roteiro Sentimental de uma
Cidade (1961) –, aos historiadores Juarez Batista (1951), Irineu Pinto (1977), Celso Mariz
(1978), José Américo de Almeida (1980), e outros. A analise versa ainda sobre a paisagem
(re)construída em atendimento às demandas das elites pelas reformas de
urbanização/modernização da Cidade da Parahyba. Nesse aspecto, buscou-se fundamentos
teóricos também na obra de Marshall Berman (1986), intitulada Tudo que é sólido desmancha
no ar: a aventura da modernidade, e ainda, nas pesquisas de Waldecy Ferreira Chagas
(2004), Doralice Sátyro Maia (2000) e Rita de Cássia Gregório de Andrade (2004).
Concluindo esta abordagem, introduziu-se a leitura do memorial do Plano de Revitalização do
Varadouro e Antigo Porto do Capim (1997) 11, no que se refere às intenções que envolvem as
comunidades inseridas na área.
No terceiro segmento – A paisagem (re)visitada – a pesquisa versa sobre as
comunidades, a partir dos resultados obtidos nos trabalhos de campo – os questionários
aplicados em 2003 e os depoimentos coletados nas entrevistas realizadas em 2005. Os
questionários e as entrevistas foram direcionados para temas relativos ás relações cotidianas
nessas comunidades, às alternativas de moradia e às estratégias de sobrevivência econômica.
Este segmento contém a essência da pesquisa, tendo sido elaborado a partir dos contatos
mantidos com as comunidades estudadas, Porto do Capim e Vila Nassau. São apresentados
croquis, mapas e registro fotográfico com análise, explicações e comentários. Este material foi
elaborado a partir das visitas constantes a essas comunidades. Sobretudo foram registrados os
depoimentos dos moradores destas comunidades e os relatos de suas memórias, cujos
fragmentos foram resgatados e constam do teor desta dissertação. Portanto, registra-se a
11 O memorial desse plano descreve o Projeto de Revitalização e Paisagismo para o Varadouro e o Antigo Porto
do Capim, elaborado pela Comissão permanente do Centro Histórico de João Pessoa.
35
paisagem do Porto do Capim como atualmente se apresenta.12
No âmbito do conhecimento geográfico, a pesquisa se remete a procedimentos
clássicos oriundos da Geografia Tradicional tais como a observação e a descrição. Na
geografia Tradicional, a descrição era utilizada amplamente. Posteriormente, a Geografia
Crítica viria subestimá-la, considerando-a um procedimento de cunho essencialmente
positivista. Atualmente, a Geografia utiliza-a enquanto um procedimento indispensável em
suas pesquisas de campo. Conforme afirma Doralice Sátyro Maia (2001, p. 13),
[...] a descrição bem elaborada contém uma série de elementos que são fundamentais para uma posterior análise. [...] enquanto exercício conjunto à observação significa realizar uma exposição minuciosa do que se está observando. [...] observação e descrição são, portanto, passos iniciais no trabalho geográfico, por sua vez configuram-se enquanto procedimentos fundamentais do trabalho de campo.
A Antropologia mantém essas técnicas em seus escritos etnográficos e nos relatos
de seus trabalhos de campo (artigos, dissertações e teses). Eunice Durham (1988) examina a
produção antropológica recente nas cidades e identifica, em suas tendências, a valorização
desses procedimentos metodológicos:
[...] uma das características mais visíveis e positivas dessa produção recente é justamente a valorização da observação participante e a preocupação com a natureza da relação do pesquisador com a população estudada. [...] Na alteração recente do uso dessa técnica nota-se uma valorização crescente da subjetividade do observador – a experiência, os sentidos, os conflitos íntimos do pesquisador são amplamente descritos e analisados (DURHAM., 1988, p. 25-6).
A observação e a descrição, embora procedimentos clássicos, são caros à pesquisa
geográfica e, neste estudo, foram priorizadas, ao mesmo em tempo em que eram valorizados
os questionários, as entrevistas e a coleta de depoimento. Foram utilizadas algumas técnicas –
elaboração de croquis, mapeamentos – e recursos visuais, entre os quais, imagens 12 Essa área é tradicionalmente conhecida como Porto do Capim. Após o processo de ocupação, a comunidade
que se formou também assim ficou popularmente conhecida, sendo oficialmente assim registrada na Fundação de Ação Comunitária – FAC – Instituição ligada ao Governo Estadual.
36
iconográficas e fotografias. Pela sua característica de surrealidade, a fotografia é um recurso
imprescindível para uma melhor compreensão do espaço e como coadjuvante na descrição de
paisagens humanizadas, permitindo-lhe documentar cenas (paisagens) de significativa
expressão e impacto e, ainda, denunciar “[...] O que os nossos olhos não estão programados
para ver e o que a sociedade, injusta e desigual, não deseja ver” (AMPARO, 2003).
Sabe-se que o contato com o objeto de estudo proporciona ao pesquisador
vivenciar a realidade da comunidade estudada. De acordo com Roberto Da Matta (1987), a
experiência do trabalho de campo “permite localizar, discernir e, com sorte, teorizar,
interligando essa dialética da experiência concreta com teorias correntes” (DA MATTA,
1987, p. 146). Assim, reafirma-se o trabalho de campo como indispensável na pesquisa
científica e, particularmente, na análise da paisagem.
O estudo da paisagem requer o exercício do olhar, a observação, em sintonia com
o objetivo de análise. Agregada às categorias tempo e espaço, como um processo histórico,
não se encerra em um tempo específico. Portanto, pode-se observá-la a partir de intervalos
temporais diferenciados, em recortes temporais curtos ou prolongados, ou em períodos
instituídos historicamente.
A paisagem (re)construída pelas comunidades de baixa renda se constitui em um
conjunto tangível de elementos revestidos de símbolos, intrínsecos às relações cotidianas que,
em constante interação com o ambiente, se revelam na paisagem social. Portanto, é necessário
observá-la assim (re)construída, no plano do espaço vivido. Foram analisadas as duas
comunidades – Porto do Capim e Vila Nassau – que ocupam a área de pesquisa: foram
coletados os depoimentos dos moradores sobre os anos vividos nesses lugares que escolheram
ou encontraram para morar. Na memória dos moradores mais antigos, resgata-se a paisagem
dessa área, quando nela chegaram, os problemas comunitários e as questões relativas à
moradia e à sobrevivência. Também os jovens relataram fatos de suas vidas, seus desejos e
37
suas expectativas em relação ao futuro. Portanto, são abordadas as questões comunitárias e
familiares que permeiam as relações da vida cotidiana, e a (dês)construção da paisagem.
Procurou-se interpretar as transformações ocorridas na paisagem e analisá-las com base em
diversos olhares aglutinados por processos metodológicos específicos. As leituras
antropológicas, a investigação geográfica e a pesquisa histórica são as perspectivas traçadas
nesse percurso, quando se buscou apreender a paisagem considerando as dimensões
econômicas, políticas e culturais do fenômeno geográfico.
22 PPoorrttoo ddoo CCaappiimm:: oo rreessggaattee hhiissttoorriiooggrrááffiiccoo ddee uummaa PPaaiissaaggeemm UUrrbbaannaa
39
2 PORTO DO CAPIM: O RESGATE HISTORIOGRÁFICO DE UMA PAISAGEM
Este seguimento versa sobre a paisagem que se remete à repercussão causada pela
ação do colonizador europeu na Capitania da Paraíba. A partir da pesquisa documental e
historiográfica, são analisadas as transformações que ocorreram na paisagem do Porto do
Capim, em sua primeira fase, cujo recorte temporal remonta aos eventos ocorridos nos séculos
XVI, XVII e XVIII. Como recursos, foram utilizados documentos iconográficos e as
descrições, indispensáveis à pesquisa e como referências para reconstituir a paisagem,
contextualizando-a ao panorama político, econômico e cultural do colonizador.
Para os humanistas, sobretudo o historiador, os registros são o objeto de estudo,
por emergirem da temporalidade, sendo caros à história da civilização humana e da própria
ciência. A análise foi desenvolvida em dois sub-tópicos: inicialmente, a partir da leitura dos
recursos visuais – mapas iconográficos e telas (vistas) –, que registram a Cidade da Parayba, e
a partir das descrições dos administradores e dos viajantes, resultantes de suas observações e
experiências vividas, enquanto permaneceram na cidade.
2.1 A leitura da paisagem pelos registros da Iconografia
Nesta primeira seção, a pesquisa busca resgatar a paisagem, ainda primitiva, da
Capitania da Parahyba para analisar a produção do núcleo urbano e à formação da sociedade
citadina que permeavam a conquista e a posse do território, no Brasil colonial. Portanto,
foram analisados os acontecimentos relativos à Cidade Filipéia, sob o domínio do Império
Ibérico, e à Cidade Frederica, sob o império financeiro do consórcio dos paises baixos,
“potentados portugueses e holandeses”, poderosos na arte e técnica da navegação.
A análise dos eventos não ocorreria sem a utilização dos recursos visuais – mapas
40
iconográficos produzidos, naquele período, pela iconografia portuguesa e holandesa. O termo
Iconografia começou a ser discutido em meados do século XX, introduzido pelo historiador
de arte, Erwin Panofsky (1949), fundamentado na teoria geral da história, assim como o
“Método de Interpretação dos Sinais”, elaborado pelo autor para interpretar o significado das
artes visuais.12 Esta referência metodológica foi bastante elucidativa na leitura dos
documentos iconográficos e na identificação de informações, portanto, fundamentais para
analisar as transformações que ocorreram na paisagem, nessa primeira fase.13
A Iconografia remete ao âmbito espaço-temporal das relações humanas e às
circunstâncias em que foram produzidos registros e imagens, refletindo os padrões da época e
do meio. Apesar das diferentes abordagens entre os pesquisadores, alguns procedimentos são
comuns na análise de documentos: observação, exame dos registros, interpretação das
mensagens, classificação e coordenação dos resultados. A análise iconográfica seguiu sem
perder de vista essas referências metodológicas: na fase pré-iconográfica, restrita ao contato
inicial com os documentos, foi realizada uma primeira leitura dirigida para os seus
significados primários; no segundo contato, enveredou-se pela interpretação iconográfica,
penetrando no âmbito dos significados secundários ou convencionais, em direção aos
costumes e tradições culturais. Portanto, nesse nível de abstração, a partir do cruzamento de
informações a serem interpretadas num contexto cultural, buscou-se o seu significado
intrínseco – o conteúdo –, avançando até o limite da interpretação iconográfica, propriamente
dita. Esse nível de interpretação atende a um significado específico, conforme ensina
Panofsky (1949, p. 50), “[...] um significado que é essencial e pode ser definido como um
12 Iconografia: ramo da história da arte que trata da teoria ou mensagem das obras de arte em contraposição à sua
forma. In: PANOFSKY, Erwin. O significado das artes visuais. 2 ed. Trad. Por Maria Clara F. Kneese e J. Guinzburg. São Paulo: Perspectiva, 1979.
13 Criado, em 1949, pelo historiador de arte Erwin Panofsky, o Método de Interpretação de Sinais consiste em analisar registros humanos, descrever e classificar imagens, em três fases: descrição pré-iconográfica; analise iconográfica e interpretação iconológica. Essa pesquisa se reporta apenas às duas fases iniciais do método, tendo em vista que a interpretação iconológica diz respeito à análise do documento enquanto obra de arte, que não faz parte do objeto de estudo.
41
princípio unificador que sublinha e explica os acontecimentos visíveis e sua significação
inteligível o que determina até a forma sob a qual o acontecimento se manifesta”. Nesta fase,
os documentos foram utilizados com a finalidade de identificar, no seu conteúdo, a
representação da paisagem urbana em formação e, sobretudo, neles localizar, reconstituir e
interpretar a paisagem do Porto do Capim.
A interpretação pelos indícios – emblemas, símbolos e sinais –, muitas vezes
transcende a leitura iconográfica. É nessa perspectiva que Carlo Ginzburg (1989), também
historiador de arte, retoma sob o olhar da micro-história, a teoria de Irwin Panofsky. Por sua
experiência no universo da História das Mentalidades, Ginzburg (1989) idealizou o
“paradigma indiciário” que considera a historicidade a razão do ofício de historiador, sendo
característica de sua obra a determinação em perscrutar o sentido dos “mitos, emblemas e
sinais”.14 Na busca pelo significado factual das formas visíveis e no intuito de desvendar o
sentido dos elementos figurativos presentes nos documentos iconográficos, esta pesquisa se
reporta também aos princípios básicos da pesquisa indiciária na perspectiva da micro-história,
conforme explica esse historiador:
[...] Como historiadores, nós devemos adaptar nossos métodos às fontes disponíveis. [...] Qualquer acontecimento, não importa o quão insignificante ele possa parecer, pode ser compreendido apenas na estrutura de uma realidade histórica mais ampla. [...] O que precisamos é de uma noção mais sutil de prova histórica – uma noção de prova que, por exemplo, leve em consideração todos os problemas especiais que nos confrontam quando tentamos investigar questões que se localizam fora do domínio tradicional da ciência histórica. [...] A escrita histórica deveria aspirar à democracia, ou seja, tornar possível a verificação dos enunciados de fora e que o leitor seja uma parte não apenas das conclusões alcançadas, mas também do processo que levou a elas. Nós não podemos mudar a história, mas nós podemos
14 Como historiador, Ginzburg tem sido rotulado como micro-historiador ou detetive. Em várias ocasiões, ele
argumentou que o trabalho do historiador não pode ser diretamente comparado com o de outras buscas científicas, mas que pertence a um paradigma de leitura de signos, de interpretação de pistas, que trabalha mais como um caçador ou um detetive do que como um cientista. A referência à micro-história vem de sua associação a um grupo de historiadores os quais, nas décadas de 1970 e 1980, defendiam que mudanças históricas somente podem ser totalmente compreendidas quando analisadas em um nível micro, no qual as conseqüências de estruturas sociais maiores sempre se fazem sentir.
42
ajudar a manter nossa conexão com ela. 15
Embora a pesquisa não tenha enveredado pela interpretação iconológica, buscou-
se apoio nas leituras antropológicas, no momento em que questões relativas às representações
simbólicas foram consideradas.16 Ernst Cassirer (1994) considera imprescindível, para o
historiador, a leitura correta dos símbolos porquanto o fato histórico, por mais simples que
possa parecer, necessita de uma análise prévia dos símbolos, sem a qual não pode ser
determinado e compreendido: “[...] Somente através da mediação e intervenção desses
símbolos podemos captar os dados históricos reais – os acontecimentos e os homens do
passado” (CASSIRER, 1994, p. 277).
Para a leitura da paisagem do Porto do Capim, na fase da interpretação
iconográfica ocorreu o contato com os mapas pictóricos, tendo sido necessário buscar mais
que uma fonte teórica específica. Igualmente elucidativa foi a contribuição de Jaime Cortesão
(1971), acrescentada em função de sua consideração à cartografia produzida pelos
portugueses, a partir de suas referências a Diogo de Campos Moreno e ao Livro que dá Razão
de Estado do Brasil (1612), elaborado à luz dos levantamentos cartográficos. Essa referência
oferece subsídios para a análise da Cidade Philipéa, ponto de partida para a leitura da
paisagem do Porto do Capim registrada pela iconografia portuguesa. Toda a leitura
iconográfica junto aos documentos específicos da Paraíba se reporta aos analistas José Luiz da
Mota Menezes (1985), que realizou estudos sobre as representações gráficas que reproduzem
15 Fragmentos de “No lado negro da história”, por Trygve Riiser Gundersen. Uma entrevista com Carlo
Ginzburg, na qual o historiador italiano Carlo Ginzburg fala sobre suas publicações e discute seu método histórico que inaugurou a micro-história. Ginzburg descarta o relativismo prevalecente acerca da verdade histórica como uma preguiça moral, intelectual e política e argumenta contra igualar a história com a "memória coletiva da humanidade”. Ao invés disso, para ele, a história deve servir como um senso de justiça histórica, sendo o passado reconhecido e a verdade comprovada, por mais seletiva que seja nossa memória. Disponível em: <http://www.klepsidra.net/klepsidra13/klepsidra13.html>, acesso em 10 out. 2006.
16 Para a leitura da paisagem através das fontes iconográficas, com base nos ensinamentos de PANOFSKY (1949), foram considerados os níveis I e II da investigação iconográfica que levam à reconstituição da paisagem no período colonial; a interpretação iconológica (nível III) abrange a análise das obras de arte – universo do autor, estilo e autenticidade das obras – que exigem um conhecimento aprofundado que não faz parte do objetivo da pesquisa.
43
a Cidade Philipéia e, ainda, a José Antônio Gonsalves de Mello (1987), para analisar a
paisagem do Porto do Capim, a partir da Cidade Frederica, representada no acervo
iconográfico holandês. Estudioso da Iconografia holandesa, esse historiador analisou a
Paraíba contemplada pelo rico acervo da Iconografia holandesa, legado que reúne registros do
núcleo urbano em mapas e imagens. Na etapa da reconstituição e contextualização da
paisagem buscou-se a pesquisa do urbanista Nestor Goulart dos Reis Filho (2000) pelo resgate
e recuperação do acervo iconográfico existente em arquivos e bibliotecas, no Brasil e no
exterior, inclusive em colecionadores particulares.17 Nessas referências, buscou-se elucidar o
caminho para o trânsito na história, em especial na busca pelas formas visuais de
representação da paisagem.
2.1.1 A paisagem registrada nos primeiros mapas
Os documentos consultados – desenhos iconográficos, cartas, mapas e estampas –
mostram a topografia da cidade em dois planos: a parte alta, enfatizando as edificações
religiosas nos pontos mais elevados da colina, e a parte baixa, à margem do Rio Sanhauá,
afluente do rio Parahyba do Norte. Toda a paisagem da cidade edificada na colina foi
ricamente documentada pela Iconografia – o traçado do núcleo urbano original, os edifícios
administrativos, o casario, o arruamento, as quadras, as áreas verdes e as fontes d’água.
Nesses registros, podem ser identificados os elementos que compõem a paisagem
representada no documento iconográfico. Determinadas representações contempladas na obra
iconográfica, favorecem o resgate da dimensão cultural da paisagem, tais como os templos
17 Esse trabalho constou de várias etapas: localização dos documentos em diferentes bibliotecas existentes no
Brasil e no exterior, em acervos e coleções particulares, restauração e reprodução e distribuição por bibliotecas públicas e universidades de todo o país, democratizando assim a utilização deste trabalho – em cd-rom e livro – intitulado Imagens de Vilas e Cidade do Brasil Colonial. 2000.
44
religiosos presentes, destacados enfaticamente nos documentos produzidos pela iconografia
portuguesa. Uma atenção especial é dispensada ao traçado original do núcleo urbano,
contemplando, assim, a dimensão política e administrativa da paisagem urbana, em formação.
Valoriza-se ainda a exuberância da paisagem natural pela representação da vegetação e do
curso dos rios, pontuada pelas unidades produtivas – os engenhos de açúcar –, evidenciando a
dimensão econômica da paisagem.
A paisagem da área do Porto do Capim, à margem do rio, é retratada pelos
elementos naturais – o rio e a vegetação, com “madeiras muito grossas e grossos mangues”.18
São representados, também, os engenhos de açúcar, algumas fortificações e povoações
esparsas. A paisagem do Porto do Capim é demarcada pela localização dos armazéns do
porto, também reconstituída pela literatura:
[...] numa tentativa de recomposição de tôdas as atividades da nossa terra – situadas nas adjacências do antigo e extinto “Passo” local, onde estaria a balança para o peso oficial dos açúcares que primitivamente era nas imediações do Engenho “Tibiri”, e para aqui, no “Varadouro” perto do porto foi transferido por Carta Régia de 7 de novembro de 1675 (RODRIGUEZ, 1961, p. 58).
A embarcações representadas constituem um valioso indício da função comercial,
alusiva à atividade comercial que se realizava pelas vias fluvial e marítima. A dimensão
militar é resgatada pela representação das fortificações, em todos os documentos
iconográficos que se referem ao tema. Essa função é contemplada mais ostensivamente pela
iconografia holandesa, com figurações de batalhas navais e em terra firme, conforme se pode
constatar em documentos procedentes de seu acervo.
Na pesquisa iconográfica foram identificados elementos referentes à paisagem do
Porto do Capim, quando se resgata a paisagem que se configurou no contexto espaço-
temporal em que as obras iconográficas foram produzidas. Para a leitura dos documentos 18 Conforme legenda anexa ao Mapa intitulado “Capitania da Paraíba em 6º a sul da Equinothial 1609”, de Diogo
de Campos Moreno. In: MENEZES (1985, s.p.).
45
iconográficos, a pesquisa se reporta à pesquisadora Dayse Luckwü Martins (2003) que,
pautada em fontes primárias, analisa as obras da Iconografia que contemplam a Capitania da
Paraíba, tendo aprofundado a análise das imagens relativas à cidade e ainda pelos comentários
aos estudos de José Luiz da Motta Menezes (1985). Esses analistas transcendem a
interpretação iconográfica, enveredando pela analise iconológica, quando se preocupam com
a procedência, autenticidade das obras e o conteúdo, estabelecendo intercâmbio com a
situação presente.
As imagens iconográficas inseridas neste texto foram produzidas pela iconografia
portuguesa e holandesa, no século XVII. Os documentos iconográficos registram a bacia
hidrográfica e os vales dos rios. As imagens a seguir, FIGURAS 1a e 1b, reproduzem mapas
produzidos pela iconografia portuguesa, selecionados por se tratar de desenhos que
representam a cidade com apenas 24 anos de fundação. Portanto, atendem bem ao propósito
de resgatar a paisagem da cidade ainda em formação. O mapa intitulado “Capitania da Paraíba
em 6º a sul da Equinothial 1609” consta na “Relação das Praças Fortes do Brasil 1609”, sendo
considerado o mapa mais antigo que se conhece da Capitania da Paraíba.
46
FIGURA 1a. Mapa: “Capitania da Paraíba em 6º a sul da Equinothial”. 1609. Autor: Diogo de Campos Moreno.. In REIS FILHO (2000). 1CD.
FIGURA 1b. Mapa: "A Cidade Philipea". 1609. In REIS FILHO (2000). 1 CD
A autoria desses mapas foi creditada a Diogo de campos Moreno, bem como a
autoria do Livro que dá razão do Estado do Brasil de 1626 do qual faz parte essa Relação.
Não obstante o valor do mapa como um todo, com destaque para a Foz do Rio Paraíba e a
paisagem estuarina, vale ressaltar a imagem da cidade, demarcada no detalhe da FIG. 1a –
Armazéns do Porto
Armazéns do porto.
Início da povoação.
47
mapa: “Capitania da Paraíba em 6º a sul da Equinothial” –, o mapa intitulado “A Cidade
Philipéia”, ampliado na FIG. 1b, que representa a Filipéia de Nossa Senhora das Neves,
fundada em 1585. O ponto sinalizado indica uma fortificação localizada à margem do rio,
provavelmente para guarda e proteção de algum engenho. A representação ressalta o traçado
regular do rio, um elemento marcante da paisagem natural e como referência na ocupação do
território e na formação do espaço urbano. Os proprietários dos engenhos localizados na
margem esquerda desse rio transportavam, em canoas, o capim, gramínea forrageira utilizada
na alimentação dos burros e mulas que conduziam os bondes movidos à tração animal, e “as
animálias do batalhão da polícia militar” que vinham se abastecer ali, nas “casas de pasto no
porto próximo à cidade”, onde era depositada essa ração (nota: In: RODRIGUEZ, 1961). Por
isso a sua denominação – Porto do Capim – assim permanecendo.
Na área desse porto e de outros ancoradouros, a paisagem natural se caracterizava
por manguezais, vegetação característica dos estuários, algumas povoações esparsas e os
armazéns ou passos, próximos ao rio. Dayse Lückwu Martins analisa este mapa que considera
bastante rudimentar, enquanto chama a atenção para a localização do rio: “A cidade Philipéia
é representada de forma esquemática. [...] Outra observação a ser feita é quanto ao rio
aparecer desenhado perpendicular a rua Direita, quando na realidade, ele corre paralelo à
mesma” (MARTINS, 2003, p. 90-92). Este mapa é significativo para se ter uma idéia da
cidade Filipéia no ano de 1609, conforme comenta José Luiz da Motta Menezes: “[...] embora
seja bastante sumário no que se refere ao núcleo urbano, naquele ano, ainda nos seus inícios
[...] A representação gráfica da cidade é simplificada, mas indica claramente a rua referida, o
varadouro com o armazém junto ao rio [...]” (MENEZES. 1985, s. p.).
A descrição de Menezes (idem, ibidem) resgata um elemento significativo da
paisagem do Porto do Capim: “o varadouro com o armazém junto ao rio”. Esse armazém se
localiza próximo ao ponto em que os navios eram atracados. As observações do autor não
48
olvidaram da memória histórica testemunhada por Diogo de Campos Moreno, quando analisa
a situação da cidade, a disposição das ruas a partir da Igreja Matriz, e a própria circulação em
relação à localização axial dos edifícios fundados. A análise de Martins (2003), referindo-se
ao patrimônio edificado e à presença da instituição religiosa, representada pelos templos e
mosteiros, embora apresentando argumentos em comum com esse pesquisador, complementa-
a e a enriquece quando se refere à perspectiva (de fora) em que possivelmente foi observada a
cidade.
Apesar de se tratar de uma produção rudimentar, nem mesmo apresentando escala
gráfica, estes mapas são bastante significativos para o objetivo da pesquisa, especificamente
para a reconstituição da cidade ainda em fundação e sua contextualização na paisagem natural
que a circunda. O rio é margeado por uma densa vegetação, destacando-se ainda a Ladeira do
São Francisco que fazia a ligação entre as duas unidades morfológicas, evidenciando a
topografia acidentada entre os dois planos do logradouro: a parte baixa, onde se localizava o
Porto do Capim, os armazéns do porto e, ainda, indícios de uma esparsa povoação; a colina,
onde está registrada a cidade em seus primeiros anos de existência, mas já contando com
edificações religiosas: o convento de São Francisco, as igrejas do Carmo e da Misericórdia, a
igreja Matriz de Nossa Senhora das Neves e a igreja de São Bento.
As igrejas, os templos e os mosteiros são bem representados nesses mapas, com
localização privilegiada, em amplos espaços – os Largos e os Adros – evidenciando a
valorização da Igreja e o poder eclesiástico representado pelos monumentos religiosos. Vale
ressaltar que as normas eclesiásticas exigiam prerrogativas quando se referiam á construção
da Igreja, conforme analisa Murillo Marx (1991, p. 20-22), “[...] as Igrejas se devem fundar, e
edificar em lugares decentes, e acommodados, pelo que mandamos, [...] se edifique em sítio
alto, e lugar decente, livre de humidade, e desviado, quanto for possível, de lugares
immundos, e sórdidos”. Essas normas influenciaram, diretamente, o delineamento da
49
FIGURA 2a. “Carta da Barra do Rio Paraíba Ou Rio de São Domingos. 1626”
FIGURA 2b. “Paraíba ov Rio de São Domingos, 1626”.
paisagem das aglomerações. O historiador Irineu Ferreira Pinto (1977), explica a
determinação da escolha de um sítio colinoso para edificação da cidade, por questões
estratégicas e de segurança, e também a construção de torres de observação, além dos muros
de fortificação, para fundar a sede da colônia que já havia sido criada na metrópole por alvará
de 29 de dezembro de 1583, com o nome de Filipéia de Nossa Senhora das Neves. Portanto,
conforme afirma Pinto (1977, p. 20),
Martim Leitão [...] Procurando melhor lugar para plantar a cidade, escolhe o alto de uma colina, tendo o rio Sanhauá aos pés, a dezoito kilometros da foz do Parahíba, defronte do sítio em que João Tavares havia anteriormente feito paz com Piragibe.
Nas imagens, a seguir, a área do Porto do Capim encontra-se ainda muito
primitiva, nas fraldas da colina. Mesmo não sendo visualizada na imagem, é possível inferi-la
nessa área, em meio à vastidão do espaço que a imagem sugere. De autoria de João Teixeira
Albernaz I, o Velho (1602-1666), a imagem original foi produzida pela iconografia
portuguesa, em 1626 (In: REIS FILHO, 2000, 1 CD) (FIGURAS 2a e 2b.).
50
A FIG. 2a representa uma carta intitulada “Carta da Barra do Rio Paraíba Ov Rio
de São Domingos. 1626”. A “Carta da Barra do Rio Paraíba Ov Rio de São Domingos. 1626”
contém informações então preciosas para a coroa portuguesa, tendo em vista o propósito de
expandir o império português. Esta carta contém, em detalhe, uma gravação referente ao mapa
intitulado “Paraíba ov Rio de São Domingos, 1626”, FIG. 2b. A gravação de mapas em
detalhe, numa mesma carta, assim como os elementos figurativos, correspondem a uma
técnica da época, cuja finalidade era reunir o maior número de informações em um só
documento. Esta carta registra, com destaque, o acesso por mar até o rio e à cidade,
informando também os obstáculos na entrada da barra, representado pelo detalhamento da
imagem, no alto, à esquerda: trata-se de outro mapa intitulado “Paraíba Ov Rio de São
Domingos”, gravado no alto à esquerda do mapa anterior e reproduzido com dimensões
ampliadas, na imagem à direita. Portanto, informações estratégicas com objetivos bem
definidos, supostamente a conquista e a posse do território. O mapa reproduzido, em “escala
ampliada” – FIG. 2b – registra a cidade com destaque para a topografia em dois planos:
consta neste mapa, o curso do rio Sanhauá em que se insere a paisagem da área do Porto do
Capim, com os armazéns ou passos, que correspondem à parte baixa da cidade. O perfil em
corte evidencia o relevo acidentado – a colina que desce até o rio e, à sua margem os,
engenhos. Os aspectos naturais da paisagem são bem representados, embora, em volta do rio
a massa verde seja representada de forma menos adensada, à margem do rio, conforme
indicação de parte da legenda: em E – Rio Paraíba, de 4 léguas até a cidade, e mais 3 acima,
navegável e um quarto de légua de largo, há partes por onde vão navios grandes –, referência
atribuída ao Rio Sanhauá; em G, a existência de grandes madeiras muito grossas, ao longo do
rio e mui grossos mangues. As madeiras muito grossas indicadas na legenda correspondem ao
Pau-Brasil (Caesalpinia echinata), abundante naquele século, mas intensamente explorada
para comercialização, pelas suas propriedades colorativas, e ainda o Angelim (Andira
51
cuyabensis) como madeira para carpintaria, construção de embarcações e nas edificações.
