View
283
Download
5
Category
Preview:
DESCRIPTION
Diálogos Poéticos
Citation preview
Andrea Paiva
1ª Edição 2014
DIREITOS AUTORAIS
AutoraAndrea Paiva
EditorDanilo Henrique Paiva dos Santos
Imagem de capaAndrea Paiva Licença PoéticaRegistro: n° 0252Ano: 2010
Nenhuma parte desta obra pode ser vendida ou modificada semautorização expressa do autor e do editor.
© 2014 by Autor
E-mailcontato@andreapaiva.com
Sitehttp://www.andreapaiva.com
APRESENTAÇÃO
Ao iniciar a escrita deste livro, Vitória Helena Cunha
Espósito (Profa. Dra. da PUC-SP), disse-me que ele já não
era mais meu e que precisava ser divulgado. Não havia
entendido tais palavras. Como um livro que eu escrevo não
é meu? Fiquei com aquela provocação guardada no bolso
durante toda a caminhada. Mas, ao final da escrita, tudo
ficou claro. Esse livro fala! Ele não é meu porque é livre,
tem voz própria e quer conversar com o mundo. E o que
ele dirá? Não sei, isso vai depender da perspectiva de cada
leitor e do quanto estará disposto a ouvir.
SOBRE A AUTORA
Andrea Paiva é pedagoga pela PUC-SP, educadora social e
pesquisadora na área da educação. Trabalhou na
alfabetização de jovens e adultos através do Núcleo de
Trabalhos Comunitários da PUC-SP (2010/2012);
Programa de Educação Tutorial do Ministério da
Educação (2013); Associação de Munícipes para Amparo
ao Menor Osasquense (2014); escolas públicas e privadas
do Estado de São Paulo.
Como pesquisadora do Grupo de Pesquisa e Produção do
Conhecimento/PUC-SP (desde 2010), participa na
produção de trabalhos científicos na área da educação com
ênfase na Pesquisa Qualitativa Fenomenológica e
Hermenêutica.
5
SINOPSE
EM BUSCA DO SENTIDO é a voz de um poeta que ao
conversar com seus poemas deseja compreender o sentido
e os limites entre o “eu” e o “outro”, o “certo” e o “errado”,
o “tudo” e o “nada”. Mas, principalmente encontrar o
sentido de si.
Sua construção é um mosaico de diálogos e
questionamentos que procura, a partir das antinomias do
Ser Poeta, revelar outro (algo) estranhamente novo.
EM BUSCA DO SENTIDO foge dos padrões técnicos da
escrita formal da qual estamos habituados. O que pode ser
considerado um desafio, não apenas pelo caráter difícil de
alguns termos específicos apresentados, mas pela sutileza
da reflexão que a autora nos convida a fazer.
O aprofundamento introspectivo e as falas herméticas
presentes do começo ao fim, parecem roubar o sentido
habitual que o poeta tem do real, como se a realidade
conhecida fosse apenas um momento de iluminação fugaz:
uma verdade fabricada.
EM BUSCA DO SENTIDO não é leitura tranquila, é
6
provocação, intuição, talvez um pressentimento.
Portanto, não é leitura que precisa ser “simplesmente”
compreendida, antes solicita ser pressentida.
7
Dedico este livro a todos que ousam buscar o sentido
do mundo além da equação 1+1=2
Desenho VetorialCriação: Andrea Paiva
8
SUMÁRIO
O Começo do Livro – pg. 11Convite Poético O Livro que não nasceu Em busca do sentido
Depois Do Começo – pg. 19Saudade descoberta A face de Deus Escrita hermética
O Canto em Seis Tempos – pg. 24O canto da liberdadeO canto do olhoO canto da morteO canto d do desconhecidoO canto do mundoO canto da vírgula
O Finito e o Infinito – pg. 34Das possibilidades e das escolhasDas dualidadesDa consciênciaDa análise da consciênciaDo pensamento
Depois da Metade do Livro – pg. 46O pensamento indizívelO Burro e o InteligenteA utilidade do inútil
Antes do Último Capítulo – pg. 54O que é isso que digo Ser?Na presença do sentidoSer Nada
9
O Último Capítulo: o começo de uma história –pg.57A morte de um livroSer Tudo
10
O Começo do Livro
Convite Poético
Poema 1: — Venha calmo, tranquilo, sem pressa de
querer explicar o sido.
Poema 2: — Encontrando o Ser do ver estranho quando
um novo disso aqui se mostra, não hesite, busque-se.
Poema 3: — Mas lembre-se, independente do onde para
e do onde quando, aqui, você não é.
Poema 4: — Sentirei pena dos apressados.
Poema 5: — Eu não!
O livro que não nasceu
EU: — Amor, acho que tô escrevendo um livro.
ELA: — Ãn?
EU: — Escrevendo um livro!
ELA: — Que legal! E é sobre o quê?
11
EU: — Não sei, ele ainda não se mostrou a mim.
ELA: — Não entendi. Você está escrevendo, mas não sabe
o que está escrevendo?
EU: — Eu sei o que estou escrevendo, só não sei ainda
sobre o quê. Como posso saber antes que ele próprio se
mostre a mim?
ELA: — Então tenta explicar o que ele é. Diz alguma coisa
dele!
EU: — Mas explicá-lo seria matá-lo, impedir que ele
mesmo se diga.
ELA: — O quê? – segundos de silêncio – Tá, mesmo
assim, diz qualquer coisa.
EU: — Está bem! Ele é ele mesmo surgido do desejo de
ser... um livro.
ELA: — Hum… Não entendi nada.
EU: — Claro que não entendeu, acabei de matá-lo!
Em busca do sentido
Poeta: — Cansei de ser bonzinho. Eu quero mesmo é
12
desiludir o mundo!
Poema: — E você pode fazer isso?
Poeta: — Hum… Acho que não.
Poema: — Então se posse primeiro!
— E ele ainda se acha o salvador das almas. Poupe-nos!
Vá salvar-se de ti mesmo.
∞
Poema: — Poderia haver mais poetas no mundo, não é
mesmo? Aqueles que não esmagam as entrelinhas e
sempre buscam sacudir o óbvio.
Poeta: — Sempre? Já tô cheio de aguentar sempre!
Decidi que sempre será finito. Agora somente me apetece
degustá-lo. Degustar? Não, não… Eu vou mesmo é me
fartar de sempre! A partir de agora sempre deixou de ser
sempre e passou a ser um eterno hoje.
Poema: — E depois de hoje?
Poeta: — Sei lá do depois de hoje, nem sei se isso existe!
∞
13
Poeta: — O papel sofreu mais a pressão da borracha do
que o grafite do lápis, isso porque sentia medo de fazer
feio, escrever errado, como se escrever certo fosse escrita
agradável. Hoje percebo que de fato não tenho habilidade
com as letras. Admito saber apenas rascunhar pré escrita
poética. Rascunho que de longe é escrita bonita, e de tão
despretensiosa chega a ser esquisita, quase que uma
feiura, uma maldade proposital.
