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Bolsa de Integração na Investigação (BII)
CEFT/BII/2008/02
Estudo do Escoamento Sanguíneo em
Microcanais com Bifurcações
Diana Catarina Martins Cidre
Engenharia Biomédica
Bragança
Escoamento Sanguíneo em Microcanais com Bifurcações
Diana Cidre Página 2
Agradecimentos
À Fundação para a Ciência e Tecnologia pela bolsa concedida no âmbito da Bolsa de
Integração na Investigação CEFT/BII/2008/02.
Ao Dr. Ricardo Dias pelo incentivo, acompanhamento, simpatia e atenção ao longo do
projecto.
Ao Dr. Rui Lima pela sua orientação, atenção, dedicação e entusiasmo no decorrer do
projecto.
À Engenheira Carla Fernandes pela simpatia, apoio e disponibilidade que sempre
demonstrou.
Escoamento Sanguíneo em Microcanais com Bifurcações
Diana Cidre Página 3
Resumo
A dinâmica do escoamento sanguíneo na microcirculação depende fortemente das
redes microvasculares compostas por segmentos de vasos curtos irregulares que estão ligados
por inúmeras bifurcações. Este trabalho apresenta a aplicação de um sistema micro-PTV
confocal para estudar o comportamento dos eritrócitos durante o escoamento num
microcanal rectangular, fabricado em polidimetisiloxano (PDMS), com uma bifurcação.
O efeito da bifurcação no escoamento de eritrócitos marcados em suspensões
concentradas com eritrócitos foi medido através de um sistema micro-PTV confocal.
Numericamente, estudou-se o escoamento do sangue recorrendo ao software comercial de
elementos finitos POLYFLOW®, utilizando diferentes modelos reológicos, tendo-se comparado
os perfis de velocidade numéricos com os experimentais.
Palavras-chave: Hemodinâmica, dinâmica dos fluidos computacional, sistema micro-PTV
confocal, microcanal com bifurcação.
Escoamento Sanguíneo em Microcanais com Bifurcações
Diana Cidre Página 4
Abstract
The blood flow dynamics in microcirculation depends strongly on the microvascular
networks composed by short irregular vessel segments which are linked by numerous
bifurcations. This study presents the application of a confocal micro-PTV system to track RBCs
through a rectangular polydimethysiloxane (PDMS) microchannel with a bifurcation.
By using a confocal micro-PTV system, we have measured the effect of bifurcation on
the flow behaviour of marked RBCs in concentrated suspensions. After performing simulations
with the commercial finite element software package POLYFLOW®, the experimental and
numerical velocity profiles were compared.
Keywords: Hemodynamic, computational fluid dynamics, confocal micro-PTV system,
microchannel with bifurcation.
Escoamento Sanguíneo em Microcanais com Bifurcações
Diana Cidre Página 5
Índice Agradecimentos ............................................................................................................................ 2
Resumo .......................................................................................................................................... 3
Abstract ......................................................................................................................................... 4
Lista de abreviações ...................................................................................................................... 7
Nomenclatura............................................................................................................................ 7
Símbolos Gregos ........................................................................................................................ 8
1. Introdução ............................................................................................................................. 9
2. Aspectos Fisiológicos e Anatómicos .................................................................................... 10
2.1. Sistema Circulatório .................................................................................................... 10
2.1.1. Vasos Sanguíneos ................................................................................................ 11
2.1.2. Coração ................................................................................................................ 12
2.2. Sangue ......................................................................................................................... 13
2.2.1. Constituição do Sangue ....................................................................................... 13
2.2.2. Elementos do Sangue .......................................................................................... 15
2.2.3. Funções do Sangue .............................................................................................. 17
2.2.4. Sistema Linfático ................................................................................................. 18
2.3. Microcirculação ........................................................................................................... 19
3. Hemodinâmica .................................................................................................................... 21
3.1. Viscosidade .................................................................................................................. 21
3.1.1. Viscosidade do Sangue ........................................................................................ 22
3.2. Lei de Poiseuille ........................................................................................................... 24
3.3. Equação de Bernoulli ................................................................................................... 25
3.4. Regime Laminar e Turbulento ..................................................................................... 26
3.4.1. Características Não-Newtonianas do Sangue ..................................................... 27
3.5. Complacência dos Vasos Sanguíneos .......................................................................... 27
4. Materiais e Métodos ........................................................................................................... 28
4.1. Estudo Experimental ................................................................................................... 28
4.1.1. Microcanais e Fluidos Utilizados ......................................................................... 28
4.1.2. Procedimentos Experimentais com o Micro-PTV Confocal................................. 29
4.2. Estudo Numérico ......................................................................................................... 30
4.2.1. Formulação Matemática ..................................................................................... 32
4.2.2. Geometria e Geração de Malha .......................................................................... 33
4.2.3. Condições de Fronteira ....................................................................................... 34
Escoamento Sanguíneo em Microcanais com Bifurcações
Diana Cidre Página 6
4.2.4. Resolução Numérica ............................................................................................ 34
4.2.5. Validação ............................................................................................................. 35
5. Apresentação e Discussão de Resultados ........................................................................... 37
5.1. Resultados Experimentais ........................................................................................... 37
5.2. Resultados Numéricos ................................................................................................. 40
5.3. Comparação dos Resultados Experimentais e Numéricos .......................................... 41
5.4. Trajectórias e Quedas de Pressão ............................................................................... 45
6. Conclusão ............................................................................................................................ 49
Referências .................................................................................................................................. 51
Escoamento Sanguíneo em Microcanais com Bifurcações
Diana Cidre Página 7
Lista de abreviações
Nomenclatura
A Área de secção transversal (m2)
b Profundidade do microcanal (m)
De Diâmetro equivalente (m)
Dx40 Dextran 40
EDTA Ácido etilenodiaminotetracético
F Escoamento de um líquido por um tubo segundo Poiseuille (N)
f Factor de Fanning
g Vector aceleração da gravidade (m.s-2)
h Altura (m)
Hct Hematócrito
I Tensor identidade (Pa)
K Constante da relação fRe
K0 Factor de forma do canal
L Comprimento do canal (m)
Lu Representa um comprimento adimensionalisado
Lav Distância efectivamente percorrida pelos vários elementos de fluido (m)
m Índice de consistência (Pa.sn)
Mv Caudal volumétrico (m3.s-1)
n Expoente nos modelos de Lei de potência e Carreau
P Pressão (Pa)
Pd Componente dinâmico da pressão total (Pa)
PDMS Polidimetisiloxano
Q Fluxo (m3.s-1)
r Raio do canal (m)
Escoamento Sanguíneo em Microcanais com Bifurcações
Diana Cidre Página 8
Re Número de Reynols
SF Soro Fisiológico
T Tensor das tensões (Pa)
T Temperatura (K)
T Tensão de corte (Pa)
u Vector velocidade (m.s-1)
u Velocidade média (m.s-1)
ui Velocidade intersticial (m.s-1)
w Largura do canal (m)
w0 Largura do “vaso-pai” (m)
w1 Largura do “vaso-filho 1” (m)
w2 Largura do “vaso-filho 2” (m)
x,y,z Coordenadas espaciais (m)
Símbolos Gregos
� Tensor da taxa de deformação (s-1)
∂ Derivada
∇ Gradiente
η Viscosidade (Pa.s)
η0 Viscosidade para baixas taxas de deformação (Pa.s)
η∞ Viscosidade para altas taxas de deformação (Pa.s)
ϴ Ângulo entre os “vasos-filhos” (°)
λ Tempo de relaxação (s)
ρ Densidade do fluido (kg.m-3)
σ Tensão parietal (Pa)
τ Tensor das tensões viscosas (Pa)
τ Tortuosidade
Escoamento Sanguíneo em Microcanais com Bifurcações
Diana Cidre Página 9
1. Introdução
O sangue consiste numa suspensão concentrada de glóbulos vermelhos num líquido
Newtoniano, o plasma. No domínio da microcirculação, os efeitos dinâmicos ligados à
presença dessas partículas não podem ser negligenciados. Em particular nas bifurcações que
contribuem para uma distribuição de glóbulos vermelhos extremamente heterogénea na
passagem de um vaso a outro.
O objectivo deste estudo é analisar a influência da bifurcação no perfil de velocidades
e nas trajectórias de glóbulos vermelhos em sangue “in vitro”.
Nos capítulos 2 a 3 abordam-se conceitos fundamentais relativos, entre outros, ao
sistema circulatório, propriedades do sangue e hemodinâmica.
