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(*) Tradução livre ( versão preliminar-2003) de Elio Carlos Ricardo 1
Devolução versus Contra-devolução!(*) Uma tendência incontornável para o contrato didático.
(JONNAERT, Philippe. Dévolution versus contre-dévolution! Un tandem incontournable pour le contrat
didactique. In: RAISKY, Claude; CAILLOT, Michel (éds) Au-delà des didactiques, le didactique:débats autour de
concepts fédérateur. Belgium: De Boeck & Larcier S.A. 1996, 278p.)
“As relações do professor e do aluno são condicionadas por um projeto social
exterior que se impõe a ambos. Os paradoxos da relação didática mostram que o modelo
mecanicista exposto até aqui é inadequado salvo para as seqüências não didáticas: um jogo
onde um dos jogadores atua abertamente sobre seus parceiros a fim de lhes modificar no
curso da partida, é evidentemente de natureza totalmente diferente os jogos evocados mais
altos, onde as regras restantes são fixas no curso de uma partida.
Esses paradoxos implicam duas conseqüências: necessidade de uma resolução
temporal, e a fim de permitir o avanço da relação, necessidade de um “bloqueio” temporal
de certas condições da situação pelas convenções provisórias, implícitas ou explícitas. Essa
convenção desvia-se do objeto e do jogo da relação didática. A forma geral dessas
condições é o contrato didático.
(...) o contrato é específico dos conhecimentos em jogo e portanto necessariamente
perecível: os conhecimentos e o saber evoluem e se transformam, enquanto que o contrato
pedagógico tende a ser estável. Os momentos de ruptura permitem a evidência experimental
do contrato didático” (Brousseau, 1988: 322)
INTRODUÇÃO
O texto de orientação do simpósio interrogou cada um dos participantes para a
questão seguinte: os instrumentos conceituais desenvolvidos pelas correntes atuais de
pesquisa e de teorização didática permitem uma análise pertinente dos saberes, em relação
aos saberes ou ainda dos processos de transformação das relações dos saberes, até mesmo
da modificação dos saberes eles mesmos?
Essa questão é complexa, até mesmo múltipla. Ela permite entretanto ser distribuída
sobre diferentes dimensões da relação didática. Vários ângulos de abordagem são possíveis
portanto. Em seu significado, essa questão é interessante. Essa questão é portanto totalmente
aberta? Em sua formulação, a interpelação feita ao pesquisador coloca no coração da relação
didática a problemática da relação com o saber. Ela se inquieta por uma orientação precisa
sugerida pela reflexão: conceder aos diferentes tipos de relações dos saberes uma
importância particular.
Ela quer dizer que uma relação didática não é didática caso ela se articule em torno
de uma dialética de saberes em presença? Seria um ponto de vista interessante, mas muito
restritivo. O leitor não deve perder de vista que a reflexão teórica e a pesquisa em didática
definem seu campo sobretudo ao exterior que ao interior da relação didática. A dialética dos
saberes é uma das características da relação didática, ela não é toda a relação didática.
Senão, porque o didático se interessaria pelo tempo longo da psicogênese da aquisição do
conhecimento, porque falaria de transferência ou ainda de situações não didáticas? No
texto, Brousseau relembra o caráter perecível do contrato didático. A relação didática não
dura além do contrato. Ao contrário, o aluno, ele, realiza um processo de construção de
conhecimento que dura bem mais além da relação didática. Este é um paradoxo fundamental
da reflexão que elege a relação didática como objeto de estudo. A relação didática é
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precária, mas ela possui o objetivo de desenvolver em cada aluno um processo em longo
termo de construção do conhecimento. Esse é outro paradoxo na relação didática.
Seguramente serão abordados nesse texto. Mas antes de tudo no primeiro paradoxo, no seio
desta aparente contradição, que se situa a discussão calcada nessa linha.
O texto propõe, com efeito, uma discussão sobre certas dimensões do contrato
didático. Ele é todavia útil em precisar que a fonte de leitura do autor, a propósito das
diferentes dimensões da relação didática, é fundamentalmente construtivista. A relação
didática retém portanto sua atenção para o que é um lugar de construção do conhecimento
pelo indivíduo. A relação didática é, nesse caso, mais interessante que seu indivíduo e
encontra as situações no seio das quais pode utilizar seus próprios conhecimentos para se
adaptar, evoluir, confirmar ou negar, ou ainda tão simplesmente utilizar. Desde então, se
várias questões se põem na análise dos conceitos didáticos, é evidente que a dialética dos
saberes presentes em uma relação didática será o coração das preocupações deste texto. O
olhar sobre o contrato didático é então construtivista. Ou talvez o contrário?
Após ter colocado o adorno do contrato didático (que é o centro da discussão
proposta no texto) um rápido retrato da relação didática será sugerido. Rapidamente, o leitor
descobrirá que o jogo dessa relação social particular se joga entre diferentes relações com os
saberes que podem entrar em conflitos. Uma relação didática, os resultados assimétricos do
saber e um quadro temporal específico permitem entrever todo o dinamismo do contrato
didático. Dinâmico e precário, certamente! Nessa base, diferentes dimensões do contrato
didático são abordadas. Os resultados assimétricos do saber desviam-se das principais
regras. Mas, no interior desse sutil jogo de regras, qual é o lugar do aluno? Em uma
abordagem construtivista, o texto define que uma devolução didática não é possível desde
que o aluno se ponha a jogar as regras da contra-devolução. Devolução, rupturas e contra-
devolução didáticas são os principais paradoxos que professor e alunos manipulam em torno
de seus papeis. Esse jogo em torno das regras muito particulares do contrato didático
permite ao aluno inserir-se de modo otimizado no processo longo de construção e de
desenvolvimento dos conhecimentos.
1. O QUADRO GERAL DE UMA REFLEXÃO SOBRE O CONTRATO DIDÁTICO
Colocado o adorno de nosso propósito sobre o contrato didático, nós precisamos por
sua vez o tipo de relações com os saber para a qual ele é questão e gênero de relação e que é
exigido nesse contexto particular de contrato didático.
1.1 Uma multitude de relações com os saberes e uma relação didática.
Todo contrato didático é por sua vez único e instável. Ele deve esta dupla
especificidade aos múltiplos produtos dos saberes presentes na relação didática. Do exterior,
um observador não adverte a ilusão que o único saber presente em uma relação didática é
aquele falado pelo professor, saber transparente, extraído de manuais e de programas
escolares, de produções e de livros diversos. Ele não tem certeza que este saber de
referência se reflete de primeira em uma espécie de “espelho de cotovia”, provocando uma
multitude de reações da parte destes com aqueles ele é chamado a interagir durante a relação
didática. Esse saber de referência, objeto exógeno, repercute-se assim em uma série de
relações que cada aluno, cada professor, mantém com ele durante a relação didática. Essas
relações suportam mais ou menos fortemente os efeitos de certas mediações. Essas relações
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com os saberes evoluem, fluem e se modificam no curso da relação didática. Certamente, o
saber de referência não é único e as relações se orientam rumo a outros saberes que não
aqueles propostos como referências. Toda relação com os saberes de referência pode por sua
vez tornar-se objeto de interação com outros saberes. O saber único, a norma, o saber de
referência é muito rapidamente contrariado, contradito, posto em julgamento, questionado
por outros saberes e o saber da relação didática torna-se múltiplo. Ele se obriga a falar desde
então de relação de saberes em respeito a essa pluralidade. Do começo ao fim da relação
didática, ele suporta transformações, modificações, de fato em alterações mais ou menos
importantes. Ao término de uma relação didática, nenhuma das partes mantém ainda o saber
das relações idêntico àqueles que desenvolveu até então.
No seio de uma relação didática as relações com os saberes são pessoais, de fato
privadas. Eles são feitos de diversas representações, eles evocam conhecimentos variados.
Eles tornam-se subjetivos por eles mesmos, alunos e professores. Eles variam então de uma
classe a outra, de um grupo de alunos a outro, de um professor a outro, mesmo se o saber
escolar de referência é idêntico em todas as classes, mesmo se este saber é extraído das
mesmas bibliografias e de programas escolares, mesmo se um estudo da transposição
didática deste saber é descrito em um mesmo encaminhamento até que este se torne um
objeto de ensino. Não existe a relação com um saber universal, único, e que se insere em
qualquer espécie de saber fazer adquirido pelos alunos em relação a uma disciplina escolar
dada. Esse saber-padrão, ou saber-canalizado do saber escolar, transparece no entanto ainda
hoje em todos os programas escolares.