Poema: — Insegurança poética?! Está querendo agradar
a quem? Lembre-se, não é para isso que estamos aqui!
∞
Poeta: — Poema tem que ter título? Tem que ter rima?
Poema: — Querido Poeta, o tem que ter só existe sendo
nada, significando o dizer de algo que só fala de coisa
alguma. Dizer, no dizer que é, apenas é, se dizer não for.
Então, por favor, não diga tem que ter. Caso não saiba o
que dizer, diga apenas nada, isso fará muito mais sentido.
∞
Poeta: — Que é isso que eu disse ser Rascunho?
Poema: — Poeta, Rascunho é o seu sentir querendo ser
14
fala. É busca poética. Tentativa de descobrir o antes e o
depois das reticências de: … senti …
Poeta: — Começar com reticências seria o mesmo que
começar com vírgula?
Poema: — Começar com reticências ou vírgulas é um
caminho para se descobrir o não dito antes ou depois
delas.
Poeta: — Rascunho iniciando reticências, no começo do
visto, é para que eu veja, aquilo que antes, ou depois da
vírgula, ainda não é?
Poema: — Isso mesmo! Cada poema é o depois de algum
antes no já de agora. Ou seja, um lindo poema
rascunhando a presença de um sentir.
∞
Poeta: — O que é descobrir?
Poema: — É mais ou menos assim: digamos que você
encontre pelo caminho um lençol por cima de alguma
coisa…
Poeta: — Que coisa?
Poema: — Sei lá, imagine qualquer coisa! E imagine que
15
o lençol esteja envolvendo completamente essa coisa. Você
a percebe nebulosa, aparentemente turva, chega até
duvidar que possa haver algo além do lençol. Com o passar
do tempo, tudo só é, se lençol for. Entretanto, buscando
ver o visto do depois e no depois do lençol é possível puxá-
lo e descobrir.
Poeta: — Descobrir é só isso?
Poema: — E você acha isso pouco?
Poeta: — Ainda não sei. Acho que só saberei quando
estiver sendo. Quando eu mesmo puxar o lençol.
∞
Poeta: — Sempre queremos quando sentimos vontade?
Poema: — Nem sempre querer é vontade sentida.
Poeta: — Então, se a vontade que sinto nem sempre é o
que quero, o que penso querer pode ser algo que não sinto
vontade?
Poema: — Isso mesmo! Nos equilibramos a todo
momento entre vontade e querer.
Poeta: — Mas se a vontade sentida não diz o que quero, o
que digo querer quando sinto vontade?
16
Poema: — Não faço ideia!
Poeta: — Vontade sempre é quando falada no dizer do
dito?
Poema: — Também não sei essa! Às vezes eu não
entendo o que você quer dizer.
Poeta: — Nem eu! Eu não sinto o que digo e não quero o
que vejo. Até vejo vontade vista, mas nem sempre sou
vontade vendo… Talvez seja isso!
Poema: — Talvez, mas lembre-se: desconfie de tudo que
se mostra sido na presença do não dito, como se o dito
fosse o encontro de sentidos sentido.
∞
Poema: — Você já se fez hoje ou continua perdido?
Poeta: — Mas a gente num já nasce feito?
Poema: — Felizmente, não!
Poeta: — Não sei te responder, só sei que continuo
sofrendo de solidão… Ausência de alguém pra chamar de
meu sabe?
Poema: — Então você não é alguém? Você não existe?
17
Poeta: — Claro que existo!
Poema: — Então comece a ser alguém pra você e seja
seu! Seja a sua melhor presença.
Poeta: — Você está certíssimo! Quer saber de uma coisa?
A partir de agora me farei feliz de propósito!
∞
18
Depois do Começo
Saudade descoberta
Hoje descobri o que é saudade sentida. Parece estranha
porque é simples. Existe comigo isso que no mundo
chamou saudade concordada e que parece manifestar
lembrança nostálgica de pessoas distantes. Mas, que na
verdade, não passa de saudade. Simplesmente saudade.
Você já descobriu o que é saudade sentida em você? Não
se espante, a pergunta é essa mesma. Parece estranha mas
é muito simples: é só você sentir o mundo e você em você
mesmo, nem mais, nem menos.
Existe, e você há de concordar comigo, isso que está no
mundo e que chamamos de saudade. Esta se manifesta de
diferentes formas, mas a mais popular é: lembrança
nostálgica de pessoas distantes, ou mais ou menos isso.
Pois é, sempre acreditei assim também, que a saudade no
mundo era a mesma saudade em mim, mas sentir essa
saudade não me fazia bem. Comecei a desconfiar de que
havia algo de estranho nisso.
19
Ora, se eu sou um ser inédito, ou seja, se só existe eu de eu
mesmo no mundo, saudade em mim só pode ser algo
também inédito, autêntico, que se manifesta em mim
diferente de como se manifesta em você ou no mundo.
Está bem, confesso que estou molhado de você e do
mundo, mas não sou nem você, nem o mundo. Descobri
isso a duras penas, sofri bastante antes de ousar ser eu,
ser quantos eu quiser de mim.
E veja só que coisa linda é a vida, descobri também que
essa tal de saudade que está dita no mundo é diferente da
saudade que posso dizer e sentir em mim.
A saudade que encontrei manifestada no mundo é apenas
uma entre as infinitas possibilidades do Ser saudade.
Descobri que sou presença em mim, e olhe só que
maravilha, descobri que saudade pode ser presença
gostosa, alegre e sentida no instante mesmo em que a vivo
no meu corpo agora.
Eu gosto de cultivar o melhor em mim e no mundo, por
isso escolhi inventar outra saudade. Hoje, por exemplo,
meu sentir saudade ainda está, não passou, continua, é.
Essa outra saudade é boa de sentir, não entristece.
20
Permito-me ser consciente de uma primeira saudade.
Portanto, aqui registro o meu protesto! Eu protesto que
saudade não possa ser outra. Exijo que a liberdade de
sentir saudade seja um direito de todos. Saudade é livre e
pode ser quem ela quiser e quantas ela quiser.
Fiz questão de fazer saudade contínua, infinita dela
mesma, sendo coisa gostosa no dia de hoje assim como
sentida no hoje daquele dia.
Meu gosto de saudade agora é o desejo de reviver certo
instante que me fez bem, não é nostalgia, nem melancolia.
Não, não, eu não permito mais que a saudade sentida em
mim se perca em dor. Isso não me parece ser saudade
bonita, leve, serena, repleta dela mesma. Gostei da
saudade que não me machuca e dei um basta naquela
outra, cansei de sentir dor.