No capítulo 4, descreve-se os métodos experimentais e numéricos utilizados. Os
resultados experimentais relativos às trajectórias dos eritrócitos marcados são apresentados
no capítulo 5, tal como os resultados numéricos, comparando-se os perfis de velocidade
numéricos com os experimentais. O trabalho termina com um capítulo onde se apresentam as
principais conclusões retirados com o estudo realizado.
Escoamento Sanguíneo em Microcanais com Bifurcações
Diana Cidre Página 10
2. Aspectos Fisiológicos e Anatómicos
2.1. Sistema Circulatório
O sistema circulatório é constituído por uma rede de vasos de vários calibres: artérias e
veias por onde escoa o sangue que permeia todo o organismo. Esse fluido é responsável por
levar nutrientes e oxigénio a cada uma das células e a retirar as substâncias por elas
excretadas. As substâncias excretadas resultam de transformações químicas conhecidas por
metabolismo celular, realizadas pelo organismo para a manutenção da vida [1].
O sangue circula pelos vasos do sistema circulatório (Fig.1) por intermédio do coração
que actua como uma bomba, impulsionando o sangue para as artérias e recebendo o que
chega pelas veias. Assim, o sangue oxigenado sai do coração e passa pelas artérias [1]. A
extraordinária arborização dos vasos sanguíneos assegura que todas as células do corpo
estejam muito próximas dos menores e mais finos vasos, os capilares [2].
O coração e os vasos sanguíneos são denominados conjuntamente de sistema
cardiovascular, que forma um círculo, de modo que o líquido circulatório é bombeado
continuamente desde o coração até um sistema de vasos e retorna ao coração por outro
sistema de vasos [2].
Denominamos veias os vasos que chegam ao coração. As artérias são vasos que saem
do coração, dirigindo-se a todas as partes do organismo. É imprópria a denominação "sangue
venoso" e "sangue arterial" para nos referirmos aos sangues com alta concentração de dióxido
de carbono ou de oxigénio, pois uma veia pode conter sangue com muito ou pouco oxigénio, e
o mesmo podemos dizer das artérias, que podem ter sangue com muito ou pouco dióxido de
carbono. Portanto, usa-se a denominação de sangue carbonado para aquele com alta
concentração de gás carbónico, e sangue oxigenado para o sangue que possui expressiva
concentração de oxigénio molecular [2].
Figura 1: Representação do sistema circulatório humano [3].
Escoamento Sanguíneo em Microcanais com Bifurcações
Diana Cidre Página 11
2.1.1. Vasos Sanguíneos
2.1.1.1. Artérias
As artérias (Fig.2) conduzem o sangue desde o coração a todos os órgãos do corpo.
Têm paredes grossas, musculares e elásticas para suportar a pressão do sangue quando é
bombeado [1].
Figura 2: Representação de uma artéria [1].
2.1.1.2. Veias
As veias (Fig.3) conduzem o sangue de volta ao coração. As suas paredes são finas e
elásticas. Possuem válvulas para impedir o refluxo de sangue [1].
Figura 3: Representação de uma veia [1].
2.1.1.3. Capilares
Os capilares (Fig.4) são vasos microscópicos que fazem a ligação entre as artérias e as
veias. Têm paredes muito finas pois é através delas que passam os gases e os nutrientes [1].
Figura 4: Representação de um capilar [1].
Escoamento Sanguíneo em Microcanais com Bifurcações
Diana Cidre Página 12
2.1.2. Coração
O coração do corpo humano consiste de um par de bombas musculares com válvulas,
esquerda e direita, topograficamente combinadas num só órgão. Por um lado, as redes
fibromusculares e tecidos de condução nervosa de ambas as bombas estão interligadas
funcionando como um complexo unitário. Por outro lado, cada bomba está fisiologicamente
separada da outra, originando uma dupla circulação: a pequena circulação ou circulação
pulmonar e a grande circulação ou circulação sistémica [2].
Internamente o coração está dividido em quatro compartimentos, dois
compartimentos, aurícula e ventrículo, em cada bomba muscular. Os compartimentos do lado
direito estão separados dos compartimentos do lado esquerdo por um septo, no entanto de
cada lado, em cada bomba, a aurícula e o ventrículo comunicam-se pelo orifício aurículo-
ventricular, guardado por um complexo valvular que constitui a válvula tricúspide no lado
direito e a válvula mitral do lado esquerdo. Tanto no lado direito como no lado esquerdo, as
aurículas recebem sangue, são reservatórios com fraca capacidade contráctil, pelo contrário,
ambos os ventrículos têm força contráctil suficiente para bombear o sangue para as principais
artérias (Fig.5) [2].
Figura 5: Anatomia e fluxos do miocárdio [1].
No lado direito do coração (bomba do lado direito), a aurícula, ou aurícula direita,
recebe o sangue proveniente das diversas partes do corpo, através das veias cavas superior e
inferior. Da aurícula direita o sangue passa para o ventrículo direito, através do orifício
auriculoventricular direito, guardado pela válvula tricúspide. Com o aumento da pressão
dentro do ventrículo direito, como consequência da contracção das suas paredes, ocorrerá o
encerramento do orifício auriculoventricular pela válvula tricúspide e o sangue é ejectado no
tronco arterial pulmonar para alcançar a rede de capilares pulmonares. Sendo assim, a bomba
Escoamento Sanguíneo em Microcanais com Bifurcações
Diana Cidre Página 13
cardíaca do lado direito está implicada na ejecção do sangue para a pequena circulação ou
circulação pulmonar [2].
No lado esquerdo do coração (bomba do lado esquerdo), a aurícula ou aurícula
esquerda, recebe o sangue oxigenado, proveniente dos pulmões, através das quatro veias
pulmonares. Da aurícula esquerda o sangue passa para o ventrículo esquerdo, através do
orifício auriculoventricular esquerdo, guardado pela válvula mitral. Com o aumento da pressão
dentro do ventrículo esquerdo, como consequência da contracção das suas paredes, ocorrerá
o encerramento do orifício auriculoventricular pela válvula mitral e o sangue é ejectado na
artéria aorta para alcançar a rede de capilares sistémicos, espalhados por todo o corpo. Sendo
assim, a bomba cardíaca do lado esquerdo está implicada na ejecção do sangue para a grande
circulação ou circulação sistémica [2].
2.1.2.1. O Ciclo Cardiaco
O ciclo cardíaco é o conjunto de eventos que ocorrem desde o início de um batimento
cardíaco até ao início do batimento seguinte. O ciclo cardíaco consiste de um período de
relaxamento ou diástole do miocárdio e um período de contracção ou sístole. Cada ciclo tem
início pela ocorrência espontânea da despolarização/repolarização nos miócitos cardíacos do
nó sino-auricular. Os eventos que caracterizam cada ciclo cardíaco ocorrem quase em
simultâneo do lado esquerdo e do lado direito, o que varia é a pressão do sangue. Pela
importância da sístole ventricular na sobrevivência do indivíduo, considera-se o ciclo cardíaco
como sendo a ocorrência alternada de sístole ventricular e diástole ventricular [2].
2.2. Sangue
O sangue é um líquido, de cor vermelha, que circula pelo organismo humano através
das artérias e veias. O homem adulto possui cerca de 5,5 litros de sangue, cuja função é
transportar oxigénio e nutrientes a todos os seus órgãos, como também captar e eliminar gás
carbónico e detritos resultantes do metabolismo. O sangue desempenha um papel muito
importante na homeostasia, ou seja, o estado de equilíbrio do corpo. A sua análise por
métodos de laboratório fornece importantes dados para o diagnóstico de muitas patologias
[1].
2.2.1. Constituição do Sangue
O sangue é constituído por duas partes distintas: uma líquida e outra sólida,
claramente identificadas pelo método de centrifugação (Fig.6) [1].
Escoamento Sanguíneo em Microcanais com Bifurcações
Diana Cidre Página 14
Figura 6: Sangue antes e depois da centrifugação.
A porção líquida denomina-se plasma, de cor amarelada e um pouco viscoso. Nele
estão contidas substâncias como sódio, potássio, proteínas, colesterol e vitaminas em
suspensão, representando 10% do seu volume total, sendo os restantes 90% constituídos por
água. A porção sólida é de cor vermelha e é constituída pelos elementos celulares do sangue
(Fig.7) [1].
Figura 7: Constituição do sangue.
2.2.1.1. Hemograma
O hemograma é um exame laboratorial que avalia os elementos celulares do sangue,
isto é, as células do sangue tanto em número quanto aos seus diversos tipos. É o exame mais
Escoamento Sanguíneo em Microcanais com Bifurcações
Diana Cidre Página 15
solicitado aos pacientes nas consultas médicas. É coadjuvante indispensável no diagnóstico e
no controle evolutivo das emergências médicas, clínicas, cirúrgicas e traumatológicas, nas
doenças infecciosas, nas doenças crónicas em geral, no acompanhamento de quimioterapia e
radioterapia, e obviamente em todas as doenças hematológicas [4].
