View
0
Download
0
Category
Preview:
Citation preview
VOLUME 11 NUacuteMERO 3
SETEMBRODEZEMBRO 2016
BRASIacuteLIA 2017
ESTUDOSELEITORAIS
EJEEscola Judiciaacuteria EleitoralTribunal Superior Eleitoral
1
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
VOLUME 11 minus NUacuteMERO 3
SETEMBRODEZEMBRO 2016
BRASIacuteLIA minus 2017
ESTUDOSELEITORAIS
EJEEscola Judiciaacuteria EleitoralTribunal Superior Eleitoral
copy 2016 Tribunal Superior Eleitoral
Eacute proibida a reproduccedilatildeo total ou parcial desta obra sem a autorizaccedilatildeo expressa dos autores
Secretaria de Gestatildeo da Informaccedilatildeo SAFS Quadra 7 Lotes 12 1ordm andar 70070-600 ndash BrasiacuteliaDF Telefone (61) 3030-9225
Secretaacuterio-Geral da Presidecircncia Luciano Feliacutecio Fuck
Diretor-Geral da SecretariaMauriacutecio Caldas de Melo
Diretor da EJE Fabio Lima Quintas
Secretaacuteria de Gestatildeo da Informaccedilatildeo Janeth Aparecida Dias de Melo
Coordenadora de Editoraccedilatildeo e PublicaccedilotildeesRenata Leite Motta Paes Medeiros
Unidade responsaacutevel pelo conteuacutedoEscola Judiciaacuteria Eleitoral do TSE (EJETSE)
Produccedilatildeo editorial e diagramaccedilatildeoSeccedilatildeo de Editoraccedilatildeo e Programaccedilatildeo Visual (SeprovCedipSGI)
Capa e projeto graacutefico Daniel Paiva Alves Gomes
Revisatildeo Seccedilatildeo de Preparaccedilatildeo e Revisatildeo de Conteuacutedos (SeprevCedipSGI) Gabrielle Oliveira (estagiaacuteria) Paula Lins e Vanda Tourinho
Escola Judiciaacuteria Eleitoral do TSE (EJETSE)Caroline Santrsquo Ana Delfino e Geraldo Campetti Sobrinho
Impressatildeo e acabamento Seccedilatildeo de Graacuteficos (SegrafCedipSGI)
As ideias e opiniotildees expostas nos artigos satildeo de responsabilidade exclusiva dos autores e podem natildeo refletir a opiniatildeo do Tribunal Superior Eleitoral
Dados Internacionais de Catalogaccedilatildeo na Publicaccedilatildeo (CIP)(Tribunal Superior Eleitoral ndash Biblioteca Alysson Darowish Mitraud)
Estudos eleitorais Tribunal Superior Eleitoral - Vol 1 n 1 (1997) - - Brasiacutelia Tribunal Superior Eleitoral 1997- v 24 cm Quadrimestral
Suspensa de maio de 1998 a dez 2005 de set 2006 a dez 2007 e de maio 2008 a dez 2008
ISSN 1414-5146I Tribunal Superior Eleitoral 1 Direito eleitoral 2 Perioacutedico
CDD 3412805
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL
Presidente Ministro Gilmar Mendes
Vice-Presidente Ministro Luiz Fux
Ministros Ministra Rosa Weber
Ministro Herman Benjamin Ministro Napoleatildeo Nunes Maia Filho
Ministro Henrique Neves da Silva Ministra Luciana Loacutessio
Procurador-Geral Eleitoral Rodrigo Janot Monteiro de Barros
Conselho Editorial Ministro Ricardo Lewandowski Ministra Nancy Andrighi Ministro Aldir Guimaratildees Passarinho Junior Ministro Hamilton Carvalhido Ministro Marcelo Ribeiro Aacutelvaro Ricardo de Souza Cruz Andreacute Ramos Tavares Antonio Carlos Marcato Clegravemerson Merlin Clegraveve Francisco de Queiroz Bezerra Cavalcanti Joseacute Jairo Gomes Luiacutes Virgiacutelio Afonso da Silva Marcelo de Oliveira Fausto Figueiredo Santos Marco Antocircnio Marques da Silva Paulo Bonavides Paulo Gustavo Gonet Branco Paulo Hamilton Siqueira Junior Walber de Moura Agra Walter de Almeida Guilherme
COMPOSICcedilAtildeO DA EJE
Diretor Fabio Lima Quintas
Assessor-ChefeAdisson Taveira Rocha Leal
Servidores Ana Karina de Souza Castro Geraldo Campetti Sobrinho
Queacuteren Marques de Freitas da Silva Thayanne Fonseca Pirangi Soares
Colaboradores Caroline Santrsquo Ana Delfino
Keylla Cristina de Oliveira Ferreira
Apresentaccedilatildeo ______________________________________________________________________ 7
Estudos eleitorais
Reforma eleitoral perspectivas atuaisGILMAR FERREIRA MENDES _________________________________________________________13
A hermenecircutica desconcertante anaacutelise do Recurso Extraordinaacuterio com Agravo nordm 738499MAVOLGANE OLIVEIRA CARVALHO ______________________________________________________45
A propaganda eleitoral apoacutes as alteraccedilotildees introduzidas pelas leis nordm 128912013 e nordm 131652015GABRIEL DE SOUZA LEAL ___________________________________________________________71
Multipartidarismo excesso de partidos poliacuteticos e questotildees relativas ao pluralismo partidaacuterio brasileiroMARISA AMARO DOS REIS e LAIacuteS SALES DO PRADO E SILVA _________________________97
A Constituiccedilatildeo o sistema eleitoral proporcional e a minirreforma eleitoral de 2015JOAtildeO MARCEL BRAGA MACIEL VILELA JUNIOR ______________________________________ 123
A Lei Complementar nordm 1352010 (Lei da Ficha Limpa) seus aspectos controvertidos e suas repercussotildees seis anos apoacutes sua publicaccedilatildeoBAacuteRBARA MARIANNA DE MENDONCcedilA ARAUacuteJO BERTOTTI ___________________________ 149
Eleiccedilatildeo suplementar conceito circunstacircncias e motivaccedilotildees BRUNO SOUZA GARCIA e ALVARO AUGUSTO DE BORBA BARRETO _________________ 185
Propaganda poliacutetica uma abordagem sobre suas teacutecnicas com ecircnfase na mensagem subliminarSTELA CALDIERARO e ROOSEVELT ARRAES ________________________________________ 217
Estudos eleitorais na histoacuteria
Rui Barbosa e o voto WALTER COSTA PORTO ____________________________________________________________ 253
Estudos eleitorais no mundo
A representaccedilatildeo revisitada introduccedilatildeo contra a responsividade eleitoralJANE MANSBRIDGE ________________________________________________________________ 307
SUMAacuteRIO
Redefinindo a democracia sobre um sistema democraacutetico concebido para o seacuteculo XXI e sobre como mudar permanentemente a democraciaMAX KAYE e NATHAN SPATARO ____________________________________________________ 317
Normas para publicaccedilatildeo _______________________________________________________ 335
APRESENTACcedilAtildeO
O ano de 2016 foi marcado por instabilidade poliacutetica eleiccedilotildees municipais e por um sentimento crescente de que estamos diante de uma crise de representatividade poliacutetica Esse contexto somado agrave apreensatildeo global decorrente do resultado das eleiccedilotildees norte-americanas fez surgir reflexotildees sobre os sistemas eleitorais e sobre o modo como a democracia deve ser conduzida
Quanto agrave revista Estudos Eleitorais destaca-se a sua reestruturaccedilatildeo na medida em que a partir do nuacutemero 2 de 2016 voltou a contar com trecircs seccedilotildees intituladas Estudos Eleitorais Estudos Eleitorais na Histoacuteria e Estudos Eleitorais no Mundo Trata-se de um resgate da proposta original da publicaccedilatildeo com espaccedilos bem definidos para artigos diversos para artigos com vieacutes histoacuterico e para artigos que empreendam ou possibilitem a abordagem comparada da ciecircncia eleitoral
Abrindo a revista na seccedilatildeo Estudos Eleitorais o ministro do Supremo Tribunal Federal e presidente do Tribunal Superior Eleitoral Gilmar Ferreira Mendes discute como decisotildees paradigmaacuteticas do STF e do TSE e reformas legislativas recentes repercutem no sistema eleitoral adotado pela Constituiccedilatildeo Federal de 1988 O artigo intitulado Reforma eleitoral perspectivas atuais perpassa pontos como o processo de desenvolvimento do sistema proporcional brasileiro e as regras vigentes de financiamento de partidos poliacuteticos e campanhas eleitorais
Dando continuidade agrave seccedilatildeo Volgane Oliveira Carvalho explora aspectos problemaacuteticos que circundam o sistema judicial brasileiro ao avaliar as fases de uma questionaacutevel accedilatildeo de impugnaccedilatildeo de registro de candidatura em A hermenecircutica desconcertante anaacutelise do Recurso Extraordinaacuterio com Agravo nordm 738499MA Em seguida tem-se A propaganda eleitoral apoacutes as alteraccedilotildees introduzidas pelas leis nordm 128912013 e nordm 131652015 de autoria de Gabriel de Souza Leal No artigo Multipartidarismo excesso de partidos poliacuteticos e questotildees relativas ao pluralismo partidaacuterio brasileiro
Marisa Amaro dos Reis e Laiacutes Sales do Prado e Silva relacionam a maacute aplicaccedilatildeo do princiacutepio do pluripartidarismo a problemas de governabilidade e ao descreacutedito poliacutetico
Ainda na seccedilatildeo Estudos Eleitorais tem-se A Constituiccedilatildeo o sistema eleitoral proporcional e a minirreforma eleitoral de 2015 de autoria de Joatildeo Marcel Braga Maciel Vilela Junior No artigo A Lei Complementar nordm 1352010 (Lei da Ficha Limpa) seus aspectos controvertidos e suas repercussotildees seis anos apoacutes sua publicaccedilatildeo Baacuterbara Marianna de Mendonccedila Arauacutejo Bertotti discute as problemaacuteticas da Lei da Ficha Limpa em relaccedilatildeo agrave lisura do processo democraacutetico Em seguida Bruno Souza Garcia e Alvaro Augusto de Borba Barreto analisam as questotildees relativas agraves eleiccedilotildees suplementares em Eleiccedilatildeo suplementar conceito circunstacircncias e motivaccedilotildees A seccedilatildeo encerra-se com Propaganda poliacutetica uma abordagem sobre suas teacutecnicas com ecircnfase na mensagem subliminar artigo redigido por Stela Caldieraro e Roosevelt Arraes
A seccedilatildeo Estudos Eleitorais na Histoacuteria apresenta o memoraacutevel artigo Rui Barbosa e o voto de Walter Costa Porto ministro do Tribunal Superior Eleitoral entre 1996 e 2001 o qual realiza importante registro histoacuterico da trajetoacuteria poliacutetica do baiano Rui Barbosa iacutecone da cultura juriacutedico-poliacutetica brasileira A carreira os princiacutepios e as ideias de Rui Barbosa satildeo abordados de forma a elucidar determinados pontos de sua ceacutelebre trajetoacuteria
Finalizando a revista a seccedilatildeo Estudos Eleitorais no Mundo traz traduccedilotildees de dois artigos que se contrapotildeem em termos permitindo uma profiacutecua reflexatildeo Lidos em conjunto expotildeem ao leitor visotildees diferentes acerca da natureza do mandato eletivo e da chamada accountability
No primeiro A representaccedilatildeo revisitada introduccedilatildeo contra a responsividade eleitoral Jane Mansbridge professora da Universidade de Harvard discorre sobre a relevacircncia da integridade no cenaacuterio poliacutetico da participaccedilatildeo popular e da comunicaccedilatildeo entre representantes e representados
No segundo intitulado Redefinindo a democracia sobre um sistema democraacutetico concebido para o seacuteculo XXI e sobre como mudar permanentemente a democracia os australianos Max Kaye e Nathan Spataro fundadores do partido poliacutetico Flux fazem consideraccedilotildees sobre os atuais e improfiacutecuos sistemas democraacuteticos apresentando a chamada Democracia Direta Baseada em Assuntos (DDBA) como instrumento para se atingir a prosperidade poliacutetica e por conseguinte o desenvolvimento da sociedade humana
Com mais um nuacutemero da revista Estudos Eleitorais a Escola Judiciaacuteria Eleitoral reafirma seu compromisso com o aprimoramento das praacuteticas eleitorais com vistas ao fortalecimento da democracia propoacutesito almejado pela Justiccedila Eleitoral
A todos uma excelente leitura
Faacutebio L QuintasDiretor da EJETSE
REFORMA ELEITORAL PERSPECTIVAs ATUAIS GILMAR FERREIRA MENDES
13
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
REFORMA ELEITORAL PERSPECTIVAS ATUAIS
ELECTORAL REFORM CURRENT PERSPECTIVES
GILMAR FERREIRA MENDES1
RESUMO
Discute como decisotildees paradigmaacuteticas do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral e reformas legislativas recentes repercutem no sistema eleitoral adotado pela Constituiccedilatildeo de 1988 Objetiva analisar especificamente o estaacutegio atual do sistema eleitoral brasileiro quanto agraves regras de eleiccedilatildeo proporcional e quanto agraves regras vigentes de financiamento de partidos poliacuteticos e campanhas eleitorais alertando que qualquer tipo de reforma poliacutetica deve ser bem analisada e conduzida com cuidado Conclui que eacute preciso evitar concepccedilotildees aventureiras comprometedoras do capital institucional acumulado com sacrifiacutecio ressalvando que eacute vaacutelido incentivar inovaccedilotildees e experimentos institucionais que busquem responder agraves complexidades de uma sociedade submetida a empreitadas de risco
Palavras-chave Reforma eleitoral Sistema eleitoral Financiamento Campanha eleitoral Partido Poliacutetico Brasil
ABSTRACT
It discusses how paradigmatic decisions of the Federal Supreme Court and the Superior Electoral Court and recent legislative reforms have repercussions on the electoral system adopted by the Constitution of 1988 It aims to analyze specifically the current stage of the Brazilian electoral system regarding the rules of proportional election and the current rules of Financing of political parties and
1 Ministro do Supremo Tribunal Federal e Presidente do Tribunal Superior Eleitoral
14
electoral campaigns warning that any kind of political reform should be well analyzed and carefully conducted It concludes that it is necessary to avoid adventurous conceptions compromising of the accumulated institutional capital with sacrifice noting that it is valid to encourage innovations and institutional experiments that seek to respond to the complexities of a society submitted to risky contracts
Keywords Electoral reform Electoral system Financing Election campaign Political party Brazil
15
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
1 IntroduccedilatildeoA Constituiccedilatildeo de 1998 foi um marco importante na nossa histoacuteria
institucional O periacuteodo de 1891 a 1988 foi marcado por sucessivas interrupccedilotildees por tentativas de golpe e pelo comprometimento da democracia Mas sob a Carta de 1988 estamos vivendo com todas as suas vicissitudes e problemas o mais longo periacuteodo de normalidade institucional de nossa histoacuteria republicana
Eacute claro que as mazelas se manifestam E noacutes que temos caracteriacutesticas ciclotiacutemicas passamos do entusiasmo agrave depressatildeo com muita rapidez Contudo o modelo estaacute em funcionamento As respostas que damos a eventuais distorccedilotildees comprovam-no As instituiccedilotildees continuam exercendo seus papeacuteis e satildeo respeitadas As questotildees polecircmicas satildeo tratadas pelas instacircncias competentes Haacute a possibilidade de se recorrer ao Judiciaacuterio sempre que haja violaccedilatildeo de direitos e deficits que precisem ser superados O quadro eacute de inequiacutevoca normalidade institucional
Poreacutem relativamente ao sistema poliacutetico eleitoral parece que natildeo conseguimos de fato avanccedilar nem sugerir mudanccedilas adequadas Temos sido extremamente inventivos nas mais diversas searas por exemplo no que concerne ao papel do Ministeacuterio Puacuteblico na nova sociedade poacutes 1988 Eacute um modelo singular certamente com problemas os quais poreacutem satildeo detectaacuteveis e passiacuteveis de correccedilatildeo
Percebemos as deficiecircncias do Judiciaacuterio cujo papel independente eacute determinante para uma democracia funcional Mas quanto agraves questotildees poliacuteticas ficamos alheios a uma evoluccedilatildeo Daiacute a frase de Ulysses Guimaratildees quanto ao faacutecil prognoacutestico de que ldquoa proacutexima legislatura seraacute sempre pior que a atualrdquo Quer dizer temos tido um quadro de deterioraccedilatildeo poliacutetica Os debates poliacuteticos ausentaram-se do Congresso Nacional Temas importantes jaacute natildeo satildeo discutidos Projetos de leis relevantes acabam natildeo sendo vistos pelas comissotildees temaacuteticas Estas deixaram de ser atrativas Satildeo raras as pessoas de talento poliacutetico
Tais adversidades satildeo frutos do modelo de sistema proporcional criado pelas instituiccedilotildees poliacuteticas brasileiras Eacute um sistema singular
16
que mereceu diversos estudos e ateacute cumpriu uma missatildeo importante Foi uacutetil para a soluccedilatildeo de seacuterios problemas poliacuteticos mas ao que tudo indica vem dando sinais de exaustatildeo
Haacute tambeacutem uma preocupaccedilatildeo acentuada com a fragilidade dos mecanismos de fiscalizaccedilatildeo e controle das contas de campanha Reiterados escacircndalos de corrupccedilatildeo na nossa histoacuteria constitucional tecircm exposto as dificuldades de se equilibrarem as relaccedilotildees entre poder poliacutetico e econocircmico na realidade brasileira
Nesse contexto o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vecircm sendo chamados a apreciar questotildees que repercutem no cenaacuterio poliacutetico do paiacutes Inovaccedilotildees legislativas recentes como as perpetradas pela Lei nordm 13165 de 29 de setembro de 2015 tambeacutem denotam uma preocupaccedilatildeo do Congresso com as deficiecircncias do atual modelo
O presente texto discute como decisotildees paradigmaacuteticas do STF e do TSE e reformas legislativas recentes repercutem no sistema eleitoral adotado pela Constituiccedilatildeo de 1988 O objetivo aqui eacute analisar especificamente o estaacutegio atual do sistema eleitoral brasileiro quanto agraves regras de eleiccedilatildeo proporcional e quanto agraves regras vigentes de financiamento de partidos poliacuteticos e campanhas eleitorais
2 O sistema proporcional brasileiro Eacute sabido que o sistema eleitoral proporcional encontra a maior
justificativa entre os seus defensores no fato de permitir uma representaccedilatildeo mais plural Contrariamente ao sistema majoritaacuterio ele viabiliza que minorias sejam representadas no Parlamento o que proporcionaria um aumento do iacutendice democraacutetico por meio da representaccedilatildeo efetiva de variadas parcelas populacionais tendo em vista sua forma de funcionamento baseada no modelo de alcance do quociente eleitoral pelos partidos poliacuteticos
O sistema proporcional permite uma distribuiccedilatildeo de vagas de acordo com o nuacutemero de votos obtidos pelos candidatos eou partidos Isso significa que os votos dados ao parlamentar ou ao
17
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
partido seratildeo computados para os fins de definiccedilatildeo do quociente eleitoral e do quociente partidaacuterio Em geral o sistema proporcional opera-se com listas fechadas apresentadas pelos partidos fazendo-se a distribuiccedilatildeo de vagas consoante a votaccedilatildeo obtida pelo partido e pela posiccedilatildeo atribuiacuteda ao candidato na lista partidaacuteria Semelhante sistema parece contemplar de forma mais ampla a igualdade do voto quanto ao resultado pois valora tanto quanto possiacutevel as opccedilotildees formuladas pelos eleitores Esse modelo gera a possibilidade de estrateacutegias partidaacuterias que visem a alcanccedilar o quociente eleitoral o maacuteximo de vezes de forma a garantir o preenchimento do maior nuacutemero possiacutevel de cadeiras no Parlamento
A Constituiccedilatildeo brasileira definiu que as eleiccedilotildees dos deputados federais dos deputados estaduais e dos vereadores efetivar se-atildeo pelo criteacuterio proporcional (arts 27 sect 1ordm e 45)2 Eacute certo por isso que o legislador disporia de alguma discricionariedade na concretizaccedilatildeo de um sistema proporcional inclusive o sistema de lista partidaacuteria fechada ou o sistema de lista com mobilidade A legislaccedilatildeo brasileira preservou o sistema proporcional de listas abertas e votaccedilatildeo nominal que corresponde agrave nossa praacutetica desde 19323
Trata -se de um modelo proporcional peculiar e diferenciado do modelo proporcional tradicional que se assenta em listas apresentadas pelos partidos poliacuteticos A lista aberta de candidatos existente no Brasil faz com que o mandato parlamentar que resulta desse sistema afigure‑se tambeacutem mais como fruto do desempenho e do esforccedilo do candidato do que da atividade partidaacuteria Como destacado por Scott Mainwaring esse sistema com essa caracteriacutestica somente se desenvolveu no Brasil e na Finlacircndia4 Em verdade tal
2 A eleiccedilatildeo dos vereadores segue o modelo proporcional com base na tradiccedilatildeo constitucional e em expressas disposiccedilotildees do Coacutedigo Eleitoral (arts 84 e 105 a 113) Eacute verdade que o silecircncio do texto constitucional poderia suscitar indagaccedilotildees sobre a efetiva competecircncia da Uniatildeo para legislar sobre o tema
3 A rigor tal como anota Walter Costa Porto em palestra recente perante o IX Congresso Brasiliense de Direito Constitucional (10112006) o sistema adotado em 1932 era ainda um sistema misto pois ele acabava por contemplar a eleiccedilatildeo em segundo turno dos mais votados que natildeo alcanccedilaram o quociente eleitoral Somente em 1935 foi adotado um modelo puramente proporcional
4 MAINWARING Scott Poliacuteticos partidos e sistemas eleitorais Estudos Eleitorais TSE n 2 p 335 (343) maioago 1997
18
como anota Giusti Tavares semelhante modelo eacute adotado tambeacutem no Chile5
No sentido da originalidade do sistema anota Walter Costa Porto que o tema acabou natildeo merecendo estudo adequado por parte dos estudiosos brasileiros mas despertou o interesse de pesquisadores estrangeiros como Jean Blondel Registrem-se as observaccedilotildees de Walter Costa Porto6
Tal peculiaridade foi pouco examinada pelos nossos analistas E foi um estrangeiro que lhe deu atenccedilatildeo Jean Blondel nascido em Toulon Franccedila professor das universidades inglesas de Manchester e Essex e autor entre outros livros de Introduction to Comparative Government Thinking Politicaly and Voters Parties and Leaders Em introduccedilatildeo a uma pesquisa que realizou em 1957 no Estado da Paraiacuteba escreveu Blondel
A lei eleitoral brasileira eacute original e merece ser descrita minuciosamente Eacute com efeito uma mistura de escrutiacutenio uninominal e de representaccedilatildeo proporcional da qual haacute poucos exemplos atraveacutes do mundo [] Quanto aos postos do Executivo eacute sempre utilizado o sistema majoritaacuterio simples [] Mas para a Cacircmara Federal para as Cacircmaras dos Estados e para as Cacircmaras Municipais o sistema eacute muito mais complexo O princiacutepio de base eacute que cada eleitor vote somente num candidato mesmo que a circunscriccedilatildeo comporte vaacuterios postos a prover natildeo se vota nunca por lista Nisto o sistema eacute uninominal No entanto ao mesmo tempo cada partido apresenta vaacuterios candidatos tantos quantos satildeo os lugares de deputados em geral menos se estes satildeo pequenos partidos De algum modo os candidatos de um mesmo partido estatildeo relacionados pois a divisatildeo de cadeiras se faz por representaccedilatildeo proporcional pelo nuacutemero de votos obtidos por todos os candidatos de um mesmo partido [] Votando num candidato de fato o eleitor indica de uma vez uma preferecircncia e um partido Seu voto parece dizer lsquoDesejo ser representado por um tal partido e mais especificamente pelo Sr Fulano Se este natildeo for eleito ou for de sobra que disso aproveite todo o partido O sistema eacute pois uma forma de voto preferencial mas
5 Cf TAVARES Giusti Joseacute Antonio Sistemas eleitorais nas democracias contemporacircneas Rio de Janeiro Relume Dumaraacute 1994 p 126‑127
6 Cf PORTO Walter Costa Sistema eleitoral brasileiro Palestra proferida no IX Congresso Brasiliense de Direito Constitucional Brasiacutelia 10112006
19
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
condiccedilotildees teacutecnicas satildeo tais que este modo de escrutiacutenio eacute uma grande melhora sobre o sistema preferencial tal qual existe na Franccedila
Nas eleiccedilotildees parlamentares de 2002 apresentou-se situaccedilatildeo que gerou enorme polecircmica O partido Prona elegeu 6 deputados O deputado Eneacuteas Carneiro obteve 1573642 votos Cinco outros candidatos da legenda obtiveram votaccedilatildeo pouco expressiva (18 mil votos 673 votos 484 votos 382 votos 275 votos) Como o quociente eleitoral foi de 280 mil votos o partido logrou preencher 6 vagas 4 delas por candidatos com menos de mil votos Eacute certo igualmente que nesse pleito deixaram de ser eleitos 17 candidatos com mais de 70 mil votos7 Natildeo se tratava de insensatez do sistema mas de aplicaccedilatildeo de sua loacutegica haacute um primeiro movimento que permite ao partido obter tantas cadeiras quantas vezes ele atingir o quociente eleitoral e um segundo movimento que define que os mais votados do partido seratildeo eleitos independentemente de sua votaccedilatildeo individual8
Tal como registra Walter Costa Porto esse sistema permitia que um candidato sem nenhum voto nominal fosse eleito Nas eleiccedilotildees de 2 de dezembro de 1945 o Partido Social Democraacutetico apresentou 2 candidatos a deputado federal no Territoacuterio do Acre ndash Hugo Ribeiro Carneiro e Hermelindo de Gusmatildeo Castelo Branco Filho O primeiro candidato obteve 3775 votos o segundo nenhum voto nominal Natildeo obstante o partido alcanccedilou o quociente eleitoral com excedente de 1077 votos O criteacuterio do maior nuacutemero de votos do partido em caso de sobra acabou por conferir mandato a candidato que natildeo obtivera sequer um voto9
Visando conter situaccedilotildees dessa natureza a Lei nordm 131652015 acrescentou nova regra ao sistema proporcional brasileiro criando a claacuteusula de votaccedilatildeo nominal miacutenima no art 108 do Coacutedigo Eleitoral
No regime atual portanto impotildee-se precisar (1) o nuacutemero de votos vaacutelidos (2) o quociente eleitoral (3) o quociente partidaacuterio
7 PORTO Walter Costa A mentirosa urna Satildeo Paulo Martins Fontes 2004 p 1768 Id ibid9 Id ibid p 157
20
(4) a lista dos candidatos eleitos entre os mais votados que lograram obter a claacuteusula de votaccedilatildeo nominal miacutenima referida no art 108 do Coacutedigo Eleitoral (votaccedilatildeo igual ou superior a 10 dos votos do quociente eleitoral) (5) a teacutecnica de distribuiccedilatildeo de sobras de cadeiras (6) o criteacuterio a ser adotado na falta de obtenccedilatildeo do quociente eleitoral e na elaboraccedilatildeo da lista de suplentes
Os votos vaacutelidos satildeo os votos conferidos agrave legenda partidaacuteria e ao candidato Natildeo satildeo computados os votos nulos e os votos em branco
O quociente eleitoral que traduz o iacutendice de votos a ser obtido para a distribuiccedilatildeo das vagas obteacutem-se mediante a divisatildeo do nuacutemero de votos vaacutelidos pelos lugares a preencher na Cacircmara dos Deputados nas assembleias legislativas ou nas cacircmaras de vereadores
O quociente partidaacuterio indica o nuacutemero de vagas alcanccedilado pelos partidos e eacute calculado pela divisatildeo do nuacutemero de votos conferidos ao partido diretamente ou a seus candidatos pelo quociente eleitoral desprezando se a fraccedilatildeo
A lista dos candidatos eleitos pelo partido ou coligaccedilatildeo eacute formada pelos mais votados que lograram obter a claacuteusula de votaccedilatildeo nominal miacutenima conforme o art 108 do Coacutedigo Eleitoral (votaccedilatildeo igual ou superior a 10 dos votos do quociente eleitoral) Eacute dizer caso o partido ou coligaccedilatildeo tenha obtido cinco vagas mas apenas trecircs candidatos alcanccedilaram a claacuteusula de votaccedilatildeo nominal miacutenima o partido ou coligaccedilatildeo ficaraacute com apenas trecircs vagas (no modelo anterior ficava com as cinco vagas) e as outras duas vagas iratildeo para as sobras de cadeira (art 108 paraacutegrafo uacutenico do Coacutedigo Eleitoral)
A distribuiccedilatildeo de restos ou sobras decorre do fato de apoacutes a distribuiccedilatildeo inicial haver vagas a serem preenchidas sem que os partidos tenham votos suficientes para atingir o quociente eleitoral Podem-se adotar diferentes criteacuterios como a distribuiccedilatildeo pela maior sobra ou pela maior meacutedia10 O Coacutedigo Eleitoral art 109 adotou o criteacuterio da maior meacutedia estabelecendo que para obtecirc-la
10 Cf TEIXEIRA J H Meirelles Curso de direito constitucional Satildeo Paulo Forense Universitaacuteria 1991 p 525
21
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
I ndash dividir-se-aacute o nuacutemero de votos vaacutelidos atribuiacutedos a cada partido ou coligaccedilatildeo pelo nuacutemero de lugares definido para o partido pelo caacutelculo do quociente partidaacuterio do art 107 mais um cabendo ao partido ou coligaccedilatildeo que apresentar a maior meacutedia um dos lugares a preencher desde que tenha candidato que atenda agrave exigecircncia de votaccedilatildeo nominal miacutenima II ndash repetir-se-aacute a operaccedilatildeo para cada um dos lugares a preencher III ndash quando natildeo houver mais partidos ou coligaccedilotildees com candidatos que atendam agraves duas exigecircncias do inciso I as cadeiras seratildeo distribuiacutedas aos partidos que apresentem as maiores meacutedias
Para fins de caacutelculo das sobras de cadeira verifica‑se que a reforma eleitoral de 2015 alterou a redaccedilatildeo do art 109 I do Coacutedigo Eleitoral passando a divisatildeo ldquopelo nuacutemero de lugares por ele obtido mais umrdquo para ldquopelo nuacutemero de lugares definido para o partido pelo caacutelculo do quociente partidaacuterio do art 107 mais umrdquo A parte final do referido inciso expressamente condiciona a participaccedilatildeo do partido ou da coligaccedilatildeo com candidato que tenha obtido a claacuteusula de votaccedilatildeo nominal miacutenima mantendo poreacutem a regra original que tambeacutem condiciona a participaccedilatildeo somente de partidos ou de coligaccedilotildees que tenham obtido o quociente eleitoral (art 109 sect 2ordm do Coacutedigo Eleitoral)
A aplicaccedilatildeo do referido sistema pode ser exemplificada no seguinte modelo apresentado por Joseacute Afonso da Silva tendo por base a eleiccedilatildeo em determinado ano para a Cacircmara dos Deputados na qual se verificaram 8 milhotildees de votos vaacutelidos para 42 lugares Tem-se assim a seguinte situaccedilatildeo
(1) votos vaacutelidos 8000000(2) cadeiras 42(3) quociente eleitoral 8000000 divide 42 = 190476(4) quociente partidaacuterio aferido na forma seguinte
Partido Votos QuocienteEleitoral
QuocientePartidaacuterio Sobras
A 3000000 divide 190476 = 15 cadeiras E 142860 votos
B 2200000 divide 190476 = 11 cadeiras E 104764 votos
22
Partido Votos QuocienteEleitoral
QuocientePartidaacuterio Sobras
C 1600000 divide 190476 = 8 cadeiras E 76192 votos
D 800000 divide 190476 = 4 cadeiras E 38096 votos
E 300000 divide 190476 = 1 cadeira E 109524 votos
F 100000 divide 190476 = nenhuma cadeira E natildeo se
computa
Dessarte estariam preenchidas 39 cadeiras remanescendo 3 cadeiras a serem distribuiacutedas pela teacutecnica da maior meacutedia Vale lembrar que o exemplo citado por Joseacute Afonso da Silva foi anterior agrave reforma introduzida pela Lei nordm 131652015 Portanto aleacutem de as vagas serem preenchidas pelos candidatos mais votados dentro do partido ou da coligaccedilatildeo eacute necessaacuterio tambeacutem que eles tenham conseguido a claacuteusula de votaccedilatildeo nominal miacutenima (art 108 do Coacutedigo Eleitoral) Eacute dizer no exemplo proposto somente seriam eleitos os candidatos que obtivessem no miacutenimo 19047 votos ndash 10 dos votos do quociente eleitoral
Quanto ao criteacuterio para a distribuiccedilatildeo das sobras das cadeiras haacute duas interpretaccedilotildees possiacuteveis considerando a modificaccedilatildeo da redaccedilatildeo do art 109 do Coacutedigo Eleitoral promovida pela Lei nordm 131652015 A primeira delas manteacutem o regramento juriacutedico anterior condicionando contudo que o partido ou coligaccedilatildeo tenha candidato que obteve a claacuteusula de votaccedilatildeo nominal miacutenima Eis o procedimento para a distribuiccedilatildeo da primeira cadeira remanescente conforme exemplo proposto por Joseacute Afonso da Silva
Partido Votos QuocientePartidaacuterio + 1 Meacutedias
A 3000000 divide 16 (15 + 1) 187500B 2200000 divide 12 (11 + 1) 183333C 1600000 divide 9 (8 + 1) 177777D 800000 divide 5 (4 + 1) 160000E 300000 divide 2 (1 + 1) 150000
F estaacute fora de quociente eleitoral - -
23
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
O partido A obteve a maior meacutedia e ficaraacute com a primeira das trecircs cadeiras remanescentes Repete‑se a operaccedilatildeo para verificar a quem caberaacute a segunda cadeira
Partido Votos QuocientePartidaacuterio + 1 Meacutedias
A 3000000 divide 17 (16 + 1) 176470B 2200000 divide 12 (11 + 1) 183333C 1600000 divide 9 (8 + 1) 177777D 800000 divide 5 (4 + 1) 160000E 300000 divide 2 (1 + 1) 150000
A segunda cadeira coube entatildeo ao partido B Repetida a operaccedilatildeo para a terceira cadeira tecircm-se os seguintes nuacutemeros partido A ndash 176470 partido B (2200000 dividido por 12 + 1 = 13) ndash 169230 partido C ndash 177777 (maior meacutedia) partido D ndash 160000 e partido E ndash 150000 A uacuteltima cadeira ficou com o partido C
A distribuiccedilatildeo dos assentos ficou assim configurada
Partido CadeirasA 16B 12C 9D 4E 1F 0
Total 42
A segunda interpretaccedilatildeo possiacutevel parte da literalidade do art 109 I do Coacutedigo Eleitoral segundo o qual a divisatildeo das sobras seraacute ldquopelo nuacutemero de lugares definido para o partido pelo caacutelculo do quociente partidaacuterio do art 107 mais umrdquo Dessa forma como o quociente partidaacuterio eacute sempre um nuacutemero fixo (15 no exemplo citado) o partido A ficaria com todas as 3 vagas das sobras pois nos caacutelculos seguintes natildeo se somaria a vaga recebida das sobras considerando que sempre se manteria o divisor 16 (quociente partidaacuterio de 15 + 1) razatildeo pela qual o partido manteria em todas as repeticcedilotildees a maior meacutedia (3000000 votos vaacutelidos16 = 187500)
24
Contudo uma compreensatildeo constitucional do sistema proporcional que busca a diversidade de ideias mediante o pluralismo poliacutetico (art 17 caput da Constituiccedilatildeo Federal) pode levar agrave conclusatildeo de que as regras originaacuterias de caacutelculo das sobras estatildeo mantidas agregando todavia a claacuteusula de votaccedilatildeo nominal miacutenima pois aleacutem de permitir uma maior participaccedilatildeo partidaacuteria evita que o sistema proporcional nessa fase de caacutelculo de sobras seja eminentemente pautado pelo criteacuterio majoritaacuterio
A propoacutesito a Procuradoria-Geral da Repuacuteblica ajuizou accedilatildeo direta de inconstitucionalidade (ADI nordm 5420DF decisatildeo publicada no DJE de 9122015) cujo pedido de medida liminar foi deferido pelo Ministro Dias Toffoli
[] para suspender com efeito ex nunc a eficaacutecia da expressatildeo ldquonuacutemero de lugares definido para o partido pelo caacutelculo do quociente partidaacuterio do art 107rdquo constante do inc I do art 109 do Coacutedigo Eleitoral (com redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 131652015) mantido ndash nesta parte ndash o criteacuterio de caacutelculo vigente antes da ediccedilatildeo da Lei nordm 131652015
Ademais se nenhum partido atingir o quociente eleitoral o Coacutedigo Eleitoral determina que hatildeo de ser considerados eleitos os candidatos mais votados independentemente de qualquer criteacuterio de proporcionalidade (art 111 do Coacutedigo Eleitoral) A soluccedilatildeo parece questionaacutevel como anota Joseacute Afonso da Silva pois a Constituiccedilatildeo prescreve no caso a adoccedilatildeo do sistema eleitoral proporcional11 No entanto para fins de formaccedilatildeo da lista de suplentes natildeo se exige a claacuteusula de votaccedilatildeo nominal miacutenima (art 112 paraacutegrafo uacutenico do Coacutedigo Eleitoral)
Vecirc-se assim que tambeacutem no sistema proporcional tendo em vista razotildees de ordem praacutetica os votos dos partidos que natildeo atingiram o quociente eleitoral e os votos constantes das sobras podem natildeo ter nenhum aproveitamento impossibilitando conferir‑lhes significado quanto ao resultado
11 Cf SILVA Joseacute Afonso da Curso de direito constitucional positivo 27 ed Satildeo Paulo Malheiros p 376
25
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
Mencione-se que pode ocorrer ateacute mesmo que o candidato mais votado no pleito eleitoral natildeo logre obter o assento em razatildeo de a agremiaccedilatildeo partidaacuteria natildeo ter obtido o quociente eleitoral Foi o que se verificou em vaacuterios casos expressivos dentre os quais se destaca o de Dante de Oliveira que candidato pelo Partido Democraacutetico Trabalhista (PDT) a uma vaga para a Cacircmara dos Deputados pelo Estado de Mato Grosso nas eleiccedilotildees de 1990 obteve a maior votaccedilatildeo (49886 votos) e natildeo foi eleito em razatildeo de seu partido natildeo ter obtido o quociente Agrave eacutepoca postulou a revisatildeo do resultado com a alegaccedilatildeo de que a inclusatildeo dos votos brancos para obtenccedilatildeo do quociente eleitoral revelava-se inconstitucional (Coacutedigo Eleitoral art 106 paraacutegrafo uacutenico) O Tribunal Superior Eleitoral rejeitou essa alegaccedilatildeo com o argumento de que os votos brancos eram manifestaccedilotildees vaacutelidas e somente natildeo seriam computaacuteveis para as eleiccedilotildees majoritaacuterias por forccedila de normas constitucionais expressas (CF arts 28 29 II e 77 sect 2ordm)12 Tambeacutem o recurso extraordinaacuterio interposto contra essa decisatildeo natildeo foi acolhido tendo em vista as mesmas razotildees13
O art 106 paraacutegrafo uacutenico do Coacutedigo Eleitoral foi revogado pela Lei nordm 9504 de 30 de setembro de 1997 Desde entatildeo natildeo se tem mais duacutevida de que voto em branco natildeo deve ser contemplado para fins de caacutelculo do quociente eleitoral
Outra questatildeo relevante coloca-se tendo em vista a claacuteusula contida no art 109 sect 2ordm do Coacutedigo Eleitoral segundo a qual ldquosomente poderatildeo concorrer agrave distribuiccedilatildeo dos lugares os partidos ou as coligaccedilotildees que tiverem obtido quociente eleitoralrdquo Explicita-se aqui outra relativizaccedilatildeo da efetividade do voto uma vez que somente seratildeo contemplados os votos dos partidos que lograram obter o quociente eleitoral Nas eleiccedilotildees de 2002 Joseacute Carlos Fonseca obteve 92727 votos para deputado federal pelo Estado do Espiacuterito Santo O quociente eleitoral foi de 165284 e a sua coligaccedilatildeo obteve 145271 votos ou 878 dos votos conferidos Preenchidas 7 vagas cuidou-se da distribuiccedilatildeo dos restos ou sobras O Tribunal Regional Eleitoral recusou-se a contemplar a coligaccedilatildeo agrave
12 Cf TSE Recurso Especial Eleitoral nordm 9277MT rel Min Vilas Boas DJ de 2341991 cf sobre o assunto tambeacutem PORTO Walter Costa Op cit p 171‑173
13 Cf STF RE nordm 140386MT rel Min Carlos Velloso DJ de 2042001
26
qual estava vinculado Joseacute Carlos Fonseca no caacutelculo das sobras em razatildeo do disposto no art 109 sect 2ordm do Coacutedigo Eleitoral Contra essa decisatildeo foi impetrado mandado de seguranccedila forte no argumento da desproporcionalidade do criteacuterio ou da adoccedilatildeo de criteacuterio legal que transmudava o sistema proporcional em sistema majoritaacuterio Enquanto a coligaccedilatildeo que obtivera 878 dos votos natildeo conquistaria mandato parlamentar as demais estariam assim representadas14
Coligaccedilotildees Votos CadeirasColigaccedilatildeo Espiacuterito Santo
Forte 3936 50
Frente Competecircncia para Mudar 1274 10
Frente Mudanccedila para Valer 1737 20Frente Trabalhista 2107 25
O TSE rejeitou a accedilatildeo assentando que a expressatildeo sistema proporcional contida no art 45 da Constituiccedilatildeo encontraria no Coacutedigo Eleitoral criteacuterios precisos e definidos A discussatildeo sobre a adequaccedilatildeo dos criteacuterios utilizados pelo legislador resvalava para controveacutersia de lege ferenda sem reflexo no plano da legitimidade da foacutermula15
O sect 2ordm do art 109 do Coacutedigo Eleitoral foi contestado a esse respeito no Tribunal Superior Eleitoral O MS nordm 3555AL da relatoria do Ministro Joseacute Delgado foi impetrado por ex-deputado ao argumento de que o dispositivo eleitoral instituiu uma claacuteusula de exclusatildeo e portanto deveria ser tido como natildeo recepcionado pela Carta de 1988 O TSE poreacutem denegou a seguranccedila
Atualmente tramita no Supremo Tribunal Federal a ADPF nordm 161PR da relatoria do Ministro Celso de Mello na qual se questiona a constitucionalidade daquele dispositivo do Coacutedigo Eleitoral O Partido da Repuacuteblica autor da accedilatildeo alega que o referido sect 2ordm ao definir o quociente eleitoral como verdadeira claacuteusula de exclusatildeo (ldquoSomente poderatildeo participar do caacutelculo das sobras os partidos que obtiveram o quociente eleitoralrdquo) violaria o princiacutepio
14 Cf PORTO Walter Costa Op cit p 18015 Cf TSE Mandado de Seguranccedila nordm 3109ES rel Min Saacutelvio de Figueiredo DJ de 332006
27
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
da igualdade de chances o pluralismo poliacutetico o princiacutepio do voto como valor igual para todos e o proacuteprio sistema proporcional Afirma o partido requerente que como a claacuteusula de exclusatildeo natildeo faz parte da foacutermula da maior meacutedia a distribuiccedilatildeo das sobras natildeo dependeria da norma do sect 2ordm do art 109 do Coacutedigo Eleitoral Uma vez declarada a sua natildeo recepccedilatildeo permaneceriam as regras do art 109 I e II e dessa forma na distribuiccedilatildeo dos restos ou sobras os partidos que natildeo lograssem alcanccedilar o quociente eleitoral teriam seus votos divididos por um16
Com o advento da Lei nordm 131652015 que passou a exigir claacuteusula de votaccedilatildeo nominal miacutenima (10 do quociente eleitoral) pode-se gerar uma situaccedilatildeo de extrema relevacircncia juriacutedica quando no limite exemplificativo o partido ou coligaccedilatildeo que tenha obtido mais votos natildeo preencha sequer uma vaga considerando que nenhum candidato obteve a referida claacuteusula (grande pulverizaccedilatildeo de votos entre os candidatos do partido ou da coligaccedilatildeo ou nuacutemero espetacular de votos de legenda) ou ainda como exemplo quando o partido ou coligaccedilatildeo mais sufragada nas urnas alcance um nuacutemero bem menor de lugares comparado com outros concorrentes que obtiveram votaccedilatildeo inferior Eacute dizer o modelo atual pode fomentar na proacutepria agremiaccedilatildeo partidaacuteria a necessidade de difundir o voto nominal o voto em determinado candidato e natildeo na proacutepria legenda o que pode enfraquecer ainda mais o proacuteprio sistema partidaacuterio brasileiro
De fato o modelo proporcional de listas abertas adotado entre noacutes contribui acentuadamente para a personalizaccedilatildeo da eleiccedilatildeo o que faz com que as legendas dependam em grande medida do desempenho de candidatos especiacuteficos Daiacute o destaque que se confere agraves candidaturas de personalidades dos diversos setores da sociedade ou de representantes de corporaccedilatildeo Essa personalizaccedilatildeo do voto acaba por acentuar a dependecircncia do partido e a determinar a sua fragilidade programaacutetica
A legislaccedilatildeo brasileira chegou a prever a adoccedilatildeo de uma forma peculiar de claacuteusula de barreira ou de desempenho como requisito
16 O Projeto de Lei nordm 602 de 1995 que tramita na Cacircmara dos Deputados foi idealizado com o escopo de suprimir o sect 2ordm do art 109 do Coacutedigo Eleitoral
28
para o pleno funcionamento parlamentar dos partidos poliacuteticos A regra possuiacutea fundamento no art 17 IV da Constituiccedilatildeo que assegura aos partidos poliacuteticos o funcionamento parlamentar de acordo com a lei
O art 13 da Lei dos Partidos Poliacuteticos previa que somente
tem direito a funcionamento parlamentar em todas as Casas Legislativas para as quais tenha elegido representante o partido que em cada eleiccedilatildeo para a Cacircmara dos Deputados obtenha o apoio de no miacutenimo cinco por cento dos votos apurados natildeo computados os brancos e os nulos distribuiacutedos em pelo menos um terccedilo dos Estados com um miacutenimo de dois por cento do total de cada um deles
Assim o partido poliacutetico que natildeo obtivesse tais percentuais de votaccedilatildeo natildeo teria direito ao funcionamento parlamentar o que significaria a natildeo formaccedilatildeo de bancadas e de suas lideranccedilas com todas as repercussotildees que isso poderia causar como a natildeo participaccedilatildeo em comissotildees parlamentares e o natildeo exerciacutecio de cargos e funccedilotildees nas Casas Legislativas Aleacutem disso o partido somente teria direito (a) a receber 1 do Fundo Partidaacuterio (art 41 II) e (b) agrave realizaccedilatildeo de um programa em cadeia nacional em cada semestre com a duraccedilatildeo de apenas 2 minutos (art 48)
Observe-se nesse ponto que diversamente dos modelos adotados no direito comparado ndash cito como referecircncia o sistema alematildeo ndash a foacutermula adotada pela legislaccedilatildeo brasileira restringia o funcionamento parlamentar do partido mas natildeo afetava a proacutepria eleiccedilatildeo do representante Natildeo haveria de se cogitar pois em repercussatildeo direta sobre os mandatos dos representantes obtidos para a agremiaccedilatildeo que natildeo satisfizesse a referida claacuteusula de funcionamento parlamentar
Nos termos de disposiccedilatildeo transitoacuteria (art 57) essa norma do art 13 somente entraria em vigor para a legislatura do ano de 2007 Assim aleacutem de definir as regras e portanto os contornos legais do sistema proporcional fixando o quociente eleitoral e o quociente partidaacuterio o sistema de distribuiccedilatildeo de mandatos por restos ou
29
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
sobras etc o legislador criou mais essa limitaccedilatildeo ao funcionamento da agremiaccedilatildeo partidaacuteria
Diante dessa regra levantou-se questatildeo sobre a possibilidade ou natildeo de a lei estabelecer uma claacuteusula de barreira que repercutisse sobre o funcionamento parlamentar dos partidos poliacuteticos tal como o fez o legislador brasileiro
O Supremo Tribunal Federal ao apreciar as Accedilotildees Diretas de Inconstitucionalidade nordm 1351-3DF e nordm 1354 8DF propostas respectivamente pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e outros e PDT e pelo Partido Social Cristatildeo (PSC) declarou a inconstitucionalidade dos seguintes dispositivos da Lei nordm 9096 de 19 de setembro de 1995 o art 13 a expressatildeo ldquoobedecendo aos seguintes criteacuteriosrdquo contida no art 41 assim como os incisos I e II deste artigo o art 48 a expressatildeo ldquoque atenda ao disposto no art 13rdquo contida no art 49 e a expressatildeo ldquono art 13 ourdquo contida no inciso II do art 57 Ademais decidiu que os arts 56 e 57 devem ser interpretados no sentido de que as normas de transiccedilatildeo neles constantes continuam em vigor ateacute que o legislador discipline novamente a mateacuteria dentro dos limites esclarecidos pelo Tribunal nesse julgamento
Considerou o Tribunal que tais normas violavam o princiacutepio da reserva legal proporcional da igualdade de chances do pluripartidarismo assim como os direitos de liberdade assegurados agraves minorias parlamentares Destarte como analisado o modelo aqui adotado se diferencia substancialmente de outros sistemas poliacutetico-eleitorais do direito comparado
Na realidade do direito alematildeo consagra se que o partido poliacutetico que natildeo obtiver 5 dos votos na votaccedilatildeo proporcional ou pelo menos trecircs mandatos diretos natildeo obteraacute mandato algum tambeacutem na eleiccedilatildeo para o chamado primeiro voto Nesse caso despreza -se a votaccedilatildeo dada ao partido Todavia nunca se atribuiu consequecircncia no que concerne agravequilo que noacutes chamamos de igualdade de oportunidades ou igualdade de chances
30
A legislaccedilatildeo alematilde tentou estabelecer um limite mais elevado para efetivar o financiamento puacuteblico das campanhas Mas a Corte Constitucional entendeu que essa claacuteusula era sim violadora do princiacutepio da igualdade de oportunidades (Chancengleichheit) porque impedia que os partidos poliacuteticos com pequena expressatildeo conseguissem um melhor desempenho tendo em vista que eles natildeo teriam acesso agrave televisatildeo muito menos aos recursos puacuteblicos Daiacute a legislaccedilatildeo ter fixado percentual de 05 dos votos para o pagamento de indenizaccedilatildeo pelo desempenho dos partidos nas eleiccedilotildees
O modelo confeccionado pelo legislador brasileiro no entanto natildeo deixou nenhum espaccedilo para a atuaccedilatildeo partidaacuteria mas simplesmente negou in totum o funcionamento parlamentar o que evidenciou uma clara violaccedilatildeo ao princiacutepio da proporcionalidade na qualidade de princiacutepio da reserva legal proporcional (Vorbehalt des verhaumlltnismaumlssigen Gesetzes)
Ademais agrave eacutepoca o Supremo Tribunal Federal entendeu que as restriccedilotildees impostas pela Lei nordm 90961995 ao acesso gratuito pelos partidos poliacuteticos ao raacutedio e agrave televisatildeo assim como aos recursos do Fundo Partidaacuterio afrontam o princiacutepio da igualdade de chances
Por esses motivos o Supremo Tribunal Federal no referido julgamento entendeu ser inconstitucional a ldquoclaacuteusula de barreira agrave brasileirardquo Todavia o modelo natildeo pode ser tal que sirva de estiacutemulo agrave criaccedilatildeo de partidos apenas para fins de ldquocomeacuterciordquo de tempo de raacutedio e TV bem como de cotas do Fundo Partidaacuterio Assim a classe poliacutetica daacute sinais de haver necessidade de equacionamento de alguma forma de claacuteusula de desempenho de maneira que eacute possiacutevel que a questatildeo seja novamente posta em debate
Por essa razatildeo cumpre esclarecer que a inconstitucionalidade declarada pelo STF natildeo reside na natureza desse tipo de restriccedilatildeo agrave atividade dos partidos poliacuteticos Uma claacuteusula de barreira em moldes proporcionais ao impedir a baixa representatividade de determinadas agremiaccedilotildees poderia ser beneacutefica ao sistema partidaacuterio especificamente e ao sistema eleitoral como um todo
31
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
3 O financiamento de partidos poliacuteticos e campanhas eleitorais
Outro pilar do sistema eleitoral brasileiro que recentemente passou por modificaccedilotildees profundas foi o regime de regras de financiamento de partidos poliacuteticos e campanhas
No Brasil o constituinte decidiu natildeo disciplinar a mateacuteria do financiamento de campanhas em acircmbito constitucional razatildeo por que apenas inseriu no texto as diretrizes constantes do art 17 CF88 no que toca aos partidos poliacuteticos Sobre o financiamento da atividade poliacutetica em especial a Carta de 1988 apenas vedou aos partidos o recebimento de recursos financeiros de entidades ou governos estrangeiros (art 17 II)
Evidencia-se assim que a Constituiccedilatildeo de 1988 deixou para a legislaccedilatildeo ordinaacuteria a regulaccedilatildeo do financiamento de campanhas eleitorais e ao natildeo fixar balizas precisas o constituinte atribuiu ao legislador grande liberdade de conformaccedilatildeo do tema
A Lei nordm 4740 de 15 de julho de 1965 criou as primeiras regras de financiamento dos partidos poliacuteticos e instituiu o Fundo Especial de Assistecircncia Financeira aos partidos poliacuteticos O Fundo era constituiacutedo das multas e penalidades aplicadas nos termos do Coacutedigo Eleitoral e leis conexas dos recursos financeiros que lhes fossem destinados por lei em caraacuteter permanente ou eventual e de doaccedilotildees particulares
