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BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 728
(Ano VIII)
(27/10/2016)
ISSN- -
BRASÍLIA ‐ 2016
Boletim
Conteú
doJu
rídico-ISSN
–-
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1 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56969
Boletim Conteúdo Jurídico n. 728 de 27/10/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
ConselhoEditorial
COORDENADOR GERAL (DF/GO/ESP) - VALDINEI CORDEIRO COIMBRA: Fundador do Conteúdo Jurídico. Mestre em Direito Penal Internacional Universidade Granda/Espanha.
Coordenador do Direito Internacional (AM/Montreal/Canadá): SERGIMAR MARTINS DE ARAÚJO - Advogado com mais de 10 anos de experiência. Especialista em Direito Processual Civil Internacional. Professor universitário
Coordenador de Dir. Administrativo: FRANCISCO DE SALLES ALMEIDA MAFRA FILHO (MT): Doutor em Direito Administrativo pela UFMG.
Coordenador de Direito Tributário e Financeiro - KIYOSHI HARADA (SP): Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP.
Coordenador de Direito Penal - RODRIGO LARIZZATTI (DF/Argentina): Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA.
País: Brasil. Cidade: Brasília – DF. Contato: editorial@conteudojuridico.com.br WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR
BoletimConteudoJurıdico
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SUMÁRIO
COLUNISTA DO DIA
27/10/2016 Rômulo de Andrade Moreira
» Era só o que nos faltava: o Ministério Público conspirando
contra a audiência de custódia ‐ o caso baiano
ARTIGOS
27/10/2016 Ricardo Pinto da Silva » A utilização do mandado de injunção na concretização de direitos
fundamentais
27/10/2016 Anaiv Silva Viana
» O regime jurídico duplo das parcerias celebradas entre a administração
pública e as organizações da sociedade civil através dos acordos de
cooperação, nos termos da Lei nº 13.019/2014
27/10/2016 Tauã Lima Verdan Rangel
» A Imprescindibilidade da Participação Popular no Processo de
Destombamento do Patrimônio Cultural
27/10/2016 Any Menezes de Los Rios
» União homoafetiva e os direitos trabalhistas
27/10/2016 Priscilla Von Sohsten Calabria Lima
» Breves apontamentos sobre o princípio da celeridade
27/10/2016 Roberto Monteiro Pinho
» Judiciário precisa rever sua atual postura
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ERA SÓ O QUE NOS FALTAVA: O MINISTÉRIO PÚBLICO CONSPIRANDO CONTRA A AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA - O CASO BAIANO
RÔMULO DE ANDRADE MOREIRA: Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor de Direito Processual Penal da UNIFACS. Pós‐graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela UNIFACS.
A Primeira Câmara do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia concedeu uma ordem de Habeas Corpus (Processo nº. 0011177-87.2016.8.05.0000, originário da Comarca de Feira de Santana), atendendo a um pedido do paciente que alegava, dentre outras ilegalidades, a não realização, oportuno tempore, da audiência de custódia. Ressalte-se que o parecer do Ministério Público na segunda instância foi favorável à concessão do writ, exatamente em virtude da ausência da referida audiência de apresentação.
Pois bem. Atendendo a uma solicitação da 19ª. Promotoria de Justiça da
Comarca de Feira de Santana, a Procuradoria Geral de Justiça Adjunta, por meio de sua Coordenadoria Especializada em Recursos, instaurou um esdrúxulo "Procedimento de Acompanhamento do Processo" e decidiu interpor um Recurso Especial contra a decisão da Câmara, sob o fundamento (dentre outros), de "que a não realização da audiência de custódia vem sendo considerada nulidade relativa desde que respeitados os direitos e garantias previstos na Constituição Federal e no Código de Processo Penal."
Vejam a esquizofrenia a que chegou o Ministério Público brasileiro (com todo respeito aos esquizofrênicos): impetra-se um Habeas Corpus em razão da não realização da audiência de custódia (fato inconteste), o Procurador de Justiça oficiante junto à Câmara Criminal exara um parecer pela concessão da ordem, o
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Tribunal de Justiça acolhe o pronunciamento do Ministério Público e (pasmen!) a Procuradoria Geral de Justiça Adjunta recorre da decisão, atendendo ao pedido do (indignado) Promotor de Justiça de primeiro grau.
A coisa não seria tão absurda (e, como dizia Mangabeira, na Bahia sempre haverá um precedente para absurdos), se não estivéssemos tratando de uma exigência imposta pelo Pacto de São José da Costa Rica (a Convenção Americana sobre Direitos Humanos), pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Conselho Nacional de Justiça. E, pior: ainda trabalham com a ideia de nulidade relativa no Processo Penal.
Então, ficamos assim: nulidade absoluta, nulidade relativa, mera irregularidade e... dane-se o Processo Penal e viva a Teoria Geral do Processo! Aliás, sobre nulidades no Direito Processual Penal, seria interessante a leitura de alguma doutrina específica sobre a matéria, especialmente Binder, Pessoa e Maier, para ficarmos entre os latinoamericanos ("El inclupimiento de las formas procesuales", "La nulidad en el Proceso Penal" e "Función normativa de la nulidad" - respectivamente).
Vejam que a audiência de custódia foi uma iniciativa do Conselho Nacional de Justiça, exatamente quando, no dia 06 de fevereiro do ano de 2015, lançou um projeto para garantir que presos em flagrante fossem apresentados a um Juiz de Direito, em 24 horas, no máximo. Na verdade, o projeto teve seu termo de abertura iniciado no dia 15 de janeiro, após ser aprovado pelo então Presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, Ministro Ricardo Lewandowski e tinha como objetivo garantir que, em até 24 horas, o preso fosse apresentado e entrevistado pelo Magistrado, em uma audiência em que fossem ouvidas também as manifestações do Ministério Público, da Defensoria Pública ou do advogado do preso. Durante a audiência, será analisada a prisão sob o aspecto da legalidade, da necessidade e adequação da continuidade da prisão ou da eventual concessão de liberdade, com ou sem a imposição de outras medidas cautelares, além de eventuais ocorrências de tortura ou de maus-tratos, entre outras irregularidades.
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Ademais, a audiência de custódia está prevista em pactos e tratados internacionais assinados pelo Brasil, como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San Jose da Costa Rica e já é utilizada em muitos países da América Latina e na Europa, onde a estrutura responsável pelas audiências de custódia recebe o nome de “Juizados de Garantias”. Na verdade, nada mais é do que uma audiência de apresentação.
A propósito, vejamos o que nos impõe, como norma supralegal, o art. 7º., 5, do Pacto de São Jose da Costa Rica ou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos: "Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo."
Igualmente, o art. 9º., 3 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de Nova York: "Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processo e, se necessário for, para a execução da sentença." Tais normas internacionais estão incorporadas em nosso ordenamento jurídico desde o ano de 1992.
Aliás, a propósito, tramita no Congresso o Projeto de Lei do Senado nº. 554/2011, dando a seguinte redação ao art. 306 do Código de Processo Penal: "(...) "§ 1º No prazo máximo de vinte e quatro horas após a prisão em flagrante, o preso será conduzido à presença do juiz para ser ouvido, com vistas às medidas previstas no art. 310 e para que se verifique se estão sendo respeitados seus
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direitos fundamentais, devendo a autoridade judicial tomar as medidas cabíveis para preservá-los e para apurar eventual violação. § 2º Na audiência de custódia de que trata o parágrafo 1º, o Juiz ouvirá o Ministério Público, que poderá, caso entenda necessária, requerer a prisão preventiva ou outra medida cautelar alternativa à prisão, em seguida ouvirá o preso e, após manifestação da defesa técnica, decidirá fundamentadamente, nos termos art. 310. § 3º A oitiva a que se refere parágrafo anterior será registrada em autos apartados, não poderá ser utilizada como meio de prova contra o depoente e versará, exclusivamente, sobre a legalidade e necessidade da prisão; a prevenção da ocorrência de tortura ou de maus-tratos; e os direitos assegurados ao preso e ao acusado. § 4º A apresentação do preso em juízo deverá ser acompanhada do auto de prisão em flagrante e da nota de culpa que lhe foi entregue, mediante recibo, assinada pela autoridade policial, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os nomes das testemunhas. § 5º A oitiva do preso em juízo sempre se dará na presença de seu advogado, ou, se não o tiver ou não o indicar, na de Defensor Público, e na do membro do Ministério Público, que poderão inquirir o preso sobre os temas previstos no parágrafo 3º, bem como se manifestar previamente à decisão judicial de que trata o art. 310 deste Código.”
Não esqueçamos, outrossim, do Projeto de Lei nº 8.045/10, em tramitação na Câmara dos Deputados, que prevê a figura do Juiz das Garantias. De acordo com o texto projetado seria ele o "responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário", competindo-lhe: "I – receber a comunicação imediata da prisão, nos termos do inciso LXII do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil;II – receber o auto da prisão em flagrante, para efeito do disposto no art. 553;III – zelar pela observância dos direitos do preso, podendo determinar que este seja conduzido a sua presença;IV – ser informado da abertura de qualquer inquérito policial;V – decidir sobre o pedido de prisão provisória ou outra medida cautelar;VI – prorrogar a prisão provisória ou outra medida
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cautelar, bem como substituí-las ou revogá-las;VII – decidir sobre o pedido de produção antecipada de provas consideradas urgentes e não repetíveis, assegurados o contraditório e a ampla defesa;VIII – prorrogar o prazo de duração do inquérito, estando o investigado preso, em vista das razões apresentadas pelo delegado de polícia e observado o disposto no parágrafo único deste artigo;IX – determinar o trancamento do inquérito policial quando não houver fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento;X – requisitar documentos, laudos e informações ao delegado de polícia sobre o andamento da investigação;XI – decidir sobre os pedidos de:a) interceptação telefônica, do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática ou de outras formas de comunicação;b) quebra dos sigilos fiscal, bancário e telefônico;c) busca e apreensão domiciliar;d) acesso a informações sigilosas;e) outros meios de obtenção da prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado.XII – julgar o habeas corpus impetrado antes do oferecimento da denúncia;XIII – determinar a realização de exame médico de sanidade mental, nos termos do art. 447, §1º;XIV – arquivar o inquérito policial;XV – outras matérias inerentes às atribuições definidas no caput deste artigo."
O Brasil tem hoje cerca de 600 mil presos, dos quais 40% são presos provisórios – o segundo país que mais encarcera cidadãos em todo o mundo e, segundo o Ministro Lewandowsk, "não existem estabelecimentos adequados e nem suficientes para abrigar essa superpopulação de presos, que cresce em escala geométrica, razão pela qual as audiências de custódia podem reduzir o número de detentos encarcerados, o que, no seu entender, contribui para resolver o problema do sistema penitenciário brasileiro, que é deficiente, anacrônico, gerador de violência e de violação de direitos humanos." Segundo afirmou o Ministro, "algumas unidades prisionais podem ser comparadas a "masmorras medievais, verdadeiras escolas do crime."
Portanto, há lei, aliás "supra-lei" a autorizar a audiência de custódia, a fim de assegurar a integridade física do presos em flagrante, ora "flagrantemente" ignorada, inclusive pelo Ministério
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Público, órgão responsável pelo controle externo da atividade policial. Ou não?
Combatendo as injustificáveis resistências, o Conselho Nacional de Justiça arquivou no dia 05 de maio de 2015, manifestação da Associação Nacional dos Magistrados Estaduais que criticava a implantação das audiências de custódia. A entidade apontava várias dificuldades para efetivar do projeto.Para a associação de magistrados, a iniciativa pode afetar a segurança pública, sob a alegação que a medida iria "retirar policiais das ruas e delegacias". Também iria aumentar a judicialização e encargos administrativos dos juízes e o número de reclamações disciplinares advindas dos advogados contra juízes que decidirem manter a custódia, além de fazer com que o preso se sinta forçado a negar agressões sofridas entre o momento da detenção e sua apresentação ao juiz.Conselheiro Fabiano Silveira aponta que projeto tem o condão de inibir a prática de tortura e tratamento cruel aos presos.
O Conselheiro Fabiano Silveira, relator do caso, afirmou que as argumentações da Anamages não prosperam. Para ele, o atual sistema — sem as audiências de custódia — não assegura a adequada proteção aos presos, o que é mostrado nos projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional com o objetivo de aperfeiçoar a questão. Segundo Silveira, as audiências de custódia vão ao encontro das convenções internacionais, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos, que ressalta que o controle judicial imediato é meio para evitar prisões arbitrárias e ilegais.“Nessa linha, o artigo 306 do Código do Processo Penal, que estabelece apenas a imediata comunicação ao juiz de que alguém foi detido, bem como a posterior remessa do auto de prisão em flagrante para homologação ou relaxamento, não é suficiente para dar conta do nível de exigência estabelecido nas convenções internacionais”, diz o relatório do conselheiro.
No que tange ao argumento de que os presos poderiam ser constrangidos a negar maus-tratos e violências, Silveira foi categórico em afirmar que o projeto é um “marco no sentido da evolução civilizatória do processo penal brasileiro e humanização
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do sistema jurídico-penal”.“Ao contrário do mencionado pelo Requerente no ponto 7 da petição inicial, a referida audiência tem, sim, o condão de inibir a prática de atos de tortura, tratamento cruel, desumano e degradante”, completa.Outras questões apontadas pela Anamages são as dificuldades logísticas e geográficas que podem ocorrer em comarcar do interior de cada estado e da região Norte do país.O relator refutou tal argumentação, alegando que o projeto está em fase piloto. “A adoção do projeto é progressiva e escalonada, e leva em consideração a necessidade de disponibilização de recursos humanos e estrutura física necessária para sua implantação”, afirmou Silveira. Fonte: http://www.conjur.com.br/2015-mai-06/cnj-arquiva-manifestacao-anamages-audiencia-custodia
Também vejamos que na sessão realizada no dia 09 de setembro de
2015, o Supremo Tribunal Federal concedeu parcialmente cautelar
solicitada na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº.
347, que pedia providências para a crise prisional do país, a fim de
determinar aos juízes e tribunais que passem a realizar audiências de
custódia, no prazo máximo de 90 dias, de modo a viabilizar o
comparecimento do preso perante a autoridade judiciária em até 24 horas
contadas do momento da prisão.
Enfim, o que esperar mesmo do Ministério Público brasileiro em
tempos de Operação Lava Jato, de entrevistas coletivas com Power Point,
com citações estrambóticas como uma coautoria insólita entre Marx e
Hegel, com delações premiadas contra legem, etc., etc. Não é mesmo de
se estranhar que o Ministério Público sabote covardemente a audiência
de custódia, única possibilidade de tentar evitar prisões ilegais e a tortura.
Estamos, realmente, em maus lençóis.
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A UTILIZAÇÃO DO MANDADO DE INJUNÇÃO NA CONCRETIZAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
RICARDO PINTO DA SILVA: Tabelião substituto. Especialista em Direito Público e Direito Civil e Empresarial.