2.2.2. Elementos do Sangue
As células sanguíneas são de três tipos: eritrócitos, leucócitos e plaquetas. Têm um
tempo de vida determinado e precisam ser substituídas por outras novas que são
continuamente produzidas pela medula óssea, a hematopoiese. O método mais eficaz de
análise das células sanguíneas é por meio de um esfregaço (Fig.8) [1].
Figura 8: Observação microscópica de um esfregaço de sangue.
2.2.2.1. Hemácias
Também denominadas por glóbulos vermelhos ou eritrócitos (Fig.9). Têm forma de
disco, sem núcleo e sem capacidade de auto-reprodução. As hemácias são nucleadas e ovais
em todos os vertebrados, com excepção dos mamíferos, nos quais são anucleadas, circulares e
bicôncavas [1].
A forma bicôncava proporciona uma grande superfície, o que facilita as trocas gasosas
da responsabilidade dos eritrócitos. Além disso, o eritrócito é muito flexível o que lhe permite
adaptar-se à forma dos capilares de menor diâmetro. A quantidade normal de eritrócitos no
sangue varia entre 3,9 e 5,5 milhões / mm3 de sangue na mulher e entre 4,1 e 6,0 milhões /
mm3 de sangue no homem [2].
O volume das hemácias no sangue depende totalmente da produção na medula óssea.
Constituem cerca de 45% da parte sólida do sangue. A esta percentagem corresponde o
hematócrito, um dos parâmetros mais importantes do hemograma. A diminuição das
hemácias no sangue, identificada por um baixo hematócrito pode constituir um sinal de
anemia [1].
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Diana Cidre Página 16
As hemácias possuem hemoglobina, um pigmento que confere a cor vermelha,
responsável pelo transporte da maior parte do oxigénio do sangue (cerca de 97%). O gás
carbónico é transportado diluído no citoplasma das hemácias ou em solução no plasma [1].
Quando as hemácias ultrapassam a sua validade, são filtradas, destruídas e eliminadas
pelo baço, órgão situado no abdómen entre o estômago e o diafragma. Além disso, o baço é
um armazenador de glóbulos vermelhos e é rico em glóbulos brancos, o que determina a sua
participação na defesa do organismo [2].
Figura 9: Glóbulos vermelhos.
2.2.2.2. Leucócitos
São células sanguíneas especializadas nos processos de defesa do organismo. São
também denominados por glóbulos brancos (Fig.10). Existem em grande variedade, possuindo
cada, um papel diferente no nosso organismo [1].
Os glóbulos brancos podem realizar movimentos amebóides, atravessar o endotélio
dos capilares e alcançar os espaços intercelulares dos tecidos, o fenómeno de diapdese.
Muitos leucócitos agem como fagócitos, englobando (fagocitando) bactérias que surgem em
ferimentos; outros produzem anticorpos para defesa imunológica. Nas infecções agudas, como
pneumonia, o número de leucócitos sobe de 5.000 a 9.000 (normal) para 20.000 ou 30.000 por
mililitro cúbico, com o objectivo de combater a infecção. O pus é a mistura de leucócitos
mortos, células dos tecidos e soro sanguíneo [2].
Figura 10: Leucócito.
Escoamento Sanguíneo em Microcanais com Bifurcações
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2.2.2.3. Plaquetas
As plaquetas (ou trombócitos) (Fig.11) constituem o elemento fundamental do líquido
circulatório. São aproximadamente discoidais, anucleadas e muito menores que as hemácias.
No homem, existem mais de um trilhão de plaquetas, e cada uma vive de 8 a 10 dias. Quando
ocorre uma lesão num vaso sanguíneo, as plaquetas agrupam-se e desintegram-se, libertando
a tromboplastina, que inicia o processo de coagulação do sangue [2].
Figura 11: Plaquetas.
2.2.3. Funções do Sangue
O sangue transporta:
- Oxigénio molecular dos pulmões para os tecidos e dióxido de carbono no sentido
inverso;
- Água e alimentos obtidos do processo digestivo;
- Alimentos armazenados de um órgão ou tecido para outro, por exemplo, a
glicose guardada sob forma de glicogénio;
- Resíduos metabólicos, excesso de água ou iões minerais para os órgãos
excretores;
- Hormonas das glândulas onde são produzidas para as células-alvo;
- Anticorpos para a defesa do organismo e imunização.
O sangue controla o pH dos tecidos, participando na homeostase, dentro de limites
estreitos, por tampões fosfato e bicarbonato. O sangue é ligeiramente alcalino [pH = 7,4] [2].
Escoamento Sanguíneo em Microcanais com Bifurcações
Diana Cidre Página 18
2.2.4. Sistema Linfático
Quando o sangue chega ao nível dos capilares, realiza a função fundamental do
sistema circulatório: a troca de nutrientes e de produtos finais do metabolismo. Essas trocas
ocorrem no líquido intercelular, localizado entre os capilares e as células. Este líquido é a linfa,
um filtrado do plasma que se origina da filtração de água e solutos através das paredes dos
capilares. A saída de plasma acontece na extremidade arterial dos capilares por meio da
pressão hidrostática resultante da actividade bombeadora do coração. As proteínas do plasma
permanecem nos capilares devido ao seu grande tamanho molecular (Fig.12) [1].
Não existe uma constante perda de plasma do sangue porque a força hidrostática é
contrabalançada pela pressão de osmose, que provoca a volta de água aos capilares [2].
Entre as células e os capilares existem os vasos linfáticos. Esses têm paredes delgadas
e com válvulas que impedem o retorno da linfa no seu interior. A maioria dos vasos linfáticos é
de estrutura tão delicada que não é vista nas preparações anatómicas [2].
Os vasos linfáticos tornam-se maiores na região do tórax, onde se reúnem para formar
o ducto torácico, que desemboca no sistema venoso perto do coração. Os vasos linfáticos são
a principal via de transporte que os lípidos absorvidos no intestino percorrem para chegar ao
sangue. O colesterol dos tecidos alcança o sangue pelos vasos linfáticos. Ao longo do sistema
linfático, existem muitos nódulos (gânglios) linfáticos. Neles há a produção de linfócitos. As
infecções podem ser acompanhadas de inchação dos nódulos linfáticos [2].
Figura 12: Relação intrínseca entre vasos sanguíneos e linfáticos.
Escoamento Sanguíneo em Microcanais com Bifurcações
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2.3. Microcirculação
A definição exacta de microcirculação varia em função dos autores. Segundo critérios
morfológicos, consideram-se como integrantes da microcirculação, os vasos sanguíneos com
diâmetro inferior a 150 microns, o que inclui pequenas artérias, arteriolas, capilares e vénulas
(Fig.13). No entanto, esta distinção morfológica não é satisfatória, alguns autores definem as
arteriolas segundo a sua função e não dimensão. Sendo assim, vasos de uma única camada
muscular lisa são arteriolas, as pequenas artérias possuem pelo menos duas camadas de
tecido muscular liso [5].
Do ponto de vista funcional hemodinâmico, está bem estabelecido que o escoamento
arterial da microcirculação representa o essencial dos vasos de resistência; a maioria da
diminuição de pressão entre as grandes artérias e as veias acontece, de facto a nível das
arteriolas pré capilares [5].
Quaisquer que sejam o tecido ou espécie em estudo, 70% do gradiente de pressão
artério-venoso acontecem ao nível das arteriolas de calibre inferior a 100 microns [5].
Em geral o sangue não flui de forma contínua pelos capilares, e sim de modo
intermitente, ligando-se e desligando-se após alguns segundos ou minutos. A causa dessa
intermitência é um fenómeno chamado vasomotilidade que resulta de diferentes graus de
contracção da túnica média das arteriolas e dos esfíncteres pré-capilares [2].
Figura 13: Aspecto dos vasos sanguíneos da microcirculação [5].
Na microcirculação distinguem-se três sectores funcionais diferentes, a zona de
resistência a nível das arteriolas, a zona de trocas a nível dos capilares e a zona de estagnação
a nível das vénulas [6].
As arteriolas representam a principal zona de resistência geral ao fluxo sanguíneo, que
se ajustam de acordo com as necessidades teciduais em oxigénio e de modo a reduzir as
variações de PO2 capilar [6]. As vénulas, influenciadas sobretudo pelo sistema nervoso,
interferem muito pouco com a regulação microvascular. Os capilares são o sector ideal para as
trocas sangue/tecidos. Em contrapartida, quase não alteram o fluxo sanguíneo total. A
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Diana Cidre Página 20
microcirculação constitui, portanto o local em que o sangue e os tecidos dos diversos órgãos
corporais entram em contacto mais íntimo. A auto-regulação inerente a esse sector da
circulação terá por objectivo fundamental equilibrar as necessidades celulares em oxigénio
com as quantidades transportadas pelos eritrócitos, evitando excessos ou faltas [6].