Atualmente estas são espécies raras, assim como muitas outras que compunham a densa
cobertura vegetal, devastada em todo o litoral, com exceção das reservas de mata atlântica.
Neste mapa, os grossos mangues, exuberantes, conforme descrevem os relatórios dos
viajantes, são abundantes nessa paisagem estuarina e às margens dos rios. Martins (2003, p.
92-93), apresenta uma análise minuciosa deste mapa:
Este mapa, produzido por João Teixeira Albernaz I (O Velho), provavelmente foi baseado em levantamento de Diogo de Campos Moreno. O mapa demonstra a preocupação em representar o caminho de acesso desde o mar até a cidade, subindo pelo rio e mostrando os acidentes da entrada da barra. A planta da cidade não evidencia o traçado regular. [...] A cidade aparece em dois planos: alta e baixa. Vemos o perfil em corte mostrando o relevo acidentado da colina que desce até o rio. À margem do rio vemos o armazém ou passo. [...] Quanto à legenda, temos dois pontes a destacar: O primeiro diz respeito a não indicação na margem das letras D, H, I da legenda. O segundo diz respeito a letra H que indica o forte de Imobo. Provavelmente se refere ao forte do Inhobe, que protegia os engenhos de propriedade de Ambrósio Fernandes Brandão, na Fronteira da Capitania. Fica evidenciado no mapa o percurso do rio e a localização de construção no interior do território, demarcando os engenhos às margens dos cursos d’água [...] Notamos uma maior preocupação na representação dos aspectos naturais da paisagem. A cidade está circundada por uma densa vegetação, já o território em volta do rio, a massa verde aparece menos adensada.
A paisagem na área do Porto do Capim é representada pelo ancoradouro e os
armazéns de mercadorias. Próximo ao rio, engenhos guarnecidos por fortificações e algumas
povoações. Esse mapa foi selecionado pelos elementos da paisagem urbana além de enfatizar
o traçado das ruas, seguindo o relevo acidentado.
As imagens da iconografia portuguesa, reproduzidas nas FIG. de 1 a 2 (a e b),
enfatizam o delineamento de fronteiras o que pode ser relacionado à preocupação da coroa
portuguesa em manter e ainda expandir seu império, descobrindo roteiros alternativos para
comercialização. Tal preocupação reflete-se nas imagens iconográficas que se revelam
“estáticas”, como se corroborando a posse definitiva dos territórios conquistados e o poder do
Império. Daí a preocupação em delimitar também os caminhos marítimos, as vias fluviais e os
52
obstáculos existentes ao longo do curso dos rios (Paraíba, Sanhauá), assim como as
características da topografia acidentada, e os caminhos de acesso por terra.
Na iconografia holandesa observa-se a valorização do traçado urbano regular, em
quadrícula. As imagens são ricas em informações, denotando a preocupação de caráter
econômico, em estabelecer e manter novos mercados, portanto, com mais precisão e
objetividade. Além dessa característica, a representação do elemento humano, embarcações e
batalhas navais apresentam bastante realismo. As imagens ainda são enriquecidas de
elementos figurativos, conforme o costume da época em que foram produzidas, quando se
procurava reunir o maior número possível de informações em um só documento. Neste
aspecto, vale ressaltar a proposta metodológica de Carlo Ginzburg (1989) e o paradigma
indiciário para explicar a interpretação de tantos indícios e marcas nas obras iconográficas
portuguesas e holandesas, como ocorre nas imagens inseridas neste texto. Para investigar o
registro da paisagem e reconstituí-la em suas diversas dimensões considerou-se o contexto de
produção dos mapas, em conformidade com o princípio segundo o qual o produto
iconográfico se constitui objeto da cultura material. Portanto, para examiná-las foram
seguidos os ensinamentos de Beatriz P. Siqueira Bueno (1998, p. 91) “[...] as cartas e os
mapas iconográficos foram produzidos à luz do seu contexto social de produção, circulação e
consumo”. O trabalho de Bueno (ibidem) aborda a iconografia militar dos engenheiros
militares, remontando-se à política cartográfica, a partir do século XVI, quando teve início um
intenso intercâmbio de documentos entre Portugal e os Paises Baixos, inclusive atividades
clandestinas, em meio ao comércio ultramarino. A cartografia aprimorada pelos holandeses no
século XVII influenciaria todo o mundo, inclusive a própria cartografia portuguesa. Embora
de forma restrita às academias militares, os manuais de arquitetura militar difundiram esse
conhecimento. Em meio à política joanina de estímulo às atividades geográficas, o
mapeamento do território brasileiro era tratado como prioridade, sobretudo para fundamentar
53
futuras negociações com o reino de Castela, conforme fundamenta Bueno (1998, p. 115-6)
Mais do que qualquer arma de fogo, era o desenho um dos mais eficazes mecanismos de conhecimento, apropriação e controle do território. [...] A posse concreta fundamentou-se amplamente nestas folhas de papel, já que marcas de pedra ou batalhões de engenharia seriam insuficientes para a garanti-la face à vegetação profícua dos trópicos e à imensidão de nosso território.
Os mapas reproduzidos, a seguir, produtos da iconografia holandesa, são bem
significativos para a leitura da paisagem. O mapa intitulado “Afbeeldinghe Van Paraíba Ende
Forten”, de 1634, registra a cidade sendo tomada pelas tropas holandesas, cuja representação
consta também no mapa intitulado “Frederick Stadt”, de 1634. Nesse mapa, a paisagem do
Porto do Capim é inserida na representação da paisagem natural, na qual o curso do rio é
delineado com muita precisão (FIGURA 3).
FIGURA 3. Mapa: “Afbeeldinghe Van Paraíba Ende Forten”. 1634. Autor não identificado. In: REIS FILHO (2000). 1 CD
Na FIG. 3, o mapa foi selecionado pela riqueza dos elementos representados: a
54
regularidade do traçado urbano em quadras e o rio, presença marcante na representação da
paisagem natural. Essa representação esmerada e precisa do rio se justifica pela comunicação
fluvial, sua importância estratégica e, ainda, pela atividade produtiva, com vários engenhos de
açúcar à sua margem. A representação das tropas holandesas confere realismo às imagens, sendo
esta uma característica particular da produção iconográfica holandesa contemplada, também,
com a presença do elemento humano, em algumas imagens. A vegetação é representada bem
adensada, em torno dos pontos d’água e pelos caminhos de ligação com a cidade, evidenciando o
significado dos recursos hídricos para a manutenção da cidade. Esses caminhos propiciavam o
deslocamento dentro de um território desconhecido, porquanto a importância como elementos
indiciários para reconstituição da paisagem no contexto em que os mapas foram produzidos,
remetendo às diversas características paisagem (MARTINS, 2003). O mapa reproduzido na
imagem a seguir, foi selecionado pelas informações e indícios, significativos para a
reconstituição da paisagem (FIGURA 4).
FIGURA 4. Mapa com título não identificado, 1640. Autor: Johannes Vingboons. 1640. Fonte: REIS (2000). 1CD. No detalhe da cidade. “Mapa Frederyce Stadt”, 1640. Autor: Johannes Vingboons. 1640. Fonte: REIS (2000). 1CD.
IIllhhaa ddaa RReessttiinnggaa PPllaannttaa ddaa cciiddaaddee:: FFrreeddeerryyccee SSttaaddtt
PPoorrttoo
55
A FIG. 4, mapa com título não identificado de autoria de Johannes Vingboons,
produzido no século XVII, foi inserida para demonstrar a qualidade e a exatidão da produção
iconográfica holandesa. Uma peculiaridade dessa imagem é a sua técnica: aquarela na cor
verde, característica dos mapas produzidos por Johannes Vingbons. Também são
representadas a entrada do rio e os fortes de Cabedelo, da Restinga e de Santo Antonio. De
acordo com Menezes (1985, s.p.), esse mapa, “[...] traz uma minuciosa planta da cidade
(Frederyck Stadt), destacada em sua aquarela, em tons verde, e compreende o rio Paraíba
(Pariba) desde a foz, onde se encontram representadas as fortificações do Norte, da Restinga e
Margarida (Margarita)”. O traçado da cidade, mapa intitulado “Frederyce Stadt”, produzido
em 1640, do mesmo autor, é inserido nesta carta.
No detalhe, o mapa intitulado “Frederyce Stadt. 1640”, evidncia o traçado do
núcleo urbano, em quadras, e, ainda, a demarcação dos lotes, com bastante regularidade.. Esse
mapa é dos mais significativos para a análise da paisagem na área de estudo, pois possibilita a
sua reconstituição, a partir da topografia do sítio, pontuando os armazéns do porto e algumas
fortificações.
Além dos mapas, foram produzidas estampas que retratam a paisagem da Antiga
Parahyba. No próximo subtópico, são inseridas duas imagens que reproduzem telas de Frans
Post, cuja obra se constitui a matriz das representações acerca da antiga cidade da Paraíba.
São imagens ricas de elementos figurativos que representam vistas da cidade retratada com
requinte de obras de arte. Nas imagens, podem ser analisados os elementos pictóricos que lhes
conferem este atributo e que enriquecem a representação paisagística.
56
2.1.2 A antiga Parahyba retratada por Frans Post
Neste subcapítulo, analisa-se a paisagem do Porto do Capim, a partir das imagens
da cidade, nas telas de autoria do pintor austríaco Frans Janszoon Post (1612-1666), que veio
para o Recife holandês, em 1637, integrando a comitiva do Conde Johanne Maurits van
Nassau-Siegen, o governador. As telas pintadas por Frans Post se constituem um valioso
acervo, possibilitando uma visão panorâmica da paisagem, ressaltando o sítio histórico em
duas unidades morfológicas distintas, a parte alta, com a cidade edificada na colina, e a
paisagem do Porto do Capim, na parte baixa, à margem do Rio Sanhauá. Nestor Goulart dos
Reis Filho (2000, p. 23) refere-se a Frans Post como “[...] mais que um pintor paisagista da
corte de Nassau [...]”. As telas inseridas neste texto reproduzem a paisagem da forma como
foi vista pelo pintor, ao chegar ao Brasil, aos 25 anos, quando percebeu o grande contraste
tropical. Mesmo tendo se dedicado à pintura das paisagens brasileiras, as novas informações
captadas pelo olhar do pintor foram incorporadas à técnica. As imagens inseridas a seguir
(FIG. 5 e 6) são bastante ricas pelo seu valor artístico e documental, contendo informações da
cidade e da região tropical, porquanto era mister retratar a paisagem com o máximo de
informações, desde a topografia local, a arquitetura militar e civil até cenas de batalha navais
e terrestres. Por isso, a presença de elementos da paisagem natural, os brasões, as
embarcações e o elemento humano. A FIG. 5 reproduz uma tela de autoria de Frans Post,
intitulada Cidade Frederica na Paraíba, com data de 1638. Essa imagem foi reproduzida da
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, a partir do CD-ROM (2000) Imagens das Vilas e
Cidades do Brasil Colonial, disponibilizada por Nestor Goulart dos Reis Filho (2000) e
equipe em louvável trabalho de localização em bibliotecas, museus e coleções de particulares,
no Brasil e no exterior.
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FIGURA 519 Vista: “Cidade Frederica na Paraíba”. 1638. Autor: Frans Post. Fonte: REIS (2000).
FIGURA 6. 20 Vista: “PARAHYBA”. 1647. / Autor: Frans Post. Fonte: REIS (2000).
19 A imagem da cidade evidencia a topografia do lugar, em dois planos e o flanco da colina coberto pela
vegetação. Na Cidade Baixa, observa-se o porto com uma embarcação ancorada (A). Na Cidade Alta, destaca-se a igreja de São Francisco. (C). Fonte: REIS FILHO (2000). 1 CD-Rom.
20 Imagens de Vilas e Cidades do Brasil Colonial. Técnica: Óleo sobre tela. Procedência do original: Luis XIV; Sotheby´s N. Y., jan. de 1997, coleção privada, Nova York. Fonte: REIS FILHO (2000). 1 CD-Rom.
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Na FIG. 5, a tela intitulada “Cidade Frederica na Paraíba. 1638”, de autoria Frans
Post, produzida a partir do rio, reproduz uma vista que representa a paisagem da cidade e da
área de entorno. É visível a topografia em dois níveis; a parte alta com as edificações e a
parte baixa onde se localizam os armazéns do porto, à margem do rio, elementos da paisagem
do Porto do Capim, próxima a cidade. Completam essa paisagem, a densa vegetação do
mangue arbustivo. As espécies do mangue arbóreo, com suas raízes à mostra, são registradas
no primeiro plano da obra, à direita, assim como a palmeira, à frente de uma outra planta, em
tamanho irreal, indício da diversidade da flora local remetendo-se, ainda, a profundidade do
rio. A FIG. 6, também de autoria de Frans Post, reproduz a tela intitulada PARAHYBA,
produzida em 1647. A vista representa a cidade de forma esquemática, sobre a colina, à
margem do rio. Embora nessa reprodução a imagem não permita a visualização, a área do
Porto do Capim localiza-se na parte baixa, à margem do rio, bem como o armazém de
mercadorias (Conditorium Mercium). Do lado esquerdo, ao alto, o brasão da Capitania de
Paraíba, concebido por Maurício de Nassau, com seis pães de açúcar, uma referência
simbólica à produção açucareira da capitania, considerada a mais rentável e de melhor
qualidade da região. Portanto, a presença do brasão, na imagem, é bastante expressiva. Para a
contextualização pretendida, a presença do emblema torna-se significativa quando remete às
relações de poder.
Igualmente importante para o resgate da paisagem, no período de administração
pelos holandeses, esta imagem remete a fatos históricos permeados por conflitos navais
constantes, como mostram os mapas apresentados anteriormente. Para interpretar a paisagem
do Porto do Capim pela leitura das telas de Frans Post deve-se considerar a perspectiva em
que a cidade foi observada e retratada, a partir do rio, estando o pintor à frente da área do
Porto do Capim. A representação da paisagem absorve a dimensão espacial e, embora seja
uma paisagem tropical, a tonalidade esmaecida das cores, confere lirismo à paisagem, uma
59
característica do artista.
2.2 Porto do Capim: descrições de uma paisagem
A paisagem da Capitania da Paraíba foi registrada por seus administradores e
pelos viajantes, em suas estadas na cidade e mesmo adentrando-se pelo sertão. Nessas
descrições, buscou-se resgatar a paisagem da área do Porto do Capim sob o olhar do
estrangeiro, pelas narrativas a partir das experiências vivenciadas na Cidade.
Neste sub-tópico, foram inseridos os fragmentos extraídos das descrições para
reconstituir e contextualizar a paisagem dessa área, enquanto parte da cidade a ser resgatada
na perspectiva da geografia histórica. As descrições são documentos que traduzem a leitura da
paisagem sob diversos olhares, refletindo a intenção de seus autores, os valores da sociedade
européia e os sentimentos suscitados pelo contato com a paisagem tropical. A (re)leitura da
paisagem da Cidade Filipéia, da Cidade Frederica e mesmo da Cidade Paraíba, exigiu estudos
do textos seiscentistas e dos relatórios dos viajantes selecionados, segundo alguns critérios: a
historicidade e a referência à área do Porto do Capim. Foram selecionados fragmentos dos
textos das seguintes obras: Diálogos das Grandezas do Brasil. 1618, por Ambrósio Fernandes
Brandão e Descrição Geral da Capitania da Paraíba: 1636-1639, por Elias Heckmans. Para
interpretar as obras selecionadas, foram consultadas as analises de historiadores e literatos, no
que se refere à autoria, autenticidade, estilo, atualização ortográfica e notas explicativas, de
grandes préstimos para a contextualização da paisagem.
60
2.2.1 A Paraíba nos Diálogos das Grandezas do Brasil – 1618, por Ambrósio Fernandes Brandão
Este subtópico refere-se à descrição da paisagem pelo olhar do empreendedor, o
senhor de engenho, pois, Ambrósio Fernandes Brandão, há muito tempo estabelecido na
Paraíba, mantinha negócios e, ainda jovem, já era possuidor dos engenhos São Cosme e
Damião, Engenho São Gabriel, também conhecido com o Engenho Inhobi.21 Essa descrição
apresenta características muito singulares, em forma de diálogos, como sugere o próprio
título, bem como a conotação utilitarista que permeia toda a obra, composta de seis diálogos,
embora os fragmentos inseridos nesta dissertação tenham sido extraídos do primeiro
diálogo.22
Varnhagen (1975) dedicou-se ao estudo da autenticidade da autoria desta obra,
com pesquisas em um manuscrito existente em Leiden e em outro em Lisboa, tendo
encontrado indícios que confirmam Ambrósio Fernandes Brandão como seu verdadeiro autor.
Aquino (1988), corrobora os estudos de Abreu (1988) e Mello (1976), que identificaram
Ambrósio Fernandes Brandão sob o pseudônimo de Brandônio. Esse autor analisa os
Diálogos e, embora os considere uma descrição muito sumária, afirma tratar-se de um dos
melhores trabalhos dentre os produzidos naquele século, pelos cronistas da época que
valorizavam, sobretudo, as fortalezas militares e as construções religiosas. Por outro lado,
Coutinho (1982, p. 49) considera os Diálogos... uma “[...] descrição ufanista das
potencialidades de nossa terra”.
21 Refere-se ao Engenho do Meio, localizado no município de Rio Tinto-PB. 22 Dois apógrafos que se encontravam em bibliotecas da Europa, foram trazidos para o Brasil, porém sem autoria
ou data de edição da obra, provocando questionamentos a esse respeito, embora algumas indicações autobiográficas levem à hipótese de que seja Ambrósio Fernandes Brandão o seu verdadeiro autor. Há muitas controvérsias envolvendo essa suposta autoria o que levou à realização de pesquisas e investigações no meio acadêmico-literário, no intuito de certificar a verdadeira autoria, tarefa a que se dedicaram historiadores, biógrafos, cronistas e outros pesquisadores, tais como: Francisco Adolfo Varnhagen (1975) e João Capistrano de Abreu (1988), Aécio Vilar de Aquino (1988) e José Antonio Gonsalves de Mello (1976), cujas pesquisas, chegaram à conclusão da autenticidade de Ambrósio Fernandes Brandão como o verdadeiro autor dos Diálogos, sob o pseudônimo de Brandônio.
61
Os Diálogos das Grandezas do Brasil são um documento imprescindível para o
estudo do homem e da sociedade do Nordeste oriental, pois descrevem a paisagem do Brasil
no primeiro quartel do século XVII. Ambrósio Fernandes Brandão deixa florescer o seu estilo
nos diálogos referentes às potencialidades da terra e demonstra precisão e pragmatismo ao
tratar os assuntos que aborda, atendo-se aos fatos e às possibilidades de aplicação das idéias e
iniciativas que defendia. Toda uma época é retratada com informações de grande valor
histórico-geográfico, embora a abordagem utilitarista seja bastante enfática, haja vista o
propósito de informar sobre a possibilidade de exploração econômica. Essa obra foi
consultada pelo seu testemunho da paisagem da Capitania da Parayba, em tempos remotos,
quando a paisagem do Porto do Capim ainda se encontrava em estágio bastante primitivo e a
paisagem urbana era carente de edificações e povoamento. Os fragmentos a seguir, foram
transcritos do Diálogo Primeiro, quando os interlocutores se referem à Cidade Filipéia e às
potencialidades da Capitania da Parayba:
Alviano: E qual é a razão por que metem Sua Majestade mais cabedal na povoação e conquista desta capitania da Paraíba que costumam meter nas demais?
Brandônio: Foi por respeito do seu bom porto, no qual costumava os piratas franceses ir a reparar suas naus, e ainda a carregar de pau brasil, que comutavam por resgate com o gentio petiguar e com ele as mais presas que tomavam pela costa, tornavam a fazer sua navegação pra França em notável prejuízo de todo o Estado do Brasil (BRANDÃO, 1618, in MELLO, 1976, p. 43-4).
Nestes fragmentos fica evidenciada a importância da área do Porto do Capim, pela
expressão “Foi por respeito do seu bom porto...”, donde se pode deduzir que assim eram
considerados todos os ancoradouros, inclusive a área do Porto do Capim. O apelo econômico
era a argumentação mais convincente, sendo a produção açucareira uma razão inquestionável
tal a valorização do produto no mercado europeu. Nestes colóquios, as falas dos interlocutores
demonstram o objetivo de transação econômica, sendo esta conotação presente em toda a
obra, bem como a conotação figurativa quando são mencionadas as riquezas e potencialidades
62
da terra. Bastante ostensiva é a preocupação em finalizar a transação em que se empenha
Brandônio, visando também o povoamento o qual lhe interessa particularmente, em função de
seus negócios e engenhos. Portanto, no diálogo a seguir, o negociante descreve a cidade,
atendo-se às qualidades mais atraentes ao interlocutor que tenta persuadir:
Alviano: E por não podermos entender semelhante segredo, [...] passemos a tratar do mais que há que dizer da Capitania da Paraíba.
Brandônio: Governa-se por um Capitão-mor [...] tem na boca da barra uma fortaleza provida de soldados pagos de sua fazenda, com seu Capitão. [...] A cidade, que está situada pelo rio acima, ao longo dele, posto que pequena, todavia é povoada de muitas casas, todas de pedra e cal e já engrandecida de três religiões que nela assistem com seus conventos [...]. No espiritual é esta capitania de Paraíba cabeça das demais da parte do norte de Pernambuco adiante, porquanto se intitula o prelado Administrador de Paraíba.
Alviano: Tendes-me já demonstrado à vossa seita, que por toda a parte, por onde quer que me achar, apregoarei do Brasil e de suas grandezas os louvores que eles merecem. (BRANDÃO, 1618, in MELLO, 1976, p. 43-4).
Nestes fragmentos, são resgatadas características da Cidade da Paraíba: a
localização, as providências de segurança, a paisagem edificada com o material existente na
região. Alerta-se para o fato de que o autor, entre outras atividades, era um mercador e, nesse
diálogo, considerado autobiográfico pelos historiadores que o analisaram, assume-se como
Brandônio, cujo intuito é convencer seu interlocutor – Alviano – das vantagens de investir na
Capitania, sendo seu interesse ver a região prosperar e, sobretudo, povoada a própria cidade.23
23 Nos Diálogos..., um dos interlocutores – Brandônio – é o próprio Ambrósio Fernandes Brandão proprietário
do engenho Inhobi, além de outros, conforme informa a Descrição... de Elias Herckmans. Portanto, um jovem empreendedor e, enquanto autor dessa descrição, compõe os versos, permeados pela convincente argumentação e a persuasão que caracteriza todos os diálogos e a própria personagem, na obra aparentemente ficcional. Não foram encontradas nenhuma observação a respeito do verdadeiro personagem Alviano, nem mesmo se pseudônimo ou apenas uma representação de todos os investidores em potencial com quem “Brandônio” teria mantido colóquios comerciais. Portanto, neste e nos outros diálogos, aborda os assuntos de interesse do receptor: a fertilidade da terra, os povos indígenas, as providências de segurança e proteção contra os franceses – traficantes de madeiras – e as edificações, bem como a presença da Igreja. Este personagem – Alviano – revela-se curioso e indeciso. Assim, a sua fala denota a intenção de obter informações antes de tomar qualquer decisão a respeito. O diálogo finaliza com o interlocutor convencido das potencialidades propagadas por Brandônio, sendo este o propósito em todos os diálogos, embora apenas fragmentos do primeiro diálogo tenham sido aqui reproduzidos.
63
2.2.2 Descrição Geral da Capitania da Paraíba – 1639, por Elias Herckmans
A Descrição Geral da Capitania da Paraíba – 1639, escrita por Elias Herckmans,
é um documento indispensável para a análise da Capitania da Paraíba, no século dezessete,
pela ampla abordagem, contendo observações e experiências vivenciadas pelo autor enquanto
administrador da Capitania da Paraíba no período de 1636 a 1639. Nesta Descrição..., o olhar
do administrador permeia toda a obra, embora tenham sido inseridos neste subtópico apenas
os fragmentos que se referem, ainda que não de forma explícita, à paisagem da área do Porto
do Capim. A Descrição... proporcionou mais que uma mera consulta, tendo sido uma
instigante e enriquecedora leitura. Neste texto, a edição de 1982, foi utilizada como referência
básica para analisar a paisagem do Porto do Capim, agregada à Cidade Frederica, a partir do
olhar e das intenções de Elias Herckmans. Essa edição foi escolhida por ser considerada
adequada aos objetivos da pesquisa, em especial à contextualização da paisagem, pela
atualização ortográfica de Wellington Aguiar, acrescida de notas explicativas de Marcus
Odilon Ribeiro Coutinho.
Para interpretação do fato histórico, nessa Descrição..., a pesquisa se reporta ao
historiador, Irineu Ferreira Pinto (1977), pesquisador da História da Paraíba,que considera
Elias Herckmans um homem de mérito que “[...] escreveu uma interessante monografia que se
acha dividida em três partes: a primeira traz uma ligeira descrição da cidade da Paraíba, seus
arredores, engenhos, rios etc.” (PINTO, 1977, p. 20). Outro historiador que pesquisa a
História da Paraíba, Wellington Aguiar (1982) contesta essa afirmação argumentando: “Não
foi ligeira a descrição da nossa capital, como entendeu Irineu Pinto. É que a cidade estava
apenas começando, pois contava somente pouco mais de meio século, num tempo em que
tudo era muito difícil e demorado” (AGUIAR, 1982, p. 50).
Essa Descrição... constitui um importante documento para reconstituição e
64
contextualização da paisagem, pelo seu rico conteúdo. No fragmento reproduzido a seguir, o
teor da descrição é mesclado pelo critério (funcionalista; utilitarista) do colonizador, quando
informa o modelo de organização administrativa ainda sob o domínio português:
Essa região ou capitania tem o nome de Paraíba, que é uma palavra bárbara, ou melhor, brasílica, significando um mar corrompido, uma água má, outrossim um porto mau para se entrar, e, segundo explicam as pessoas mais versadas nessa língua, que dizer um porto sinuoso, cuja entrada é má; pois Para quer dizer rio ou porto com curva, e iba significa mau donde se segue que esse rio, o maior dessa região, tira o seu nome da boca ou entrada sinuosa que tem, e por sua vez a região tira o seu nome do rio, que se chama Paraíba (HERCKMANS, 1982, p. 9-10).
[...] Esta cidade começou a ser edificada e convertida em povoação por um João Tavares, capitão-mor da capitania da Paraíba, [...] Mais tarde, quando se começou a plantar cana nesta Capitania, a cidade aumentou em casa e igrejas, foi denominada (por se chamar Filipe o rei de Espanha) Filipéia de Nossa Senhora das Neves, conservou este nome até que, por parte de Suas Altas Potências dos Estados Gerais, o Príncipe de Orange, e a privilegiada Companhia das Índias Ocidentais, foi tomada pelos Capitães ao seu serviço no Brasil [...] porquanto então substituiu-se a denominação que tinha pela de Frederica ou Frederikstadt, em virtude do nome de S. A. o Príncipe de Orange, e por deliberação de todos foi aí posto o conselheiro das duas capitanias da Paraíba e Rio Grande (idem, ibidem, p. 13, grifos do autor).
Quando se refere ao fato histórico-político que ocasionou a denominação da
Cidade Frederica, o teor destes fragmentos se identifica com a imagem reproduzida na seção
2.1.1 (FIG. 3, mapa intitulado “Afbeeldinghe Van Paraíba Ende Forten”, de 1634), que
também reconstitui e contextualiza a cidade nas circunstâncias em que passou e ser
denominada Frederick Stadt. Uma atenção especial foi dedicada ao sítio de origem, à
paisagem natural – o rio e o porto –, à paisagem dos canaviais, e á paisagem edificada – as
fortalezas e à fundação da cidade –, remetendo-se à estrutura urbana dos primeiros anos de
existência da cidade. Portanto, uma abordagem abrangente das áreas portuárias, de
inestimável valor para caracterizar a paisagem do Porto do Capim, embora essa denominação
não tenha sido assim literalmente citada. Alguns fragmentos dessa Descrição contêm relatos
de acontecimentos como os fatos pontuados no fragmento a seguir:
65
[...] Defronte do dito rio, um pouco mais para o sul, fica a boca do Varadouro, que faz uma larga baía estendendo-se quase um quarto de légua para o interior até a praia, da qual dista pouco mais ou menos um quarto de hora de viagem à cidade, situada acima sobre um ponto mais alto. Há aí um reduto de pedra, onde se faz guarda o qual já se achava acabado no tempo do rei e servia para a guarda dos armazéns de açúcar. Por ocasião da conquista desse lugar, esses armazéns foram queimados e abrasados pelos Portugueses, a fim de que os Neerlandeses não pudessem utilizar-se dos seus açúcares; mas no ano de 1637 o diretor da mesma capitania, em virtude da ordem de S. Excia. e do Supremo Conselho, fez construir ali um armazém grande e capaz com um bonito molhe ou dique no Varadouro, onde atracassem as embarcações, e se embarcasse ou desembarcasse o açúcar, para cômodo e utilidade dos mercadores (HERCKMANS, 1982, p. 12).