A lei proibiu o recebimento de forma direta ou indireta de contribuiccedilatildeo ou auxiacutelio pecuniaacuterio ou estimaacutevel em dinheiro procedente de pessoa ou entidade estrangeira recurso de autoridades ou oacutergatildeos puacuteblicos ressalvadas as dotaccedilotildees referidas nos incisos I e II do art 60 e no art 61 qualquer espeacutecie de auxiacutelio ou contribuiccedilatildeo das sociedades de economia mista e das empresas concessionaacuterias de serviccedilo puacuteblico Tambeacutem vedou o recebimento direto ou indireto sob qualquer forma ou pretexto de contribuiccedilatildeo auxiacutelio ou recurso procedente de empresa privada de finalidade lucrativa (art 56 IV)
32
Essa lei foi revogada pela Lei nordm 5682 de 21 de julho de 1971 que foi substituiacuteda pela Lei nordm 90961995 ainda hoje em vigor A atual Lei dos Partidos Poliacuteticos natildeo soacute ampliou as fontes de financiamento partidaacuterio como tambeacutem tornou mais ampla a lista das fontes vedadas (art 31 da Lei nordm 90961995)
A lei em vigor estabelece regras para a aplicaccedilatildeo dos recursos provenientes do Fundo Partidaacuterio (art 44 da Lei nordm 90961995) Aleacutem das despesas corriqueiras dos partidos com propaganda alistamento campanha manutenccedilatildeo das sedes pagamento de pessoal e de outros serviccedilos entre outros a lei determina que no miacutenimo 20 do total recebido sejam aplicados na criaccedilatildeo e manutenccedilatildeo de instituto17 ou fundaccedilatildeo de pesquisa e de doutrinaccedilatildeo e educaccedilatildeo poliacutetica
Os partidos devem prestar contas anualmente agrave Justiccedila Eleitoral na forma estabelecida pela Lei nordm 90961995 e por resoluccedilatildeo do TSE A desaprovaccedilatildeo de contas ldquoimplicaraacute exclusivamente a sanccedilatildeo de devoluccedilatildeo da importacircncia apontada como irregular acrescida de multa de ateacute 20 (vinte por cento)rdquo (art 37 da Lei nordm 90961995 com a redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 131652015) ao tempo que a natildeo prestaccedilatildeo de contas ldquoimplicaraacute a suspensatildeo de novas cotas do Fundo Partidaacuterio enquanto perdurar a inadimplecircnciardquo (art 37-A da Lei nordm 90961995 incluiacutedo pela Lei nordm 131652015) Nesta uacuteltima hipoacutetese o partido fica sujeito ao cancelamento de seu registro civil e de seu estatuto pelo TSE (art 28 III da Lei nordm 90961995)
Alguns sistemas admitem financiamento direto pelo menos parcial por parte do Estado ou modalidade de compensaccedilatildeo pelos gastos da campanha eleitoral efetivada mediante recursos puacuteblicos Tambeacutem a doaccedilatildeo de recursos por instituiccedilotildees privadas eacute largamente praticada adotando-se poreacutem algumas cautelas na forma da legislaccedilatildeo especiacutefica por exemplo exigecircncia de que a partir de certa quantia a doaccedilatildeo seja efetivada de forma transparente Controverte-se tambeacutem a conveniecircncia ou natildeo de se conceder benefiacutecio fiscal para as doaccedilotildees efetuadas por pessoas privadas O modelo de financiamento puacuteblico de campanha embora
17 Cf Resoluccedilatildeo‑TSE nordm 22121 de 1ordm de dezembro de 2005 e Resoluccedilatildeo‑TSE nordm 22746 de 25 de marccedilo de 2008
33
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
apresente os inconvenientes de fazer os partidos dependentes de recursos estatais apresenta a vantagem de tornar as agremiaccedilotildees partidaacuterias menos dependentes de recursos da iniciativa privada
Talvez o modelo mais conhecido e difundido de financiamento puacuteblico dos partidos seja aquele instituiacutedo pela legislaccedilatildeo alematilde Inicialmente consagrou-se apenas a possibilidade de compensaccedilatildeo aos partidos pelos gastos de campanha eleitoral consistente no pagamento de uma quantia por voto obtido desde que o partido lograsse percentual natildeo inferior a 05 dos votos vaacutelidos para as eleiccedilotildees parlamentares federais Esse piso eacute considerado compatiacutevel com a Constituiccedilatildeo e afigura se importante para evitar abusos A fixaccedilatildeo de percentual mais elevado poreacutem poderia impedir o natural desenvolvimento do processo poliacutetico e sua renovaccedilatildeo18
Daiacute ter a Corte Constitucional alematilde declarado inicialmente a inconstitucionalidade de lei que fixava em 5 o percentual de votos para que o partido pudesse gozar do benefiacutecio referido A jurisprudecircncia constitucional avanccedilou posteriormente para admitir o financiamento estatal diretamente ao partido (BVerfGE 85 264) Quanto a benefiacutecio fiscal para doaccedilotildees privadas admite‑se ateacute o limite de 6600 euros Tal benefiacutecio aplica se poreacutem apenas agraves pessoas fiacutesicas19
No Brasil adotou‑se modelo de financiamento de partidos que contempla a transferecircncia de recursos puacuteblicos e a utilizaccedilatildeo de recursos privados Os recursos puacuteblicos satildeo repassados mediante utilizaccedilatildeo do Fundo Especial de Assistecircncia Financeira aos Partidos Poliacuteticos (Fundo Partidaacuterio) previsto na Lei nordm 90961995 Referido Fundo eacute composto (1) de recursos provenientes de multas e penalidades pecuniaacuterias aplicadas nos termos do Coacutedigo Eleitoral e leis conexas (2) de dotaccedilotildees orccedilamentaacuterias da Uniatildeo em valor nunca inferior cada ano ao nuacutemero de eleitores inscritos em 31 de dezembro do ano anterior ao da proposta orccedilamentaacuteria multiplicados por R$035 (trinta e cinco centavos de real) em valores de agosto de
18 DEGENHART Christoph Staatsrecht I 21 ed Heidelberg [s n] 2005 14 ed 1998 p 3619 Id ibid
34
1995 (3) de doaccedilotildees de pessoas fiacutesicas ou juriacutedicas20 entre outros (4) recursos financeiros destinados por lei
Os recursos oriundos do Fundo Partidaacuterio devem ser aplicados na manutenccedilatildeo das sedes e dos serviccedilos do partido permitido o pagamento de pessoal pelo oacutergatildeo nacional a qualquer tiacutetulo este uacuteltimo ateacute o limite maacuteximo de 50 do total recebido na propaganda doutrinaacuteria e poliacutetica no alistamento e campanhas eleitorais na criaccedilatildeo e manutenccedilatildeo de instituto ou fundaccedilatildeo de pesquisa e de doutrinaccedilatildeo e educaccedilatildeo poliacutetica sendo esta aplicaccedilatildeo de no miacutenimo 20 do total recebido na promoccedilatildeo e difusatildeo da participaccedilatildeo das mulheres na poliacutetica ldquono pagamento de mensalidades anuidades e congecircneres devidos a organismos partidaacuterios internacionais que se destinem ao apoio agrave pesquisa ao estudo e agrave doutrinaccedilatildeo poliacutetica aos quais seja o partido poliacutetico regularmente filiadordquo ldquono pagamento de despesas com alimentaccedilatildeo incluindo restaurantes e lanchonetesrdquo (Lei nordm 90961995 art 44 com a nova redaccedilatildeo da Lei nordm 131652015)
De acordo com a Lei nordm 90961995 art 41 I e II em sua redaccedilatildeo original os recursos do Fundo Partidaacuterio seriam distribuiacutedos pelo Tribunal Superior Eleitoral obedecidos os seguintes criteacuterios
a) um por cento do total do Fundo Partidaacuterio seraacute destacado para entrega em partes iguais a todos os partidos que tenham seus estatutos registrados no Tribunal Superior Eleitoralb) noventa e nove por cento do total do Fundo Partidaacuterio seraacute distribuiacutedo aos partidos que tenham atingido 5 dos votos vaacutelidos para a Cacircmara dos Deputados distribuiacutedos em pelo menos 13 dos estados com um miacutenimo de 2 do total de cada um deles na proporccedilatildeo dos votos obtidos na uacuteltima eleiccedilatildeo geral para a Cacircmara dos Deputados
20 No julgamento da ADI nordm 4650DF constou do extrato da ata ldquoO Tribunal por maioria e nos termos do voto do Ministro Relator julgou procedente em parte o pedido formulado na accedilatildeo direta para declarar a inconstitucionalidade dos dispositivos legais que autorizavam as contribuiccedilotildees de pessoas juriacutedicas agraves campanhas eleitorais vencidos em menor extensatildeo os Ministros Teori Zavascki Celso de Mello e Gilmar Mendes que davam interpretaccedilatildeo conforme nos termos do voto ora reajustado do Ministro Teori Zavasckirdquo Natildeo afastou pois a possibilidade de pessoas juriacutedicas doarem diretamente ao Fundo Partidaacuterio
35
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
Como se vecirc a lei buscou assegurar a todos os partidos poliacuteticos o percentual miacutenimo de 1 dos recursos do Fundo Partidaacuterio A parcela significativa (99) seria distribuiacuteda segundo criteacuterio de desempenho dos partidos nas eleiccedilotildees parlamentares para a Cacircmara dos Deputados e somente entre as agremiaccedilotildees partidaacuterias que obtivessem um miacutenimo de 5 dos votos vaacutelidos na uacuteltima eleiccedilatildeo conforme a regra da denominada claacuteusula de barreira ou claacuteusula de desempenho descrita no art 13 da mesma lei
Como se sabe os arts 13 e 41 I e II da Lei nordm 90961995 foram declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento das ADIs nordm 1351-3DF e nordm 1354 8DF Entendeu o Tribunal naquela ocasiatildeo que os condicionamentos impostos pela lei para que as agremiaccedilotildees partidaacuterias obtivessem acesso aos recursos do Fundo Partidaacuterio violavam o princiacutepio da igualdade de chances aleacutem de natildeo obedecerem a criteacuterios de proporcionalidade Com efeito a regra tornava inviaacutevel a proacutepria sobrevivecircncia dos partidos que natildeo conseguissem ultrapassar a claacuteusula de desempenho (5 dos votos apurados para a Cacircmara dos Deputados distribuiacutedos em pelo menos 13 dos estados com um miacutenimo de 2 do total de cada um deles) na medida em que destinava a todos eles apenas 1 dos recursos do Fundo ficando os 99 restantes com os demais partidos que atingissem os referidos percentuais de votaccedilatildeo
O modelo legal do Fundo Partidaacuterio instituiacutedo originariamente pela Lei nordm 90961995 era assaz restritivo para com os partidos menores e especialmente com as agremiaccedilotildees em formaccedilatildeo
Apoacutes a decisatildeo do Supremo Tribunal Federal declarando a inconstitucionalidade dos dispositivos mencionados (arts 13 e 41 I e II) a Lei nordm 11459 de 21 de marccedilo de 2007 incluiu na Lei dos Partidos Poliacuteticos o art 41 -A que traz nova regra para a distribuiccedilatildeo dos recursos do Fundo Partidaacuterio Em posterior alteraccedilatildeo passou a vigorar a regra segundo a qual 5 do total do Fundo Partidaacuterio seratildeo destacados para entrega em partes iguais a todos os partidos que tenham seus estatutos registrados no Tribunal Superior Eleitoral e 95 do total do Fundo Partidaacuterio seratildeo distribuiacutedos a eles na proporccedilatildeo dos votos obtidos na uacuteltima eleiccedilatildeo geral para a Cacircmara
36
dos Deputados sendo desconsideradas as mudanccedilas de filiaccedilatildeo partidaacuteria nos termos da Lei nordm 12875 de 30 de outubro de 2013
A Lei nordm 128752013 foi impugnada no Supremo Tribunal Federal por meio da ADI nordm 5105DF relator Ministro Luiz Fux Nesse julgamento a Corte declarou por maioria de votos (6x5) a inconstitucionalidade da referida lei visto que a claacuteusula dela constante que determina que as quotas do Fundo Partidaacuterio bem como a divisatildeo do tempo cabiacutevel a cada legenda no raacutedio e na televisatildeo deveria seguir a proporcionalidade das bancadas partidaacuterias na Cacircmara dos Deputados tal como resultante das uacuteltimas eleiccedilotildees gerais
Para a corrente vencedora essa lei visava superar a interpretaccedilatildeo conforme a Constituiccedilatildeo emanada do STF no julgamento das ADIs nordm 4430DF e nordm 4795DF ocasiatildeo em que a Corte entendeu que a migraccedilatildeo de parlamentar de sua legenda original para nova agremiaccedilatildeo no prazo de 30 dias contados de seu registro na Justiccedila Eleitoral por ser liacutecita segundo o regramento emanado do TSE deveria implicar a chamada portabilidade do tempo de raacutedio e TV e da quota de Fundo Partidaacuterio representadas pelo congressista que opta por aderir ao quadro de agremiaccedilatildeo receacutem-fundada Assim por vislumbrar violaccedilatildeo agrave Constituiccedilatildeo e em especial ofensa agrave supremacia de sua interpretaccedilatildeo constitucional o STF julgou procedente a ADI nordm 5105DF Cumpre observar que ficaram vencidos julgando normal e ateacute mesmo produtivo o diaacutelogo institucional viabilizado pela atuaccedilatildeo do Poder Legislativo em sentido contraacuterio agrave decisatildeo anterior da Corte os ministros Edson Fachin Teori Zavascki Gilmar Mendes Celso de Mello e Ricardo Lewandowski
O modelo de financiamento dos partidos admitia tambeacutem a doaccedilatildeo privada efetivada por pessoas fiacutesicas ou juriacutedicas sem que se assegurasse qualquer benefiacutecio fiscal A doaccedilatildeo deveria ser efetuada e registrada de forma nominal independentemente do seu valor21 Esse regime no entanto teve sua constitucionalidade recentemente
21 Scott Mainwaring registra que a eleiccedilatildeo de um deputado federal pelo Estado de Satildeo Paulo em 1986 teria atingido cifra proacutexima ou superior a US$1 milhatildeo Anota o autor que isso colocaria as eleiccedilotildees de Satildeo Paulo entre as mais caras do mundo ndash fato que indicaria o quanto o poder poliacutetico eacute valorizado no Brasil (MAINWARING Scott Poliacuteticos partidos e sistemas eleitorais Estudos Eleitorais TSE n 2 p 335 (343) maioago 1997 p 335)
37
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
impugnada na ADI nordm 4650DF proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Na accedilatildeo pleiteava-se entre outros pontos a declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade de dispositivos da Lei nordm 95041997 e da Lei nordm 90961995 que autorizavam que pessoas juriacutedicas realizassem doaccedilotildees a partidos poliacuteticos e a campanhas eleitorais
A proposiccedilatildeo dessa ADI evocava um clamor puacuteblico de combate agrave corrupccedilatildeo A accedilatildeo baseava-se no pressuposto de que a proibiccedilatildeo de doaccedilotildees de pessoas juriacutedicas agraves campanhas seria um passo fundamental para desbaratar a troca de favores poliacuteticos entre governantes e financiadores de campanhas
Ao analisar o caso o STF por maioria de votos julgou procedente em parte a ADI nordm 4650DF relator Ministro Luiz Fux para declarar a inconstitucionalidade dos dispositivos legais que autorizavam as doaccedilotildees de pessoas juriacutedicas (empresas) agraves campanhas eleitorais Ficaram vencidos no ponto os Ministros Teori Zavascki Celso de Mello e Gilmar Mendes
O Congresso Nacional emitiu sinais de que poderia aprovar emenda constitucional restabelecendo as doaccedilotildees de pessoas juriacutedicas agraves campanhas eleitorais o que traria outra hipoacutetese de diaacutelogo institucional bastante interessante agrave cena juriacutedico-poliacutetica
O Congresso Nacional chegou a editar a nova legislaccedilatildeo que permite a doaccedilatildeo de pessoas juriacutedicas para os partidos poliacuteticos Contudo a Presidecircncia da Repuacuteblica vetou o dispositivo justificando que
a possibilidade de doaccedilotildees e contribuiccedilotildees por pessoas juriacutedicas a partidos poliacuteticos e campanhas eleitorais que seriam regulamentadas por esses dispositivos confrontaria a igualdade poliacutetica e os princiacutepios republicano e democraacutetico como decidiu o Supremo Tribunal Federal ndash STF em Accedilatildeo Direita de Inconstitucionalidade (ADI n 4650DF) proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ndash CFOAB O STF determinou inclusive que a execuccedilatildeo dessa decisatildeo lsquoaplica-se agraves eleiccedilotildees de 2016 e seguintes a partir da Sessatildeo de Julgamento independentemente da publicaccedilatildeo do acoacuterdatildeorsquo conforme ata da 29ordf sessatildeo extraordinaacuteria de 17 de setembro de 2015
38
A legislaccedilatildeo atual portanto admite apenas doaccedilotildees de pessoas fiacutesicas seja para candidatos seja para partidos poliacuteticos nos termos das leis nordm 90961995 e nordm 95041997 com as modificaccedilotildees promovidas pela Lei nordm 131652015
Todavia natildeo parece criacutevel a ideia de que a proibiccedilatildeo de doaccedilotildees de pessoas juriacutedicas agraves candidaturas represente uma soluccedilatildeo para as deficiecircncias do atual modelo de financiamento de partidos poliacuteticos Episoacutedios de corrupccedilatildeo como o que resultou no impeachment do Presidente Collor e mais recentemente o Mensalatildeo e a Lava-Jato diagnosticam um quadro maior de vulnerabilidades do sistema eleitoral que precisa ser endereccedilado por reformas mais profundas do que a mera proibiccedilatildeo de doaccedilotildees de pessoas juriacutedicas a partidos poliacuteticos
De fato a questatildeo natildeo parece estar propriamente no modelo adotado pela legislaccedilatildeo brasileira quanto agrave origem das doaccedilotildees de campanha mas historicamente na ausecircncia de poliacuteticas institucionais que possibilitem efetivo controle dos recursos arrecadados e dos gastos durante o pleito Satildeo notoacuterias as limitaccedilotildees dos nossos mecanismos atuais de controle e de fiscalizaccedilatildeo de contas de campanha O prazo exiacuteguo para o exame da contabilidade e da documentaccedilatildeo relativa agrave movimentaccedilatildeo de vultosas quantias e a reduzida estrutura de servidores da Justiccedila Eleitoral satildeo soacute alguns dos obstaacuteculos que enfrentamos mormente em um cenaacuterio de indesejaacutevel proliferaccedilatildeo de partidos poliacuteticos e consequentemente aumento do volume de processos de prestaccedilatildeo de contas envolvendo recursos puacuteblicos22
Nesse cenaacuterio tendo em vista que o barateamento do custo de campanhas parece ser ideia ainda longe de ser implementada com alguma efetividade eacute possiacutevel dizer que a restriccedilatildeo das doaccedilotildees agraves pessoas fiacutesicas poderaacute acarretar sem nenhuma duacutevida i) a clandestinidade de doaccedilotildees de pessoas juriacutedicas por meio do caixa dois e ii) estiacutemulo agrave praacutetica sistemaacutetica de crimes de falsidade com
22 Para demonstrar o argumento somente em quatro meses de 2016 o Partido Novo e o Partido da Mulher Brasileira agremiaccedilotildees que menos ganharam duodeacutecimos do Fundo partidaacuterio jaacute receberam o valor de R$35137620 Disponiacutevel em lthttpwwwjusticaeleitoraljusbrarquivostse‑distribuicao‑de‑fundo‑partidario‑duodecimos‑2016‑1456856952459gt Acesso em 2 maio 2016
39
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
o uso de CPFs de laranjas Em outras palavras pouco importando a origem dos recursos arrecadados (doaccedilatildeo de pessoa fiacutesica de pessoa juriacutedica ou recursos do Fundo Partidaacuterio) estamos diante de um seacuterio indiacutecio de gasto simulado nos pleitos vindouros
Ademais a almejada reduccedilatildeo de gastos de campanha com a exclusatildeo das pessoas juriacutedicas como potenciais doadoras no processo eleitoral desconsidera que a legislaccedilatildeo eleitoral em vigor possui vasto leque de ferramentas de aproximaccedilatildeo entre candidatos e eleitores a saber i) participaccedilatildeo em entrevistas programas e debates antes do registro de candidatura ii) propaganda em bens particulares (adesivos ou papel) iii) mesas para a distribuiccedilatildeo de material de propaganda e bandeiras ao longo das vias puacuteblicas iv) distribuiccedilatildeo de folhetos volantes e outros impressos v) realizaccedilatildeo de comiacutecios e utilizaccedilatildeo de aparelhagem de som vi) realizaccedilatildeo de caminhada de carreata de passeata ou de carro de som que transite pela cidade divulgando jingles ou mensagens de candidatos vii) criaccedilatildeo e divulgaccedilatildeo de jingles viii) divulgaccedilatildeo de propaganda paga na imprensa escrita respeitados os limites fixados em lei ix) realizaccedilatildeo de propaganda em raacutedio e em televisatildeo x) realizaccedilatildeo de propaganda na Internet entre outras inuacutemeras formas de propaganda
Eacute inquestionaacutevel que a utilizaccedilatildeo desses mecanismos de propaganda exige recursos que natildeo satildeo suportaacuteveis pelo Fundo Partidaacuterio Tampouco seratildeo completamente pagos por doaccedilotildees liacutecitas de pessoas fiacutesicas Isso estimula consequentemente que os candidatos busquem alternativas agrave margem da legislaccedilatildeo eleitoral pois os custos continuaratildeo os mesmos reduzindo apenas formalmente quem poderaacute participar do processo eleitoral na condiccedilatildeo de doador equaccedilatildeo que certamente chegaraacute agrave Justiccedila Eleitoral para soluccedilatildeo em milhares de processos judiciais
Portanto eacute evidente que a consecuccedilatildeo de uma reforma eleitoral exitosa requer muito mais do que a mera proibiccedilatildeo de doaccedilotildees de pessoas juriacutedicas Qualquer reforma do modelo de financiamento de campanha deve passar necessariamente por mudanccedilas no sistema eleitoral no sistema partidaacuterio na legislaccedilatildeo eleitoral e consequentemente pela reestruturaccedilatildeo dos oacutergatildeos de fiscalizaccedilatildeo
40
do processo eleitoral em especial a Justiccedila Eleitoral e o Ministeacuterio Puacuteblico Eleitoral
4 ConclusotildeesDesde a Constituiccedilatildeo de 1988 o Brasil tem passado por uma
rica e singular experiecircncia em termos de desenvolvimento poliacutetico dentro de paradigmas democraacuteticos
O Tribunal Superior Eleitoral tem sido personagem vital nesse importante periacuteodo da naccedilatildeo natildeo apenas fiscalizando o processo eleitoral mas agindo ativamente por meio de campanhas institucionais e incentivo ao exerciacutecio da cidadania Junto com ele o Supremo Tribunal Federal tem tambeacutem exercido papel imprescindiacutevel na manutenccedilatildeo da estabilidade de nosso paiacutes proferindo relevantes decisotildees sobre a temaacutetica dos direitos poliacuteticos ndash como demonstrado ao longo deste texto
Paralelamente modificaccedilotildees recentes na legislaccedilatildeo eleitoral tambeacutem indicam ainda que de forma tiacutemida um esforccedilo de superaccedilatildeo das fragilidades do sistema proporcional adotado no nosso contexto de pluripartidarismo exacerbado
Contudo a despeito da relevacircncia das reaccedilotildees legislativas e judiciaacuterias eacute importante frisar na atual conjuntura poliacutetica nacional que qualquer tipo de reforma poliacutetica deve ser muito bem analisada e conduzida com cuidado Nossa Constituiccedilatildeo Federal de 1988 marca a consolidaccedilatildeo da democracia brasileira da estabilidade de nossas instituiccedilotildees e tem demonstrado forccedila normativa capaz de regular com folga inclusive situaccedilotildees extremas Eacute preciso evitar concepccedilotildees aventureiras que podem comprometer definitivamente o capital institucional acumulado com muito sacrifiacutecio Eacute vaacutelido todavia incentivar inovaccedilotildees e experimentos institucionais que busquem responder agraves complexidades de uma sociedade submetida a empreitadas de risco
41
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
Referecircncias ALBUQUERQUE Xavier de ABREU Leitatildeo de BONAVIDES Paulo COSTA Tito Estudos Eleitorais TSE n 2 maioago 1997
DEGENHART Christoph Staatsrecht I 21 ed Heidelberg [s n] 2005 14 ed 1998
MAINWARING Scott Poliacuteticos partidos e sistemas eleitorais Estudos Eleitorais TSE n 2 p 335 (343) maioago 1997
PORTO Walter Costa A mentirosa urna Satildeo Paulo Martins Fontes 2004
______ Dicionaacuterio do voto Brasiacutelia Ed da UnB 2000
______ Pinheiro Machado e seu tempo Brasiacutelia INL 1995
______ Sistema eleitoral brasileiro Palestra proferida no IX Congresso Brasiliense de Direito Constitucional Brasiacutelia 10112006
SILVA Joseacute Afonso da Curso de direito constitucional positivo 27 ed Satildeo Paulo Malheiros
TAVARES Giusti Joseacute Antonio Sistemas eleitorais nas democracias contemporacircneas Rio de Janeiro Relume-Dumaraacute 1994
TEIXEIRA J H Meirelles Curso de direito constitucional Satildeo Paulo Forense Universitaacuteria 1991
a hermenecircutica desconcertante anaacutelise do recurso extraordinaacuterio com agravo nordm 738499maVOLGANE OLIVEIRA CARVALHO
45
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
A HERMENEcircUTICA DESCONCERTANTE ANAacuteLISE DO RECURSO EXTRAORDINAacuteRIO COM AGRAVO Nordm 738499MA1
THE HERMENEUTICS DISCONCERTING ANALYSIS OF EXTRAORDINARY REMEDY WITH APPEAL Nordm 738499MA
VOLGANE OLIVEIRA CARVALHO 2
RESUMO
O Recurso Extraordinaacuterio com Agravo nordm 738499MA eacute originaacuterio de um pedido de registro de candidatura ao cargo de vereador apresentado na cidade de Caxias Seguiram-se inuacutemeras idas e vindas antes de a questatildeo ser analisada pelo Supremo Tribunal Federal Este caminho longo e as decisotildees que o impulsionaram seratildeo objeto de anaacutelise no presente trabalho Inicialmente verificam‑se as mazelas do sistema judicial brasileiro por meio da profusatildeo de recursos que tornam possiacutevel a existecircncia de decisotildees inoacutecuas as quais desrespeitam o desejo do legislador de criaccedilatildeo de uma disciplina processual mais ceacutelere para tratar das demandas eleitorais Aleacutem disso as sentenccedilas relacionadas ao recurso extraordinaacuterio citado estatildeo enclausuradas em uma linguagem tiacutepica dos juristas isolando os cidadatildeos em sua maior parcela e exigem atitudes juridicamente impossiacuteveis de serem realizadas pelas partes para ao fim apresentar uma decisatildeo que natildeo resolve em definitivo a demanda devido agrave recusa em se debater o meacuterito da questatildeo
Palavras-chave Recurso Extraordinaacuterio com Agravo nordm 738499MA Impugnaccedilatildeo de Registro de Candidatura Ministeacuterio Puacuteblico
1 Artigo recebido em 4 de maio de 2016 e aprovado para publicaccedilatildeo em 7 de junho de 20162 Mestre em Direito pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul (PUCRS)
Analista Judiciaacuterio do Tribunal Regional Eleitoral do Maranhatildeo Professor do curso de Direito do Instituto Camillo Filho
46
ABSTRACT
The Extraordinary Remedy with Appeal nordm 738499 was originated by an application for registration to the office of councilor in the city of Caxias This was followed by numerous comings and goings before the issue being examined by the Supreme Federal Court This long way and the decisions that propelled it will be analyzed in this study Initially it is possible to verify the ills of the Brazilian judicial system through the profusion of appeals that end up making possible the existence of innocuous decisions these decisions end up disregarding the legislatorrsquos desire to create a faster procedural discipline to address the electoral demands On the other hand the sentences related to ERA 738499-MA are enclosed in a typical language of jurists isolating the citizens for the most part require legally impossible attitudes to be performed by the parties to the end to present a decision that does not solve the demand definitively for refusing to debate the merits of the case
Keywords Extraordinary Remedy with Appeal nordm 738499 Impugnment of candidacy registration Public Prosecutorrsquos Office
47
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
1 IntroduccedilatildeoO processo eleitoral brasileiro estaacute centrado em um nuacutecleo de
complexidades muitas vezes incompreensiacuteveis para os leigos Exemplo notoacuterio disso eacute o procedimento de registro e de impugnaccedilatildeo de candidaturas no direito brasileiro o qual envolve um cipoal de normas com idas e vindas que objetivam dar concretude ao desejo do legislador constitucional de criar um padratildeo eacutetico miacutenimo para aqueles que pretendem atuar como representantes do povo nos poderes constituiacutedos
A complexidade do sistema que foi enfeixado cria algumas situaccedilotildees contraditoacuterias que satildeo aceitas com desconcertante normalidade pelos operadores do Direito Eleitoral Exemplo perfeito dessas pequenas idiossincrasias eacute o objeto do presente estudo
O Recurso Extraordinaacuterio com Agravo nordm 738499MA tinha como escopo nuclear a discussatildeo acerca da possibilidade de o Ministeacuterio Puacuteblico Eleitoral apresentar recurso contra pedido de registro de candidatura ainda que natildeo tenha ajuizado accedilatildeo de impugnaccedilatildeo de registro de candidatura em desfavor do mesmo indiviacuteduo O tema certamente eacute polecircmico e envolve discussotildees importantes sobre a democracia a participaccedilatildeo popular e a defesa de valores nobiliacutessimos como a moralidade e a eacutetica na poliacutetica
Em que pese se trate de processo que foi julgado em definitivo pelo Supremo Tribunal Federal originou-se na cidade de Caxias no Estado do Maranhatildeo o percurso espacial e temporal realizado pelos autos ateacute o seu arquivamento definitivo serve de metaacutefora para as dificuldades da Justiccedila brasileira e concomitantemente de laboratoacuterio para anaacutelise de questotildees hermenecircuticas importantes
A avaliaccedilatildeo criacutetica das decisotildees emanadas nas diferentes fases processuais torna possiacutevel a constataccedilatildeo de que o deslinde processual passou ao largo do debate das mateacuterias juriacutedicas verdadeiramente importantes prendendo‑se a filigranas processuais e fechando os olhos para as questotildees principioloacutegicas mais valorosas O resultado eacute uma decisatildeo judicial fria e alheia agrave realidade que apresenta
48
soluccedilatildeo para o problema processual apresentado mas natildeo obteacutem a pacificaccedilatildeo social sua verdadeira finalidade
2 Do registro de candidatura no direito brasileiroO sistema eleitoral brasileiro exige que todos os cidadatildeos que
pretendem concorrer a cargos eletivos submetam-se a minucioso processo de seleccedilatildeo que antecede agrave afericcedilatildeo do desejo popular pelo voto De iniacutecio aqueles que desejam candidatar-se devem estar previamente filiados a partidos poliacuteticos e ser licitamente escolhidos em convenccedilotildees partidaacuterias Em seguida deveraacute formular no juiacutezo eleitoral competente o pedido de registro de candidatura
O pedido de registro destina-se a permitir a depuraccedilatildeo pela Justiccedila Eleitoral das candidaturas que natildeo atendam aos auspiacutecios do legislador constitucional que estabeleceu previamente um esquema com riacutegidos padrotildees os quais devem ser integralmente cumpridos por todos aqueles que desejam apresentar-se como opccedilatildeo para funcionar como representantes do povo Assim o procedimento de registro destina-se agrave anaacutelise das condiccedilotildees de elegibilidade e das causas de inelegibilidade
As condiccedilotildees de elegibilidade devem necessariamente ser preenchidas por qualquer pretenso candidato ao exerciacutecio de mandato eletivo Aleacutem do preenchimento das condiccedilotildees de elegibilidade o candidato potencial deve ainda natildeo incidir em qualquer causa de inelegibilidade e preencher as condiccedilotildees de registrabilidade (ZILIO 2012 p 122)
Os pedidos de registro de candidatura satildeo compreendidos como procedimentos de caraacuteter administrativo em que inexiste a jurisdiccedilatildeo A anaacutelise da licitude de uma candidatura torna-se litigiosa no entendimento majoritariamente dominante quando eacute questionada por meio de accedilatildeo proacutepria Trata-se da accedilatildeo de impugnaccedilatildeo de registro de candidatura que se destina a impedir o deferimento de pedido de registro de candidatura apresentado por cidadatildeo que natildeo comprovar a posse de todas as condiccedilotildees de elegibilidade constitucionalmente
49
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
exigidas ou sobre quem recaia qualquer das causas de inelegibilidade previstas na legislaccedilatildeo infraconstitucional3
Diversamente do pedido de registro de candidatura a accedilatildeo de impugnaccedilatildeo de registro de candidatura possui clara natureza contenciosa representada pelo conflito entre o oacutebice legal ao deferimento do pedido e os direitos poliacuteticos passivos do pretenso candidato Esse entendimento eacute adotado por maior parcela da doutrina especializada4
Natildeo se pode negar que o processo eleitoral possui um cipoal de accedilotildees e regras que ruborizam os outros ramos processuais Eacute inquietante imaginar que um procedimento administrativo (pedido de registro de candidatura) pode ser questionado por uma accedilatildeo judicial autocircnoma (accedilatildeo de impugnaccedilatildeo de registro de candidatura) Ademais a decisatildeo nessa accedilatildeo deve ser proferida em conjunto com a sentenccedila que julga o pedido de registro produzindo uma sentenccedila biceacutefala ora jurisdicional ora administrativa
3 Da necessidade de criaccedilatildeo de modelo de processo democraacutetico
O Direito Processual firmou suas bases estruturais em um modelo racionalista fortemente influenciado pela cultura iluminista vigorante na Europa no seacuteculo XVIII e reverberado no presente como marca de um modelo liberal de Estado Esse paradigma caracteriza-se pelo apego demasiado agrave seguranccedila juriacutedica consubstanciada pela busca da certeza e da verdade processual
Segundo Carnelutti (1997 p 22) o processo destina-se a aplicar o Direito regulando os conflitos de interesse com o objetivo de atingir a paz fazendo-o por meio da concretizaccedilatildeo da justiccedila e da certeza
3 Adriano Soares da Costa (2000 p 230) defende posiccedilatildeo diversa ldquoNatildeo por outro motivo eacute que afirmo que a Accedilatildeo de Impugnaccedilatildeo de Registro de Candidato (AIRC) tem por finalidade alcanccedilar a declaraccedilatildeo negativa da existecircncia do direito ao registro de candidatura direito esse que nasce do preenchimento das condiccedilotildees de elegibilidade (proacuteprias e improacuteprias) naturalmente decircs que o nacional natildeo incida em nenhuma inelegibilidade cominadardquo
4 Defendem tal posicionamento Joseacute Jairo Gomes (2012) Edson de Resende Castro (2012) e Pedro Henrique Taacutevora Niess (2000)
50
Assim ldquola justicia debe ser su cualidad interior o substancial la certeza su cualidad exterior o formal si el derecho no es cierto los interessados no saben y si no es justo no sienten lo que es necessario para obedecerrdquo
Eacute possiacutevel aduzir do modelo racionalista a ideia de que a norma traz em seu acircmago um sentido verdadeiro que foi determinado inicialmente pelo legislador e que deve ser seguidamente buscado e concretizado na realidade cotidiana sob pena de ser impossiacutevel a materializaccedilatildeo do direito com justiccedila Este pensamento serve de fundamento para a infindaacutevel busca da propalada verdade processual reproduzindo o mito de que apenas nesse quadrante as leis atingiriam sua finalidade
Na realidade as consequecircncias satildeo diametralmente opostas tendo em vista que a necessidade de certeza e de seguranccedila impede que o processo atinja genuinamente seu objetivo uacuteltimo de pacificaccedilatildeo social pois limita a atividade jurisdicional do magistrado criando barreiras imaginaacuterias mas vigorosas que reduzem seu espectro de atuaccedilatildeo
Nesse contexto natildeo caberia ao magistrado grandes arroubos interpretativos devendo manter‑se fiel ao espiacuterito do legislador o que significava agravequela altura privilegiar a interpretaccedilatildeo literal das normas5 refreando a possiacutevel influecircncia que os valores pessoais pudessem produzir no processo decisoacuterio Conforme Giuseppe Chiovenda (1969 p 7) ldquoMaiores satildeo as exigecircncias no periacuteodo da cogniccedilatildeo no qual devendo verificar‑se a vontade da lei com base num juiacutezo loacutegico eacute maior o perigo de que ecircste seja influenciado por prevenccedilotildees subjetivas ou pressotildees externasrdquo
No regime processual civil brasileiro as influecircncias do paradigma racionalista satildeo notoacuterias e natildeo podem ser mascaradas O esquema da processualiacutestica baseado na busca pela verdade e na produccedilatildeo de certeza eacute a inspiraccedilatildeo mais evidente do procedimento ordinaacuterio previsto do Coacutedigo de Processo Civil brasileiro
5 Repetindo o esquema claacutessico do Baratildeo de Montesquieu que apresenta o magistrado como mera ldquoboca da leirdquo
51
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
No caso do direito brasileiro a caricatura do racionalismo eacute o processo de conhecimento atraveacutes do qual se imagina ser possiacutevel alcanccedilar a verdadeira vontade da lei pois estaacute encerra um sentido uniacutevoco a ser revelado pelo juiz atraveacutes do meacutetodo cientiacutefico adequado Nesses termos para o paradigma dominante eacute o processo de conhecimento (ordinarizado) a condiccedilatildeo de possibilidade para a revelaccedilatildeo do sentido uniacutevoco da lei sendo o procedimento e o meacutetodo cientiacutefico as garantias de que o cientista atingiraacute essa verdade uacutenica e definitiva (ESPINDOLA 2008 p 181)
A freneacutetica busca pela verdade processual torna-se a cada dia uma atividade em dissonacircncia com as necessidades do corpo social o que acaba tornando mais distantes os verdadeiros fins do processo Oviacutedio Baptista da Silva (2001 p 124-125) desnuda essa realidade
[] esta forma maniqueiacutesta de compreender os fatos processuais como se a funccedilatildeo do processo civil fosse como muitos ainda supotildeem a descoberta da verdade nada mais eacute do que uma doce ilusatildeo que os tribunais quotidianamente se encarregam de desmentir Uma lide ou se quisermos o processo que a conteacutem oferece ao julgador ndash e nos juiacutezos colegiados isso se torna mais evidente ndash inuacutemeras ldquoverdadesrdquo ou incontaacuteveis alternativas de soluccedilatildeo do conflito todas elas plausiacuteveis e verossiacutemeis postas agrave disposiccedilatildeo do magistrado que acabaraacute formando o convencimento escolhendo dentre a multidatildeo de fatos circunstacircncias e indiacutecios existentes nos autos aqueles que o tenham impressionado mais fortemente que mais se harmonizem com a sua compreensatildeo do direito e das funccedilotildees que o ordenamento juriacutedico haveraacute de desempenhar que mais se aproximem da sua visatildeo particular de justiccedila a ser feita naquele caso particular que mais se coaduna com as suas inclinaccedilotildees pessoais com sua formaccedilatildeo moral e com seus compromissos ideoloacutegicos
Eacute consequecircncia direta deste estabilishment procedimental o aumento gradual do tempo de duraccedilatildeo ateacute a prestaccedilatildeo jurisdicional definitiva a existecircncia de processos que se prolongam indefinidamente no tempo eacute uma realidade natildeo condizente com a modernidade liacutequida que exige soluccedilotildees raacutepidas e adaptaccedilotildees eficientes agraves novas tecnologias (BAUMAN 2001 p 137)
Essa realidade processual eacute desalentadora mas vem sofrendo reaccedilotildees determinantes em sua estrutura baacutesica devido a uma
52
modificaccedilatildeo progressiva do cenaacuterio juriacutedico com o fortalecimento do modelo de Estado Social e agrave articulaccedilatildeo do movimento cognominado de poacutes-positivismo Nessa nova realidade os princiacutepios constitucionais assumem posiccedilatildeo de destaque e passam a irradiar sua forccedila modificadora por todo o ordenamento juriacutedico
No Brasil o grande marco definidor dessa nova ldquofaserdquo indubitavelmente eacute a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 O sistema processual por oacutebvio natildeo se manteve infenso a essas modificaccedilotildees evoluindo sucessivamente para a formaccedilatildeo de um novo paradigma o processo democraacutetico
O processo como garantia constitucional consolida-se nas constituiccedilotildees do seacuteculo XX atraveacutes da consagraccedilatildeo de uma vasta gama de princiacutepios de direito processual sendo eles afirmados pelas garantias que os tornam exequiacuteveis O direito processual tem base constitucional caracteriacutestica que daacute efetiva proteccedilatildeo agraves garantias processuais (PASSOS 2013 p 11)
O processo democraacutetico calca-se no respeito aos princiacutepios constitucionais e evolui consequentemente para buscar maior efetividade das decisotildees judiciais privilegiando o processo sumaacuterio reconhecendo o caraacuteter dinacircmico do ocircnus da prova e admitindo a necessidade de um sistema recursal mais condensado
A mudanccedila do paradigma processual reflete ateacute mesmo na forma como deve ser avaliada a funccedilatildeo do processo dentro do ordenamento juriacutedico Estaacute saturada a ideia de jurisdiccedilatildeo como mera atividade de adequaccedilatildeo das normas materiais agrave realidade cotidiana hodiernamente o processo assume definitivamente a funccedilatildeo de produzir a pacificaccedilatildeo social e se firma como arena de debates democraacuteticos
A democratizaccedilatildeo do processo propiciou o surgimento de um meacutetodo de resoluccedilatildeo dos hard cases baseado no livre manejo e interpretaccedilatildeo de princiacutepios constitucionais conforme referido por Dworkin (2002 p 132-133) Essa liberdade entrementes natildeo pode ser compreendida como circunscrita agrave atividade julgadora na realidade o fato de a Constituiccedilatildeo ser um nuacutecleo normativo aberto agrave
53
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
atividade de todos os inteacuterpretes na linha de pensamento de Haumlberle (2002 p 72) traz agrave superfiacutecie pela primeira vez a importacircncia da participaccedilatildeo efetiva das partes na construccedilatildeo desta estrutura democraacutetica de poder
4 Recurso Extraordinaacuterio com Agravo nordm 738499MA um percurso tortuoso para uma soluccedilatildeo duvidosa
Nas eleiccedilotildees municipais de 2012 uma candidata do Municiacutepio de Caxias no Estado do Maranhatildeo depois de regularmente escolhida em convenccedilatildeo partidaacuteria protocolou pedido de registro de candidatura ao cargo de vereador O pedido natildeo sofreu impugnaccedilatildeo de nenhuma ordem Contudo o Juiz Eleitoral verificando a inexistecircncia de documento comprobatoacuterio da quitaccedilatildeo eleitoral6 devido agrave ausecircncia agraves urnas em pleito anterior sem que houvesse a subsequente justificativa eleitoral ou o regular pagamento da multa indeferiu o pedido ex officio
Inconformada com a decisatildeo a candidata recorreu ao Tribunal Regional Eleitoral do Maranhatildeo alegando inexistecircncia de oacutebice ao deferimento do seu registro de candidatura visto que o descumprimento da obrigaccedilatildeo de votar uacutenico motivo apresentado para a negativa fora atingida pelo manto da prescriccedilatildeo Acolhendo a alegaccedilatildeo a Corte reformou a decisatildeo originaacuteria
A Procuradoria Regional Eleitoral apresentou recurso especial7 ao Tribunal Superior Eleitoral solicitando o restabelecimento da sentenccedila originaacuteria e o consequente indeferimento do pedido de registro de candidatura ao alegar a ausecircncia de quitaccedilatildeo eleitoral da requerente Relatado pela Ministra Laurita Vaz o recurso teve
6 O Tribunal Superior Eleitoral assentou no julgamento do REspe nordm 1903‑23DF em 15 de setembro de 2010 que a quitaccedilatildeo eleitoral eacute condiccedilatildeo de elegibilidade e consequentemente mateacuteria de ordem puacuteblica que pode perfeitamente ser reconhecida pelo magistrado independentemente de provocaccedilatildeo anterior
7 Luiz Henrique Volpe Camargo (2014 p 174) entende impossiacutevel o cabimento de recurso especial na espeacutecie ldquoApesar de o TSE jaacute ter firmado que contra acoacuterdatildeo de Tribunal Regional Eleitoral que julga pedido de registro de candidatura agraves eleiccedilotildees municipais eacute cabiacutevel recurso especial (CF art 121 sect 4ordm cc o art 276 inciso I do Coacutedigo Eleitoral) ndash e natildeo o recurso ordinaacuterio (CF do art 121 inciso III sect 4ordm) ndash acredita‑se que tal entendimento estaacute equivocadordquo
54
seguimento negado monocraticamente sob o argumento de que o oacutergatildeo ministerial natildeo havia ajuizado accedilatildeo de impugnaccedilatildeo do registro de candidatura e estaria por isso proibido de recorrer das decisotildees subsequentes no processo de registro na forma do que fora disciplinado na Suacutemula nordm 11 do Tribunal Superior Eleitoral8
A decisatildeo foi atacada por meio de agravo regimental que foi desprovido agrave unanimidade pelo Pleno do TSE o que confirma a ausecircncia de legitimidade do Ministeacuterio Puacuteblico Eleitoral para recorrer dada a ausecircncia do interesse de agir Foram apresentados pela Procuradoria-Geral Eleitoral embargos de declaraccedilatildeo rejeitados unanimemente pelos mesmos argumentos
Esgotada a via recursal no acircmbito do TSE foi ajuizado recurso extraordinaacuterio no Supremo Tribunal Federal Realizando o juiacutezo de admissibilidade a Presidente do TSE na ocasiatildeo Ministra Caacutermem Luacutecia inadmitiu o recurso alegando que a mateacuteria objeto de debate natildeo possuiacutea iacutendole constitucional Dessa decisatildeo coube agravo de instrumento oportunidade em que foi requerida a reforma da decisatildeo e o recebimento do apelo extraordinaacuterio Nomeado relator na Corte Suprema o Ministro Teori Zavascki negou provimento ao agravo ao alegar que a mateacuteria possuiacutea apenas fundo constitucional natildeo cabendo portanto ao STF decidir a questatildeo
Irresignada a Procuradoria-Geral da Repuacuteblica apresentou agravo regimental com pedido de reconsideraccedilatildeo Diante de tal recurso o relator decide de forma sinteacutetica
Em consulta ao siacutetio do Tribunal Superior Eleitoral na Internet haacute informaccedilatildeo de que o recorrido natildeo foi eleito para o cargo pleiteado nas eleiccedilotildees municipais de 2012 o que esvazia a discussatildeo sobre o registro da candidatura Presente tal circunstacircncia reconsidero a decisatildeo agravada para julgar prejudicado o agravado em recurso extraordinaacuterio (BRASIL 2013b p 182)
8 A Suacutemula nordm 11 foi redigida nos seguintes termos ldquoNo processo de registro de candidatos o partido que natildeo o impugnou natildeo tem legitimidade para recorrer da sentenccedila que o deferiu salvo se cuidar de mateacuteria constitucionalrdquo Contudo o TSE decidiu reiteradamente que a limitaccedilatildeo eacute extensiacutevel a todos os legitimados ativos para ajuizar a accedilatildeo Por todas as decisotildees nesse sentido cite‑se o REspe nordm 27967AM julgado em 19122006
55
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
A decisatildeo que encerrou o debate processual conseguiu extinguir o feito de forma definitiva contudo natildeo se pode afirmar que tenha alcanccedilado sua verdadeira finalidade ou seja passou ao largo da pacificaccedilatildeo social Isso porque natildeo resolveu o meacuterito da lide atentando-se apenas para questiuacutenculas meramente formais o que deixou em segundo plano a necessidade de discussatildeo do meacuterito e a apresentaccedilatildeo de resposta definitiva agrave questatildeo processual principal a saber a existecircncia de limites agrave capacidade recursal do Ministeacuterio Puacuteblico Eleitoral
Nessa senda eacute inquietante imaginar que em um processo iniciado em uma cidade do interior do Maranhatildeo e que apoacutes longo caminho foi submetido agrave apreciaccedilatildeo da mais alta corte brasileira natildeo se tenha dado resposta em definitivo a sua questatildeo basal Assim satildeo inuacutemeras as questotildees hermenecircuticas que afloram desse julgado e merecem discussatildeo mais detalhada
5 Anaacutelise hermenecircutica do Recurso Extraordinaacuterio com Agravo nordm 738499MA
O recurso extraordinaacuterio eacute um oacutetimo objeto de estudo para a verificaccedilatildeo de princiacutepios hermenecircuticos e da forma como os tribunais brasileiros manejam as habilidades decisoacuterias Independentemente do meacuterito debatido na lide uma primeira caracteriacutestica do sistema judicial paacutetrio apresenta-se de modo destacado a profusatildeo de recursos
Salta aos olhos a forma como um procedimento administrativo que objetivava pedir o registro da candidatura ao cargo de vereador que deveria desenvolver-se de modo relativamente simploacuterio e ceacutelere transmutou-se em processo judicial de reconhecida complexidade
Essa mudanccedila natildeo eacute meramente formal na verdade representa o reconhecimento da existecircncia de litigiosidade nos procedimentos de registro de candidaturas o que tornou o processo apto a realizar a mobilizaccedilatildeo de grande parte da estrutura judicial brasileira transformando-se em objeto de discussatildeo ateacute mesmo na mais alta corte de justiccedila
56
A quantidade desmesurada de recursos admissiacuteveis na disciplina processual brasileira transforma o processo em uma verdadeira via crucis com idas e vindas interminaacuteveis que transformam a resposta social almejada em uma realidade distante e natildeo raro quase inalcanccedilaacutevel
Para os operadores do direito denota-se a ideacuteia de que os recursos verdadeiros vilotildees satildeo os grandes culpados por boa parte da lentidatildeo do Poder Judiciaacuterio e impedem a efetiva busca pela Justiccedila Vivemos em tempos e meios modernos fazendo-se necessaacuteria a desburocratizaccedilatildeo dos procedimentos e o atendimento eficiente aos cidadatildeos Em razatildeo do excesso das armadilhas formais o direito material das partes vai sendo lanccedilado de lado como se o acessoacuterio fosse mais importante que o principal (CALURI 2006 p 2)
No caso do Recurso Extraordinaacuterio com Agravo nordm 738499MA foram interpostos sete recursos9 contra as decisotildees parciais e se natildeo houvesse sido reconhecida a perda do objeto seria possiacutevel o manejo de mais alguns apelos antes que se atingisse a resposta judicial definitiva o tracircnsito em julgado da lide Trata‑se de verdadeiro absurdo mormente quando se observa que a questatildeo se iniciou em procedimento administrativo de rito simplificado
51 Do desrespeito agrave mens legisA legislaccedilatildeo eleitoral estaacute estruturada de modo a dotar o direito
processual eleitoral de dinamismo maior do que aquele que alcanccedilam os seus congecircneres Nesse sentido o processo eleitoral deve ser demasiado ceacutelere para que consiga a um soacute tempo resolver os conflitos sociais apresentados e manter a eficaacutecia social das decisotildees que produz (GOMES 2013 p 235)
No que diz respeito especificamente ao julgamento dos pedidos de registro de candidatura mateacuteria de fundo do processo ora analisado 9 No acircmbito do Tribunal Regional Eleitoral do Maranhatildeo foi apresentado recurso eleitoral na
