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USOIMPRÓPRIO:SemináriosemEstudosContemporâneosdasArtes
DESLOCAMENTO, DESCONTEXTUALIZAÇÃO E DESFUNCIONALIZAÇÃO: FERRAMENTAS DE ANÁLISE DE DADOS COMO SUPORTE PARA CRIAÇÃO
Ana Elisa Carramaschi Villela Soares / Universidade de São Paulo
RESUMO Descreveremos o desenvolvimento de uma proposta artística dado por diferentes eixos que se retroalimentam: sua elaboração prática e conceitual. Diferentes práticas e softwares estão sendo utilizados para a visualização de informação e mineração visual de dados em diversas fontes de pesquisa a fim de compor um repertório que foi posteriormente remixado. Neste desenvolvimento consideramos tanto o remix quanto a visualização de dados não apenas como agentes de uma forma final específica ou de análise e demonstração de dados mas como geradores de um projeto para a criação. Descreveremos os procedimentos pelos quais estas ferramentas foram utilizadas como meio e não como fim, portanto pretendemos enfatizá-las enquanto agentes que oferecem um programa – métodos, estratégias e etapas – para o projeto artístico, não ficando aparente em sua forma final e sendo possível de serem verificados apenas enquanto processo. PALAVRAS-CHAVE <processos experimentais>; <arquivo>; <visualização de dados>; <remix>; <ficção científica>. ABSTRACT / RESUMEN / SOMMAIRE This article will describe the development of an artistic proposal given by different axes: its practical and conceptual preparation. Different practices and softwares are being used for information visualization and visual data mining in various research sources to compose a repertoire that was later remixed. In this development both the remix and data visualization are considered not only as agents of a specific final form or analysis and display of data but as generators of a project for creation. The procedures by which these tools were used as a means and not an end will be described, so we intend to emphasize them as agents that offer a program - methods, strategies and steps - for an artistic project, not becoming apparent in its final form and being possible to be verified only as a process. Keywords / Palavras clave / Mots-clés <experimental processes>; <archive>; <data visualization>; <remix>; <Science fiction>. Introdução à proposta artística “Móveis”
Todas as esferas da sociedade estão se transformando e sendo afetadas por novas
possibilidades de comunicação, uma vez que estamos o tempo todo mediados por elas.
Nicholas Negroponte1 em entrevista à revista Wired, prenuncia que “como respirar e beber
água, ser digital seria notado apenas pela sua ausência, não pela sua presença”a. O espaço em
que vivemos hoje está completamente afetado por novas mídias e nossas relações estão o
tempo todo mediadas pelas redes, que organizam encontros, percursos, trazendo diversas
formas de visualização da realidade e adicionando camadas à nossa percepção.
a Like air and drinking water, being digital will be noticed only by its absence, not its presence” (Tradução nossa).
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As transformações no estatuto da arte espelham as mudanças da percepção humana. Obras de
artistas e pesquisadores refletem como percebemos e nos relacionamos com o espaço ao
nosso redor num mundo contemporâneo mutante e cheio de complexidade. Desde o
Cinquecento a arte tece um vínculo incorruptível entre o que se sabe e o que se vê: a partir de
então a pintura vem “mostrar que se vê aquilo que se vê, ou seja, o estado de coisas tal como a
razão cognoscente as apreende”.2
Neste mundo informacional em que vivemos muitas vezes estamos conectados
constantemente a tantas pessoas, enquanto fisicamente isolados. Diferentes relações de tempo
e espaço são colocados num mesmo horizonte de dados: sensação de simultaneidade, de
pertencimento e isolamento coexistem.