Neste relato, a Descrição... contempla o Rio Paraíba e o ponto junto à foz em que
passa a receber as águas de seu tributário o Rio Sanhauá, referindo-se aos elementos da
paisagem que se busca resgatar no Varadouro. O curso do rio, sinuoso, com várias baías, foi
muito bem descrito, tanto quanto o representa o mapa na FIGURA 4, no qual são
identificados vários elementos da paisagem: as fortificações (redutos) que guarneciam os
armazéns de açúcar, uma necessidade, considerando o valor desse produto muito cobiçado
pelos contrabandistas franceses que navegavam nesses rios. O fragmento leva à reconstituição
histórica da ocupação dessa área pelos holandeses e ao episódio da destruição dos armazéns
que foram incendiados intencionalmente, sendo posteriormente reconstruídos, pelos próprios
holandeses. O fragmento seguinte descreve, a área do Porto do Capim e, com mais precisão, o
curso do rio, possibilitando resgatar, também, em seu entorno, a marcante paisagem dos
engenhos de açúcar, sendo este o fragmento que mais diretamente se refere à área do porto do
Capim e sua localização em relação à cidade:
[...] Eis aí o que me parece conveniente mencionar a respeito desta cidade. Ela está circundada pelo bosque, e não pode ser vista de quem se aproxima, senão quando se está nela, exceto se sobe ou desce o rio [...] Cumpre acrescentar que este rio corre, desde a foz até o primeiro engenho, fazendo tantas curvas e voltas que, para chegar a um sítio que se ache em distância de uma légua, se há de subir ou descer duas vezes pelo mesmo rio (HERCKMANS, op. cit., p. 16-8).
Desses fragmentos, é possível reconstituir a paisagem colonial, no contexto da
66
economia açucareira, uma abordagem presente nos demais documentos do período colonial. A
“produção açucareira” é representada com a informação sobre os dezoito engenhos, a posição
geográfica, e as transações comerciais, envolvendo a comercialização do produto, a
construção de armazéns e ainda o confisco de alguns engenhos realizados pela Companhia das
Índias Ocidentais. Enfim, um inventário minucioso, contendo a relação dos novos
proprietários dos engenhos existentes ao longo do curso dos rios que compõem a bacia do rio
Parahyba do Norte, também um “mapa” dos recursos hídricos da Capitania, que inclui, ainda,
as fontes d’água que abasteciam a cidade. Nestes documentos, são bem contempladas as
diversas características da paisagem do Porto do Capim, a paisagem dos ancoradouros, dos
engenhos e das fortificações.
A Descrição de Elias Herckman abrange observações de vários ângulos, o que se
credita ao olhar perspicaz desse administrador que deveria relatar o maior número de
informações. Por vezes a descrição assume uma conotação funcionalista que transparece nos
fragmentos em que o autor descreve a organização das instituições religiosas e jurídicas. Há
fragmentos em que a Descrição... deixa transparecer a espontaneidade do autor, que revela
deslumbramento, uma abordagem estética ao descrever a paisagem natural. Todavia, a
abordagem referente aos povos indígenas – o biótipo, a compleição física e, sobretudo os
costumes considerados bestiais –, configura-se um enfoque tendencioso, em par com os
valores predominantes na Europa colonialista. Na leitura dessa obra, podem ser constatados
também olhares contemplativos, resultando um estilo em vários matizes, enfim um belo texto,
ainda que sem a conotação poética que permeia outras descrições.
67
2.2.3 O olhar dos viajantes e as descrições da paisagem
A elaboração deste subtópico reporta-se aos relatórios de dois viajantes que,
embora retratem a paisagem da cidade sob perspectivas diferentes, se prestam à sua
reconstituição/contextualização, neste final da abordagem de sua primeira fase. A descrição
do viajante inglês Henri Koster foi produzida, no período de 1809 a 1815, quando esse
viajante percorreu esta região, adentrando-se também pelos sertões, enquanto o relatório da
visita de observação de Joaquim Inácio (1924), foi produzido durante os quatorze dias em que
permaneceu na então capital do Estado da Parahyba. Portanto, são documentos que revelam
objetivos bem diferentes: Henri Koster veio para o Brasil, à procura dos ares tropicais,
benfazejos à sua saúde, enquanto Joaquim Inácio, como ele mesmo relata, trazia consigo “[...]
objectivos bem nítidos: a observação da visinha capital ao sul e do maravilhoso tracto da terra
que é o brejo parahybano” (INÁCIO, 1987, p.3). Através dessas descrições procurou-se
resgatar a paisagem, a partir do primeiro quartel do século XIX e, como um recurso
metodológico, estabelecer uma transição para a análise das transformações ocorridas na
paisagem com as intervenções públicas implementadas no período moderno, tema do segundo
segmento.
No início do século XIX, viajantes e historiadores locais, ao relatarem suas
observações sobre a Cidade da Paraíba, reproduziram a paisagem e os costumes da sociedade.
Nessas descrições constam, em comum, a dimensão espacial da cidade, localizada entre o rio
e a colina, com destaque para os templos religiosos em meio a edifícios públicos, residências
e a permanência dos costumes rurais no meio urbano que se formava.
Para analisar a narrativa de Henri Koster, a pesquisa se remete ao folclorista Luiz
da Câmara Cascudo que traduziu essa descrição, intitulada Viagens ao Brasil, editada em
Londres, com dois mapas e oito cromolitografias, no ano de 1816. Luiz da Câmara Cascudo
68
(1942) considera-a “A melhor das narrativas sobre a primeira década do século XIX, no Brasil
[...]”.24 Henry Koster foi considerado por Cascudo (ibidem) o viajante que melhor soube
expressar os sentimentos “da nossa gente”, dentre os demais viajantes que percorreram o
norte e o nordeste da costa brasileira. Henri Koster logo se adaptou à vida nos trópicos,
chegando a ser possuidor de engenho em Itamaracá, onde era conhecido como Henrique da
Costa. O perfeito domínio da língua portuguesa facilitou a integração do viajante, que se
adentrou pelos sertões. Portanto, suas narrativas, fundamentadas a partir de observações
diretas e de informações colhidas em testemunhos orais, contêm muita precisão e riqueza de
detalhes acerca da paisagem, usos e costumes do início do século XIX no Nordeste brasileiro.
Assim fundamentada, a descrição escrita por Henry Koster, em 1816, resgata a paisagem da
área do Porto do Capim:
A paisagem vista das janelas é uma linda visão peculiar ao Brasil. Vários e verdes bosques, bordados por uma fila de colinas, irrigados pelos vários canais que dividem o rio, com suas casinhas brancas, semeadas nas margens, outras nas eminências, meio ocultas pelas árvores soberbas. As manchas dos terrenos cultivados são apenas perceptíveis. A parte baixa da cidade é composta de pequenas casas, e situada ao lado de uma espaçosa baía ou lago, formada pela junção de três rios, fazendo a descarga de suas águas no mar por um longo canal. Às margens dessa baía, como as de todos os rios salgados da região, são encobertas de mangues, tão úmidos e compactos que parece não haver saída (KOSTER, 1942, p. 86).
Nestes fragmentos, a descrição remete à paisagem urbana que se formava, e à
singeleza da paisagem campestre “vista das janelas”: seus rios, bosques e verdes mangues,
elementos da paisagem natural. Nada escapava à visão do observador, nem mesmo “os
campos cultivados, meio ocultos pelas folhagens”. Henri Koster se revelou um observador
24 A sua edição autônoma, porém, saiu no ano de 1942, quando por Luís da Câmara Cascudo, a publicou sob o
título Viagens ao Nordeste do Brasil. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1942. 596 p., fazendo parte da Coleção Brasiliana, sob o n.º 221. Em 1978, com nova feição gráfica e com as lâminas coloridas da primeira edição inglesa (1816), uma segunda edição de Viagens ao Nordeste do Brasil vem a ser publicada no Recife, obedecendo à tradução de Luís da Câmara Cascudo, trazendo as notas e prefácio da edição de 1942, devidamente revistos pelo seu autor. (Fundação Joaquim Nabuco. Disponível em: <www.fundaj.br/motitia/servlet/newslet/newsstorm.ns.presentation.navigation_servlet?=publicationscode=168pagcode=3088text=8578data=correntdate>. Acesso em: 20 ago. 2006.
69
perspicaz, quando se refere às residências de alto padrão construídas pelos proprietários
rurais, o seu olhar se volta para a condição econômica condicionada ao apogeu da produção
rural: “As casas que podem ser consideradas excelentes comparando-as na região, foram
erguidas pelos ricos proprietários dos arredores, para residência durante o rigor do inverno, ou
estação das chuvas (KOSTER, 1942, p. 87).
Algumas pesquisas recentes ressaltam essa mesma característica na paisagem das
cidades coloniais brasileiras, relacionada à produção rural. Doralice Sátyro Maia (2000)
explica que no Brasil colonial, mesmo morando na sede de suas fazendas, os fazendeiros ricos
vinham para os centros urbanos assistir às festas e solenidades que eram realizadas na cidade.
Evidenciava-se assim um distanciamento entre a opulência dos engenhos e a simplicidade da
cidade da Paraíba, esta, cada vez mais dependente, economicamente, das atividades agrícolas
que, vinculada à Capitania de Pernambuco, não galgava melhor desempenho. Todavia, a
atividade comercial não era tão promissora, conforme constatou o viajante que assim
descreveu:
O comércio da Paraíba é pouco considerável não obstante o rio permitir que navios de 150 toneladas transponham a barra. Desde que eles se encontrem na baía, diante da cidade baixa, qualquer corda os mantêm e podem estar ao abrigo dos perigos. Existe a regular alfândega, raramente aberta. Paraíba está fora da estrada que vem do Sertão a Recife, quer dizer, está arredada do caminho para as cidades situadas no litoral, para o norte. Os habitantes do Sertão, do interior, vão mais ao Recife por este apresentar pronto mercado aos seus produtos. O porto do recife recebe navios maiores, oferecendo facilidades para embarque e desembarque de mercadorias, conseqüen-temente, têm a preferência (KOSTER, 1942, p. 86-7).
Nestes fragmentos, o viajante remete ao contexto econômico da Capitania da
Paraíba, ao longo do século XVIII, quando começaram a surgir fazendas de gado no interior.
Nessas circunstâncias, ocorria a decadência da produção açucareira, a ruína de alguns
engenhos e o empobrecimento da capitania (MARIZ, 1978).
A Notícia de uma viagem à Paraíba, em 1924, por Joaquim Inácio é uma breve
70
descrição, assim considerada em relação ao tempo de permanência do autor – menos de uma
quinzena em terras paraibanas –, em relação às descrições anteriores que descrevem uma
longa trajetória, uma sucessão de acontecimentos. Desta edição de 1987, foi selecionado
apenas o texto que descreve a cidade já bastante povoada e edificada. Contudo, trata-se de
uma descrição bastante rica, contendo informações detalhadas sobre os serviços de
saneamento básico e esgotamento sanitário, em implantação na capital paraibana. A visita de
Joaquim Inácio à capital paraibana tinha como objetivo observá-las, pois, como ele mesmo
declara,
Contava recolher ensinamentos proveitosos nesta minha viagem; mas, por melhor que fosse a minha espectativa ao encetar este passeio, confesso, com immenso prazer, que ela foi, quase sempre, excedida diante da grandeza da obra que se está realizando por ali, das magnificências da natureza nas extensões percorridas e da hospitalidade muito cheia de coração, que me foi prodigalizada por toda parte (INÁCIO, 1987, p. 3). 25
Deste texto, foram reproduzidos alguns fragmentos, em que o autor introduz a sua
descrição, intitulada Notícia de uma viagem à Paraíba, em 1924, por Joaquim Inácio. Desta
descrição, apenas o primeiro sub-tópico intitulado A minha Impressão (14 dias na Parahyba),
foi analisado, pois se refere à capital, contendo relatos da paisagem da Cidade Baixa,
possibilitando assim o resgate da paisagem do Porto do capim, naquela ocasião. O enfoque de
Joaquim Inácio é descritivo e utilitarista, tendo em vista os próprios objetivos de sua visita.
Portanto, a descrição contempla bem a estética e os aspectos figurativos, em expressões bem
elaboradas, embora o texto contenha informações técnicas e pragmáticas cuja leitura
possibilita o resgate das transformações ocorridas na paisagem com as intervenções então
implementadas. O relato tem início no momento em que o visitante desembarca na Estação, já
registrando o cotidiano da paisagem da área do Porto do Capim, naquele ano:
25 Joaquim Inácio veio do Rio Grande do Norte, Estado que limita a Paraíba ao norte, especialmente para colher
informações sobre as obras de saneamento básico e esgotamento sanitário que então se implantava na Paraíba no ano de 1924.
71
No dia 10 de setembro, em um comboio da Great Western, cheguei à capital Parahybana. Eram, talvez, onze horas quando o trem parou na Estação, que fica localizada à margem do Sanhauá, na parte baixa da cidade. Aquella hora de um dia intensamente luminoso, não era muito crescido o movimento da gare, [...] A poucos passos está o ancoradouro que é na bacia do Sanhauá, ao pé da cidade. Duas grandes dragas descansavam, por ali, placidamente, do intenso trabalho que vinham de realizar aprofundando a vasa lamacenta do rio. [...] A caminho do Hotel Globo, um vasto edifício na parte baixa da Cidade, olhando para o rio, com vastas acomodações, caminhei ao lado de um grande depósito de manilhas de barro vidrado a serem utilizadas ainda nos esgotos sanitários da cidade (INÁCIO, 1987, p. 3-4).
Nestes fragmentos, a descrição contempla bem à cidade baixa, onde se
concentrava a atividade comercial, reconstituindo a paisagem urbana na área onde se instala o
Porto do Capim, no início do século XX. Joaquim Inácio relata o momento em que
desembarcou na estação da via férrea, referindo-se aos equipamentos da área do Porto do
Capim, “[...] O prédio da Estação da E. de Ferro dá a impressão de que é, desde muito, ali,
encarado como uma cousa provisória, que se tem de modificar com uma nova construcção,
perfeitamente condigna e capaz de satisfazer amplamente às exigências daquelle empório
comercial” (INÁCIO, 1987, p. 3-4).26
O relato de Joaquim Inácio, durante os quatorze dias em que permaneceu na
capital paraibana, possibilita resgatar o deslocamento progressivo dos estabelecimentos
comerciais pelas ruas Maciel Pinheiro e Barão do Triunfo, tradicionais vias comerciais e rotas
de expansão da cidade. Todavia, sua descrição contempla, sobretudo, o momento em que são
iniciadas as intervenções mais importantes do ponto de vista da salubridade urbana – as obras
de saneamento e esgotamento sanitário. Essas obras foram implementadas no governo do
então prefeito Guedes Pereira, cujo projeto foi confiado aos Escritórios de Engenharia
26 A Estação da Estrada de Ferro era um elemento dinâmico da paisagem cotidiana do Porto do Capim. Vale
ressaltar que, na passagem do Império à República o transporte ferroviário significou muito para a economia paraibana, chegando a interligar os Estados do Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Ceará, com a expansão das vias férreas para algumas cidades do Interior, inclusive o sertão. O Complexo da Estação Ferroviária Great Western, após uma trajetória de várias fusões, atualmente pertence à Companhia Brasileira de Trens Urbanos – CBTU – permanecendo com uma opção de transporte para os moradores entre os municípios de Cabedelo, João Pessoa, Bayeux e Santa Rita, com demanda expressiva, sobretudo nos dias úteis. O prédio e a área externa da Estação foram revitalizados, e atualmente desenvolvem também uma função turística.
72
Saturnino de Brito. Apesar do caráter pragmático de sua visita, Joaquim Inácio não se deteve
em descrever a visão panorâmica que, em 1924, apreendeu desta parte de cidade e seus
arredores, numa linguagem figurativa e poética, como denota o fragmento do texto a seguir:
[...] Para as bandas do poente, o Sanhauá e o Parahyba. [...] De uma e de outra margem do rio plácido, cujas águas tinham áquella hora, scintilações de prata brunida ao sol, o alagadiço verdejante dos mangues. Inflectindo a vista um pouco a noroeste descobre-se, às margens do Parahyba, o verde claro dos canaviaes e pontilhando as amplas várzeas o casario branco demarcando os pousos felizes dos senhores de engenho. Embriaga-se o olhar, e me parece que ainda tenho a vista saturada de verde: o verde esmaecido dos canaviaes, dos relvados distantes, trepando sobre aquelles elevações do solo ao poente, o verde escuro da mattaria mais alta. E ao longe, muito para o interior, a linha azul da cumiada das serras distantes. [...] e considerei, enfim, que o deslumbramento daquella natureza circulante explicava os fulgores da inteligência e as prodigalidades do affecto daquella gente (INÁCIO, 1987, p.22-23).
Nesse fragmento, a área do Varadouro e a paisagem do Porto do Capim são vistas
a partir de algum ponto na cidade alta, provavelmente do alto da Ladeira de São Francisco, ou
mesmo da Ladeira da Borborema, do Largo da Igreja Matriz, ou ainda da lateral da Igreja de
São Bento. Portanto, da mesma forma como já o fizera Henri Koster, em quaisquer desses
elevados pode-se descortinar uma paisagem tão bela que assim descrita parece ter tomado de
empréstimo o lirismo das telas de Frans Post.
O relato de outro momento da excursão de Joaquim Inácio documenta a condição
de decadência a que levou o abandono dessa área do Varadouro. Trata-se de um outro
momento da cidade que será analisado na seção 3, quando novamente a dissertação se reporta
à experiência vivenciada por Joaquim Inácio.
33 AA PPaaiissaaggeemm ddoo PPoorrttoo ddoo CCaappiimm ee aass IInntteerrvveennççõõeess UUrrbbaannaass
74
3 A PAISAGEM DO PORTO DO CAPIM E AS INTERVENÇÕES URBANAS
Neste segmento, o enfoque se remete ao centro da Cidade da Parahyba, no
intervalo de 1850 a 1950, para reconstituir a paisagem do Porto do Capim, em meio ao
processo de urbanização-modernização que se implementava na capital paraibana. Nesse
período, sobretudo nas três primeiras décadas do século XX, o élan da Modernidade ofuscava
a racionalidade sobre o verdadeiro significado de crescimento e progresso.27
De acordo com Marshall Berman (1986), na sociedade moderna, essa expectativa
se caracterizava pelo clamor desenvolvimentista – a busca pelo novo em detrimento do antigo
–, uma concepção de desenvolvimento que ocorre de forma dialética, inviabilizando a
convivência do novo com o antigo, porquanto o antigo traria em si o “germe” de sua própria
destruição. A destruição do antigo para que o novo possa florescer sintetiza a voragem da
Modernidade bem como a qualidade, socialmente construída, da atividade humana que visa o
grande êxito, o prestígio e a competitividade.
Nas cidades brasileiras, com raras exceções, a exemplo da capital paulista, o
processo de urbanização/modernização não ocorreu atrelado ao processo de industrialização.
As capitais e as principais cidades permaneceram distantes do real sentido de Modernidade e
do gradativo processo desenvolvimentista capaz de transformar a vida social, conferindo-lhe
maior significação e alcance no contexto da experiência humana. A expectativa de
modernidade chegou às cidades brasileiras, tendo sido apreendida pelas elites que desejavam
viver numa capital moderna. Vale ressaltar que o momento histórico era oportuno para que
assim ocorresse. Com a transferência da família real portuguesa para o Brasil, em 1808, usos,
costumes e hábitos sociais foram assimilados pelas elites brasileiras que freqüentavam a corte
27 Há uma diferença entre a expressão crescimento econômico e o termo desenvolvimento. Crescimento
econômico corresponde ao aumento da produção de mercadorias e serviços de um país ou região, comumente medido pelo aumento da renda per cápita e pelo conjunto das mudanças ocorridas no curso do tempo. Desenvolvimento designa alteração em sentido favorável; avanço, melhoria. In: Dicionários Aurélio (2000).
75
imperial. A França tornara-se a principal matriz das concepções artísticas, literárias e
científicas que divulgavam os trabalhos dos mais renomados artistas e intelectuais brasileiros.
Paris correspondia ao grande emblema de civilização em que se espelhava a elite carioca.28
Nas primeiras décadas do século XX, o modelo de modernização implantado na capital
francesa, de acordo com o projeto introduzido pelo Barão de Haussmann, irradiava-se,
também, pelas grandes cidades e capitais, na Europa e nos demais continentes. No Brasil,
copiava-se não somente o modelo de reformas urbanas, mas tudo o que o paradigma moderno
pudesse sugerir à sociedade seduzida pelo glamour parisiense. Portanto, sob aceleradas
reformas urbanas, o Rio de Janeiro se transformava, também, em cenário da vida moderna
enquanto a sociedade carioca se espelhava na belle époque parisiense. Nas capitais e
principais cidades dos Estados do Brasil, atitudes e posturas semelhantes eram assumidas
pelas elites, portanto, também na Capital Paraibana. Todavia, a realidade na Capital da
Província da Parahyba, sem equipamentos de infra-estrutura básica, se distanciava deste ideal.
Até a década de 1830, não havia ruas pavimentadas, sendo alagadas, no período chuvoso.
Tendo em vista atenuar dificuldades como essas, foram providenciadas as primeiras reformas
na Capital da Província da Parahyba, restritas a pequenos serviços de infra-estrutura urbana.
Em plena passagem do século XIX, a cidade ainda carecia de reformas de infra-estrutura mais
amplas, indispensáveis a uma capital moderna. A pesquisa documental realizada por Rita de
Cássia Gregório de Andrade, em 2004, no Arquivo Histórico do Estado da Paraíba, constata a
crescente preocupação com a melhoria da cidade a partir do século XIX. Priorizava-se à
Cidade Alta, tendo em vista estarem os órgãos públicos sediados nessa parte da cidade, onde
28 Alguns eventos históricos ocorridos nesse intervalo espaço-temporal repercutiram no modelo de urbanização
da cidade. No que se refere à questão fundiária, a indefinição do Estado a respeito da reformulação da terra no Brasil, que resultou na promulgação da lei 601, em 1850. De acordo com Arlete Moysés Rodrigues (2001, p. 17): “A terra é um equivalente de mercadoria [...] um equivalente de capital porque se valoriza sem ‘trabalho’, sem uso. [...] Pauta-se nas regras de valorização do jogo capitalista que se fundamenta na propriedade privada.”. Portanto, a partir da lei 601, a terra se transforma, também, em mercadoria a que se atribui um valor de troca. ”[...] Mas, é uma falsa mercadoria e um falso capital. É um valor que se valoriza pela monopolização do acesso a um bem necessário à sobrevivência e tornado escasso e caro pela propriedade” (RODRIGUES, ibidem.).
76
eram desempenhadas as funções administrativas. Os documentos consultados pela autora
ressaltam que a Cidade Baixa, no século XIX, é quase sempre referida pelo seu cotidiano, as
pescarias, a vida portuária, a precariedade do cais e da ponte do rio Sanhauá.29 Ainda assim,
com as obras de urbanização/mdernização, as principais ruas da Cidade Baixa foram sendo
reformadas. Uma obra importante, do ponto de vista dos melhoramentos urbanos, foi a planta
da cidade, autorizada “pelos legisladores paraibanos e o §6.° do artigo 5.° da lei. n.º 22 de 15
de outubro de 1857” (In: RODRIGUEZ, 1961, p. 24). Essa planta foi elaborada na gestão do
presidente Henrique de Beau Repaire Rohan. Apesar do breve período em que esteve à frente
da administração da Capital da Província da Parahyba, de 1858 a 1859, esse presidente, além
de fazer cumprir o que a lei 22/57 determinava, incrementou obras de reconhecida
importância para o desenvolvimento da atividade portuária, com repercussão também no
comércio local. A construção da Estrada do Aterro, paralela ao Rio Sanhauá, foi uma
iniciativa para facilitar o trânsito de tropas e cavalhadas que, chegando do interior,
atravessavam a Ponte do Sanhauá e subiam as ladeiras até as ruas da Cidade Alta. Algumas
obras foram implementadas na área do Porto do Capim, com grande melhoria para o
desenvolvimento das atividades portuárias: a implantação do Cais da Capital, no Porto do
Capim e a pavimentação com paralelepípedos de granito da antiga Estrada do Aterro então
transformada em Avenida Sanhauá, ligando a Ponte do Sanhauá à Praça da Gameleira. Esses
empreendimentos agilizariam o transporte dos produtos vindos do interior destinados aos
estabelecimentos comerciais, nessa parte da cidade. (FOTO 1)
29 Desde sua origem, o sítio de fundação da cidade se caracterizava por duas unidades morfológicas bem
distintas: os baixos planaltos costeiros – onde se localiza a Cidade Alta – e a planície estuarina banhada pelo rio sanhauá, afluente do rio Paraíba, à margem direita, onde se localiza a Cidade Baixa da qual faz parte a paisagem do Porto do Capim. No ano de 1889, a cidade já era oficialmente assim dividida.
77
FOTO 1: Praça Maciel Pinheiro em 1910 (atual Praça 15 de Novembro), vendo-se o cais do Porto do Capim e um velho navio ancorado. Acervo Gilberto Stuckert.
Na FOTO 1, a imagem registra a Praça Maciel Pinheiro (atualmente Praça XV de
Novembro), em 1910, vendo-se, à direita, os trilhos da via férrea e, à esquerda, um trecho do
cais da cidade, os armazéns portuários e a presença de uma embarcação ancorada, cuja
bandeira se sobressai à folhagem das árvores. Trata-se de um navio a vapor com capacidade
para 10.000t, carregado de algodão de fibra longa, conforme identifica Walfredo Rodriguez
(1961, p. 49): “Outrora ali ancoravam grandes veleiros, quando da intensa navegação daquele
tipo de navio”. O escritor Walfredo Rodriguez (ibidem) atesta a importância desse porto para
o comércio local, informando também o desembarque, no final do século XIX, de um
suprimento de produtos para as comemorações natalinas e festas de fim de ano:
[...] Em um dia de novembro de 1899, ao cair da tarde, lançara âncoras o veleiro mercante de S. M. Britância “Magie”. Conduzia para a praça de nossa cidade, 490 toneladas de artigos de variadas espécies. Entre outras, as passas espanholas de “Alcausa Hijos”, tradicionais exportadores daquele país, figos secos, especialidades de “Gross Hermanos”, sucessores de “Pablo Delor” de Málaga, juntamente, vinham as saborosas pêras e maçãs, assim também os vinhos de várias procedências do velho reino português. Esse sortimento chegara a tempo, pois que se aproximavam as festas de Natal e
78
Ano novo [...] (RODRIGUEZ, ibidem, p. 160).30
No final desse século, a Capital da Parahyba preservava as “feições” da cidade
colonial enquanto perduravam os costumes do tempo do império. Esse aspecto da cidade é
bem retratado pelos romancistas e viajantes que visitaram ou permaneceram na Parahyba.
Assim, a pesquisa buscou as narrativas dos viajantes que resgatam as modestas instalações do
Cais do Varadouro e do empório comercial que lhe dava suporte. A obra de Walfredo
Rodriguez (1961) é citada, mais freqüentemente, por evocar a singela paisagem da Capital da
Província da Paraíba, resgatando uma época de seu próprio convívio, a que faz jus como bem
afirma Waldemar Duarte (1984, p. 23):
Walfredo Rodriguez, que viveu de 1894 a nossos dias, participou da vida colonial e acompanhou todo o desenvolvimento de nossa capital, sendo um dos seus impulsionadores, [...] Alem de participar da vida cultural, Walfredo Rodriguez conviveu com todos os nossos intelectuais que faziam poesia, ficção e história. [...] Teve a felicidade de viver no período mais áureo de nossa cultura, [...] Essa convivência conferiu-lhe autoridade de evocar, com precisão, todos os grandes acontecimentos culturais, políticos e administrativos da Parahyba, cuja autoridade se revela nesse excelente livro de evocações históricas, que é Roteiro Sentimental de uma Cidade [...]
À maneira saudosista que caracteriza o seu estilo literário, Walfredo Rodriguez
(Idem) produziu uma reconstituição da capital da província no final do século XIX, a qual
recorre essa dissertação, tomando-lhe de empréstimo os fragmentos a seguir, assim como as
demais citações de sua obra:
[...] Assim, transpomos os últimos dias do século XIX, durante o qual a nossa urbe ainda apresentava as características das velhas cidades do império colonial português. Passados os primeiros anos deste século, nada mudou, ou foi mudado, no setor das habitações; perduravam os velhos hábitos. Pouca coisa tentou-se pela iniciativa particular, em matéria de construções. Alguns remontes e adaptações que descaracterizaram os antigos prédios públicos e nada mais foi digno de registro [...] (RODRIGUEZ, 1961, p. 33).
30 Registra-se este fragmento para demonstrar a atividade portuária, as relações com os comerciantes locais e,
ainda, a integração à cidade como um todo.
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Para resgatar edifícios, ruas e demais logradouros desse período, a pesquisa
acompanhou” o autor no Passeio Retrospectivo 31:
[...] Venha môço, vamos fazer um passeio. Deixe que ajudado pela memória, lhe mostre algo do passado de nossa cidade. [...] É a antiga capital da Província da Paraíba do Norte, sua vida, seus homens, [...] Vamos começar a nossa peregrinação pelo bairro baixo, isto é, pelo Varadouro. [...] Por esse tempo, era comum a moradia em casas de palhas distribuídas ao sabor das conveniências, pelas ladeiras e ruas, dando aos que olhavam de perto, uma visão pitoresca e ampliada de um presépio, em noite de Natal (idem, ibidem, p. 47-50).
O subtópico a seguir, versa sobre a paisagem na área do Porto do Capim,
integrada à Cidade Baixa, quando o processo de urbanização/modernização da área central se
resume na implementação de alguns serviços de infra-estrutura e equipamentos urbanos. Na
Capital da Província da Parahyba, prestes a se tornar capital de Estado federativo, foram
implementadas algumas reformas que deveriam transformá-la numa capital moderna como
desejavam as elites paraibanas.
3.1 A paisagem do Porto do Capim no contexto da Modernidade
Para interpretar o processo de urbanização/modernização na Cidade da
Parahyba, no qual o novo e o antigo se confrontam, e também se mesclam, essa pesquisa se
reporta a Jacques Le Goff (1996) que considera a modernização como a incorporação de
outros valores em substituição aos anteriormente existentes, mas sem necessariamente romper
com a herança do passado. Na cidade da Parahyba, guardadas as características de sua
evolução, a nova paisagem remete-se à modernização em que, mesmo se confrontando, o
antigo e o novo não chegam a se romper totalmente. Portanto, nem sempre a paisagem é
totalmente nova, pois, conforme constata Waldecy Ferreira Chagas (2004, p 13), “[...] 31 Assim o escritor Walfredo Rodriguez (1894-1974) intitulou o Capítulo IV de sua obra Roteiro Sentimental de
uma Cidade, editada em 1962. Nessa obra, o escritor evoca a paisagem da Cidade Baixa, no contexto das transformações que “anunciavam” o período moderno.
