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FRANCYNI SCHIAVON BREDA
DA PROIBIÇÃO DA DEMISSÃO EM MASSA DESMOTIVADA
EM FACE DA VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO NO
BRASIL
MARÍLIA
2011
1
FRANCYNI SCHIAVON BREDA
DA PROIBIÇÃO DA DEMISSÃO EM MASSA DESMOTIVADA
EM FACE DA VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO NO
BRASIL
Dissertação apresentada ao Programa
de Mestrado em Direito da
Universidade de Marília, como
exigência parcial para a obtenção do
grau de Mestre em Direito, sob
orientação do Prof. Dr. Lourival José
de Oliveira.
MARÍLIA
2011
2
Autora: FRANCYNI SCHIAVON BREDA
Título: DA PROIBIÇÃO DA DEMISSÃO EM MASSA DESMOTIVADA EM FACE DA
VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO NO BRASIL
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília,
área de concentração Empreendimentos Econômicos, Desenvolvimento e Mudança Social,
sob orientação do Prof. Dr. Lourival José de Oliveira.
Aprovada pela Banca Examinadora em: _____/_____/_____
_______________________________________
Prof. Dr. Lourival José de Oliveira
Orientador
______________________________________
Prof. (a) Dr. (a)
_____________________________________
Prof. (a) Dr. (a)
3
Dedico este trabalho ao meu querido esposo Luís
Gustavo, pela dedicação, amor e carinho em todos os
momentos de minha vida.
4
Agradeço sempre a Deus por mais uma oportunidade;
Ao meu amado esposo pela compreensão e auxílio nos meus estudos;
Aos meus pais pelo carinho e formação da minha educação;
Aos meus irmãos, cunhadas e sobrinhos pelos laços de amor;
Ao Professor Lourival pelo desempenho e dedicação nas nossas orientações;
Aos queridos Professores do Mestrado, pelos ensinamentos;
Aos meus queridos amigos que ao longo do mestrado conquistei;
Aos meus eternos amigos;
E a Unimar pela excelência nos seus cursos;
5
―Perder o trabalho é como perder a morada. É perder
a razão que justifica nossa existência. É sair de cena,
é ser exilado, é deixar de participar, com outros, do
aprontamento do mundo, do aprontamento de
heranças para os que virão. Perder o trabalho é como
morrer.‖
Dulce Critelli
6
DA PROIBIÇÃO DA DEMISSÃO EM MASSA DESMOTIVADA
EM FACE DA VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO NO
BRASIL
Resumo: A Constituição Federal em seu artigo 170 apresentou como primado da ordem
econômica a valorização do trabalho humano. Consequentemente, situações como a demissão
em massa desmotivada contraria frontalmente o valor do trabalho humano. O artigo 7º, inciso
I, do Texto Magno estabeleceu que a relação de emprego é protegida contra a despedida
arbitrária ou sem justa causa o que significa que a demissão desmotivada ou arbitrária, seja no
plano individual ou coletivo, é inconstitucional. A não regulamentação do referido dispositivo
não é motivo suficiente para defender a sua não aplicação imediata. Partindo-se de uma
interpretação sistêmica e única da Constituição Federal, levando-se em conta os princípios
que fundamentam a República Federativa do Brasil, assim como considerando a proteção ao
trabalho como um Direito Social, ou seja, fundamental, com característica de auto
aplicabilidade, tem-se como conclusão a desnecessidade de regulamentação do artigo 7º,
inciso I da Constituição Federal, o que o torna auto aplicável. Priorizou-se também neste
estudo a função social da propriedade e a ética empresarial de forma a construir um conjunto
argumentativo que possibilitou demonstrar a necessidade de revisão nas decisões judiciais
proferidas sobre demissão em massa, descortinando o entendimento que, apesar de não existir
legislação positivada que proíba referida forma de demissão, a sua aceitação se faz
completamente divorciada dos princípios e finalidades estabelecidas no texto constitucional, o
que a torna nula de pleno direito.
Palavras-chave: Demissão em Massa. Manutenção da relação de emprego.Valorização do
Trabalho Humano.
7
THE PROHIBITION OF MASS RESIGNATION DISCOURAGED BY FACE VALUE
OF HUMAN LABOR IN BRAZIL
Abstract: The Federal Constitution in the Article 170 presents primacy of the economic
recovery of human work. Consequently, situations such as unmotivated mass layoffs flies in
the face value of human labor. The Article 7º, paragraph I, the Great Text established that the
employment relationship is protected from arbitrary dismissal without just cause or meaning
that unmotivated or arbitrary dismissal, whether on an individual or collective, is
unconstitutional. The deregulation of the device is not enough to defend its immediate
implementation. Starting from a single and coherent interpretation of the Constitution, taking
into account the principles that underlie the Federative Republic of Brazil, as well as
considering the protection of labor as a social law, or fundamental, with the characteristic of
self applicability , has been completed is unnecessary as the regulation of the Article 7º,
section I of the Federal Constitution, which makes self-applicable. Prioritized in this study is
also the social function of the property and business ethics in order to construct a set of
argument that demonstrate the possible need to revise the judgments about mass layoffs,
unfolding the understanding that, although there is no law that prohibits positively valued that
form of resignation, its acceptance becomes completely divorced from the principles and
purposes set out in the constitutional text, which makes it null and void.
Keywords: Mass resignation. Maintaining the employment relationship. Enhancement of
Human Work.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 10
1 DA ORDEM ECONÔMICA E A PROTEÇÃO DO TRABALHO HUMANO............12
1.1 A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO..........................................................12
1.2 DA LIMITAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LIVRE INICIATIVA E A PROTEÇÃO AO
TRABALHO HUMANO.........................................................................................................20
1.3 DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NA PROTEÇÃO DO TRABALHO
HUMANO................................................................................................................................30
1.3.1 Evolução da Função Social da Propriedade...................................................................31
1.3.2 Da Ética Empresarial.....................................................................................................34
1.3.3 Função Social da Empresa e os valores da ordem econômica.......................................36
1.4 DOS OBJETIVOS PERSEGUIDOS ATRAVÉS DA PROTEÇÃO AO TRABALHO
HUMANO................................................................................................................................40
2 DAS PROTEÇÕES CONSTITUCIONAIS CONTRA A DEMISSÃO
DESMOTIVADA...................................................................................................................44
2.1 DO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO...............44
2.2 DA INTERPRETAÇÃO SISTÊMICA AO ARTIGO 7º, I DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL................................................................................................................................49
2.3 DA MANUTENÇAO DA RELAÇÃO DE TRABALHO ENQUANTO DIREITO
FUNDAMENTAL...................................................................................................................66
2.4 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E MANUTENÇÃO DA RELAÇÃO DE
TRABALHO............................................................................................................................74
3 DA PROTEÇÃO CONTRA A DEMISSÃO EM MASSA E VALORIZAÇÃO DO
TRABALHO HUMANO.......................................................................................................87
3.1 CONCEITO DE DEMISSÃO EM MASSA E OS PRINCÍPIOS DO DIREITO
COLETIVO DO TRABALHO................................................................................................87
3.1.1 Princípios do Direito Coletivo do Trabalho....................................................................91
3.2 DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA E DEMISSÃO EM MASSA....................................100
3.2.1 Demissão em massa.....................................................................................................105
3.3 DOS INSTRUMENTOS PARA A PROTEÇÃO CONTRA A DEMISSÃO EM
MASSA..................................................................................................................................111
3.3.1 Convenção Coletiva do Trabalho e Acordo Coletivo do Trabalho...............................111
3.3.2 Ação Civil Pública........................................................................................................114
3.4 DEMISSAO EM MASSA E INTERVENÇÃO ESTATAL: INCENTIVOS E
POLÍTICAS PÚBLICAS.......................................................................................................119
CONCLUSÕES....................................................................................................................130
REFERÊNCIAS..................................................................................................................133
9
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ADCT - Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
art. - artigo
CC - Código Civil
CLT - Consolidação das Leis do Trabalho
CF/88 - Constituição Federal de 1988
EC - Emenda Constitucional
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
In - em
ISO - Organização Internacional para Padronização
nº - número
OIT - Organização Internacional do Trabalho
SEBRAE - Serviço Brasileiro de Apoio as Micros e Pequenas empresas
TRT - Tribunal Regional do Trabalho
TST - Tribunal Superior do Trabalho
10
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal vigente destaca em seu bojo princípios basilares que
norteiam todo o sistema jurídico brasileiro. Especificamente, os princípios da dignidade da
pessoa humana, da valorização do trabalho humano, da função social da empresa e da livre
iniciativa, os quais servem para promover um melhor entendimento quanto à proteção e
valorização do trabalho humano no Brasil.
O problema em questão é que embora a Constituição Federal preze por todas as
garantias que assegurem a manutenção da relação do emprego, o seu artigo 7º, inciso I, até o
momento, carece de regulamentação complementar, o que deixa lacunas para que as empresas
realizem demissões em massa imotivadas de seus empregados, sem respeitar os princípios
elencados constitucionalmente e as finalidades inseridas pela mesma Constituição, como por
exemplo, a redução das desigualdades sociais através da valoração do trabalho humano.
Na tentativa de balizar o problema, em 17 de setembro de 1992 a Convenção nº
158 da OIT fora ratificada pelo Brasil e, posteriormente denunciada em 20 de novembro de
1996, pelo Decreto nº 2.100, de 20 de dezembro de 1996. Referida Convenção era uma
alternativa para a regulamentação do artigo 7º, inciso I, da Constituição Federal, no tocante à
dispensa arbitrária ou sem justa causa. A sua própria denúncia foi um procedimento que até o
presente momento é contestado junto ao Supremo Tribunal Federal através de Ação Direta de
Inconstitucionalidade, o que demonstra o desinteresse, não importando o procedimento a ser
adotado de proteção contra a demissão desmotivada.
Além da Convenção nº 158 da OIT, o estudo traz inúmeros outros preceitos
constitucionais e legais que buscam suprir a ausência de normas legais existentes em relação
ao artigo 7º, inciso I da Constituição Federal, inclusive com o artigo 8º da Consolidação das
Leis do Trabalho.
Destarte, é importante frisar que a valorização do trabalho humano deve ser
mantida. Nos moldes constitucionais as empresas devem voltar-se para uma gestão que não
preze somente o lucro, mas também promova a função social, como por exemplo, enaltecer a
dignidade da pessoa que ali labora, valorizando o seu trabalho.
O tema apresentado é importante para tornar eficazes os objetivos perquiridos
constitucionalmente no artigo 3º, vez que sem a valorização do trabalho não é possível reduzir
as desigualdades sociais e regionais e garantir um desenvolvimento nacional sustentável.
11
Nesse contexto, o desempenho do trabalhador não pode se transformar em meios
de capitação de riqueza. Enfoca-se que as empresas diante a obrigatoriedade de cumprimento
da função social, devem buscar a forma mais adequada para atuar juntamente com o
desenvolvimento nacional.
Diante deste quadro como entender constitucionalmente a demissão em massa
desmotivada? Estaria esta modalidade de rescisão do contrato de trabalho proibido
constitucionalmente? Ainda, haveria na hipótese de não proibição, a possibilidade de
estabelecer procedimentos prévios demissionários como requisito da sua própria validade?
Além da regulamentação da demissão em massa imotivada propriamente dita,
outro ponto de suma importância a ser abordado é sobre os meios aplicáveis para se evitar
essa demissão em massa. Destaca-se que é possível, através dos princípios do Direito Coletivo
a garantia de todo o procedimento a ser seguido em caso de despedidas imotivadas.
Questões como função social da empresa, a valorização do trabalho humano, os
objetivos sociais a serem alcançados através da reconstrução de um trabalho digno somam-se
ao esforço de tentar construir um entendimento capaz de proporcionar de forma efetiva o
atendimento ao princípio da continuidade da relação de trabalho, considerando que a
demissão em massa desmotivada pode dar ensejo a crises sociais de difícil mensuração.
Atendendo-se ao princípio da utilidade do trabalho científico propôs-se a
construção de políticas públicas capazes de antever situação como as demissões em massa
desmotivadas, a fim de não deixar que elas ocorram.
O presente estudo justifica-se no plano teórico ou fático, tendo sido utilizado
pesquisas bibliográficas, jurisprudenciais e a adoção do método dedutivo. O esforço foi no
sentido de buscar alternativas de acordo com os parâmetros constitucionalmente erigidos para
a proteção do trabalho humano.
12
1 DA ORDEM ECONÔMICA E A PROTEÇÃO DO TRABALHO HUMANO
O trabalho humano não pode mais ser visto como no passado, isto é, a forma de
castigo não é mais aceita. A Constituição Federal vigente garante a dignidade da pessoa
humana como resultado do desenvolvimento econômico.
Nesses moldes, o tema a ser apresentado permeia exclusivamente os princípios da
valorização do trabalho humano, da livre iniciativa, da função social da propriedade,
destacando-se a ética empresarial, bem como os objetivos perquiridos constitucionalmente.
1.1 A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
A valorização do trabalho humano é pressuposto irrefutável para atingir
finalisticamente os objetivos contidos no artigo 3º da Constituicao Federal, vez que o trabalho
valorizado vem de encontro à erradicação das desigualdades regionais e sociais.
Buscou-se constitucionalmente proteger o trabalho humano. Como marco inicial
cabe a citação da Constituição mexicana de 1917,valendo citar neste sentido Amador Paes de
Almeida:
A 31 de janeiro 1917, a Constituição mexicana estabelecia, pela primeira
vez, normas constitucionais de proteção ao trabalhador, limitando a jornada
diária em oito horas, vedando o trabalho insalubre às mulheres e aos
menores de dezesseis anos. Estabelecia como predecessor do repouso
semanal remunerado, um dia de descanso, para cada seis dias de trabalho.
Assegurava à gestante, nos três meses anteriores ao parto, trabalho que não
exigisse considerável esforço físico. E, pioneiramente, estabelecia o salário
mínimo vital à sobrevivência do trabalhador.
Segue-se-lhe a Constituição de Weimar, de 1919, que colocava o trabalho
sob proteção do Estado, assegurando liberdade de associação para a defesa e
melhoria das condições de vida do trabalhador. Instituía, outrossim, um
sistema de seguro de vida para a proteção à maternidade e previdência contra
as conseqüências econômicas da viuvez, da velhice, da invalidez e dos
acidentes, proclamando, outrossim, que a todo trabalhador dar-se-ia a
oportunidade de adquirir, mediante seu trabalho, o necessário à subsistência.1
1 ALMEIDA, Amador Paes de. CLT comentada. 5. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 3.
13
A Declaração dos Direitos Humanos de 1948 é também um marco importante para
amparar a valorização do trabalho humano como leciona Flávia Piovezan:
A partir da aprovação da Declaração Universal de 1948 e a partir da
concepção contemporânea de direitos humanos por ela introduzida, começa
a se desenvolver o Direito Internacional dos Direitos Humanos, mediante a
adoção de inúmeros tratados internacionais voltados à proteção de direitos
fundamentais. A Declaração de 1948 confere lastro axiológico e unidade
valorativa a este campo do Direito, com ênfase na universalidade,
indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos. Como leciona
Norberto Bobbio, os direitos humanos nascem como direitos naturais
universais, desenvolvem-se como direitos positivos particulares (quando
cada Constituição incorpora Declaração de Direitos), para finalmente
encontrarem sua plena realização como direitos positivos universais.2
A Declaração Tripartite de Princípios sobre as empresas multinacionais foi um dos
meios para preservar a valorização do trabalho humano, por fazer recomendações aos
governos, as organizações de empregados e empregadores e as multinacionais.Objetiva essa
declaração direcionar as multinacionais em uma gestão voltada à promoção do emprego,
igualdade de oportunidades e tratamento para com os empregados, coibição do trabalho
infantil, promoção das negociações coletivas, banimento da discriminação no trabalho e
outros.
Nas Constituições Brasileiras já era possível notar a presença da valorização do
trabalho humano. A Constituição de 1946, em seu art. 145 ditava que a ordem econômica
―deve ser organizada conforme os princípios da justiça social, conciliando a liberdade de
iniciativa com a valorização do trabalho humano‖3. No mesmo sentido a Constituição de 1967
e também a Emenda Constitucional de 1969, referiam-se à valorização do trabalho humano.
A Constituição Federal de 1988 inseriu no artigo 1º, como princípios fundamentais
os valores sociais do trabalho e no artigo 170, incluiu a valorização do trabalho humano com a
livre iniciativa ao tratar da ordem econômica.
O intuito do constituinte foi proteger juridicamente o trabalho, tendo em vista que
é através dele que se garante a concretização de um sistema capitalista, bem como as garantias
pessoais mínimas de sobrevivência do ser humano. Isso porque, o trabalho é uma ferramenta
importantíssima para a transformação e elaboração de uma sociedade rodeada de princípios
2 PIOVESAN, Flávia. Primazia da norma mais benéfica à proteção dos Direitos Humanos. In: TORRES, Ricardo
Lobo; KATAOKA, Eduardo Takemi; GALDINO, Flávio. (Orgs). Dicionário de princípios jurídicos. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2011. p. 1023-1036. 3BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 18 de setembro de 1946. Disponível em <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constitui%C3%A7ao46.htm> . Acesso em 01 ago. 2009.
14
dignos capazes de atender ao mínimo esperado e exigido para conceder uma vida digna a
todos. Ao assegurar os direitos fundamentais do empregado, consequentemente, minimiza-se
os impactos tais como, carência alimentar, precarização da moradia, educação e saúde.
O princípio da valorização do trabalho humano transcende à vontade do indivíduo,
pois, assim como todo indivíduo adquire a personalidade ao nascer com vida, a valorização do
trabalho nasce no momento em que se constata a relação de emprego, independentemente do
tipo de trabalho laborado.
Nos dizeres Débora Brito Moraes e Lourival José de Oliveira:
A valorização do trabalho humano significa proporcionar ao ser humano um
trabalho que lhe dê orgulho em desempenhá-lo, lhe dê prazer, de forma que
o trabalhador realmente se sinta feliz ao iniciar uma jornada de trabalho. E
que, desta forma, não tenha o trabalho apenas como meio de sobrevivência,
porque desta forma retira do ser humano qualquer resquício de dignidade.
Petter ensina que ‗Valorizar o trabalho, então, equivale a valorizar a pessoa
humana, e o exercício de uma profissão pode e deve conduzir à realidade de
uma vocação do homem‘.4
Nessa linha, o trabalho deve ser realizado como uma forma prazerosa e não como
uma forma de punição. No momento em que o trabalho é valorizado, consequentemente o ser
humano é posto em um patamar de igualdade na relação empregatícia.
A autora Rosilaine Chaves Lages conceitua a valorização do trabalho no aspecto
da própria garantia a relação de emprego, veja-se:
O conceito de trabalho na expressão ‗valorização do trabalho‘ deve ser
compreendido como trabalho juridicamente protegido, ou seja, emprego. É o
emprego elemento condutor que promove a inserção do trabalhador no
sistema capitalista globalizado, e só deste modo é possível garantir-lhe um
patamar concreto de afirmação individual, familiar, social, ético e
econômico.
Portanto, a correta leitura constitucional do princípio da valorização do
trabalho está ligada intrinsecamente com o emprego, por ser a única forma
coerente com os demais imperativos principiológicos constitucionais, como
o princípio da justiça social e da busca do pleno emprego, conforme
preceitua o art. 170, VIII da Constituição Federal de 1988. 5
O contrato de trabalho serve para determinar as obrigações e delimitar a esfera de
atuação de ambos contratantes como bem explica Pedro Romano Martinez:
4 MORAES, Débora Brito; OLIVEIRA, Lourival José de. Aspectos sobre valorização do trabalho humano.
Disponível em: <www.diritto.it/all.php?file=24024.pdf> Acesso em 20 jan. 2010. 5 LAGES, Rosilaine Chaves. A importância da efetividade do princípio da valorização do trabalho regulado:
homenagem ao professor Luiz Otávio Linhares Renault. São Paulo: LTr, 2010. p. 115.
15
O contrato de trabalho, como qualquer negócio jurídico, deve determinar
direitos e deveres para ambas as partes e não apenas os direitos de uma
delas, o trabalhador. É errôneo encarar o contrato de trabalho como girando
em torno do trabalhador, nem tal acontece no diploma citado. Assim, sendo,
o contrato de trabalho deve ser visto em função das duas partes, indicando os
respectivos direitos e obrigações.6
Outro ponto a ser ressaltado no decorrer do trabalho apresentar-se-á em tópico
específico, trata-se da dignidade da pessoa humana, estando esta atrelada ao princípio da
valorização do trabalho humano, vez que o trabalho humano não pode ser visto como uma
forma de castigo, mas sim que lhe dê prazer e condições para se ter uma vida digna. Ana
Paula Tauceda dita que:
Não constitui tão somente uma regra juridicamente ordenada, mas antes um
―cordão umbilical‖ em que o sistema é realimentado pelo Princípio
Constitucional Fundamental da Dignidade da Pessoa Humana que, a nosso
ver, inegavelmente, ocupa local e função (informadora, normativa e
interpretadora) em primazia às demais normas, vinculando-se a
posicionamentos hermenêuticos que reconheçam a pessoa humana,
especialmente na figura do trabalhador, como pilar estruturante do Sistema. 7
João Carlos Teixeira alude que o trabalho não é mercadoria, devendo ser protegido
contra as leis mercadológicas, veja-se:
Ao mesmo tempo em que a dignidade da pessoa humana figura como o
fundamento das normas internacionais de proteção dos direitos humanos, a
Organização Internacional do Trabalho (OIT), conciliando e reconhecendo
os valores da dignidade da pessoa humana e do trabalho humano, consagra
como princípio fundamental do direito internacional do trabalho que o
trabalho não é mercadoria.
O princípio fundamental de direito internacional laboral de que o trabalho
não é mercadoria visa à proteção do trabalho humano contra as vicissitudes
do mercado de trabalho. Considerando que o sistema de produção capitalista
não é capaz de gerar postos de trabalho para todas as pessoas aptas a laborar,
verifica-se nesse sistema que a oferta de mão-de-obra tende a ser maior do
que a demanda, o que inexoravelmente levaria à desvalorização do trabalho
humano. Assim, visando à proteção da dignidade humana e o valor ético do
trabalho nesse contexto de mercado de trabalho, faz-se necessária a
intervenção estatal, para estabelecer padrões mínimos de condições de
6 MARTINEZ, Pedro Romano. Princípios do direito do trabalho – princípios, regras e interpretação das normas
jurídicas e convencionais. In: NAHAS, Thereza (Coord.) . Princípios de direito e processo do trabalho: questões
atuais. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. p. 1-29. 7TAUCEDA, Ana Paula apud LAGES, Rosilaine Chaves. A importância da efetividade do princípio da
valorização do trabalho regulado: homenagem ao professor Luiz Otávio Linhares Renault. São Paulo: LTr,
2010. p. 111.
16
trabalho, como remuneração mínima, saúde e higiene no trabalho.8 (grifo do
autor)
Sem a intervenção estatal não há o que se falar em garantias ao trabalhador, porque
infelizmente a empresa ante à procura de empregos explora essa condição favorável de
mercado, não cumprindo com as mínimas condições que se espera ter para um emprego
digno. Como bem expõem Rodolfo Capón Filas:
A necessidade de proteger o trabalho em suas diversas formas tem como
fundamento a dignidade humana e deve ser buscada na própria essência do
homem. Lembra o autor que o trabalho não é uma realidade em si, como o
capital, mas uma realidade no homem. Desta forma, não existe o trabalho,
mas sim o homem que trabalha. Assim, o ‗homem que trabalha‘ deve ser
protegido legalmente porque sua sorte interessa a toda sociedade a tal ponto
que essa mesma sociedade pode ser valorada de acordo com seus níveis
éticos elementares a partir do modo como trata a quem trabalha.9
Portanto, somente haverá o cumprimento do princípio da dignidade da pessoa
humana quando o mínimo existencial for garantido pelo Estado, conferindo ao ―ser‖ o status
de pessoa humana, até porque é dever do Estado efetivar os valores sociais do trabalho como
discorre Rosilaine Chaves Lages ao dizer que:
Nesse diapasão, é dever precípuo do Estado efetivar os valores sociais do
trabalho estabelecidos na Constituição da República brasileira, mormente
dando prioridade `a relação de emprego, buscando a minimização das
injustiças sociais, mediante a concretização do princípio da justiça social.10
O trabalho, constitucionalmente, deve ser protegido pelo Estado, declarando que o
Poder Público deve incentivar as empresas e ao mesmo tempo fiscalizá-las, a fim de que
promovam um ambiente de trabalho capaz de atender às necessidades dos trabalhadores de
forma a garantir que os mesmos tornem-se criativos, valorizados e possam reproduzir esta
situação no ambiente externo.
Caso não se promova iniciativas voltadas para as finalidades acima elencadas, não
somente o ambiente empresarial sofrerá prejuízos, mas também a sociedade como um todo.
Menciona Pedro Romano Martinez, no parágrafo abaixo que:
8TEIXEIRA, João Carlos. Direito do trabalho se integra ao bem-estar social. Disponível em:
<http://www.conjur.com.br/2008-mar-02/direito_trabalho_integra_bem-estar_social?>. Acesso em:
07 ago. 2009. 9 FILAS,Rodolfo Capón apud PESSOA, Flávia Moreira Guimarães. Curso de direito constitucional do
trabalho. Salvador: Editora Podivm. 2009. p. 72.
17
O favor laboratis deve ser hoje entendido numa perspectiva histórica, sem
uma aplicação prática, o direito do trabalho não foi estabelecido para
defender os trabalhadores contra os empregadores, ele existe em defesa de
um interesse geral, onde se inclui toda a comunidade. A comunidade, de que
fazem parte trabalhadores e empregadores, beneficia da mútua colaboração e
da paz social. A idéia de que no direito do trabalho se pretende favorecer o
trabalhador contra o empregador dificulta inclusive a criação de novos
empregos, pelo receio que os empregadores têm das conseqüências que daí
poderão advir.(grifo do autor)11
As pessoas em busca de uma vida digna necessitam de um trabalho para a sua
mantença. O ciclo do ―suor‖, ―produção‖ e de ―realização‖ inserem-se no mundo jurídico em
especial na Constituição Federal, impedindo que a exploração e a desvalorização do trabalho
se sobreponham à dignidade da pessoa humana.
Mas como deve ser a organização de uma sociedade que almeje qualidade de vida
com a produção e o consumo exacerbado?
Não é fácil conseguir de maneira harmônica conciliar a valorização do trabalho e a
livre iniciativa, por isso que a Constituição Federal em seu artigo 170 inseriu na ordem
econômica o capital e o trabalho juntos, para tentar equilibrar os dois direitos garantidos
constitucionalmente.
Deve-se lembrar que a lei por si só é inerte. Se o Estado não tem uma postura
dinâmica e garantidora dos diversos direitos, a organização é falha e consequentemente
haverá a descrença do cidadão, que tanto almeja seus direitos e justiça.
Destaca-se que, o novo conceito esperado do Estado e da sociedade é que ―não é o
homem que deve servir à economia, e sim a economia que deve servir ao bem estar do
homem‖. 12
Outro ponto a ser explorado é a ética empresarial, que surge nesse cenário da
valorização do trabalho humano em busca de efetivá-lo.
Como ressalta Ferrell, Fraedrich, Ferrell, citados por Fernanda Gomes dos Santos:
―Ética empresarial compreende princípios e padrões que orientam o comportamento no
mundo dos negócios.‖ 13
10
LAGES, Rosilaine Chaves. A importância da efetividade do princípio da valorização do trabalho regulado:
homenagem ao professor Luiz Otávio Linhares Renault. São Paulo: LTr, 2010. p. 113. 11
MARTINEZ, Pedro Romano. Princípios do direito do trabalho – princípios, regras e interpretação das normas
jurídicas e convencionais. In: NAHAS, Thereza (Coord.) . Princípios de direito e processo do trabalho: questões
atuais. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. p. 1-29. 12
MORAES, Débora Brito; OLIVEIRA, Lourival José de. Aspectos sobre valorização do trabalho humano.
Disponível em: <www.diritto.it/all.php?file=24024.pdf> Acesso em 20 jan. 2010. 13
FERREL, O.C.; FRAEDRICHI, John; FERREL, Linda. 2001. apud SANTOS, Fernanda Gomes dos Santos.
Responsabilidade social e demissões em massa: um olhar de relações públicas no relacionamento com o público
interno. Disponível em: <
18
Nesse sentido, as empresas têm o dever de cumprir com o devido padrão social
exigido por toda a sociedade com relação aos seus empregados. Não há como desmembrar a
ética das condutas empresariais por estar inserida na sua essência.
As empresas devem prezar ao máximo as condições dignas de um ambiente de
trabalho, tornando-o sadio, mantendo a preocupação com a saúde de quem ali labora, dando
prazer aos seus empregados no momento em que estão dentro e fora da empresa.
Cada vez mais os consumidores dão preferências para empresas que se preocupam
com a responsabilidade social. Desta forma, as empresas que não se adequarem aos novos
padrões serão aos poucos excluídas do mercado, tendo em vista que a confiança posta pela
empresa é o que determinará um crescimento com sucesso.
Fernanda Gomes dos Santos afirma que:
[...] a responsabilidade social nas empresas só poderá ser incorporada ao
processo diário de tomada de decisão se as organizações incluírem em sua
filosofia e sua estratégia de ação, preocupações de natureza ética. A conduta
ética nas organizações também é definida na transparência das empresas, nas
relações com seus públicos e na preocupação que possuem com o impacto
das suas atividades na sociedade. Essa relação de confiança contribui para o
sucesso das empresas, sucesso que se reverte de forma financeira, graças à
imagem que se tem das empresas e está relacionada à responsabilidade
social. 14
Várias empresas brasileiras e mundiais já demonstram a sua credibilidade pelo
papel social desenvolvido, como por exemplo, a Accor Brasil, a Achè, a Avon, O Boticário,
Carrefour, Hospital Albert Einstein, Bradesco, que estão filiadas ao Instituto Ethos.15
Na medida em que há o desemprego, ocorre a desvalorização do trabalho e
consequentemente a queda do crescimento econômico, pois o trabalhador é também um
consumidor.
Pode-se elencar fatores que contribuem para o aumento de desemprego,
destacando-se especialmente a troca de mão de obra humana por máquinas. A título de
exemplo, um caixa eletrônico de um banco, hoje um aparelho corriqueiramente usado pela
sociedade em busca de agilidade, enquanto um caixa eletrônico faz em torno de duas mil
http://www.ethos.org.br/_Uniethos/Documents/RESPONSABILIDADE%20SOCIAL%20E%20DEMISS%C3%
95ES%20EM%20MASSA.pdf > Acesso em: 20 jan. 2010. 14
SANTOS, Fernanda Gomes dos Santos. Responsabilidade social e demissões em massa: um olhar de relações
públicas no relacionamento com o público interno. Disponível em: <
http://www.ethos.org.br/_Uniethos/Documents/RESPONSABILIDADE%20SOCIAL%20E%20DEMISS%C3%
95ES%20EM%20MASSA.pdf > Acesso em: 20 jan. 2010. 15
INSTITUTO ETHOS. Disponível em: < http://www.ethos.org.br/sistemas/empresas_
entidades/empresas_associadas/lista_geral/index.asp> . Acesso em: 09 abr. 2010.
19
operações, um funcionário caixa faz duzentas transações. É essa diferença gritante de serviço
que as empresas em busca de economia e agilidade de serviço, optam pela substituição da
mão de obra humana.16
Fatores como crises mundiais também dão causa ao aumento de
desempregados.
Diante esse fato é necessário incluir políticas públicas que atraiam as empresas
para tornarem parceiras na busca de oferta e mantença de emprego e não de desemprego, que
é o que vem ocorrendo.
Cumpre salientar que as mudanças surgem após as graves atrocidades, inovações,
dentre outros fatos. Assim, cada geração vem sendo reconstruída a cada fato ocorrido, porém,
cada vez mais enfraquecida. Um exemplo clássico é o que ocorre com o meio ambiente, ou
seja, a sua destruição. Ante a isso, surge o princípio do poluidor pagador, o qual garante o
direito de se poluir, mas com uma oneração.
Nesse aspecto que o enfraquecimento se torna mais evidente, porque o correto
seria não poluir e não o que hoje é aceito: ―poluo, mas pago por isso‖.
Da mesma forma, ocorre com a valorização do trabalho humano. É preciso
evidenciar fatos como o trabalho escravo, maus tratos, ambientes totalmente indignos,
demissões imotivadas, para estabelecer medidas que tentam bloquear tais condutas
empresariais e que às vezes ficam impunes ou pagam multas e ainda continuam praticando o
ato.
Enfim, como ressalta a doutrinadora Dinaura Godinho Pimentel Gomes:
É por isso que, na esfera das relações de trabalho, o Direito atual deve atuar
de forma mais dinâmica, inovando e transformando, porque o trabalho torna
o homem mais homem, ao possibilitar-lhe o pleno desenvolvimento de sua
personalidade, de onde resulta sua valorização como pessoa humana. (grifos
do autor)17
Esse atuar de forma dinâmica deve ser ressaltado sempre no mundo jurídico,
quando as relações versarem sobre a vida. Portanto, nas relações trabalhistas, um dos agentes
envolvidos sempre será um ser humano, cabendo a aceleração do direito para acompanhar
com as expectativas almejadas pela sociedade.
Logo, se o ambiente de trabalho é um dos fatores responsáveis pela personalidade
do trabalhador, como ficaria a personalidade de uma pessoa que passa a maioria da vida
16
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho:
relações individuais e coletivas do trabalho. 24. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 40.
20
dentro de um local, laborando sem o mínimo de condição exigida para se ter um trabalho
digno?
Por isso, é fundamental a presença do Estado para impor decisões que auxiliem os
empresários a gerirem suas empresas com mais flexibilidade no aspecto social. Como bem
menciona Scheilla Regina Brevidelli:
É preciso repensar a relação homem-trabalho... É preciso repensar a
empresa... E os dois focos sobre os quais devem se centrar as mudanças e os
questionamentos estão na transparência da própria organização empresarial e
no impacto social de suas ações (expressos pela expansão e desenvolvimento
da personalidade do empregado, conformação a valores sociais e respeito a
interesses que transbordam os limites da empresa).(grifo do autor) 18
O princípio da valorização do trabalho humano, portanto garante que o trabalho
não fique a mercê dos empregadores. Nota-se que a preocupação principal é com o próprio ser
humano que ali trabalha. É valorizando-o que haverá uma sociedade mais justa e igualitária.
A manutenção da relação de emprego é um dos principais requisitos para a
valorização do trabalho humano, vez que o trabalho só é valorizado se em contrapartida
houver a estabilidade empregatícia, isto é, nada adianta estar empregado se o receio de uma
demissão coletiva permear nas relações empregados e empregadores, até porque a valorização
do trabalho vincula-se `a própria permanência no emprego.
1. 2 DA LIMITAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LIVRE INICIATIVA E A PROTEÇÃO
AO TRABALHO HUMANO
Os conflitos a cerca do trabalho vem de longas décadas, principalmente após a
Revolução Industrial.
O Estado Liberal surge após a Revolução Francesa de 1789, no fim do século
XVIII, visando ao sistema capitalista de produção, deixando a autonomia privada a vontade
nas celebrações contratuais, bloqueando a presença do Estado na ordem econômica,
protegendo a liberdade, a propriedade e a vida.
Por outro lado, o Estado Social surgiu após a Revolução Industrial, preocupando-
se com a preservação do trabalho humano, exigindo a interferência do Estado em todo modo
de produção.
17
GOMES, Dinaura Godinho Pimentel. Direito do trabalho e dignidade da pessoa humana, no contexto da
globalização econômica: problemas e perspectivas. São Paulo: LTr, 2005. p. 28. 18
BREVIDELLI, Scheilla Regina. A função social da empresa: olhares, sonhos e possibilidades. Disponível em:
< http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1152> . Acesso em: 11 ago. 2009.
21
Foi em função das injustiças advindas pelo capitalismo que surgiu Direito Social
como bem menciona João Carlos Teixeira:
As injustiças geradas pelo capitalismo fazem eclodir a revolta da classe
trabalhadora que se une em sindicatos para reivindicar melhores condições
de trabalho, nascendo assim o Direito Social, como hoje é conhecido, ainda
no âmbito do Estado Liberal. O confronto ideológico entre o Estado Liberal
e o Estado Comunista, no qual disseminaram-se idéias fascistas e
nacionalistas, fez eclodir a segunda Guerra Mundial, que, ao final, revelou
ao mundo as atrocidades cometidas contra a humanidade, o que levou a
criação das Nações Unidas e a Declaração Universal dos Direitos Humanos,
que serviu de base para o nascedouro do Constitucionalismo
contemporâneo.19
Esse direito fundamental de terceira dimensão tem a necessidade de compor a
fraternidade, assim, as constituições são fraternas, ou seja, solidárias, trazendo em seu bojo o
direito à paz, a preocupação com o meio ambiente, a preservação do patrimônio histórico-
cultural, a autodeterminação dos povos, a preocupação com a base (família, povo e nação) o
surgimento dos direitos difusos e outros valores fundamentais à existência do ser humano que
ainda outras constituições não mencionavam.
O princípio da livre iniciativa fora postulado em 1776, como expõe Eros Roberto
Grau:
O princípio da liberdade de iniciativa econômica - originariamente postulado
no édito de Turgot, de 9 de fevereiro de 1776 - inscreve-se plenamente no
decreto d‘ Allarde, de 2-17 de março de 1791, cujo art. 7º determinava que, a
partir de 1º de abril daquele ano, seria livre a qualquer pessoa a realização de
qualquer negócio ou exercício de qualquer profissão, arte ou ofício que lhe
aprouvesse, sendo contudo ela obrigada a se munir previamente de uma
‗patente‘ (imposto direto), a pagar taxas exigíveis e a se sujeitar aos
regulamentos de polícia aplicáveis. 20
Não se pode afirmar que a livre iniciativa é um princípio absoluto, pois há
restrições desde o seu surgimento, mesmo quando o Estado Liberal não interferia na ordem
econômica até o presente momento.
Restrições estas que se encontram ancoradas pela própria Constituição Federal,
quando, por exemplo, pratica-se a desvalorização do trabalho humano, conduta diversa a que
assegura a Constituição Federal.
19
TEIXEIRA, João Carlos. Direito do trabalho se integra ao bem-estar social. Disponível em: <
http://www.conjur.com.br/2008-mar-02/direito_trabalho_integra_bem-estar_social?>. Acesso em: 07 ago. 2009.
22
Na definição de Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins, tem-se que a livre
iniciativa:
[...]
é uma manifestação dos direitos fundamentais e no rol daqueles devia estar
incluída. De fato o homem não pode realizar-se plenamente enquanto não
lhe for dado o direito de projetar-se através de uma realização transpessoal.
Vale dizer, por meio da organização de outros homens com vistas à
realização de um objetivo. Aqui a liberdade de iniciativa tem conotação
econômica. Equivale ao direito de todos têm de lançarem-se ao mercado da
produção de bens e serviços por sua conta e risco. Aliás, os autores
reconhecem que a liberdade de iniciar a atividade econômica implica a de
gestão e a de empresa.21
A livre iniciativa se estende não somente à relação empresária, abrangendo tanto a
forma produtiva, individuais bem como as coletivas. Encontra-se, no artigo 5º, inciso XVIII e
artigo 174, §§ 3º e 4º da Constituição Federal o modo de iniciativa cooperativa e nos artigos
173, 177 e 192, inciso II, possível notar a presença da iniciativa autogestionária e da iniciativa
pública.