No percurso artístico abordado neste artigo, a exploração da instalação aconteceu como um
desdobramento de atividades em vídeo, a partir do momento em que foi reconhecido que se
encontravam nas questões do espaço os elementos fundantes para o tipo de imagem que
desejava desenvolver em trabalhos artísticos. Esse desdobramento procurava levar certas
características do espaço antes concebido em vídeo, para o ambiente físico. Estes vídeos, que
apresentavam performances filmadas em diferentes ambientes, eram tratados em pós-
produção através de diversos layers que atribuíam qualidades pictóricas menos realistas à
luminosidade do quadro, assim como fluidez e transparência para a ação registrada. Regina
Johas, em uma passagem de texto curatorial descreve um destes trabalhos:
“Paisagem Elástica dobra em transparências os espaços e tempos de um mundo fluido. Sobreposições e empilhamentos são as ferramentas com que a artista, ao manipular a imagem, modula o espaço heterotópico4 em que se inserem suas personagens. Aqui a “paisagem-imagem” ganha autonomia em relação ao seu modelo – o jardim – e questiona a superfície à qual estava condenada; já não é mais da ordem da representação. A ideia clássica da janela é substituída pela interação permanente entre imagem e modelo, pela possibilidade de penetrar no interior da imagem que se transforma em lugar ao ver abandonada a bi-dimensionalidade à qual estava condenada”.3
A tomada de consciência em relação às características inerentes deste espaço heterotópico4
modulado pela imagem digital fez com que nosso processo criativo se concentrasse cada vez
mais na tentativa de presentificação desses atributos, antes instaurados na imagem
videográfica, num ambiente físico. Hélio Oiticica, ainda se referindo à sua pintura, falava da
percepção do espaço como “elemento totalmente ativo” sinalizando este como um momento
de ruptura e transição de suporte.5
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Surge então o projeto denominado “Móveis”. Este projeto foi testado como um “piloto” e
compreende uma performance projetada em vídeo remotamente sobre outro ambiente, onde se
encontram diversos móveis utilitários. A performance é filmada em um espaço vazio –
estúdio com fundo infinito branco – e projetada sobre uma tela transparenteb presente no
espaço da videoinstalação (o ambiente remoto). As ações da performance se desenvolvem
como uma “interação” imaginada com os objetos/mobiliário da instalação. Quando projetada,
a imagem pode coincidir ou não, dependendo da localização de quem observa, com os objetos
físicos dispostos no espaço.
Para o visitante do espaço da instalação, a performance projetada pode ser vista em
correspondência com o espaço em que ele está presente em apenas um ponto: o ponto da
perspectiva dada pelo projetor. Ao percorrer pela sala, o deslocamento visual causado pela
mudança de posição configura no espaço diferentes relações da performance com os objetos,
ou seja, os efeitos de paralaxe podem criar ambientes imaginários relativamente particulares.
O visitante é então convidado à percepção da emergência de pequenas realidades transitórias,
compostas por associações provisórias que se transformam ao caminhar pela videoinstalação.
Esta arquitetura se realiza na justaposição de dois ambientes: um totalmente opaco e
desprovido de informaçõesc e outro que se torna híbrido e multiplicado pelo movimento do
visitante (o espaço físico da instalação). Este locus se realiza como uma vinculação entre dois
lugares geograficamente distintos: o lugar- físico e o lugar-virtual.
O desenvolvimento deste trabalho se dá por diferentes eixos, que se retroalimentam: sua
elaboração prática e conceitual.
Processamento da imagem imaterial
Para sua materialização, a proposta “Móveis” demanda o encontro por formas para o
desenvolvimento dos objetos (uma vez que o piloto havia sido feito com mobiliário pessoal da
artista) e das ações da performance que compõem a obra; e havia interesse também em
elaborar um áudio original. Como um primeiro procedimento, decidiu-se começar pela
formalização das peças, buscando a basear-se em estruturas de mobiliários já existentes e
trabalhá-las afim de conquistar um formato ideal. b A performance é projetada sobre uma tela de tecido ®Rosco. Este tecido rebate a projeção ao mesmo tempo que transparece o espaço atrás dele. c O espaço branco do estúdio desaparece na projeção, e vemos no vídeo somente o corpo da performer em movimento.
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Iniciou-se uma pesquisa para compor um repertório de imagens, um “arquivo de ideias” a
serem processadas. Foram encontrados diversos procedimentos, que serão descritos mais
adiante, para a criação desse arquivo de ideias. No intuito de fazer análises visuais
exploratórias, a partir deste arquivo foram feitas representações gráficas com o propósito de
encontrar informações desejadas, criar e descobrir o que estávamos tentando formalizar.