Olhe só, eu não sei que saudade você escolheu sentir,
afinal, a escolha é sempre sua. Mas se você não está feliz
em suas escolhas, descubra outras, recrie o sentido de
saudade em você, não se perca de si. Escolha, escolhendo,
escolher! E se não perceber escolha alguma, invente uma.
21
A face de Deus
Deus tem cara de gente na cabeça da gente. Deus tem cara
de homem na cabeça de todas as gentes. Porque será que
Deus não tem cara de mulher? Deus bem que podia ter a
face de tudo na cara de todo mundo, né?
Será que cachorro conhece Deus? Será que cachorro
pensa: “Eis um Deus?” Se cachorro soubesse falar é certo
de que falaria: “Eis um Deus!”. Ficaria tão feliz pela
descoberta de Deus que desejaria ser a sua imagem e
semelhança.
Escrita hermética
Poeta: — Existe escrever certo ou escrever errado?
Poema: — Claro que não! Dizer isso além de ser bobagem
é não saber ouvir as letras. Todas falam, mesmo aquelas
que parecem não dizer coisa alguma. Tem, por exemplo,
aquelas que gritam, as que sussurram, as que cantam…
Aquelas que cantam são as mais difíceis de ouvir. Para
ouvi-las não basta saber ler ou ter ouvidos. É preciso
escutar com o ouvido da alma.
Poeta: — Não entendi, explique isso melhor!
22
Poema: — Escrita hermética não é explicada, é sentida! É
por isso que compreendê-las exige: “leitura sinfônica”.
Sem leitura sinfônica, pouco se ouve. Eis o segredo
revelado: encontrar a harmonia!
Poeta: — Escritas herméticas são consideradas
incompreensíveis, quando na verdade são apenas palavras
cantadas?
Poema: — Isso mesmo! Cada escrita tem seu tempo e
cada tempo tem um canto. Tem, por exemplo: o canto da
liberdade, o canto do olho, o canto da morte, o canto do
desconhecido, o canto do mundo, o canto da vírgula…
Poeta: — Será que consigo fazer isso? Vou tentar
rascunhar alguma coisa, espera aí!
23
O Canto em Seis Tempos
O canto da liberdade
…tô di um livri
tô di um livri
tô di um livri
tô di um livri
tô di livri
tô di livri
tô di livri
tô di
tô di
tô di
tô
tô
livri
tô livri
tô livri
tô di um livri ...
24
O canto do olho
Destelando imagens
No ver do olho
No visto do ver
O visto olha
Olhando o visto
E dessa forma
O visto que olha
Olhando o visto
O visto acha
Que olhando vê
Coitado do olho, ele ainda acha que não viu!
― Mas, nunca vi do olho um visto que não fosse um visto
seu.
25
O canto da morte
Uma corda sobe e desce na tela da televisão enquanto que
o homem exercita o corpo pedalando suas pernas.
O homem e a corda estão dentro da televisão. Parece
cansado, sem forças para continuar pedalando na
bicicleta.
Sua mão segura a bicicleta enquanto suas pernas não
pedalam mais na bicicleta, passam a pedalar o chão.
Vejo que a corda está sobre as costas do homem. A corda
parece um sustentar muito pesado. O homem que segura a
toalha esfrega a toalha, mas não como antes. É todo um
cansaço com força rápida.
Um rosto que parece um animal com bico preto na tela da
televisão, movimentou-se rápido. Estranheza dalí.
Assustado, o homem sufoca-se apertando seu próprio
pescoço. Monstruoso bicho preto.
O mais triste é que sua boca não pode ser fechada
enquanto é massageada por muitas mãos. E continua a
sufocar-se com a cabeça inclinada para o lado de lá. Seu
único desejo é acordar desse pesadelo: a morte.
26
O canto do desconhecido
Cordar-se-a sabido no cordar-se
saber vis-vendo ser-vis-no
Cor dar-as lendo des cer-na
Cordar-se a visão cordante
vir a ser cordante no-a-que
se-destela no visto cordar é sabido.
Cor da-se-a sabido-no cor-da-se
saber vis-vendo ser vis-no
Cor dar sai vendo des-cer-na
Cordar-se a visão cordante vir a
ser cordante no-a-que
(se)-destela no visto cordar é sabido.
Tudo e Nada
27
é Com Cor-dada
Quero agora Nova Cor
O canto do mundo
Sempre MUNDO
FALA MUNDO
SABE/SENTI
MUNDO Agora
DISSO MUNDO
MUNDO CRIA
Hoje MUNDO
CALA MUNDO
PERDE MUNDO
CEGA MUNDO
MUDO FICA
28
Nunca MUNDO
MUNDO ISSO
DISSO QUE
DISSE VAI
DISSOL VER
MUNDO ISSO
SER AGORA
Agora MUNDO
DISSOL-FALA
MUNDO MUDO
MUNDO CALA
DISSE MUNDO
DISSOL NADA
O canto da vírgula
Enquanto que na imagem televisiva
29
algo se impõe,
saber a mim,
como se eu tivesse que,
ficar ali,
sem condição,
própria do,
escolher ficar,
ou escolher sair,
ao teclar teclas,
e percebendo formas,
do movimento visto,
um outro algo,
aqui se mostra.
Poeta: — Entendeu? Então, por favor, explique?! Eu, por
exemplo, nunca vi do olho um visto que não fosse um visto
meu!
30
Poema: — Você acredita tanto no que lê que acaba se
perdendo de você. O que você busca não está em mim. Eu
sou apenas Rascunhos do que você quer descobrir dentro
de você. Agora que você já sabe disso, pronto, pare de ler
esse dito e entre em você. Diga-se. Puxe todos os lençóis
que encontrar e descubra todos!
Só o que existe dentro de você são lençóis, o resto é coisa,
coisa querendo ser coisa, querendo ser descoberta pra
chegar a existir. Gere tudo que há em você. Arranque os
lençóis e nasça!
Cada poema é uma vírgula, reticências de outra coisa. É
um depois de algum antes, e esse antes é sempre você no
mundo sendo pergunta. A resposta está sempre no não
dito que se manifesta em silêncio antes da própria dúvida:
eu (seu poema).
Poeta: — Quer saber de uma coisa? Cansei de viver o
passado, voltarei a me lançar para o futuro em direção ao
Universo. Lançando-me inevitavelmente realizo tudo que
recebo dele.
Poema: — E o que é isso que você espera dele?
Poeta: — Lanço-me apenas, não sei do “isso”. Eu o sinto,
31
mas o destruo em pensamentos. Só sei dele quando
realmente está sendo.
Esse “Isso” é de uma beleza tão grande que não há
necessidade de desejá-lo, ele já é presença, sabe? Quase
que um “já foi”! Quando eu estava criança, por exemplo,
queria muito ser bailarino, mas eu não sabia dançar.