seara do Tribunal Superior Eleitoral foram interpostos recurso especial agravo regimental no recurso especial e embargos de declaraccedilatildeo no agravo regimental no recurso especial no Supremo Tribunal Federal foram interpostos recurso extraordinaacuterio (a anaacutelise do juiacutezo de admissibilidade coube ao TSE) agravo de instrumento no recurso extraordinaacuterio e recurso extraordinaacuterio com agravo retido
57
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
existe uma profusatildeo de normas que sublinham a necessidade de rapidez na decisatildeo sob pena de contaminaccedilatildeo do pleito A tiacutetulo de exemplo pode-se citar a Lei das Eleiccedilotildees (Lei nordm 9504 de 30 de setembro de 1997)
Art 16 Ateacute quarenta e cinco dias antes da data das eleiccedilotildees os Tribunais Regionais Eleitorais enviaratildeo ao Tribunal Superior Eleitoral para fins de centralizaccedilatildeo e divulgaccedilatildeo de dados a relaccedilatildeo dos candidatos agraves eleiccedilotildees majoritaacuterias e proporcionais da qual constaraacute obrigatoriamente a referecircncia ao sexo e ao cargo a que concorremsect 1ordm Ateacute a data prevista no caput todos os pedidos de registro de candidatos inclusive os impugnados e os respectivos recursos devem ser julgados em todas as instacircncias e publicadas as decisotildees a eles relativas (BRASIL 2012 p 339)
Ainda que os prazos estabelecidos sejam considerados improacuteprios persiste certamente a sensaccedilatildeo de que a Justiccedila Eleitoral natildeo respeita as normas que criou10 mas exige tal posicionamento dos outros atores eleitorais eleitores candidatos coligaccedilotildees partidos poliacuteticos e Ministeacuterio Puacuteblico Eleitoral
Ademais haacute o risco permanente como no caso em debate de que a decisatildeo ao final mostre‑se inoacutecua o que frustra a massa de destinataacuterios do Direito Eleitoral ou seja os cidadatildeos brasileiros e cria desagradaacutevel sensaccedilatildeo de injusticcedila ou insatisfaccedilatildeo entre todos os atores envolvidos direta ou indiretamente no processo eleitoral
52 Processo e linguagemA modernidade liacutequida representa a superaccedilatildeo da modernidade
soacutelida uma quebra de paradigmas ao abandonar os modelos fincados no mero formalismo desapegando-se da tradiccedilatildeo racionalista que remonta ao Iluminismo ou seja meados do seacuteculo XVIII
10 A Resoluccedilatildeo‑TSE nordm 23373 de 14 de dezembro de 2011 que disciplinou os pedidos de registro de candidatura para as eleiccedilotildees de 2012 previa ldquoArt 65 Todos os recursos sobre pedido de registro de candidatos deveratildeo estar julgados pela Justiccedila Eleitoral e publicadas as respectivas decisotildees ateacute 23 de agosto de 2012 (Lei nordm 950497 art 16 sect 1ordm)rdquo
58
(BAUMAN 2001 p132-133) O processo natildeo pode deter-se diante dessa realidade em transformaccedilatildeo
Assim procura-se cada vez mais o manejo de um linguajar mais acessiacutevel ao puacuteblico leigo rompendo com o hermetismo racionalista Da mesma maneira satildeo privilegiadas as decisotildees mais sucintas em detrimento das sentenccedilas laudatoacuterias e labiriacutenticas
O Recurso Extraordinaacuterio com Agravo nordm 748499MA manteve-se alheio agraves tendecircncias contemporacircneas visto que as diferentes decisotildees colacionadas ao processo persistem no emprego de expressotildees imbricadas de desnecessaacuterio formalismo o que dificulta a compreensatildeo daquilo que estaacute sendo julgado
A situaccedilatildeo eacute especialmente inquietante quando se observa que se trata de mateacuteria eleitoral Hodiernamente o processo passou a ser enxergado como ambiente de debate democraacutetico tanto mais quando se considera o seu envolvimento com os pleitos e a proacutepria representaccedilatildeo social (ZANETI JUacuteNIOR 2005 p 366) Nessas circunstacircncias o cidadatildeo eacute chamado claramente a participar do debate processual ateacute mesmo como forma de respeitar a dimensatildeo contemporacircnea dos direitos poliacuteticos
Haacute portanto necessidade de haver fortalecimento da clareza da narrativa processual e de sua concisatildeo Quedar-se inerte diante disso produziraacute mais cedo ou mais tarde o afastamento do cidadatildeo que eacute o verdadeiro interessado no melhor destino da mateacuteria processual eleitoral
53 Exigecircncia de condutas impossiacuteveisO ponto nevraacutelgico do processo referia-se agrave inexistecircncia de
interesse de agir do Ministeacuterio Puacuteblico para apresentar recurso contra decisatildeo que deferiu pedido de registro de candidatura porquanto se absteve de ajuizar accedilatildeo impugnatoacuteria ainda no juiacutezo de piso
A anaacutelise minuciosa do processo demonstra que tal premissa eacute insustentaacutevel ao menos no caso em estudo Eacute certo que a candidata
59
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
teve seu pedido de registro indeferido porque natildeo possuiacutea quitaccedilatildeo eleitoral visto que deixara de cumprir a obrigaccedilatildeo de votar e natildeo apresentara justificativa ou quitara a multa eleitoral equivalente Assim natildeo possuiacutea condiccedilatildeo de elegibilidade
Interessa notar que a informaccedilatildeo relacionada agrave ausecircncia de quitaccedilatildeo eleitoral deve ser retirada diretamente do sistema da Justiccedila Eleitoral sendo certificada pelos servidores do Cartoacuterio Eleitoral (art 27 sect 1ordm da Resoluccedilatildeo-TSE nordm 23373 de 14 de dezembro de 2011) A conferecircncia a que se refere esse dispositivo entretanto somente ocorreraacute quando inteiramente transcorrido o prazo para impugnaccedilotildees (art 37 sect 2ordm inciso I da Resoluccedilatildeo-TSE nordm 233732011)
Da combinaccedilatildeo dos dois dispositivos surge uma obrigaccedilatildeo idiossincraacutetica o Ministeacuterio Puacuteblico deveria apresentar impugnaccedilatildeo ao pedido de registro alegando ausecircncia de quitaccedilatildeo eleitoral antes de a informaccedilatildeo constar do processo ou seja ele deveria ser detentor preacutevio dessa informaccedilatildeo constante do cadastro eleitoral que possui cunho personaliacutessimo e sigiloso Eis o perfeito exemplo de norma que conteacutem exigecircncia de conduta impossiacutevel de ser realizada fato severamente criticado por Lon L Fuller (1969 p 35) e associado a governos autoritaacuterios
A falta de manifestaccedilatildeo do oacutergatildeo ministerial nessa situaccedilatildeo ainda que natildeo tenha havido o acesso devido agrave informaccedilatildeo eacute encarada como uma espeacutecie de renuacutencia ao direito de recorrer de qualquer das etapas subsequentes o que substancia agressatildeo agrave sua funccedilatildeo de fiscal da lei
Natildeo bastasse isso fica claro que a exigecircncia do julgador consubstanciada na Suacutemula nordm 11 do TSE e em suas interpretaccedilotildees sequenciadas eacute impossiacutevel de ser cumprida na praacutetica salvo se o representante do Parquet for informado anteriormente por servidores da Justiccedila Eleitoral acerca da pendecircncia Assim a decisatildeo fundamenta-se na exigecircncia de conduta impossiacutevel de ser realizada e por conseguinte completamente desarrazoada
60
54 Do pretenso utilitarismo da decisatildeo do Supremo Tribunal FederalA decisatildeo final do Supremo Tribunal Federal levou agrave extinccedilatildeo do
feito sob o argumento de que natildeo houvera interesse processual na lide visto que a candidata cujo registro fora atacado natildeo obtivera sucesso eleitoral sendo derrotada nas urnas
O voto do relator pretendeu criar em torno de si um caraacuteter utilitarista11 fazendo crer que o melhor para a Corte e consequentemente para a sociedade seria sepultar de imediato o processo levando-o a um epiacutelogo raacutepido e direto Essa medida significaria economia de tempo e recursos humanos e de materiais que seriam melhor investidos no julgamento de outros feitos entre os milhares que se avolumam nos escaninhos do Tribunal
Essa postura aproxima-se do comportamento utilitarista institucional que pode ser resumido na ldquovisatildeo de que as melhores instituiccedilotildees poliacuteticas legislativas ou sociais satildeo aquelas que produzem o maior bem-estar totalrdquo (MULGAN 2012 p 180) Esse anseio estaria concretizado no nuacutemero mais expressivo de processos julgados ao final A ideia entretanto estaacute equivocada
Ao adotar esse caminho supostamente mais beneacutefico a todos o Ministro Teori Zavascki relegou a plano inferior algumas questotildees insidiosas mas importantes Em primeiro lugar o simples fato de a recorrida natildeo haver alcanccedilado o sucesso nas urnas natildeo significa o fenecimento do interesse social no processo tendo em vista que mesmo natildeo tendo alcanccedilado a vitoacuteria recebeu votos e estes foram computados contribuiu para a formaccedilatildeo do quociente partidaacuterio de sua coligaccedilatildeo e em consequecircncia para o sucesso eleitoral dos seus pares O meacuterito do processo deveria ter sido julgado para que se pudesse decidir acerca da validade desses sufraacutegios e da sua influecircncia no cocircmputo geral
11 Jeremy Bentham (1979 p 4) um dos pais criadores do pensamento utilitarismo assim resume a mateacuteria ldquoO princiacutepio que aprova ou desaprova qualquer accedilatildeo segundo a tendecircncia que tem de aumentar ou a diminuir a felicidade da pessoa cujo interesse estaacute em jogo ou o que eacute a mesma coisa em outros termos segundo a tendecircncia a promover ou a comprometer referida felicidaderdquo
61
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
Por outro lado ainda que a candidata natildeo tivesse amealhado nenhum apoiamento e natildeo alcanccedilasse nenhum voto persistia a necessidade de decisatildeo definitiva acerca do meacuterito em debate pois perdurava a possibilidade concreta de multiplicaccedilatildeo de accedilotildees judiciais nas diferentes instacircncias de julgamento com o mesmo tema O que de fato acabou ocorrendo como se verificaraacute adiante
A decisatildeo tomada pelo relator foi apresentada como uma necessidade utilitarista o argumento de perda do objeto eacute constantemente avocado como salvaguarda nas decisotildees em que se deseja fugir do meacuterito
No caso em anaacutelise o valor positivo mensurado pelo ministro passou ao largo da necessidade social logo a decisatildeo em vez de beneacutefica por ter poupado horas de trabalho que foram realocadas em outros processos foi deleteacuteria por ter mantido vivos dezenas de outras lides que tratavam do mesmo tema
Em suma
[] os tribunais natildeo hesitam em tomar uma decisatildeo que se impotildee mesmo agrave custa de uma justificaccedilatildeo fictiacutecia natildeo devem fazer esquecer que tais subterfuacutegios criam sempre um mal-estar que se manifesta pela continuaccedilatildeo dos litiacutegios pelas partes convencidas ter legalmente razatildeo a paz judicial soacute se restabelece definitivamente quando a soluccedilatildeo a mais aceitaacutevel socialmente eacute acompanhada de uma argumentaccedilatildeo juriacutedica suficientemente soacutelida (PERELMAN 1999 p 191)
Nesse sentido a interpretaccedilatildeo puramente literal aplicada aos dispositivos legais e agrave mateacuteria sumulada mostraram‑se insuficientes para a adequada resoluccedilatildeo da demanda pois a decisatildeo baseada unicamente em um elemento formal reduz-se agrave repeticcedilatildeo de conceitos previamente estabelecidos e consolidados em outros julgamentos Essa postura desprovida de criticidade transforma o julgado em uma repeticcedilatildeo randocircmica de um discurso de autoridade previamente firmado tal qual narrado por Foucault (2012 p 21)
62
A tarefa do julgador eacute interpretar normas aplicando-as da maneira mais adequada a cada caso concreto Isso natildeo significa por oacutebvio que essa adaptaccedilatildeo seja acriacutetica produzindo a repeticcedilatildeo das mesmas decisotildees para casos diversos plenos de peculiaridades ldquoDessa perspectiva a tarefa dos ministros natildeo pode ser de mera aplicaccedilatildeo da lsquolei pela leirsquo pois a subsunccedilatildeo agrave lei puramente natildeo seria suficiente para solucionar a questatildeordquo (SOUZA ABREU p 8575)
6 A influecircncia do Recurso Extraordinaacuterio com Agravo nordm 728188RJ
O Recurso Extraordinaacuterio nordm 728188RJ causou verdadeira revoluccedilatildeo na jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal com reflexos marcantes no comportamento do Tribunal Superior Eleitoral A accedilatildeo repetia o debate anteriormente levantado no ARE nordm 738499MA
A mateacuteria parecia pacificada tendo em vista a existecircncia de verbete sumular do TSE disciplinando a questatildeo O recurso extraordinaacuterio contudo natildeo foi recebido pela Corte Suprema e a decisatildeo foi atacada por meio de agravo em que se pediu aleacutem do conhecimento do apelo extraordinaacuterio o reconhecimento da existecircncia de repercussatildeo geral no tema
O relator do processo Ministro Ricardo Lewandowski analisando o meacuterito da discussatildeo reconhece a afronta ao art 127 da Constituiccedilatildeo Federal12 e recorda a importacircncia da atuaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico Eleitoral como custos legis por conta disso
[] natildeo se lhe aplicaria preclusatildeo consumativa uma vez que tendo a Constituiccedilatildeo Federal lhe conferido tal mister e natildeo havendo lei proibindo o recurso nesses casos a atuaccedilatildeo como fiscal da lei permitiria tal atuaccedilatildeo a fim de possibilitar a reversatildeo de eventual deferimento de registro de candidatura contraacuterio agrave ordem juriacutedica (BRASIL 2013a p 4)
12 In verbis ldquoArt 127 O Ministeacuterio Puacuteblico eacute instituiccedilatildeo permanente essencial agrave funccedilatildeo jurisdicional do Estado incumbindo‑lhe a defesa da ordem juriacutedica do regime democraacutetico e dos interesses sociais e individuais indisponiacuteveisrdquo
63
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
A pedra de toque do voto do relator reside portanto na possibilidade de o Parquet no exerciacutecio de suas funccedilotildees constitucionais poder manejar a qualquer instante os instrumentos que a legislaccedilatildeo coloca a sua disposiccedilatildeo a fim de garantir a regularidade dos embates eleitorais Na realidade a linha de pensamento defendida pelo relator aproxima-se em grande medida da teoria dos poderes impliacutecitos lembrando que a previsatildeo de uma competecircncia no texto constitucional eacute logicamente acompanhada de todos os poderes necessaacuterios a sua correta concretizaccedilatildeo
Por fim defendeu‑se a existecircncia da repercussatildeo geral considerando que os interesses envolvidos na lide ultrapassavam as demandas individuais (representadas pelo oacutergatildeo Ministerial Eleitoral e pelo candidato impugnado) alcanccedilando toda a coletividade e igualmente por se tratar de mateacuteria com capacidade de replicaccedilatildeo em outros processos
O Pleno do STF por maioria acompanhou o relator e reconheceu a existecircncia de repercussatildeo geral e concomitantemente a possibilidade de o Ministeacuterio Puacuteblico Eleitoral recorrer de decisatildeo em processo de registro de candidatura ainda que natildeo tenha realizado impugnaccedilatildeo preacutevia
Essa decisatildeo eacute o reconhecimento taacutecito de que o Tribunal decidiu mal no julgamento do Recurso Extraordinaacuterio com Agravo nordm 738499MA Reconhecer a existecircncia de repercussatildeo geral e da capacidade de reproduccedilatildeo da demanda significa atentar para a necessidade de realizar um debate meritoacuterio e natildeo puramente formalista acerca da questatildeo
Concomitantemente o novo precedente demonstra em suas entrelinhas que a decisatildeo anterior natildeo seguiu os bons padrotildees da hermenecircutica contemporacircnea fazendo ouvidos moucos agrave necessidade de pacificaccedilatildeo social
Aleacutem disso eacute de se notar que embora a decisatildeo novel tenha resolvido a querela de modo satisfatoacuterio natildeo desfez o noacute goacuterdio da questatildeo mantendo a exigecircncia de conduta impossiacutevel uma
64
vez que o representante do Ministeacuterio Puacuteblico Eleitoral continua instado a impugnar pedido de registro de candidatura com lastro em informaccedilotildees que natildeo constam do processo
O problema foi finalmente atacado em seu meacuterito contudo natildeo de forma suficientemente contundente e especiacutefica pois o Supremo Tribunal Federal preferiu assumir a funccedilatildeo de arauto da defesa constitucional elegendo como mote para a decisatildeo a vaga defesa dos princiacutepios constitucionais no caso a higidez do rol de atribuiccedilotildees do Ministeacuterio Puacuteblico Esquece-se a loacutegica pressuposto miacutenimo para a hermenecircutica contemporacircnea e exalta-se a forma
7 Consideraccedilotildees finaisA observaccedilatildeo do Recurso Extraordinaacuterio com Agravo nordm 738499MA
em todas as suas fases judiciais eacute suficiente para desvendar muitas das mazelas do sistema judicial brasileiro Em primeiro lugar a quantidade excessiva de recursos judiciais acabam afastando temporalmente a soluccedilatildeo definitiva de uma lide o que a torna uma realidade distante e por vezes concretamente inoacutecua
O uso de linguagem excessivamente rebuscada cuja compreensatildeo eacute praticamente monopoacutelio dos juristas acaba afastando da esfera processual a populaccedilatildeo os cidadatildeos interessados no deslinde definitivo da questatildeo
Outro defeito seria a exigecircncia de condutas impossiacuteveis dos agentes o que se consubstancia na obrigaccedilatildeo de o oacutergatildeo ministerial questionar pedido de registro de candidatura com base em informaccedilotildees que nem sequer existem no processo fiacutesico Por fim a atividade criacutetica desemboca na verificaccedilatildeo do suposto caraacuteter utilitarista de decisatildeo da Corte Suprema
Essa caracteriacutestica entretanto natildeo sobrevive a uma anaacutelise mais aprofundada uma vez que simplesmente extinguir o processo sem a anaacutelise do meacuterito embora signifique em um primeiro momento economia de tempo depois se reveste em prejuiacutezo dada
65
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
a quantidade de demandas de igual natureza que se repetem O julgamento do ARE nordm 728188RJ comprova tais argumentos
O julgamento ora esmiuccedilado eacute um oacutetimo laboratoacuterio hermenecircutico ainda que as conclusotildees apontem para a necessidade de modificaccedilotildees de postura no Judiciaacuterio brasileiro especialmente quando dizem respeito ao manejo de teacutecnicas e princiacutepios interpretativos contemporacircneos
Referecircncias
BAUMAN Zygmund Modernidade liacutequida Traduccedilatildeo Pliacutenio Dentzien Rio de Janeiro Zahar 2001
BENTHAM Jeremy Uma introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Satildeo Paulo Abril 1979 (Os Pensadores)
BRASIL Coacutedigo Eleitoral anotado e legislaccedilatildeo complementar 10 ed Brasiacutelia Tribunal Superior Eleitoral 2012
BRASIL Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinaacuterio com Agravo nordm 728188RJ Ministeacuterio Puacuteblico Federal x Sebastiatildeo Ramos Relator Ministro Ricardo Lewandowski Data da publicaccedilatildeo 17 out 2013a
BRASIL Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinaacuterio com Agravo nordm 738499MA Ministeacuterio Puacuteblico Federal x Regina Lins Rocha da Silva Relator Ministro Teori Zavascki Data da publicaccedilatildeo 18 jun 2013b
CALURI Lucas Naif Sistema recursal no direito processual civil In Encontro Nacional do CONPEDI XV 2006 Manaus Anais Florianoacutepolis CONPEDI 2006 p 1-21
CAMARGO Luiz Henrique Volpe Convenccedilotildees partidaacuterias pedido de registro de candidaturas e accedilatildeo de impugnaccedilatildeo de registro de candidaturas In AacuteVALO Alexandre et al (Coord) O novo Direito
66
Eleitoral Brasileiro manual de Direito Eleitoral 2 ed rev e atual Belo Horizonte Foacuterum 2014
CARNELUTTI Francesco Instituciones del proceso civil Traduccedilatildeo Santiago Sentiacutes Melendo Buenos Aires El foro 1997 v 1
CASTRO Edson Resende de Curso de Direito Eleitoral 6 ed rev e atual Belo Horizonte Del Rey 2012
CHIOVENDA Giuseppe Instituiccedilotildees de Direito Processual Civil as relaccedilotildees processuais a relaccedilatildeo processual de cogniccedilatildeo (Trad) J Guimaratildees Menegale 3 ed Satildeo Paulo Saraiva 1969 v 2
COSTA Adriano Soares da Instituiccedilotildees de Direito Eleitoral Belo Horizonte Del Rey 2000
DWORKIN Ronald Levando os direitos a seacuterio Traduccedilatildeo Nelson Boeira Satildeo Paulo Martins Fontes 2002
ESPINDOLA Acircngela Arauacutejo da Silveira Superaccedilatildeo do racionalismo no processo civil enquanto condiccedilatildeo de possibilidade para a construccedilatildeo das tutelas preventivas um problema de estrutura ou funccedilatildeo (ou por que eacute preciso navegar em direccedilatildeo agrave ilha desconhecida e construir o direito processual civil do Estado Democraacutetico de Direito) 2008 305 f Tese (Doutorado em Direito) ndash Universidade do Vale dos Sinos Satildeo Leopoldo 2008
FOCAULT Michel A ordem do discurso aula inaugural no Collegravege de France pronunciada em 2 de dezembro de 1970 Traduccedilatildeo Laura Fraga de Almeida Sampaio 22 ed Satildeo Paulo Loyola 2012
FULLER Lon L The morality of law New Haven Yale University Press 1969
GOMES Joseacute Jairo Direito Eleitoral 8 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Atlas 2012
67
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
HAumlBERLE Peter Hermenecircutica constitucional a sociedade aberta dos inteacuterpretes da constituiccedilatildeo ndash contribuiccedilatildeo para a interpretaccedilatildeo pluralista e procedimental da constituiccedilatildeo Traduccedilatildeo Gilmar Ferreira Mendes Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 2002
MULGAN Tim Utilitarismo Traduccedilatildeo Faacutebio Creder Petroacutepolis Vozes 2012
NIESS Pedro Henrique Taacutevora Direitos poliacuteticos 2 ed Bauru Edipro 2000
PASSOS Faacutebio Presoti Processo constitucional e jurisdiccedilatildeo no estado democraacutetico de direito E-civitas Belo Horizonte v 6 n 1 jul 2013
PERELMAN Chaiumlm Loacutegica juriacutedica nova retoacuterica Traduccedilatildeo Virgiacutenia K Pupi Satildeo Paulo Martins Fontes 1999
SILVA Oviacutedio Arauacutejo Baptista da Da sentenccedila liminar agrave nulidade da sentenccedila Rio de Janeiro Forense 2001
SOUZA Larissa Maria Melo ABREU Luiz Eduardo de Lacerda Direito e linguagem na casuiacutestica da accedilatildeo direta de inconstitucionalidade contra a Lei de Biosseguranccedila In Encontro Nacional do CONPEDI XIX 2010 Fortaleza Anais Florianoacutepolis CONPEDI 2010 p 8564-8578
ZANETI JUNIOR Hermes A constitucionalizaccedilatildeo do processo a virada do paradigma racional e poliacutetico no processo civil brasileiro do estado democraacutetico constitucional 2005 408 f Tese (Doutorado em Direito) ndash Universidade Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre 2005
ZIacuteLIO Rodrigo Loacutepez Direito Eleitoral noccedilotildees preliminares elegibilidade e inelegibilidade processo eleitoral (da convenccedilatildeo agrave prestaccedilatildeo de contas) accedilotildees eleitorais 3 ed Porto Alegre Verbo Juriacutedico 2012
a PROPAGANDA ELEITORAL APOacuteS AS ALTERACcedilOtildeES INTRODUZIDAS PELAS LEIS Nordm 128912013 E Nordm 131652015 GABRIEL DE SOUZA LEAL
71
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
A PROPAGANDA ELEITORAL APOacuteS AS ALTERACcedilOtildeES INTRODUZIDAS PELAS LEIS Nordm 128912013 E Nordm 1316520151
THE ELECTORAL PROPAGANDA AFTER THE CHANGES INTRODUCED BY THE LAWS Nordm 128912013 AND Nordm 131652015
GABRIEL DE SOUZA LEAL2
RESUMO
Este texto apresenta as principais alteraccedilotildees na propaganda eleitoral introduzidas pelas leis nordm 12891 de 11 de dezembro de 2013 e nordm 13165 de 29 de setembro de 2015 que ficaram conhecidas como minirreformas eleitorais O estudo foi realizado por meio de pesquisa bibliograacutefica e anaacutelise da jurisprudecircncia sobre o tema Inicialmente busca-se compreender o conceito e os princiacutepios que regem a propaganda eleitoral Em sequecircncia apresentam-se as principais alteraccedilotildees havidas nas regras que a regem principalmente contidas na Lei nordm 9504 de 30 de dezembro de 1997 com o objetivo de informar os operadores do Direito Eleitoral e seus interessados
Palavras-chave Propaganda eleitoral Alteraccedilatildeo Eleiccedilotildees Campanha eleitoral
ABSTRACT
This paper presents the changes in electoral propaganda introduced by the laws nordm 128912013 and nordm 131652015 known as electoral minirreforma The study was conducted through the literature review and analysis of jurisprudence on the subject Initially trying to understand the concept and the principles that
1 Artigo recebido em 9 de maio de 2016 e aprovado para publicaccedilatildeo em 21 de junho de 20162 Graduado em Direito pela Faculdade de Educaccedilatildeo Administraccedilatildeo e Tecnologia de Ibaiti (Feati)
Especialista em Direito Eleitoral e Processual Eleitoral pelo Centro Universitaacuterio Claretiano Teacutecnico judiciaacuterio do Tribunal Regional Eleitoral do Paranaacute
72
govern the electoral propaganda In sequence were present amendments to the rules of electoral propaganda mainly contained in Law nordm 95041997 in order to check and inform operators and those who are interested in Electoral Law
Keywords Electoral propaganda Changes Elections Election campaign
73
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
1 IntroduccedilatildeoTrataremos neste trabalho das principais alteraccedilotildees realizadas
nas regras da propaganda eleitoral introduzidas pelas leis nordm 128912013 e nordm 131652015 Cada uma em sua eacutepoca ambas receberam a alcunha de minirreforma eleitoral por alterarem diversas regras do processo eleitoral
A Lei nordm 129812013 que teve iniacutecio no Projeto de Lei do Senado nordm 4412012 foi sancionada em 11 de dezembro de 2013 e apesar de jaacute se terem passado mais de dois anos desde sua sanccedilatildeo seraacute aplicada pela primeira vez em uma eleiccedilatildeo no pleito municipal de 2016 uma vez que o princiacutepio da anualidade eleitoral impediu sua aplicaccedilatildeo nas eleiccedilotildees gerais que ocorreram no ano de 2014 Sobre tal princiacutepio trataremos de forma mais aprofundada em toacutepico especiacutefico
Por sua vez a Lei nordm 131652015 que teve iniacutecio na Cacircmara dos Deputados com o Projeto de Lei nordm 57352013 sendo sancionada em 29 de setembro de 2015 tambeacutem seraacute aplicada pela primeira vez nas eleiccedilotildees de outubro de 2016 pois sua sanccedilatildeo ocorreu antes de um 1 ano da realizaccedilatildeo do primeiro turno das eleiccedilotildees de 2016 que ocorreraacute em 2 de outubro Essa regra como jaacute dito seraacute mais bem explicada em toacutepico que se seguiraacute
As duas leis objeto deste estudo tecircm em comum o fato de terem sido elaboradas com o objetivo de reduzir o custo das campanhas eleitorais conforme consta em suas ementas Tal propoacutesito afeta diretamente a propaganda eleitoral cerne deste artigo pois na utilizaccedilatildeo dos diversos meios e formas de propaganda permitidos por lei partidos e candidatos despendem a maioria de seus recursos na busca pelo voto do eleitor
Aleacutem disso o elevado custo das campanhas eleitorais no Brasil faz com que candidatos com maior poder aquisitivo que gastam mais recursos financeiros na campanha eleitoral tenham mais chances de se eleger do que aqueles que dispotildeem de menos recursos trazendo desequiliacutebrio ao pleito Esse fato ressalta a importacircncia de se manter
74
controle rigoroso dos custos das campanhas eleitorais para que o cidadatildeo possa fazer sua escolha sem viacutecio de consciecircncia
Este estudo apresentaraacute apenas as alteraccedilotildees mais relevantes na propaganda eleitoral visto que ao todo as 2 leis objetos desta diligecircncia fizeram mais de 80 alteraccedilotildees nas regras da propaganda eleitoral o que inviabiliza sua anaacutelise por meio de artigo cientiacutefico que tem como caracteriacutestica ser mais conciso Ainda assim seratildeo analisadas as alteraccedilotildees de maior impacto nas campanhas eleitorais a partir de 2016
2 Do princiacutepio da anualidade eleitoral Neste ponto faz-se mister trazer agrave tona conceito e breves
apontamentos acerca do princiacutepio da anualidade eleitoral previsto no art 16 da Constituiccedilatildeo Federal segundo o qual ldquoa lei que alterar o processo eleitoral entraraacute em vigor na data de sua publicaccedilatildeo natildeo se aplicando agrave eleiccedilatildeo que ocorra ateacute um ano da data de sua vigecircnciardquo Nas palavras de Coecirclho (2012 p 88) ldquotal princiacutepio estabelece que a norma eleitoral que vise modificaccedilotildees no processo eleitoral entraraacute em vigor a partir de publicaccedilatildeo contudo natildeo regeraacute a eleiccedilatildeo que ocorrer em menos de um ano de sua entrada no ordenamentordquo
A importacircncia de ainda que brevemente analisar tal princiacutepio se deve ao fato de que da aplicaccedilatildeo do princiacutepio da anualidade eleitoral chega-se agrave conclusatildeo de qual lei se aplicaraacute a determinado processo eleitoral jaacute que seu principal objetivo eacute evitar que sejam elaboradas leis eleitorais ou alteradas as existentes em periacuteodo proacuteximo ao pleito em favor ou prejuiacutezo de candidatos partidos ou coligaccedilotildees Trata-se de norma que traz seguranccedila juriacutedica aos pleitos como assevera Moraes (2008 p 265) para quem o citado art 16 ldquo[] pretende consagrar a seguranccedila juriacutedica nos pleitos eleitorais permitindo que as regras do jogo democraacutetico sejam conhecidas antecipadamente por todos aqueles que dele participamrdquo
75
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
Na mesma linha acrescentam Cerqueira e Cerqueira (2013 p 31)
O princiacutepio da anualidade eleitoral mdash tambeacutem conhecido como ldquoantinomia eleitoralrdquo ou conflito de leis no tempo mdash eacute a expressatildeo maacutexima da democracia lastreado no princiacutepio do rules of game ou seja ldquonatildeo se pode mudar as regras do jogo no meio do campeonatordquo Traduzindo para a seara juriacutedica eleitoral natildeo se pode fazer leis casuiacutesticas para preservar o poder poliacutetico econocircmico ou de autoridade []Assim toda lei que alterar o processo eleitoral tem vigecircncia (ou aplicaccedilatildeo) imediata agrave data de sua publicaccedilatildeo leia-se ingressa imediatamente no ordenamento juriacutedico paacutetrio e portanto natildeo se aplica a vacatio legisContudo teraacute apenas eficaacutecia imediata (efeitos jaacute aplicados) se publicada um ano antes da eleiccedilatildeo em tracircmite pois do contraacuterio teraacute vigecircncia imediata mas eficaacutecia contida (para as proacuteximas eleiccedilotildees)
Segundo o princiacutepio em anaacutelise para que a lei que altera o processo eleitoral seja aplicada a uma eleiccedilatildeo ela deve estar vigente um ano antes da realizaccedilatildeo do pleito Se se considerar o pleito de 2016 cujo primeiro turno se realizaraacute em 2 de outubro de 2016 somente se aplicaraacute a ele a lei que altere o processo eleitoral e tenha entrado em vigecircncia ateacute tal data
Destaca-se que foi em decorrecircncia da aplicaccedilatildeo do princiacutepio da anualidade eleitoral que a Lei nordm 128912013 natildeo pocircde ser aplicada agraves eleiccedilotildees de 2014 pois como vimos entrou em vigor a menos de um ano 1 da realizaccedilatildeo daquele pleito que teve seu primeiro turno em 5 de outubro de 2014 conforme decidiu o Tribunal Superior Eleitoral na Consulta nordm 1000-75DF
Aqui as maiores discussotildees ocorrem na busca por uma definiccedilatildeo do que seria processo eleitoral e de quando ele se inicia Nesse ponto destaco o posicionamento do Excelentiacutessimo Ministro Gilmar Mendes que em voto proferido na Consulta nordm 1000‑75DF afirmou
Dessa forma a fase preacute-eleitoral natildeo coincide com as datas de realizaccedilatildeo das convenccedilotildees partidaacuterias Ela comeccedila muito antes com a proacutepria filiaccedilatildeo partidaacuteria e a fixaccedilatildeo de domiciacutelio eleitoral dos candidatos assim como com o registro dos partidos no Tribunal
76
Superior Eleitoral A competiccedilatildeo eleitoral inicia-se exatamente um ano antes da data das eleiccedilotildees e nesse interregno o art 16 da Carta da Repuacuteblica estabelece que qualquer modificaccedilatildeo nas regras do jogo natildeo teraacute eficaacutecia imediata no pleito em curso
Foi nesse mesmo sentido que o Supremo Tribunal Federal no RE nordm 633703MG ao julgar se a Lei Complementar nordm 1352010 (Lei da Ficha Limpa) se aplicaria agraves eleiccedilotildees de 2010 assentou que o processo eleitoral se inicia um 1 ano antes do pleito conforme excerto retirado da ementa do citado processo
Aleacutem disso eacute importante ressaltar que mesmo que a Lei nordm 131652015 tenha alterado o art 9ordm da Lei nordm 95041997 (Lei das Eleiccedilotildees) de modo a diminuir o tempo miacutenimo de filiaccedilatildeo partidaacuteria para concorrer a cargo eletivo para seis 6 meses soacute esse fato natildeo altera o iniacutecio do processo eleitoral pois permanece a necessidade de o candidato possuir um 1 ano de domiciacutelio eleitoral na circunscriccedilatildeo do pleito bem como a necessidade de o partido que pretende lanccedilar candidato ter seu registro deferido pelo TSE tambeacutem um ano antes
Com base no que foi dissertado ateacute aqui pode‑se afirmar que tanto a Lei nordm 128912013 quanto a Lei nordm 131652015 estatildeo aptas a serem aplicadas nas eleiccedilotildees municipais de 2016 uma vez que a primeira lei foi publicada em 12 de dezembro de 2013 e a segunda em 28 de setembro de 2015 ou seja ambas entraram em vigor a mais de um ano da realizaccedilatildeo do certame que ocorreraacute em 2 de outubro de 2016
3 Da propaganda eleitoralDe iniacutecio as palavras de Ramayana (2010 p 367) ldquoA propaganda
pode ser conceituada como forma de difundir multiplicar e alargar a atividade poliacutetica desenvolvida nas campanhasrdquo
Na seara eleitoral a doutrina costuma classificar a propaganda eleitoral como espeacutecie pertencente ao gecircnero propaganda poliacutetica conforme explica Cacircndido (2012 p 177) ldquoPropaganda poliacutetica eacute gecircnero propaganda eleitoral propaganda intrapartidaacuteria e
77
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
propaganda partidaacuteria satildeo espeacutecies desse gecircnerordquo Veja-se entatildeo breve conceituaccedilatildeo sobre cada uma dessas espeacutecies
Segundo a mais refinada doutrina propaganda partidaacuteria regulada pela Lei nordm 9096 de 19 de setembro de 1995 eacute aquela utilizada pelos partidos poliacuteticos para difundir suas ideologias accedilotildees e programas assim como os ideaacuterios da agremiaccedilatildeo Nesse sentido o eleitoralista Gomes (2015 p 386) afirma
Consiste a propaganda partidaacuteria na divulgaccedilatildeo das ideias e do programa do partido Tem por finalidade facultar‑lhe a exposiccedilatildeo e o debate puacuteblico de sua ideologia de sua histoacuteria de sua cosmovisatildeo de suas metas dos valores agasalhados do caminho para que seu programa seja realizado enfim de sua doutrina e pois de suas propostas para a melhoria ou transformaccedilatildeo da sociedade
Por sua vez propaganda intrapartidaacuteria eacute aquela utilizada por preacute-candidatos no acircmbito interno dos partidos com o objetivo de buscar sua indicaccedilatildeo para disputa do pleito eleitoral nas convenccedilotildees partidaacuterias De forma esclarecedora Cacircndido (2012 p 177) explica
Trata‑se de propaganda que por sua natureza e finalidade eacute exercida de modo silencioso e exclusivamente na oacuterbita do partido poliacutetico a que pertence o pretendente ao mandato eletivo Daiacute seu nome propaganda intrapartidaacuteria O interessado natildeo pode usar a miacutedia para fazecirc-la optando entatildeo geralmente pelo uso da mala direta das visitas aos eleitores pela remessa de mensagens e pelas conversas com os correligionaacuterios ldquovendendordquo seu nome e sua plataforma para ser escolhido na convenccedilatildeo do partido
Nos termos do art 36 sect 1ordm da Lei das Eleiccedilotildees a propaganda intrapartidaacuteria pode ser realizada nos 15 dias que antecedem a realizaccedilatildeo das convenccedilotildees partidaacuterias Salienta-se que a Lei nordm 131652015 alterou o art 8ordm da Lei das Eleiccedilotildees estabelecendo que as convenccedilotildees para escolha dos candidatos devem se realizar entre os dias 20 de julho e 5 de agosto do ano em que se realizarem as eleiccedilotildees
Passa-se agora a tratar da propaganda eleitoral tema central deste estudo Essa modalidade de propaganda eacute aquela
78
que leva ao conhecimento dos eleitores os nomes nuacutemeros e propostas daqueles que postulam cargo eletivo em eleiccedilotildees gerais (presidente senadores governadores e deputados) ou em eleiccedilotildees municipais (prefeitos e vereadores) Essencial ao desenvolvimento da democracia a propaganda eleitoral daacute subsiacutedios para que os eleitores escolham seus candidatos com base em suas propostas aleacutem de fomentar discussotildees e consequentemente de motivar a participaccedilatildeo popular em todo processo eleitoral Tal importacircncia fica mais claramente revelada nas palavras de Gomes (2015 p 39) ao afirmar que a democracia ldquo[] natildeo resiste agrave indiferenccedila do povo pois eacute a participaccedilatildeo popular que a manteacutem vivardquo
Ao tratar do tema com muita propriedade Cacircndido (2012 p 177) afirma que propaganda eleitoral ldquoeacute uma forma de captaccedilatildeo de votos usada pelos partidos poliacuteticos coligaccedilotildees ou candidatos em eacutepoca determinada por lei por meio da divulgaccedilatildeo de suas propostas visando a eleiccedilatildeo a cargos eletivosrdquo
Uma das principais alteraccedilotildees trazidas pela Lei nordm 131652015 foi a reduccedilatildeo do periacuteodo das campanhas eleitorais as quais se iniciam com o teacutermino do registro de candidaturas que agora ocorre ateacute as 19 horas do dia 15 de agosto do ano em que se realiza o pleito conforme nova redaccedilatildeo do art 93 caput da Lei nordm 4737 de 15 de julho de 1965 (Coacutedigo Eleitoral) e do art 11 caput da Lei das Eleiccedilotildees Por sua vez a propaganda eleitoral somente se inicia apoacutes o prazo para registro dos candidatos ou seja apoacutes o dia 15 de agosto do ano eleitoral nos termos do art 240 caput do Coacutedigo Eleitoral e do art 36 caput da Lei das Eleiccedilotildees
Essa alteraccedilatildeo reduziu em 41 dias o periacuteodo de propaganda eleitoral e pode ser apontada como a maior responsaacutevel pela tatildeo almejada reduccedilatildeo dos custos das campanhas eleitorais pois eacute na propaganda eleitoral que candidatos e partidos gastam a maioria de seus recursos
Dada sua importacircncia a propaganda eleitoral eacute protegida por garantias e regida por princiacutepios e regras que visam evitar abusos tanto por parte dos postulantes aos cargos eletivos quanto pela Justiccedila Eleitoral responsaacutevel pela sua fiscalizaccedilatildeo
79
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
Dentre as garantias destaca-se a prevista no art 41 da Lei das Eleiccedilotildees segundo o qual ldquoa propaganda exercida nos termos da legislaccedilatildeo eleitoral natildeo poderaacute ser objeto de multa nem cerceada sob alegaccedilatildeo do exerciacutecio do poder de poliacutecia ou de violaccedilatildeo de postura municipal casos em que se deve proceder na forma prevista no art 40rdquo
Veja-se entatildeo que o controle sobre a propaganda eleitoral se daacute mediante uso do poder de poliacutecia exercido pelos juiacutezes eleitorais e por juiacutezes designados pelos tribunais regionais eleitorais (art 40 sect 1ordm Lei das Eleiccedilotildees) Poreacutem tal poder estaacute restrito agraves providecircncias para coibir praacuteticas ilegais na propaganda (art 40 sect 2ordm Lei das Eleiccedilotildees) O controle tambeacutem se daacute por meio de representaccedilatildeo (art 40-B Lei das Eleiccedilotildees) obedecido o devido processo legal previsto no art 96 da mesma lei e nas resoluccedilotildees expedidas pelo TSE
Ainda sobre o devido processo legal para aplicaccedilatildeo de sanccedilatildeo devido agrave propaganda eleitoral irregular tem destaque a Suacutemula-TSE nordm 18 com o seguinte verbete ldquoConquanto investido de poder de poliacutecia natildeo tem legitimidade o juiz eleitoral para de ofiacutecio instaurar procedimento com a finalidade de impor multa pela veiculaccedilatildeo de propaganda eleitoral em desacordo com a Lei nordm 950497rdquo
Outra garantia a ser destacada eacute a que veda a censura preacutevia sobre o teor dos programas da propaganda eleitoral exibidos na televisatildeo raacutedio ou Internet (art 40 sect 2ordm in fine Lei das Eleiccedilotildees) Assim as propagandas veiculadas nesses meios natildeo poderatildeo ser restringidas antes que seu conteuacutedo seja divulgado Acrescenta-se que o TSE fixou entendimento de que a propaganda eleitoral na imprensa escrita tambeacutem estaacute protegida pela vedaccedilatildeo agrave censura preacutevia conforme recentemente decidido pelo Tribunal no Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nordm 437-86MG
Acerca das citadas garantias esclarece Gomes (2015 p 395)
Desde que exercida em harmonia com a legislaccedilatildeo eleitoral natildeo pode a propaganda sofrer censura (LE art 41 sect2ordm) nem ser coibida por autoridade puacuteblica tampouco por particular Tanto eacute assim que o Coacutedigo Eleitoral prevecirc como crime a conduta de
80
ldquoinutilizar alterar ou perturbar meio de propaganda devidamente empregadordquo (art 331) Tambeacutem tipificou o ldquoimpedir o exerciacutecio de propagandardquo (art 332)
Analisadas as principais garantias relacionadas agrave propaganda eleitoral passa-se agrave anaacutelise dos princiacutepios que regem este tema em toacutepico especiacutefico devido a sua importacircncia
31 Princiacutepios que regem a propaganda eleitoralPrimeiramente para entendimento do que satildeo princiacutepios
colaciona‑se a brilhante definiccedilatildeo apresentada pelo mestre Canotilho (1993 p 166)
Os princiacutepios satildeo normas de natureza ou com um papel fundamental no ordenamento juriacutedico devido agrave sua posiccedilatildeo hieraacuterquica no sistema das fontes (ex princiacutepios constitucionais) ou agrave sua importacircncia estruturante dentro do sistema juriacutedico (ex princiacutepio do Estado de Direito)
O Direito Eleitoral assim como os outros ramos do Direito eacute regido por princiacutepios gerais (a exemplo da dignidade da pessoa humana ampla defesa contraditoacuterio ente outros) e especiacuteficos relacionados diretamente com a mateacuteria eleitoral (como anualidade legitimidade moralidade eleitoral entre outros)
A doutrina dada a importacircncia da propaganda para o processo eleitoral elenca alguns princiacutepios que satildeo especificamente aplicados a essa mateacuteria e que seratildeo apresentados ainda que de maneira sucinta utilizando como base a classificaccedilatildeo feita por Joel J Cacircndido3
a) Princiacutepio da legalidade segundo esse princiacutepio a propaganda eleitoral eacute regulada por lei federal e regulamentada por resoluccedilatildeo do TSE obrigando todos ao cumprimento das regras estabelecidas
3 CAcircNDIDO Joel Joseacute Direito eleitoral brasileiro 15 ed rev atual amp Satildeo Paulo Edipro 2012 p180
81
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
Registra-se que eacute competecircncia privativa da Uniatildeo legislar sobre Direito Eleitoral nos termos do art 22 inciso I da Constituiccedilatildeo Federal
b) Princiacutepio da liberdade segundo esse princiacutepio obedecida a forma legal eacute livre o direito agrave propaganda Nas palavras de Gomes (2015 p 385) ldquoeacute livre a realizaccedilatildeo de qualquer ato de propaganda em recinto aberto ou fechado natildeo sendo necessaacuteria a obtenccedilatildeo de licenccedila municipal nem autorizaccedilatildeo de autoridade policial (LE art 39 CE art 245)rdquo
c) Princiacutepio da responsabilidade expressamente previsto no art 241 do Coacutedigo Eleitoral o princiacutepio da responsabilidade prevecirc que partidos e candidatos satildeo solidariamente responsaacuteveis pelos abusos cometidos na propaganda eleitoral Interessante notar que na redaccedilatildeo dada ao citado artigo pela Lei nordm 128912013 retirou-se a responsabilidade solidaacuteria das coligaccedilotildees conforme seu paraacutegrafo uacutenico
d) Princiacutepio igualitaacuterio segundo esse princiacutepio todos os candidatos partidos ou coligaccedilotildees devem ter igual acesso agrave propaganda eleitoral Aqui cabe ressalvar que o tempo de propaganda no raacutedio e na TV eacute distribuiacutedo conforme a bancada de cada partido nos termos do sect 2ordm do art 47 da Lei das Eleiccedilotildees o que faz com que os maiores partidos consigam maior tempo deste tipo de propaganda
e) Princiacutepio da disponibilidade partidos coligaccedilotildees e candidatos podem dispor da propaganda liacutecita conforme lhes aprouver a isto acrescentam Cerqueira e Cerqueira (2013 p 404) ldquoesse princiacutepio deriva do princiacutepio da liberdade pelo qual natildeo haacute necessidade de preacutevio aviso para o exerciacutecio da propagandardquo
f) Princiacutepio do controle judicial da propaganda estabelece que cabe exclusivamente agrave Justiccedila Eleitoral aplicar as regras fiscalizar e exercer o poder de poliacutecia sobre a propaganda eleitoral
82
4 Das reformas na propaganda eleitoral (leis nordm 128912013 e nordm 131652015)
Passa-se a analisar as principais alteraccedilotildees introduzidas na propaganda eleitoral pelas leis nordm 128912013 e nordm 131652015 Tais alteraccedilotildees recaiacuteram principalmente sobre a Lei das Eleiccedilotildees Contudo o Coacutedigo Eleitoral tambeacutem sofreu pequenas alteraccedilotildees com relaccedilatildeo agrave propaganda eleitoral abaixo descritas
41 No Coacutedigo EleitoralEm relaccedilatildeo agrave propaganda eleitoral o Coacutedigo Eleitoral sofreu
duas alteraccedilotildees uma pela Lei nordm 128912013 e uma pela Lei nordm 131652015
A Lei nordm 128912013 incluiu paraacutegrafo uacutenico ao art 241 do Coacutedigo Eleitoral com a seguinte redaccedilatildeo
Art 241 Toda propaganda eleitoral seraacute realizada sob a responsabilidade dos partidos e por eles paga imputando-lhes solidariedade nos excessos praticados pelos seus candidatos e adeptosParaacutegrafo uacutenico A solidariedade prevista neste artigo eacute restrita aos candidatos e aos respectivos partidos natildeo alcanccedilando outros partidos mesmo quando integrantes de uma mesma coligaccedilatildeo (Grifo nosso)
Tal alteraccedilatildeo veio esclarecer que somente o partido a que estaacute filiado o candidato eacute solidariamente responsaacutevel com este pelos abusos por ele praticados na propaganda eleitoral Assim natildeo seratildeo responsabilizados os demais partidos que eventualmente compotildeem a coligaccedilatildeo agrave qual estaacute vinculado o candidato que cometeu o abuso
Essa mudanccedila traraacute grande impacto na jurisprudecircncia uma vez que os tribunais eleitorais vecircm sistematicamente responsabilizando solidariamente as coligaccedilotildees pelos abusos causados por candidatos a exemplo do Recurso Eleitoral nordm 185-28 TRESP e do Recurso Eleitoral nordm 2552-56 TRERS
83
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
Ressalva-se aqui que conforme prescreve o art 11 sect 8ordm inciso II da Lei das Eleiccedilotildees para fins de expediccedilatildeo da certidatildeo de quitaccedilatildeo eleitoral ficam excluiacutedos de qualquer modalidade de responsabilidade solidaacuteria aqueles que pagarem a multa que lhes couber individualmente
Jaacute a Lei nordm 131652015 alterou o caput do art 240 do Coacutedigo Eleitoral para estabelecer que ldquoa propaganda de candidatos a cargo eletivos somente eacute permitida apoacutes o dia 15 de agosto do ano da eleiccedilatildeordquo (grifo nosso) Tal alteraccedilatildeo como jaacute visto busca diminuir o custo das campanhas eleitorais Considerando essa nova data e que o primeiro turno das eleiccedilotildees de 2016 se realizaraacute em 2 de outubro neste ano seraacute possiacutevel fazer propaganda eleitoral durante 47 dias respeitados os prazos especiacuteficos de cada modalidade A mesma alteraccedilatildeo foi realizada no art 36 caput da Lei das Eleiccedilotildees
42 Na Lei nordm 95041997 (Lei das Eleiccedilotildees)Como jaacute dito as maiores alteraccedilotildees nas regras da propaganda
eleitoral ocorreram na Lei das Eleiccedilotildees que rege todas as fases do pleito Especificamente a propaganda eleitoral eacute tratada nos arts 36 a 57-I Nos toacutepicos que seguem apresentam-se as alteraccedilotildees de maior impacto nas campanhas eleitorais
421 Propaganda antecipadaAnte a relevacircncia do tema eacute importante destacar que nas
palavras de Ramayana (2010 p 387) propaganda antecipada ldquoeacute uma forma ilegal de veiculaccedilatildeo de propaganda antes do prazo previsto no art 36 da Lei nordm 950497 []rdquo ou seja pelas regras atuais satildeo os atos de propaganda eleitoral realizados antes do dia 16 de agosto do ano de eleiccedilatildeo
Neste tema o legislador optou por aumentar o nuacutemero de atitudes ou accedilotildees que natildeo configuram a propaganda antecipada tornando liacutecitas condutas que em um primeiro momento poderiam ser consideradas iliacutecitas O caput do art 36-A da Lei das Eleiccedilotildees expressamente prevecirc que os preacute-candidatos podem fazer menccedilatildeo
84
a sua futura candidatura exaltar suas qualidades pessoais em eventos que podem ter cobertura dos meios de comunicaccedilatildeo social inclusive via Internet vedando apenas que seja feito pedido expliacutecito de votos Passou a autorizar ainda em seus seis incisos a participaccedilatildeo em entrevistas e debates com exposiccedilatildeo de plataformas e projetos devendo ser observado pelas emissoras de raacutedio e televisatildeo o tratamento isonocircmico a todos os preacute-candidatos aleacutem de diversas outras condutas que dificultariam a configuraccedilatildeo da propaganda eleitoral antecipada
Jaacute o art 36-B na Lei das Eleiccedilotildees introduzido pela Lei nordm 128912013 passou a caracterizar como propaganda antecipada a convocaccedilatildeo pelo presidente da Repuacuteblica e pelos presidentes da Cacircmara dos Deputados do Senado e do STF de redes de radiodifusatildeo para divulgaccedilatildeo de atos que denotem propaganda poliacutetica ou ataques a partidos poliacuteticos e seus filiados ou instituiccedilotildees estabelecendo ainda que nos casos em que eacute permitida a convocaccedilatildeo somente podem ser utilizados os siacutembolos da Repuacuteblica Federativa do Brasil previstos no art 13 sect 1ordm da Carta Magna
422 Propaganda eleitoral nos bens de uso comumNos bens de uso comum e naqueles cujo uso dependa de cessatildeo
ou permissatildeo do poder puacuteblico a alteraccedilatildeo de maior destaque se refere agrave proibiccedilatildeo expressa do uso de cavaletes e bonecos e agrave exposiccedilatildeo de placas contida no art 37 caput da Lei das Eleiccedilotildees com a redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 131652015