Escoamento Sanguíneo em Microcanais com Bifurcações
Diana Cidre Página 21
3. Hemodinâmica
3.1. Viscosidade
Comece-se, então, por definir matematicamente viscosidade. Considere-se duas
lâminas separadas por uma fina camada de fluido (Fig. 14) de espessura Δy [7].
Figura 14: Representação das variáveis envolvidas na definição de viscosidade de um líquido [7].
Mantendo-se a lâmina inferior fixa e aplicando-se uma força F na lâmina superior,
verifica-se que se estabelece uma variação da velocidade do fluido, Δv [7].
A placa inferior permanece em repouso, as camadas do fluido junto às placas
permanecem em contacto com estas devido às forças de adesão entre o fluido e as placas.
Assim, a camada superior do fluido move-se com a velocidade da placa, cujo módulo é v, e a
camada junto à placa inferior não se move. De cima para baixo as diferentes camadas de fluido
apresentam diferentes velocidades, entre v e 0, como se mostra na Figura 15 [8].
Figura 15: Representação das velocidades das diferentes camadas de um fluido sujeito a viscosidade
[8].
Escoamento Sanguíneo em Microcanais com Bifurcações
Diana Cidre Página 22
Se A representar a área de cada uma das lâminas, verifica-se a seguinte relação,
designada por viscosidade:
dv
AF=η
Equação 1: Viscosidade de um fluido [9].
onde F/A representa a força por unidade de área necessária para produzir deformação
e dv/dy o gradiente de velocidade ou também conhecido por taxa de deformação (γ).
No SI a unidade de viscosidade é o pascal segundo (Pa.s). No sistema CGS a unidade de
viscosidade denomina-se poise (P) em homenagem ao cientista francês Poiseuille. O centipoise
(cP) é uma unidade muito utilizada (1 cP = 10-3 Pa s) [8].
3.1.1. Viscosidade do Sangue
A maioria dos fluidos biológicos são fluidos consideravelmente viscosos sendo o
sangue um exemplo deste facto [7].
A consequência mais visível de se considerar a viscosidade de um fluido num
escoamento é o seu perfil de velocidades ao longo de uma secção. Mesmo em fluxos
laminares, desde que o fluido tenha viscosidade a sua velocidade varia com a distância ao
centro do tubo, sendo válida a derivação da Equação 2 [7].
kl
rppv +
−−=
η4
)( 221
Equação 2: Determinação do gradiente de velocidades na direcção radial em fluidos viscosos (v) [9].
O gradiente de velocidades é obtido pela integração da Equação 2 onde η representa a
viscosidade do fluido, l representa o comprimento do vaso, p representa a pressão num ponto,
r o raio do vaso e k a constante de integração obtida pela aplicação das condições de fronteira
(v=0 junto à parede) [9].
O sangue consiste em plasma e partículas, sendo 99% do volume de partículas
ocupadas pelos glóbulos vermelhos. Assim, os eritrócitos determinam a diferença de
viscosidade entre o plasma e o sangue (Fig.16). No entanto, a viscosidade do sangue depende
da viscosidade do plasma em conjunto com o hematócrito (volume de % de eritrócitos) e a
deformabilidade dos glóbulos vermelhos (GV) [9].
Escoamento Sanguíneo em Microcanais com Bifurcações
Diana Cidre Página 23
Figura 16: Representação das diferenças de viscosidade entre o sangue e o plasma, relação entre
tensões de corte (τ) e taxa de deformação (γ) [9].
Um elevado hematócrito e uma baixa deformabilidade eritrocitária implicam uma
viscosidade mais elevada. A relação entre hematócrito e viscosidade é bastante complexa e
possui várias formulações, sendo a mais simples, a formulada por Einstein:
)5.21.( Htplasma += ηη
Equação 3: Relação hematócrito Vs viscosidade formulada por Einstein [9].
O sangue possui um hematócrito de 45% na grande circulação que passa para cerca de
20% na microcirculação [10].
A viscosidade depende também do diâmetro do vaso (Fig.17). Em vasos de pequena
dimensão tal como a microcirculação, aparentemente, a viscosidade diminui com a diminuição
do diâmetro do vaso. Este fenómeno é conhecido como efeito de Fahraeus-Lindqvist, no qual
os GV concentram-se no centro do vaso e o plasma na periferia para facilitar o escoamento das
hemácias. Por este motivo o hematócrito na microcirculação baixa para uma taxa de
aproximadamente 20%. O comportamento não-Newtoniano mais acentuado do sangue surge
na microcirculação [9].
Figura 17: Variação da viscosidade em função do diâmetro do vaso sanguíneo [9].
Escoamento Sanguíneo em Microcanais com Bifurcações
Diana Cidre Página 24
A viscosidade depende também da temperatura, aumentando com a diminuição de
temperatura [9].
3.2. Lei de Poiseuille
O escoamento sanguíneo segue as equações de Navier Stokes. No entanto a
viscosidade pode variar segundo diversos parâmetros como por exemplo, o diâmetro do vaso
sanguíneo. Sendo por este facto, a viscosidade, um factor importante no estudo de bifurcações
[11].
No escoamento de sangue em artérias (vasos de grande calibre) aplicam-se as leis da
mecânica dos fluidos como Navier-Stokes de onde podemos derivar a lei de Poiseuille:
l
prQ
ηπ
8
4∆=
Equação 4: Lei de Poiseuille [12].
Onde Q representa o caudal em ml/s, r o raio do vaso, l o comprimento do vaso, η a
viscosidade do sangue e Δp a variação de pressões [12].
A aplicação da lei de Poiseuille implica um escoamento uniforme, um comportamento
de sangue Newtoniano e uma viscosidade constante [9].
O perfil de velocidades para um escoamento laminar baseia-se na derivação da lei de
Poiseuille e determina um perfil em forma de parábola (Fig.18), onde a velocidade é máxima
no centro e é nula junto as paredes [10].
Figura 18: Perfil parabólico de velocidade [12].
Em muitos casos, o uso desta lei é uma boa aproximação no estudo da circulação
sanguínea. Existem no entanto diversas situações em que o perfil sanguíneo afasta-se
consideravelmente desta lei. Por exemplo, em capilares de diâmetro muito reduzido,
semelhante ao dos eritrócitos, em condições de regime turbulento e quando a acumulação de
Escoamento Sanguíneo em Microcanais com Bifurcações
Diana Cidre Página 25
eritrócitos no centro dos vasos leva a uma curvatura mais achatada do perfil de velocidades
[10].
Após uma bifurcação, o perfil de velocidades não é parabólico (Fig.19) pois necessita
percorrer alguma distância de escoamento para desenvolver o seu perfil, essa distância
denomina-se “inlet lenght” e varia com o número de Reynolds [9].
Figura 19: Desenvolvimento de perfil de velocidades após uma bifurcação [9].
3.3. Equação de Bernoulli
A equação de Bernoulli é considerada uma lei que relaciona a pressão do sangue com a
sua velocidade. Diz-nos que se seguirmos uma partícula ao longo de um vaso, a quantidade de
energia permanece constante [9].
.....21 2 constzgvP =++ ρρ
Equação 5: Lei de Bernoulli [12].
Onde P representa a pressão num ponto, ρ representa a densidade do sangue, g a
aceleração da gravidade e z a cota relativa a uma referência (coração) [9].
Repare-se que para que a equação de Bernoulli seja plenamente adequada a esta
situação será necessário considerar o sangue como um fluido não viscoso, o que, na prática,
não se verifica [7].
Escoamento Sanguíneo em Microcanais com Bifurcações
Diana Cidre Página 26
3.4. Regime Laminar e Turbulento
O número de Reynolds (Re) determina o tipo de regime de escoamento e é dado pela
fórmula:
ηρvd
Re =
Equação 6: Determinação do número de Reynolds [12].
Quando o escoamento é realizado em vasos compridos e rectos e com baixa
velocidade, as partículas movem-se suavemente em camadas. Este escoamento é conhecido
como escoamento laminar (Fig.20). A relação entre o gradiente de pressões e o escoamento é
linear e pode ser descrita pela lei de Poiseuille [9].