A livre iniciativa é limitada, quando se constata o abuso de Princípios Sociais. É o
que reafirma José Afonso da Silva, ao dizer que:
[...] num contexto de uma Constituição preocupada com a realização da
justiça social (o fim condiciona os meios), não pode significar mais do que
‗liberdade de desenvolvimento da empresa no quadro estabelecido pelo
poder público, e, portanto, possibilidade de gozar das facilidades e
necessidade de submeter-se às limitações postas pelo mesmo‘. É legítima,
enquanto exercida no interesse da justiça social. Será ilegítima, quando
exercida com objetivo de puro lucro e realização pessoal do empresário.22
A globalização surge para expandir o mercado e a intensificação do comércio.
Diante esse fenômeno o mundo tornou-se mais capitalista, atacando o Estado Social. Amauri
Mascaro Nascimento ressalta que:
A globalização da economia, fenômeno que não é novo, já que mesmo antes
da Primeira Guerra Mundial havia comércio internacional e investimentos
privados em outros países, passou a interessar ao direito do trabalho com o
aumento da sua amplitude, a interligação entre os países, a maior facilidade
de circulação de bens, mercadorias e trabalhadores sem fronteiras e o
20
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros
Editores. p. 203. 21
BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra, Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva,
1990. v.7. p. 16 22
SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 760.
23
extraordinário progresso tecnológico e dos sistemas de comunicação, tudo
facilitando o desenvolvimento de uma nova realidade, que afetou as relações
de trabalho.
Em Denver, Colorado, em 1997, reuniram-se os chefes de Estado e de
Governo do ‗Grupo dos Oito‘ – principais países industrializados – e
publicaram um comunicado apontando a globalização como principal fator
de crescimento da prosperidade mundial nos últimos anos. Nem todos os
especialistas de direito do trabalhador concordam com isso. Para alguns, a
globalização é um fator perverso de imposição de imperativos da economia
em detrimento do avanço social das populações, cada vez mais pobres. 23
A competitividade que as empresas almejam dentro do mercado globalizado torna
cada vez mais distante o cumprimento do aspecto social. As medidas como redução de mão-
de-obra humana em busca de novas máquinas para custear e aumentar a produção é um dos
meios que reflete diretamente na concorrência desse comércio, ou seja, a preocupação da
gestão empresarial é reduzir custos de produção para ―sobreviver‖ nesse tipo de comércio.
Como exemplo, o setor agrícola brasileiro, responsável por um alto índice de
exportação, está no rol de setores que vem perdendo a essencialidade do trabalho humano em
busca de maior competitividade.
O corte de cana que antes era feito somente de forma manual, hoje está sendo
trocado pela inovação de máquinas, causando um aumento notório de desemprego nesse setor.
Amauri Mascaro Nascimento elenca fatores que sugiram após a globalização, leia-se:
Os reflexos da globalização sobre os empregos foram em mais de um
sentido: a) o da sua redução geral; b) o da sua ampliação setorial,
decorrência das transformações da sociedade industrial para a pós-industrial,
com a criação de novos setores produtivos, que advieram das tecnologias
modernas e do crescimento do setor de serviços, hoje maior do que o
industrial, com a transferência dos setores industriais de países
desenvolvidos para os emergentes; c) a descentralização das atividades da
empresa para empreendedores periféricos, por meio das subcontratações; d)
a informalização do trabalho da pessoa física, com o crescimento do trabalho
autônomo e o uso de formas parassubordinadas de contratação do trabalho;
e) a requalificação profissional do trabalhador, com a valorização do ensino
geral e profissional.24
Será que é possível enfrentar os reflexos da globalização nos contratos de trabalho,
considerando as propostas neo-liberais especialmente, a da não intervenção do Estado nas
relações de trabalho?
23
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho:
relações individuais e coletivas do trabalho. 24. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 42. 24
Ibidem. p. 45.
24
Quiçá fosse um começo, criar uma nova ordem econômica e social com o fim de
estabelecer novas metas a serem cumpridas pelas empresas, tanto no plano interno como no
plano externo para tentar amenizar as dificuldades que o aspecto social vem sofrendo, devido
aos efeitos que a globalização descontrolada causa. ―O fato de a economia girar em torno de
grandes grupos econômicos transnacionais compromete consideravelmente a capacidade do
Estado-nação de construir uma sociedade mais justa.‖25
A atual globalização está refletindo na exclusão e desigualdade, afetando todos os
países, como por exemplo, o aumento do desemprego e a insegurança no emprego, como
afirma Wilfredo Sanguineti Raymond:
Cualquiera que sea La perspectiva desde la que se la contemple, La
globalización aparece siempre ante el observador como un fenómeno
ambivalente o condictorio, portador a la vez de riesgos y oportunidades para
todos los sujeitos que en Ella se ven inmersos. Desde luego, el espacio donde
esta dualidad se aprecia com más curdeza es el económico, donde la
creciente interrelación de lãs finanzas, el comercio y los mercados, a la par
que abre nuevas oportunidade para el crecimiento y la properidad, está
dando lugar a nuevas formas de exclusión y desigualdad desconocidas en el
passado, lãs cuales afectan de manera particular a todas aquellas naciones,
sectores indivíduos que carecen de lãs aptitudes requeridas para integrarse de
manera efectiva en tales procesos. Las bolsas de exclusión social, desempleo
y precariedad laboral se multiplican, así, en todos los países, sean estós
desarrollados o no, mientras lãs economías se expanden y lãs empresas
multinacionales, sus colaboradores locales y los demás sujeitos con
capacidad para integrarse em el mercado global obtienen benefícios cada vez
mayores.26
A globalização desenfreada atua diretamente não só na extinção do emprego e sua
manutenção, mas também na própria alma do empregado, diante a sua exploração exacerbada,
como adverte Mozart Victor Russomano:
[...] a competitividade dos produtos nacionais no mercado internacional
globalizado exige a baixa de preços, que só se obtém com cortes de custos.
O corte de custos sociais é mais facilmente realizáveis que outros cortes que
ferem e reduzem interesses econômicos relevantes na condução da política
do Estado, que movem o mecanismo da produção de bens e serviços. A
redução dos direitos sociais é um talho que sangra a carne viva e a alma do
25
GOMES, Dinaura Godinho Pimentel. Direito do trabalho e dignidade da pessoa humana, no contexto da
globalização econômica: problemas e perspectivas. São Paulo: LTr, 2005. p. 118. 26
RAYMOND, Wilfredo Sanguineti . La tutela de los derechos fundamentales del trabajo em las cadenas de
producción de las empresas multinacionales. In: AVILÉS, Antônio Ojeda et al. Temas centrales del derecho del
trabajo del siglo XXI. Lima: ARA Editores, 2009. p. 203-235.
25
trabalhador. Mas, na concepção neoliberal, isso faz parte do jogo impiedoso
do mercado econômico. 27
Milton Santos enfatiza que a globalização é perversa, leia-se:
De fato, se desejamos escapar à crença de que esse mundo assim apresentado
é verdadeiro, e não queremos admitir a permanência de sua percepção
enganosa, devemos considerar a existência de pelo menos três mundos num
só. O primeiro seria o mundo tal como nos fazem vê-lo: a globalização como
fábula; o segundo seria o mundo tal como ele é: a globalização como
perversidade; e o terceiro, o mundo como ele pode ser: uma outra
globalização. 28
É nesse momento que a presença do Estado deve intervir na livre iniciativa,
ponderando-a com outros valores, como por exemplo, o da valorização do trabalho humano
para atenuar a colisão de normas constitucionais e não deixar que o trabalhador seja absorvido
pelo processo produtivo.
Nos dizeres de Amartya Sen:
La ética capitalista, con sus puntos fuertes y sus debilidades, es uma cultura
esencialmente mundial del siglo XX y no solamento una contrucción
internacional. Abordar las condiciones de la vida de trabajo, así como los
interesses y los derechos de los trabajadores em general, exige igualmente
transceder las limitaciones próprias de las relaciones internacionales, más
allás de las fronteras nacionales y de las relaciones mundiales.29
Nesse contexto, face às leis mercadológicas deve-se urgentemente proteger
mundialmente os direitos trabalhistas, a fim de romper as transposições das multinacionais e
empresas para outros países em busca de mão de obra barato para evitar à própria degradação
do ser humano, isto é, o empregado.
A primeira Constituição Brasileira a tratar da Ordem Econômica de forma
sistemática de princípios e normas foi a Constituição de 1934, a qual dispunha em seu artigo
115, que a ordem econômica deveria ser organizada conforme os princípios da Justiça e de
acordo com as necessidades da vida nacional, possibilitando a todos existência digna.
27
RUSSOMANO, Mozart Victor apud ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim; PERES, Antonio Galvão Peres. O
direito do trabalho na empresa e na sociedade contemporâneas. São Paulo: LTr, 2010. p. 54. 28
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 17. ed. Rio de
Janeiro: Record, 2008. p. 18. 29
SEN, Amartya. apud ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim; PERES, Antonio Galvão Peres. O direito do
trabalho na empresa e na sociedade contemporâneas. São Paulo: LTr, 2010. p. 70.
26
A Constituição Federal de 1988 em seu Título VII, Da Ordem Econômica e
Financeira, no Capítulo I, Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica, artigo 170, dispõe
que a ordem econômica será fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa,
assim, ambos serão princípios constitucionais, devendo ser analisadas como um todo e não
separadamente.
Deve-se lembrar que a Constituição Federal não pode ser vista como normas
isoladas e sim como um sistema, ordenado de valores com vistas a atingir determinados
objetivos, em sendo o principal deles a dignidade da pessoa humana.
A justiça social mencionada no artigo 170 da Constituição Federal deixa claro que
o constituinte ao inseri-la na ordem econômica, pretendeu alcançar a busca do bem comum.
Logo, pode-se afirmar que a Constituição Federal tem objetivos capitalistas e sociais.
No sentido estrito, a livre iniciativa de certa forma é a afirmação do capitalismo,
não há como desmembrá-los, pois para os empresários há a necessidade de se produzir em
alta escala e também aumentar seu capital. Mas, sob o enfoque no sentido amplo pode ser
vista como ―expressão de liberdade titulada não apenas pela empresa, mas também pelo
trabalho.‖30
Outro ponto a destacar, é que a livre iniciativa foi inserida na Constituição Federal
em seu artigo 1º, inc. IV, como sendo um dos seus Princípios Fundamentais e também no
artigo 170 como fundamento da ordem econômica. Porém, mesmo estando em artigos
diferentes, somatizam-se cumprindo o mesmo fim, como ressalta Amauri Mascaro do
Nascimento:
Princípios e direitos fundamentais são conceitos que se relacionam com
características diferentes, mas que acabam por cumprir o mesmo fim, mais
amplo nos princípios, uma vez que se destinam a presidir o ordenamento
jurídico como um todo, estabelecendo as principais diretrizes que o devem
regular, enquanto direitos fundamentais são relacionados para a pessoa e
sua esfera subjetiva de proteção da qual a ordem jurídica não pode se
afastar. É claro que pode um princípio ser invocado por alguém que o quer
ver aplicado no caso concreto, perspectiva sob a qual os princípios seriam a
fonte da qual o direito fundamental é a faculdade nela fundamentada.31
30
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros
Editores. p. 206. 31
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho:
relações individuais e coletivas do trabalho. 24. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 382.
27
O artigo 170 da Constituição Federal, afirma-se o artigo 1º, inc. IV, mas, sem
mencionar o ―valor social‖ da livre iniciativa. Por isso que o legislador constituinte inseriu no
artigo 170 o princípio da valorização do trabalho humano ladeada com a livre iniciativa,
justamente para a ponderação e efetivação do primeiro princípio dentro da ordem econômica.
Se assim não o fosse, a livre iniciativa poderia desprezar o aspecto social
almejado pela Constituição Federal de 1988, que visa a uma mistura de Estado Liberal com
Estado Social.
Para manter a segurança jurídica optou o Estado Democrático de Direito pela
conjuntura de ambos os princípios, priorizando o ―bem maior‖, qual seja, a dignidade da
pessoa humana sobre qualquer outro bem.
Sergio Pinto Martins afirma que:
Dessa forma, quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou
garantias fundamentais, o intérprete deve utiliza-se do princípio da
concordância prática ou da harmonização de forma a coordenar e combinar
os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação
aos outros, realizando uma redução proporcional de âmbito de alcance de
cada qual (contradição dos princípios), sempre em busca do verdadeiro
significado da norma e da harmonia do texto constitucional com sua
finalidade precípua). 32
O Estado deve intervir para que os empresários não almejem somente lucros e sim
transformem-se em verdadeiros empreendedores, que se preocupam com o bem estar das
pessoas que ali trabalhem, com as opiniões e reclamações dos consumidores, com a ética
profissional e com o meio ambiente, cumprindo com o que determina o artigo 1º, inc. IV da
Constituição Federal, o aspecto social.
Expõe Arnaldo Sussekind, que é preciso conciliar os princípios da livre iniciativa
com a valorização do trabalho humano para efetivar o princípio da justiça social, leia-se:
O Estado moderno, que deve regular a ordem econômica e social de maneira
que sejam respeitados os princípios de justiça social conciliando a liberdade
de iniciativa com a valorização do trabalho como condição da dignidade
humana inclui nos próprios textos constitucionais os preceitos mínimos de
proteção ao trabalho, sublinhado com essa atitude a preponderância dos
preceitos de ordem publica atinentes ao Direito do Trabalho.33
32
MARTINS, Sergio Pinto. Direitos fundamentais trabalhistas. São Paulo: Atlas, 2008. p.117. 33
SÜSSEKIND, Arnaldo. et al. Instituições de direito do trabalho. 20. ed. São Paulo: LTr, 2002. v.1. p.200.
28
A preocupação com o bem estar social coletivo supera qualquer outro princípio,
quando este diz respeito a direitos inferiores ao da dignidade da pessoa humana, pois o ser
humano está acima de bens materiais, de lucros.
José Afonso da Silva ressalta que:
A Constituição declara que a ordem econômica é fundada na valorização do
trabalho humano e na iniciativa privada. Que significa isso? Em primeiro
lugar, quer dizer precisamente que a Constituição consagra uma economia de
mercado, de natureza capitalista, pois a livre iniciativa, que, especialmente,
significa a garantia da iniciativa privada, é um princípio básico da ordem
capitalista. Em segundo lugar, significa que, embora capitalista, a ordem
econômica dá prioridade aos valores do trabalho humano sobre os demais
valores da economia de mercado. Conquanto se trate de declaração de
princípio, essa prioridade tem sentido de orientar a intervenção do Estado na
economia, a fim de fazer valer os valores sociais do trabalho, que, ao lado da
livre iniciativa, constitui um dos fundamentos não só da ordem econômica,
mas da própria República Federativa do Brasil (art. 1º, IV).34
A livre iniciativa sob o prisma Constitucional é aceita somente no caráter de
estabelecer as condutas de liberdade no exercício de qualquer atividade econômica, não
podendo ser mais entendida como qualquer liberdade.
Isso devido a outros valores que de certa forma devem ser respeitados como a
valorização do trabalho humano. Assim, essa liberdade de iniciativa é limitada para a
efetivação de um bem maior que o lucro, ou seja, a dignidade do ser humano.
Fica claro a idéia de que o artigo 170 da Constituição Federal ao tratar da
valorização do trabalho humano reforça a tese de direito fundamental.
Mas qual o sentido que o legislador alcançou ao inserir na ordem econômica a
valorização do trabalho, juntamente com a livre iniciativa, observando o princípio da busca do
pleno emprego?
Se o trabalho é a base para o aumento do fator de produção, bem como os
trabalhadores fazem parte da classe consumerista, mesmo aqueles que só compram o
necessário para a sua subsistência, logo o ciclo trabalho, consumo e bens de produção são
exercitados conjuntamente. Seria como se fossem um quebra cabeça, faltando uma peça não
há como formá-lo.
Defende Lima Gonçalves:
aos poucos cristaliza-se a idéia de que a otimização do lucro não pode
permanecer o objetivo único da atividade empresarial; salienta-se que a
34
SILVA, José Afonso. Comentários contextuais à Constituição. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 709.
29
empresa existe para o cumprimento de objetivos de natureza econômica e de
natureza social.35
Se a empresa é responsável pela cadeia produtiva que o ser humano necessita,
seus fins devem ser sociais, não há como separar o aspecto social do ser humano, pois está
intrinsecamente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana.
A atuação empresarial desenvolvida sozinha sem a interferência estatal para
limitar sua esfera, certamente o lucro seria o único fator preponderante para seu desempenho.
Se assim o fossem, não haveria a possibilidade de o Estado regular o mercado interno e
externo, em sendo que as empresas comandariam seu modo de produção, logo ter-se-ia um
mercado auto-regulavél.
E essa auto regulação influenciaria diretamente no Estado Social, pois se o Estado
não interfere no mercado, como poderá intervir nas condutas empresariais?
A interferência do Estado na economia traz um benéfico a toda coletividade. Se o
Estado intervém para equilibrar e regularizar todas as atividades empresariais, seja por meio
de fiscalização, incentivos ou planejamento, caberá aos empresários respeitar tais imposições,
sob pena de ser responsabilizados pelo afrontamento à determinação legal da Constituição
Federal.
Nesses termos, a segurança jurídica sobressairá tanto para os empresários que
terão as mesmas garantias, isto é, respeitando-se o princípio da igualdade, banalizando a
concorrência desleal, bem como para com a sociedade que não sofrerá com as conseqüências
maléficas de uma atividade empresarial auto-regulável.
Para ilustrar, como exemplo, se não houvesse a interferência estatal em toda a
ordem econômica como ficaria as empresas concorrentes, os trabalhadores e os consumidores
diante à fusão de várias marcas conhecidas de um determinado produto? Poderia causar uma
vasta insegurança jurídica.
Outro exemplo que atinge diretamente a coletividade versa sobre medicamentos,
não há como o Estado ficar inerte, ele deve intervir nos preços, nas indústrias farmacêuticas,
para dar acesso à sociedade desses medicamentos, pois se trata de resguardar um bem maior,
que é a ―vida.‖
Explica Luiz Marcelo Figueiras de Góis que:
35
GONÇALVES, 1984, p. 232 apud SANTOS, Fernanda Gomes dos Santos. Responsabilidade social e
demissões em massa: um olhar de relações públicas no relacionamento com o público interno. Disponível em:
<http://www.ethos.org.br/_Uniethos/Documents/RESPONSABILIDADE%20SOCIAL%20E%20DEMISS%C3
%95ES%20EM%20MASSA.pdf > Acesso em: 20 jan. 2010.
30
Assim procedendo, o empregador tem respeitada a valorização de sua livre -
iniciativa, pois só ele terá o direito de optar pela estratégia de negócios e
oportunidade de extinção de um determinado estabelecimento ou setor da
empresa. Mas essa livre- iniciativa agora se torna responsável, na medida em
que ela impõe à empresa assumir o compromisso com a preservação da
dignidade humana de seus empregados materializada por intermédio da
inclusão social dos mesmos por meio do emprego. (grifo do autor)36
Nesse contexto, deve-se garantir a livre iniciativa se a gestão empresarial for
voltada ao cunho social, enaltecendo os princípios da valorização do trabalho, da dignidade da
pessoa humana e da manutenção das relações laborais.
Dinaura Godinho Pimentel Gomes demonstra que a livre iniciativa deve sempre
vincular-se aos ditames da justiça social, leia-se:
Desse modo, mesmo reconhecida e assegurada como desdobramento de
liberdade, a livre iniciativa deve ser exercida com sensibilidade e com acesso
a alternativas de conduta e de resultado, sempre vinculada aos ditames da
justiça social. A empresa deve ser assim proceder, de acordo como vem
realçada pelo ordenamento jurídico brasileiro, como organização de pessoas
para um fim comum, de modo a relacionar a dignidade da pessoa humana à
liberdade de iniciativa, bem como às condições materiais de subsistência
compatíveis com a consequente valorização do trabalho humano.37
Tem-se a presença forte do princípio da livre iniciativa nas relações econômicas,
para tanto essa liberdade de iniciativa amparada constitucionalmente nunca pode ser
explorada de maneira absoluta, e sim relativa, diante um interesse maior que o Estado deve
resguardar a existência digna de todos, nem que para isso deva-se limitar a atuação da
atividade econômica para garantir outros princípios.
1.3 DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NA PROTEÇÃO DO TRABALHO
HUMANO
Para iniciar esse tópico, faz-se necessário um breve conceito de empresa como era
vista nos séculos passados e como hoje ela deve ser.
Antes, o papel desempenhado na gestão empresarial era meramente lucrativo. Não
importava como era seu modo de produção como seus empregados trabalhavam, quais os
danos causariam ao meio ambiente, se seu desempenho traria algum benéfico para a
36
GÓIS, Luiz Marcelo Figueiras de. A caminho de um direito trabalhista-constitucional. São Paulo: LTr, 2010.
p. 125. 37
GOMES, Dinaura Godinho Pimentel. Direito do trabalho e dignidade da pessoa humana, no contexto da
globalização econômica: problemas e perspectivas. São Paulo: LTr, 2005. p. 134.
31
sociedade, quais os impactos maléficos de um produto ou serviço mal executado trariam para
os consumidores, dentre outros.
Mas hoje, a empresa não pode ser mais vista nos moldes capitalistas, é mais do
que uma simples empreendedora que só a visa lucros. Espera-se extrair das empresas também
uma visão de cunho social, onde seu modelo de gestão tem de estar atrelado às relações éticas.
Pode-se dizer que a empresa toma forma de democracia, vez que assume o
compromisso de desempenhar suas funções, garantindo o desenvolvimento econômico e
social. Nesses moldes, afirma Luiz Carlos Amorim Robortella e Antônio Galvão Peres que o
progresso econômico e social da sociedade depende cada vez mais das empresas, veja-se:
O progresso econômico da sociedade, incluído no catálogo de direitos
humanos fundamentais de terceira geração, cada vez mais depende da livre
iniciativa e, portanto, da empresa e dos empreendedores. É realçada a função
social da empresa, com a valorização de suas atividades de interesse social,
tendo conteúdo econômico as iniciativas junto à comunidade, voltadas à
solidariedade humana, ao respeito à dignidade dos trabalhadores em geral,
dos empregados e dos consumidores.38
Como bem ressalta Scheilla Regina Brevidelli:
A empresa é hoje o grande protagonista do mundo do trabalho e isto
significa dizer que sobre ela se constroem relações de sobrevivência e da
própria formação e expansão da personalidade. O trabalho, depois da família
e da escola, é o locus do aprendizado de relações interpessoais e de
superação de desafios intelectuais e emocionais, cuja carga simbólica é
suporte da própria formação da personalidade. O salário não é apenas fonte
de subsistência: ele também é o veículo da realização de sonhos e de
aspirações pessoais.39
Nesse sentido, a empresa é o espelho de quem ali labora, pois ela será responsável
pela formação do caráter do empregado. Reflete a idéia que a relação de trabalho é ir além do
desempenho da função, é a própria identidade do empregado, caracterizando muito mais o
aspecto emocional do que o braçal.
1.3.1 Evolução da Função Social da Propriedade
38
ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim; PERES, Antonio Galvão Peres. O direito do trabalho na empresa e na
sociedade contemporâneas. São Paulo: LTr, 2010. p. 182. 39
BREVIDELLI, Scheilla Regina. A função social da empresa: olhares, sonhos e possibilidades. Disponível em
< http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1152> . Acesso em: 11 ago. 2009.
32
A propriedade privada foi o alvo que as pessoas buscavam para a sua própria
subsistência no aspecto material. Com o passar dos anos, ela deixa de ser o centro das
atenções, importando muito mais um bom salário e com as garantias asseguradas pelo Estado,
como a educação, saúde e lazer.
Pode-se dizer que a função social aparece por pronunciamentos da Igreja Católica.
Na doutrina cristã de São Tomás de Aquino, havia a previsão do uso da terra a todos,
preocupando-se com o bem estar comum.
Com base nessa concepção tomista surgiram as encíclicas papais:11 1.
Rerum Novarum – do Papa Leão XIII, de onde se extrai que ‗o proprietário
que tenha recebido bens em abundância não é possuidor absoluto, mas
simples administrador da Providência Divina, que lhe assegurou bens para
seu próprio proveito e também para o benefício de todos os demais‘; 2.
Quadragésimo Anno – do Papa Pio XI, que reconhecia a necessidade de se
harmonizar a intervenção de forma que esta faça valer a função social; 3. La
Solemita e Oggi – do Papa Pio XII -, que reconheciam a propriedade privada
como fundamental para que se pudesse obter uma justiça social e previam
que a expropriação deveria ser medida de sanção àqueles que não dessem à
propriedade um uso harmonioso com o interesse comum; 4. Mater et
Magistra – do Papa João XXIII - , que reconhecia que a propriedade privada
tem, naturalmente intrínseca, uma função social, de tal forma que quem
desfruta de tais direitos deve exercitá-los em benefício próprio e para
utilidade de todos os demais, havendo uma espécie de hipoteca social que
incidiria sobre toda propriedade; 5. Populorum Progressivo – do Papa Paulo
VI -, que se manifestou contra o fato de aqueles que possuam a mais
conservem para si os excessos, em detrimento dos que nada possuem. 12
(grifo do autor)40
Com a Revolução Francesa vigora-se a plenitude da propriedade, apresentando-a
de maneira exclusivamente individual.
Segundo Fábio Konder Comparato:
A função social da empresa – que suponho já estivesse embrionariamente
postulada na contribuição de Courcelle-Seneuil, na afirmação da função
social do comerciante, do proprietário e do capitalista – aparece
indiretamente no art. 42 da Constituição Italiana: ‗ É livre a iniciativa
econômica privada. Não pode, todavia, desenvolver-se em contraste com a
utilidade social ou de modo a causar dano à segurança, à liberdade, à
dignidade humana. A lei determina os programas e os meios de fiscalização
destinados à direção e coordenação da atividade econômica, pública e
privada, para fins sociais‘. Nele resulta consagrada, em sua integralidade – o
segundo inciso da disposição autorizando a imposição de limites negativos e
o terceiro a imposição de limites positivos à iniciativa econômica, portanto a
função social da empresa. O princípio está também consagrado no direito
40
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. (Coord.). Função social no direito civil. São Paulo: Atlas, 2007. p.
5- 6.
33
positivo brasileiro. O art. 154 e parágrafo único do art. 116 da Lei 6.404/76
referem, de modo expresso, respectivamente, a função social da empresa e a
função social da companhia. O princípio da função social da propriedade
ganha substancialidade precisamente quando aplicado à propriedade dos
bens de produção, ou seja, na disciplina jurídica da propriedade de tais bens,
implementada sob compromisso com a sua destinação. A propriedade sobre
a qual os efeitos do princípio são refletidos com maior grau de intensidade é
justamente a propriedade, em dinamismo, dos bens de produção. Na
verdade, ao nos referirmos à função social dos bens de produção em
dinamismo, estamos a aludir à função social da empresa. (grifo do autor)41
Com influência da Constituição Mexicana e da Constituição de Weimar, a
Constituição Brasileira de 1934 foi a pioneira a inserir o interesse social e coletivo no
exercício da propriedade, conforme artigo 113, nº17.
Felipe Alberto Verza ressalta que:
Apesar de decorrente do princípio da função social da propriedade, o
princípio da função social da empresa surgiu na legislação brasileira em
1976, portanto antes da Constituição de 1988, com a Lei 6.404 de 15 de
dezembro de 1976 (Lei das Sociedades Anônimas), estando expresso em
seus artigos 116 e 154, como vemos: Art. 154. O administrador deve exercer
as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no
interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função
social da empresa.
O princípio da função social da empresa é reforçado pela aplicação ao direito
da empresarial dos Princípios Orientadores do Código Civil de 2002, como
exposto no capítulo 3, uma vez que eles auxiliam na consecução da referida
função social, como por exemplo, ao receptar, através do princípio da
socialidade, a função social da empresa, ao balancear economicamente os
contratos através do princípio da eticidade, ou ao trazer a norma mais
próxima ao caso concreto, como no princípio da operabilidade.42
Percebe-se que a tendência que vem sendo seguida pela sociedade e exigida por
esta é a inclusão cada vez mais do aspecto social em todas as atividades que por ventura
beneficiarem-nas como, por exemplo, hoje existe a função social não só diante a propriedade,
e nas empresa, bem como nos tributos, contratos, no aspecto familiar e outros.
Se assim não fosse não haveria a constatação de ser a Constituição Federal de
1988, um grande alicerce e fundamento da função social a ser seguida pelas outras legislações
infraconstitucionais.
41
COMPARATO, Fábio Konder, apud GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 12.
ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores.2007. p. 237. 42
VERZA, Felipe Alberto. Função social da empresa. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6967&p=2>. Acesso em: 07 abr. 2010.
34
1.3.2 Da Ética Empresarial
Não há como separar a função social da empresa da ética empresarial. Primeiro,
porque no novo molde capitalista a empresa importa-se com o seu modo de produção, desde a
preocupação com o bem estar dos seus empregados, com o meio ambiente, fornecedores, bem
como também com toda a sociedade que interferem e que necessitam dessa produção de bens
e serviços. Segundo, pelo fato de todos esses aspectos de preocupação e de conduta positiva
caracterizarem a própria ética nas relações empresariais.
A imagem que se busca em uma empresa não é somente àquela demonstrada por
uma boa propaganda, trata-se da imagem real que é sentida pelos consumidores, empregados,
acionistas, fornecedores, entre outros.
A empresa deve existir para a satisfação das necessidades humanas que o Estado
não consegue suprir. O modo de agir empresarial é visto por toda a sociedade, por isso, a
empresa deve agir com ética empresarial para conquistar cada vez mais o mercado
consumidor.
Destoa da ética empresarial, aquela empresa que para manter-se no mercado
concorre deslealmente, isto é, mão de obra escrava, sonegação de impostos, fraudes contra
credores, produtos ou bens inadequados para o consumo, destruição do meio ambiente e
demais condutas imorais.
O que se busca é transparência na execução de seus produtos ou serviços. A ética
deve estar presente, tanto de forma direta, bem como indireta no processo produtivo. Pode-se
dizer que a essência da ética empresarial é a busca da harmonia da empresa com os valores
morais exigidos pela sociedade.
Adela Cortina conclui em seus pensamentos que a empresa é uma organização e
nesse contexto será responsável por tecer uma reconstrução de uma sociedade moldada na
ética, leia-se:
La empresa es uma organización, y sucede que, como ya hemos comentado,
las organizaciones constituyen El núcleo básico a partir Del cual se
organizan las sociedades en los países postcapitalistas. La clave de tales
sociedades no es ya tanto la família o El Estado-nacíon, como las
organizaciones. Una ética de las organizaciones es, pues, indispensable para
35
reconstruir El tejido de uma sociedad, para remoralizarla, en el sentido que
hemos ido exponiendo a lo largo del libro.43
A confiança é um processo que se conquista a longo prazo, é adquirida passo a
passo e derrubada às vezes em um único deslize empresarial, que na maioria das vezes é
caracterizada pela falta de ética.
Sharon Cristine Souza demonstra que:
As bases da ética empresarial são, portanto, a confiança e a cooperação,
recursos morais da sociedade civil que funcionam porque os indivíduos têm
a convicção do modo como todos devem se comportar e sabem o que cada
um espera dos demais. São os sustentáculos da confiança impulsionando a
utilização do diálogo e consenso para a solução dos problemas. Graças à
confiança os indivíduos podem ser reconhecidos como autônomos, capazes
de agir e se comprometer. Entender a empresa como integrante da sociedade
civil é uma maneira de poder encaixá-la como destinatária desses recursos
morais, mesmo se levando em consideração a distribuição assimétrica de
poder em sua estrutura.44
A criação de um código de ética de uma empresa pode ser um dos meios para se
trilhar a transparência desta, porém, esse código que dita princípios éticos a serem seguidos
não pode ficar somente no papel, tem de realmente ser efetivado.
Os tratamentos dados aos empregados são os reflexos da própria política de gestão
empresarial. Portanto, se estes são os espelhos, impossível seria um consumidor que é
altamente exigente comprar um produto que para seu desenvolvimento foi necessário, por
exemplo, o uso da mão de obra escrava, infantil, sem as mínimas condições para sua
produção.
Sem falar, na crise econômica que afetou o Brasil no ano de 2008, que tanto foi
usada como artifício empresarial para demitir em massa empregados, demonstrando-se uma
total imoralidade empresarial.
43
CORTINA, Adela. Ética de la empresa. Madri: Editorial Trotta. 2008. p. 82.
44
SOUZA, Sharon Cristine Ferreira. Controle jurídico de políticas públicas de incentivo para empresas
socialmente responsáveis. 2009. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Estadual de Londrina,
Londrina. p.100.
36
Importante frisar que várias empresas buscam orientações sobre como agirem com
responsabilidade social. Uma alternativa são as certificações através de organizações criadas
para atestarem os seus produtos com excelência em qualidade.
A título de exemplo, o ISO, International Organization for Standardization, uma
organização internacional para padronização que traça metas para as empresas cumprirem,
padronizando-as a nível internacional.
É emitido um certificado para a empresa que se adequar às exigências da norma.
Estas empresas que possuem esse certificado ganham um diferencial na credibilidade do
consumidor, consequentemente garante um espaço maior no mercado frente à globalização.
No ano de 2010, entrou em vigor o ISO 26.000, qual trata da responsabilidade
social. Desta forma, o aspecto social será visto no plano internacional, trazendo a gestão
social para o norte das relações empresariais.
Portanto, a busca pela construção de uma sociedade mais justa e moral demonstra
uma preocupação maior com as relações empresariais diante do novo papel que estas
desempenham, qual seja, a promoção do bem comum. Nesse sentido, as empresas devem-se
moldar de confiança para desempenhar não somente a característica de rentabilidade, mas
primordialmente garantir que seus fins assegurem as garantias sociais.
1.3.3 Função Social da Empresa e os Valores da Ordem Econômica
A função social da empresa é primordial para o desempenho das atividades
econômicas no âmbito das relações de trabalho, pois parte do princípio que a empresa
somente poderá ser plena desde que atue nos parâmetros voltados ao cunho social.
Para Carla Marshall, este princípio limita e impõem ‗‗ barreiras ao livre direito de
propriedade; devera ser reconhecido um fundo social em beneficio de toda a sociedade.‘‘ 45
Segundo Gilberto Bercovici:
A função é o poder de dar à propriedade determinado destino, de vinculá-la a
um objetivo. O qualitativo ―social ‖ indica que esse objetivo corresponde ao
45
MARSHALL, Carla. Direito constitucional: aspectos constitucionais do direito econômico. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2007. p. 147.
37
interesse coletivo, não ao interesse do proprietário. A função social
corresponde, para Fábio Konder Comparato, a um poder-dever do
proprietário, sancionável pela ordem jurídica. Desta maneira, há um
condicionamento do poder a uma finalidade. A função social da propriedade
impõe ao proprietário o dever de exercê-la, atuando como fonte de
comportamentos positivos. 46
A Constituição Federal de 1988 assegura em seus artigos 5º, caput e inciso XXII e
170, inciso II, o direito à propriedade privada, porém, essa propriedade privada sofre
restrições caso não atenda a sua função social.
Não restam dúvidas de que a intenção do constituinte ao inserir no artigo 5º, inciso
XXIII e 170, inciso III, o princípio da função social foi a de garantir em primeiro lugar os
interesses e necessidades da coletividade, sobrepondo o próprio direito à propriedade privada
– direito individual.
Com a positivação do princípio da função social da propriedade, o caráter social
pairou sobre a propriedade. Desta forma, a visão que se tem após a Constituição Federal de
1988 é que o capital, a propriedade em geral deve trabalhar para o bem comum de toda a
sociedade sob pena de perder sua essência, seu fim almejado constitucionalmente. Decorre da
idéia que a atividade empresarial deve estar condicionada à justiça social.
Outra observação, não se deve distinguir empresa de propriedade privada, pois a
propriedade mencionada nos artigos 5º, caput e inciso XXII e 170, inciso II, têm caráter geral,
estendendo-se a empresa.
Analisando o artigo 170 da Constituição Federal, pode-se extrair que o próprio
pleno exercício da atividade empresarial configura a função social da empresa. Desta maneira,
por exemplo, quando uma empresa paga seus impostos, bem como mantém e gera empregos
dignos, concorre de forma leal, inibindo a produção que venha causar danos irreparáveis ao
meio ambiente, estará cumprindo com a sua função social.
Pode se concluir que a função social da propriedade nas relações empresariais tem
como principal objetivo a construção de uma sociedade mais igualitária ou que seja menos
desequilibrada.
Nos dizeres de Ana Frazão de Azevedo Lopes:
Na parte em que vincula a atividade econômica ao objetivo de realização da
justiça social, a função social da empresa assume, na ordem econômica,
exatamente o papel de fundamento que confere unidade de sentido aos
46
BERCOVICI, Gilberto. Constituição econômica e desenvolvimento: uma leitura a partir da Constituição de
1988. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 147.
38
demais princípios. Segundo Fábio Konder COMPARATO (1991,p.19), é em
função desse objetivo último de realização da justiça social que devem ser
compreendidos e harmonizados os demais princípios expressos no art. 170.
(grifo do autor)47
Destaca-se que a função social da empresa é um princípio que preza pelo
direcionamento de gestão que atenda às finalidades sociais almejadas por toda a sociedade.
Então, não há em se falar em aniquilamento às liberdades e direitos empresariais, pois o
objetivo da função social é o direcionamento das condutas empresariais no tocante ao
compromisso e as responsabilidades sociais desenvolvidas por estes.
Se a função social confere sentido aos demais princípios, logo, o princípio da livre
iniciativa será resguardado, se a empresa, por exemplo, não objetivar somente o lucro, mas
sim propiciar a justiça social.
Os princípios mencionados no artigo 170 da Constituição Federal devem ter por
finalidade assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social,
nesse sentido deve-se interpretar que a função social da empresa estenderá a todos, isto é , a
coletividade, e não somente àquelas pessoas que dela se beneficiam, como, consumidores,
fornecedores, trabalhadores, dentre outros.
Ressalta Scheilla Regina Brevidelli:
Pensar na empresa como uma função social e conformá-la em seu
funcionamento na consideração para com o alter e o interesse coletivo e
social não é apenas pensar em sua reforma estrutural, mas pensar na
mudança de ponto de partida de várias relações jurídicas sobre as quais se
constroe a malha social. Todo o significado do mundo do trabalho, a
essência mesma da relação de trabalho e a proteção do trabalhador pode ter
uma nova dimensão e parâmetro dentro desse novo pensar da empresa. A
questão do trabalho e até mesmo da efetividade do processo do trabalho
perpassa sobre a maneira como se estruturam as empresas, como o direito as
conforma e como permite ou não ‗brechas‘ para que as obrigações
empresariais contraídas e os deveres contratuais não sejam cumpridos,
favorecendo a instabilidade social, a concentração de riquezas e aumentando
o fosso da injustiça social. Sob este aspecto a questão do trabalho transborda
muito além das mudanças da legislação trabalhista e da estrutura mesma em
que se assenta hoje a Justiça do Trabalho. Pensar hoje em justiça no mundo
do trabalho é pensar numa empresa conformada à função social e em meios
de adesão espontânea às normas e limites impostos pelo direito. (grifo do
autor)48
47
LOPES, Ana Frazão de Azevedo. Empresa e sociedade: função social e abuso de poder econômico. São
Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 280. 48
BREVIDELLI, Scheilla Regina. A função social da empresa: olhares, sonhos e possibilidades. Disponível em:
< http//:jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1152>. Acesso em: 11 ago. 2009.
