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UNIVERSIDADE DE BRASLIA INSTITUTO DE CINCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA
A FORMAO HISTRICA DA REGIO DO DISTRITO FEDERAL E ENTORNO: DOS MUNICPIOS-GNESE PRESENTE CONFIGURAO TERRITORIAL
EDUARDO PESSOA DE QUEIROZ
Orientadora: Marlia Steinberger
DISSERTAO DE MESTRADO
BRASLIA junho de 2007
2
UNIVERSIDADE DE BRASLIA
INSTITUTO DE CINCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA
A FORMAO HISTRICA DA REGIO DO DISTRITO FEDERAL E ENTORNO: DOS MUNICPIOS-GNESE PRESENTE CONFIGURAO TERRITORIAL
EDUARDO PESSOA DE QUEIROZ
Dissertao de Mestrado submetida ao Departamento de Geografia da Universidade de Braslia, como parte dos requisitos para obteno do Grau de Mestre em Geografia, rea de concentrao Gesto Ambiental e Territorial.
Aprovado por: ________________________________________________________ Professora Dra. Marlia Steinberger, Professora do Departamento de Geografia da Universidade de Braslia (Orientadora) ________________________________________________________ Professor Dr. Neio Lcio de Oliveira Campos, Professor do Departamento de Geografia da Universidade de Braslia (Examinador Interno) ________________________________________________________ Professor Dr. Benny Schasberg - Ministrio das Cidades (Examinador Externo)
Braslia, 29 de junho de 2007
3
FICHA CATALOGRFICA
910 Q3
Queiroz, Eduardo Pessoa de. A formao histrica da regio do Distrito Federal e entorno : dos municpios-gnese presente configurao territorial / Eduardo Pessoa de Queiroz. -- Braslia : Instituto de Cincias Humanas: Departamento de Geografia: UnB, 2007. 135 p. : il. color. ; 21 x 29 cm. Dissertao de mestrado do autor (mestrado Universidade de Braslia).
1.Geografia. 2.Formao histrica. 3.Regio do Distrito Federal e Entorno. 4. Configurao territorial. I. Ttulo. II. Ttulo: dos municpios-gnese presente configurao territorial.
CDD 910 CDU 91
4
AGRADECIMENTOS E DEDICATRIAS
Em primeiro lugar, agradeo a Deus pela fora, pela luz, pacincia, perseverana e f
que ele tem me concedido em todas as etapas da vida, seja no Mestrado, seja no servio
ou em casa.
Aos meus pais, Antonio Pessoa de Queiroz e Almira Antonia Isidoro de Queiroz, que,
mesmo no tendo a dimenso da contribuio que eles deram para a concluso dessa
pesquisa, foram decisivos para tal, sendo ambos prestativos, encorajadores, duros (nas
horas certas), amveis (nos momentos difceis de dvida e sofrimento) e companheiros
em todos os momentos. Essa dissertao dedicada a vocs e nossa famlia. uma
conquista nossa.
Aos meus avs, todos falecidos, porm vivos na memria de toda a famlia.
Agradeo professora Marlia Steinberger que durante os ltimos quatro anos tem me
ensinado muito mais do que geografia, economia e geopoltica. Essa dissertao uma
prova disso. Pacincia com as minhas limitaes talvez tenha sido sua grande virtude
nesse trabalho, alm da disposio em compartilhar o conhecimento que se revela na
discusso a seguir. Muito Obrigado!
Aos grandes mestres que tive durante a graduao e o mestrado na Universidade de
Braslia. Em especial, agradeo pelos valores e discusses acrescidos minha formao
acadmica e profissional ao professor Neio Campos, professora Claudia Andreoli, ao
professor Rafael Sanzio, professora Lcia Cony, professor Jos Novais, professor
Antonio Carpintero e outros.
Aos amigos! Os de hoje, os de ontem e os de sempre! Aos amigos da ANTAQ, da
graduao, do mestrado, simplesmente da UnB, amigos dos colgios onde trabalhei, ex-
alunos, entre outros. Agradecimentos especiais para o Andr, Everton, Idalcio,
Anderson, Waldeque, Lelton, Sheila, Werner, Victor, Maringela, Raquel, Batata
(vulgamente conhecida como Flvia), a galera do Triplo 20, Sabrina, Alexandre Tofeti,
entre outros. Todos foram importantes em algum momento da minha vida. Esses bons
5
amigos sempre contriburam com fora, com conselhos, com palavras de incentivo e
com o precioso tempo deles.
Um agradecimento muito especial ao Bob Sheldom (vulgo Werner) pelos excelentes
mapas que ajudam a explicar parte desse trabalho.
Sociedade brasileira que, diretamente, contribuiu para a minha insero na
universidade. O melhor do Brasil o brasileiro - Lus Cmara Cascudo
Elaine Mesquita Lucas por tudo que ela fez para que esse trabalho ficasse pronto.
Obrigado pela pacincia, carinho, amor, dedicao incondicional e conselhos. Esse
trabalho dedicado a voc. Eu te amo.
6
RESUMO
Braslia foi construda em um verdadeiro vazio. Essa afirmativa tpica de quem
desconhece a histria da regio do Planalto Central, onde a Capital da Repblica foi
construda em meados do sculo XX. Baixos ndices demogrficos no significam,
necessariamente, um vazio demogrfico ou histrico. A reconstituio da histria dessa
regio, em tempos que antecederam a implantao de Braslia, atesta isso. Realizar uma
anlise a partir dessa reconstituio um dos objetivos desta pesquisa, que buscou
relacionar o passado anterior construo Nova Capital e atual configurao territorial
da regio do Distrito Federal e Entorno - RIDE. Acreditamos que conhecer os vrios
momentos do processo de ocupao regional fundamental para entender que o
surgimento de Braslia apenas uma etapa do processo ocorrido no Planalto Central,
iniciado com a prtica da minerao do ouro no sculo XVIII. Esse foi o perodo de
surgimento das localidades de Meia Ponte, Santa Luzia e o Arraial de Couros. Essas
localidades foram os ncleos primitivos dos municpios de Pirenpolis, Luzinia e
Formosa, respectivamente, e deram origem a outros municpios do estado de Gois, dos
quais, alguns, compem a atual RIDE. Essas trs localidades passaram por todas as
etapas de ocupao do territrio regional e tiveram grande importncia na formao da
regio.
7
ABSTRACT
Brasilia was constructed in a true emptiness. This affirmation is typical of who is
unaware of the history of the region of Central Plateaus, where the Capital of the
Republic was constructed in middle of century XX. Low demographic indices do not
mean, necessarily, a demographic or historical emptiness. The reconstitution of the
history of this region, in times that had preceded the implantation of Brasilia, surely
show this. To carry through an analysis from this reconstitution is one of the objectives
of this research, that it searched to relate the previous past to the Capital New
construction and the current territorial configuration of the region of the District Federal
and Entorno - RIDE. We believe that to know better the moments of the process of
regional occupation it is basic to understand that the sprouting of Brasilia is only one
stage of the process occurred in Central Plateaus, initiated with the practical one of the
gold mining in century XVIII. This was the period of sprouting of the localities of Meia
Ponte, Saint Luzia and the Arraial de Couros. These places had been the primitive
nuclei of the cities of Pirenpolis, Luzinia and Formosa, respectively, and had brought
to spring to other cities of the state of Gois, in which, some, they compose the current
one RIDE. These three places had passed for all the stages of occupation of the regional
territory and had great importance in the formation of the region.
8
SUMRIO
INTRODUO
13
1 - REFERENCIAL TERICO E CONCEITUAL 23
1.1 - O espao social e total os sistemas de objetos e aes 23
1.2 - O territrio usado e a diviso territorial do trabalho 30
1.3 - A Regio e suas funes
39
2 - A FORMAO E A OCUPAO DA REGIO DO PLANALTO CENTRAL 45
2.1 - Contexto histrico 45
2.2 - A minerao e a formao do Planalto Central 51
2.3 - A constituio dos municpios-gnese da regio do Distrito Federal e Entorno
55
3 - A DISSOLUO DA REGIO MINERADORA, A AGROPECURIA DE
SUBSISTNCIA E A INSERO NA ECONOMIA NACIONAL: 1800 - 1950
64
3.1 - A estagnao econmica em Gois (1800 1900) 64
3.2 - O panorama em Pirenpolis, Luzinia e Formosa no sculo XIX 72
3.3 - O incio da insero de Gois e suas regies na economia nacional: 1900 1950
77
4 - O SURGIMENTO DE BRASLIA: UM NOVO ELEMENTO NO PLANALTO
CENTRAL
81
4.1 - Precedentes histricos da construo da nova capital 81
4.2 - A Misso Cruls: um estudo de viabilidade para a Nova Capital 84
4.3 - Meio sculo de especulaes e... Alguns estudos 87
4.4 - A Comisso de Localizao da Nova Capital e o relatrio Belcher 89
4.5 - Braslia e seus impactos
92
9
5 - A PRESENTE CONFIGURAO TERRITORIAL 95
5.1 - O contexto do surgimento da RIDE 95
5.2 - A reocupao intensiva da regio que abrigou a nova Capital do pas 101
5.3 - O atual uso econmico empregado no territrio da regio 108
5.4 - Uma regio pautada nos diferentes usos territoriais
118
6 - CONSIDERAES FINAIS
122
7 - REFERENCIAL BIBLIOGRFICO
128
ANEXOS 132
10
SUMRIO DE ILUSTRAES
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Localizao territorial do Planalto Central 22
Figura 2. A rota da primeira expedio procura de Sabarabu, o lago dourado 52
Figura 3. Capitania de Goyaz em 1750 58
Figura 4. Entrada da cidade de Formosa em 1892 83
Figura 5. A Comisso Cruls atravessando o rio Paranaba em 1892 85
Figura 6. A Comisso Cruls em Pirenpolis 86
Figura 7. Cidade de Luzinia em 1892 87
Figura 8. Sobreposio do Retngulo Belcher, do Quadriltero Cruls e dos municpios
pertencentes antiga regio Geoeconmica de Braslia
92
LISTA DE MAPAS
Mapa 1. Municpios pertencentes Regio Integrada de Desenvolvimento do Distrito
Federal e Entorno
20
Mapa 2. Localizao da RIDE no Planalto Central 21
Mapa 3. Capitania de Goyaz em 1809 Diviso em Julgados 70
Mapa 4. Sobreposio da RIDE na Capitania de Gois 71
Mapa 5. Desdobramento do municpio-gnese - Pirenpolis 98
Mapa 6. Desdobramento do municpio-gnese - Luzinia 99
Mapa 7. Desdobramento do municpio-gnese Formosa
100
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Produes dos julgados do Norte da capitania de Gois 1804 68
Tabela 2. Produes dos julgados do Sul da capitania de Gois 1804 69
Tabela 3. Evoluo da Populao Total RIDE (1950 2006) 102
11
Tabela 4. Taxa de Crescimento Populacional RIDE (1950 - 2006) (%) 103
Tabela 5. Populao Urbana X Populao Rural RIDE (2000) 107
Tabela 6. Produto Interno Bruto Municipal (2004) RIDE (%) 109
Tabela 7. rea Plantada: Lavoura Temporria (Hectare) RIDE (1995- 2004) e a
distncia entre os municpios
112
Tabela 8. rea Plantada: Lavoura Permanente (Hectare) RIDE (1995 2004) 113
Tabela 9. Rebanho Efetivo (Nmero de Cabeas) RIDE (1995 - 2004) 114
Tabela 10. Maquinrio Agropecurio Municpios da RIDE (1996) 115
Tabela 11. Produo e Variao de Lavoura Temporria RIDE (1995 2004) 133
12
De tudo, ficaram trs coisas: A certeza de que estamos sempre comeando...