Os bonecos e mais ainda os cavaletes foram muito utilizados pelos candidatos nas eleiccedilotildees passadas em que disputavam os melhores espaccedilos nos cruzamentos e nos canteiros de ruas e avenidas de grande movimento chamando a atenccedilatildeo de motoristas e pedestres que por ali passavam Ainda que estivesse previsto que tais propagandas natildeo poderiam dificultar o bom andamento do tracircnsito de pessoas e pedestres na praacutetica eles tomaram conta das calccediladas e canteiros prejudicando pedestres e trazendo risco ao tracircnsito
85
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
As placas tambeacutem estatildeo proibidas em tais locais natildeo apenas sua fixaccedilatildeo mas tambeacutem sua exposiccedilatildeo ainda que carregadas por cabos eleitorais praacutetica ateacute entatildeo comum na propaganda eleitoral Eacute possiacutevel fazer essa afirmaccedilatildeo pois o legislador ao tratar do tema alterou o termo fixaccedilatildeo de placas passando a proibir com a redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 131652015 a exposiccedilatildeo de placas tornando claro que fixas ou moacuteveis estatildeo proibidas as placas em bens de uso comum ou cujo uso dependa de cessatildeo ou permissatildeo do poder puacuteblico
Diante de tais alteraccedilotildees a partir do pleito de 2016 partidos e candidatos somente se poderatildeo utilizar de bandeiras e mesas para distribuiccedilatildeo de material ao longo das vias puacuteblicas conforme dispotildee o sect 6ordm do art 37 da Lei das Eleiccedilotildees
423 Propaganda eleitoral nos bens particularesA propaganda eleitoral em bens particulares de igual forma
sofreu grandes restriccedilotildees com a reforma promovida pela Lei nordm 131652015 Pela regra atual somente seraacute permitida a propaganda em bens particulares por meio de adesivo ou papel que natildeo exceda 05m2 Vale ressaltar que a Resoluccedilatildeo-TSE nordm 23457 de 15 de dezembro de 2015 que regulamenta a propaganda eleitoral para as eleiccedilotildees de 2016 em seu art 15 sect 1ordm caracteriza como irregular a justaposiccedilatildeo de adesivos ou de papeacuteis cuja dimensatildeo total exceda 05m2 em razatildeo do efeito visual uacutenico ainda que a publicidade individualmente tenha respeitado o citado limite
O legislador ao alterar o art 37 sect 2ordm da Lei das Eleiccedilotildees deixou de autorizar a utilizaccedilatildeo de placas faixas cartazes pinturas ou inscriccedilotildees que puderam ser utilizadas ateacute o pleito de 2014 Dessa accedilatildeo depreende-se que nos pleitos que seguem natildeo poderatildeo ser utilizadas tais formas de propaganda em bens particulares tatildeo comuns em eleiccedilotildees passadas
Pensar de maneira contraacuteria e por exemplo permitir placas ou faixas de 05m2 seria ignorar o trabalho do legislador que retirou a autorizaccedilatildeo para tais modalidades de propaganda Estaacute claro que
86
se a intenccedilatildeo da norma fosse manter a autorizaccedilatildeo para o uso de placas e faixas apenas reduzindo o tamanho de 4m2 para 05m2 natildeo seria necessaacuterio extirpar tais modalidades do texto do art 37 sect 2ordm da Lei das Eleiccedilotildees
Em relaccedilatildeo agrave propaganda em bens particulares eacute interessante observar a resposta do TSE agrave Consulta nordm 519-44DF em que se reafirma a impossibilidade de pintar muros e objetos assemelhados
424 Propaganda eleitoral em veiacuteculosA fixaccedilatildeo de propaganda em veiacuteculos eacute uma das mais comumente
usadas por todos os candidatos e partidos Em razatildeo disso satildeo relevantes as alteraccedilotildees das reformas eleitorais
Ela estaacute regulamentada no art 38 sect 4ordm da Lei das Eleiccedilotildees incluiacutedo pela Lei nordm 128912013 que ao tratar do tema somente autoriza a fixaccedilatildeo de propaganda eleitoral em veiacuteculos por meio de adesivo microperfurado ateacute a extensatildeo total do para-brisa traseiro e em outras posiccedilotildees do veiacuteculo a utilizaccedilatildeo de adesivo que meccedila no maacuteximo 50cm por 40cm
Ressaltando-se que da mesma forma que ocorre com a propaganda em bens particulares a Resoluccedilatildeo-TSE nordm 234572015 em seu art 15 sect 3ordm caracteriza como irregular a justaposiccedilatildeo de adesivos cuja dimensatildeo total exceda 05m2 somente pode ultrapassar tal medida o adesivo microperfurado fixado no para‑brisa (art 15 sect 4ordm da citada resoluccedilatildeo)
Com base nesses dispositivos fica proibido o envelopamento de veiacuteculos com propaganda eleitoral largamente utilizado em eleiccedilotildees anteriores Candidatos e partidos deveratildeo optar por utilizar o adesivo microperfurado na extensatildeo total do para-brisa traseiro ou um adesivo em outra posiccedilatildeo obedecendo ao limite de tamanho de 50cm por 40cm
87
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
425 ComiacuteciosEm relaccedilatildeo aos comiacutecios foi alterado o art 39 sect 4ordm da Lei das
Eleiccedilotildees passando este a estabelecer que somente podem ser realizados entre as 8 horas e 24 horas sendo a uacutenica exceccedilatildeo o comiacutecio de encerramento de campanha que pode seguir ateacute as 2 horas da madrugada
O uacuteltimo dia para a realizaccedilatildeo de comiacutecios nas eleiccedilotildees de 2016 eacute 29 de setembro (trecircs dias antes do pleito) nos termos da Resoluccedilatildeo-TSE nordm 23450 de 10 de novembro de 2015 que instituiu o calendaacuterio eleitoral e em obediecircncia ao art 240 paraacutegrafo uacutenico do Coacutedigo Eleitoral
426 Carros de somAs leis nordm 128912013 e nordm 131652015 melhor regulamentaram
a propaganda realizada por carros som
Primeiro o art 39 sect 12 da Lei das Eleiccedilotildees definiu que carro de som eacute o veiacuteculo automotor com equipamento de som com potecircncia nominal de amplificaccedilatildeo maacutexima de ateacute 10 mil watts jaacute o minitrio eacute aquele que possui potecircncia nominal de amplificaccedilatildeo maacutexima entre 10 mil e 20 mil watts e por fim trio eleacutetrico eacute o veiacuteculo automotor com equipamento de som que possui potecircncia nominal de amplificaccedilatildeo maior que 20 mil watts
A importacircncia de tal definiccedilatildeo reside no fato de que desde 2009 o art 39 sect 10 Lei das Eleiccedilotildees proiacutebe a utilizaccedilatildeo de trios eleacutetricos nas campanhas eleitorais autorizando somente o uso para a sonorizaccedilatildeo de comiacutecios Contudo ateacute a publicaccedilatildeo da Lei nordm 128912013 natildeo havia definiccedilatildeo na lei eleitoral sobre o que seria considerado trio eleacutetrico
O uso dos trios eleacutetricos permanece vedado (com exceccedilatildeo para a sonorizaccedilatildeo de comiacutecios) poreacutem carros de som e minitrios podem ser utilizados desde que respeitado o limite maacuteximo de pressatildeo sonora de 80 decibeacuteis medidos agrave distacircncia de 7 metros do veiacuteculo (Lei nordm 95041997 art 39 sectsect 10 e 11)
88
Em sequecircncia a Lei nordm 131652015 ampliou a definiccedilatildeo geral de carro de som para qualquer veiacuteculo motorizado ou natildeo inclusive os tracionados por animais que transitem divulgando jingles ou mensagem de campanha
427 Raacutedio e televisatildeoA propaganda de raacutedio e de televisatildeo sofreu diversas alteraccedilotildees
em grande parte para adequar suas regras ao novo calendaacuterio eleitoral (convenccedilotildees registro de candidatura e iniacutecio da propaganda eleitoral) Dessa forma tratar-se-aacute apenas das alteraccedilotildees que causaratildeo maior impacto nas campanhas eleitorais
Uma delas se refere agrave regra dos debates eleitorais realizados pelas emissoras de raacutedio e de televisatildeo Antes da reforma feita pela Lei nordm 131652015 estava assegurada a participaccedilatildeo dos candidatos filiados a partidos com representaccedilatildeo no Congresso Nacional Agora somente estaacute assegurada a participaccedilatildeo dos candidatos filiados a partidos que tenham no miacutenimo dez deputados federais conforme o art 46 caput da Lei das Eleiccedilotildees No caso de coligaccedilatildeo somam-se os representantes dos partidos que a compotildeem na forma do art 47 sect 2ordm inciso I conforme decidiu o TSE na Consulta nordm 62-75DF cuja ementa segue
CONSULTA PROPAGANDA ELEITORAL ART 46 DA LEI Nordm 95041997 NOVA REDACcedilAtildeO LEI Nordm 131652015 INTERPRETACcedilAtildeO DEBATE CANDIDATOS PARTICIPACcedilAtildeO CONVITE OBRIGATORIEDADE REPRESENTATIVIDADE CAcircMARA DOS DEPUTADOS COLIGACcedilAtildeO POSSIBILIDADE PARTIDO POLIacuteTICO EQUIPARACcedilAtildeO 1 Eacute facultada ao candidato a prefeito ou a vereador a participaccedilatildeo em debates caso a coligaccedilatildeo partidaacuteria que integre seja formada por partidos que somados atendam no miacutenimo agrave exigecircncia legal de representatividade partidaacuteria superior a nove cadeiras na Cacircmara dos Deputados 2 As emissoras de raacutedio e televisatildeo podem convidar candidato a prefeito ou a vereador para participar de debates mesmo que o partido pelo qual concorra natildeo preencha a representatividade miacutenima exigida por lei de dez deputados federais 3 A norma contida no caput do art 46 da Lei nordm 95041997 deve ser interpretada levando-se em consideraccedilatildeo no caso de
89
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
eleiccedilatildeo proporcional a representatividade de todos os partidos que compotildeem uma determinada coligaccedilatildeo e no caso de eleiccedilatildeo majoritaacuteria a soma dos representantes dos seis maiores partidos que integrem a coligaccedilatildeo semelhante ao que ocorre no caso de distribuiccedilatildeo do tempo de propaganda eleitoral gratuita prevista no art 47 sect 2ordm I da Lei nordm 95041997 4 Consulta respondida afirmativamente quanto ao primeiro e ao segundo itens e julgada prejudicada no tocante ao terceiro (Consulta nordm 62-75DF Acoacuterdatildeo de 1732016 Relatora Min Luciana Christina Guimaratildees Loacutessio Diaacuterio da Justiccedila Eletrocircnico (DJE) Tomo 81 Data 2842016 p 58) (Grifo nosso)
Outra alteraccedilatildeo de impacto principalmente no custo das campanhas refere-se ao periacuteodo em que a propaganda de raacutedio e televisatildeo seraacute transmitida Nos termos da nova redaccedilatildeo do art 47 caput da Lei das Eleiccedilotildees seratildeo 35 dias anteriores agrave anteveacutespera das eleiccedilotildees o que se reduziraacute em 10 dias considerando que antes da reforma da Lei nordm 131652015 eram 45 dias de propaganda no raacutedio e na televisatildeo
Tambeacutem foi encurtado o tempo diaacuterio reservado agrave propaganda eleitoral no raacutedio e na televisatildeo Antes nas eleiccedilotildees gerais a propaganda era veiculada em 2 periacuteodos diaacuterios de segunda-feira a saacutebado de 50 minutos cada e foi diminuiacutedo para 2 periacuteodos diaacuterios tambeacutem de segunda-feira a saacutebado de 25 minutos cada divididos pelos cargos em disputa conforme preceitua a nova redaccedilatildeo do art 47 incisos I a V da Lei das Eleiccedilotildees
Em relaccedilatildeo agraves eleiccedilotildees municipais foram mais significativas as alteraccedilotildees no tempo de propaganda no raacutedio e na televisatildeo Antes eram 2 periacuteodos de 30 minutos cada agraves segundas quartas e sextas-feiras Agora tecircm-se 2 periacuteodos de 10 minutos cada de segunda-feira a saacutebado de modo que eacute proibida a propaganda eleitoral no raacutedio e na televisatildeo para o cargo de vereador durante o horaacuterio eleitoral gratuito Assim resta aos candidatos agraves cacircmaras municipais apenas o uso das inserccedilotildees de 30 e 60 segundos totalizando 70 minutos diaacuterios e desse total 60 deve ser utilizado para prefeito e 40 para vereador conforme passou a prever o art 47 incisos VI e VII da Lei das Eleiccedilotildees
90
428 InternetEm relaccedilatildeo agrave propaganda eleitoral na Internet (arts 57-A a 57-I
da Lei das Eleiccedilotildees) regulamentada pela Lei nordm 12034 de 29 de setembro de 2009 houve poucas alteraccedilotildees
A primeira incluiu o sect 3ordm ao art 57-D da Lei das Eleiccedilotildees autorizando a Justiccedila Eleitoral a determinar a retirada de publicaccedilotildees que contenham qualquer tipo de ataque ou agressotildees a candidatos em siacutetios da Internet ou ainda nas redes sociais norma essa bem abrangente que alcanccedila natildeo soacute candidatos e partidos como tambeacutem os cidadatildeos que fizerem uso do mundo virtual para veicular esses tipos de ofensas
Por fim foram tipificados dois crimes consumados via Internet com a inclusatildeo dos sectsect 1ordm e 2ordm ao art 57-H da Lei das Eleiccedilotildees O primeiro define como crime a contrataccedilatildeo de pessoal com a finalidade especiacutefica de emitir mensagens ou comentaacuterios ofensivos agrave honra ou agrave imagem de candidato partido ou coligaccedilatildeo O segundo assevera que igualmente comete crime o trabalhador contratado para emitir comentaacuterios danosos agrave honra ou agrave imagem de candidatos partidos ou coligaccedilotildees
5 ConclusatildeoAnalisadas as leis nordm 128912013 e nordm 131652015 eacute possiacutevel
afirmar que a partir das eleiccedilotildees de 2016 os pleitos eleitorais certamente teratildeo seus custos reduzidos atingindo o principal objetivo de ambas as normas
A reduccedilatildeo do tempo das campanhas eleitorais seguramente seraacute a maior responsaacutevel pela reduccedilatildeo no custo das campanhas No total satildeo 41 dias a menos dedicados agrave campanha eleitoral quase 50 se se considerar que antes as campanhas tinham em meacutedia 90 dias
Aleacutem desse fato a proibiccedilatildeo de diversas modalidades de propaganda como cavaletes e placas e a diminuiccedilatildeo no tamanho
91
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
das propagandas em bens particulares inevitavelmente diminuiratildeo o gasto de partidos e candidatos na corrida por um cargo eletivo
De tudo isso desfrutaraacute tambeacutem a populaccedilatildeo jaacute cansada de acompanhar campanhas eleitorais milionaacuterias que mais perturbavam do que informavam o eleitor
Caberaacute a partidos e candidatos se adaptarem agrave nova realidade da propaganda eleitoral que com menos instrumentos certamente obrigaraacute os postulantes a cargos eletivos a que tenham contato mais franco e direito com o eleitorado e assim quem sabe se possa por meio do voto mudar a realidade da poliacutetica brasileira
Referecircncias
BRASIL Cacircmara dos Deputados Projeto de Lei da Cacircmara nordm 5735 de 2013 que altera as leis nordms 9504 de 30 de setembro de 1997 9096 de 19 de setembro de 1995 e 4737 de 15 de julho de 1965 ndash Coacutedigo Eleitoral para reduzir os custos das campanhas eleitorais simplificar a administraccedilatildeo dos Partidos Poliacuteticos e incentivar a participaccedilatildeo feminina Autores Deputados Federais Ilaacuterio Marques Marcelo Castro Anthony Garotinho e Daniel Almeida Disponiacutevel em lthttpwwwcamaralegbrgt Acesso em 12 fev 2016
_____ Senado Federal Projeto de Lei do Senado nordm 441 de 2012 que altera as leis nordms 4737 de 15 de julho de 1965 9096 de 19 de setembro de 1995 e 9504 de 30 de setembro de 1997 Autor Senador Romero Jucaacute Disponiacutevel em lthttpwwwsenadolegbrgt Acesso em 12 fev 2016
_____ Supremo Tribunal Federal RE nordm 633703MG Rel Ministro Gilmar Ferreira Mendes j 23 mar de 2011 Disponiacutevel em lthttpwwwstfjusbrgt Acesso em 12 fev 2016
______ Tribunal Regional Eleitoral de Satildeo Paulo Recurso nordm 18528 Rel Carlos Mathias Coltro julg 7 fev 2013 Disponiacutevel em lthttpwwwtre-spjusbrgt Acesso em 25 abr 2016
92
______ Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul Representaccedilatildeo nordm 255256 Rel Des Otavio Roberto Pamplona j 24 nov 2014 Disponiacutevel em lthttpwwwtre-rsjusbrgt Acesso em 25 abr 2016
______ Tribunal Superior Eleitoral Agravo regimental em agravo de instrumento nordm 7967 Rel Ministro Marcelo Henrique Ribeiro de Oliveira 5 ago 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwtsejusbrgt Acesso em 28 abr 2014
______ Tribunal Superior Eleitoral Consulta nordm 100075 Rel Ministro Gilmar Ferreira Mendes 192014 Disponiacutevel em lthttpwwwtsejusbrgt Acesso em 30 out 2014
______ Tribunal Superior Eleitoral Sistema de divulgaccedilatildeo de candidaturas Disponiacutevel em lthttp httpwwwtsejusbreleicoeseleicoes-2014sistema-de-divulgacao-de-candidaturasgt Acesso em 30 out 2014
______ Tribunal Superior Eleitoral Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nordm 43786 Rel Ministra Luciana Christina Guimaratildees Loacutessio 20 out de 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwtsejusbrgt Acesso em 13 fev 2016
______ Tribunal Superior Eleitoral Consulta nordm 51944 Rel Ministro Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin 18 dez 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwtsejusbrgt Acesso em 25 abr 2016
______ Tribunal Superior Eleitoral Consulta nordm 6275 Rel Ministra Luciana Christina Guimaratildees Loacutessio 17 mar 2016 Disponiacutevel em lthttpwwwtsejusbrgt Acesso em 25 abr 2016
CAcircNDIDO Joel Joseacute Direito Eleitoral brasileiro 15 ed rev atual amp Satildeo Paulo Edipro 2012
CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito Constitucional 6 ed rev Coimbra Almedina 1993
93
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
CERQUEIRA Thales Taacutecito CERQUEIRA Camila Albuquerque Direito Eleitoral esquematizado 3 ed rev atual Satildeo Paulo Saraiva 2013
COEcircLHO Marcus Vinicius Furtado Direito Eleitoral e processo eleitoral 3 ed rev atual amp Rio de Janeiro Renovar 2012
GOMES Joseacute Jairo Direito Eleitoral 11 ed rev atual amp Satildeo Paulo Atlas 2015
MORAES Alexandre de Direito Constitucional 23 ed Satildeo Paulo Atlas 2008
RAMAYANA Marcos Direito Eleitoral 10 ed rev atual Rio de Janeiro Impetus 2010
MULTIPARTIDARISMO EXCESSO DE PARTIDOS POLIacuteTICOS E QUESTOtildeES RELATIVAS AO PLURALISMO PARTIDAacuteRIO BRASILEIRO MARISA AMARO DOS REIS
LAIacuteS SALES DO PRADO E SILVA
97
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
MULTIPARTIDARISMO EXCESSO DE PARTIDOS POLIacuteTICOS E QUESTOtildeES RELATIVAS AO PLURALISMO PARTIDAacuteRIO BRASILEIRO1
ldquoMULTIPARTY SYSTEMrdquo THE POLITICAL PARTIES IN EXCESS AND ISSUES ABOUT BRAZILIAN PLURALISM PARTISAN
MARISA AMARO DOS REIS2
LAIacuteS SALES DO PRADO E SILVA3
RESUMO
Este texto trata do princiacutepio do pluripartidarismo e dos aspectos negativos do excesso de partidos poliacuteticos existentes no Brasil Feita anaacutelise do sistema pluripartidaacuterio e sua diferenciaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos demais sistemas o artigo objetiva apontar como o excesso de partidos poliacuteticos os problemas de governabilidade gerados pela alta dispersatildeo partidaacuteria no Congresso Nacional e o descreacutedito da populaccedilatildeo nas agremiaccedilotildees partidaacuterias estatildeo relacionados com a maacute aplicaccedilatildeo do princiacutepio do pluripartidarismo hoje convertido em multipartidarismo exacerbado Foram realizadas pesquisa doutrinaacuteria e coleta de informaccedilotildees divulgadas pelo Tribunal Superior Eleitoral
Palavras-chave Partidos poliacuteticos Pluralismo partidaacuterio Governabilidade Pluralismo poliacutetico
1 Artigo recebido em 9 de maio de 2016 e aprovado para publicaccedilatildeo em 21 de junho de 20162 Advogada em Satildeo PauloSP Graduada pela UNIPSP Especialista em Direito Eleitoral e
Processual Eleitoral pela EJEP minus TRESP Autora Redatora e Assessora EditorialAcadecircmica Membro colaborador do Instituto Paulista dos Magistrados
3 Advogada em Satildeo PauloSP Graduada pela PUCSP Satildeo Paulo Poacutes‑graduada em Direito Eleitoral e Processual Eleitoral pela EJEP ndash TRESP Mestranda em Direito Administrativo na PUCSP Professora e autora de artigos juriacutedicos
98
ABSTRACT
This study deals with the principle of multi-party system and with the negative aspects of the excess of existing political parties in Brazil Made analysis of the multi‑party system and its differentiation with other systems the article aims to point out how the excess of political parties governability problems generated by high party dispersion in Congress and the discrediting of the population in party associations are related to the misapplication the principle of multi-party system now converted into a ldquomulti-partyrdquo excessive Doctrinaire research were carried out and gathering information disclosed by the Electoral High Court
Keywords Political parties Party pluralism Governance Political pluralism
99
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
1 IntroduccedilatildeoDos sistemas partidaacuterios ndash unipartidarismo bipartidarismo e
pluripartidarismo ndash eacute sem duacutevida o pluripartidarismo o que melhor atende aos princiacutepios e ideais democraacuteticos destinado que eacute a garantir o necessaacuterio pluralismo poliacutetico (CF art 1ordm inciso VI) e consequentemente a maior diversidade e divulgaccedilatildeo de ideologias possiacutevel Entretanto a aplicaccedilatildeo do princiacutepio constitucional do pluripartidarismo ou pluralismo partidaacuterio inscrito na Constituiccedilatildeo Federal (art 17) de forma natildeo apenas plena mas praticamente ilimitada gera algumas consequecircncias negativas como o excesso de partidos poliacuteticos e os problemas dele decorrentes entre eles o enfraquecimento dessas instituiccedilotildees indispensaacuteveis ao desenvolvimento da democracia O reconhecimento da existecircncia dos entraves a esse desenvolvimento a anaacutelise das questotildees relacionadas e a busca por meios legiacutetimos de limitaccedilatildeo agrave proliferaccedilatildeo exagerada de agremiaccedilotildees partidaacuterias satildeo urgentes diante da atual crise de representatividade pela qual passa o Brasil ateacute mesmo como forma de fortalecimento dessas instituiccedilotildees e de retomada de sua credibilidade perante a populaccedilatildeo
2 Sistemas partidaacuteriosUm sistema partidaacuterio (ou sistema de partidos) pode ser
conceituado como o conjunto de partidos poliacuteticos existentes no paiacutes com suas regras e abordagem direcionadas agrave anaacutelise da interaccedilatildeo entre esses partidos o nuacutemero destes a sua interaccedilatildeo com o eleitorado a sua estrutura e funcionamento bem como a estrutura e funcionamento nos estados e regimes poliacuteticos em que atuam
Independentemente do nuacutemero de partidos existentes a definiccedilatildeo do sistema adotado leva em consideraccedilatildeo o nuacutemero de partidos efetivamente relevantes numa determinada estrutura poliacutetica Aleacutem disso sua forccedila nas urnas e a quantidade de cadeiras ocupadas por seus filiados devem ser necessariamente levadas em consideraccedilatildeo jaacute que definem seu poder efetivo na estrutura poliacutetica Trata‑se portanto de uma abordagem flexiacutevel que pode variar de acordo com
100
o contexto poliacutetico local (partidos relativamente pequenos podem ser considerados relevantes e outros maiores de menor expressatildeo)
Duverger (BONAVIDES 2012 p 390) em sua primeira lei sobre os sistemas partidaacuterios a lei de bronze da poliacutetica salienta que a tendecircncia natural da sociedade eacute o dualismo e assim o sistema de maioria simples leva a um sistema bipartidaacuterio ndash situaccedilatildeo e oposiccedilatildeo ndash sendo que normalmente um terceiro ou quarto partidos se existentes tornar-se-iam de atuaccedilatildeo miacutenima ou secundaacuteria4
Exemplo dessa tendecircncia estaacute no sistema norte-americano e em seus efeitos nos partidos menores estes mesmo que conquistem votos em todos os distritos raramente vencem a eleiccedilatildeo em algum deles Assim o proacuteprio sistema funciona como uma barreira a essas agremiaccedilotildees Aleacutem disso inexiste ldquoo efeito psicoloacutegico sobre o eleitorado que tende a votar invariavelmente em partidos com melhores chances de vencer o pleito (fenocircmeno conhecido como ldquovoto uacutetilrdquo)rdquo5
A polarizaccedilatildeo eacute variaacutevel e natildeo ocorre apenas no sistema bipartidaacuterio como eacute possiacutevel observar no Brasil paiacutes em que esse fenocircmeno se tem mostrado bastante evidente nos uacuteltimos anos principalmente nas eleiccedilotildees pelo sistema majoritaacuterio
Embora alguns autores elaborem subdivisotildees bastante interessantes atualmente haacute trecircs sistemas partidaacuterios principais o bipartidarismo ou sistema bipartidaacuterio unipartidarismo ou sistema unipartidaacuterio (ou ainda sistema de partido uacutenico) e o pluripartidarismo ou sistema pluripartidaacuterio sendo este o de maior relevacircncia para o presente estudo
4 Nos Estados Unidos o bipartidarismo eacute considerado riacutegido jaacute que os pequenos partidos natildeo se convertem em grandes partidos e vice‑versa
5 FERREIRA Dimas Eneacuteas Soares Disponiacutevel em lthttpwwwachegasnetnumerovinteeseis dimasferreira_ 26htmgt Acesso em 10 jan 2015
101
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
21 Sistema bipartidaacuterioA caracteriacutestica principal do bipartidarismo eacute a existecircncia de
dois partidos poliacuteticos num determinado paiacutes ou embora havendo trecircs ou mais partidos apenas dois tecircm condiccedilotildees ou expectativas significativas de conquistar o poder poliacutetico Aqui o nuacutemero de partidos existente eacute fator deveras relevante mas natildeo o uacutenico Assim paiacuteses com mais de dois partidos podem ser considerados bipartidaristas pois entre esses haacute dois partidos visiacutevel e incontestavelmente relevantes que dividem disputam ou se revezam no poder ou que a ele se opotildeem6 atraindo as atenccedilotildees dos eleitores e da miacutedia e se sobrepondo de maneira absoluta aos demais
ldquoO sistema bipartidaacuterio tem algo que corresponde a um traccedilo natural de divisatildeo poliacutetica da sociedade conforme assinala Duverger o qual observa que se nem sempre haacute um dualismo de partidos lsquohaacute um dualismo de tendecircnciasrsquordquo7
Nos Estados Unidos a polarizaccedilatildeo dos eleitores eacute bastante evidente ldquoRepublicanos e democratas se revezam no poder haacute muito apesar dos longos periacuteodos em que um ou outro permanece absoluto []rdquo Entretanto natildeo eacute a alternacircncia efetiva e contiacutenua entre dois partidos que caracteriza esse sistema mas ldquoa sua possibilidade plausiacutevelrdquo8
Por fim o bipartidarismo pode ser imposiccedilatildeo legal ou constitucional em um determinado paiacutes no qual se permite a existecircncia de apenas duas agremiaccedilotildees partidaacuterias9 o que se verifica em regimes menos
6 Conforme bem lembrado por Paulo Bonavides ldquo[] agrave oposiccedilatildeo cabe por consequecircncia lugar todo especial no sistema visto que ela eacute potencialmente o governo em recesso a forccedila invisiacutevel fora do poder mas pronta jaacute para assumi‑lo a qualquer instante desempenhando assim funccedilatildeo necessaacuteria e indispensaacutevel agrave caracterizaccedilatildeo democraacutetica do sistemardquo BONAVIDES Paulo Ciecircncia poliacutetica 19 ed Satildeo Paulo Malheiros 2012 p 39
7 BONAVIDES Paulo Ciecircncia poliacutetica 19 ed Satildeo Paulo Malheiros 2012 p 3898 DUVERGER Maurice Os partidos poliacuteticos Rio de Janeiro Zahar 1970 Apud KLEIN Antocircnio
Carlos A importacircncia dos partidos poliacuteticos no funcionamento do Estado Brasiacutelia Brasiacutelia Juriacutedica 2002 p 71
9 Esse sistema foi legalmente adotado no Brasil em 1966 e extinto em 1979 quando partidos ldquosocialistasrdquo e ldquocomunistasrdquo foram admitidos Por imposiccedilatildeo legal dois partidos existiam a Alianccedila Renovadora Nacional (ARENA) e o Movimento Democraacutetico Brasileiro (MDB) Embora o Ato Institucional Nuacutemero Dois (AI‑21965) permitisse que outras agremiaccedilotildees partidaacuterias fossem criadas os preacute‑requisitos minavam completamente essa possibilidade
102
democraacuteticos que os mencionados nos quais a polarizaccedilatildeo eleitoral eacute de certa forma uma opccedilatildeo da sociedade
22 Sistema unipartidaacuterioO sistema unipartidaacuterio ou unipartidarismo ou ainda sistema
de partido uacutenico embora se afaste do conceito de ldquopartidordquo ou ldquopartidarismordquo que pressupotildee a princiacutepio diversas ldquopartesrdquo eacute comum nos regimes ditatoriais ou autoritaacuterios que permitem a existecircncia de um uacutenico partido Francisco Rezek destaca que para que haja sistema representativo eacute indispensaacutevel que haja disputa
O regime representativo pressupotildee disputa eleitoral cuja racionalidade deriva da livre concorrecircncia entre os partidos cada um deles empenhado na reuniatildeo da vontade popular em torno de seu programa poliacutetico Natildeo merece nome de partido poliacutetico visto natildeo lhe tem a essecircncia o chamado partido uacutenico aqui se trata antes de um grande departamento poliacutetico do Estado fundado na presunccedilatildeo de que seu ideaacuterio representa a vontade geral a ponto de alcanccedilar o foro da incontestabilidade As eleiccedilotildees no Estado unipartidaacuterio natildeo traduzem o confronto de teses programas mas a mera expediccedilatildeo popular em favor dos eleitos de um atestado de habilitaccedilatildeo ao cumprimento do programa que de antematildeo se erigira em dogma A pluralidade de partidos natildeo eacute dessa forma uma opccedilatildeo Sem ela natildeo haacute que falar senatildeo por abusiva metaacutefora em partido poliacutetico de espeacutecie alguma10
Nesse sistema de partidos natildeo haacute opccedilatildeo para os eleitores que ficam agrave mercecirc do poder estatal e agrave populaccedilatildeo cabe apenas ratificar ndash ao apenas se submeter ndash a uma escolha jaacute feita Eacute instrumento de manutenccedilatildeo perene do poder uma vez que exclui o pluripartidarismo e impede o exerciacutecio da democracia11 Natildeo haacute
Ato Complementar nordm 4 (lei que estabeleceu o bipartidarismo no Brasil 1965) Disponiacutevel em ltwwwtsejusbrgt Acesso em 16 nov 2014
10 REZEK Francisco Organizaccedilatildeo poliacutetica do Brasil estudos de problemas brasileiros Brasiacutelia Universidade de Brasiacutelia 1981 p 34
11 ldquoExprime o partido uacutenico na sociedade de massas a conclusatildeo de um desdobramento inevitaacutevel do sistema poliacutetico no instante em que a crise social se faz impossiacutevel a manutenccedilatildeo da democracia Perdidas por esta as condiccedilotildees de sobrevivecircncia em bases individualistas entra ela numa aguda crise de gestatildeo de que resulta a forma nova da democracia de massas Natildeo raro a crise democraacutetica toma saiacuteda de todo imprevista desembocando na ditadura do partido uacutenicordquo BONAVIDES Paulo Op cit p 366
103
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
que se falar em partidos ou em democracia jaacute que ainda que natildeo estritamente ligado aos regimes tidos como ditatoriais sua relaccedilatildeo com as ditaduras eacute inegaacutevel a funccedilatildeo do partido uacutenico eacute diversa da que lhe eacute atribuiacuteda no pluralismo democraacutetico e a eleiccedilatildeo quando haacute ocorre sem competitividade
No entanto o partido poliacutetico ainda que uacutenico natildeo eacute desprovido de importacircncia (BONAVIDES 2012) jaacute que lhe cabe ldquomanter o contato entre o governo e as massas populares constituir as elites do poder e sustentar a propaganda oficial do regimerdquo12 Em suma nesse sistema haacute um uacutenico partido ou raramente havendo mais apenas um conquista postos suficientes e assim acaba por governar sozinho
23 Sistema pluripartidaacuterioO pluripartidarismo fundamentado no art 17 estaacute intimamente
ligado ao princiacutepio do pluralismo poliacutetico expresso no art 1ordm inciso VI da Constituiccedilatildeo Federal13 Dallari (2005 p 165) conceitua o sistema pluripartidaacuterio por sua principal caracteriacutestica ldquopela existecircncia de vaacuterios partidos igualmente dotados de possibilidade de predominar sobre os demaisrdquo14 Alexandre de Moraes por sua vez destaca que o pluralismo poliacutetico instituiacutedo no art 1ordm inciso V da Constituiccedilatildeo Federal ldquodemonstra preocupaccedilatildeo do legislador constituinte em afirmar a ampla e livre participaccedilatildeo popular nos destinos do paiacutes garantindo‑se a liberdade de convicccedilatildeo filosoacutefica
12 BONAVIDES Paulo Op cit p 39613 BRASIL CF Art 17 Eacute livre a criaccedilatildeo fusatildeo incorporaccedilatildeo e extinccedilatildeo de partidos poliacuteticos
resguardados a soberania nacional o regime democraacutetico o pluripartidarismo os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos I ndash caraacuteter nacional [] IV ndash funcionamento parlamentar de acordo com a lei sect 1ordm Eacute assegurada aos partidos poliacuteticos autonomia para definir sua estrutura interna organizaccedilatildeo e funcionamento e para adotar os criteacuterios de escolha e o regime de suas coligaccedilotildees eleitorais sem obrigatoriedade de vinculaccedilatildeo entre as candidaturas em acircmbito nacional estadual distrital ou municipal devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidaacuteria [] sect 3ordm ndash Os partidos poliacuteticos tecircm direito a recursos do fundo partidaacuterio e acesso gratuito ao raacutedio e agrave televisatildeo na forma da lei sect 4ordm ndash Eacute vedada a utilizaccedilatildeo pelos partidos poliacuteticos de organizaccedilatildeo paramilitar
14 DALLARI Dalmo de Abreu Elementos de teoria geral do estado 25 ed Satildeo Paulo Saraiva 2005 p 165
104
e poliacutetica e tambeacutem a possibilidade de organizaccedilatildeo e participaccedilatildeo em partidos poliacuteticosrdquo15
Esse sistema pluripartidarista deriva da aplicaccedilatildeo do princiacutepio do pluralismo poliacutetico (art 1ordm CF)16 que garante a existecircncia de vaacuterias opiniotildees e ideias com o respeito por cada uma delas O pluralismo poliacutetico um dos cinco princiacutepios fundamentais da Repuacuteblica Federativa do Brasil como diz o citado artigo eacute a peccedila principal a sustentar a democracia representativa ldquoNa esfera parlamentar funda‑se natildeo apenas pela convivecircncia entre partidos de significativa densidade eleitoral mas sobretudo pelo respeito ao direito de existecircncia das minoriasrdquo17 A iacutentima relaccedilatildeo entre o princiacutepio do pluralismo poliacutetico e o pluripartidarismo eacute bem demonstrado por Faacutevila Ribeiro
O pluralismo poliacutetico encontra no sistema pluripartidarista um de seus eficientes instrumentos nos muacuteltiplos papeacuteis que empreende de exclusivo cunho poliacutetico transpondo das vertentes da Sociedade sortimentos de ideias sentimentos impressotildees e interesses extraiacutedos das fermentaccedilotildees coletivos como fragmentos de pensamento que satildeo maturados em conversaccedilotildees debates informaccedilotildees ou discussotildees e depois comeccedilam a produzir reaccedilotildees de acolhimento ou rejeiccedilatildeo modificando‑se adquirindo novos ingredientes em continuadas interaccedilotildees pessoais18
Pode-se conceituar o sistema pluripartidaacuterio portanto como aquele em que haacute trecircs ou mais partidos poliacuteticos disputando o poder num determinado sistema estatal19
Caracteriza-se principalmente pela existecircncia ou melhor pela permissatildeo legislativa constitucional da existecircncia de vaacuterios partidos ou ainda pela presenccedila de trecircs ou mais partidos com ao menos em
15 MORAES Alexandre de Constituiccedilatildeo do Brasil interpretada 5 ed Satildeo Paulo Atlas 2005 p 13116 BRASIL CF Art 1ordm A Repuacuteblica Federativa do Brasil formada pela uniatildeo indissoluacutevel dos
Estados e Municiacutepios e do Distrito Federal constitui‑se em Estado Democraacutetico de Direito e tem como fundamentos [] V ndash o pluralismo poliacutetico
17 CARVALHO Kaacutetia de Claacuteusula de barreira e funcionamento parlamentar Consultoria Legislativa da Cacircmara dos Deputados Disponiacutevel em ltwww2camaragovbrpublicacoesestno ttec tema6gt Acesso em 27 jun 2014
18 RIBEIRO Faacutevila Direito eleitoral 5 ed Rio de Janeiro Forense 1998 p 21119 BONAVIDES Paulo Op cit p 391
105
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
tese possibilidades de chegar ao poder A permissatildeo constitucional de criaccedilatildeo e de funcionamento de diversos partidos poliacuteticos eacute liberdade de expressatildeo de diferentes opiniotildees e vertentes poliacuteticas manifestaccedilatildeo essencial aos regimes democraacuteticos e agrave representaccedilatildeo das minorias
Para atender a essas diretrizes o sistema pluripartidarista adotado no Brasil permite que atendidos os requisitos legais e constitucionais membros da sociedade organizem-se e unam-se em agremiaccedilotildees partidaacuterias
Esse sistema passou por etapas de retrocesso e consolidaccedilatildeo no Brasil Em 1985 o sistema contava apenas com dois partidos e a partir de 1990 deu-se a criaccedilatildeo e fusatildeo de partidos com a adoccedilatildeo do sistema pluripartidaacuterio propriamente dito com sete em destaque20 A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 se mostra como a mais liberal nesse sentido
3 Problemas relacionados ao pluralismo partidaacuterio
Natildeo se pode negar a necessidade de se dar representaccedilatildeo a diversas ideologias e tendecircncias poliacuteticas e sociais com a liberdade de formaccedilatildeo e atuaccedilatildeo das estruturas partidaacuterias e poliacuteticas Sua limitaccedilatildeo ilegiacutetima e radical fere a liberdade de escolha e de opiniatildeo que sedimentam a democracia21
Por outro lado o excesso de partidos num sistema governamental gera dispersatildeo partidaacuteria e prejudica o debate de questotildees postas agraves bancadas principalmente em paiacuteses onde eacute adotado o sistema proporcional em lista aberta para preenchimentos das cadeiras no Poder Legislativo como no Brasil
20 A esse respeito v EC1985 que suspendeu muitas das restriccedilotildees agrave formaccedilatildeo de novos partidos21 Aduz Paulo Bonavides que o sistema pluripartidaacuterio ldquoeacute de cunho profundamente democraacutetico
pois confere autenticidade ao governo tido por centro de coordenaccedilatildeo ou compromisso dos distintos interesses que se movem no mosaico das vaacuterias classes da sociedade classes cuja voz de participaccedilatildeo atraveacutes do partido poliacutetico se alccedila assim agrave esfera do poderrdquo BONAVIDES op cit p 391‑392
106
O pluripartidarismo sistema salutar agrave democracia carece de estudos das consequecircncias negativas e possiacuteveis meios de amenizaacute-las no que diz respeito ao nuacutemero elevado de partidos poliacuteticos existentes no Brasil22 muitos deles de pequena ou de nenhuma expressatildeo cujas funccedilotildees constitucionalmente atribuiacutedas satildeo desvirtuadas gerando o enfraquecimento de todo o sistema partidaacuterio
O individualismo hoje estabelecido nas campanhas eleitorais e na atuaccedilatildeo parlamentar faz com que as agremiaccedilotildees partidaacuterias sejam vistas pela populaccedilatildeo ndash e haacute que se questionar se de fato natildeo o satildeo ndash como simples mediadoras entre o candidato e o cargo eletivo almejado A propoacutesito jaacute em 1772 Rousseau alertava sobre os perigos do descaso com a coisa puacuteblica e a consequente descrenccedila da populaccedilatildeo nas instituiccedilotildees de governo
Quanto melhor estiver constituiacutedo o Estado tanto mais prevalecem os negoacutecios puacuteblicos sobre os privados no acircnimo dos cidadatildeos [] Numa naccedilatildeo bem regida todos correm agraves assembleias Sob um mau governo ningueacutem tem interesse por isso porque estaacute certo de que a vontade geral jamais dominaraacute [] As boas leis fazem outras melhore as maacutes fazem as piores Quando se diz dos negoacutecios do Estado que me importa o Estado estaacute perdido23
Esse quadro de individualismo e enfraquecimento das agremiaccedilotildees partidaacuterias incentiva a formaccedilatildeo de alianccedilas fundadas em objetivos meramente eleitorais e gera apoacutes os pleitos problemas complexos de governabilidade e consequentemente de representatividade
4 MultipartidarismoInuacutemeros satildeo os fatores responsaacuteveis pela atual crise de
representatividade entre eles os entraves agrave governabilidade e a desconfianccedila com relaccedilatildeo aos denominados partidos nanicos frequentemente vistos e tratados como legendas de aluguel em periacuteodo eleitoral
22 Atualmente haacute no Brasil 35 agremiaccedilotildees partidaacuterias 8 registradas no Tribunal Superior Eleitoral somente entre 2011 e 2015 Disponiacutevel em lt httpwww tsejusbrpartidospartidos‑politicosgt Acesso em 5 maio 2016
23 ROUSSEAU Jean Jacques O contrato social princiacutepios de direito poliacutetico Traduccedilatildeo de Antocircnio de P Machado Estudo criacutetico de Afonso Bartagnoli Rio de Janeiro Ediouro [19__] p 105
107
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
Segundo o Tribunal Superior Eleitoral haacute atualmente 35 partidos poliacuteticos registrados no Brasil24 a maioria registrada nos anos 1990 e 8 deles entre 2011 e 2015 A criaccedilatildeo de 8 novos partidos na uacuteltima deacutecada demonstra a tendecircncia atual de proliferaccedilatildeo desenfreada e com cerca de 30 legendas com pedido de registro em tracircmite no Tribunal o paiacutes corre o risco de contar com quase 60 legendas25
O pluralismo partidaacuterio quando mal aplicado em vez de desempenhar o papel imaginado pelo legislador constituinte possibilita a multiplicaccedilatildeo exagerada de partidos poliacuteticos que prejudica sua funccedilatildeo instituiacuteda em favor da democracia representativa
Natildeo haacute diferenccedilas ideoloacutegicas que justifiquem a existecircncia de tantas legendas no Brasil A alegada heterogeneidade ndash ou a confusatildeo ndash de ideologias poliacuteticas como oriundas da proacutepria diversidade social para justificar o posicionamento contra limitaccedilotildees relativas aos partidos eacute pode-se dizer uma falaacutecia Atualmente 35 legendas disputam os cargos eletivos mas o fato eacute que entre elas haacute menos diferenccedilas dos que semelhanccedilas tanto nos estatutos partidaacuterios quanto nos programas de governo
A pluralidade garantida pelo sistema pluripartidaacuterio natildeo pode servir de subterfuacutegio agrave proliferaccedilatildeo desordenada de legendas sem um miacutenimo de accedilatildeo poliacutetica o que o princiacutepio impotildee e pretende eacute a maior participaccedilatildeo popular na formulaccedilatildeo da vontade estatal possiacutevel
Agraves veacutesperas dos pleitos satildeo formadas alianccedilas com finalidades diversas26 e a fragmentaccedilatildeo no Congresso Nacional gerada por alianccedilas instaacuteveis se faz notar apoacutes as eleiccedilotildees uma vez alcanccediladas cadeiras no Legislativo surge o embate dentro do proacuteprio nuacutecleo que antes constituiacutea uma coligaccedilatildeo
24 BRASIL TSE Disponiacutevel em lthttpwwwtsejusbrpartidospartidos‑politicosgt Acesso em 8 maio 2016
25 Disponiacutevel em lthttpobservatorioeleitoralblogspotcombr201001absurso‑brasil‑podera‑ter‑58‑partidoshtmlgt
26 O desvirtuamento da funccedilatildeo dos partidos e a distorccedilatildeo do sistema poliacutetico adotado pela Constituiccedilatildeo Federal se deve em parte agraves distorccedilotildees do sistema proporcional adotado nas eleiccedilotildees para o parlamento e um efeito cascata por eles gerados como a alta fragmentaccedilatildeo e dispersatildeo partidaacuterias e coligaccedilotildees e coalizotildees movidas por interesses
108
Vale ressaltar que para ser representante efetivo da vontade popular natildeo eacute suficiente que um partido poliacutetico alcance o apoio miacutenimo previsto em lei e tenha seu pedido de registro deferido pelo Tribunal Superior Eleitoral eacute preciso que conte efetivamente com o apoio do povo o que se daacute no momento do voto Recursos puacuteblicos tambeacutem financiam os partidos e devem ser aplicados naqueles que foram validados nas urnas pela populaccedilatildeo
Defensores do pluralismo partidaacuterio amplo ldquolouvam-no como a melhor forma de colher e fazer representar o pensamento de variadas correntes de opiniatildeo emprestando agraves minorias poliacuteticas o peso de uma influecircncia que lhes faleceria tanto no sistema bipartidaacuterio como unipartidaacuteriordquo27
De fato esse sistema eacute o que melhor atende aos princiacutepios democraacuteticos garantindo a existecircncia dessas instituiccedilotildees que satildeo verdadeiros mecanismos de estruturaccedilatildeo da vontade popular e canais de contato entre o povo e o governo de seu paiacutes fundamental agrave consolidaccedilatildeo da democracia No entanto a pluralidade de partidos eacute aplicada de forma desequilibrada e desproporcional Partidos satildeo essenciais agrave democracia mas eacute tambeacutem essencial que o elemento ideoloacutegico esteja inserido em suas constituiccedilotildees e justifique a proacutepria existecircncia do partido poliacutetico Um partido sem ideologia e objetivos concretos soacute existe formalmente
Antocircnio Carlos Klein anota algumas das principais caracteriacutesticas do sistema pluralista extremado ndash denomina-se multipartidarismo a utilizaccedilatildeo desenfreada do pluripartidarismo ndash ou polarizado como o brasileiro regime eleitoral que embasa uma representaccedilatildeo proporcional e fragmentada oposiccedilotildees bilaterais irresponsaacuteveis (em vez de unilaterais nas quais haacute uniatildeo de forccedilas) partidos de vaacuterios matizes situados no espectro esquerda-direita com mecacircnica competitiva girando no centro dessa disputa consequente afastamento do centro e polarizaccedilatildeo agrave esquerda ou agrave direita e sua variaccedilatildeo conforme o momento grande espaccedilo ideoloacutegico nas disputas jogo poliacutetico desigual com a degeneraccedilatildeo das regras da competiccedilatildeo partidaacuteria28
27 BONAVIDES Paulo Op cit p 39228 KLEIN Antocircnio Carlos A importacircncia dos partidos poliacuteticos no funcionamento do Estado
Brasiacutelia Brasiacutelia Juriacutedica 2002 p 69
109
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
Feitas essas consideraccedilotildees fato eacute que o art 17 da Constituiccedilatildeo Federal consagra a liberdade para a criaccedilatildeo dos partidos poliacuteticos e em seu sect 1ordm assegura‑lhes autonomia para definir sua estrutura interna organizaccedilatildeo e funcionamento
Essa eacute a base do sistema poliacutetico pluripartidarista adotado no Brasil que apoacutes anos de regime militar naturalmente opta por uma norma cuja maior finalidade eacute impedir os males do uni ou do bipartidarismo e garantir a representaccedilatildeo parlamentar de diversas vertentes poliacuteticas
Mas natildeo significa que o pluralismo partidaacuterio possa ser desvirtuado e transformado no denominado multipartidarismo com graves consequecircncias para o sistema representativo Eacute o que se comprova diante das principais consequecircncias negativas a seguir enumeradas
5 Aspectos negativos do pluripartidarismo exacerbado
51 Alta dispersatildeo ou pulverizaccedilatildeo partidaacuteria problemas de governabilidadeO pluripartidarismo exacerbado e a alta dispersatildeo partidaacuteria satildeo
algumas das causas de instabilidade poliacutetica e do que se tem chamado de crise de governabilidade e de representatividade Compromete a legitimidade do processo eleitoral confunde os eleitores29 e permite
29 Em estudo solicitado pela Cacircmara dos Deputados Antocircnio Octaacutevio Cintra faz a seguinte exposiccedilatildeo ao comentar os proacutes e os contras da reforma poliacutetica atualmente em tramitaccedilatildeo no Congresso Nacional ldquoUm quadro partidaacuterio fragmentado com inuacutemeras agremiaccedilotildees oferece ao eleitor um panorama confuso que dificulta um dos papeacuteis que se esperam da organizaccedilatildeo partidaacuteria a saber uma simplificaccedilatildeo do processo de escolha pelo eleitor Se o monopartidarismo preclui escolha pois soacute abre uma opccedilatildeo demasiada fragmentaccedilatildeo partidaacuteria por outro lado leva ao que os franceses chamam embarras du choix a perplexidade na escolha pela superabundacircncia de oferta A questatildeo da claacuteusula de barreira dentro do sistema partidaacuterio brasileirordquo CINTRA apud SANTANO Ana Claudia Disponiacutevel em lthttpwwwtre‑scjusbrsiteresenha‑eleitoraledicoes‑impressasintegraarquivo2012junhoartigosa‑questao‑da‑clausula‑de‑barreira‑dentro‑do‑sistema‑partidario‑brasileiroindexcb51htmlno_cache=1ampcHash=2d610492112 9329799c803492ed20a0bgt Acesso em 15 abr 2016
110
certa manipulaccedilatildeo do quociente eleitoral cuja finalidade eacute justamente servir de barreira a ser ultrapassada pelos partidos
O multipartidarismo eacute dos principais fatores de enfraquecimento do sistema poliacutetico-partidaacuterio e quiccedilaacute de seu possiacutevel colapso dentro de poucos anos Esse desvirtuamento do pluripartidarismo leva a governos necessariamente de coalizatildeo a composiccedilotildees heterogecircneas incoerentes e gera a instabilidade de todo o sistema poliacutetico-eleitoral brasileiro
Mateacuteria intitulada Congresso Nacional SA traccedila um panorama da alta dispersatildeo partidaacuteria no Congresso Nacional e compara a instituiccedilatildeo a uma sociedade anocircnima e agrave composiccedilatildeo de grandes empresas nas quais ldquonatildeo eacute preciso ser dono de metade mais um dos votos basta ter uma fraccedilatildeo do poder e saber negociar os votos suficientes para garantir a maioriardquo30 O texto informa com base em dados colhidos no site oficial do Congresso que no final de 2014 havia 22 partidos com representaccedilatildeo na Casa e que natildeo havendo fusotildees nem debandada para outros partidos a partir de 2015 teratildeo direito a cadeiras na Cacircmara dos Deputados 28 legendas
Eacute certamente a maior dispersatildeo partidaacuteria da histoacuteria brasileira A Cacircmara dos Deputados teraacute trecircs bancadas de um deputado soacute (PSL PRTB e PT do B) trecircs de duplas (PEN PTC e PSDC) e duas de trios (PMN e PRP) Se os 28 partidos do Congresso lanccedilarem candidato a presidente da Repuacuteblica em 2018 a legislaccedilatildeo obriga que todos tenham direito a voz nos debates eleitorais na TV Se o debate durasse uma hora cada candidato teria direito a fazer uma pergunta de 30 segundos e dar uma resposta de um minuto e meio ldquoOu talvez fosse melhor comeccedilar e terminar nas consideraccedilotildees finaisrdquo31
Eacute certo que um Legislativo formado com alta dispersatildeo partidaacuteria natildeo propicia a necessaacuteria governabilidade E natildeo se diga que essa fragmentaccedilatildeo adveacutem da heterogeneidade da proacutepria sociedade brasileira O quadro partidaacuterio brasileiro no Congresso Nacional eacute fragmentado natildeo simplesmente porque reflete a fragmentaccedilatildeo da
30 TOLEDO Joseacute Roberto de Congresso Nacional SA Disponiacutevel em lthttppoliticaestadaocombrblogs vox‑publicacongresso‑nacional‑s‑agt Acesso em 15 jan 2016
31 Id Ibid
111
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
sociedade mas porque a sobrevivecircncia de partidos poliacuteticos sem ideologia e sem representatividade eacute possibilitada e garantida pelo nosso sistema eleitoral e partidaacuterio