39
É importante frisar que além da função social da propriedade, as novas gestões
empresariais têm iniciativas sociais particulares e sem qualquer imposição legal, tais como, a
preocupação com as condições de trabalho, com questões relacionadas à sociedade, com
clientes e fornecedores. Essa preocupação trata-se da responsabilidade social, isto é, busca-se
através desta uma melhor aparência de imagem no mercado consumidor, assim as empresas
atuam no auxílio aos problemas sociais.
Guilherme Calmon Nogueira da Gama esclarece a diferença entre a função social e
a responsabilidade social, leia-se:
Estabelecidas essas principiantes considerações, incumbe contrapor os dois
conceitos em estudo, citando-se como uma primeira diferença o fato de a
responsabilidade social concernir a gestos voluntários ou espontâneos do
empresário, sem qualquer espécie de imposição legal, enquanto que a função
social da empresa incide sobre a atividade empresarial de modo cogente, até
por força do prelecionado quanto ao art. 170 CF. Assim, em matéria de
cidadania empresarial, ainda cabe a cada empresário definir sua política de
atuação de acordo com sua vontade e suas possibilidades, coadunando-se
essa margem de discricionariedade com a própria variedade de
empreendimentos empresariais, compreendidos desde as microempresas até
aquelas de grande porte, obviamente com distintos potenciais em termos de
disponibilidade de recursos, além daqueles de capital eminentemente
nacional ou estrangeiro. 49
Observa-se que a responsabilidade social não pode ser concretizada, quando a
empresa não oferece a seus empregados os devidos cuidados que podem abalar tanto
fisicamente quanto psicologicamente. Deve a empresa ater-se para as normas e parâmetros
que são fixados legalmente.
Exemplificando, a gestão empresarial terá de promover a máxima segurança e
saúde no meio ambiente do trabalho, equilibrar as relações entre empregados e empregadores,
fornecer equipamentos e dar palestras a fim de evitar ao máximo acidente de trabalho, dentre
outras atividades que colaborem com o crescimento intelectual.
Portanto, fica claro a idéia que a empresa só estará cumprindo com a função social,
se respeitar os valores da ordem econômica como a valorização do trabalho humano, garantir
o respeito com os consumidores, banir condutas que degradem o meio ambiente, buscar pela
redução das desigualdades sociais e regionais, lutar pela busca pelo pleno emprego, respeitar a
livre concorrência, e demais valores exigidos na ordem econômica.
49
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. . Função social no direito civil. São Paulo: Atlas, 2007. p. 104 –
105.
40
É imprescindível que para a concretização do desenvolvimento econômico na
busca da efetividade dos objetivos elencados na Constituição Federal, a presença da função
social das atividades econômicas se faz mister para estabelecer uma ordem econômica menos
impactante para a sociedade, isto é, pretende através da função social alcançar a ordem
econômica descrita no plano constitucional.
1.4 DOS OBJETIVOS PERSEGUIDOS ATRAVÉS DA PROTEÇÃO AO TRABALHO
HUMANO
O artigo 3º da Constituição Federal preza como objetivo fundamental, a
construção de uma sociedade livre, justa e solidária, bem como a garantia do desenvolvimento
nacional equilibrado, a erradicação da pobreza e a marginalização e redução das
desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
É nesses moldes do artigo 3º da Constituição Federal, que a proteção do trabalho
humano se insere, pois será protegendo o trabalho humano que se garantirá a melhoria da
qualidade de vida das pessoas. Sem a referida proteção, não há o que se falar em
desenvolvimento econômico, social, cultural e também político.
Por essa razão, o objetivo maior da ordem jurídica trazida no bojo constitucional é
a justiça social, logo deverá ter o máximo de respaldo na preservação dos direitos e garantias
fundamentais dos trabalhadores.
Para Luiz Marcelo Figueiras de Góis, os direitos fundamentais não podem ser
restringidos em face aos direitos privados, leia-se:
Como se vê, a doutrina majoritária utiliza a preocupação da Constituição
Federal com a minimização de desigualdades e com a promoção da justiça
social para reforçar a tese da eficácia horizontal dos direitos fundamentais.
Qualquer limitação à invocabilidade desses direitos no trato privado poderia
dificultar a concretização do compromisso humanitário e progressista
41
assumido pela nossa República, fugindo, assim, da proposta constitucional
abraçada por nosso país. 50
É preciso que ordem econômica e social mantenham um razoável equilíbrio entre
o trabalho humano e as forças de produção, pois, para a efetividade do artigo 170 da
Constituição Federal faz-se necessária a manutenção desse equilíbrio, diante a intenção do
constituinte na elaboração desse dispositivo, a qual foi inserir no Título VII - Da Ordem
Econômica e Financeira, a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa ladeadas
conforme os ditames da justiça social.
Pelo bem estar social de todos, que o Estado deve por meio de planos nacionais e
regionais inserir medidas protetivas que assegurem o modo de ser do trabalho e que garanta a
sua plenitude contratual.
Como bem mencionam Thiago Degelo Vinha e Maria de Fátima Ribeiro:
Nessa esteira, a Ordem Social, prevista no Capítulo VIII da Constituição
Federal também funciona como um instrumento normativo para se alcançar
os princípios inseridos nos arts. 1º e 3º, na medida em que tem como base o
primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça social (art.
193). Observa-se que a positivação desses valores é influencia dos Estados
Socialistas, servindo como uma espécie de freio aos ideais liberais que
regem as relações comerciais. Basear a Ordem Social no Trabalho, nada
mais é do que possibilitar ao trabalhador, `a parcela mais frágil da
sociedade, o direito de viver com dignidade. Nessa vertente, a Ordem Social
objetiva fornecer a todos os indivíduos um completo bem-estar,
possibilitando-lhes o acesso à seguridade social, à saúde, à educação, à
cultura, ao desporto, à ciência, à tecnologia entre outras formas de
integração social.51
A proteção ao trabalho humano é um fator preponderante para o desenvolvimento
equilibrado de um país. Em um país onde a massa de demitidos é vasta, o
subdesenvolvimento prevalecerá sobre o desenvolvimento, porque o trabalho é uma das
50
GÓIS, Luiz Marcelo Figueiras de. A caminho de um direito trabalhista-constitucional. São Paulo: LTr, 2010.
p. 64. 51
VINHA, Thiago Degelo; RIBEIRO, Maria de Fátima. Efeitos socioeconômicos dos tributos e sua utilização
como instrumentos de políticas governamentais. PEIXOTO, Marcelo Magalhães; FERNANDES. Edilson Carlos.
(Coords.). Tributação, justiça e liberdade. Curitiba: Juruá, 2005. p. 657-683.
42
formas de prover a subsistência humana, e assim pode-se dizer que de forma direta o trabalho
tem como objetivo a preservação da organização social e econômica de uma nação.
Yves Lacoste classifica a amplitude de desemprego como um dos fatores que
ditam um país subdesenvolvido veja-se:
O signo subdesenvolvimento, como leciona Yves Lacoste, difundiu-se
amplamente logo após a Segunda Guerra Mundial, falando-se que os países
em tal situação não proporcionam à sociedade o ‗necessário‘ para a sua
sobrevivência. Para tanto, suscita o autor francês alguns critérios para
aferir-se se um Estado é subdesenvolvido ou não, dentre os quais:
insuficiência alimentar, forte proporção de analfabetos, doenças de massas,
recursos negligenciados, fraqueza das classes médias, industrialização
incompleta, amplitude do desemprego, subordinação econômica e
desigualdades sociais violentas.52
Esses critérios que caracterizam um país subdesenvolvido podem ser encontrados
facilmente em um país como o Brasil, onde a distribuição da renda é totalmente irregular, os
índices de analfabetismos ainda são grandes, a fome que tanto amedronta a população, o
índice de desemprego, dentre outros aspectos.
Focando o aspecto do desemprego nacional, dados comprovam que ―a taxa de
desemprego, avaliada pelo IBGE chegou a 7,2% no primeiro mês de 2010, mostrando um
aumento de 0,4% em relação à dezembro de 2009.‖ 53
Expõem Amauri Mascaro do Nascimento:
É elevado o número de pessoas no mundo desempregadas ou
subempregadas. As estimativas são de crescimento contingente, e o direito
do trabalho ainda não encontrou meios eficazes de enfrentar o problema que
caracteriza o período contemporâneo com a nova questão social, resultante
do crescimento do exercício de excedentes atingidos pela redução da
necessidade de trabalho humano, substituído pela maior e mais barata
52
LACOSTE, Yves apud ELALI, André; Incentivos fiscais, neutralidade da tributação e desenvolvimento
econômico: a questão da redução das desigualdades regionais e sociais. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva;
ELALI, André; PEIXOTO, Marcelo Magalhães (coords.). Incentivos fiscais: questões pontuais nas esferas
federal, estadual e municipal.[S.l]: MP Editora, 2007. p. 45. 53
TAXA de desemprego no Brasil – janeiro 2010. Disponível em: < http://sobreisso.com/2010/02/26/taxa-de-
desemprego-no-brasil-janeiro-2010/> . Acesso em: 06 abr. 2010.
43
produtividade da tecnologia, fenômeno desintegrador que não poupou nem
mesmo os países de economia mais consistente. (grifo do autor)54
Não há desenvolvimento se não houver uma preocupação com a inclusão por meio
da geração de emprego de qualidade, bem como também uma melhor remuneração.
Nessa esteira, o desenvolvimento abrange muito mais do que a caracterização de
emprego. Estar-se-ia sim frente ao crescimento e não ao desenvolvimento, porque para haver
desenvolvimento é necessário que o emprego seja de boa qualidade, que haja uma melhor
remuneração, que dê condições de ambiente sadio para com o empregado, sem exploração da
mão de obra, sem a degradação do próprio ser humano tanto no aspecto físico, quanto no
aspecto psíquico.
É possível notar que a Constituição Federal de 1988 inseriu normas que se
preocupam com os direitos sociais como, por exemplo, ao estabelecer que o salário mínimo
seja capaz de atender às necessidades vitais básicas do trabalhador e às de sua família como:
moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência
social.
Assim, não restam dúvidas de que o Estado de bem-estar social está inserido na
Constituição Federal de 1988, agora resta saber se o Estado vem cumprindo com essas
garantias.
Como dizer, que os direitos dos empregados com relação à demissão em massa são
protegidos, ou que serão resgatados pelos princípios constitucionais, uma vez que não há uma
aplicação efetiva dos princípios constitucionais que protejam efetivamente a demissão
coletividade?
Se os direitos sociais são normas de ordem pública, imperativas e invioláveis,
logo o Estado deve dar a devida providência. Como bem menciona Luciana Francisco Pereira:
Direitos sociais são normas de ordem pública, imperativas e invioláveis.
Assim, sugere-se o seguinte conceito de direitos sociais: direitos subjetivos
que têm os indivíduos de reclamarem ao Estado a realização de providências
efetivas que lhes criem o ambiente adequado ao desenvolvimento de sua
condição humana.
54
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho:
relações individuais e coletivas do trabalho. 24. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 41- 42.
44
Afinal os direitos sociais não excluem os direitos individuais, antes servem
de meio para sua integral realização, logo, todos os que integram as camadas
da sociedade são sujeitos de direito, titulares de todos os direitos subjetivos
que o Estado Democrático de Direito assegura.55
Portanto, a Constituição Federal só será eficaz, quando efetivar os direitos sociais,
nem que para isso seja preciso repaginar valores. Os princípios são a base de todo
ordenamento jurídico, assim, não podem ser ignorados e nem serem vistos como meras
observações teóricas, mas sim como uma aplicação imediata ao caso concreto.
2 DAS PROTEÇÕES CONSTITUCIONAIS CONTRA A DEMISSÃO
DESMOTIVADA
Nesse capítulo serão abordados a importância do princípio da continuidade do
contrato de trabalho, bem como a aplicação do artigo 7º, inciso I da Constituição Federal no
tocante à demissão em massa imotivada. Muito embora referido dispositivo não trate
literalmente desta forma de extinção contratual.
Também será apresentada a manutenção da relação de trabalho, enquanto direito
fundamental e a sua relação com o princípio da dignidade da pessoa humana.
2.1 DO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO
O primeiro ponto a discutir a respeito do princípio da continuidade do contrato de
trabalho é sobre a sua própria conceituação, pois é impossível não aplicá-lo em todos os tipos
de atividades que envolvam o trabalho propriamente dito, independente ser este autônomo,
eventual, contínuo, e demais formas. Isto porque, uma vez caracterizado o trabalho humano,
deverá ser assegurado à sua continuidade para garantir o cumprimento das normas
constitucionais.
55
PEREIRA, Luciana Francisco. A dignidade do trabalho e os direitos sociais constitucionais trabalhistas frente
à mão-de-obra escrava. Disponível em: < http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?
n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5069> . Acesso em: 06 abr. 2010.
45
O princípio da continuidade do contrato do trabalho, ou, como conceituam, o
princípio da continuidade da relação de emprego é um dentre outros princípios mais
importantes do Direito do Trabalho, tendo em vista assegurar ao empregado a manutenção do
pacto laboral.
Desde as décadas 30 e 40 no Brasil, o princípio da continuidade do contrato de
trabalho vem sendo aplicado ao sistema jurídico. A partir da Constituição Federal de 1988, a
sua amplitude nas relações de emprego ganha mais força, diante do papel a ser desempenhado
pelas empresas nos moldes da função social.
Segundo o doutrinador Maurício Godinho Delgado:
O princípio da continuidade da relação de emprego, no Direito do brasileiro,
teve larga aplicabilidade no modelo jurídico trabalhista estruturado nas
décadas de 1930 e 40 do século XX. O sistema celetista tradicional era um
verdadeiro elogio ao mencionado princípio. De um lado, previa significativo
e crescente contingenciamento econômico-financeiro às dispensas sem justas
causa em contratos superiores a um ano, por meio de uma indenização
rescisória, que se calculava segundo o período contratual do empregado
(caput dos arts. 477 e 478, CLT), hoje revogados tacitamente); de outro lado,
a partir do décimo ano de contrato (período encurtado para nove anos pela
prática jurisprudencial trabalhista da época: antigo Enunciado n. 26, TST), a
dispensa injusta tornava-se juridicamente inviável, em face da estabilidade
no emprego assegurada pela regra heterônoma trabalhista (arts. 492/500,
CLT).
A excessiva rigidez do sistema estabilitário celetista, associada à política
econômica liberal implementada pelo governo autoritário instaurado em
1964 (liberalismo econômico viabilizado por autoritarismo político), tudo
conduziu à fixação de uma fórmula jurídica alternativa à CLT – o sistema do
Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. Criado pela Lei n. 5.107, de 1966,
para produzir efeitos a contar de 1º de janeiro de 1967, o FGTS liberalizou o
mercado de trabalho no país. Não apenas retirou limites jurídicos às
dispensas injustas no Direito brasileiro (no sistema do Fundo não seria
possível, juridicamente, o alcance da velha estabilidade celetista), como
também reduziu, de modo significativo, o obstáculo econômico-financeiro
para as rupturas de contratos inferiores a dez anos, substituindo-o pelo
mecanismo dos depósitos de FGTS, acrescidos de um percentual rescisório,
em casos de dispensa injusta. (grifo do autor) 56
Percebe-se que o sistema de Fundo de Garantia não foi a de garantir a criação de
empregos, pelo contrário, com a criação deste houve a liberalidade aos empresários para
demitirem, quando desejarem.
Amauri Mascaro do Nascimento conclui de acordo com os pensamentos de
Américo Plá Rodriguez, que a continuidade faz parte dos valores do direito do trabalho:
56
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 1100 – 1101.
46
Sustenta que a segurança é uma natural aspiração do homem que trabalha. O
princípio da continuidade, para o jurista uruguaio, ‗expressa a tendência
atual do direito do trabalho de atribuir a maior duração à relação laboral sob
todos os pontos de vista e em todos os aspectos‘. É ‗estabelecido em favor
do trabalhador‘, de modo que não tem nenhuma implicação quanto aos
chamados contratos por toda a vida, vedados pelo direito do trabalho. Assim,
o princípio da continuidade, significando que a relação entre empregado e
empregador deve ter como regra a maior duração possível, não elimina o
direito do empregado de pedir demissão. Outorga-lhe, isto sim, certos
direitos de permanência no emprego, como concretização da idéia de
segurança. Esta idéia não se pode limitar a prover para o futuro, por meio de
medidas previdenciárias tendentes a dispensar amparo ao homem por
ocasião da sua inatividade, mas também deve dispor para o presente
garantido o contrato de trabalho para o empregado. (grifo do autor)57
No mesmo sentido, entende Maurício Godinho Delgado ao dizer que:
I) Princípio da Continuidade da Relação de Emprego – Informa tal
princípio que é de interesse do Direito do Trabalho a permanência do
vínculo empregatício, com a integração do trabalhador na estrutura e
dinâmica empresariais. Apenas mediante tal permanência e integração que é
a ordem justrabalhista poderia cumprir satisfatoriamente o objetivo
teleológico do Direito do Trabalho, de assegurar melhores condições, sob a
ótica obreira, de pactuação e gerenciamento da força de trabalho em
determinada sociedade. (grifo do autor)58
É fato notório a existência efetiva desse princípio da continuidade nas relações de
emprego. O problema é que até o presente momento não há nenhuma lei que assegure a
efetividade na continuidade dos contratos de trabalho.
Veja-se, que o artigo 7º, em seu inciso I, da Constituição Federal até menciona que
a relação de emprego será protegida contra despedidas arbitrárias ou sem justa causa, porém,
carece de legislação complementar a respeito.
Para Maurício Godinho Delgado, com o aviso prévio proporcional ao tempo de
serviço, aumentou-se a demissão imotivada:
A Constituição de 1988 inclinou-se a reinserir o princípio da continuidade da
relação empregatícia em patamar de relevância jurídica, harmonizando, em
parte, a ordem justrabalhista à diretriz desse princípio. Assim, afastou a
anterior incompatibilidade do instituto do FGTS com qualquer eventual
sistema de garantias jurídicas de permanência do trabalhador no emprego –
afastamento implementado ao estender o Fundo a todo e qualquer
57
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho:
relações individuais e coletivas do trabalho. 24. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 592. 58
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 209.
47
empregado (art. 7º , III, CF/88: exceto o doméstico). Ao lado disso, fixou a
regra da ‗relação de emprego protegida contra despedida arbitrária e sem
justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização
compensatória, dentre outros direitos‘ (art, 7º, I, CF/88). Lançou,
adicionalmente, a idéia de ‗aviso prévio proporcional ao tempo de serviço‘,
‗nos termos da lei‘ (art. 7º, XXI, CF/88), indicando o reforço da noção de
contingenciamento crescente à prática de ruptura desmotivada do contrato
empregatício. (grifo do autor)59
A própria Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 assegura a
relação do contrato de trabalho, ao dizer em seu art. XXIII, 1, que todo homem terá direito ao
trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção
contra o desemprego. Mesmo com a ratificação desta, percebe-se que as práticas das
demissões imotivadas vigoram normalmente no país, afetando diretamente o princípio da
continuidade das relações de emprego, da dignidade da pessoa humana, enquanto empregado
e membro de uma sociedade bem como o princípio da proteção.
De acordo com a Súmula 212 TST, o princípio da continuidade do contrato de
trabalho constitui uma presunção favorável ao empregado. No mesmo sentido, o artigo 8º da
CLT, ao mencionar que na ausência de legislação e cláusula contratual pertinente ao caso
concreto, as autoridades administrativas e a justiça do trabalho deverão decidir, baseando-se
nos princípios.
Deve-se ressaltar que o princípio da continuidade do contrato de trabalho reflete
também nas próprias garantias trabalhistas, que ao longo dos anos os empregados conquistam
como: promoção e vantagens, o seu próprio profissionalismo e experiência com aquela
atividade desempenhada e até mesmo em face à sociedade pela própria caracterização como
de estar efetivamente empregado.
Este princípio também tem sua concretude no artigo 443 da Consolidação das Leis
do Trabalho, o qual determina que o contrato de trabalho poderá ser acordado por prazo
determinado ou por prazo indeterminado. No parágrafo 2º deste, enumeram-se três hipóteses
de contrato por prazo determinado, quais sejam:
Art. 443. O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou
expressamente, verbalmente ou por escrito e por prazo determinado ou
indeterminado.
[...]
§ 2º. O contrato por prazo determinado só será válido em se tratando:
59
Ibidem. p. 210.
48
a) de serviço cuja natureza ou transitoriedade justifique a predeterminação
do prazo;
b) de atividades empresariais de caráter transitório;
c) de contrato de experiência.
Nessa esteira, nota-se que a intenção do legislador foi a de determinar como regra
geral contratos de trabalho por prazo indeterminado e excepcionalmente serão tidos os
contratos por prazo determinados.
Isto porque, o trabalho é a forma de se garantir a segurança econômica ao
empregado por caracterizar uma das fontes que mais mantêm a subsistência do ser humano,
não podendo, em regra ser algo que não tenha uma continuidade.
É claro que o empregador não será obrigado a manter a relação empregatícia até o
empregado, por exemplo, falecer ou pedir demissão, pois em se tratando de um contrato, pode
ser extinto a qualquer tempo pelas partes. Nos dizeres de Amauri Mascaro do Nascimento, o
contrato pode ser extinto, se as partes assim decidirem, veja-se:
Na extinção do vínculo preponderam também os aspectos volitivos. O
empregado pode sempre rescindir o contrato pedindo demissão de acordo
com os seus interesses. O empregador pode despedi-lo, salvo diante de
proibições legais (estabilidade).
Portanto, o vínculo de emprego é uma relação jurídica (aspecto
socionormativo) de natureza contratual, pela forma de sua constituição, pelo
modo do seu desenvolvimento, neste reduzindo-se muito a liberdade das
partes, e pelas características da sua desconstituição.
O contrato é a fonte que instaura o vínculo, mas que pode também
determinar alguns dos seus efeitos. A relação de emprego é uma relação
social que se transforma em jurídica porque disciplinada pelo direito.A
vontade, manifestada de modo escrito, verbal ou meramente tácito, está
sempre na base de toda relação jurídica entre empregado e empregador.60
Mas, quando prevalece a função social da empresa, bem como a dignidade do ser
humano que ali labora, de acordo com os artigos 1º e 170 da Constituição Federal, deve-se
ater para a continuidade do contrato de trabalho, em sendo a demissão a última medida a ser
tomada pelo empregador.
Principalmente se for empresas que tenham incentivos fiscais, dentre outros
benefícios estatais em suas atividades econômicas. Seria incompatível admitir demissão de
empregados com empresas incentivadas pelo Estado, pois esses auxílios são justamente para
que as empresas atuem com uma gestão direcionada à sua função social, e assim, protegendo
a continuidade dos contratos de trabalho.
49
Nos casos de demissão em massa, conclui-se que não só o desempregado será
afetado, mas o aspecto negativo causado pela demissão refletirá diretamente na sociedade,
bem como na família que necessita dos proventos em função do emprego.
Deve-se entender que o princípio da continuidade da relação de emprego,
transcende a própria vontade do indivíduo, como discorre Maurício Godinho Delgado:
A leitura que o princípio da continuidade da relação de emprego faz da
ordem jurídica é que a extinção contratual transcende o mero interesse
individual das partes, em vista de seus impactos comunitários mais amplos.
Nessa direção, o Direito do Trabalho, por seus institutos e normas, tende a
privilegiar a permanência da relação empregatícia, contingenciando as
modalidades de ruptura do contrato de trabalho que não se fundem em causa
jurídica tida como relevante.61
Feita tais ressalvas, considera-se que a demissão em massa abala toda a estrutura
do sistema estatal, diante o aumento da seguridade social e da previdência social arcada pela
ocorrência das demissões, atingindo a própria estrutura do fundamento da ordem econômica,
ocasionando aspectos negativos, pois é impossível falar em um Estado que preza pela
democracia, pela dignidade do ser humano, por uma sociedade menos desigual, conforme
artigos 1º, 3º e 170, da Constituição Federal, aceitar o ato de demitir em massa.
Sob essa análise pode-se extrair que o constituinte originário ao dispor que o
primado do trabalho é a base da ordem social idealizou-se como objetivo o bem estar das
pessoas e a justiça social, caracterizando uma sociedade mais justa, fraterna e solidária. Nesse
contexto, a demissão em massa encontra limites face ao princípio da continuidade do contrato
de trabalho.
Por fim, outro ponto a destacar é a própria Convenção nº 158 da OIT, a qual será
explanada com maior ênfase nos itens a seguir, mas que por ora deve ser ressaltada como um
dos meios que assegura a concretização do princípio da continuidade do contrato de trabalho
por proibir a dispensa imotivada, dando concretude ao princípio da continuidade do contrato
de trabalho.
2.2 DA INTERPRETAÇÃO SISTÊMICA AO ARTIGO 7º, I DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL
60
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho:
relações individuais e coletivas do trabalho. 24. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 583. 61
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 1.100.
50
Antes da Constituição Federal de 1988, a realidade das normas constitucionais
eram outras, quase não apareciam no ordenamento constitucional os direitos fundamentais.
Cármen Lúcia Antunes Rocha relata que:
A Constituição de 1988 inaugura nova fase do constitucionalismo brasileiro
e não apenas nova como "mais uma", mas principalmente uma fase que não
encontra paralelo no quanto anteriormente experimentado social e
politicamente.
Como acentuado por Ulysses Guimarães, diferentemente das sete
Constituições anteriores, começa com o homem. Graficamente testemunha a
primazia do homem, que foi escrita para o homem, que o homem é seu fim e
sua esperança. É a Constituição Cidadã. ... O homem é o problema da
sociedade brasileira: sem salário, analfabeto, sem casa, portanto sem
cidadania. (grifo do autor)62
Efetivamente, a Constituição Federal vigente enalteceu de direitos e princípios
fundamentais. Porém, faz necessária uma interpretação sistemática, adequando-se às
realidades atuais, diante o lapso temporal de vinte anos de vigência da mesma constituição.
Nessa linha, como deverá ser entendido e aplicado os direitos fundamentais
elencados constitucionalmente, principalmente, quando estão ladeados a uma globalização
desenfreada? Quem deverá adaptar-se às normas aos anseios por uma sociedade?
Uma das possíveis respostas restará ao Poder Judiciário, que em suas decisões
poderá ser mais flexível, conduzindo-as para que os direitos fundamentais não sejam abolidos.
Desta feita, por exemplo, é possível o Poder Judiciário decidir que os interesses econômicos
não prevaleçam sobre os direitos dos trabalhadores.
Vale citar o artigo 7º, inciso I da Constituição Federal, o qual menciona:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que
visem à melhoria de sua condição social:
I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa
causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização
compensatória, dentre outros direitos;
De acordo com esse dispositivo é direito do trabalhador manter uma relação
empregatícia assegurada contra despedida arbitrária ou sem justa causa, equiparando-se à
demissão imotivada.
62
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. O constitucionalismo contemporâneo e a instrumentalização para a eficácia
dos direitos fundamentais. Disponível em: < http://www.cjf.jus.br/revista/numero3/artigo10.htm > . Acesso em
19 set. 2010.
51
Para esclarecer, despedida arbitrária é aquela que não se funda em motivo
disciplinar, técnico, econômico ou financeiro, conforme artigo 165 da CLT. Entende por
despedida sem justa causa, a demissão efetuada pelo empregador sem motivo dado pelo
empregado.
Nos dizeres de Jorge Luiz Souto Maior:
O inciso I, do art. 7º, em questão, faz menção, é verdade, à indenização
como forma de concretizar a garantia constitucional e o artigo 10, inciso I,
do ADCT, estipulou a indenização de 40% sobre o saldo do FGTS, para
valer enquanto não votada a Lei Complementar, mencionada no inciso I, do
art. 7º. No entanto, há de se reconhecer que a Constituição ao proibir a
dispensa arbitrária acabou por criar uma espécie qualificada de dispensa.
Desse modo, a dispensa que não for fundada em justa causa, nos termos do
art. 482, da CLT, terá que, necessariamente, ser embasada em algum motivo,
sob pena de ser considerada arbitrária. A indenização prevista no inciso I, do
art. 10, do ADCT, diz respeito, portanto, à dispensa sem justa causa, que não
se considere arbitrária, visto que esta última está proibida, dando margem
não à indenização em questão, mas à restituição das coisas ao estado
anterior, quer dizer, à reintegração do trabalhador ao emprego, ou, não sendo
isto possível ou recomendável, a uma indenização compensatória.63
A questão a ser discutida é que o artigo 7º, inciso I, da Constituição Federal até o
presente momento inexiste qualquer legislação complementar a respeito do assunto, e com
isso, demissões coletivas ocorrem corriqueiramente sem qualquer intervenção estatal a fim de
banir tal conduta. O desinteresse do Estado em realizar políticas públicas voltadas para a
segurança da relação empregatícia desestrutura todo o ordenamento jurídico na aplicação
desse dispositivo.
Como bem ressalta Eros Grau,
O texto constitucional – é certo -, entre outras tantas, exibe a virtude de
impor ao Poder Judiciário o dever de dar aplicação aos direitos e garantias
fundamentais. Resolve-se, ai, a questão da efetividade jurídica (formal), mas
não, porém, a da efetividade material. O problema da efetividade material
das decisões judiciais que imponham ao Estado a realização de políticas
públicas – não o alcance imediato dos fins, é óbvio, mas ação, e não omissão
- é também atormentador, ainda que o seu descumprimento, qual o atentado
contra o exercício dos direitos sociais, constitua crime de responsabilidade
do Presidente da República (art. 85, III e IV). (grifo do autor)64
63
MAIOR, Jorge Luiz Souto. Convenção 158 - dispositivo que veda a dispensa arbitrária é auto-aplicável.
Disponível em : <http://jusvi.com/artigos/1901>. Acesso: 01 set. 2010. 64
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 13. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros
Editores. p. 327-328.
52
Analisando a Constituição Federal de uma forma sistemática, não seria necessária
uma Legislação Complementar para regulamentar a despedida arbitrária ou sem justa causa.
Primeiro, porque o artigo 1º da Constituição Federal, em seus incisos III e IV, os
quais se referem à dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho,
respectivamente, dão suporte para que o trabalho mencionado no ―caput‖ do artigo 7º seja
considerado como um direito fundamental.
Segundo, pelo fato de considerar o trabalho como base da ordem social, conforme
artigo 193 da Constituição Federal, logo, deve-se interpretar como um direito fundamental,
pois, o trabalho além de dignificar o ser humano, também é o responsável pela própria
sobrevivência humana, por ser um dos principais meios de capitação de reservas para
mantença pessoal e familiar.
No próprio capítulo dos princípios gerais da atividade econômica, a valorização do
trabalho humano insere-se como um dos fundamentos da ordem econômica, em sendo
impossível retirar o seu aspecto como direito fundamental no tocante à existência digna de
todos.
Contudo, esse argumento de que o trabalho é um direito fundamental e
consequentemente deverá ter aplicação imediata, ainda causa várias distorções no meio
jurídico, pois para alguns doutrinadores não se trata de norma fundamental.
Na opinião de Flávia Moreira Guimarães Pessoa, o trabalhador a ser resguardado
contra demissão imotivada, não pode ser aplicado a todas as categorias de trabalhadores por
desconsiderar as condições peculiares de cada um, leia-se:
Questiona-se se o disposto no art. 7º, inciso I, constitui direito fundamental
do trabalhador, independentemente de sua qualificação como empregado.
Nesse aspecto, convém observar que a adoção de mecanismos que busquem
evitar a despedida abusiva ou sem justa causa vem ao encontro dos
princípios básicos de proteção da dignidade do trabalhador. Afinal, sua força
de trabalho é a sua forma de sobrevivência. Contudo, deve-se ter em mente
que, a partir do momento em que se repute o direito como universal para
todas as categorias de trabalhadores, estar-se-ia a desconsiderar as condições
peculiares de cada tipo, em especial em relação às relações de trabalho
autônomo. Por tais motivos, pode-se concluir que o inciso não expressa um
direito fundamental do trabalhador lato sensu. (grifo do autor)65
Por sua vez, Maurício Godinho Delgado entende que a tendência do legislador foi
a de repelir a dispensa arbitrária, veja-se:
65
PESSOA, Flávia Moreira Guimarães. Curso de direito constitucional do trabalho: uma abordagem à luz dos
direitos fundamentais. Salvador: Editora Juspodivm, 2009. p. 83-84.
53
É bem verdade que a doutrina e jurisprudência dominantes após 5.10.1988
tenderam a compreender que os dois preceitos acima (isto é, as regras dos
incisos I e XXI do art. 7º constitucional) não teriam o condão de produzir
efeitos imediatos, na qualidade de normas programáticas que seriam.
Contudo, mesmo nessa leitura do texto de 1988 não compromete o
reconhecimento de que a nova Constituição efetivamente buscou recolocar o
princípio da continuidade da relação empregatícia em patamar de relevância
jurídica, harmonizando, em parte, a ordem justrabalhista à diretriz desse
princípio. Mas importante: o Texto Máximo repele a dispensa arbitrária
(art. 7º, I), que seria aquela efetivada sem o suporte em uma fundamentação
minimamente relevante.
Mesmo a leitura que defende a absoluta esterilidade da garantia de emprego
mencionada no inciso I do art. 7º constitucional é, tecnicamente, passível de
questionamento. Afinal, a teoria tradicional sobre eficácia/ineficácia
jurídicas de regras constitucionais já é, hoje, ineludivelmente anacrônica, por
supor que o pacto juspolítico básico de uma nação (a Carta Constitucional)
possa quedar-se inerte de modo abrangente novas constituições, tende a
apreender, necessariamente, certa eficácia às normas constitucionais – ainda
que diferenciada, em intensidade, a eficácia contida, produzindo, pelo
menos, certo efeito jurídico básico, que seria o de invalidar dispensas
baseadas no simples exercício potestativo da vontade empresarial, sem um
mínimo de justificativa socioeconômica ou técnica ou até mesmo pessoal em
face ao trabalhador envolvido. (grifo do autor).66
O artigo 7º, inciso I, se for interpretado sistematicamente com o artigo 1º, incisos
III e IV, deve-se aplicar o que preceitua o artigo 5º, inciso LXXVIII, § 1º, ambos da
Constituição Federal, o qual dispõe que as normas definidoras dos direitos e garantias
fundamentais terão aplicação imediata. Estar-se-á frente a uma norma de eficácia plena, não
necessitando de qualquer legislação para regulamentá-la.
Outros dispositivos infraconstitucionais asseguram a não demissão desmotivada ou
sem justa causa como por exemplo, os artigos 421 e 422 do Código Civil, por resguardarem
os princípios da função social do contrato e o da boa-fé. Nessa linha, não restam dúvidas
quanto à aplicação imediata do artigo 7º, inciso I da Constituição Federal, uma vez que o
princípio da individualidade e o direito absoluto, não são mais plenos, conforme a
Constituição Federal e o Código Civil atual, não podendo sobressaírem aos interesses da
sociedade.
Portanto, os dois dispositivos acima mencionados aplicam-se às relações
trabalhistas com o fito de proteger a parte mais fraca quanto ao desequilíbrio contratual que
66
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 1117- 1118.
54
possa surgir, bem como a aplicação da boa-fé para repelir qualquer tipo de contratação
abusiva.
Para amenizar os impactos sofridos pelo empregado diante da demora da
promulgação dessa Lei Complementar, o legislador constituinte nos Atos das Disposições
Constitucionais Transitórias, em seu artigo 10, dispôs um aumento na multa rescisória do
fundo de garantia do tempo de serviço e também proibiu a demissão para membro de cargo de
direção interna de prevenção de acidentes, desde o registro até um ano após o final de seu
mandato, bem como a preservação do emprego para gestantes desde sua confirmação até
cinco meses após o parto.
Será que essa multa disposta no artigo 10 da ADCT, seria uma forma de
compensar o empregado pela demissão ocorrida, enquanto a Lei Complementar não seja
promulgada? Ou, seria um direito distinto da demissão, incorporando ao próprio direito do
trabalhador, pois, caso esta Lei Complementar seja promulgada, essa norma do artigo 10 da
ADCT será revogada ou não? Outro questionamento a respeito é que seria possível o
judiciário estipular outra indenização nos moldes do artigo 186 do Código Civil?
Sergio Pinto Martins entende que não é possível o judiciário estipular indenizações
de acordo com artigo 186 do Código Civil, tendo em vista tratar de matéria distinta do direito
do trabalho, leia-se:
O artigo 10 menciona que se os organismos que irão examinar a dispensa do
trabalhador ‗chegarem à conclusão de que o término da relação de trabalho é
injustificado e se, em virtude da legislação e prática nacionais, esses
organismos não tiverem habilitados ou não considerarem possível, devido
às circunstâncias, anular o término e, eventualmente, ordenar ou propor a
readmissão do trabalhador, terão a faculdade de ordenar o pagamento de
uma indenização adequada ou outra reparação que for considerada
apropriada‘. Não estão os nossos organismos judiciais habilitados a anular a
dispensa e determinar a reintegração dos empregados no emprego, salvo nas
hipóteses da existência de garantia de emprego ou estabilidade, como as
mencionadas anteriormente. A indenização de que trata o artigo 10 tem de
ser interpretada sistematicamente em consonância com a determinada no
artigo 12. Dependerá, também, daquilo que for estabelecido pela legislação e
práticas nacionais. No momento, a indenização é a do FGTS mais a
indenização de 40% sobre os depósitos do referido fundo. Não será possível
ao juiz fixar indenização por responsabilidade civil, justamente pelo fato de
não se tratar de indenização do Direito Civil, nem haver responsabilidade
civil, mas trabalhista. Se amanhã o legislador instituir outra indenização, ou
até mesmo esta for prevista na norma coletiva, o juiz irá aplicá-la. Do
contrário, não poderá arbitrar outra indenização, pois não há previsão legal
nesse sentido. (grifo do autor)67
55
Mas, será que realmente o juiz do trabalho não pode arbitrar indenizações que não
estejam previamente legalizadas? Esse posicionamento do doutrinador acima mencionado não
confrontaria com o artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal, o qual assegura a todos a
apreciação do Poder Judiciário no caso de lesão ou ameaça a direito, bem como a aplicação do
artigo 8º da CLT, que garante na falta de disposições legais ou contratuais, o uso de
jurisprudências, analogia, equidade, princípios e normas gerais de direitos, uso e costumes e
direito comparado.
Não restam dúvidas que em face desse arsenal disposto, a Justiça do Trabalho
poderá invocar nas suas decisões outros direitos, entre eles, o Direito Civil.