A certeza de que precisamos continuar... A certeza de que seremos interrompidos antes de terminar...
Portanto devemos:
Fazer da interrupo um caminho novo... Da queda um passo de dana...
Do medo, uma escada... Do sonho, uma ponte...
Da procura, um encontro...
A CERTEZA - FERNANDO PESSOA
13
INTRODUO
Todos os anos, nos preparativos para o aniversrio da cidade de Braslia,
dezenas de reportagens so feitas sobre a histria da Capital Federal. Os meios de
comunicao mostram imagens antigas, vdeos da construo, documentrios sobre a
poca e relatos dos pioneiros sobre a construo e desenvolvimento da cidade.
Geralmente, essas reportagens expem o que era o canteiro de obras instalado no
cerrado goiano, o contingente de pessoas que chegava aos locais das obras e como essas
pessoas iam se instalando na cidade dos operrios, a atual cidade de Ncleo
Bandeirante.
Braslia foi inaugurada em 21 de abril de 1960. O seu realizador foi o ento
Presidente da Repblica Juscelino Kubitschek de Oliveira. Porm, no se pode afirmar
que essa concretizao seja fruto de uma idia originalmente advinda dos polticos e
idealizadores de meados do sculo XX. A construo da Capital, por exemplo, foi uma
continuao da poltica que tinha comeado no governo de Getlio Vargas, denominada
de Marcha para o Oeste, que teve como principal caracterstica a expanso da
fronteira agrcola. Braslia consolidou essa poltica, tornando-se smbolo da expanso de
uma fronteira mais ampla: a econmica.
aproximadamente meio sculo de histria da Nova Capital e muitas
transformaes so verificadas no que tange economia, ao meio social, poltica, ao
meio ambiente e cultura na regio onde Braslia foi implantada. Nesse perodo, a
cidade cresceu consideravelmente em relao ao quantitativo populacional e ocupao
do solo para fins urbanos. Entrementes, houve mudanas nos usos do territrio da
regio, que inicialmente era utilizado para atividades rurais.
O processo de urbanizao no Distrito Federal DF ocorreu de forma acelerada
nas quatro dcadas de existncia e, na atualidade, difcil relacionar o termo Braslia
somente ao seu ncleo central, o Plano Piloto, visto que o crescimento urbano dentro do
DF fez com que outros ncleos surgissem. O que se constata que os limites fsicos
entre as cidades, nas ltimas dcadas, vm desaparecendo, o que mostra como a Capital
e suas localidades cresceram e formaram um grande conjunto urbano bastante
segmentado em termos de desigualdades socioespaciais, uma de suas caractersticas
14
mais visveis. Crescimento urbano e desigualdades que no ficaram restritos s
localidades do Distrito Federal.
Esse processo de urbanizao ultrapassou os limites do Distrito Federal e chegou
aos municpios vizinhos, principalmente ao estado de Gois. Alguns fatores explicam,
por exemplo, essa expanso urbana para as localidades externas ao quadriltero do DF,
como: os altos preos dos imveis no Distrito Federal, o controle rgido sobre o
crescimento do Plano Piloto e a oferta de lotes baratos nos municpios dos arredores do
Distrito Federal. Parte dos migrantes que chegavam s localidades de Braslia foram
forosamente direcionados para essas localidades alm do quadriltero que abriga a
Capital.
Esses fatores contriburam para que se formasse uma nova regio nas
adjacncias de Braslia, que para esta pesquisa, ser considerada como regio do
Distrito Federal e Entorno, representada pelos municpios pertencentes Regio
Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno RIDE. Essa regio foi
ignorada durante muito tempo pelos administradores do DF e tambm pelos gestores do
estado de Gois e Minas Gerais. Assim, Braslia e o seu Entorno apresentam, na
atualidade, uma configurao territorial que pode parecer contraditria em aspectos
sociais, espaciais e econmicos, pois a Capital do pas foi implantada nesse territrio,
porm bastante coerente com o processo de urbanizao presenciado no Brasil ao
longo dos sculos.
O tempo de existncia de Braslia na regio aproximadamente cinco vezes
menor do que o perodo de ocupao do Planalto Central, onde a cidade foi implantada.
Entretanto, quando so feitas referncias histria de Braslia, pouco mencionado
sobre a histria da regio que antecede a construo da cidade. Muitos argumentam que
o Planalto Central era um verdadeiro vazio, ou seja, uma terra com poucas, ou sem
pessoas e, conseqentemente, com poucas ou sem atividades econmicas e histria.
Considerando-se os usos feitos do territrio, as funes assimiladas pelas suas
localidades em cada ciclo econmico, e as transformaes sociais de cada perodo,
podemos afirmar que o Planalto Central possui mais de 250 anos de histria. Alguns
municpios dessa regio, fundados em razo da economia aurfera e atividades de
15
suporte minerao, fazem parte, na atualidade, da RIDE, como o caso de
Pirenpolis, Luzinia e Formosa, que historicamente so os municpios-gnese dessa
nova regio, surgida nas adjacncias de Braslia. A histria dessas localidades e do
prprio Planalto Central pode ser dividida, em razo dos usos do territrio, em trs
grandes perodos, representada por ciclos: o primeiro est relacionado ocupao inicial
efetivada com a minerao, desde as expedies do incio do sculo XVIII at a
decadncia do ciclo no final do mesmo sculo. O segundo perodo foi o da agropecuria
de subsistncia desde o incio do sculo XIX at meados do posterior. O terceiro
perodo, que comea no sculo XX, est relacionado ao surgimento de Braslia no
Planalto Central.
Braslia surge como uma etapa dentro desse processo histrico de ocupao e
uso do territrio do Planalto Central. Entretanto, os meios de comunicao, os aparelhos
do Estado, como as escolas pblicas e alguns pesquisadores tentam transmitir que a
histria de ocupao de toda a regio comea com o surgimento de Braslia. provvel
que isso ocorra pelo desconhecimento do passado de ocupao e uso do territrio dessa
regio ou por acharem que essa histria pouco importante para as pessoas que nessa
regio residem. Assim, esses verdadeiros formadores de opinio no consideram que a
histria do Planalto Central tenha alguma influncia na formao social, espacial e
econmica da regio na atualidade. Essa no , contudo, a nossa opinio.
A partir dessas lacunas sobre a histria da regio onde foi implantada a Capital
do pas, surgiu a questo que norteou toda essa pesquisa: at que ponto o processo
histrico de formao do Planalto Central ajuda a explicar a atual configurao
territorial da regio do Distrito Federal e Entorno?
O Planalto Central coincide com o que os gelogos denominam de Faixa
Braslia. Quanto sua dimenso uma enorme rea que ultrapassa os limites dos
atuais territrios dos estados de Gois, Minas Gerais, Bahia, Tocantins e o Distrito
Federal, como mostra a figura 1. Em toda sua extenso territorial possui rochas de
diferentes composies, que apresentou e, ainda apresenta, grande potencial de
minerao, principalmente para a extrao do ouro. Essa qualidade do Planalto Central
diferenciou essa regio dos territrios adjacentes durante o sculo XVIII, possibilitando
que ela surgisse como uma regio de minerao, ou seja, com uma funo especfica. O
16
Planalto Central recebeu essa denominao em razo de naturalistas e pesquisadores
diferenciarem, no sculo XIX, essa parcela territorial do restante do planalto brasileiro.
Assim, a regio geomorfolgica passou a ter carter eminentemente geogrfico a partir
do uso estabelecido em seu territrio.
Cronologicamente, e a partir dos usos no territrio em Gois no sculo XIX, h
uma rediviso intra-regional nessa Capitania. Com o fim do ciclo do ouro deixou de
existir a distino entre regies de minerao e outras regies. A base econmica passou
a ser agropecuria e a antiga Capitania de Gois foi dividida em comarcas do Sul e do
Norte, que se tornaram regies diferentes, fato que somente mudaria com a insero de
Gois na economia nacional em meados do sculo XX.
Com o surgimento de Goinia e Braslia, consolidou-se a expanso da fronteira
econmica para o Brasil central, provocando um rearranjo regional em Gois, o que
proporcionou o surgimento de novas regies, a transformao de algumas e a
reunificao de outras. Assim, surge a regio do Distrito Federal e Entorno.
Utilizaremos os municpios integrantes da RIDE para delimitar essa regio, como se
percebe no mapa 1, na pgina 20. Toda a RIDE est localizada no territrio do Planalto
Central, como mostra o mapa 2, na pgina 21.
Nesse estudo, limitar-nos-emos a enfatizar os municpios da RIDE que so
membros da unidade federativa de Gois. Isso por considerar que a influncia histrica
na regio por municpios mineiros se deve, princiapalmente, ao municpio de Paracatu,
porm, esse no pertence a RIDE. Um outro motivo para isso, e o mais importante,
que os municpios de Gois estiveram sob uma mesma gide poltico-administrativa
desde 1748, quando a Capitania de So Paulo se desmembrou e surgiu a Capitania de
Goyaz.