Dessa forma o partido governista tende a governar em forma de coalizatildeo pois natildeo alcanccedila a maioria necessaacuteria no parlamento
ldquoEacute tanto que quanto maior a divisatildeo de forccedilas poliacuteticas menor seraacute a possibilidade de um partido uacutenico conseguir mais da metade das cadeiras do oacutergatildeo parlamentar que permitiria constituir um governo politicamente homogecircneordquo32
Para alguns autores a composiccedilatildeo poliacutetica da coalizatildeo eleitoral no Brasil natildeo constitui uma coalizatildeo de governo suficientemente forte para garantir governabilidade
Tem razatildeo Mainwaring ao afirmar ldquoa tendecircncia de formaccedilatildeo de governos de minoria legislativa estaria na natureza dos sistemas eleitoral e partidaacuterio que combinam presidencialismo e multipartidarismo com agremiaccedilotildees pouco coesasrdquo33
Nessas condiccedilotildees os partidos tendem agrave pulverizaccedilatildeo no parlamento e quanto mais dispersos os votos dos deputados maior o espaccedilo para negociaccedilotildees do Poder Executivo com o Congresso Nacional e maior o poder de barganha Na tentativa de amenizar o problema da governabilidade formam-se coalizotildees dentro das Casas Legislativas que fatalmente satildeo desfeitas ou alteradas conforme interesses momentacircneos levando agrave instabilidade34
[] a dificuldade do governo para conseguir apoio poliacutetico para aprovar seus projetos de lei no Congresso e para implementar as medidas aprovadas em razatildeo de fatores de ordem institucional e poliacutetica diversos o formato do sistema partidaacuterio e eleitoral que dificulta a composiccedilatildeo de bancadas parlamentares
32 VIANA Severino Coelho A saga dos partidos poliacuteticos Disponiacutevel em ltwwwpgjpbgovbrsite_ceafpecasa_saga_dos_partidos_politicosdocgt Acesso em 25 ago 2013
33 MAINWARING S Democracia presidencialista multipartidaacuteria o caso do Brasil Satildeo Paulo Lua Nova 1993 p 21‑73
34 TOLEDO Joseacute Roberto de Congresso Nacional SA 7102014 Disponiacutevel em lthttppoliticaestadaocombrblogsvox‑publicacongresso‑nacional‑s‑agt Acesso em 15 jan 2015
112
situacionistas comprometidas verdadeiramente com o bom desempenho do governordquo35
A coalizatildeo parlamentar natildeo eacute em si um mal Pelo contraacuterio Quando formada para obter maioria parlamentar de apoio ao governo e com o compromisso de implantar projetos direcionados agrave boa governanccedila garante a integraccedilatildeo de opiniotildees diversas necessaacuterias ao regime democraacutetico Do contraacuterio forma-se o que Lamounier chama de ldquopoliarquia perversa instaacutevel e com alta propensatildeo agrave ingovernabilidaderdquo36
Muito da fragilidade desse sistema se deve ao fato de que no Brasil as eleiccedilotildees e posteriormente a composiccedilatildeo das Casas giram em torno da pessoa dos candidatos natildeo dos partidos poliacuteticos hoje em sua maioria com conteuacutedo programaacutetico superficial e variaacutevel conforme os interesses de momento37 Tal situaccedilatildeo enfraquece e muito as proacuteprias agremiaccedilotildees e consequentemente o exerciacutecio da representaccedilatildeo e do mandato outorgado nas urnas
A instabilidade parlamentar as relaccedilotildees do Poder Executivo com o Poder Legislativo sujeitas a desgastes e negociaccedilotildees individuais e a fragmentaccedilatildeo no Congresso Nacional satildeo portanto as principais consequecircncias negativas do elevado nuacutemero de partidos
Mesmo que o moacutevel das negociaccedilotildees natildeo seja a obtenccedilatildeo de favores individuais mas a tentativa de amenizar problemas do paiacutes com tantas posiccedilotildees diversas formam-se coalizotildees instaacuteveis dentro das casas legislativas as quais fatalmente satildeo desfeitas
35 YAMAUTI Nilson Nobuaki Enfoques diversos sobre o problema da governabilidade no Brasil Disponiacutevel em lthttpperiodicosuembrojsindexphpActaSciHumanSocSciarticleviewFile218 9136gt Acesso em 10 jan 2015
36 LAMOUNIER B NOHLEN D Presidencialismo ou parlamentarismo Satildeo Paulo IdespLoyola 1993 p 38‑43
37 ldquo[] a criaccedilatildeo de novos partidos tem sido poderosamente estimulada por dois arranjos institucionais de um lado o regimento interno da Cacircmara atribui ao partido que possui o miacutenimo de um centeacutesimo dos membros daquela Casa instalaccedilotildees equipamentos empregos assistecircncia e enfim os privileacutegios que satildeo concedidos aos partidos nela representados de outro os preceitos sobre a propaganda partidaacuteria gratuita no raacutedio e na televisatildeo superprivilegiam ateacute recentemente os partidos minuacutesculos e inexpressivosrdquo TAVARES Joseacute Antocircnio Giusti A mediccedilatildeo dos partidos na democracia representativa brasileira o sistema partidaacuterio na consolidaccedilatildeo da democracia brasileira Brasiacutelia Instituto Teotocircnio Vilela 2003 p 342‑343
113
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
ou alteradas conforme interesses momentacircneos gerando ainda mais instabilidade
O elevado nuacutemero de partidos e a sua fragilidade trazem outro grave problema as eleiccedilotildees e posteriormente a composiccedilatildeo das Casas giram em torno da pessoa dos candidatos e natildeo dos partidos poliacuteticos e essa individualizaccedilatildeo cria ciacuterculo vicioso de difiacutecil interrupccedilatildeo
Ao aliar o pluralismo poliacutetico e o pluripartidarismo ao sistema proporcional o legislador procurou dar voz agraves diversas correntes ideoloacutegicas Esse sistema eleitoral eacute direcionado a dar representatividade agraves minorias e aos pequenos partidos e aos seus eleitores expectativa de vecirc-los alcanccedilar sucesso na busca pelo poder No entanto nenhum princiacutepio constitucional deve ser ilimitado o atual descontrole bem o demonstra com a ameaccedila de esfacelamento e desintegraccedilatildeo do sistema partidaacuterio brasileiro que enseja uniotildees discrepantes entre partidos muitas intrinsecamente oportunistas ldquoque arrefecem no eleitorado o sentimento de desconfianccedila na legitimidade da representaccedilatildeo burlada pelas alianccedilas e coligaccedilotildees de partidos cujos programas natildeo raro brigam ideologicamenterdquo38
511 A questatildeo das legendas de aluguelOutro aspecto negativo da proliferaccedilatildeo exagerada de partidos
poliacuteticos eacute o que se convencionou chamar legendas de aluguel que acabam por aumentar a fragmentaccedilatildeo no parlamento
Severino Coelho Viana critica esse desvio da finalidade das coligaccedilotildees partidaacuterias no que diz respeito aos pequenos partidos que mesmo de pequena densidade eleitoral satildeo decisivos na aprovaccedilatildeo de projetos quando
[] satildeo transformados em legenda de aluguel a fim de obterem negociatas por meios inidocircneos como sejam designaccedilatildeo de apadrinhados nos altos escalotildees governamentais troca de favores pessoais liberaccedilatildeo de recursos financeiros para
38 BONAVIDES Paulo Op cit p 269
114
promoccedilatildeo de campanhas eleitorais que natildeo chegam ao alcance do povo aleacutem da existecircncia de propinas que servem de trampolim para o enriquecimento iliacutecito da cuacutepula partidaacuteria Por tudo isso termina levando agrave ruiacutena o arcabouccedilo ideoloacutegico do sistema democraacutetico39
A formaccedilatildeo de coligaccedilotildees eacute feita objetivando aleacutem da uniatildeo de forccedilas a negociaccedilatildeo do tempo de propaganda nas emissoras de raacutedio e de TV e a participaccedilatildeo no Fundo Partidaacuterio
Diz a loacutegica que se haacute discordacircncia em vaacuterios aspectos entre um partido poliacutetico e outro essas diferenccedilas natildeo devem nortear as alianccedilas em coligaccedilotildees mas as semelhanccedilas com aqueles que partilhem os ideais ao menos em boa parte
Coligaccedilotildees formadas sem qualquer paracircmetro tornam a filiaccedilatildeo partidaacuteria e os proacuteprios partidos meras condiccedilotildees formais de elegibilidade sem significado maior dentro de uma democracia representativa
Bem acertada eacute a definiccedilatildeo desse princiacutepio no voto proferido pela Ministra Ellen Gracie para quem o caraacuteter nacional ldquosinaliza no sentido da coerecircncia partidaacuteria e no da consistecircncia ideoloacutegica das agremiaccedilotildees e a das alianccedilas que venham a se formar com inegaacutevel aperfeiccediloamento do sistema poliacutetico-partidaacuteriordquo40 Uma vez no parlamento fica prejudicado o consenso entre as diversas agremiaccedilotildees a distribuiccedilatildeo e o equiliacutebrio das forccedilas poliacuteticas responsaacuteveis pelo andamento dos trabalhos e projetos desmoralizando ainda mais a jaacute desgastada imagem das casas legislativas41
39 VIANA Severino Coelho A saga dos partidos poliacuteticos Disponiacutevel em ltwwwpgjpbgovbrsite_ceaf pecasa_saga_dos_partidos_politicosdocgt Acesso em 25 ago 2013
40 BRASIL TSE Cta no 715 apud LENZA Pedro Direito constitucional esquematizado 14 ed Satildeo Paulo Saraiva 2010 p 894
41 ldquoCom a elevaccedilatildeo do nuacutemero de partidos com representaccedilatildeo parlamentar minuacutescula inferior a 10 das cadeiras coexistindo com o surgimento de partidos meacutedios e com a perda de densidade das representaccedilotildees dos maiores partidos incrementa natildeo soacute o iacutendice simples ou absoluto de fragmentaccedilatildeo mas tambeacutem o iacutendice que mede a magnitude relativa da fragmentaccedilatildeo frente agrave fragmentaccedilatildeo maacutexima possiacutevelrdquo TAVARES Joseacute Antocircnio Giusti A mediccedilatildeo dos partidos na democracia representativa brasileira o sistema partidaacuterio na consolidaccedilatildeo da democracia brasileira Brasiacutelia Instituto Teotocircnio Vilela 2003 p 337
115
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
A respeito dos problemas gerados pela alta dispersatildeo e o esfacelamento partidaacuterio Celso Ribeiro Bastos destaca que nos sistemas multipartidaacuterios quase sempre ldquoo partido vitorioso nas eleiccedilotildees natildeo deteacutem a maioria do Parlamentordquo Abre-se entatildeo um complexo jogo de negociaccedilotildees tendentes a aglutinar dois ou mais partidos que venham a possibilitar o exerciacutecio do governo
Em primeiro lugar aumentam os poderes dos representantes do povo na medida em que eacute livre o jogo de coligaccedilotildees por eles levadas a efeito que vai determinar a formaccedilatildeo da maioria parlamentar [] De outra parte estas coligaccedilotildees vecircm muitas vezes acompanhadas de uma indesejaacutevel instabilidade jaacute que formadas pelos proacuteprios partidos podem tambeacutem por eles ser desfeitas a qualquer momento Esta circunstacircncia eacute grave tanto no presidencialismo como no parlamentarismo [] No presidencialismo o esfacelamento partidaacuterio leva agrave inevitaacutevel fraqueza do oacutergatildeo legislativo que pode mais facilmente se ver atingido nas suas imunidades privileacutegios e competecircncias Isto quando natildeo se daacute o inverso [] por falta de maioria no Legislativo o Executivo se vecirc a braccedilos com a impossibilidade de exercer plenamente a funccedilatildeo governativa em razatildeo da obstruccedilatildeo aos seus projetos de lei42
Essas negociaccedilotildees de momento natildeo podem ser caracterizadas como formas legiacutetimas de governar se a governabilidade eacute levada a efeito uacutenica e exclusivamente dessa maneira e o nuacutemero exagerado de partidos poliacuteticos em muito contribui para esse quadro
6 Possiacuteveis formas de controleInuacutemeras satildeo as propostas para instituir meios de controle da
multiplicaccedilatildeo exagerada de partidos poliacuteticos entre elas a adoccedilatildeo de uma claacuteusula de desempenho compatiacutevel com o sistema constitucional brasileiro formulada em proporccedilotildees razoaacuteveis e garantindo a participaccedilatildeo das mais diversas correntes ideoloacutegicas Essa medida fortaleceria os partidos poliacuteticos de respaldo ideoloacutegico e programaacutetico ndash natildeo necessariamente apenas os grandes partidos ndash e contribuiria para a reduccedilatildeo do fisiologismo sem extinguir
42 BASTOS Celso Ribeiro MARTINS Ives Gandra Comentaacuterios agrave Constituiccedilatildeo de 1988 promulgada em 5 de outubro de 1988 Satildeo Paulo Saraiva 1989 v 2 arts 5ordm a 17 p 605
116
completamente os partidos de menor expressatildeo ou frustrar sua expansatildeo futura Prevaleceriam os mais aptos a buscar meios legiacutetimos de conquista do apoio popular43
Diversas outras medidas vecircm sendo apresentadas ao longo do tempo mas a tendecircncia ainda tem sido a de manter a mais ampla liberdade de criaccedilatildeo de funcionamento dos partidos poliacuteticos
No tocante aos novos partidos o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade de regras que restringem o acesso de novos partidos poliacuteticos ao Fundo Partidaacuterio e agrave propaganda eleitoral gratuita no raacutedio e na televisatildeo A ADI nordm 5105DF foi ajuizada contra os arts 1ordm e 2ordm da Lei nordm 12875 de 30 de outubro de 2013 os quais estabelecem limitaccedilotildees agraves legendas criadas apoacutes a realizaccedilatildeo de eleiccedilotildees para a Cacircmara dos Deputados Teceu as seguintes consideraccedilotildees em seu voto o Ministro Luiz Fux
[] a reaccedilatildeo jurisprudencial materializada na Lei nordm 128752013 ao subtrair dos partidos novos criados no curso da legislatura o direito de antena e os recursos do fundo partidaacuterio remanesce eivada do viacutecio de inconstitucionalidade na medida em que aleacutem de o legislador natildeo ter logrado trazer novos e consistentes argumentos para infirmar o pronunciamento da Corte referido diploma inviabiliza no curto prazo o funcionamento e o desenvolvimento de minorias poliacutetico‑partidaacuterias em flagrante ofensa aos postulados fundamentais do pluralismo poliacutetico e da liberdade partidaacuteria insculpidos no art 17 caput e sect 3ordm da Constituiccedilatildeo de 198844
Mesmo diante das constantes negativas agraves limitaccedilotildees tendentes a solucionar os problemas relacionados ao nuacutemero excessivamente elevado de agremiaccedilotildees partidaacuterias o debate permanece e prementemente faz a propositura e criaccedilatildeo de formas de controle sob pena de completa descaracterizaccedilatildeo dos princiacutepios do pluralismo
43 Recentemente a Lei nordm 13165 de 29 de setembro de 2015 deu nova redaccedilatildeo ao art 108 do Coacutedigo Eleitoral e criou o que vem sendo denominado claacuteusula de barreira individual uma tentativa de impedir a eleiccedilatildeo de candidatos com poucos ou quase nenhum voto em virtude das distorccedilotildees do sistema proporcional (conjunto dos votos individuais mais os votos atribuiacutedos agrave legenda partidaacuteria)
44 STF ADI nordm 5105DF 2013
117
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
partidaacuterio e poliacutetico e comprometimento das funccedilotildees atribuiacutedas constitucionalmente a essas instituiccedilotildees
7 ConclusatildeoAfirmam alguns autores que o multipartidarismo eacute positivo pois
permite aos pequenos partidos e agraves diferentes linhas de opiniatildeo acesso aos cargos no governo e que eacute por isso necessaacuterio para a concretizaccedilatildeo da democracia no Brasil e atribuem a outras causas a dispersatildeo partidaacuteria nas casas legislativas45 No entanto a pretexto de concretizar a democracia a aplicaccedilatildeo sem criteacuterios do pluripartidarismo (o multipartidarismo) vem trabalhando em sentido contraacuterio enfraquecendo-a ao inveacutes de concretizaacute-la Os problemas de governabilidade tecircm inuacutemeras causas mas entre elas certamente estaacute a aplicaccedilatildeo do princiacutepio do pluralismo partidaacuterio quase ilimitado que em vez de atender ao intuito da Constituiccedilatildeo Federal acaba por comprometecirc-lo
Referecircncias
BASTOS Celso Ribeiro MARTINS Ives Gandra Comentaacuterios agrave Constituiccedilatildeo de 1988 promulgada em 5 de outubro de 1988 Satildeo Paulo Saraiva 1989 v 2 arts 5ordm a 17 p 605
BONAVIDES Paulo Ciecircncia Poliacutetica 19 ed Satildeo Paulo Malheiros 2012
CAGGIANO Mocircnica Herman Salem Sistemas eleitorais x representaccedilatildeo poliacutetica Brasiacutelia Ed Senado Federal 1990
DUVERGER Maurice Os partidos poliacuteticos Rio de Janeiro Zahar 1970 Apud KLEIN Antocircnio Carlos A importacircncia dos partidos
45 ldquoA fragmentaccedilatildeo poliacutetico‑partidaacuteria natildeo resulta de excessivo ou reduzido nuacutemero de partidos mas da distribuiccedilatildeo do poder parlamentar entre estes partidos expresso em cadeiras conquistadas Um sistema bipartidaacuterio pode atingir o maacuteximo de fragmentaccedilatildeo desde que cada partido controle aproximadamente 50 da representaccedilatildeo [] Em contrapartida um sistema pluripartidaacuterio seraacute muito pouco fragmentado enquanto houver concentraccedilatildeo de poder parlamentar em um ou dois partidosrdquo SANTOS Wanderley Guilherme dos Deacutecadas de espanto e uma apologia democraacutetica Rio de Janeiro Rocco 1998 p 124
118
poliacuteticos no funcionamento do Estado Brasiacutelia Brasiacutelia Juriacutedica 2002
KLEIN Antocircnio Carlos A importacircncia dos partidos poliacuteticos no funcionamento do Estado Brasiacutelia Brasiacutelia Juriacutedica 2002
MAINWARING S Democracia presidencialista multipartidaacuteria o caso do Brasil Satildeo Paulo Lua Nova 1993
MORAES Alexandre de Constituiccedilatildeo do Brasil interpretada 5 ed Satildeo Paulo Atlas 2005
REZEK Francisco Organizaccedilatildeo poliacutetica do Brasil estudos de problemas brasileiros Brasiacutelia Universidade de Brasiacutelia 1981
REIS Marisa Amaro dos Claacuteusula de desempenho Estudos Eleitorais Brasiacutelia TSE v 9 n 1 p 90 abr 2014
ROUSSEAU Jean Jacques O contrato social princiacutepios de direito poliacutetico Traduccedilatildeo de Antocircnio de P Machado Estudo criacutetico de Afonso Bartagnoli Rio de Janeiro Ediouro [19__]
RIBEIRO Faacutevila Direito eleitoral 5 ed Rio de Janeiro Forense 1998
TAVARES Joseacute Antocircnio Giusti A mediccedilatildeo dos partidos na democracia representativa brasileira o sistema partidaacuterio na consolidaccedilatildeo da democracia brasileira Brasiacutelia Instituto Teotocircnio Vilela 2003
SANTOS Wanderley Guilherme dos Deacutecadas de espanto e uma apologia democraacutetica Rio de Janeiro Rocco 1998 p 124
SARTORI Giovanni Partidos e sistemas partidaacuterios Brasiacutelia UnB 1982
119
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
SILVA Joseacute Afonso da A Constituiccedilatildeo Brasileira e a reforma poliacutetica In Direito constitucional contemporacircneo Satildeo Paulo Quartier Latin 2012
TOLEDO Joseacute Roberto de Congresso Nacional SA Disponiacutevel em lthttppoliticaestadaocombrblogs vox-publicacongresso-nacional-s-agt Acesso em 15 jan 2015
VIANA Severino Coelho A saga dos partidos poliacuteticos Disponiacutevel em ltwwwpgjpbgovbrsite_ceaf pecasa_saga_dos_partidos_politicosdocgt Acesso em 25 ago 2013
a constituiccedilatildeo o sistema eleitoral propocional e a minirreforma eleitoral de 2015 JOAtildeO MARCEL BRAGA MACIEL VILELA JUNIOR
123
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
A CONSTITUICcedilAtildeO O SISTEMA ELEITORAL PROPORCIONAL E A MINIRREFORMA ELEITORAL DE 20151
THE CONSTITUTION THE ELECTORAL PROPORTIONAL SYSTEM AND ELECTORAL MINI-REFORM OF 2015
JOAtildeO MARCEL BRAGA MACIEL VILELA JUNIOR2
RESUMO
Este texto objetiva apurar se satildeo constitucionais a exigecircncia de votaccedilatildeo nominal miacutenima para eleiccedilatildeo de candidato no sistema eleitoral proporcional e a adoccedilatildeo dessa exigecircncia como claacuteusula de exclusatildeo de participaccedilatildeo de partidos poliacuteticos na distribuiccedilatildeo das cadeiras vagas A abordagem tem caraacuteter teoacuterico-argumentativo e utiliza a teacutecnica de pesquisa bibliograacutefica e documental Com base em doutrinas nacionais estrangeiras e na jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral fica constatado que haacute violaccedilotildees de diversos princiacutepios constitucionais e eleitorais assim como do sistema eleitoral proporcional
Palavras-chave Princiacutepios constitucionais-eleitorais Sistema eleitoral proporcional Minirreforma eleitoral Inconstitucionalidade
ABSTRACT
This article aims to determine whether the requirement for minimum nominal vote for candidate election on the proportional electoral system and adopting this requirement as exclusion clause of participation of political parties in the distribution of vacant seats are constitutional or not The approach has theoretical and argumentative
1 Artigo recebido em 11 de maio de 2016 e aprovado para publicaccedilatildeo em 13 de dezembro de 2016
2 Poacutes‑graduando em Direito Eleitoral pelo Instituto Brasiliense de Direito Puacuteblico (IDP)DF Bacharel em Direito pelo Centro Universitaacuterio CESMACAL Advogado
124
character and uses the bibliographic and documentary research technique Based on national doctrines foreign and jurisprudence of the Supreme Court and the Superior Electoral Court is found that there are violations of various constitutional and electoral principles as well as the proportional electoral system
Keywords Constitutional principles Electoral proportional system Electoral mini-reform Unconstitutionality
125
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
1 IntroduccedilatildeoA Lei nordm 13165 de 29 de setembro de 2015 reformou algumas
das diversas leis eleitorais existentes no nosso ordenamento juriacutedico como o Coacutedigo Eleitoral que teve os arts 108 e 109 modificados
O primeiro artigo trata da eleiccedilatildeo de candidatos por meio do sistema eleitoral proporcional e a ele se acrescentou a exigecircncia de votaccedilatildeo miacutenima individual para o candidato ser eleito O segundo dispotildee sobre a distribuiccedilatildeo dos lugares natildeo preenchidos pelos partidos poliacuteticos porque conseguiram poucas cadeiras pelo quociente partidaacuterio ou porque os candidatos natildeo alcanccedilaram o referido quoacuterum miacutenimo para assumirem a vaga conquistada
Tais novidades foram introduzidas com a finalidade de evitar a eleiccedilatildeo de candidatos com inexpressiva quantidade de votos favorecidos pelos chamados puxadores de votos ndash candidatos populares que sozinhos conseguem votos suficientes para que o ente partidaacuterio conquiste mais de uma vaga no pleito disputado
Natildeo entrando no meacuterito da necessidade dessas novas regras eacute imprescindiacutevel que sejam vaacutelidas e estejam conforme os preceitos da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1988
Este estudo pretende analisar se haacute essa conformidade com base nos princiacutepios constitucional‑eleitorais e o significado do sistema eleitoral proporcional ndash englobando a questatildeo de a quem pertence o mandato eletivo
Por fim haacute duas possiacuteveis conclusotildees verificando‑se a concordacircncia da reforma com a Constituiccedilatildeo mantecircm-se e aplicam-se as novas normas existindo desconformidade faz-se necessaacuterio eliminar as mudanccedilas do ordenamento juriacutedico para evitar os danos causados ao sistema eleitoral proporcional aos partidos poliacuteticos aos candidatos e principalmente ao povo
126
2 Da teoria geral da Constituiccedilatildeo e do ordenamento juriacutedico
De iniacutecio importante lembrar que o neoconstitucionalismo firma a constituiccedilatildeo de um Estado como a norma suprema e fundamental do ordenamento juriacutedico servindo para proteger as garantias e os direitos fundamentais postos e para nortear os fins do Estado para o futuro
Com efeito para que uma constituiccedilatildeo seja norma fundamental e suprema eacute preciso adotar o pressuposto do escalonamento normativo do ordenamento juriacutedico pois como ensina Norberto Bobbio (1999 p 49) ao tratar da unidade do ordenamento juriacutedico e da hierarquia de normas
A norma fundamental eacute o termo unificador das normas que compotildeem um ordenamento juriacutedico Sem uma norma fundamental as normas que falamos ateacute agora constituiriam um amontoado natildeo um ordenamento Em outras palavras por mais numerosas que sejam as fontes do direito num ordenamento complexo tal ordenamento constitui uma unidade pelo fato de que direta ou indiretamente com voltas mais ou menos tortuosas todas as fontes do direito podem ser remontadas a uma uacutenica norma Devido agrave presenccedila num ordenamento juriacutedico de normas superiores e inferiores ele tem uma estrutura hieraacuterquica As normas de um ordenamento satildeo dispostas em ordem hieraacuterquica
A consequecircncia de as normas constitucionais serem superiores agraves outras eacute que passam a ser o centro de validade de todo o ordenamento juriacutedico e acarretam a imprescindibilidade de sua observacircncia nos atos praticados pelos entes puacuteblicos e pelas normas infraconstitucionais editadas pois conforme advertecircncia de Bobbio (1999 p 53)
Quando um oacutergatildeo superior atribui a um oacutergatildeo inferior um poder normativo natildeo lhe atribui um poder ilimitado Ao atribuir esse poder estabelece tambeacutem os limites entre os quais pode ser exercido [] Agrave medida que se avanccedila de cima para baixo na piracircmide o poder normativo eacute sempre mais circunscrito [] Os limites com que o poder superior restringe e regula o poder inferior satildeo de dois tipos diferentes a) relativo ao conteuacutedo
127
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
b) relativo a forma [] A observaccedilatildeo desses limites eacute importante porque eles delimitam o acircmbito em que a norma inferior emana legitimamente uma norma inferior que exceda os limites materiais isto eacute que regule uma mateacuteria diversa da que lhe foi atribuiacuteda ou de maneira diferente daquela que lhe foi prescrita ou que exceda os limites formais isto eacute natildeo siga o procedimento estabelecido estaacute sujeita a ser declarada ilegiacutetima e a ser expulsa do sistema
Todavia para que haja a declaraccedilatildeo de ilegitimidade e a exclusatildeo da norma do sistema eacute necessaacuteria a adoccedilatildeo do controle de constitucionalidade que decorre dos princiacutepios da supremacia e de rigidez constitucional
A supremacia constitucional decorre da hierarquia das normas A rigidez constitucional por sua vez somente existe nas constituiccedilotildees escritas que possuem processo legislativo mais complexo para modificar as normas superiores em relaccedilatildeo agraves normas infraconstitucionais
O controle de constitucionalidade segundo Silva (2005 p 45-46) eacute a anaacutelise de uma incompatibilidade vertical entre as normas constitucionais e infraconstitucionais tanto em questotildees materiais quanto formais ou na liccedilatildeo de Cunha Juacutenior (2010 p 33) o prevalecimento de normas superiores sobre inferiores quando natildeo satildeo harmocircnicas entre si dentro do ordenamento juriacutedico
Segundo Alexandre de Morais (2007 p 36) ao se interpretar a Lei Maior diante dos casos postos devem‑se buscar quatro finalidades importantes para garantir a aplicabilidade de seus preceitos
A primeira finalidade baacutesica da interpretaccedilatildeo constitucional eacute garantir o maacuteximo de efetividade do texto magno consagrando sua forccedila normativa e garantindo a interpretaccedilatildeo de todo o ordenamento juriacutedico em conformidade com suas normas A segunda finalidade da interpretaccedilatildeo constitucional eacute a integraccedilatildeo do ordenamento constitucional A terceira finalidade constitui na realizaccedilatildeo do controle formal e material das leis e atos normativos editados pelos poderes constituiacutedos A quarta finalidade eacute a de eleger a soluccedilatildeo mais correta e justa para o caso do ponto de vista dos Princiacutepios e Direitos Fundamentais consagrados no
128
texto constitucional verdadeiros paradigmas para a aplicaccedilatildeo do Direito Positivado
Com efeito eacute cabiacutevel ainda o ensinamento de Joseacute Jairo Gomes (2015 p 23) que compreende o ordenamento juriacutedico como um sistema complexo em cujo centro estaacute a Constituiccedilatildeo Contudo esse sistema complexo natildeo eacute fechado ou seja natildeo eacute somente aquilo posto escrito fixado mas eacute aberto por estar sempre interagindo e dialogando consigo mesmo e principalmente por aceitar a ideia de claacuteusulas abertas princiacutepios e conceitos indeterminados que muitas vezes estatildeo aleacutem do positivismo E nesse sistema complexo eacute possiacutevel encontrar alguns sistemas menores com princiacutepios e diretrizes proacuteprios coerentes e bem ordenados demonstrando uma identidade particular os chamados microssistemas
Dessa maneira eacute possiacutevel visualizar para qualquer caso de interpretaccedilatildeo as linhas gerais de como se deve observar a Lei Fundamental do ordenamento juriacutedico em face das demais normas
A interpretaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo deve ser sistemaacutetica observando-se sempre a garantia de suas normas postas projetando-a ao futuro buscando maior efetividade e tendo em mente a existecircncia de princiacutepios e conceitos impliacutecitos no proacuteprio sistema positivado ou ateacute mesmo fora dele como no jus naturalismo
3 Da Constituiccedilatildeo brasileira e suas normasA Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica institui o Brasil como um Estado
democraacutetico de direito sendo fundamentado nos valores da soberania da cidadania e do pluralismo poliacutetico bem como estabelece que o povo brasileiro eacute o titular do poder soberano e este pode ser exercido indiretamente por meio de representantes eleitos pelo sufraacutegio universal com voto direto secreto e de igual valor para todos ou diretamente quando houver plebiscito referendo ou iniciativa popular (arts 1ordm paraacutegrafo uacutenico e 14 caput incisos I II e III)
129
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
Ademais a Lei Maior veda candidaturas avulsas adota o sistema proporcional para as eleiccedilotildees no acircmbito do Poder Legislativo exceto ao Senado Federal e garante aos partidos poliacuteticos alguns direitos como o funcionamento parlamentar recebimento de recursos do Fundo Partidaacuterio e acesso gratuito ao raacutedio e agrave televisatildeo (art 14 sect 3ordm inciso V art 17 inciso IV sect 3ordm art 27 sect 1ordm art 32 sect 3ordm e art 45 caput CF)
Os princiacutepios da representatividade indireta e da soberania popular se complementam Este se resume em o povo ser a fonte de todo o poder estatal aquele eacute uma forma de exerciacutecio legiacutetimo da vontade da sociedade Em outras palavras o povo eacute detentor do poder soberano e escolhe alguns representantes para tomarem as decisotildees em seu nome por determinado tempo
Jaacute os princiacutepios da cidadania e do sufraacutegio estatildeo interligados e devem ser interpretados de forma conjunta e de certo modo se concretizam no ato de votar De forma sucinta cidadania pode ser conceituada como a participaccedilatildeo do eleitor na decisatildeo poliacutetica e sufraacutegio eacute o direito de votar Logo o voto acaba sendo o exerciacutecio do sufraacutegio e um ato de cidadania aleacutem da efetivaccedilatildeo da vontade soberana
Esses princiacutepios se ajustam bem ao da democracia que Marcos Ramayana (2015 p 23) define como ldquogoverno em que o povo exerce de fato e de direito a soberania popular dignificando uma sociedade livre onde o fator proponderante eacute a influecircncia popular no governo de um Estadordquo
Com efeito o pluralismo poliacutetico natildeo se confunde nem se restringe ao pluripartidarismo pois
Pluripartidarismo eacute regime poliacutetico que admite a formaccedilatildeo legal de diversos partidos e sem duacutevida eacute um dos vetores que concretizam o pluralismo poliacutetico mas com este natildeo se confunde O pluralismo poliacutetico estaacute relacionado agrave diversidade de ideias de grupos de setores organizados ou natildeo que sejam formadores de opiniatildeo da sociedade brasileira (JORGE LIBERATO RODRIGUES 2016 p 52)
130
Aleacutem desses princiacutepios Gomes (2015 p 56) destaca ainda o da legitimidade das eleiccedilotildees previsto no art 14 sect 9ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Legiacutetimo eacute o que estaacute de acordo com a verdade com a ideia de justiccedila e com os valores predominantes eacute o que observou o procedimento legal adrede traccedilado enfim eacute o que resulta da soberania popular [] Note-se que legitimidade natildeo se confunde com legalidade Esta se refere agrave conformaccedilatildeo ou adequaccedilatildeo de um fato ao Direito Positivo A ideia de legitimidade eacute bem mais ampla e sutil pois jaacute pressupotildee essa adequaccedilatildeo isto eacute pressupotildee a legalidade na verdade encontra-se a legitimidade relacionada a um sistema de valores
Joseacute Afonso da Silva (2005) pontua que o Estado democraacutetico de direito eacute uma evoluccedilatildeo dos conceitos de Estado democraacutetico e de Estado de direito pois natildeo se restringe agrave mera reuniatildeo formal de conceitos vai aleacutem da adoccedilatildeo do poder soberano popular e da observacircncia estrita da legalidade
Por Estado democraacutetico de direito deve-se entender um Estado em que o poder soberano pertence ao povo e em que existe respeito agraves leis ao povo maioria e minoria e aos princiacutepios em especial os de cunho individuais sociais poliacuteticos culturais e econocircmicos
A respeito dessa evoluccedilatildeo Jorge Liberato e Rodrigues (2016 p 164) destacam que os partidos poliacuteticos nasceram desse processo afirmando
Destarte nesse processo evolutivo em prol do alcance e sedimentaccedilatildeo da democracia entram em cena os partidos poliacuteticos Eacute que uma vez adotada a democracia representativa (art 1ordm paraacutegrafo uacutenico da CF1988) cabe ao povo escolher pelo sufraacutegio os seus representantes na execuccedilatildeo e criaccedilatildeo das leis que seratildeo por todos obedecidas Nesse iacutenterim exsurge o partido poliacutetico como elo fundamental entre o povo e o Estado servindo como canal de aglutinaccedilatildeo debate reflexatildeo e discussatildeo da sociedade civil em torno de ideais poliacuteticos e acima de tudo permitindo que o poder do Estado que emana do povo se concretize mediante a escolha dos representantes que exerceratildeo mandatos nos poderes executivo e legislativo
131
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
Na definiccedilatildeo de Joseacute Jairo Gomes (2015 p 93) partido poliacutetico eacute
A entidade formada pela livre associaccedilatildeo de pessoas com organizaccedilatildeo estaacutevel cujas finalidades satildeo alcanccedilar eou manter de maneira legiacutetima o poder poliacutetico-estatal e assegurar no interesse do regime democraacutetico de direito a autenticidade do sistema representativo o regular funcionamento do governo e das instituiccedilotildees poliacuteticas bem como a implementaccedilatildeo dos direitos humanos fundamentais
Por sua vez Augusto Aras (2011 p 14) entende que as agremiaccedilotildees poliacuteticas tecircm a importacircncia de evitar a personificaccedilatildeo e veneraccedilatildeo da imagem de pessoas puacuteblicas ou com certas influecircncias negativas por questotildees sociais e econocircmicas em determinadas regiotildees
Deveras a doutrina e a jurisprudecircncia satildeo unacircnimes no entendimento de que a Lei Maior ao adotar a filiaccedilatildeo partidaacuteria como condiccedilatildeo de elegibilidade (art 14 sect 3ordm inciso V CF) acabou vedando a possibilidade de candidatura avulsa Consequecircncia dessa vedaccedilatildeo eacute a indispensabilidade dos partidos poliacuteticos na disputa dos pleitos eleitorais
Ademais a ideia de partido poliacutetico eacute tatildeo essencial ao sistema poliacutetico-eleitoral adotado por nossa Constituiccedilatildeo que mereceu um capiacutetulo proacuteprio (art 17 CF) prevendo diversos direitos e obrigaccedilotildees
As obrigaccedilotildees dos partidos em suma satildeo de resguardar valores como a soberania nacional o regime democraacutetico o pluripartidarismo os direitos fundamentais da pessoa humana bem como de possuir caraacuteter nacional de natildeo poder receber recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiro de prestar contas agrave Justiccedila Eleitoral entre outras
Jaacute os principais direitos dos partidos poliacuteticos satildeo o de receber recursos do Fundo Partidaacuterio o de antena ndash que eacute o acesso gratuito aos canais de raacutedio e de televisatildeo ndash assim como o da representaccedilatildeo parlamentar
132
No geral essas satildeo as regras adotadas como norte pelo poder constituinte originaacuterio e mantidos ateacute agora pelo constituinte derivado reformador Logo enquanto estiverem em vigecircncia devem ser preservadas e obedecidas por todos dos representantes dos trecircs poderes ao povo visto que satildeo vaacutelidas e dotadas de poder normativo conforme liccedilatildeo de Bobbio (1999 p 58)
Portanto se existem normas constitucionais deve existir o poder normativo do qual elas derivam esse poder eacute o poder constituinte O poder constituinte eacute o poder uacuteltimo ou se quisermos supremo originaacuterio num ordenamento juriacutedico [] Dado o poder constituinte como poder uacuteltimo devemos pressupor portanto uma norma que atribua ao poder constituinte a faculdade de produzir normas juriacutedicas essa norma eacute a norma fundamental A norma fundamental enquanto por um lado atribui aos oacutergatildeos constitucionais poder de fixar normas vaacutelidas impotildee a todos aqueles aos quais se referem as normas constitucionais o dever de obedececirc-las [] Pode ser formulada da seguinte maneira ldquoO poder constituinte estaacute autorizado a estabelecer normas obrigatoacuterias para toda a coletividaderdquo ou ldquoA coletividade eacute obrigada a obedecer agraves normas estabelecidas pelo poder constituinterdquo
Aleacutem disso eacute importante destacar que os partidos poliacuteticos satildeo elementos imprescindiacuteveis para o funcionamento do sistema eleitoral proporcional tambeacutem adotado por nossa Lei Maior
4 Do sistema eleitoral proporcionalDe maneira objetiva eacute possiacutevel retirar dos ensinamentos de Jairo Nicolau
(2004 p 10) a conceituaccedilatildeo de sistema eleitoral como um conjunto de regras que tem a finalidade de converter os votos em mandatos
Com efeito eacute imprescindiacutevel pontuar que sistema eleitoral proporcional a princiacutepio deve ser visto como um gecircnero conforme ensinamento do referido cientista poliacutetico
Esse sistema possui as finalidades de distribuir de forma equacircnime as vagas existentes nas casas legislativas entre as diversas agremiaccedilotildees poliacuteticas de acordo com sua representaccedilatildeo
133
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
perante o povo o que favorece os grupos minoritaacuterios e de refletir os vaacuterios pensamentos e ideologias existentes na sociedade que satildeo projetados nos partidos poliacuteticos (GOMES 2015 p 122-123)
Em outros termos as finalidades desse sistema satildeo garantir proporccedilatildeo matemaacutetica entre a relaccedilatildeo de votos e cadeiras aleacutem de equilibrar a disputa e de dar chances agraves minorias de conseguir chegar ao poder com base no tamanho da sua representaccedilatildeo
Por ser gecircnero o sistema eleitoral proporcional possui algumas espeacutecies ou tipos Segundo Nicolau (2004 p 38) satildeo espeacutecies desse sistema o voto uacutenico transferiacutevel e o sistema de listas o qual os descreve
O voto uacutenico transferiacutevel tem como propoacutesito garantir que as opiniotildees relevantes da sociedade (abrigadas ou natildeo nos partidos) estejam no Parlamento O sistema de lista procura distribuir as cadeiras do Parlamento utilizando os partidos como unidade fundamental No primeiro caso eacute calculada uma quota de votos que cada candidato deve atingir para ser representado No segundo eacute calculada uma quota que cada partido deve atingir
Possiacutevel perceber dessa liccedilatildeo que as espeacutecies apresentam protagonistas diferentes na disputa do pleito Enquanto na primeira eacute o candidato na segunda eacute a agremiaccedilatildeo partidaacuteria
Na mesma linha de raciociacutenio no tocante ao sistema proporcional foi o voto do Ministro Carlos Ayres Britto por ocasiatildeo do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal do Mandado de Seguranccedila nordm 26602DF de 2007 (BRASIL 2007) no qual se discutia a infidelidade partidaacuteria e a quem pertencia o mandato poliacutetico tendo ele dito na sua fundamentaccedilatildeo
Pelo princiacutepio majoritaacuterio de eleiccedilatildeo proacuteprio das candidaturas a cargo de senador da Repuacuteblica a majoritariedade mesma (a significar vitoacuteria eleitoral pela obtenccedilatildeo da maioria nominal ou unipessoal de votos) tem que ser alcanccedilada pelos candidatos Uns em confronto com os outros Candidatos versus candidatos Jaacute pelo sistema proporcional de eleiccedilatildeo essa majoritariedade haacute de ser alcanccedilada pelos partidos poliacuteticos e suas eventuais coligaccedilotildees
134
Uns em oposiccedilatildeo aos outros Partido versus partido coligaccedilatildeo versus coligaccedilatildeo Do que se percebe instantaneamente que pelo primeiro sistema (o majoritaacuterio) haacute um componente bem maior de individualidade De prestiacutegio pessoal de cada um dos contedores Cada qual a se confrontar pessoalmente com seus adversaacuterios Sem que se exija das respectivas agremiaccedilotildees partidaacuterias (isolada ou alianccediladamente) nenhum patamar de votos miacutenimos Nenhuma claacuteusula quantitativa de barreira Tudo se resolve pelo escore eleitoral do jogo entre individualizados contedores que natildeo podem se beneficiar do bom desemprenho senatildeo de si mesmos Logo sem que se possa falar nem de puxadores de votos nem de caroneiros Ainda que se trate de eleiccedilatildeo para preenchimento de duas vagas em cada Estado e no Distrito Federal [] Ora bem tudo isso eacute o contraacuterio do que se daacute na oacuterbita do sistema proporcional Aqui a majoritariedade deixa de ser imediatamente individual para ser coletiva A performance eleitoral do conjunto dos agremiados eacute o que mais conta Exige-se desse conjunto um patamar miacutenimo de votos e natildeo dos candidatos de per se Logo a exigecircncia da obtenccedilatildeo de maioria de votos (majoritariedade) natildeo se encarna senatildeo em cada partido e em cada eventual coligaccedilatildeo
Tornou-se evidente que se tratava de sistema proporcional de listas visto que os protagonistas nesse sistema satildeo as agremiaccedilotildees poliacuteticas e natildeo os candidatos Assim a loacutegica do sistema proporcional de lista eacute a disputa entre os grupos poliacuteticos eles ganham ou perdem natildeo haacute que se falar em pessoas ndash soacute e somente soacute em partidos Essa eacute a regra basilar da espeacutecie proporcional de lista
A respeito de como os partidos conseguem conquistar cadeiras nas disputas eleitorais pelo sistema de listas Jairo Nicolau (2004 p 44) ensina que haacute a necessidade de adotar alguma foacutermula matemaacutetica para fazer essa distribuiccedilatildeo de forma justa e que essas foacutermulas satildeo divididas em dois grupos maiores meacutedias ndash utilizam um divisor ndash ou maiores sobras ndash aplicam-se quotas E explica esses grupos da seguinte forma
As foacutermulas de maiores meacutedias dividem os votos recebidos pelos partidos por nuacutemeros em seacuterie Feita a divisatildeo os partidos que obtecircm nuacutemeros mais altos vatildeo ocupando sucessivamente as cadeiras disputadas As foacutermulas de maiores sobras operam em dois estaacutegios O primeiro eacute o caacutelculo de uma quota que seraacute utilizada
135
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
como denominador da votaccedilatildeo de cada partido quantas quotas um partido atingir tantas cadeiras ele elegeraacute Geralmente apoacutes a divisatildeo dos votos de cada partido pela quota algumas cadeiras natildeo satildeo preenchidas O segundo estaacutegio eacute a distribuiccedilatildeo dessas cadeiras restantes que iratildeo para os partidos cujos votos mais se aproximam do valor da quota (maiores sobras) A principal distinccedilatildeo das foacutermulas de maiores sobras concerne ao caacutelculo da quota O total de votos pode ser dividido pelo nuacutemero de cadeiras (quota Hare) ou pelo nuacutemero de cadeiras mais 1 (quota Droop)
Deveras extrai-se da leitura dos arts 106 a 109 do Coacutedigo Eleitoral que o Brasil adota a foacutermula de maiores sobras ao instituir os quocientes eleitoral e partidaacuterio assim como aceitou a quota Droop para distribuir as cadeiras natildeo preenchidas entre os partidos
Ademais Marcos Ramayana (2015 p 166) ao analisar o sistema eleitoral de lista explica que os trecircs principais tipos satildeo o fechado o flexiacutevel e o aberto sendo este o aplicado no Brasil
Com efeito a tiacutetulo de organizaccedilatildeo conceitual se o sistema proporcional deve ser entendido como um gecircnero e o sistema de listas eacute uma de suas espeacutecies os tipos de listas apresentados pelo referido autor satildeo na verdade uma subespeacutecie desse sistema
Logo deve-se conceber que o tipo de lista aberta eacute uma das subespeacutecies da espeacutecie sistema de listas que por sua vez eacute uma das espeacutecies do gecircnero sistema eleitoral proporcional
A importacircncia praacutetica e teoacuterica dessa divisatildeo organizacional serve para demonstrar e separar onde determinadas normas se aplicam Se uma norma ou preceito for aplicado ao gecircnero necessariamente seus efeitos irradiaratildeo tambeacutem nas espeacutecies e subespeacutecies adotadas
Todavia uma regra aplicada especificamente na subespeacutecie deve respeitar os preceitos da sua espeacutecie e gecircnero natildeo podendo contrariaacute-los Aleacutem de que provavelmente natildeo seraacute aplicada na espeacutecie no gecircnero ou ateacute mesmo em outra subespeacutecie
136
Dito isso volta-se agraves subespeacutecies De forma sucinta e objetiva eacute a distinccedilatildeo de cada subespeacutecie realizada por Jairo Nicolau (2004 p 54)
A principal distinccedilatildeo nas regras para seleccedilatildeo de candidatos no sistema de representaccedilatildeo proporcional eacute o grau de influecircncia dos partidos comparado ao dos eleitores No sistema de lista fechada os partidos definem antes das eleiccedilotildees o ordenamento dos candidatos e os eleitores podem apenas votar numa das listas Outros modelos permitem algum tipo de intervenccedilatildeo do eleitor na definiccedilatildeo dos candidatos eleitos (voto preferencial) Nos sistemas de lista aberta e lista livre satildeo os eleitores que definem quais nomes da lista seratildeo eleitos O caso mais complexo eacute o da lista flexiacutevel no qual os partidos apresentam uma lista de candidatos em ordem de preferecircncia mas o eleitor pode estabelecer preferecircncia para candidatos especiacuteficos
Torna-se evidente que as subespeacutecies servem para designar os representantes dos partidos poliacuteticos que conquistaram a quantidade de votos necessaacuterios para ganhar pelo menos uma vaga Logo se pela espeacutecie sistema de listas o partido conquista uma vaga a subespeacutecie adotada por esse sistema indicaraacute o representante do partido ndash o candidato eleito
Retira-se desse ensinamento que enquanto na subespeacutecie lista fechada satildeo os partidos quem indicam previamente a ordem exata dos seus representantes para as eventuais cadeiras conquistadas sem que o eleitor possa modificar na lista aberta eacute o inverso os partidos somente registram seus candidatos aptos em uma lista e aos eleitores cabe ordenar a exata ordem de candidatos para assumirem as possiacuteveis vagas conquistadas E essa ordem se daraacute por meio de votos
Conforme disse o Ministro Cezar Peluso por ocasiatildeo da anaacutelise da Consulta nordm 1397DF pelo Tribunal Superior Eleitoral (BRASIL 2007) a votaccedilatildeo nominal eacute criteacuterio subordinado derivado e acessoacuterio desempenha apenas funccedilatildeo ordinatoacuteria para o preenchimento dos cargos agrave disposiccedilatildeo do partido
Assim as subespeacutecies regulamentam como e quem seraacute a escolha do representante somente isso Nesse contexto deu-se o
137
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
voto do Ministro Gilmar Mendes no citado Mandado de Seguranccedila nordm 26602DF conforme o excerto
No sistema eleitoral adotado no Brasil impotildee-se precisar (1) o nuacutemero de votos vaacutelidos (2) o quociente eleitoral (3) o quociente partidaacuterio (4) a teacutecnica de distribuiccedilatildeo de restos ou sobras e (5) o criteacuterio a ser adotado na falta de obtenccedilatildeo do quociente eleitoral Os votos vaacutelidos satildeo os votos conferidos agrave legenda partidaacuteria e ao candidato Natildeo satildeo computados os votos nulos e os votos em branco O quociente eleitoral que traduz o iacutendice de votos a ser obtido para a distribuiccedilatildeo das vagas obteacutem-se mediante a divisatildeo do nuacutemero de votos vaacutelidos pelos lugares a preencher na Cacircmara dos Deputados nas Assembleias Legislativas ou nas Cacircmaras de Vereadores O quociente partidaacuterio indica o nuacutemero de vagas alcanccedilado pelos partidos e eacute calculado pela divisatildeo do nuacutemero de votos conferidos ao partido diretamente ou a seus candidatos pelo quociente eleitoral desprezando-se a fraccedilatildeo [] Na verdade embora haja participaccedilatildeo especial do candidato na obtenccedilatildeo de votos com o objetivo de posicionar-se na lista dos eleitos tem-se que a eleiccedilatildeo proporcional se realiza em razatildeo de votaccedilatildeo atribuiacuteda agrave legenda Ademais como se sabe com raras exceccedilotildees a maioria dos eleitos sequer logram obter o quociente eleitoral dependendo a sua eleiccedilatildeo dos votos obtidos pela agremiaccedilatildeo
De maneira praacutetica e didaacutetica Edson de Resende Castro (2014 p 24) explica-o da seguinte forma
As eleiccedilotildees para vereador e deputados estadual e federal todavia satildeo disputadas pelo dito sistema eleitoral cuja finalidade eacute distribuir proporcionalmente as cadeiras do parlamento entre os diversos partidos poliacuteticos que se apresentarem agrave disputa e com isso tornar mais equilibradas as forccedilas na casa legislativa Percebe-se entatildeo que esse sistema consagra a disputa partidaacuteria e natildeo mais a disputa entre candidatos ndash como no majoritaacuterio Eacute dizer que o sistema proporcional busca o desempenho partidaacuterio ndash e natildeo o desempenho pessoal ndash pois todos os votos satildeo dados primeiramente no partido e agraves vezes apenas no partido Natildeo eacute sem razatildeo que os dois primeiros nuacutemeros com os quais o candidato se apresenta satildeo identificadores do partido poliacutetico da sua filiaccedilatildeo condutor da candidatura Quando o eleitor escolhe certo candidato e digita seu nuacutemero na urna eletrocircnica estaacute manifestando a um soacute tempo duas vontades distintas primeiramente a escolha do partido e soacute entatildeo a opccedilatildeo por aquele candidato dentre