Outro ponto a destacar é o Enunciado 3, I, aprovado na 1ª Jornada de Direito
Material e Processual na Justiça do Trabalho na data de 23 de novembro de 2007, o qual
determinar que as Convenções da OIT, mesmo não ratificadas, serão tidas como fontes do
Direito do Trabalho, veja-se:
3. FONTES DO DIREITO – NORMAS INTERNACIONAIS.
I – FONTES DO DIREITO DO TRABALHO. DIREITO COMPARADO.
CONVENÇÕES DA OIT NÃO RATIFICADAS PELO BRASIL. O Direito
Comparado, segundo o art. 8º da Consolidação das Leis do Trabalho, é fonte
subsidiária do Direito do Trabalho. Assim, as Convenções da Organização
Internacional do Trabalho não ratificadas pelo Brasil podem ser aplicadas
como fontes do direito do trabalho, caso não haja norma de direito interno
pátrio regulando a matéria.68
Nessa linha, contrapõem-se ao posicionamento do doutrinador Sérgio Pinto
Martins, o entendimento de Jorge Luiz Souto Maior, ao aludir que:
Para responder a essa indagação é necessário recordar que nenhuma regra
legal precisa existir para que os juízes do trabalho, julgando os conflitos com
poder de discernimento, estabeleçam o valor da indenização devida em cada
caso concreto, como se faz há muito, aliás, na Justiça comum no julgamento
das causas que têm por fundamento o artigo 186 do Código Civil -
dispositivo que prevê a obrigação de indenizar daquele que causar dano a
outrem e que é base jurídica, diga-se de passagem, para as ações de
indenização por acidente do trabalho. Tal dispositivo não estabelece o valor
da indenização e ninguém nunca negou sua eficácia porque um Decreto
executivo não o tivesse regulamentado. A fixação do valor é feita por
arbitramento, segundo critérios de verificação do dano sofrido, da
67
MARTINS, Sergio Pinto. Direitos fundamentais trabalhistas. São Paulo: Atlas, 2008. p.207-208. 68
ANAMATRA, enunciados aprovados na 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho
23/11/2007. Disponível em: <http://www.anamatra.org.br/jornada/enunciados/enunciados_aprova dos. cfm>.
Acesso em: 20 out. 2010.
56
necessidade de quem pede a reparação e da possibilidade econômica do
condenado. E nem se diga que o artigo 186 do Código Civil não pode ser
invocado neste tema porque se trata de um preceito não inserido na ordem
legislativa trabalhista, e que a Justiça do Trabalho não teria competência
para aplicá-lo. Ora, o preceito mencionado está posto no Código Civil
porque é neste Diploma que se encontram as regras de teoria geral do direito,
teoria esta que se aplica, sem sombra de dúvida, em todos os ramos do
direito não-penal, como é o caso do direito do trabalho.69
No mesmo sentido, Enunciados aprovados na 1ª Jornada de Direito Material e
Processual na Justiça do Trabalho na data de 23 de novembro de 2007, comprovam que na
omissão de lei, o Poder Judiciário poderá atuar na efetivação da norma constitucional, leia-se:
2. DIREITOS FUNDAMENTAIS – FORÇA NORMATIVA.
I – ART. 7º, INC. I, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. EFICÁCIA
PLENA. FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO. DIMENSÃO
OBJETIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E DEVER DE
PROTEÇÃO. A omissão legislativa impõe a atuação do Poder Judiciário na
efetivação da norma constitucional, garantindo aos trabalhadores a efetiva
proteção contra a dispensa arbitrária.
II – DISPENSA ABUSIVA DO EMPREGADO. VEDAÇÃO
CONSTITUCIONAL. NULIDADE. Ainda que o empregado não seja
estável, deve ser declarada abusiva e, portanto, nula a sua dispensa quando
implique a violação de algum direito fundamental, devendo ser assegurada
prioritariamente a reintegração do trabalhador.70
Observa-se também, que a convenção n. 158 da OIT, ratificada pelo Decreto
Legislativo de 17 de setembro de 1992 e, posteriormente denunciada em 20 de novembro de
1996, pelo Decreto n.2.100, de 20 de dezembro de 1996, seria uma alternativa para
regulamentar o artigo 7º, inciso I, da Constituição Federal, quanto à dispensa arbitrária ou sem
justa causa.
Essa Convenção cuida da proteção ao trabalho em face às dispensas imotivadas.
Amauri Mascaro do Nascimento enumera alguns dos principais assuntos tratados por esta, os
quais são:
a) Não se porá fim a relação de trabalho, a menos que exista uma causa
justificada relacionada com a capacidade ou conduta do trabalhador ou
baseada nas necessidades de funcionamento da empresa (art. 4º).
69
MAIOR, Jorge Luiz Souto. Convenção 158 - Dispositivo que veda a dispensa arbitrária é auto-aplicável.
Disponível em <http://jusvi.com/artigos/1901> Acessado 01 set. 2010. 70
ANAMATRA, enunciados aprovados na 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho
23/11/2007. Disponível em <http://www.anamatra.org.br/jornada/enunciados/enunciados_aprova dos. cfm> .
Acesso em 20 out. 2010.
57
b) Não constituem causa justificada para a dispensa do empregado a filiação
sindical, a participação em entidades sindicais foras das horas de trabalho ou,
com o consentimento do empregador, durante as horas de trabalho, a
candidatura do empregado a cargo de representação dos trabalhadores, a
apresentação de reclamação trabalhista, a raça, cor, sexo ou estado civil, as
cargas familiares, a gravidez, a religião, as opiniões políticas, a origem
nacional ou social do empregado e a ausência do serviço durante período de
maternidade ou enfermidade (arts. 5º e 6º).
c) O empregado não deve ser despedido sem ter a oportunidade de se
defender das acusações que lhe são feitas (art. 7º).
d) O empregado deve ter o direito de recorrer a um Tribunal do Trabalho ou
árbitro contra o ato da dispensa (art. 8 º).
e) O órgão encarregado de julgar a dispensa, se não estiver autorizado por lei
nacional a anulá-la ou a reintegrar o trabalhador, deve ter o poder de ordenar
o pagamento de uma indenização ou outra reparação apropriada.
f) Havendo dispensas coletivas por motivos econômicos, técnicos,
estruturais ou análogos, o empregador deverá informar oportunamente à
representação dos trabalhadores, manter negociações com essa representação
e notificar a autoridade competente, cientificando-a da sua pretensão, dos
motivos da dispensa, do número de trabalhadores atingidos e do período
durante o qual as dispensas ocorrerão. 71
Um dos caos causado por esta Convenção n. 158 da OIT no Brasil foi que, o artigo
7º, inciso I da Constituição Federal, dispõe que será protegida a relação de emprego contra
despedida arbitrária ou sem justa causa nos termos de uma Lei Complementar e não poderá
ser fruto de uma Convenção da OIT por critérios formais, diante da própria regulamentação
legislativa, onde as Convenções da OIT são recepcionadas como sendo hierarquia de Lei
Ordinária.
Como ficaria a própria hierarquia da Constituição Federal em relação às
Convenções da OIT, onde há entendimentos que existe supremacia da Constituição Federal
sobre demais normas e tratados, assim, deverá respeitar o que determina em seu artigo 7º,
inciso I ?
É crível que os Tratados Internacionais são as principais fontes de direito
internacional. Porém, para ingressarem no ordenamento jurídico brasileiro, deverão passar
pela aprovação dos Poderes Executivos e Legislativos, sujeitando-se ao controle de
constitucionalidade.
71
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho:
relações individuais e coletivas do trabalho. 24. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 967.
58
Mas, como aplicar Tratados Internacionais no plano interno, quando estes
versarem sobre direitos humanos? Será enquadrado no ordenamento interno meramente como
lei ordinária, ou será um dispositivo constitucional, em face de sua supremacia, ou terá um
caráter especial, porém, infraconstitucional?
Essas diversas posições acima elencadas geram discussões e indecisões na
aplicação dos tratados internacionais no meio jurídico.
Analisando o artigo 5º, § 2º da Constituição Federal, o qual determina que os
direitos e garantias expressos na Constituição Federal, não excluirão outros que proverem do
regime e dos princípios por ela adotados, bem como de tratados internacionais ratificados,
estar-se-á frente a uma aceitação dos tratados internacionais como natureza constitucional.
Desta forma, defende-se a aplicação dos tratados internacionais que versarem
sobre direitos humanos de forma imediata, conforme artigo 5º, §1º da Constituição Federal.
Nesses moldes, não haveria a necessidade do procedimento estabelecido na Constituição
Federal para a aprovação dos Tratados Internacionais.
Vários doutrinadores seguem essa corrente, como afirma Luiz Flávio Gomes e
Valério de Oliveira Mazzuoli:
Há anos existe muita polêmica sobre o status normativo (nível hierárquico)
do Direito Internacional dos Direitos Humanos no direito interno brasileiro.
Um forte setor da doutrina (Flávia Piovesan, Antonio Cançado Trindade,
Valério Mazzuoli etc.) sustenta a tese de que os tratados de direitos humanos
(Convenção Americana de Direitos Humanos, Pacto Internacional de
Direitos civis e políticos etc. ) contariam com status constitucional, por força
do art. 5º, §2º, da CF (― Os direitos e garantias expressos nesta Constituição
não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados,
ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja
parte‖). Essa tese, aliás, foi acolhida (dentro da nossa Suprema Corte) pelo
Min. Celso de Mello (HC 87.585-TO).72
Esse posicionamento asseguraria a eficácia da Convenção n. 158 da OIT, o que
significaria a sua aplicação imediata.
O segundo posicionamento estabelece que a ratificação dos tratados internacionais
como um procedimento que difere do poder de emendar a Constituição. Assim, mesmo que os
tratados internacionais versem sobre direitos humanos equivaleria às leis ordinárias, pelo
motivo do ―quórum simples‖. Sustenta esse posicionamento, Ana Cristina Brenner, ao
mencionar que:
59
Ora, considerando-se que os tratados internacionais são referendados por
decreto legislativo e aprovados por maioria simples, não seria razoável
entender que pudessem ser equiparados ou mesmo revogar uma norma
constitucional , a qual exige, para ser modificada, maioria qualificada (três
quintos) do Congresso, em dois turnos. Isso, evidentemente, acabaria por
proporcionar um abalo à rigidez da Constituição e, por conseguinte, restaria
comprometido o princípio da segurança jurídica.(...)pode-se referir também
que, a par do quorum qualificado, há limites materiais que balizam a reforma
da constituição, na medida em que algumas questões sequer podem ser
discutidas pelo constituinte reformador. Sendo assim, acaso admitíssemos
estarem os decretos legislativos que incorporam tratados no mesmo nível
hierárquico das normas constitucionais, dito princípio poderia restar
afetado.73
Para os que defendem esse entendimento, não seria crível aceitar a incorporação
dos tratados internacionais automaticamente, por destoar do que preceituam os artigos 49,
inciso I e artigo 84, VIII, ambos da Constituição Federal, os quais expõem que caberá ao
Congresso Nacional referendar sobre os Tratados Internacionais, e ao Presidente da República
em celebrá-los.
O problema referente a esse posicionamento é que ao interpretar um tratado
internacional como lei ordinária, revogariam as leis anteriores e consequentemente as leis
posteriores revogariam os tratados internacionais vigentes.
Interpretam-se também os tratados internacionais como sendo normas
infraconstitucionais de caráter especial. Nesse caso, os tratados internacionais não seriam
revogados por lei posterior, tendo em vista a sua especialidade.
Esses diversos posicionamentos apresentados divergem em face das decisões dos
Tribunais, que defendem a tese segundo o qual os Tratados Internacionais não são revogados
por novas leis, mas, o que ocorre é a própria preferência pelos Tribunais das normas que mais
se assemelham ao caso concreto, diante da antinomia que os tratados podem gerar no
ordenamento interno em face da lei ordinária posterior.
Com relação ao primeiro posicionamento aqui descrito, que defende os Tratados
Internacionais que versarem sobre direitos humanos serão enquadrados como natureza de
norma constitucional, infelizmente não é aceito nos Tribunais. Vale citar o exemplo, abaixo
descrito:
72
GOMES, L.; MAZZUOLI, V. Tratados internacionais: valor legal, supralegal, constitucional ou
supraconstitucional?. Revista de Direito, Brasil, v. 12, n. 15, p. 7-20, 2009. Disponível em:
<http://sare.unianhanguera.edu.br/index.php/rdire/article/view/895/625>. Acesso em: 22 set. 2010. 73
BRENNER, Ana Cristina. Emenda Constitucional n.° 45/04 e a posição hierárquica das normas
internacionais sobre direitos humanos na ordem jurídica interna. Disponível em:
60
30054544 – REINTEGRAÇÃO – CONVENÇÃO Nº 158 DA OIT –
IMPOSSIBILIDADE – ARTIGO 7º, INCISO I, DA CONSTITUIÇÃO –
NECESSIDADE DE LEI COMPLEMENTAR – Conquanto a Lei Maior, em
seu artigo 5º, § 2º, consigne que os direitos e garantias por ela previstos não
excluem outros decorrentes de tratados internacionais, também não afasta a
circunstância de que referidos atos, ao se incorporarem ao direito positivo
pátrio, devem guardar estrita harmonia com a ordem constitucional, tanto no
âmbito formal, quanto no material. Nesse contexto, considerando que os
tratados e convenções internacionais, ao se incorporarem à ordem jurídica
interna, situam-se no plano hierárquico correspondente ao das leis ordinárias,
não há como se admitir que referidos atos tratem de matéria reservada
constitucionalmente ao crivo de lei complementar. Por essa razão, não se
revela compatível com a realidade constitucional brasileira a tese sustentada
pelo reclamante, no sentido da viabilidade de sua reintegração com
fundamento na Convenção nº. 158 da OIT, na medida em que referido ato
versa sobre a matéria prevista no artigo 7º, inciso I, da Constituição, cujo
tratamento no plano infraconstitucional está exclusivamente reservado à lei
complementar. Recurso de revista não conhecido. (TST – RR 403494 – 4ª T.
– Rel. Min. Milton de Moura França – DJU 31.08.2001 – p. 643) JCF.7
JCF.7.I JCF.5 JCF.5.274
De todo modo, retornando ao artigo 5º, §2º da Constituição Federal, não restaria
dúvidas quanto à eficácia e aplicabilidade do posicionamento que interpreta os Tratados
Internacionais como sendo uma norma constitucional. Primeiro porque, este dispositivo é
claro ao dizer que os direitos e garantias expressos na Constituição Federal não excluem
outros que provenham através de um tratado internacional, e segundo, pelo fato de tratar de
direitos humanos, logo, um direito fundamental, que constitucionalmente por si próprio já
encontra definido e protegido. Terceiro, diante à própria Emenda Constitucional nº 45/04, que
incorporou a Constituição Federal o § 3º, ao artigo 5º, estabelecendo o ―quórum‖ de
aprovação, que se respeitado, localizará o tratado internacional incorporado no mesmo nível
hierárquico de Emenda Constitucional.
É possível aceitar o posicionamento que os Tratados Internacionais estão até
mesmo acima da própria constituição, pois caso a Constituição Federal atual seja revogada
por outra, e essa nova não mencione direitos humanos, por exemplo, tais direitos incorporados
através de um Tratado Internacional ratificado não poderia desaparecer, diferentemente até de
uma cláusula pétrea, que pode deixar de vigorar.
<http://www.tex.pro.br/.../aemendaconstitucional_anacristinabrenner.htm> . Acesso em: 17 set. 2010. 74
BRASI, Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista. Jurisprudência do TST, 31.08.2001. Disponível
em: < http://brs02.tst.jus.br/cgi-bin/nph-
brs?d=BLNK&s1=403494&s2=ju01.base.&u=http://www.tst.gov.br/jurisprudencia/brs/nspit/n_nspitgen_un.htm
l&p=1&r=1&f=G&l=0> Acesso em 30 fev 2010
61
Até mesmo pelo fato da sociedade banir o retrocesso, pois uma vez adquirido um
direito fundamental, este não pode mais ser revogado. A jurisprudência abaixo reforça essa
tese, ao admitir a prevalência dos direitos humanos do trabalho sobre demais princípios
constitucionais, leia-se:
24013598 – DIREITOS HUMANOS DO TRABALHADOR –
PREVALÊNCIA SOBRE O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE PREVISTO
NO ART. 37, II, CF, APLICADO AO ESTADO – Os direitos humanos
enunciados em tratados internacionais possuem natureza de norma
constitucional, na esteira do art. 5º, § 2º, CF. Ao lado dos princípios
fundamentais da dignidade da pessoa humana e valores sociais do trabalho,
insculpidos no art. 1º, CF, visam salvaguardar os direitos do ser humano e
não as prerrogativas do Estado. Assim, o princípio da legalidade trazido no
art. 37, II, CF, subordina-se àqueles primeiros, não podendo desgarrar-se,
sob pena de violação a normas internacionais ratificadas por nosso país.
(TRT 15ª R. – Proc. 31599/01 – (8046/02) – 3ª T. – Relª Juíza Luciane
Storel da Silva – DOESP 04.07.2002 – p. 28) JCF.37 JCF.37.II JCF.1 JCF.5
JCF.5.2
Pode-se dizer que essa proteção aos direitos humanos transcendem o próprio
direito estatal, como bem menciona Antônio Augusto Cançado Trindade:
Os fundamentos últimos da proteção dos direitos humanos transcendem o
direito estatal, e o consenso generalizado formado hoje em torno da
necessidade da internacionalização de sua proteção corresponde a uma
manifestação cultural de nossos tempos, juridicamente viabilizada pela
coincidência de objetivos entre o direito internacional e o direito interno
quanto à proteção da pessoa humana. Como, também neste domínio, a um
Estado não é dado deixar de cumprir suas obrigações convencionais sob o
pretexto de supostas dificuldades de ordem constitucional ou interna, com
maior razão ainda não haver desculpa para um Estado de não se conformar a
um tratado de direitos humanos no qual é Parte pelo simples fato de seus
tribunais interpretarem, no plano do direito interno, o tratado de modo
diferente do que se impõe no plano do direito internacional.75
Portanto, diante desse contexto objetiva o artigo 5º, §2º, que os direitos e garantias
expressos na Constituição Federal, não excluirão outros que proverem do regime e dos
princípios por ela adotados, bem como de Tratados Internacionais ratificados, foi a de garantir
que os Tratados Internacionais referentes aos direitos humanos uma vez ratificados serão
incorporados no ordenamento interno, independentemente de processo legislativo.
75
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Direito internacional e direito interno: sua interação na proteção dos
direitos humanos. Disponível em: < www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/.../introd.htm >. Acesso em:
17 set. 2010.
62
Reforça também este posicionamento o artigo 4º, inciso II, da Constituição
Federal, ao dizer que a República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações
internacionais pela prevalência do princípio dos direitos humanos.
Expõe Valério de Oliveira Mazzuoli que:
Aprovando um tratado internacional, o Poder Legislativo se compromete a
não editar leis a ele contrárias. Pensar de outra forma seria admitir o absurdo.
Aprovado o tratado pelo Congresso, e sendo este ratificado pelo presidente
da República, suas disposições normativas, com a publicação do texto,
passam a ter plena vigência e eficácia internamente. E de tal fato decorre a
vinculação do Estado no que atine à aplicação de suas normas, devendo cada
um dos seus Poderes cumprir a parte que lhes cabe nesse processo: ao
Legislativo cabe aprovar as leis necessárias abstendo-se de votar as que lhe
sejam contrárias; ao Executivo fica a tarefa de bem e fielmente regulamentá-
las, fazendo todo o possível para o cumprimento de sua fiel execução; e ao
Judiciário incumbe o papel preponderante de aplicar os tratados
internamente, bem como as leis que o regulamentam, afastando-se da
aplicação de leis nacionais que lhes sejam contrárias.
Se o Congresso Nacional dá sua aquiescência ao conteúdo do compromisso
firmado, é porque implicitamente reconhece que, se ratificado o acordo, está
impedido de editar normas posteriores que o contradigam. Assume o
Congresso, por conseguinte, verdadeira obrigação negativa, qual seja, a de se
abster de legislar em sentido contrário às obrigações assumidas. Admitir,
pois, que o Legislativo possa editar lei, revogando o tratado anteriormente
firmado, é reconhecer, nas palavras da Dra. Mirtô Fraga ‗o predomínio das
Assembléias, em oposição a comando superior que declara harmônicos e
independentes os Poderes do Estado‘. E, se porventura editadas, tais leis
jamais terão o condão de afastar a aplicação interna do tratado concluído
anteriormente.76
Cabe lembrar que em busca da pacificação a cerca dos posicionamentos
anteriormente citados, o legislador perante EC/45, acrescentou no artigo 5º da Constituição
Federal, o parágrafo 3º, dispondo que os Tratados e Convenções Internacionais que versam
sobre direitos humanos e forem aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em sendo
dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão aceitos em caráter de
emendas constitucionais.
Outro caos surgiu ao inserir esse parágrafo, face aos Tratados Internacionais que
foram ratificados anteriormente a EC/45. O que seria uma possível solução gerou-se mais
conflitos com relação à hierarquia dos Tratados Internacionais. Até o Conselho de Defesa dos
Direitos da Pessoa Humana manifestou-se a respeito, como expôs Juliano Lago Sebben:
76
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Supremo Tribunal Federal e os tratados internacionais. Disponível em: <
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2460> . Acesso em 17 set. 2010.
63
O Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, por ocasião do
exame realizado sobre a PEC 29/2000, bem observando as conseqüências
advindas do acréscimo do parágrafo 3.º, ao artigo 5.°, da Carta Magna,
chegou a sugerir que do texto da proposta de emenda fosse suprimida a parte
final, ou seja, opinou no sentido de que a redação do dispositivo fosse
limitada ao que segue:
Os tratados internacionais de proteção de direitos humanos ratificados pelo
Estado brasileiro têm hierarquia constitucional.
Uma vez que o texto sugerido pelo mencionado conselho tivesse sido
adotado pelo legislador reformista, a celeuma que ora se estabeleceu teria
sido evitada e, ao mesmo tempo, a idéia de equivalência de normas
tratadistas sobre direitos humanos teria sido, por fim, alocada na posição que
defendemos por correta, qual seja, a de hierarquia de norma constitucional.77
Resta saber diante à explanação desses vários posicionamentos, se realmente
haveria necessidade de acrescentar esse § 3º, no artigo 5º da Constituição Federal. Ora, ao
interpretar o §2º desse dispositivo, de forma sistemática com o artigo 1º, o qual se fundamenta
pelo princípio da dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, bem como o
artigo 4º, inciso II, que prevalece os direitos humanos nas relações internacionais, não seria
necessário criar-se norma, regulamentando a hierarquia de um Tratado Internacional que
versar sobre direitos humanos.
Nessa confusão de aplicação ou não dos Tratados Internacionais, a Convenção n.
158, foi denunciada e vários posicionamentos doutrinários surgiram contra ou a favor da
constitucionalidade desta Convenção.
Para Octavio Bueno Magno, citado por Sergio Pinto Martins, a Convenção n. 158
é inconstitucional ao dizer que:
Octavio Bueno Magno ensina que a dispensa arbitrária ou sem justa causa só
pode ser disciplinada por lei complementar, conforme inciso I, do artigo 7º
da Constituição. Entende que a Convenção nº 158 dá prioridade à
reintegração, porém a lei complementar pode prever o pagamento de
indenização, dizendo que o Decreto nº 1.855/96 é inconstitucional.78
77
SEBBEN,Juliano Lago. Tratados internacionais sobre direitos humanos e sua hierarquia normativa no
sistema constitucional brasileiro. Disponível em: < http://www.investidura.com.br/biblioteca-
juridica/artigos/direito-constitucional/130489-tratados-internacionais-sobre-direitos-humanos-e-sua-hierarquia-
normativa-no-sistema-constitucional-brasileiro.html> . Acesso em: 17 set. 2010. 78
MAGNO, Octavio Bueno apud MARTINS, Sergio Pinto. Direitos fundamentais trabalhistas. São Paulo:
Atlas, 2008. p.180-181.
64
Ao contrário do que preceitua Sergio Pinto Martins, pois entende ser
constitucional pelos motivos exposto abaixo:
Entendo que a Convenção nº 158 da OIT não é inconstitucional, pois não
colide com o inciso I do artigo 7º da Constituição, em razão de que o artigo
10 da referida norma internacional remete o intérprete à legislação e prática
nacionais. Verifica-se que a legislação de cada país é que irá determinar: (a)
a reintegração do empregado no emprego; (b) o pagamento de indenização;
ou (c) outra reparação apropriada. O próprio sistema adotado pelo inciso I do
artigo 7º da Constituição exclui a estabilidade, determinado que a lei
complementar irá prever indenização compensatória pela dispensa arbitrária.
Isso quer dizer que o nosso sistema jurídico não determina a reintegração do
empregado ou a estabilidade absoluta de o empregador não poder dispensar
o empregado, mas protege a dispensa abusiva por meio de pagamento de
indenização. Dessa forma, o empregado não terá, portanto, direito a
reintegração, mas a pagamento de indenização, remetendo o intérprete do
artigo 10 da Convenção nº 158 à legislação ordinária de cada país, que irá
tratar do tema. Se a própria norma internacional determina que a ‗legislação
e práticas nacionais‘ é que irão estabelecer a reintegração ou pagamento de
indenização, o inciso I do artigo 7º, da Lei Maior apenas confirma tal
orientação. Especificando que o nosso sistema prevê pagamento de
indenização e não de reintegração, salvo nos casos da Lei nº 9.029/95. A
indenização da despedida pode ser entendida em nosso país como a do
FGTS ou os 40% que incidem sobre depósitos do FGTS, pois, enquanto não
for promulgada a lei complementar de que trata o inciso I do artigo 7º da Lei
Magna, o porcentual da indenização sobre os depósitos do FGTS passa a ser
de 40% (art. 10, I, do ADCT). Se o Estado, portanto, entender de determinar
o pagamento de indenização e não de reintegração, inexistirá direito a
estabilidade, mas ao regime do FGTS. Apenas em determinadas questões
especiais, poder-se-á falar em garantia de emprego (membro da CIPA,
gestante etc.). Assim, não se pode considerar a Convenção nº 158 da OIT
inconstitucional, pois não se atrita com o inciso I do artigo 7º da
Constituição, sendo que este apenas confirma a orientação da norma
internacional, posto que as convenções da OIT apenas fixam ―os princípios
de ordem geral, entregando-se ao legislador nacional o encargo de dispor
sobre as particularidades de cada assunto, pois, a experiência diplomática
revela que é mais fácil o acordo nos pontos gerais do debate do que os
detalhes por meio dos quais se chega à execução prática dos princípios‖. 7 A
norma internacional não desce a detalhes, pois cada país tem as suas
peculiaridades e especificidades, sendo impossível fixar normas fixas e
uniformes por meio das convenções da OIT. (grifo do autor)79
Deve-se levar em consideração, o que o ―caput‖ do artigo 7º da Constituição
Federal menciona que além daqueles direitos elencados, serão aceitos outros direitos que
garantam uma melhor condição social. Ao incorporar este critério, não restariam dúvidas que
os direitos mencionados nos incisos do artigo 7º, são meramente exemplificativos, assim,
79
MARTINS, Sergio Pinto. Direitos fundamentais trabalhistas. São Paulo: Atlas, 2008. p.181-182.
65
outros direitos podem ser previstos por Leis Ordinárias, Leis Complementares, por Tratados
Internacionais, e outros.
O artigo 7º, inciso I, da Constituição Federal deve ser interpretado
sistematicamente ao ―caput‖ do artigo 7º. Desse ponto de vista, não haveria necessidade de
denunciar a Convenção n. 158 da OIT, face à morosidade do Poder Legislativo em editar a
Lei Complementar. Deveria sim, aplicar essa Convenção pelos princípios que dela provêm
estando em perfeita sintonia com os princípios constitucionais, tais como, princípios da
continuidade da relação do emprego, da valorização do trabalho humano, da dignidade da
pessoa humana. Nos dizeres de Konrad Hesse, só surtirá efeitos a interpretação que
condicionar a realidade. Veja-se:
[...]
A interpretação adequada é aquela que consegue concretizar, de forma
excelente, o sentido (Sinn) da proposição normativa dentro das condições
reais dominantes numa determinada situação.
Em outras palavras, uma mudança das relações fáticas pode — ou deve —
provocar mudanças na interpretação da Constituição. Ao mesmo tempo, o
sentido da proposição jurídica estabelece o limite da interpretação e, por
conseguinte, o limite de qualquer mutação normativa. A finalidade (Telos)
de uma proposição constitucional e sua nítida vontade normativa não devem
ser sacrificadas em virtude de uma mudança da situação. Se o sentido de
uma proposição normitiva não pode mais ser realizado, a revisão
constitucional afigura-se inevitável. Do contrário, ter-se-ia a supressão da
tensão entre norma e realidade com a supressão do próprio direito: Uma
interpretação construtiva é sempre possível e necessária dentro desses
limites. A dinâmica existente na interpretação construtiva constitui condição
fundamental da força normativa da Constituição e, por conseguinte, de sua
estabilidade. Caso ela venha a faltar, tornar-se-á inevitável, cedo ou tarde, a
ruptura da situação jurídica vigente. (grifo do autor)80
Resta claro a idéia que a Convenção n. 158 da OIT, não preza pela não dispensa do
empregado, mas por via desta, assegura-se a dispensa motivada e não imotivada como vem
ocorrendo. Até porque, se privar o direito do empregador em despedir, restaria um confronto
com demais princípios também assegurado constitucionalmente, como por exemplo, o
princípio da livre iniciativa elencado nos artigos 1º, inciso IV e 170, ambos da Constituição
Federal.
Registre-se, entretanto que a Convenção n.158 da OIT, em fevereiro de 2008 foi
novamente encaminhada para apreciação do legislativo, mas até o presente momento não
houve qualquer manifestação a respeito sobre nova ratificação.
66
Importante frisar que o Código Civil da suporte suficiente para o Judiciário
argumentar suas decisões na coibição das demissões em massa, vez que o artigo 187 discorre
que também cometerá ato ilícito o titular de um direito que, no seu exercício exceder
manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, bem como pela boa-fé
ou pelos bons costumes.
Assim, conforme ensina Luiz Marcelo Figueiras de Góis:
A nosso ver, a Convenção n. 158 nada mais faz do que concretizar o
conceito aberto de ― limite social e econômico‖ de que trata o art. 187 do
Código Civil.
Dito de outro modo, a partir da edição do novo Código Civil, a ratificação
(ou, mais precisamente, a revogação de sua denúncia) daquela Convenção
pelo Brasil tornou-se mesmo desnecessária para que os juristas tenham um
mecanismo capaz de coibir a despedida arbitrária. O art. 187 em questão já
condiciona o exercício do direito ‗potestativo‘ de demitir aos seus fins
econômicos e sociais. Assim, antes de desfazer o vínculo de emprego, o
empregador precisa adotar as medidas que busquem a sua manutenção,
sendo a opção pela dispensa encarada apenas como último recurso .81
Por fim, uma interpretação voltada ao cunho social que se auferi do artigo 7º,
inciso I, da Lei Maior, não restaria dúvidas a respeito se há ou não necessidade de
regulamentação desse dispositivo por uma Lei Complementar, pois, de acordo com o ―caput‖
do mesmo artigo mencionado, já são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, em busca da
melhoria de sua condição social, a segurança da relação de emprego, contra despedida
arbitrária ou sem justa causa, levando a entender que a Lei Complementar regulamentaria a
indenização compensatória e outros direitos e não necessariamente a despedida arbitrária ou
sem justa causa. Nesse sentido, as demissões em massa imotivadas seriam confrontadas, isto é
banida por esse entendimento.
2.3 DA MANUTENÇAO DA RELAÇÃO DE TRABALHO ENQUANTO DIREITO
FUNDAMENTAL
Os direitos fundamentais foram sendo reconhecidos constitucionalmente de forma
gradativa e histórica, surgindo daí várias gerações de direitos, tais como, direito de primeira,
segunda, terceira ou quarta geração. Como ressalta José Joaquim Gomes Canotilho:
80
HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. ( Die normative Kraft der Verfassung,). Tradução de
Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Fabris Editor, 1991. p. 22-23. 81
GÓIS, Luiz Marcelo Figueiras de. A caminho de um direito trabalhista-constitucional. São Paulo: LTr, 2010.
p. 125.
67
A partir da década de 60, começou a desenhar uma nova categoria de
direitos humanos vulgarmente chamados direitos de terceira geração. Nesta
perspectiva, os direitos do homem reconduzir-se-iam a três categorias
fundamentais: os direitos de liberdade, os direitos de prestação (igualdade) e
os direitos de solidariedade. Estes últimos direitos, nos quais se incluem o
direito ao desenvolvimento o direito ao patrimônio comum da humanidade
pressupõem o dever de colaboração de todos os estados e não apenas o
actuar activo de cada um e transportam uma dimensão colectiva
justificadora de um outro nome dos direitos em causa: direitos dos povos.
Por vezes, estes direitos são chamados direitos de quarta geração. A
primeira seria a dos direitos de liberdade, os direitos das revoluções
francesas e americana; a segunda seria a dos direitos democráticos de
participação política; a terceira seria a dos direitos sociais e dos
trabalhadores; a quarta a dos direitos dos povos. A discussão internacional
em torno do problema da autodeterminação, da nova ordem econômica
internacional, da participação no património comum, da nova ordem de
informação, acabou por gerar a idéia de direitos de terceira (ou quarta
geração): direitos à autodeterminação, direito ao patrimônio comum da
humanidade, direito a um ambiente saudável e sustentável, direito à
comunicação, direito à paz e direito ao desenvolvimento. (grifo do autor)82
Com isso, a constituição vigente direcionou a ordem econômica por vários
princípios e direitos de várias gerações, prescrevendo como indispensável à busca do pleno
emprego, que em seu dinamismo potencializa o desenvolvimento econômico.
Essa garantia pela busca do pleno emprego enquadra-se tanto como sendo um
princípio constitucional como um direito fundamental. Nesse aspecto, Amauri Mascaro do
Nascimento, diferencia princípio de direito fundamental, ao dizer que:
Princípios e direitos fundamentais são conceitos que se relacionam com
características diferentes, mas que acabam por cumprir o mesmo fim, mais
amplo nos princípios, uma vez que se destinam a presidir o ordenamento
jurídico como um todo, estabelecendo as principais diretrizes que o devem
regular, enquanto direitos fundamentais são direcionados para a pessoa e sua
esfera subjetiva de proteção da qual a ordem jurídica não pode se afastar. É
claro que pode um princípio ser invocado por alguém que o quer ver
aplicado no caso concreto, perspectiva sob a qual os princípios seriam a
fonte da qual o direito fundamental é a faculdade nela fundamentada.83
82
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 6 reimp. Coimbra: Edições
Almedina, [21-]. p. 386. 83
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho:
relações individuais e coletivas do trabalho. 24. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 382.
68
Importante destacar que embora sejam termos de significados distintos, ambos
complementam-se na concretude das condições de uma vida digna. Nos dizeres de J.J.
Canotilho:
A primeira função dos direitos fundamentais - sobretudo dos direitos,
liberdades e garantias - é a defesa da pessoa humana e da sua dignidade
perante os poderes do Estado (e de outros esquemas políticos coactivos).
Os direitos fundamentais cumprem função de direitos de defesa dos
cidadãos sob uma dupla perspectiva: (1) constituem, num plano jurídico-
objectivo, normas de competência negativa para os poderes públicos,
proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica
inidividual; (2) implicam, num plano jurídico-subjectivo, o poder de exercer
positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir
omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte
dos mesmos (liberdade negativa).(grifo do autor)84
A aplicação da busca do pleno emprego, como sendo um princípio constitucional
elencado no artigo 170, inciso VIII da Constituição Federal, poderia até ser dispensável, face
ao próprio enquadramento constitucional como um direito fundamental, conforme dispõem os
artigos 1º e 6º, isto é, esses dispositivos por si sós bastariam na efetividade a busca pelo pleno
emprego ao mencionarem os valores sociais do trabalho e ao dispor o trabalho como um
direito social.
Percebe-se que o legislador constituinte reafirmou a busca pelo pleno emprego
como um princípio constitucional, justamente para prevenir qualquer dúvida a respeito de sua
aplicabilidade ou não nas atividades econômicas.
Afirmando a busca pelo pleno emprego como um direito fundamental, estar-se-á
frente a um Estado social, e nomeando-a como um princípio constitucional, surgem
perspectivas no âmbito político e econômico.
O artigo 1º, inciso IV da Constituição Federal menciona valores sociais do
trabalho e mais adiante no artigo 170, apresentam-se a valorização do trabalho humano como
84
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 6 reimp. Coimbra: Edições
Almedina.[21-]. p.407-408.
69
um dos fundamentos da ordem econômica, isso demonstra que o constituinte preocupou para
que os valores sociais prevaleçam sobre os valores econômicos, a fim de se fazer justiça
social.
Nesses moldes, entende-se por busca do pleno emprego, um princípio direcionado
a planos econômicos, bem como atitudes de empreendedores no cumprimento da função
social empresarial, tanto no aspecto de segurança na manutenção da relação de emprego, e na
qualificação da mão de obra empregada, pois não basta ter postos de trabalho, se não houver
mão de obra qualificada para executar determinada tarefa.
A função social da empresa baseia-se principalmente na manutenção da relação
laboral, não há como disseminar a empresa das garantias para com seus empregados e a
sociedade. Nessa esteira, Luiz Marcelo Figueiras de Góis afirma que:
Ademais, a necessidade de funcionalização da empresa e da propriedade
impõe ao empregador a utilização de seu empreendimento com propósitos
que ultrapassem a ótica individualista, assumindo um compromisso de
solidariedade com a coletividade que o cerca. A concretização desses valores
se faz não só por meio da preservação de postos de trabalho, mas passa
necessariamente pela manutenção dos próprios empregos sempre que isto for
viável. (grifo do autor)85
Vale lembrar que a busca pelo pleno emprego com o sentido de não só aumentar
postos de trabalho insere-se a partir da Constituição Federal de 1988, pois antes se usava o
termo expansão de oportunidade de emprego, como diz Lafayete Josué Petter:
A Constituição Federal anterior falava em expansão das oportunidades de
emprego. A expressão atual, busca pelo pleno emprego, há de ser tida com
um significado próximo da anterior, claro, nesta análise insular e sem cotejo
com os demais preceitos coevos. Entretanto, o constituinte escolheu
expressão mais contundente, talvez inspirado na dura realidade dos tempos
modernos, onde a economia funciona melhor, segundo a ideologia mais
aceita, onde um certo nível de desemprego estrutural faz parte do receituário
ortodoxo do sucesso. Certo é que a busca do pleno emprego significa um
85
GÓIS, Luiz Marcelo Figueiras de. A caminho de um direito trabalhista-constitucional. São Paulo: LTr, 2010.
p. 124.
70
movimento no sentido de propiciar trabalho a todos quantos estejam em
condições de exercer uma atividade produtiva.86
(grifo do autor)
Para Eros Grau, pleno emprego significa:
Em outros termos – ‗a expansão das oportunidades de emprego produtivo‘ –
esse princípio já fora contemplado entre aqueles da ordem econômica na
Emenda Constitucional nº 1/69, no seu art. 160, VI. Em razão de ser esse, o
imediatamente acima transcrito, o seu enunciado, tomava-se-o, em regra,
como se estivesse referido, exclusivamente, ao pleno emprego do fator
trabalho.