A princípio a pesquisa baseou-se em diversas fontes como revistas e sites de arquitetura e
design. Posteriormente o interesse migrou para o campo cinematográfico, utilizando também
para a formação deste repertório a cenografia de filmes. Filmes de ficção científica acabaram
por constituir-se como a fonte mais fértil para esta pesquisa e na busca pelas imagens de
mobiliário, foi gerado um interesse específico pelo mobiliário cenográfico construído para a
utilização de canais de comunicação. Somando-se a isso, a pesquisa para a performance
passou a integrar o movimentos dos corpos quando utilizando estes canais de comunicação
nas cenas dos filmes. Dando sequência, foi formado também um repertório composto pelas
falas utilizadas nestas situações para a construção de um material sonoro.
Foi feito então um processo de download de diversos filmes e de seus roteiros na internet, em
sites de distribuição ilegal. Para uma maior abrangência e na intenção de aumentar o leque de
referências buscou-se não restringir os downloads somente por títulosde interesse pessoal,
buscando no Google por “melhores filmes de ficção científica”, obtendo como resultado
menções por parte de blogs e/ou sites especializados, escritos por grupos de cinéfilos à
consumidores de cultura pop. Deste modo foi formamos uma lista contendo desde clássicos
da ficção científica à blockbusters. Foi feito o download de vinte e três títulos e de seus
respectivos roteiros, sendo eles: “2001: Uma Odisseia no Espaço”, “Apollo 13”,”Alien
(1979 Director’s Cut)”, “Blade Runner”, “Cocoon”,”ET - The Extraterrestrial”,
“Frequency”, “Gattaca”, “Gravity”, “Interestellar”,”La Antena”,”Moon”, “Pacific Rim”,
“Solaris (1972)”, “Solaris (2001)”, “Space Station 76”, “Stalker”, “Star Wars - O Retorno de
Jedi”,”The Abyss”,”The Day The Earth Stood Still (1951)”,”The Day The Earth Stood
Still (2008)”, “The Signal”, “The Time Machine”.
Foi elaborado portanto a partir destes filmes um arquivo de imagens e de textos utilizando
diferentes ferramentas de visualização de dados. As informações que geraram interesse para o
projeto foram: imagens de mobiliários usado na cenografia dos filmes a partir do
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recolhimento dos quadros dos filmes;gestos e movimentação de personagens quando em
situações de comunicações interpessoais que envolvem canais e circuitos eletrônicos,
assistindo a determinados trechos;repertório linguístico utilizado nestes diálogos, explorando
os roteiros.
Formação de arquivo de imagens de objetos e de movimento
Para a formação deste arquivo de imagens, o modelo de visualização por “Montagem” do
software ImageJd proporcionou a visualização nessas referências cinematográficas diversas,
gerando imagens compostas que oferecem um visão geral do filme.
Figura 1. Exemplo de “Montagem” de keyframes pelo software “ImageJ” do filme “2001, Uma Odisséia no Espaço”
A pesquisa de movimento passou por uma transformação significativa tendo como base as
imagens de visualização dos filmes. No piloto, a pesquisa de movimento para a performance
acontecia por meio de experimentações corporais que envolviam tentativas de imaginar e
representar, através do movimento, diferentes usos para objetos ordinários, como mobílias de
uma casa. Procurando ampliar o repertório de movimentação a partir da simples relação com
o mobiliário disposto no espaço, movimentos eram testados à exaustação, na tentativa de não
repetir os mesmos gestos, ou repetidos até que houvesse uma transformação dos mesmos.
Esse processo acontecia até que fosse chegada uma sensação de esgotamento físico.
d ImageJ é um programa de processamento de imagem de código aberto projetado para imagens multidimensionais científicas. http://imagej.net/Welcome
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Para a expansão deste repertório de movimentos procuramos nos filmes por trechos ou cenas
em que os personagens se encontram em situação de comunicação com outro personagem em
um ambiente remoto. Nestas cenas, cada objeto criado para a cenografia exige também uma
interação específica. Para esta finalidade, o modelo de visualização do software ”ImageJ” por
“Montagem” também proporcionou a visualização destas cenas.
Este mapeamento de informações em formato gráfico amplia a cognição, permitindo um
reconhecimento de padrões aparentemente ocultos. Ajustando parâmetros de visualização, é
possível também inferir ou compreender diferentes coisas a partir dos mesmos elementos-
fonte, o que facilita o entendimento e a tomada de decisão na busca por um objetivo.