80
modernizar pode não significar romper totalmente com o velho e o antigo, mas construir um
cenário urbano que seja um misto de novo e velho, do progresso e seu reverso” (CHAGAS,
2004, p.13). Portanto, até o ano de 1910, os espaços públicos da cidade ainda não eram
urbanizados, sendo comum a presença de carroças movidas a tração animal. (FOTO 2)
FOTO 2: Antigo Largo da Gameleira. 1915. (atual. Praça Álvaro Machado). Acervo Gilberto Stuckert.
A FOTO 2 registra um dos espaços adjacentes ao Porto do Capim: o antigo Largo
da Gameleira, atualmente urbanizado e denominado Praça Álvaro Machado. Nesse largo, na
antiga Rua das Olarias, se concentravam as primeiras fábricas de tijolos e telhas utilizadas nas
construções da cidade. A foto representa essa praça ainda sem iluminação ou qualquer outro
equipamento. Existiam apenas os armazéns onde eram depositados os produtos da terra,
conforme resgata Walfredo Rodriguez (ibidem, p. 51): “[...] em época remota existiu a
balança do pêso dos produtos da terra (açúcares). Local conhecido dos coevos, pelo nome de
Passo.” A Gameleira e outras árvores de grande porte são citadas por alguns cronistas que as
81
resgatam nos sítios, largos e ao longo de algumas ruas da cidade. Juarez Batista (1951) refere-
se a elas: “[...] As velhas árvores de boa sombra [...] As árvores de troncos mais fortes, com o
prestígio do sobrado, correram para as esquinas, para as encruzilhadas, para o centro das
praças. Quase não havia cidade do Nordeste que não tivesse sua Rua da Gameleira”
(BATISTA, ibidem, p. 12-3). Conforme explica esse historiador, com exceção de poucos
sobrados, na Parahyba predominaram os sobrados de rua, altos e magros, que foram
construídos semelhantes aos do Recife. Mesmo não havendo carência de espaço urbano e de
material de construção, como ocorre na Cidade do Recife, na Cidade da Parahyba, o estilo
sobradinho predominou, conforme sua descrição: “O tipo de sobrado predominante nas zonas
residenciais na Parahyba foi o de um andar, [...] O sobrado de dois andares foi construído
quase exclusivamente da área comercial do Porto do Capim e das Convertidas (BATISTA,
1951, p. 20).32 Em 1894, nesse largo, predominavam os espaços e estabelecimentos
relacionados com a produção rural:
[...] Vamos olhar a Praça Álvaro Machado que, até agosto de 1895, se chamou “Largo da Gameleira”. A melhor “casa de pasto” desta, é a de Joaquim R. Ferreira de Melo. [...] José Holmes também possui carroças para o mesmo fim. Joaquim Xavier de Oliveira, no pequeno prédio n.º 43, tem a sua “casa de pasto”. [...] As tavernas da zona pertencem a: Antonio T. Ribeiro, Afonso Camilo da Cunha, José Antônio Soares e Antonio Tranquilino Rodrigues. [...] é uma rua pobre, com raras edificações, na maioria são pequenas casas construídas nos terrenos excedentes dos quintais das casas da Rua Maciel Pinheiro (RODRIGUEZ, 1961, p. 55-6).
Ainda no final do século XIX, quando as primeiras reformas eram implementadas
na área portuária, havia casas de pastos, cocheiras e tavernas, assim como pequenas chácaras
e granjas.33 Esses espaços são analisados na pesquisa recente de Doralice Sátyro Maia (2000,
p. 7): 32 A transformação dos engenhos em usinas assinala as mudanças sócio-econômicas ocorridas a partir do final do
século XIX e no princípio do século XX. Na paisagem do Vale do Paraíba, onde se concentravam os engenhos, instalaram-se as usinas e, com elas, a casa-grande e a senzala também se transformaram, ao mesmo tempo em que as residências urbanas, moradias temporárias dos senhores de engenho, passavam a ser propriedades e residências permanentes dos usineiros (MAIA, 2000).
33 O pátio da Alfândega e a Praça XV de Novembro fazem parte da paisagem do Porto do Capim.O Largo da Gameleira, Largo de São Frei Pedro Gonsalves são considerados entorno dessa paisagem.
82
[...] as cidades brasileiras, até as primeiras décadas do século XX, cresciam de modo geral permeadas por extensas áreas que separavam os bairros de expansão e serviam de pasto para animais. Nessas áreas existiam estabelecimentos pecuários cuja criação-produção abastecia diretamente os habitantes da cidade.
Com as primeiras providências de urbanização os espaços das ruas da cidade
foram valorizados. Contudo, permanecia a presença de animais e carroças, não obstante a
vigilância e as iniciativas no sentido de afastá-los dos espaços públicos. Na insalubridade das
ruas, também a violência amedrontava o convívio social, quando começavam a ser
valorizadas as diversões “fora de casa” – o passeio público, o cinema, o clube e as festas. Na
passagem do século XIX, ruas tortuosas caracterizam a paisagem da Cidade Baixa. Doralice
Sátyro Maia (2000), se refere a esse traçado irregular na cidade tradicional que guardava
fortes expressões rurais, até se tornar uma cidade modernizada: “[...] Na parte da cidade tida
como tradicional, é nítido o traçado irregular da parte mais antiga da cidade. Esse desenho foi
característico das vilas e cidades do Brasil colonial [...]” (MAIA, ibidem, p. 23).34 Também
Murillo Marx (1991) analisa o aspecto das vilas e cidades, do ponto de vista do traçado viário
e sua articulação com a localização das edificações religiosas ou de outros conjuntos e largos
semelhantes. Esse autor se refere à ausência de um planejamento que não fosse assim
articulado, afirmando que “[...] um traçado incipiente de ruas e becos, não somente
acompanhava os divisores de água da topografia como oferecia uma estreita frente ou testada
a terrenos que também buscavam uma posição mais favorável para o escoamento das águas
para frente ou para trás” (MARX, 1991, p. 89). Maia (idem) entende que esse “traçado
irregular e incipiente”, reflete a maneira como se dava a ocupação do território, o uso e o
34 Essa autora denomina Cidade Histórica ou Tradicional à parte da cidade que até os anos 1940 representa a
única centralidade da cidade que se estende entre a planície do rio Sanhauá, com seus amplos mangues, a noroeste seguindo pelo vale do rio Jaguaribe, a sudeste, além da reserva da Mata do Buraquinho, também contornada por este vale. Essa configuração espacial permaneceu com poucas modificações, até a década de 1960, quando foram introduzidas as políticas urbanas de âmbito nacional. Algumas reformas são implantadas com base nessas políticas, levando a cidade a se expandir, ultrapassando os vales dos rios, expandindo-se em direção ao mar. Na cidade tradicional se iniciou um processo de deterioração. A construção da Cidade Modernizada veio a ocorrer a partir do final da década de 1960. A partir desse ano, tem início a construção da cidade dos conjuntos habitacionais que se integram ao conjunto da cidade modernizada (MAIA. 2000).
83
domínio das terras, bem como os fatores condicionantes do sítio urbano. Por outro lado,
Nestor Goulart dos Reis Filho (2000), constata planejamento urbano já no período colonial,
inclusive nos próprios Quilombos, alguns com criteriosa planificação em quadricula. Segundo
o autor, a existência de padrões geométricos regulares aparece, por exemplo, no traçado de
um quilombo no Rio Vermelho, atual bairro de Salvador, e no de São Luiz do Maranhão, em
1640. Niterói, João Pessoa, Taubaté, Itu e cidades da Amazônia são outros casos citados pelo
pesquisador, que relaciona o planejamento urbano com a necessidade da Coroa Portuguesa de
estabelecer uma identidade territorial em toda a extensão do seu Império.
Uma outra rua do Varadouro, a rua Visconde de Inhaúma, desde sua origem se
destacou como uma das artérias mais expressivas da cidade. Nessa rua, se concentrava um
movimentado comercio, com grande sortimento de mercadorias, havendo bons armazéns de
estivas, algodão, açúcar, couros e sal e ainda algumas fábricas, conforme é possível constatar
pelos fragmentos das memórias registradas de Walfredo Rodriguez, 1961, pp48-50):
[...] Passemos à Rua “Visconde de Inhaúma” que em tempos remotos se chamou dos “Ferreiros”, [...] Já no fim dessa, esquinando com a Rua do “Zumbi”, funciona a “Saboaria Paraibana” de Lemos Moreira e Monte; é um grande prédio construído em 1888 [...] Naquele sobrado, ali, na Ladeira de S. Frei Pedro Gonçalves, de n.º 26, acha-se instalada a fábrica de cigarros e charutos, pertencente a Joaquim Gomes de Freitas. [...] Continuando a subida da rua, quero mostrar-lhe a Fábrica de Cigarros “Planeta”, no piso térreo do sobrado de três andares [...] Junto a esse sobrado vemos outro, contudo de um só andar, no térreo está o “bilhar do Comércio”
Grande parte dessa rua, cujos estabelecimentos são descritos nestes fragmentos,
corresponde ao trecho que se estendia até as proximidades da Rua da Areia, na Cidade Alta.
Por isso, a expressão vamos subindo utilizada pelo escritor. No final do século XIX, foram
construídos alguns sobrados e casas nobres dos senhores de engenho que vinham ‘invernar’
na cidade, como também dos negociantes ricos, em suas vivendas residenciais nessa rua que
então se denominava Rua do Varadouro, posteriormente denominada Visconde de Inhaúma.
Em função das reformas, essa rua foi fragmentada em duas: o trecho que atualmente se
84
denomina João Suassuna, onde se localizavam os prédios comerciais citados pelo escritor e a
pequena rua sobre a planície, no Porto do Capim, um pequeno trecho, “quase margeando o
rio”, a que ficou restrita a outrora extensa artéria Visconde de Inhaúma. (ANDRADE, 2004)
Embora curta, essa rua que permaneceu assim denominada, “preserva” os signos do passado.
Nela permanecem armazéns e edificações antigas, inclusive construções do século XVII.
Estando localizada entre a Rua Frei Vital e o Largo da Alfândega, detém significativo valor
histórico.35
Na passagem do século XIX, o comércio da área do Porto do Capim se deslocava,
cada vez mais, acompanhando as intervenções modernas implementadas nas ruas do
Varadouro. Todavia, as reformas não seriam implementadas sem que algumas edificações
antigas fossem demolidas, o que veio a ocorrer, não sem o repúdio de parte da população –
intelectuais e profissionais liberais –, críticos da modernização que se operava na cidade, sem
que fosse considerada a identidade regional. Uma facção da Imprensa que se opunha à
demolição das edificações coloniais divulgava os ideais regionalistas, atraindo novos adeptos.
Portanto, as opiniões se contrapunham a respeito da urbanização/modernização da cidade. Os
intelectuais, cronistas e jornalistas foram os primeiros a manifestar oposição ao modelo de
urbanização. A revista Era Nova publicava essas idéias, assumindo-se como porta-voz dessa
opinião, enquanto outros veículos da imprensa propagavam os ideais da Modernidade.36
Naquelas circunstâncias, enquanto os intelectuais defendiam a manutenção da paisagem
colonial, preservando a identidade regional, outros segmentos da população opinavam pelas
obras de prevenção às contingências da seca e seus efeitos. Por outro lado, alguns
comerciantes, insatisfeitos pelos prejuízos que teriam de assumir, passaram a se posicionar
radicalmente contra as reformas na área central da cidade. Em meio a essas posturas, outra
35 Um pequeno trecho entre essas ruas foi reformado em função das obras de urbanização da cidade, em especial
da implementação do novo sistema de transportes. 36 Revista Era Nova (In: CHAGAS, 2004).
85
parcela da população apregoava a urbanização/modernização, mas mantendo-se as edificações
coloniais. A esse respeito, Chagas (2004) entende que essas opiniões introduziram no debate
um parâmetro que versa sobre a possibilidade de convivência, não necessariamente
conflituosa, entre valores antigos e novos.
Apesar da incerteza econômica e da fragilidade da condição financeira do Estado
da Paraíba, foram iniciadas as primeiras intervenções urbanas na área central da capital:
equipamentos e serviços urbanos, obras de infra-estrutura e embelezamento dos espaços
públicos.37 Conforme analisa Maia (2000) ainda que a atividade comercial apresentasse
razoável desempenho, até o século XIX a cidade não se desvinculara das produções agrícolas,
seguindo atrelada aos ritmos da cana de açúcar e do algodão. Nas primeiras décadas do século
XX, o algodão atinge grande produção, tornando-se a principal fonte de recursos para
financiar as obras de modernização e embelezamento da Cidade da Parahyba. Entre 1864 e
1868, a produção algodoeira atinge seu apogeu. Por volta dos anos 1880, a construção da
estrada de ferro, agilizou o fluxo da produção algodoeira para a Capital.38 A alta da produção
algodoeira se fazia sentir na vida social, conforme analisa José Américo de Almeida (1980, p.
579):
[...] à medida que se dilatava a vida civilizada, foi iniciada na caatinga, então coberta de matas típicas, a cultura do algodão. Esse novo campo de atividades chegou a competir, em breve tempo, com os engenhos de açúcar no número de escravos, nas construções e nos lucros assegurados pela preciosa malvácea. E a economia paraibana passou, desde então, a ser regulada por esses produtos, em surtos de prosperidade, em declínios
37 Todavia, as intervenções implementadas privilegiaram inicialmente os equipamentos em superfície. Embora
os serviços de esgotamento sanitário, saneamento e abastecimento de água tratada encanada sejam as iniciativas mais urgentes no processo de urbanização/modernização, essas obras somente seriam implementadas, numa segunda etapa, a partir de 1912.
38 Ligando a capital da província a Mulungu, com um ramal para Guarabira, passando por Pilar, essa ferrovia foi construída pela companhia inglesa Railway Company Limited, tendo sido denominada Conde d’Eu. Em 1883, foi disponibilizado o tráfego da capital a Mulungú e, em 1884 foram inaugurados os ramais de pilar e de Guarabira. Em 1889, foi instalado um ramal em Cabedelo, onde estava o porto de maior capacidade. Foram instalados 144 Km de ferrovia, no trecho de Cabedelo a Guarabira, e 26 Km no entroncamento para Pilar. Na década de 1920 os trilhos se estenderam, beneficiando também o sertão paraibano, mas, sem a mesma expressão como transporte de cargas, pois já se introduzira no país a indústria automobilística. Com a construção das rodovias, o transporte rodoviário passa a competir, cada vez mais, com o transporte ferroviário que, aos poucos, vai sendo desativado (MAIA. 2000).
86
passageiros ou em providências alternativas.
De acordo com Celso Mariz (1978), a alta do algodão foi favorecida pela sua
adaptação às regiões semiáridas, portanto, “[...] interessou logo às várias zonas produzindo
com pouca chuva. Mas o açúcar prosseguiu, aumentando, melhorando, crescendo no número
de usinas e de engenhos” (MARIZ, 1978 p. 46). Todavia, a partir da segunda metade do
século XVIII, na medida em que surgiam as fazendas de gado no interior, além das plantações
de milho, arroz e outros gêneros, a exportação da produção açucareira entra em decadência,
provocando a falência de alguns engenhos, enquanto a Capitania da Paraíba se enfraquecia
financeiramente. Portanto, conforme analisa Maia (ibidem, p. 74), “Na Paraíba, como em todo
o litoral nordestino, não é a instalação das fazendas de café, mas a passagem do engenho para
a usina de açúcar que vai marcar as alterações sócio-econômicas no final do século XIX e
início do século XX”.
Nas primeiras décadas do século XX, o aspecto das ruas, pátios e praças da capital
não agradava às elites paraibanas que, tendo incorporado novos valores, assumiram novos
comportamentos, demonstrados em novos padrões de moradia, novas preferências de
consumo e novas práticas de lazer condizentes com a condição “ser moderno”. As demandas
das elites que pensavam a cidade a partir desses novos padrões, se não determinaram o
processo de urbanização/modernização implantado na Cidade da Parahyba, influenciaram as
prioridades em relação às reformas e às obras a serem realizadas. Na Capital da Parahyba, os
símbolos da Modernidade que permeavam o processo de urbanização/modernização, se
fortaleciam cada vez mais, enquanto as elites consumiam bens e serviços, sem questionar o
processo produtivo. Portanto, o “projeto” de uma capital modernizada se distanciava da
Modernidade que pressupõe um percurso vinculado ao processo de industrialização, o que não
veio a ocorrer nas cidades brasileiras com raras exceções, a exemplo da capital paulistana.
Waldeci Ferreira Chagas (2004) analisa a modernização da cidade da Parahyba no
87
período compreendido entre 1910 e 1939, ressaltando as peculiaridades das transformações,
bem como as demandas e propostas das elites paraibanas. Esse autor entende que na Cidade
da Parahyba esse processo tem suas origens também vinculadas às formas como a sociedade
percebe o espaço em que se insere, ou seja, as elites apreendem o fenômeno da
urbanização/modernização, a partir de novas perspectivas, “[...] as que as classes afortunadas
passaram a incorporar à sua realidade, através de novas práticas até então desconhecidas”
(idem, ibidem, p. 124).
Nas duas primeiras décadas do século vinte, foram instalados os serviços de
iluminação – luz elétrica –, nos espaços públicos e nos domicílios particulares, e a
pavimentação a paralelepípedos de algumas ruas. No rastro desses serviços, segue-se a
implementação dos serviços de transportes – bondes elétricos – que, por sua vez, exigiam
novas intervenções, a exemplo da abertura de novas avenidas adaptadas ao trafego desses
veículos e dos automóveis particulares que começavam a circular nas ruas da cidade. Para
viabilizar essas reformas, foram antecipadas algumas adaptações – alargamento e
pavimentação – nas ruas onde seriam instalados os trilhos.39 Vale ressaltar que somente
foram beneficiados os domicílios residenciais, cujos donos ou locadores podiam pagar pelos
serviços prestados. Quanto à classe pobre, continuava residindo nas áreas sem acesso a
saneamento básico, água tratada encanada e à luz das lamparinas, em seus domicílios
abastecidos pelos aguadeiros.40 A iluminação pública era uma exigência do mundo moderno.
Aos poucos, a instalação da luz elétrica veio apagar os lampiões alimentados a azeite de
39 Em 1920, antiga Rua da Viração, atual Rua Gama e Melo, estava sendo pavimentada com calçamento a
paralelepípedo, assim como outras vias públicas da Cidade Baixa, também adjacentes ao Porto do Capim, tais como: Rua da República, Barão do Triunfo, Maciel Pinheiro, João Suassuna. É importante esclarecer que a instalação de Energia elétrica e a iluminação pública foram confiados a empresas privadas que priorizavam o lucro e majoravam os preços, nem sempre compatíveis com a qualidade dos serviços, gerando descontentamento e reclamações da parte dos usuários.
40 Portanto o que deveria ser o símbolo da modernização se transformou em frustração e fracasso creditados à Empresa Tradição Luz e Força, que se revelou, técnica, financeira e administrativamente incapaz de assumir a instalação e a gestão dos serviços a que se propusera, tendo utilizado tecnologia ultrapassada e maquinaria obsoleta, embora bem remunerada pelo Erário público (CHAGAS. 2004).
88
mamona e querosene enquanto a Cidade da Parahyba adquiria o aspecto de uma capital
moderna. Portanto, essas e outras intervenções, relacionados com a aparência da cidade – o
alargamento das ruas, o embelezamento dos jardins, praças e passeios públicos –, embora
tardiamente, foram implementadas prioritariamente, tendo em vista satisfazer às exigências
dessas elites que, indiferentes ao caráter excludente de todo esse processo, desejavam uma
cidade saudável, atraente e progressista. Simultaneamente a essas obras eram implementados
serviços de jardinagem e paisagismo em algumas praças e jardins públicos que, iluminados,
poderiam ser vistos e freqüentados à noite. Portanto, a iluminação elétrica veio proporcionar,
sobretudo aos moradores da área central, novos hábitos já incorporados ao cotidiano de parte
da população.
Com as reformas das ruas, surgiram novos pontos comerciais, estendendo-se por
todo o bairro do Varadouro. Instalaram-se lojas sofisticadas que comercializavam artigos de
luxo. Nas ruas revitalizadas do Varadouro, o conjunto de lojas formava uma grande vitrine
onde os comerciantes expunham as últimas tendências de produtos, um convite aos
consumidores instigados também pelos reclamos publicados nos jornais, informando o
suprimento de mercadorias recém chegadas, produtos sofisticados e artigos de luxo
provenientes de outros estados e do exterior. Um passeio pelas suas calçadas ou uma visita às
suas lojas era sinal de elegância e prestígio. No entanto, as melhorias implementadas,
favoreceram apenas as classes abastadas e não se estenderam à cidade como um todo, o que
explica a presença de animais à frente dos domicílios residenciais e, ainda, os veículos
rústicos – carroças – circulando pelas ruas da cidade, apesar da proibição e vigilância,
porquanto, era a alternativa possível para as populações pobres. Assim, também os espaços
remodelados se tornaram inviáveis para essas populações.
Ainda que desejada pelas elites, a Cidade da Parahyba não se transformaria numa
capital moderna, pois, ao serem iniciadas as reformas, foram priorizadas as intervenções em
89
superfície, podendo ser vistas e admiradas, mas, os serviços e equipamentos básicos – água
encanada tratada e esgotamentos sanitários –, desejados também pelas populações pobres,
somente foram implementados após serem embelezados os espaços “públicos”. Numa
segunda etapa é que foram implantados os serviços de água tratada encanada e saneamento,
sob pressão dos médicos e sanitaristas que defendiam a sua prioridade, já que uma capital não
se modernizaria sem hábitos saudáveis e um bom padrão de saúde.41As obras de saneamento
foram iniciadas em 1922, no governo de Sólon Barboza de Lucena, confiadas aos Escritórios
Saturnino de Britto, de reconhecida competência, com obras de saneamento em todo o país.
Com esse empreendimento, a Parahyba atraiu a atenção de observadores de outras cidades,
particularmente do vizinho Estado do Rio Grande do Norte, com a visita do observador
Joaquim Inácio que permaneceu 14 dias na Capital da Parahyba, cuja intenção era conhecer as
obras de saneamento que estavam sendo implantadas. Em seu relatório – já citado no primeiro
segmento –, esse visitante se refere às obras de saneamento:
Tive a felicidade de visitar os serviços de saneamento já executados em companhia do próprio director da Commissão, o dr. Baeta Neves. [...] rumamos em direcção ao logradouro da Lagoa, [...] A’quella hora do dia já affluíam para ali pessoas que passeiavam às margens do lago. [...] É uma construcção de 400 metros de extensão, permitindo andar-se, perfeitamente, de pé em todo elle. [...] A partir deste ponto reduz-se o diâmetro do exgotto e vasadouro da Lagoa, em um sistema de tubos que vae á rua da Areia para desaguar afinal n’um brejo, bem próximo ao Sanhauá. [...] Exgottará elle as águas pluviaes de uma boa parte de Tambiá, de Jaguarybe e de Trincheiras que escoavam na Lagoa. [...] Em seguida fomos visitar o emissário geral que foi attingido junto aos mangues [...] Na sua extremidade ao nascente, já um pouco distante da Cidade, estão uns tanques, traçados em curvas interessantes, onde os elementos exgottados soffrerão uma depuração á luz e ao calor solar, pois que estes tanques cavados em quasi toda sua extensão em calcáreo duro, estendem-se a céu aberto (INÁCIO, 1987, p.16-17).
41 A forma como era conduzida a instalação dos serviços de saneamento e o abastecimento de água tratada
encanada na capital, suscitava, cada vez mais, o interesse desses profissionais que os encaravam do ponto de vista da saúde pública, mostrando-se preocupados com a qualidade da água e a eficiência dos equipamentos, sendo a salubridade da água que seria consumida a preocupação maior dessa classe, sem qualquer menção relativa à questão social das populações pobres. (In. CHAGAS. 2004)
90
Neste fragmento o visitante descreve um dos empreendimentos mais
significativos para a salubridade urbana – a instalação dos serviços de saneamento, o real
motivo de sua permanência na cidade. Em outro fragmento, Joaquim Inácio se refere ao
arrefecimento que já assolava o Varadouro, sobretudo a área do Porto do Capim, e sua relação
com a interrupção das obras de construção do Porto da Capital:
Em certo dia desci ao Varadouro para examiná-lo mais attentamente. Uma sensação de desalento invade logo o espírito de quem quer que ali passe, no primeiro momento. Esta sensação, bem o creio, é commum a todos os corações parahybanos, e desponta deante dos esforços injentes feitos para que a Capital fosse dotada de um porto em boas condições, sem que a vasta somma de energias e de capital ali dispendidos com este fim tivesse tido uma proveitosa compensação (INÁCIO, ibidem, p. 10).
A obra de construção do Porto da Capital, um grande e ousado empreendimento
que a que se refere o visitante, embora tenha sido iniciada jamais seria concluída. (FOTO 3)
FOTO 03. Bacia do Rio Sanhauá com a Draga Parahyba Bate-Estacas e Cabrea Flutuante, de 60 ton. Parahyba d/N 10.2.22. Acervo do CHJP.
91
Na FOTO 3, a imagem registra a Bacia do Rio Sanhauá, e a presença de dragas
em atividade, em 1922, quando já haviam sido iniciadas as obras de construção do Porto da
Capital. (FOTO 4)
FOTO 4: Vista Geral do Cáes. PARAHYBA. 1922. Acervo do CHJP
Na FOTO 4, intitulada “Local do Cães. PARAHYBA. 1922.”, a imagem registra
o local onde seria construído um porto moderno, cujo projeto de construção e o respectivo
orçamento já havia sido aprovado em 15 de dezembro de 1910, pelo então presidente da
República Epitácio Pessoa, vitorioso no pleito eleitoral realizado em 13 de abril de 1919 e
empossado no cargo em 28 de julho de 1919 (JOFFILY, 1983). A imagem a seguir registra a
paisagem portuária, com as primeiras instalações para a construção do Porto a Capital e,
ainda, os antigos armazéns, à esquerda da fotografia. (FOTO 5)
92
FOTO 5. Construcção do Cães Provisório. PARAHYBA. 1922. Acervo do CHJP.
A FOTO 5 registra a paisagem portuária no momento de construção do Cais
provisório Porto do Capim: o Cais do Varadouro no ano de 1922, as instalações de apoio ao
porto e o leito do rio Sanhauá.42 A interrupção da construção do Porto Internacional, no
Varadouro, e a transferência da função portuária para o município vizinho contribuíram para o
arrefecimento dessa área, tendo sido motivo de revolta e frustração em vários segmentos da
população: trabalhadores portuários, comerciantes, incorporadores imobiliários, empresas de
construção civil. José Joffily (1983) analisa o envolvimento da construção do Porto da Capital
com corrupção política e o desbaratamento do erário público:
O interesse público se confundia com o interesse particular. [...] Na história da tradição oral da Paraíba três referências são predominantes: a seca de 77, a cheia de 24 e o porto do Varadouro. Pensei a princípio em esclarecer se a causa da espetacular frustração estava no projeto ou em sua execução. Com algum tempo fui porém verificando que não se tratava de razão técnica e sim de mero problema político-partidário (JOFILY, 1983, p.24-35).
42 O Porto Internacional não seria realizado, apesar dos gastos pecuniários, razão das críticas do autor em relação
à falta de critérios e seriedade no emprego das verbas pecuniárias pelo Estado. Vale ressaltar que, as polêmicas mais fortes em relação a esse empreendimento partiram das denuncias envolvendo o malbaratamento do erário público e o sistema de corrupção política que o permeava todo o processo, conforme documenta José Joffily (1983).
93
A respeito do desvio de verbas públicas, tantas foram a indignação e a revolta do
então Presidente Epitácio Pessoa que, em vida não mais retornou a Paraíba, tendo afirmado
“Jamais irei à minha terra, depois de sofrer tamanha traição”. (In: JOFFILY, Idem, p. 39)
Em meio a graves crises políticas, entre elas a Revolução de 30, o Varadouro e o Porto do
Capim, entraram em franca decadência econômica.43 Diante do arrefecimento do Porto do
Capim e da decadência que assolava o bairro do Varadouro nessa década, os moradores foram
se afastando, permanecendo apenas os antigos empregados do porto. No ano de 1936, com o
alargamento e a pavimentação da rua Cardoso Vieira, entre a Cidade Baixa e a Cidade Alta,
intensificou-se a comunicação entre essas duas partes da cidade. (FOTO 6)
FOTO 6. Av. Guedes Pereira. (1944) Acervo: Gilberto Stuckert.
43 A revolução de 30 teve particular repercussão no Estado da Paraíba: o assassinato do governado João Pessoa,
em 26 de julho, numa confeitaria do Recife, o pretexto para a eclosão da Revolução, cujas causas são bem mais profundas. Embora o assassino, João Dantas, entre outras razões, estivesse motivado por questões da política local, João Pessoa figurava como candidato à vice-presidência, juntamente com Getúlio Vargas, o que fez da sua morte uma grande comoção nacional.
94
A FOTO 6 registra a Avenida Guedes Pereira, anteriormente apenas uma rua.
Após a reforma se transformou em ampla avenida, embelezada e iluminada, com o serviço de
transportes (bondes urbanos) instalados. São registrados, também, os edifícios imponentes do
Varadouro: ao fundo, o edifício-sede da Segurança Pública (Quartel de Polícia); à direita, o
teatro Santa Roza; à esquerda, o Palacete onde funcionavam os serviços de Correios e
Telegrafia e, ainda, a Praça Aristide lobo e o Grupo Escolar Thomaz Mindêlo. À distância, a
ribeira do Sanhauá e a nostálgica paisagem do Porto do Capim, quando já se iniciava,
também, o processo de expansão da cidade na direção leste, acentuando-se na segunda metade
desse século.