O estudo que nos propomos a realizar , portanto, a prpria geografia histrica
da regio do Planalto Central, do Distrito Federal e do seu entorno. No so numerosos
os trabalhos que tentam realizar esse elo entre o passado e o presente. Paulo Bertran foi
um dos poucos que se interessou por esse tema. A escolha desse assunto parte do
interesse particular em conhecer a origem dos usos desse territrio e contribuir para o
alargamento das fontes de pesquisas geogrficas sobre a histria da regio. Alm da
17
importncia acadmica desse tema, relevante que a sociedade brasiliense e a
populao dos municpios do Entorno, possam contar com informaes e conhecimento
a respeito da histria da regio e localidades onde vivem. Esse tema tambm possui uma
grande significncia para a compreenso do que representa o territrio do Entorno do
Distrito Federal historicamente.
Nesse contexto, essa pesquisa possui o objetivo geral de reconstituir as razes
histricas da atual configurao territorial do Distrito Federal e Entorno a partir da
insero dos seus municpios-gnese nos ciclos econmicos implantados na regio do
Planalto Central. A partir do objetivo geral, os seguintes objetivos especficos so
delineados:
Desmistificar a alegao de que Braslia surgiu em um verdadeiro vazio, ou seja,
em uma regio sem histria.
Analisar a relao entre o aumento populacional decorrente do assentamento da
Capital e a rediviso municipal no Entorno do Distrito Federal.
Analisar os atuais usos empregados ao territrio da RIDE, correlacionando-os
com a formao histrica e a sua presente configurao territorial.
Contribuir para a discusso da validade da RIDE, como regio, por meio da
incluso do fator formao histrica como critrio de julgamento para a
composio da regio.
Tendo em vista os objetivos colocados e a questo a que tentaremos responder
no final da pesquisa, acreditamos na hiptese de que o processo histrico de formao
do Planalto Central fundamental para compreender a atual configurao territorial do
Distrito Federal e do Entorno.
Para atingir os objetivos foram utilizados, basicamente, dois mtodos: a anlise
bibliogrfica e a anlise estatstica. A anlise bibliogrfica subsidiou a elaborao de
toda dissertao. Obras e textos especficos sobre o Planalto Central, a histria de
Gois, Braslia e a sua insero na regio foram imprescindveis para a concretizao
desse trabalho. Soma-se a isso a anlise de obras tericas responsveis pela
18
instrumentalizao conceitual que, por sua vez, subsidiaram a compreenso e o exame
dos aspectos empricos em questo.
A anlise estatstica foi pautada na apreciao de informaes e dados
estatsticos. Em uma primeira etapa, essas informaes foram importantes elementos
para a compreenso da correlao entre o aumento do nmero de municpios e o
aumento populacional na regio. Dados estatsticos, quase sempre provenientes de
pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica IBGE, tambm foram
imprescindveis para a anlise do atual uso do territrio na RIDE, o que facilitou a
compreenso desses usos e a relao entre o setor produtivo dos municpios integrantes
da regio e a economia do Distrito Federal.
A presente dissertao est estruturada em cinco captulos formando o corpo da
pesquisa, alm de um captulo dedicado s consideraes finais. O primeiro deles o
referencial terico e conceitual. Os principais conceitos discutidos na pesquisa so o de
espao social, territrio e regio. Em cada uma dessas discusses, so apresentadas
posies tericas de grandes mestres orientadas para a compreenso dos aspectos
empricos em anlise. Esses conceitos se desdobram em outros, que tambm so
importantes para a pesquisa, como o caso das definies de diviso territorial do
trabalho e configuraes territoriais.
O segundo captulo dedicado anlise e descrio do processo de formao e
ocupao da regio do Planalto Central, que se inicia com a expanso martima
realizada pelos pases ibricos e vai at a decadncia do ciclo da minerao. Enfocamos
a geografia histrica dos municpios-gnese do Distrito Federal e Entorno no perodo da
minerao, datado entre 1725 a 1800.
O terceiro captulo trata da dissoluo da regio mineradora, do surgimento da
alternativa econmica com a agropecuria de subsistncia e a insero de Gois na
economia nacional. Essa parte representa o perodo que se inicia em 1800 e termina em
1950, sendo dividido em duas partes: a estagnao econmica em Gois (1800 at
1900), quando analisaremos o panorama nos municpios-gnese nesse perodo e o incio
da insero de Gois e suas regies na economia nacional (1900 at 1950).
19
O surgimento de Braslia discutido no quarto captulo. Os precedentes
histricos, as discusses sobre a mudana da Capital para o interior, as razes da
mudana, os estudos de viabilidade e a importncia da implantao de Braslia para
Gois e sub-regies so assuntos pertinentes a essa parte do trabalho.
O captulo seguinte trata da atual configurao territorial do Distrito Federal e
Entorno. Aborda-se o contexto de surgimento da RIDE, como uma regio politicamente
deliberada, o processo de reocupao da regio e o atual uso econmico empregado no
seu territrio.
Como se faz notar, no podemos restringir este estudo apenas a uma nica
regio, visto que h uma sobreposio espacial de trs regies, que existiram em
diferentes perodos histricos no territrio da atual regio do Distrito Federal e Entorno
em anlise, a saber: Planalto Central, norte e sul de Gois. Entretanto, o Planalto
Central, regio me da RIDE e a prpria sero mais mencionadas e discutidas ao
longo do trabalho. Nesta pesquisa, as regies sero tratadas como resultado do processo
de diviso territorial do trabalho, cujo conceito discutido no captulo primeiro.
20
21
22
..Figura 1: Localizao territorial do Planalto Central.
23
1 - REFERENCIAL TERICO E CONCEITUAL
1.1 - O espao social e total os sistemas de objetos e aes
A constituio de localidades e regies segue lgicas que no podem ser
explicadas apenas por fatores inerentes elas. A construo do espao como um todo,
ocorre de forma diferenciada em relao ao seu contedo. Isso porque as aes, os
objetos e a prpria configurao das localidades ocorrem pela combinao de fatores
endgenos e exgenos, que se transformam a cada perodo da histria, razo pela qual
essa construo deve ser observada em sua totalidade e deve ser revista constantemente.
Assim, um estudo que demanda a compreenso da situao atual da regio do Distrito
Federal e Entorno somente possvel com o entendimento do processo que a formou.
Eis porque no prudente pens-la como parte isolada, surgida do nada e formada
somente por fatores internos. O processo de transformao de um territrio possui
facetas que lhe so internas e outras que so desdobramentos de acontecimentos
externos. Diante da complexidade desse quadro, faz se necessrio discutir brevemente
os conceitos de espao, territrio, diviso territorial do trabalho, configurao territorial
e regio para que tenhamos subsdios tericos para uma anlise dos aspectos empricos
que permeiam esta pesquisa.
Antes de passarmos definio do conceito de espao propriamente dita,
tornam-se necessrios rpidos comentrios sobre o seu desenvolvimento como categoria
de anlise na Geografia. O conceito de espao possui inmeras formas de construo e
entendimentos, trabalhados historicamente de maneiras diferenciadas entre os ramos do
conhecimento. Inclusive a Geografia, cincia que na atualidade utiliza o espao como
objeto de estudo, demorou vrios decnios durante o sculo XX para chegar a um
entendimento, mesmo que ele no seja universal, sobre sua definio.
A Geografia e as outras cincias sociais relegaram o espao como objeto de
estudo no final do sculo XIX e incio do XX. At a segunda metade do sculo passado,
foram poucas as contribuies de gegrafos para uma melhor compreenso desse
conceito. Mudanas nesse quadro comearam a ocorrer, sobretudo nas quatro ltimas
dcadas do sculo XX, com as contribuies tericas principalmente de filsofos,
socilogos e gegrafos, como o caso de Henri Lefebvre, Manuel Castells, David
24
Harvey, Edward Soja e Milton Santos. Discusses sobre o espao e sua representao
material contriburam significativamente para os avanos acerca da sua concepo como
objeto de estudo e sua importncia para as cincias sociais. Assim, o espao entrava,
definitivamente, como objeto de anlise na teoria social crtica1 e passava a ser alvo de
estudo de vrios ramos do conhecimento, mas principalmente da Geografia.
Na cincia geogrfica, a acepo de espao construda principalmente pelas
contribuies dos autores citados no pargrafo anterior, no se alastraram pela
Geografia de forma homognea. Isso ocorreu porque o entendimento na Geografia sobre
o espao como objeto de anlise, de acordo com Moraes2 e Corra3, foi variado ao
longo do tempo e seguia as lgicas prprias de cada corrente geogrfica de pensamento.
No nos interessa, neste trabalho, refazer o caminho trilhado por esses gegrafos.
preciso deixar claro, no entanto, que o olhar sobre a construo do espao que nos
interessa de cunho dialtico que, na Geografia brasileira, teve Milton Santos como
maior expositor, doravante nossa principal referncia. Utilizaremos, tambm, o
materialismo histrico como mtodo de construo do raciocnio para compreenso da
realidade estudada.
Crticas ao modo empirista de compreenso da realidade motivaram a
reformulao do conceito e este passou a ser situado como categoria de anlise a partir
de discusses que incluam o materialismo histrico4 e a dialtica no conceito de
espao. No Brasil, as contribuies discusso do conceito e, portanto, prpria
Geografia surgiram, principalmente, pela atuao de Milton Santos. Ele enfatizou a
necessidade de uma cincia geogrfica nova, com objeto de anlise prprio e definido.
A respeito, ele afirmou (2002a, p.141) que (...) Em realidade, para ter sucesso , antes
de tudo, preciso partir do prprio objeto de nossa disciplina, o espao, tal como ele se
apresenta, como um produto histrico, e no das disciplinas julgadas capazes de
apresentar elementos para sua adequada interpretao. Entretanto, no era
1 Conforme afirma Soja (1993). 2 Geografia: pequena histria crtica, por Antnio Carlos Robert Moraes. 3 Espao, um conceito-chave da geografia, p.15-47 in Geografia: Conceitos e temas por Roberto Lobato Corra. 4 Segundo Rohmann (2000, p.265) no materialismo histrico, tambm conhecido como materialismo dialtico, a conscincia humana conseqncia das condies materiais e que a histria progride segundo as leis da dialtica. Esse autor afirma que O materialismo dialtico uma inverso de sua ancestral, a teoria HEGELIANA do IDEALISMO dialtico. Tanto Marx quanto Hegel acreditavam que a histria avana dialeticamente, isto , por meio de conflitos na ordem predominante, que so resolvidos por intermdio de suas snteses e se transformam em uma nova ordem que, com o tempo, gera seus prprios conflitos internos e inevitvel resoluo, e assim por diante.