Quando a velocidade do fluxo sanguíneo se torna elevada, quando o fluxo sanguíneo
passa por uma semi-obstrução, ou uma bifurcação pode tornar-se turbulento (Fig.20), em vez
de laminar. O fluxo turbulento é aquele em que o sangue flui de modo desordenado no vaso
[13].
Para uma conduta circular existe uma zona de transição por volta do número Re crítico
(2200) onde o escoamento não é nem estritamente laminar nem estritamente turbulento [9].
Figura 20: Representação do regime laminar e turbulento [9].
Um fluido cujo coeficiente de viscosidade só dependa da temperatura e da pressão,
mas não de outros factores como, por exemplo, a velocidade do próprio fluido, diz-se
Newtoniano [8].
Em muitos casos, o escoamento de sangue pode ser analisado como um fluido
Newtoniano, no entanto em vasos muito pequenos da microcirculação ele deve ser analisado
como um fluido não-Newtoniano [12].
Escoamento Sanguíneo em Microcanais com Bifurcações
Diana Cidre Página 27
A presença de GV, e em menor percentagem as plaquetas e glóbulos brancos (GB),
alteram muito significativamente as propriedades físicas do sangue. Por um lado, a viscosidade
sanguínea aumenta com o aumento de hematócrito. Por outro lado, atribui ao sangue
características não-Newtonianas. Podemos definir fluido Newtoniano como um fluido de
velocidade constante (independente da velocidade e gradiente de velocidade do fluido,
dimensões do vaso onde circula, etc) [10].
3.4.1. Características Não-Newtonianas do Sangue
O sangue deverá ser considerado um fluido viscoso, sendo caracterizado por uma
viscosidade aproximada de η = 4 x 10-3 Pa.s e uma densidade ρ = 1.0595 x 103 Kg m-3 [7].
Para baixos gradientes de velocidades, os GV tendem a agrupar-se sem orientação
definida formando agregados que conferem maior viscosidade ao sangue. Aumentando o
gradiente de velocidades, os glóbulos vermelhos orientam-se seguindo as linhas de corrente
do sangue com uma menor tendência para agrupamento, diminuindo assim a viscosidade
sanguínea [10].
A viscosidade sanguínea diminui com a diminuição do diâmetro do vaso (efeito
Fahraeus-Linqvist). Em arteriolas e capilares (micro-vasos), a noção de sangue como um fluido
continuo deixa de ser válida, reflectindo-se numa redução da viscosidade [10].
3.5. Complacência dos Vasos Sanguíneos
O sangue não flui num sistema de tubos rígidos mas em vasos com capacidades
elásticas. Assim os vasos têm capacidade de dilatação ou contracção. Um aumento de pressão
sanguínea corresponde a uma dilatação dos vasos com um correspondente aumento de
volume. Definimos como complacência de um vaso a capacidade de acumulação de volume
sanguíneo quando sujeito a um aumento de pressão [10].
PVC ∆
∆=
Equação 7: Determinação da complacência de um vaso [10].
Escoamento Sanguíneo em Microcanais com Bifurcações
Diana Cidre Página 28
4. Materiais e Métodos
Neste trabalho pretende-se estudar numericamente e experimentalmente as
propriedades do escoamento de sangue num microcanal rectangular com bifurcação.
A resolução do problema numérico em estudo consiste na solução de equações de
conservação da massa e de quantidade de movimento para fluidos incompressíveis. Quanto à
parte experimental foi executada recorrendo ao Phantom Camera Control e ImageJ.
4.1. Estudo Experimental
4.1.1. Microcanais e Fluidos Utilizados
Foi utilizado um fluido: Dextran 40 (Dx40) contendo cerca de 14% (14Hct) de
eritrócitos. O sangue foi obtido a partir de um adulto saudável sendo adicionado ácido
etilenodiaminotetracético (EDTA) para impedir a coagulação. Os eritrócitos foram separados
por centrifugação e aspiração dos restantes componentes sanguíneos, sendo posteriormente
lavados duas vezes com soro fisiológico (SF). Em seguida, os eritrócitos foram marcados com
um marcador de fluorescência celular (CM-Dill, c-7000, Molecular Probes) e diluídos com Dx40
para obter a concentração volúmica necessária de eritrócitos. Todas as amostras de sangue
foram armazenadas hermeticamente a 4ºC até serem realizadas as experiências a uma
temperatura controlada de 37ºC. Todo o processo pode ser observado na figura seguinte
(Figura 21).
Figura 21: Preparação das amostras de sangue [14].
Escoamento Sanguíneo em Microcanais com Bifurcações
Diana Cidre Página 29
Os microcanais utilizados neste estudo consistiram numa bifurcação simétrica (Figura
22) em PDMS (150 μm de largura, 50 μm de profundidade no “vaso-pai (vaso-primário)”, 75
μm de largura, 50 μm de profundidade no “vaso-filho (vaso-secundário)”) fabricados por uma
técnica de litografia suave [15].
Figura 22: Geometria da bifurcação simétrica utilizada neste estudo: Q0 = 0.18 μl/min; W0 = 150
μm; W1 = 75 μm; W2= 75 μm; θθθθ = 60º; profundidade = 50 μm.
4.1.2. Procedimentos Experimentais com o Micro-PTV Confocal
Na parte experimental, Figura 23, foi utilizado um sistema micro-PTV confocal que
consiste num microscópio invertido (IX71, Olympus, Japão) combinado com uma unidade
confocal (CSU22, Yokogawa) e um laser DPSS (Laser Quantum Ltd) com um comprimento de
onda de 532nm. Para a captação das imagens foi utilizada uma câmara de alta velocidade
(Phantom v7.1), estando esta ligada à unidade confocal CSU22. O microcanal foi colocado no
microscópio invertido onde o caudal do fluido de trabalho foi mantido constante (Re = 0.004),
por intermédio de uma bomba de seringa (KD Sci-tíficos Inc.). Um sistema controlador de
temperatura (Tokai Hit) foi colocado a 37°C. Todas as imagens obtidas pelo sistema confocal
foram captadas no centro de microcanais com uma resolução de 640x480 pixels, uma taxa de
100 imagens/s e um tempo de exposição de 9,4 ms. As imagens capturadas foram transferidas
para o computador e seguidamente avaliadas no Image J (NIH) [16], utilizando o plugin
MtrackJ [17]. Assim, foi possível monitorizar as trajectórias de vários eritrócitos a escoarem no
centro do microcanal.
Escoamento Sanguíneo em Microcanais com Bifurcações
Diana Cidre Página 30
Figura 23: Procedimento experimental [15].
4.2. Estudo Numérico
A mecânica de fluidos computacional consiste na análise numérica de sistemas que
envolvem escoamentos de fluidos, transferência de calor e fenómenos associados tais como
reacções químicas. A sua vasta aplicação prende-se com as enormes vantagens relativamente
aos trabalhos experimentais, a saber: redução do tempo e custos associados, ao
desenvolvimento de novos equipamentos, detalhe de resultados praticamente ilimitado,
possibilidade de estudar sistemas que experimentalmente seriam bastante difíceis de estudar,
etc. [18].
É complicado estudar experimentalmente o comportamento local do sangue nos
canais da microcirculação, assim a mecânica dos fluidos computacional pode ser um
instrumento muito valioso na compreensão do que se passa efectivamente no interior dos
referidos canais.
Neste trabalho, os estudos numéricos do escoamento laminar monofásico e
incompressível de sangue foi estudado numericamente recorrendo ao software comercial de
dinâmica de fluidos computacional, baseado no método dos elementos finitos, POLYFLOW®
que tem associado dois pré-processadores – GAMBIT e POLYDATA – e um pós-processador –
FIELDVIEW. O modo como estes elementos interagem é apresentado na Figura 24.
Escoamento Sanguíneo em Microcanais com Bifurcações
Diana Cidre Página 31
Figura 24: Representação esquemática simplificada do POLYFLOW® [19].
Escoamento Sanguíneo em Microcanais com Bifurcações
Diana Cidre Página 32
4.2.1. Formulação Matemática
O escoamento isotérmico de um fluido tem de obedecer aos princípios de conservação
da massa e quantidade de movimento. Assim, a formulação matemática de um problema de
escoamento consiste num sistema de equações diferenciais às derivadas parciais constituído
pelas equações que descrevem os princípios de conservação acima enunciados. De seguida
apresentam-se as referidas equações para escoamento laminar, incompressível em estado
estacionário.