138
os vaacuterios apresentados pela agremiaccedilatildeo poliacutetica A totalizaccedilatildeo de votos que o sistema proporcional faz eacute exatamente desses dois nuacutemeros do partido ndash quando satildeo considerados tambeacutem os chamados votos unicamente de legenda manifestados apenas ao partido ndash chegando-se ao desempenho partidaacuterio e portanto ao quociente atingido pela agremiaccedilatildeo que corresponde ao nuacutemero de vagas a serem ocupadas no parlamento Faacutecil concluir por conseguinte que eacute o partido poliacutetico que conquista as vagas ou seja os mandatos de vereador e deputados estadual e federal Os candidatos registrados por esse partido entatildeo satildeo chamados na ordem decrescente dos votos nominais que obtiveram ao exerciacutecio desses mandatos Natildeo eacute demais dizer entatildeo que os eleitos tecircm apenas o exerciacutecio dos mandatos como representantes do partido que os conquistou jaacute que a ele filiados e por ele candidatos
Portanto pelo exposto eacute possiacutevel concluir ateacute este momento que a base teoacuterica eacute de que o sistema proporcional citado no texto constitucional se refere ao gecircnero cuja finalidade eacute garantir uma proporccedilatildeo matemaacutetica na relaccedilatildeo de quantidade de votos e cadeiras assim como equilibrar a disputa do pleito dando chances maiores de a minoria ter representaccedilatildeo no poder
Por sua vez o Coacutedigo Eleitoral adota como espeacutecie do gecircnero o sistema de listas onde o protagonismo da disputa pelo poder consiste nos grupos ndash nos partidos Aqui a essecircncia eacute dizer quantas cadeiras cada partido conquistou na disputa do pleito independentemente da foacutermula matemaacutetica escolhida
Por fim a referida norma legal complementa a espeacutecie sistema de lista com a subespeacutecie lista aberta Qualquer que fosse a subespeacutecie preferida a sua base teoacuterica eacute somente para indicar quem seratildeo os representantes dos partidos que conquistaram as cadeiras na disputa eleitoral A de lista aberta diz que os representantes eleitos seratildeo os mais preferidos dos apoiadores do partido ou seja aquele que obteve as maiores votaccedilotildees
139
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
5 Da minirreforma eleitoralRecentemente foi aprovada e sancionada a Lei nordm 131652015
popularmente denominada minirreforma eleitoral A citada norma promoveu mudanccedilas em algumas leis eleitorais como na Lei das Eleiccedilotildees (nordm 9504 de 30 de setembro de 1997) na Lei dos Partidos Poliacuteticos (nordm 9096 de 19 de setembro de 1995) e no Coacutedigo Eleitoral (nordm 4737 de 15 de julho de 1965)
As mudanccedilas que importam para este estudo se encontram nos arts 108 e 109 do Coacutedigo Eleitoral O primeiro artigo comanda a escolha do candidato que representaraacute o partido quando este conquistar alguma cadeira o segundo versa a respeito da distribuiccedilatildeo das vagas natildeo preenchidas
Cabe ressaltar que essas mudanccedilas se devem agrave tentativa de acabar ou diminuir a figura dos puxadores de votos aqueles candidatos que conseguem votos nominais numa quantidade que ultrapassa o quociente eleitoral
O art 108 passou a exigir que para serem eleitos os candidatos possuam pelo menos 10 de votos nominais em relaccedilatildeo ao quociente eleitoral O paraacutegrafo uacutenico impotildee que as vagas natildeo preenchidas em decorrecircncia da falta de candidatos com aquele percentual deveraacute ser distribuiacuteda conforme regra do art 109
Por sua vez o art 109 do Coacutedigo Eleitoral regulamenta a distribuiccedilatildeo das cadeiras natildeo preenchidas com a aplicaccedilatildeo do quociente partidaacuterio ou pela exigecircncia da votaccedilatildeo miacutenima pessoal
O inciso I do art 109 prevecirc a distribuiccedilatildeo dos lugares natildeo preenchidos aos partidos que apresentarem as maiores meacutedias e possuiacuterem concomitantemente candidatos que atendam agrave exigecircncia de votaccedilatildeo nominal miacutenima De acordo com o inciso II essa operaccedilatildeo iraacute se repetir ateacute que se preencham as cadeiras faltantes
Conforme o inciso III existindo ainda cadeiras livres mas faltando a exigecircncia de candidatos com votaccedilatildeo nominal miacutenima seratildeo
140
distribuiacutedas as cadeiras aos partidos que possuiacuterem maior meacutedia desconsiderando a votaccedilatildeo nominal miacutenima
O sect 1ordm impotildee a observacircncia da ordem de votaccedilatildeo dos candidatos para assumirem as cadeiras conquistadas pelos partidos enquanto o sect 2ordm restringe a participaccedilatildeo da distribuiccedilatildeo das cadeiras vagas aos partidos que tiverem obtido o quociente eleitoral pelo menos uma vez
Dessa forma eacute possiacutevel observar que haacute divergecircncias evidentes entre as regras instituiacutedas pela nova lei e as regras constitucionais e teoacutericas do sistema proporcional como um todo
51 Da quantidade de votaccedilatildeo nominal miacutenimaCom efeito a exigecircncia de votaccedilatildeo miacutenima para eleger os
representantes dos partidos eacute contraditoacuteria com a proacutepria ideia do sistema de listas bem como com o ordenamento juriacutedico
Como visto na espeacutecie sistema de listas a disputa ocorre somente entre os partidos e coligaccedilotildees Logo a cadeira conquistada pertenceraacute ao partido e natildeo ao candidato independentemente de sua votaccedilatildeo
Isso foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do mandado de seguranccedila jaacute referido assim como foi a resposta do Tribunal Superior Eleitoral agrave Consulta de nordm 1397 decidida e publicada em 2007 Dessa resposta extraem-se trechos do voto do Ministro Cezar Peluso onde ele pontua (BRASIL 2007)
E neste passo estou convencido de que por forccedila de imposiccedilatildeo sistecircmica do mecanismo constitucional da representaccedilatildeo proporcional as vagas obtidas por intermeacutedio do quociente partidaacuterio pertencem ao partido [] dessa caracterizaccedilatildeo de proporcionalidade brota como princiacutepio a pertinecircncia das vagas obtidas segundo a loacutegica do sistema mediante uso de quocientes eleitoral e partidaacuterio ao partido ou coligaccedilatildeo e natildeo agrave pessoa que sob sua bandeira tenha concorrido e sido eleita
141
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
Ora se a cadeira eacute conquistada pela espeacutecie de sistema proporcional adotada natildeo haacute como uma norma regulamentar de subespeacutecie retirar esse direito adquirido pela espeacutecie
Cabe relembrar que a subespeacutecie escolhida pelo nosso ordenamento eacute a lista aberta onde o eleitor escolhe o melhor candidato para representar o partido A subespeacutecie serve somente para indicar quem representa o partido natildeo para limitar o acesso e retirar vagas conquistadas
Ademais aplica-se nessa ideia organizacional do sistema proporcional (gecircnero espeacutecie e subespeacutecie) a supracitada liccedilatildeo de Bobbio (1999 p 53-54) em que haacute uma hierarquia em que as normas inferiores (subespeacutecie) devem respeitar as normas superiores em questotildees formais e materiais uma vez que somente tecircm validade por causa dessas normas
Aleacutem disso devido ao fato de o sistema eleitoral proporcional de listas ser positivado e dele decorrer a disputa entre partidos por forccedila imperativa da lei aos eleitores haacute a presunccedilatildeo de que o povo vota em partido natildeo nas pessoas dos candidatos visto que no referido sistema estes natildeo disputam cadeiras apenas a representaccedilatildeo do partido com seus colegas de associaccedilatildeo
De mais a mais tal norma pode levar ao absurdo de um partido conseguir conquistar n vagas e natildeo eleger ningueacutem bem como de fato desconsiderar votos vaacutelidos e prejudicar os partidos que tenham alcanccedilado quociente eleitoral e partidaacuterio mas natildeo conseguir a exigecircncia da quantidade miacutenima de votos nominal Vejamos
Supondo que em determinada circunscriccedilatildeo eleitoral foram apurados 100 mil votos vaacutelidos e se disputavam 10 lugares para a Cacircmara dos Deputados Logo o quociente eleitoral eacute de 10 mil votos E a votaccedilatildeo ocorreu da seguinte maneira
142
PARTIDOSVOTOS
VAacuteLIDOSQUOCIENTE PARTIDAacuteRIO
CADEIRAS OBTIDAS
COLIGACcedilAtildeO ABCD
27700 277 2
COLIGACcedilAtildeO FGHI
31600 316 3
PARTIDO X 13200 132 1
PARTIDO Y 9500 095 0
PARTIDO Z 18000 18 1
Imagina-se agora que dos 31600 votos atribuiacutedos agrave Coligaccedilatildeo FGHI somente 600 foram votos nominais ou seja 31 mil votos foram dados agrave legenda e natildeo indicaram nenhum candidato o que eacute permitido no nosso ordenamento juriacutedico conforme art 176 do Coacutedigo Eleitoral
Essa coligaccedilatildeo teria votos suficientes para eleger 3 representantes mas seria frustrada pois nenhum de seus candidatos conseguiria obter a exigecircncia miacutenima de mil votos nominais o equivalente aos 10 do quociente eleitoral (10 mil votos)
Dessa maneira por mais improvaacutevel que seja ocorrer na praacutetica minus mas natildeo impossiacutevel minus demonstra‑se que tal norma fere os princiacutepios constitucionais da soberania do voto da democracia do Estado democraacutetico de direito da legitimidade do pleito e fere vaacuterios direitos partidaacuterios assim como o proacuteprio sistema eleitoral proporcional tambeacutem previsto na Carta Magna
52 Da distribuiccedilatildeo dos lugares natildeo preenchidosA nova regra estipulada para a distribuiccedilatildeo das cadeiras vagas
de certa forma divide-se em duas etapas a primeira privilegia somente os partidos que possuem candidatos que tenham obtido a quantidade miacutenima de votos nominais a segunda se daacute quando
143
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
acaba o privileacutegio e participam todos os partidos que atingiram o quociente eleitoral
Ora somente o fato dessa distribuiccedilatildeo de vagas ser vinculada agrave quantidade miacutenima de votos nominais jaacute a torna tambeacutem incompatiacutevel com o ordenamento juriacutedico
Para demonstrar como essa norma poderaacute favorecer determinado partido em detrimento de outros utiliza-se o exemplo anterior em que sobraram seis vagas visto que nenhum candidato da Coligaccedilatildeo FGHI conquistou a votaccedilatildeo nominal miacutenima ndash de modo que a coligaccedilatildeo natildeo pode participar da primeira etapa da distribuiccedilatildeo jaacute que eacute conditio sine qua non aquela exigecircncia
Imaginando tambeacutem que somente um candidato do partido X conseguiu a votaccedilatildeo nominal miacutenima o que igualmente se aplica ao partido Z situaccedilatildeo em que ambos jaacute estariam eleitos pelo fato de o partido soacute ter conquistado uma cadeira esses partidos tambeacutem natildeo poderiam participar dessa primeira etapa da distribuiccedilatildeo
Dessa maneira pelo partido Y natildeo ter atingido o quociente eleitoral somente poderaacute participar da primeira etapa a Coligaccedilatildeo ABCD que por sorte teve oito de seus candidatos a ultrapassar a quantidade miacutenima de votos exigida
Com isso a Coligaccedilatildeo ABCD elegeraacute seis candidatos na etapa de distribuiccedilatildeo privilegiada somando no total oito cadeiras de deputados federais nessa hipoteacutetica eleiccedilatildeo
Ou seja nesse novo modelo podem ocorrer distorccedilotildees um partidocoligaccedilatildeo obteacutem votos suficientes para duas vagas e dependendo da sorte leva oito ao passo que um partidocoligaccedilatildeo consegue votos necessaacuterios para trecircs cadeiras e dependendo do azar natildeo elege nenhum candidato
Fica demonstrado agrave evidecircncia que teoricamente essa nova foacutermula pode gerar enormes distorccedilotildees e ferir direitos constitucionais e do proacuteprio sistema proporcional
144
6 ConclusatildeoCom efeito eacute imprescindiacutevel lembrar que a Constituiccedilatildeo
brasileira prevecirc um Estado democraacutetico de direito e que eacute a norma fundamental de todo o ordenamento juriacutedico natildeo podendo o Estado se distanciar dos preceitos que satildeo impostos por ela Qualquer violaccedilatildeo agrave Carta Maior eacute inadmissiacutevel em um Estado democraacutetico de direito independentemente do fim que se queira alcanccedilar
Possiacutevel perceber ao longo do presente estudo que as novas regras dos arts 108 e 109 do Coacutedigo Eleitoral violam inuacutemeras normas constitucionais
Devido ao fato de a Constituiccedilatildeo prever o sistema eleitoral proporcional para as eleiccedilotildees no acircmbito do Poder Legislativo exceto ao Senado Federal ndash e pela votaccedilatildeo ser nos partidos segundo a loacutegica deste sistema ndash a norma do art 108 acaba ofendendo a Carta Magna e o proacuteprio sistema ao retirar as vagas conquistadas pelas agremiaccedilotildees se um dos seus candidatos natildeo conseguir 10 do quociente eleitoral
Aleacutem dessas violaccedilotildees o citado artigo igualmente infringe os princiacutepios da democracia da soberania popular da cidadania do pluralismo poliacutetico da igualdade do voto da representatividade indireta e da legitimidade das eleiccedilotildees bem como fere o direito dos partidos de terem acesso ao Fundo Partidaacuterio ao direito de antena e ao de representatividade quando disputarem vaga para a Cacircmara dos Deputados
O art 109 ao adotar a votaccedilatildeo nominal miacutenima como regra para favorecimento das distribuiccedilotildees das cadeiras que sobraram tambeacutem viola os princiacutepios mencionados e contrariam os princiacutepios da igualdade entre os partidos poliacuteticos que alcanccedilam o miacutenimo de representatividade poliacutetica e o sistema eleitoral proporcional
Portanto chega-se agrave conclusatildeo de que as referidas mudanccedilas no Coacutedigo Eleitoral devem ser expurgadas do ordenamento juriacutedico por serem incompatiacuteveis com as normas constitucionais e com todos
145
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
os princiacutepios que a fundamentam Se o Legislativo entende que eacute necessaacuteria uma reforma poliacutetico-eleitoral para o futuro do paiacutes que o faccedila de forma coerente com o ordenamento juriacutedico e se preciso for que se mudem as normas fundamentais para conformidade de suas ideias
Referecircncias
ARAS Augusto Fidelidade e ditadura (intra) partidaacuteria Bauru SP Edipro 2011
BOBBIO Noberto Teoria do ordenamento juriacutedico Trad Maria Celeste C J Santos 10 ed Brasiacutelia Ed Universidade de Brasilia 1999
BRASIL Constituiccedilatildeo (1988) Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil Disponiacutevel em ltwwwplanaltogovbrccivil_03constituicaoconstituicaohtmgt Acesso em 5 maio 2016
______ Lei nordm 4737 de 15 de julho de 1965 Coacutedigo eleitoral Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_03leisL9096htmgt Acesso em 5 maio 2016
______ Lei nordm 9096 de 19 de setembro de 1995 Lei dos partidos poliacuteticos Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_03leisL9096htmgt Acesso em 5 maio 2016
______ Lei nordm 13165 de 29 de setembro de 2015 Altera as leis [] e incentivar a participaccedilatildeo feminina Disponiacutevel em lt httpwwwplanaltogovbrccivil_03_Ato2015-20182015LeiL13165htmgt Acesso em 5 maio 2016
________ Supremo Tribunal Federal Mandado de Seguranccedila nordm 26602DF Relator GRAU Eros Julgado em 04-10-2007 publicado no DJe de 17-10-2008 ementaacuterio nordm 2337-2 Disponiacutevel em ltredirstfjusbrpaginadorpubpaginadorjspdocTP=ACampdocID=555539gt Acesso em 5 maio 2016
146
________ Tribunal Superior Eleitoral Consulta nordm 1398 Relator ROCHA Cesar Asfor Julgado em 27-03-2007 Resoluccedilatildeo nordm 22526 Disponiacutevel em ltinter03tsejusbrInteiroTeorpesquisaactionGetBinarydotribunal=TSEampprocessoNumero=1398ampprocessoClasse=CTAampdecisaoData=20070327ampdecisaoNumero=22526ampprotocolo=29782007ampnoCache=07206847153138369gt Acesso em 5 maio 2016
CASTRO Edson de Resende Curso de direito eleitoral 7 ed Belo Horizonte Del Rey 2014
CUNHA JUNIOR Dirley da Controle de constitucionalidade teoria e praacutetica 4 ed rev atual ampl Bahia Jus Podivm 2010
GOMES Joseacute Jairo Direito eleitoral 11 ed rev atual e amp Satildeo Paulo Atlas 2015
MORAES Alexandre de Constituiccedilatildeo do Brasil interpretada e legislaccedilatildeo constitutucional 7 ed Rio de Janeiro Atlas 2007
NICOLAU Jairo Sistemas eleitorais 5 ed rev e atual Rio de Janeiro Editora FGV 2004
RAMAYANA Marcos Direito eleitoral 14 ed Rio de Janeiro Impetus 2015
SILVA Joseacute Afonso da Curso de direito constitucional positivo 25 ed rev atual Satildeo Paulo Malheiros 2005
a lei complementar nordm 1352010 (lei da ficha limpa) seus aspectos controvertidos e suas repercussotildees seis anos apoacutes sua publicaccedilatildeoBAacuteRBARA MARIANNA DE MENDONCcedilA ARAUacuteJO BERTOTTI
149
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
A LEI COMPLEMENTAR Nordm 1352010 (LEI DA FICHA LIMPA) SEUS ASPECTOS CONTROVERTIDOS E SUAS REPERCUSSOtildeES SEIS ANOS APOacuteS SUA PUBLICACcedilAtildeO1
THE COMPLEMENTARY LAW Nordm 1352010 (ldquoCLEAN RECORDrdquo LAW) ITS CONTROVERSIAL ASPECTS AND REPERCUSSIONS SIX YEARS AFTER PUBLICATION
BAacuteRBARA MARIANNA DE MENDONCcedilA ARAUacuteJO BERTOTTI2
RESUMO
A Lei Complementar nordm 135 conhecida como Lei da Ficha Limpa ingressou no cenaacuterio poliacutetico em 2010 alterando a Lei Complementar nordm 64 de 18 de maio de 1990 estabelecendo novos casos de inelegibilidades e prazos de cessaccedilatildeo bem como outras providecircncias Este artigo tem por objetivo analisar a lei em face dos direitos fundamentais agrave elegibilidade e agrave presunccedilatildeo da inocecircncia e dos princiacutepios constitucionais da irretroatividade e da anterioridade eleitoral concluindo que a Lei da Ficha Limpa em busca da moralizaccedilatildeo da vida puacuteblica trouxe consigo uma seacuterie de viacutecios Por conseguinte seis anos apoacutes sua publicaccedilatildeo ainda gera controveacutersias
Palavras-chave Direitos Poliacuteticos Inelegibilidades Lei da Ficha Limpa Princiacutepio da anterioridade eleitoral Presunccedilatildeo de inocecircncia Irretroatividade
1 Artigo recebido em 21 de agosto de 2016 e aprovado para publicaccedilatildeo em 18 de janeiro de 20172 Especialista em Direito Administrativo pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar Poacutes‑
graduanda em Direito Puacuteblico pela Escola da Magistratura Federal do Paranaacute Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paranaacute Pesquisadora do Nuacutecleo de Investigaccedilotildees Constitucionais em Teorias da Justiccedila Democracia e Intervenccedilatildeo do Programa de Poacutes‑Graduaccedilatildeo em Direito da Universidade Federal do Paranaacute Conciliadora voluntaacuteria no Centro Judiciaacuterio de Soluccedilatildeo de Conflitos e Cidadania na Subseccedilatildeo Judiciaacuteria de Curitiba
150
ABSTRACT
The Complementary Law No 1352010 known as the ldquoClean Recordrdquo Law joined in the political scene in 2010 changing the Complementary Law No 64 of May 18 1990 establishing new cases of ineligibility and expiration periods as well as other providences This article aims to analyze the law in the light of the fundamental rights to the eligibility and to the assumption of innocence and constitutional principles of non-retroactivity and electoral anteriority concluding that the ldquoClean Recordrdquo Law in search of the moralization of public life has brought a large number of vices Therefore six years after its publication still generates controversy
Keywords Political Rights Ineligibility ldquoClean Recordrdquo Law Principle of prior election Presumption of innocence Non-Retroactivity
151
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
1 IntroduccedilatildeoOs direitos poliacuteticos satildeo fundamentais e portanto possuem
proteccedilatildeo constitucional que atinge natildeo apenas o direito de sufraacutegio mas de igual forma o direito poliacutetico passivo Nesse aspecto a elegibilidade como direito fundamental possui suas condiccedilotildees e restriccedilotildees fundamentadas na Constituiccedilatildeo
No Brasil as regras eleitorais satildeo modificadas constantemente Apoacutes a promulgaccedilatildeo da Lei nordm 9504 de 30 de setembro de 1997 (Lei das Eleiccedilotildees) que pretendia superar as leis do ano e a sucessatildeo casuiacutestica na legislaccedilatildeo eleitoral surgiram outras para alterar o processo eleitoral as leis nordm 9840 de 28 de setembro de 19993 nordm 10408 de 10 de janeiro de 2002 nordm 10740 de 1ordm de outubro de 2003 nordm 11300 de 10 de maio de 2006 nordm 12034 de 29 de setembro de 2009 nordm 12875 de 30 de outubro de 2013 nordm 12891 de 11 de dezembro de 2013 nordm 12976 de 19 de maio de 2014 e nordm 13165 de 29 de setembro de 2015 (conhecida por Reforma Eleitoral) que por vezes desrespeitaram o princiacutepio da anterioridade eleitoral Com essa atuaccedilatildeo inserem-se na dinacircmica do processo eleitoral institutos e categorias que natildeo se coadunam com as garantias constitucionais e com o Estado democraacutetico de direito Insere-se nesse contexto o Tribunal Superior Eleitoral com ofensa ao princiacutepio da legalidade especiacutefica em mateacuteria eleitoral inovando com a ediccedilatildeo de resoluccedilotildees e portanto desrespeitando a reserva de lei do parlamento
Vale ressaltar que o Direito Eleitoral eacute responsaacutevel pela qualidade formal da democracia regulando o meacutetodo democraacutetico de legitimaccedilatildeo do poder poliacutetico (CLEgraveVE 2014 p 210-211) e assim como outros ramos do Direito encontra na Constituiccedilatildeo seus princiacutepios estruturantes embora impliacutecitos (SALGADO 2010 p 28)4 Quanto mais bem elaborado o Direito Eleitoral e suas instituiccedilotildees
3 Essa lei trouxe para a Lei das Eleiccedilotildees a figura da captaccedilatildeo iliacutecita de sufraacutegio com descriccedilatildeo similar ao crime de corrupccedilatildeo previsto no art 299 do Coacutedigo Eleitoral evitando a necessidade de tracircnsito em julgado para a cassaccedilatildeo do registro ou do mandato
4 Eneida Desiree Salgado apresenta cinco princiacutepios constitucionais estruturantes o princiacutepio da autenticidade eleitoral o princiacutepio da liberdade para o exerciacutecio do mandato o princiacutepio da necessaacuteria participaccedilatildeo das minorias o princiacutepio da maacutexima igualdade na disputa eleitoral e o princiacutepio da legalidade especiacutefica em mateacuteria eleitoral
152
mais estreita seraacute a distacircncia entre o poder instituiacutedo e os cidadatildeos Caso este ramo do Direito falhe enfraquecem-se os canais de comunicaccedilatildeo entre a accedilatildeo do Estado e a vontade popular surgindo as crises poliacuteticas
A ediccedilatildeo da Lei Complementar nordm 135 em 4 de junho de 2010 conhecida como a Lei da Ficha Limpa modificou e muito o sistema juriacutedico das inelegibilidades aumentando o prazo de hipoacuteteses de inelegibilidades jaacute previstas anteriormente e incluindo novos casos Essa lei que pretensamente busca a moralizaccedilatildeo da vida puacuteblica veio atender ao dispositivo constitucional do art 14 sect 9ordm modificado pela Emenda Constitucional de Revisatildeo nordm 41994 apoacutes a promulgaccedilatildeo da Lei Complementar nordm 641990 (Lei de Inelegibilidades)
Em 2012 o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade da lei desafiando os fundamentos do Estado democraacutetico de direito e contrariando os princiacutepios da legalidade da irretroatividade de restriccedilotildees aos direitos fundamentais da proteccedilatildeo e da confianccedila
Desde entatildeo movimentos contraacuterios tecircm surgido Aleacutem de inuacutemeros recursos interpostos entre eles o Recurso Extraordinaacuterio nordm 929670DF de repercussatildeo geral reconhecida que discute a aplicaccedilatildeo retroativa de prazo de inelegibilidade previsto na lei em novembro de 2015 o ex-prefeito de um municiacutepio no interior de Santa Catarina apresentou reclamaccedilatildeo contra a norma na Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos ligada agrave Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos (OEA) Recentemente o Ministro do STF Luiacutes Roberto Barroso concedeu liminar reconhecendo a quitaccedilatildeo eleitoral de um poliacutetico sul-mato-grossense responsabilizado por abuso de poder poliacutetico durante a campanha de 2008 decisatildeo que gerou polecircmica Com isso percebe-se que seis anos apoacutes sua publicaccedilatildeo a Lei da Ficha Limpa ainda gera controveacutersias
153
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
2 Histoacuterico da Lei Complementar nordm 1352010Embora se diga que a origem da Lei Complementar nordm 1352010
se deu por uma campanha lanccedilada pelo Movimento de Combate agrave Corrupccedilatildeo Eleitoral (MCCE) com a colheita de 16 milhotildees de assinaturas atendendo assim aos requisitos de um projeto de lei de iniciativa popular (PINTO PETERSEN 2014 p 1-3) sabe-se que o pontapeacute legislativo da Lei da Ficha Limpa se encontra no Poder Executivo e no seu Projeto de Lei Complementar (PLP) nordm 1681993 muito embora tenha havido de fato influecircncia da sociedade civil organizada (SALGADO ARAUJO 2013 p 121-148) Esse projeto de lei complementar em suas disposiccedilotildees retirava a exigecircncia do tracircnsito em julgado das decisotildees em representaccedilotildees por abuso de poder julgadas pela Justiccedila Eleitoral das decisotildees condenatoacuterias nos delitos originalmente previstos na Lei Complementar nordm 641990 e das decisotildees por abuso de poder contra agentes puacuteblicos Buscou-se com isso uma posiccedilatildeo intermediaacuteria visto que a disposiccedilatildeo original da Lei Complementar nordm 5 de 29 de abril de 19705 ensejava a inelegibilidade do cidadatildeo iacutemprobo com a mera denuacutencia recebida
Em 6 de abril de 2000 a Comissatildeo de Constituiccedilatildeo e Justiccedila e de Cidadania (CCJC) manifestou-se ao analisar o PLP nordm 1681993 e apenso a este o Projeto de Lei da Cacircmara dos Deputados (PLC) nordm 221999 de autoria do deputado Edinho Arauacutejo e que buscava afastar a inelegibilidade em face de condenaccedilatildeo que natildeo ultrapassasse pena de multa haja vista a natildeo gravidade dos delitos nesses casos O relator deputado Jaime Martins aprovou ambas as proposiccedilotildees e em seu voto afirmou natildeo vislumbrar inconstitucionalidade nem injuricidade salientando que a nova redaccedilatildeo proposta aperfeiccediloava a legislaccedilatildeo infraconstitucional sobre inelegibilidades6 Natildeo obstante sustentou que se fazia necessaacuterio estabelecer prazo mais amplo que os trecircs anos seguintes agrave eleiccedilatildeo para a qual o indiviacuteduo concorre ou apoacutes o cumprimento da pena ou ainda ao teacutermino de seu mandato Foi entatildeo apresentado um
5 Lei Complementar de Inelegibilidades editada apoacutes o AI‑5 e anterior agrave Lei Complementar nordm 6419906 BRASIL Projeto de Lei Complementar nordm 1681993 (Apenso PLC nordm 2299) Daacute nova redaccedilatildeo agraves
aliacuteneas d e e h do inciso I do art 1ordm da Lei Complementar nordm 64 de 18 de maio de 1990 que estabelece de acordo com o art 14 sect 9ordm da Constituiccedilatildeo Federal casos de inelegibilidade prazos de cessaccedilatildeo e determina outras providecircncias Disponiacutevel em lthttpwwwcamaragovbrproposicoesWebfichadetramitacaoidProposicao=21571gt Acesso em 9 ago 2016
154
substitutivo que ampliava para oito anos o prazo de inelegibilidade nas hipoacuteteses previstas pelo projeto Este reapresentado dia 29 de agosto de 2001 foi por unanimidade aprovado em 14 de novembro do mesmo ano ficando pronto para a ordem do dia
O processo legislativo ficou parado por sete anos e trecircs meses havendo apresentaccedilatildeo de requerimentos para tramitaccedilatildeo conjunta com outros nove projetos dos quais seis foram anexados
O primeiro apensado foi o PLP nordm 4462009 em 19 de fevereiro de 2009 Apresentado pelo Poder Executivo pretendia tornar inelegiacutevel o candidato que houvesse sofrido condenaccedilatildeo por decisatildeo tomada por oacutergatildeo colegiado ou em decisatildeo de primeira instacircncia por crime eleitoral ou por um rol de delitos que incluiacutea abuso de poder econocircmico ou poliacutetico e por vaacuterios outros crimes7
Na sequecircncia foram os outros cinco em 3 de junho o PLP nordm 4872009 do deputado Reginaldo Lopes que previa a necessidade de tracircnsito em julgado ou de decisatildeo por oacutergatildeo colegiado para tornar o indiviacuteduo inelegiacutevel8 em 19 de agosto o PLP nordm 4992009 de autoria do deputado Nelson Goetten que pretendia agregar um artigo agrave Lei Complementar nordm 641990 no qual o periacuteodo a ser observado para anaacutelise e afericcedilatildeo das hipoacuteteses de inelegibilidade decorrente de vida pregressa do candidato seria de quatro anos anteriores agrave data final prevista para o registro da candidatura e no qual acarretariam inelegibilidade condenaccedilatildeo por crime doloso demissatildeo do serviccedilo puacuteblico em decorrecircncia de apuraccedilatildeo em processo administrativo disciplinar que constatasse a praacutetica de crime contra a administraccedilatildeo puacuteblica ato de improbidade administrativa aplicaccedilatildeo irregular de dinheiro puacuteblico lesatildeo aos cofres puacuteblicos dilapidaccedilatildeo do patrimocircnio nacional corrupccedilatildeo e acusaccedilatildeo em pelo menos quatro accedilotildees penais decorrentes de denuacutencias recebidas pelo juiz criminal e que versassem
7 BRASIL Projeto de Lei Complementar nordm 4462009 Estabelece de acordo com o art 14 sect 9ordm da Constituiccedilatildeo casos de inelegibilidade alterando a Lei Complementar nordm 64 de 18 de maio de 1990 Disponiacutevel em lthttpwwwcamaragovbrproposicoesWebprop_mostrarintegrajsessionid=E6ECB82B4780DE7979CD3A8370E36009proposicoesWeb1codteor=632485ampfilename=PLP+4462009gt Acesso em 9 ago 2016
8 BRASIL Projeto de Lei Complementar nordm 487 de 2009 Altera a Lei Complementar nordm 64 de 18 de maio de 1990 para dispor sobre casos de inelegibilidade Disponiacutevel em lt httpwwwcamaragovbrsilegintegras659688pdfgt Acesso em 9 ago 2016
155
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
sobre crimes dolosos9 em 5 de outubro o PLP nordm 5182009 com o texto apresentado pelo MCCE que aumentava para oito anos o periacuteodo de inelegibilidade e suspendia a exigecircncia do tracircnsito em julgado nos casos em que a representaccedilatildeo fosse julgada procedente pela Justiccedila Eleitoral10 em 8 de outubro o PLP nordm 5192009 de autoria do deputado Marcelo Itagiba com a finalidade de tornar inelegiacuteveis os condenados criminalmente em primeira instacircncia desde a data da condenaccedilatildeo ateacute a publicaccedilatildeo do tracircnsito em julgado de decisatildeo absolvitoacuteria que tivessem suas contas relativas ao exerciacutecio de cargos ou funccedilotildees puacuteblicas rejeitadas por irregularidade insanaacutevel e por decisatildeo irrecorriacutevel do oacutergatildeo competente11 e pela praacutetica de crimes contra a economia popular a feacute puacuteblica a administraccedilatildeo puacuteblica o patrimocircnio puacuteblico o mercado financeiro eleitoral doloso contra a vida de traacutefico de entorpecentes de formaccedilatildeo de quadrilha de tortura de terrorismo e os definidos como crimes hediondos por fim em 5 de janeiro de 2010 o PLP nordm 5442009 do deputado Antonio Roberto que acrescentava aos casos de inelegibilidade a praacutetica de crimes contra o meio ambiente e previa inelegibilidade por mais trecircs anos para aleacutem do cumprimento da pena12
Em 7 de abril de 2010 foram apresentadas no Plenaacuterio da Cacircmara as Emendas de Plenaacuterio de nordm 1 a 2813 que no dia seguiram para a
9 BRASIL Projeto de Lei Complementar nordm 4992009 Acrescenta dispositivo agrave Lei Complementar nordm 64 de 18 de maio de 1990 para estabelecer hipoacuteteses de inelegibilidade considerada a vida pregressa do candidato de acordo com o art 14 sect 9ordm da Constituiccedilatildeo Federal Disponiacutevel em lthttpwwwcamaragovbrproposicoesWebprop_mostrarintegracodteor=678656ampfilename=Tramitacao‑PLP+4992009gt Acesso em 9 ago 2016
10 BRASIL Projeto de Lei Complementar nordm 5182009 Altera a Lei Complementar nordm 641990 que estabelece de acordo com o art 14 sect 9ordm da Constituiccedilatildeo Federal casos de inelegibilidade prazos de cessaccedilatildeo e determina outras providecircncias para incluir hipoacuteteses de inelegibilidade que visam proteger a probidade administrativa e a moralidade no exerciacutecio do mandato Disponiacutevel em lthttpwwwcamaragovbrproposicoesWebprop_mostrarintegracodteor=700585ampfilename=PLP+5182009gt Acesso em 9 ago 2016
11 BRASIL Projeto de Lei Complementar nordm 5192009 Daacute nova redaccedilatildeo agraves aliacuteneas e e g e acrescenta aliacuteneas ao inciso I do art 1ordm da Lei Complementar nordm 64 de 18 de maio de 1990 que estabelece de acordo com o art 14 sect 9ordm da Constituiccedilatildeo Federal casos de inelegibilidade prazos de cessaccedilatildeo e determina outras providecircncias Disponiacutevel em lthttpwwwcamaragovbrproposicoesWebprop_mostrarintegracodteor=697294ampfilename=PLP+5192009gt Acesso em 9 ago 2016
12 BRASIL Projeto de Lei Complementar nordm 5442009 Altera a redaccedilatildeo do art 1ordm inciso I aliacutenea e da Lei Complementar nordm 64 de 18 de maio de 1990 (Lei de Inelegibilidades) Disponiacutevel em lthttpwwwcamaragovbrproposicoesWebprop_mostrarintegracodteor=723866ampfilename=PLP+5442009gt Acesso em 9 ago 2016
13 A Emenda de Plenaacuterio nordm 1 de autoria do deputado Fernando Ferro dava ao relator a prerrogativa de atribuir efeito suspensivo a recurso contra decisatildeo capaz de gerar
156
CCJC Em 4 de maio do mesmo ano o relator deputado Joseacute Eduardo Cardozo (PTSP) proferiu parecer favoraacutevel agrave constitucionalidade agrave juridicidade e agrave teacutecnica legislativa das emendas de plenaacuterio e no meacuterito pela aprovaccedilatildeo das de nordm 1 6 7 8 e 21 pela aprovaccedilatildeo parcial da de nordm 2 na forma da subemenda substitutiva global apresentada e pela rejeiccedilatildeo das de nordm 3 4 5 9 a 20 e 22 a 28 No mesmo dia Joseacute Eduardo Cardozo apresentou uma subemenda global do projeto que previa modificaccedilotildees procedimentais aleacutem de incluir nos crimes que impotildeem inelegibilidade de oito anos para aleacutem do cumprimento da pena o abuso de autoridade quando houvesse condenaccedilatildeo agrave perda do cargo ou inabilitaccedilatildeo para o exerciacutecio da funccedilatildeo puacuteblica A subemenda exigia tambeacutem ato doloso de improbidade administrativa para a inelegibilidade por rejeiccedilatildeo de contas e restringia a inelegibilidade por conduta vedada aos casos que implicariam a cassaccedilatildeo do registro ou do diploma Aleacutem disso impunha a exclusatildeo do exerciacutecio da profissatildeo por decisatildeo sancionatoacuteria de oacutergatildeo profissional competente em decorrecircncia de infraccedilatildeo eacutetico‑profissional salvo se o ato houvesse sido anulado ou suspenso pelo Judiciaacuterio para o qual impunha inelegibilidade (SALGADO ARAUJO 2013 p 121-148)
Em 13 de maio de 2010 o projeto chegou ao Senado e em 19 de maio o Senador Demoacutestenes Torres designado relator apresentou
inelegibilidade sempre que houvesse fundados indiacutecios para o acolhimento da pretensatildeo recursal A nordm 2 do deputado Nelson Marchezelli oferecia substitutivo global ao projeto introduzindo inuacutemeras modificaccedilotildees em todo o seu texto destacando‑se a reduccedilatildeo do prazo de inelegibilidade para cinco anos As de nordm 3 4 e 5 do deputado Lincoln Portela suprimiam respectivamente a aliacutenea f do art 1ordm do PLP nordm 5182009 e davam redaccedilatildeo nova agraves aliacuteneas d e e do art 1ordm do mesmo PLP As de nordm 6 7 e 8 do deputado Flavio Dino tornavam inelegiacuteveis as pessoas fiacutesicas e dirigentes de pessoas juriacutedicas responsaacuteveis por doaccedilotildees eleitorais ilegais bem como os magistrados e membros do Ministeacuterio Puacuteblico aposentados compulsoriamente que tivessem perdido o cargo por sentenccedila ou pedido aposentadoria na pendecircncia de processo administrativo disciplinar As de nordm 9 e 10 do deputado Ernandes Amorim exigiam o tracircnsito em julgado de sentenccedila judicial condenatoacuteria respeitada a presunccedilatildeo de inocecircncia e estabeleciam novas hipoacuteteses para caracterizaccedilatildeo de inelegibilidade A nordm 11 do deputado Luiz Carlos Busato oferecia substitutivo global ao projeto introduzindo inuacutemeras modificaccedilotildees em todo o seu texto destacando‑se a reduccedilatildeo do prazo de inelegibilidade para cinco anos As de nordm 12 a 20 do deputado Joatildeo Pizzilatti davam nova redaccedilatildeo a diversos incisos do projeto e fizeram incluir novas aliacuteneas alterando prazos e criando outras hipoacuteteses de inelegibilidade A de nordm 21 do deputado Iacutendio da Costa coincidiu com o substitutivo aprovado pelo grupo de trabalho Ficha Limpa As de nordm 22 a 27 do deputado Joseacute Carlos Aleluia davam nova redaccedilatildeo a diversos incisos do projeto e fizeram incluir novas aliacuteneas alterando prazos e criando outras hipoacuteteses de inelegibilidade Por uacuteltimo a nordm 28 da deputada Sandra Rosado dispunha sobre a claacuteusula de vigecircncia determinando que a lei projetada natildeo se aplicaria a fatos ocorridos anteriormente a sua publicaccedilatildeo
157
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
relatoacuterio pela aprovaccedilatildeo na CCJC14 O senador Romero Jucaacute apresentou nove emendas que foram rejeitadas dentre as quais se destacam contra a substituiccedilatildeo da potencialidade do ato pela gravidade das circunstacircncias pela definiccedilatildeo mais precisa do termo oacutergatildeo colegiado em vaacuterios incisos pela exigecircncia do duplo grau de jurisdiccedilatildeo e contra a subjetividade da expressatildeo manifestamente protelatoacuterios A uacutenica emenda aceita foi a de Francisco Dornelles a qual alterava os tempos verbais das aliacuteneas h j m o e q substituindo os termos ldquoos que tenham sidordquo para ldquoos que foremrdquo visando evitar incongruecircncias com os outros dispositivos (SALGADO 2012 p 203)
Alguns dias depois o deputado federal Luiz Albuquerque Couto (PTPB) apresentou requerimento agrave Cacircmara dos Deputados em que alegava que votado no Plenaacuterio da Cacircmara o projeto seguiu para o Senado Federal que fez alteraccedilotildees substanciais natildeo apenas de redaccedilatildeo mas de meacuterito15 Com base nisso invocou o art 65 da Constituiccedilatildeo Federal16 e solicitou retorno do projeto agrave casa iniciadora No mesmo sentido o deputado federal Paes de Lira (PTCSP) tambeacutem apresentou requerimento Em resposta a Cacircmara afirmou que natildeo cabia agrave Presidecircncia da Cacircmara questionar ou discutir as preferecircncias redacionais do Senado Federal17
Levado ao Plenaacuterio o texto foi votado e aprovado no mesmo dia sem voto contraacuterio ao projeto e seis contraacuterios agrave emenda de redaccedilatildeo O Presidente Luiacutes Inaacutecio Lula da Silva o sancionou em 4 de junho de 2010 consubstanciando-se na Lei Complementar nordm 135 entrando em vigor em 7 de junho data da sua publicaccedilatildeo e alterando a Lei Complementar nordm 641990 (Lei de Inelegibilidades)
14 Ressalta‑se que o senador em 2012 teve seu mandato cassado pelo Plenaacuterio do Senado tornando‑se inelegiacutevel em virtude da lei por ele aprovada na CCJC
15 Cacircmara dos Deputados Disponiacutevel em lthttpwwwcamaragovbrproposicoesWebprop_mostrarintegracodteor=773377ampfilename=Tramitacao‑REQ+69412010+3D3E+PLP+1681993gt Acesso em 9 ago 2016
16 Art 65 da CF ldquoO projeto de lei aprovado por uma Casa seraacute revisto pela outra em um soacute turno de discussatildeo e votaccedilatildeo e enviado agrave sanccedilatildeo ou promulgaccedilatildeo se a Casa revisora o aprovar ou arquivado se o rejeitar Paraacutegrafo uacutenico Sendo o projeto emendado voltaraacute agrave Casa iniciadorardquo
17 Cacircmara dos Deputados Disponiacutevel em lthttpwwwcamaragovbrproposicoesWebprop_impjsessionid=40E2E3E93BFF02B5524CBFCF242AF2A7node1idProposicao=478790ampord=1amptp=completagt Acesso em 9 ago 2016
158
Importante lembrar que anteriormente a esse movimento foi protocolada no Supremo Tribunal Federal (STF) em 26 de junho de 2008 pela Associaccedilatildeo dos Magistrados Brasileiros a Arguiccedilatildeo de Descumprimento a Preceito Fundamental (ADPF) nordm 144 contra a Resoluccedilatildeo-TSE nordm 22842 de 10 de junho de 200818 O objetivo era a autoaplicabilidade da norma do sect 9ordm do art 14 da Constituiccedilatildeo Federal bem como a revogaccedilatildeo de parte das aliacuteneas d e g e h do inciso I do art 1ordm e do art 15 da Lei de Inelegibilidades por contrariarem os preceitos fundamentais da probidade administrativa e da moralidade para o exerciacutecio do mandato eletivo
Verificou‑se a inexistecircncia de controveacutersia relevante sobre o tema tendo em vista a ediccedilatildeo da Suacutemula nordm 13 pelo TSE qual seja ldquoNatildeo eacute autoaplicaacutevel o sect 9ordm do art 14 da Constituiccedilatildeo com a redaccedilatildeo da Emenda Constitucional de Revisatildeo nordm 494rdquo Em 6 de agosto de 2008 o STF em julgamento decidiu que a exigecircncia de vida pregressa natildeo poderia sobrepor-se agrave garantia da presunccedilatildeo da inocecircncia ateacute o tracircnsito em julgado da decisatildeo penal condenatoacuteria
Em 30 de marccedilo de 2011 a Confederaccedilatildeo Nacional das Profissotildees Liberais propocircs a Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nordm 4578 questionando a inelegibilidade referida no art 1ordm inciso I aliacutenea m da Lei da Ficha Limpa segundo o qual os excluiacutedos do exerciacutecio da profissatildeo em decorrecircncia de infraccedilatildeo eacutetico‑profissional se tornavam inelegiacuteveis por oito anos Alegou-se que o dispositivo legal estaria carregado de inconstitucionalidade formal pois conferia aos conselhos profissionais competecircncia em mateacuteria eleitoral ao admitir que a violaccedilatildeo a regimentos internos elaborados por esses conselhos pudesse ocasionar a imposiccedilatildeo de sanccedilotildees de cunho eleitoral Alegou-se ainda a inconstitucionalidade material traduzida em violaccedilatildeo do princiacutepio da razoabilidade ao equiparar decisotildees administrativas de conselhos profissionais a decisotildees colegiadas do Poder Judiciaacuterio para fins de imposiccedilatildeo de inelegibilidades
O Partido Popular Socialista (PPS) e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) por sua vez apresentaram as accedilotildees declaratoacuterias de constitucionalidade (ADC) nordm 29 e nordm 30
18 A Resoluccedilatildeo‑TSE nordm 228422008 dispotildee que o registro da candidatura somente poderaacute ser negado se houver condenaccedilatildeo definitiva em processo judicial
159
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
respectivamente com o intuito de aplicar o diploma normativo a fatos passados Para o PPS a retroatividade natildeo ofenderia a Constituiccedilatildeo jaacute que inelegibilidade natildeo seria pena mas mera restriccedilatildeo aos ius honorum Aleacutem disso requereu a declaraccedilatildeo de constitucionalidade das aliacuteneas que dispensam o tracircnsito em julgado para a imposiccedilatildeo da inelegibilidade Para o Conselho Federal da OAB a previsatildeo constitucional de inelegibilidades que levem em conta a vida pregressa do candidato justificaria a retroatividade da Lei Complementar nordm 1352010 natildeo ofendendo portanto a razoabilidade a proporcionalidade o princiacutepio da irretroatividade da lei penal e o princiacutepio da seguranccedila juriacutedica
Em 16 de fevereiro de 2012 em julgamento conjunto das trecircs accedilotildees a Procuradoria-Geral da Repuacuteblica emitiu parecer pelo conhecimento das accedilotildees e pela procedecircncia dos pedidos formulados na ADC nordm 29 e na nordm 30 bem como pela improcedecircncia do pedido na ADI nordm 4578 com a declaraccedilatildeo da constitucionalidade da Lei Complementar nordm 1352010 em sua integralidade Em todas elas o relator Ministro Luiz Fux adotou o rito abreviado do art 12 da Lei nordm 9868 de 10 de novembro de 199919 de forma que o Tribunal se pronunciasse direto em caraacuteter definitivo sobre a lei
Apesar de a lei ter sido considerada constitucional o ex-prefeito do Municiacutepio de Campo ErecircSC Odilson Vicente de Lima apresentou reclamaccedilatildeo contra a norma na Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos ligada agrave OEA por ter sido violado seu direito fundamental agrave elegibilidade e pela aplicaccedilatildeo retroativa da lei contrariando o art 9ordm do Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica20 do qual o Brasil eacute signataacuterio O ex‑prefeito teve todos os votos anulados porque em 2004 foi condenado agrave prisatildeo pelo Tribunal de Justiccedila de Santa
19 ldquoArt 12 Havendo pedido de medida cautelar o relator em face da relevacircncia da mateacuteria e de seu especial significado para a ordem social e a seguranccedila juriacutedica poderaacute apoacutes a prestaccedilatildeo das informaccedilotildees no prazo de dez dias e a manifestaccedilatildeo do Advogado‑Geral da Uniatildeo e do Procurador‑Geral da Repuacuteblica sucessivamente no prazo de cinco dias submeter o processo diretamente ao Tribunal que teraacute a faculdade de julgar definitivamente a accedilatildeordquo
20 ldquoArt 9ordm Ningueacutem pode ser condenado por accedilotildees ou omissotildees que no momento em que forem cometidas natildeo sejam delituosas de acordo com o direito aplicaacutevel Tampouco se pode impor pena mais grave que a aplicaacutevel no momento da perpetraccedilatildeo do delito Se depois da perpetraccedilatildeo do delito a lei dispuser a imposiccedilatildeo de pena mais leve o delinquente seraacute por isso beneficiadordquo
160
Catarina por desvio de bens da prefeitura Salienta‑se que contra tal decisatildeo ainda haacute recursos pendentes (LUCHETE 2015)
Ainda em sede de repercussatildeo geral aguarda-se o julgamento do Recurso Extraordinaacuterio nordm 929670 que trata da possibilidade de aplicaccedilatildeo do prazo de oito anos de inelegibilidade introduzido pela Lei Complementar nordm 1352010 agraves condenaccedilotildees anteriores por abuso de poder com tracircnsito em julgado nas quais o prazo de trecircs anos previsto na redaccedilatildeo anterior da Lei Complementar nordm 641990 jaacute tenha sido cumprido O julgamento foi iniciado pelo Plenaacuterio e suspenso por pedido de vista do Ministro Luiz Fux Ateacute o momento os Ministros Ricardo Lewandowski (relator) e Gilmar Mendes votaram pela inaplicabilidade do novo prazo nessas hipoacuteteses Vale ressaltar que essa questatildeo possui diferentes tratamentos a depender do ano eleitoral em comento
Nas eleiccedilotildees de 2010 o TSE reconheceu que a coisa julgada natildeo foi afetada pelo novo prazo legal enquanto o STF entendeu que a lei natildeo era aplicaacutevel agravequelas eleiccedilotildees Nas eleiccedilotildees de 2012 o TSE aplicou integralmente o precedente da ADI nordm 4578 e das ADC nordm 29 e 30 Jaacute o STF adotou postura diversa rejeitando todos os pleitos ateacute entatildeo julgados e no que se refere ao uacuteltimo ano do mandato avalia reconsiderar a questatildeo Nas eleiccedilotildees de 2014 o TSE recuperou posicionamento anterior agrave decisatildeo do STF na ADIADC Em relaccedilatildeo ao STF natildeo haacute pronunciamentos em face do reconhecimento da repercussatildeo geral21
Mas natildeo para por aiacute Recentemente o Ministro Luiacutes Roberto Barroso em decisatildeo monocraacutetica indeferiu liminar (RCL nordm 24224) do procurador-geral da Repuacuteblica Rodrigo Janot tentando suspender os efeitos da decisatildeo do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul de quitaccedilatildeo eleitoral do poliacutetico sul-mato-grossense Nelson Cintra Ribeiro embora este tenha sido julgado e responsabilizado por abuso de poder poliacutetico durante a campanha de 2008 Para o ministro natildeo haacute certeza se a questatildeo tratada nesse caso foi pontualmente enfrentada pelo Plenaacuterio nos julgamentos das ADC nordm 29 e nordm 30 e da ADI nordm 457822 O procurador-geral da Repuacuteblica 21 BASTOS JUNIOR Luiz Magno O STF flexibilizou a Lei da Ficha Limpa Jota 22 de julho de
2016 Disponiacutevel em lthttpjotauolcombre‑leitor‑o‑stf‑flexibilizou‑lei‑da‑ficha‑limpagt Acesso em 21 ago 2016
22 No entanto tal afirmaccedilatildeo parece equivocada Inclusive a questatildeo foi alvo de especiacutefica objeccedilatildeo por parte do Ministro Dias Toffoli proposta que foi expressamente rechaccedilada pela maioria da Corte
161
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
defendeu que o reconhecimento de quitaccedilatildeo eleitoral afronta teses do proacuteprio Tribunal que teria concordado com a aplicaccedilatildeo da Lei da Ficha Limpa a fatos anteriores a sua vigecircncia23
Por fim o STF em 10 de agosto de 2016 em julgamento conjunto de 2 recursos extraordinaacuterios (RE nordm 848826 e nordm 72974424) entendeu que eacute exclusividade da Cacircmara Municipal a competecircncia para julgar as contas de governo e da gestatildeo de prefeitos25 De acordo com a deliberaccedilatildeo do Plenaacuterio cabe aos tribunais de contas apenas auxiliar o Poder Legislativo municipal emitindo parecer preacutevio e opinativo mas que poderaacute ser derrubado por decisatildeo de dois terccedilos dos vereadores (art 31 sect 2ordm CF) No primeiro recurso o entatildeo presidente do STF Ricardo Lewandowski enfatizou que pela Constituiccedilatildeo a atribuiccedilatildeo para julgar as contas do chefe do Executivo municipal eacute dos vereadores jaacute que satildeo eles os representantes dos cidadatildeos No julgamento do segundo recurso o relator Gilmar Mendes decidiu ainda que nos casos de omissatildeo da Cacircmara Municipal o parecer emitido pelo tribunal de contas em questatildeo natildeo poderaacute ser utilizado para gerar a inelegibilidade do poliacutetico nos proacuteximos pleitos eleitorais26
23 Mantida decisatildeo que afastou prazo de inelegibilidade a caso anterior agrave Lei da Ficha Limpa Notiacutecias STF 13 de julho de 2016 Disponiacutevel em lthttpwwwstfjusbrportalcmsverNoticiaDetalheaspidConteudo=320824ampcaixaBusca=N)gt Acesso em 14 ago 2016
24 O primeiro questiona acoacuterdatildeo do Tribunal Superior Eleitoral que indeferiu o registro da candidatura de Joseacute Rocha Neto para o cargo de deputado estadual pelo Cearaacute nas eleiccedilotildees de 2014 em razatildeo da rejeiccedilatildeo pelo Tribunal de Contas dos Municiacutepios do Estado das contas que prestou quando era prefeito do Municiacutepio de Horizonte (CE) No segundo de relatoria do Ministro Gilmar Mendes o Ministeacuterio Puacuteblico Eleitoral contesta decisatildeo do TSE que deferiu o registro de candidatura de Jordatildeo Viana Teixeira a prefeito de Bugre (MG) sob o entendimento de que a desaprovaccedilatildeo pelo Tribunal de Contas do Estado das contas relativas ao exerciacutecio de 2001 natildeo configura a inelegibilidade referida no art 1ordm inciso I aliacutenea g da Lei Complementar nordm 641990 (com redaccedilatildeo dada pela Lei da Ficha Limpa) em razatildeo de ausecircncia de decisatildeo proferida pelo oacutergatildeo competente ou seja a Cacircmara Municipal