25
simplesmente o espao que interessava como categoria de anlise, ou seja, no era a
natureza primeira, intocada ou virgem. Mas que tipo de espao interessa aos estudos de
geografia?
O espao que interessa para Geografia a natureza artificializada, ou seja,
transformada pela sociedade para satisfazer as suas prprias necessidades. Esse o
espao social ou geogrfico, sobre o qual Milton Santos (2002a, p. 150) dizia ser (...) a
natureza modificada pelo homem atravs do seu trabalho. A concepo de uma natureza
natural, onde o homem no existisse ou no fora o seu centro, cede lugar idia de uma
construo permanente da natureza artificial ou social, sinnimo de espao humano.
Tendo em vista a definio de Santos, e em uma primeira anlise, possvel conceber a
regio do Planalto Central como parte desse processo de transformao que ocorre h
mais de dois sculos. Com a chegada dos desbravadores de sertes e a efetiva ocupao
dessas terras, essa parcela do espao comeou a se tornar mais artificial, pois foi se
modificando para atender s necessidades que a prpria sociedade daquele perodo
criava.
O espao social, porm, no pode ser concebido como um mero resultado das
aes da sociedade, pois no apenas um palco para as aes das pessoas. a partir do
vis dialtico, que o considera produto e ao mesmo tempo produtor da realidade social,
que o espao deve ser concebido, ou seja, o espao deve ser visto como resultado das
aes da sociedade e, ao mesmo tempo, uma instncia social que produz a sociedade.
Essa forma de entender o espao ajudou a tir-lo do senso comum. O economista Alain
Lipietz (1988, p.15), para explicar as relaes entre capital e espao, analisou a
importncia de uma conceituao precisa e a necessidade de superao da noo de
espao, ou seja, superar o conhecimento incipiente e aprofund-lo como conhecimento
cientfico. Dessa maneira, o autor afirmava que A noo de espao uma espcie de
ferro-velho informe, de onde se vai tirar expresses que servem para dar uma
aparncia rigorosa ao discurso sobre os outros aspectos do real.
O espao geogrfico ou social aquele organizado pelo homem e que, nos
dizeres de Corra (2001, p.28), (...) desempenha um papel na sociedade,
condicionando-a, compartilhando do complexo processo de existncia e reproduo
social. Santos (2002b, p.62) por sua vez, analisava-o como sistemas de objetos e de
26
aes e o observava como uma parte da estrutura social, subordinada e subordinante a
outras instncias sociais, como discutiremos adiante.
A estrutura espacial formada pelos seus elementos, objetos (naturais e
artificiais) e pelas aes que ns realizamos. Soja (1993, p. 99) corrobora a posio de
Santos ao afirmar que:
A estrutura do espao organizado no uma estrutura separada, com suas leis autnomas de construo e transformao, nem tampouco simplesmente uma expresso da estrutura de classes que emerge das relaes sociais (...) de produo. Ela representa, ao contrrio, um componente dialeticamente definido das relaes de produo gerais, relaes estas que so simultaneamente sociais e espaciais.
O espao social, produto e produtor da realidade social pode ser compreendido
como uma instncia social, como j afirmava Santos em 1978. Logicamente,
importante frisar que o espao est submetido s leis da totalidade, mas dotado de
certa autonomia, como afirmava o autor (2002a, p.181). Para compreend-lo como
objeto de estudo da Geografia, necessrio consider-lo uma camada da totalidade
social e no um mero reflexo dos seus desdobramentos. A respeito do entendimento de
totalidade, Santos (2002b, p.115) afirmou que (...) todas as coisas presentes no
Universo formam uma unidade. Cada coisa nada mais que parte da unidade, do todo,
mas a totalidade no uma simples soma das partes. As partes que formam a totalidade
no bastam para explic-la. Essa unidade, comentada pelo autor, realiza movimentos
constantes e interminveis que proporcionam transformaes nas suas partes. O autor
(2005, p.45) acrescenta que A cada momento a totalidade existe como uma realidade
concreta e est ao mesmo tempo em processo de transformao. A evoluo jamais
termina. O fato acabado pura iluso. A partir dessas idias, entendemos a totalidade
como um universo complexo que contm tudo, uma fora geral-momentnea, que se
desfaz constantemente e por isso tambm fugaz. Esse movimento eterno e
contraditrio, sendo modificado invariavelmente. Assim, devemos compreender, por
exemplo, a regio do Planalto Central como uma parte ou frao da totalidade.
Dessa maneira, entende-se que, quando ocorrem mudanas no todo social,
acontecem transformaes nas suas partes, o que inclui as vrias escalas de organizao
da sociedade. A regio do Planalto Central no foi excluda de tal processo, pois sofreu
27
historicamente as transformaes advindas dos movimentos da totalidade, ou seja, de
escalas maiores que interferem em todo o mundo, no se excluindo as transformaes
endgenas a cada regio. A formao de uma regio depende das aes, em um
momento externas (Universais), e a sua combinao com a construo do espao por
meio de aes internas s regies ou localidades (Particulares). A respeito desse
assunto, Santos (2002b, p.124) afirmava que A totalidade como latncia dada pelas
suas possibilidades reais mas histrica e geograficamente irrealizadas. Disponveis at
ento, elas se tornam realizadas (historicizadas, geografizadas) atravs da ao. a ao
que une o Universal e o Particular.
O espao, ento, deve ser concebido tambm como uma instncia social,
pertencente e respeitadora das leis da totalidade. Assim, o espao social total. Santos
(1988, p.64) a respeito afirma que:
O espao, como realidade, uno e total. por isso que a sociedade como um todo atribui, a cada um de seus movimentos, um valor diferente a cada frao do territrio, seja qual for a escala da observao, e que cada ponto de espao solidrio dos demais, em todos os momentos. A isso se chama a totalidade do espao.
Porm, para uma melhor compreenso do todo, ou seja, da realidade,
necessrio compreend-la e estud-la de forma fragmentada. O autor (1988, p.5) afirma
que consider-lo assim uma regra de mtodo cuja prtica exige que se encontre,
paralelamente, atravs da anlise, a possibilidade de dividi-lo em partes. Dessa
maneira, o estudo de fraes do todo em escalas tornou-se importante para o
entendimento do prprio todo. Escalas como a nacional, a regional ou a local
demonstram peculiaridades prprias das partes, mas que no so desvinculadas da
totalidade. As aes e os objetos constituintes de cada escala do espao ajudam a
compreend-lo de uma forma total. Porm, cada escala absorve, de forma distinta, os
movimentos da totalidade e o seu contedo. Santos (2002a, p.257) afirma que:
Uma coisa, porm, certa. Como em cada sistema h uma combinao de variveis em escalas diferentes, mas tambm de idades diferentes, cada sistema transmite elementos cuja datao diferente. O prprio subespao receptor seletivo: nem todas as variveis modernas so acolhidas e as variveis acolhidas no pertencem todas mesma gerao.
28
Ser possvel conceber o espao social apenas fazendo aluso sociedade e
natureza? Se o concebermos de forma especfica a resposta no. Logicamente, h a
necessidade de incluir aspectos que permeiam essa relao. A sociedade, ao agir e se
fixar em uma terra, cria um conjunto de aparatos visando a atender as suas prprias
necessidades. Destarte, a sociedade, ao longo da histria, implantou e transformou
objetos (naturais e artificiais) por meio de suas aes. Santos (2002b, p.63), a respeito
do espao geogrfico e das aes e objetos, afirmou que O espao formado por um
conjunto indissocivel, solidrio e tambm contraditrio, de sistemas de objetos e
sistemas de aes, no considerados isoladamente, mas como o quadro nico no qual a
histria se d. Assim, o espao geogrfico formado por sistemas de objetos e
sistemas de aes, que se renovam constantemente, obtendo valor e funo
diferenciados em cada perodo de tempo, ou seja, a cada movimento da totalidade. A
regio que estudamos nessa pesquisa resultado de um processo, em que objetos foram
constantemente inseridos por pessoas que possuam interesses em usar esse territrio. A
partir desse entendimento possvel comear a refletir se essa regio era ou no um
completo vazio antes da implantao de Braslia.
A forma como cada objeto implantado no espao reflete a maneira como o
sistema de aes estabelecido. Interna e externamente a uma regio, o sistema de
aes coordena e acaba sendo ordenada pelos objetos materializados no espao, dando
vida ao espao social. A disposio geogrfica dos objetos e a realizao das aes no
ocorrem aleatoriamente. O resultado um conjunto de formas com contedo, ou seja,
com significado, que se alteram com o passar do tempo. Existem lgicas espaciais,
econmicas, sociais, entre outras, para a criao das formas-contedo e do prprio
sistema de objetos e aes. Na regio do Planalto Central, os principais sistemas de
aes implantados nessas terras correspondem aos ciclos econmicos que comearam
com a minerao. Posteriormente, a pecuria extensiva e a agricultura de subsistncia
foram as aes que coordenaram a criao de objetos no espao. A construo desses
sistemas de objetos visava viabilizar todo o processo de produo e pode ser descrito,
por exemplo, como um conjunto de obras de engenharias materializadas no espao
social. A construo de outros sistemas se intensificou, na regio, a partir da construo
de Braslia e, conseqentemente, houve uma modificao, enquanto forma e contedo
dos sistemas consolidados anteriormente.