RESUMO: O presente trabalho tem como principal objetivo o instituto do
mandado de injunção como instrumento apto a suprir a falta de norma
regulamentadora pós Constituição Federal de 1988, que impede a
realização dos direitos fundamentais, tendo em vista que a própria
Constituição Federal do Brasil prevê a aplicabilidade imediata das normas
definidoras dos direitos e garantias fundamentais. Nesse sentido, o presente
trabalho visa demonstrar a nova postura que o STF vem tomando com suas
decisões sociopolíticas que afetam diretamente as relações sociais, diante
da inércia não razoável do legislativo.
Palavras-Chave: Mandado de injunção. Constituição. Omissão
Legislativa. Direitos fundamentais. Ativismo judicial.
1 INTRODUÇÃO
O instituto do mandado de injunção tem causado diversos
questionamentos e polêmicas no âmbito dos três poderes, diante da omissão
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legislativa, por parte do Poder Legislativo e Executivo, o Poder Judiciário
estaria violando o princípio da separação dos três poderes ao se utilizar do
citado instituto para suprir a omissão legislativa.
O objetivo principal deste trabalho é analisar o papel do
Poder Judiciário, ao dispor sobre matéria que cumpria aos demais órgãos
originariamente dispor, dando efetividade às normas constitucionais,
estaria praticando qualquer lesão ou ameaça ao equilíbrio entre os Poderes,
ou tão somente garantindo a realização do supremo direito fundamental e à
efetivação da constituição.
Cabe ao Poder Judiciário realiza a integração da ordem
jurídica, suprindo as omissões do poder público, para efetivar as normas
constitucionais carente de regulamentação exatamente por não terem sido
regulamentadas, assim a utilização do instituto do Mandado de Injunção
destina-se a tornar imediatamente viável o exercício de direitos
fundamentais.
Assim, destaca-se também a possibilidade da extensão dos
efeitos das decisões de mandado de injunção de inter partes para erga
omnes, com o fim de evitar inúmeras ações questionando o mesmo objeto
e garantindo a segurança jurídica no ordenamento.
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2 PODER JUDICIÁRIO E SEU PAPEL NA CONCRETIZAÇÃO
DE DIREITOS CONSTITUCIONAIS
A Constituição de 1988 trouxe uma mudança fundamental
no Estado brasileiro, que foi a constitucionalização de inúmeros direitos
sociais e coletivos. Assim, o acesso ao Judiciário não, mas se restringi a
pedir proteção para o que já se tem, e sim, a partir da Constituição passa-se
a recorrer ao Judiciário para obter o auxílio que ainda não se tem, mas que
são previstos na Constituição.
O atual Estado Democrático de Direito não mais aceita uma
postura omissa e passiva do Poder Judiciário em relação a efetividade dos
direitos fundamentais. O Poder Judiciário deixou de ser um Poder afastado
da realidade social, para tornar-se um poder cada vez mais próximo da
construção dos destinos da sociedade e do país, sendo, além disso,
responsável pelo bem da coletividade.
Um legítimo Estado Democrático de Direito, tem que ter
uma atuação marcante e eficaz no que tange às discussões em torno das
políticas públicas concernentes às áreas que são relevantes para a garantia
da cidadania, tal atuação deve se mostrar presente tanto no que diz respeito
à formulação quanto na implementação dos direitos sociais.
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A argumentação utilizada para proibir a atuação do
judiciário como legislador positivo ainda se funda em uma visão
ultrapassada do Princípio da Separação dos Poderes, em que se objetivava
proteger o indivíduo contra intervenções arbitrárias do Estado, e que
precisa de um alargamento na sua concepção nos dias atuais,
especificamente aos direitos sociais. (MARTINS, p. 4).
Tendo em vista a ineficiência ou omissão do Poder
Legislativo, tem-se que defender que o Poder Judiciário tem a função de
garantidor da Supremacia da Constituição, em especial o Supremo Tribunal
Federal (STF), e demais, as instituições processuais da motivação e da
recorribilidade das decisões, do devido processo legal e da publicidade, são
base de sustentação para legitimar o Judiciário, em casos concretos, a agir
como legislador positivo. (MARTINS, p. 5).
Contudo, em caso de omissão do Estado na missão
constitucional de efetivação dos direitos sociais, tornando inviável o
exercício dos direitos constitucionais, o Poder Judiciario, deve assumir
novas responsabilidades e aceitar a nova missão de interventor e criador
das soluções reclamadas pelas novas demandas sociais, tornando-se co-
responsável pela promoção de interesses finalizados por objetivos
socioeconômicos. Do contrário, mostrando-se incapaz de garantir a
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efetividade dos direitos fundamentais, na prática caba sendo conivente com
sua violação.(ROCHA, 2012, P, 3).
Deste modo, quando o Poder Legislativo e Executivo
falham ou se omitem na implementação de políticas públicas destinadas à
efetivação dos direitos sociais, o Poder Judiciário ao suprir a omissão
estatal em prol da efetividade dos direitos sociais, adotando uma posição
ativa e dinâmica na realização das finalidades do Estado Social não viola o
princípio da separação dos poderes.
Portanto, o papel do Poder Judiciário no controle das
omissões injustificadas dos demais poderes tem sido de muita importância,
exigindo-se do Judiciário, inclusive, uma atuação ativa em busca de suprir
tais omissões, principalmente quando se está diante de direitos
fundamentais sociais. É grande a responsabilidade do Poder judiciário
perante a sociedade, uma vez que este se torna o caminho mais rápido em
busca da efetividade dos direitos fundamentais.
3 MANDADO DE INJUNÇÃO
O Mandado de Injunção foi criado no direito brasileiro com
a Constituição de 1988, previsto no seu artigo 5º, LXXI, CF/88, que diz:
conceder-se-á mandado de injunção sempre que a
falta de norma regulamentadora torne inviável o
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exercício dos direitos e liberdades constitucionais e
das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à
soberania e à cidadania, 5º, LXXI, CF/88.
Esse remédio constitucional foi criado para que se
garantisse a efetividade das normas constitucionais definidoras de direitos
fundamentais.
A Constituição Federal de 1988, também conhecida como
a Constituição Cidadã foi a que mais tratou dos direitos sócias e liberdades
em relação às outras Constituições brasileiras, tendo o constituinte a
preocupação em criar meios para conferir efeitos ao texto constitucional.
O mandado de injunção surgiu da necessidade de se criar
um mecanismo que permitisse a um indivíduo reclamar, ao Poder
Judiciário, a regulamentação em um caso concreto de um comando
constitucional cuja ausência normativa lhe estivesse inviabilizando o
exercício de direitos e garantias constitucionais. (PIOVESAN e
CHADDAD, 2013, 444).
Com relação ao conceito do citado instituto, este não se
apresenta como um grande problema, sendo que apenas se repete o teor do
artigo dado pela Constituição ou pelo artigo 2º da Lei nº. 13.300/2016.
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Percebe-se que alguns autores vêm se preocupando em dar
um conceito ao mandado de injunção, e não apenas repetir o conceito dado
pela Constituição ou pela Lei nº. 13.300/2016, dentre estes autores:
Hely Lopes Meirelles que conceitua o mandado de injunção
como meio constitucional posto à disposição de quem se considerar
prejudicado pela falta de norma regulamentadora que torne inviável o
exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas
inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania (MEIRELLES, 2008,
p.259).
O conceito dado por Alexandre Moraes, entende que o
mandado de injunção consiste em uma ação constitucional de caráter civil
e de procedimento especial, que visa suprir uma omissão do Poder Público,
no intuito de viabilizar o exercício de um direito, uma liberdade ou uma
prerrogativa prevista na Constituição Federal (MORAES, 2002, p.412).
A finalidade do mandado de injunção é de efetivar uma
norma constitucional que esteja na dependência de regulamentação por
parte do legislador, é um remédio destinado a efetivar as normas
constitucionais de eficácia limitada, que segundo a classificação de Jose
Afonso da Silva são as normas que criam um direito, uma prerrogativa mais
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que fica na dependência de regulamentação pelo legislador
infraconstitucional (SILVA, 2006, p. 451).
Destarte se a norma á auto aplicável e está sendo
desrespeitada não cabe o mandado de injunção. Tampouco é cabível para
se buscar o cumprimento de norma regulamentadora já existente e que está
sendo descumprida ou ainda quando a própria Constituição regula
provisoriamente o direito em questão, enquanto não aprovada a lei a que se
refere.
Qualquer pessoa seja ela nacional ou estrangeira, física ou
jurídica, capaz ou incapaz, que seja titular de um direito fundamental que
pela omissão do poder público em elaborar norma regulamentadora, pode
propor o mandado de injunção sendo legitimado para tal ato, bem como os
entes coletivos, como os partidos políticos com representação no congresso
nacional, as organizações sindicais e as entidades de classe ou associações
legalmente constituídas, em defesa dos interesses dos seus membros ou
associados. Percebe-se que se trata de um verdadeiro mandado de injunção
coletivo, aplicando por analogia os mesmo legitimados do Mandado de
Segurança. (JUNIOR, 2009, p. 808 e 809).
As regras de competência para impetrar o mandado de
injunção são disciplinadas na própria Constituição Federal, bem como, na
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Lei 13.300/2016 e variam de acordo com o órgão ou a autoridade
responsável pela edição da norma regulamentadora.
Os efeitos das decisões do mandado de injunção gera forte
discussão na doutrina e jurisprudência, uma vez que quanto ao objeto do
mandado de injunção existe uma grande controvérsia. O mandado de
injunção destina-se a obter o suprimento judicial da norma faltante ou
estimular a produção da norma pelo órgão competente.
O instituto do mandado de injunção serve à busca do
necessário e possível equilíbrio entre, a dignidade da pessoa humana e o
pluralismo politico, torna necessário que, em algumas hipóteses, a
fundamentalidade dos direitos, que impõe sua máxima eficácia, possibilite
a superação da inércia do legislador para que o exercício das posições ativas
jusfundamentais possa se fazer mediante intervenção jurisdicional (NETO,
2009, p. 142 e 143).
Observam-se quatro correntes que demostra a controvérsia
que existe na doutrina e na jurisprudência acerca dos efeitos da decisão do
mandado de injunção. (LENZA, 2010, p. 585).
1 - Posição concretista geral: por meio de
normatividade geral, o STF legisla no caso concreto,
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produzindo a decisão efeito erga omnes até que
sobrevenha norma integrativa pelo Legislativo;
2 - Posição concretista individual direta: a
decisão, implementando o direito, valerá somente
para o autor do mandado de injunção, diretamente;
3 - Posição concretista individual intermediária:
julgando procedente o mandado de injunção, o
Judiciário fixa prazo ao Legislativo para elaborar a
norma regulamentadora. Findo o prazo e
permanecendo a inércia do Legislativo, o autor passa
a ter assegurado o seu direito;
4 - Posição não concretista: a decisão apenas
decreta a mora do Poder omisso, reconhece-se
formalmente a sua inércia.
Verifica-se que dessa forma é possível classificar as
diversas teses que existe quanto ao efeito da decisão que julga o mandado
de injunção em dois grupos, o concretista e não concretista.
A concretista é a que por meio de uma decisão constitutiva
o Poder Judiciário, vai viabilizar o exercício de um direito constitucional
que se encontra inexequível por conta da ausência de regulamentação. Essa
teoria pode-se ainda se subdividir em duas, qual seja, a concretista geral
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que terá efeito erga omnes e a concretista individual, a qual terá seu alcance
apenas entre as partes, ou seja, efeito inter partes.
A posição concretista individual ainda se subdivide em
direta e intermediária, esta abre-se prazo depois de reconhecida a omissão
para que o legitimado omisso elabore a norma regulamentadora, e o não
fazendo o Poder Judiciário, poderá tomar as providências necessárias para
que o titular da demanda possa usufruir de seu direito, e aquela quando a
decisão judicial vai ser imediatamente viabilizadora do direito.
A posição não concretista é a que ao se declarar a omissão
inconstitucional, o Poder Judiciário vai comunicar o órgão competente que
esta inerte para que tome as medidas necessárias para a regulamentação da
norma pendente, recomendando sua edição.
Verifica-se que inicialmente o Superior Tribunal Federal, a
adotar a posição não concretista entendia que o instituto do mandado de
injunção voltava-se apenas para emitir uma ordem ao órgão omissivo, e não
suprir a ausência de norma regulamentar. Com esse entendimento o
Supremo esvaziava a finalidade constitucional do mandado de injunção,
deixando o instituto sem funcionalidade, uma vez que apenas declarava a
inconstitucionalidade da omissão, não traduzindo assim a real efetividade
que se buscava alcançar através do instituto (SCHONS, 2011, p.45).
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Atualmente pode se considerar que a Teoria concretista
individual direta é uma das mais defendidas pela doutrina. Ao julgar-se
procedente o mandado de injunção, o Poder Judiciário implementa a
eficácia da norma constitucional ao autor, sendo que os efeitos da sua
decisão vão limitar-se apenas as partes do processo, não surtindo efeito para
o resto da sociedade. O mandado de injunção não tem como fim a edição
de uma norma, mas sim uma decisão que apresente uma solução para o caso
concreto.
A Lei nº 13.300/2016 determina, como regra, a aplicação
da corrente concretista individual intermediária. Em suma, caso o prazo
para a edição da norma já tenha sido dado em outros mandados de injunção
anteriormente propostos por outros autores, o Poder Judiciário poderá
veicular uma decisão concretista direta, nos termos do art. 8º, parágrafo
único.
Interessante ressaltar, ainda, a extensão possível dos efeitos
advindos de decisão em mandado de injunção. O que evidencia é a
possibilidade de as decisões nos mandado de injunção surtirem efeitos não
somente em razão do interesse jurídico de seus impetrantes, estendendo
também seus efeitos normativos para os demais casos que guardem
similitude. Assim, em regra, a decisão em mandado de injunção, ainda que
dotada de caráter subjetivo, comporta uma dimensão objetiva, com eficácia
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erga omnes, que serve para tantos forem os casos que demandem a
concretização de uma omissão geral do Poder Público, seja em relação a
uma determinada conduta, seja em relação a uma determinada lei
(MENDES, BRANCO, 2011, P.1334-1335).
Deste modo, com relação à eficácia subjetiva, a Lei nº
13.300/2016 no seu artigo 9º adotou como regra a corrente individual, quer
dizer, em regra, a decisão terá eficácia subjetiva limitada às partes,
igualmente, no mandado de injunção coletivo, em regra, a sentença fará
coisa julgada limitadamente às pessoas integrantes da coletividade, do
grupo, da classe ou da categoria substituídos pelo impetrante.
Excepcionalmente, a Lei nº 13.300/2016 afirma que poderá
ser conferida eficácia ultra partes ou erga omnes à decisão, quando isso for
inerente ou indispensável ao exercício do direito, da liberdade ou da
prerrogativa objeto da impetração, art. 9º, § 1º.