Pudemos perceber, com base nestas visualizações, que a cenografia nos filmes de ficção
científica formalizam uma invenção espacial apontando para tecnologias e formas de
comunicação que não possuímos, criando ideias de utilização para algo ainda desconhecido
mas que nasce a partir de dados de nossa realidade. Apresentam em sua cenografia não apenas
objetos que possuem alguma utilidade, mas objetos que traduzem vislumbres de um futuro
amplamente compartilhado.
Em meio essa percepção o interesse para a construção das peças passou a ser o delinear de um
mobiliário “desfuncional”, no sentido que ele não tenha utilidades especificas, mas se utilize
de formas cognoscíveis, conhecidas e preconcebidas do desenho industrial e apareça ao
observador como os objetos dos filmes de sci-fi: estranhos aparentemente mas plenamente
associáveis com aquilo que já conhecemos, concebemos como possíveis de “uso”.
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Figura 2. Outros exemplos de “Montagens” de keyframes pelo software ImageJ
Formação de arquivo de roteiros para pesquisa de áudio
Seguindo com a pesquisa em curso, baseada em movimentos de interação com objetos cuja
função foram extraídas, surge a possibilidade de trabalhar um áudio relacionado às mensagens
trocadas nas cenas em que os personagens dos filmes utilizam canais de comunicação. Nas
falas, breves mensagens sem conteúdo asseguram a presença remota ou a atenção daquele
com que se comunica. A partir dos roteiros dos filmes, portanto, foi elaborado um repertório
de palavras e frases utilizadas nestas comunicação, comporto um repertório de linguagem
fática.
O método para encontrar estas frases e/ou palavras se desenvolveu em diferentes etapas. A
princípio os roteiros dos filmes supracitados foram buscados na internet, somente com as falas
dos personagens, chamados transcriptions, ou transcrições - e em sites que os disponibilizam
para que sejam feitas legendagens para distribuição ilegal na internet. Foram feitos os
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downloads e em seguida estas transcrições foram inseridas no aplicativo online Wordlee afim
de visualizar todo conteúdo dos roteiros. A partir da inserção de textos, este software gera
imagens compostas pelas palavras contidas nos textos de origem, sem que hajam repetições e
de forma hierarquizada visualmente. Deste modo, foram retiradas somente as palavras
relacionadas à linguagem fática (vide ilustrações). Foi necessário também assistir à pequenos
trechos para se ter melhor detalhes destas comunicações, na forma de pequenas frases. Para
que fosse possível assistir apenas aos trechos que interessavam à pesquisa e não aos filmes
integralmente, foi utilizado o software ImageJ (vide ilustração anterior).
Foi chegado aos seguintes resultados, que se encontram aqui traduzidos: ahan /alô/atenção
(hello) / até amanhã / base/ boa noite/ bom dia /certo/ Claro/ controle (control) / como
vai? / compreende?/ é você? / entenderam? / entende?/ esta me ouvindo? / eu vou indo /
gravando (rec) hein? / hum-hum / mensagem / não é mesmo? / não é verdade? / não?/ oi/
olá / olha/ okay / ouça / ouviram?/ pois é!/ quanto tempo / sem dúvida / sim,sim... / sei... /
sinal / testando / tudo bem? / tudo certo? / veja bem / vídeo / você está aí?.
e Wordle é um aplicativo para gerar "nuvens de palavras". As nuvens dão maior destaque às palavras que aparecem com mais frequência em um texto. É possível ajustar as nuvens com diferentes fontes, layouts e esquemas de cores. http://www.wordle.net/
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Figura 3. Exemplos de visualização dos roteiros gerados pelo software Wordle
Com estas visualizações foi possível constatar que estas falas são compostas por um
repertório reduzido e com uma linguagem bastante clichê. Tendo em vista a intenção de
utilização de estruturas verbais para o desenvolvimento de um material sonoro, recorri às
observações de Jakobson acerta do problema que é tratado fundamentalmente a partir do
estudo da poética: o que é que faz de uma mensagem verbal uma obra de arte?6
A partir da formação deste pequeno léxico, houve a intenção de pesquisar efeitos de sentido
(ou da falta de sentido) destes microtextos, compreendidos a partir das funções da linguagem
como estabelecidas por Jakobson, bem como clichês, entendidos como frases amplamente
correntes, expressões idiomáticas fossilizadas e cujo sentido se perdeu devido ao uso
excessivo.