Na década de 1950, na área do Porto do Capim inicia-se um processo de ocupação
desordenada, com a chegada das primeiras famílias de baixa renda. Conforme explica MAIA
(2000), até a década de 50 do século XX, João pessoa apresentava um ritmo de crescimento
bastante lento e não possuía nenhuma atividade que lhe favorecesse maiores instigação à sua
expansão. Os impulsos à sua “modernização” eram dados pelas atividades agrícolas da cana-
de-açúcar, algodão e pecuária bovina. Portanto, “[...] o ritmo de crescimento da cidade era o
ritmo das referidas produções: nos seus ápices, a cidade recebia incrementos e, nas suas
retrações, a cidade estagnava-se. Por isso, uma cidade de tempos lentos” (MAIA, 2000, p. 6).
3.2 A paisagem do Porto do Capim na perspectiva do Plano de Revitalização do Varadouro e Antigo Porto do Capim
Neste subtópico o enfoque da pesquisa é dirigido para a paisagem da área do
Porto do Capim, na perspectiva do Projeto de Revitalização do Varadouro e Antigo Porto do
Capim, elaborado pela Comissão Permanente para o Desenvolvimento do Centro Histórico de
João Pessoa, em razão da descaracterização de suas permanências – edificações históricas –,
dos atributos da paisagem natural – o rio e o mangue, submetidos à intensa degradação – e
95
pelo rico potencial turístico: a “vocação” natural para a navegação, as condições para o lazer
contemplativo aliado à pesquisa científica e à educação ambiental. Faz-se uma leitura das
propostas contidas no memorial do Plano de Revitalização para o Varadouro e o Antigo Porto
do Capim (1997), no que se refere às Comunidades Vila Nassau e Porto do Capim.
Procurou-se focalizar as propostas em relação às possibilidades de inclusão social
e econômica dos moradores e os novos usos destinados aos espaços públicos que fazem parte
do cotidiano das comunidades Porto do Capim e Vila Nassau: a rua Frei Vital, a rua Visconde
de Inhaúma, o Largo da Alfândega e a praça XV de Novembro. Portanto, são breves
considerações sobre as intenções em relação à área “coberta” pela estrutura do núcleo urbano,
envolvendo as moradias, a qualificação profissional dos moradores e a participação no
mercado de trabalho específico a ser criado para a área revitalizada. Foram aplicados
questionários e coletados depoimentos, com o objetivo de conhecer as expectativas dos
moradores em relação às mudanças previstas, avaliar o grau de conhecimento dessas
comunidades a respeito das intervenções a serem implementadas e a forma como essas
comunidades apreendem as propostas que, diretamente, lhes dizem respeito. Assim, procurou-
se investigar o conhecimento que os moradores das comunidades “envolvidas” têm a respeito
do plano como um todo, as expectativas em relação às moradias e ao remanejamento para
novas habitações.
A pesquisa se reporta ao memorial (1997)44 que explicita e caracteriza a área de
abrangência:
Constitui uma área cuja estrutura edificada encontra-se bastante degradada pelo tipo de uso e pelo descaso dos seus proprietários, tendo em vista que, com a queda das atividades fomentadas pela plena atuação do porto, toda a área mergulhou num processo de “esquecimento”. No seu interior encontra-se o Núcleo habitacional Porto do Capim, originado da ocupação por
44 (Plano de Revitalização do Varadouro e Antigo Porto do Capim, 1997).No que se refere à área de abrangência,
no item 3 do memorial, constam os seguintes locais: [...] Antigo Porto do Capim (Armazéns da Visconde de Inhaúma, Favela Porto do Capim e Rua Frei Vital) ;Ribeira do Rio Sanhauá (Praça XV de Novembro, Álvaro Machado e Napoleão Laureano, Faixa de domínio da linha férrea e área de mangue existente por trás da Estação Ferroviária).
96
habitações de baixa renda que se seguiu a decadência da atividade portuária. (In: Plano de Revitalização do Varadouro e Antigo Porto do Capim, 1997, p. 4).
Embora reconhecendo o elevado grau de insalubridade em que está mergulhada a
maior parte das moradias e a má qualidade de vida, a criação de um núcleo habitacional é uma
questão conflituosa que envolve relações complexas e hábitos comunitários consolidados,
bem como as contradições que permeiam a relação com o ambiente natural. Espera-se que a
mesma preocupação com a valorização do patrimônio cultural venha a ser dispensada também
ao patrimônio humano – às comunidades –, em conformidade com o disposto no Memórial do
Plano de Revitalização do Varadouro e Antigo Porto do Capim. (1997, p. 5): “[...] condições
dignas de habitabilidade e de desenvolvimento econômico e social das populações existentes,
que, somados ao incentivo à fixação de novas habitações, em outras áreas do Centro
Histórico, promoverão a criação de um substrato de ocupação permanente desta área.”
Portanto, nessa fase, é necessário que as comunidades envolvidas não apenas estejam
conscientes do processo, mas que deles participem, efetivamente. Esta opinião se justifica
pela preocupação em relação às comunidades – a inclusão (ou não) no mercado de trabalho e
o remanejamento para novas habitações, a proposta de intervenção mais controvertida, entre
todas as que o processo de intervenção envolve.
Essa abordagem da pesquisa foi pensada em função das expectativas que foram
sendo criadas no imaginário coletivo, diante das propostas de intervenção a ser implementada
na área do antigo Porto do Capim, em conformidade com as diretrizes do Plano de
Revitalização do Varadouro e Antigo Porto do Capim. O Plano de Revitalização reza:
[...] O vínculo existente entre o rio Sanhauá e a cidade de João Pessoa, outrora tão importante, é hoje praticamente inexistente. A cidade se desenvolve sem nenhuma integração positiva com o rio e seu uso atual encontra-se totalmente inadequado, como conseqüência, temos um crescente processo de contaminação ambiental.
97
Pelo teor deste ítem, constata-se que as comunidades estabelecidas na área não
são consideradas cidade, visto que “o vínculo entre o Rio Sanhauá e a cidade, outrora tão
importante é inexistente”. Na realidade, o vínculo existe: embora poluído, o rio é
extremamente valorizado pelas comunidades, ainda que, no cotidiano se estabeleçam relações
contraditórias de sobrevivência. O rio é vivido, compartilhado, a piscina para muitos
adolescentes que nele costumam mergulhar; rituais religiosos e festivos se realizam em
cortejos de barcos; a pesca é cada vez mais rara, mas ainda assim, os pescadores vão à luta,
“uso atual totalmente inadequado”, de acordo com o fragmento. O Memorial reza, ainda, que:
[...] Com o objetivo de reverter o quadro de degradação do patrimônio histórico e ambiental que atinge a Ribeira do Rio Sanhauá, devolvendo sua antiga importância para a cidade, a Comissão Permanente de Desenvolvimento do Centro Histórico de João Pessoa, propôs o Projeto de Revitalização do Varadouro e Antigo Porto do Capim, que constitui uma das intervenções contempladas pelo Projeto de Revitalização formulado em 1987, abrangendo as principais ruas, edificações e espaços urbanos do Varadouro e do Antigo Porto do Capim. (Plano de Revitalização do Varadouro e Antigo Porto do Capim, 1997, p. 1).
Portanto, na concepção dos mentores do Plano de Revitalização, é preciso
“devolver a antiga importância para a cidade”, da mesma forma como se tentou “revitalizar”
as praças e as ruas para devolvê-las, posteriormente, às elites da capital “modernizada”. Tais
propostas criaram expectativas em torno das intervenções, sentimentos diversos nas
populações envolvidas: em alguns, a indiferença; em outros, a preocupação, e ainda, dúvida e
ansiedade.45
45 A sede do Centro Comunitário Santa Marta, funciona numa casa localizada na Rua Porto do Capim. A
Associação dos Moradores funciona neste Centro, onde são realizados encontros e reuniões. Observou-se a existência de conflitos entre lideranças e a dispersão da participação (que poderia ser mais representativa), com prejuízo para as reivindicações da comunidade, relativamente às suas necessidades e à resolução dos problemas comuns, muitas vezes graves, entre os quais saúde, educação e segurança. Portanto, uma situação que gera desconfiança, dúvidas e insegurança, enfraquecendo os posicionamentos dos moradores, então divididos. O grande prejuízo ocorre quando decisões de caráter político exigem um maior discernimento por parte da população, como a realização do próprio processo para a escolha das suas lideranças e a reflexão sobre propostas de maior repercussão nas suas vidas, a exemplo da proposta de um novo núcleo habitacional com remanejamento de residências, previsto no Plano de Revitalização do Varadouro e Antigo Porto do Capim.
98
Nas entrevistas com os moradores das Comunidades Porto do Capim e Vila
Nassau, foram obtidos depoimentos que veiculam sentimentos os mais diversos: a senhora
Dulce que não reconhece qualquer organização, a não ser a Igreja Evangélica Assembléia de
Deus que freqüenta na cidade de Bayeux-PB, e declara não ter opinião formada a respeito do
Projeto de Revitalização para a área, bem como em relação às moradias: “[...] vimos do
Recife pra cá, faz 30 anos. Aqui não tem problema não, é tudo ótimo. Tudo de Deus é bom.
Tenho fé”.(depoimento em 12 de janeiro de 2005) O depoimento da senhora Cecília, 66 anos,
moradora da rua Frei Vital, em relação ao remanejamento das moradias, mostra que não há
disposição para morar em uma casa que não tenha as especificações do seu agrado – tamanho
da casa, nº de cômodos, garagem –, como as de sua casa: “[...] tirar as casas do pessoal? Eu
não sou de acordo [...] morar numa casa em cima da outra e tudo apertadinho...” Nessa
ocasião foi registrada, também, a opinião de Maria da Penha, 20 anos, filha da Senhora
Cecília, que acompanhava o depoimento: “Vi a maquete em 2000. Achei bonita a mudança
[...]”.(depoimentos em 12 de janeiro de 2005) 46 O depoimento de Maria Aparecida demonstra
o desejo de manter outros contatos, conhecer outras culturas, mas, não admite o
remanejamento das moradias:
[...] Aqui é muito bom, Mas a gente fica só aqui em baixo. A gente quer ver outras pessoas e coisas de outros lugares. Mas ninguém quer sair desse nosso bairro tranqüilo, as crianças brincam aqui. Eles querem mudar mas eu não concordo com isso não. Nem eu nem todo mundo aqui. Pra gente ir para um bairro que a gente nem conhece? O bairro não é violento, eu vou deixar minha casa por uma casinha que eles vão dar além do mais a gente vai pagar, pagar como, se já está tudo pago o da gente? (Depoimento em 15 de janeiro de 2005).
Esse depoimento reforça o desejo que os moradores têm de permanecer morando
no mesmo lugar, não obstante o desejo de conhecer “outras pessoas e coisas de outros
lugares”. Assim afirmando, a moradora entrevistada parece não se negar a uma intervenção 46 Na maquete consta a área onde será construído o núcleo das moradias para onde serão remanejadas as
populações das comunidades Porto do Capim. (Anexo 2)
99
voltada para o turismo, enquanto sinaliza para a possibilidade de conciliar a função turística
com a participação das comunidades do lugar. Também a senhora Rosineide, com 39 anos de
idade, se pronunciou. Esta senhora mora na comunidade há 25 anos, quando se casou com o
senhor Josivaldo Lima. O casal tem cinco filhos, todos na escola. No seu depoimento
declarou:
[...] Revitalização? Tirar a gente, fazer condomínio? Eu não concordo não. Gostaria de ficar por aqui mesmo, já estou acostumada com a minha casa, sair para uma casinha pequenininha, ir morar num canto que a gente não sabe nem aonde é? Aqui todo mundo conhece tudo, o bairro é bom, perto de médico, de feira. Aqui é o recanto da família Lima” (Depoimento em 15 de janeiro de 2005).
Em apenas um depoimento coletado, admite-se mudar para outro lugar e viver
em apartamento. A senhora Luisa (54 anos) casada com o senhor Severo (46 anos), declarou:
“[...] Eu sou feliz apenas cinqüenta por cento, falta um sonho [...]. Se eu mudasse daqui era
bom morar num apartamento. O rio é muito poluído.” (Depoimento em 18 de janeiro de 2005)
Pelos depoimentos obtidos, observou-se que a questão das moradias não tem
sido suficientemente esclarecida, pois, a figura de uma casa pequena e acanhada, o regime de
condomínio, unidades conjugadas em dois pavimentos e, ainda, o ônus de aquisição, povoam
o imaginário dos moradores. Portanto, constata-se um distanciamento em relação às propostas
envolvendo as moradias. Por isso, a desconfiança, a incerteza e até insegurança que
permearam as entrevistas e os depoimentos. Também os dados obtidos nos questionários
demonstram que as propostas, em termos de habitação e trabalho, não foram suficientemente
claras, conforme demonstra a TAB. 1, a seguir.
100
TABELA 1 Nível de conhecimento do Plano de Revitalização para o Varadouro e o Antigo Porto do
Capim (%)
NÍVEL DE CONHECIMENTO SIM NÃO OUVIRAM
FALAR NÃO
RESPONDERAM TOTAL
Conhecem o projeto 20 50 30 0 100 Participam de reuniões 20 60 0 20 100
FONTE: Pesquisa Direta. Março/2003 47
A TAB. 1 demonstra que os resultados obtidos em um total de 30 questionários
aplicados, apenas 20% responderam que conhecem o projeto, 50% responderam que não o
conhecem e 30% responderam que apenas ouviram falar; 20% responderam que não
participam de reuniões, 60% não participa e 20% responderam que não ouviram falar. Na
mesma enquête, no quesito Nível de Conhecimento do Plano de Revitalização para o
Varadouro e o Antigo Porto do Capim, os percentuais de vinte por cento de respostas
afirmativas, cinqüenta por cento de respostas negativas e trinta por cento de respostas
indicando que “ouviram falar”, demonstraram que, naquela ocasião, as propostas de
intervenção para á área de ocupação, não eram suficientemente esclarecedoras. O quesito
investiga ainda o nível de envolvimento com o processo e também a efetiva participação das
comunidades, mas, os resultados revelaram que sessenta por cento das pessoas entrevistadas
responderam que não foram convidadas para participar das reuniões a respeito do projeto.
Entretanto, representantes da comunidade estiveram presentes em reuniões promovidas pelo
Fórum do Centro Histórico, uma iniciativa dos comerciantes, empresários e trabalhadores do
Varadouro, os novos atores sociais a quem o Plano de Revitalização interessa diretamente. A
senhora Roseane da Silva Mendes, 40 anos, é a presidente eleita da Associação dos
Moradores do Porto do Capim e Vila Nassau e também a ACS – Assistente Comunitária de
Saúde – junto ao Programa Saúde da Família – PSF, com 175 famílias sob sua assistência.
Dona Roseane considera a falta de informação um grave problema na Comunidade, sendo as 47 Pesquisa direta, em que N = 120; n = 25 %N = 30, onde N = população e n = tamanho da amostra.
101
“conversas paralelas um grande entrave à comunicação”. Sobre o andamento do Plano de
Revitalização, envolvendo o remanejamento das residências, a Srª Roseane afirmou que não
há nada concreto ainda, “[...] Continua ainda como estava, mas vai ser realizado e as pessoas
precisam se organizar [...]” (depoimento em 21 de janeiro de 2005).
As comunidades precisam saber o que lhes espera em termos de critério,
escolha da área, estilo e dimensões das habitações. O Memorial não apresenta especificações,
embora determine o tipo de intervenção e os equipamentos que serão instalados nos espaços
atualmente ocupados pelas comunidades Porto do Capim e Vila Nassau.48 Ainda de acordo
com o teor do memorial do Plano de Revitalização do varadouro e Antigo Porto do Capim.
(1997), o projeto prevê a “transformação da área do antigo porto em um dos importantes
pontos do Centro Histórico destinados ao lazer e diversão da população da cidade, com a
utilização dos espaços públicos para eventos, concentrações e contemplação” e, ainda, “a
transformação das áreas de mangue do estuário do rio Paraíba em parque ecológico, com a
utilização do trecho remanescente na área do centro Histórico para atividades didáticas, de
pesquisa e de lazer contemplativo”, estando prevista também a revitalização econômica,
contextualizando-a à economia da cidade, como um todo, com a inserção de novos usos
comerciais e serviços de qualidade.49
No que se refere aos moradores das Comunidades Porto do Capim e Vila
Nassau e às propostas de inserção social, a leitura se dirige para o item 1 – Princípios
Norteadores do Plano. Constatou-se nesses princípios uma preocupação maior em relação ao
retorno dos investimentos privados no seguimento dos comerciantes e das incorporadoras
imobiliárias. Tal preocupação é justificada pelo caráter mercadológico que perpassa os planos
48 No Memorial, estão explicitado os novos usos para os espaços das comunidades Porto do Capim e Vila
Nasssau: no item 8 (Intervenções preliminarmente visualizadas – Área Macro) e nos sub-ítens 8.2: sistema viário, 8.3: Infra-estrutura, 8.4: desapropriações, 8.6: Tratamento do Antigo Porto e 8.7: Restauração de edificações singulares.
49 In: memorial do Plano de Revitalização do Varadouro e Antigo Porto do Capim. (1997, p. 1-10). Comissão Permanente para o Desenvolvimento do Centro Histórico. (2004) (Apêndice 1)
102
com propostas de implementos no seguimento do turismo. Todavia, verificou-se que o próprio
processo de revitalização revela uma tendência excludente, quando se repete a lógica que
permeava o processo de modernização implantado na capital, a partir das primeiras décadas
do século XX. Entende-se que a credibilidade do processo está condicionada aos resultados
relativos à questão social em relação às comunidades assentadas. No entanto, a questão que
aqui se considera ser a mais delicada diz respeito à inclusão (ou não) das comunidades no
projeto e a participação no processo de intervenção. Em qualquer das hipóteses – participação
e inclusão (ou não) –, perpassa o conhecimento que se tem dessa ampla e abrangente
proposta. No plano mencionado, novos usos são propostos para os edifícios da Rua Visconde
de Inhaúma, inclusive desapropriações. As FOTOS 7 e 8 registram essa rua, na mesma data,
portanto documentam bem os usos atuais dos prédios, que se diferenciam pelo “tratamento”
que os atuais usuários lhes têm dispensado.
FOTO 7: Rua Visconde de Inhaúma. AUTORA: Flora A. Coura. JUN / 2005.
103
A FOTO 7 registra alguns armazéns em estado avançado de deterioração: a maioria dos
prédios é ocupada por madeireiras. Na imagem, à direita, registra-se a fachada do antigo
Thezouro Provincial e, ao lado, uma oficina mecânica em outro prédio antigo. A imagem da
FOTO 8, a seguir, registra os prédios do outro trecho da rua, total ou parcialmente
descaracterizados, em função dos novos usos: os prédios são ocupados por lojas de material
para acabamento – piso e revestimento usados na construção civil.
FOTO 8: Rua Visconde de Inhaúma. AUTORA: Flora A. Coura. JUN / 2005.
Embora possa parecer dois momentos diferentes da mesma rua, as fotografias
registram a mesma rua “dividida” pelo impacto visual, e pela “maquiagem” exageradamente
coloridas de suas fachadas, conforme registra a FOTO 8 referente à extremidade norte da rua
cujos estabelecimentos comercializam também produtos de revestimento para paredes,
inclusive tintas e vernizes em vários tons. Por ocasião de um trabalho de campo, na Rua
Visconde de Inhaúma, a observação foi dirigida para os prédios antigos e a atividade
104
comercial - predominantemente madeireiras e lojas de materiais de revestimento utilizados na
construção civil. Observou-se o avançado estado de descaracterização dos prédios, alguns em
desabamento, outros abandonados. De acordo com o Memorial, o Plano de Revitalização
prevê novos usos para alguns desses prédios: Para o prédio nº 147, totalmente
descaracterizado, no qual funciona a madeireira “C. & Oliveira – Madeireira e
beneficiamento”, deverá funcionar alguma unidade assistencial da Comunidade Porto do
Capim. Na mesma intenção social e de lazer, estão previstas funções, tais como, creches,
espaço cultural, restaurantes e lanchonetes, para outros prédios, inclusive para o prédio da
alfândega50, uma construção da segunda metade do século XIX. (FOTO 9)
FOTO 9. Largo da Alfândega. AUTORA: Flora Araújo Coura. 2005
50 O prédio da Antiga Alfândega, construído no século XIX, em estilo eclético, encontrava-se em deplorável
estado de deterioração, quando parte da fachada do andar superior desabou. O monumento é uma das poucas permanências na área e faz parte da memória dos moradores destas comunidades que, conforme seus depoimentos, conheceram a Instituição em franco funcionamento. O Largo da Alfândega é bastante valorizado pelos moradores que transitam constantemente no espaço, onde também se realizavam festas, assembléias, missa campal e outras atividades comunitárias, antes de ser decretada a interdição do prédio pela Defesa Civil Municipal. O espaço está liberado para os transeuntes, mas, com a possibilidade de outro desabamento, as atividades comunitárias foram suspensas no largo.
105
A FOTO 9 documenta o Largo da Alfândega, com destaque para o Prédio que,
após um longo período de degradação e uso inadequado, teve parte da fachada do pavimento
superior deteriorada, vindo a desabar, deixando consternados os moradores que diariamente
transitavam no Largo da Alfândega. O prédio da Antiga Alfândega e o respectivo Largo é
parte do cotidiano das comunidades Vila Nassau e Porto do Capim e sua antiga atividade faz
parte da memória dos moradores mais antigos. 51 Além dos prédios, também essa pequena rua
a que ficou reduzida a outrora extensa Rua do Varadouro se modificou e, atualmente, passa
por um processo de desgaste acelerado pelo fluxo de caminhões de carregamento, em função
da atividade comercial. Esta é uma das questões consideradas pela equipe técnica da
Comissão Permanente para o Desenvolvimento do Centro Histórico de João Pessoa, quando
propõe novos usos para os prédios e para a própria rua.
Como todo processo de (re)construção do espaço urbano, as propostas de
intervenção exigem instalações transformadoras da paisagem envolvendo novos atores,
inclusive com possibilidades de inclusão das populações em mercado de trabalho específico
assim criado e estimulado. Dessa forma, o processo de qualificação e inserção da população
local, como atores nos planos de revitalização, para seguir seu curso a contento, deve se
realizar já na fase de fundamentação e elaboração. Em não se considerando prioridade a
participação das comunidades envolvidas, o resultado será alheio, distante do que se imagina
ser a identidade do lugar e do próprio sentido de revitalização, conforme defende a pedagoga
Josélia de Souza Martins (2002, s/p) “[...]evitar a completa destruição do que resta do
patrimônio, garantir a sustentabilidade deste patrimônio urbano e promover a sua
socialização”.52
Quanto à ascensão econômica, o teor do Memorial perpassa pelo discurso,
51 Ver depoimento na seção 4.2.1, referente às primeiras habitações. 52 Josélia de Souza Martins foi coordenadora pedagógica fundadora da Oficina-Escola de João Pessoa. Expõe
suas experiências no relatório intitulado Restaurando Jovens. O Projeto Pedagógico da Oficina-Escola de João Pessoa. 1991-2001.
106
segundo o qual o empreendimento turístico é a “panacéia”, que virá para alavancar o
desenvolvimento e erradicar a pobreza. Todavia, nem sempre ocorre a tão esperada redenção
econômica. Maria das Graças de Menezes Paiva (1995) explica que, no Brasil, assim como
nos paises de capitalismo não desenvolvidos, também as políticas veiculadas nos planos
urbano-turísticos não contemplam a reprodução da força de trabalho, mas prevalece a
reprodução ampliada do capital. A ação do Poder Público limita-se a propiciar a infra-
estrutura básica – estradas, iluminação, saneamento etc. – bem como a oferecer subsídios aos
grupos de empresários envolvidos. Portanto, na maioria das vezes, as populações nem mesmo
participam das atividades específicas – hotelaria, restauração, administração, comércio e
outras – que, pelo nível de sofisticação, são assumidas por profissionais qualificadas
pertencente à classe economicamente estável. Para reverter essa realidade, Jost Kripendorf
(1989) aconselha centrar o desenvolvimento na formação e na utilização da população local,
melhorando a qualidade dos empregos, relativizando a idéia generalizada do turismo como
panacéia para o crescimento econômico, pois, na realidade, a maior das suas prerrogativas
seria o desenvolvimento a nível local, ou seja, a preservação da cultura e a ascensão da
população. Este autor propõe a socialização do turismo com viagens humanizadas. Entre suas
propostas, algumas se coadunam com o perfil da área do Porto do Capim, com a paisagem
natural e com as populações locais. Segundo Kripendorf (1989) as teses para a socialização do
turismo fundamenta em princípios, tais como:
• eleger políticas de turismo considerando a escala de prioridades, com
modalidades de lazer “suave”, que respeite o ser humano e meio ambiente,
assegurando a satisfação dos indivíduos de todas as camadas sociais, com
instalações adequadas, levando em consideração os interesses da população
local;
• avançar na direção correta, sem necessariamente implementar grandes
mudanças, despertando o espírito crítico das comunidades envolvidas, um
107
pensar globalmente e um agir localmente;
• interpretar corretamente a noção de liberdade na política do lazer e do turismo:
respeitar o princípio da livre escolha e da ausência de coerções e garantir a
liberdade de decisão de todos os envolvidos.
• Não considerar o desenvolvimento do turismo como um fim em sí ou a
panacéia universal. As implicações de um projeto – custos e benefícios
econômicos, compatibilidades sociais e ecológicas – devem ser bem
esclarecidas antes da execução;
• Promover, além das atividades tradicionais – agricultura, piscicultura,
silvicultura –, atividades diversificadas, tais como: artes e ofícios, artesanato,
pequenas indústrias e serviços.
• Priorizar e conciliar as necessidades e os interesses dos viajantes e viajados;
atenuar a categoria “luxo” das instalações turísticas e esgotar todas as
possibilidades de simplicidade, sem prejuízo do nível de qualidade;
• Encorajar, sobretudo, os investimentos e os planejamentos urbanísticos que
favoreçam tanto aos viajantes como aos viajados e possam ser utilizados pelos
dois lados: infra-estrutura, instalações de lazer etc.).
As propostas do Plano de Revitalização para o Antigo Porto do Capim visam
reverter o quadro de degradação do patrimônio histórico e ambiental que atinge a Ribeira do
Rio Sanhauá. Portanto, prevêm algumas vertentes a serem seguidas, entre as quais o turismo
náutico e a criação da infra-estrutura necessária.53 Seguindo uma tendência contemporânea
que se observa no Brasil, as áreas potencialmente bem dotadas para a navegação recreativa
têm sido, cada vez mais, alvo de intervenções urbanas voltadas para o turismo náutico. Essa
modalidade de turismo tem atraído o interesse pelos cruzeiros marítimos, em costas
brasileiras, envolvendo ainda o interesse pela propriedade de embarcações de porte médio (22
pés). Trata-se de uma modalidade coletiva ou individual reservada a uma minoria com
53 As propostas sinalizam também para o turismo cultural, o lazer contemplativo a pesquisa científica atrelada à
educação ambiental, envolvendo a preservação do ecossistema, portanto uma modalidade de eco-turismo.
108
condições econômicas para essa prática que requer a instalação de todo um complexo náutico
em função da propriedade de embarcações, portanto, instalações de custos muito elevados,
como as marinas e os portos de recreio.54 Tais instalações interessam, sobretudo, ao comércio
especializado, cuja venda tem sido retraída em função da falta de locais adequados para a
guarda das embarcações. No entanto, conforme observa Olga Tulik (1993), a navegação
recreativa, sobretudo de uso coletivo, em roteiros fluviais, atende a demandas de níveis sócio-
econômicos diferenciados. De acordo com a constatação de Olga Tulik (2001) e, com base na
tese desenvolvida Jost Kripendorf (1989), essa modalidade de turismo náutico deve ser
repensada, em função das características ambientais e das necessidades das populações
envolvidas que, de acordo com as pesquisas de campo, não teriam qualquer ascensão
econômica e social.
Pelo exposto, vários são os desafios que envolvem a revitalização do Varadouro e
Antigo Porto do Capim. Contudo, entende-se ser, a relação com as comunidades ali
assentadas, a mais agravante, não pelo ato em si, mas principalmente pelo procedimento
adotado que exclui a população envolvida. Assim, é necessário conhecer melhor essas
realidades, em outras palavras, adentrar na paisagem estudada. Este é o propósito da pesquisa,
no segmento, a seguir.
54 O complexo náutico consiste de serviços tais como: postos de mecânica e de abastecimento, alojamentos,
reparo de embarcações (tapeçaria e pintura), restaurantes, lojas de produtos náuticos, estacionamento, e vestiários e outros. In. Turismo em análise. V.4. Nº2, NOV 1993. ECA/USP.
44 PPoorrttoo ddoo CCaappiimm ee VViillaa NNaassssaauu::
ppaaiissaaggeennss ((rree))vviissiittaaddaass
110
4 PORTO DO CAPIM E VILA NASSAU: PAISAGENS (RE)VISITADAS
4.1 Um olhar sobre a paisagem: uma paisagem oculta
As primeiras impressões sobre a paisagem foram feitas em maio de 2001, a partir
da plataforma de espera do edifício-sede da Companhia Brasileira de Trens urbanos –
CBTU.55 Naquela ocasião, olhando-se à frente, era possível observar que parte do muro não
havia sido substituída pelos gradis de proteção aos trilhos. Neste muro, chamava a atenção,
mensagens anônimas e sem data, escritas em letras vermelhas, cursivas, como um exercício
de caligrafia:
Eu vou e tu ficas me esperando, quando eu voltar, quando o mundo não te esconder estarei voltando de portas abertas porque é de você que eu preciso. (Sem referência)
O trem, caminhos novos eu tracei, nas indas e vindas me formei, trouxe o passado, levei o futuro, parei no tempo. Que tanto caminho eu andei, mas sou o trem, transporte de vocês, em novas cores e alegrias pra dizer que eu voltei. (Sem referência)
Adentrando na área, há uma outra paisagem, oculta, por trás do muro. Poderia ser
descoberta por um observador mais atento ou mesmo um transeunte mais curioso. Na ocasião,
foi documentada outra realidade: uma paisagem que não era vista por quem esperava o trem,
na plataforma. Por isso, nesta pesquisa, a imagem que a documenta foi intitulada “Uma
paisagem oculta”. (FOTO 10)
55 Essa empresa e sua área de domínio foram restauradas pelo Projeto de Revitalização e Paisagismo para a Área
do Domínio da Companhia Brasileira de Trens Urbanos, elaborado pela Comissão Permanente de Desenvolvimento do Centro Histórico de João Pessoa. Foram implementadas as seguintes obras: recuperação do edifício-sede, substituição dos muros por gradis de proteção para os trilhos e jardinagem nos espaços externos. Os trens urbanos foram recuperados e, atualmente, são alternativas de transportes (passeios) também para turistas.