Ressalta-se que o efeito concreto geral, ou seja, erga omnes
é completamente viável em situação em que a falta de norma
regulamentadora torna inviável o exercício de direitos e prerrogativas de
várias pessoas que se encontram na mesma situação, servindo também para
que se evite a demanda de inúmeros mandado de injunção, pleiteando o
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mesmo direito, congestionando ainda mais o Judiciário representando um
perigo na segurança jurídica do ordenamento.
Em relação a extensão dos efeitos advindos da decisão
proferida em mandado de injunção, o que se evidencia é a possibilidade de
as decisões nos mandados de injunção surtirem efeitos normativos não
somente em razão do interesse jurídico de seus impetrantes, estendendo-se
também para os demais caos que guardem similitude. Assim, em regra, a
decisão em mandado de injunção, ainda que dotada de caráter subjetivo,
comporta uma dimensão objetiva, com eficácia erga omnes, a qual serve
para tantos quantos forem os casos que demandem a concretização de uma
omissão geral do Poder Público, seja em relação a uma determinada
conduta, seja em relação a uma determinada lei. (MENDES, 2013, p. 18-
19).
De fato, não faz sentido que o Supremo Tribunal Federal se
manifeste em diversos julgamentos envolvendo matérias semelhantes,
somente para repetir o que já foi decidido.
Nota-se que o efeito erga omnes nas decisões de mandado
de injunção não descaracteriza a visão de ação individual que o instituto do
mandado de injunção tem; sendo que ao estender os efeitos da sua decisão
que, determina a satisfação do direito do autor, implementando regra a seu
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exercício, para todos os outros que se encontrem na mesma situação do
impetrante, estará o Judiciário garantindo o exercício de direitos
fundamentais, que estavam impossibilitados por ausência de norma
regulamentadora.
Observa-se que o Poder Judiciário ao ampliar os efeitos da
decisão prolatada no mandado de injunção de inter partes para erga omnes
estará suprindo a falta de norma regulamentadora, ao mesmo tempo em que,
busca evitar que inúmeras ações de mandado de injunção com os mesmos
elementos e objetivos, apenas com sujeitos diferentes abarrotem ainda mais
o Judiciário, o que contrariaria o principio da celeridade processual previsto
no art. 5º, LXXVIII, CF/1988, incluído pela EC nº. 45/04.
Ao se fazer um exame de forma coerente do instituto do
mandado de injunção, perceberá que de forma alguma uma decisão do
Judiciário em um caso concreto poderia ferir o princípio da separação dos
poderes, como é alegado pela maioria. O fato de o Poder Judiciário
preencher uma lacuna deixada pelo Legislativo ou Executivo é um meio de
conter a omissão arbitrária desses poderes, ou seja, quando o poder
competente deixa de legislar ele está se descuidando de sua obrigação,
dessa forma, perfeitamente aceitável, no modelo brasileiro de separação de
poderes, que o Judiciário faça esse controle satisfatório de
constitucionalidade (SILVEIRA, 2008, p. 22).
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Tem-se que recordar que o Brasil adotou o sistema de freios
e contrapesos, nas palavras de Montesquieu, o poder limitando o poder.
Dessa forma, o Judiciário ao proferir uma decisão que implemente o direito
do indivíduo, está exercendo um controle de constitucionalidade difuso, ou
seja, velando pela harmonia dos poderes. Portanto não há que se falar que
houve afronta ao princípio da separação dos poderes (SILVEIRA, 2008, p.
22).
Tal ocorre na medida em que, reconhecendo-se que a
dimensão prestacional dos direitos sociais integra o conteúdo da dignidade
humana e, não sendo o juiz competente para definições de natureza política,
a Constituição reconhece que, em algumas hipóteses, a inércia do legislador
pode comprometer, de modo grave, o respeito à dignidade do ser humano,
concretamente considerado, base sobre a qual se ergue o próprio edifício
constitucional (NETO, 2009, p.131).
4 CONCLUSÃO
A Constituição Federal de 1988 inovou ao trazer o princípio
de aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais; certamente o
constituinte tinha a intenção de evitar que, os direitos fundamentais
ficassem subordinados à vontade do legislador infraconstitucional,
permitindo ao Poder Judiciário o controle das omissões do Poder Público,
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atuando na concretização dos direitos sociais, buscando da maior eficácia a
Constituição.
Assim, das diversas abordagens feitas sobre o mandado de
injunção, ficou demonstrado que o instituto foi criado com objetivo de
garantir a efetividade das normas constitucionais definidoras de direitos
fundamentais; sendo reconhecido pelo próprio Supremo Tribunal Federal
como uma ação de natureza constitutiva que visa resolver o problema da
inefetividade da Constituição.
Deste modo, nota-se que o próprio Superior Tribunal
Federal não chegou ainda a um consenso sobre o alcance da decisão
proferida em mandado de injunção, se a decisão terá eficácia inter partes
ou erga omnes, da mesma maneira a Lei nº 13.300/2016, esta afirma que
poderá ser conferida eficácia ultra partes ou erga omnes à decisão, quando
isso for inerente ou indispensável ao exercício do direito, da liberdade ou
da prerrogativa objeto da impetração.
Portanto, o Poder Judiciário ao proferir uma decisão que
implemente o direito do indivíduo, que estava impossibilitado por conta da
omissão arbitrária do legislador e ampliando seus efeitos para todos, estará
exercendo um controle de constitucionalidade, completamente compatível
com o sistema brasileiro, vez que este adotou o sistema de freios e
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contrapesos, como o próprio Montesquieu descrevia, “o Poder limitando o
Poder”, não havendo nenhuma afronta ao principio da separação dos
poderes.
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Jurídicas e Sociais). Curso de Direito. Universidade de Passo Fundo, Passo
Fundo, RS, 2011. Disponível em:
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O REGIME JURÍDICO DUPLO DAS PARCERIAS CELEBRADAS ENTRE A
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E AS ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL
ATRAVÉS DOS ACORDOS DE COOPERAÇÃO, NOS TERMOS DA LEI Nº
13.019/2014
ANAIV SILVA VIANA: Advogada da União desde
2011; Pós graduada em Direito do Estado pela
UNYAHNA ‐ Instituto de Educação Superior.
Resumo: O presente artigo aborda o regime jurídico das parcerias
celebradas entre a administração pública e as organizações da sociedade
civil, para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco, nos
termos da Lei nº 13.019/2014 e Decreto nº 8.726/2016, através dos acordos
de cooperação que não envolvam a transferência de recursos financeiros,
especialmente com relação ao requisito do chamamento público.
Palavras-chave: administração pública, organizações da sociedade civil,
acordo de cooperação, chamamento público.
1.INTRODUÇÃO
Na presente oportunidade, será realizada análise da Lei nº
13.019/2014, regulamentada pelo recente Decreto nº 8.726/2016, no que se
refere ao regime jurídico dos acordos de cooperação, assim entendidos
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enquanto parcerias celebradas entre a administração pública e as
organizações da sociedade civil, para a consecução de finalidades de
interesse público e recíproco.
O exame da matéria ganha relevância em razão do crescente número
de acordos formalizados pelos órgãos públicos, bem como diante da dúvida
acerca da necessidade de prévio chamamento público para a consecução
dos referidos acordos.
2.A FORMALIZAÇÃO DOS ACORDOS: PARTES
ENVOLVIDAS E FIM ALMEJADO
Preambularmente, sobreleva destacar que a Lei nº 13.019/2014,
consoante seu artigo 1º, estabelece o regime jurídico das parcerias entre a
administração pública e as organizações da sociedade civil, em regime de
mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público e
recíproco, mediante a execução de atividades ou de projetos previamente
estabelecidos em planos de trabalho inseridos em termos de colaboração,
em termos de fomento ou em acordos de cooperação.
Consentâneo com o dispositivo legal acima invocado, os acordos de
cooperação técnica firmados com as organizações da sociedade civil
estabelecem bases gerais para a cooperação técnica, científica e cultural e
o intercâmbio de conhecimentos, informações e experiências entre os
partícipes, visando à formação, aperfeiçoamento e especialização técnica
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das partes, bem como ao desenvolvimento institucional, mediante a
implementação de ações, programas, projetos e atividades complementares
de interesse comum dos partícipes.
A fim de delimitar a natureza jurídica dos envolvidos no instrumento
ora analisado, insta registrar que o artigo 2º, inciso I, da Lei nº 13.019/2014,
considera organização da sociedade civil entidade privada, sem fins
lucrativos, que não distribua entre os seus sócios ou associados,
conselheiros, diretores, empregados, doadores ou terceiros, eventuais
resultados, sobras, excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos,
isenções de qualquer natureza, participações ou parcelas do seu patrimônio,
auferidos mediante o exercício de suas atividades, e que os aplique
integralmente na consecução do respectivo objeto social, de forma imediata
ou por meio da constituição de fundo patrimonial ou fundo de reserva; as
sociedades cooperativas previstas na Lei nº 9.867/1999; as integradas por
pessoas em situação de risco ou vulnerabilidade pessoal ou social; as
alcançadas por programas e ações de combate à pobreza e de geração de
trabalho e renda; as voltadas para fomento, educação e capacitação de
trabalhadores rurais ou capacitação de agentes de assistência técnica e
extensão rural; e as capacitadas para execução de atividades ou de projetos
de interesse público e de cunho social; bem como as organizações religiosas
que se dediquem a atividades ou a projetos de interesse público e de cunho
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social distintas das destinadas a fins exclusivamente religiosos. Por sua vez,
a lei esclarece que a administração pública envolve a administração direta
e as autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia
mista prestadoras de serviço público, e suas subsidiárias, alcançadas pelo
disposto no § 9º, do artigo 37, da Constituição Federal de 1988.
Esclarecida a questão atinente aos signatários do acordo, sobreleva
destacar que a Lei nº 13.019/2014, após distinguir os institutos do termo de
colaboração e do termo de fomento, ambos caracterizados por envolver a
transferência de recursos financeiros, apresenta o conceito de acordo de
cooperação enquanto instrumento por meio do qual são formalizadas as
parcerias estabelecidas pela administração pública com organizações da
sociedade civil para a consecução de finalidades de interesse público e
recíproco que não envolvam a transferência de recursos financeiros.
3.O CHAMAMENTO PÚBLICO
O artigo 2º, inciso XII, da mencionada Lei nº 13.019/2014, dispõe que
o chamamento público consiste no procedimento destinado a selecionar
organização da sociedade civil para firmar parceria por meio de termo de
colaboração ou de fomento, no qual se garanta a observância dos princípios
da isonomia, da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da
igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao
instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são
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correlatos. Destarte, o chamamento público é um
procedimento seletivo simplificado, regulamentado pela referida Lei, com
a intenção de garantir a impessoalidade do ente público na escolha da
entidade privada que celebrará os termos de colaboração ou de fomento.
Neste sentido, como forma de assegurar a integridade do processo de
seleção e evitar a frustração do caráter competitivo, o artigo
24, §2º, da Lei 13.019/2014, veda a admissão, previsão, inclusão ou a
tolerância, nos atos de convocação, de cláusulas ou
condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter c
ompetitivo, bem como estabeleçam preferências ou distinções em razão
da naturalidade, da sede ou do domicílio dos concorrentes ou de
qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o
específico objeto da parceria.
Sobreleva apontar que o artigo 29 da Lei que regulamenta as parcerias
entre a administração pública e as organizações da sociedade civil
estabelece que os acordos de cooperação serão celebrados sem
chamamento público, exceto quando o objeto envolver a celebração de
comodato, doação de bens ou outra forma de compartilhamento de
recurso patrimonial. Registre-se que o mencionado artigo deve ser
analisado em conjunto com a legislação de regência da matéria.
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Neste aspecto, cumpre destacar que a regulamentação da Lei nº
13.019/2014 ocorreu através do recente Decreto nº 8.726/2016, que dispõe
sobre regras e procedimentos do regime jurídico das parcerias celebradas
entre a administração pública federal e as organizações da sociedade civil.
Em seu artigo 6º, levando-se em consideração que, diferentemente do termo
de colaboração e do termo de fomento, o acordo não envolve a transferência
de recurso financeiro, o Decreto estabelece quais dispositivos e regras se
aplicam ao acordo de cooperação, no que couber, dentre eles o Capítulo
referente ao chamamento público, sendo certo que, nos casos que não
envolvam comodato, doação de bens ou outras formas de
compartilhamento patrimonial, poderá ser afastada a exigência do
Chamamento público, dentre outras, mediante justificativa prévia e
considerando a complexidade da parceria e o interesse público.
Ainda, o §1, do citado artigo 6º, estabelece que as demais disposições
do Decreto apenas são aplicáveis a acordo de cooperação que envolva
comodato, doação de bens ou outras formas de compartilhamento
patrimonial e, mediante justificativa prévia, poderão ser afastadas quando
a exigência for desproporcional à complexidade da parceria ou ao interesse
público envolvido.
Destarte, na formalização dos acordos, resta evidente que a legislação
acima exposta implementou um regime jurídico duplo das parcerias
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celebradas entre a administração pública e as organizações da sociedade
civil através dos acordos de cooperação, sendo que, caso o objeto do acordo
envolva a celebração de comodato, doação de bens ou outra forma de
compartilhamento de recurso patrimonial, o chamamento público revela-se
necessário, bem como incidem as demais regras dispostas no Decreto,
sendo que poderão ser afastadas quando a exigência for desproporcional à
complexidade da parceria ou ao interesse público envolvido, mediante
justificativa prévia (artigo 6º, §1º). Por outro lado, caso o objeto do acordo
não envolva a celebração de comodato, doação de bens ou outra forma de
compartilhamento de recurso patrimonial, as regras e procedimentos
previstos especificamente no artigo 6º, do Decreto nº 8.726/2016 devem
incidir, no que couber, sendo que o órgão poderá, mediante justificativa
prévia e considerando a complexidade da parceria e o interesse público,
afastar algumas exigências previstas nos Capítulos destacados do Decreto
(Capítulos I, II, III, VIII, IX, X, XI e XII), inclusive aquela referente ao
chamamento público (artigo 6º,§2º).
Nos termos do acima exposto, as partes envolvidas na formalização do
acordo devem identificar o correto enquadramento dos acordos de
cooperação que serão celebrados e, a partir daí, observar os dispositivos do
Decreto nº 8.726/2016 aplicáveis ao caso. Cumpre ressaltar que a iniciativa
da realização do Chamamento Público, bem como da celebração dos
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acordos, é calcada nos critérios de conveniência e oportunidade
administrativa.