A função fática é um recurso de linguagem que serve fundamentalmente para prolongar ou
interromper a comunicação, para verificar se o canal funciona (“Alô, está me ouvindo?” –
“Hm,hm”), para atrair a atenção de um interlocutor ou confirmar atenção continuada. Na
designação de Malinowski7 a função fática pode ser evidenciada por uma troca profusa de
formas ritualizadas, por diálogos inteiros cujo único propósito é prolongar a comunicação.
Esta função da linguagem se encontra em textos que estabelecem a continuidade do contato
entre interlocutores. Compreendidos como clichês, por se tratarem de uma comunicação
cotidiana e despretensiosa, estas mensagens são possivelmente as formas mais recorrentes
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numa língua e funcionam como umaforma estereotipada de se relacionar superficialmente. A
redundância também caracteriza esse tipode linguagem, que evidencia uma possível falta do
que dizer, e através de mensagens simples formam círculos viciosos (“Oi, tudo bem? tudo, e
você?”). A falta de significado é outra característica presente nestas comunicações onde o
conteúdo das perguntas ou respostas não tem importância para além de uma mera interação
codificada ou tida como necessária momentaneamente.
Foi iniciada a partir deste ponto uma pesquisa de som através da seleção deste léxico simples,
pretendendo desenvolver uma mensagem sonora que fosse semanticamente eficaz no sentido
de evidenciar tentativas de comunicação não efetivadas, encontros que não se concretizam ou
não se tornam mais profundos e intensos devido a limitação do contato interpessoal entre os
interlocutores. A ideia foi criar uma polifonia destes textos, gerando a partir das vozes
mecanizadas do google, uma profusão de supostas mensagens não respondidas.
As palavras e frases encontradas a partir deste processo foram inseridas em português no
Google Translate, onde foram “faladas” e gravadas em todas as línguas disponível pelo site.
Deste áudio gravado, foram selecionados somente os trechos em que a pronúncia se tornava
compreensível, assemelhando-se à fala de um estrangeiro articulando um português com
sotaque. Posteriormente, estes trechos foram remixados afim de gerar peça sonora única
formada por estas falas misturadas aleatoriamente. Como substrato destas falas deslocadas,
encontramos mensagens que não expressam vontades ou sentimentos, especificando um dizer
extraído de significados.
Esta microestrutura de textos em forma de remix, compõe uma mensagem que embora
nonsense, pode ser relacionada à macroestrutura em que estamos inseridos principalmente nas
grandes metrópoles: um mundo corrido onde pessoas, devido à falta de tempo, se comunicam
muito através das redes, e muitas vezes, pouco pessoalmente. O uso destas estruturas de
clichês relaciona portanto uma grande necessidade de comunicação com a impossibilidade da
mesma.
Utilizada como tática de metalinguagem, a descontextualização destas frases não respondidas
as retira de sua função original, de efetivar a comunicação, e atribui a estes textos sem
novidade ou originalidade uma possível função poética. A partir da formulação de Haroldo de
Campos, propomos esta tática como uma maneira de resgatar um “intracódigo” destas falas.