‗Expansão das oportunidades de emprego produtivo‘ e, corretamente, ‗pleno
emprego‘ são expressões que conotam o ideal Keynesiano de emprego pleno
de todos os recursos e fatores da produção. O princípio informa o conteúdo
ativo do princípio da função social da propriedade . A propriedade dotada
de função social obriga o proprietário ou o titular do poder de controle sobre
ela ao exercício desse direito-função (poder-dever), até para que se esteja a
realizar o pleno emprego.
Não obstante, consubstancia também, o princípio da busca do pleno
emprego, indiretamente, uma garantia para o trabalhador, na medida em que
está coligado ao princípio da valorização do trabalho humano e reflete
efeitos em relação ao direito social ao trabalho (art. 6º, caput).(grifo do
autor)87
Nos dizeres de Roseli Rêgo Santos, o termo pleno emprego é discutido no tocante
a sua aplicabilidade quanto à realidade social, leia-se:
Atualmente discute-se a adequação do termo pleno emprego à realidade
social. Numa acepção mais restrita, o pleno emprego seria definido como
uma situação em que todos aqueles que estivessem aptos a trabalhar estariam
sujeitos a uma relação de emprego. Hoje, com as mais diversas formas de
exercício de atividade laboral e de vinculação com os agentes titulares dos
meios de produção, a expressão pleno emprego revela um sentido restritivo,
sendo mais adequado diante dessa nova realidade socioeconômica, a
substituição de seu termo por pleno trabalho ou plena atividade. Sendo
assim, neste trabalho, as referências ao pleno emprego se dão em sentido
86
PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica: o significado e o alcance do art.
170 da Constituição Federal. 2.ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 298. 87
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 13. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros
Editores. p. 253-254.
71
amplo e estão relacionadas ao direito ao trabalho remunerado. A discussão
sobre o pleno emprego ou o direito ao trabalho remunerado surge no
momento em que o direito à propriedade já se encontrava consolidado nos
países de sistema de produção capitalista.88
Logo, o princípio da busca do pleno emprego, inserido constitucionalmente no
artigo 170, inciso VIII da Constituição Federal, não pode ser interpretado meramente a ofertas
de postos de trabalho.
Exige-se uma interpretação realçada pela função social da empresa e pelas
diretrizes estabelecidas através das políticas públicas no campo de um planejamento
econômico voltado para o cunho social, a fim de obter um desenvolvimento sustentável,
conforme preceitua o artigo 3º, ao instituir como objetivos fundamentais a garantia de um
desenvolvimento nacional, e reduzir as desigualdades sociais e regionais.
Como bem ressalta Lafayete Josué Petter:
A doutrina vê nele uma condição utópica jamais atingível. Certo é, contudo,
que as necessárias alterações substanciais de uma economia, como a
brasileira, são efetuadas nas fronteiras do curto, do médio e do longo prazo.
De modo que a concretização deste princípio constitucional depende da
formulação de políticas econômicas com alcance temporal variado. A
otimização dos capitais para o fim da criação de mais postos de trabalho tem
amplas possibilidades. Postos de trabalho temporário são criados em curto
espaço de tempo. Exemplificativamente, a decisão governamental de
incrementar a construção de casas populares, com aproveitamento da mão-
de-obra disponível na localidade beneficiada, por certo conduziria ao
surgimento de muitos postos de trabalho. Ao contrário, empregos na
indústria siderúrgica não se criam de um dia para o outro. Como adverte
Cavalcanti, ‗cálculos para o Brasil dão conta de que, nas quinhentas maiores
empresas do país, cada novo posto de emprego custa um investimento
adicional de 97 mil dólares‘. Este é um dado a ser levado em consideração.
Pequenos empreendimentos têm aporte menor de capital inicial e de recursos
e potencialmente geram mais postos de trabalho. Além disso, no mais das
vezes, a mão-de-obra necessária não precisa ser tão qualificada ou
especializada, o que de todo favorece o ingresso de novas pessoas no
88
SANTOS, Roseli Rêgo. O princípio da busca do pleno emprego como aplicação da função social da empresa
na Lei de Falências e Recuperação. Disponível em:
<http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/.../roseli_rego_santos.pdf>. Acesso em: 01 out. 2010.
72
mercado, pois a realidade nacional é, ainda, a falta de educação e de preparo
profissional específico.89
Nesse sentido, a dificuldade da implementação do princípio da busca do pleno
emprego paira sobre o êxito das políticas públicas. Na opinião de José C. de Assis, citado por
Roseli Rêgo Santos:
José Carlos de Assis (2000, p. 119), defende que o instrumento fundamental
para a promoção do pleno emprego é mudança de política econômica
monetária e de política fiscal, que depende da mobilização constante da
opinião pública e da capacidade das lideranças políticas de implementar uma
ação concreta.90
Volta-se aqui novamente a dispor que não é crível aceitar o retrocesso aos direitos
conquistados. A falta de efetividade das Constituições brasileiras vem sendo marcadas pela
insinceridade e frustração de vontade política, como diz Luís Roberto Barroso e Ana Paula
Barcellos:
A falta de efetividade das sucessivas Constituições brasileiras decorreu do
não reconhecimento de força normativa aos seus textos e da falta de vontade
política de dar-lhes aplicabilidade direta e imediata. Prevaleceu entre nós a
tradição européia da primeira metade do século, que via a Lei Fundamental
como mera ordenação de programas de ação, convocações ao legislador
ordinário e aos poderes públicos em geral. Daí porque as Cartas brasileiras
sempre se deixaram inflacionar por promessas de atuação e pretensos
direitos que jamais se consumaram na prática. Uma história marcada pela
insinceridade e pela frustação.).(grifo do autor)91
89
PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica: o significado e o alcance do art.
170 da Constituição Federal. 2.ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 297-
298. 90
ASSIS, José Carlos de apud SANTOS, Roseli Rêgo. O princípio da busca do pleno emprego como aplicação
da função social da empresa na Lei de Falências e Recuperação. Disponível em:
<http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/.../roseli_rego_santos.pdf>. Acesso em: 01 out. 2010. 91
BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O começo da História: a nova interpretação
constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. In: BARROSO, Luís Roberto (Org.). A nova
interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 3. ed. rev. Rio de Janeiro:
Renovar, 2008. p.327-378.
73
Nesse aspecto, o princípio da busca do pleno emprego só será efetivado, quando
objetivar a manutenção da relação do emprego, porque embora o ordenamento jurídico
preceitue um sistema econômico de livre iniciativa, ao mesmo tempo condiciona-o a
assegurar existência digna a todos, com fim de promover justiça social. Deve-se ater para a
ponderação de valores no caso de colisões de princípios. Como anotam os autores acima
mencionados:
IV. A ponderação de valores, interesses, bens ou normas consiste em uma
técnica de decisão jurídica utilizável nos casos difíceis, que envolvem a
aplicação de princípios (ou, excepcionalmente, de regras) que se encontram
em linha de colisão, apontando soluções diversas e contraditórias para a
questão. O raciocínio ponderativo, que ainda busca parâmetros de maior
objetividade, inclui a seleção das normas e dos fatos relevantes, com a
atribuição de pesos aos diversos elementos em disputa, em um mecanismo
de concessões recíprocas que procura preservar, na maior intensidade
possível, os valores contrapostos.92
Por isso que as demissões em massa são repelidas em face ao princípio da busca
do pleno emprego. Primeiro, porque caberão às empresas nos moldes do artigo 170 inciso III,
da Constituição Federal cumprir com a devida função social, neste contexto, deverá valorizar
o trabalho humano, a dignidade da pessoa humana, tanto no aspecto criação de posto de
trabalho, bem como na manutenção da relação de emprego e na qualificação da mão de obra.
Em segundo, pelo fato de as atividades econômicas serem imprescindíveis para concretude
dos artigos 1º e 3º ambos da Constituição Federal. Essa afirmativa será explanada com maior
ênfase no último capítulo ao tratar da proteção contra demissão em massa e a valorização do
trabalho humano.
Não pode haver atividade empresarial distanciada da função social, logo, a
própria manutenção e qualificação dos empregados fazem parte das obrigações empresariais.
Portanto, enseja-se à aplicação do princípio da busca do pleno emprego no âmbito da
atividade econômica.
92
BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O começo da História: a nova interpretação
constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. In: BARROSO, Luís Roberto (Org.). A nova
interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 3. ed. rev. Rio de Janeiro:
Renovar, 2008. p.327-378.
74
Lafayete Josué Petter, abordando essa questão da função social, menciona que:
Quando o art. 186 da Constituição Federal estabelece que a função social da
propriedade rural é cumprida, entre outros requisitos, quando há observância
das disposições que regulamentam as relações de trabalho, de onde se extrai
que a proteção que o Direito confere à propriedade e à situação de dominus
tem relação com o acatamento da legislação laboral, devido ao fato de ela
estar funcionalizada, portanto, tendo um dever-poder a cumprir, não se vai
ao ponto de determinar maior número de contratações. Por outro lado, caso
verificada a situação proprietária onde a atividade econômica se desenvolva
com a utilização de intensa mão-de-obra, tal fato é merecedor de toda a
proteção que o sistema jurídico lhe pode conferir, se possível, até no sentido
promocional da expressão. A função social da propriedade tem muitos
caminhos a descobrir na atividade econômica. Se a atuação do Estado na
economia faz-se preponderantemente de modo subsidiário e seu
planejamento é apenas indicativo para o privado, a busca do pleno emprego
desafia a formulação de políticas públicas, mas também a devida valoração,
em casos concretos, quando, consoante ensinamento colhido no Capítulo 2, o
exegeta, nos limites do sistema, haverá de perscrutar a mais justa resposta,
entre tantas possíveis, de modo a dar efetividade e concretude a um dos mais
esmaecidos princípios da atividade econômica, o da busca do pleno
emprego. Ele se harmoniza com o fundamento da ordem econômica da
valorização do trabalho humano e traduz-se em caminho na conquista da
justiça social. (grifo do autor)93
Roseli Rêgo Santos defende que a busca do pleno emprego é um condicionamento
endógeno para o exercício empresarial, veja-se:
Em relação a segunda vertente, os condicionamentos do exercício da
empresa podem ser endógenos ou exógenos. Seriam endógenos os
relacionados às condições de trabalho e às relações com empregados, como
por exemplo, a contribuição Lei 11.101/2005, Art. 60. Parágrafo único. O
objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do
arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária,
observado o disposto no § 1o do art. 141 desta Lei. para a promoção do
pleno emprego. Seriam exógenos os interesses dos consumidores, dos
concorrentes e os de preservação ambiental da comunidade em que a
empresa atua. O pleno emprego seria, portanto um condicionamento
endógeno ao exercício da atividade empresária, por interferir na estrutura de
organização interna da empresa. O empresário ao exercer a atividade
econômica e contribuir para a manutenção ou criação de novos postos de
trabalho estaria garantido seu direito à livre iniciativa, e à livre exploração de
93
PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica: o significado e o alcance do art.
170 da Constituição Federal. 2.ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 299.
75
seus bens de produção, condicionando o exercício desses direitos à
promoção da justiça social através da função social da empresa.94
Conclui-se, que a busca pelo pleno emprego caracteriza uma obrigação
empresarial e caso este venha a descumprir, poderá ter seu direito a livre iniciativa limitado.
Nos dizeres de Lafayete Josué Petter:
De se notar, no exame da Constituição Federal, mormente considerados seus
objetivos fundamentais, a existência de um direito ao desenvolvimento. E se
a pessoa humana é o sujeito central deste direito, não se pode tomá-la como
simples fator de produção. Ao contrário, deverá ela haurir frutos que
propiciem sua existência digna, fim da ordem econômica, cabendo especial
responsabilidade ao poder público na realização e concretização deste
desenvolvimento. Insere-se neste contexto o exame do princípio
constitucional econômico da busca do pleno emprego, que tem galgado
elevada e maior importância com o passar dos anos, entre tantas razões,
também pela constatação de que os postos de trabalho cedem lugar,
constantemente, para a eficiência tecnológica, ofuscando o raciocínio
segundo o qual o aumento da produção implicaria necessariamente em maior
emprego de mão-de-obra.95
(grifo do autor)
Dentro desse contexto a manutenção da relação de emprego é primordial para
fazer valer o princípio da dignidade da pessoa humana, valorizando o empregado e
propiciando alternativas de aperfeiçoamento de mão-de-obra, bem como qualificações e
criação de novos postos de trabalho, com o fito de garantir a estabilidade empregatícia
evitando possíveis demissões em massa.
2.4 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E MANUTENÇÃO DA RELAÇÃO DE
TRABALHO
Os princípios jurídicos, especialmente o principio da dignidade da pessoa humana,
sustentam todo o ordenamento jurídico. Isto porque, é através dos princípios que as decisões
94
SANTOS, Roseli Rêgo. O princípio da busca do pleno emprego como aplicação da função social da empresa
na Lei de Falências e Recuperação. Disponível em:
<http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/.../roseli_rego_santos.pdf >. Acesso em: 01 out. 2010.
76
judiciais, e a própria convivência em uma sociedade, torna-se mais digna, mais próxima da
realidade e necessidades de que os seres humanos necessitam para viver em meios aos
desafios gerados pela própria relação entre pessoas mais poderosas e pessoas mais fracas,
tanto no aspecto econômico, cultural e social.
A proteção dos direitos humanos é principalmente notada em meio ao poder das
monarquias, como diz Jane Reis Gonçalves Pereira:
Não é difícil compreender a razão por que historicamente conferiu-se
destaque à proteção dos direitos humanos em face ao Estado: estes surgiram
e afirmaram-se precisamente como reação ao poder das monarquias
absolutistas. No limiar do constitucionalismo, do Estado provinham as
ameaças mais graves à liberdade e a dignidade do homem. Assim, a
emergência dos direitos humanos no contexto de superação do Absolutismo
fez com que estes, em sua primeira expressão, fossem identificados com a
idéia de limitação do poder estatal.96
Deve-se ressaltar que o princípio da dignidade da pessoa humana, envolve não só
o indivíduo, enquanto único, mas também interpretá-lo como uma qualidade comum a todos
os seres humanos, a própria coletividade. Como bem menciona Rizzatto Nunes,
Percebe-se, então que o termo dignidade aponta para, pelo menos, dois
aspectos análogos mais distintos: aquele que é inerente à pessoa, pelo
simples fato de ser, nascer pessoa humana; e outro dirigido à vida das
pessoas, à possibilidade e ao direito que têm as pessoas de viver uma vida
digna.
Ora, toda pessoa tem dignidade garantida pela Constituição,
independentemente de sua posição e conduta social. Até um criminoso
inconteste tem dignidade a ser preservada. 97
Pode-se afirmar que tal princípio, está inserido na Constituição, bem como
extraídos dos próprios Tratados Internacionais, como por exemplo, Declaração Universal de
95
PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica: o significado e o alcance do art.
170 da Constituição Federal. 2.ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 295. 96
PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Apontamentos sobre a aplicação das normas do direito fundamental nas
relações jurídicas entre particulares. In: BARROSO, Luís Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional:
ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 3ª ed. revista. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 119-192
77
Direitos Humanos de 1948, Pactos de Direitos Civis e Políticos e dos Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais, ambos de 1966, a Proclamação da Conferência Internacional de Direitos
Humanos de Teerã, de 1968. Desse modo, interfere diretamente no próprio ordenamento, pois
sua interpretação se estende aos outros princípios constitucionais, os quais deverão estar em
perfeita harmonia com o princípio da dignidade da pessoa humana.
Nessa linha Dinaura Godinho Pimentel Gomes, dita que:
Inegavelmente, em face da íntima vinculação, o princípio da dignidade da
pessoa humana, como valor unificador de todos os direitos fundamentais,
apresenta-se como elemento referencial para a aplicação e interpretação das
normas constitucionais e infraconstitucionais, razão por que é indispensável
a compreensão prévia de seu significado e conteúdo, além de sua própria
eficácia.(grifo do autor)98
Mais adiante a autora cita alguns argumentos enumerados por Konrad Hesse em
relação à valorização na aplicação dos princípios:
Justamente para direcionar a tarefa do intérprete, em coordenar e valorizar
seus pontos de vista, Hesse aponta ser imprescindível a observância de
princípios de interpretação constitucional, dentre os quais se destacam, desde
logo, os seguintes: princípios da unidade da Constituição: princípio da
concordância prática: princípio da correção funcional; princípio da
valorização da relevância dos pontos de vista; princípio da força normativa
da Constituição; princípio da máxima efetividade; princípio da interpretação
conforme a Constituição; princípio da exclusão da interpretação, conforme a
Constituição, a seguir explicitados.
1) Pelo princípio da unidade da Constituição. uma norma deve ser vista em
conexão com as demais normas constitucionais, ou seja, com os princípios e
regras estruturantes da Constituição, para se evitarem contradições de uns
com outros. Em outras palavras, uma regra constitucional deve ser
interpretada de forma a evitar contradições (antinomias, antagonismos)
diante de outras, e, sobretudo, diante dos princípios jurídicos-políticos
constitucionalmente estruturantes. Isso obriga o intérprete a considerar a
Constituição em sua globalidade, procurando harmonizar os espaços de
tensão existentes. O intérprete deve considerar as normas constitucionais,
não de forma isolada e dispersa, mas como preceitos integrados em um
sistema unitário de regras e princípios.
97
NUNES, Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. 2
ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 52. 98
GOMES, Dinaura Godinho Pimentel. Direito do trabalho e dignidade da pessoa humana, no contexto da
globalização econômica: problemas e perspectivas. São Paulo: LTr, 2005. p.202.
78
2) No que concerne ao princípio da concordância prática, Hesse a
harmonização dos bens jurídicos protegidos, de modo a evitar uma
precipitada ponderação de bens ou abstrata ponderação de valores em favor
de um, porém em manifesto prejuízo de outros. Vale dizer, o princípio da
harmonização ou concordância prática induz a ―ponderações‖ nem sempre
livres de carga política. Significa que não se deve fazer ponderações voltadas
a uma só direção, haja vista que, ―subjacente a este princípio, está a idéia do
igual valor dos bens constitucionais e não uma diferença de hierarquia que
impeça, como solução, um sacrifício de uns em relação aos outros, e
imponha o estabelecimento de limites e condicionamentos recíprocos de
forma a conseguir uma harmonização ou concordância prática, entre estes
bens‖. (grifo do autor)99
Nesse sentido, percebe-se que o princípio da dignidade da pessoa humana, no
tocante à sua aplicabilidade, terá privilégios sobre demais princípios constitucionais, tendo em
vista enquadrar-se aos princípios supranacionais.
O artigo 1º da Constituição Federal demonstra que a constituição é um meio de
organização estrutural do poder estatal, mas que também será através de seus princípios a
própria limitação desse poder estatal, em busca de um Estado Democrático de Direito.
É notório que o princípio da dignidade da pessoa humana constitui um princípio
que se somatiza a todos os outros princípios fundamentais elencados no artigo 1º da
Constituição Federal. Impossível cingir, por exemplo, a soberania, cidadania, os valores
sociais do trabalho e da livre iniciativa, o pluralismo político e da dignidade da pessoa
humana.
Segundo Rodrigo Pires da Cunha Boldrini, citado por Flávia Moreira Guimarães
Pessoa, há cinco aspectos que caracterizam essa relação entre os direitos fundamentais:
A relação entre o princípio da dignidade da pessoa humana e os direitos
fundamentais pode ser apontada a partir de cinco aspectos, conforme
enfatiza Boldrini (2003, p.2). No primeiro, a dignidade da pessoa humana
pode ser vista como unidade de valor de uma ordem constitucional e,
principalmente, como unidade de valor para os direitos fundamentais. No
segundo, é concebida como elemento de habilitação de um sistema positivo
dos direitos fundamentais. Sob esse prisma, a proteção e a promoção da
dignidade do homem confere legitimidade a um Estado e a uma sociedade
que tenham a pessoa humana como fim e como fundamento máximo.
Dentro do terceiro aspecto, a relação entre direitos fundamentais e dignidade
da pessoa humana seria uma relação entre teoria e prática no interior da
99
Ibidem. p.207.
79
ordem constitucional. Num quarto, evidencia-se a perspectiva da pessoa
humana como parâmetro na dedução de direitos fundamentais implícitos,
seguindo a concepção de que a própria dignidade consistiria em um direito
fundamental na medida em que se manifestasse stricto sensu. Por fim, há o
aspecto da dignidade da pessoa humana como limite e função do Estado e da
sociedade, na dupla vertente de que tanto um quanto outro devem respeitar e
promover a dignidade.(grifo do autor)100
Com a inclusão do princípio da dignidade da pessoa humana nas condutas
administrativas, legislativas e judiciárias, revela-se um Estado social que antes não existia, e
melhor, pois está calcado também nas diretrizes de um Estado Liberal.
Nota-se que o princípio da dignidade da pessoa humana é o núcleo fundamental
para a caracterização de um Estado Democrático de Direito. Nas palavras de Luís Roberto
Barroso e Ana Paula Barcellos:
Os princípios fundamentais expressam as principais decisões políticas no
âmbito do Estado, aquelas que vão determinar sua estrutura essencial.
Veiculam, assim, a forma, o regime e o sistema de governo, bem como a
forma de Estado. De tais opções resultará a configuração básica da
organização do poder político. Também se incluem nessa categoria os
objetivos indicados pela Constituição como fundamentais à República e os
princípios que regem em suas relações internacionais. Por fim, merece
destaque em todas as relações públicas e privadas o princípio da dignidade
da pessoa humana (art. 1, III), que se tornou o centro axiológico da
concepção de Estado democrático de direito e de uma ordem
mundialidealmente pautada pelos direitos fundamentais.101
Além de fazer parte dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil
e ter um liame direto com os outros princípios espalhados por todo ordenamento
constitucional, o princípio da dignidade da pessoa humana insere-se no artigo 170, ―caput‖ da
Constituição Federal, ao dizer que a ordem econômica tem for fim assegurar a todos uma
existência digna. Isso porque a dignidade da pessoa humana é um princípio que abrange
100
BOLDRINI, Rodrigo Pires da Cunha apud PESSOA, Flávia Moreira Guimarães. Curso de direito
constitucional do trabalho: uma abordagem à luz dos direitos fundamentais. Salvador: Editora Juspodivm, 2009.
p. 30-31. 101
BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O começo da História: a nova interpretação
constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. In: BARROSO, Luís Roberto (Org.). A nova
interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 3. ed. rev. Rio de Janeiro:
Renovar, 2008. p.327-378.
80
diversas esferas, como os direitos individuais, direitos sociais, bem como os direitos
econômicos.
Demonstra-se que o intuito do legislador constituinte foi a de garantir uma
adequação e equilíbrio entre direitos que garantam o próprio individuo, enquanto ser humano
em face da própria atividade econômica. Não há como dinamizar a economia se não houver
este equilíbrio, pois, se a economia prevalecer, estar-se-á frente a um crescimento e não a um
desenvolvimento sustentável.
Faz parte da própria segurança jurídica na esfera econômica, que o princípio da
dignidade da pessoa humana, além de alcançar toda a segurança para que o indivíduo tenha
uma melhor qualidade de vida, serve também para limitar outros direitos, quando tornam-se
invasivos, como por exemplo, limitar a própria livre iniciativa, quando extrapolar a
valorização do trabalho humano.
Outro ponto a ser destacado, que vem alancear diretamente o princípio da
dignidade da pessoa humana é a flexibilização, que a princípio seria uma forma de melhorar
as relações trabalhistas e não uma forma de degradar os direitos trabalhistas.
Mesmo estando disposta na Constituição Federal, nos seus artigos 7º, incisos VI,
XIII e XIV, a flexibilização como está sendo aplicada conjuntamente com a globalização
destoa dos princípios constitucionais e do direito do trabalho que garantem a própria
dignidade do trabalhador.
Para Rosilaine Chaves Lages, o próprio Estado desconjunta o sistema trabalhista,
vez que no ato de sua imposição por lei ou decretos bani ou reduz benefícios, leia-se:
Ocorre que a flexibilização é prejudicial enquanto medida de desarticulação
de legislação trabalhista é instrumento de desregulamentação das relações
laborais, tendentes a atingir fins outros que não os colimados pelo Direito do
Trabalho, pois que consiste simplesmente na derrogação de benefícios
trabalhistas preexistentes ou sua substituição por outros inferiores, (...)
imposta unilateralmente pelo Estado, por meio de lei ou decreto (...). 102
102
LAGES, Rosilaine Chaves. A importância da efetividade do princípio da valorização do trabalho regulado:
homenagem ao professor Luiz Otávio Linhares Renault. São Paulo: LTr, 2010. p. 123.
81
Em relação ao desemprego a flexibilidade atua de forma conjunta para o seu
aumento. Na Europa essa afirmativa vem sendo comprovada, como menciona Janaina Vargas
Hilário:
Ademais, os resultados obtidos, em países da Europa, demonstram de forma
inequívoca que a flexibilização, ditada pelos ideólogos do neoliberalismo,
como forma de se obter a pretendida adaptação das normas de proteção dos
trabalhadores às imposições da globalização econômica não gera empregos
(GOMES, 2005). Ao contrário, deflagra a deterioração da qualidade de
empregos que restam e acentua a exclusão, aumentando o número de
milhões de desempregados que recorrem cada vez mais às experiências da
informalidade.103
Nessa linha, a flexibilização, além de desregulamentar as relações laborais,
confronta diretamente a justiça social e a igualdade regional, propiciando os interesses
particulares, impedindo o desenvolvimento coletivo tão almejado pela sociedade democrática.
Com maestria, Ingo Wolfgang Sarlet define que:
[...] ninguém será capaz de negar que entre nós – e lamentavelmente cada
vez mais – a dignidade da pessoa humana (de alguns humanos mais do que
outros) é desconsiderada, desrespeitada, violada e desprotegida, seja pelo
incremento assustador da violência contra a pessoa, seja, pela carência
social, econômica e cultural e grave comprometimento das condições
existências mínimas para uma vida com dignidade e, neste passo, de uma
existência com sabor de humanidade.104
Importante frisar,
qu
e se torna dificultoso em um mundo globalizado ―desenfreado e desorganizado‖ correlacioná-
103
HILÁRIO, Janaina Vargas. A tutela do direito ao trabalho digno frente à globalização econômica.
Disponível em: <http://www2.uel.br/revistas/direitopub/pdfs/VOLUME_5/num_2/A%20Tutela%20do%20
Direito%20ao%20Trabalho%20Digno%20Frente%20a%20Globalizacao%20Economica.pdf>. Acesso em: 19
out. 2010. 104
SARLET, Ingo Wolfgang apud LAGES, Rosilaine Chaves. A importância da efetividade do princípio da
valorização do trabalho regulado: homenagem ao professor Luiz Otávio Linhares Renault. São Paulo: LTr,
2010. p. 130.
82
lo com a proteção a manutenção ao emprego. Ressalta Dinaura Godinho Pimentel Gomes,
que:
Ao longo dos tempos, só após sofridas lutas e conquistas, o princípio de
proteção ao hipossuficiente foi consagrado nos ordenamentos jurídicos, para
conferir a ele superioridade jurídica em face da superioridade econômica do
empregador, em seu tríplice aspecto: 1) in dúbio pro operário; 2) aplicação
da norma mais favorável ao empregado, e da 3) observância da condição
mais benéfica, no sentido de uma nova norma trabalhista nunca diminuir ou
excluir direitos adquiridos do empregado. Aliados a esse princípio básico,
critério orientador do Direito do Trabalho, outros princípios de fundamental
importância também informam a concreção de regras, tais como: os
princípios da irrenunciabilidade, da continuidade, da primazia da realidade
sobre aspectos formais da relação, da razoabilidade e da boa-fé, entre outros
merecedores de destaque.
Em contraposição, a flexibilização e a desregulamentação, nos moldes hoje
determinadas, têm por escopo justamente afastar o Estado desta modalidade
de relação contratual e, consequentemente, em detrimento desses mesmo
princípios e regras que resguardam aquele mínimo da dignidade, duramente
conquistado, conforme denunciam as contundentes palavras de Russomano,
ora destacadas no preâmbulo do presente capítulo.
Na verdade, tais imposições, advindas do neoliberalismo e da globalização
trazem, pois, como resultado, o amargo retorno a pré-modernidade, o que
evidencia a volta da barbárie, ou , mais precisamente, impõe uma nova
forma de regulação feudal, a ignorar completamente o longo percurso da
conquista desses direitos.105
Esse retrocesso aos direitos adquiridos jamais podem ocorrer, principalmente,
quando se trata de um direito fundamental, que envolve a própria qualidade de vida do ser
humano. Porque, as conquistas são lentas, mas ao mesmo tempo uma vez conquistadas nunca
retroagem ao passado. É inaceitável admitir um retrocesso ao princípio da dignidade da
pessoa humana. Nos dizeres de Luiz Salvador:
Não podemos permitir o retrocesso social, pugnando pelo avanço dos
direitos sociais, humanos, trabalhistas e previdenciários a todos os
trabalhadores, buscando-se uma simetria de direitos em todo o continente,
até para que o sistema produtivo de cada país não tenha a concorrência
desleal com o sistema produtivo de outro país "parceiro" dentro de um
sistema de mercado plural de inclusão, onde não só as mercadorias tenham
livre circulação, mas também os trabalhadores, com direitos plurais
assegurados a efetivação da dignidade da pessoa humana.
105
GOMES, Dinaura Godinho Pimentel. Direito do trabalho e dignidade da pessoa humana, no contexto da
globalização econômica: problemas e perspectivas. São Paulo: LTr, 2005. p. 92-93.
83
Nesse sentido, urge a unificação de todos os movimentos preocupados com
os novos rumos que está imprimindo o capitalismo de resultado meramente
econômico, sem responsabilidade social, pela preservação e prevalência da
moderna concepção do trabalho digno defendido pela OIT, como um bem
inalienável, uma dádiva, uma benesse, um leniente necessário a valorização
e dignificação da pessoa humana.106
O princípio da proteção a manutenção do emprego assegura esse não retrocesso,
porque além de proteger, tem como interesse a paz social, o bem comum, encontrando raízes
na própria dignidade da pessoa humana.
Vale lembrar que o desemprego, o trabalho informal, a falta de políticas públicas
voltadas para o aperfeiçoamento da mão-de-obra, configuram a própria degradação da pessoa
humana, enquanto trabalhador. Afirma Benedito Calheiros Bomfim:
Com o outorgar ao empregador, embora não taxativamente, o direito de
despedida arbitraria o poder potestativo de extinção do contrato de trabalho,
nosso direito positivo investiu contra a dignidade do trabalhador, deixando
seu maior bem - o direito ao trabalho e à continuidade da prestação de
serviço, – à mercê, ao alvedrio do empregador. O empregado, parte fraca na
relação de trabalho, quedou-se em situação de dependência e humilhação.
De fato, não há respeito à condição social e moral do assalariado, à sua
individualidade, se, na prática, efetivamente, não se lhe garante a
manutenção da relação laboral, ou o real acesso imediato a novo emprego,
além da irredutibilidade salarial. Vivendo sob o risco da privação do
emprego, o trabalhador sofre instabilidade emocional, sente-se ferido em sua
auto-estima, vê se tratado como simples peça descartável da engrenagem
empresarial, tão ao gosto do neoliberalismo. Colocado sob constante ameaça
de desemprego, com os inevitáveis reflexos psicológicos decorrentes dessa
instabilidade, sente-se inseguro, apreensivo, intranqüilo, em permanente
tensão na execução do serviço. (grifo nosso)107
Na mesma linha, Cármen Lúcia Antunes Rocha entende que:
Verifica-se, pois, que sem que as políticas públicas sejam adotadas
considerando-se os fins estabelecidos constitucionalmente como próprios,
pode-se conduzir a ordem econômica em direção ao desemprego evitável e
106
SALVADOR, Luiz. Dignidade humana: as novas formas de trabalho na América Latina e as tutelas
asseguradoras da dignidade humana. Disponível em: http://br.monografias.com/trabalhos910/dignidade-
humana/dignidade-humana.shtml> . Acesso em 19 out. 2010. 107
BOMFIM,Benedito Calheiros. A despedida arbitrária e a dignidade do trabalhador. Disponível em:
<http://www.oab.org.br/oabeditora/users/revista/1211290538174218181901.pdf> . Acesso em: 20 out. 2010.
84
aviltante para o ser humano, e comprometedor da realização integral dos
objetivos sociais.
(...)
Por isso é que se tem a denúncia reiterada de que o desemprego que decorra
de negativa dos objetivos nacionais – nos quais se toma o homem como
centro da organização político-econômica, ou do acatamento dos princípios
da ordem econômica e social – é provocado pelo Estado, e as políticas que a
ele conduzam são, portanto, nulas, porque agressivas ao princípio da
dignidade da pessoa humana, da valorização do trabalho e determinantes da
exclusão social. A que se põe em detrimento do homem-trabalhador,
membro de uma sociedade na qual a relação trabalho/emprego ainda não se
desfez, nem tende a ser inteiramente desfeita de imediato. As necessidades
tecnológicas que levam à extinção de empregos e a impedimento do trabalho
precisam ser consideradas conjugadamente com os imperativos éticos de
uma convivência digna, na qual o homem não seja conduzido à vergonha de
não poder trabalhar e, por conta disso, de não se impor respeitosamente
como cidadão atuante em benefício de todos. (grifo nosso)108
O trabalho é um bem jurídico tutelado por todo o ordenamento constitucional. No
artigo 1º, inciso IV, da Constituição Federal é inserido como um dos princípios fundamentais,
ao dizer que a República Federativa do Brasil tem como fundamento, os valores sociais do
trabalho, e no Capítulo II, elencando-o como um dos direitos sociais, e no artigo 170, onde
determina que a ordem econômica será fundada na valorização do trabalho humano.
Fica demonstrado que o empregado não pode ficar a mercê das leis de mercado. É
claro que são inevitáveis tais mudanças, porém, deve-se ressaltar que não é o homem que
deve servir para com a economia, mas sim a economia deve respeitar os limites
constitucionais em face ao ser humano.
Volta-se a mencionar que a questão é o desinteresse do Poder Legislativo e Poder
Executivo, em atuarem com políticas públicas que absorvam esse impacto causado pela
globalização desregulamentada, pois, infelizmente percebe-se que as políticas públicas atuais
favorecem mais os empregadores do que os empregados. Como bem ressalta Dinaura
Godinho Pimentel Gomes:
Incumbe ao Governo, com a cooperação de grupos representativos da
sociedade civil, principalmente dos grupos empresariais de grande porte,
nacionais e transnacionais, desenvolver políticas públicas voltadas, de um
108
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. O princípio da dignidade da pessoa humana e a exclusão social.
Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/32229/31455>
Acesso em: 20 out. 2010.
85
lado, ao fomento da economia de forma a propiciar o crescimento do País
em seus diversos setores e, de outro, à qualificação da mão de obra e à
capacitação profissional dos trabalhadores, mormente diante das inovações
tecnológicas, como meios de se combater o desemprego.
O que é inaceitável é o fato de a atuação legislativa permanecer na
dependência de escolhas trágicas entre tomada de posições de caráter
econômico em favor de ‗poucos‘ e valores de natureza social de alcance
geral da comunidade. Em contraposição a essa realidade, mesmo que
progressivamente, deve ser implementado, desde logo, o acesso do cidadão à
educação de qualidade, direcionada à sua formação cultural e política. É essa
uma das formas para se possibilitar a efetiva participação jurídico-política da
sociedade, por meio de grupos de interesses, não só no ato de tomada das
decisões governamentais de maior relevância, como no processo de
concretização de direitos, mais precisamente, daqueles assegurados por
normas constitucionais.109
Não há desenvolvimento se não ocorrer programas que atuem no combate ao
desemprego, a demissão em massa, a manutenção do emprego, a violência, a precariedade nos
saneamentos básicos, a qualidade da educação, saúde e demais necessidades.
André Gors defende a idéia que cabe a política a função de distribuir o trabalho
para todos, veja-se:
Uma das funções de uma política do tempo é precisamente repartir as
economias de tempo de trabalho conforme princípios não da racionalidade
econômica, mas da justiça. Tais economias resultam da obra de toda a
sociedade. A tarefa política é distribuí-las na escala de toda a sociedade de
maneira a que cada um e cada uma seja beneficiado.110
O autor austro-francês enfatiza o tema ao dizer que a redução, por exemplo, da
jornada de trabalho, seria uma alternativa para o aumento do número de empregos, porém,
relata que essa redistribuição dos empregados deve presidir de uma política planejada, tanto
quanto a sua previsão e formação. Para ele, “hoje, não há indústria, nem administração, nem
serviços público, nem empresa digna do nome que não deva planificar com quatro anos de
antecedência suas necessidades qualitativas e quantitativas de mão de obra.‖111
109
GOMES, Dinaura Godinho Pimentel. Direito do trabalho e dignidade da pessoa humana, no contexto da
globalização econômica: problemas e perspectivas. São Paulo: LTr, 2005. p. 97. 110
GORZ, André. Metamorfose do trabalho: critica da razão econômica. 2. ed. São Paulo: Annablume, 2007. p.
186. 111
GORZ, André. Metamorfose do trabalho: critica da razão econômica. 2. ed. São Paulo: Annablume, 2007. p.
186.
86
Nessa esteira, inaceitável será a empresa que demitir em massa seus empregados.
Estar-se-á frente a uma conduta contrária do que almeja a Constituição Federal, ao inserir a
função social da empresa ladeada com a valorização do trabalho humano e consequentemente
a dignidade da pessoa humana. Dinaura Godinho Pimentel Gomes ressalta que:
A dispensa coletiva, como ato socialmente injustificado, deixa de ser
caracterizada decorrente do exercício do poder de organização, ínsito no
poder de direção do empregador, por afrontar normas constitucionais que
resguardam a dignidade da pessoa humana e condicionam o exercício da
livre iniciativa à função social da empresa, no sentido de ‗assegurar: a todos
existência digna, conforme ditames sociais’ (CF, art. 173, caput). Assim, o
ato da dispensa coletiva não apenas causa privação do emprego como afasta
a empresa de sua função social, proclamada e exigida pelo ordenamento
jurídico vigente, além de atentar contra a função social do contrato (CC, art.
421). (grifo do autor)112
Por isso, frisa-se que a demissão em massa imotivada não pode ser aceita, cabendo
ao Estado resguardar acima de tudo o princípio da dignidade da pessoa humana e da
valorização do trabalho humano.
Cabe lembrar que o interesse pela preservação da dignidade da pessoa humana é
mundial, sua presença espalhou-se por vários Tratados Internacionais, como elenca Amauri
Mascaro Nascimento,
A Carta das Nações Unidas (1945) proclama a sua ‗fé nos direitos
fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana ‗. A
Declaração Universal dos Direitos dos Homem (1948) diz que ―o
reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família
humana e dos direitos iguais e inalienáveis constituem o fundamento de
liberdade, da justiça e da paz mundial‖ e que ―todos os seres humanos
nascem livres e iguais em dignidade e direitos‖. A Lei Fundamental da
Alemanha (1949) declara que a ―dignidade do homem é intangível‖. A
Constituição da Espanha (1978) dispõe que ‗a dignidade da pessoa, os
direitos invioláveis que lhes são inerentes, o livre desenvolvimento da
personalidade (...) são o fundamento da ordem política e da paz social‘. A
Constituição da Itália (1947) declara que ‗todos os cidadãos têm a mesma
dignidade social e são iguais perante a lei‖. A Constituição de Portugal
(art.1º) dispõe que ―a República é fundada sobre a dignidade da pessoa
humana e a vontade popular‘. A Constituição da Bélgica (art. 23) dispõe que
112
GOMES, Dinaura Godinho Pimentel. Direito do trabalho e dignidade da pessoa humana, no contexto da
globalização econômica: problemas e perspectivas. São Paulo: LTr, 2005. p. 134.