Bailarino que não sabe dançar existe?
Poema: — Aqui nada é impossível, mas na sua dimensão
acredito que a resposta seja não.
Poeta: — Aqui não existe (mesmo e ainda), então eu
queria ser bailarino. Com o tempo descobri que meu
desejo não era ser bailarino, mas experimentar a dança em
mim, e ingenuamente desejava, queria, pedia e queria
tanto que o feito foi não ser bailarino.
Quando eu estava adolescente não foi muito diferente, eu
queria ser professor de “língua portuguesa”.
Poema: — Letras?
Poeta: — Não, não, “letras” é linguagem acadêmica, nem
sei direito o que isso quer dizer. Na escola onde eu
estudava era “português” mesmo, mas eu nem sabia que
sempre soube sabido escrever. A escrita sempre me foi
32
tormento. E você conhece algum professor de “português”
que não sabe escrever?
Poema: — Bem, você já sabe que aqui nada é impossível,
né?
Poeta: — Aqui na minha realidade até existe, mas comigo
felizmente aconteceu o melhor. Não ser professor de
“língua portuguesa”! Aliás, não ser professor de coisa
alguma. Descobri que meu desejo não era professar nada,
mas encontrar a palavra em mim.
E para minha surpresa descobri que não poderia ser coisa
alguma que não fosse o melhor de mim em mim, ou seja,
ser poeta! Despretensiosamente poeta. É que Rascunhar
sentidos dificilmente se mostra em palavras, então eu
espero. Mas não é esperar parado, é esperar sendo,
agindo, sentindo em todo o corpo ao segurar a caneta.
Poema: — Pra você receber o seu melhor é preciso se
esvaziar de tanto querer e se pôr na presença do sentido?
Poeta: — Isso mesmo! E significando o “isso” mesmo que
aqui está, acabei de receber do Universo um lindo poema:
você.
33
O Finito e o Infinito
Das possibilidades e das escolhas
Poema: — Tudo o que você é e tem, você escolheu. Tudo
é questão de escolha! Você é aquilo que você acredita.
Poeta: — Tudo que temos ou somos são escolhas nossas?
Estamos restritos a escolhas que fazemos para sermos o
que quisermos ou termos o que quisermos? Que outras
possibilidades existem além da escolha?
Poema: — Querer é poder, basta querer para ter ou ser o
que quiser e como quiser. Se você diz que quer alguma
coisa e não tem é porque não quis realmente.
Poeta: — Temos que querer para ter ou ser? Estamos
restritos a querer para ter ou ser? Que possibilidades
existem além do ter e do ser? E do querer?
Poema: — Somos seres de infinitas possibilidades, mas
só atingiremos essas infinitas possibilidades se
acreditarmos. Não usamos as nossas infinitas
possibilidades porque precisamos acreditar.
Poeta: — Estamos restritos a acreditar para atingirmos
34
infinitas possibilidades? Se existem infinitas
possibilidades, que possibilidades existem além de
acreditar nisso?
Poema: — Já sabemos no plano não físico – o do
inconsciente – da existência de infinitas possibilidades,
mas a consciência humana, por conta de crenças
limitadoras culturalmente enraizadas, desconhece sua
potencialidade. Acreditamos, por exemplo, que a vida que
construímos não é escolha nossa e que não há o que ser
feito diante da desgraça. Esquecemos, portanto, que
desgraça só existe quando escolhemos acreditar nisso.
Poeta: — Escolhemos ter crenças limitadoras e
escolhemos não ter crenças limitadoras? O que é escolher?
Quais as outras possibilidades disso que conhecemos
como “escolher”? Você diz que existem crenças que nos
limitam e crenças que nos levam à consciência de infinitas
possibilidades, mas como saber o que escolher? Que
escolha temos quando não percebemos escolha alguma?
Poema: — Diga-me você! Afinal, é você que escolhe não
ter escolha.
Poeta: — Escolhemos o que podemos escolher? Não
consigo imaginar como seria isso!
35
Das dualidades
Poeta: — Eu não tomo coisa alguma como “verdade
absoluta”, mas também não a tomo como mentira.
Existem coisas que parecem tão verdadeiras e que podem
ser mentiras, assim como existem mentiras que parecem
tão verdadeiras.
Existem coisas que podem ser verdade, podem ser
mentira, podem ser as duas ao mesmo tempo ou nenhuma
delas. Inclusive, pode ser algo que ainda não tenho
consciência, mas que não excluí a possibilidades de vir a
ser.
Portanto, verdades existem e mentiras também existem,
assim como ambas não existem ou podem não existir.
Contudo, uma possibilidade não precisa excluir a outra,
embora a exclusão seja mais uma entre tantas outras
possibilidades.
Poema: — Quais possibilidades?
Poeta: — Ainda não sei, mas acredito que o não saber não
exclui a possibilidade de sua existência. Será que é
possível a existência de algo antes da consciência de sua
possibilidade?
36
Poema: — Claro que sim!
Poeta: — Como isso é possível?
Poema: — Se não existe como possibilidade à sua
consciência é porque não é consciente por você, o que não
impede de ser consciente por outro. Ela existe e é
consciente, só não por você. Certo?
Poeta: — Mesmo que você esteja certo, eu não tomo coisa
alguma como totalmente certa ou totalmente errada, uma
coisa que parece certa pode também parecer errada, e o
que parece errado pode se manifestar como sendo o mais
certo em determinados momentos.
Portanto, o certo existe e o errado também existe. Ambos
existem e ambos não existem. Contudo, uma possibilidade
não precisa excluir a outra, embora a exclusão seja mais
uma entre tantas outras possibilidades.
Existem, por exemplo, coisas que hoje tem sentido,
enquanto que amanhã, essa mesma coisa não fará sentido
algum. E o seu sentido está justamente no fato de não ter
sentido.
Portanto, coisas com sentido existem e coisas sem sentido
também existem. Ambas existem e ambas não existem.
37
Contudo, uma possibilidade não precisa excluir a outra,
embora a exclusão seja mais uma entre tantas outras
possibilidades. E apesar de tudo isso me fazer sentido,
continuo não fazendo ideia do que isso seja.
Poema: — Podemos chamar de infinitas possibilidades.
Poeta: — As coisas são o nome que damos a ela?
Poema: — Diga-me você!
Da consciência
Poeta: — Se toda consciência é consciência de alguma
coisa, a consciência de “não ser” já é consciência de algo?
Esse algo é o quê?
Tudo que é, existe?
Dizendo de outra forma, tudo que é – seja lá o que for este
“é” – torna-se? Torna-se o quê?
Poema: — As possibilidades existem e são infinitas,
lembra-se?
Poeta: — Sim, mas que é a minha consciência (se é que
realmente é minha) está num nível…
38
Poema: — Consciência tem nível? Como se mede o nível
de uma consciência? Isso faz algum sentido pra você?