111
FOTO 10: Vila Nassau. “Uma paisagem oculta”. AUTOR: Stanley M. Souza. 2001.
A FOTO 10 registra a paisagem da (des)construção que permeia a busca de um
lugar para morar. Essa é uma ocorrência comum, nessas comunidades. Na Vila Nassau, esta
casa estava sendo construída sobre o mangue aterrado, em área permanentemente alagada
pelo fluxo da maré.
A parir desse primeiro contato, os parâmetros para observar a área objeto de
estudo foram repensados. Antes dessa “descoberta”, a paisagem seria observada a partir dos
limites de demarcação da área de estudo: ao norte, a rua Frei vital; ao sul, a Ponte do Sanhauá;
a leste, o Centro Histórico e a oeste o rio e o mangue. Todavia, esse critério não
proporcionava a visualização adequada para apreender a paisagem “esteticamente” assim
concebida. A paisagem observada, a partir de seus limites, não seria apreendida por suas
peculiaridades. Era necessário adentrar-se nas comunidades para perceber o que se ocultava
sob a aparência. Portanto, evidenciava-se a necessidade de buscar novos ângulos para
observar as diversas perspectivas como se apresentam a paisagem e as comunidades. Esse foi
112
um primeiro aprendizado e logo de início.
Fundamental seria obter uma circunvisão56 do objeto de estudo, então redefinido.
Porquanto, já não era mais a pesquisa na comunidade Porto do Capim, pois havia também a
Vila Nassau, nessa área, tradicionalmente conhecida como Porto do Capim. Assim, elaborou-
se uma fórmula para conceber Paisagem da forma como é considerado o objeto de estudo,
nesta pesquisa57:
As comunidades Porto do Capim e Vila Nassau ocupam essa área, sem nada a
separá-las, aparentemente, mas permanecendo distintas por “sutis” diferenças que foram
sendo identificadas nos trabalhos de campo. Elas seriam observadas de longe, de perto, por
dentro e, como os viajantes, “olhando por cima e de frente”. Murilo Marx (1996). Foi assim
que tudo mudou: as observações seriam feitas de qualquer ângulo que proporcionasse uma
circunvisão da Paisagem. Portanto, a partir do mirante do Hotel Globo, de cima da ponte do
Sanhauá, do leito do rio e nas ruas desencontradas das comunidades Porto do Capim e Vila
Nassau. Outras surpresas surgiriam no percurso desta pesquisa, no seio dessas comunidades.
Na paisagem oculta por trás do muro, ocultavam-se também relações complexas. A paisagem
oculta passou a representar todos os recantos que se constrói no cotidiano dessas
comunidades, mas que permanecem ocultos até que sejam revelados.
O trecho do muro que não foi derrubado e substituído pelos gradis de proteção aos
56 Circunvisão, conforme o método fenomenológico, para apreender além do limite visualizado, o que se oculta
na aparência do fenômeno observado, de forma a apreender a sua essência. 57 Nesta fórmula, paisagem corresponde à área visualmente percebida, a partir de um ponto relativamente
elevado de seu entorno; comunidades, ao grupo de moradores (primeiras famílias) e seus descendentes que se estabeleceram na área, desde o início do processo de ocupação. Portanto, Paisagem, a que se apreende quando observada pelo seu interior, a que traduz as relações complexas: homem-meio, relações sociais e as práticas cotidianas. Essa paisagem só pode ser realmente apreendida quando observada a partir diversos ângulos, em diferentes momentos e, após observá-la “de fora”, adentrando-se nela própria, no interior da área, quando o sujeito observador se identifica com o próprio objeto de estudo.
paisagem + comunidades = Paisagem
113
trilhos da via férrea esconde os moradores excluídos da cidade e da própria cidadania que o
“Plano de Revitalização” não recuperou. Varreu apenas a sala de estar e os cômodos dos
patrões. Não se deu ao trabalho de verificar se havia algo precioso a recuperar, no “quintal”.
No retorno à plataforma da Estação, em meio às anotações da “visita”, ouve-se o silvo do
trem que se aproxima. O som característico da locomotiva também é parte do cotidiano dos
moradores, assim como os passageiros que embarcavam naquele fim de tarde.
Reafirma-se então, a importância da observação e da descrição como
procedimentos metodológicos. O próprio olhar se tornara mais aguçado e exigente depois
dessa primeira experiência de observação. Todavia, a descrição não se processa tão
livremente. Ela é contida por regras metodológicas, cerceando o relato espontâneo, como as
primeiras descrições: deslumbradas, indignadas, românticas. O rigor científico, tradicional,
rejeitou a parcialidade, a subjetividade e a intuição. A descrição fria e precisa não deixa
transparecer os sentimentos, mas o fenômeno é pleno de sentido e de significado. Relações
sociais se processam cotidianamente, deixando suas marcas na paisagem, transformando-a
continuamente. A percepção não se dá sem a subjetividade do pesquisador, que observa e
analisa um processo do qual participa. A intuição e a percepção se tangenciam no processo de
apreensão das essências.
Em seus propósitos, esta pesquisa se reporta à fenomenologia, pela
intencionalidade, um dos princípios da que considera ser possível apreender a essência do
fenômeno pelo processo de redução fenomenológica, e ao método fenomenológico, pela
circunvisão para revelar o que, na maior parte das vezes, se oculta. Portanto, visa interpretar o
que se mostra, revelando o que então se manifesta, mas que, no início e na maioria das vezes,
não se deixa ver.58
58 Concepção filosófica nascida na segunda metade do século XX, idealizada por Franz Brentano (1838-1917)
que, a partir de suas análises sobre a intencionalidade da consciência humana, elaborou o Princípio da Intencionalidade que busca interpretar e descrever os fenômenos que se apresentam à percepção. A Fenomenologia surgiu, opondo-se ao pensamento positivista do século XIX e à separação entre “sujeito” e
114
4.2 Se nos deixam falar...
Neste subtópico, a partir da escuta dos depoimentos dos moradores das
Comunidades Porto do Capim e Vila Nassau, a pesquisa aborda a relação com o meio,
especificamente, as alternativas de construção das moradias e as estratégias de sobrevivência
econômica. Embora tenham sido considerados alguns dados quantitativos, optou-se pela
pesquisa qualitativa, sendo relatados os depoimentos dos idosos que moram a mais tempo no
lugar com suas famílias, e os fatos observados considerados mais relevantes para analisar a
condição econômica e social nessas comunidades.59
Inicialmente foram coletados depoimentos dos moradores mais antigos da rua
Porto do Capim e suas ramificações (becos), onde residem as famílias mais antigas e mais
numerosas. Posteriormente, foram entrevistados os chefes das famílias da Vila Nassau. A
história dessas comunidades se torna conhecida nos depoimentos de seus moradores mais
antigos e comprova-se no cotidiano das novas gerações. 60
As lembranças dos moradores mais antigos do Porto do Capim, as recordações de
acontecimentos de suas vidas, quando chegaram ao lugar, são inestimáveis para resgatar as
transformações causadas na paisagem pelo processo de ocupação da área. Por isso, a opção
“objeto”, uma reação à pretensão dos cientistas de eliminar a metafísica da pesquisa científica. Edmund Husserl (1859-1939), um dos principais idealizadores da fenomenologia, considerava a experiência básica da consciência, não interpretada, e a questão do que é a essência das coisas, vindo a elaborar o princípio da redução fenomenológica – a "redução eidética" – que leva à essência do fenômeno. A pesquisa se remete ao método fenomenológico e hermenêutico relativo à intenção de dirigir a atenção (a circunvisão) para trazer à luz o que se oculta no que, na maior parte das vezes, se mostra. O método vai diretamente ao fenômeno, procedendo à sua análise, pondo a claro o modo como da sua manifestação. In: pesquisas On-line: COBRA, R. Q. Fenomenologia – páginas sobre livros e correntes da Filosofia. Disponível em: <www.cobra.pages.nom.br>. Acesso em 21 ago. 2006. RELPH, E. C. As bases fenomenológicas da geografia. Disponível em: <www.ub.es/geocities>. Acesso em: 21 ago. 2006.
59 A escolha do título – Se nos deixam falar... – se remete à fala de Domitila, uma mineira boliviana que, na década de 1980, na Praça João Pessoa, relatava publicamente o cotidiano das mulheres que trabalham nas minas da Bolívia. Na ocasião, Domitila foi apresentada por Moema Viezzer (1978).
60 São cinco gerações, considerando que o morador mais antigo veio em 1950. Portanto, passaram-se mais de cinqüenta anos de ocupação e formação dessas comunidades. Os moradores entrevistados conhecem o motivo das entrevistas e concordaram que seus nomes fossem citados. As falas são transcritas em linguagem usual, conservando as expressões próprias do lugar, mas, omitindo-se eventuais vícios de linguagem e erros gramaticais, pois, a pretensão é apreender o significado das falas e resgatar a formação dessas comunidades.
115
pela história oral, através do registro das lembranças de velhos, pois, como afirma Ecléa Bosi
(1995), referindo-se às pessoas idosas, “Nelas é possível verificar uma história social bem
desenvolvida: elas já atravessaram um determinado tipo de sociedade, com características
bem marcadas e conhecidas; elas já viveram quadros de referência familiar e cultural
igualmente reconhecíveis [...]” (BOSI. 1995, p. 60). Vale ressaltar a função social da memória
(HALBWACHS, 1990). Essa função se traduz numa espécie de obrigação social para o idoso,
mas que não pesa sobre o homem ativo, de outras idades. Portanto, essa obrigação – “de
lembrar e de lembrar bem” é atribuída ao velho bem como a sua função social. Todavia, não
foi sempre assim: “Nem toda sociedade espera, ou exige, dos velhos que se desencarreguem
dessa função. [...] na sociedade em que vivemos, [...] o homem já afastado dos afazeres mais
prementes do cotidiano se dá mais habitualmente à refacção do seu passado” (BOSI, ibidem,
p. 63). Vale ressaltar, também, a possibilidade de “desfiguração” do passado, quando da
reconstrução da memória, pois, ao ser remanejado, não se isenta dos preconceitos veiculados
nas idéias e nos ideais presentes do velho (HALBWACHS, ibidem). Portanto, a pesquisa se
remete à memória dos idosos, acompanhando-os nessa viagem de volta à aos tempos idos,
vividos nesse lugar. Nos depoimentos coletados foram revelados fragmentos da história do
lugar, “do tempo em que não havia casas nem passavam carros”, conforme o depoimento de
um morador da rua Porto do Capim. Registra-se, nesses depoimentos, uma paisagem que
persiste na memória dos moradores dessas comunidades, agora resgatada nos relatos aqui
descritos. Ao longo da pesquisa, já passada a incerteza (desconfiança ou timidez) os
depoimentos dos moradores mais antigos, sobre suas vidas e sobre o lugar quando chegaram,
fluíram de forma mais espontânea. Fluíram, também espontaneamente, vínculos de amizade e
confiança com os recordadores, “o principal esteio do método de abordagem”, conforme
constata Bosi (ibidem, p. 37-8): “Esse vínculo não traduz apenas uma simpatia espontânea
que se foi desenvolvendo durante a pesquisa, mas resulta de um amadurecimento de quem
116
deseja compreender a própria vida revelada do sujeito”. Na coleta dos depoimentos, procurou-
se captar o início do processo de ocupação, as alternativas de construção de moradias e as
estratégias de sobrevivência econômica. Por ocasião das entrevistas, as falas foram
direcionadas para estas questões, mas, como observa ainda essa autora (BOSI, ibidem, p.39):
“A memória é um cabedal infinito do qual só registramos um fragmento. Freqüentemente, as
mais vivas recordações afloravam depois da entrevista, na hora do cafezinho, na escada, no
jardim, ou na despedida no portão”. Mas nem tudo foi registrado, pois, no momento de
observação a sutileza leva a respeitar o que se revelou em confiança.
Em momentos assim foi sendo resgatada a paisagem, há mais de cinqüenta anos,
quando começaram a vir os moradores que se estabeleceram nestas comunidades, aumentadas
com o crescimento das famílias e a vinda dos moradores novos que continuavam a chegar,
agregando-se aos mais antigos.
4.2.1 As primeiras habitações, o rio e a maré
Este subtópico foi elaborado a partir dos relatórios das observações em campo e
dos relatos dos depoimentos. Aborda-se, inicialmente, a relação das comunidades com o rio e
o mangue e, ainda, o processo concomitante de aterro e construção de moradias sobre o
mangue, com arrimos de contenção ao fluxo da maré. Num segundo momento, o enfoque é
direcionado para a introdução de novos métodos, técnicas e materiais no processo de
construção das novas moradias, que além de mais resistentes às inundações, são construídas
em ritmo mais acelerado.
Os depoimentos revelam os desafios enfrentados na construção das moradias,
quando se estabelecia uma relação complexa com meio. Ao narrarem fragmentos de suas
lembranças, quando chegaram ao lugar que “escolheram” (ou encontraram) para morar, os
117
moradores pareciam estar falando para si mesmos, como se estivessem revivendo os
momentos buscados na memória.
O depoimento de alguns moradores antigos resgata a construção das moradias no
início do processo de ocupação da área. A construção de casas de taipa em terreno
periodicamente alagado propiciou a prática de aterramento, utilizando-se todo tipo de
entulho.61 O desabamento das casas, no período chuvoso, quando as cheias são mais intensas
e, conseqüentemente, a reconstrução formam um ciclo de tentativas que, não obstante os
dissabores causados, levaram ao aperfeiçoamento da prática de aterramento. O aterramento e
a reconstrução das casas de taipa após o desabamento são experiências vividas pelos
moradores mais antigos. Esses fatos fazem parte da memória coletiva, sendo citados em
todos os depoimentos, assim como outras ocorrências vivenciadas pelas comunidades: a
construção da Igreja Batista no terreno doado por Seu Oscar e Dona Marieta, os episódios
envolvendo o trabalho dos fiscais da alfândega e, sobretudo, a relação com o meio e as
experiências de (re)construção das moradias, experienciadas por todos os grupos familiares.
Nessa constatação, a pesquisa se reporta à afirmação de Maurice Halbwachs (1990, p. 26):
[...] nossas lembranças permanecem coletivas, e elas nos são lembradas pelos outros,
mesmo que se trate de acontecimentos nos quais só nós estivemos envolvidos, e com objetos que só
nós vimos. É porque, em realidade, nunca estamos sós. Não é necessário que outros homens estejam
lá, que se distingam materialmente de nós: porque temos sempre conosco e em nós uma quantidade de
pessoas que não se confundem.Alguns depoimentos descrevem a paisagem, como a fala da
senhora Júlia (84 anos). Dona Júlia e sua filha Luisa (42 anos) moram numa casa de bom
padrão de construção, perto da maré. Esta senhora costura e faz almofadas, “para passar o
61 Entulho: pedregulhos, fragmentos ou restos de tijolo, materiais inúteis resultantes de demolição, escombros, e
ruínas. Muitos materiais são doados ou utilizados em venda casada – o entulho é doado na compra do material de construção, conforme declararam alguns moradores. Todavia essa prática não foi investigada. Mas, a concentração de empresas do ramo da construção civil, nessa área, favorece a proliferação de entulho. Em trabalho de campo, chamou a atenção uma grande quantidade de retraços de mármore depositados à beira do mangue, na Vila Nassau, proveniente da marmoraria que ali existe. Essa empresa polui intensamente o ar e o rio, sendo os seus resíduos, os retraços de mármores, muito utilizados na prática de aterramento.
118
tempo”. Dona Júlia é viúva, mãe de 22 filhos (dos quais 10 ainda estão vivos), 70 netos, 85
bisnetos e 20 tetranetos. Alguns de seus descendentes moram no Porto do Capim, como seus
netos John Lennon (15 anos) e sua irmã Elisa (17 anos), que moram com os pais, numa casa
próxima à sua. Antes de mudar para o Porto do Capim, Dona Júlia morava na Ilha do Marques
ou, como ela mesma se refere, “na Ilha Felisbela, de italianos”.62 Migraram da zona rural da
cidade de Guarabira, onde viviam. Na ilha do Marques, trabalhou em viveiro de peixes. Está a
40 anos no Porto do Capim. Lembra que para se chegar ali,
[...] só de carroça, não passava carro. E também de canoas, quando tinha uma necessidade. As canoas traziam agave, tinha um depósito de agave, uma saboaria e uma cantina na Praça XV de Novembro. Só tinha mangue e a maré – camboa – não tinha luz, nem telefone [...] e a Receita Federal controlando. Queimavam tudo, móveis, quando era bebida, eles derramavam (Depoimento em 09 de agosto de 2004).
Moradores do Porto do Capim há 45 anos, a senhora Severina (75 anos) e seu
marido, Antonio (da mesma idade), que trabalha no Sindicato dos Arrumadores, na Vila
Nassau, vieram da zona rural de Alagoinha, para trabalhar no abate de baleias.63 O casal tem
sete filhos, vinte netos e muitos bisnetos. Na mesma casa, moram sua filha Mariana (39 anos),
seu genro Joaqim (45 anos) e um casal de netos – Letícia (20 anos) e Tiago (16 anos). Dona
Severina relata o que lembra quando chegou à rua Porto do Capim:
[...] só tinha cinco casas [...] o primeiro casal, o Seu Oscar e Dona Marieta, freqüentavam a Igreja Batista. Não tinham filhos, então doaram a casa deles para ser construída uma Igreja Batista, no lugar, quando morressem. Assim foi feito. A igreja foi construída no lugar da casa de Seu Oscar e Dona Marieta. [...] A Alfândega era o lugar onde ficavam guardadas as mercadorias de contrabando. O prédio da Alfândega? Roubaram tudo e
62 A Ilha do Marques é uma das ilhas existentes no curso do rio Paraíba do Norte. Há outras ilhas: Ilha da
Restinga, Ilha do Stuart e outras. Ver Mapa das ilhas do Rio Sanhauá no subtópico 4.3 – Momentos... o sagrado e o profano presentes na paisagem.
63 A pesca da baleia era praticada no litoral do Estado da Paraíba (Ilha de Costinha), até ser proibida pelos órgãos competentes. a Portaria N-11, SUDEPE, de 21.02.1986, que proíbe a perseguição, caça, pesca e captura de cetáceos. Com a regulamentação da proibição de molestamento de cetáceos, em águas jurisdicionais brasileiras, Portaria nº 117, de 21.12.1996/IBAMA e as Leis 7643/87 e 7653/88, a pesca da baleia foi encerrada.
119
tantas famílias precisando de um lugar para morar [...] a minha casa o piso já passou por várias reformas, mas a água sempre inunda, tem um olho d’água, por isso eu gostaria de morar numa casa melhor, com mais conforto (Depoimento em 09 de agosto de 2004).
A casa de Dona Severina fica localizada de frente ao prédio da alfândega, a
cinqüenta metros da Igreja Batista, um pequeno templo, bonito e de bom padrão de
construção. Ao rememorar, sobre o monumento, “[...] roubaram tudo e tantas famílias
precisando de um lugar para morar [...]”, parece sugerir sua utilização pela própria
comunidade, ao monumento que lhes é familiar. Seu semblante parece expressar, ao mesmo
tempo, sentimentos de perda e nostalgia. As lembranças de Dona Severina, a respeito do
prédio onde funcionou a Alfândega, dos roubos e da deterioração do monumento, encontram
eco ainda hoje. Todo o teto era de madeira nobre (Pinho de Riga) e foi roubado como
informou a arquiteta Sônia Maria Gonzáles, da equipe técnica da Comissão de
Desenvolvimento do Centro Histórico de João Pessoa.
Em 10 de janeiro de 2005, a senhora Cecília, 66 anos, e seu marido o senhor
Severino, também com 66 anos, foram entrevistados. O casal mora na rua Frei Vital e veio do
Engenho Veneza. Atualmente, Seu Severino trabalha com mecânica de automóveis, em
Bayeux, município localizado ao sul de João pessoa. Antes de construir a casa onde moram,
Seu Severino e Dona Cecília fizeram várias tentativas de moradia: “levantando” casas de taipa
com reboco de barro, mas a maré cheia sempre inundava e as destruía. O filho mais velho já
morreu, era pedreiro. Agora, na casa de Dona Cecília e Seu Severino moram três pessoas, o
casal e a filha mais nova, Maria da Penha, com vinte anos, estudante do segundo grau. Dona
Cecília é dona de casa e seu marido assume as despesas domésticas. No terraço de sua
residência, voltado para a rua Frei Vital, Dona Cecília relata:
Terminamos de construir a casa e a maré alagou. Não foi essa casa não, foi a primeira casa, era de taipa, tapada de barro. Mas foi uma maré tão grande que a gente não sabia... aí depois fizemos esta. Aqui a maré não vem mais tomar conta da rua não. [...] Se tinha muita gente com casa alagada? Toda
120
essa parte de aterro tinha muita gente, todas essas pessoas daqui. Ficou tudo alagado, quem não saiu ficou dentro de casa mesmo, só tinha lama. Ainda tem esse problema, mas não é mais aqui, lá pra trás, enquanto há buraco tem casa e gente demais. As pessoas continuam construindo na maré. Mas, tem uma senhora e com ela quantas famílias moram junto da maré, se a gente for contar, desta parte aqui até o trapiche (Depoimento em 5 de janeiro de 2005).
Os depoimentos dos moradores traduzem a forte ligação com a maré. A relação
com o meio revela sua complexidade nos sentimentos que são despertados em circunstâncias
diversas: medo nas invasões das marés cheias, aversão aos mosquitos que proliferam,
dominação por aterros em busca de novos espaços. As famílias que moram nas casas
ribeirinhas se defendem improvisando aterros e instalando alpendres na extensão de seus
quintais. Alguns desses quintais são bem cuidados, sendo comum o cultivo de roseiras,
pimenteiras, cebolinhas e outras ervas. Nessas áreas os moradores improvisaram áreas de
trabalho (lavanderia e cozinha) e de lazer: foram instaladas estruturas voltadas para o rio,
terraços, onde são realizadas festas de aniversários, comemorações natalinas ou simplesmente
ou um lugar para conversas entre parentes, vizinhos e amigos. Desfrutam então de momentos
de descontração e prazer: a beleza do por do sol, os mergulhos no rio e as conversas em noites
de lua cheia. Além dos quintais, foram instaladas outras estruturas de uso comum, como
trapiches e ancoradouros – que, além de facilitar o acesso dos pescadores, estimulam a
aproximação dos moradores com o rio e com o mangue, prestando-se a usos de lazer:
trampolim, ponto de partida para passeios em canoas, também ali ancorados. Nos dias festivos
são embandeirados. (FOTOS 11 e 12)
121
FOTO 11. Ancoradouro no Porto do Capim/Rio Sanháuá. AUTORA: Ana Maria Barbosa. 2003
A FOTO 11 registra um dos espaços mais utilizados pelos pescadores, à margem
do rio Sanhauá, onde foi instalado um rústico ancoradouro. Ao longo do rio há outros
ancoradouros como este, bastante utilizados, apesar da pesca, cada vez mais retraída, pela
poluição do rio e a “concorrência” com embarcações mais sofisticadas – lanchas e barcos de
pequeno e médio porte – que navegam no leito do rio.
122
FOTO 12. O trapiche. Porto do Capim. AUTORA: Flora Araújo Coura. 2005
A FOTO 12 registra outro ancoradouro denominado “O Trapiche”. Construído
pelos moradores incentivados pelo Senhor Bastos, morador do Porto do Capim, este
ancoradouro desempenha várias funções, além da ancoragem para as canoas dos pescadores:
trampolim para mergulhos no rio e via de passagem para a imagem de Nossa Senhora da
Conceição, uma vez ao ano, na manhã de 08 de dezembro, em procissão até a Ilha da Santa,
pelo Rio Sanhauá/Parahyba. Ao longo dos 20 anos de realização do cortejo religioso, essa
passagem conferiu um atributo significativo ao trapiche que é mantido e zelado por todos os
moradores, pela função de passagem da imagem que simboliza o sagrado entre os moradores,
nessa data.64
64 O senhor Bastos foi o líder comunitário que antecedeu à Senhora Roseane, atual representante dos moradores
nas comunidades Vila Nassau e do Porto do Capim, exercendo também a função de ACS, junto ao PSF Unidade Varadouro I, com mais outras três moradoras que também exercem a função de Agentes Comunitárias de Saúde, cadastradas no Programa Saúde na Família. Mesmo tendo sido empossada na função de presidenta da Associação dos Moradores, por pleito eleitoral, a liderança, nessas comunidades encontra-se dividida, pois o senhor Basto se diz o “verdadeiro líder”, com o apoio de uma parcela da população que, embora restrita, interfere inibindo a administração da representante atual e a participação dos demais
123
4.2.2 As moradias
A princípio, as casas eram construídas em taipa, conforme o depoimento da
senhora Rosineide, 42 anos: “A Frei Vital foi crescendo, no encontro da Frei Vital com a
Porto do Capim, foi descendo. [...] Na maré está cheio de casa, mas não tem nome não. Rua
beira de maré? Essas casas eram de taipa, era tudo de taipa” (Depoimento em 10 de janeiro de
2005).
Em 12 de janeiro de 2005, o senhor Epitácio Lima foi entrevistado. Seu Epitácio
tem 73 anos, é casado com a senhora Josineide de 66 anos; ele era trabalhador braçal e Dona
Josineide era operária de uma fábrica. Agora ambos são aposentados. A renda do casal é de
dois salários mínimos. Com eles mora sua neta Maria Aparecida, de 27 anos, com a filha de
três anos (bisneta do casal). Maria Aparecida é babá e ganha R$150,00 (cento e cinqüenta
reais), sem carteira profissional assinada. Seu Epitácio veio em 1950, ainda criança, com seus
pais, migrantes da zona rural do sertão paraibano. O casal deu continuidade ao processo de
construção das moradias. No terraço da casa de um dos seus filhos, Seu Epitácio declarou:
[...] cheguei aqui em 1950, ainda pequeno. Vim rebocado. Antes morava no sertão, numa fazenda em Pombal. Aqui era muito diferente. Construía uma casa de taipa e a maré derrubava. Depois esta daqui, e fomos construindo as outras, Era muita gente, doze filhos, netos e bisnetos. Quantos? Só se sair pelo mundo afora com um computador (risos). Nestas sete casas moram sete filhos. São uns cinqüenta meninos só nessa ruazinha aqui (Depoimento em 10 de janeiro de 2005).
Todo esse núcleo urbano que se formou, a partir do processo de ocupação
desordenada, se transformou nesta favela, onde se formaram estas duas comunidades: a Vila
Nassau e a Comunidade Porto do Capim. O critério estabelecido pelo IBGE considera favela,
o aglomerado de pelo menos cinqüenta domicílios, na maioria carente de infra-estrutura,
moradores, impedindo que os mesmos assumam uma postura crítica a respeito do processo de gestão comunitária. A procissão religiosa é focalizada no sub-tópico 4. , deste segmento.
124
localizado em terrenos não pertencentes aos moradores. Autores como Lúcio Kowarick (1979,
p. 82), explicam a contrapartida criada pelas melhorias introduzidas nos espaços urbanos:
“[...] milhares de desalojados e desabrigados que cedem seus locais de moradia para grupos de
renda que podem pagar o preço do progresso que se opera através de uma enorme especulação
imobiliária”. Raquel Rolnik (1988, p. 41) associa esse fenômeno urbano ao processo de
segregação urbana ou segregação espacial, como são denominados “[...] esse movimento de
segregação das classes sociais e funções no espaço urbano [...] é como se a cidade fosse
demarcada por cercas, fronteiras imaginárias, que definem o lugar de cada coisa e de cada um
dos moradores”. Conforme explica ainda essa autora, a intervenção do Estado nas cidades,
remonta às transformações sociais, econômicas e políticas decorrentes da emergência do
capitalismo com grande impacto na ordem espacial vinculada à mercantilização do espaço. A
moradia também se tornou mercadoria e, como tal, acessível apenas aos que possuem renda
para adquiri-la. A lógica capitalista passou a determinar as políticas de ocupação do solo
urbano: “[...] uma forma de ocupação [...] dividida em lotes geométricos, facilmente
mensuráveis para que a eles se possa atribuir o preço. A lógica capitalista passa a ser então
um parâmetro essencial na condução de uma política de ocupação da cidade [...]” (ROLNIK,
p. 54-5).
O Estado, através do instrumento regulador, o planejamento urbano, atua sobre os
equipamentos sociais, impondo modelos homogêneos para as cidades e para os cidadãos.
Predominam os padrões predeterminados que seguem a lógica capitalista, reproduzindo,
indiscriminadamente, o projeto padrão da cidade. No âmbito do planejamento urbano, todas
as alternativas de moradia que não estejam adaptadas às regras pré-estabelecidas são
consideradas marginais. Em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador, as favelas
situaram-se, inicialmente, nas encostas dos morros, em áreas alagadiças, ocupando terrenos
públicos ou propriedades privadas. Estando assim, precariamente localizadas, permaneceram
125
por muito tempo “escondidas”, ao abrigo das especulações (KOWARICK, 1980). Arlete
Moysés Rodrigues (2001) explica que as favelas, até então “escondidas”, tornaram-se visíveis
com a expansão do processo de industrialização-urbanização, um problema que ao longo do
tempo tem sido visto de diversas formas:
• como local de marginais, sendo necessário erradicá-las;
• como local onde se conseguem votos, sendo necessário visitar os favelados;
• como resultado do processo de migração, sendo necessário educá-los para que se
integrem ao meio urbano e, gradativamente, passem a morar numa casa de
alvenaria, e se incorporem ao mercado de trabalho e à cidade.
Outras formas de ocupação, embora apresentem as mesmas razões que as favelas,
se caracterizam pela ação organizada, e em blocos, também sem infra-estrutura de moradias.