29
Os objetos acrescidos ao espao, que mudam as funes e os valores das partes e
do todo segundo as necessidades das diferentes sociedades, demonstram as relaes
entre espao e tempo. Contudo, mudanas na conjuntura econmica, social, cultural e
espacial, representada principalmente pela insero de novas tcnicas, modificam a
funo original de uma localidade ou de uma regio e tambm a sua configurao. A
esse respeito, Santos (2002b, p.158) afirma que A cada momento muda o valor5 da
totalidade (quantidade, qualidade, funcionalidade) isto , mudam os processos que
asseguram a incidncia do acontecer, e muda a funo das coisas, isto , seu valor
especfico. dessa maneira que compreendemos as transformaes ocorridas na regio
do Planalto Central que, ao longo de sua histria, sustentou diferentes funes, como a
mineradora e a agropecuria. Hoje, algumas localidades do Planalto Central tentam
redefinir suas funes entre aspectos tradicionais e modernos. O uso do espao, de seus
recursos e objetos realizado com maior ou menor intensidade em momentos distintos
da histria, de acordo com as prprias palavras de Santos (2002b, p.165) A cada
momento histrico, tais recursos so distribudos de diferentes maneiras e localmente
combinados, o que acarreta uma diferenciao no interior do espao total e confere a
cada regio ou lugar sua especificidade e definio particular.
Algumas localidades do Planalto Central j possuam grande importncia
econmica para a regio e para o Brasil durante o perodo colonial, visto que algumas
das minas de ouro mais produtivas no sculo XVIII estavam em terras goianas. Porm,
o ciclo do ouro foi efmero e outras potencialidades tiveram que ser desenvolvidas, sem
surtir o mesmo efeito ou magnitude de outrora. A observao desses fatores nos
mostram que precisar o momento histrico de incio e trmino de cada ciclo se faz
necessrio para compreender a dinmica territorial de cada etapa e a insero de
sistemas de objetos e aes prprios de cada poca.
O processo de periodizao da construo do espao facilita a compreenso dos
processos no tempo e ajuda na contextualizao dos acontecimentos. Os eventos que
ocorrem a cada instante so diferenciados de outros eventos pela prpria conjuntura
social, econmica e espacial. A periodizao evita tambm entendimentos anacrnicos
sobre uma realidade em seu perodo de vigncia, pois os arranjos da sociedade variam
5 Grifo do prprio autor.
30
segundo as transformaes que ela realiza em seu meio. A respeito da necessidade de
periodizao para compreenso da constituio espacial, Santos e Silveira (2003, p.20)
afirmaram que:
(...) uma periodizao necessria, pois os usos so diferentes nos diversos momentos histricos. Cada periodizao se caracteriza por extenses diversas de formas de uso, marcadas por manifestaes particulares interligadas que evoluem juntas e obedecem a princpios gerais, como a histria particular e a histria global, o comportamento do Estado e da nao (ou naes) e, certamente, as feies regionais.
O processo de transformao do espao, ao longo do tempo, o verdadeiro
testemunho da histria de uma localidade e de uma regio. Esse processo no singular,
ou seja, no engloba somente a economia, mas tambm os aspectos sociais, culturais e
ambientais. As transformaes do espao geogrfico e o tempo histrico so
complementares, indissociveis e ao mesmo tempo so contraditrios. So perceptveis
atravs de vises diferentes, mas so siameses da mesma totalidade. Neste trabalho, a
histria da regio do Distrito Federal e Entorno dividida em trs momentos
diferenciados pelas funes atribudas ao territrio ao longo de trs sculos, desde o
surgimento do Planalto Central, regio me da RIDE.
1.2 - O territrio usado e a diviso territorial do trabalho
Entender o territrio como um produto construdo historicamente elemento
primordial para compreend-lo como categoria de anlise. Santos e Silveira (p.20) o
definem assim: O territrio, visto como unidade e diversidade, uma questo central
da histria humana e de cada pas e constitui o pano de fundo do estudo das suas
diversas etapas e do momento atual. Neste trabalho, para compreender as
transformaes ocorridas na regio estudada, analisaremos o seu processo de
constituio atravs da histria, ou seja, analisaremos os resultados dos vrios usos
atribudos regio do Planalto Central que culminaram na atual configurao da RIDE.
Paratanto, h necessidade de se realizar algumas discusses acerca do territrio como
conceito e como esse ser compreendido nesta pesquisa.
Etimologicamente, o termo territorium possui razes latinas e desde os seus
primeiros usos era relacionado ao aspecto de localizao. Os vrios ramos do
31
conhecimento utilizaram e utilizam o conceito de territrio a partir de suas prprias
leituras. Segundo Penha (2005, p.8-9), o Direito, que influenciou as primeiras
definies na Geografia, j utilizava, h trs sculos, esse termo relacionando-o posse
da terra e jurisdio sobre ela. Por outro lado, nas cincias naturais, o conceito era
concebido como rea de disseminao de flora e fauna.
A herana, deixada pelos entendimentos jurdicos de posse e propriedade,
subsidiaram a compreenso do territrio para os gegrafos do final do sculo XIX. Na
Geografia, esse conceito ganhou notoriedade com os estudos de Ratzel sobre geografia
e poltica, mas essa no foi sua nica fonte, posto que os ensinamentos das cincias
naturais tambm foram importantes para um entendimento geogrfico do territrio para
esse autor. Em seu conceito, ele conseguiu relacionar o termo posse e ao princpio da
disseminao de um povo, ou seja, o espao vital de uma sociedade6. O autor entendia o
territrio como (...) uma determinada poro da superfcie terrestre apropriada por um
grupo humano. No final do sculo XIX, a noo era associada aos limites dos Estados
nacionais e domin-lo era necessrio para a expanso do prprio Estado e do povo.
Dessa maneira, para Ratzel, o territrio nacional alemo do final do sculo XIX no era
suficiente para o seu povo e havia a necessidade, para os alemes, de um espao
maior, com mais recursos naturais. A influncia dessa compreenso foi notvel entre
os estadistas da Alemanha e depois ganhou destaque em outros pases. A Geografia e o
territrio ganhavam, definitivamente, um carter poltico.
Na atualidade, a forma mais comum de utilizao do termo territrio tambm
orientada pelo vis poltico, principalmente relacionado ao termo poder, e por isso, na
compreenso de alguns tericos, o territrio est atrelado ao termo Estado, ou
delimitao espacial-poltica deste. A respeito dessa maneira de compreend-lo, Santos
e Silveira (2003, p.19) afirmam que Num sentido mais restrito, o territrio um nome
poltico para o espao de um pas. Em outras palavras, a existncia de um pas supe um
territrio.
Dentre os tericos que discutiram o assunto no ltimo sculo, destaca-se Claude
Raffestin, para quem havia distines claras entre espao e territrio (1993, p.143):
6 Apud Penha, p.12
32
essencial compreender bem que o espao anterior ao territrio. O territrio se forma a partir do espao, o resultado de uma ao conduzida por um ator sintagmtico (ator que realiza um programa) em qualquer nvel. Ao se apropriar de um espao, concreta ou abstratamente (por exemplo, pela representao), o ator territorializa o espao.
A partir desse entendimento, o territrio apropriado base fsica em que agentes
ou atores atuam segundo determinadas lgicas, ou seja, o territrio a delimitao de
uma rea de atuao. Na viso de Raffestin, o elemento essencial na sua constituio e
entendimento a relao de poder (p.143-144) O territrio, (...), um espao onde se
projetou um trabalho, seja energia e informao, e que, por conseqncia, revela
relaes marcadas pelo poder. Assim, para esse autor, as relaes de poder so o que
diferencia espao e territrio, contudo, essa viso o denota como palco ou base para
agentes e atores no suficiente para entend-lo como um todo. O territrio possui uma
base, porm no a base ou a delimitao abstrata que deve ser alvo de estudos
cientficos. Ele deve ser compreendido alm dessa delimitao.
Na abordagem de Marcelo Lopes de Souza (2001, p.111), o territrio no seria
apenas um palco para as relaes de poder, embora a sua conceituao seja parecida
com a de Raffestin: Todo espao definido e delimitado por e a partir de relaes de
poder um territrio. Porm, Souza no relaciona esse conceito apenas aos Estados
Nacionais, e de forma mais ampla, o autor defende que as reas delimitadas por outros
atores e agentes dentro do Estado tambm formam territrios, mesmo que de forma
abstrata. O que se percebe na viso dos dois ltimos autores que o territrio possui um
carter extremamente poltico. A partir dessa compreenso, surgiu, na dcada de 1990,
um questionamento realizado por alguns gegrafos: o territrio, conceituado
eminentemente como base das atuaes da sociedade, uma categoria de anlise das
cincias sociais e, em particular, da Geografia? Para Milton Santos no.
O territrio usado e no o territrio em si o objeto de anlise para as cincias
sociais, de acordo com Santos. O autor e Silveira (2003, p.247) afirmam que:
A partir desse ponto de vista, quando quisermos definir qualquer pedao do territrio, deveremos levar em conta a interdependncia e a inseparabilidade
33
entre a materialidade, que inclui a natureza, e o seu uso, que inclui a ao
humana, isto o trabalho e a poltica7.
Para Santos, o territrio uma forma; o territrio usado, por sua vez, so
sistemas de objetos e aes, ou seja, sinnimo de espao social. Assim, quando se
mostra a construo de uma localidade ou regio, desde quando esses eram partes do
espao natural, analisa-se o uso e a construo do territrio pelos objetos e aes
inseridos no espao pelos homens, como o caso da RIDE. A regio tem uma
delimitao territorial, ou seja, uma base ou delimitao analisada nesta pesquisa, mas o
que interessa o uso que lhe foi dado ao longo dos sculos pelos vrios agentes e atores
formadores de um sistema complexo de relaes sociais.
A definio de territrio utilizada por Milton Santos muito prxima do seu
conceito de espao geogrfico, podendo ser considerados sinnimos pelo autor e
Silveira. Alm disso, ao caracterizarem o territrio a partir do uso, os autores (p.21)
afirmam que:
O uso do territrio pode ser definido pela implantao de infra-estruturas, para as quais estamos igualmente utilizando a denominao sistemas de engenharia, mas tambm pelo dinamismo da economia e da sociedade. So os movimentos da populao, a distribuio da agricultura, da indstria e dos servios, o arcabouo normativo, includas a legislao civil, fiscal e financeira, que, juntamente com o alcance e a extenso da cidadania, configuram as funes do novo espao geogrfico.
Desta maneira, para Santos, o territrio no deveria ser concebido apenas como
espao apropriado pelas relaes de poder, isso o tornaria palco para as aes de atores
dominadores do espao. O territrio usado engloba as relaes de poder, mas inclui
outros aspectos, dentre os quais, a ao humana de uma forma mais ampla e a prpria
dependncia entre ele e as pessoas. As aes so os prprios atos de construo do
territrio. Contudo, os objetos e as aes dependem da esfera poltico-administrativa e
tambm da econmica, cultural e outras. Os limites de ao e uso em cada esfera
territorial, mesmo que no sejam coincidentes, so interdependentes. A soma de
territrios e as suas inter-relaes formam o todo, ou seja, o espao total.