Certamente, o objetivo primeiro de uma relação didática é de provocar uma
confrontação, uma reposição em julgamento ou uma conformação, uma adaptação, uma
evolução, uma mudança, uma complexificação nessa relação privada que cada um mantém
o saber em jogo. Certamente, igualmente, o professor não organiza suas atividades do nada!
Ele busca critérios para balizar o encaminhamento de seus alunos. Esses critérios, ele os
acha nos programas e manuais escolares que descrevem a disciplina e os conteúdos a serem
ensinados. Certamente enfim, uma análise do conteúdo é totalmente indispensável à
organização de uma atividade de ensino e aprendizagem, esse é um dos setores que a
didática das disciplinas está certamente a desenvolver, em renovar e em fazer surgir da
restrita abordagem curricular. Mas, imediatamente quando alguém abre a porta de uma sala
de aula e empreende uma relação didática, as relações de saber presentes são de outra
ordem. A primeira relação de saber na qual o aluno é necessariamente confrontado tão logo
entre na dinâmica da relação didática, este acesso é antes todo o seio da relação. O professor
não poderia imaginar, ao entrar no jogo, em impor a todos seus alunos uma relação única ao
objeto de estudo, o qual se propõe a empreender durante uma seqüência de ensino e
aprendizagem. Não há, de uma parte um aluno-padrão, e de outra parte uma matéria escolar
unívoca. Não existe uma disciplina a ensinar única e universal, do exterior, dirigida ao
aluno, todos os alunos, porque não existe uma única maneira de conhecer aquele saber.
Mas, esta perspectiva construtivista, justamente, suscita qual a repercussão nas
práticas cotidianas de ensino? Nada menos certo! “De modo geral, considerar o saber dos
estudantes, como o promotor da tese construtivista, não parece apenas modificar o
protocolo de ensino habitual, se não a ordem do ensino em causa. De fato, o ponto de vista
do estudante será mais solicitado (este é o maior efeito do construtivismo sobre a
pedagogia). Mas, o mais freqüente, tudo se passa como se essa solicitação não tenha outra
finalidade que de repetir, nem que não seja, nesse ponto de vista, e certamente, em
referência ao saber a ensinar, sem atenção para a natureza e o suporte, eventualmente
(*) Tradução livre ( versão preliminar-2003) de Elio Carlos Ricardo 4
distintos, que caracterizam esse olhar do saber desenvolvido pelo aluno. Nessa perspectiva,
essa não é então a complexificação do saber do aluno que se distingue, mas antes o
eminente desvio entre o que ele sabe e o saber a ensinar.” (Larochelle e Bednarz, 1994)
A tese construtivista propõe uma via. Ela é a outra da qual consiste em querer
padronizar as relações de saberes de todos os alunos comparados a uma mesma disciplina
escolar. Esse último entretanto é posto fora de curso pelas relações privadas que cada aluno
mantém efetivamente com o saber. O resultado dessa relação privada e individual com o
saber e a existência, em uma mesma classe, de um grande número de desvio entre as
relações que os alunos mantém com o saber e estes, freqüentemente únicos, quer impor a
cada um deles. O projeto do professor, na antítese construtivista, é então o de amenizar este
desvio. Nesse caso, o professor ignora esta multiplicidade de relações de saberes àquela que
ele necessariamente confrontou cada vez que ele reencontra um grupo de alunos em uma
relação didática.
Por definição, o contrato se inscreve nessa multiplicidade de relações com os saberes
em jogo em uma relação didática. Cada relação, individual e privada, com os saberes em
jogo em uma relação didática é uma regra implícita do contrato didático. Cada uma destas
relações faz então parte integrante de toda a reflexão sobre o contrato didático. Nós não
podemos fazer economia.
Nós evocaremos tanto as relações específicas dos saberes, tanto uma relação dita
didática. Do que se fala? Após ter rapidamente recordado o leitor sobre o que nós
entendemos por relação didática, nós precisaremos o tipo de relação com os saberes do qual
fazemos referência.
1.2 A relação didática define as primeiras dimensões do quadro geral do
funcionamento do contrato didático
Todo o contrato didático se inscreve por ele mesmo no interior de uma relação bem
particular: a relação didática. Mas, qual é essa relação didática e quais são seus
componentes essenciais? Sem entrar em uma descrição fina da relação didática, nós
pincelamos entretanto um retrato grosseiro.
Parafraseando Perret-Clermont, Brun, Conne, Saada e Schubauer-Leoni, (1982), nós
dizemos que nos basta, para falar da relação didática em sentido amplo, de nos achar em um
contexto onde há “intenção de ensinar alguma coisa a alguém”. O estudo da relação
didática se inscreve no contexto mais vasto definido pela escola em seu projeto de ensino.
“A didática das matemáticas é por sua vez um ensaio fundamental de resposta à
transformação dos conhecimentos colocados em mudanças nessas transformações a parte
que revê os fenômenos de transmissão cultural, quer dizer o saber, por intermédio da
instituição, em particular a escola, portadora da intenção de ensinar.” (Brun, 1994, p.70)
Essa intenção de ensinar permite a contextualização da relação didática. Aliás, tudo
se passa em um quadro espaço-temporal claramente circunscrito: o espaço e tempo escolar.
Essa intenção de ensinar supõe colocar em relação diferentes elementos. Schubauer-Leoni
(1986) nos recorda utilmente:
os conteúdos de saber e a transposição didática que subsistem depois do meio
científico até a escola;
os mestres e sua relação com os saberes no quadro da formação ensinada,
sua relação com a pesquisa em ligação notadamente com a formação
continuada;
(*) Tradução livre ( versão preliminar-2003) de Elio Carlos Ricardo 5
os alunos e sua atividade sócio-cognitiva;
a situação definida em sentido amplo pelo sistema educativo e em sentido
restrito pela situação-problema. (p.139)
Em um sentido mais restrito, a relação didática poderia então ser definida pelas trocas
organizadas localmente entre o professor, os alunos e o objeto preciso de ensino. Nós
retornamos à metáfora do triângulo da relação didática, triângulo aliás freqüentemente
contestado por ser reducionista ao extremo.
“O triângulo didático é mais certamente o modelo mais antigo que permite ajustar
na relação o professor, o aluno e a matéria a ensinar. Ele ressalta o processo sobre
ensino/aprendizagem de uma maneira simplificada. Ainda que seja recolocar aqui
uma redução da realidade possuída ao extremo.” (Besure e D’Hoest, 1989)
1.3 Uma relação ternária
A relação didática é caracterizada pelo conjunto das mudanças entre os alunos, o
saber (ou qualquer objeto de ensino) e o professor. Ela é então uma relação ternária. E se a
metáfora do triângulo nos fornece uma redução ao extremo, ele permite no entanto
visualizar uma superfície e mais particularmente a área das interações entre três pólos
solidários. Cada um desses pólos simboliza uma família de variáveis: as variáveis
estabelecidas pelo próprio professor, as definidas pela personalidade de cada um dos alunos
em particular, mas também pelos alunos constituídos em um grupo-classe, aquelas enfim
estabelecidas pelo saber ou por outro objeto de ensino e pela sua transposição didática.
A complexidade da relação ternária está na solidariedade funcional dessas três
famílias de variáveis (Jonnaert, 1988). A metáfora do triângulo não permite uma abordagem
simplificada das regras que organizam essa relação: nenhum dos três pólos do triângulo
pode se isolar dos outros. Toda a análise pertinente do funcionamento da relação didática
supõe que a abordagem de uma das três famílias de variáveis se realiza em referência às
duas outras. Em falta, o pesquisador isenta necessariamente o campo da relação didática.
Assim, se é possível dele tratar da transposição didática a propósito de um saber dado fora
do campo da relação didática, uma tal abordagem restante, ainda que teórica, em um
momento preciso, ela não se articula à estrita dimensão de uma relação didática dada.
Aliás, a relação específica que cada um dos outros participantes da relação didática
(professor, conteúdo de saber e aluno) mantém respectivamente com seus saberes, constitui
a variável motora da relação didática. Bem mais, são as relações com os saberes, as
mudanças das relações de saberes e as rupturas das relações de saberes que dão esse
dinamismo à dialética professor, aluno e saber. Em ausência da relação com os saberes, não
há relação didática. Assim, toda a transposição didática, para ser pertinente, deve entrar
nessas interações. Em sua falta, o trabalho se impede lá onde começa a relação didática.