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Considerado de um ponto de vista linguístico, segundo Haroldo de Campos, “intracódigo”
trata-se do espaço operatório da função poética de Jakobson, a função que se volta para a
materialidade do signo, entendendo-se por materialidade, enquanto dimensão sígnica, tanto a
forma de expressão como a forma do conteúdo.8
Seria esta, uma tática que alteraria o “modo de significar, representar ou encenar” presente
emseus contextos originais, desvencilhando-as de seu uso ordinário, afim de evidenciar
características fundamentais das comunicações em canais: a distância entre os interlocutores e
a condição solitária do falante.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diferentes sistemas de produção e difusão de imagens estão vinculados às estruturas técnicas
e culturais particulares, que determinam a relação com a realidade e os modos de
configuração dessa mesma realidade9. A presença constante de novas tecnologias nas esferas
públicas geram novos contextos de produção e recepção de obras culturais, modificando o
espaço social e introduzindo novas formas de interação, acesso à informação e negociação de
significados. Segundo Mônica Tavares,
“A variação nos sistemas de produção da arte que resultante da utilização de meios digitais estabelecem uma modificação nos processos para a criação de imagens. Atualmente, diferentes tipos de imagens coexistem, distinguindo-se por conta de seus princípios ontológicos de geração de material.”10
Encontramos no cinema, em especial no gênero de ficção científica, liderado principalmente
pelo mercado americano, uma alta produção e consumo e uma imensa disponibilidade de
imagens de que formarão (ou formatarão) o retrato de futuro na mente de grande parte do
planeta que tem acesso à estes produtos culturais. Hoje podemos dizer que agimos, nos
relacionamos, resolvemos problemas, tarefas e realizamos os mais diversos tipos de
atividades mediados pelas imagens. Vivemos em um território híbrido que justapõe o mundo
virtual ao físico, existimos portanto, espelhados num mundo conectado por imagens. Essa
realidade implica o desenvolvimento de estratégias para lidar com um volume desmedido de
dados, requer a criação de sistemas de visualização, diagramas, mapas mentais ou visuais que
nos permitam uma maior compreensão e acesso à grande quantidade de informações ou
mesmo para nos orientar diante das constantes mudanças na vida real.
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Para além de apenas integrar-se aos meios tecnológicos, a arte que se utiliza dessas
tecnologias reflete as diversas esferas desta integração: política, social, institucional e
sensória. As manifestações na arte são processadas como um meio de questionar, deslocar,
descontextualizar as visões hegemônicas e pragmáticas dessas tecnologias como aplicadas nas
ciência.
A criação de imagens a partir de processos híbridos possibilitados pelo digital consolidam-se
como maneiras de meta-criação de imagens a partir do processamento da grande variedade de
imagens dispostas e trocadas diariamente pela cultura. Para lidar com uma fonte de pesquisa
como o cinema, as ferramentas como a visualização de dados e o remix se tornam
instrumentos fundamentais para extrair e sedimentar informação.
As práticas artísticas que re-trabalham repertórios (textos, imagens) já existentes no nosso
cotidiano, transferem - por meios de processos digitais - o controle formal de peças artísticas,
deslocando a função do artista como o principal agente construtor de formas e atribuindo a ele
o papel de desenvolvedor de um programa ou de um projeto de criação, no qual ele poderá
utilizar diversos os mais diversos meios disponíveis pela tecnologia. Esta concepção
considera o processo criativo como uma pesquisa aberta, compartilhada e passível de ser
infinitamente reorganizada em diferentes formas.
“Pintura, fotografia, textos, jornais, posteres, vídeos, cinema, música, etc, provêm a matéria-prima para a concretização de produtos híbridos, ou, em outras palavras, da estrutura digital. Esta matéria prima, advinda de diversas linguagens na forma de informação numérica, circula pelas interfaces, determinando um transito fluido de mensagem, caracterizada por sua condição de pura imaterialidade. Nestas condições, a mensagem se transmuta e pode ser materializada não necessariamente no mesmo suporte no qual estava ligada, mas em outros, transcodificado-se em outras linguagens.”11
Este processo de transformação/metamorfose de matérias, através de processos de tradução
que se utilizam de linguagens diversas para a construção de produtos híbridos, estão inseridos
na cultura do remix, caracterizada por sua condição imaterial. A utilização de práticas que
utilizam dados pré-existentes para geração de novas formas, poderia ser relacionado ao que
Julio Plaza concebeu como tradução intersemiótica, uma “[...] prática crítico-criativa, como
meta-criação, como ação sobre estrututuras e eventos, como diálogo de signos com um outro
nas diferenças, como síntese e re-escritura da história”.12
“Privilegiando a criação de uma nova mensagem baseada em dados pré-existentes, essas poéticas operam via traduções intersemióticas, por meio de alguns procedimentos:
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incorporando um texto dentro do outro, transpondo um sistema de significação para outro e correlacionando series artísticas (ou até extra-artiticas).”13
Descrevemos o desenvolvimento de uma proposta artística (uma performance audiovisual),
dado por diferentes eixos que se retroalimentam: sua elaboração prática e conceitual.