7 Grifos nossos.
34
Os objetos e as aes, que fazem do territrio um verdadeiro conjunto de
arranjos espaciais construdos ao longo do tempo, formam o que Santos e Silveira
(p.248) denominavam de configuraes territoriais, ou seja, o conjunto dos sistemas
naturais, herdados por uma determinada sociedade e dos sistemas de engenharia, isto ,
objetos tcnicos e culturais historicamente estabelecidos. Sob um olhar mais
abrangente, o fator que realmente impulsiona as configuraes territoriais so os modos
de produo estabelecidos em locais e tempos diferentes, materializados pelas aes e
os objetos que permeiam o uso do territrio e praticadas pela sociedade como um todo.
A configurao territorial um momento efmero da totalidade, ou de uma parte dela.
Nos dizeres de Santos (2002b, p.62) (...) a configurao territorial dada pelas obras
dos homens (...) que cada vez mais o resultado de uma produo histrica e tende a
uma negao da natureza natural, substituindo-a por uma natureza inteiramente
humanizada.
Nossa proposta de estudo abarca o processo de formao da regio do Distrito
Federal e Entorno, ou seja, uma regio que j possuiu vrias configuraes territoriais e
cada uma delas representava a sociedade de seu tempo. Esse processo retrata a forma de
organizao da sociedade em diferentes momentos e deve ser visto como a organizao
de atividades sobre o territrio. Assim, acreditamos que na atualidade, a RIDE possui
uma configurao territorial resultante do seu processo histrico de formao.
A organizao do territrio, que ocorre por vrios processos, no se configura de
forma homognea no espao. So vrios os processos que implicam na construo e no
uso do territrio, dentre os quais, um dos mais importantes a diviso do trabalho, aqui
analisada sob o vis geogrfico. A diviso territorial do trabalho indica como uma
sociedade se organiza territorialmente, portanto, essa organizao, que social,
materializa-se no espao geogrfico.
importante salientar que sob o vis espacial que compreendemos o processo
da diviso do trabalho. A respeito, Smith (19, p.152) afirma que:
A diviso do trabalho na sociedade a base histrica da diferenciao espacial de nveis e condies de desenvolvimento. A diviso espacial ou territorial do trabalho no um processo separado, mas est implcito no conceito de diviso do trabalho.
35
A diviso do trabalho a repartio social do trabalho em funes. Essas
tambm so elementos de diferenciao de localidades e regies, que so historicamente
assimiladas por cada escala de organizao da sociedade. As funes se refletem
tambm nos contextos social, econmico e espacial, como reflexo disso, cada territrio
usado possui uma funo especfica na sociedade, principalmente no mbito produtivo.
As funes exercidas por cada parte do todo so um dos fatores responsveis pela
organizao endgena da prpria sociedade e uma forma de particularizao, dentro da
totalidade. A respeito, Santos (2005,p.68) afirmava que:
Quando a sociedade redistribui suas funes, ela altera, paralelamente, o contedo de todos os lugares. So as funes, que pertencem sociedade como um todo e mediante as quais se exercitam os processos sociais, que asseguram a relao entre todos os lugares e a totalidade social.
Assim, espacialmente, tambm ocorre a diviso de funes entre as localidades,
as regies e entre os Estados Nacionais.
As funes exercidas por cada parte do espao social geram especializaes que
distinguem uma parte da outra. Esse um dos princpios da lei do desenvolvimento
desigual, que comentaremos adiante. A cada perodo histrico, muda-se o modo de
produo, as tcnicas relacionadas a esse modo e a prpria organizao da sociedade,
transformam-se tambm as funes, o que permite um novo arranjo espacial, seja nos
objetos, seja nas aes. Logicamente, resqucios de antigas funes continuam
existentes em outros perodos, pois h sempre uma sobreposio de divises do
trabalho.
As mudanas que ocorrem a cada perodo no modificam somente fatores
relacionados socioeconomia das localidades ou regies. Muda-se tambm a
configurao do territrio, a hierarquia entre os locais e as funes que cada parte
executa. A diviso territorial do trabalho um dos fatores primordiais para essas
transformaes. Santos (2005, p.59) a respeito afirma que:
A cada nova diviso do trabalho ou a cada um novo momento decisivo seu, a sociedade conhece um movimento importante, assinalado pela apario de um novo elenco de funes e, paralelamente, pela alterao qualitativa e quantitativa das antigas funes.
36
O movimento que provoca mudanas nas funes exercidas pelas localidades e
regies transforma tambm a organizao do espao social. A assimilao dessas novas
funes no significa uma ruptura total com as formas construdas pelas divises do
trabalho anteriores. As formas continuam, porm, o contedo social delas se transforma.
Novas formas tambm surgem, mas o tempo e as novas maneiras de organizao do
espao transformaro o uso dessas formas. Santos (2005, p.60) dizia que:
A cada movimento social, possibilitado pelo processo da diviso do trabalho, uma nova geografia se estabelece, seja pela criao de novas formas para atender a novas funes, seja pela alterao funcional das formas j existentes. Da a estreita relao entre diviso social do trabalho, responsvel pelos movimentos da sociedade, e a sua repartio espacial.
Essa lgica de diviso em funes no ocorre apenas nas escalas local e
regional. Muito pelo contrrio, os efeitos globais das transformaes advindas da
diviso global do trabalho comeam a ser presenciados depois das grandes navegaes,
ainda na idade moderna. Os Estados Nacionais tornaram-se, com o passar dos sculos,
entidades interdependentes, pois as aes entre os pases comearam a determinar as
vrias funes internas a eles, principalmente com a intensificao da globalizao. A
esse processo deu-se o nome de diviso internacional do trabalho. Historicamente, os
pases assimilaram funes que os diferenciaram uns dos outros. Essas funes foram
desdobradas dentro do territrio usado pelos Estados.
As regies e as localidades de um pas se adaptam diviso do trabalho, pois so
orientadas internamente para isso. Entretanto, elas tambm sofrem conseqncias de
fatores externos. assim que as diferentes parcelas de um territrio se adaptam ao
mercado econmico mundializado. Um exemplo disso foi o processo de industrializao
que ocorreu em alguns pases europeus nos sculos XVIII e XIX que se tornaram
desenvolvidos posteriormente, com o auxlio, nesse processo, da diviso de funes que
tais Estados assimilaram, ou seja, a sua posio na diviso internacional do trabalho. Ao
contrrio, os pases que na poca eram dependentes, ou os recm-emancipados, no
conseguiram se desvincular das caractersticas coloniais que possuam, ou seja, a de
serem meros fornecedores de recursos naturais. Por outro lado, as naes que se
industrializaram agregavam valor aos produtos naturais provindos de suas colnias, que
eram verdadeiros anexos do territrio das metrpoles europias e tinham como funo
37
elementar atender s necessidades econmicas da metrpole. Desta maneira ocorreu
com Portugal e sua colnia na Amrica, o Brasil. O litoral e o interior da colnia eram
regies distintas no que toca explorao do territrio pelos lusitanos. Ciclos
econmicos diferentes foram implantados nessas regies, devido s condies
endgenas de cada uma e s exigncias do mercado global que se formava.
Os ciclos econmicos adotados no Brasil colnia representaram os meandros da
explorao metropolitana no territrio. A extrao de madeira, o cultivo da cana-de-
acar e a minerao do ouro foram as formas encontradas por Portugal para explorar o
territrio colonial brasileiro. Esses ciclos criaram uma diviso interna do trabalho,
tornando determinadas partes do territrio especializadas em uma funo, o que
proporcionou um desenvolvimento desigual das regies. O maior exemplo foi o pas ter
sido explorado primeiramente na faixa litornea, sendo usado para o plantio da cana-de-
acar. Na atualidade, como resultado dessas aes de ocupao territorial do passado, a
disposio territorial da populao, do modo de produo, do capital ainda possuem
certa concentrao na faixa litornea do pas, na qual h uma maior fluidez de
informaes, produtos, capitais e pessoas. Entretanto, no sculo XX houve uma
diminuio dessa diferena entre interior e litoral. Porm, no mesmo pas, ainda se vive,
simultaneamente, tempos distintos.
A explorao plena do Planalto Central resultado de um processo que tem
incio no comeo do sculo XVIII, como veremos adiante. A diviso internacional do
trabalho refletiu na diviso interna de funes e as cicatrizes de todo processo no espao
geogrfico ainda so visveis no perodo atual, representadas principalmente pela
desigualdade entre as regies do pas. A conjuntura econmica internacional, no
passado e na atualidade, um combustvel para a configurao interna de um territrio
nacional, em outros termos, a diviso internacional do trabalho o processo que tem
como resultado uma diviso territorial (nacional) do trabalho (Santos, 2002b), isto ,
uma diviso interna de funes. A respeito, o autor (2005, p.61) afirmou que:
A diviso internacional do trabalho apenas nos d a maneira de ser do modo de produo dominante, apontando as formas geogrficas portadoras de uma inovao e, por isso mesmo, carregadas de uma intencionalidade nova. atravs da incidncia num pas da diviso internacional do trabalho e da
38
conseqente diviso interna do trabalho que as especificidades comeam a repontar.
O desenvolvimento econmico e social de uma parte do pas recebe influncias
das aes advindas de fatores externos, porm os fatores internos para tal
desenvolvimento, ainda dependem, principalmente, da atuao dos Estados Nacionais.
O arranjo espacial de uma regio ou localidade pode ser explicado pela prioridade dada
quela parcela do territrio pelo Estado. Essa prioridade est relacionada s funes
atribudas as parte, aos objetos inseridos, intensidade de investimentos, entre outros
fatores que tornam um local elemento nico. Dessa maneira ocorreu com o norte e o sul
de Gois nos sculos XIX e XX, visto que os investimentos econmicos e a infra-
estrutura implantada ocorreram de forma desigual nessas regies.