Ainda, convém lembrar que, consoante o artigo 10, do Decreto nº
8.726/2016, o chamamento público deve ser amplamente divulgado no sítio
eletrônico oficial do órgão e na plataforma eletrônica, bem como, nos
termos do artigo 38, da Lei nº 13.019/2014, os acordos de cooperação
somente produzirão efeitos jurídicos após a publicação dos respectivos
extratos no meio oficial de publicidade da administração pública.
4.CONCLUSÃO
Diante das considerações expostas, levando-se em consideração que a
parcerias celebradas entre a administração pública e as organizações da
sociedade civil visam à consecução de finalidades de interesse público e
recíproco, nos termos da Lei nº 13.019/2014 e Decreto nº 8.726/2016, as
partes envolvidas na formalização do acordo devem identificar o
correto enquadramento dos acordos de cooperação que serão
celebrados e, a partir daí, observar os dispositivos do Decreto nº
8.726/2016 aplicáveis ao caso.
Nos termos do artigo 6º, §1º, do Decreto nº 8.726/2016, caso o objeto
do acordo envolva a celebração de comodato, doação de bens ou outra
forma de compartilhamento de recurso patrimonial, o chamamento público
revela-se necessário, bem como incidem as demais regras dispostas no
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Decreto, sendo que tais regras (inclusive o chamamento público) poderão
ser afastadas quando a exigência for desproporcional à complexidade da
parceria ou ao interesse público envolvido, mediante justificativa prévia
(artigo 6º, §1º).
Por outro lado, caso o objeto do acordo não envolva a celebração de
comodato, doação de bens ou outra forma de compartilhamento de recurso
patrimonial, as regras e procedimentos previstos especificamente no artigo
6º, do Decreto nº 8.726/2016 devem incidir, no que couber, sendo que o
órgão poderá, mediante justificativa prévia e considerando a complexidade
da parceria e o interesse público, afastar algumas exigências previstas nos
Capítulos destacados do Decreto (Capítulos I, II, III, VIII, IX, X, XI e XII),
inclusive aquela referente ao chamamento público (artigo 6º,§2º).
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A IMPRESCINDIBILIDADE DA PARTICIPAÇÃO POPULAR NO PROCESSO DE DESTOMBAMENTO DO PATRIMÔNIO CULTURAL
TAUÃ LIMA VERDAN RANGEL: Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Especializando em Práticas Processuais - Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Produziu diversos artigos, voltados principalmente para o Direito Penal, Direito Constitucional, Direito Civil, Direito do Consumidor, Direito Administrativo e Direito Ambiental.
Resumo: Cuida salientar que o meio ambiente cultural é constituído por
bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que possuem valor
histórico, artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico, fossilífero,
turístico, científico, refletindo as características de uma determinada
sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que a cultura identifica as
sociedades humanas, sendo formada pela história e maciçamente
influenciada pela natureza, como localização geográfica e clima. Com
efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma intensa interação entre
homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu meio, e toda sua
atividade e percepção são conformadas pela sua cultural. A cultura
brasileira é o resultado daquilo que era próprio das populações tradicionais
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indígenas e das transformações trazidas pelos diversos grupos
colonizadores e escravos africanos. Nesta toada, ao se analisar o meio
ambiente cultural, enquanto complexo macrossistema, é perceptível que é
algo incorpóreo, abstrato, fluído, constituído por bens culturais materiais e
imateriais portadores de referência à memória, à ação e à identidade dos
distintos grupos formadores da sociedade brasileira. O conceito de
patrimônio histórico e artístico nacional abrange todos os bens moveis e
imóveis, existentes no País, cuja conservação seja de interesse público, por
sua vinculação a fatos memoráveis da História pátria ou por seu
excepcional valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e
ambiental.
Palavras-chaves: Meio Ambiente Cultural. Destombamento. Participação
Popular.
Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves notas à construção teórica
do Direito Ambiental; 2 Comentários à concepção de Meio Ambiente; 3
Meio Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos Introdutórios; 4
Tombamento Ambiental: 4.1 Conceito e Característicos; 4.2 Natureza
Jurídica; 5 A Possibilidade de Destombamento do Patrimônio Cultural:
Ponderações Inaugurais; 6 A Imprescindibilidade da Participação Popular
no Processo de Destombamento do Patrimônio Cultural .
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1 Ponderações Introdutórias: Breves notas à construção teórica do
Direito Ambiental
Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca do tema colocado
em tela, patente se faz arrazoar que a Ciência Jurídica, enquanto um
conjunto multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim como as
robustas ramificações que a integram, reclama uma interpretação alicerçada
nos plurais aspectos modificadores que passaram a influir em sua
estruturação. Neste alamiré, lançando à tona os aspectos característicos de
mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso
salientar, com a ênfase reclamada, que não mais subsiste uma visão
arrimada em preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às
diversidades sociais que passaram a contornar os Ordenamentos Jurídicos.
Ora, em razão do burilado, infere-se que não mais prospera o arcabouço
imutável que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em
decorrência dos anseios da população, suplantados em uma nova
sistemática.
Com espeque em tais premissas, cuida hastear, com bastante
pertinência, como flâmula de interpretação o “prisma de avaliação o
brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade,
está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de
interdependência que esse binômio mantém”[1]. Destarte, com clareza
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solar, denota-se que há uma interação consolidada na mútua dependência,
já que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante processo de
evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas Legislativos e
institutos não fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total
descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta
estrutural e robusta dependência das regras consolidadas pelo Ordenamento
Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar que não haja uma vingança
privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras
em que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho, dente por
dente”), bem como para evitar que se concretize um cenário caracterizado
por aspecto caótico no seio da coletividade.
Ademais, com a promulgação da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço
axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente quando
se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos
anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade
contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto magistral voto
proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento
de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,
peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é
contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força,
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o seu fascínio, a sua beleza”[2]. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência
Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível mutabilidade que
apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a
aplicação dos Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles consagrados.
Ainda neste substrato de exposição, pode-se evidenciar que a
concepção pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via
de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e profissionais
da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan, “esta
doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do
valor atribuído aos princípios em face da legislação”[3]. Destarte, a partir
de uma análise profunda dos mencionados sustentáculos, infere-se que o
ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta
tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço
normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante,
flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do
conteúdo das leis, diante das situações concretas.
Nas últimas décadas, o aspecto de mutabilidade tornou-se ainda
mais evidente, em especial, quando se analisa a construção de novos que
derivam da Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a ramificação
ambiental, considerando como um ponto de congruência da formação de
novos ideários e cânones, motivados, sobretudo, pela premissa de um
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manancial de novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação, de boa
técnica se apresenta os ensinamentos de Fernando de Azevedo Alves Brito
que, em seu artigo, aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse
dos estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar as
peculiaridades ambientais, que, por estarem muito mais ligadas às ciências
biológicas, até então era marginalizadas”[4]. Assim, em decorrência da
proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira paulatina,
alcançando, notadamente a partir das últimas discussões internacionais
envolvendo a necessidade de um desenvolvimento econômico pautado em
sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em razão de novos
fatores, um verdadeiro remodelamento ou mesmo uma releitura dos
conceitos que abalizam a ramificação ambiental do Direito, com o fito de
permitir que ocorra a conservação e recuperação das áreas degradadas,
primacialmente as culturais.
Ademais, há de ressaltar ainda que o direito ambiental passou a
figurar, especialmente, depois das décadas de 1950 e 1960, como um
elemento integrante da farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha
realçar, com cores quentes, que mais contemporâneos, os direitos que
constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de direitos de
fraternidade ou, ainda, de solidariedade, contemplando, em sua estrutura,
uma patente preocupação com o destino da humanidade[5]. Ora, daí se
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verifica a inclusão de meio ambiente como um direito fundamental, logo,
está umbilicalmente atrelado com humanismo e, por extensão, a um ideal
de sociedade mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível citar o
artigo 3°., inciso I, da Carta de 1988 que abriga em sua redação tais
pressupostos como os princípios fundamentais do Estado Democrático de
Direitos: “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e
solidária”[6].
Ainda nesta esteira, é possível verificar que a construção dos
direitos encampados sob a rubrica de terceira dimensão tende a identificar
a existência de valores concernentes a uma determinada categoria de
pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais prosperando a típica
fragmentação individual de seus componentes de maneira isolada, tal como
ocorria em momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira
pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação o entendimento
do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em especial quando destaca:
Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os direitos
de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que
materializam poderes de titularidade coletiva
atribuídos, genericamente, e de modo difuso, a todos
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os integrantes dos agrupamentos sociais, consagram o
princípio da solidariedade e constituem, por isso
mesmo, ao lado dos denominados direitos de quarta
geração (como o direito ao desenvolvimento e o
direito à paz), um momento importante no processo de
expansão e reconhecimento dos direitos humanos,
qualificados estes, enquanto valores fundamentais
indisponíveis, como prerrogativas impregnadas de
uma natureza essencialmente inexaurível[7].
Ao lado disso, cuida reconhecer que os direitos de terceira
dimensão são impregnados densamente pelo aspecto de solidariedade e
fraternidade, extrapolando o indivíduo, mas compreendendo o gênero
humano como algo singular que reclama a adoção de direitos que
salvaguardem a espécie. “Têm primeiro por destinatários o gênero humano
mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo
em termos de existencialidade concreta”[8]. Com efeito, os direitos de
terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, positivado na Constituição Federal de 1988,
emerge com um claro e tangível aspecto de familiaridade, como ápice da
evolução e concretização dos direitos fundamentais. Verifica-se, nesta
esteira, a adoção de valores calcados em solidariedade, elevados à condição
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de sustentáculo da contemporaneidade, concebendo a coletividade como
algo uno, superando o clássico pensamento individual que tende a refletir
as primeiras gerações dos direitos humanos.
2 Comentários à concepção de Meio Ambiente
Em uma primeira plana, ao lançar mão do sedimentado jurídico-
doutrinário apresentado pelo inciso I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de
agosto de 1981[9], que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,
seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências,
salienta que o meio ambiente consiste no conjunto e conjunto de condições,
leis e influências de ordem química, física e biológica que permite, abriga
e rege a vida em todas as suas formas. Pois bem, com o escopo de promover
uma facilitação do aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que
o meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de fatores abióticos,
provenientes de ordem química e física, e bióticos, consistentes nas plurais
e diversificadas formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos de
Silva, considera-se meio-ambiente como “a interação do conjunto de
elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento
equilibrado da vida em todas as suas formas”[10].
Nesta senda, ainda, Fiorillo[11], ao tecer comentários acerca da
acepção conceitual de meio ambiente, coloca em destaque que tal tema se
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assenta em um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao intérprete
das leis, promover o seu preenchimento. Dada à fluidez do tema, é possível
colocar em evidência que o meio ambiente encontra íntima e umbilical
relação com os componentes que cercam o ser humano, os quais são de
imprescindível relevância para a sua existência. O Ministro Luiz Fux, ao
apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou,
com bastante pertinência, que:
[...] o meio ambiente é um conceito hoje
geminado com o de saúde pública, saúde de cada
indivíduo, sadia qualidade de vida, diz a Constituição,
é por isso que estou falando de saúde, e hoje todos nós
sabemos que ele é imbricado, é conceitualmente
geminado com o próprio desenvolvimento. Se antes
nós dizíamos que o meio ambiente é compatível com
o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a partir da
Constituição, tecnicamente, que não pode haver
desenvolvimento senão com o meio ambiente
ecologicamente equilibrado. A geminação do
conceito me parece de rigor técnico, porque salta da
própria Constituição Federal[12].
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É denotável, desta sorte, que a constitucionalização do meio
ambiente no Brasil viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que
concerne, especificamente, às normas de proteção ambiental. Tal fato
decorre da premissa que os robustos corolários e princípios norteadores
foram alçados ao patamar constitucional, assumindo colocação eminente,
ao lado das liberdades públicas e dos direitos fundamentais. Superadas tais
premissas, aprouve ao Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,
ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira dimensão,
insculpir na redação do artigo 225, conceder amplo e robusto respaldo ao
meio ambiente como pilar integrante dos direitos fundamentais. “Com o
advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, as
normas de proteção ambiental são alçadas à categoria de normas
constitucionais, com elaboração de capítulo especialmente dedicado à
proteção do meio ambiente”[13]. Nesta toada, ainda, é observável que o
caput do artigo 225 da Constituição Federal de 1988[14] está abalizado em
quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em conjunto, dão corpo
a toda tábua ideológica e teórica que assegura o substrato de edificação da
ramificação ambiental.
Primeiramente, em decorrência do tratamento dispensado pelo
artífice da Constituição Federal, o meio ambiente foi içado à condição de
direito de todos, presentes e futuras gerações. É encarado como algo
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pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma, não se admite o
emprego de qualquer distinção entre brasileiro nato, naturalizado ou
estrangeiro, destacando-se, sim, a necessidade de preservação, conservação
e não-poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso que possui,
extrapola os limites territoriais do Estado Brasileiro, não ficando centrado,
apenas, na extensão nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste
sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou que:
A preocupação com o meio ambiente - que hoje
transcende o plano das presentes gerações, para
também atuar em favor das gerações futuras [...] tem
constituído, por isso mesmo, objeto de regulações
normativas e de proclamações jurídicas, que,
ultrapassando a província meramente doméstica do
direito nacional de cada Estado soberano, projetam-se
no plano das declarações internacionais, que refletem,
em sua expressão concreta, o compromisso das
Nações com o indeclinável respeito a esse direito
fundamental que assiste a toda a Humanidade[15].
O termo “todos”, aludido na redação do caput do artigo 225 da
Constituição Federal de 1988, faz menção aos já nascidos (presente
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geração) e ainda aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo
àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no mínimo, os
recursos naturais que hoje existem. Tal fato encontra como arrimo a
premissa que foi reconhecido ao gênero humano o direito fundamental à
liberdade, à igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em
ambiente que permita desenvolver todas as suas potencialidades em clima
de dignidade e bem-estar. Pode-se considerar como um direito
transgeracional, ou seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que
o meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta feita, o ideário de
que o meio ambiente substancializa patrimônio público a ser
imperiosamente assegurado e protegido pelos organismos sociais e pelas
instituições estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável que se
impõe, objetivando sempre o benefício das presentes e das futuras gerações,
incumbindo tanto ao Poder Público quanto à coletividade considerada em
si mesma.
Assim, decorrente de tal fato, produz efeito erga omnes, sendo,
portanto, oponível contra a todos, incluindo pessoa física/natural ou
jurídica, de direito público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,
como também ente estatal, autarquia, fundação ou sociedade de economia
mista. Impera, também, evidenciar que, como um direito difuso, não subiste
a possibilidade de quantificar quantas são as pessoas atingidas, pois a
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poluição não afeta tão só a população local, mas sim toda a humanidade,
pois a coletividade é indeterminada. Nesta senda, o direito à interidade do
meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa jurídica de
titularidade coletiva, ressoando a expressão robusta de um poder deferido,
não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas num sentido mais
amplo, atribuído à própria coletividade social.