87
―cada um tem o direito de ter uma vida conforme a dignidade humana‖. A
Constituição do Brasil (1988), artigo 1º declara que a República tem como
fundamentos a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e o
pluralismo político. (grifo do autor) 113
Felizmente, uma decisão do TRT da 15ª Região, entendeu que a dispensa
imotivada fora utilizada de forma abusiva, sobretudo com o fundamento de prevalecer o
princípio dos direitos humanos, leia-se:
EMENTA: DISPENSA IMOTIVADA. DIREITO POTESTATIVO
UTILIZADO DE FORMA ABUSIVA E FORA DOS PARÂMETROS DA
BOA FÉ. NULIDADE. APLICAÇÃO DO ARTIGO 7o. I, DA CF/88, DOS
ARTS. 421, 422 e 472 DO NOVO CÓDIGO CIVIL, DA CONVENÇÃO
158 DA OIT E DOS PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO E DO DIREITO
INTERNACIONAL DO TRABALHO. Todos os trâmites para validade da
Convenção n. 158, da OIT, no ordenamento nacional foram cumpridos. Os
termos da Convenção são, inegavelmente, constitucionais, pois a
Constituição brasileira, no artigo 7º, I, veda a dispensa arbitrária ou sem
justa causa, e o que faz a Convenção 158 é exatamente isto. O parágrafo 2º,
do art. 5º, da CF/88, estabelece que os tratados internacionais – gênero do
qual constituem espécies as Convenções da OIT – são regras
complementares às garantias individuais e coletivas estabelecidas na
Constituição. Assim, a Convenção 158, estando de acordo com o preceito
constitucional estatuído no artigo 7º, inciso I, complementa-o. Além disso, a
Constituição Federal de 1988 previu, em seu artigo 4o, que nas relações
internacionais, a República Federativa do Brasil rege-se, dentre outros
princípios, pela prevalência dos direitos humanos (inciso II) e não se pode
negar ao direito do trabalho o status de regulação jurídica pertencente aos
direitos humanos. Assim, um instrumento internacional, ratificado pelo
Brasil, que traz questão pertinente ao direito do trabalho, há de ser aplicado
como norma constitucional, ou até mesmo, supranacional. Mesmo que os
preceitos da Convenção 158 precisassem de regulamentação (o que não se
acredita seja o caso) já se encontrariam na legislação nacional os parâmetros
dessa "regulamentação". A Convenção 158, da OIT, vem, de forma
plenamente compatível com nosso ordenamento jurídico, impedir que um
empregador dispense seu empregado por represálias ou simplesmente para
contratar outro com salário menor (...). (grifo nosso)114
A indicação que se faz a respeito é que aos poucos se cristaliza a idéia que os
Tribunais Regionais do Trabalho atuem em suas decisões aplicando os princípios
constitucionais, como o da dignidade da pessoa humana, da valorização do trabalho humano
113
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho:
relações individuais e coletivas do trabalho. 24. ed. rev, atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 409-410. 114
SALVADOR, Luiz. Despedida imotivada: TST flexibiliza o direito social, permitindo a despedida de
empregados concursados. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6351>. Acesso em: 13
out. 2010.
88
para tornarem eficaz a aplicação do artigo 7, inciso I da Constituição Federal até que surja a
Lei Complementar.
3 DA PROTEÇÃO CONTRA A DEMISSÃO EM MASSA E VALORIZAÇÃO DO
TRABALHO HUMANO
Nesse último capítulo serão apresentados os meios eficazes de proteção à demissão
coletiva, como por exemplo, a negociação coletiva, através do acordo coletivo ou da
89
convenção coletiva de trabalho, a ação civil pública como forma de reprimir ou prevenir atos
de demissão coletiva imotivada, bem como a intervenção estatal por meio de incentivos
empresariais e as políticas públicas voltadas para a proteção do trabalho humano.
3.1 CONCEITO DE DEMISSÃO EM MASSA E OS PRINCÍPIOS DO DIREITO
COLETIVO DO TRABALHO
O trabalho é um instrumento para a transformação e construção de uma sociedade
fundada em princípios éticos e morais, que são capazes de atender o mínimo esperado e
exigido para auferir uma vida digna para todos.
Ao assegurar os direitos fundamentais dos empregados, consequentemente,
minimiza-se os impactos causados pelo desemprego, por exemplo, as inseguranças providas
pela carência financeira, tais como, falta de alimentação, educação, saúde e moradia. Nesse
contexto, a Constituição Federal garante a devida proteção contra atos demissivos abusivos.
Mesmo com esse aparato constitucional que assegura o vínculo trabalhista, as
empresas atualmente demitem grupos de pessoas, alegando dificuldades financeiras, que em
alguns casos nem seria necessária a demissão em massa, mas sim um meio de usar a crise
como um ato artificioso e fraudulento; ou por uma reestruturação organizacional, como fusão
e incorporação e por novos espaços tecnológicos.
José Ricardo Prieto cita algumas empresas que utilizaram dessas práticas de
demissões em massa como:
No Brasil, a demissão alegadamente responsável costuma ser usada,
sobretudo por empresas transnacionais quando levam a cabo processos de
fusão e em momentos de grandes ‗reestruturações‘, quando o capital se
rearranja para aumentar seus lucros e invariavelmente desencadeia processos
de demissões em massa. O que as direções buscam é polir sua imagem junto
ao público em momentos nos quais mostram da forma mais escancarada sua
verdadeira natureza de exploração e chantagem.
Empresas como Volkswagen, Kaiser, Adams, Renault e Avon já se valeram
deste estratagema. Mas os primeiros programas de ‗outplacement
coletivo‘que foram implementados em nosso país aconteceram no final de
1999 e no início do ano 2000, levados a cabo pelo oligopólio de telefonia no
início dos processos de enxugamento de pessoal que foram feitos após a
privatização das telecomunicações brasileiras. Foi por esta via que a Brasil
Telecom se desfez de nada menos do que 5.569 trabalhadores da antiga
Telebrás, e depois espalhou por meio de seu departamento de relações
públicas que deixou ‗todo mundo satisfeito‘. E com a compra da BrT pela
Telemar/Oi, na maior negociata monopolista vista no Brasil nos últimos
tempos (devidamente avalizada pela gerência Luiz Inácio), um novo
90
programa para botar gente na rua com jeitinho pode estar por vir. Por
enquanto, a Oi está demitindo à moda antiga mesmo.115
Demissão é o ato pelo qual cessa as funções e obrigações entre empregado e
empregador. Nessa definição, demissão em massa ou coletiva é compreendida pela cessação
de vários contratos de trabalho ao mesmo tempo.
Maurício Godinho Delgado diferencia despedida individual de despedida coletiva,
dizendo que:
A despedida individual é a que envolve um único trabalhador, ou que,
mesmo atingindo diferentes empregados, não configura ato demissional
grupal, ou uma prática maciça de rupturas contratuais (o chamado lay-off). A
ocorrência de mais de uma dispensa em determinada empresa ou
estabelecimento não configura, desse modo, por si somente, despedida
coletiva: pode tratar-se de um número de dispensas individuais.
Já a despedida coletiva atinge um grupo significativo de trabalhadores
vinculados ao respectivo estabelecimento ou empresa, configurando uma
prática maciça de rupturas contratuais (lay-off). (grifo do autor)116
Embora não haja nenhuma lei que estipule um número de empregados para a
configuração da despedida coletiva, basta a prática da demissão imotivada que produza graves
lesões no âmbito social para emoldurar no caso de demissão em massa.
Na prática, o empregador no Brasil contrata e demite seus empregados de forma
injustificada, isto é, desmotivada. Mesmo sendo o trabalho um direito fundamental e que
concentra reflexos positivos no meio social, infelizmente, a manutenção do emprego não é
respeitada como deveria.
As demissões em massa atingem diretamente o princípio constitucional da
valorização do trabalho humano, vez que através desse princípio o trabalho deve ser
desempenhado de forma estável, dignificando o ser que ali labora.
Por isso, é importante a atuação dos sindicatos nas negociações coletivas, que
intervirá em uma melhor fixação das condições laborais, amenizando os impactos que uma
demissão em massa possa refletir em uma sociedade.
Por meio da negociação coletiva estipulam-se as condições para essa demissão,
determinando, por exemplo, se todos os empregados ali envolvidos deverão ser demitidos ou
se realmente será necessária essa demissão. Como cita Paulo Roberto Lemgruber Ebert:
115
PRIETO,José Ricardo. Mais uma gambiarra para destruir direitos trabalhistas. Disponível em: <
http://www.anovademocracia.com.br/no-53/2211-mais-uma-gambiarra-para-destruir-direitos-trabalhistas>
Acesso em: 20 jan. 2010. 116
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 1.156.
91
De fato, quando uma determinada organização empresarial opta pela
promoção de um grande número de despedidas para adequar-se às novas
conjunturas econômicas, tecnológicas ou mercadológicas, tal medida afeta a
coletividade dos trabalhadores e as relações entabuladas entre estes últimos e
a empresa naquele aspecto fundamental que possibilita e pressupõe a própria
existência das demais condições de trabalho: o vínculo empregatício.
Disso decorre o dever imposto às empresas no sentido de informar a
entidade representativa dos trabalhadores a respeito dos intentos
despeditórios e de consultá-la previamente à implementação daquela
providência drástica, possibilitando, nesse sentido, a discussão bilateral em
torno das eventuais medidas alternativas à dispensa coletiva ou, se realmente
impossível a manutenção dos vínculos empregatícios, das compensações a
serem oferecidas aos obreiros afetados.
Do contrário, estar-se-á conferindo aos empresários a prerrogativa de agir
unilateralmente no sentido de glosar o principal aspecto atinente às relações
de trabalho, em nítido prejuízo da coletividade obreira, frustrando-se, dessa
forma, o desígnio de igualdade material entre empresa e sindicato
profissional que subjaz ao princípio da negociação coletiva e que
condicionou toda a evolução histórica do conceito.117
Deve-se interpretar os direitos sociais mencionados na Constituição Federal, no
artigo 7º, os quais têm por escopo melhorar as condições sociais do empregado,
sistematicamente aos primados da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho,
elencados no artigo 1º, incisos III e IV, e com o princípio da busca pelo pleno emprego,
disposto no artigo 170, inciso VIII, para garantir a redução das desigualdades regionais e uma
sociedade livre, justa e solidária, conforme disposto no artigo 3º, incisos I e III.
Com todos esses preceitos constitucionais, não há como demitir sem antes se
submeter aos procedimentos prévios da negociação coletiva, pois, por meio desta surgirão
resultados menos impactantes e degradantes para com os empregados e a sociedade.
Vale destacar o princípio da função social da empresa, disposto na Constituição
Federal artigo 5º, inciso XXIII e 170, inciso III, princípio este que destoa da demissão em
massa por objetivar que as empresas atuem de forma voltada ao cunho social e não só
patrimonial. Parte do princípio que não deve haver demissão em massa sob alegações de
estabilidade econômica, quando na verdade não há dados que comprovem esse índice e sim
uma gestão voltada somente ao lucro.
117
EBERT, Paulo Roberto Lemgruber. O direito à negociação coletiva e as despedidas em massa: os deveres de
participação do sindicato profissional nas tratativas prévias e de atuação das partes segundo a boa-fé. Disponível
em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13005> . Acesso em: 01 dez. 2010.
92
Ainda mais que com o aumento do desemprego a enorme oferta de mão de obra no
mercado gera as flexibilizações negativas, propensas a novas contratações, com valores
inferiores de salários, bem como fixação de condições de trabalho por parte do empregador,
incidindo em propostas patronais tendenciosas e unilaterais, sempre com objetivo voltado ao
lucro, destoando de todo o ordenamento constitucional.
Estatisticamente, a demissão em massa é um fator preocupante nas sociedades
como ressalta Fernanda Gomes dos Santos:
Os números da demissão no mundo são alarmantes. Desde o final da década
de 80, crescem os processos de demissão em massa. Em 1989, mais de 550
mil pessoas foram involuntariamente desligadas de seus empregos no
Canadá e 350 mil no Japão. Na Europa Central e Oriental, entre 1990 e
1991, mais de 3,7 milhões de pessoas perderam empregos nos setores
industrial, agrícola e de construção civil.
No Brasil, as empresas começaram a enxugar seus quadros de pessoal de
forma sistemática a partir da década de 90. Entre 1991 e 1994, cerca de 35
grandes empresas realizaram demissões em massa e muitas dessas
organizações eram modelos em práticas administrativas. Em 2003, a
Eastman Kodak divulgou a eliminação de 4,5 mil a seis mil postos de
trabalho porque não tinha alcançado as previsões de lucro no ano devido à
retração nas vendas de filme fotográfico no varejo. O número de demissões
equivale de 6,4% a 8,6% da força de trabalho da companhia no mundo todo
até o final de 2002. Em 2003, a Volkswagen do Brasil anunciou a dispensa
de quase quatro mil funcionários, com o intuito de cortar 16% de sua força
de trabalho no Brasil e contornar os efeitos das crises no setor automotivo
brasileiro onde a queda das vendas no Brasil foi da ordem de 21,3% no
primeiro semestre. Vemos também que o desemprego é uma constante que
aumenta a cada ano. A Organização Internacional do Trabalho (OIT)
divulgou recentemente que, 185,9 milhões de pessoas no mundo não tinham
emprego no ano de 2003, o que equivale a toda uma população brasileira
sem trabalho. Segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), a taxa média de desemprego no Brasil foi de
12,3% em 2003. 118
De acordo com esses índices a impressão que se tem é que o Estado em
contrapartida está se abstendo de programar políticas públicas eficientes, que contribuam para
o aumento e permanência de empregos, a fim de reduzir as demissões em massa.
Não é crível aceitar, por exemplo, que as empresas utilizem da crise financeira
para demitirem, quando na verdade podem através de suas gestões atuarem de forma diversa,
118
SANTOS, Fernanda Gomes dos. Responsabilidade social e demissões em massa: um olhar de relações
públicas no rela no relacionamento com o público interno. Disponível em: <
http://www.ethos.org.br/_Uniethos/Documents/RESPONSABILIDADE%20SOCIAL%20E%20DEMISS%C3%
95ES%20EM%20MASSA.pdf > Acesso em: 20 jan. 2010.,
93
uma vez que, os fatores econômicos não condizem com a transparência e a responsabilidade
que as empresas deverão manter para com seus empregados.
O Estado deve atuar de forma direta contra essas condutas, até porque é impossível
combater a erradicação das desigualdades regionais, conforme artigo 3º da Constituição
Federal com um aumento alarmante de desempregados.
Portanto, a demissão em massa deve ser abolida das práticas empresariais, tendo
em vista ser o trabalho o fator preponderante para existência digna a todos, erradicando-se as
desigualdades regionais que possam surgir em meio a um país subdesenvolvido como é o
Brasil.
3.1.1 Princípios do Direito Coletivo do Trabalho
Considerando que a relação de emprego deve ser protegida contra as demissões em
massa imotivadas, os princípios do Direito Coletivo do Trabalho são de suma importância por
condicionar as relações de emprego nos moldes constitucionais, frente às desigualdades
existentes entre empregado e empregador.
Comenta Miguel Reale que os princípios são as bases do direito e que é uma
verdade implícita e necessária, veja-se:
Na realidade, não precisava dizê-lo, porque é uma verdade implícita e
necessária. O jurista não precisaria estar autorizado pelo legislador a invocar
princípios gerais, aos quais deve recorrer sempre até mesmo quando
encontra a lei própria ou adequada ao caso. Não há ciência sem princípios,
que são verdades válidas para um determinado campo do saber, ou para um
sistema de enunciados lógicos. Prive-se um ciência de seus princípios, e tê-
la-emos privado de sua substância lógica, pois o Direito não se funda sobre
normas, mas sobre os princípios que as consolidam e as tornam significantes. 119
O artigo 8º da Consolidação das Leis do Trabalho consagra os princípios gerais do
direito ao mencionar que na ausência de disposições legais ou contratuais, as autoridades da
Justiça do Trabalho decidiram com base nos princípios gerais de direito. A Lei de Introdução
ao Código Civil também contempla o uso dos princípios, quando a lei for omissa, em seu
artigo 4º.
Nesse contexto, Nayron Divino Toledo Malheiros, afirma que:
119
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. v, I. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 1975. p.57
94
No campo das fontes do direito do trabalho podemos classificá-las de
diversas formas, ela podem ser Formais quando possuem caráter baseado no
Direito Positivo sendo que estas podem ser diretas (a constituição, leis em
geral, decretos, portarias, regulamentos, instruções, costumes, as sentenças
normativas, os acordos e convenções coletivas, os regulamentos de empresa
e os contratos de trabalho) ou indiretas (jurisprudência, doutrina, princípios
gerais do direito e o direito comparado), e temos também as fontes materiais
que são um complexo de fatores que ocasionam o surgimento de normas,
envolvendo fatos sociais e valores que o direito procura realizar e proteger
Também podemos fazer a distinção entre as fontes heterônomas e as
autônomas.
Heterônomas – são aquelas fontes impostas por um agente externo, temos
como exemplo a constituição, leis, decretos, sentença normativa.
Autônomas - são aquelas fontes criadas pelas próprias partes interessadas,
como, por exemplo, contrato de trabalho, o acordo coletivo, a convenção.120
Os princípios do Direito Coletivo objetivam demonstrar a própria afirmação da
figura do ser coletivo obreiro e as relações de trabalho que envolva os empregadores e a
organização dos trabalhadores.
Diferentemente dos princípios do Direito Individual em que o empregado é
individualizado, no âmbito coletivo, a extensão apresentada compreende empregados e
empregadores, pressupondo uma relação entre os dois sujeitos de direito.
Porém, mesmo com essa diferença, o Direito Individual e o Direito Coletivo do
Trabalho se correlacionam. Nas palavras de Maria Cecília Máximo Teodoro:
Os princípios do universo individual alimentam os princípios do universo
coletivo, ambos haurem-se da seiva comum – o trabalho humano - , ambos
comunicam-se e interligam-se interna e externamente na meta maior de se
encontrar uma harmonia entre o capital e o trabalho, preocupados com a
dignidade da pessoa humana.
[...]
Assim, não há como se implementar uma pesquisa sobre os princípios de
Direito do Trabalho sem que se atente para a natureza dual, que envolve
valores individuais e coletivos unos e coesos.
A fragmentação de objetivos importaria em enfraquecimento de uma das
mais importantes e efetivas formas de consolidação de normas protetivas e
valorizadoras do trabalho do homem na sociedade contemporânea.121
Vale citar como princípios do Direito Coletivo do Trabalho, o da liberdade
associativa e sindical, da autonomia sindical, o da interveniência sindical na normatização
120
MALHEIROS, Nayron Divino Toledo. Princípios e fontes do direito do trabalho. Disponível em:
<http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1184>. Acesso em: 09 fev. 2011. 121
TEODORO, Maria Cecília Máximo. O princípio da adequação setorial negociada no direito do trabalho.
São Paulo: LTr, 2007. p. 71- 72.
95
coletiva, o da equivalência dos contratantes coletivos, o da lealdade e transparência nas
negociações coletivas e o princípio da adequação setorial negociada.
Maurício Godinho Delgado relacionou esses princípios acima mencionados em
três grupos, veja-se:
Em tal quadro, os princípios do Direito Coletivo do Trabalho podem ser
classificados em três grandes grupos, segundo a matéria e objetivos neles
enfocados. Trata-se, pois, do grupo de diretrizes assecuratórias das
condições de emergência e afirmação da figura do ser coletivo obreiro; das
diretrizes que regem as relações entre os seres coletivos obreiros e
empresariais, no contexto da negociação coletiva; finalmente, o grupo de
diretrizes que informam as relações e efeitos perante o universo e
comunidade jurídicos das normas produzidas pelos contratantes coletivos.
(grifo do autor)122
Para o autor, o primeiro grupo elencado, ou seja, diretrizes assecuratórias das
condições de emergência e afirmação da figura do ser coletivo obreiro viabilizam a existência
da própria organização coletiva dos trabalhadores. Faz parte desse grupo o princípio da
liberdade associativa e sindical e da autonomia sindical.
Em relação ao segundo grupo, que regem as relações entre os seres coletivos
obreiros e empresariais, no contexto da negociação coletiva, os princípios têm por fim reger
as relações grupais providas pelo próprio Direito Coletivo. Enquadra-se nesse rol, o princípio
da interveniência sindical na normatização coletiva, o da equivalência dos contratantes
coletivos, bem como o da transparência nas negociações coletivas.
O terceiro grupo, informa as relações e efeitos perante o universo e comunidade
jurídicos das normas produzidas pelos contratantes coletivos, os quais visam a clarear as
relações e os efeitos das normas do Direito Coletivo, proveniente das negociações coletivas,
com as normas do Direito Individual do Trabalho. Elencam-se nesse grupo, os princípios da
criatividade jurídica da negociação coletiva e o da adequação setorial negociada.
O Princípio da Liberdade Associativa e Sindical está calcado no artigo 5º, inciso
XX, da Constituição Federal, ao dizer que: ―ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a
permanecer associado‖.
Pode ser cingido em liberdade de associação e liberdade sindical. Nesse contexto,
por liberdade sindical de associação, assegura a iniciativa de reunião desde que seja pacífica
e lícita e que comuniquem através de aviso prévio às autoridades. Por liberdade sindical,
122
DELGADO, Maurício Godinho. Direito coletivo do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 42.
96
exprime a própria liberdade de criar e extinguir sindicatos, bem como a decisão dos
indivíduos de filiarem ou desfiliarem do mesmo.
Maurício Godinho Delgado e Renato Saraiva, dispõem que:
Liberdade Associativa e Sindical: Se divide em dois – liberdade de
associação, mais abrangente; e liberdade sindical.
O principio da liberdade de associação assegura conseqüência jurídico-
institucional a qualquer iniciativa de agregação estável e pacifica entre
pessoas, independentemente de seu segmento social ou dos temas causadores
da aproximação. Não se restringe, portanto, à área e temáticas econômico-
profissionais (onde se situa a idéia de liberdade sindical).
Art. 5º, XVI e XVII da CF/88 (todos podem reunir-se pacificamente, sem
armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização,
desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o
mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade
competente.../... é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a
de caráter paramilitar.)
A liberdade associativa tem uma dimensão positiva (prerrogativa de livre
criação e/ou vinculação a uma entidade associativa) ao lado de uma
dimensão negativa (prerrogativa de livre desfiliação da mesma entidade).
Art. 5º, XX, CF/88 (ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a
permanecer associado.)
O principio da Liberdade Sindical engloba as mesmas dimensões positivas e
negativas já referidas, concentradas no universo da realidade do
sindicalismo. Abrange, desse modo, a liberdade de criação de sindicatos e de
sua auto-extinção (com a garantia de extinção externa somente através de
sentença judicial regularmente formulada). Abrange, ainda, a prerrogativa de
livre vinculação a um sindicato assim como a livre desfiliação de seus
quadros. Art. 8º, V da CF/88 – (ninguém será obrigado a filiar-se ou manter
filiado a sindicato.)123
(grifo do autor)
A autonomia sindical é outro princípio do Direito Coletivo do Trabalho, o qual
assegura a própria existência e garante a auto-gestão das organizações associativas e sindicais
dos trabalhadores, sem qualquer interferência, tanto por parte empresarial, bem como estatal.
Nos dizeres de Maurício Godinho Delgado:
Tal princípio sustenta a garantia de autogestão às organizações associativas
e sindicais dos trabalhadores, sem interferências empresariais ou do Estado.
Trata ele, portanto, da livre estruturação interna do sindicato, sua livre
atuação externa, sua sustentação econômica-financeira e sua desvinculação
de controles administrativos estatais ou em face do empregador .(grifo do
autor)124
123
DELGADO, Maurício Godinho; SARAIVA, Renato. Direito do trabalho coletivo. Disponível em: <
http://www.scribd.com/doc/23333886/DIREITO-DO-TRABALHO-COLETIVO>. Acesso em: 01 nov. 2010.
97
E mais, para Maria Cecília Máximos Teodoro:
O princípio da autonomia sindical é de grande importância, principalmente
pelo percurso histórico do sindicalismo no Brasil, que em seu nascedouro
encontrava-se fortemente atrelado e controlado pelo Estado. Assim, essa
diretriz representa um grito de liberdade das associações sindicais obreiras e,
como tal, deve ser privilegiado e desenvolvido.125
Quanto ao Princípio da Interveniência Sindical na Normatização Coletiva pode-se
afirmar que este princípio determina que somente será válido o processo negocial, se houver a
interferência do sindicato.
O artigo 8º, inciso III e VI, da Constituição Federal, dita que:
ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais
da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas e, é
obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de
trabalho.
Assim, não há em o que se falar em negociação coletiva do trabalho, se não
constar a presença do sindicato nesta negociação, deste modo, qualquer negociação feita pelo
empregado e empregador não terá validade para fins coletivos, em sendo interpretada como
uma simples cláusula contratual. Até porque, a lei foi claro ao conduzir somente poderes aos
sindicatos em criar normas jurídicas coletivas, não estendendo esse poder aos empregadores.
Defende Maurício Godinho Delgado e Renato Saraiva, que:
A presente diretriz atua, pois, como verdadeiro principio de resistência
trabalhista. E corretamente, pois não pode a ordem jurídica conferir a
particulares o poderoso vinculo de criação de normas jurídicas (e não
simples clausulas contratuais) sem uma consistente garantia de que os
interesses sociais mais amplos não estejam sendo adequadamente
resguardados. E a presença e a atuação dos sindicatos têm sido consideradas
na história do Direito do Trabalho uma das mais significativas garantias
alcançadas pelos trabalhadores em suas relações com o poder empresarial.126
Com relação ao Princípio da Equivalência dos Contratantes Coletivos, este
assegura a igualdade dos contratantes, isto é, empregado e empregador para fins de equilibrar
as negociações.
124
DELGADO, Maurício Godinho. Direito coletivo do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 51. 125
TEODORO, Maria Cecília Máximo. O princípio da adequação setorial negociada no direito do trabalho.
São Paulo: LTr, 2007. p. 74. 126
DELGADO, Maurício Godinho; SARAIVA, Renato. Direito do trabalho coletivo. Disponível em: <
http://www.scribd.com/doc/23333886/DIREITO-DO-TRABALHO-COLETIVO> Acesso em: 01 nov. 2010.
98
Este princípio equipara-se ao princípio da equivalência material exigido nas
obrigações contratuais. Não restam dúvidas que tal princípio provém da garantia da igualdade
entre as partes, isto é, refere-se ao próprio princípio da isonomia. Nesse contexto Rodolfo
Pamplona Filho, reforça essa afirmativa, ao dizer que:
Por fim, no que diz respeito aos novos princípios sociais contratuais, há de se
incluir o princípio da equivalência material entre as partes.
Embora não explicitado expressamente como os princípios anteriores, tal
princípio se encontra consagrado em diversos dispositivos, consistindo na
idéia básica de que, nos contratos, deve haver uma correspondência, a saber,
equivalência, de obrigações entre as partes contratantes.
O princípio inspirador desse princípio contratual é, sem sombra de dúvida, o
princípio da isonomia, pois, sabendo-se utópica a idéia de igualdade real
entre as partes, é preciso tutelar mais um dos contratantes, tratando-os
desigualmente na medida em que se desigualam.
Tal concepção influenciou, por certo, a construção da autonomia dos
microssistemas jurídicos, como a disciplina trabalhista e a consumista, em
que o reconhecimento da desigualdade fática dos sujeitos impôs um
tratamento diferenciado para, juridicamente, tê-los como equivalentes
materialmente.127
O Princípio da Lealdade e Transparência na Negociação Coletiva fundamenta-se
na boa-fé e clareza diante à negociação. As negociações coletivas são equiparadas aos
negócios jurídicos, uma vez que a aplicabilidade do princípio da boa-fé destaca-se nas
decisões providas pelas negociações coletivas.
Desta forma, encontram-se respaldos jurídicos nos artigos 187 e 422 do Código
Civil, ao dispuserem que cometerá ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo,
extrapola os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons
costumes e no tocante a resguardarem até a conclusão do contrato, bem como em sua
execução os princípios de probidade e boa-fé.
Nessa linha, a intenção a ser negociada deve se pautar por propostas e concessões
garantidas de boa fé, vedando qualquer ato que configure condutas unilaterais, que por sua
vez tende a alterar o objeto da negociação. As negociações coletivas devem ser explícitas,
prestando as devidas informações, e não ignorar as questões de interesses das partes, pois só
assim, cumprirá com a transparência exigida.
Como menciona Paulo Roberto Lemgruber Ebert:
127
PAMPLONA, Rodolfo Filho. Esboçando uma teoria geral dos contratos. Disponível em: <
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6726 >. Acesso em: 02 nov. 2010.
99
Do exposto nas presentes linhas, observa-se que a cláusula geral da boa-fé
aplicável à negociação coletiva e pautada pelos fins sociais e econômicos
desta, tem por conteúdo negativo a vedação de qualquer conduta ou omissão
passível de causar desequilíbrio na equação de forças existente entre a
empresa e o sindicato obreiro, de modo a colocar uma parte em posição de
inadequada preponderância sobre a outra.
Sob o ângulo oposto, a cláusula geral de boa-fé subjacente ao princípio da
negociação coletiva impõe, positivamente, a adoção de comportamentos
imbuídos do real intuito de discutir os aspectos pertinentes às relações de
trabalho que interessam tanto à empresa quanto à generalidade dos
trabalhadores e de buscar soluções acordadas, de modo a zelar pela
manutenção da igualdade material entre os referidos atores sociais.
Assim, diante do conteúdo do dever geral de boa-fé a permear o princípio do
estímulo à negociação coletiva, tem-se que os atos e negócios jurídicos
decorrentes da atuação das partes em desalinho com aquele desígnio de
igualdade material serão nulos de pleno direito, por expressa disposição do
art. 187 do Código Civil.128
Nessa esteira, a sonegação de informações, ou qualquer outro ato que venha
insurgir contra o princípio da boa-fé nas negociações coletivas, como por exemplo, simulação,
coações, de qualquer uma das partes, configurará uma negociação nula de pleno direito.
O Princípio da Criatividade Jurídica da Negociação Coletiva justifica que os
processos negociais tem o condão de criar normas jurídicas próprias, desde que sejam
compatíveis com as normas estatais.
No tocante ao Princípio da Adequação Setorial Negociada, visa a estipular os
critérios a serem seguidos pelas negociações coletivas, a fim de adequar-se às normas estatais
existentes. Este princípio será o mais importante entre os demais para viabilizar o estudo do
tema do trabalho.
Pode-se dizer que o Princípio da Adequação Setorial Negociada é um princípio
que ganhou espaço nas relações trabalhistas com o advento da Constituição Federal de 1988,
portanto, a sua aplicabilidade é relativamente nova. Como afirma Maria Cecília Máximo
Teodoro:
Com o advento da Constituição da República de 1988, criaram-se as bases,
realmente, mais sólidas para a produção de normas jurídicas, via negociação
coletiva, como meio de democratizar o Direito do Trabalho e deslocar a
128
EBERT, Paulo Roberto Lemgruber. O direito à negociação coletiva e as despedidas em massa: os deveres de
participação do sindicato profissional nas tratativas prévias e de atuação das partes segundo a boa-fé. Disponível
em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13005> . Acesso em: 01 nov. 2010.
100
solução do conflito entre o capital e o trabalho para um âmbito mais próximo
dos seus principais atores.
Desta feita, trata-se a adequação setorial negociada de princípio
justrabalhista relativamente novo, uma vez que os fatores articuladores de
sua estrutura surgiram com o advento da CR/88, que procurou estabelecer
uma maior valorização para a negociação coletiva, a partir da observação,
pelo seu sindicato, a categoria profissional estaria em condições técnicas e
econômicas próximas às do sindicato profissional correspondente ou mesmo
de determinada empresa, que, ainda que atuando individualmente, deve ser
considerada um ser coletivo.129
O primeiro ponto a destacar diante o Princípio da Adequação Setorial Negociada
trata-se da própria negociação coletiva válida, isto é, as partes deverão ser coletivas, não
podendo, por exemplo, o empregado individualizado, ou vários empregados serem
legitimados para celebrar qualquer norma coletiva, pois, terão de estar representados pelos
seus respectivos sindicatos.
Outro aspecto é que através desse princípio acima mencionado, o dissabor que um
contrato individual de trabalho possa trazer pelo fato de ser um contrato de adesão é
suprimido em face à bilateralidade que deve existir nas negociações coletivas.
Feitas tais ressalvas, a negociação coletiva, (a qual terá maior ênfase nos próximos
tópicos) é realizada, e desta provém uma norma jurídica. Nesses termos, como deverá
relacionar uma norma autônoma, isto é, fruto de uma negociação coletiva com uma norma
estatal, heterônoma, elaborada pelo Estado no exercício de seu poder legiferante?
As discussões a respeito desse tema permeiam as opiniões doutrinárias,
difundindo-se em entendimentos que a norma autônoma deve prevalecer à norma heterônoma,
e por outro lado entendimentos que uma norma autônoma não deve prevalecer à norma
heterônoma, pelo fato de temer a supressão das garantias asseguradas pela norma heterônoma.
Como diz Claudio Penedo Madureira:
Como dito, assume relevância a capacidade normativa dos agentes sociais,
que se implementa por meio dos acordos e convenções coletivas e que é
própria do Direito do Trabalho. Essa atividade normativa autônoma,
fundamenta aquilo que, em doutrina, convencionou-se chamar normas
negociais (ou ‗negociado‘). Ocorre que essas normas autônomas, ditas
negociais, não são as únicas existentes no sistema. Com elas concorrem, e,
por vezes, a elas se contrapõem, normas jurídicas estatais, que, segundo os
doutrinadores compõem o chamado ‗legislado‘.
129
TEODORO, Maria Cecília Máximo. O princípio da adequação setorial negociada no direito do trabalho.
São Paulo: LTr, 2007. p. 78.
101
Há quem afirme, de um lado, que a norma autônoma, como máxima
expressão da liberdade de negociação entre os agentes sociais (‗negociado‘),
deve prevalecer sobre as normas estatais heterônomas. De outro lado,
posicionam-se aqueles que, temendo a supressão das garantias conferidas
pela lei aos trabalhadores, advogam a prevalência do legislado130
No intuito de resolver esse conflito de normas, vislumbra-se à aplicação do
princípio da norma mais favorável e duas teorias surgem para tentar explicar qual será o
melhor critério a ser escolhido, quais sejam a teoria da acumulação e a teoria do
conglobamento.
Explica Maria Cecília Máximo Teodoro que a teoria da acumulação ―sustenta que
podem ser extraídas de cada diploma as disposições mais favoráveis, somando as vantagens
de cada uma delas, ainda que tenham natureza diversa.‖131
Essa teoria acima mencionada é bastante criticada pelo fato de causar a ruptura de
todo um sistema, indicando um favorecimento ao trabalhador, violando a harmonia até então
pactuada nas negociações coletivas, tornando-as instáveis e inseguras.
A outra teoria que atualmente é a mais aceita pela doutrina, ou seja, a teoria do
conglobamento, não aceita o recorte de uma norma ou outra. Por sua vez, considera o caráter
unitário de cada norma. Nos dizeres de Maria Cecília Máximo Teodoro:
Pela teoria do conglobamento, denominada de incindibilidade ou do
conjunto, ‗considera-se o caráter unitário de cada regime, realizando o
procedimento comparativo entre o mesmo universo temático‘, excluindo a
possibilidade de aplicar simultaneamente as normas mais favoráveis de um
conjunto normativo e de outros, desconsiderando o referido caráter
unitário.132
Vale lembrar que o princípio da adequação setorial negociada só poderá prevalecer
se a norma elaborada pela negociação coletiva não for de caráter de direitos de
indisponibilidade absoluta, como por exemplo, determinar em uma negociação a isenção do
pagamento do salário mínimo a determinado grupo de empregados.
Nesses moldes, a aplicação da teoria do conglobamento só será eficaz se as normas
autônomas forem mais amplas que os direitos já existentes das normas heterônomas e, normas
que não atinjam os direitos indisponíveis absolutamente.
130
MADUREIRA, Claudio Penedo. Negociado x legislado. Disponível em:
<http://jus.uol.com.br/revista/texto/5473/negociado-x-legislado >. Acesso em: 03 nov. 2010. 131
TEODORO, Maria Cecília Máximo. O princípio da adequação setorial negociada no direito do trabalho.
São Paulo: LTr, 2007. p. 88. 132
Ibidem. p 89.
102
3.2 DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA E DEMISSÃO EM MASSA
As relações entre empregado e empregador, nem sempre resultam de interesses
iguais. Nesse contexto, os conflitos trabalhistas em face à pretensão oposta surgem no meio
jurídico e por sua vez carecem de uma solução plausível de seriedade para efetivar a justiça
perquirida pelas partes.
Maria Cristina Haddad de Sá classifica os conflitos coletivos do trabalho em
econômicos e jurídicos, veja-se:
Classificam-se os conflitos coletivos de trabalho em econômicos e jurídicos.
Estes objetivam aplicar ou interpretar a norma já existente ou prestes a ser
elaborada; já aqueles têm por fim a criação das normas coletivas de trabalho
ou de melhores condições salariais.
Em se tratanto de conflito coletivo de trabalho, podemos obter dois tipos de
soluções: a) as diretas: a negociação coletiva, objeto do nosso estudo, a
greve e o lockout, sendo este último proibido por nossa legislação; b) as
indiretas, que compreendem: a conciliação, a mediação, a arbitragem e a
jurisdição.133
No estudo em questão, interessa a solução direta, isto é a negociação coletiva, que
se originou pela omissão estatal referente às questões sociais, no período liberalista. No
dizeres de Amauri Mascaro Nascimento:
A origem das negociações coletivas é atribuída à fase da qual o Estado era
omissivo diante da questão social, diante da sua política liberalista, com o
que surgiu a espontânea necessidade de organização dos trabalhadores em
torno das organizações sindicais. Com a força da greve, os trabalhadores
conseguiram levar seus empregadores a concessões periódicas,
especialmente de natureza salarial, estendendo-se para outros tipos de
pretensões, hoje as mais generalizadas.
Formou-se assim um direito do trabalho autônomo, que para alguns é
denominado direito profissional; para outros, como Gurvitch, direito social,
na Itália contemporânea merecendo aceitação a teoria da autonomia coletiva
dos particulares. 134
(grifo do autor)
A negociação coletiva está elencada nos moldes do artigo 7º, inciso XXVI da
Constituição Federal, o qual reconhece para efeitos legais as convenções coletivas e os
acordos coletivos do trabalho. É fundamentada também na Consolidação das Leis do
133
SÁ, Maria Cristina Haddad de. Negociação coletiva de trabalho no Brasil. São Paulo: LTr, 2002. p. 34.