O que caracteriza as favelas, diferenciando-as desses outros processos é a natureza da
ocupação das terras, conforme explica ainda Arlete Moysés Rodrigues (2001, p. 39-40):
A maior parte das favelas ocupa terras públicas, da União, Estado ou Município. [...] o que também explica porque as favelas ocupam as piores terra, as que apresentam maiores problemas de enchentes, de desabamentos, e que deixam seus moradores expostos ao risco de perder seu barraco quando não sua vida. Os favelados não são proprietários jurídicos das terras que ocupam. Contestam as formas institucionais que regem o direito ao uso do solo urbano, na medida que pela necessidade de morar, de sobreviver, ocupam um pedaço de chão. [...] As favelas são para a população, uma estratégia de sobrevivência. Uma saída, uma iniciativa, que levanta barracos de um dia para o outro, contra uma ordem desumana, segregadora. Uma iniciativa que desmistifica o mito da apatia do povo: é apático o indivíduo que luta para sua sobrevivência, que busca resgatar sua cidadania usurpada.
As estratégias de sobrevivência à segregação e ao sistema convencional de
habitação imprimem uma nova estética na paisagem – a estética das comunidades. Nas
comunidades estudadas, o processo de aterramento e autoconstrução continua, agora com a
utilização de novos materiais, mais resistentes ao fluxo das marés. Atualmente, as moradias
são construídas em alvenaria, com cobertura de telhas cerâmicas, pelos moradores e seus
próprios familiares – os filhos dos moradores que constituíram família e passaram a residir em
126
casas recém construídas ou ainda por concluir. Portanto, as comunidades Porto do Capim e
Vila Nassau se formaram num processo continuado de autoconstrução da moradia pelos
próprios membros da família. Neste subtópico focaliza-se a relação com o meio, o processo
de aterramento, as construções em taipa e reboco de barro.
Na Vila Nassau, o processo de construção das moradias ocorre, geralmente, em
três etapas: aterro, “levantamento” de uma estrutura para preenchimento e cobertura. Alguns
moradores dessas comunidades declararam que o material utilizado é doado pelas empresas
do ramo: marmoraria, material de construção e outras. Outros moradores afirmaram que, além
de doarem o aterro, as empresas financiam também a compra de material de construção.
(FOTOS 13 e 14)
FOTO 13: Casa de taipa na Vila Nassau. AUTORA: Vera Lúcia Araújo. 2001
A FOTO 13 registra uma casa construída em taipa, na Vila Nassau, enquanto a
FOTO 15, a seguir, registra uma construção em que se utiliza esse material. Portanto, quatro
127
anos depois esse processo ainda persiste, embora novos materiais (madeira, alvenaria) e novos
métodos (utilização de estruturas prémoldadas) tenham sido introduzidos ao processo de
construção, sendo utilizados por moradores ou empreiteiros, envolvendo mais recursos.
Portanto, a lógica capitalista permeia também as formas irregulares de ocupação/construção.
FOTO 14. Construção em taipa.
AUTOR: Jorge Flávio Kasé. 2005
A FOTO 14 registra, ainda, o material para entulho depositado sobre à margem do
rio. A doação de material para aterramento é um fato relatado em todos os depoimentos e, ao
que tudo indica, está condicionada à aquisição de material de construção – venda casada –
embora esta possibilidade não tenha sido investigada. Com o novo processo de construção a
obra demora, em média, em 15 dias. (FOTOS 15 e 16)
128
FOTO 15: Vila Nassau: Casa Cons-truída em estrutura pré-moldada. AUTOR: Jorge Flávio Kasé. 2005
A FOTO 15 registra uma residência na Vila Nassau cuja construção empregou
estrutura pré-moldada. Esse processo permite ao construtor “levantar” uma moradia em 15
dias (em média). Essa técnica é muito utilizada na Vila Nassau onde a comercialização
(aluguel e vendas) foi assimilado mais rapidamente, nesses últimos dois anos, em comparação
à pratica de autoconstrução no Porto do Capim, onde predomina, ainda, o processo de
construção familiar em mutirão.
129
FOTO 16. Vila Nassau: Casa construída em madeira. AUTOR: Jorge Flávio Kasé. 2005.
Nas comunidades Porto do Capim e Vila Nassau, o processo de autoconstrução de
moradias se constitui um significativo fator de transformação da paisagem. Todavia,
atualmente, observa-se uma diferença significativa relativamente ao processo de
ocupação/construção. Embora, na sua origem, os moradores dessas comunidades tenham
vivenciado a mesma experiência – aterramento, construção em taipa, inundação, desabamento
e reconstrução – um ciclo muitas vezes repetido –, na Vila Nassau, os novos métodos
aceleraram o processo e melhoraram a qualidade da unidade em termos de resistência,
enquanto na comunidade Porto do Capim, embora a utilização de alvenaria no processo seja
um fato consolidado, predomina as construções, em mutirão, para moradia dos familiares.
Outra particularidade que as diferencia é o fato de que na Vila Nassau pratica-se a
130
comercialização de unidades construídas, com a participação do intermediário, o que não se
verifica na Comunidade Porto do Capim, onde prevalece o processo de mutirão com a
participação dos membros da família. Todavia, esse processo permanece pendente de
investigação para sua comprovação. Vale esclarecer que, na comunidade Porto do Capim, os
espaços para construção de moradia foram totalmente ocupados, e, na Vila Nassau, ainda
existem espaços passíveis de ocupação. (ver Mapa 1, p. 19)
4.2.3 Ruas e Becos
Este subtópico versa sobre a “estrutura urbana” criada, espontaneamente, com o
processo de ocupação. Focaliza-se a disposição espacial das moradias que foram sendo
construídas, em mutirão, com a prática de aterramento. No CROQUI 1 – Localização das
Ruas e Becos das Comunidades Porto do Capim e vila Nassau – o traçado regular das ruas
Frei Vital, Visconde de Inhaúma, a Avenida Sanhauá, sobre a qual foram instalados os trilhos
ferroviários. Demonstra-se, também, o traçado da rua Porto do Capim, que se configurou uma
extensão levemente retilínea até se tornar sinuosa, em busca do rio. Das ruas Frei vital e Porto
do Capim desmembraram-se os becos. (CROQUI 1).
131
.
CROQUI 1: Localização das Ruas e Becos nas Comunidades Porto do Capim e Vila Nassau.
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO – As transformações na paisagem do Porto do Capim: leituras de uma paisagem urbana. João Pessoa- PB.
Autora: Vera Lúcia Araújo. Orientadora: Doralice Sátyro Maia.
No alto e à esquerda, a imagem reproduz o Beco Familiar Nº. 1 cuja localização
está assinalada por um ponto preto, na extremidade esquerda da rua Frei Vital. Nesse beco
reside Seu Epitácio Lima, assim como oito dos seus doze filhos que permaneceram na
Comunidade Porto do Capim. Suas casas foram construídas pela família, formando um
pequeno núcleo familiar. Morando nesse núcleo familiar, desmembrado da rua Frei Vital, a
Beco Familiar 2 da rua Frei Vital Beco Familiar 1 da rua Frei Vital
Beco de quartos de aluguel na rua Porto do Capim
Beco na Vila Nassau
132
família se considera residente nessa rua “[...] moramos na rua Frei Vital, d’aqui até o trapiche
é Rua Frei Vital”. No entanto, a pequena “via” se configura um beco com as seguintes
especificações: situado entre duas ruas, com entrada e saída, pavimentado com
paralelepípedos, medindo cerca de dois metros de largura, impossibilitado para o trânsito de
automóveis. Um beco que foi se desmembrando da Rua Frei Vital, à medida que iam sendo
construídas as casas dos filhos do Seu Epitácio. Esse beco é o “reduto da família Lima”,
conforme afirmou um dos seus filhos. São sete casas todas construídas no mesmo estilo e
padrão, com fachadas iguais, e um pequeno terraço à frente. Há quatro casas de um lado e três
do outro, frente à frente. O processo de formação desse núcleo familiar se originou em 1950,
com a vinda da família. Seu Epitácio, ainda criança, veio com seus pais, migrantes da zona
rural do sertão paraibano. A ocupação se iniciou e, quando adulto, Seu Epitácio, juntamente
com os filhos, deu continuidade ao processo que culminou com esse conjunto de moradias.
São casas construídas em alvenaria com cobertura de telha de cerâmica, resistentes e em
terreno livre de alagamentos, sem ocorrência de desabamentos.
Nesta pesquisa, os becos assim originados foram classificados de Beco Familiar.
Existem vários núcleos familiares, assim caracterizados, nas ruas Frei Vital e Porto do Capim.
Da rua Frei Vital, foi desmembrado, ainda, o Beco familiar Nº. 2 que se localiza entra as casas
da rua Frei Vital. Um ponto azul sinaliza sua localização, sendo reproduzida também a
imagem, no alto, à direita do croqui. Medindo menos de dois metros de largura, este beco é
composto de seis quartos conjugados, com banheiro no interior. É um beco sem saída onde
moram os familiares da senhora D.Dulce, 74 anos, moradora da rua Frei Vital, há 30 anos.
Sua casa está situada nessa rua, tendo comunicação com o Beco. Na calçada de sua casa que
fica ao lado do Beco Familiar-2, Dona Dulce declarou: “Aqui nesse beco são pessoas da
família, construímos para a família morar. Tem esse portão, precisa de conserto, mas é seguro.
A correspondência vem pra cá, uma Caixa Postal. São quartos com banheiro, mora uma
133
pessoa, tem uns que mora mais, a família” (Depoimento em 10 de janeiro de 2005).
Há becos que são formados por quartos ou domicílios com um só cômodo e
instalações sanitárias no interior do cômodo, tendo sido construídos pelo proprietário para
locação. Esses becos foram classificados como Becos de Aluguel. A imagem, à esquerda do
croqui, reproduz um desses becos, estando sua localização sinalizada por um ponto na cor
cinza (um desmembramento da rua Porto do Capim). A imagem na parte inferior e à esquerda
do croqui se refere a um beco situado na Vila Nassau. No croqui, sua localização é assinalada
por um ponto na cor violeta. Há ainda um beco com seis quartos de aluguel servidos por um
banheiro coletivo, com canalização direta para o rio, e outros becos, sem esses serviços
privados. Os becos familiares sejam eles formados por unidades de moradia, com vários
cômodos ou de um só cômodo com banheiro, diferenciam-se dos Becos de Quartos de
Aluguel, cujas unidades são ocupadas por pessoas sem qualquer grau de parentesco e que
pagam aluguel.65
Na Comunidade Porto do Capim, convivem várias gerações. A família de John
Lennon mora em uma casa perto da casa de sua avó. A senhora Biana mora numa casa com
filhos e netos e também sua filha Gabriela (27 anos, casada). A casa da Senhora Biana é um
desmembramento da Rua Porto do Capim, caracterizando-se um beco com casas precárias,
entre a rua e a Maré. A sua primeira casa localizava-se nessa rua, no lugar onde atualmente
funciona a Escola Estadual de Ensino Fundamental. Para construir esta escola, Dona Biana
mudou-se para o terreno logo atrás, onde foi construída uma “nova” casa, que não
correspondeu às suas expectativas, em relação ao que lhe havia sido prometido. À construção
da casa de Dona Biana surgiram outras, formando um pequeno núcleo que se configura um
beco com fortes relações de companheirismo e vizinhança. Em torno da casa da Senhora
Biana há várias moradias pertencentes aos seus familiares, tendo sido construídos quartos
65 Em 2001, quando a pesquisa foi iniciada, o aluguel de um quarto com banheiro custava R$ 60,00 (sessenta
reais). Em 2005 o preço do aluguel mensal era R$80,00 (oitenta reais).
134
agregados e, mais recentemente, a casa de sua filha Gabriela.
Assim, vão surgiram novos becos, agregados à rua Porto do Capim. Algumas
casas estão sendo construídas em becos. Muitos moradores moram em becos. Os becos não
têm nome e seus moradores consideram-se moradores da “rua principal” de onde foram
desmembrados, isto é, consideram-se moradores da rua Frei Vital, da rua Porto do Capim ou
da Vila Nassau. Na rua Porto do Capim foram mapeados três becos, mas; a partir destes
becos, outros vieram a se desmembrar, em direção à maré, formando sub-becos – Becos de
Beira de Maré –, conforme a expressão de Dona Rosilene: “rua Beira de Maré?”. Não são
arruamentos e a sua incidência demanda mais estudo, considerando a sua característica mais
marcante, a localização à beira da maré.
As moradias em ruas e becos não são as únicas estratégias a que recorrem às
famílias sem renda para pagar aluguel ou a casa própria. Em pesquisa recente (de junho a
novembro de 2005), observou-se ocupações inexistentes até 2002, em prédios localizados
nessa área. Há dois casos de ocupação, mas, sem conexão entre eles. Um desses prédios
ocupados está localizado no ponto em que a rua Porto do Capim e a Vila Nassau se
encontram. Nesse prédio, até 2002, funcionaram algumas das atividades (oficinas)
promovidas pelo projeto Folia Cidadã, então vinculado à agremiação carnavalesca Folia de
Rua. Com a transferência das atividades do Projeto Folia Cidadã para a favela Cangote do
Urubu, o prédio foi abandonado. Embora os componentes da banda La-ta-tá continuassem
utilizando uma das suas dependências para seus ensaios, o prédio foi ocupado por sete
famílias. Foram mantidos contatos com duas dessas famílias, em 16 de agosto de 2005. As
senhoras Regina (24 anos, três filhos) e Maria Salete (40 anos, seis filhos), prestaram
depoimento. De acordo com essas senhoras, não há uma administração em estilo de
condomínio, porém há disciplina. Embora não tenha sido possível visitar todas essas famílias,
pode-se perceber a precariedade nessas ‘moradias’. Apenas a ‘casa’ da senhora Maria Salete,
135
apresenta relativo conforto: é mobiliada, ‘dividida’ e decorada. No que diz respeito à
irregularidade da moradia a senhora Maria Salete esclarece: “Queriam nos expulsar daqui,
mas o juiz autorizou porque a gente não tem pra onde ir”. Este não é o único prédio ocupado
na rua porto do Capim. Duas famílias ocuparam o prédio onde funcionou a Portal, uma
fábrica de esquadrias de madeira. Constatou-se que a ocupação deu-se de forma diferente,
pois essas famílias alugaram suas casas e passaram a morar no prédio desocupado. “ [...] foi o
jeito de ter uma renda”, informou uma das senhoras. (FOTOS 17 e 18)
FOTO 17. Prédio ocupado, na Praça XV de Novembro. AUTORA: Flora Araújo Coura. 2005.
O prédio ocupado registrado na FOTO 17 se localiza no largo XV de Novembro,
entre as ruas Porto do Capim e XV de Novembro, no ponto em que as comunidades Vila
Nassau e Porto do Capim se tangenciam. Na FOTO são registrados os indícios da ocupação: à
frente do prédio o lixo depositado e, à direita, varal de roupas a secar ao fundo, vendo-se, ao
fundo, algumas casas da Vila Nassau.
136
FOTO 18. Prédio ocupado.Rua Porto do capim. 2005. AUTORA: Flora Araújo Coura.
O processo de ocupação desses prédios é diferente: no prédio da Praça XV de
Novembro (FOTO 18), as evidências sinalizam para uma ocupação previamente planejada, já
que essas famílias entraram no prédio quase ao mesmo tempo e permanecem com autorização
judicial. A ocupação do prédio da fábrica Portal (FOTO 18) é um caso atípico, pois as duas
famílias, moradoras da Comunidade Porto do Capim, possuem casa de moradia, mas
decidiram alugá-las por necessidade financeira. No entanto, esse processo necessita de novas
investigações. 66
Ainda na vila Nassau, foi constatada a existência de uma unidade multifamiliar,
em construção, também pendente de investigação. Nesta pesquisa, apenas foi informada a sua
existência, como mais uma alternativa de moradia, e sua localização no CROQUI 1. Ao sul da
Vila Nassau, há um outro Núcleo Familiar, uma propriedade particular, pertencente aos
66 Por não ser objetivo da pesquisa, o processo de ocupação dos prédios por essas famílias não foi investigado.
Todavia fizemos essa referência por se tratar de uma evidência da má qualidade de vida e um elemento marcante na paisagem dessas comunidades.
137
familiares de Francisco Corsino Bezerra (90 anos). Em 22 de novembro de 2005, o senhor
Josué (70 anos) e sua irmã Maria do Socorro (68 anos), filhos do Senhor Francisco,
informaram que esse senhor trabalhava na Capitania dos Portos. Tendo recebido o terreno, por
indenização, construiu sua casa, no período de 1964/65, agora uma pequena propriedade
familiar com várias moradias e uma área de plantio. 67 (FOTO 19)
FOTO 19. Campo de Futebol na Vila Nassau, vendo-se, ao fundo, a entrada para uma propriedade privada. AUTOR: Jorge Flávio Kazé. 2005.
67 Trata-se de uma propriedade particular, pertencente aos familiares de Francisco Corsino Bezerra (90 anos).
Em 22 de novembro de 2005, o senhor Josué (70 anos) e sua irmã Maria do Socorro (68 anos), filhos do Senhor Francisco, informaram que esse senhor trabalhava na Capitania dos Portos. Tendo recebido o terreno, por indenização, construiu sua casa, no período de 1964/65, agora uma pequena propriedade familiar com várias moradias e uma área de plantio. Esta propriedade é citada como referência - limite sul da área objeto de pesquisa.
138
4.2.4 Alternativas de sobrevivência econômica
Nas Comunidades Porto do Capim e Vila Nassau, da mesma forma como seus
moradores buscaram alternativas de moradia, procuram também alternativas de sobrevivência
econômica. Em 2003, era comum ver, à frente ou nas laterais de algumas casas, varal com
roupas a secar. Em outras, alguns avisos em tabuletas ou inscrições na parede: “vende-se din-
din”, “vendo refrigerante”, “água mineral”, “venda de gás”. Pelo menos dois bares
funcionavam na rua Porto do Capim. Em 2005, dois anos depois, os costumeiros varais
haviam sido substituídos por fiteiros, ao lado das casas, pequeninas vendas na sala da frente e
até mercadinho estruturados em área adaptada, contígua à residência do proprietário. (FOTO
20)
FOTO 20. Vila Nassau. Residência com mercadinho. AUTOR: Jorge Flávio Kasé. 2005.
A FOTO 20 mostra a atividade comercial na Vila Nassau – o mercadinho que
vende até peças de vestuário. Portanto, surgiu um pequeno comércio como alternativa de
sobrevivência econômica. Na Vila Nassau, além da venda de carvão, havia outras “atividades
139
comerciais”: O gelado Din-Din, que continua, é muito procurado e persiste a sua venda. A
Senhora Maria do Socorro (40 anos), complementa a sua renda com a venda do produto.68
Outros serviços são oferecidos, inclusive serviços de refrigeração. A venda desses pequenos
produtos convive com os fiteiros e vendas. Os mercadinhos começam a chegar. Na rua Porto
do Capim, existem dois mercadinhos que pertencem a José Valentim e Renato Soares. Estes
comerciantes parecem ser os mais bem sucedidos, pois seus estabelecimentos são bem
sortidos e com bastante movimento. O Sr. Valentim (57 anos) se estabeleceu há dois anos na
rua Porto do Capim, no mesmo endereço em que reside, sendo também proprietário de um
imóvel residencial, nessa mesma Comunidade, comprado para renda de aluguel. A respeito do
mercadinho de sua propriedade, informou que não dispunha de poder aquisitivo para comprar
um imóvel com ponto comercial em outra área, sendo esta Comunidade o lugar ideal “pela
tranqüilidade e por está dentro do comércio”. (Depoimento em 05 de outubro de 2005). O
senhor Renato (30 anos) sempre viveu no Varadouro e antes de se estabelecer com o
mercadinho, era motorista. Seu Renato está concluindo o curso supletivo (segundo grau), é
pastor e congrega na Igreja Batista do Porto do Capim. Sua esposa, a senhora Nova (20 anos),
concluiu o primeiro grau e trabalha como secretária em uma das madeireiras estabelecidas na
Praça XV de Novembro. Dona Nova nasceu no Porto do Capim. O casal tem uma filha de
quatro anos que estuda numa escola particular. Para adaptar sua residência também à função
comercial, a casa foi isolada da casa vizinha, à qual era conjugada e, do outro lado foi
construído um anexo onde funciona o comércio.69 Essa nova realidade foi comparada com a
situação encontrada nos resultados obtidos pela pesquisa realizada em março de 2003, no que 68 Sorvetes caseiros, acondicionados em pequenos sacos plásticos, ou picolés, em diversos sabores. O preço da
unidade varia entre R$ 0,10 e 0,20. Dona Maria do socorro fatura entre 30,00 a R$ 40,00 por mês, com esta atividade.
69 O surgimento desses estabelecimentos comerciais na rua Porto do Capim e na Vila Nassau significa que uma nova demanda está surgindo. Uma hipótese é que essa demanda possa ter sido criada a partir da ação advinda das políticas públicas voltadas para os programas de inclusão social, especificamente, os programas Bolsa-Escola e Primeiro Emprego, que beneficiou muitas famílias dessas comunidades. Essas famílias que não podiam suprir as necessidades básicas, passaram a ter acesso, ainda que restrito, ao consumo. Portanto, uma demanda restrita, mas capaz de motivar o pequeno comércio local. Todavia, essa hipótese não foi investigada.
140
diz respeito à situação de educação, saúde, emprego e renda, e aos problemas e aspirações da
população pesquisada.
A pesquisa foi realizada em março de 2003, por amostra de domicílios. Para tanto,
foram considerados os números publicados pela FAC – Fundação de ação Comunitária, em
2002 (Governo do Estado da Paraíba) que informa o número de domicílios sub-normais: 124
domicílios na Comunidade Porto do Capim e 28 domicílios na Vila Nassau, portanto um total
de 152 domicílios. Assim, foi considerado um total de 152 domicílios e uma amostra de 20%
tal que:
Portanto, para uma pesquisa aleatória, foi considerada uma amostra de 30
domicílios, cujos resultados são comentados, a seguir, relativamente aos temas Emprego e
Renda, Educação e Saúde e ainda à condição política (representatividade) e social. Esta
análise foi inserida para evidenciar a variação ocorrida no intervalo de dois anos, em relação
aos itens tratados neste subtópico que versa sobre a condição econômica e social dos
moradores dessas comunidades. A ação dos programas federais de inclusão social tem
disponibilizado um complemento à renda familiar das famílias assistidas por esses programas.
Alguns jovens ingressaram no mercado de trabalho, também favorecidos pelo Programa
Primeiro Emprego do Governo Federal. Em relação à condição econômica, em 2003, nos
questionários aplicados foram encontrados os seguintes dados: TABELAS 2, 3 e 4.
n = 20 %N, sendo, N = número de domicílios e n = tamanho da amostra
141
TABELA 2 Renda (mensal) Familiar
RENDA FAMILIAR Nº FAMÍLIAS (%) Menos de um salário mínimo 06 20 01 salário mínimo 15 50 02 salários mínimos 06 20 03 salários mínimos 03 10 TOTAL 30 100
FONTE: Pesquisa direta. mar. 2003.
TABELA 3 Renda Mensal Complementar
COMPLEMENTO.DA RENDA FAMILIAR Nº FAMÍLIAS (%) Vendinha, lavagem de roupa, cabeleireiro, e outros. 06 20 Programas sociais: bolsa-alimentação e bolsa-escola 06 20 TOTAL (%) 12 40
FONTE: Pesquisa direta. mar. 2003.
TABELA 4 Membros da Família que não trabalham/Razão
MEMBROS DA FAMÍLIA QUE NÃO TRABALHAM Nº FAMÍLIAS (%) Doença ou invalidez 03 10 Freqüentam a escola 03 10 Falta de emprego 03 10 TOTAL (%) 09 30
FONTE: Pesquisa direta. mar. 2003.
A renda familiar predominante correspondia à faixa salarial, em torno de 01
salário mínimo, é auferida por 50% das famílias entrevistadas. Há famílias ainda mais
carentes que auferem menos de um salário mínimo, num percentual de 20% das famílias
(TAB. 2). Algumas dessas famílias desempenham outras atividades para complementação da
renda mensal e outras são cadastradas nos programas sociais: distribuição de pão e leite,
bolsa-escola e bolsa-alimentação (TAB. 3). Considere-se, ainda, que nem todos os membros
da família trabalham (TAB. 4). Cinqüenta por cento (50%) dessas famílias consideram como
principal fator para melhoria de suas vidas, os programas de geração de “Emprego e Renda”,
sobrepujando o item “Assistência à Saúde”, citado em 30% das respostas (apesar da gravidade
do problema) e Segurança (posto policial) em 20% das respostas, referentes ao quesito
142
“Sugestões apresentadas para melhorar a vida da família”.(tabela 5)
TABELA 5
Sugestão(ões) para melhorar a qualidade de vida da família SOLUÇÕES P/ OS PROBLEMAS (CRITÉRIO:
PRIORIDADE) Nº
FAMÍLIAS (%)
Emprego e renda 15 50 Assistência à saúde 9 30 Segurança 6 20 TOTAL (%) 30 100
FONTE: Pesquisa direta. mar. 2003.
O item Educação (Cursos de Qualificação) não foi citado entre as sugestões
apresentadas, embora tenha sido apontado como um dos problemas mais graves enfrentados
pela população, com 10% das respostas. A condição de educação e saúde familiar é
preocupante. (Tabelas 6 a 8).
TABELA 6 Condição de escolaridade do chefe da família
ESCOLARIDADE DO CHEFE DA FAMÍLIA. QTDE. (%) Analfabetos ou sem escolaridade 06 20 Com escolaridade. 24 80 TOTAL (%) 30 100 FONTE: Pesquisa direta. mar. 2003.
TABELA 7
Condição de escolaridade do cônjuge ESCOLARIDADE DO CÔNJUGE. QTDE. (%)
Analfabetos ou sem escolaridade 03 10 Com escolaridade. 27 90 TOTAL (%) 30 100 FONTE: Pesquisa direta. mar. 2003.
TABELA 8
Condição de escolaridade dos filhos
ESCOLARIDADE DOS FILHOS. QTDE. Analfabetos ou sem escolaridade 06 Sem idade escolar. 03 Fora da escola - Pré-escola.. 09 1º grau incompleto. 42 1º grau completo. - 2º grau incompleto. - 2º grau completo. - TOTAL DE CRIANÇAS 60 FONTE: Pesquisa direta. mar. 2003.
143
Os percentuais de 20% dos chefes de família analfabetos, assim como os 10% dos
cônjuges, (TAB. 6 e 7), indicam a precariedade desta condição, agravada pelo fechamento dos
cursos noturnos de alfabetização para adultos e idosos e dos de qualificação profissional.
Todavia, em relação aos filhos, há possibilidade de reversão dessa realidade, com
investimentos públicos em educação específica para essa população, e parcerias com
organizações não governamentais. Em 28 de fevereiro de 2005, na Escola Estadual de Ensino
Fundamental Pe. João Felix, na rua Porto do Capim, a professora Vera Lúcia Medeiros estava
assumindo o cargo de Diretora, em substituição à diretora anterior, que havia sido exonerada
do cargo. Nessa data, a secretária Selma Néri prestou as informações seguintes: O curso
noturno atende a uma demanda especial. São alunos na faixa etária de 20 a 71 anos, entre os
quais, trabalhadores (empregados domésticos, diaristas, faxineiros, donas de casa e idosos que
desejam ser alfabetizados e aprender a ler). Esses alunos são alocados em turmas de acordo
com o nível de alfabetização e domínio de leitura, em duas séries: uma turma com alunos
cursando a primeira e a segunda séries aceleradas; outra turma com alunos cursando a terceira
e a quarta séries aceleradas. De acordo com as informações da secretária, esse alunado é
bastante interessado, sendo a freqüência satisfatória, assim como o aproveitamento, apesar do
cansaço após uma jornada integral de trabalho e os trabalhos com a própria casa e com a
família, o que justifica o único problema, a falta de pontualidade ao horário, às 19:00hs.
Todavia, as turmas da manhã, não apresentam o mesmo desempenho: a freqüência é bastante
irregular e o índice de evasão é muito alto, em torno de trinta por cento. A motivação maior é
pela merenda escolar. Se falha a oferta regular de merenda escolar, os alunos abandonam a
escola. O critério para fornecimento da merenda escolar e de centavos de real (R$) por aluno,
portanto, como o número de alunos é baixo, os recursos não são suficientes para manter a
oferta regular de merenda escolar, conforme informou a secretária, que lamenta a falta de
investimentos. A professora Vera Lúcia Medeiros é diretora da Escola, em segundo mandato,
144
pois já havia assumido o cargo quando a escola foi fundada. A diretora espera reverter o
quadro atual da escola, tanto que já estabeleceu metas para a própria diretoria e para o corpo
docente, visando a recuperação da escola. Entre as metas pretendidas, a volta dos alunos da
comunidade que migraram para outras escolas mais distantes, aumentar o número de alunos e
qualificar profissionalmente os alunos do curso noturno. A diretora informou que dos alunos
que cursam a escola, quase nenhum chegou à Universidade.
A condição de saúde é bastante precária, em conseqüência das condições
insalubres e da deficiência alimentar. Atualmente a população é assistida pelo Programa
Saúde da Família (PSF), através da USF Varadouro I. Na sede da Unidade de Saúde da
Família Varadouro I – PSF VARADOURO I – a enfermeira Fabíola Moreira Casimiro de
Oliveira prestou as seguintes informações: a Agente Comunitária de Saúde (ACS),
responsável pela área atendida pela USF Varadouro I é a Senhora Roseane, residente na rua
Porto do Capim. Ela é responsável por 160 famílias cadastradas, das quais, 20 famílias são da
Vila Nassau, 77 famílias são do Porto do capim e 23 famílias são da Praça XV de Novembro.
Este total varia por conta das migrações. Já foram cadastradas 170 famílias, de forma que o
número oscila entre 160 a 170 famílias. Entre os cadastrados há 26 hipertensos e 7 diabéticos.