25 Nesse acircmbito enfatiza Marilda de Paula Silveira que ldquona cadeia de fases que tem levado agrave incidecircncia da inelegibilidade por rejeiccedilatildeo de contas haacute uma falha graviacutessima no respeito ao contraditoacuterio Mesmo reconhecendo‑se a competecircncia dos Tribunais de Contas do Poder Legislativo ou da Justiccedila Eleitoral para analisar os fatos que teriam levado agrave rejeiccedilatildeo de contas sob a perspectiva da presenccedila de ldquoirregularidade insanaacutevel que configure ato doloso de improbidade administrativardquo aquele que teraacute sua elegibilidade limitada precisa poder se defender disso Seja no acircmbito do proacuteprio oacutergatildeo competente para julgar as suas contas seja pelo menos no acircmbito do registro eleitoralrdquo SILVEIRA Marilda de Paula STF decide quem julga as contas mas e a inelegibilidade Os Constitucionalistas 8 de agosto de 2016 Disponiacutevel em lthttpwwwosconstitucionalistascombrstf‑decide‑quem‑julga‑as‑contas‑mas‑e‑a‑inelegibilidadegt Acesso em 21 ago 2016
26 Iniciado julgamento sobre competecircncia para julgar contas de prefeito Notiacutecias STF 5 de agosto de 2016 Disponiacutevel em lt httpwwwstfjusbrportalcmsverNoticiaDetalheaspidConteudo=322341)gt Acesso em 14 ago 2016
162
3 A Lei da Ficha Limpa e a ofensa aos direitos fundamentais agrave elegibilidade e agrave presunccedilatildeo da inocecircncia
Para compreender as possiacuteveis restriccedilotildees a direitos fundamentais faz-se necessaacuteria a distinccedilatildeo de suas dimensotildees objetiva e subjetiva Esta garante a seus titulares formas de tutela que lhes permitem exigir juridicamente ao Estado o cumprimento dos deveres a ele impostos pela norma de direito fundamental Trata-se pois de garantia subjetiva de direito fundamental Para aleacutem dessa dimensatildeo ldquoos direitos fundamentais constituem no seu conjunto um sistema ou ordem objectiva de valores que legitima a ordem juriacutedico-constitucional do Estado que condiciona constitutivamente toda a atuaccedilatildeo dos poderes constituiacutedos e que irradia uma forccedila expansiva a todos os ramos do Direitordquo (NOVAIS 2003 p 57-58)
Com relaccedilatildeo agraves normas de direitos fundamentais eacute possiacutevel retirar delas conteuacutedos juriacutedicos fundamentais que reclamam validade universal independentemente da relaccedilatildeo Estado-indiviacuteduo dando autonomia agrave dimensatildeo objetiva Essas normas aleacutem de atribuiacuterem direitos subjetivos tambeacutem constituem normas negativas de competecircncia do Estado pois proiacutebem sua intervenccedilatildeo admitindo-a apenas sob certas condiccedilotildees (NOVAIS 2003 p 70-72)
Dimitri Dimoulis (2009) apresenta quatro aspectos pertencentes agrave dimensatildeo objetiva dos direitos fundamentais Tais aspectos apresentam objetivamente o caraacuteter de normas de competecircncia negativa Com relaccedilatildeo ao primeiro o que eacute outorgado ao indiviacuteduo no sentido de liberdade para accedilatildeo e de livre arbiacutetrio eacute objetivamente retirado do Estado Quanto ao segundo os direitos fundamentais funcionam como criteacuterio de interpretaccedilatildeo e configuraccedilatildeo do direito infraconstitucional ou seja as autoridades estatais devem interpretar e aplicar todo o direito infraconstitucional em consonacircncia com os direitos constitucionais Em relaccedilatildeo ao terceiro a dimensatildeo objetiva permite limitar os direitos fundamentais quando isso estiver no interesse de seus titulares Nesse aspecto o Estado assumiria uma postura paternalista Por uacuteltimo como um desdobramento
163
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
da doutrina alematilde tem-se o dever estatal de tutela dos direitos fundamentais (DIMOULIS MARTINS 2009 p 111-113)
Sobre a restringibilidade dos direitos fundamentais e seus respectivos limites vale expor a distinccedilatildeo entre a teoria interna e a teoria externa dos limites aos direitos fundamentais Segundo a primeira teoria um direito fundamental jaacute nasce com seu conteuacutedo determinado e seus limites Sendo assim o direito jaacute possui o seu alcance definido de antematildeo de tal maneira que sua restriccedilatildeo se revela desnecessaacuteria e ateacute mesmo iloacutegica Jaacute a teoria externa distingue os direitos fundamentais das restriccedilotildees a ele impostas Haacute entatildeo uma distinccedilatildeo entre a posiccedilatildeo prima facie e a posiccedilatildeo definitiva a primeira correspondendo ao direito antes de sua limitaccedilatildeo e a segunda equivalendo ao direito jaacute limitado Assim essas limitaccedilotildees impostas deveratildeo observar outros limites que tecircm sido designados como limites dos limites (SARLET 2012 p 396-399)
Jorge Reis Novais (2003 p157) define os limites a direitos fundamentais como accedilotildees ou omissotildees dos poderes puacuteblicos ou de particulares que dificultem reduzam ou eliminem o acesso ao bem juriacutedico protegido afetando o seu exerciacutecio eou diminuindo deveres estatais de garantia e promoccedilatildeo que resultem dos direitos fundamentais
Com relaccedilatildeo agraves espeacutecies de limitaccedilotildees haacute as diretas que consistem em mandados ou proibiccedilotildees dirigidas aos cidadatildeos as indiretas que satildeo as autorizaccedilotildees constitucionais que fundamentam a possibilidade de o legislador restringir tais direitos (reserva legal) e haacute ainda a possibilidade de se estabelecer restriccedilotildees por forccedila de colisotildees entre direitos fundamentais (CLEgraveVE FREIRE 2002 p 30-32)27 Contudo nos trecircs casos exige-se um fundamento constitucional direta ou indiretamente Eacute relevante aqui distinguir a reserva legal simples da qualificada Enquanto a primeira autoriza o
27 Para Clegravemerson Clegraveve os conflitos no acircmbito dos direitos fundamentais se apresentam sob as modalidades de concorrecircncia de direitos fundamentais colisatildeo de direitos fundamentais em sentido estrito e colisatildeo de direitos fundamentais em sentido amplo Em sentido estrito a colisatildeo entre direitos fundamentais opera a partir do momento em que o exerciacutecio ou realizaccedilatildeo de um direito fundamental de um titular irradia efeitos negativos sobre direitos fundamentais de outros titulares de direitos fundamentais coincidentes ou diacutespares Em sentido amplo afirma‑se quando estatildeo em conflito direitos individuais fundamentais e bens coletivos constitucionalmente protegidos
164
legislador a intervir no acircmbito de proteccedilatildeo de um direito fundamental sem estabelecer pressupostos eou objetivos especiacuteficos a serem observados a segunda estabelece tais pressupostos eou objetivos exigindo para tanto lei complementar
A elegibilidade se configura como um direito poliacutetico fundamental e como tal eacute passiacutevel de restriccedilatildeo Luiacutes Gustavo Motta afirma que tais restriccedilotildees devem possuir limites riacutegidos aleacutem de ter que atender a regras determinadas para serem consideradas legiacutetimas quais sejam sempre servirem a um fim constitucional estarem previstas expressamente pela Constituiccedilatildeo Federal ou por lei infraconstitucional sempre que autorizadas por Carta Magna (reserva legal) no caso de natildeo encontrarem previsatildeo expressa mostrarem-se indispensaacuteveis para a manutenccedilatildeo de outro direito fundamental em situaccedilatildeo de conflito observarem em sua previsatildeo e aplicaccedilatildeo o princiacutepio da proporcionalidade considerado em seus trecircs subprinciacutepios (adequaccedilatildeo necessidade e proporcionalidade em sentido estrito) e respeitarem e garantirem a integridade do nuacutecleo essencial do direito ndash o chamado limite dos limites (SILVA 2011 p 69)
Jorge Miranda (2003 p 63) assevera que as restriccedilotildees a um direito fundamental devem observar o caraacuteter restritivo nos seguintes aspectos garantia do conteuacutedo essencial reserva de lei natildeo retroatividade e princiacutepio da proporcionalidade Afirma ainda que essas restriccedilotildees devem limitar-se ao necessaacuterio para proteger outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos liberdade de escolha pelos eleitores isenccedilatildeo e independecircncia no exerciacutecio do cargo princiacutepio da renovaccedilatildeo dos titulares e preservaccedilatildeo das instituiccedilotildees essenciais da soberania
A Lei da Ficha Limpa com a intenccedilatildeo de atender ao dispositivo constitucional constante no sect 9ordm do art 14 modificado pela Emenda Constitucional de Revisatildeo nordm 41994 apoacutes a promulgaccedilatildeo da Lei de Inelegibilidades aplicou restriccedilotildees severas aos direitos poliacuteticos em prol da ldquoprobidade administrativa da moralidade para exerciacutecio de mandato e da normalidade e legitimidade das eleiccedilotildeesrdquo A Constituiccedilatildeo Federal admite moralidade objetiva natildeo sendo permitida sua subjetivaccedilatildeo quer pelo legislador quer pelo magistrado Embora presentes no texto constitucional esses valores
165
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
natildeo se podem sobrepor aos demais dispositivos constitucionais Com isso percebe-se que a Lei Complementar nordm 1352010 ultrapassa os limites permitidos ao ferir interesses constitucionais e afrontar os princiacutepios da unidade e juridicidade
O princiacutepio da presunccedilatildeo da inocecircncia ou da natildeo culpabilidade eacute consagrado no art 5ordm inciso LVII da Constituiccedilatildeo Federal e sempre esteve presente nas constituiccedilotildees anteriores Dispotildee que ningueacutem seraacute considerado culpado sem o tracircnsito em julgado da sentenccedila penal condenatoacuteria Eacute um direito fundamental e a Constituiccedilatildeo assim prevecirc para preservar a seguranccedila juriacutedica das relaccedilotildees assim como o equiliacutebrio do sistema constitucional vigente e da proacutepria manutenccedilatildeo do Estado democraacutetico de direito
Conforme resultado de um longo desenvolvimento poliacutetico-juriacutedico essa ideia democraacutetica tem prevalecido no contexto das sociedades ao longo de seu itineraacuterio histoacuterico como valor fundamental e exigecircncia baacutesica de respeito agrave dignidade da pessoa humana
Por essa razatildeo viu-se o princiacutepio da presunccedilatildeo da inocecircncia consagrado em importantes documentos histoacutericos como na Declaraccedilatildeo de Direitos do Bom Povo da Virgiacutenia (1776) na Declaraccedilatildeo Americana dos Direitos e Deveres do Homem (Bogotaacute 1948 art XXVI) na Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos (Satildeo Joseacute da Costa Rica 1969 art 8ordm sect 2ordm) na Convenccedilatildeo Europeia para Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (Roma 1950 art 6ordm sect 2ordm) na Carta dos Direitos Fundamentais da Uniatildeo Europeia (Nice 2000 art 48 sect 1ordm) na Carta Africana dos Direitos Humanos e dos PovosCarta de Banjul (Nairoacutebi 1981 art 7ordm sect 1ordm b) na Declaraccedilatildeo Islacircmica sobre Direitos Humanos (Cairo 1990 art 19 e) e em alguns de caraacuteter global como a Declaraccedilatildeo Universal de Direitos da Pessoa Humana promulgada em 10121948 pela III Assembleia Geral da ONU o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Poliacuteticos (art 14 sect 2ordm) adotado pela Assembleia Geral das Naccedilotildees Unidas em 1966 e na declaraccedilatildeo dos Direitos do Homem e do Cidadatildeo de 1789 em seu art 9ordm em que dispotildee ldquoTodo o homem eacute considerado inocente ateacute ao momento em que reconhecido como culpado se julgar indispensaacutevel a sua prisatildeo todo o rigor
166
desnecessaacuterio empregado para a efetuar deve ser severamente reprimido pela leirdquo
Dessa maneira com base nessa construccedilatildeo a consagraccedilatildeo constitucional desse princiacutepio como direito fundamental viabiliza a prerrogativa de o indiviacuteduo ser sempre considerado inocente para todos e quaisquer efeitos ateacute o superveniente tracircnsito em julgado da condenaccedilatildeo judicial como bloqueio agrave imposiccedilatildeo prematura de quaisquer medidas que afetem ou que restrinjam em qualquer acircmbito (seja civil administrativo ou penal) direitos fundamentais28
Considerando esse entendimento vecirc-se que a Lei da Ficha Limpa representa uma ofensa ao princiacutepio da presunccedilatildeo da inocecircncia ao estabelecer entre vaacuterias disposiccedilotildees que satildeo inelegiacuteveis aqueles que foram condenados pela praacutetica de alguns crimes por oacutergatildeo colegiado mesmo que tal decisatildeo natildeo seja definitiva
Nesse sentido foi o voto do Ministro Celso de Mello na ADPF nordm 144DF ao proferir as seguintes palavras ldquotrata-se de garantia ndash que possui eficaacutecia irradiante apta a projetaacute‑la para esferas processuais natildeo-criminais ndash cuja invocaccedilatildeo contra qualquer autoridade ou Poder do Estado mostra-se pertinente natildeo soacute nos casos de recebimento da denuacutencia (como sucedia no regime anterior) mas tambeacutem em qualquer situaccedilatildeo na qual natildeo se haja formado a coisa julgadardquo29
O STF ao decidir pela constitucionalidade da Lei Complementar nordm 1352010 entendeu que esta natildeo afeta o princiacutepio da presunccedilatildeo da inocecircncia porque natildeo impotildee uma pena apenas cria condiccedilatildeo de elegibilidade e por isso natildeo precisa observar o princiacutepio constitucional Natildeo se valeu pois do entendimento de que tal princiacutepio sobrepuja a esfera penal e processual penal irradiando-se para o acircmbito das esferas processuais natildeo criminais de modo a impedir entre outras graves consequecircncias no plano juriacutedico ndash ressalvadas as condiccedilotildees
28 Vale aqui destacar a recente (e paradigmaacutetica) decisatildeo do STF em 1722016 no julgamento do HC nordm 126292SP de relatoria do Ministro Teori Zavascki o qual modificou sua jurisprudecircncia e firmou entendimento no sentido de permitir a execuccedilatildeo provisoacuteria da pena apoacutes a confirmaccedilatildeo de condenaccedilotildees criminais em segunda instacircncia
29 BRASIL Supremo Tribunal Federal Arguiccedilatildeo de Descumprimento de Preceito Fundamental nordm 144DF relator Ministro Celso de Mello Tribunal Pleno julgado em 682008 DJE‑035 divulgado em 2522010 publicado em 2622010
167
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
excepcionais de restriccedilatildeo a esse direito fundamental previstas constitucionalmente ndash que se formulem precipitadamente contra qualquer cidadatildeo juiacutezos morais fundados em situaccedilotildees juridicamente ainda natildeo definidas (e por isso mesmo essencialmente instaacuteveis) ou entatildeo que se imponham ao reacuteu restriccedilotildees a seus direitos natildeo obstante inexistente condenaccedilatildeo judicial transitada em julgado
Ainda que se considere que as inelegibilidades trazidas pela Lei da Ficha Limpa natildeo sejam penas mas sim hipoacuteteses de restriccedilatildeo de direitos elas pressupotildeem juiacutezo de culpa e tal juiacutezo de culpa soacute pode haver diante de sentenccedila transitada em julgado As demais condiccedilotildees de elegibilidade natildeo se relacionam com nenhum comportamento anterior sobre o qual recaia uma reprovaccedilatildeo como por exemplo ser brasileiro filiado alistado alfabetizado ter idade miacutenima ou domiciacutelio na circunscriccedilatildeo Natildeo eacute reprovaacutevel que o iacutemprobo o criminoso ou o moralmente combalido deva ser considerado inelegiacutevel A questatildeo eacute que se exige um reconhecimento de culpa de reprovaccedilatildeo de comportamento que segundo a Constituiccedilatildeo natildeo existe antes de transitada em julgado a condenaccedilatildeo (BOTTINI 2012)
Aleacutem disso ainda que se diga que o princiacutepio da presunccedilatildeo da inocecircncia se limita agrave esfera criminal mesmo assim existe ameaccedila ao exerciacutecio dos direitos fundamentais ao possibilitar restriccedilatildeo sem decisatildeo judicial definitiva
4 A Lei da Ficha Limpa frente ao princiacutepio da anterioridade eleitoral
Alguns aspectos da Lei da Ficha Limpa satildeo questionaacuteveis Sua publicaccedilatildeo aconteceu em 7 de junho de 2010 jaacute agraves veacutesperas do periacuteodo legal para a realizaccedilatildeo de convenccedilotildees partidaacuterias para escolha dos candidatos agraves eleiccedilotildees 2010 Aleacutem de ser discutida sua constitucionalidade passou-se a questionar se as novas regras seriam aplicaacuteveis agraves eleiccedilotildees daquele ano
O Tribunal Superior Eleitoral foi compelido a responder duas consultas sobre a lei Na primeira consulta formulada pelo senador
168
da Repuacuteblica Arthur Virgiacutelio o TSE afirmou em 10 de junho de 2010 que a Lei Complementar nordm 1352010 seria aplicada jaacute nas eleiccedilotildees daquele ano afastando a interpretaccedilatildeo que levaria agrave incidecircncia do art 16 da Constituiccedilatildeo (princiacutepio da anterioridade eleitoral) O relator Hamilton Carvalhido argumentou que as inovaccedilotildees trazidas pela Lei Complementar ndeg 1352010 ldquotecircm a natureza de norma eleitoral material e em nada se identificam com as do processo eleitoral deixando de incidir destarte o oacutebice esposado no dispositivo constitucionalrdquo30
Na segunda formulada pelo deputado federal Irdelei Cordeiro em 17 de junho o TSE deixou claro que por natildeo se tratarem de normas penais as inelegibilidades abarcariam fatos ocorridos no passado O relator Ministro Arnaldo Versiani afirmou que ldquonatildeo se trata de retroatividade de norma eleitoral mas sim de sua aplicaccedilatildeo aos pedidos de registro de candidatura futuros posteriores agrave sua entrada em vigorrdquo31 e que a inelegibilidade bem como a falta de qualquer condiccedilatildeo de elegibilidade ndash verificadas no momento do registro de candidatura ndash nada mais eacute do que uma restriccedilatildeo temporaacuteria agrave possibilidade de qualquer pessoa se candidatar ou melhor de exercer algum mandato O relator teve seu voto acolhido pela maioria Ministra Caacutermen Luacutecia Ministro Aldir Passarinho Junior Ministro Hamilton Carvalhido Ministro Ricardo Lewandowski O Ministro Marcelo Ribeiro divergiu parcialmente e o Ministro Marco Aureacutelio divergiu totalmente Decidiu-se entatildeo que a Lei Complementar nordm 1352010 seria aplicada naquele mesmo ano que se aplicaria aos processos de tramitaccedilatildeo iniciados antes de sua vigecircncia jaacute julgados e em grau de recurso que retroagiria para agravar a pena de inelegibilidade aplicada na forma da legislaccedilatildeo anterior e que incidiria em face de condenaccedilotildees por oacutergatildeo colegiado sem exigecircncia de tracircnsito em julgado
Nos casos concretos que se seguiram o Tribunal Superior Eleitoral do alto de sua funccedilatildeo jurisdicional indeferiu os registros dos candidatos abarcados pelas hipoacuteteses contempladas na Lei da Ficha
30 BRASIL Tribunal Superior Eleitoral Consulta nordm 1120‑26DF relator Ministro Hamilton Carvalhido julgado em 1062010 publicado em 3092010
31 BRASIL Tribunal Superior Eleitoral Consulta nordm 1147-09DF relator Ministro Arnaldo Versiani julgado em 1762010 DJE‑185 divulgado em 2392010 publicado em 2492010
169
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
Limpa Na medida em que os partidos poliacuteticos detecircm o monopoacutelio da apresentaccedilatildeo de candidaturas eles satildeo tambeacutem diretamente afetados pelas modificaccedilotildees nas regras sobre elegibilidade
As modificaccedilotildees do quadro normativo sobre elegibilidade podem trazer muitas repercussotildees no cenaacuterio poliacutetico eleitoral Com isso eacute pertinente mostrar como o desrespeito do prazo miacutenimo para a alteraccedilatildeo da legislaccedilatildeo de regecircncia eleitoral afeta o processo de escolha de candidatos
Se a alteraccedilatildeo ocorrer em periacuteodo inferior a um ano da data da eleiccedilatildeo haacute comprometimento da possibilidade de os candidatos transferirem seu domiciacutelio para a circunscriccedilatildeo na qual pretendem concorrer Caso a alteraccedilatildeo ocorra em periacuteodo inferior a seis meses da data da eleiccedilatildeo compromete a proacutepria possibilidade de escolha dos candidatos quanto agrave filiaccedilatildeo partidaacuteria visto jaacute estarem com a filiaccedilatildeo definitiva deferida pelo respectivo partido poliacutetico uma vez que a modificaccedilatildeo legislativa se daacute em momento posterior aos prazos maacuteximos fixados em lei (Lei nordm 95041997 art 9ordm caput32) aleacutem de afetar a situaccedilatildeo juriacutedica dos candidatos para desincompatibilizaccedilatildeo dos titulares de cargos puacuteblicos eletivos executivos bem como eventualmente de seu cocircnjuge ou dos parentes (consanguiacuteneos ou afins ateacute o segundo grau ou por adoccedilatildeo) que vierem a concorrer no territoacuterio de jurisdiccedilatildeo do titular para a mesma eleiccedilatildeo subsequente33
Se a alteraccedilatildeo ocorrer apoacutes 5 de agosto do ano eleitoral interfere na situaccedilatildeo juriacutedica dos candidatos jaacute escolhidos ou preteridos uma vez que jaacute expirado o prazo maacuteximo fixado em lei para realizaccedilatildeo das convenccedilotildees partidaacuterias destinadas agrave escolha dos candidatos assim como na deliberaccedilatildeo sobre as coligaccedilotildees a serem eventualmente realizadas34
32 ldquoArt 9ordm Para concorrer agraves eleiccedilotildees o candidato deveraacute possuir domiciacutelio eleitoral na respectiva circunscriccedilatildeo pelo prazo de pelo menos um ano antes do pleito e estar com a filiaccedilatildeo deferida pelo partido no miacutenimo seis meses antes da data da eleiccedilatildeordquo (Redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 13165 de 2015)
33 Art 14 sectsect 6ordm 7ordm e 9ordm da CF cc Lei Complementar nordm 6490 art 1ordm incisos II III e IV sectsect 1ordm a 3ordm34 Art 8ordm da Lei nordm 95041997 ldquoA escolha dos candidatos pelos partidos e a deliberaccedilatildeo sobre
coligaccedilotildees deveratildeo ser feitas no periacuteodo de 20 de julho a 5 de agosto do ano em que se realizarem as eleiccedilotildees lavrando‑se a respectiva ata em livro aberto rubricado pela Justiccedila Eleitoral publicada em vinte e quatro horas em qualquer meio de comunicaccedilatildeo (Redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 13165 2015)rdquo Em 2010 o periacuteodo compreendido era de 10 a 30 de junho
170
Para Joseacute Afonso da Silva entretanto o processo eleitoral desenrola-se em trecircs fases apresentaccedilatildeo das candidaturas organizaccedilatildeo e realizaccedilatildeo do escrutiacutenio e contencioso eleitoral A primeira delas ldquocompreende os atos e operaccedilotildees de designaccedilatildeo de candidatos em cada partido do seu registro no oacutergatildeo da Justiccedila Eleitoral competente e da propaganda eleitoral que se destina a tornar conhecidos o pensamento o programa e os objetivos dos candidatosrdquo (SILVA 2012 p 379) Seguindo esse entendimento o TSE argumentou que a lei ao ser publicada antes das convenccedilotildees partidaacuterias natildeo afetaria o andamento da eleiccedilatildeo vindoura mantendo-se a seguranccedila juriacutedica entre os partidos candidatos e eleitores
Contudo percebe-se que natildeo pode ser coerente o argumento utilizado pelo Tribunal Superior Eleitoral segundo o qual a Lei Complementar nordm 1352010 seria aplicaacutevel agraves eleiccedilotildees de 2010 porque publicada antes das convenccedilotildees partidaacuterias data na qual se iniciaria o processo eleitoral O art 16 da CF eacute claro ao dispor que a lei que entre em vigor para alterar o processo eleitoral natildeo se aplica agrave eleiccedilatildeo que ocorra ateacute um ano da data de sua vigecircncia natildeo falando em convenccedilotildees partidaacuterias
A Lei Complementar nordm 1352010 interferiu numa fase especiacutefica do processo eleitoral qualificada na jurisprudecircncia como fase preacute‑eleitoral que se inicia com a escolha e a apresentaccedilatildeo das candidaturas pelos partidos poliacuteticos e vai ateacute o registro das candidaturas na Justiccedila Eleitoral E frise-se essa fase natildeo pode ser delimitada temporalmente no periacuteodo no qual ocorrem as convenccedilotildees partidaacuterias pois o processo poliacutetico de escolha de candidaturas eacute muito mais complexo e tem iniacutecio com a proacutepria filiaccedilatildeo partidaacuteria do candidato O processo eleitoral no entendimento do Supremo Tribunal Federal abarca o processo de definiccedilatildeo das coligaccedilotildees e de articulaccedilatildeo poliacutetica de estrateacutegias eleitorais que natildeo ocorre somente nas convenccedilotildees partidaacuterias
O STF no julgamento da ADI nordm 3685DF35 contra a Emenda Constitucional nordm 5236 de 8 de marccedilo de 2006 entendeu que 35 Esse julgamento representou um marco na evoluccedilatildeo jurisprudencial sobre o art 16 da
Constituiccedilatildeo pois passou‑se a identificar no art 16 uma garantia fundamental do cidadatildeo‑eleitor do cidadatildeo‑candidato e dos partidos poliacuteticos
36 A EC nordm 52 deu nova redaccedilatildeo ao art 17 sect 1ordm da CF ldquoEacute assegurada aos partidos poliacuteticos autonomia para definir sua estrutura interna organizaccedilatildeo e funcionamento e para adotar
171
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
a utilizaccedilatildeo da nova regra que afastava a verticalizaccedilatildeo das coligaccedilotildees agraves eleiccedilotildees gerais que se realizariam a menos de sete meses interferia no processo eleitoral e colidia com o princiacutepio da anterioridade eleitoral que busca evitar a utilizaccedilatildeo abusiva ou casuiacutestica do processo legislativo como instrumento de manipulaccedilatildeo e de deformaccedilatildeo do processo eleitoral
A Lei Complementar nordm 1352010 foi publicada em 7 de junho de 2010 poucos dias portanto antes realizaccedilatildeo das convenccedilotildees partidaacuterias Seria insensato considerar que no periacuteodo entre 4 de junho e 5 de julho (data da formalizaccedilatildeo dos pedidos de registro de candidatura agrave eacutepoca) fosse possiacutevel recomeccedilar e redefinir o processo poliacutetico de escolha de candidaturas segundo as novas regras37
Embora o STF possuiacutesse soacutelida jurisprudecircncia a respeito da interpretaccedilatildeo do art 16 na Constituiccedilatildeo de 198838 em nenhum desses precedentes o Tribunal tratou especificamente da lei que cria novas causas de inelegibilidade De fato a uacutenica vez em que o Supremo se debruccedilou sobre esse tema especiacutefico ocorreu no conhecido julgamento do Recurso Extraordinaacuterio nordm 129392 em 1761992 que teve como relator o Ministro Sepuacutelveda Pertence no qual se decidiu que o princiacutepio da anterioridade eleitoral natildeo vedava a vigecircncia imediata da Lei Complementar nordm 641990 na medida em que esta define o regime constitucional de inelegibilidade exigido pelo art 14 sect 9ordm da Constituiccedilatildeo O TSE entatildeo se baseou nesse precedente especiacutefico para decidir pela aplicabilidade da Lei da Ficha Limpa agraves eleiccedilotildees de 2010 Gilmar Mendes entretanto afirmou que tal entendimento foi equivocado39
os criteacuterios de escolha e o regime de suas coligaccedilotildees eleitorais sem obrigatoriedade de vinculaccedilatildeo entre as candidaturas em acircmbito nacional estadual distrital ou municipal devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidaacuteriardquo
37 Vale salientar que apoacutes a publicaccedilatildeo da Lei nordm 131652015 o prazo para os partidos e coligaccedilotildees solicitarem agrave Justiccedila Eleitoral o registro de seus candidatos eacute ateacute as 19 horas do dia 15 de agosto do ano em que se realizarem as eleiccedilotildees
38 ADI nordm 733 relator Ministro Sepuacutelveda Pertence DJ de 1661995 ADI nordm 718 relator Ministro Sepuacutelveda Pertence DJ de 18121998 ADI nordm 354 relator Ministro Octavio Gallotti DJ de 2262001 ADI nordm 3345 relator Ministro Celso de Mello julgada em 2582005 ADI nordm 3741 relator Ministro Ricardo Lewandowski DJ de 2322007 ADI nordm 3685 relatora Ministra Ellen Gracie DJ de 1082006 ADI‑MC nordm 4307 relatora Ministra Caacutermen Luacutecia DJ de 532010
39 Em seu voto no RE nordm 633703 Gilmar Mendes afirmou que ldquoa regra que pode ser extraiacuteda desse precedente firmado no RE nordm 129392 eacute a de que o art 16 da Constituiccedilatildeo natildeo pode obstar a aplicabilidade imediata de uma lei de inelegibilidade que logo apoacutes o advento da
172
Faz-se relevante ressaltar que em 1990 natildeo havia lei de inelegibilidades vaacutelida pois a Lei Complementar nordm 51970 natildeo havia sido recepcionada pela Constituiccedilatildeo de 1988 Havia entatildeo um vaacutecuo normativo Isso natildeo aconteceu em 2010 quando vigorava a Lei Complementar nordm 641990 ateacute ser promulgada a Lei Complementar nordm 1352010
Apoacutes as decisotildees do Tribunal Superior Eleitoral sobrevieram recursos extraordinaacuterios Resguardadas as suas peculiaridades todos se firmaram em suposta ofensa a preceitos constitucionais e violaccedilatildeo aos princiacutepios da presunccedilatildeo de inocecircncia e do devido processo legal Sob o manto da repercussatildeo geral a presidecircncia do TSE admitiu os recursos e determinou a sua remessa ao Supremo Tribunal Federal
O Supremo Tribunal Federal entatildeo foi questionado por meio do Recurso Extraordinaacuterio nordm 633703MG que alegava haver violaccedilatildeo do art 16 da Constituiccedilatildeo Federal agrave aplicaccedilatildeo da lei nas eleiccedilotildees de 2010 No entanto situaccedilatildeo inusitada adiou a decisatildeo Devido agrave aposentadoria do Ministro Eros Grau o STF era integrado na oportunidade daquele julgamento por dez ministros
O art 97 da CF dispotildee que ldquosomente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo oacutergatildeo especial poderatildeo os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Puacuteblicordquo Surpreendentemente foi proclamado empate no julgamento desse recurso Por uma razatildeo oacutebvia a ausecircncia de voto da maioria absoluta dos membros natildeo poderia a lei ser considerada inconstitucional Durante esse periacuteodo havia vaacuterios outros recursos pendentes de julgamento que envolviam a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa ou questotildees a respeito de sua aplicaccedilatildeo Tal indefiniccedilatildeo provocou inseguranccedila no cenaacuterio poliacutetico eleitoral
nova ordem constitucional vem instituir todo um sistema de inelegibilidades para cumprir preceitos constitucionais e preencher um vazio legislativo sem cujo suprimento as eleiccedilotildees natildeo poderiam se desenvolver de forma regularrdquo BRASIL Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinaacuterio nordm 633703MG relator Ministro Gilmar Mendes Tribunal Pleno julgado em 2332011 DJE‑64 divulgado em 442011 publicado em 542011
173
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
Apenas apoacutes a posse do Ministro Luiz Fux em 3 de marccedilo de 2011 houve desempate da questatildeo apoacutes o voto contra a aplicaccedilatildeo nas eleiccedilotildees de 2010 O egreacutegio Tribunal natildeo enfrentou os outros temas controvertidos sobre a Lei da Ficha Limpa
Assim percebe-se que o princiacutepio da anterioridade eleitoral encerra garantia individual do cidadatildeo-eleitor detentor originaacuterio do poder exercido pelos representantes eleitos e a burla a esse princiacutepio se configura uma afronta aos direitos individuais da seguranccedila juriacutedica e do devido processo legal
5 A Lei da Ficha Limpa frente ao princiacutepio da irretroatividade
Normalmente as leis dispotildeem para o futuro natildeo olham para o passado Em consequecircncia os atos anteriores agrave vigecircncia da lei nova regulam-se natildeo por ela mas pela lei do tempo em que foram praticados ndash tempus regit actum Entretanto algumas leis afastam-se excepcionalmente dessa regra e retrocedem no tempo alcanccedilando fatos preteacuteritos ou os seus efeitos
Em relaccedilatildeo agrave retroatividade da Lei da Ficha Limpa dois aspectos constitucionais satildeo questionaacuteveis O primeiro eacute que a lei foi aplicada agraves condenaccedilotildees e a fatos anteriores agrave sua publicaccedilatildeo O segundo eacute que com isso a lei atingiu o direito adquirido o ato juriacutedico perfeito e a coisa julgada
Tendo em vista o primeiro aspecto o Tribunal Superior Eleitoral afirmou que natildeo houve retroaccedilatildeo para penalizar o reacuteu pois as situaccedilotildees trazidas pela lei natildeo se referem a sanccedilatildeo nem civil nem administrativa nem muito menos penal mas sim a requisito para concorrer a cargo eletivo O Ministro Luiz Fux no julgamento da ADC nordm 30 utilizou como argumento a distinccedilatildeo que Joseacute Gomes Canotilho faz entre a retroatividade autecircntica e a retroatividade inautecircntica tambeacutem chamada de retrospectividade Na primeira a norma possui eficaacutecia ex tunc gerando efeito sobre situaccedilotildees preteacuteritas ou apesar de pretensamente possuir eficaacutecia meramente ex nunc atinge na verdade situaccedilotildees direitos ou relaccedilotildees juriacutedicas
174
estabelecidas no passado Na segunda a norma juriacutedica atribui efeitos futuros a situaccedilotildees ou relaccedilotildees juriacutedicas jaacute existentes tendo‑se como exemplos claacutessicos as modificaccedilotildees dos estatutos funcionais ou de regras de previdecircncia dos servidores puacuteblicos
A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica veda a retroatividade autecircntica O mesmo natildeo se daacute com a retrospectividade Vale aqui distinguir o conceito desta com o de retroatividade miacutenima enquanto nesta satildeo alteradas por lei as consequecircncias juriacutedicas de fatos ocorridos anteriormente que satildeo certas e previsiacuteveis ao tempo da ocorrecircncia do fato naquela a lei atribui novos efeitos juriacutedicos a partir da sua ediccedilatildeo a fatos ocorridos anteriormente40
Para Fux a aplicabilidade da Lei da Ficha Limpa a processo eleitoral posterior agrave respectiva data de publicaccedilatildeo constitui hipoacutetese clara de retroatividade inautecircntica ao estabelecer limitaccedilatildeo futura ao ius honorum com base em fatos jaacute ocorridos Ou seja a situaccedilatildeo juriacutedica do indiviacuteduo estabeleceu-se em momento anterior apesar de seus efeitos perdurarem no tempo Assim a Lei da Ficha Limpa seria retrospectiva e portanto admitida pela jurisprudecircncia do STF
Entretanto considerando-se o fato de o ius horonum corresponder a um direito poliacutetico fundamental acredita-se que ao dar novos efeitos a atos preteacuteritos a Lei Complementar nordm 1352010 se utiliza da retroatividade autecircntica vedada pela Constituiccedilatildeo Aleacutem do mais por acreditar-se que as inelegibilidades constituem sanccedilatildeo tais normas soacute poderiam retroagir caso fossem beneacuteficas o que natildeo eacute o caso
Com relaccedilatildeo ao segundo aspecto constitucionalmente questionaacutevel acredita-se haver violaccedilatildeo ao direito adquirido plasmado no art 5ordm inciso XXXVI da CF devido ao direito agrave elegibilidade ser um direito fundamental subjetivo e natildeo mera expectativa de direito como entende o STF Para Joseacute Afonso da
40 O Ministro Moreira Alves em seu voto no julgamento da ADI nordm 493 em 2561992 utilizou‑se da distinccedilatildeo de Joseacute Carlos de Matos Peixoto entre retroatividade maacutexima meacutedia e miacutenima A primeira abrange a coisa julgada e os fatos juriacutedicos consumados a segunda abrange os direitos exigiacuteveis mas natildeo realizados antes de sua vigecircncia a miacutenima por fim atinge apenas os efeitos dos fatos anteriores verificados apoacutes a data em que ela entra em vigor BRASIL Supremo Tribunal Federal Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade nordm 493DF relator Ministro Moreira Alves Tribunal Pleno julgado em 2561992 DJ de 491992
175
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
Silva ldquose o direito adquirido natildeo foi exercido vindo a lei nova transforma-se em direito adquirido porque era direito exercitaacutevel e exigiacutevel agrave vontade de seu titularrdquo (SILVA J A 2012 p 434)
O Supremo argumentou que um indiviacuteduo natildeo possui o direito adquirido de candidatar-se visto que a elegibilidade seria a adequaccedilatildeo do cidadatildeo ao regime juriacutedico do processo eleitoral materializada no natildeo preenchimento de requisitos ldquonegativosrdquo Quem entatildeo deseja concorrer a cargo eletivo deve aderir ao estatuto juriacutedico eleitoral e a adequaccedilatildeo a esse estatuto natildeo ingressa no patrimocircnio juriacutedico do indiviacuteduo Com isso vecirc-se que para o Supremo Tribunal Federal as inelegibilidades constantes na Lei da Ficha Limpa satildeo tatildeo somente imposiccedilotildees de requisitos negativos para que o cidadatildeo possa candidatar-se a cargo eletivo que natildeo se confunde com agravamento de pena ou com bis in idem
O ato juriacutedico perfeito e a coisa julgada tambeacutem foram atingidos com a Lei Complementar nordm 1352010 Pode-se citar o exemplo da aliacutenea l do inciso I do art 1ordm da referida lei que ao estabelecer como causa de inelegibilidade a condenaccedilatildeo por oacutergatildeo judicial colegiado em accedilatildeo de improbidade administrativa inevitavelmente assume caraacuteter retroativo podendo essa retroatividade assumir tanto contornos de retroatividade miacutenima como de retroatividade maacutexima atingindo assim a coisa julgada e os fatos juriacutedicos consumados
Isso porque ela incide sobre a garantia jaacute assegurada aos cidadatildeos de que a sanccedilatildeo de suspensatildeo dos direitos poliacuteticos por improbidade administrativa somente pode ser aplicada apoacutes o tracircnsito em julgado da accedilatildeo Dessa forma ela repercute diretamente sobre os recursos processuais jaacute interpostos e seus respectivos efeitos Ela tem o poder ateacute mesmo de afastar o obrigatoacuterio efeito suspensivo do recurso em accedilatildeo de improbidade administrativa
O STF argumentou tambeacutem que natildeo houve afronta agrave coisa julgada na extensatildeo de prazo de inelegibilidade nos casos em que ela eacute decorrente de condenaccedilatildeo judicial jaacute que natildeo significa interferecircncia no cumprimento de decisatildeo judicial anterior pois o Poder Judiciaacuterio fixou a penalidade que teraacute sido cumprida antes do momento em que unicamente por forccedila de lei ndash como se daacute nas relaccedilotildees juriacutedicas
176
ex lege ndash tornou-se inelegiacutevel o indiviacuteduo Desse modo natildeo haveria violaccedilatildeo ou desconstituiccedilatildeo da coisa julgada
O ato juriacutedico perfeito para o STF tambeacutem natildeo foi atingido pela lei visto que por exemplo se determinado candidato teve suas contas aprovadas elas continuaratildeo aprovadas e ao contraacuterio se teve suas contas desaprovadas elas continuaratildeo desaprovadas Natildeo haacute nenhuma modificaccedilatildeo nos atos anteriores que continuam existindo de forma intacta Fux em seu voto afirmou que ldquodemais disso tem‑se como antes exposto uma relaccedilatildeo juriacutedica continuativa para a qual a coisa julgada opera sob a claacuteusula rebus sic stantibus A ediccedilatildeo da Lei Complementar nordm 13510 modificou o panorama normativo das inelegibilidades de sorte que a sua aplicaccedilatildeo posterior agraves condenaccedilotildees natildeo desafiaria a autoridade da coisa julgadardquo
Ademais Gilmar Mendes em seu voto na ADC nordm 30 referiu-se a um importante precedente ndash ADI nordm 966 relator Ministro Marco Aureacutelio julgada em 1151994 ndash que deixa consignado entendimento sobre a inconstitucionalidade da lei que retroage para apanhar fatos passados (conhecidos do legislador) e atribuir-lhes efeitos futuros Os dispositivos da Lei da Ficha Limpa partem de fatos passados e portanto jaacute conhecidos do legislador na oportunidade da elaboraccedilatildeo da lei criando assim impedimentos futuros em relaccedilatildeo a eles Percebe-se com isso a falta de razoabilidade e limites do legislador que pode apanhar fatos de 10 20 anos ou ateacute mais sem nenhum criteacuterio Com isso a Lei Complementar nordm 1352010 nas hipoacuteteses em que apanha fatos passados para atribuir-lhes efeitos nos processos eleitorais futuros viola o princiacutepio da irretroatividade da lei
Ainda vale ressaltar que o argumento de que a lei preteacuterita soacute pode ser levada em consideraccedilatildeo pelo juiz caso a lei vigente e obrigatoacuteria o autorize eacute possiacutevel em paiacuteses onde a irretroatividade da lei natildeo for princiacutepio constitucional Mas onde a irretroatividade constituir um princiacutepio constitucional ndash eacute o caso do ordenamento juriacutedico brasileiro ndash a lei preteacuterita tem forccedila de aplicaccedilatildeo em se cogitando de um direito adquirido ou de uma situaccedilatildeo juriacutedica definitivamente constituiacuteda ou de um julgado de que natildeo caiba mais recurso
177
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
6 ConclusatildeoDurante a discussatildeo da Lei da Ficha Limpa alguns ministros
do Supremo Tribunal Federal afirmaram que os direitos poliacuteticos individuais devem ceder a um bem juriacutedico coletivo mais ou menos indeterminado Afirmou Joaquim Barbosa que ldquoos direitos poliacuteticos tecircm uma compreensatildeo que ultrapassa a esfera puramente individual e se irradiam por todo o sistema representativo e por via de consequecircncia por todo o estado democraacutetico de direitordquo41 Com isso o Judiciaacuterio em busca da pretensa moralizaccedilatildeo da vida puacuteblica sobrepocircs o interesse puacuteblico aos direitos fundamentais Isso importa em grave contradiccedilatildeo pois os direitos fundamentais como nuacutecleo do conceito de interesse puacuteblico natildeo podem ser aniquilados embora se defenda a supremacia do interesse puacuteblico (HACHEM 2011 p 337)
A Lei da Ficha Limpa trouxe consigo uma seacuterie de viacutecios dos quais o formal eacute o menor deles Restringiu severamente o direito fundamental agrave elegibilidade prevendo prazos de inelegibilidades desproporcionais jaacute que estes podem ir aleacutem dos oito anos previstos como no caso em que se deve aguardar o tracircnsito em julgado natildeo sendo contabilizado o tempo de duraccedilatildeo do processo ou ainda para os que forem condenados espera-se pelo cumprimento da pena Com base nisso conclui-se pela inconstitucionalidade de tais prazos pois violam o princiacutepio da proporcionalidaderazoabilidade prejudicando tambeacutem o acesso frutuoso ao Poder Judiciaacuterio jaacute que o tempo do recurso seraacute contabilizado para a inelegibilidade
Ao natildeo exigir uma apreciaccedilatildeo judicial definitiva a lei fere o direito fundamental agrave presunccedilatildeo da inocecircncia visto que sua essecircncia estaacute em determinar a inelegibilidade de agentes poliacuteticos com base em condenaccedilatildeo ainda natildeo transitada em julgado natildeo definitiva passiacutevel de recurso presumindo-se a culpa e natildeo a inocecircncia nesses casos Destaca-se que tal princiacutepio eacute o alicerce de um sistema seguro e estaacutevel que evita a antecipaccedilatildeo de efeitos agraves vezes irreparaacuteveis de uma decisatildeo que pode ser revista e considerada injusta posteriormente
41 BRASIL Supremo Tribunal Federal ADPF nordm 144DF relator Ministro Celso de Mello Tribunal Pleno julgado em 682008 DJE‑035 divulgado em 2522010 publicado em 2622010
178
Ao ser aplicada a condutas anteriores a sua vigecircncia a Lei da Ficha Limpa rompe com o princiacutepio da irretroatividade um princiacutepio geral do Direito protegido por claacuteusula peacutetrea (art 5ordm inciso XXXVI da CF) Natildeo parece ser condizente com os princiacutepios elementares do Estado de direito que a esfera juriacutedica de um cidadatildeo seja atingida por uma regra posterior a seus atos O fato de que as inelegibilidades trazidas pela Lei Complementar nordm 1352010 podem ser vistas como decorrentes de sanccedilatildeo reforccedilam essa ideia jaacute que a lei penal natildeo retroagiraacute salvo para beneficiar o reacuteu Os direitos poliacuteticos fundamentais afastam restriccedilotildees retroativas e exigem a proteccedilatildeo do seu nuacutecleo fundamental
Ademais ldquotodas as regras juriacutedicas que tratem de incompatibilidades inelegibilidades convenccedilotildees partidaacuterias propaganda eleitoral arrecadaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo de recursos prestaccedilatildeo de contas votaccedilatildeo e apuraccedilatildeo proclamaccedilatildeo dos eleitos e diplomaccedilatildeo soacute podem ser alteradas um ano antes da eleiccedilatildeo sob pena de se aniquilar a previsatildeo constitucional do art 16rdquo (SALGADO 2012 p 199) Assim a Lei Complementar nordm 1352010 natildeo observou a anterioridade especiacutefica em mateacuteria eleitoral desrespeitando um princiacutepio essencial agrave lisura do processo democraacutetico
Referecircncias
BASTOS JUNIOR Luiz Magno O STF flexibilizou a Lei da Ficha Limpa Jota 22 de julho de 2016 Disponiacutevel em lthttpjotauolcombre‑leitor‑o‑stf‑flexibilizou‑lei‑da‑ficha‑limpagt Acesso em 21 ago 2016
BOTTINI Pierpaolo Cruz Lei da Ficha Limpa fere a presunccedilatildeo da inocecircncia Revista Consultor Juriacutedico Satildeo Paulo 13 marccedilo 2012 Disponiacutevel em lthttpwwwconjurcombr2012-mar-13direito-defesa‑lei‑ficha‑limpa‑fere‑principio‑presuncao‑inocecircnciagt Acesso em 9 ago 2016
BRASIL Projeto de Lei Complementar nordm 168 de 1993 (Apenso PLC nordm 2299) Daacute nova redaccedilatildeo agraves aliacuteneas ldquodrdquo ldquoerdquo e ldquohrdquo do inciso I do artigo 1ordm da Lei Complementar nordm 64 de 18 de maio de 1990
179
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
que estabelece de acordo com o artigo 14 sect 9ordm da Constituiccedilatildeo Federal casos de inelegibilidade prazos de cessaccedilatildeo e determina outras providecircncias Disponiacutevel em lthttpwwwcamaragovbrproposicoesWebfichadetramitacaoidProposicao=21571gt Acesso em 9 ago 2016
_____ Projeto de Lei Complementar nordm 446 de 2009 Estabelece de acordo com o art 14 sect 9ordm da Constituiccedilatildeo casos de inelegibilidade alterando a Lei Complementar nordm 64 de 18 de maio de 1990 Disponiacutevel em lthttpwwwcamaragovbrproposicoesWebprop_mostrarintegrajsessionid=E6ECB82B4780DE7979CD3A8370E36009proposicoesWeb1codteor=632485ampfilename=PLP+4462009gt Acesso em 9 ago 2016
_____ Projeto de Lei Complementar nordm 487 de 2009 Altera a Lei Complementar nordm 64 de 18 de maio de 1990 para dispor sobre casos de inelegibilidade Disponiacutevel em lt httpwwwcamaragovbrsilegintegras659688pdfgt Acesso em 9 ago 2016
_____ Projeto de Lei Complementar nordm 499 de 2009 Acrescenta dispositivo agrave Lei Complementar nordm 64 de 18 de maio de 1990 para estabelecer hipoacuteteses de inelegibilidade considerada a vida pregressa do candidato de acordo com o art 14 sect 9ordm da Constituiccedilatildeo Federal Disponiacutevel em lthttpwwwcamaragovbrproposicoesWebprop_mostrarintegracodteor=678656ampfilename=Tramitacao-PLP+4992009gt Acesso em 9 ago 2016
_____ Projeto de Lei Complementar nordm 518 de 2009 Altera a Lei Complementar nordm 64 de 18 de maio de 1990 que estabelece de acordo com o art 14 sect 9ordm da constituiccedilatildeo Federal casos de inelegibilidade prazos de cessaccedilatildeo e determina outras providecircncias para incluir hipoacuteteses de inelegibilidade que visam proteger a probidade administrativa e a moralidade no exerciacutecio do mandato Disponiacutevel em lthttpwwwcamaragovbrproposicoesWebprop_mostrarintegracodteor=700585ampfilename=PLP+5182009gt Acesso em 9 ago de 2016
180
_____ Projeto de Lei Complementar nordm 519 de 2009 Daacute nova redaccedilatildeo agraves aliacuteneas ldquoerdquo e ldquogrdquo e acrescenta aliacuteneas ao inciso I do art 1ordm da Lei Complementar nordm 64 de 18 de maio de 1990 que ldquoestabelece de acordo com o art 14 sect 9ordm da Constituiccedilatildeo Federal casos de inelegibilidade prazos de cessaccedilatildeo e determina outras providecircncias Disponiacutevel em lthttpwwwcamaragovbrproposicoesWebprop_mostrarintegracodteor=697294ampfilename=PLP+5192009gt Acesso em 9 ago 2016
_____ Projeto de Lei Complementar nordm 544 de 2009 Altera a redaccedilatildeo do art 1ordm inciso I aliacutenea ldquoerdquo da lei Complementar nordm 64 de 18 de maio de 1990 (Lei de Inelegibilidade) Disponiacutevel em lthttpwwwcamaragovbrproposicoesWebprop_mostrarintegracodteor=723866ampfilename=PLP+5442009gt Acesso em 9 ago de 2016
_____ Supremo Tribunal Federal Arguiccedilatildeo de Descumprimento de Preceito Fundamental nordm 144DF relator ministro Celso de Mello Tribunal Pleno julgado em 06082008 DJe-035 divulgado em 25022010 publicado em 26022010
_____ Tribunal Superior Eleitoral Consulta nordm 1120-26DF relator ministro Hamilton Carvalhido julgado em 10062010 publicado em 30092010
_____ _____ Consulta nordm 1147-0920106000000DF relator ministro Arnaldo Versiani julgado em 17062010 DJe-185 divulgado em 23092010 publicado em 24092010
CLEgraveVE Clegravemerson Merlin Temas de direito constitucional 2 ed rev atual e ampl Belo Horizonte Foacuterum 2014
_____ FREIRE Alexandre Reis Siqueira Algumas notas sobre colisatildeo de direitos fundamentais Cadernos da Escola de Direito e Relaccedilotildees Internacionais das Faculdades do Brasil Curitiba v 1 n1 p 30-32 2002
181
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
DIMOULIS Dimitri MARTINS Leonardo Teoria geral dos direitos fundamentais 2 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Editora Revista dos Tribunais 2009
HACHEM Daniel Wunder Princiacutepio constitucional da supremacia do interesse puacuteblico Belo Horizonte Foacuterum 2011
LUCHETE Felipe Lei da Ficha Limpa eacute questionada em comissatildeo de Direitos Humanos da OEA Revista Consultor Juriacutedico Satildeo Paulo 28 nov 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwconjurcombr2015-nov‑28lei‑ficha‑limpa‑questionada‑comissao‑interamericana‑oeagt Acesso em 14 ago 2016
MIRANDA Jorge Direito Constitucional III direito eleitoral e direito parlamentar Lisboa Associaccedilatildeo Acadeacutemica da Faculdade de Direito 2003
NOVAIS Jorge Reis As restriccedilotildees aos direitos fundamentais natildeo expressamente autorizados pela Constituiccedilatildeo Coimbra Coimbra 2003
PINTO Djalma PETERSEN Elke Braid Comentaacuterios agrave Lei da Ficha Limpa Satildeo Paulo Atlas 2014
SALGADO Eneida Desiree A elegibilidade como direito poliacutetico fundamental as inelegibilidades retroativas da Lei Complementar 13510 e a (in)decisatildeo do Supremo Tribunal Federal In Direito constitucional os desafios contemporacircneos uma homenagem ao professor Ivo Dantas Curitiba Juruaacute 2012
_____ Princiacutepios constitucionais eleitorais Belo Horizonte Foacuterum 2010
_____ ARAUJO Eduardo Borges Do Legislativo ao Judiciaacuterio a Lei Complementar nordm 1352010 (Lei da ficha limpa) a busca pela moralizaccedilatildeo da vida puacuteblica e os direitos fundamentais AampC Revista de Direito Administrativo amp Constitucional v 54 p 121-148 2013
182