1.4 Transposição didática e objeto de aprendizagem
Toda a didática se define e se identifica pela especificidade das múltiplas relações em
um certo campo do conhecimento. É nesse campo de conhecimento que se elaboram, que
entram em conflito ou que se modificam a relação com os saberes: seja para aprender, seja
para ensinar, mas também seja ligado ao trabalho da transposição didática. A transposição
didática define-se por ela mesma um certo número de relações com os saberes. Se o trabalho
da transposição didática se desenvolve exclusivamente fora da relação didática, ele é de
(*) Tradução livre ( versão preliminar-2003) de Elio Carlos Ricardo 6
pouco interesse para o desenvolvimento dos conhecimentos entre os indivíduos. Ele não se
aplica então mais que a um currículo antigo em definição de conteúdos de aprendizagens
escolares. A transposição didática bem se define como o estudo da transformação de um
objeto de saber em um objeto de ensino, este objeto de ensino se transforma no curso da
relação didática em um objeto de aprendizagem. Portanto, este objeto de aprendizagem não
pode ser definido a priori, fora da relação didática, fora das transformações que cada um trás
em suas negociações próprias de apropriação e de autoconstrução dos conhecimentos. Toda
a transposição didática se prolonga então na relação didática por ela mesma. São estudos
que aportam sobre as múltiplas mutações que sofre um saber a ensinar e, então, se
transforma em um saber a aprender.
Essas múltiplas relações, essas numerosas rupturas, essa instabilidade das relações de
saberes definindo os lugares e os espaços onde o contrato didático joga suas influências,
posicionam sua dinâmica, encontra toda sua identidade. Bem mais, em cada uma dessas
dimensões da relação didática se constitui uma das múltiplas regras sobre as quais o
contrato encontra seu assento. Enfim, a dificuldade de definir a priori número entre eles,
particularmente aquelas ligadas ao saber, caracteriza o contrato didático em face de outros
tipos de contratos, como por exemplo, um contrato pedagógico. Se o contrato didático é
bem localizado em uma relação didática, essas são as múltiplas relações com os saberes e o
pouco de transparência desses últimos lhe fornece sua identidade.
Mas de qual ordem são as relações de saberes e porque evocar uma pluralidade de
saberes e escrever mais freqüentemente a palavra saber no plural?
1.5 Os saberes e as relações assimétricas com os saberes fornecendo o quadro de regras
de um contrato didático
Classicamente, tudo se passa como se a transposição didática pudesse, por um golpe
de mágica reger, ela somente, a problemática dos saberes na presença de uma dialética de
uma relação didática. A transposição didática não seria uma ilusão curricular se ela deixasse
nos professores a impressão de que somente a disciplina de referência é importante. Essa
que é o objeto de um estudo curricular, essa que é traduzida em elementos de um programa
escolar, essa que constitui o alimento primeiro dos manuais escolares, essa que ocupa
freqüentemente a maior parte do programa de formação do professor: o que dizer, um
professor de matemática é bem um professor de matemática! Tudo será de tal sorte simples!
No interior da relação didática, o aluno e o professor certamente não ocupam
posições simétricas em suas respectivas relações com os saberes (ou em todo outro objeto
de ensino e aprendizagem que está em jogo na relação didática). Bem mais, essa assimetria
se observa não somente entre as diferentes relações de saberes do professor e seus alunos,
mas igualmente entre as diferentes relações de saberes entre os próprios alunos. E está em
todo o interesse da relação didática! Falando de aluno e de professor, pode-se afirmar que:
“o segundo não somente sabe mais que o primeiro, mas a responsabilidade de organizar a
situação de ensino reputa favorável na aprendizagem do primeiro” (Johsua e Dupin, 1993,
p.249). Nós diremos mais simplesmente que um e outro conhecem por outro lado sem
estabelecer hierarquia quantitativa entre estes últimos. A característica fundamental de uma
relação didática reside provavelmente nessa existência de assimetria entre as relações que
cada um mantém com os saberes. Bem mais, o porque dessa assimetria existir que a relação
didática encontra razão de ser em um momento dado: a função da relação didática é de fazer
evoluir esta relação com os saberes. (figura 1)
(*) Tradução livre ( versão preliminar-2003) de Elio Carlos Ricardo 7
Figura 1: as relações assimétricas com os saberes.
Ademais, se a relação com os saberes do aluno é um certo começo da relação
didática, ele deve ter trocado o termo desse último, senão, porque organizar essas mudanças
entre um professor, os alunos e o (os) saber (es)? A função primeira de uma relação didática
é de permitir ao aluno a mudar sua relação inicial com os saberes, mas não importa qual o
preço!
Essa relação que cada um mantém com o saber é importante; ela permite com efeito
diferenciar o contrato didático de um outro engajamento, no interior do qual a relação com
os saberes não é objeto. O jogo das relações estabelecidas pelo professor e aluno em torno
do saber determina as rupturas e as mudanças de papéis sucessivos no interior da relação
didática. Essa assimetria torna-se o motor da relação didática, ela define o lugar e a
responsabilidade de cada um, alunos e professor, na gestão das relações com os saberes.
Mas, o professor não detém nem todas as chaves nem todos os poderes.
1.6 As Regras Flexíveis
O trabalho de análise da evolução de um contrato didático permite indicar a divisão e
a delimitação do poder de cada uma das partes da relação didática em suas respectivas
relações com os saberes. Esse trabalho permite igualmente observar como algumas regras de
um contrato didático não são irreversíveis. Cada um pode, em um momento dado, mudar de
papel e de função: se o professor pode devolver, o aluno deve poder contra-devolver. Se as
relações com os saberes evoluem no curso de uma relação didática, as regras que regem o
contrato didático devem igualmente poder mudar. Se a baliza e os suportes que o professor
fornece aos alunos devido a relação didática são suficientes, a todo momento e em função
das relações com os saberes que ele conduz, o aluno deve poder exigir do professor que
mude de papel. Se o sistema de regras do contrato didático deve ser rígido e imutável,
paralisa cada um em um papel único, nenhuma aprendizagem será possível. Jogando a regra
da devolução, o professor pode exigir do aluno que tome por ele mesmo o ritmo da
aprendizagem. Mas, isso não é suficiente. Se ele é bloqueado na situação que o professor lhe
propõe e que não pode mais avançar em seu próprio ritmo de aprendizagem, por sua vez, o
aluno tem o direito (volta a deter) de reclamar ao professor em retomar uma de suas funções
em aplicar uma outra regra do jogo que essa da devolução. O aluno deve poder contra-
devolver, o papel de cada um, aluno e professor, na organização da evolução do saber no
(*) Tradução livre ( versão preliminar-2003) de Elio Carlos Ricardo 8
interior da relação didática é fundamental. Esses papéis são definidos, freqüentemente muito
implicitamente, no interior do jogo das regras do contrato didático:
“Como em particular são organizadas as responsabilidades recíprocas de alunos e
do professor na gestão dos saberes? Como eles evoluem no curso do ensino? Um contrato
didático, muito freqüentemente implica, mas bem presente, fornecer aos atores da situação
os reparos essenciais para responder a estas questões.” (Johsua e Dupin, 1993, p.251)
Essas múltiplas relações com os saberes, mas sobretudo sua instabilidade e sua
movimentação no interior da relação didática, constitui o principal motor desta última. Eles
gerenciam as regras do contrato didático mas ele exige em certos momentos a abolição.
Cada uma dessas relações de saberes será uma das chaves da compreensão de uma relação
didática e de sua evolução.
O quadro geral do contrato didático (diferentes relações de saberes e uma relação
didática) se inscreve em uma certa organização temporal. Ele leva a ter uma escala temporal
curta e uma escala temporal longa. Nas linhas que se seguem nós descreveremos diferentes
abordagens da dimensão temporal da relação didática.
2. O QUADRO TEMPORAL ESPECÍFICO DO CONTRATO DIDÁTICO
O contrato didático ocorre em dimensões temporais bem particulares. Várias
abordagens dessa dimensão são propostas na literatura, elas são certamente diferentes mas
complementares. Nós estamos imbuídos a falar sucessivamente das escalas temporais
definidas por Vergnaud, do conceito de zona proximal de desenvolvimento proposta por
Vygotsky e das diferentes formas de situações didáticas sugeridas por Brousseau. Com
efeito, nós percebemos não somente uma complementaridade nessas três abordagens, mas
sobretudo uma visão comum do quadro temporal de uma relação didática. Enfim, essa
perspectiva do tempo na relação didática define as regras temporais estritas do contrato
didático. Quando nós evocamos o tempo da relação didática, muito freqüentemente esse é
assimilado ao tempo do horário escolar, como se uma aprendizagem escolar pudesse se
inscrever totalmente em um corte temporal artificial e de tal sorte reduzido!