103
Trabalho, no artigo 616, § 4º, ao dispor que primeiro deverá esgotar as vias providas pela
formalização da Convenção Coletiva ou Acordo Coletivo para posteriormente ingressar com
um processo de dissídio coletivo de natureza econômica.
Os dispositivos acima mencionados demonstram-se uma grande transformação
social do Brasil, pois, a negociação coletiva evolui-se para as conquistas sociais trabalhistas,
dando oportunidade de expressão principalmente para com os empregados.
Outro ponto a destacar é que a negociação coletiva é a própria expressão da
democracia pluralista, isto é, será através das negociações coletivas que proveram novas
normas editadas não pela vontade estatal, mas sim pelas partes que convencionarem.
Essas novas normas prezam principalmente a dignidade da pessoa humana, os
valores sociais do trabalho que em muitas vezes não são garantidos pelo legislativo, diante de
sua inércia e morosidade em produzir normas, bem como pelo fato que nas negociações
coletivas o interesse das partes demonstra-se mais próximo à realidade e às necessidades dos
assuntos específicos ali tratados, diferentemente de uma democracia monista, que regula
interesses gerais.
Para Ari Possidonio Beltran a autonomia sindical é fundamentada nos princípios
da liberdade e democracia, os quais garantem a faculdade de criar normas próprias, regulando
seus próprios interesses, veja-se:
Há de se destacar na órbita do Estado democrático à autonomia coletiva, que
consiste no reconhecimento – que a ordem jurídica outorga aos grupos
sociais organizados – de regular seus próprios interesses. Trata-se de
expressão da democracia pluralista, em que, em oposição ao monopólio do
Estado na produção do jurídico (monismo), há a diversificação de fontes de
produção do Direito (pluralismo). Em tal contexto, a autonomia sindical é
fundamentada nos princípios da liberdade e da democracia. Não se
confunde, é claro, com a soberania, que pertence ao Estado, mas a despeito
de estar limitada pela ordem estatal, ostenta a faculdade de criar normas
próprias, independentemente daquela. A autonomia coletiva está, pois, nos
seguintes planos: a) autonomia institucional (auto-organização e auto-
regulação interna); b) autonomia normativa (autonomia coletiva em sentido
estrito, com amplo poder de negociação e contratação); c) autonomia
representativa (poder de representação dos interesses do grupo); e,
finalmente, d) autotutela coletiva (poder de defesa dos interesses do grupo
por meio de ação direta, sendo a greve a mais poderosa forma de
exteriorização conflitiva que visa ao atendimento de reivindicações
econômicas ou profissionais). 135
134
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho:
relações individuais e coletivas do trabalho. 24. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 259.
104
A negociação coletiva está definida no artigo 2º, da Convenção n.154, da
Organização Internacional do Trabalho, adotado em Genebra, em 1981, durante a 67ª Reunião
da Conferência Internacional do Trabalho, que dispõe:
Para efeito da presente Convenção, a expressão ‗negociação coletiva‘
compreende todas as negociações que tenham lugar entre, de uma parte, um
empregador, um grupo de empregadores ou uma organização ou várias
organizações de empregadores, e, de outra parte, uma ou várias organizações
de trabalhadores, com o fim de:
fixar as condições de trabalho e emprego; ou regular as relações entre
empregadores e trabalhadores; ou regular as relações entre os empregadores
ou suas organizações e uma ou várias organizações de trabalhadores, ou
alcançar todos estes objetivos de uma só vez136
Percebe-se que o objetivo dessa Convenção n. 154 da OIT é a de estimular a
prática de negociações coletivas, isto porque, será através de uma negociação coletiva que as
relações trabalhistas fruem de maneira mais próxima a realidade dos envolvidos,
prevalecendo à flexibilidade por anseios almejados.
Pode ser conceituada a negociação coletiva, como o mecanismo pelo qual as
partes, empregado e empregador, devidamente representados pelos seus sindicatos,
solucionam conflitos até então existentes, fixando novas condições e adequações para as
partes envolvidas.
Para João de Lima Teixeira Filho:
A negociação coletiva de trabalho pode ser singelamente definida como o
processo democrático de autocomposição de interesses pelos próprios atores
sociais, objetivando a fixação de condições de trabalho aplicáveis a uma
coletividade de empregados de determinada empresa ou de toda uma
categoria econômica e a regulação entre as entidades estipulantes.137
Nos dizeres de Maria Cecília Máximo Teodoro:
A negociação coletiva consiste no poder de auto-regulamentação conferido
aos entes coletivos - sindicato obreiro e empresa ou sindicato patronal –
135
BELTRAN, Ari Possidonio Beltran apud MEDEIROS, Mauro. A interpretação da convenção coletiva do
trabalho. São Paulo: Ltr, 2003. p.74. 136
INSTITUTO AMP. Decreto Legislativo nº 22, de 1992. Dispõe sobre Negociação Coletiva
<http://www.institutoamp.com.br/oit154.htm>. Acesso em: 02 dez. 2010. 137
TEIXEIRA FILHO, João de Lima apud SÁ, Maria Cristina Haddad de. Negociação coletiva de trabalho no
Brasil. São Paulo: LTr, 2002. p. 38.
105
para, por meio de concessões recíprocas, elaborarem cláusulas aplicáveis às
relações individuais de trabalho das categorias envolvidas na transação.138
No entender de Amauri Mascaro Nascimento, as ― negociações coletivas são uma
técnica que trabalhadores e empregados podem usar para a autocomposição dos seus conflitos
coletivos de trabalho.‖139
A própria lei confere a liberdade das partes interessadas de convencionarem
através de seus órgãos representativos privados, mas, deve-se ressaltar que essa liberdade é de
caráter relativo como explica Pedro Vidal Neto:
É igualmente inconcebível que a autonomia negocial coletiva seja absoluta.
Autonomia é, sempre, um poder de decisão em determinada esfera de
competência. A ampliação de sua área aumenta seu perímetro mas não pode
remover seus limites. O inevitável choque de autonomias contrapostas
muitas vezes compromete interesses maiores e valores superiores. Se, na
concepção plenamente vitoriosa do pluralismo jurídico, a legislação não
deve ser a única fonte de direito, não pode, porém ser dispensada como
processo de produção normativa. A lei é, afinal a expressão da soberania da
Nação e deve ter em vista a utilidade comum, o interesse geral. Ao menos as
primeiras determinações de estruturas e princípios para a explicitação da
Constituição devem ser feitas pela lei e só podem ser feitas por ela. 140
A negociação coletiva possui caráter jurídico, uma vez que está amparada pelos
dispositivos tanto da Constituição Federal, artigo 114, § 2º, e na Consolidação das Leis
Trabalhistas, no artigo 616, § 4º, e, portanto, caráter obrigatório, diante os imperativos legais
mencionados. Desta feita, obrigam-se as partes ao seu cumprimento.
Não só no Brasil, mas em outros países esse caráter obrigatório é aplicado.
Sublinha Amauri Mascaro Nascimento que:
A negociação coletiva na maioria dos países é obrigatória por força de lei,
como a Ley Federal del Trabajo, do México (art.387), a Consolidação das
Leis do Trabalho, do Brasil (art. 616), o Código de Trabajo, da Costa Rica
(art. 56), a Ley de Trabajo, da Venezuela (art. 50) e outras. Há países em que
a contratação, e não apenas a negociação, é obrigatória.141
(grifo do autor)
138
TEODORO, Maria Cecília Máximo. O princípio da adequação setorial negociada no direito do trabalho.
São Paulo: LTr, 2007. p. 79. 139
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho:
relações individuais e coletivas do trabalho. 24. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 258. 140
VIDAL NETO, Pedro apud SÁ, Maria Cristina Haddad de. Negociação coletiva de trabalho no Brasil. São
Paulo: LTr, 2002. p. 37. 141
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho:
relações individuais e coletivas do trabalho. 24. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 1354.
106
Diferentemente do Brasil, vale lembrar, que as demissões em massa, em países
como a França e a Espanha, determinam procedimentos específicos para esse tipo de
demissão, como é o caso de determinar a obrigatoriedade de motivar essa demissão coletiva;
as formas de atenuação das conseqüências causadas pela demissão; estabelecimentos de
condutas de acordo com o número de empregados; entre outros procedimentos. Paulo Roberto
Lemgruber Ebert, diz que:
No plano das legislações domésticas dos Estados, importa fazer menção, a
título exemplificativo, ao art. 51, §§ 2° e 4°, do Real Decreto n° 23/95, da
Espanha (‗Estatuto de los Trabajadores‘), e ao artigo 1.233 do Código do
Trabalho francês, que, no fito de viabilizar a ampla negociação entre os
atores sociais anteriormente à implementação de despedidas coletivas,
estabelecem procedimentos minuciosos a serem observados pela empresa e
pelas entidades obreiras, bem como deveres atinentes à justificação dos
motivos e à informação recíproca.
Em apertada síntese, o dispositivo espanhol condiciona as dispensas
coletivas à autorização da autoridade estatal e à prévia realização de
negociação com as entidades obreiras, que deverá versar, necessariamente,
sobre os motivos a ensejarem a dissolução dos vínculos empregatícios, sobre
a implementação de eventuais medidas alternativas e, em último caso, sobre
as formas de atenuação das consequências. (...)
No caso francês, o art. 1.233 do Código do Trabalho (‗Code du Travail‘)
estabelece procedimentos diferenciados a variarem de acordo com o número
de trabalhadores vinculados às empresas que pretendem efetuar despedidas
coletivas. (...)
Em qualquer hipótese, o referido dispositivo exige que a empresa encaminhe
à entidade obreira, juntamente com a convocação para a primeira reunião,
ofício contendo as razões a fundamentarem o plano de demissão coletiva, a
relação dos afetados, as categorias atingidas e os critérios para o
estabelecimento da ordem das dispensas, bem como o cronograma para a
implementação do programa e as medidas econômicas vislumbradas. 142
Conclui-se que a função exercida pela negociação coletiva aproxima as
necessidades das partes empregado e empregador, com vistas a solucionar por meio dela o
conflito existente, bem como acelerar seu resultado, tendo em vista a morosidade do Poder
Judiciário e até mesmo a celeridade pelo fato da demanda ser coletiva e não individual.
3.2.1 Demissão em Massa
142
EBERT, Paulo Roberto Lemgruber. O direito à negociação coletiva e as despedidas em massa: os deveres de
participação do sindicato profissional nas tratativas prévias e de atuação das partes segundo a boa-fé. Disponível
em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13005> . Acesso em: 01 nov. 2010.
107
De todo o exposto com relação à negociação coletiva, a qual garante a
bilateralidade das medidas a serem tomadas pelas partes empregado e empregador, faz-se
necessário a imprescindibilidade da negociação coletiva no ato de demissões em massa.
A Constituição Federal assegura esse direito como já fora mencionado no tópico
anterior, nos artigos 7º, inciso XXVI e 114, § 2º e na Consolidação das Leis Trabalhistas, no
artigo 616, § 4º. Nota-se também que a Convenção nº 158 da OIT em seu artigo 13 assegura a
consulta prévia aos sindicatos e os devidos procedimentos efetuados pela negociação coletiva,
veja-se:
1. Quando o empregador prever términos da relação de trabalho por motivos
econômicos, tecnológicos, estruturais ou análogos;
a) Proporcionará aos representantes dos trabalhadores interessados, em
tempo oportuno, a informação pertinente, incluindo os motivos dos términos
previstos, o número e categorias dos trabalhadores que poderiam ser afetados
pelo menos e o período durante o qual seriam efetuados esses términos:
b) em conformidade com a legislação e a prática nacionais, oferecerá aos
representantes dos trabalhadores interessados, o mais breve que for possível,
uma oportunidade para realizarem consultas sobre as medidas que deverão
ser adotadas para evitar ou limitar os términos e as medidas para atenuar as
conseqüências adversas de todos os términos para os trabalhadores
interessados, o mais breve que possível, uma oportunidade para realizarem
consultas sobre as medidas que deverão ser adotados para evitar ou limitar
os términos e as medidas para atenuar as conseqüências adversas de todos os
términos para os trabalhadores afetados, por exemplo, achando novos
empregos para os mesmos. 143
Embora o Brasil tenha denunciado a Convenção nº 158 da OIT, na omissão
legislativa, os Tratados Internacionais e as Convenções Coletivas serão fontes de acordo com
o artigo 8º da CLT, aplicando-se, portanto a Convenção nº 158 da OIT nos casos de demissão
em massa.
A não regulamentação das demissões em massa no ordenamento brasileiro não
obsta à obrigatoriedade da participação dos sindicatos nas dispensas coletivas. Isso porque, a
Constituição Federal tem fundamentos suficientes para assegurar a obrigatoriedade do
procedimento das negociações coletivas, pois o artigo 7º inciso XXVI é claro ao reconhecer
as convenções e acordo coletivos, validando-os, bem como o artigo 8º, inciso VI, ao
determinar a presença dos sindicatos nas negociações coletivas.
143
INSTITUTO AMP. Decreto nº 2.100, 20 de dezembro de 1996. Convenção n.158 OIT <
http://www.institutoamp.com.br/oit158.htm. >. Acesso em: 02 dez. 2010.
108
A Convenção nº 154 da OIT, ratificada pelo Brasil estimula a prática das
negociações coletivas, dando suporte à bilateralidade contratual e à boa-fé que tanto é prezado
no meio jurídico.
Na mesma linha, a interpretação do artigo 170 da Constituição Federal estende-se
nas negociações coletivas, uma vez que a ordem econômica é fundada na valorização do
trabalho humano, priorizando os valores sociais do trabalho, jungindo ao princípio da
dignidade da pessoa humana, em busca da construção de uma sociedade solidária, que reduza
as desigualdades sociais e regionais e que garanta melhores condições de existência digna a
todos.
A questão é que nem todas as empresas no ato de demissão em massa respeita
esses procedimentos a serem seguidos e isso acarreta na ausência ou fraudulência das
negociações coletivas, prejudicando a parte hipossuficiente.
Destaca-se nesse contexto, a boa-fé objetiva que permeia todo o procedimento pré,
durante e pós as negociações coletivas. Na inércia de sua realização, a unilateralidade
sobressai e consequentemente as prática de condutas desleais materializam-se. Por isso, é de
suma importância respeitar a aplicação da negociação coletiva nos casos de demissão em
massa para obter a manutenção do equilíbrio das partes envolvidas, empresa e sindicato
obreiro, fazendo valer os fundamentos constitucionais.
É dever das partes envolvidas, sejam sindicatos ou empregadores, agirem nos
moldes delineados pela boa-fé, atuando com respeito mútuo para chegar a uma decisão, a um
acordo, que satisfaça às necessidades pleiteadas.
A boa-fé objetiva encontra-se fundamentos nos artigos 187 e 422 do Código Civil,
ressaltando que cometerá ato ilícito, o titular de um direito que exceder os limites fixados pelo
seu fins econômico e social, ferindo a boa-fé e os bons costumes; e deverão aguardar a
conclusão e execução de seus contratos, respeitando os princípios de probidade e boa-fé.
Percebe-se que esses dois dispositivos acima mencionados, asseguram não só o
princípio da boa-fé contratual, mas também vários deveres de condutas a ser seguidos, como,
por exemplo, a lealdade, a transparência nos contratos, a colaboração mútua das partes.
Cita Luiz Marcelo Figueira de Góis, que as negociações coletivas nem sempre são
satisfatórias, leia-se:
Com efeito, tais negociações são sempre tensas, arrastadas, lentas. O que se
vê nessas ocasiões, geralmente, é uma entre três situações: (I) sindicatos
fazendo reivindicações descabidas e postulando por garantias incumpríveis
pelo empregador, acreditando que assim estão fazendo um bem para a
109
coletividade representada; (II) sindicatos pelegos – geralmente pouco
representativos – que, em troca de promessas de contribuições adicionais aos
seus cofres, aderem aos interesses patronais; ou (III) sindicatos oportunistas,
que utilizam esses momentos de crise para fazer campanhas políticas de seus
membros, sob o argumento da defesa dos seus representados.
[...]
Nesta situação, a assinatura de um instrumento coletivo de trabalho que não
ofereça ao menos a garantia de empregos para os trabalhadores em troca da
maleabilidade quanto ao paradigma de proteção representaria precarização
das condições de trabalho, sendo passível de anulação pelos tribunais. Não
confere, portanto, uma solução jurídica segura aos momentos de crise
econômica.144
Nesse aspecto a questão é o próprio sistema sindical, que é formado às vezes por
corruptos e há o desinteresse em realmente efetivar as regras a serem seguidas pelos
empregadores, tornando-se assim, ineficazes para os fins que foram criados.
Importante é frisar que o principal objetivo da boa-fé nas negociações coletivas é
a igualdade das partes. Que tem por fim repelir qualquer ato unilateral que venha prejudicar
uma das partes, a obscuridade que possam surgir e fazer jus aos pedidos das partes, não os
omitindo nos atos das negociações. Portanto, a materialização de qualquer ato que destoe da
boa-fé, será nulo de pleno direito, conforme dispõem o artigo 187 do Código Civil.
Como é caso dos empregados demitidos pela Embraer (Empresa Brasileira de
Aeronáutica) de vasta repercussão na sociedade, onde essa empresa demitiu 4.000 (quatro
mil) empregados sem respeitar o devido procedimento a ser seguido, isto é, inexistência da
negociação coletiva. Sob fortes argumentos, o Desembargador-Relator José Antonio Pancotti
declarou a nulidade da dispensa coletiva, reputando-a abusiva por falta de boa fé objetiva.
Alguns trechos dessa decisão foram transcritos:
PROC. TRT/CAMPINAS 15ª REGIÃO Nº. 00309-2009-000-15-00-4
DISSÍDIO COLETIVO JURÍDICO-SDC
Trata-se de dissídio coletivo de natureza jurídica, com pedido de liminar,
instaurado pelo SINDICATO DOS METARLÚGICOS DE SÃO JOSÉ DOS
CAMPOS E REGIÃO, SINDICATO DOS METÁRLUGICOS DE
BOTUCATU e FEDERAÇÃO DOS METARLÚGICOS DE SÃO PAULO
contra a EMPRESA BRASILEIRA DE AERONÁUTICA – EMBRAER e a
ELEB EMBRAER LTDA, sob a alegação de que as suscitadas promoveram
gigantesco corte nos postos de trabalho ao argumento de haver necessidades
de redução dos custos perante a crise cíclica da economia.
[...]
Os princípios são estruturalmente iguais aos valores. Introduz-se novamente
a moral no Direito e a idéia de justiça volta a estar presente na interpretação
144
GÓIS, Luiz Marcelo Figueiras de. A caminho de um direito trabalhista-constitucional. São Paulo: LTr, 2010.
p. 95.
110
jurídica. Neste contexto, a realização dos direitos fundamentais passa a ser o
centro das preocupações dos juristas.
Acerca dos valores que são substrato de idéias que se cristalizam em
princípios jurídicos, ensina José Afonso da Silva :
Valor, em sentido normativo, é tudo aquilo que orienta (indica diretriz) a
conduta humana. É um vetor (indica sempre um sentido) que guia, atrai,
consciente ou inconscientemente, o ser humano. O valor comporta sempre
um julgamento, e, pois, uma possibilidade de escolha entre caminhos
diferentes. Isso porque a cada valor corresponde um desvalor. Nesse sentido,
a democracia é um valor político; a ditadura, um desvalor. Os valores sociais
do trabalho e da livre iniciativa (inciso IV) são, assim, os elementos que lhe
dão o rumo do bem-estar social. 145
Não restam dúvidas de que a decisão do magistrado foi a mais correta, isto porque,
essa demissão em massa afrontou princípios constitucionais e dispositivos infraconstitucionais
como os artigos 1º, incisos III e IV; 3º, incisos I e III; 5º, inciso XXIII; 7º, incisos I e XXVI,
8º, incisos III e VI; 170, inciso III, da Constituição Federal, artigo 187 do Código Civil, artigo
616, § 4º da Consolidação das Leis Trabalhistas.
De acordo com o artigo 1º, incisos III e IV da Constituição Federal, a República
Federativa do Brasil será fundada pela dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do
trabalho. Nesse contexto, a demissão por si só já é um ato que destoa desses princípios
perquiridos, ainda mais no caso em tela, onde milhares de pessoas foram demitidos sem as
devidas cautelas.
Outro ponto a destacar, é que o artigo 3º, incisos I e III da Constituição Federal,
têm como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a construção de uma
sociedade livre, justa e solidária, com fim de reduzir as desigualdades sociais e regionais.
Ocorrendo, demissões em massa será plausível essa construção, isto é, será que em um país
como o Brasil de uma vasta área territorial consegue-se manter, ou melhor, construir uma
sociedade pautada de princípios éticos, morais, capazes de atender às necessidades de todos
sem a continuidade nas relações de emprego?
Mais adiante, o Desembargador-Relator José Antonio Pancotti continua sua
decisão dizendo que:
145
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho 15º região. Acórdão. Dissídio Coletivo Jurídico. Nº. 00309-2009-
000-15-00-4 . Disponível em:
<http://consulta.trt15.jus.br/consulta/owa/pDecisao.wAcordao?pTipoConsulta=PROCESSO&n_idv=944968.
>Acesso em: 01 out. 2010. Acesso em: 15 dez. 2010.
111
Estes fundamentos do Estado de Direito Democrático desdobram-se e/ou
estão definidos, de forma particular, no Título VII - Da Ordem Econômica -
e criam mecanismos de proteção e garantia do sistema capitalista, definem
política de contenção de abusos do poder econômico (art. 170 a 192); e na
definição Da Ordem Social instituem mecanismos de desenvolvimento
social, proclamam a necessidade de redução da desigualdade social e da
pobreza, através de ações que garantam ao cidadão: acesso ao trabalho,
previdência social, saúde, educação, assistência social, proteção ao meio
ambiente, cultura, família, criança, adolescente, idoso etc. (arts. 6º, 7º e 193
a 232).
Neste espectro de princípios basilares explícitos na Constituição da
República encontram-se os fundamentos para sustentar que as demissões
coletivas de trabalhadores por empresas, quer sejam por inovações
tecnológicas, automações, crises econômicas etc., quer por supressão de
estabelecimentos, por seus impactos econômicos e sociais, não são imunes a
uma rede de proteção dos trabalhadores atingidos. Esta proteção deve ter
outros parâmetros que não aqueles que o Direito do Trabalho expressamente
concede aos trabalhadores que sofrem demissões individuais.146
Nesse sentido, como efetivar a função social da empresa elencada nos dispositivos
5º, inciso XXIII e 170 inciso III, Constituição Federal, em uma gestão voltada ao lucro, que
demite unilateralmente desrespeitando os devidos procedimentos a serem seguidos para ao
menos obter uma solução mais pacífica?
Até porque, o artigo 170 da Constituição Federal ao dizer que a ordem econômica
será fundada na valorização do trabalho humano, limita o poder da livre iniciativa, quando
este atingir o núcleo basilar, isto é, a dignidade da pessoa humana.
O artigo 7º, inciso I, da Constituição Federal, também da respaldos suficientes para
afastar as demissões em massa, por prezar pelas melhorias das condições sociais e assegurar a
efetividade das relações contratuais de emprego, protegendo-o contra despedida arbitrária ou
sem justa causa, como fora o caso da Embraer, que omitiu a realização de negociação
coletiva, não observando o inciso XXVI deste dispositivo, e o artigo 8º, incisos III e VI, que
dedicam na inserção dos sindicatos nas tratativas das negociações coletivas, bem como artigo
616, § 4º, da Consolidação das Leis Trabalhistas, o qual determina o esgotamento das vias
providas pela formalização da Convenção Coletiva ou Acordo Coletivo, que no caso em tela
não houve.
146
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho 15º região. Acórdão. Dissídio Coletivo Jurídico. Nº. 00309-2009-
000-15-00-4 . Disponível em:
<http://consulta.trt15.jus.br/consulta/owa/pDecisao.wAcordao?pTipoConsulta=PROCESSO&n_idv=944968.
>Acesso em: 01 out. 2010. Acesso em: 15 dez. 2010.
112
Por fim, o Desembargador-Relator José Antonio Pancotti declara a nulidade da
dispensa coletiva pela incidência da má-fé por parte do empregador, leia-se:
Neste contexto, havendo pedido dos suscitantes de que se declare a nulidade
da dispensa coletiva, reputo-a abusiva por falta de boa fé objetiva, nos
termos do art. 422 do Código Civil, por ausência de negociação prévia,
espontânea e direta entre as partes, que revela falta de lealdade da conduta,
na medida em que houve tentativa de conciliação tão-somente com mediação
judicial e, assim mesmo, por força de uma liminar de suspensão dos efeitos
das demissões.
O decreto de abusividade tem por fundamento os princípios gerais e os
princípios fundamentais consagrados na Constituição da República, como a
dignidade da pessoa humana; os valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa (no art. 1º, III e IV); a construção de uma sociedade livre, justa e
solidária; a garantia do desenvolvimento econômico; a erradicação da
pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e
regionais; a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (no art. 3º, I, II,
III e IV); a independência nacional e a prevalência dos direitos humanos (art.
4ª, I e II).147
Assim, a empresa atuou de forma unilateral, alanceando diretamente a boa-fé
contratual, materializando o ato da desigualdade das partes, dando suporte para a sua
nulidade, conforme dispõe o artigo 187 do Código Civil.
Não só os dispositivos acima mencionados garantem o direito à nulidade desse ato
de demissão, as Convenções n. 154 e 158 da OIT, dão respaldos na prevalência dos direitos
humanos do art. 4º, inciso II da Constituição Federal. Atuam amplamente na garantia das
relações empregatícias, tendo em vista que a primeira estimula a prática das negociações
coletivas e a outra determina a consulta prévia aos sindicatos e aos devidos procedimentos
efetuados pela negociação coletiva.
Conclui-se que a negociação coletiva é um direito fundamental, pois, correlaciona-
se diretamente ao princípio da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho por
conquistar decisões positivas que asseguram a bilateralidade contratual, protegendo interesses
que dignifiquem os trabalhadores, almejando uma melhor condição social.
Nesse contexto de direito fundamental, a negociação coletiva alicerça a sua própria
existência, destoando-se desses princípios, não poderá ser considerada como válida, pois
respaldará na má-fé.
147
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho 15º região. Acórdão. Dissídio Coletivo Jurídico. Nº. 00309-2009-
000-15-00-4 . Disponível em:
113
3.3 DOS INSTRUMENTOS PARA A PROTEÇÃO CONTRA A DEMISSÃO EM MASSA
Embora, no Brasil as relações trabalhistas não sejam adequadas como deveriam
nos moldes constitucionais, as demissões em massa carecem da devida procedimentalização,
tendo em vista ser ramo específico do Direito Coletivo do Trabalho e que, enfoca-se de
normas de ordem pública.
De acordo com a Constituição Federal e das próprias Convenções e Tratados
Internacionais da OIT, as demissões em massa são instrumentalizadas pelas negociações
coletivas, podendo ser concretizadas pela Convenção Coletiva ou por Acordo Coletivo, e
também pela Ação Civil Pública, quais serão explanadas nos tópicos que a seguir.
3.3.1 Convenção Coletiva do Trabalho e Acordo Coletivo do Trabalho
As Negociações Coletivas são instrumentalizadas através das Convenções
Coletivas do Trabalho e do Acordo Coletivo do Trabalho. Esses dois instrumentos são
resguardados pelo artigo 7º, inciso XXVI da Constituição Federal o qual reconhece as
Convenções e Acordos coletivos de trabalho.
A Consolidação das Leis do Trabalho conceitua a Convenção Coletiva do
Trabalho e o Acordo Coletivo do Trabalho, ao dizer em seu artigo 611, ―caput‖ e § 1º:
Art. 611 - Convenção Coletiva de Trabalho é o acordo de caráter normativo,
pelo qual dois ou mais sindicatos representativos de categorias econômicas e
profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das
respectivas representações, às relações individuais de trabalho.
§ 1º - É facultado aos sindicatos representativos de categorias profissionais
celebrar Acordos Coletivos com uma ou mais empresas da correspondente
categoria econômica, que estipulem condições de trabalho, aplicáveis no
âmbito da empresa ou das empresas acordantes às respectivas relações de
trabalho.
Maurício Godinho Delgado demonstra que a Convenção Coletiva do Trabalho é o
resultado das negociações entre entidades sindicais:
A convenção coletiva resulta, pois, de negociações entabuladas por entidades
sindicais, quer a dos empregados, que a dos respectivos empregadores.
<http://consulta.trt15.jus.br/consulta/owa/pDecisao.wAcordao?pTipoConsulta=PROCESSO&n_idv=944968.
>Acesso em: 01 out. 2010. Acesso em: 15 dez. 2010.
114
Envolve, portanto, o âmbito da categoria, seja a profissional (obreiros), seja
a econômica (empregadores). Seu caráter coletivo e genérico é, assim,
manifesto.148
E ainda, para o autor acima citado:
Por meio do próprio texto da Consolidação, poder-se-ia definir acordo
coletivo de trabalho como o pacto de caráter normativo pelo qual um
sindicato representativo de certa categoria profissional e uma ou mais
empresas da correspondente categoria econômica estipulam condições de
trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas empresas, às relações
individuais de trabalho.149
Maria Cristina Haddad de Sá diferencia esses dois termos, veja-se:
Percebe-se, portanto, que a negociação coletiva é o caminho através do qual
deverão as partes interessadas, devidamente representadas, percorrer para
chegar a um ajuste final. Se esse ajuste se aplicar a toda uma categoria,
estaremos diante de uma convenção coletiva de trabalho; se, por outro lado,
se aplicar a apenas uma ou algumas empresas de uma mesma categoria
estipulante, estaremos diante de um acordo coletivo de trabalho.150
Fica claro a distinção entre esses dois institutos, onde as Convenções Coletivas do
Trabalho tem caráter específico de produzirem normas jurídicas aplicadas de forma genérica,
enquanto nos Acordos Coletivos, configura-se apenas as cláusulas obrigacionais, aplicáveis às
partes envolvidas, empregados e empregadores. Com relação à presença do sindicato patronal,
nos Acordos Coletivos não é obrigatória a sua presença.
Guilherme José Purvin de Figueiredo demonstra através dos pensamentos de
Harold Dunning, que:
Tratando das convenções ou contratos coletivos de trabalho, destaca que o
tratamento dos assuntos relacionados com as condições físicas do trabalho
pode muitas vezes contribuir para melhor relação entre trabalhadores e
empregadores, conduzindo ao aumento de produtividade. No Brasil ainda
não há a tradição de inserção destas cláusulas que raramente constituem
objeto de reivindicações coletiva em nosso país. 151
Deve-se observar os motivos que causaram a demissão em massa, uma vez que
somente será possível analisar uma solução plausível se diagnosticar a origem da causa. Por
148
DELGADO, Maurício Godinho. Direito coletivo do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 136. 149
Ibidem. p. 137. 150
SÁ, Maria Cristina Haddad de. Negociação coletiva de trabalho no Brasil. São Paulo: LTr, 2002. p. 40-41.
115
exemplo, no caso de demissão em massa, onde a empresa justifica que precisa fazer cortes no
quadro de empregados por questões financeiras, as Negociações Coletivas, por via das
Convenções Coletivas, ou Acordos Coletivos poderão solucionar essa questão
hipoteticamente, como: negociar redução da jornada de trabalho e consequentemente
diminuição nos salários, determinando um período até que essa crise financeira melhore,
resguardando a garantia da relação de emprego; ou determinar que o corte de empregados
sejam feitos de forma reduzidas, e que depois de cessada a crise financeira a empresa
recontrate os empregados demitidos, priorizando a mão-de-obra já existente.
É claro que a relação de emprego deve ser preservada nas condições contratuais
pré existentes, mas em casos como esses acima citados, em busca de uma solução temporária,
às vezes medidas que diminuem ou suprem benefícios por um período determinado é melhor
do que os reflexos negativos causados por uma demissão.
Como cita Luiz Marcelo Figueira de Góis:
Nessa perspectiva, passa a ser interesse do Direito do Trabalho criar
mecanismos de proteção à sobrevivência da empresa ao lado dos existentes
para proteger os empregados, de modo a conferir aos atores trabalhistas
condições de se adequarem em situações-limite, com vistas à preservação
dos postos de trabalho. Trata-se, aliás, de iniciativa já adotada em países
como a Espanha, onde Estatuto de los Trabajadores (arts. 41 e 47) prevê a
possibilidade do ajuste das condições de trabalho em situações em que seja
necessário ‗mejorar La situación de la empresa a través de uma más
adecuada organización de sus recursos, que favorezca su posición
competitiva em El mercado o uma mejor respuesta a lãs exigências de la
demanda‘.(grifo do autor)152
Mesmo que o artigo 468 da CLT determine que as alterações contratuais só serão
lícitas se por ventura não causarem prejuízos aos empregados, não obsta em momento
extraordinário, a redução de direitos para assegurar a relação empregatícia. Por isso,
imprescindível a realização das Negociações Coletivas, sejam estas mediante Convenção
Coletiva ou Acordo Coletivo do Trabalho.
Apreciando os instrumentos da Convenção Coletiva do Trabalho ou do Acordo
Coletivo, percebe-se que a democracia é efetivada, vez que esses instrumentos são capazes de
combater a unilateralidade contratual e consequentemente, evitar os abusos no poder
151
FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Ação civil pública e justiça do trabalho. In: MILARÉ, Edis
(Coord.). A ação civil pública após 25 anos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. cap. 17, p. 273-293 152
GÓIS, Luiz Marcelo Figueiras de. A caminho de um direito trabalhista-constitucional. São Paulo: LTr, 2010.
p. 131.
116
econômico, fazendo valer os objetivos fundamentais da Constituição brasileira. Isto é, a
construção de uma sociedade, livre, justa e solidária, garantindo um desenvolvimento
nacional, reduzindo as desigualdades sociais e regionais, somatizando-os aos princípios da
dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho.
Paulo Roberto Lemgruber Ebert deduz que:
No caso específico das dispensas coletivas, a interpretação dos direitos
fundamentais elencados no artigos 7º, XXVI, e 8º, III e VI, da Constituição
Federal, à luz dos primados da dignidade da pessoa humana, do valor social
do trabalho e da solidariedade impõe, com ainda mais força, a realização
obrigatória de negociação entre a empresa e as entidades obreiras naqueles
supostos, eis que as jubilações a serem implementadas têm o condão de
afetar diretamente a subsistência de grupos inteiros de trabalhadores,
havendo, aí, o potencial risco de degradação da condição social destes
últimos.
Destaque-se, nesse sentido, que a participação do sindicato obreiro nas
tratativas prévias à implementação das despedidas coletivas tende a obter das
empresas, quando não a manutenção de todos ou de alguns vínculos
empregatícios, pelo menos a adoção de medidas compensatórias voltadas
para a redução dos impactos sociais das jubilações. Nisso reside, justamente,
o liame entre negociação coletiva e os primados da dignidade da pessoa
humana, do valor social do trabalho e da solidariedade, que acabará por
justificar a própria existência daquele direito fundamental titularizado pelas
entidades de trabalhadores.153
Desse modo, o uso dos instrumentos Convenção Coletiva ou Acordo Coletivo do
Trabalho, evitam ou tentam amenizar os impactos causados pela demissão em massa. Nesse
contexto, pode-se afirmar que tais instrumentos norteiam por uma democracia voltada ao
cunho social, valorizando a pessoa que ali labora.
3.3.2 Ação Civil Pública
A Constituição Federal de 1988, ao perfilhar a dignidade da pessoa humana e o
valor social do trabalho como princípios fundamentais e ao dispor que a ordem econômica
será fundada na valorização do trabalho humano e nos princípios da função social da
propriedade e do pleno emprego, tutelou os interesses da coletividade.
153
EBERT, Paulo Roberto Lemgruber. O direito à negociação coletiva e as despedidas em massa: os deveres de
participação do sindicato profissional nas tratativas prévias e de atuação das partes segundo a boa-fé. Disponível
em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13005> . Acesso em: 01fev. 2011.
117
Nesse contexto, a Lei 7.347/85 da Ação Civil Pública ganhou espaços no âmbito
coletivo. Isto porque, a Ação Civil Pública estendia somente para defesa de danos causados ao
meio ambiente, ao consumidor e bens de valores artísticos, estéticos, históricos, turísticos e
paisagísticos.
A Ação Civil Pública é um instrumento que está disposto no ordenamento jurídico
brasileiro desde 1981, como dita Ersio Miranda:
O primeiro texto legal a dispor sobre a ação civil pública em nosso
ordenamento jurídico-positivo foi a Lei Complementar Federal 40, de 14 de
dezembro de 1981, antiga Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, que
a par de traçar normas gerais para organização do Ministério Público dos
Estados, prescreveu, em seu art. 3º, III, ser função institucional do Órgão
Ministerial a promoção da ação civil pública, nos termos da Lei.154
A Constituição Federal no artigo 129, inciso III, assegura a aplicabilidade da Ação
Civil Pública ao dizer que dentre as funções elencadas nesse dispositivo, o Ministério Público
promoverá a Ação Civil Pública para proteger o patrimônio público e social, bem como do
meio ambiente e de interesses difusos e coletivos.
A utilização da Ação Civil Pública é de suma importância no meio jurídico, por
evitar nos casos trabalhistas causas de acidente de trabalho, garantir a proteção do meio
ambiente de trabalho, e a própria punição de lesões ocasionadas neste meio. É um instrumento
eficaz para apurar a greve dos empregados e também nos casos de demissão em massa
imotivadas e abusivas.
Hely Lopes Meirelles conceitua a Ação Civil Pública como um instrumento hábil
para reprimir ou impedir danos, leia-se:
A ação civil pública é o instrumento processual adequado para reprimir ou
impedir danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor
artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e por infrações da ordem
econômica (art. 1º), protegendo, assim, os interesses difusos da sociedade. 155
O artigo 91 do Código de Defesa do Consumidor conceituou os interesses sejam
estes difusos, coletivos ou individual homogêneos, veja-se:
154
MIRANDA, Ersio. Ação civil pública trabalhista. Disponível em:
<http://jus.uol.com.br/revista/texto/3360/acao-civil-publica-trabalhista/6>. Acesso em: 22 jan. 2011. 155
MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança: ação popular, ação civil pública, mandado de injunção,
habeas data, ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade. 22. ed. atual. e ampl.
São Paulo: Malheiros, 2000. p. 153-154.
118
a)Interesses difusos – de natureza indivisível, transindividuais, em que não
há possibilidade de determinação dos atingidos pela lesão;
b)Interesses coletivos – transindividuais, de natureza indivisível, relativos
aos integrantes de uma categoria ou grupo de pessoas;
c)Interesses individuais homogêneos – que têm uma origem comum.
No caso em tela, a proteção constitucional a ser apresentada recai sobre os
interesses coletivos, tendo em vista serem os empregados demitidos em massa, isto é, um
grupo de pessoas.
A Lei Complementar 75/93 em seu artigo 83, inciso III, da respaldos jurídicos para
a promoção da Ação Civil Pública, veja-se:
Art. 83. Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício das
seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho:
III - promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para
defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais
constitucionalmente garantidos;
A Ação Civil Pública é apresentada pelo Ministério Público, bem como entidades
legitimadas que tenham por objetivo a tutela de interesses coletivos. Nesse contexto, ressalta-
se que a Ação Civil Pública pode ser proposta na Justiça do Trabalho, pelo Ministério Público
do Trabalho, nos moldes do artigo 129, inciso III, da Constituição Federal, quanto os
Sindicatos, de acordo com o artigo 129, parágrafo 1º; e artigo 8º, inciso III, e, artigo 5º, da
Lei nº 7.347/85.