Com a nova sistemática entabulada pela redação do artigo 225
da Carta Maior, o meio-ambiente passou a ter autonomia, tal seja não está
vinculada a lesões perpetradas contra o ser humano para se agasalhar das
reprimendas a serem utilizadas em relação ao ato perpetrado. Figura-se,
ergo, como bem de uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos
sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser esmiuçado, está atrelado o
meio-ambiente como vetor da sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-
se na salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie humana está se
tratando do bem-estar e condições mínimas de existência. Igualmente, o
sustentáculo em análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os
preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando a vida em todas
as suas formas (diversidade de espécies).
Por derradeiro, o quarto pilar é a corresponsabilidade, que impõe
ao Poder Público o dever geral de se responsabilizar por todos os elementos
que integram o meio ambiente, assim como a condição positiva de atuar em
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prol de resguardar. Igualmente, tem a obrigação de atuar no sentido de
zelar, defender e preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça
intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que permite a ação
antrópica, viabilizando melhorias no meio ambiente, trabalhando com as
premissas de desenvolvimento sustentável, aliando progresso e
conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever negativo, que se
apresenta ao não poluir nem agredir o meio-ambiente com sua ação. Além
disso, em razão da referida corresponsabilidade, são titulares do meio
ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.
Em tom de arremate, é possível destacar que a incolumidade do
meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresarias nem
manter dependência de motivações de âmago essencialmente econômico,
notadamente quando estiver presente a atividade econômica, considerada
as ordenanças constitucionais que a norteiam, estando, dentre outros
corolários, subordinadas ao preceito que privilegia a defesa do meio
ambiente, que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio
ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial
(espaço urbano) e de meio ambiente laboral. O corolário do
desenvolvimento sustentável, além de estar impregnando de aspecto
essencialmente constitucional, encontra guarida legitimadora em
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compromissos e tratados internacionais assumidos pelo Estado Brasileiro,
os quais representam fator de obtenção do justo equilíbrio
3 Meio Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos Introdutórios
Em sede de comentários introdutórios, cuida salientar que o meio
ambiente cultural é constituído por bens culturais, cuja acepção
compreende aqueles que possuem valor histórico, artístico, paisagístico,
arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico, científico, refletindo as
características de uma determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar
que a cultura identifica as sociedades humanas, sendo formada pela história
e maciçamente influenciada pela natureza, como localização geográfica e
clima. Com efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma intensa
interação entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu meio, e
toda sua atividade e percepção são conformadas pela sua cultural. “A
cultura brasileira é o resultado daquilo que era próprio das populações
tradicionais indígenas e das transformações trazidas pelos diversos grupos
colonizadores e escravos africanos”[16]. Desta maneira, a proteção do
patrimônio cultural se revela como instrumento robusto da sobrevivência
da própria sociedade.
Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente cultural, enquanto
complexo macrossistema, é perceptível que é algo incorpóreo, abstrato,
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fluído, constituído por bens culturais materiais e imateriais portadores de
referência à memória, à ação e à identidade dos distintos grupos formadores
da sociedade brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio
histórico e artístico nacional abrange todos os bens moveis e imóveis,
existentes no País, cuja conservação seja de interesse público, por sua
vinculação a fatos memoráveis da História pátria ou por seu excepcional
valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e ambiental”[17].
Quadra anotar, por imperioso, que os bens compreendidos pelo patrimônio
cultural compreendem tanto realizações antrópicas como obras da
Natureza; preciosidades do passado e obras contemporâneas.
Nesta esteira, é possível subclassificar o meio ambiente cultural
em duas espécies distintas, quais sejam: uma concreta e outra abstrata.
Neste passo, o meio-ambiente cultural concreto, também denominado
material, se revela materializado quando está transfigurado em um objeto
classificado como elemento integrante do meio-ambiente humano. Assim,
é possível citar os prédios, as construções, os monumentos arquitetônicos,
as estações, os museus e os parques, que albergam em si a qualidade de
ponto turístico, artístico, paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os
exemplos citados alhures, em razão de todos os predicados que ostentam,
são denominados de meio-ambiente cultural concreto. Acerca do tema em
comento, é possível citar o robusto entendimento jurisprudencial firmado
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pelo Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso Especial N°
115.599/RS:
Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio cultural.
Destruição de dunas em sítios arqueológicos.
Responsabilidade civil. Indenização. O autor da
destruição de dunas que encobriam sítios
arqueológicos deve indenizar pelos prejuízos
causados ao meio ambiente, especificamente ao meio
ambiente natural (dunas) e ao meio ambiente cultural
(jazidas arqueológicas com cerâmica indígena da Fase
Vieira). Recurso conhecido em parte e provido.
(Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma/ REsp
115.599/RS/ Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar/
Julgado em 27.06.2002/ Publicado no Diário da
Justiça em 02.09.2002, p. 192).
Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente cultural abstrato,
chamado, ainda, de imaterial, quando este não se apresenta materializado
no meio-ambiente humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura
de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade. Da mesma
maneira, são alcançados por tal acepção a língua e suas variações regionais,
os costumes, os modos e como as pessoas relacionam-se, as produções
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acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações decorrentes de cada
identidade nacional e/ou regional. Neste sentido, é possível colacionar o
entendimento firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda Região,
quando, ao apreciar a Apelação Cível N° 2005251015239518, firmou
entendimento que “expressões tradicionais e termos de uso corrente, trivial
e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o patrimônio
cultural de um povo”[18]. Esses aspectos constituem, sem distinção,
abstratamente o meio-ambiente cultural. “O patrimônio cultural imaterial
transmite-se de geração a geração e é constantemente recriado pelas
comunidades e grupos em função de seu ambiente”[19], decorrendo, com
destaque, da interação com a natureza e dos acontecimentos históricos que
permeiam a população.
O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 2000[20], que institui
o registro de bens culturais de natureza imaterial que constituem patrimônio
cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá
outras providências, consiste em instrumento efetivo para a preservação dos
bens imateriais que integram o meio-ambiente cultural. Como bem aponta
Brollo[21], em seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o
registro de bens culturais de natureza imaterial que integram o patrimônio
cultural brasileiro, mas também estruturou uma política de inventariança,
referenciamento e valorização desse patrimônio.
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Ejeta-se, segundo o entendimento firmado por Fiorillo[22], que
os bens que constituem o denominado patrimônio cultural consistem na
materialização da história de um povo, de todo o caminho de sua formação
e reafirmação de seus valores culturais, os quais têm o condão de
substancializar a identidade e a cidadania dos indivíduos insertos em uma
determinada comunidade. Necessário se faz salientar que o meio-ambiente
cultural, conquanto seja artificial, difere-se do meio-ambiente humano em
razão do aspecto cultural que o caracteriza, sendo dotado de valor especial,
notadamente em decorrência de produzir um sentimento de identidade no
grupo em que se encontra inserido, bem como é propiciada a constante
evolução fomentada pela atenção à diversidade e à criatividade humana.
4 Tombamento Ambiental
4.1 Conceito e Característicos
Em uma primeira plana, cuida salientar que o tombamento se
apresenta como um dos instrumentos utilizáveis, pelo Poder Público, com
o escopo de se tutelar e proteger o patrimônio cultural brasileiro. Neste
sentido, já firmou entendimento o Tribunal de Justiça do Estado de Minas
Gerais que “o tombamento é ato administrativo que visa à preservação do
patrimônio histórico, artístico ou cultural das cidades, de modo a impedir
a destruição ou descaracterização de bem a que for atribuído valor
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histórico ou arquitetônico”[23]. Fiorillo anuncia, com bastante
propriedade, que “dizemos tombamento ambiental, porquanto este instituto
tem a finalidade de tutelar um bem de natureza difusa, que é o bem
cultural”[24]. Desta sorte, a utilização do tombamento como mecanismo
de preservação e proteção do patrimônio cultural brasileiro permite o
acesso de todos à cultura, substancializando verdadeiro instrumento de
tutela do meio ambiente.
Com realce, o instituto em comento se revela, em sede de direito
administrativo, como um dos instrumentos criados pelo legislador para
combater a deterioração do patrimônio cultural de um povo, apresentando,
em razão disso, maciça relevância no cenário atual, notadamente em
decorrência dos bens tombados encerrarem períodos da história nacional
ou, mesmo, refletir os aspectos característicos e identificadores de uma
comunidade. À luz de tais ponderações, é observável que a intervenção do
Ente Estatal tem o escopo de proteger o patrimônio cultural, busca
preservar a memória nacional. Ao lado disso, o tombamento permite que o
aspecto histórico seja salvaguardado, eis que constitui parte da própria
cultura do povo e representa a fonte sociológica de identificação de vários
fenômenos sociais, políticos e econômicos existentes na atualidade. “A
escolha do bem de patrimônio cultural que será tombado com precedência
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aos demais se relaciona com o juízo de conveniência e oportunidade, e não
é passível de análise judicial”[25].
Desta feita, o proprietário não pode, em nome de interesses
particulares, usar ou fruir de maneira livre seus bens, se estes se traduzem
em interesse público por atrelados a fatores de ordem histórica, artística,
cultural, científica, turística e paisagística. “São esses bens que, embora
permanecendo na propriedade do particular, passam a ser protegidos pelo
Poder Público, que, para esse fim, impõe algumas restrições quanto a seu
uso pelo proprietário”[26]. Os exemplos de bens a serem tombados são
extremamente variados, sendo os mais comuns os imóveis que retratam a
arquitetura de épocas passadas na história pátria, dos quais podem os
estudiosos e pesquisadores extrair diversos meios de conhecimento do
passado e desenvolver outros estudos com vistas a proliferar a cultura do
país. Além disso, é possível evidenciar que é corriqueiro o tombamento de
bairros ou até mesmo cidades, quando retratam aspectos culturais do
passado. Com o escopo de ilustrar o expendido, mister se faz colacionar os
arestos jurisprudenciais que acenam:
Ementa: Direito Constitucional - Direito
Administrativo - Apelação - Preliminar de não
conhecimento - Inovação Recursal - Ausência de
Documentos Indispensáveis para propositura da Ação
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- Não Configuração - Pedido de Assistência Judiciária
- Indeferimento - Ação Civil Pública - Dano ao
Patrimônio Histórico e Cultural - Edificação em
imóvel localizado no Conjunto Arquitetônico de Ouro
Preto - Tombamento - Aprovação do IPHAN -
Inexistência. [...] - O Município de Ouro Preto foi
erigido a Monumento Nacional pelo decreto nº.
22.928, de 12/06/33, e inscrito pela UNESCO na lista
do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural em
21/09/80, e a cidade teve todo o seu Conjunto
Arquitetônico tombado. Trata-se de fato notório,
conhecido pela apelante e por qualquer pessoa, de
forma que não se pode afirmar que o processo de
tombamento do Conjunto Arquitetônico do referido
Município seja um documento indispensável para a
propositura da presente ação civil pública. - O imóvel
que faz parte do Conjunto Arquitetônico de Ouro
Preto, e integra o Patrimônio Mundial, Cultural e
Natural da cidade, deve ser conservado por seu
proprietário, e qualquer obra de reparo de tal bem deve
ser precedida de autorização do IPHAN, sob pena de
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demolição. (Tribunal de Justiça do Estado de Minas
Gerais – Quarta Câmara Cível/ Apelação Cível
1.0461.03.010271-3/001/ Relator: Desembargador
Moreira Diniz/ Julgado em 12.06.2008/ Publicado em
26.06.2008).
Ementa: Ação popular. Instalação de quiosques
no entorno de praças municipais. Tombamento
preservado. Inocorrência de ofensa ao patrimônio
ambiental cultural. O fato de as praças municipais
serem tombadas, como partes do Patrimônio Histórico
e Cultural do Município de Paraisópolis, não podendo,
consequentemente, serem ocupadas ou restringidas
em sua área, para outras finalidades (Lei Municipal n.
1. 218/89) não impede a instalação, ao arredor delas,
de quiosques de alimentação, porquanto o
tombamento se limitou às praças, e não ao entorno
delas. Assim, não há ofensa ao patrimônio ambiental
cultural. A instalação dos referidos quiosques não
configura abalo de ordem ambiental, visto que não
houve lesão aos recursos ambientais, com
consequente degradação - alteração adversa - do
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equilíbrio ecológico do local. (Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais – Quinta Câmara Cível/
Apelação Cível/Reexame Necessário N°
1.0473.03.000617-4/001/ Relatora: Desembargadora
Maria Elza/ Julgado em 03.03.2005/ Publicado em
01.04.2005).
É verificável que a proteção dos bens de interesse cultural
encontra respaldo na Constituição da República Federativa do Brasil[27],
que impõe ao Estado o dever de garantir a todos o exercício de direitos
culturais e o acesso às fontes da cultura nacional. “Por outro lado, nela se
define o patrimônio cultural brasileiro, composto de bens materiais e
imateriais necessários à exata compreensão dos vários aspectos ligados os
grupos formadores da sociedade brasileira”[28]. O Constituinte, ao
insculpir, a redação do §1° do artigo 216 da Carta de Outubro estabeleceu
que o Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e
protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários,
registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de
acautelamento e preservação. “Independentemente do tombamento, o
patrimônio cultural e histórico merece proteção, e, neste caso, ainda que
precária - até definitiva solução da questão em exame - essa proteção, se
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não for dada, inviabilizará qualquer ação futura, pois a demolição é
irreversível”[29].
Resta patentemente demonstrado que o tombamento é uma das
múltiplas formas utilizadas na proteção do patrimônio cultural brasileiro.
Como bem anota Meirelles, “tombamento é a declaração do Poder Público
do valor histórico, artísticos, paisagístico, turístico, cultural ou científico
de coisas ou locais que, por essa razão, devam ser preservados, de acordo
com a inscrição em livro próprio”[30]. O tombamento é um dos institutos
que têm por objeto a tutela do patrimônio histórico e artístico nacional, que
implica na restrição parcial do imóvel, conforme se verifica pela legislação
que o disciplina. Ao lado disso, com o escopo de explicitar a proeminente
natureza do instituto em comento, é possível transcrever os arestos que se
coadunam com as ponderações estruturadas até o momento:
Ementa: Constitucional e Administrativo.
Mandado de segurança. Imóvel. Valor histórico e
cultural. Declaração. Município. Tombamento.
Ordem de demolição. Inviabilidade. São deveres do
Poder público, nos termos dos arts. 23, III e IV; 30, I
e IX e 216, §1º, da Constituição Federal, promover e
proteger o patrimônio cultural, artístico e histórico,
por meio de tombamento e de outras formas de
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acautelamento e preservação, bem como impedir a
evasão, a destruição e a descaracterização de bens de
valor histórico, artístico e cultural. Demonstrada, no
curso do mandado de segurança, a conclusão do
procedimento administrativo de tombamento do
imóvel, com declaração do seu valor histórico e
cultural pelo Município, inviável a concessão de
ordem para sua demolição. Rejeita-se a preliminar e
nega-se provimento ao recurso. (Tribunal de Justiça
do Estado de Minas Gerais – Quarta Câmara Cível/
Apelação Cível 1.0702.02.010330-6/001/ Relator:
Desembargador Almeida Melo/ Julgado em
15.04.2004/ Publicado em 18.05.2004).