2.1 Escalas temporais curtas e escalas temporais longas
Em um contexto escolar, o conhecimento do aluno se desenvolve no tempo através
de uma série de interações adaptativas com as situações preparadas, no conhecimento em
causa, para ele, pelo professor. Em um primeiro tempo, o aluno domina pouco, realmente
não muito, esta situação. Em um segundo tempo, essas últimas estão de mais a mais sob seu
próprio controle. Esses dois tempos, um tempo curto, este da relação didática e um tempo
longo, este da psicogênese da aquisição do conhecimento, constituem conforme Vergnaud, a
dupla dimensão temporal da relação didática. (figura 2)
(*) Tradução livre ( versão preliminar-2003) de Elio Carlos Ricardo 9
Figura 2: a dupla dimensão temporal da relação didática.
Uma dupla escala temporal aparece desde que nós analisamos os processos de
aquisição dos conhecimentos em um aluno que aprende. A escala temporal curta concerne a
evolução das práticas e das concepções de um aluno confrontado a uma nova situação. Nós
podemos considerar que neste primeiro tempo da relação didática, momento durante o qual
o aluno não tem ainda mais que uma relação fraca com o saber (este que será o objeto de
uma aprendizagem). Esse é o momento de todos os riscos, esse de uma evolução mais ou
menos rápida das práticas e das concepções, ou ao contrário, dos bloqueios mais ou menos
duráveis em face dessa situação por vezes dificilmente dominada pelo aluno. Mas, além
dessa escala temporal curta (no interior da qual pode estar circunscrito o tempo da relação
didática), existe o tempo longo da psicogênese do conhecimento que se expõe durante anos,
e que se desenvolve bem além da relação didática: esse é o tempo longo do
desenvolvimento dos conhecimentos entre o indivíduo.
“A pesquisa em didática deve ter em conta esses dois aspectos complementares. Sem
um conhecimento claro do tempo longo de aquisição dos conhecimentos, o professor pode
cair em graves desilusões. Em um conhecimento prático e teórico do tempo curto da
aquisição dos conhecimentos em situação, ele arisca ser singularmente demolido por
propor aos alunos situações suscetíveis de fazer evoluir suas concepções.” (Vergnaud,
1983, p.24).
Esse tempo longo é importante. Ele permite estabelecer as hierarquias entre as
situações abordáveis ou não por um sujeito. Ele oferece ao professor a legitimação de sua
exposição. Mas, sobretudo, é o tempo longo que coloca em perspectiva as relações com os
saberes “que existem” no seio de uma mesma relação didática. É o tempo longo que permite
a definição de projetos. É enfim esse mesmo tempo longo que oferece a possibilidade aos
saberes escolares, se eles são pertinentes, de sair do estrito quadro escolar. Os
conhecimentos que o aluno constrói não são saberes em desuso, saídos de um museu
qualquer de saberes da escola.
O andamento da escala temporal curta para o tempo longo da psicogênese da
aquisição dos conhecimentos clarifica um bom número de regras implícitas do contrato
didático. A mais evidente é provavelmente aquela de utilizar os saberes escolares,
freqüentemente evocados pelos estudantes: “... a que isto me servirá?”. Essa regra do
contrato didático (que abrange um bom número de alunos, particularmente nas formações
com finalidade profissional, buscando a utilidade imediata para eles do que se aprende na
escola) bloqueia, de fato imobiliza, freqüentemente, certos saberes escolares na escala
(*) Tradução livre ( versão preliminar-2003) de Elio Carlos Ricardo 10
temporal curta. A não transferibilidade de certas competências, supostamente adquiridas por
ocasião de certos cursos para outros ensinamentos, é um indício. Por exemplo, quando os
aspirantes a professor fazem uso, por ocasião de seus estágios de ensino, das competências
didáticas supostamente adquiridas por ocasião do curso de didática? A transferibilidade de
saberes de uma situação estritamente didática, isto é, confinada no espaço e nos tempos
escolares, supõe que o professor seja capaz de colocar na perspectiva para um tempo longo
que ele trabalha hic et nunc (aqui e agora), em uma escala temporal curta, com seus alunos.
Essa distinção entre as duas escalas temporais são complementadas pelo conceito de
zona de desenvolvimento proximal, definida por Vygotsky.
2.2 O conceito de zona de desenvolvimento proximal: uma outra abordagem dos
tempos da relação didática.
Essa abordagem da dupla dimensão temporal da aquisição de conhecimentos pode ser
utilmente articulada com o conceito de zona proximal de desenvolvimento tal qual foi
proposto por Vygotsky. Para este último, a aprendizagem escolar dá nascimento, revela,
anima uma série de processos de desenvolvimento internos que, em um momento dado, não
são acessíveis ao aluno (a criança) que em um quadro da comunicação com o adulto ou com
os pares (nós podemos associar esta primeira frase da aquisição de um conhecimento ao
tempo curto). Uma vez interiorizados, essas aquisições tornam-se uma conquista da criança
(este tempo de interiorização pode ser associado ao tempo longo). Há então um tempo de
aprendizagem que se passa sob o controle do adulto (o professor no quadro de uma relação
didática) e um momento a partir do qual o aluno pode agir somente com suas aquisições. A
zona proximal de desenvolvimento é a diferença entre o nível de tratamento de uma situação
sob a direção e com o auxílio do adulto e o nível de tratamento obtido somente pelo aluno; a
aprendizagem está terminada: “Considerado desse ponto de vista, a aprendizagem não
coincide com o desenvolvimento, mas ativa o desenvolvimento mental da criança, em
despertar os processos evolutivos que não podem ser atualizados sem ele. Ele desenvolve
assim um momento construtivo essencial do desenvolvimento das características humanas,
não naturais, adquiridas no curso do desenvolvimento histórico.” (Vygotsky, 1985, p.112)
Esse conceito de zona proximal de desenvolvimento é interessante. Com efeito, ele
faz sair a relação didática do estrito quadro temporal escolar e ele dá uma dimensão muito
dinâmica. A aquisição dos saberes escolares (colocados sob a tutela de um mestre e
realizado em uma escala temporal curta) não é mais estritamente reduzida ao tempo (muito
limitado) da relação didática, ao contrário, ele é mais estreitamente associado ao
desenvolvimento psicogenético dos conhecimentos de um indivíduo em uma escala
temporal longa. Pode ser ele o contrário? Para uma tal abordagem, Vygotsky associa
estreitamente “aprendizagens escolares” e “desenvolvimento intelectual do indivíduo”. Em
uma tal perspectiva (antes desenvolvimental) as relações com os saberes não podem ser
assimétricas e evolutivas. Mas, as relações entre mestre e aluno serão também assimétricas
pois, segundo Vygotsky, tudo se passa como a aprendizagem escolar estando a princípio sob
o único controle do mestre. Esse não é o prosseguimento que o aluno toma senão que
adquire uma autonomia suficiente pela relação com o mestre, mas também pela relação com
aquisições novas que ele deve a conquistas próprias.
Essa proposta de Vygotsky, escrita pouco antes de sua morte são, entretanto, de uma
atualidade brilhante. Do reducionismo da metáfora triangular, ela se opõe um dinamismo
que faz sair a relação didática do quadro temporal. Ele faz deixar o tempo real da atividade
(*) Tradução livre ( versão preliminar-2003) de Elio Carlos Ricardo 11
escolar (tempo curto) para associar estreitamente o tempo longo do desenvolvimento
psicogenético dos conhecimentos do indivíduo que aprende. Em uma tal perspectiva, a
aprendizagem escolar precede e estimula o desenvolvimento, ele não se contenta em seguí-
lo. A relação didática encontra subitamente sua real dimensão e sua verdadeira função. Ela
não pode mais se justificar por ela mesma e para ela mesma. Um pouco como se ela pudesse
existir simplesmente porque há matérias escolares a ensinar e professores que lhes ensinam.
Colocada em uma tal perspectiva, ela se compreende fundamentalmente pela relação que
um indivíduo mantém com os saberes em construção e um professor que o auxilia nesse
processo dinâmico de elaboração dos conhecimentos. As relações com os saberes são então
a principal razão de ser da relação didática, mas elas são de recolocar em uma perspectiva
temporal longa (aquela do desenvolvimento psicogenético dos conhecimentos). Ela não
pode ser então reduzida a simples relação a um conteúdo de saber saído de disciplinas
escolares freqüentemente obsoletas.
2.3 Da situação didática à situação não didática passando pela situação a-didática, ou a
colocação em perspectiva da relação didática.
Evidentemente, as perspectivas desenvolvidas nas linhas que precedem não podem
mais se contentar com a situação didática stricto sensu. A dimensão vygotskiana nos obriga
a repensar a clássica tripla relação didática e a buscar o dinamismo que está em seu seio.