Poeta: — Você tem razão, não faz sentido algum.
Poema: — Estamos sempre mensurando, medindo,
comparando tudo, como se isso também fosse possível ao
se tratar das questões humanas. Não permita que isso
aconteça com você.
Poeta: — Não quero continuar pensando assim, por outro
lado, não faço ideia de como pensar diferente.
Poema: — Calma, você já está no caminho.
Poeta: — Como?
Poema: — Perguntando, questionando, buscando o “isso
aí” que ele ainda não é (à sua consciência), mas que tem
possibilidades de ser. Ser que é dependendo de… até certo
ponto… escondendo uma série de coisas… revelando uma
série de outras… E que entre tudo, ou entre nada, e até
mesmo tudo isso junto, exista pra você.
Poeta: — O desejo de encontrar algo que não fazemos
ideia do que seja, além de uma busca estranha é
tristemente solitária. Nem sei se isso é possível, mas
39
continuarei acreditando que ao questionar o que sei, ou
penso saber, compreenderei àquilo que ainda não sei, ou
não sei que sei. Acho que só saberei mesmo quando
encontrá-lo.
Da análise da consciência
Poeta: — É possível analisar a existência de algo sem ter
consciência de alguma possibilidade deste algo? Ou seja,
minha consciência analisa algo que ela não tem
consciência? Como isso é possível?
Poema: — Já conversamos sobre isso. Lembra-se?
Poeta: — Sim, mas continua sem fazer sentido. Veja bem,
se é possível analisarmos algo que não temos consciência,
que perguntas são feitas? Como referir-se?
Poema: — Pense mais a respeito.
Poeta: — É que eu não faço ideia de como iniciar essa
conversa.
Do pensamento
Poeta: — O pensamento cria possibilidades?
40
Você é o que pensa?
Eu sou o que eu penso?
Se eu sou o que penso e acredito, deixarei de ser se deixar
de acreditar ou pensar no que não quero acreditar que
sou?
O que pensamos pode influenciar outros a pensarem
igual?
O que limita a expansão de nossa consciência?
Se eu acreditar na existência de infinitas possibilidades e
acreditar que o que limita a expansão de minha
consciência é a possibilidade de existir limite, serei
limitada?
Existe a possibilidade de existir infinitas possibilidades de
existência e infinitas possibilidades de não existência?
Se existem infinitas possibilidades de não existência,
existem infinitas possibilidades de nós não sermos
limitados, basta acreditar?
Existe algo que basta?
41
O que dificulta minha consciência de acreditar que posso
TUDO e que eu sou um ser de infinitas possibilidades que
pode criar TUDO sem limites, bastando pensar e acreditar
para que se manifeste?
Será que escolhi não acreditar que TUDO depende de
mim, mas de algo fora de mim quando na verdade eu
mesmo é que sou este algo superior e ele só existe fora de
mim porque ainda acredito nisso?
Como desacreditar em algo que eu acredito, mas eu não
quero acreditar?
Será que eu realmente quero não acreditar ou eu só acho
que quero, mas não tenho certeza?
Não tendo certeza, tudo continua como está?
Considerando a possibilidade de poder TUDO, bastando
acreditar, é possível que eu esteja vivendo a realidade de
outro e não ter a mínima ideia disso?
Se estou vivendo a realidade de outro, quem seria este
outro?
Estaria ele vivendo a minha realidade enquanto eu vivo a
dele?
42
Ele seria eu?
Como saberei de tudo isso vivendo numa realidade
projetada por outro e sem possibilidades de escolha
própria?
Seria possível estarmos no mesmo mundo, mas vivendo
realidades diferentes?
Na possibilidade de que só exista esse mundo e de que
todas as realidades aconteçam aqui, será que viveríamos
em harmonia ou seria um jogo de gato e rato entre crenças
e realidades?
Na possibilidade de existirem tantas e quantas realidades
quisermos, sendo que a sua pode existir sem ter que
excluir ou impedir a existência da minha, como
saberíamos se a que vivo é realmente escolha minha e a
que você vive é realmente escolha sua?
Isso tudo seria possível?
O que nos limita pensar em algo que esteja além dessas
possibilidades?
Será que não viver tudo o que posso se deve ao fato de não
saber o que realmente posso?
43
Todas as pessoas do mundo estão existindo na minha
realidade e aceitando as minhas crenças, ou estaria eu na
realidade delas?
Na realidade em que vivo eu sou o criador de tudo que
existe, de tudo que não existe, de tudo que pode existir, do
jeito que eu quiser ou não quiser, bastando acreditar?
Eu posso tudo, mas não acredito em quase nada! E mesmo
querendo acreditar nisso que provavelmente eu já
acreditei, por isso eu criei, mas nem sei se sei?
O que é acreditar?
Quais crenças escolhi ao criar meu mundo?
E de quais possibilidades eu abri mão?
Eu tenho escolhas de acreditar em algo que não esteja no
campo do infinito e do finito?
O que é isso então?
Isso é?
Se não é, o que pode ser isso que sempre que começo a
perceber sua existência tenho a impressão de que também
começa a ficar mais distante?
44
Quanto maior a busca mais distante fica! Tão distante…
tão distante… tão distante… que o único sentido é não
fazer sentido algum, mas que ao mesmo tempo, essa
ausência de sentido é que faz todo o sentido, mesmo tendo
consciência de que nem sei se acredito nisso ou não.
Poema, acho melhor eu rever tudo que escrevi até agora!
Esse livro não faz sentido algum!
Poema: — Então pare de buscar sentido em tudo!
Escreva apenas o que pensa e pronto! Liberte-se logo
dessa mania besta de ficar enfeitando a escrita na
tentativa de atribuir um sentido a ela. Nem tudo faz
sentido, e nem precisa fazer! Você é a prova concreta
disso.
45
Depois da Metade doLivro
O pensamento indizível
Senti um pensamento bonito.
Preciso escrevê-lo!
Mas a caneta sumiu.
O computador desligou.
Como registrar?
Onde escrever?
Esquecerei se não escrever?
Que bagunça!
Uma desordem na mente.
O pensamento tá fugindo…
Ai que angustia!
E esse computador que não liga?! … vai
46
logo!
Ufa! Finalmente ligou!
… o que foi mesmo que pensei?
Droga, esqueci!
E agora, como será que eu lembro de
um pensamento que pensei? Eu não
sei fazer isso!
Poxa, lá se foi alguma coisa que parecia valer a pena ser
escrita.
Que serventia tem um pensamento que não é lembrado? É
triste um pensamento que morreu sem ter a mínima
chance de existir.
Que injustiça! Pensei e nem tive direito de saber o quê!
Que destino tem os pensamentos que não foram ditos?