Diferentes práticas e softwares foram utilizados para a visualização de informações e
mineração visual de dados em diversas fontes de pesquisa a fim de compor um repertório que
foi posteriormente remixado. Neste desenvolvimento consideramos tanto o remix quanto a
visualização de dados não apenas como agentes de uma forma final específica ou de análise e
demonstração de dados mas como geradores de um projeto para a criação. Descreveremos um
projeto no qual estas ferramentas são utilizadas como meio e não como fim, portanto
pretendemos enfatizá-las enquanto agentes que oferecem métodos, estratégias e etapas para o
projeto artístico - não ficando aparente em sua forma final e sendo possível de serem
verificados apenas enquanto processo. No decorrer deste processo a elaboração conceitual se
funde à prática, determinando o caminho de compreensão das atividades envolvidas.
Podemos ainda traçar um paralelo com práticas artísticas digitais que re-trabalham imagens já
existentes no nosso cotidiano, como uma lógica de transferência do controle formal de peças
artísticas por meios de processos digitais, retirando a função do artista como o principal
agente construtor de formas e atribuindo a ele o papel de desenvolvedor de um programa, de
um projeto de criação, no qual ele poderá utilizar diversos os mais diversos meios disponíveis
pela tecnologia. A utilização destas práticas como geradoras de novas formas, poderia ser
relacionada ao que Julio Plaza concebeu como tradução intersemiótica, uma “[...] prática
crítico-criativa, como meta-criação, como ação sobre estrututuras e eventos, como diálogo de
signos com um outro nas diferenças, como síntese e re-escritura da história”14.
A pesquisa a ser desenvolvida e finalizada como uma peça de videoinstalação, pretende
rearranjar ideias de comunicação coletadas como um arquivo, em seu desenvolvimento,
framesf dão forma à objetos, roteiros cinematográficos se tornam peça sonora e a
representação cênica gera material de estudo para uma performance. Mais do que meramente
munir a instalação de elementos já verificados no repertório comum dos espectadores, o
interesse neste processo é encontrar uma nova estrutura assimilável que emerge de dentro de
f Frame (em Português: quadro ou moldura) é cada um dos quadros ou imagens fixas de um produto audiovisual [1] . A opção pelo anglicismo é usual no meio audiovisual e pretendeu não confundir o leitor, especificando o quadro de filme e não o quadro de pintura.
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um dado contexto, e a partir do deslocamento, da descontextualização e desfuncionalização de
formas de expressão disponíveis no imaginário da cultura, gerar novas possibilidades
imagéticas e críticas.
A ideia de cultura como um processo de reinterpretação e reuso de recursos foi sempre notado
e enfatizado por muitos estudiosos.15 “A cultura é um processo complexo de
compartilhamento e significação. Propósitos são cambiados, adotados e adaptados através de
atos de comunicação”16. A opção por não simplesmente produzir, mas sim recodificar uma
enorme quantidade informação pre-existente assume que diante de um mundo superpopulado
de signos é exigido ao artista a criação de novas práticas, operações e processos, pressupondo
“a percepção estética como um processo de compreensão imerso num sistema social e
cultural”.17
Ana Elisa Carramaschi Mestranda em Poéticas Visuais pela Universidade de São Paulo. Desenvolve trabalhos em artes visuais explorando diversas linguagens, como performance, vídeo e instalação. Atualmente pesquisa sobre as relações entre o corpo, espaço e as novas tecnologias. Atua profissionalmente no mercado criativo de cinema e comunicação nas áreas de pré e pós-produção. REFERÊNCIAS
[1] NEGROPONTE, Nicholas (1998). “Beyond Digital”. In: Wired, dez, 1998. Disponível em: http://www.wired.com/wired/archive/6.12/negroponte.html. Acesso em: 2013-09-12.