Menciona Ersio Miranda:
Como parte, incumbe ao Ministério Público do Trabalho, consoante o
disposto no art. 83, da Lei Complementar 75/83: promover as ações que lhe
sejam atribuídas pela Constituição Federal e pelas leis trabalhistas; promover
a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para a defesa de
interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais
constitucionalmente garantidos; propor as ações cabíveis para declaração de
nulidade de cláusula de contrato, acordo coletivo ou convenção coletiva que
viole as liberdades individuais ou coletivas ou os direitos individuais
indisponíveis dos trabalhadores; propor as ações necessárias à defesa dos
direitos e interesses dos menores, incapazes e índios, decorrentes das
relações de trabalho; recorrer das decisões da Justiça do Trabalho, quando
entender necessário, nos processos em que for parte, bem como pedir revisão
dos Enunciados da Súmula de Jurisprudência do Tribunal Superior do
Trabalho; instaurar instância em caso de greve, quando a defesa da ordem
jurídica ou o interesse público assim o exigir, promover o mandado de
injunção, quando a competência for da Justiça do Trabalho.156
156
MIRANDA, Ersio. Ação civil pública trabalhista. Disponível em <
http://jus.uol.com.br/revista/texto/3360/acao-civil-publica-trabalhista/6> Acesso em: 22 jan. 2011.
119
Outro ponto a destacar é que a Ação Civil Pública na esfera trabalhista pode ser
concretizada como tutelas inibitórias a fim de prevenir futuras lesões aos empregados, como
dispõe Marcius Cruz da Ponte Souza:
No âmbito de ação civil pública trabalhista, são comumente pleiteadas
tutelas inibitórias, que visam prevenir a ocorrência de novas condutas lesivas
ao direito dos trabalhadores e tem por objeto o cumprimento de obrigações
de fazer, não fazer e de suportar. São garantidas mediante a cominação de
multas (astreintes) a fim de coagir o réu a obedecer aos ditames da lei e da
ordem judicial. A astreinte é estipulada, como regra, por dia de atraso e por
trabalhador e deve ser suficientemente elevada a fim de desmotivar novas
práticas ilegais.157
A Carta Magna de 1988 é repleta de princípios que asseguram o trabalho como
digno. Desde seu preâmbulo, no artigo 1º, a garantia da relação do emprego é moldada na
dignidade da pessoa humana e na valorização do trabalho e mais adiante, no artigo 3º objetiva
o emprego como uma forma de colaborar com a redução das desigualdades regionais,
prezando por uma sociedade mais justa. Em seu artigo 7º, ―caput‖ e inciso I enaltece os
direitos sociais do trabalho e o artigo 170 prioriza a valorização do trabalho como forma de
promover a justiça social a todos.
Destaca-se nesse contexto que a Ação Civil Pública é um instrumento hábil para
reprimir a demissão em massa imotivada, efetuada principalmente pelas empresas que de
certa forma são incentivadas pelo Estado em contrapartida não cumprem com a devida função
social.
Recentemente, o Ministério Público do Trabalho da cidade de Londrina estado do
Paraná, ingressou com uma Ação Civil Pública contra União Metropolitana de Ensino
Paranaense ( PROCESSO ACP.03634/2009)158
diante o fato dessa instituição de ensino
demitir vastamente seus empregados (professores) sob o argumento de ―necessidade de
dispensa‖ de professores com plano de carreira por auferirem salários elevados.
Com fortes argumentos, o Ministério Público destacou a ilegalidade dessas
demissões fundamentando-se nos princípios dos artigos 1º, 3º, 7º, 170, ambos da Constituição
Federal e pelo princípio da lealdade e transparência nas Negociações coletivas, que no caso
em tela não houve.
157
SOUZA, Marcius Cruz da Ponte. A ação civil pública no âmbito do processo do trabalho. Disponível em <
http://jus.uol.com.br/revista/texto/13301/a-acao-civil-publica-no-ambito-do-processo-do-trabalho/3 > Acesso em
01 fev. 2011. 158
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho 9º Região. Ação Civil Pública 03634/2009. Disponível em:<
http://www.trt9.jus.br.> Acesso em: 01 fev. 2011.
120
Não restam dúvidas de que o Ministério Público do Trabalho agiu perfeitamente
de acordo com as garantias constitucionais que asseguram a relação empregatícia e nos
moldes dos Tratados e Convenções Internacionais que garantam esse direito à manutenção do
emprego, vez que a demissão em massa, é ramo do Direito Coletivo, logo deve ser
procedimentalizada por negociações coletivas que não visem a fraudar lei imperativa, pois se
assim for, restará um negócio jurídico nulo, conforme dispõe o artigo 166 do Código Civil.
Respaldando-se no fato que é dever do Estado proteger os direitos fundamentais
dos trabalhadores, a existência da Ação Civil Pública é um instrumento eficaz para prevenir
ou reprimir atos contra a ordem econômica. A questão é que essa intervenção do Ministério
Público nem sempre é eficaz, tendo em vista o abuso da ordem econômica, como por
exemplo, nos atos da demissão em massa. Como bem ressalta Lafayete Josué Petter:
O art. 1 da Lei 8.884/ 1994 é nuclear: esta lei dispõe sobre a prevenção e a
repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos princípios
constitucionais, além de identificar a coletividade como a titular dos bens
jurídicos que visa proteger. Este importante preceito, colocado logo no
principiar do estatuto normativo, tem relevantíssimas consequências. São
elas: a) é função do Ministério Público, seja estadual ou federal, assim como
de outros legitimados, velar pela integridade dos bens jurídicos protegidos
pela lei proteção da ordem econômica, para, em assim procedendo, preservar
os valores e princípios da própria Constituição Federal (CF, art. 170 e ss); b)
cabe ao Poder Judiciário, no enfrentamento de questões potencialmente
disciplinadas pela Lei. 8.884/1994, adotar um posicionamento que se
entremostre valioso para a preservação da ideologia constitucionalmente
adotada no respeitante à ordem econômica; c) nem os Ministérios Públicos
têm desenvolvido uma abrangente atuação no respeitante à matéria, nem o
Judiciário tem se valido de tão importante diploma normativo para a solução
de casos concretos. Ao contrário, essas decisões, quando existem, são por
vezes reafirmatórias de um pensamento ultrapassado, absenteísta, quando a
citada lei prevê poderosos instrumentos de intervenção (art. 24 - em casos
extremos pode-se, inclusive, v.g., adotar o caminho da cisão da sociedade,
transferência do controle acionário etc.); d) como o atual SBDC não atua de
modo eficaz na proteção administrativa princípios e valores
consubstanciados na ordem constitucional econômica, e tomando-se em
consideração o que acima se disse, fica fácil perceber por que o Brasil tem
sido um fértil campo para a propagação de casos de abuso de poder
econômico de toda ordem; e) esta conclusão é explicativa quanto à falta de
desenvolvimento, ao menos em uma de suas importantes causas.159
Nesse contexto, a Ação Civil Pública só será um instrumento hábil e eficaz contra
as demissões em massa se pautar na proteção à ordem econômica, priorizando a valorização
159
PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica: o significado e o alcance do art.
170 da Constituição Federal. 2.ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p.338-
340.
121
do trabalho humano e a dignidade da pessoa humana em meio às leis mercadológicas para
solidificar os objetivos perquiridos constitucionalmente no artigo 3º da Constituição Federal.
3.4 DEMISSAO EM MASSA E INTERVENÇÃO ESTATAL: INCENTIVOS E POLÍTICAS
PÚBLICAS
Após a explanação da problemática das demissões coletivas enfoca-se nesse
momento, quais seriam as possíveis soluções plausíveis para tentar amenizar os impactos
causados por ela na sociedade, bem como quais seriam as saídas para a manutenção da
relação de emprego existente.
Apresenta-se como meio a coibir a demissão em massa, por exemplo, os
programas públicos voltados às melhorias das condições de vida do ser humano, programas
de gestões que equilibram as forças do lucro resguardando o aspecto social, programas de
incentivos fiscais como garantia de efetividade nas relações de emprego e as próprias
negociações coletivas em busca de uma flexibilização positiva.
O tema a ser destacado nesse tópico especificamente serão as políticas públicas
por serem responsáveis pela concretização dos anseios da sociedade brasileira, em sendo
executadas através de programas de intervenção estatal.
A intervenção do Estado na economia de acordo com a Constituição Federal,
artigos 173 e 174, pode ser realizada como agente econômico ou como agente normativo –
regulador. Em relação às formas de intervenção, André Ramos Tavares define que:
A intervenção estatal no domínio econômico pode ocorrer de maneira direta
ou indireta, adotadas as expressões nos termos a seguir expostos.
A intervenção estatal indireta refere-se à cobrança de tributos, concessão de
subsídios, subvenções, benefícios fiscais e creditícios e, de maneira geral, à
regulamentação normativa de atividades econômicas, a serem primariamente
desenvolvidas pelos particulares.
Na intervenção direta o Estado participa ativamente, de maneira concreta, na
economia, na condição de produtor de bens ou serviços, ao lado dos
particulares ou como se particular fosse. Trata-se, nesta última hipótese, do
Estado enquanto agente econômico.(grifo do autor)160
Para o estudo em questão, interessa a intervenção estatal indireta, conforme dispõe
o artigo 174: ―Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá
na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, em sendo este
determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.‖
160
TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. 2. ed. São Paulo: Método, 2006. p. 55.
122
Sob o aspecto de agente normativo-regulador, o Estado exerce a função de
fiscalizar, incentivar e planejar. A fiscalização reside no fato do Estado intervir nas atividades
empresariais para preservar os atos empresarias das condutas que destoam da função social,
como por exemplo, equilibrar a livre concorrência a fim de banir condutas desleais e
prejudiciais. Quanto aos incentivos e o planejamento, pode-se dizer que ambos são
instrumentos capazes de realizar os fins sociais da ordem econômica, assegurando existência
digna a todos.
As políticas públicas a serem apresentadas versam sobre a modalidade agente
normativo-regulador, destacando-se as Políticas Públicas de Emprego. Segundo Lígia da
Nóbrega Fernandes, as Políticas Públicas de Emprego servem para combater o desemprego,
leia-se:
Política Pública de Emprego constitui então um conjunto de ações que são
empreendidas pelo Estado para combater ou frear o desemprego. Essas ações
têm como objetivos combater os efeitos do desemprego e geralmente são
colocadas em prática em momentos de distúrbios sócio-político-econômicos.
As políticas públicas de emprego apresentam-se principalmente em dois
formatos diferenciados:
Políticas públicas passivas, que se caracterizam como ações que visam
reduzir e/ou neutralizar os efeitos nocivos do desemprego, (FERREIRA,
2002, p. 47) ‗correspondendo principalmente às indenizações de salário-
desemprego e às aposentadorias antecipadas‘.
As políticas públicas ativas, por sua vez (FERREIRA, 2002, p. 47),
‗correspondem aos programas de formação profissional e políticas de
promoção de emprego‘. Têm como objetivo diminuir o fenômeno do
desemprego criando condições de acesso para os trabalhadores inserirem-se
no mercado de trabalho formal.161
Será por meio do planejamento que se estabelecerá a organização da livre
iniciativa com a valorização do trabalho humano, formulando políticas públicas plausíveis
para um desenvolvimento regional sustentável.
Para atingir os objetivos perquiridos constitucionalmente estipulados no artigo 3º,
e dinamizar o artigo 170, ambos da Constituição Federal se deve lançar as políticas públicas
voltadas ao favorecimento da manutenção do vínculo de emprego. Isso porque, as políticas
públicas garantem ao máximo o princípio da dignidade da pessoa humana e da valorização do
trabalho humano. Destoando, desses princípios a política pública será considerada uma
política de privilégios individuais.
161
FERNANDES, Lígia da Nóbrega. Política Pública de emprego: um recorte da realidade norte-rio-grandense.
Disponível em <www.joinpp.ufma.br/jornadas/.../Ligia_da_Nobrega_Fernandes188.pdf> Acesso em 12 fev.
2011
123
Explica Thiago Lima Breus que os Direitos Fundamentais apresentam-se ainda
como teorias, leia-se:
Entretanto, passadas quase duas décadas da promulgação do texto
constitucional, a efetivação dos Direitos Fundamentais – em especial dos
Direitos Fundamentais sociais, seja por meio do próprio Poder Executivo,
do Poder Legislativo ou do Poder Judiciário – ainda se apresenta como um
grave problema social e teórico. Nessa perspectiva alguns questionamentos
advieram no sentido de que como seria dar eficácia às normas que definem a
ordem constitucional social.
(...)
E isso se deve, em parte porque os direitos sociais, voltados à realização das
metas e objetivos designados pela Constituição, dependem de opções
políticas que implicam o dispêndio de recursos, cada vez mais escassos, mas
também, em parte, porque inexiste um maior aprofundamento teórico acerca
das políticas públicas, que são os instrumentos de que dispõe o Estado, na
forma da Administração Pública, para a realização dos Direitos
fundamentais sumariados na Constituição. 162
(grifo nosso)
Constata-se que o Brasil aderiu tardiamente aos programas voltados ao cunho
social como declara Remígio Todeschini:
Tardiamente, o Brasil veio de fato incrementar os vários programas e ações
dos serviços públicos de emprego. As leis já declaravam, desde a
Constituição de 1934, a proteção aos desempregados sem justa causa, sendo
que a Constituição de 1946, inscreveu a assistência aos desempregados no
Título da Ordem Econômica e Social. Nos anos 1940, criou-se uma estrutura
paralela de educação profissional, financiada pelo Estado e sob a
administração dos empresários do setor de Comércio e Indústria, para a
aprendizagem profissional de jovens e qualificação dos trabalhadores da
indústria e comércio [Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial –
SENAI e Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio – SENAC.]
Somente 20 anos mais tarde, é que a Lei n. 4.923 de 1965 normatizou o
auxílio-desemprego para os desempregados por motivo de fechamento
parcial ou total de uma empresa de forma muita restrita. 163
O autor ainda menciona que desde a crise do emprego no início do século XX, a
Organização Internacional do Trabalho preocupava-se com a assistência aos desempregados.
A proteção aos desempregados foi uma das preocupações centrais da
Organização Internacional do Trabalho – OIT, em 1919, por ocasião de seu
162
BREUS, Thiago Lima. Políticas públicas no Estado Constitucional: problemática da concretização dos
direitos fundamentais pela administração pública brasileira contemporânea. Belo Horizonte: Fórum, 2007. p.
201-203. 163
TODESCHINI, Remígio. A construção do sistema público de emprego. In: TODESCHINI, Remígio;
VASQUES-MENEZES; Ione, SORATTO, Lúcia (orgs). Desafios do sistema público de emprego, trabalho e
renda. São Paulo: LTr, 2010. cap. 1, p.17-32
124
surgimento, em face da grave crise de emprego existente no início do século
XX. A II Convenção da OIT, de 1919, estabeleceu que, além da necessidade
de os países-membros darem proteção aos desempregados (seguro contra o
desemprego), deveriam oferecer-lhes serviços de intermediação de mão de
obra (com agências públicas de colocação). A partir daí, nos diversos países-
membros, começaram a surgir os Serviços Públicos de Emprego com o
intuito de reforçar ações e programas de assistência ao desempregado,
intermediação de mão de obra, informações e estatísticas sobre o mercado de
trabalho e qualificação profissional – as chamadas funções tradicionais dos
Serviços Públicos de Emprego (RICCA, 1995). 164
Nesse contexto, a preocupação em adequar os desempregados comprova que o
objetivo a ser perquirido pelo Estado é a redução do impacto negativo causado a sociedade.
Até porque a Constituição Federal em seu artigo 3º assegura a construção de uma sociedade
justa e solidária, que garanta o desenvolvimento nacional, reduzindo as desigualdades sociais
e regionais.
Thiago Lima Breus demonstra que as políticas públicas por sua vez não dependem
exclusivamente da ―viabilidade econômica, mas também da sua coerência jurídica e
institucional,‖165
por exemplo, as políticas públicas que requerem um lapso temporal maior
para sua concretude.
Na França, por exemplo, a política social aplicada gera vários questionamentos
quanto a sua eficiência. Demonstra Cristina De Robertis que:
Esta política social levanta, atualmente, muitas interrogações. É preciso
retomar um trabalho? Sim, mas qual trabalho? Que tipo de trabalho? As
demissões em massa do último mês – há demissões constantemente nas
usinas, na França – não nos deixam imaginar que haverá uma abertura do
mercado de trabalho para os beneficiários do RSA. Haverá, assim, a
incitação a retomar qualquer trabalho, parcial, precário, temporário,
desqualificado, sob contrato de duração determinada. Aliás, os
desempregados serão retirados do pólo emprego se eles recusarem duas
proposições de trabalho razoável. Quem vai julgar o que é razoável?
A Renda de Solidariedade Ativa ainda não mostrou seu valor, mas as vozes
críticas se levantam para dizer que trará, certamente, uma maior
flexibilidade, uma justificação para salários baixos, para a jornada em tempo
parcial, empregos precários, e também, que não fará nada além de
institucionalizar a precariedade e puxará a queda dos salários. Esta é uma das
maiores críticas dos sindicatos, principalmente de que a RSA tenha puxado
os salários, uma vez que os empregadores vão contar com este complemento
dado pelo dinheiro público, pela sociedade, para, finalmente, não oferecer
164
TODESCHINI, Remígio. A construção do sistema público de emprego. In: TODESCHINI, Remígio;
VASQUES-MENEZES; Ione, SORATTO, Lúcia (orgs). Desafios do sistema público de emprego, trabalho e
renda. São Paulo: LTr, 2010. cap. 1, p.17-32 165
BREUS, Thiago Lima. Políticas públicas no Estado Constitucional: problemática da concretização dos
direitos fundamentais pela administração pública brasileira contemporânea. Belo Horizonte: Fórum, 2007. p.
209.
125
salários mais altos. Oito milhões de pessoas já viviam sob o limiar da
pobreza na França em 2006, há três anos portanto, ou seja, 13% da
população. A explosão do desemprego agrava esta situação e a RSA corre o
risco de institucionalizar ainda mais a precariedade. Isto vem ao encontro do
que foi dito de manhã, peço desculpas por repetir, mas eu não sabia o que
seria falado hoje de manhã.166
Outro ponto a destacar é que as políticas públicas devem ser planejadas por meio
de lei que estabelecerá as diretrizes e bases, compatibilizando com os planos existentes,
conforme dispõem o artigo 174 e seu § 1º da Constituição Federal.
Por meio do planejamento que se analisará a necessidade de sua implementação,
isto é, primeiro diagnostica a causa da criação dessa política pública para posteriormente, criar
o programa a ser desenvolvido e sua execução. Até porque para haver qualquer política
pública o orçamento público tem que ser suficiente, tendo em vista que não adianta lançar
políticas públicas se o país não tem recursos para colocá-la em prática.
Rosilaine Chaves Lage relata que ―é dever do Estado garantir a todas as pessoas o
acesso ao trabalho digno e regulado, mediante a promoção de políticas publicas e eficientes e
a normatização das relações trabalhistas.‖167
Embora o Estado seja considerado o maior encarregado de se fazer cumprir esses
direitos fundamentais, não pode olvidar que a empresa é moldada pela função social, isto
indica um compromisso que estende aos que ali laboram e toda a coletividade, em sendo que
os interesses públicos se somatizam aos interesses privados, determinando que as
transformações sociais sejam realizadas pelo Estado, mas também pela própria sociedade.
Vale destacar que as ações e programas voltados a incentivar a relação de emprego
são soluções que conduzem as gestões empresariais a atuarem de forma mais reflexiva
principalmente, quando tais empresas tornam-se multinacionais e o caráter familiar que às
vezes essa empresa possuía para com seus empregados fica a mercê da nova gestão que clama
por lucros e quebras de metas.
No governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, as políticas de investimentos
estatais e determinados programas colaboraram para geração de empregos e rendas, como cita
Carlos Alberto Grana:
A política de valorização social do trabalho e renda do governo Lula, as
políticas de investimentos das estatais e o Programa de Aceleração do
166
ROBERTIS, Cristina. As políticas públicas e os programas sociais atuais nos dois países. Disponível em:
<www.sescsp.org.br/sesc/images/upload/conferencias/514.rtf> Acesso em 10 fev. 2011. 167
LAGES, Rosilaine Chaves. A importância da efetividade do princípio da valorização do trabalho regulado:
homenagem ao professor Luiz Otávio Linhares Renault. São Paulo: LTr, 2010. p. 115.
126
Crescimento – PAC, o Bolsa-Família, a política de valorização do salário
mínimo a partir de 2005, o maior acesso a universidades por meio do ProUni
e a construção de escolas técnicas federais, por exemplo, propiciaram
oportunidades de emprego e renda.168
Recentemente no ano de 2008 a efetiva participação da delegação do Brasil na
Conferência da OIT, certificou-se da aplicação do texto da Declaração da OIT/2008 nas ações
tripartides do país. É um forte indício que o Estado terá uma obrigação maior em relação às
relações trabalhistas. Enfatiza Oscar Ermida Uriate que:
Adoptada en la Conferencia de 2008, esta Declaración de la OIT reedita
conceptos y objetivos que habían sido abandonados, criticados o
simplesmente desplazados durante la hegemonia neoliberal: a) vuelve
proclamar el antes denostado conceptos-objetivo del pleno empleo
caracterizándolo, em tanto << empleo pleno y productivo>>, junto con el
trabajo decente, como elemento central de las políticas económicas y
socialesxx; b) promueve la adopción de medidas laborales que garanticen <<
a todos uma justa distribuición de los frutos del progreso>> y c) el fomento
de la eficácia de la legislación y las instituciones laborales.169
A Convenção n. 158 da OIT como já fora mencionada é uma das alternativas para
a manutenção da relação de emprego por determinar que a extinção dessa relação somente
será possível se existir causa justificada para tal conduta e até mesmo pela bilateralidade de
manifestação do empregado quanto a sua despedida.
No mesmo sentido, a Convenção n. 154 da OIT que estimula a prática das
negociações coletivas e que por sua vez, ameniza os impactos causados por uma futura
demissão coletiva.
Como expõem Marcos Fernandes Gonçalves:
Em tempos de crise, uma das primeiras medidas tomadas pelas empresas, a
título de ―redução de encargos‖ é a demissão de trabalhadores. Reagindo a
essa estratégia capitalista, trabalhadores brasileiros, organizados em suas
respectivas categorias, optam por reduzir salários em troca de não perder o
emprego. Resistência obreira que encontra guarida no ordenamento jurídico.
Com efeito, embora o artigo 7º, VI, da Constituição Federal, consagre o
princípio da irredutibilidade salarial, abre, ao mesmo tempo, possibilidade de
reduzir salários, mediante acordo ou convenção coletiva.
Os Sindicatos desempenham papel fundamental nessa negociação, cuja
defesa dos interesses dos trabalhadores é consubstanciada no artigo 8º, III,
da Constituição Federal. Sem dúvida, uma das maneiras de enfrentar a crise
168
GRANA, Carlos Alberto apud. TODESCHINI, Remígio; VASQUES-MENEZES; Ione, SORATTO, Lúcia.
Desafios do sistema público de emprego, trabalho e renda. São Paulo: LTr, 2010. p. 162. 169
URIATE, Oscar Ermida . Políticas laborales después del neoliberalismo. In: AVILÉS, Antônio Ojeda; et al.
Temas centrales del derecho del trabajo del siglo XXI. Lima: ARA Editores, 2009. p. 405-425.
127
que se anuncia é a mesa de negociação entre empregados e empregadores,
ainda que isso custe redução dos salários. 170
Até o presente momento, no Brasil não há nenhuma política pública direcionada
exclusivamente à demissão em massa.
É preciso desenvolver políticas públicas que priorizem medidas que consigam
combater a demissão em massa, articulando diversos aspectos como, por exemplo, formular
diretrizes às gestões empresariais auxiliando-as a tomarem iniciativas distintas ao ato de
demitir no caso de ciclos financeiros instáveis, desenvolverem cursos que qualifiquem a mão
de obra, evitando possíveis demissões por falta de mão de obra qualificada.
Para sugestão, pode-se estipular um plano de emergência em casos de crises
econômicas nacionais e mundiais que visem diminuir tributos para resguardarem os postos de
trabalho, ou determinar férias coletivas ainda que estas não estejam vencidas, ou redução de
jornada de trabalho, bem como uso de banco de horas.
Os sindicatos também devem participar na inclusão das políticas públicas de
emprego para que estas políticas realizem de forma dinâmica priorizando a permanência da
relação de emprego.
A título de exemplo, o SEBRAE desenvolveu um Programa Pró-Emprego (Lei nº
13.992, de 15 de fevereiro de 2007) em Santa Catarina que objetiva a geração de emprego. As
empresas que aderirem a este programa são favorecidas por tributos de ICMS diferenciado. O
intuito desse programa é incentivar os empreendedores para fazer valer o interesse sócio-
econômico.
O SEBRAE além de desenvolver programas voltados aos empregados oferece
cursos on line gratuitos para empresas com vistas a, aperfeiçoamento da gestão como, por
exemplo, Aprender a Empreender, Como Vender Mais e Melhor, Análise e Planejamento
Financeiro e D´Olho na Qualidade
O PEQ - Programa Estadual de Qualificação e Requalificação Profissional,
também é uma forma de qualificação profissional, isto é, oferece cursos gratuitamente para
qualificação de mão-de-obra, especialmente para desempregados ou aqueles que estão em
vias de perder o emprego, pequenos, microprodutores e trabalhadores autônomos.
O Programa Estadual de Fomento ao Desenvolvimento Regional de São Paulo,
Decreto nº 56.413/2010 apoiado pelo SEBRAE prevê investimentos estadual para a melhoria
170
GONÇALVES, Marcos Fernandes. Negociação coletiva e pacto social como alternativas ao desemprego em
tempos de crise. Disponível em: < http://www.juslaboral.net/2009/01/negociao-coletiva-e-pacto-social-
como.html> Acesso 11 de fev. 2011
128
da competitividade da economia, bem como na geração de emprego e renda. Demonstra-se
este programa uma saída para o desenvolvimento regional de São Paulo.
O orçamento participativo é uma solução de imediato para municípios que possam
sofrer os reflexos de uma possível demissão em massa, leia-se:
O Orçamento participativo constitui-se em um processo no qual a sociedade
tem a oportunidade de opinar, debater e deliberar sobre matérias inerentes a
despesas públicas surge como método eficaz no resgate e prática da
cidadania. Esta modalidadede orçamento praticada no Brasil desde a década
de 80 é hoje adotada em mais de 70 municípios brasileiros independente de
partido político e é utilizada como parâmetro em países da Europa, servindo
como modelo à experiência da cidade de Porto Alegre/RS que já utiliza esse
método há 14 anos. Diante disso, esta pesquisa objetiva revelar aspectos
importantes do Orçamento Participativo que possam contribuir para a
elaboração do Orçamento-Programa e demonstrar como a sociedade poderá
participar ativamente da gestão pública municipal. 171
O Sistema Nacional de Emprego-SINE por via de suas agências públicas de
emprego no Brasil oferecem serviços gratuitos que podem auxiliar os empregados nos
momentos de dificuldades. O problema em questão é que tais agências sempre estão
sobrecarregadas e consequentemente, o êxito em conquistar novos postos de trabalho é muito
baixo.
Ressalta-se novamente que as políticas públicas só terão sentido de ―ser‖, quando
atuarem conjuntamente com o princípio da dignidade da pessoa humana. Nos dizeres de
Carmem Lúcia Antunes Rocha:
Nessa linha assevera que não há verdade constitucional e que não há suporte
institucional para políticas públicas que não sejam destinadas ao pleno
cumprimento daquele valor maior transformado em princípio constitucional:
a dignidade da pessoa humana. (grifo do autor) 172
Nessa linha, o Estado democrático só será um ―Estado Constitucional‖ se pautar
pelos objetivos perquiridos nos artigos 1º, 3º, 7º, e 170 da Constituição Federal, vinculando-se
aos primados dos princípios constitucionais sempre atrelados a dignidade da pessoa humana,
171
SEBRAE, Orçamento participativo : nova participação da sociedade na gestão pública municipal. Disponível
em <http://www.sebrae.com.br/customizado/desenvolvimento-territorial/o-que-e/planejamento-participativo-e-
gestao-compartilhada> Acesso em 30/03/2011 172
ROCHA, Carmen Lúcia Antunes apud BREUS, Thiago Lima. Políticas públicas no Estado Constitucional:
problemática da concretização dos direitos fundamentais pela administração pública brasileira contemporânea.
Belo Horizonte: Fórum, 2007.p. 193.
129
valorização do trabalho humano, ao desenvolvimento regional e ao pleno emprego. Sem isso,
não é possível falar em garantias de relação de emprego.
Até porque, os princípios como expõe Walter Claudius Rothenburg justificam as
implementações das políticas públicas e até mesmo a sua própria complementação, veja-se:
Ademais, servem os princípios para inestimáveis fins argumentativos, como
critérios de seleção dos topoi (Canotilho, referido por Bonavides 1994:256;
Viehweg 1979) ou mesmo como autênticos tópicos (fornecendo conteúdos
decisórios), podendo assim desempenhar suas relevantes funções. Os
princípios têm ‗aptidão como causa de justificação‘ e os problemas de
contradição, complementação e competitividade (Lorenzetti 1998:317)
constituem, na verdade técnicas de soluções.(grifo do autor)173
Ademais, os incentivos estatais assumem o compromisso de auxílio aos custos
empresariais, que vão desde financiamentos até isenções fiscais. Alude Carla Marshall que as
empresas são responsáveis por receber os maiores estímulos por parte do Estado, leia-se:
O agente econômico privado que deverá merecer maior estímulo constitui-se
na empresa. Tal agente recebeu do legislador constituinte papel de destaque,
bem como proteção, obviamente dentro de opções feitas, como é o caso da
empresa de pequeno porte, prevista no art. 179, a qual deve ser ‗incentivada
pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias,
previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio
de lei‘. 174
Para André Ramos Tavares:
Fala-se em incentivos para denominar o implemento de determinada
atividade econômica pelo Estado. Esta continua sendo exercida pela
iniciativa privada, mas benefícios ou vantagens concebidos pelo Estado
incidem na autonomia dos particulares, guiando-a ao interesse público. Por
isso, o incentivo não pode redundar em impedimento para outras atividades
ou para determinado grupo de agentes econômicos. O benefício de uns não
pode provocar a derrocada de outros.175
173
ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios constitucionais. Porto Alegre: SAFE. p.78. 174
MARSHALL, Carla. Direito constitucional: aspectos constitucionais do direito econômico. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2007. p. 165. 175
TAVARES, André Ramos. Direito constitucional erconômico. 2. ed. São Paulo: Método. 2006. p. 312-313.
130
Conforme o artigo 174, § 1º da Constituição Federal, ― a lei estabelecerá as
diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual
incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento.‖
Ao incentivar a economia propicia um melhor desenvolvimento regional, isto
porque, através das empresas a economia é transformada em estímulos sociais, vez que a
empresa que recebe incentivos estatais deverá em contrapartida atender a sua função social.
Como menciona André Elali:
Nessa visão, é notória a importância da intervenção estatal por meio da
tributação com objetivos regulatórios, já que é atribuição sua estimular
determinadas atividades econômicas para que se busque a ordem proposta
pela Constituição da República. É, valer dizer, indiscutível o papel da
tributação na busca do desenvolvimento econômico, devendo, para tanto,
pautar-se pelos princípios constitucionais econômicos, tributários, sem que
se ponha de lado toda a teorização econômica que pode auxiliar o direito a
melhorar o nível de eficiência da economia nacional.176
Nesses moldes, não carece incentivos empresas que não respeitam a dignidade da
pessoa humana e a valorização do trabalho, as que distanciam da busca do pleno emprego,
demitindo seus empregados imotivadamente sem observar os preceitos legais exigidos, e que
não tenham uma postura ética para com seus empregados, consumidores e fornecedores.
Em tempos de crises econômicas mundiais as empresas diminuem seus custos e
consequentemente, promovem demissões. Diante esse fato, cabe ao governo utilizar dos
incentivos fiscais para neutralizar os aspectos negativos gerados por ela. Soluções como
incentivar empresas para atrair novos investimentos, redução de tributos para certos produtos
a fim de aumentar o consumo, vinculando-se o empreendedor na manutenção da relação do
emprego são situações que favorecem a permanência no emprego.
De todo o exposto, além das políticas públicas sugeridas para a manutenção do
vínculo empregatício, deve-se elaborar um Projeto de Lei voltado aos atos de demissões em
massa, regularizando-a como, por exemplo, estipular quando ocorrerá tal demissão, em quais
casos deve haver essa demissão e como gerir os reflexos negativos surgidos por esta situação
para que de uma melhor forma as relações empregado e empregador permeiem em uma
176
ELALI, André; Incentivos fiscais, neutralidade da tributação e desenvolvimento econômico: a questão da
redução das desigualdades regionais e sociais. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva; ELALI, André; PEIXOTO,
Marcelo Magalhães (coords.). Incentivos fiscais: questões pontuais nas esferas federal, estadual e
municipal.[S.l]: MP Editora, 2007. p. 37-66
131
sociedade democrática de direito, fazendo valer os preceitos dos artigos 1º, 3º, 7º e 170 da
Constituição Federal.
132
CONCLUSÃO
Uma das principais características da Constituição Federal de 1988 é trazer
dispositivos que indicam uma constituição pautada em um modo de produção capitalista, mas
que ao mesmo tempo preocupa-se com a dignidade da pessoa humana e a valorização do
trabalho humano.
Com isso, buscando se adequar e a regulamentar o modo de organização social, a
Constituição Federal em seu artigo 170 dispõe que a Ordem Econômica está fundada na
valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, o que garante a instituição e manutenção
do emprego bem como a atividade empresarial.
Porém, a relação de emprego deve ser tutelada, com a finalidade de preservar a
própria dignidade humana no intuito de evitar excessos e abusos econômicos.
No entanto, a empresa deve atuar nos lindes da ética empresarial, da transparência,
e da boa-fé, enfrentando os desafios de uma globalização desregulamentada, evitando ao
máximo condutas que destoem da função social, como por exemplo, dispensas coletivas
imotivadas.
O artigo 7º, inciso I, da Constituição Federal declara que a relação de emprego
deve ser protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos moldes da Lei
Complementar. Em face da morosidade do Poder Legislativo, até o presente momento esta lei
não fora editada, resultando várias demissões desmotivadas no Brasil.
Ocorre que a demissão em massa atinge não só a pessoa do empregado, mas
também a família do desempregado, a própria sociedade e principalmente a economia.
Em virtude desse fato, mesmo o artigo 7º, inciso I da Constituição Federal,
carecendo de legislação complementar, não é crível nos dias atuais aceitar o retrocesso dos
direitos sociais adquiridos.
Para isto, faz mister ressaltar que a Constituição Federal em seus artigos 1º, 3º, 7º,
―caput‖, 170 e 193, dão suportes suficientes para enaltecer a manutenção do emprego. Assim,
mesmo que o artigo 7º, inciso I, não esteja regulamentado como deveria, haja vista que se
trata de uma omissão grave, a dispensa coletiva não pode ocorrer como um simples ato
empresarial, como se a empresa fosse livre para demitir no momento e quando importasse
para o seu interesse econômico.
Quando se trata de demissão em massa desmotivada, a situação é ainda mais
grave, considerando os resultados danosos imediatos causados à sociedade. Não é possível
admitir, diante das proteções despendidas pela constituição quanto ao trabalho humano, na
133
condição de valor erigido e protegido, finalidade da própria ordem econômica, a demissão em
massa desmotivada.
Outra questão são as empresas que recebem incentivos ou subsídios por parte do
Estado, sejam financiamentos, isenções, ou demais modalidades, que com mais segurança
ainda não podem gerir suas condutas voltadas somente pelo lucro. Tal incentivo é justamente
para que em contrapartida a empresa atinja as metas voltadas ao cunho social e a manutenção
da relação de emprego.
Outro ponto a destacar é que as Convenções da OIT nº 154 e 158, e a Declaração
dos Direitos Humanos 1948, também prezam pela não dispensa coletiva imotivada, bem como
qualquer outra Convenção ou Tratados que não sejam ratificados pelo Brasil, mas que sirvam
para suprir as lacunas legais ou contratuais mencionadas no artigo 8º da Consolidação das
Leis do Trabalho.
Nesse contexto, os artigos 1º, 3º, 7º, ―caput‖, 170, 193 da Constituição Federal e as
Convenções e Tratados Internacionais acima mencionados conduzem o entendimento para a
não demissão em massa imotivada. Assim, mesmo que o artigo 7º, inciso I, da Constituição
Federal careça de regulamentação específica, não obsta o Poder Judiciário de fundamentar
suas decisões, baseando-se nesses dispositivos e anulando as demissões imotivadas que
possam surgir.
Em países desenvolvidos como França e Espanha não é aceitável a demissão
coletiva sem antes observar o procedimento adequado a ser seguido e a motivação que
ensejou a demissão em questão, bem como a solução menos impactante para com os
empregados demitidos.
No Brasil é necessário o procedimento via Negociação Coletiva, seja esta por
Convenção Coletiva ou Acordo Coletivo. A Negociação Coletiva é um direito fundamental
por correlacionar ao princípio da dignidade da pessoa humana e da valorização do trabalho,
permeando a bilateralidade contratual, favorecendo uma flexibilização positiva nas relações
empregatícias.
Através da Negociação Coletiva poderão as partes fixar melhores condições de
trabalho, como por exemplo, fixar medidas plausíveis para evitar uma possível demissão
coletiva ou medidas que atenuem os efeitos maléficos causados por esta.
Nesta esteira, para ocorrer uma demissão em massa as empresas devem observar o
procedimento a ser seguidos pelas Negociações Coletivas. Na ausência da observância deste
procedimento, a Ação Civil Pública é um instrumento hábil para garantir a proteção na
manutenção da relação de emprego e com isso prevenir eventuais demissões em massa
134
imotivadas, por reprimir ou impedir qualquer dano que venha atingir a ordem econômica e os
interesses coletivos dos trabalhadores.
Por meio das políticas públicas, o Estado deve intervir na economia de modo a
nortear as relações empresariais com vistas à concretização dos anseios da sociedade. Nesse
sentido, por exemplo, os programas públicos que garantam melhores condições de vida do ser
humano, e os programas de incentivos fiscais são soluções plausíveis para efetivar os
princípios constitucionais que assegurem a manutenção da relação de emprego.
No entanto, até o presente momento ainda não foi desenvolvida nenhuma política
pública efetiva que vise de maneira concreta a afastar a demissão em massa imotivada.
Essas políticas públicas seriam uma forma prática de intervenção do Estado na
relação de emprego, garantindo a efetivação do preceituado no artigo 7º, inciso I da
Constituição Federal.
Por conseguinte, o desemprego gera aspectos negativos tanto para o empregado,
sua família e a sociedade. Nesse diapasão, as necessidades mínimas existenciais serão
suprimidas se a manutenção do emprego permear a relação empregado e empregador.
135
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