Conservação da massa:
A equação de conservação de massa, ou equação de continuidade, estabelece que não
pode haver variação líquida de massa no interior das fronteiras de um volume fixo no
escoamento. Este principio pode ser traduzido por:
0).( =∇+ uDt
D ρρ(Equação 8)
onde ρ é a massa específica do fluido, u é o vector velocidade e a derivada material é dada
por:
0).( =∇+∂∂= utDt
D
(Equação 9)
Levando-se em consideração as hipóteses simplificadoras, a equação de conservação
de massa resume-se a:
0. =∇ u(Equação 10)
Conservação de Quantidade de Movimento Linear:
A equação de conservação de quantidade de movimento linear estabelece que a
variação da quantidade de movimento de um sistema é igual ao somatório das forças externas
agindo sobre o sistema:
gTDt
Du ρρ +∇= .(Equação 11)
Escoamento Sanguíneo em Microcanais com Bifurcações
Diana Cidre Página 33
onde g é a aceleração da gravidade e T é o tensor das tensões é dado por:
τ+Ι−= PT(Equação 12)
sendo P a pressão, I é o tensor identidade e τ é o tensor das tensões viscosas ou tensor extra
tensão.
A relação entre τ e � (tensor da taxa de deformação) é conhecida como equação
constitutiva do material.
Para a resolução deste sistema, é necessária informação adicional que é introduzida no
sistema incluindo o modelo constitutivo que descreve o comportamento do fluido no sistema.
4.2.2. Geometria e Geração de Malha
Um dos aspectos principais e que mais condicionam a implementação de um método
eficaz para a resolução do sistema de equações acima representado, usando a mecânica de
fluidos computacional, é o domínio geométrico do problema, assim como a sua discretização.
Quanto menos complexa for a geometria usada, mais simples e mais rápida será a resolução
numérica do problema.
No caso dos canais em estudo, microcanais com bifurcação, estes exibem alguma
complexidade, pelo que acarreta um grande esforço computacional quando se pretende
estudar numericamente o escoamento no seu interior, daí ter-se optado por reduzir o
tamanho do microcanal bifurcado, ficando apenas com a zona em estudo (bifurcação) e uma
pequena vizinhança, “vaso-pai” e “vasos-filhos” (Figura 25).
Figura 25: Microcanal com bifurcação no domínio computacional com representação da
respectiva malha.
Escoamento Sanguíneo em Microcanais com Bifurcações
Diana Cidre Página 34
Após a construção do domínio geométrico do problema há que o discretizar, isto é, é
necessário gerar uma malha. Esta deve ser construída de modo a representar o mais fielmente
possível o domínio geométrico, tendo em atenção, simultaneamente, o esforço computacional
que a malha gerada irá acarretar.
Com o intuito de analisar o escoamento de sangue no microcanal bifurcado foi
construído um microcanal com características equivalentes ao utilizado experimentalmente
(Figura 22). Deste modo foi possível comparar os perfis de velocidade numéricos e
experimentais desenvolvidos em canais com as mesmas propriedades geométricas.
A geometria foi implementada usando um pré-processador GAMBIT.
O comprimento do microcanal foi escolhido em função da imagem experimental, do
objectivo em estudo (na bifurcação) e das capacidades do computador.
A malha (Figura 25) utilizada para discretizar as paredes do canal era constituída
essencialmente por elementos quadriláteros. O tamanho dos elementos foi fixado a partir de
um teste de independência dos resultados com a malha. Neste teste, as malhas foram
sucessivamente refinadas, comparando-se as velocidades obtidas com as diferentes malhas.
Os resultados foram considerados independentes da malha quando se obtiveram diferenças
na velocidade inferiores a 1% [20,22].
4.2.3. Condições de Fronteira
Para a resolução do sistema de equações já apresentado é necessário impor condições
de fronteira. Quando se trata de um escoamento isotérmico, as condições de fronteira são
apenas mássicas, isto é, terá de se impor um caudal volumétrico na entrada do canal, definir
qual a face por onde o fluido sai do canal e impor a velocidade e/ou força junto à parede.
No presente estudo, foram impostas as seguintes condições fronteiras: na entrada do
canal (x = 0) foi imposto o caudal de 0.18 μl/min e nas paredes do microcanal admitiu-se
velocidade nula (uma vez que se está a estudar escoamentos laminares).
4.2.4. Resolução Numérica
O sangue foi descrito, reologicamente, por diferentes modelos: modelo Newtoniano,
modelo de Carreau e lei de potência. As simulações foram realizadas em geometrias 3D
representativas do microcanal (Figura 25).
O sistema de equações a resolver é não-linear, assim a sua resolução envolveu um
processo iterativo. De modo a avaliar a convergência desse processo, o software utiliza um
teste baseado no erro relativo cometido, em cada iteração, no campo de velocidade [19]. No
presente trabalho assumiu-se como critério de convergência |Erro Relativo|<10-4, ou seja,
para uma iteração genérica i, em cada nó da malha é:
Escoamento Sanguíneo em Microcanais com Bifurcações
Diana Cidre Página 35
4
1
1 10−
−
− <−
i
ii
u
uu
(Equação 13)
Com 222zyx uuuu ++= , a norma euclidiana do vector velocidade u.
4.2.5. Validação
Os resultados experimentais são de extrema utilidade para quem realiza um trabalho
numérico, pois podem ser utilizados para validação do modelo numérico usado.
Para validação do modelo numérico utilizado simulou-se o escoamento de água pura
no microcanal. Os resultados numéricos foram comparados com os dados experimentais e
com a solução analítica para o escoamento de um fluido newtoniano (totalmente desenvolvido
hidraulicamente) numa conduta rectangular [14].
∑
∑∞
∞
−
−
=
jimpar
jimparvx
b
wj
wj
b
b
zj
bwj
byj
j
bw
Mzyu
2tanh
1921
sin)2(cosh(
cosh(1
1
48),(
55
3
3
ππ
ππ
π
π (Equação 14)
Após a análise dos perfis de velocidade ao longo do canal, verificou-se que no plano A
da Figura 26 o escoamento estava totalmente desenvolvido hidraulicamente. Assim, os
resultados apresentados na Figura 27 dizem respeito à intersecção do plano A da Figura 26
com o plano médio do microcanal (z = 25 µm). As condições de fronteira utilizadas foram
estabelecidas de modo a reproduzir as condições experimentais. Considerou-se um fluxo de
0,18 μl/min no interior do canal e uma velocidade nula junto às paredes do canal.
Figura 26: Geometria 3D do microcanal com representação do campo de velocidades para a
água pura em diferentes planos x = constante (A, B, C, D, E e F) e plano z = constante = 25 μm.
Escoamento Sanguíneo em Microcanais com Bifurcações
Diana Cidre Página 36
A Figura 27 demonstra que o perfil de velocidades obtido numericamente apresenta
boa concordância com os dados experimentais, obtidos pelo sistema confocal, e com a solução
analítica.
Figura 27: Comparação entre dados experimentais, analíticos e computacionais no centro do
microcanal (z = 25 μm) utilizando água pura.
14
Escoamento Sanguíneo em Microcanais com Bifurcações
Diana Cidre Página 37
5. Apresentação e Discussão de Resultados
5.1. Resultados Experimentais
Usando um sistema confocal foi possível obter uma série de imagens no centro da
bifurcação. As Figuras 28 e 29 apresentam a marcação de várias rectas colocadas
perpendicularmente ao eixo representado pela recta horizontal do centro (y = 0 – formando
um eixo de simetria), ficando no “vaso-pai” aproximadamente 75 μm para ambos os lados. As
rectas verticais (numeradas respectivamente com o número da secção correspondente) são
respectivas aos planos onde incidiu o estudo, mais precisamente de onde se retirou dados
relativos às velocidades de escoamento dos eritrócitos estudados. A Figura 30 apresenta
imagens de eritrócitos marcados (excitados com laser), fluindo através de uma bifurcação
simétrica, juntamente com a correspondente monitorização da posição no tempo.
Figura 28: Imagem com a marcação das secções em estudo.
Escoamento Sanguíneo em Microcanais com Bifurcações
Diana Cidre Página 38
Figura 29: Rectas de referência, em que as rectas verticais representam os planos onde incide o
estudo. (a) Imagem após processamento de imagem, onde o fundo se encontra representado a preto
e os eritrócitos a branco (binarização) (b) imagem sem processamento de imagem.
Utilizando o Phantom Camera Control foi possível converter o vídeo em estudo para
imagens. No Image J após a importação da sequência de imagens já convertidas, foi necessário
converter estas para níveis de cinzento (8-bit-Grayscale) e fazer um ajuste de imagem de modo
a melhorar a qualidade das imagens resultantes. Na Figura 29 é possível verificar que o
processamento de imagem é fundamental para a melhor visualização dos eritrócitos. Na Figura
29 (a) apresenta-se a imagem após processamento e na Figura 29 (b) a imagem sem
processamento. Foi também definida a escala de modo a tornar fidedigno o modelo utilizado,
isto é colocou-se como medida de “set scale” 150μm no “vaso-pai” e 75 μm em cada “vaso-
filho”. Assim foi possível recorrendo à função MTrackJ (AddTracks) escolher os eritrócitos mais
visíveis, traçar assim as suas trajectórias e obter os dados relativos às velocidades de cada.