[2] CAUQUELIN, Anne (2007). A invenção da paisagem. São Paulo: Martins Fontes, p. 83 [3] JOHAS, Regina (2010). Trans_Imagem. Catálogo de exposição, s.n. São Paulo: Galeria Virgílio, 2010. [4] FOUCAULT, Michel (1967). “Of Other Spaces, Heterotopias”. Disponível em: http://foucault.info/documents/heteroTopia/foucault.heteroTopia.en.html. Acesso em:2014-02-01 [5] OITICICA, Hélio ([1962] 2006). “A transição da cor do quadro para o espaço e o sentido de construtividade”. In: Escritos de artistas. Anos 60/70. Glória Ferreira e Cecília Cotrim [orgs]. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, p.82-95, 2006. [6] JAKOBSON, Roman (1973). Linguística e comunicação. São Paulo: Cultrix. p.119 [7] Malinowski apud Jakobson, op. cit. p. 126 [8] CAMPOS, Haroldo (1996). “A transcriação do “Lance de dados” de Mallarmé”. In COSTA, Luís Angélico da (org.). Limites da traduzibilidade. Salvador, Edufba, p.31. [9] FABRIS, Annateresa (1998). “Redefinindo o Conceito de Imagem”. In: Rev. bras. Hist., São Paulo, v. 18, no 35, 1998. [10] TAVARES, Mônica, (2015). “Remix and the Dialogic Engine of Culture: A Model for Generative Combinatoriality.” In: Eduardo Navas, Owen Gallagher, xtine burrough. (Org.). The Routledge Companion to Remix Studies. 1 ed. London and New York: Routledge, Taylor & Francis Group, 2015, p.192. (Tradução nossa)
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[11] TAVARES, Monica. Op. cit. p. 197 (Tradução nossa) [12] PLAZA, Julio (1985). “A arte da tradução intersemiótica”, catálogo da exposição Transcriar, São Paulo, Museu de Arte Contemporânea, USP, p. 13. [13] TAVARES, Monica. Op. cit. (Tradução nossa) [14] PLAZA, Julio (1985). “A arte da tradução intersemiótica”, catálogo da exposição Transcriar, São Paulo, Museu de Arte Contemporânea, USP, p. 13. [15] IRVINE, Martin (2015). “Remix and the Dialogic Engine of Culture: A Model for Generative Combinatoriality.” In: Eduardo Navas, Owen Gallagher, xtine burrough. (Org.). The Routledge Companion to Remix Studies. 1 ed. London and New York: Routledge, Taylor & Francis Group, p.16. [16] LOTMAN, Yuri. Apud IRVINE, op. cit. [17] PLAZA, Julio (1985). “A arte da tradução intersemiótica”, catálogo da exposição Transcriar, São Paulo, Museu de Arte Contemporânea, USP, p. 13. 2001: A Space Odyssey. Direção: Stanley Kubrick. 1968. APOLLO 13. Direção: Ron Howard. 1995 ALIEN (1979 Director’s Cut). Direção: Ridley Scott. 1979 BLADE Runner. Direção: Ridley Scott. 1982. COCOON. Direção: Ron Howard. 1985. E.T. the Extra-Terrestrial. Direção: Steven Spielberg. 1982 FREQUENCY. Direção: Gregory Hoblit. 2000. GATTACA. Direção: Andrew Niccol. 1997. GRAVITY. Direção: Alfonso Cuarón. 2013. INTERSTELLAR. Direção: Christopher Nolan. 2014. LA Antena. Direção: Esteban Sapir. 2007 MOON. Direção: Duncan Jones. 2009. PACIFIC Rim. Direção: Guillermo del Toro. 2013. SOLARIS. Direção: Andrei Tarkovisky. 1972. SOLARIS. Direção: Steven Soderbergh. 2002. SPACE Station 76. Direção: Jack Plotnick. 2014 STALKER. Direção: Andrei Tarkovsky. 1979 STAR Wars - O Retorno de Jedi. Direção: Richard Marquand. 1983 THE Abyss. Direção: James Cameron. 1989. THE Day The Earth Stood Still. Direção: Robert Wise. 1951. THE Day The Earth Stood Still. Direção: Scott Derrickson. 2008 THE Signal. Direção: William Eubank. 2014. THE Time Machine. Direção: George Pal. 1960. www.screenplay.com/resources/research/scripts/index.htm www.script-o-rama.com/table.shtml www.springfieldspringfield.co.uk/
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