Resta no nível da relação didática stricto sensu (aquela relação que se passa entre um
mestre, seus alunos e um saber, em um momento dado e em um espaço dado) não
permitindo confinar esta última em uma escala temporal curta. Nesse caso, o processo de
aprendizagem escolar continua fechado no tempo e no espaço escolar. Perspectiva (mesmo
ausência de perspectiva) absolutamente insustentável.
Essa evolução temporal da relação didática (de uma escala temporal curta para uma
escala temporal longa), nós a reencontramos na descrição de três níveis de situação didática
de Brousseau (1986). Portanto, na situação didática, o aluno, o mestre e o saber evoluem
para a situação a-didática e em chegada, in fine, a situações não didáticas. De qual se fala?
Retomamos sucessivamente esses três conceitos, mostramos a seguir como eles são
relacionados entre eles, descobrimos enfim como eles são articulados a uma escala temporal
longa.
2.3.1 Uma situação didática
Uma situação didática se desenvolve entre um mestre, um saber e os alunos, no
quadro espaço-temporal da classe. As intenções de ensinar do mestre estão fixadas
claramente. As atividades que ele coloca em jogo para continuar o objetivo de fazer
aprender pelo aluno este que a intenção dele ensinar. Por seu lado, o aluno não é tolo, ele
sabe que o que o professor propõe foi determinado para ele fazer descobrir um saber novo.
“No estado didático inicial, o mestre mantém uma relação privilegiada com o saber. Do
ponto de vista da relação com o saber, há uma dissimetria que é constitutiva do sistema
didático. Nós não dizemos que o aluno não mantém qualquer relação com o saber antes do
ensinamento, mas simplesmente que no estado inicial, esta relação é pouco adequada ou
inadequada. Sem a hipótese dessa dissimetria, o sistema didático não tem razão de ser. Nós
(*) Tradução livre ( versão preliminar-2003) de Elio Carlos Ricardo 12
qualificamos de estado didático um estado no qual a relação do aluno com o saber é
inexistente, ou bem inadequada, na visão da relação privilegiada do mestre com o saber.”
(Margolinas, 1993, p228)
2.3.2 Uma situação a-didática
Uma situação é a-didática quando o aluno é capaz de utilizar suas aquisições para
tratar de fora de toda intenção de ensino do professor. Entretanto, o aluno está consciente
que os saberes que ele utiliza para tratar essa situação são pertinentes e sobretudo são esses
vistos pelo professor. Em outros termos, o aluno está reconhecendo uma situação na qual ele
pode utilizar suas aquisições apesar da ausência de indicações do professor no sentido da
utilização desses saberes. Além disso, as aquisições que ele utiliza são aquelas das
disciplinas ensinadas: “o estado a-didático constitui um estado intermediário onde o mestre
está presente, mas no qual o aluno tem seu próprio movimento.” (Margolinas, 1993, p229)
Essa situação é próxima da situação de transferência de um primeiro nível quer dizer
aquele no qual o aluno utiliza, no seio de uma mesma disciplina, as aquisições de uma
aprendizagem anterior para tratar uma situação nova (sempre na mesma disciplina): “Um
primeiro nível de transferência tem lugar quando um aprendiz utiliza uma aprendizagem
para realizar uma outra aprendizagem no interior de um conteúdo disciplinar dado.”
(Côté, 1986, p180)
2.3.3 Uma situação não didática
Em uma situação não didática a relação do aluno com o saber é independente da
relação do mestre com o saber. Esse tipo de situação não é organizada para permitir a
aprendizagem. A situação não didática não é sem evocar as transferências do segundo e
terceiro níveis (Côté, 1986). No segundo nível, a transferência tem lugar quando as
aquisições realizadas em uma disciplina facilitam a realização de uma aprendizagem em
uma outra disciplina ou permite responder a certas exigências da vida cotidiana. Há uma
transferência plenamente realizada quando o aprendiz utiliza as aquisições de conhecimento
para solucionar problemas complexos; há uma transferência de aprendizagem nesse caso se
a solução encontrada é nova para o sujeito. É o terceiro nível de transferência. A situação
não didática poderia então conhecer diferentes níveis de realização correspondente aos
níveis de transferência dois e três.
No quadro das atividades realizadas em classe, em função do grau de controle
exercido pelo professor, o aluno vive em situações didáticas e a-didáticas. Todavia, toda
relação didática contém o projeto de sua própria extinção: em um momento dado, ela não
pode mais ter função. Tanto que ela persiste, a aprendizagem não está ainda no lugar ou não
está ainda terminada. O objetivo das situações didáticas e a-didáticas é de se destruir para
permitir ao aluno utilizar suas aquisições em novos contextos: em situações não didáticas
(fig. 3). O processo é portanto fechado? Nós não pensamos que um conhecimento adquirido
não é jamais definitivo.
(*) Tradução livre ( versão preliminar-2003) de Elio Carlos Ricardo 13
Figura 3: em direção à situação não didática.
O esquema linear (partindo das situações didáticas para as situações não didáticas) é
simplista: ele não é suficiente para explicar ou compreender a construção de um
conhecimento, ele não mostra mais que um caminho é possível, e além disso!
As linhas que precedem têm mostrado toda a dinâmica que pode ter uma relação
didática aceita e sair de um estrito tempo curto da construção dos saberes e se colocar
definitivamente em uma perspectiva temporal longa: aquela da situação a-didática. Os
conceitos evocados dão conta dessa perspectiva em longo termo então da relação didática
que não é o ponto de partida, de fato simplesmente um momento de ativação na psicogênese
dos conhecimentos de um indivíduo.
Assim posicionado o contrato didático em seu contexto, esse das relações com os
saberes, uma relação didática e um quadro temporal bem particular, nós podemos enfim
evocar nas linhas que se seguem o conceito maior deste artigo.
3. O CONTRATO DIDÁTICO PROPRIAMENTE FALANDO
3.1 O propósito do pai fundador!
Após ter precisado o contexto de nossa reflexão, precisamos enfim o conceito que
retém mais particularmente nossa atenção nessas linhas: o contrato didático. O conceito de
contrato didático é abordado nas reflexões das didáticas das matemáticas. Eles dizem do
contrato que ocorre em uma “relação que determina explicitamente por uma pequena parte,
mas sobretudo implicitamente, o que cada parte, professor e aluno, tem responsabilidade
de gerenciar e então será responsável, de uma maneira ou de outra, diante do outro. Esse
sistema de obrigações recíprocas assemelha-se a um contrato. O que nos interessa é o
contrato didático, quer dizer a parte do contrato que é específico do conteúdo” (Brousseau,
1986, p51)
Há nessa primeira abordagem do conceito que nos interessa vários elementos
importantes, nós retemos três:
(1) a idéia da divisão das responsabilidades: a relação didática não está sob o
controle exclusivo do professor; a responsabilidade do aluno é tomada em
consideração: ele deverá aceitar seu ofício de aluno para saber aprender; esta idéia
(*) Tradução livre ( versão preliminar-2003) de Elio Carlos Ricardo 14
da divisão das responsabilidades é importante para compreender nosso propósito
relativo a devolução didática.
(2) A tomada em conta do implícito: a relação didática funciona tanto, senão mais,
sob o <não dito> que sob as regras formuladas explicitamente; o contrato didático
se inquieta desses <não ditos> bem mais, ele se dá um valor também importante
que as regras formuladas explicitamente e pelas quais professor e aluno são
vinculados.
(3) A relação com o saber: este que é específico do contrato didático, este é tomar
em consideração a relação que cada um dos participantes mantém com o saber; o
contrato didático deverá então ter em conta a assimetria das relações com os
saberes em jogo na relação didática; bem mais, cada uma dessas relações se deve
por ela mesma de uma das regras do contrato didático.
Em certa ótica (limitação e divisão de responsabilidades, tomada em consideração
que é implícita; a relação assimétrica com os saberes), a idéia de contrato é um paradoxo.
Aliás, o lugar implícito é muito importante em uma relação didática para falar de
“convenção entre as partes” como se entenderia no direito de entender quando alguém evoca
um contrato no seio jurídico e no seio estrito do termo. Mas, ele está no interesse do
conceito de contrato didático: jogar sob os paradoxos da relação didática.