Para tornar mais exacto os resultados experimentais e para verificar a coerência entre ambos
para cada eritrócito foi marcada uma trajectória contínua passando por todas as secções em
estudo, e uma trajectória em que apenas se retirou dados do ponto antes, do ponto na secção
e do ponto depois em cada secção de estudo. Na Figura 30 é possível visualizar a
monitorização dos eritrócitos.
(a) (b)
Escoamento Sanguíneo em Microcanais com Bifurcações
Diana Cidre Página 39
Figura 30: Trajectórias de deslocamento de eritrócitos marcados (pontos brilhantes) em fluido
fisiológico com 14% Hct (32x). (a) pontos de marcação de referência para calibração; (b) tracks a meio
do vídeo, (c) tracks global.
(a)
(b)
(c)
Escoamento Sanguíneo em Microcanais com Bifurcações
Diana Cidre Página 40
Tal como se esperava, segundo a revisão bibliográfica feita, a velocidade deverá ser
maior no centro do microcanal e atingir valores mais baixos nas regiões próximas das paredes
e sendo igual a zero junto à parede.
A partir das imagens de monitorização dos eritrócitos (Figura 30) observa-se que
algumas trajectórias de eritrócitos podem sofrer desvios na direcção do escoamento, isto,
provavelmente devido a perturbações causadas por interacções celulares na vizinhança do
vértice da bifurcação (ponto de bifurcação) e por contacto entre eritrócitos vizinhos.
5.2. Resultados Numéricos
Os resultados numéricos são úteis para compreender o escoamento na vizinhança do
vértice da bifurcação e antes da bifurcação. Foram utilizados, como dito anteriormente,
diferentes modelos para descrever o comportamento reológico do sangue: lei de Potência,
Carreau e Newtoniano. Para cada um dos modelos estudaram-se nas secções apresentadas
nas Figuras 28 e 29 os perfis de velocidade.
Para todas as secções na Figura 28 analisaram-se os resultados da velocidade em z =
constante =25 μm (plano central do microcanal), plano também apresentado na Figura 26. A
referida figura apresenta simulações adicionais efectuadas com água. Na Figura 31
apresentam-se os perfis de velocidade, obtidos com água na intersecção dos diferentes planos
x = constante com o plano central do canal.
Figura 31: Imagem representativa dos perfis de velocidade de água relativos aos planos apresentados
na figura 27 em que x = constante (A, B, C, D, E e F) e plano z = constante = 25 μm (plano central do
microcanal).
Escoamento Sanguíneo em Microcanais com Bifurcações
Diana Cidre Página 41
A secção A encontra-se na fase inicial do microcanal (Figura 26), sendo utilizada na
Figura 27 na comparação entre dados experimentais, analíticos e computacionais no centro do
microcanal (z = 25 μm) utilizando água pura para validação. A secção F apresentada é já
relativa à área onde se encontra o vértice da bifurcação como se pode observar também na
Figura 26.
5.3. Comparação dos Resultados Experimentais e Numéricos
Utilizando o Phantom Camera Control foi possível converter o vídeo em estudo para
imagens. No Image J foi possível recorrendo à função MTrackJ (AddTracks) escolher os
eritrócitos mais visíveis, traçar assim as suas trajectórias e obter os dados relativos às
velocidades em cada secção. Posteriormente foi então possível a comparação entre os
resultados experimentais e os obtidos numericamente pelo software comercial de dinâmica de
fluidos computacional, baseado no método dos elementos finitos, POLYFLOW®, seguindo os
modelos reológicos, Newtoniano, lei de potência e de Carreau.
A Figura 32 (a) diz respeito a um escoamento laminar completamente desenvolvido,
enquanto as Figuras 32 (b) e 32 (c) já começam a sentir o efeito da bifurcação na velocidade.
Analisando os resultados das secções antes da bifurcação (Figuras 32 (a) e (b) ou
secções 1 e 2, respectivamente) verifica-se que os dados experimentais são bem descritos
pelos diferentes modelos reológicos. No entanto, a Figura 32 (c) sugere que para a secção 3 os
dados experimentais são melhor descritos pela lei de potência.
Nas Figuras 32 e 33 pode observar-se que os diferentes modelos utilizados
(Newtoniano, Carreau e lei de Potência) nas simulações prevêem comportamentos
qualitativamente iguais. As taxas de deformação desenvolvidas nas condições operatórias
estudadas foram baixas (na ordem de 10-2 s-1). Para taxas de deformação inferiores a 0.1 s-1 a
viscosidade prevista pelo modelo de Carreau é aproximadamente constante, isto é, prevê um
comportamento Newtoniano para o sangue. Desta forma, os perfis de velocidade obtidos com
este modelo e considerando o sangue um fluido Newtoniano são bastante próximos. No que
diz respeito à lei de potência, a viscosidade do fluido aumenta com o decréscimo da taxa de
deformação em toda a gama de taxas de deformação. Este facto explica a diferença observada
entre os perfis de velocidade obtidos com este modelo e os restantes.
Escoamento Sanguíneo em Microcanais com Bifurcações
Diana Cidre Página 42
Figura 32: Perfis de velocidade relativos aos dados numéricos e experimentais antes da bifurcação.
(a) Secção 1 (x1=x2=100.1;y1=-75; y2=75); (b) Secção 2 (x1=x2=185.1;y1=-75; y2=75); (c) Secção 3
(x1=x2=215.1;y1=-83.718; y2=83.718) (as coordenadas fornecidas estão dadas em µµµµm). (―)
Newtoniano; (- - -) Lei de potência; (••••) Modelo de Carreau; (x) Resultados experimentais.
(c)
(b)
(a)
Escoamento Sanguíneo em Microcanais com Bifurcações
Diana Cidre Página 43
Figura 33: Perfis de velocidade relativos aos dados numéricos e experimentais depois da bifurcação.
(a) Secção 6 (x1=220.1; y1=86.605;x2=257.601;y2=21.656); (b) Secção 4 (x1=220.1;y1=-
86.6;x2=257.601;y2=-21.656); (c) Secção 7 (x1=240.567;y1=98.421;x2=278.068;y2=33.473); (d) Secção
5 (x1=240.567;y1=-98.42;x2=278.068;y2=-33.473) (as coordenadas fornecidas estão dadas em µµµµm).
(―) Newtoniano; (- - -) Lei de potência; (••••) Modelo de Carreau; (x) Resultados experimentais.
(a)
(b)
(c)
(d)
Escoamento Sanguíneo em Microcanais com Bifurcações
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Analisando os resultados da Figura 33 verifica-se que para todas as secções (4 a 7) os
dados experimentais são também melhor descritos pela lei de potência. Qualitativamente, os
resultados obtidos com os diferentes modelos reológicos são semelhantes.
Comparando a Figura 32 (c) pode verificar-se (pelos resultados experimentais e
numéricos) que na região central a velocidade atinge valores baixos, devido à presença do
ápice. Por outro lado, no “vaso-pai” e “vasos-filhos”, em regime completamente desenvolvido,
(Figura 32 (a) e 33 (b) e 33 (d)) na região central é atingida a velocidade máxima. No “vaso-pai”
e nos “vasos-filhos” a velocidade média é igual uma vez que o caudal proveniente do “vaso-
pai” se divide igualmente para os “vasos-filhos”, tendo estes metade da área de secção
transversal do “vaso-pai”.
A possível aglomeração já mencionada de eritrócitos no vértice do microcanal, por
vezes denominado “rouleaux” deve-se à redução da velocidade nessa zona, levando a um
aumento da viscosidade aparente e à diminuição das tensões de corte.
Quanto ao desvio verificado entre alguns pontos experimentais e os modelos
estudados numericamente (Figuras 32 e 33) devem-se possivelmente a:
• Discordância entre as medidas exactas do microcanal experimental e o
numérico, pois há partida as medidas seriam 150μm de largura do “vaso-pai” e 75μm em cada
“vaso-filho” com 50μm de profundidade. No entanto ao ser fabricado o microcanal não existe
uma precisão de 100% o que leva a que na realidade as medidas sejam ligeiramente diferentes
das admitidas nas simulações. Assim, numericamente o canal construído deveria ter as
medidas do microcanal após construção experimental. Com isto podem existir desvios ligeiros
nas coordenadas experimentais e numéricas para o estudo de um dado eritrócito, o que há
partida pode parecer irrelevante mas que pode fazer diferença, diminuindo o erro;
• Sabe-se que os eritrócitos podem formar “rouleaux” (aglomerações) e até
mesmo sofrer ligeiros desvios devido a outros eritrócitos, modificando assim a sua velocidade.