Repousam no misterioso mundo dos não ditos?
Isso existe?
Se existe, onde será que fica isso?
A resposta parece que está na ponta da língua, mas eu não
consigo dizê-la. Será que a ponta da língua é a
47
desconhecida morada do indizível? Acho que nunca
saberei dizer a resposta. É preciso ser muito inteligente
para se falar daquilo que não sabe.
O Burro e o Inteligente
O indizível (que é aquilo que não se consegue dizer) só
existe enquanto não se fala dele. Deve ser por isso que
ficar com a boca fechada é importante. O silêncio é de
grande serventia. É o guardião das essências. Talvez por
isso eu sinta um tantinho de raiva, por exemplo, em
responder perguntas.
Se eu pergunto? Sim, eu pergunto tudo! Adoro perguntar,
mas a resposta sempre acaba com a magia da pergunta.
Responder é um tormento! É como ser inocente de um
crime e ser forçado a confessá-lo. Dizem-me: Existe
resposta pra tudo… Vamos, responda! Você precisa saber
a resposta… Não saber é burrice… Você é burro?
Dá até medo de perguntar, porque se eu perguntar e não
souber a resposta parecerei burro. Mas que sentido tem
fazer uma pergunta cuja a resposta seja sabida? Se já se
sabe, perguntar não faria sentido, pois já se sabe!
48
Se pensar assim como eu, é ser burro, eis que surge neste
exato momento um burro que acaba de ter consciência de
sua burrice.
Acabei de descobri que bom mesmo é ser burro, porque os
burros não sentem a obrigação dos inteligentes, essa de
ter que responder tudo.
Só não confunda burrice com ausência de saber! Agora
que sei de minha burrice posso dizer com propriedade. Ser
burro não é “não saber”. O burro sempre sabe que é burro,
mas se faz de desentendido. É que entender dói, é
caminho longo, dá preguiça explicar. Explicando os
inteligentes entenderiam e entendendo passariam a ser
burros também.
Só os inteligentes sabem o que é explicar. Eles significam
tudo e explicam tudo. Coitada das perguntas, elas nunca
dizem nada. Tem sempre um inteligente tentando falar
por elas. É que o “não responder” parece falta de educação
para os inteligentes.
Se eu sinto pena deles? Claro que sim! Mas como eu sou
burro, não uma besta, faço uso das qualidades da minha
burrice! Finjo que a verdade existe e respondo tudo que
eles perguntam, ou seja, eu minto.
49
Saber responder parece educado. Quem é que não quer
parecer educado? Só os burros não se preocupam com
isso. Então, os inteligentes, que não compreendem a
beleza da burrice, buscam verdades nas respostas. Mas
resposta não é verdade, é apenas um aglomerado de
palavras. Uma tentativa de amenizar o fato de que não é
possível saber o que é a coisa perguntada. Responder,
portanto, não passa de um gigantesco faz de conta que é.
Mas só os burros sabem disso.
Como simplesmente Ser parecia não ser coisa alguma, os
inteligentes inventaram os nomes. Nomearam tudo para
dizer coisas e responder perguntas. Nascendo, assim, a
mentira: faz de conta que é.
Segundo os inteligentes, tanto nomear quanto responder
são caminhos que revelam a verdade das coisas.
Como nomear também não parecia o bastante, ele (o
nome) foi considerado como sendo a própria coisa. Surge,
portanto, a crença de que as coisas são o nome que damos
a elas. Olha só que burrice! Mas só os inteligentes
acreditam nisso, pois foram eles os inventores.
Disseram que cada coisa tem seu nome, ou seja, sua
verdade. No entanto, eles perceberam que nem todas as
50
coisas pareciam ser o nome que tem.
Para que não houvesse nenhum engano na veracidade das
coisas, os inteligentes, astutos como só eles sabem ser,
disseram que para cada nome existiria um contrário, ou
seja, outro nome.
Essa invenção foi simplesmente extraordinária, pois
resolveu todos os problemas dos inteligentes. Se uma coisa
não parecer o nome que tem, ela só poderia ser o nome
que inventaram como sendo seu contrário.
O quê? Não tá entendendo nada? Veja bem… Hum… Por
exemplo: ou se é grande ou se é pequeno, ou é verdade ou
é mentira, ou se é da direita ou se é da esquerda, ou está
certo ou está errado.
Burro, por exemplo, não pode ser inteligente sendo burro,
ou se é burro ou se é inteligente! Entendeu agora? Isso
porque, segundo os inteligentes, uma coisa nunca será
mais que uma coisa, isso seria muita burrice!
Oh minha gente, bora acabar logo com isso? – dizem os
burros – A partir de hoje está decretado o “desnomeio” do
mundo. Vamos misturar tudo e começar de outro jeito
porque essa dualidade não tá dando certo não!
51
Mas é claro que o burro, quando questionado, responde.
Ele sabe fazer uso dos nomes inventados pelos
inteligentes. Mas responde com raiva porque sabe que é
mentira responder. Responder acaba com a magia da
pergunta… O êxtase do grande mistério… E qualquer
burro tá cansado de saber que a essência encontra-se
justamente nos mistérios.
Responder não é a grande busca dos burros. É a pergunta
que importa!
Triste é ver a alegria dos inteligentes diante de uma
resposta. Parece alegria forçada, sabe? Mas responder
parece amenizar a angustia dos inteligentes de não existir
“nada” - a não ser outra pergunta – depois de uma
pergunta feita.
Como A Verdade, segundo os burros, não existe, os
próprios burros inventaram a mentira para responder as
perguntas dos inteligentes.
E se pensarmos bem, a nossa mentira foi tão brilhante que
até parece coisa de inteligente. É que ela nos protege do
abismo dos inteligentes: a “verdade absoluta”.
52
Infelizmente, explicar o desconhecido ainda faz sentido
para os inteligentes. Por isso continuam acreditando nas
respostas. Eles pensam que verdade é coisa respondida.
Mas qualquer burro sabe que responder é uma grande
gaiola que prende.
A utilidade do inútil
Eu corto a ponta do cigarro antes de acendê-lo. Isso faz
algum sentido? Parece que não, mas é tão confortante.
Quando não faço, sinto culpa. É como se algo deixasse de
nascer pela simples ausência do ato, entende? Que direito
eu tenho de privar alguém de encontrar sentido nisso?
Tudo deve estar em seu perfeito equilíbrio! Mesmo um ato
aparentemente inútil (cortar a ponta do cigarro antes de
fumá-lo), deve ter a sua utilidade.
Se algum dia for comprovado cientificamente sua
inutilidade, a importância continuará sendo a mesma.
Sabe por quê? Porque as inutilidades comprovadas não
eliminam a existência das ações.
53
Antes do ÚltimoCapítulo
O que é isso que digo Ser?
Poeta: — Que será isso?