3.2 Os espaços de diálogo a ampliar
Integrar o triplo espaço clássico da relação didática (aquele das variáveis ligadas ao
aluno, aquele das variáveis ligadas ao professor e aquele das variáveis ligadas ao saber), o
contrato didático tem por função principal criar ambiente de diálogo entre estas três famílias
de variáveis por vezes postas duas a duas. Na figura 4, os ambientes específicos a cada um
dos três participantes (os ambientes 1, 3 e 6) são aqueles no interior dos quais estes últimos
são únicos, confrontados por eles mesmos. Uma interação didática não pode se limitar a
esses últimos: ele será um diálogo de surdos ou antes três monólogos. A função de um
contrato didático é ampliar o ambiente 7, aquele no interior do qual as três partes se
encontram efetivamente, tudo se respeitando a especificidade de cada um. Ampliando o
espaço de diálogo entre as três partes, o contrato didático permite reduzir o ambiente de
risco, quer dizer aquele no interior do qual um dos três participantes arisca se isolar em um
monólogo pouco fértil. Tanto que se esse espaço de diálogo não é mais definido, alguma
interação não pode se estabelecer entre os participantes e, então, o contrato didático não
existe.
Um contrato didático não se define então a priori, em uma análise simplista e externa
das variáveis didáticas. Ao contrário, ele exige de cada um dos participantes a elaboração de
uma zona de encontro com cada um dos outros participantes, mas ele exige também que
cada um se conserve em espaços privados, dos jardins secretos que o protegem. Em outros
termos, um contrato didático não é colocar a nu os participantes: ele cria simplesmente um
espaço de diálogo entre estes últimos tudo em relação a cada um deles. A função de um
contrato didático não é de transformar todo o implícito em explícito, mas de equilibrar os
dois a fim de criar uma zona de trocas entre as partes: um espaço de diálogo. Nesse sentido,
o contrato didático não pode existir que não no seio de uma relação didática, no interior
mesmo da classe. Nesse sentido também, não poderá ter dois contratos didáticos idênticos,
não existe um padrão de contrato didático.
(*) Tradução livre ( versão preliminar-2003) de Elio Carlos Ricardo 15
Se o conceito de contrato didático permite compreender o dinamismo da relação
didática, inversamente, este funcionamento da classe que permite decodificar o contrato
didático. Ou, a classe, esta pessoa plural, não se atrapalha para manifestar claramente tanto
as especificidades que são características e seu costume, mesmo são caracteres ou ainda são
índole. Há então duas classes idênticas, não mais que poder e ter dois contratos estritamente
idênticos. Bem mais, o contrato didático evolui, muda, adapta-se aos caprichos da
personalidade, freqüentemente instável e imprevisível, da classe.
A primeira função do contrato didático será de definir um espaço de diálogo entre as
diferentes partes (fig.4). Essas zonas de mudanças esquivam-se além disso dos locais
privilegiados de interações entre professor, alunos e saber.
Figura 4: função do contrato didático: ampliar o espaço de diálogo, reduzir as áreas de risco.
Na falta de um tal espaço de diálogo, nada pode passar. Cada um se isola em sua
própria esfera, em sua bolha, e cada um atribui ao outro o lugar morto. A primeira função do
contrato didático é então de acessar e antes de tudo de criar o diálogo onde ele existe pouco:
o diálogo entre o professor, o aluno e o saber.
3.3 Uma organização em torno de um sistema de regras
O contrato didático organiza certamente “a limitação e a divisão das
responsabilidades do professor e do aluno” (Chevallard e Johsua, 1982, p214), mas esta só
pode se fazer em torno de uma série de regras, que regem o funcionamento mesmo da classe
e de diferentes ordens de relações e de interações definidas pela relação didática
(professor/alunos, professor/aluno, aluno/aluno, aluno/alunos/ alunos/alunos, do modo que
as relações de saberes foram evocadas nas linhas precedentes). Esse tipo de contrato não
será mais didático se ele reger somente as relações sociais. Essas mudanças e essas
interações tornam-se didáticas porque são originadas em torno de um duplo projeto de
ensino e de aprendizagem. Esse contrato didático é complexo, ele não é transparente. Se
certas regras são evidentes para cada um dos participantes engajados na relação didática,
outras regras permanecem implícitas. Certas regras (particularmente aquelas que definem as
relações que cada um mantém privadamente com o saber) freqüentemente são dificilmente
acessíveis. Essas últimas são portanto muito importantes na gestão da relação didática pelo
(*) Tradução livre ( versão preliminar-2003) de Elio Carlos Ricardo 16
professor. São elas que determinarão a pertinência das situações propostas pelo professor.
Essas regras são parte integrante do campo conceitual do saber que é o centro da relação
didática considerada. São elas, igualmente, que colocam o aluno em tal ou tal dimensão
temporal da construção dos conhecimentos: o tempo curto ou o tempo longo.
3.4 Quatro ordens de critérios para as regras
Mas, globalmente, as diferentes regras evocadas podem fazer o objeto de uma rápida
classificação, mesmo se elas são múltiplas e de diversas ordens. Para organizar essas regras,
nós destacamos essencialmente quatro ordens de critérios:
Primeira ordem de critério: o nível de explicitação das regras:
explícitas e formuladas;
tácitas e convencionadas;
tácitas e não convencionadas;
implícitas e inconscientes.
Segunda ordem de critérios: o nível de negociação das regras:
unilateral (impostas unilateralmente por um dos participantes da relação
didática);
negociadas.
Terceira ordem de critérios: a origem das regras:
externas (impostas do exterior da classe: regulamento da escola por exemplo);
internas (específica ao grupo-classe considerado).
Quarta ordem de critérios: o grau de espontaneidade das regras:
espontâneas (elas emergiram do interior mesmo do grupo-classe em questão);
preexistentes (elas existem antes da constituição do grupo-classe).
3.5 Um instantâneo
Essas quatro ordens de critérios de regras permitem uma análise fina do contrato
didático para a pesquisa das combinações dessas regras entre elas. A explicitação do
contrato didático, é o instante durante o qual cada um exprime o que se empenha a fazer,
mas também o que espera do outro é então um momento importante. Ele permite por
exemplo realizar um instantâneo (no sentido fotográfico do termo) do que se passa nesse
momento na classe. Esse primeiro clichê não é certamente imutável, pois essas regras vão
rapidamente se arrumar, as rupturas irão aparecer. Aliás, esse clichê não se permite ver.
Numerosas regras restam no domínio do implícito, notadamente aquelas que regem as
relações individuais com os saberes. Esses últimos exigem do professor a utilização das
técnicas específicas para torná-las explícitas.
O contrato didático joga com esses diferentes tipos de regras. Cada um as utiliza em
diferentes momentos da relação didática para fazer progredir as próprias relações com os
saberes mas também aquelas dos outros participantes da relação didática. Porque as relações
com os saberes são fundamentais, uma relação didática é um conjunto particular das
relações sociais. As interações sociais jogam uma função dinâmica também fundamental aos
diferentes níveis de relações com os saberes. A análise de um contrato didático não permite
(*) Tradução livre ( versão preliminar-2003) de Elio Carlos Ricardo 17
uma compreensão suficiente e pertinente da dinâmica de uma relação didática que se toma
em consideração o contexto estrito destas regras: o hábito da classe.
3.6 Um hábito da classe
Essas regras se organizam da mesma maneira de uma classe à outra? O que é
explícito em uma classe, deve necessariamente ser também na outra classe? Nós já temos
evocado sumariamente essas questões nas linhas precedentes.
Diante do professor e do saber (e este, desde os primeiros momentos de interação
com o professor) os alunos formulam suas respostas, manifestam seus comportamentos,
experimentam as atitudes conforme (ou não) suas expectativas do grupo. Toda a atividade
de classe implica a existência de comportamentos esperados pelo grupo, diante dos quais os
alunos somente manifestam habitualmente pouco afastamento. Esse comportamento
conformista (Watzlawick, 1978) é reforçado por um desejo do aluno estar de acordo com o
grupo. Mas o que são essas expectativas do grupo? São elas organizadas, realmente
formuladas? E se elas o são, de que forma essa organização existe?
Balacheff (1988) define a classe como uma sociedade habitual (sociedade de
costumes). Ele considera, na linha de Carbonnier (1971) que o hábito é um conjunto de
práticas e de modos de agir estáveis para o uso. O hábito rege as relações sociais entre os
membros do grupo, segundo as normas julgadas pertinentes pelo grupo por ele mesmo e
sobretudo esperadas por esse último. É então o hábito de cada classe que determina uma
série de regras (freqüentemente implícitas) do funcionamento do grupo. O hábito de classe
se caracteriza como estante dos produtos das práticas sociais específicas do grupo (o grupo-
classe, nesse que concerne o propósito) então ela define as regras implícitas. O hábito de
uma classe é a capa sob a qual se refugia o implícito. O professor pode portanto levantar
mesmo parcialmente, o que está implícito de um grupo de alunos?