Ementa: Tombamento - Patrimônio Histórico e
Cultural - Imóvel reputado de valor histórico pelo
município onde se localiza - Competência
Constitucional dele para aferi-lo e tombá-lo. Nada
impede que o Município, mediante tombamento,
preserve imóvel nele situado e que considere de valor
histórico-cultural, ""ex vi"" do art. 23, inciso III, da
Lei Fundamental da República, que a ele - Município,
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atribui a competência para fazê-lo. Ademais, a cada
comunidade, com seus hábitos e culturas próprios,
cabe aferir, atendidas as peculiaridades locais, acerca
do valor histórico-cultural de seu patrimônio, com o
escopo, inclusive, de também preservá-lo. (Tribunal
de Justiça do Estado de Minas Gerais – Quarta
Câmara Cível/ Embargos Infringentes
1.0000.00.230571-2/001/ Relator: Desembargador
Hyparco Immesi/ Julgado em 09.10.2003/ Publicado
em 03.02.2004)
O diploma infraconstitucional que versa acerca do tombamento
é o Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de 1937[31], que organiza a
proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, trazendo à baila as
disposições elementares e a fisionomia jurídica do instituto do tombamento,
inclusive no que toca aos registros dos bens tombados. Sobreleva anotar
que o diploma ora aludido traça tão somente as disposições gerais
aplicáveis ao fato jurídico– administrativo do tombamento. Entrementes,
este se consumará por meio de atos administrativos específicos, destinados
a propriedades determinadas, atento às particularidades e peculiaridades do
bem a ser tombado.
4.2 Natureza Jurídica
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Acalorados são os debates que discutem a natureza jurídica do
instituto do tombamento, entretanto, a doutrina mais abaliza sustenta que
se trata de instrumento especial de intervenção restritiva do Estado na
propriedade privada[32], dotado de fisionomia própria e impassível de
confusão com as demais espécies de intervenção. Afora isso, apresenta
natureza concreta e específica, motivo pelo qual, diversamente das
limitações administrativas, se apresenta como uma restrição ao uso da
propriedade. Neste alamiré, é forçoso frisar que a natureza jurídica do
tombamento é a de se qualificar como meio de intervenção do Estado,
consistente na restrição ao uso de propriedades determinadas.
No que se refere à natureza do ato, em que pesem às ponderações
que orbitam acerca de ser ele vinculado ou discricionário, cuida fazer uma
clara distinção quanto à natureza do ato e quanto aos motivos do ato. Sob o
aspecto de que o tombamento deve apresentar como pressuposto a defesa
do patrimônio cultural, o ato se revela como sendo vinculado, porquanto o
autor do ato não pode praticá-lo ostentando motivo distinto. Desta sorte, o
ato está vinculado à razão nele constante. Entrementes, no que concerne à
valoração da qualificação do bem como de natureza histórica, artística,
cultural, paisagística, etc. e da necessidade de sua proteção, o ato é
discricionário, eis que essa avaliação é privativa da Administração. “A
escolha do bem de patrimônio cultural que será tombado com precedência
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aos demais se relaciona com o juízo de conveniência e oportunidade, e não
é passível de análise judicial”[33]. Assente é o entendimento
jurisprudencial que sedimenta as ponderações vertidas até o momento:
Ementa: Mandado de Segurança - Tombamento
de bem imóvel - Ilegitimidade ativa - Constituição há
menos de um ano - Artigo 5º, LXX, alínea „b' da
Constituição Federal - Poder discricionário da
Administração para decretar o tombamento - Processo
extinto - Art. 267, VI do CPC. [...] . O tombamento de
prédio considerado de interesse histórico, artístico ou
cultural, é ato discricionário do Administrador, sendo
descabida a intervenção do Poder Judiciário no
processo de tombamento, quando não demonstrada a
ilegalidade do mesmo. Apelo improvido. (Tribunal de
Justiça do Estado de Minas Gerais – Segunda Câmara
Cível/ Apelação Cível 1.0145.03.094392-5/003/
Relator: Desembargador Jarbas Ladeira/ Julgado em
14.12.2004/ Publicado em 30.12.2004).
Ementa: Agravo. Liminar em mandado de
segurança. Tombamento de bem imóvel. O poder
discricionário da autoridade administrativa vale, na
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medida em que o ordenamento jurídico concede ao
administrador a prerrogativa de agir movido pelos
critérios de oportunidade e conveniência, sopesados
com parcimônia para que o fim último seja alcançado.
Descabimento da intervenção do Judiciário no
processo de tombamento, indemonstrada, ""prima
facia"", irregularidade no mesmo. Agravo provido,
para cassar a liminar. (Tribunal de Justiça do Estado
de Minas Gerais – Segunda Câmara Cível/ Agravo de
Instrumento 1.0145.03.094392-5/001/ Relator:
Desembargador Jarbas Ladeira/ Julgado em
03.02.2004/ Publicado em 20.02.2004).
Da mesma forma, é cabível, ainda, a observação de que o
tombamento constitui um ato administrativo, sendo imperioso, por via de
consequência, que apresente todos os elementos necessários para
materializar a moldura de legalidade. O tombamento, enquanto instituto do
direito administrativo, não acarreta a produção de todo um procedimento;
ao contrário, é efetivamente um ato só, um ato administrativo único. O que
ocorre é que aludido ato resulta necessariamente de procedimento
administrativo e corresponde ao desfecho de toda a sua tramitação. Assim,
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o ato não pode ser perpetrado em uma única ação, ao revés, reclama todo
um sucedâneo de formalidades prévias.
5 A Possibilidade de Destombamento do Patrimônio Cultural:
Ponderações Inaugurais
Em alinho às ponderações aventadas até o momento, cuida
assinalar que o destombamento – também nominado de cancelamento do
tombamento -, é medida excepcional, devendo observar alguns parâmetros,
com o escopo de evitar distorções em sua aplicação e violações aos
princípios constitucionais culturais e, sobremodo, impliquem afronta aos
direitos culturais consagrados pela Constituição de 1988, a exemplo do
corolário da preservação do patrimônio cultural. Com destaque, é
imperioso ressaltar que o cancelamento do tombamento não apenas afasta
a proteção conferida, mas também promove a desvalorização da coisa
tombada, porquanto retira o manto protetor e a moldura de patrimônio,
motivo pelo qual, repise-se, deve ser utilizado em situações excepcionais.
Ora, comumente, o destombamento se dá a partir de dois atos
administrativos: o primeiro tem assento quando o próprio órgão que
tombou cancela o processo de tombamento e promove a exclusão do bem
cultural do Livro do Tombo, por diversos interesses, tais como pressão
exercida pelo proprietário contra o ato de proteção oficial, devido a
possibilidade de alienação do imóvel ou, ainda, para assegurar a
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modernização de uma cidade e, para finalizar, publica-se no Diário Oficial
da União, do Estado ou do Município. Em complemento, quando há o
cancelamento do tombamento, o procedimento adotado é voltado para a
averbação do cancelamento no Livro do Tombo, mantendo-se a inscrição
de tombamento intacta, com o intuito de manter o registro histórico e
documental de tal ato.
Neste jaez, um dos principais pilares condicionantes para
aplicação do cancelamento do tombamento repousa na premissa que tal ato
deve ser precedido não apenas de manifestação do conselho, mas de
mecanismos que assegurem a participação popular no processo decisório,
a exemplo do que preconiza as contemporâneas políticas culturais e,
maiormente, as políticas de patrimônio, por meio do conceito de referência
cultural. Sendo assim, as principais hipóteses de aplicação do cancelamento
de tombamento são: (i) perecimento da coisa tombada; (ii) desaparecimento
do valor; e (iii) atendimento de interesse público superveniente. A primeira
possibilidade está atrelada à inexistência física da coisa tombada,
ocasionada por fatores naturais ou similares, não se admitindo, entretanto,
destombamento decorrente de qualquer ação dolosa com o fito de causar
dano irreversível ao patrimônio cultural, sem prejuízo da responsabilização
civil e criminal para tais atos. É importante ressalvar, pois, infelizmente,
não são raros os casos em que se destrói o patrimônio cultural,
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intencionalmente, a fim de extinguir a coisa tombada, no intuito de se
driblar a proteção conferida, em razão da impossibilidade de aplicação do
tombamento sobre coisa não corpórea.
A segunda hipótese está vinculada ao desaparecimento do valor
atribuído à coisa, levando-se em consideração que o valor se altera no
tempo e no espaço, podendo, em casos excepcionais, ser retirado da coisa
por meio de critérios técnico-científicos, em processo administrativo
próprio, com participação popular e respaldo do conselho consultivo. A
terceira hipótese – tomada com ressalvas – é a mais comum e que merece
maior aprofundamento, isto é, o possível cancelamento de tombamento
com vistas a atender interesse público superveniente ao direito cultural –
direito difuso – de preservação ao patrimônio cultural. Na segunda forma
de destombamento, o Poder Judiciário promoverá o cancelamento da
Resolução de Tombamento, ainda que não haja consentimento do órgão
responsável pela proteção oficial e dos proprietários.
6 A Imprescindibilidade da Participação Popular no Processo de
Destombamento do Patrimônio Cultural
Premente faz-se evidenciar que, ao cotejar o Ordenamento
Pátrio, o cenário nacional ostenta um dos mais robustos sistemas de
proteção ambiental do planeta. Entrementes, conflitos de competência de
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órgãos ambientais, escassez de recursos orçamentários, carência de
informações e de planejamento são exemplos de deficiências
administrativas, que acarretam, corriqueiramente, a inaplicabilidade dos
preceitos normativos em sede ambiental. “Quando a máquina estatal
não se apresenta habilitada a atender satisfatoriamente aos anseios da
sociedade, incumbe à própria sociedade atuar diretamente”[34]. Ora, os
cidadãos têm o direito e o dever de participar da tomada de decisões que
tenham o condão de afetar o complexo e frágil equilíbrio ambiental.
Subsiste, nesta toada, uma diversidade de mecanismos para proteção do
meio ambiente que viabilizam a concreta aplicação do princípio da
participação comunitária.
Esmiuçando o princípio ora referenciado, fato é que este se
encontra entre um dos maciços pilares que integram a vigorosa tábua
principiológica da Ciência Jurídica, o dogma da participação comunitária,
que não é aplicado somente na ramificação ambiental, preconiza em seus
mandamentos que é fundamental a cooperação entre o Estado e a
comunidade para que sejam instituídas políticas ambientais, bem como
para que os assuntos sejam discutidos de forma salutar. Com destaque, é
imperioso assinalar que o corolário em comento deriva da premissa que
todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e do
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regime jurídico do ambiente como bem de uso comum do povo,
incumbindo a toda a sociedade o dever de atuar na sua defesa.
“A Constituição Federal de 1988, em seu art. 225, caput,
consagrou na defesa do meio ambiente a atuação presente do Estado e da
sociedade civil na proteção e preservação do meio ambiente, ao impor à
coletividade e ao Poder Público tais deveres”[35]. Ejeta-se, deste modo,
que a proteção e preservação do meio ambiente reclama uma atuação
conjunta entre organizações ambientalistas, sindicatos, indústrias,
comércio, agricultura e tantos outros organismos sociais compromissados.
Quadra pontuar, ainda, que o corolário em apreço encontra-se devidamente
entalhado no princípio dez da Declaração da Conferência das Nações
Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, também conhecida como
Declaração do Rio/92, que, em altos alaridos, dicciona que:
A melhor maneira de tratar as questões
ambientais é assegurar a participação, no nível
apropriado, de todos os cidadãos interessados. No
nível nacional, cada indivíduo terá acesso adequado
às informações relativas ao meio ambiente de que
disponham as autoridades públicas, inclusive
informações acerca de materiais e atividades
perigosas em suas comunidades, bem como a
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oportunidade de participar dos processos
decisórios. Os Estados irão facilitar e estimular a
conscientização e a participação popular, colocando
as informações à disposição de todos. Será
proporcionado o acesso efetivo a mecanismos
judiciais e administrativos, inclusive no que se refere
à compensação e reparação de danos[36].
Insta evidenciar, deste modo, que a democracia não se satisfaz
tão somente com as instâncias deliberativas dos representantes eleitos e de
corpos burocráticos, comprometidos aos comandos legais. Ao reverso, é
imperiosa a adoção de meios de participação direta do povo ou da
comunidade, tanto no que concerne à adoção de macrodecisões, como
ocorre com a realização de plebiscitos, referendos e iniciativa legislativa
popular, como também em processos decisórios de extensão setorial, como
decisões de cunho administrativo, condominial e empresarial, desde que
estas afetam, direta ou indiretamente, os indivíduos. Como Thomé bem
explicita em seu magistério, “as questões ambientais, por sua própria
natureza, extensão e gravidade, enquadram-se como tema da
macrodemocracia (...) e da microdemocracia (participação popular e
social, sobretudo das ONGs, em audiências públicas e em ações coletivas
ambientais”[37].
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Além disso, como bem expõe Facin[38], o tema em exame
objetiva uma ação conjunta entre todos aqueles comprometidos com os
interesses difusos e coletivos da sociedade, sobretudo com a causa
ambiental. Em razão de tais argumentos, raro não é a hipótese de ações
civis públicas em defesa do meio ambiente tendo como parte autora
determinada Organização Não Governamental (ONG) ou pessoa jurídica
de direito público, os quais também têm o direito-dever de tutelar o meio
ambiente. No mais, não é despiciendo citar que, “no Brasil, o princípio da
participação comunitária encontra-se inserido no art. 225, caput, da
Constituição, na disposição que prescreve ao Poder Público e à
coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente para as
presentes e futuras gerações”[39].
Tecidos tais comentários, ao volver um olhar analítico para o
tema central, cuida evidenciar que as recentes políticas públicas
preservacionistas, calcadas no §1º do artigo 216 da Constituição Federal de
1988, arvoram a participação popular como conditio sine qua non nos
processos de patrimonialização de bens culturais, com o espeque de ressoar
o bem cultural entre os sujeitos diretamente envolvidos com aquele,
desencadeando, desta sorte, uma efetiva proteção ao patrimônio cultural.