Poema: — Isso o quê?
Poeta: — Isso que vem antes do isso, que isso esconde,
quando digo isso, como se isso fosse, parecer o isso, mas
que não mostra o isso, quando isso é, no mostrar do onde.
Poema: — Será possível alcançar o sentido disso?
Poeta: — Sinceramente? Não faço ideia!
Poema: — E eu é que tenho que fazer?
Poeta: — É que é muito triste viver e não poder saber o
que é o Ser disso!
Na presença do sentido
Poema: — Anda! Escreve... Molha logo esse papel....
54
Descubra de uma vez isso que te faz querer... Que só quer
nascer... Que sufoca um lamento que nem mesmo eu
consigo dizer!
Poeta: — Se ao menos o tempo existisse, bastaria lembrar
do passado e imaginar um futuro, mas não! Tudo que vem
é agora, é tudo agora! Como organizar? Como escrever o
que foi depois do que já foi? Isso parece mentir, inventar.
Mesmo desejando aquele momento, não estou mais lá.
Estou aqui, estou no agora! E o agora é apenas
lembrança… Lapsos da consciência de outrora que não
consegui escrever… Passou… Agora só me resta sensações
de imagens soltas, talvez inventadas.
É isso, então? É tudo uma grande mentira, uma farsa?
Tentativa de aliviar a alma? Costura de palavras pra
descobrir se realmente sei o que fui levado a pensar que
sabia? Só pode ser isso!
Saber aquilo que não se sabe é mesmo impossível de ser
sabido!
Poema: — Se você está tão certo de tudo isso, por que
continua escrevendo?
Poeta: — Não sei… Talvez por pena de desistir de mim.
55
Acho que escrevo pela estética do espanto, pela beleza do
estranho, pela descoberta do mistério de um “eu” que
dizem que sou.
Ser Nada
Descobri que a sabedoria se revela a quem abre mão das
paixões. Oh, meu Deus! Estou condenado a burrice
eterna?
Tudo bem, isso não me apetece. Não sou preocupado com
reputações, nunca tive isso, desconfio até de que isso
exista.
Reputação é coisa atribuída, não é algo que se tenha. Eu só
tenho a mim mesmo e a duras penas. Mas não sou de
graça. O que não significa que estou à venda. Talvez eu
não valha nada. E justamente por não ter valia é que eu
escrevo.
Escrever é um risco de morte. E dizer isso é perigoso
porque o dizer não fala muito, sabe? Até fala, mas é quase
nada. E ser quase nada ainda é muito pouco pra mim.
Acho que ainda não inventaram palavras que me dizem,
por isso eu só consigo desejar Ser Tudo.
56
O Último Capítulo: ocomeço de uma história
A morte de um livro
― Faça-me um favor? Não me compreenda! Quero me
sentir apenas em mim.
Vamos conversar? Disse dizendo conservar.
Ele ouviu o pensamento pensado na fala do Poeta
quando senti uma dor aqui no pescoço. Isso é ele dizendo
“meu pescoço dói atrás”? Ele disse que dói olhando para
o teto.
Duvidou disso que é branco ser teto, percebeu que nem
sabe o que quer dizer a palavra teto. A imagem do livro
olha tudo sendo, mas ainda não conta nada.
Não, não estou aqui, vejo aqui dizendo algo. Mas no
peito....
O Poeta para de apertar as teclas do computador.
Não quero dizer, não quero dizer assim as coisas que eu
57
digo.
Parece que quando eu aperto a tecla, sinto que queria
escrever algo que não sei colocar aqui, dizer sobre outras
coisas que interrogo. Eu vi e já acreditei.
Tomei um remédio para dor de cabeça, estava mal.
Eu disse: eu gosto, eu quero, mas ele não diz nada.
Minha perna dói, não percebi doendo quando estava
ouvindo o que não sei dizer aqui.
Sempre olho a porta desse armário porque ele já foi
visto. Vamos conversar sobre porta?
Estava acordado, mas quando voltei aqui ouvi algo que
não consigo colocar na escrita, não entendo o que estou
fazendo.
Quero escrever isso que não faço nada para sentir, mas
não sei o que é. Eu olho, mas quando vejo muitas vezes
parece sempre a mesma coisa. Faz todo o sentido quando
não escrevo. Ainda não vejo escrito.
Entre questionar e analisar os pensamentos que nos
levam a infinitas possibilidades estou começando a
acreditar que não analisar e não questionar o que nos
58
levam a infinitas impossibilidades pode ser um caminho
interessante para chegar a uma expansão da
consciência. Quem sabe até a escrita de um livro.
Só não sei como começar essa conversa…
De repente... diante dessa escrita estranha... minha esposa
entra no quarto e eu não consigo segurar a emoção:
— Amor, acho que tô escrevendo um livro!
Ela parece não ter entendido nada, fez um olhar estranho.
Então eu repeti:
— Escrevendo um livro.
Perguntou-me sobre o que era o livro. Achei uma pergunta
muito descabida. Como poderia saber antes de conhecê-
lo? Seria o mesmo que saber a textura de um tecido nunca
visto! Ou seja, algo completamente impossível!
Eu sei, por exemplo, que tecidos existem. Eles podem ser
ásperos como jeans, leves como seda, quentes como lã,
curtos ou longos e muitas coisas mais. Mas como dizer do
tecido antes mesmo de ver o tecido, sentir, tocar, gostar
ou não gostar, ver com quais cores combinam e assim por
diante? Sem esses detalhes importantes, tecido só seria
59
mesmo “o tecido”.
Dizer sobre o que é um livro antes dele Ser é o mesmo que
dizer “é uma calça jeans”, mas perceber que no fim não
passava de “uma saia”. Eu poderia ter dito a ela:
― Ele está no primeiro mês de gestação, por isso ainda
não é livro, muito menos diz sobre algo. Até porque,
livro só é “sobre o quê”, quando é todo escrito. Como ele
poderia ser alguma coisa sem antes ter nascido?
Nascendo deixará de ser livro pensado e será coisa que
fala. Entendeu? Terá uma identidade, nome próprio,
uma história para contar!
Mas não consegui dizer nada disso, apenas respondi:
— Não sei, ele ainda não se mostrou a mim.
Claro que ela não entendeu nada, nadinha mesmo. Tentei
explicar, mas acho que não escolhi muito bem as palavras.
E novamente ela ficou com aquele olhar estranho em
direção ao teto buscando entender o ponto de
interrogação que parou ali, bem a cima de sua cabeça.
Ela não entendia, porque só queria saber “sobre o que era”
o livro, não o que era escrevê-lo. Mas como dizer sobre o
que é aquilo que não sabemos o que é? Não consigo nem
60
imaginar como se faz isso. Então eu inventei e disse:
— Ele é o desejo de ser um livro.