Nesse contexto, a explicitação de uma regra conduz certamente a tomada de
consciência dessa última pelo grupo, mas também à sua formulação e então (no limite) para
sua promulgação. A tentativa de explicitação de todas as regras implícitas de um grupo faz
progressivamente passar esse último (o grupo) de uma sociedade habitual a uma sociedade
de direito; esse processo esvazia o hábito de sua substância: as regras implícitas do grupo.
Então, a sociedade habitual é organizada em torno do hábito que é espontâneo e
pouco consciente, a sociedade do direito é, quanto a ela, organizada em torno da lei que é
explícita porque ela foi promulgada (Levy-Bruhl, 1964). Entrar em um contrato didático,
isto é, entrar em um certo tipo de relação entre os indivíduos organizados em classes
escolares e um saber. Esta não pode se concretizar sem que um olhar atento não seja posto
sobre o hábito de cada uma dessas classes. Mas isso significa que o implícito deve
necessariamente ser explícito? Quando Chevallard (1983) fala de <direitos e deveres> das
partes em torno de uma <referência dividida>, nós estimamos que esta referência (a classe,
seu hábito e seu saber) não é jamais que parcialmente dividida. Bem mais, porque a
realidade da classe existe, nós pensamos que essa última não pode se definir somente como
uma sociedade habitual. Ela pode somente parcialmente estender-se para uma sociedade de
direito. O professor deve aceitar que não pode explicitar e compreender que uma parte do
implícito (do hábito da classe) para gerar o contrato didático que o une a uma classe. Ele
deve aceitar que uma parte das regras implícitas do grupo lhe ficarão inacessíveis. O hábito
da classe, esse estado de fazer, o professor deve admitir, e reconhecer assim para cada classe
o direito da existência da personalidade plural. Recusar esse estado de fazer consiste antes
(*) Tradução livre ( versão preliminar-2003) de Elio Carlos Ricardo 18
em procurar um modelo padrão de classe (uma classe-tipo) que, de uma parte, deveria
rapidamente normatizar (uma boa classe seria uma classe sem o implícito!) e que, de outra
parte, não existe de tudo evidência: cada classe e seu hábito. O contrato didático não será
então jamais um colocar em pratos o implícito entre as partes da relação didática, ao
contrário, ele deverá ser gerado considerando-se o peso do implícito ao qual ele não tem
acesso.
Do mesmo modo, o grupo-classe deve aceitar as regras implícitas do professor,
aquelas as quais ele não tem acesso e que no entanto determinam o funcionamento deste
último em face de um grupo de alunos. O professor deve igualmente ser respeitado enquanto
pessoa (personalidade pessoal) face a essa personalidade plural, seus participantes, que é a
classe. O contrato didático deve tanto explicitar as regras implícitas como fixar os limites a
essa explicitação. Essa não deve se fazer ao extremo. Enfim, e para concluir esse parágrafo,
nós dizemos que o hábito de uma classe é a realidade contrariante de um contrato didático,
realidade que o obriga a recusar a alcançar uma norma, aquela que sugere que todas as
classes sejam idênticas, e do mesmo modo, que todos os professores sejam padronizados.
Padronização que nós somente podemos rejeitar!
Uma explicitação ao extremo do contrato didático leva a transformar este último em
uma sorte de regulamentos de aprendizagens, destruindo assim toda a dinâmica então desse
último, que necessariamente falta para se realizar. Em outros termos, um contrato didático
transparente não permite nenhuma ruptura de contrato, alguma devolução e alguma contra-
devolução didática. Ou, estes são seus três modos de funcionamento que constituem o
dinamismo potencial de todo o contrato didático!
Mas que são esses três modos de funcionamento do contrato didático?
4. O DINAMISMO POTENCIAL DO CONTRATO DIDÁTICO: AS RUPTURAS DO
CONTRATO, AS DEVOLUÇÕES E AS CONTRA-DEVOLUÇÕES DIDÁTICAS
As características das regras que regem um contrato didático supõem que um certo
número delas permaneçam implícitas. Regularmente, no entanto, essas regras implícitas
surgem e entram em conflito com as regras explícitas do contrato. Elas arriscam então
provocar os conflitos. Elas aparecem quando um dos participantes da relação didática se
exprime nesses termos (ou quando um outro participante solicita): “nós não temos o
costume de...”, ou ainda “nós tínhamos antes o direito de esperar de você que....”. Essas
expressões traduzem uma contradição que pode sustentar, em um momento dado, um dos
participantes da relação didática enquanto é confrontado ao costume do outro, mas
particularmente enquanto esse último entra em conflito com seu próprio funcionamento
implícito.
Esses conflitos não são entretanto específicos da relação didática. Eles podem, em
efeito, ser observados em toda relação social. Eles aparecem quando está em jogo a
mudança nas relações com os saberes de um dos dois participantes. As rupturas evocadas
somente serão didáticas se elas integram uma certa relação com um saber a ensinar em sua
dialética: “O interior das relações sociais em sentido amplo, eu caracterizo a didática
aquela onde uma das partes ensina (ou a intenção de ensinar) alguma coisa a seu (seus)
interlocutor (res). Um tal projeto interativo toma forma na medida em que aquele que
ensina elabora estratégias para permitir ao outro se apropriar de um saber que ele não
possuía antes” (Schubauer-Leoni, 1986, p142)
(*) Tradução livre ( versão preliminar-2003) de Elio Carlos Ricardo 19
4.1 As rupturas
A ruptura do contrato didático toma lugar a partir do momento onde um dos
participantes é confrontado (em sua própria relação com o saber) em uma situação
paradoxal. Esse é particularmente o caso de uma situação de resolução de problemas. Com
efeito, confrontado com um problema a resolver, o aluno se encontra, em sua caminhada,
com um entrave, um desconhecido, um obstáculo. Esse mesmo aluno está consciente de
fazer que, no problema, este entrave (estabelecido sobre sua própria caminhada para o
saber) é necessário, realmente indispensável, para a construção de seus próprios saberes
(estes em ligação com o problema ao qual ele é confrontado). Ele não ignora não mais que o
professor o voluntarismo confrontado a este entrave. O aluno sabe além disso que este
último (o professor) é o detentor de ao menos uma chave para resolver o problema. Essa
situação é confortável, porque o professor é de qualquer sorte a bóia de socorro do aluno. O
aluno sabe que em último recurso, ele poderá pedir todo dia ajuda ao professor um
suplemento de informação que o auxilia a levantar um pouco do desconhecido ao qual ele
está confrontado.
Há uma ruptura didática do contrato quando o aluno não está mais certo de que o
professor pode jogar esse papel de garantir o bom andamento das aprendizagens escolares.
4.2 A devolução didática
A metáfora da devolução didática, descrita por Brousseau (1983, 1986) é um
exemplo-tipo de ruptura didática do contrato:
“A devolução é um ato pelo qual o rei – de direito divino – reparte-se do
poder ao despachar do gabinete. A devolução significa: isto não é eu que quero, isto
é vocês que devem querer, mas eu vos dou este direito porque vocês não podem
tomar tudo sozinho. (Brousseau, 1986, p.43)
Margolinas (1993) faz destacar que a devolução implica, de uma parte, a vontade do
professor de devolver, e, de outra parte, a aceitação pelo aluno da devolução pelo professor.
Pela devolução didática, o professor, voluntariamente, recusa em por seus atos de professor
(que o aluno sente-se no direito de esperar dele) para que o aluno ponha efetivamente em
movimento de aprendizagem. Em um contexto de devolução, o professor deverá dizer ao
aluno: eu me recuso em fazer meu ofício de professor para que você faça seu ofício de
aluno. A devolução didática será assim um desses mecanismos de transferência da
responsabilidade do mestre ao aluno em um processo de construção de um saber pelo aluno
por ele mesmo.
Mas, esse conceito de devolução didática somente é possível se o aluno se inscrever
em seu próprio projeto de jogar o jogo da relação didática. Em sua falta, ele não poderá
aceitar as devoluções que lhe propôs o professor. Para que haja devolução, com efeito sobre
a aprendizagem, ele falta que o aluno tenha previamente aceitado o princípio quando da
negociação do contrato didático: a devolução torna-se então uma das regras do contrato.
Mesmo se isso é o professor que decide no momento da devolução didática, aquela somente
pode existir se o aluno a aceitar como princípio de funcionamento da relação didática e
como regra do contrato didático. A devolução didática não está jamais sobre o único
(*) Tradução livre ( versão preliminar-2003) de Elio Carlos Ricardo 20
controle do professor. As rupturas didáticas provocadas pela devolução didática são sempre
esperadas pelo aluno, já que são consideradas como regra do contrato.