Ora, considerando que a participação popular é imprescindível para o
delineamento da proteção do patrimônio cultural e com seu consequente
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tombamento, há que, por via reversa, salientar que tal participação,
também, faz-se carecida quando houver o processo de destombamento, não
podendo, então, qualquer decisão ser alicerçada à revelia da manifestação
popular e contra o interesse da coletividade. Destarte, é necessário que
sejam assegurados meios de participação popular no processo de
destombamento, a exemplo de audiências públicas, consulta às associações
de moradores e conselhos comunitários estabelecidos no entorno do bem
tombado, sob pena de o bem cultural ficar desprotegido e suscetível a danos
considerados irreversíveis.
Referência:
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São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007.
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________. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de 1937. Organiza
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BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do
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ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba, ano 5, n. 968. Disponível em:
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CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito
Administrativo. 24 ed, rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen
Juris, 2011.
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79 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56969
Boletim Conteúdo Jurídico n. 728 de 27/10/2016 (ano VIII) ISSN
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FACIN, Andréia Minussi. Meio-ambiente e direitos humanos. Jus
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03 jul. 2016.
80
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________. Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o
Meio Ambiente Humano. Disponível em: <http://www.onu.org.br>.
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NOTAS:
5
81 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56969
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‐ 1984‐0454
[1] VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do
Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun. 2009.
Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 03 jul. 2016.
[2] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal. Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170, caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil. Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio. Julgado em 05 ago. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 13 mar. 2014.
[3] VERDAN, 2009.
[4] BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do
meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a existência
ou a inexistência das classes do meio-ambiente do trabalho e do meio-
ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba, ano 5, n. 968. Disponível em:
<http://www.boletimjuridico.com.br>. Acesso em 03 jul. 2016.
[5] MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional – Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69.
[6] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 03 jul. 2016.
[7] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
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Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições entre
aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa - Diploma
Legislativo que estimula o cometimento de atos de crueldade contra galos
de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98, ART. 32) - Meio Ambiente
- Direito à preservação de sua integridade (CF, Art. 225) - Prerrogativa
qualificada por seu caráter de metaindividualidade - Direito de terceira
geração (ou de novíssima dimensão) que consagra o postulado da
solidariedade - Proteção constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) -
Descaracterização da briga de galo como manifestação cultural -
Reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada -
Ação Direta procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma que
institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro
Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 03 jul. 2016.
[8] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.
[9] BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a
Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de
formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 03 jul. 2016.
[10] SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São
Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20.
5
83 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56969
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[11] FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo: Editora
Saraiva, 2012, p. 77.
[12] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto Chico
Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da Associação
Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe de Âmbito
Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da Constituição. Não emissão
de parecer pela Comissão Mista Parlamentar. Inconstitucionalidade dos
artigos 5º, caput, e 6º, caput e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002
do Congresso Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade
(Art. 27 da Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08 mar.
2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 03 jul. 2016.
[13] THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o
Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed. Salvador:
Editora JusPodivm, 2012, p. 116.
[14] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 03 jul. 2016: “Art. 225. Todos
têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao
Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações”.
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[15] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições entre
aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa - Diploma
Legislativo que estimula o cometimento de atos de crueldade contra galos
de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98, ART. 32) - Meio Ambiente
- Direito à preservação de sua integridade (CF, Art. 225) - Prerrogativa
qualificada por seu caráter de metaindividualidade - Direito de terceira
geração (ou de novíssima dimensão) que consagra o postulado da
solidariedade - Proteção constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) -
Descaracterização da briga de galo como manifestação cultural -
Reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada -
Ação Direta procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma que
institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro
Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 03 jul. 2016.
[16] BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006. Disponível em: <http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 03 jul. 2016, p. 15-16.
[17] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,
38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.
5
85 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56969
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[18] BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.
Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito da
propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome. Anulação de
marca. Uso compartilhado de signo mercadológico (ÔMEGA). I –
Expressões tradicionais e termos de uso corrente, trivial e disseminado,
reproduzidos em dicionários, integram o patrimônio cultural de um povo.
Palavras dotadas dessas características podem inspirar o registro de marcas,
pelas peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável
repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a marca
que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega), utilizado pelo povo
helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos povos eslavos no alfabeto
cirílico, utilizado no Império Bizantino desde o século X d.C. O propósito
de sua adoção é, inegavelmente, o de fazer uso da familiaridade do
consumidor com o vocábulo de uso corrente desde a Antiguidade. III – Se
uma marca fraca alcançou alto renome, a ela só se pode assegurar proteção
limitada, despida do jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do
mesmo signo merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas
circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro ou,
ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação parcialmente
provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da relação processual,
fazendo constar o Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI como
réu, mantida a improcedência do pedido de invalidação do registro da
marca mista OMEGA (nº 818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de
cozinha), formulado por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma
Especializada. Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em
25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 03 jul. 2016.
[19] BROLLO, 2006, p. 33.
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[20] BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o
Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem
patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio
Imaterial e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 03 jul. 2016.
[21] BROLLO, 2006, p. 33.
[22] FIORILLO, 2012, p. 80.
[23] MINAS GERAIS (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado de
Minas Gerais. Acórdão proferido em Agravo de Instrumento
1.0069.08.023127-2/001. Administrativo - Tombamento - Entes Federados
- Dever - Inteligência do art. 23, IV, da Constituição da República. O
tombamento é ato administrativo que visa à preservação do patrimônio
histórico, artístico ou cultural das cidades, de modo a impedir a destruição
ou descaracterização de bem a que for atribuído valor histórico ou
arquitetônico. De se ressaltar que referido ato, segundo o disposto no art.
23, IV, da Constituição da República, é dever imposto a todos os entes
federados. Órgão Julgador: Quinta Câmara Cível. Relator: Desembargador
Antônio Hélio Silva. Julgador em 18.09.2008. Publicado em 29.09.2008.
Disponível em: <www.tjmg.jus.br>. Acesso em 03 jul. 2016.
[24] FIORILLO, 2012, p. 428-429.
[25] RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de Justiça do
Estado do Rio Grande do Sul. Acórdão proferido em Apelação Cível N°
70033392853. Ação civil publica. Tombamento. Cassino da Maroca.
Omissão administrativa. Inocorrência. 1. O tombamento é ato
administrativo discricionário, sendo passível de controle judicial quanto à
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legalidade. 2. Existentes 35 bens de valor cultural, de acordo com
Inventário elaborado pela Faculdade de Arquitetura da Fundação
Universidade de Passo Fundo, em convênio com a Administração do
Município, não compete ao Poder Judiciário indicar qual deles deverá ser
tombado com precedência sobre os demais. 3. A escolha do bem de
patrimônio cultural que será tombado com precedência aos demais se
relaciona com o juízo de conveniência e oportunidade, e não é passível de
análise judicial. Apelação a que se nega provimento. Órgão Julgador:
Segunda Câmara Cível. Relatora: Desembargadora Denise Oliveira Cezar.
Julgador em 10.11.2010. Disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em 03
jul. 2016.
[26] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 24 ed, rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011, p. 734.
[27] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 03 jul. 2016
[28] CARVALHO FILHO, 2011, p. 735.
[29] MINAS GERAIS (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Acórdão proferido em Agravo de Instrumento 1.0183.06.120771-2/001. Constitucional e Administrativo - Ação Civil Pública - Liminar - Imóvel de Valor Histórico e Cultural, objeto de pedido de tombamento - Demolição - Impossibilidade. - Independentemente do tombamento, o patrimônio cultural e histórico merece proteção, e, neste caso, ainda que precária -- até definitiva solução da questão em exame -- essa proteção, se não for dada, inviabilizará qualquer ação futura, pois a demolição é irreversível. Todas as formas de acautelamento e preservação podem ser tomadas pelo Judiciário, na sua função geral de cautela (arts. 23, III e IV; 30, I e IX, e 216, §1º, da Constituição Federal). Órgão Julgador:
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Sétima Câmara Cível. Relator: Desembargador Wander Marotta. Julgador em 15.05.2007. Publicado em 29.05.2007. Disponível em: <www.tjmg.jus.br>. Acesso em 03 jul. 2016.
[30] MEIRELLES, 2012, p. 635.
[31] BRASIL. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de 1937.
Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 03 jul. 2016.
[32] Neste sentido: CARVALHO FILHO, 2011, p. 738.
[33] RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Acórdão proferido em Apelação Cível N° 70033392853. Ação civil publica. Tombamento. Cassino da Maroca. Omissão administrativa. Inocorrência. 1. O tombamento é ato administrativo discricionário, sendo passível de controle judicial quanto à legalidade. 2. Existentes 35 bens de valor cultural, de acordo com Inventário elaborado pela Faculdade de Arquitetura da Fundação Universidade de Passo Fundo, em convênio com a Administração do Município, não compete ao Poder Judiciário indicar qual deles deverá ser tombado com precedência sobre os demais. 3. A escolha do bem de patrimônio cultural que será tombado com precedência aos demais se relaciona com o juízo de conveniência e oportunidade, e não é passível de análise judicial. Apelação a que se nega provimento. Órgão Julgador: Segunda Câmara Cível. Relatora: Desembargadora Denise Oliveira Cezar. Julgador em 10.11.2010. Disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em 03 jul. 2016.
[34] THOMÉ, 2012, p. 80.
[35] FIORILLO, 2012, p. 132.
[36] ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Disponível em: <http://www.onu.org.br>. Acesso em 03 jul. 2016.
[37] THOMÉ, 2012, p. 81.
5
89 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56969
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[38] FACIN, Andréia Minussi. Meio-ambiente e direitos humanos. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, 01 nov. 2002. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3463>. Acesso em 03 jul. 2016.
[39] THOMÉ, 2012, p. 81.
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www.conteudojuridico.com.br
UNIÃO HOMOAFETIVA E OS DIREITOS TRABALHISTAS
ANY MENEZES DE LOS RIOS: 13 (treze) anos de experiência
profissional na área do Direito Empresarial do Trabalho;
Atualização em Direito e Processo do Trabalho no Curso
Fórum de 2013 a 2014; Atualização em Direito Público no
Curso Enfase de 2009 a 2011; Pós‐ Graduada em Direito do
Trabalho pela Universidade Gama Filho de 2004 a 2005.
Graduada pela Universidade Integradas Bennett de 1997 a
2002
INTRODUÇÃO
No Brasil, o reconhecimento de casamento entre pessoas do mesmo
sexo, por analogia à união estável foi declarado possível pelo Supremo
Tribunal Federal (STF), em 2011 no julgamento conjunto da Ação Direta
de Inconstitucionalidade (ADI) n.º 4277, conferindo a união homoafetiva
todos os direitos conferidos às uniões estáveis entre um homem e uma
mulher.
Todavia, só após dois anos o CNJ (Conselho Nacional de Justiça)
decidiu que cartórios brasileiros seriam obrigados a celebrar o casamento
entre pessoas do mesmo sexo e não poderiam se recusar a converter
união estável em casamento.
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91 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56969
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A decisão do STF tinha força vinculante, mas não como força de lei e
só em 14 de maio de 2013 com a Resolução 175 do CNJ passou a se
executar efetivamente o casamento homossexual.
O caput do art. 5º da Constituição, quando garante o direito à
igualdade, o faz de maneira irrestrita, assegurando a todos, sem distinção,
direitos e obrigações iguais. O princípio da igualdade é para garantir
tratamento e proteção igualitária a todos os cidadãos, inclusive no que
tange ao judiciário, pois as leis foram criadas para que todos.
Ademais, o artigo 3º, inciso IV, da CF veda qualquer discriminação em
virtude de sexo, raça, cor e que, nesse sentido, ninguém pode ser
discriminado em função de sua preferência sexual.
Essa decisão demonstrou a existência de um avanço histórico no
direito brasileiro garantindo tratamento igualitário entre união
homoafetivas e heteroafetivas.
Caso algum cartório não cumpra a resolução do CNJ o casal
interessado poderá levar o conhecimento ao juiz corregedor competente
para que o mesmo determine o cumprimento, podendo ser aberto
processo administrativo.
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Nessa esteira, o TST em decisão pioneira em 25.09.13 decidiu que
benefícios definidos em convenção coletiva podem ser estendidos ao
companheiro que possui união homoafetiva desde que presente as
características concernentes à união estável nos termos do art. 1723 C.C,
in verbis:
Art. . . É reconhecida como entidade familiar a união
estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência
pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo
de constituição de família.
Com a evolução dos costumes o termo família passou a sofrer diversas
modificações. Assim o direito vem destacar a família como relação
sanguínea, jurídica ou afetiva, com a norma sendo flexível e beneficiando
a todos os tipos de união.
. DOS DIREITOS AOS DIAS DE AFASTAMENTO
. Licença Gala
Com a equiparação dos direitos e deveres de casais homossexuais e
heterossexuais, a união homoafetiva passou a ser reconhecida como
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93 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56969
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entidade familiar, ou seja, regida pelas mesmas regras da união estável de
casais heterossexuais. O mesmo ocorrendo com o casamento.
Deste modo, o art. 473 da CLT confere o direito ao empregado a faltar
3 dias consecutivos em virtude de casamento (licença gala), homossexual
ou heterossexual.
Art. ‐ O empregado poderá deixar de comparecer ao serviço
sem prejuízo do salário: (Redação dada pelo Decreto‐lei nº 229, de
28.2.1967)
II ‐ até 3 (três) dias consecutivos, em virtude de casamento;
(Inciso incluído pelo Decreto‐lei nº 229, de 28.2.1967)
A licença gala se inicia no 1º dia de trabalho subsequente ao
casamento civil ou casamento religioso com efeitos civis. Isso pode
ocorrer mais de uma vez para o mesmo empregado desde que o mesmo
se case mais de uma vez.
. Licença Nojo
Outro direito que também é conferido na união/casamento
homossexual é a licença nojo, onde o empregado poderá faltar dois dias
ao trabalho em caso de falecimento do cônjuge, ascendente,
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descendente, irmão ou pessoa que se encontre declarada em sua carteira
de trabalho e previdência social como sob sua dependência econômica.
A duração desta licença pode ser diferente em caso de acordo ou
convenção coletiva.
Com relação aos professores a previsão é de 9 dias de licença nojo e
gala, nos termos do art. 317, paragrafo 3º da CLT. Já para os servidores é
de 8 dias, consoante lei 8112/90.
Em resumo, tem‐se que:
Servidor (Lei nº
8112/90)
8 dias
consecutivos
cônjuge, companheiro, pais,
madrasta ou padrasto,
filhos, enteados, menor sob
guarda ou tutela e irmãos
CLT 2 dias
consecutivos
cônjuge,
ascendente,
descendente, irmão
ou pessoa que,
declarada em sua
carteira de trabalho
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e previdência social,
viva sob sua
dependência
econômica
CLT – professor 9 dias cônjuge, do pai ou mãe, ou
de filho
. DA ADOÇÃO
A lei 12.873/13 que entrou em vigor no dia 27 de janeiro de 2013,
conferindo direito aos pais adotantes à licença‐maternidade de 120 dias e
afastamento do trabalho. Até então, só a mãe poderia tirá‐la, mas a norma
esclarece que apenas um integrante do casal pode solicitar esta licença.