Há 21 idosos com mais de 60 anos. Esse número tende a aumentar. As principais causas de
mortalidade são doenças crônicas e morte natural. Não há incidências de casos especiais. Há
11 deficientes entre os quais deficientes físicos, visuais e neurológicos. Os deficientes são
encaminhados para atendimento especializado através da FUNAD – Fundação de Apoio ao
Deficiente. Há 14 pessoas com problemas de saúde mental, são jovens na maioria. Estes
atendimentos são prestados através do CAPS – Centro de Apoio Psico-social, embora o
tratamento seja mantido na USF Varadouro I. Da mesma forma, é elevado o índice de
gravidez na adolescência, porém com um baixo índice de aleitamento materno. Em Janeiro de
2003 havia sete gestantes cadastradas na faixa-etária de 13 a 15 anos. Há casos de
145
adolescentes gestantes aos dez anos de idade. Há mais de 30 pessoas no planejamento
familiar. A Unidade orienta para a prática de métodos contraceptivos educacionais, inclusive
com distribuição de medicamentos, e promove cursos, palestras e a formação de grupos para
orientação e educação sexual e em relação às doenças sexualmente transmissíveis
(DST/AIDS). A maioria das crianças recebe benefícios tais como: bolsa-família, bolsa-escola,
programa pão e leite na mesa. Nesse sentido, a USF Varadouro I trabalha em parceria com a
Igreja (Pastoral da Criança) a Associação Comunitária Assistencial e outros órgãos, entre os
quais: CAPS (Centro de Apoio Psico-Social), FUNAD (Fundação de Apoio ao Deficiente) e
voluntários. São poucos os casos de hospitalização. As famílias procuram a USF quando
necessitam. As doenças mais comuns são decorrentes de falta de saneamento, poluição do rio,
convivência com roedores e os maus hábitos de higiene. Os problemas mais comuns são de
natureza dermatológica, respiratória e verminoses. Apesar da coleta sistemática do lixo,
persiste o hábito de depositá-lo no mangue. Há um Ciclo de Palestras sobre educação
ambiental, uma iniciativa da Organização Apoporâ, com atividades junto à Comissão
Permanente para Desenvolvimento do Centro Histórico e outros parceiros que realizam um
trabalho de educação ambiental e outras atividades. Entre os adultos até 18 anos, foram
constatadas pessoas (chefes de família e/ou cônjuges) portadoras de doenças comuns, bem
como na faixa etária acima de 50 anos: diabetes, hipertensão e outras ocasionais – AVC,
trombose. Entre as crianças e adolescentes até 17 anos, algumas já foram ou estavam
acometidas de sarampo, caxumba, dengue e gripes freqüentes, num total de 14 ocorrências.
Outras 27 crianças já haviam sido e/ou estavam acometidas de outras doenças entre as quais
rubéola, catapora e pneumonia. Pelo que se constatou, há regularidade no processo de
vacinação, um indicativo de que poderá haver reversão da situação atual, bastando para isso,
maior assistência e vigilância, no próprio local. Apesar destas iniciativas, a enfermeira Fabíola
constata uma falta de interesse e apatia entre os jovens que se vêm com baixa auto-estima e
146
sem perspectivas em relação ao futuro. Informações obtidas na Unidade PSF Varadouro I, em
2004.
Em 05 de abril de 2006, na nova sede do PSF Varadouro I, então localizada na rua
General Osório, esses dados foram atualizados, apresentando grande variação. A enfermeira
Bernadete Maria Botelho informou que a recente transferência da Unidade PSF Varadouro I,
antes sediada no Largo da Igreja de São Frei Pedro Gonsalves, para o endereço atual, embora
em melhores instalações e condições de atendimento, acarretou novas dificuldades de
deslocamento para os usuários dessas comunidades, sendo necessário intensificar as visitas à
área. A enfermeira informou que, atualmente há 800 famílias residentes nas Comunidades
Porto do Capim e Vila Nassau, cadastradas no PSF Varadouro I, mas contando a população
flutuante, os moradores assistidos pela ACS Rosana chega a 1000 famílias, tendo sido então
contratadas mais quatro ACS’s: Socorro, Maria Rodrigues, Josélia e Michele, para
atendimento na Micro Área I (Porto do Capim e Vila Nassau). A enfermeira Bernadete
informa ainda que, em 2006, apesar da existência de prostíbulos na Rua da Areia, não foi
detectado nenhum caso de DST/AIDS, nas Comunidades Porto do Capim e Vila Nassau.
Tantas disparidades, em relação aos índices apresentados em 2004, são atribuídas
à fase da implantação do programa, naquele ano, quando grande parte das famílias deixou de
ser cadastrada, sendo grande a Área Descoberta, como é designada a área ainda sem
assistência.
Algumas associações e projetos comunitários são coadjuvantes no processo de
inclusão social. A pesquisa manteve contato com alguns representantes de entidades que
desenvolvem programas com essas comunidades inclusive ações de voluntariado. 70À luz do
referencial teórico consultado e com base nos depoimentos colhidos nas entrevistas e
questionários e pelas próprias observações, foi avaliada a ação desses organismos e da
70 Associação Beneficente Casa Caiada; Associação Projeto Germinar; Programa Pão e Leite na Mesa; Creche
Pedrelina Maria de Jesus e Associação Oficina-Esola de João Pessoa.
147
sociedade junto às Comunidades Porto do Capim e Vila Nassau, priorizando os contatos
diretos, regulares e freqüentes, como acontece com as entidades de assistência à saúde,
educação e pessoas da sociedade civil, com ações de voluntariado. Portanto, foram priorizadas
as entidades com atividades nessas comunidades, tendo sido mantidos vários contatos com os
representantes das seguintes entidades e organismos. Entretanto faz-se necessário alertar os
promotores do processo de revitalização e os empreendedores, pois a revitalização perpassa
antes pela recuperação educacional, assistência e inserção social das crianças e adolescentes
do lugar, assim como a recuperação econômica de suas famílias, como bem demonstrou
Martins (2002), enquanto coordenadora pedagógica em seu projeto pedagógico “Restaurando
Jovens. O projeto Pedagógico da Oficina-Escola de João Pessoa”.
[...] a experiência de quem acredita, erra, acerta ensina e, sobretudo aprende com a dura realidade dessas pessoas. [...] Senti que meus procedimentos didáticos não seriam suficientes para cobrir uma realidade tão dura. Era necessária uma reorganização desses referenciais para melhor enfrentar o desafio a que esta coordenação se propunha. A restauração desses jovens era na condição de facilitadora de suas potencialidades e limitações, de reflexão, de provocação, de auto-conhecimento, de conscientização. Em suma, é através do projeto Oficina-Escola, aliado à formação profissional que se dá a restauração desses jovens, mantendo assim o seu papel democrático e concorrendo para sua inclusão social (MARTINS, 2002, s/p).
4.3 A expressão da religiosidade
Neste sub-tópico, a observação é direcionada para o fenômeno sagrado e as
práticas profanas que os permeiam, nas Comunidades Vila Nassau e Porto do Capim, a partir
da observação em eventos religiosos já consolidados no calendário dessas comunidades, em
especial a procissão de Nossa Senhora da Conceição, um percurso, conduzindo a imagem de
Nossa Senhora Imaculada Conceição até a “Ilha da Santa”. 71 (CROQUI 2)
71 Em oito de dezembro de 2001, a pesquisa documentou o evento religioso e festivo, a convite do Centro
Comunitário Santa Marta, sede da Associação dos Moradores, na Rua Porto do Capim. Na ocasião mais de
148
Porto do CapimPorto do Capim
Ilha da Santa no Rio Sanhauá. Ilha da Santa no Rio Sanhauá. 08/12/200108/12/2001
CROQUI 2: Ilha da Santa, no Rio Sanhauá (2001). FONTE: Próprio autor.
No CROQUI 2, elaborado a partir da base (digitalizada) de dados da cidade de
João pessoa-PB, foi elaborado o traçado do Rio Parahyba do Norte com seus afluentes e as
ilhas existentes no seu curso, entre as quais, algumas bem conhecidas pelos moradores dessas
comunidades.72 O percurso ocorre durante duas horas, ao ritmo lento das canoas, em maré
cheia. Nesta pesquisa, a “Ilha da Santa” remete à relação dos moradores com o ambiente,
permeada pela religiosidade simbolizada pela pequenina capela (medindo 2m x 2m) e, à
frente, um cruzeiro, ambos pintados de branco, concretizados marcos erguidos na ilha,
trinta embarcações acompanharam o evento, a procissão de Nossa Sanhora da Conceição, pelo rio Sanhauá, até a Ilha da Santa. Desde então, o número de participantes tem aumentado consideravelmente. A pesquisa apenas documentou esse evento religioso que se realiza ha aproximadamente vinte anos. No entanto, o evento continua pendente de investigação. .
72 Existem várias ilhas, ao longo do rio: Ilha do Stuart, Ilha do Marques, Ilha do Mesquita. Por não se tratar de objeto de estudo, a investigação não se estendeu às ilhas e nem o verdadeiro nome da ilha da Santa, ao sul do rio, há aproximadamente 6 Km de distância do Porto do Capim. Sabe-se, porém, que é uma propriedade particular. O percurso, em ritmo de canoas, é feito em duas horas, aproximadamente, em maré cheia e sem ventania forte.
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO - As transformações na paisagem do Porto do Capim: leituras de uma paisagem urbana. João Pessoa- PB. Autora: Vera Lúcia Araújo. Orientadora: Doralice Sátyro Maia. LEPAN- Geociências/UFPB
149
monumentos rústicos erguidos pelos pescadores em homenagem à Nossa Senhora da
Conceição, a santa de devoção de muitos moradores e pescadores, nessas comunidades
O evento que se realiza, anualmente, em 8 de dezembro, dia dedicado à Santa, se
originou de uma promessa da parte da senhora Maria da Penha, moradora do Porto do Capim,
em intenção da saúde da filha. Ao ser curada, a criança, Dona Maria da Penha decidiu cumprir
a promessa: todos os anos, nesse dia, a filha haveria de usar uma veste azul, a cor do manto
que, na imagem, protege a santa e, com os pescadores, seguiriam em canoas pelo rio Sanhauá
até uma ilha conduzindo a imagem da Santa. Naquele 8 de janeiro, há aproximadamente 15
anos, a senhora Maria da Penha e sua filha vestindo uma túnica azul, se fizeram acompanhar
de alguns pescadores e, em suas canoas, conduziram a imagem da santa até essa ilha, que
passou a ser denominada “Ilha da Santa”, onde foi celebrada uma missa em agradecimento
pela graça alcançada. Desde então, todos os anos, nas manhãs de 8 de dezembro, os
moradores do Porto do Capim, com a participação ativa dos moradores da Vila Nassau, de
outras comunidades da cidade e até de cidades vizinhas (Cabedelo, Bayeux e Santa Rita),
realizam essa “peregrinação”, e, após o ritual litúrgico, permanecem na ilha até o final da
tarde, quando retorna para suas casas. O número de participantes aumenta a cada ano.
Observa-se o mesmo ritual e o mesmo sentimento de fé.
A fé disseminada entre os moradores, um número sempre crescente de fiéis e
outros visitantes favorece a perenização do evento é estimulada pela igreja católica que
acompanha o percurso e realiza a celebração do ato litúrgico.73
O estudo da espacialidade religiosa sob a perspectiva geográfica, a partir da
investigação do fenômeno religioso, é uma abordagem ainda incipiente entre os geógrafos
brasileiros. No temário da geografia humana, é amplo o elenco de assuntos que demandam
73 A pesquisa constatou a presença de políticos – vereadores com trânsito na área – relacionando-a ao interesse
em consolidar a penetração com fins eleitorais, pois, há indícios de aliciamento, interferências e favorecimentos, da parte de vereadores aos moradores nessas comunidades, o que contribui para inibir a capacidade de escolher criticamente seus representantes, em nada se coadunando com o processo de educação política.
150
investigações a partir da perspectiva da Geografia da religião. Alguns estudos já surgem no
universo metodológico da geografia brasileira, inclusive com a expressa intenção de seus
autores em estimular novas pesquisas sob essa abordagem. Portanto, para observar as relações
expressas em eventos religiosos, a pesquisa se reporta aos trabalhos dos geógrafos que
consideram pertinente a investigação do religioso pela perspectiva geográfica. Zeny
Rosendhal (1996) investiga o estudo geográfico da religião, explicando as abordagens pelos
geógrafos de diversas tendências ou escolas – Geografia Cultural, Geografia Social – e ainda
avalia a relativa marginalização da abordagem geográfica no enfoque da religião, no percurso
do pensamento geográfico. Numa tentativa de estimular estudos nessa área, essa pesquisadora
apresenta um conjunto de temas que podem ser investigados na perspectiva de geografia da
religião. A investigação do evento que ora se descreve se identifica com o tema Espaço e
lugar sagrado: vivência, percepção e simbolismo, numa perspectiva da fenomenologia.
Sylvio Fausto Gil Filho (2006) apresenta uma proposta de redimensionamento da Geografia
da Religião e, considerando o sagrado como o cerne da experiência religiosa, propõe uma
investigação “baseada na espacialidade do sagrado a partir de um ponto de vista relacional”.
Embora não tenha sido aplicado nenhum instrumento de verificação (questionário
ou entrevistas), pela veneração dos moradores em relação à imagem da santa, também o
espaço - a “Ilha da Santa” – adquiriram atributos sagrados, a partir desta experiência que se
renova a cada ano. Neste aspecto, a observação se reporta a GIL FILHO (2006) que se refere
a abordagem hegemônica da geografia das religiões que se remete às relações da religião com
a sociedade, meio ambiente e cultura. Portanto, como analisa o autor, “Ao reduzir a religião a
uma instituição humana cumprimos o papel de qualificá-la per se sob dois pressupostos: como
sistema simbólico ou como ideologia.” (Idem) Esta pesquisa se reporta, também, a Clifford
Geertz (1989) que busca simplificar o paradigma segundo o qual, “os símbolos sagrados
funcionam para sintetizar o ethos de um povo [...] e sua visão de mundo [...] (GEERTZ, 1989,
151
p. 103-4). Assim, ao reduzir tal paradigma ao nível de definição (que considera um caminho
para desenvolver uma linha nova de pesquisa) define religião como
[...] um sistema simbólico que atua para estabelecer poderosas, penetrantes e duradouras disposições e motivações nos homens através da formulação de conceitos de uma ordem de existência geral e vestindo essas concepções com tal aura de fatualidade que as disposições e motivações parecem singularmente realistas (GEERTZ, 1989, p. 104-5).
Mesmo sem pretensão de uma análise do sagrado, esta pesquisa contempla a
forma como as comunidades expressam sua religiosidade, com pretensão de demonstrar que,
na paisagem, pode-se analisar o espaço sob a perspectiva da geografia da religião, sendo este
um evento com muitas variáveis a serem investigadas, a exemplo da convergência de
seguidores de várias religiões para um evento cristão. Entre os moradores das comunidades
Porto do Capim e Vila Nassau a diversidade religiosa é bem expressiva, embora nesta
pesquisa, não tenha sido avaliada numericamente. 74
Em 08 de dezembro de 2001, a pesquisa observou, documentou e agora descreve
A procissão que era ansiosamente esperada. Diante da limitação do objeto de estudo desta
pesquisa, insere-se apenas uma breve descrição do evento e dos comportamentos que
espontaneamente se manifestam nas celebrações, com registro fotográfico da participação dos
moradores nas práticas religiosas e profanas, no intuito de alertar para a necessidade de
investigar o espaço religioso sob a perspectiva geográfica.
Nos momentos que antecedem o evento, os moradores do lugar se reúnem em
volta da imagem, posta no andor sobre a mesa da sala principal do Centro Comunitário Santa
Marta, na rua Porto do Capim. Em clima de festa religiosa, havia toda uma expectativa em
relação ao evento que teria início logo a seguir. (FOTO 21)
74 Na religião católica o dia 8 de dezembro é dedicado à Nossa Senhora da conceição. Outras religiões
comemoram essa data festejada no Brasil com feriado nacional. A maior representatividade ocorre na Umbanda, religião de origem africana que, nessa data comemora Iemanjá, a rainha do mar, protetora dos pescadores, com festejos no mar, a presença dos pescadores e de grande parte da população da cidade.
152
FOTO 21. Procissão de N. Srª. da Conceição, em 08 de dezembro. AUTORA: Vera Lúcia Araújo. 2001.
A FOTO 21 registra o momento em que a santa é conduzida ao trapiche para o
embarque: saindo da Sala principal da sede do Centro Comunitário Santa Marta, que fica
localizado na rua Porto do Capim, os moradores conduziram o andor com a imagem da Santa
até o trapiche, de onde partiriam em procissão, as embarcações até a “Ilha da Santa”. 75 O
manto azul que envolve a santa instalada sobre o andor revela a simbologia relacionada a esta
cor: algumas crianças usam vestidos longos, na cor azul, em pagamento de promessas por
alguma graça alcançada; a sala e a rua até o Trapiche foram ornamentadas com pequenas
bandeiras de papel, também nessa cor; os moradores e alguns convidados vestem camiseta
com a imagem da santa protetora dos pescadores.76 No percurso pelo rio Sanhauá, o padre e
os moradores que ergueram o andor seguem num barco decorado especialmente para
transportar a santa. As relações comunitárias se reafirmam em todos os momentos nos quais
76 Os pescadores têm suas casas próximas à maré. Antes da acentuada poluição do rio Sanhauá, a pesca era uma atividade expressiva.
153
aflora a espiritualidade e se expressam os sentimentos de fé. As FOTOS 22 e 23 registram
momentos e atitudes significativas em todo o evento.
FOTO 22. Procissão de N. Srª. da Conceição, em 08 de dezembro. AUTORA: Vera Lúcia Araújo. 2001.
A FOTO 22 registra um desses momentos. Portanto, foi observada a paisagem
que, sob a manifestação da fé, é plena de significados.
154
FOTO 23. Procissão de N. Srª. da Conceição, em 08 de dezembro. AUTORA: Vera Lúcia Araújo. 2001.
A FOTO 23 registra a paisagem flutuante, ao ritmo dos remos. Embora celebrada
uma vez, ao ano, essa passagem se perpetua no imaginário coletivo. Trinta e três canoas de
pescadores transportam familiares e demais moradores durante a procissão de N. Srª. da
Conceição, nesse dia. São embarcações rústicas enfeitadas especialmente para a homenagem à
santa: bandeiras, brasões de times de futebol; em todas elas estão escritos os nomes de suas
mulheres e namoradas. Alguns barcos maiores, de visitantes, participaram do cortejo. Os
demais moradores e familiares seguem nas rústicas canoas dos pescadores, acompanhados de
alguns convidados menos cerimoniosos: fotógrafos, pesquisadores e moradores de outras
comunidades. Seguiram vagarosamente, ao ritmo dos remos, deslizando sobre o rio largo de
águas calmas, margeadas pelo manguezal verdejante. Durante o percurso, entoam cânticos
religiosos, orações e acedem-se fogos de artifícios, embora seja manhã. O semblante das
crianças e dos jovens é de alegria; todos demonstram contentamento. Os mais velhos ou
idosos são mais contidos, compenetrados, ou talvez expressando o sentimento de fé. Os
155
pescadores se concentram no ritmo lento dos remos. Chegando à “Ilha da Santa”, todos se
posicionam em semicírculo, em torno da pequena capela. O evento culmina com a celebração
da missa ao ar livre. Após a cerimônia religiosa, os participantes permanecem na ilha por
mais algum tempo. Alguns só retornam, para suas casas, à tardinha não sem antes ouvirem as
recomendações do Padre Júnior que alerta: “pouca bebida, muito cuidado e atenção no
percurso de volta” Em 08 de dezembro de 2004, mais uma vez, foi observada essa
celebração. Havia o mesmo entusiasmo, da saída ao percurso em canoas até a Ilha da Santa,
onde foi rezada uma missa ao ar livre, diante da pequena capela e do cruzeiro. Havia o mesmo
congraçamento.
Procurou-se interpretar a simbologia que emana durante o percurso: a simbologia
que paira neste evento que, embora mescladas pela diversidade religiosa, se irmanam nessa
celebração. Nessas circunstâncias especiais de vivência religiosa, convergem adeptos de todos
os credos. Relações se estabelecem quando aflora a religiosidade, ante a manifestação do
sagrado, “percebidas” nas práticas e nos rituais religiosos, consubstanciando-se no imaginário
coletivo.
Além da celebração dos rituais religiosos, também os eventos profanos, são bem
concorridos. Nas prévias carnavalescas, a comunidade Porto do Capim se faz representar pela
Banda La-ta-tá, formada por crianças e adolescentes dessa mesma Comunidade. Esta banda
tem se destacado na abertura da semana pré-carnavalesca e, pela sua performance, consolidou
sua participação no calendário oficial da prefeitura municipal de João Pessoa, garantindo sua
participação, anualmente. 77
As Comunidades celebram, com igual entusiasmo, os festejos juninos quando se
77 Os festejos carnavalescos em João Pessoa ocorrem na semana que antecede o período carnavalesco,
participando da abertura da semana pré-carnavalesca, quando ganham as ruas as bandas e os blocos de arrasto, atrevidos, irreverentes, a exemplo dos Blocos Muriçocas do Miramar, Cafuçus e outros, envolvidos no resgate dos carnavais nostalgia. A assim resgatam parte da cultura que poderia ter-se perdido. Nesse propósito, foi fortalecida a banda La-ta-tá, adotada pela ONG Folia de Rua. Também os jovens desenvolvem novas habilidades e deixam florescer os seus talentos: formam-se músicos, percursionistas, aderecistas, dançarinos e atores, nestas ações, em que toda a Comunidade se envolve.
156
fazem representar pela Quadrilha Ribeirão. Na ocasião participam do concurso de melhor
quadrilha junina. Todos os anos, no período junino, as Festas de São João são realizadas no
Bairro do Varadouro, na Praça Antenor Navarro e no Largo da Igreja de São Frei Pedro
Gonçalves. O concurso para escolha da melhor quadrilha junina ocorre em um espaço maior,
também no Varadouro, próximo ao Centro Histórico. Este é um evento muito concorrido que
atrai um grande número de pessoas: integrantes das quadrilhas e seus familiares, moradores
dos bairros que participam, além de visitantes e turistas. Todos os anos, a Quadrilha Ribeirão
presta uma homenagem a um dos monumentos do Patrimônio Histórico, com participantes da
quadrilha usando trajes com monumentos edificados. Nesse ano de 2005 a quadrilha
homenageou a Igreja de São Frei Pedro Gonsalves. (FOTOS 24 e 25)
FOTO 24: Quadrilha Ribeirão. Estandartes do folclore nordestino (artesanato confeccionado com material reciclado. AUTORA: Flora Araújo Coura. Jun. /2005
157
FOTO 25 . Quadrilha Ribeirão. Encenação de personagens do universo religioso.
AUTORA: Flora A. Coura . JUN./2005
Na FOTO 25, a representação do sagrado na encenação de personagens do
universo religioso. Nesses eventos, são mostrados os valores culturais e artísticos, estes bem
presentes, em). A Quadrilha Ribeirão, da Comunidade Porto do Capim, há 15 anos participa
dessas festas que se realizam na Praça Antenor Navarro e no Largo da Igreja São Frei Pedro
Gonçalves. Os ensaios se realizam “em casa”: na Rua Frei Vital, no Largo da Alfândega e
num dos galpões do prédio que pertencia à fábrica Portal.
Nas celebrações religiosas e festas populares, as relações entre as Comunidades
Porto do Capim e Vila Nassau são fortalecidas. Nesses eventos, os sentimentos e as atitudes
afloram espontaneamente, os contatos fluem livremente em meio às celebrações. Portanto,
uma oportunidade ímpar para o fomentar a oficinas educativas forma a florescer a criatividade
e, ainda, uma postura crítica nos momentos de decisão, a maior fragilidade dessas
158
comunidades como se observou no percurso desta pesquisa.78
78 Ressalta-se aqui, que, os temas tratados neste sub-ítem necessitam de investigação específica, podendo ser
objeto de pesquisa geográfica. Esclarece-se que, tal investigação não foi realizada por extrapolar o objetivo desta pesquisa.
Considerações Finais
160
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Trabalhar com a pesquisa documental exigiu um trabalho intenso. A pesquisa
documental proporcionou um aprendizado a mais, pelas descobertas nos recônditos dos
símbolos e emblemas iconográficos, nas cartas, mapas e as vistas. O percurso pelo acervo
iconográfico possibilitou uma compreensão mais precisa do sítio original. A riqueza do
acervo e os documentos consultados e reproduzidos no texto proporcionaram uma ampla
visão de conjunto da paisagem urbana, levando à leitura da paisagem histórica.
Embora os analistas da Iconografia não recomendem a leitura fragmentária do
documento, para reconstituir da paisagem do Porto do Capim partiu-se também de alguns
indícios gravados nos mapas e cartas, sobretudo as localizações e as representações dos
engenhos, fortificações e instalações portuárias. A reconstituição da paisagem do Porto do
Capim através dos mapas, cartas e vistas se completa com as narrativas contidas nas
Descrições. A narrativa desses documentos transcende a simples descrição pelo registro da
navegação fluvial. Embora o teor das Descrições contemple a configuração territorial, a
narrativa valoriza também a dimensão temporal. A espacialidade da área, muito bem
trabalhada nas cartas e mapas produzidos pela iconografia portuguesa e holandesa, associadas
à leitura das descrições, possibilitou a reconstituição de uma paisagem em que, na sua origem,
se fazia notar por suas funções de comunicação e de entreposto comercial. Por isso, o
significado dos indícios que, nos mapas, se assentam sobre a base da paisagem exuberante dos
trópicos, embora retratada com suavidade e lirismo nas telas de Frans Post. O resultado da
pesquisa seria subtraído se não houvesse enveredado pelo universo fascinante da Iconografia
e pela “aventura do conhecimento” que significou a leitura das descrições dos viajantes e dos
governantes da Paraíba Antiga.
161
Na abordagem do período moderno, a pesquisa se depara com uma paisagem
marcada, sobretudo, pelas intervenções públicas. No final do século dezoito a paisagem do
Porto do Capim em nada lembrava a paisagem que atualmente se apresenta. Por volta de
1833, são as obras da ponte do Sanhauá. Esse empreendimento contribuiu para dinamizar as
comunicações com cidades vizinhas, sobretudo em função do transporte das mercadorias,
carregadas em mulas que trafegavam sobre íngremes ladeiras. Ainda no final do século
dezenove, se constata a importância da gestão voltada para as obras de infra-estrutura,
traduzindo o comprometimento com a gestão pública, no governo do Presidente Henrique
Beau Repairehoan. Reformas de vulto foram implementadas, a partir de 1833, na área do
Porto do Capim: as obras do Cais do Varadouro e aterro do Rio sanhauá e a Rua do Aterro,
uma das primeiras a ser pavimentada com paralelepípedos de granito, transformando-se na
Avenida Sanhauá, uma importante via no início do século vinte. Até a segunda metade desse
século, a vida da cidade era totalmente voltada para o Rio Sanhauá. Em meio ao modelo de
urbanização/modernização que ditavam as normas para as reformas urbanas nesse período, as
principais ruas do Varadouro, seriam reformadas, no rastro de outras reformas sob o
paradigma da Modernidade. Não demora a expansão do comércio, em direção à cidade alta e
a antiga área central, cada vez mais se arrefece, entrando em decadência no fim da primeira
metade do século XX. Portanto, uma situação conseqüente de duas condições: o processo
indiscriminado de modernização da cidade, até ao década de 1950, e novamente, na segunda
metade desse século com a expansão da cidade em busca das atrações pelas novas
centralidades, em decorrência de políticas nacionais, a exemplo da criação da Política
Habitacional. Portanto, no segundo segmento, pela pesquisa documental e bibliográfica,
constatou-se o enfraquecimento dessa função central no Varadouro, embora permaneça em
função da condição histórica. Os resultados da pesquisa, nesse segundo capítulo, levam a
concluir que políticas equivocadas e reformas inadequadas, em desacordo com natureza da
162
paisagem local favoreceram a (des)construção do espaço urbano, a segregação espacial, o
surgimento das favelas, culminando com a degradação da paisagem do Porto do Capim.
Em decorrência do surgimento de novas centralidades, o Varadouro perde sua
antiga condição de Espaço Comercial, com desvalorização dos imóveis comerciais e
residenciais. A desvalorização imobiliária e a estrutura de transporte existente no Varadouro e
ainda, os equívocos que permeavam a política habitacional que se implantava no País
contribuíram para que Área do Porto do Capim se transformasse num espaço de convergência
para populações de baixa renda, muitas famílias oriundas da zona rural que para se dirigiram
para essa área, formando as Comunidades Porto do Capim e Vila Nassau, dando origem a um
processo de ocupação desordenada. A paisagem do Porto do Capim se transforma numa zona
periférica. O processo que se iniciou por volta de 1950, tem aumentado aceleradamente. No
inicio da pesquisa, em 2001, o número de famílias não atingia 300 famílias. Atualmente
(2006) totalizam 1000 famílias assentadas, conforme informação da Unidade PSF Varadouro
I, que cadastrou 800 famílias residentes no Porto do Capim e Vila Nassau, dado que se eleva
considerando a população flutuante. A pesquisa, nesse terceiro segmento, se concentrou em
torno das alternativas de moradias e das estratégias de sobrevivência econômica,
investigando-se também o nível de envolvimento das famílias tradicionalmente estabelecidas
na área em relação ao conhecimento/envolvimento com o Plano de Revitalização para Antigo
Porto do Capim, proposta de intervenção com remanejamento das moradias. Constatou-se um
inexpressivo nível de participação no processo. Os resultados obtidos nas entrevistas e na
coleta de depoimentos revelam a não aceitação do remanejamento das moradias. Contudo não
foi investigada a possibilidade de aceitação de remanejamento para área específica, a ser
criada na própria área de revitalização. A questão é das mais delicadas, envolvendo relações
complexas, sinalizando para a necessidade de novas leituras envolvendo esta questão.
Referências
164
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Anexos
Anexo A Fotografia panorâmica da Cidade Baixa. João Pessoa-PB
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Anexo B Maquete do Plano de Revitalização para o Varadouro e
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