4.3 A contra-devolução didática
As rupturas evocadas nessas linhas são de uma outra ordem! Elas não podem ser
unilaterais. Há efetivamente ruptura quando as situações e as estratégias (e compreende a
devolução didática), não são mais suficientes para permitir ao aluno a resolução dos
problemas aos quais ele é confrontado. Apesar das estratégias desenvolvidas pelo professor,
o aluno não consegue mais, nesse caso, ultrapassar as dificuldades relativas aos conteúdos
do saber de referência (este saber é a única razão válida da relação didática) e colocada nos
problemas propostos pelo professor. Essas rupturas são então, e em tal caso somente,
interessantes.Com efeito, em uma espécie de contra-devolução, o aluno não está mais a
medida de responder as expectativas do professor. Bem mais, ele deve, nesse momento
preciso da relação didática, exigir do professor a renúncia da devolução didática.
Paralelamente, através dessa ruptura didática do contrato, o professor deve descobrir os
limites da devolução e aceitar a contra-devolução do aluno que lhe exige mudar de
estratégia.
É somente a partir desse momento que o contrato didático torna-se pertinente para a
caminhada da aprendizagem do aluno. O aluno, como o professor, em função de suas
posições respectivas ao saber, podem provocar mudanças radicais na organização das regras
esperadas da relação didática. Se o professor pode exigir (em um momento dado) de jogar a
devolução didática, o aluno por seu lado pode desejar (em um outro momento) a contra-
devolução. Assim, o contrato didático pode, em um jogo de rupturas (devolução versus
contra-devolução) fazer evoluir as relações com o saber do aluno e o recolocar em sua única
dimensão interessante para ele, aquela do tempo longo da psicogênese do conhecimento.
As rupturas do contrato evocadas nos parágrafos precedentes são então os primeiros
motores do dinamismo interno de uma relação didática. Essas rupturas são as verdadeiras
traduções da partilha do poder entre o professor e os alunos. Tanto que a devolução está sob
o único controle do professor (na prerrogativa do direito divino!), não há divisão do poder
na relação didática e então, nesse caso, ausência total de aprendizagem pelo aluno. Uma
verdadeira divisão do poder supõe que o aluno possa de seu lado desejar uma contra-
devolução, realmente recusar a devolução proposta pelo professor em um momento dado.
Um contrato didático não é então jamais unilateral.
Mas, porque há devolução (versus contra-devolução), rupturas didáticas e divisão do
saber, ele faz que o projeto do professor (aquele de ensinar qualquer coisa aos alunos)
encontra seu paralelo entre os alunos: um saber aceitar aprender isso que o professor ensina.
Sem esse projeto do aluno, aquele do professor não tem sentido. Isso significa que todo
contrato didático somente pode existir se há um projeto de aprendizagem pelo aluno e que
esse projeto corresponda àquele de ensinar pelo professor.
Assim, um verdadeiro contrato didático será composto de regras, implícitas e
explícitas. Entre essas regras, uma dentre elas é aceitar a devolução (versus a contra-
devolução); esse contrato funcionará porque o aluno tem efetivamente o projeto de aprender
o que o professor deseja lhe fazer aprender. Não é suficiente dizer que uma relação didática
existe porque alguém tem um projeto de ensinar qualquer coisa a alguém outro. Essa é uma
abordagem unilateral. Para que essa relação didática funcione otimamente, exige-se que o
projeto de ensinar encontre um projeto de aprender.
(*) Tradução livre ( versão preliminar-2003) de Elio Carlos Ricardo 21
Nós reencontramos assim a visão de ensino/aprendizagem. Ela é incontornável, pois
se a didática de uma disciplina se interessa pelo desenvolvimento de conhecimentos pelo
aluno, ele faz que aquele coloque estes em um projeto de aprendizagem e não
exclusivamente em um projeto de ensino. Aliás, o motor da relação didática é alimentado
pelas rupturas de contrato, um contrato didático se define como um processo de divisão do
saber. Como é pouco tolerável que um dos participantes detenha um poder de direito divino,
essas rupturas são então tanto provocadas pelo aluno como pelo professor. Toda a
devolução didática somente pode existir a partir do momento onde o aluno pode perceber a
emissão dessa decisão do professor. Elas são de duas ordens. Ou bem o aluno consegue
tratar a situação à qual o professor o confrontou e pela qual ela faz jogar a regra de
devolução e, nesse caso, a devolução didática é provavelmente a estratégia que torna essa
emissão positiva. Ou bem o aluno se bloqueia face a essa situação e, nesse caso, a única
saída para ele é de reclamar a contra-devolução. Desde que um processo de devolução é
empreendido, o aluno deve ter a possibilidade de entrever essas duas saídas: elas fazem
parte das regras do contrato didático.
5. DISCUSSÃO
5.1 As dificuldades ligadas às escolhas terminológicas
A verdadeira idéia do contrato didático é aquela da divisão do poder entre o mestre e
o aluno no interior da relação didática, portanto em torno de certas relações com um saber
de referência. Esse conceito de contrato didático é igualmente associado ao do implícito e
da ruptura. Nós temos a tendência a buscar uma expressão que possa exprimir com mais
força essa idéia de divisão. Essa nos parece tanto mais importante que o conceito de
devolução arrisca destruir aquela idéia se, má interpretada, a devolução didática é
estreitamente associada ao conceito de direito divino (associada ao conceito jurídico de
devolução sucessória), fazendo assim do professor um rei com poder absoluto sobre a
relação didática: nenhuma divisão aparece mais nesse caso.
Na linha de nossa reflexão, nós temos mantido o hábito de considerar que a chave do
dinamismo da relação didática é a ruptura didática que pode, a todo o momento, suscitar
um dos participantes dessa relação. Porque há ruptura, ela faz que esta última possua
sustento em relação (ou na reação) a uma série de fatores claramente estáveis. A partir desse
momento, a idéia de contrato é interessante. Nós justificamos então a necessidade de
desenvolver uma reflexão em termos de contrato didático para que as rupturas didáticas do
contrato possam existir. Nós escrevemos rupturas didáticas, com efeito, estas últimas não
teriam significação para a relação didática se elas não se sustentam sob a relação com o
saber que uma das partes da relação didática mantém com este saber (único verdadeiro
objeto da relação didática). O conceito de contrato didático é então interessante, mesmo
pertinente, para definir o dinamismo e o funcionamento mesmo desse dinamismo no interior
da relação didática. Bem mais, se a escolha do termo é paradoxal, é sob esses paradoxos que
ela deverá funcionar: contrato versus ruptura, regras explícitas versus regras implícitas,
devolução versus contra-devolução didática. Em outros termos, a riqueza do termo
(paradoxal por definição) [por que contrato dá idéia de imutável] é que cada um dos
(*) Tradução livre ( versão preliminar-2003) de Elio Carlos Ricardo 22
componentes do contrato chama necessariamente sua antítese. O contrato didático aposta
sob a flexibilidade, sob o dinamismo e sob as rupturas didáticas.
O propósito desse texto aponta para a incerteza antes que para a segurança.
Evoluindo de rupturas em rupturas, a relação didática é dificilmente programável.
5.2 Isto que nós conservamos essencialmente deste debate
O dinamismo e a abertura que nós apoiamos sobre a relação didática remetem
fundamentalmente em razão de toda a abordagem didática que congela em um papel ou em
uma função imutável um dos participantes da relação didática. Nesse sentido, a discussão
apresentada nessas linhas pode parecer provocante. A recusa de todo o estatismo, de toda
rigidez da relação didática não é entretanto ideológica. Ela é o fruto de numerosas análises
de práticas didáticas de professores e da constatação da não pertinência de todo
reducionismo da relação didática nos modelos estáticos no interior dos quais um só dos
participantes ocupa uma posição não dinâmica. Ou se o conceito de devolução deve
conservar o caráter dinâmico que lhe é atribuído nas didáticas das matemáticas
(particularmente Brousseau) nós somente podemos recusar uma posição que lhe atribui um
poder absoluto. Toda a devolução didática somente pode se conceber se os participantes
presentes podem aceitar a perspectiva de uma eventual contra-devolução. Mas onde estão as
rupturas nesse caso, se todas as regras são explícitas, e compreende aquela da devolução
versus a contra-devolução? Ela se situa essencialmente nas características das situações que
o professor propõe aos alunos. É através dessa última que o aluno se entrega diante das
intenções do professor, mas também das possibilidades que ele tem de as recusar.
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