O facto de nas simulações se ter considerado o sangue um fluido homogéneo, sem eritrócitos,
pode originar também desvios entre os resultados numéricos e experimentais.
• No software Image J utilizado para marcar os MTracks dos eritrócitos pode
haver certos desvios na monitorização de cada eritrócito devido à qualidade de imagem, pois
um eritrócito que estamos a marcar pode pertencer a um plano mais abaixo do que estamos a
estudar e assim não coincidir totalmente com o numérico, no entanto foi executado
anteriormente um pré-processamento e processamento de modo a melhorar a qualidade de
imagem e a melhor visualização dos eritrócitos.
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5.4. Trajectórias e Quedas de Pressão
Na Figura 34 apresentam-se as trajectórias numéricas obtidas com água, podendo
observar-se que as mesmas estão qualitativamente em bom acordo com as experimentais (ver
Figura 30(c)), embora não apresentando flutuações na região do vértice de bifurcação. O
comportamento destas trajectórias numéricas não dependeu do modelo reológico utilizado
nas simulações.
Figura 34: Trajectórias obtidas numericamente para a água.
Na Figura 34 pode observar-se também que as trajectórias nas imediações do vértice
da bifurcação não apresentam um comportamento rectilíneo, pelo que a distância percorrida
pelos diversos elementos de fluido – correspondente ao comprimento das trajectórias – é
superior ao comprimento efectivo do canal, L. Este aumento do comprimento percorrido pode
ser contabilizado recorrendo ao coeficiente de tortuosidade, τ, pois este define-se como a
razão entre a média das distâncias efectivamente percorridas pelos vários elementos de fluido,
Lav, do comprimento do canal L [22].
L
Lav=τ(Equação 15)
Outra forma de definir o referido coeficiente é através da razão entre as velocidades
intersticial, ui, e a velocidade média, u [22].
u
ui=τ(Equação 16)
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Através dos resultados numéricos, foi possível determinar a velocidade ui ao longo do
canal e, uma vez que a velocidade média é facilmente determinada através da sua definição:
wb
Mu v=
(Equação 17)
com Mv o caudal volumétrico, w a largura do canal e b a altura do canal, estimou-se o
coeficiente de tortuosidade ao longo do canal, Figura 35.
Figura 35: Coeficiente de tortuosidade local para a água (fluido Newtoniano).
Na Figura 35, Lu representa um comprimento adimensionalisado, correspondendo à
entrada do canal, ao final do “vaso-pai” e corresponde a planos pertencentes à zona de
transição entre o “vaso-pai” e o ápice (ou vértice da bifurcação) com um espaçamento
constante entre eles, representando o plano que contém o vértice da bifurcação.
Tal como esperado, pelas trajectórias apresentadas na Figura 35, nas imediações da
bifurcação o carácter tortuoso do escoamento aumenta, atingindo o seu máximo no plano em
que se encontra o vértice da bifurcação.
O coeficiente τ está presente na relação entre o factor de Fanning, f, e o número de
Reynolds, Re, que, para escoamentos laminares de fluidos Newtonianos assume a forma [22].
1Re−= Kf(Equação 18)
podendo K ser relacionado com τ através de
20τKK =
(Equação 19)
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representando K0 o factor de forma do canal (assume o valor de 16 para um canal cilíndrico
rectilíneo). O factor de Fanning é dado por:
22 uL
PDf e
ρ∆
=(Equação 20)
Na Figura 36 pode observar-se que no “vaso-pai” o coeficiente K aumenta na fase final
do referido vaso, o que se deve em parte ao aumento da tortuosidade nessa região do “vaso-
pai” (ver Figura 35). O aumento do valor de K ao longo desse vaso traduz-se numa queda de
pressão mais acentuada.
Figura 36: Coeficiente K= K0ττττ2 local no vaso pai para a água.
Para um escoamento perfeitamente desenvolvido de um fluido Newtoniano e para um
canal rectangular rectilíneo (coeficiente de tortuosidade igual a um) com as dimensões do vaso
pai (ver Figura 22) é sabido [23] que K deverá assumir um valor de 17.11. Em regime
perfeitamente desenvolvido (Figura 36, entre comprimento adimensionalizado 1 e 13,
aproximadamente) pode observar-se que o valor numérico de K (17.18) é bastante próximo do
referido valor da literatura.
No que diz respeito a canais rectangulares com a dimensão dos “vasos-filhos” (ver
Figura 22) é sabido [23] que o valor de K é de 14.76 (para escoamento perfeitamente
desenvolvido de um fluido Newtoniano). Na Figura 37 o comprimento adimensionalizado zero
representa a entrada do vaso, podendo observar-se que o valor de K obtido é superior ao valor
de 14.76, o que se deve, uma vez mais ao efeito do coeficiente de tortuosidade em K na
entrada do vaso filho (Figura 35).
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Figura 37: Coeficiente K= K0ττττ2 local no vaso filho para a água.
Para comprimentos adimensionalizados (Lu) 3 e 4 obtém-se escoamentos
hidraulicamente desenvolvidos (isto é, o valor de K estabiliza) sendo o valor numérico de K
(14.79) bastante próximo do da literatura (14.76).
A concordância entre os referidos valores da literatura do coeficiente K valida, adicionalmente,
o modelo numérico utilizado no presente trabalho.
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6. Conclusão
Neste trabalho foi apresentado a aplicação de um sistema micro-PTV confocal para
medir o comportamento dos eritrócitos durante o escoamento num microcanal
polidimetisiloxano (PDMS) rectangular com uma bifurcação. Numericamente estudou-se o
escoamento do sangue recorrendo ao software comercial de elementos finitos POLYFLOW®
utilizando diferentes modelos reológicos (Newtoniano, Carreau e lei de potência).
Ao combinar a abordagem experimental e computacional estudou-se os parâmetros
potencialmente mais importantes que influenciam o escoamento sanguíneo em bifurcações,
tais como: a distribuição local do hematócrito (Hct), velocidades locais e a geometria da
bifurcação.
Na região central perto da ramificação a velocidade atinge valores baixos, devido à
presença do ápice. Por outro lado, no “vaso-pai” e “vasos-filhos”, em regime completamente
desenvolvido, na região central é atingida a velocidade máxima. No “vaso-pai” e nos “vasos-
filhos” a velocidade média é igual uma vez que o caudal proveniente do “vaso-pai” se divide
igualmente para os “vasos-filhos”, tendo estes metade da área de secção transversal do “vaso-
pai”.
Tal como se esperava, segundo a revisão bibliográfica feita, a velocidade seria maior no
centro do canal e iria diminuindo quanto mais próximo das paredes onde se considerou
velocidade nula. À medida que o escoamento se aproxima do ponto de bifurcação a velocidade
tende a diminuir, isto devido, do ponto de vista experimental, à interacção entre os eritrócitos
nessa zona levando, possivelmente, a uma eventual aglomeração temporária destes, assim é
possível dizer que as características do fluxo sanguíneo na microcirculação são fortemente
influenciadas pela presença de eritrócitos no sangue, onde o comportamento mecânico dos
eritrócitos na microcirculação influência fortemente o fluxo de sangue.
Algumas trajectórias de eritrócitos podem sofrer desvios na direcção do escoamento,
isto, provavelmente devido a perturbações causadas por interacções celulares na vizinhança
do vértice da bifurcação (ponto de bifurcação) e por contacto entre eritrócitos vizinhos, onde é
então possível confirmar que a geometria do microcanal, neste caso um microcanal
rectangular com bifurcação afecta o escoamento sanguíneo dos eritrócitos ao longo do
percurso.
A possível aglomeração já mencionada de eritrócitos no vértice do microcanal, por
vezes denominado “rouleaux” deve-se à redução da velocidade nessa zona, levando a um
aumento da viscosidade aparente e à diminuição das tensões de corte.
Nos resultados das secções antes da bifurcação (Figuras 32 (a) e (b) ou secções 1 e 2,
respectivamente) verifica-se que os dados experimentais são bem descritos pelos diferentes
modelos reológicos. No entanto, a Figura 32 (c) sugere que para a secção 3 os dados
experimentais são melhor descritos pela lei de potência.
Nos resultados da Figura 33, depois da bifurcação, verifica-se que para todas as
secções (4 a 7) os dados experimentais são também melhor descritos pela lei de potência.
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Qualitativamente, os resultados obtidos com os diferentes modelos reológicos são
semelhantes.
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