O objetivo da lei é o convívio familiar estreitando seus laços.
Tanto o homem quanto a mulher que adotam uma criança de até 12
anos deve requerer o salário maternidade junto ao INSS. O benefício deve
ser pago durante 120 dias, a qualquer um dos adotantes e este
obrigatoriamente deve se afastar do trabalho, o mesmo em caso de união
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homoafetiva, quando um dos companheiros/companheiras poderá
solicitar o benefício.
. DA INCLUSÃO COMO DEPENDENTE NO IMPOSTO DE RENDA E
PLANO DE SAUDE
Também no caso de união homoafetiva o cônjuge ou companheiro
possui o direito de ser incluído no plano de saúde, odontológico, sendo a
negativa passível de impetração de Mandado de Segurança.
Outro direito que foi estendido se refere à inclusão do
cônjuge/companheiro como dependente na declaração de imposto renda
quando preenchido os requisitos legais, consoante se infere do parecer da
Procuradoria Geral da Fazenda Nacional no. 1503/10.
O parecer sustenta que inexiste vedação legal neste sentido e
privilegia o tratamento igualitário e a vedação quanto a discriminação,
Princípios preconizados na Nossa Magna Carta.
CONCLUSÃO
Com o passar do tempo e a evolução do conceito de entidade familiar,
tornou‐se inevitável à necessidade de se equiparar a união homoafetiva a
heteroafetiva, conferindo os mesmos direitos.
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O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e da
vedação de qualquer forma de discriminação sexual são pilares para que
todos os direitos conferidos a união heterossexuais sejam conferidos a
união homoafetivas.
BIBLIOGRAFIA
BRASIL, Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto‐lei n.° 5.452, de
01 de maio de 1943. Diário Oficial da União, Brasília, 01 de maio de 1943.
BRASIL, Constituição da República Federativa do. Saraiva. 2014
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 3 ed. São
Paulo: LTr, 2001;_______2007
BRASIL, Lei no. 8.213, de 24 de julho de 1991, Lei dos benefícios.
Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8213cons.htm. Acesso em 09
de setembro de 2016.
BRASIL, Parecer da Procuradoria da Fazenda Nacional no. 1503/2010
Disponível: http://www.pgfn.fazenda.gov.br/arquivos‐de‐
noticias/Parecer%201503‐2010.doc/view. Acesso em 22 de setembro de
2016.
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BRASIL, Resolução 175 do CNJ de 15 de Maio de 2013. Disponível:
http://www.cnj.jus.br/images/imprensa/resolu%C3%A7%C3%A3o_n_17
5.pdf. Acesso em 22 de Setembro de 2016.
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BREVES APONTAMENTOS SOBRE O PRINCÍPIO DA CELERIDADE
PRISCILLA VON SOHSTEN CALABRIA LIMA:
Advogada. Pós‐graduada em Direito Público.
. Dos Efeitos da Demora Processual
A decisão judicial não visa apenas a satisfação judicial da pretensão
das partes, mas a sua ocorrência dentro de um lapso temporal compatível
com a natureza do objeto em litígio, uma vez que do contrário a tutela
jurisdicional se tornaria inalcançável. A injustiça jurisdicional é fruto não
só dos equívocos cometidos pelos órgãos do Poder Judiciário, mas da
demora na prestação jurisdicional.
A demora na prestação jurisdicional conforma violação ao direito
constitucional do acesso à justiça, tendo em vista que tanto a inércia
processual pode acarretar danos irreparáveis ao demandante, quanto à
presteza desnecessária pode comprometer a segurança jurídica da
decisão.
Na medida em que se retarda a conclusão da prestação
jurisdicional, a decisão perde de maneira progressiva o seu efeito
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reparador. Assim, por mais que o mérito tenha sido acolhido pelo
magistrado e que a decisão demonstre notório saber jurídico e
observância dos princípios inerentes à justiça, a inércia processual torna a
solução ineficaz.
Os prejuízos causados pela demora jurisdicional não afetam apenas
às partes litigantes, estes se estendem também aos magistrados e a toda
a sociedade.
A lentidão processual provoca o descrédito na pessoa do
magistrado, desprestigiando a sua imagem, ao passo que o acúmulo de
processos tende a afetar a qualidade e precisão dos pronunciamentos
judiciais.
As partes, além de suportarem os prejuízos advindos de
pronunciamentos imprecisos, correm o risco de sofrerem danos
irreparáveis ou de difícil reparação ocasionados pela demora processual.
Por esse motivo as partes frequentemente buscam as câmaras de
conciliação, mediação e arbitragem, pois preferem ceder quanto ao seu
direito material, ou seja, abrir mão de uma parte do direito que postula,
para obter a sua satisfação sem retardamento, porque mais vale um mau
acordo que uma boa demanda. A demanda na verdade nunca é boa, mas
o Poder Judiciário com toda a sua procrastinação, a torna pior.
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. Medidas para Combater a Morosidade Processual
Os efeitos negativos da morosidade processual são claros, e, para o
combate de tais prejuízos, algumas medidas já foram tomadas, dentre elas
a criação dos juizados especiais pelas leis nº 9.099/1995 e 10.259/2001
que, com seu procedimento acelerado e, seguindo os princípios da
simplicidade, informalidade, oralidade, economia processual objetiva uma
razoável duração do processo destinado à solução dos conflitos menos
complexos.
Além da criação dos juizados especiais, o Código de Processo Civil
sofreu alterações significativas, objetivando a celeridade da prestação
jurisdicional, introduzidas pelas leis nº 8.952/1994 e 10.444/2002, que
modificaram a forma de execução das obrigações de fazer, não fazer e
entregar coisa, substituindo o processo autônomo de execução pela
execução como mero prolongamento da fase de conhecimento.
Tais leis foram incentivadoras para as mudanças trazidas pela lei
11.232 de 2005, com relação à execução e a liquidação da sentença. Vale
ressaltar que essas mudanças trazidas pela reforma legislativa do Código
de Processo Civil enfatiza a preocupação do legislador em alcançar a
celeridade da obtenção jurisdicional.
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Essa modificação ocorreu com o objetivo de conseguir de maneira
mais ligeira o direito perseguido que antes passava anos na fase de
conhecimento para posteriormente chegar na execução propriamente
dita, ou seja, na obtenção da satisfatividade do exequente, “pondo fim ao
regime processo de conhecimento mais processo de execução, surgiu
recentemente a norma que, eliminou a necessidade da propositura de
ação de execução” (MARINONI, 2007, p. 52)
O ilustre doutrinador Carlos Henrique Leite ao analisar a
inovação do Código de Processo Civil faz ressalta:
Com a vigência da lei n. 11.232/2005, a sentença já
não pode ser definida como o ato que implica o
término do ofício jurisdicional, na medida em que o
juiz, mesmo depois de proferir a sentença,
continuará praticando, no mesmo processo
cognitivo, isto é, independentemente de instauração
de um “novo” processo (de execução), atos
destinados ao cumprimento das obrigações nela
contidas, nos termos do novel Capítulo X do título VIII
do CPC. É o chamado sincretismo processual, pois
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num único processo são implementados atos
cognitivos e executivos. (LEITE, 2007, p. 876).
Nesse sentido, a Emenda Constitucional nº 45/04 trouxe diversos
mecanismos de celeridade, transparência e controle de qualidade da
atividade jurisdicional, dentre eles o inciso LXXVIII do art. 5º da
Constituição Federal, acrescentado pela referida emenda ao extenso rol dos
direitos e garantias fundamentais constitucionalmente assegurados.
Vejamos como ficou o texto constitucional, já com a referida
modificação:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção
de qualquer natureza, garantindo‐se aos brasileiros e
aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
... omissis...
LXXVIII a todos, no âmbito judicial e
administrativo, são assegurados a razoável duração do
processo e os meios que garantam a celeridade de sua
tramitação.
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Diante do exposto, a Emenda nº 45 assegurou a todos no âmbito
judicial e administrativo a razoável duração do processo e os meios que
garantam a celeridade de sua tramitação.
Entretanto, essas previsões da razoável duração do processo e da
celeridade processual já estavam elencadas no texto constitucional, tanto
no princípio do devido processo legal, quanto no princípio da eficiência
aplicável à Administração Pública previsto no artigo 37 da Constituição
Federal.
Nas palavras do Ministro Celso de Mello:
cumpre registrar, finalmente, que já existem, em
nosso sistema de direito positivo, ainda que de forma
difusa, diversos mecanismos legais destinados a
acelerar a prestação jurisdicional de modo a
neutralizar, por parte de magistrados e Tribunais,
retardamentos abusivos ou dilações indevidas na
resolução dos litígios.
Como mecanismos de celeridade podem ser mencionados: a
vedação das férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau, a
proporcionalidade do número de juízes à efetiva demanda judicial, a
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distribuição imediata dos processos em todos os graus de jurisdição, a
necessidade de demonstração de repercussão geral das questões
constitucionais para fins de conhecimento do recurso extraordinário,
entre outros.
Como demonstrado, a brevidade processual e a desburocratização
dos procedimentos judiciais sempre foram objetivos do Estado na
administração da Justiça. Assim como a Emenda nº 45 outras previsões
legais tem buscado garantir sistemas mais céleres de prestação
jurisdicional, dada a crise por esta enfrentada.
Desse modo, não são poucos os exemplos possíveis de serem
encontrados na legislação antecedente à Emenda Constitucional nº 45/04
que nos permitem concluir pela preexistência do Princípio da Celeridade a
esta.
REFERENCIAS
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 4.ed: Brasília:
Edunb, 1994.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resolução 19/461.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resolução 187/933‐944.
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CUNHA, Leonardo José Carneiro. A Fazenda Pública em Juízo. 6.ed.
São Paulo: Dialética, 2008.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual
Civil. 2.ed: Malheiros, 2004.
LEITE, Carlos Henrique. Curso de Direito Processual do Trabalho. 5.
ed. São Paulo: LTr, 2007.
MACHADO, Hugo de Brito. Uma Introdução ao Estudo do Direito. São
Paulo: Dialética, 2000.
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de
Processo Civil: execução. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
THEODORO Jr., Humberto. A Reforma da Execução do Título
Extrajudicial. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2007.
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JUDICIÁRIO PRECISA REVER SUA ATUAL POSTURA
ROBERTO MONTEIRO PINHO: Foi diretor de Relações Internacionais da Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), editor do Jornal da Cidade, subeditor do Jornal Tribuna da Imprensa, correspondente internacional, juiz do trabalho no regime paritário, tendo composto a Sétima e Nona Turmas e a Seção de Dissídios Coletivos - SEDIC, é membro da Associação Brasileira de Imprensa - ABI, escritor, jornalista, radialista, palestrante na área de RH, cursou sociologia, direito, é consultor sindical, no setor privado é diretor de RH, especialista em Arbitragem (Lei 9.307/96). Membro da Associação Sulamericana de Arbitragem – ASASUL.
A máxima do “custo beneficio” há muito tempo não se encaixa no
segmento do judiciário. Inóspito e moroso. Eis que a justiça brasileira está
muito aquém do que se espera, e da sua real necessidade como agente de
solução de conflitos.
A judicialização em massa, por si, já é um fenômeno avassalador, e
com a má vontade dos juízes na solução pacifica, optando pela via da
judicialização, milhões de processos (atuais 108 milhões), estão represados.
Como se isso não bastasse, ironicamente seus atores recebem os maiores
salários do universo e gozam de vantagens jamais concedidas ao
trabalhador comum.
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São ganhos acrescidos de vantagens, de milhões e milhões de reais,
que superam os salários dos mais altos executivos do planeta. A morosidade
campeia nos tribunais como se fosse um dilúvio de papéis. A folha do
serviço público consome 93% do seu orçamento.
Há muito se discute a honradez e compromisso pátrio dos magistrados.
Ocorre que de cima para baixo e de baixo para cima, o judiciário está
contaminado pela soberba e a prepotência jamais imaginada no contexto de
justiça. Já se foi o tempo em que advogados peticionavam iniciando:
“venho a rogo perante Vossa Senhoria”... Soa irônico, o data venia e
permissa venia nas cortes, diante da total discrepância que se impõe sua
Cortes, e por pontual ausência de credibilidade dos juízes.
Uma frase de Santo Agostinho: “Prefiro os que me criticam, porque
me corrigem, aos que me elogiam, porque me corrompem”, reflete uma
realidade. De fato sociedade está critica em relação à postura dos juízes, da
morosidade e pelos privilégios concedidos. A excessiva concessão dessas
rubricas denominadas de auxílios soa agressivamente para o trabalhador
que não alcança tamanha regalia.
Os três primeiros colocados da lista são, nessa ordem,
titulares de cartórios, procuradores e promotores de Justiça
e membros do Judiciário e dos tribunais de contas. As
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informações usadas na pesquisa do Ibre/FGV vêm das
declarações de Imposto de Renda de 2015 (ano-base 2014).
A pesquisa foi produzida pelo pesquisador José Roberto Afonso e
divulgada a pouco através do relatório Grandes Números do Instituto
Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) no
primeiro semestre deste na. Os números revelam que a elite salarial
brasileira é formada por donos de cartório, membros do Ministério Público
e a magistratura.
A constatação aparece no relatório Grandes Números, do Instituto
Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). No meio
deste turbilhão de irregularidades em “nome da lei”, surgem as praticas
lesivas aos demandantes de forma cada vez mais intensa.
Uma delas os atos de arrematação que violam os mais elementares
direitos, para que o bem arrematado, não venha trazer dano irreparável e
ainda conceda a facilidade de enriquecimento aos arrematantes
profissionais (corretores) que povoam o judiciário brasileiro.
A Justiça do Trabalho neste instituto (comprovadamente) vem
deixando a desejar, as falhas são de total aviltamento a proteção do cidadão,
bens de residência familiar (art. 5° da Lei 8009/90) são levados a hasta
pública, e arrematados por valores irrisórios. Uma das praticas é a de somar
débitos fiscais (prescritos) e não ajuizados, não valor da arrematação. Isso
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equivale dizer que bens são arrematados por incríveis 10% do seu valor de
mercado. Agora a JT sinaliza de forma coerente.
Recente decisão fulmina as anteriores (não que isso tenha sonoridade
para os juízes trabalhistas). (...) “Se o valor mínimo não for estipulado em
um leilão, é considerado vil o preço abaixo de 50% do valor de avaliação
do bem que se pretende arrematar”. Com esse entendimento, baseado no
artigo 891 do novo Código de Processo Civil, a 1ª Turma do Tribunal
Regional do Trabalho da 3ª Região (MG) negou provimento ao recurso de
arrematante que queria a homologação do lance. No caso, o imóvel objeto
de penhora foi avaliado pelo oficial de Justiça em R$100 mil. O maior lance
dado por ele foi de R$31 mil. (Proc: 0011000-31.2004.5.03.0104).
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