A diviso territorial do trabalho pode ser entendida como um processo
delimitador de funes no espao social, e ainda como responsvel pela organizao e
desenvolvimento das parcelas do espao total. Desta forma, algumas regies so
favorecidas, outras so ofuscadas dentro de um sistema hierrquico de investimento
territorial. Certas parcelas do territrio podem possuir a funo de fundo territorial, ou
seja, uma poupana, para o futuro, como afirma Moraes (2002).
No se pode falar em uso do territrio desvinculando-o das aes de gesto e
poder, por exemplo, um espao que possui elementos naturais somente apresenta essas
caractersticas devido atuao dos agentes pblicos e particulares detentores do poder
no territrio. Um espao no utilizado, geralmente, um fundo territorial, ou seja, uma
rea que poder ser utilizada em um momento posterior. Parte da regio Centro-Oeste e
Norte poderia ser caracterizada, dessa maneira, at o processo de Marcha para o Oeste
em meados do sculo XX, que promoveu transformaes intensas nas regies,
principalmente no Centro-Oeste com a insero de novas cidades, como Goinia e
Braslia e a conseqente integrao com o restante do pas e a expanso da fronteira
agrcola para essa macro-regio.
Caracteriza-se, assim, o uso do territrio pelas aes do Estado. Logicamente,
empresas e empresrios transnacionais e nacionais, que possuem grande magnitude
econmica, interferem na ocupao espacial pela capacidade de criar afluxos de
39
investimentos e, conseqentemente, de pessoas. Contudo, essa ao somente
desencadeada com o consentimento de atores e agentes pblicos que representam o
Estado, que ainda o principal agente de transformao espacial, e mesmo que, na
atualidade, os motivos de uso do territrio no sejam os mesmos de outrora. A respeito,
Santos (2002b, p.135) afirma que:
(...) as diversas escalas do poder pblico tambm concorrem por uma organizao do territrio adaptada s prerrogativas de cada qual. As modalidades de exerccio da poltica do poder pblico e da poltica das empresas tm fundamento na diviso territorial do trabalho e buscam modific-la sua imagem.
Na diviso territorial do trabalho, em que funes so atribudas s sociedades e
materializadas no uso do territrio, ocorre a especificao das regies e localidades. As
peculiaridades dos municpios e da regio como um todo so transformadas
constantemente a partir da adaptao de inovaes tcnicas de um perodo, o que
proporciona rupturas com o sistema anterior. Esses fatores exigem novos sistemas de
objetos e de aes como forma de adequao ao novo. Braslia, como cidade, um dos
maiores objetos tcnicos inseridos no Planalto Central e co-responsvel pela atual
configurao do territrio regional.
importante mencionar que a diviso territorial do trabalho no se traduz
apenas em funes nas parcelas do territrio, mas tambm responsvel por organiz-
lo, por essa razo a diviso do trabalho e as funes exercidas por cada elemento do
espao social so importantes entendimentos tericos para a compreenso emprica da
regio.
1.3 - A Regio e suas funes
De acordo com as palavras de Gomes (2001), a respeito do conceito de regio,
importante ressaltar a existncia de uma noo no senso comum, geralmente atrelada ao
entendimento de localizao e de extenso. Essa compreenso parte das diferenas
existentes entre reas. No muito diferente ocorreu nos estudos geogrficos. A regio,
para a Geografia, foi muito mais do que um mero conceito, chegou a ser o prprio
objeto de estudo dessa cincia. Ao longo do tempo, em relao regio, mudou-se o
40
mtodo e o enfoque de anlise, porm, a caracterstica de ser um conceito relacionado
diferenciao de reas no se perdeu por completo ao longo dos anos.
Na Geografia, a regio foi trabalhada sob vrios ngulos e mtodos: desde a
regio natural, enfatizada pelos gegrafos deterministas; a geogrfica dos possibilistas;
as classes de rea da nova geografia; at o olhar crtico dos gegrafos do final do sculo
passado. O conceito de regio chegou a ser conhecido como verdadeiro objeto de estudo
da cincia geogrfica pelos possibilistas e, em outros momentos, tornou-se um mero
conjunto de dados estatsticos para a geografia quantitativa, que preocupou-se com as
especificidades matemticas de um conjunto de localidades. Depois, a regio passou a
ser estudada sob o vis dialtico, com o fortalecimento dos argumentos crticos na
geografia marxista, entre outras vertentes de estudo8.
Para os adeptos da Geografia crtica, a regio um produto social totalmente
relacionada com as leis que regem a sociedade. Assim, os gegrafos crticos explicam a
regio orientados pelas concepes tericas de cunho marxistas, como o modo de
produo capitalista e, em conseqncia, pela lei do desenvolvimento desigual e
combinado, desenvolvida por Trotsky. Novack (1988, p.9) a respeito dessa lei, afirma
que:
A lei do desenvolvimento desigual e combinado uma lei cientfica da mais ampla aplicao no processo histrico. Tem um carter dual ou, melhor dizendo, uma fuso de suas duas leis intimamente relacionadas. O seu primeiro aspecto se refere s distintas propores no crescimento da vida social. O segundo, correlao concreta destes fatores desigualmente desenvolvidos no processo histrico.
Parte-se, portanto, da compreenso de constructos como, desenvolvimento
desigual e combinado, diviso territorial do trabalho e desenvolvimento dos meios
tcnicos para se entender a regio, conforme afirma Corra (1987, p.44). Soma-se a
isso a prpria ao do Estado no seu territrio. Contudo, importante salientar que
outras formas de compreender o conceito de regio foram importantes para as
respectivas escolas de pensamento da Geografia. No nos cabe, aqui, reforar as crticas
8 As concepes de regio, como afirma Corra (1996, p.187), foram concebidas de trs maneiras diferentes aps 1970. Uma delas era vista como resultado dos processos capitalistas de produo. A segunda possui como foco a questo da identidade e do espao vivido e a terceira entendida a partir de aspectos polticos.
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a cada escola de pensamento e o seu entendimento sobre regio. Todas elas tiveram o
seu valor em cada perodo. Discutiremos, brevemente, esse conceito a partir dos
ensinamentos obtidos com a geografia crtica do final do sculo XX.
Segundo Corra (1987, p.42), o processo de regionalizao a prpria
concretizao da lei do desenvolvimento desigual e combinado no espao geogrfico.
Para esse autor, haveria dois aspectos que relacionam a lei e o conceito de regio. O
primeiro pertinente ao vnculo entre a histria dos homens e a diferenciao de reas,
ou seja, determinadas localidades, historicamente, se desenvolvem diferentemente de
outros lugares, seja pela diviso social do trabalho, pelas tcnicas empregadas ou pela
ao de grupos internos regio. A respeito Corra (1987, p.43) afirma que:
As desigualdades que aparecem caracterizam-se pela combinao de aspectos distintos dos diversos momentos da histria do homem. Isto resulta no aparecimento de grupos tambm distintos ocupando especficas parcelas da superfcie da Terra, e a imprimindo suas prprias marcas, a paisagem, que nada mais que uma expresso de seus modos de vida.
O segundo aspecto est relacionado aos elementos sociais de produo inerentes
ao processo de regionalizao. Corra (p.44), a respeito, afirma que no modo de
produo capitalista que o processo de regionalizao se acentua, marcado pela
simultaneidade dos processos de diferenciao e integrao, verificada dentro da
progressiva mundializao da economia a partir do sculo XV. Contudo, a lei do
desenvolvimento desigual no explica isoladamente o processo de regionalizao. De
acordo com Corra, outros aspectos, combinados lei, devem ser considerados, como a
ao do Estado e a articulao dos meios de comunicao. Alguns autores destacam
especificamente a diviso territorial do trabalho como o principal aspecto para a
compreenso do processo de regionalizao, como o caso de Gomes (2001, p.65), que
afirma (...) a diferenciao do espao se deve, antes de mais nada, diviso territorial
do trabalho e ao processo de acumulao capitalista que produz e distingue
espacialmente possuidores e despossudos. Portanto, as funes assimiladas pelas
parcelas do territrio, a partir da diviso do trabalho, tendem a proporcionar o
desenvolvimento desigual, que a base da diferenciao das partes no espao total.
Quando h uma diferenciao de funes, ocorre uma assimilao diferenciada destas, o
42
que resulta tambm em tcnicas diferenciadas, conhecimentos e formas de aes
prprias e partes diferenciadas, ou seja, regies. Novack (1988, p.9) afirma que:
Os aspectos fundamentais da lei (do desenvolvimento desigual e combinado) podem ser brevemente exemplificados da seguinte maneira: O fator mais importante do progresso humano o domnio do homem sobre as foras de produo. Todo avano histrico se produz por um crescimento mais rpido ou mais lento das foras produtivas neste ou naquele segmento da sociedade, devido s diferenas nas condies naturais e nas conexes histricas.
Assim, a regio tornou-se a sntese da dialtica entre uma parte da sociedade e a
forma como ela se organiza espacialmente. A regio um resultado das leis que regem
o meio econmico, social, cultural de um espao geogrfico, em um determinado
perodo da histria, e no um territrio acabado. Muito pelo contrrio, a sua
construo permanente, est em constante transformao, pois as sociedades esto em
permanente mutao. Essas transformaes so resultados do prprio movimento da
totalidade. Santos (2005, p.158) disse que Muda o mundo e, ao mesmo tempo, mudam
os lugares. Para esse autor9 (...) as regies so subdivises do espao: do espao total,
do espao nacional e mesmo do espao local; so espaos de convenincia, lugares
funcionais do todo, um produto social. Santos (2005, p.43) ainda afirmou que A
regio no tem existncia autnoma, ela no mais que uma abstrao se tomada
separadamente do espao nacional considerada como um todo. A regio torna-se um
fragmento do todo, mas completamente interdependente da totalidade, o que Corra
(1996) chama de fragmentao articulada.
A regio, antigamente, era caracterizada pela homogeneidade interna de seu
territrio, em relao a reas do exterior. Contrariando essa noo, Santos (1997, p.46)
afirma em relao regio que Esta no garante a homogeneidade, mas, ao contrrio,
instiga diferenas, refora-as e at mesmo depende delas. A importncia dos estudos
regionais ultrapassa a delimitao homogeneizada do espao social e deve-se incluir
outros aspectos de grande relevncia, como a forma de organizao da sociedade e
como ela se insere no modo de produo. Assim, Santos (1997, p.47) afirma que (...) o
estudo regional assume papel importante nos dias atuais, com a finalidade de
compreender as diferentes maneiras de um mesmo modo de produo se reproduzir em
9 Apud Balbim (1996, p.165).
43
distintas regies do Globo, dadas suas especificidades. Da a importncia de se
compreender a RIDE desde a gnese de suas localidades, pois, a partir dessa anlise,
tornam-se mais claras as transformaes ocorridas na prpria regio e nos seus
arredores. Em relao as essas transformaes regionais, o agente mais atuante o
Estado.