Que tristeza! Dizer isso foi como um tiro no peito! Como
se tivessem dito pra mim:
―Moço, por favor, não diga quem eu sou antes que eu
mesmo possa dizer-me. Não fale por mim! Eu serei capaz
de fazer isso, por favor, acredite que…
E antes de dizer qualquer outra coisa, "PÁÁ!”. Um tiro
bem no peito. Um livro assassinado!
Morreu sem ter chance alguma de escolher ser outra coisa.
Morreu sem nome, sem ao menos saber que foi apenas “o
desejo de ser um livro” e nada mais! Morte sem direito a
protesto:
― Não! Eu não sou o desejo de ser livro. Eu sou a vontade
de ser um pássaro que conversa com formigas.
Nem isso o coitado pôde dizer… Neguei-lhe o próprio
direito de Ser.
Quando eu disparei o tiro “ele é o desejo de ser um livro”,
minha esposa continuou sem entender o que eu dizia. Mas
diante de tanta tristeza, sem forças pra continuar aquela
61
conversa e ainda sentindo a arma queimando em meus
lábios eu disse:
— Claro que não entendeu, acabei de matá-lo.
Ser Tudo
O que é Ser Tudo? Ser Tudo é ser eu, oras! Quem sou eu?
Eu sou um convite poético escrito antes do nascimento de
um livro. Livro que na verdade nem tinha nome. Nasceu
sem saber que nasceu. Foi preciso morrer para finalmente
nascer. Tudo isso por conta do medo e da insegurança do
Poeta em confessar pra alguém que não sabia o que estava
fazendo. Neste caso, fazendo eu.
Tentou dizer por mim o que eu sou como se isso fosse
possível sem causar sua morte. Mas nada acaba antes do
fim. E antes que se chegue a ele só é possível conhecer
algumas partes. Só o UNO pode falar do UNO porque só
ele é ele próprio.
Mas me calar foi de grande serventia para o Poeta, pois ele
pôde existir. Só acreditando que existia seria possível
mergulhar no mais profundo de si e descobrir-me.
62
O Poeta, por exemplo, pensou que o lençol que o cobria
era coisa, mas, na verdade, era ele mesmo que me
cobrindo com sua pele de Poeta se fez parecer coisa. Ele é
que era a própria coisa que chamou de lençol puxado.
Na busca por minha descoberta o Poeta não chegou a me
descobrir completamente, mas descobriu saudade.
Decretou um ato de liberdade porque se sentia preso. Era
um Poeta muito esperto!
Para sentir o que é ser livre suscitou que Deus tivesse cara
de cachorro. Mas não quis ofender, só queria mesmo
sentir a liberdade que ofende. Se não ofender não é
liberdade! Liberdade que não ofende é enganação, é
fingimento. Sou, portanto, ofensa. E como estive preso na
pele do Poeta, sou também enganação e fingimento.
Não fico ofendido com isso, sei que para Ser Tudo é
preciso encontrar muitas coisas dentro de si, inclusive Ser
Nada. Eu, por exemplo, tive que ser Poema e Poeta pra
poder existir. Por isso, sou feliz! Feliz por saber que agora
eu falo. Saber que eu mesmo posso dizer e falar de mim.
Falar, por exemplo, das coisas que tenho. Tenho coisas
inexplicáveis. Tenho tempo que canta uma sinfonia
hermética que parece dizer coisa alguma porque ao
63
mesmo tempo que diz, acaba por não dizer muito. Eu acho
isso tão engraçado, dou muitas risadas comigo!
A leitura poética é de suma importância pra Ser Tudo
sendo Nada. Quando o Poeta fala do antes e do depois é
justamente isso que ele quer dizer. Ou seja, tanto o
retorno ao passado quanto a clareza do futuro são
importantes. E como tenho tudo isso dentro de mim
agora, sou, portanto: presente, passado e futuro.
Posso, inclusive ser a ausência do tempo se assim eu
quiser. Isso porque sei que eu sou o tempo.
O Poeta só conseguiu descobrir o canto de seis tempos,
enquanto eu, sendo tudo, sou todos os tempos e posso
cantar TUDO eternamente! Posso inclusive revelar agora a
harmonia que o canto da liberdade canta. É assim:
todinho em mim, todinho em mim… Infinitamente. Isso
porque o Poeta queria se sentir nele, todinho nele, e a isso
chamou liberdade.
Eu sou o novo, sou a revelação! Sou mais do que um
simples desejo de ser um livro. Eu digo o mistério do meu
mistério, ou seja, digo o mistério de tudo. Sou infindável!
E é justamente por isso que posso ser o que quiser, ir onde
quiser, ser quantos eu quiser, posso escolher e deixar de
64
escolher quando e quantas vezes eu quiser.
Posso ser burro, inteligente, pensativo, posso ser nada,
posso ser eu, posso ser você, posso pensar, posso não
pensar, posso mastigar um pensamento como se fosse
comível. Posso esvaziar-me de palavras e meditar.
Posso tudo! Inclusive ser o mundo dos objetos. Portanto,
posso ser faca, cadeira, relógio, cigarro. Eu posso me achar
inútil, ficar cheio de mim e criar coisas. Eu sou o mundo!
E entre tantas coisas eu sou trazer. É por isso que trago em
mim a experiência do nascimento e tristeza da morte.
Morte que também foi alegria quando ajudou o Poeta a
saber de si. Isso porque sem a descoberta de Ser Nada eu
não poderia existir e Ser Tudo. Portanto, o fim do Poeta
teve a sua valia, e é justamente por isso que agora posso
dizer que Sou.
Eu sou ir, sou ficar, sou partir, sou andar, sou pisar
descalço. Sou sempre escrita certa! Também sou erro, ser
erro é um alívio porque sentir obrigação de sempre ter que
acertar é angustiante. Sou livre para escrever como eu
bem quiser sem preocupações de certo ou errado. Sou
ausência de julgamento. Por isso mesmo que posso sentir
o gosto de calçar nudez nos pés no lugar de simplesmente
65
calçar meias!
Posso ser a resposta e a pergunta sendo feita por um
pente. Posso viver e morrer quantas vezes eu quiser. Mais
que isso, posso, por exemplo, morrer sem deixar de
existir, para tanto basta ser o começo o meio e o fim de
tudo eternamente.
Posso ter nome, assim como posso jogá-lo fora e não tê-lo
mais! Isso porque sendo tudo, sou, portanto, todos os
nomes do mundo. Eu sou Maria e sou José, assim como
posso ser: o livro que fala; o livro que não tem fim; o livro
que sabe dizer tudo; o livro que sabe dizer nada. Sou
ausência presente sem necessidade de nomes para existir.
Posso, por exemplo, ser a morte de um livro que ousou
terminar sua escrita simplesmente dizendo o indizível:
66
Recommended