A observao da atuao do Estado sobre a regio levou Corra (1987, p.47) a
afirmar que O conceito de regio tem sido largamente empregado para fins de ao e
controle, isso porque os Estados Nacionais procuravam, ao diferenciar reas, realizar
as prticas de domnio de forma diferenciada no territrio nacional. As regies,
concebidas dessa maneira, adquirem um carter poltico-administrativo, como reas de
ao com determinados fins. Para Gomes (2001, p.72), uma regionalizao h sempre
uma proposio poltica, vista sob um ngulo territorial. Ainda para esse autor (p.73):
(...) se a regio um conceito que funda uma reflexo poltica de base territorial, se ela coloca em jogo comunidades de interesse identificadas a uma certa rea e, finalmente, se ela sempre uma discusso entre os limites da autonomia face a um poder central, parece que estes elementos devem fazer parte desta nova definio em lugar de assumirmos de imediato uma solidariedade total com o senso comum que, neste caso da regio, pode obscurecer um dado essencial: o fundamento poltico, de controle e gesto do territrio.
O territrio da atual regio do Distrito Federal e Entorno comportou outras
divises territoriais do trabalho no passado, exercendo funes deliberadas pelos
agentes do Estado. Assim, este agiu de forma direta na sua formao, comeando pelo
perodo da minerao, com a criao de localidades e caminhos que cruzavam o
territrio, principalmente para organizar a arrecadao de impostos. No sculo passado,
edificou-se a Capital do pas na regio, modificando a histria das localidades antes
existentes. Iniciava-se mais uma transformao da regio, que agrega localidades
existentes h pelo menos 200 anos antes da construo de Braslia. Portanto, podemos
afirmar que o Entorno do DF um dos fragmentos da regio do Planalto Central, cuja
ocupao comea com a minerao e posteriormente com os usos diferenciados nas
regies sul e norte de Gois.
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Em sntese, a regio deve ser entendida nesta pesquisa (...) como um resultado
da lei do desenvolvimento desigual e combinado, caracterizada pela insero na Diviso
nacional e internacional do trabalho e pela associao de relaes de produo distintas
como afirma Corra (1987, p.45). O processo de produo, assimilao e implantao
de tcnicas tambm diferenciado no espao social como um todo e neste trabalho
sero representadas pelos ciclos econmicos. A regio uma parte do espao total e por
isso possui um territrio usado, com funes especificas. Entretanto, regio e territrio
usado no so sinnimos. A regio uma pequena parcela do espao social e nos
dizeres de Santos, uma subdiviso. O territrio usado, como j afirmamos, o prprio
espao social.
As funes, assimiladas com a diviso internacional e nacional do trabalho so
transformadas ao longo do tempo e isso muda o contedo da regio. Santos (1985, p.67)
afirma que:
A cada momento histrico, pois o que se convencionou a chamar de regio, isto , um subespao do espao nacional total, aparece como o melhor lugar para a realizao de certo nmero de atividades. Tais fatores locacionais, repetimos, so apenas parcialmente regionais ou locais.
Nos dizeres de Corra (1996, p.191), o Brasil e sua poro central, (...)
apresenta-se como um rico laboratrio para o estudo da criao, do desfazer e do refazer
regies. Ser que essa lgica, do surgir, do desfazer e refazer se aplica ao Planalto
Central? Tentaremos responder essa questo a partir da anlise histrica da formao e
ocupao da regio.
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2 - A FORMAO E A OCUPAO DA REGIO DO PLANALTO CENTRAL
2.1 - Contexto histrico
Antes de explanar sobre a formao e a ocupao da regio do Planalto Central,
necessrio compreend-la a partir do contexto histrico em que se verifica a sua
gnese. O incio da histria dessa regio no tem comeo apenas com o surgimento dos
arraiais e das vilas coloniais. Esse deve englobar vrios outros aspectos relacionados
prpria histria do Brasil e ocupao portuguesa no territrio brasileiro. Portanto, para
entender o processo de formao da regio do Planalto Central necessrio
compreender a histria de ocupao das terras brasileiras desde a expanso territorial
europia, que ocorreu ainda no sculo XV10. Um dos pioneiros nesse processo foi o
Estado portugus. Os usos dados s terras encontradas o fator primordial para o
entendimento da ocupao do Planalto Central. Logo, no se pode desvincular o
surgimento dessa regio da prpria histria de ocupao portuguesa no Brasil.
A ocupao de terras brasileiras no se deu pelo acaso. O Estado de Portugal,
como outros no continente europeu, buscava, no final da idade mdia, novas rotas
comerciais. Porm, Portugal possua peculiaridades que facilitavam a sua busca por
novos mercados, como o desenvolvimento de tcnicas de navegao, a posio
geogrfica e, de acordo com Boris Fausto (2006, p.9), (...) Portugal se afirmava no
conjunto da Europa como pas autnomo, com tendncia a voltar-se para fora. 11 Esses
fatores, favorveis a Portugal, foram imprescindveis para que a Coroa descobrisse ilhas
no Atlntico e territrios no litoral da frica Ocidental e comeasse a explor-los, seja
pelo plantio de gneros agrcolas importantes no comrcio europeu, ou por meio da
captura e comrcio de escravos, ou ainda pela procura por metais preciosos. Todas essas
experincias foram verdadeiros ensaios para a ocupao do territrio brasileiro,
10 Segundo Furtado (1998, p.5-6) a expanso territorial europia foi uma conseqncia da prpria expanso interna do comrcio. O autor afirma que O comrcio interno europeu, em intenso crescimento a partir do sculo XI, havia alcanado um elevado grau de desenvolvimento no sculo XV, quando as invases turcas comearam a criar dificuldades crescentes s linhas orientais de abastecimento de produtos de alta qualidade, inclusive manufaturas. Segundo o autor, a expanso tambm foi uma forma de contornar os obstculos otomanos no comrcio com o Oriente. 11 Cabe salientar a heterogeneidade social, poltica e econmica em cada Estado Nacional europeu, ou pr-Estados Nacionais, fatores que influenciaram, por exemplo, nas aes expansionistas de Portugal e Espanha, que j possuam Estados praticamente consolidados naquele perodo. A respeito, Moraes (2000, p.55) afirma que Portanto, para captar as motivaes e estmulos da expanso h que se compreender a diviso intra-europia do trabalho, e por meio dela a estruturao das sociedades e dos Estados em suas lutas (internas e externas) pela condio de centro do novo sistema mundial em formao.
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achado em 150012 e posteriormente colonizado por Portugal. A respeito da formao
de um territrio e da conquista de uma parcela do espao por uma sociedade, Moraes
(2000, p.50) diz que:
A formao de um territrio tem sempre em sua gnese um processo de expanso de uma sociedade. A formao territorial pode mesmo ser definida como o movimento de um grupo social que se expande no espao e, nesse ato, passa a controlar pores do planeta que so integradas ao seu territrio.
O processo, bem definido pelo autor, a prpria expanso de um modo de vida,
geralmente estranho aos que so encontrados nas terras ocupadas. H uma insero de
costumes, de um modo de produo e, conseqentemente, de relaes sociais de
trabalho por um Estado em um territrio que se torna seu anexo. Essa foi a relao entre
Portugal e o seu achado territorial, o Brasil.
A ocupao das terras brasileiras no se deu imediatamente aps a descoberta
pelos portugueses. O primeiro uso do territrio baseou-se na extrao do pau-brasil,
tendo no indgena a sua mo-de-obra, que foi empregada, durante o sculo XVI, de
forma compulsria. O sistema de feitorias foi adotado no Brasil, continuando a poltica
que a Coroa Portuguesa aplicou costa africana, segundo Fausto (2006). Neste
continente, a relao portuguesa de explorao se dava, essencialmente, na faixa
litornea. Algo similar era aplicado no Brasil, como afirma Moraes (2000, p.308). A
ocupao portuguesa e o uso do territrio brasileiro se deram de forma incipiente,
motivada talvez pelo desconhecimento das terras, ou pela no descoberta imediata de
metais preciosos em quantidades satisfatrias para explorao. O autor (p.290) lista bem
os motivos do aparente desinteresse portugus sobre as terras brasileiras:
Na verdade, este novo territrio no oferecia atrativos imediatos visveis para o conquistador lusitano. No havia os estoques metlicos entesourados, como na Amrica hispnica, que estimulassem uma rpida ocupao. Tambm no havia os lucrativos produtos e a animada rede de comrcio encontrados no ndico. As populaes com que se defrontaram os portugueses independente da polmica acerca de sua densidade eram demasiado rudes em face mesmo dos reinos africanos com quem eles entabulavam relaes. A vida material existente era pobre, todo atrativo das novas terras repousando na exuberante natureza e na desconhecida hinterlndia.
12 No entraremos aqui na discusso a respeito do descobrimento ou achamento das terras que viriam a ser o Brasil por Portugal ou por qualquer outro pas.
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A ocupao somente passa a ser efetiva com a ameaa de outras naes
europias no participantes do tratado de Tordesilhas, principalmente a Frana. Era
comum, no incio do sculo XVI, a prtica de pirataria nas proximidades do litoral
brasileiro por embarcaes francesas. s vezes, essa prtica era financiada pelo prprio
Estado francs, o que transformava os piratas em corsrios. A partir das ameaas
estrangeiras, o Estado portugus decide ocupar o territrio a que tinha direito13. A
respeito, Fausto (p.18) afirma que consideraes polticas levaram a Coroa Portuguesa
convico de que era necessrio colonizar a nova terra. Uma das medidas adotadas
foi a criao de capitanias, ou seja, o Estado atribua particulares a posse de extensos
pedaos de terra. Essa era uma forma de ocupar o territrio, o que diminua as chances
de sua apropriao por naes invasoras e criava, paralelamente, aparelhos de
administrao, entidades jurdicas e sociais no territrio. Assim, estava iniciando o
processo de colonizao do Brasil.
A forma de uso do territrio brasileiro que gerou l
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