SARLET Ingo Wolfgang A eficaacutecia dos direitos fundamentais uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional 11 ed rev atual Porto Alegre Liv do Advogado 2012
SILVA Joseacute Afonso da Curso de direito constitucional positivo Satildeo Paulo Malheiros 2012
SILVA Luis Gustavo Motta Severo da Uma anaacutelise das condiccedilotildees de elegibilidade e das causas de inelegibilidade constitucionais a partir da teoria constitucional das restriccedilotildees a direitos fundamentais 160f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Direitos Fundamentais e Democracia) ndash Faculdades Integradas do Brasil Curitiba 2011
SILVEIRA Marilda de Paula STF decide quem julga as contas mas e a inelegibilidade Os Constitucionalistas 8 ago 2016 Disponiacutevel em lthttpwwwosconstitucionalistascombrstf-decide-quem-julga-as-contas-mas-e-a inelegibilidadegt Acesso em 21 ago 2016
eleiccedilatildeo suplementar conceito circurstacircncias e motivaccedilotildees BRUNO SOUZA GARCIA
ALVARO AUGUSTO DE BORBA BARRETO
185
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
ELEICcedilAtildeO SUPLEMENTAR CONCEITO CIRCUNSTAcircNCIAS E MOTIVACcedilOtildeES1
SUPPLEMENTARY ELECTION CONCEPT CIRCUMSTANCES AND MOTIVATIONS
BRUNO SOUZA GARCIA2
ALVARO AUGUSTO DE BORBA BARRETO3
RESUMO
Este artigo analisa o conceito de eleiccedilatildeo suplementar por meio do estudo da legislaccedilatildeo das decisotildees da Justiccedila Eleitoral e dos comentaacuterios de especialistas em Direito Eleitoral Discute as questotildees da anulaccedilatildeo e da nulidade de votos votaccedilatildeo e eleiccedilatildeo diretamente relacionadas ao tema Aborda a ampliaccedilatildeo das previsotildees legais que permitiram agrave Justiccedila Eleitoral cassar e impugnar candidaturas diplomas e mandatos o que redundou no aumento da realizaccedilatildeo de eleiccedilotildees suplementares Por fim enfoca as modificaccedilotildees que o art 224 do Coacutedigo Eleitoral sofreu em 2015 e que impactam essa problemaacutetica
Palavras-chave Eleiccedilatildeo Suplementar Anulaccedilatildeo Nulidade Justiccedila Eleitoral
ABSTRACT
This paper analyzes the concept of supplementary election through the study of legislation the decisions of Electoral Court and comments from experts in electoral law Discusses the issue of annulment and the null vote voting and election as they are
1 Artigo recebido em 6 de dezembro de 2016 e aprovado para publicaccedilatildeo em 23 de janeiro de 2017
2 Mestre em Ciecircncia Poliacutetica pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) Bacharel em Direito Licenciado em Histoacuteria
3 Professor do Programa de Poacutes‑Graduaccedilatildeo em Ciecircncia Poliacutetica da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) Doutor em Histoacuteria
186
directly related to the topic Argue the expansion of legal provisions that allowed the Electoral Court to annul and contest candidatures certificates and mandates which resulted in the increase the realization of additional elections Finally it focuses on the changes that art 224 in the Electoral Code has suffered in 2015 and that will impact on this issue
Keywords Supplementary Elections Annulment Nullity Electoral Court
187
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
1 IntroduccedilatildeoAs eleiccedilotildees suplementares vecircm se tornando recorrentes no Brasil
Elas satildeo determinadas pela Justiccedila Eleitoral como consequecircncia da anulaccedilatildeo de mais da metade dos votos atribuiacutedos e fazem com que eleitores e partidos sejam chamados agraves urnas para novamente definir a titularidade de um cargo executivo
A proposta do artigo eacute incursionar nessa temaacutetica com vistas a esclarecer algumas das polecircmicas que a cercam Procura-se delimitar o significado de eleiccedilatildeo suplementar o que implica distingui-la de denominaccedilotildees correlatas e analisar as circunstacircncias que a motivam Para tal promove-se revisatildeo de literatura com base na legislaccedilatildeo nas decisotildees da Justiccedila Eleitoral e nos comentaacuterios de especialistas da aacuterea
O artigo estaacute organizado em trecircs seccedilotildees A primeira apresenta a definiccedilatildeo de eleiccedilatildeo suplementar A segunda trata dos tipos de nulidades (do voto da votaccedilatildeo e das eleiccedilotildees) que a subsidiam A terceira sistematiza as decisotildees alternativas da Justiccedila Eleitoral em face da anulaccedilatildeo da maioria dos votos e da recente modificaccedilatildeo na legislaccedilatildeo que procura dirimir essa questatildeo
2 ConceitoA eleiccedilatildeo suplementar eacute determinada pela Justiccedila Eleitoral como
consequecircncia da anulaccedilatildeo de um pleito ordinaacuterio Em termos legais o fundamento reside no art 224 do Coacutedigo Eleitoral (Lei nordm 4737 de 15 de julho de 1965) que dispotildee
Art 224 Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do paiacutes nas eleiccedilotildees presidenciais do estado nas eleiccedilotildees federais e estaduais ou do municiacutepio nas eleiccedilotildees municipais julgar-se-atildeo prejudicadas as demais votaccedilotildees e o Tribunal marcaraacute dia para nova eleiccedilatildeo dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias
Aleacutem da discussatildeo em torno do que seria nulidade a ser desenvolvida na seccedilatildeo 2 destaca-se que o Coacutedigo Eleitoral natildeo a denomina eleiccedilatildeo suplementar e sim nova eleiccedilatildeo Natildeo se trata de
188
detalhe sem importacircncia sendo um indicador do quanto a questatildeo foi construiacuteda jurisprudencialmente pela Justiccedila Eleitoral Kuntz (2011 p 75) pondera que ldquodiante da imensa lacuna legislativa sobre o tema coube agrave jurisprudecircncia diante da necessidade de uma boa conduccedilatildeo dos processos eleitorais suplementares estabelecer uma seacuterie de balizas acerca do institutordquo
A posiccedilatildeo do TSE indica que anulado o pleito eacute necessaacuterio reabrir o processo eleitoral conforme os julgados a seguir
[] a nova eleiccedilatildeo prevista no art 224 do CE pressupotildee a nulidade do escrutiacutenio anterior Natildeo obstante a nova disputa tenha por finalidade a escolha de candidatos para completar o periacuteodo restante do mandato o novo pleito eacute considerado autocircnomo e demanda a reabertura do processo eleitoral (Cta nordm 1707DF rel Min Marcelo Ribeiro julgado em 682009)
[] 5 O novo pleito eacute considerado autocircnomo e demanda a reabertura do processo eleitoral (REspe nordm 36043MG rel Min Marcelo Ribeiro julgado em 1852010) (Apud KUNTZ 2011 p 77)
Por conseguinte a eleiccedilatildeo suplementar compreende a repeticcedilatildeo natildeo soacute da votaccedilatildeo como tambeacutem de todos os passos que a compotildeem alistamento dos eleitores definiccedilatildeo e registro de candidaturas e de coligaccedilotildees propaganda votaccedilatildeo apuraccedilatildeo diplomaccedilatildeo e posse dos eleitos4
No entanto pesquisa mais aprofundada sobre as decisotildees da Justiccedila Eleitoral encontra entendimentos outros a apontar que historicamente houve uma mudanccedila nessa interpretaccedilatildeo No julgamento de recurso especial Acoacuterdatildeo nordm 21141 de 15 de maio de 2003 de relatoria do Ministro Fernando Neves da Silva figura
[] Eleiccedilatildeo suplementar ocorre quando eacute necessaacuterio repetir-se a votaccedilatildeo em alguma seccedilatildeo eleitoral que tenha sido anulada por um dos motivos previstos no Capiacutetulo VI do Coacutedigo Eleitoral que trata das nulidades da votaccedilatildeo (BRASIL TSE 2012 p 5)
4 A diferenccedila em relaccedilatildeo ao processo eleitoral ordinaacuterio eacute que alguns prazos satildeo mais curtos sendo definidos pelo TSE e pelos TREs
189
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
A inspiraccedilatildeo estaacute no art 201 do Coacutedigo Eleitoral que efetivamente determina nova eleiccedilatildeo apenas nas seccedilotildees anuladas
Art 201 De posse do relatoacuterio referido no artigo anterior reunir-se-aacute o Tribunal no dia seguinte para o conhecimento do total dos votos apurados e em seguida se verificar que os votos das seccedilotildees anuladas e daquelas cujos eleitores foram impedidos de votar poderatildeo alterar a representaccedilatildeo de candidato eleito pelo princiacutepio majoritaacuterio ordenaraacute a realizaccedilatildeo de novas eleiccedilotildeesParaacutegrafo uacutenico As novas eleiccedilotildees obedeceratildeo agraves seguintes normas [] II ndash somente seratildeo admitidos a votar os eleitores da seccedilatildeo que hajam comparecido a eleiccedilatildeo anulada e os de outras seccedilotildees que ali houverem votado[]V ndash as eleiccedilotildees realizar-se-atildeo nos mesmos locais anteriormente designados [] (BRASIL Coacutedigo Eleitoral) [Grifo dos autores]
Igualmente outro artigo do mesmo diploma legal traz referecircncias agrave eleiccedilatildeo suplementar
Art 187 Verificando a junta apuradora que os votos das seccedilotildees anuladas e daquelas cujos eleitores foram impedidos de votar poderatildeo alterar a representaccedilatildeo de qualquer partido ou classificaccedilatildeo de candidato eleito pelo princiacutepio majoritaacuterio nas eleiccedilotildees municipais faraacute imediata comunicaccedilatildeo do fato ao Tribunal Regional que marcaraacute se for o caso dia para a renovaccedilatildeo da votaccedilatildeo naquelas seccedilotildeessect 1ordm Nas eleiccedilotildees suplementares municipais observar-se-aacute no que couber o disposto no art 201sect 2ordm Essas eleiccedilotildees seratildeo realizadas perante novas mesas receptoras nomeadas pelo juiz eleitoral e apuradas pela proacutepria junta que considerando os anteriores e os novos resultados confirmaraacute ou invalidaraacute os diplomas que houver expedidosect 3ordm Havendo renovaccedilatildeo de eleiccedilotildees para os cargos de prefeito e vice-prefeito os diplomas somente seratildeo expedidos depois de apuradas as eleiccedilotildees suplementares (BRASIL Coacutedigo Eleitoral) [Grifo dos autores]
Chama a atenccedilatildeo que satildeo utilizadas as denominaccedilotildees renovaccedilatildeo de eleiccedilotildees e eleiccedilotildees suplementares como se fossem sinocircnimas
190
e ainda renovaccedilatildeo da votaccedilatildeo Nessa trilha o Glossaacuterio Eleitoral5 descreve que eleiccedilatildeo suplementar caracteriza-se ldquo[] pela renovaccedilatildeo das eleiccedilotildees apenas em algumas seccedilotildees eleitoraisrdquo A definiccedilatildeo esclarece ainda ldquoDiferencia‑se do instituto da renovaccedilatildeo das eleiccedilotildees (art 224 do CE) pois esta ocorreraacute quando a nulidade atingir a mais de metade dos votos da circunscriccedilatildeo eleitoralrdquo (BRASIL TSE 2016a) Para natildeo deixar duacutevidas para o verbete renovaccedilatildeo das eleiccedilotildees tem-se que a expressatildeo implica ldquorepeticcedilatildeo da eleiccedilatildeo realizada na mesma circunscriccedilatildeo (o paiacutes nas eleiccedilotildees presidenciais o estado nas eleiccedilotildees federais e estaduais o municiacutepio nas eleiccedilotildees municipais) quando mais da metade dos votos forem declarados nulosrdquo (BRASIL TSE 2016b)
A justificativa para a renovaccedilatildeo de eleiccedilotildees eacute a anulaccedilatildeo da maioria dos votos contemplada no jaacute comentado art 224 do Coacutedigo Eleitoral e exige a repeticcedilatildeo completa desde o seu iniacutecio da eleiccedilatildeo anteriormente realizada A motivaccedilatildeo para a eleiccedilatildeo suplementar estaacute ligada conforme os arts 187 e 201 do mesmo diploma legal agrave possibilidade de os votos das seccedilotildees eleitorais anuladas alterarem a representaccedilatildeo de algum partido o vencedor ou a colocaccedilatildeo dos candidatos na eleiccedilatildeo majoritaacuteria (em caso de segundo turno)
Na eleiccedilatildeo suplementar os candidatos partiacutecipes da primeira eleiccedilatildeo continuam na disputa pelo cargo e natildeo eacute aceita nova candidatura Braga (2009) observa que ldquonatildeo haacute a deflagraccedilatildeo de um novo processo eleitoral [] visto que se trata de mero suplemento dos votos que faltam para completar a votaccedilatildeo numa determinada circunscriccedilatildeo eleitoralrdquo Nesse escopo em uma apreciaccedilatildeo rigorosa ela nem deveria se chamar eleiccedilatildeo e sim votaccedilatildeo suplementar ou renovaccedilatildeo da votaccedilatildeo (como traz o caput do art 187 do Coacutedigo Eleitoral)
Agrave luz desses elementos parece claro que mais recentemente a Justiccedila Eleitoral tem denominado eleiccedilotildees suplementares as decisotildees de anular a totalidade de um pleito e de reeditaacute-lo algum tempo depois como um processo eleitoral novo Ou seja essa Justiccedila especializada parece ter esquecido a distinccedilatildeo referida
5 Eacute chancelado pelo TSE e divulgado em seu site oficial sendo formado por definiccedilotildees coletadas em obras de Direito eou de Ciecircncia Poliacutetica No caso da eleiccedilatildeo suplementar a fonte citada eacute FERNANDES Lilia Maria da Cunha Direito Eleitoral 2 ed Brasiacutelia Fortium 2006 p 67
191
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
anteriormente ou optado por utilizar a expressatildeo eleiccedilatildeo suplementar como sinocircnimo do que ateacute entatildeo era concebido e denominado como renovaccedilatildeo das eleiccedilotildees que ato contiacutenuo caiu em desuso A demonstrar essa situaccedilatildeo no site do TSE haacute a opccedilatildeo de consulta agraves eleiccedilotildees suplementares que se refere a todos os pleitos renovados de 2007 ateacute 2015 (BRASIL TSE 2016c)
Natildeo haacute motivaccedilatildeo expliacutecita para essa mudanccedila de nomenclatura por parte da Justiccedila Eleitoral tampouco para a manutenccedilatildeo em seu site ndash como no caso do Glossaacuterio Eleitoral ndash de distinccedilotildees que ela proacutepria natildeo mais acompanha Talvez a explicaccedilatildeo possa estar nos elementos narrados por Noleto (2008 p 25-26)
A transitoriedade jurisprudencial que se observa no TSE derivada da falta de paracircmetros normativos estaacuteveis e da vagueza dos enunciados da legislaccedilatildeo associada agrave permanente renovaccedilatildeo dos ministros agraves pequenas maiorias (satildeo sete os ministros do TSE) e aos prazos exiacuteguos faz com que o Direito Eleitoral seja um ldquocampo em que predominam os princiacutepios as claacuteusulas gerais os conceitos fluidos que datildeo margem agrave construccedilatildeo argumentativa caso a casordquo
Registra-se ainda que sendo o que se denomina hoje eleiccedilatildeo suplementar correspondente ao que anteriormente era chamado renovaccedilatildeo das eleiccedilotildees considera-se que haacute mais propriedade no sentido original dos termos Afinal suplementar suscita a ideia de complementaccedilatildeo adiccedilatildeo ou acreacutescimo agrave votaccedilatildeo ou ao processo eleitoral quando atualmente se trata de uma eleiccedilatildeo totalmente nova E tal noccedilatildeo se expressa com mais razoabilidade via renovaccedilatildeo das eleiccedilotildees
Interpretaccedilatildeo distinta entende razoaacutevel o uso da expressatildeo pois
[] em verdade a nova eleiccedilatildeo (art 224 CE) traz iacutensita a ideia de complementaridade acessoriedade e dependecircncia eacute complementar porque visa a colmatar o periacuteodo faltante do mandato eletivo eacute acessoacuteria porque natildeo pode ser desvinculada da eleiccedilatildeo originaacuteria que foi fulminada de nulidade jaacute que aquela natildeo prescinde desta eacute dependente porque somente se acrescido
192
o tempo jaacute transcorrido do mandato eletivo eacute que eacute possiacutevel atingir a totalidade do quadriecircnio respectivo (ZILIO 2006 p 31)6
O autor aceita a expressatildeo pois a relaciona mais ao mandato do que agrave eleiccedilatildeo ou melhor dito abraccedila a ideia de que o pleito eacute realizado como alternativa para definir quem vai suplementar completar ou cumprir o tempo restante de um mandato cujo eleito foi afastado em razatildeo da anulaccedilatildeo da eleiccedilatildeo que o guindou ao cargo Ele segue o entendimento de Ramayana (2006 p 187 apud BRASIL TSE 2012 p 6) de que ldquoas eleiccedilotildees suplementares satildeo as que preenchem o prazo faltante do periacuteodo de mandato eletivordquo bem como o do Ministro Marcelo Ribeiro do TSE apresentado agrave Cta nordm 1707DF anteriormente citada pois a eleiccedilatildeo suplementar ldquo[tem] por finalidade a escolha de candidato para completar o periacuteodo restante do mandatordquo (Apud KUNTZ 2011 p 75)
Em relaccedilatildeo a essas ponderaccedilotildees deve-se ressalvar que a determinaccedilatildeo de realizaccedilatildeo de um novo processo eleitoral pode ocorrer antes mesmo de o vencedor tomar posse ndash ocasiatildeo em que o posto eacute ocupado interinamente por outrem (o presidente da Cacircmara Municipal na maioria dos casos) ndash e que o vencedor do pleito anulado pode participar da eleiccedilatildeo suplementar se natildeo foi quem deu causa agrave anulaccedilatildeo Igualmente destaca-se que tal interpretaccedilatildeo faz com que a expressatildeo assuma uma generalidade que natildeo a relaciona agrave participaccedilatildeo direta do eleitor na escolha do titular pois tambeacutem pode contemplar eleiccedilotildees indiretas aquelas em que o legislativo define quem vai ldquocompletarrdquo um mandato que por alguma razatildeo ficou sem eleito oriundo das urnas
Cabe ainda aproximar eou distinguir tal expressatildeo de outras com as quais tem viacutenculos ou se confunde Uma delas eacute eleiccedilatildeo complementar adotada ocasionalmente pela proacutepria Justiccedila Eleitoral em suas decisotildees7 e pela imprensa (CORREIO DO POVO 7 abr 2013) Conforme o Dicionaacuterio Houaiss (2001 p 776) o termo complementar se vincula a concluir completar ou terminar estando
6 Zilio fala em ldquonova eleiccedilatildeordquo ou em ldquoeleiccedilatildeo complementarrdquo (a ser comentada a seguir) pois supotildee a ldquoeleiccedilatildeo suplementarrdquo como repeticcedilatildeo apenas da votaccedilatildeo em algumas seccedilotildees ou seja nos termos hoje natildeo mais aplicados pela Justiccedila Eleitoral
7 RECURSO ESPECIAL ELEITORAL REGISTRO DE CANDIDATURA ELEICcedilOtildeES COMPLEMENTARES PARTICIPACcedilAtildeO DE CANDIDATO QUE DEU CAUSA Agrave NULIDADE DO PLEITO [] (BRASIL TSE 2006)
193
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
diretamente relacionado a suplementar e agrave ideia de algo que estaacute vacante e natildeo concluiacutedo seja ele o mandato (na interpretaccedilatildeo de Zilio e Ramayana) a votaccedilatildeo (na interpretaccedilatildeo original da Justiccedila Eleitoral para a expressatildeo eleiccedilatildeo suplementar) ou o processo eleitoral em sentido lato (na interpretaccedilatildeo vigente) Portanto natildeo se identifica distinccedilatildeo conceitual entre as expressotildees ocorrendo apenas a preferecircncia ao adotar uma e natildeo a outra embora o texto legal utilize tatildeo somente suplementar
Outras denominaccedilotildees encontradas especialmente em mateacuterias jornaliacutesticas algumas produzidas pelos proacuteprios TREs satildeo eleiccedilatildeo extemporacircnea (BRASIL TRE-MG 1ordm maio 2010) e fora de eacutepoca (RAacuteDIO GAUacuteCHA 14 jun 2016) Elas procuram ser sinocircnimo de suplementar mas como fica evidente satildeo informais e enfatizam a ocorrecircncia de um pleito fora do calendaacuterio ordinaacuterio
3 Nulidade e anulaccedilatildeoAspecto diretamente relacionado ao tema deriva da nulidade da
maioria dos votos atribuiacutedos no pleito Contudo a temaacutetica tambeacutem contempla diversas possibilidades que seratildeo apreciadas nesta seccedilatildeo
31 Nulidade do votoO voto tomado como ldquoo instrumento pelo qual o eleitor expressa
sua vontade na escolha de seus representantes ou sobre assuntos que exigem sua manifestaccedilatildeordquo (PINTO 2006 p 309) formaliza-se por meio de determinado procedimento para registro da vontade do eleitor na ceacutedula de votaccedilatildeo que eacute estabelecido em lei ou em normas com forccedila de lei (caso das resoluccedilotildees do TSE)
Nessa perspectiva o eleitor tambeacutem precisa cumprir (ou deixar de cumprir) determinados requisitos para que seu voto seja considerado nulo Com o uso da urna eletrocircnica e em razatildeo da inexistecircncia de uma tecla alusiva a voto nulo eacute preciso digitar nuacutemero que corresponda a candidato inexistente Em tempos de ceacutedula de papel era necessaacuterio escrever nuacutemero ou nome que correspondesse a candidato inexistente riscar ou rasurar a ceacutedula
194
adotar qualquer outro procedimento de votaccedilatildeo que natildeo permitisse identificar intenccedilatildeo de voto vaacutelido como assinalar dois nomes para o mesmo cargo ou colocar o ldquoxrdquo fora do quadrilaacutetero correspondente8 (BRASIL TSE 2016d)
Dessa forma o voto nulo eacute aquele cuja manifestaccedilatildeo do eleitor na ceacutedula (boletim de voto) torna impossiacutevel que sua decisatildeo seja validada Tal definiccedilatildeo contempla as duas situaccedilotildees com base nas quais o voto eacute considerado nulo a de quem apesar de ter optado por algum candidato acaba inadvertidamente por inutilizar a ceacutedula e por isso natildeo consegue expressar de modo vaacutelido a sua escolha e a daquele que decide natildeo optar por nenhum dos concorrentes e por isso adota um procedimento de votaccedilatildeo que materializa a inutilizaccedilatildeo da ceacutedula
Para efeitos da apuraccedilatildeo natildeo haacute distinccedilatildeo efetiva entre voto nulo decorrente de vontade ou de erro Satildeo votos propriamente nulos ou natinulos aqueles que nasceram desse modo e como tais satildeo ldquoinfecundos ou esteacutereis [] isto eacute lsquoos que natildeo produzem frutosrsquo que natildeo trazem qualquer influecircncia na questatildeo que se deseja resolver atraveacutes dos pleitosrdquo (PORTO 1995 p 373)
A opccedilatildeo por natildeo escolher candidato pode ser ocasional relativa agrave inconformidade com as opccedilotildees apresentadas em uma disputa ou permanente fruto da insatisfaccedilatildeo com o sistema de voto (obrigatoacuterio no caso brasileiro) da circunstacircncia poliacutetica (como durante a ditadura civil-militar brasileira) ou mesmo do sistema representativo e portanto decorrente de uma postura ideoloacutegica Em qualquer situaccedilatildeo como declarou o Ministro Ayres Britto (Apud ALMEIDA NETO 2014 p 84) essa escolha constitui ldquolegiacutetima expressatildeo da vontade soberana do eleitor Vontade contudo que natildeo eacute direcionada a nenhum dos postulantes a cargo eletivo e que portanto assim eacute de ser recebida e consideradardquo
8 A determinaccedilatildeo consta no art 175 do Coacutedigo Eleitoral
195
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
32 Nulidade da votaccedilatildeo Nesse caso a nulidade nunca se refere agrave vontade do eleitor mas
ao conjunto de elementos que se associam ao voto Conforme o Coacutedigo Eleitoral eacute nula a votaccedilatildeo quando realizada em ceacutedula natildeo oficializada natildeo devidamente autenticada ou que natildeo preserve o segredo da escolha (art 175 incisos I a III) por eleitor natildeo habilitado em data horaacuterio e local natildeo oficializado para tal perante seccedilatildeo e autoridade natildeo regulamentar (arts 220 e 221) viciada de falsidade fraude coaccedilatildeo (art 222)
Cacircndido (2008 p 422) considera que haacute impropriedade na nomenclatura estabelecida em algumas dessas situaccedilotildees ndash como a votaccedilatildeo perante mesa natildeo nomeada por autoridade ou aquela realizada fora do periacuteodo legal (art 220 incisos I e III) ndash pois elas natildeo se referem propriamente a invalidades e sim agrave votaccedilatildeo inexistente visto que jamais cumpriram qualquer um dos requisitos legais
Esse tipo de nulidade sempre eacute estabelecido por decisatildeo da autoridade eleitoral apoacutes a constataccedilatildeo da irregularidade conforme disciplina o art 220 paraacutegrafo uacutenico do Coacutedigo Eleitoral Isso eacute na ocorrecircncia da votaccedilatildeo haacute a pretensatildeo de que os sufraacutegios sejam vaacutelidos ndash de parte daqueles que cometem essas fraudes porque haacute a intenccedilatildeo de que estas natildeo sejam descobertas e de parte dos eleitores natildeo envolvidos em fraude porque votam sem conhecer esses viacutecios bem como porque supotildeem participar de uma votaccedilatildeo que cumpre integralmente os requisitos de validade Para preservar tal expectativa a orientaccedilatildeo do Coacutedigo Eleitoral em seu art 219 eacute de que a Justiccedila Eleitoral seja cautelosa e abstenha-se de pronunciar nulidade sem demonstraccedilatildeo de prejuiacutezo de modo que prevaleccedila como regra a validade dos procedimentos e a nulidade seja a exceccedilatildeo
Independentemente do fato gerador os problemas que ensejam a nulidade da votaccedilatildeo arrastam para a nulidade as escolhas legiacutetimas do eleitor9 Trata-se de votos que satildeo anulados em contrariedade agrave disposiccedilatildeo do eleitor de escolher um candidato Cabe lembrar
9 Conforme o art 219 do Coacutedigo Eleitoral se for possiacutevel identificar os votos que natildeo estatildeo conformes agraves regras em uma ou mais seccedilotildees eleitorais torna‑se viaacutevel que apenas estes sejam anulados preservando‑se os demais
196
ainda que o sentido originalmente atribuiacutedo agrave expressatildeo eleiccedilatildeo suplementar se referia a essas situaccedilotildees em que houve nulidade da votaccedilatildeo em uma ou algumas seccedilotildees mas sem atingir mais de 50 dos votos (quando caberia anular o pleito) Quando essa nulidade natildeo implicava possibilidade de modificaccedilatildeo no resultado final era definida a nulidade de todos os votos atingidos mas se houvesse tal possibilidade a Justiccedila Eleitoral poderia determinar a realizaccedilatildeo em outra data de nova votaccedilatildeo nas seccedilotildees anuladas
33 Nulidade da eleiccedilatildeo Como jaacute visto ela figura no art 224 do Coacutedigo Eleitoral e na
ponderaccedilatildeo de Zilio (2006 p 43) ldquoo fim da norma prevista [] eacute cristalino evitar que uma eleiccedilatildeo maculada tenha vigecircncia e por consectaacuterio preservar ao maacuteximo a lisura do mandato eletivo do quadriecircnio respectivordquo Uma das questotildees-chave eacute como contabilizar os votos atingidos pela nulidade de modo a configurar a maioria absoluta exigida no art 224 e a consequente necessidade de realizaccedilatildeo de nova eleiccedilatildeo
Tambeacutem nesse caso a resposta da Justiccedila Eleitoral se modificou ao longo do tempo Como explica Bramraiter (2013) de 1965 ano da promulgaccedilatildeo do Coacutedigo Eleitoral ateacute meados dos anos 2000 o entendimento era de que independentemente do tipo de nulidade a eleiccedilotildees estariam anuladas se esse contingente atingisse mais de 50 dos votos emitidos
A autora demonstra tal compreensatildeo por meio de decisatildeo sobre o REspe nordm 4005AL proferida em 5 de abril de 1973
A Jurisprudecircncia deste Tribunal firmou‑se nordm sentido da anulaccedilatildeo da eleiccedilatildeo majoritaacuteria qualquer que seja o motivo da nulidade da votaccedilatildeo votos ou ceacutedula desde que se apure o excesso de mais da metade sobre o total do comparecimento (Apud BRAMRAITER 2013 p 76)
O entendimento continuava a ser esse em 1992 como se depreende da ementa alusiva ao REspe nordm 10989MT ldquoeacute firme a jurisprudecircncia desta Corte no sentido de que para a incidecircncia
197
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
do art 224 natildeo importa a causa da nulidade dos votosrdquo (Apud BRAMRAITER 2013 p 79) Dez anos depois em 2003 prevalecia a mesma interpretaccedilatildeo como se verifica no MS nordm 3113MS
[] se a nulidade dos votos atingir mais da metade da votaccedilatildeo ndash seja pela nulificaccedilatildeo das ceacutedulas seja pela votaccedilatildeo em candidatos inelegiacuteveis ou sem registro situaccedilatildeo que o Coacutedigo Eleitoral natildeo distingue ndash procede-se a nova eleiccedilatildeo conforme determina o art 224 daquele coacutedigo (Apud BRAMRAITER 2013 p 79)
A partir de 2006 ele sofreu modificaccedilatildeo tendo sido desenvolvida a distinccedilatildeo atualmente em vigor entre votos nulos (natinulos) aqueles que satildeo definidos pelo eleitor e votos anulados aqueles que embora eventualmente expressem uma decisatildeo do eleitor natildeo podem ser validados o que eacute sempre determinado pela Justiccedila Eleitoral Esse entendimento figura na ementa do REspe nordm 25937BA julgado em 2006 (BRAMRAITER 2013 p 80) e na Resoluccedilatildeo-TSE nordm 22992 de 19 de dezembro de 2008 em que se lecirc ldquoos votos dados a candidatos cujos registros encontravam-se sub judice tendo sido confirmados como nulos natildeo se somam para fins de novas eleiccedilotildees (art 224 CE) aos votos nulos decorrentes de manifestaccedilatildeo apoliacutetica do eleitorrdquo
Fixada essa distinccedilatildeo passou a preponderar o entendimento de que a nulidade a que faz referecircncia o art 224 eacute relativa aos votos anulados bem como que os votos nulos eram totalmente invaacutelidos e natildeo produziam nenhum efeito Assim ndash ao contraacuterio do entendimento anterior ndash eles natildeo poderiam ser somados e produzir a anulaccedilatildeo do pleito caso atingissem mais de 50 da votaccedilatildeo Igualmente natildeo haveria a possibilidade de a maioria absoluta dos eleitores ao anular o voto produzir a anulaccedilatildeo da eleiccedilatildeo ndash salvo a hipoacutetese amplamente improvaacutevel de que todos os eleitores o fizessem (BRASIL TSE 9 ago 2014)
Ao natildeo distinguir votos nulos e anulados e ao considerar todos para o cocircmputo da maioria absoluta de sufraacutegios atingidos pela nulidade o entendimento fixado pela Justiccedila Eleitoral ateacute meados dos anos 2000 ensejava mais provaacutevel que os limites estabelecidos
198
pelo art 224 fossem atingidos e em consequecircncia que mais eleiccedilotildees acabassem anuladas Natildeo obstante isso natildeo era comum
A razatildeo repousa no fato de o iacutendice de votos natinulos jamais ter chegado ao niacutevel de 50 dos votos atribuiacutedos assim como no de que os controles no processo de votaccedilatildeo tornavam raro que houvesse a anulaccedilatildeo de muitas seccedilotildees que muitos votos fossem anulados em razatildeo da cassaccedilatildeo ou da impugnaccedilatildeo de candidaturas de diplomas e de mandatos E tal natildeo ocorria porque inexistia legislaccedilatildeo que desse suporte agrave Justiccedila Eleitoral para tomar essas decisotildees eou para que obtivesse esse resultado de modo ceacutelere de forma que a possibilidade de puniccedilatildeo era rara
No entanto a anulaccedilatildeo de eleiccedilotildees tornou-se mais recorrente depois que a Justiccedila Eleitoral atenuou a possibilidade prevista no art 224 Essencialmente desde os anos 1990 houve crescimento da previsatildeo nos meios legais para que votos viessem a ser anulados pela Justiccedila Eleitoral Por um lado esses novos instrumentos legais acresceram situaccedilotildees passiacuteveis de cassaccedilatildeo em decorrecircncia de condutas inapropriadas desenvolvidas durante o processo eleitoral ou por inelegibilidade decorrente de accedilotildees anteriores Por outro tornaram mais precisas algumas jaacute previstas no Coacutedigo Eleitoral ou em outras legislaccedilotildees caso de fraude de compra de votos ou de abuso do poder econocircmico
Esse conjunto de normativos legais recentemente adotado tambeacutem criou um ambiente institucional que serve como estiacutemulo para que os competidores demandem contra os oponentes e portanto venham a judicializar a disputa Os achados empiacutericos de Marchetti corroboram essa perspectiva pois houve o crescimento dos recursos eleitorais entre 1990 e 2004 tendo 58 deles atores poliacuteticos como proponentes a questionar praacutetica dos seus concorrentes o que o leva a considerar que ldquoa via judicial poder ser tomada como arma para maximizar o nuacutemero de votos por meio de uma estrateacutegia que considera a Justiccedila Eleitoral como mais um palco no cenaacuterio competitivordquo (MARCHETTI 2014 p 101)
A loacutegica eacute simples como aumentou o elenco de praacuteticas vedadas pela legislaccedilatildeo e tambeacutem a intensidade das puniccedilotildees quem perde a
199
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
disputa eleitoral pode apresentar alegaccedilotildees contra o vencedor com a intenccedilatildeo de reverter ou de anular o resultado haja vista que se o resultado das urnas for mantido ele estaacute derrotado Assim em tese natildeo tem nada a perder ao contestar o resultado Conforme Zalamena (2013 p 86) nesse cenaacuterio institucional
[] atores poliacuteticos natildeo somente dedicam-se a propaganda as praacuteticas usuais de campanha na busca pelo voto como tambeacutem se dedicam a monitorar possiacuteveis erros dos adversaacuterios preferencialmente documentando-os com provas para possiacutevel utilizaccedilatildeo no caso de um processo
Na mesma medida a proacutepria Justiccedila Eleitoral passou a utilizar esses recursos legais para punir mais enfaticamente aqueles concorrentes que natildeo seguem tais pressupostos Conforme Marchetti (2014 p 109)
[] a probabilidade de um processo judicial envolvendo a competiccedilatildeo eleitoral prosperar na Justiccedila Eleitoral eacute bastante alta [] Natildeo achamos exagerado afirmar que as chances de combater um oponente poliacutetico-partidaacuterio na arena judicial com um resultado positivo para aquele que inicia o processo satildeo bastante elevadas
Evidentemente essa loacutegica significa que o resultado e a validade de um pleito cada vez mais natildeo se esgotam na apuraccedilatildeo e sim que pode haver ldquonovo estaacutegiordquo do processo eleitoral Consequentemente ele soacute tem fim quando a Justiccedila Eleitoral encerra a anaacutelise das contestaccedilotildees confirma o resultado das urnas ou anula a votaccedilatildeo e determina a realizaccedilatildeo de novo pleito o que reabre a disputa Conforme Noleto (2008 p 27) ldquoquando uma eleiccedilatildeo eacute judicializada desde que haja possibilidade de cassaccedilatildeo do registro ou do diploma de algueacutem na disputa seus resultados continuam incertos agraves vezes mesmo depois da apuraccedilatildeo dos votosrdquo
Cabe lembrar que os votos anulados que subsidiam a anulaccedilatildeo do pleito satildeo aqueles previstos no Coacutedigo Eleitoral em suas diversas modalidades os quais foram ateacute aqui resenhados sob a alcunha nulidade da votaccedilatildeo (seccedilatildeo 22) Poreacutem eacute relevante destacar que as tipificaccedilotildees que mais recentemente foram estabelecidas em lei e que subsidiam a maior atividade da Justiccedila Eleitoral satildeo originaacuterias
200
do art 175 sect 3ordm do Coacutedigo Eleitoral que preceitua ldquoseratildeo nulos para todos os efeitos os votos dados a candidatos inelegiacuteveis ou natildeo registradosrdquo10 Isso porque o que as inovaccedilotildees legislativas mais recentes fizeram nesse campo foi ampliar o escopo e tornar mais precisas as situaccedilotildees e os meios para declarar a inelegibilidade de um candidato ou desconhecer o registro dele como tal
Em outros termos torna-se cada vez mais possiacutevel que o eleitor tenha indicado um nome que estava inscrito para participar do pleito tenha aparecido no boletim de voto (a tela da urna eletrocircnica) e portanto tenha atribuiacutedo um voto ateacute entatildeo vaacutelido ou com possibilidade de ser validado mas decorrida a votaccedilatildeo esse nome deixou de ser considerado um candidato efetivo ou natildeo teve essa condiccedilatildeo confirmada por consequecircncia o voto deixou de ser vaacutelido ou natildeo pocircde ser validado e se tornou anulado (embora nunca tenha sido nulo seguindo a distinccedilatildeo construiacuteda pela Justiccedila Eleitoral)
As situaccedilotildees legais que subsidiam essa ocorrecircncia desdobram-se em algumas possibilidades a serem abordadas resumidamente na sequecircncia
331 Candidatura sub judice A primeira dessas possibilidades diz respeito a candidatos
que concorreram sem que a sua inscriccedilatildeo tenha sido validada pela Justiccedila Eleitoral o chamado candidato sub judice Satildeo duas situaccedilotildees baacutesicas (a) a daquele cujo registro deferido pela Justiccedila Eleitoral eacute contestado por terceiros (outros competidores Ministeacuterio Puacuteblico Eleitoral) e por isso passiacutevel de indeferimento (b) a dos natildeo registrados pois o pedido foi indeferido pela Justiccedila Eleitoral tendo sido solicitada a revisatildeo da negativa
Os que concorrem sub judice podem participar de todas as atividades da campanha mas correm o risco de apoacutes o pleito deixarem de ser ou nunca virem a ser um candidato plena e
10 ldquoCandidato inelegiacutevelrdquo se refere agrave inelegibilidade superveniente ou seja adquirida apoacutes a votaccedilatildeo visto que natildeo seria possiacutevel a existecircncia legal (autorizada pela Justiccedila Eleitoral) de candidato inelegiacutevel pois atestar a elegibilidade eacute um dos requisitos para o registro da candidatura (ALVIM 2012 p 351‑352)
201
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
legalmente registrado Se isso ocorrer os votos que receberam poderatildeo ser considerados anulados conforme decisatildeo da Justiccedila Eacute o que preceitua o art 16-A da Lei nordm 95041997 incluiacutedo pela Lei nordm 120342009
A base para a existecircncia de candidaturas sub judice repousa nas previsotildees legais para a inelegibilidade que tiveram a abrangecircncia ampliada desde a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 de forma a existir cada vez mais espaccedilo para que seja possiacutevel restringir ou contestar a candidatura
A Carta Magna de 1988 (art 14 sectsect 4ordm a 8ordm) traz um conjunto de cidadatildeos alcanccedilados pela inelegibilidade inalistaacuteveis analfabetos titulares de cargo do Executivo para a proacutepria sucessatildeo11 e cocircnjuge e parentes consanguiacuteneos ou afins ateacute o segundo grau de detentor de cargo do Executivo Ainda podem ser acrescentadas as condiccedilotildees de elegibilidade presentes na CF1988 (art 14 sect 3ordm) e em normas infraconstitucionais como filiaccedilatildeo partidaacuteria e domiciacutelio eleitoral em determinado prazo
Igualmente a Constituiccedilatildeo previu a necessidade de lei complementar para estabelecer novos casos de inelegibilidade ateacute entatildeo natildeo discriminados e assim preservar a normalidade e a legitimidade das eleiccedilotildees contra a influecircncia do poder econocircmico ou o abuso do exerciacutecio de funccedilatildeo cargo ou emprego na administraccedilatildeo direta ou indireta (art 14 sect 9ordm) Promulgada em 1990 a Lei Complementar nordm 64 chamada de Lei de Inelegibilidades discrimina hipoacuteteses de inelegibilidade prazos em que esses casos vigoram bem como procedimentos para impugnar candidaturas
Um novo passo foi dado com a aprovaccedilatildeo da Emenda Constitucional nordm 4 de 1994 que modificou o sect 9ordm do art 14 para incluir os termos probidade administrativa e moralidade para o exerciacutecio do mandato que estaria relacionada agrave vida pregressa do candidato Em um primeiro momento natildeo foram atendidos os objetivos pretendidos pois o TSE considerou que o princiacutepio natildeo era autoaplicaacutevel e que as expressotildees necessitavam de delimitaccedilatildeo legal para produzirem 11 Tal determinaccedilatildeo foi modificada com o advento da EC nordm 16 em 1997 que permite a
reeleiccedilatildeo O impedimento portanto passou a se referir a um terceiro periacuteodo consecutivo
202
efeito Em termos praacuteticos continuaram podendo concorrer os reacuteus em accedilotildees criminais e de improbidade administrativa mesmo se jaacute condenados se houvesse possibilidade de recorrer pois valeria o princiacutepio constitucional da presunccedilatildeo de inocecircncia
Novo e mais decisivo passo foi dado com a aprovaccedilatildeo de outro projeto de lei de iniciativa popular que redundou na Lei Complementar nordm 1352010 conhecida por Lei da Ficha Limpa Fundamentalmente ela pune com inelegibilidade o detentor de mandato que renunciar ao cargo para evitar cassaccedilatildeo assim como o condenado por oacutergatildeo colegiado ainda que exista possibilidade de recurso a oacutergatildeo superior e de posterior revisatildeo dessa decisatildeo em um amplo rol de crimes abuso do poder econocircmico ou poliacutetico contra a economia popular a feacute puacuteblica a administraccedilatildeo puacuteblica e o patrimocircnio puacuteblico contra o patrimocircnio privado o sistema financeiro o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falecircncia contra o meio ambiente e a sauacutede puacuteblica (BRASIL Lei Complementar nordm 1352010)12
332 Decorrente de accedilatildeo desenvolvida durante o pleitoA segunda possibilidade de voto do eleitor que posteriormente eacute
anulado pela Justiccedila Eleitoral diz respeito agraves situaccedilotildees que tecircm como penalidade a cassaccedilatildeo da candidatura do diploma ou a impugnaccedilatildeo do mandato e se relacionam com as accedilotildees previstas na Lei nordm 95041997 (a) captaccedilatildeo iliacutecita de sufraacutegio (art 41-A) (b) captaccedilatildeo e gastos iliacutecitos de recursos ou abuso do poder econocircmico (art 30-A) (c) condutas vedadas aos agentes puacuteblicos (arts 73 a 78)
Nenhuma dessas questotildees era desconhecida da CF1988 ou do Coacutedigo Eleitoral mas mais recentemente elas foram efetivamente tipificadas especificadas na legislaccedilatildeo ou associadas agrave perda da condiccedilatildeo de candidato de diplomado ou de eleito de modo a fornecer os meios para que os demais concorrentes pudessem reivindicar eou o Ministeacuterio Puacuteblico e a Justiccedila Eleitoral pudessem agir punir os agentes poliacuteticos e consequentemente anular os votos a ele atribuiacutedos
12 A Lei da Ficha Limpa inclui vaacuterios outros impedimentos os quais natildeo foram aqui relacionados
203
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
Essas mesmas accedilotildees realizadas e condenadas em periacuteodo anterior ao pleito podem redundar na inelegibilidade do candidato e assim estatildeo contempladas na possibilidade apresentada anteriormente sob a alcunha ldquocandidatura sub judicerdquo Em outros termos accedilotildees realizadas antes do periacuteodo eleitoral em questatildeo podem tornar determinado cidadatildeo previamente inelegiacutevel (ainda que a decisatildeo acerca dessa condiccedilatildeo seja determinada ao longo da campanha depois de realizado o pleito ou ateacute mesmo durante o exerciacutecio do mandato) enquanto as que satildeo apreciadas agora foram promovidas ao longo do processo eleitoral do qual ele participa e por isso redundam na penalidade de impugnaccedilatildeo ou cassaccedilatildeo
4 Consequecircncias da anulaccedilatildeo dos votosNo campo do Direito Eleitoral e da jurisprudecircncia do TSE as
consequecircncias produzidas pela anulaccedilatildeo de maioria dos votos de uma eleiccedilatildeo natildeo estatildeo pacificadas Entendimentos divergentes satildeo registrados e decisotildees distintas para casos aparentemente semelhantes tecircm sido tomadas Desse modo da premissa anulados mais de 50 dos votos prevista no art 224 do Coacutedigo Eleitoral natildeo se retiram necessariamente a anulaccedilatildeo da eleiccedilatildeo tambeacutem determinada no mesmo artigo e menos ainda a realizaccedilatildeo de eleiccedilatildeo suplementar
41 Diplomaccedilatildeo do candidato subsequente que esteja aptoA lei parece cristalina apenas no caso da anulaccedilatildeo de mais de
50 dos votos (descontados os propriamente nulos conforme o entendimento atual do TSE) cabe a anulaccedilatildeo da eleiccedilatildeo Portanto permanece a validade do pleito quando os votos anulados de um ou de mais de um candidato somados natildeo atingem 50 Caso o eleito natildeo esteja entre os impugnados ou cassados ele continua na condiccedilatildeo de vencedor se figurar toma posse o candidato subsequente mais bem colocado que esteja apto (normalmente o segundo colocado)
204
A situaccedilatildeo jaacute natildeo eacute tatildeo simples quando se trata de pleitos em que seja necessaacuteria a obtenccedilatildeo da maioria absoluta dos votos vaacutelidos para alcanccedilar o cargo (presidente governador prefeito em municiacutepio com mais de 200 mil eleitores) e consequentemente exista a possibilidade de disputa de segundo turno Ocorrendo a anulaccedilatildeo dos votos atribuiacutedos ao candidato que venceu o segundo turno deve este ser anulado ou o pleito desde o seu princiacutepio ou seja tambeacutem o primeiro turno Ou deve ser anulada tatildeo somente a votaccedilatildeo desse candidato obtida em ambos os turnos As respostas da Justiccedila Eleitoral variam conforme os casos as quais nem sempre se encaminham para a promoccedilatildeo de um novo pleito
Situaccedilatildeo 1 ndash Em vez da realizaccedilatildeo de uma nova eleiccedilatildeo foi consagrado o segundo colocado no segundo turno isto eacute o perdedor mas natildeo por ter sido o uacutenico que restou nessa etapa e sim porque se tornou o vencedor do primeiro turno A explicaccedilatildeo eacute que os votos do vencedor foram anulados natildeo soacute no segundo turno mas tambeacutem no primeiro Nesse caso eacute preciso refazer os caacutelculos para ver se o outro selecionado para o segundo turno atingiu a maioria absoluta dos votos vaacutelidos jaacute no primeiro turno tendo em vista que os votos do candidato vencedor do pleito satildeo retirados da base de caacutelculo
Situaccedilatildeo 2 ndash Novamente em vez da realizaccedilatildeo de uma nova eleiccedilatildeo a Justiccedila Eleitoral diploma o concorrente que havia sido derrotado no segundo turno Tal fato no entanto ocorre com base em outra interpretaccedilatildeo natildeo caberia a aplicaccedilatildeo do art 224 do Coacutedigo Eleitoral ao segundo turno de eleiccedilotildees ndash o que soacute valeria para o primeiro turno ou para eleiccedilotildees de turno uacutenico ndash e sim do art 77 sect 3ordm da CF1988 que determina
[] se nenhum candidato alcanccedilar maioria absoluta na primeira votaccedilatildeo far-se-aacute nova eleiccedilatildeo em ateacute vinte dias apoacutes a proclamaccedilatildeo do resultado concorrendo os dois candidatos mais votados e considerando-se eleito aquele que obtiver a maioria dos votos vaacutelidos (BRASIL CF1988)
Nesta situaccedilatildeo dois entendimentos estatildeo associados O primeiro eacute de que os votos anulados natildeo satildeo absolutamente anulados e sim relativamente anulados por isso constituem a base sobre a
205
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
qual eacute contabilizado o contingente de votos vaacutelidos embora natildeo possam ser contabilizados a nenhum concorrente o que dispensa a possibilidade de renovaccedilatildeo da eleiccedilatildeo O segundo afirma que o segundo colocado pode ser considerado vencedor porque a votaccedilatildeo dele (que realmente foi menor do que 50 dos votos vaacutelidos) atingiu a maioria simples dos votos nominais Ele estaacute fixado pelo parecer do Ministro Carlos Madeira
[] penso que a maioria que se exige [no segundo turno] eacute maioria simples prevista expressamente no sect 1ordm art 2ordm da Lei das Eleiccedilotildees [] eacute clara a situaccedilatildeo de que lsquose nenhum candidato alcanccedilar a maioria absoluta na primeira votaccedilatildeo far-se-aacute nova eleiccedilatildeo no uacuteltimo domingo de outubro concorrendo os dois candidatos mais votados e considerando-se eleito o que obtiver a maioria dos votos vaacutelidosrsquo Entatildeo a maioria eacute simples ao contraacuterio da maioria absoluta exigida no caput do art 2ordm da Lei nordm 95041997 ndash para o primeiro turno (Apud ALMEIDA NETO 2014 p 89)
Assim a base para tal interpretaccedilatildeo eacute que no segundo turno natildeo eacute exigida a maioria absoluta e sim a simples
42 Realizaccedilatildeo de novo segundo turno Esta eacute uma decisatildeo derivada a Justiccedila Eleitoral anula os votos
do vencedor no segundo turno mas natildeo daacute posse ao segundo colocado como verificado na situaccedilatildeo 2 da subseccedilatildeo anterior pois entende o quadro nos termos da situaccedilatildeo 1 ou seja eacute preciso retirar a votaccedilatildeo do vencedor do pleito original recalcular a divisatildeo dos votos do primeiro turno e verificar se algum candidato natildeo alcanccedilou 50 dos votos vaacutelidos o que faria dele o vencedor Constatado que isso natildeo ocorreu eacute determinada a realizaccedilatildeo de novo segundo turno do qual participam o derrotado no segundo turno original e o concorrente que ficou em terceiro lugar no primeiro turno ndash que eacute promovido ou resgatado
De qualquer modo essa situaccedilatildeo abrange a realizaccedilatildeo de eleiccedilatildeo suplementar com nova votaccedilatildeo e novos competidores A peculiaridade estaacute no fato de que o pleito natildeo eacute anulado em sua totalidade pois os resultados do primeiro turno produzem efeitos e servem para selecionar os que passam ao segundo
206
43 Eleiccedilatildeo indireta no biecircnio final do mandato Outra possibilidade surge se a anulaccedilatildeo de mais de 50 dos votos
de uma eleiccedilatildeo acontecer quando jaacute decorrida mais da metade do mandato Nesses casos as decisotildees da Justiccedila Eleitoral tecircm sido tanto a realizaccedilatildeo de eleiccedilatildeo direta (suplementar) quanto indireta aquela em que os eleitores satildeo os membros do Poder Legislativo respectivo (Congresso Nacional no caso de presidente Assembleia Legislativa no de governador Cacircmara Municipal no de prefeito)
Agrave luz do art 224 do Coacutedigo Eleitoral natildeo haveria motivo para discussatildeo pois a codificaccedilatildeo preceitua eleiccedilatildeo direta Poreacutem a base para a outra decisatildeo eacute o art 81 sect 1ordm da CF1988 que determina a eleiccedilatildeo indireta a ser realizada pelo Congresso Nacional quando eacute preciso suprir a vacacircncia conjunta dos cargos de presidente e de vice‑presidente no biecircnio final do mandato
Para Lima Filho (2008) isso implica dizer que se a vacacircncia ocorrer no biecircnio final do mandato soacute eacute cabiacutevel a realizaccedilatildeo de eleiccedilatildeo indireta e que a Justiccedila Eleitoral se equivoca ao determinar a direta (suplementar) pois
[] aplicar o art 224 do Coacutedigo Eleitoral nos uacuteltimos dois anos do periacuteodo de mandato eacute prender-se a um formalismo desnecessaacuterio capaz de gerar grande instabilidade no ordenamento juriacutedico submetendo o eleitorado a uma situaccedilatildeo draacutestica em descabido afronte aos valores e princiacutepios constitucionais como a proporcionalidade e razoabilidade
O fundamento para tal interpretaccedilatildeo estaacute no fato de o texto constitucional falar apenas em vacacircncia sem vinculaacute-la a alguma causa especiacutefica Desse modo importa tatildeo somente o fato de o cargo natildeo se encontrar ocupado nesse periacuteodo especiacutefico
O entendimento da Justiccedila Eleitoral poreacutem eacute de que se a vacacircncia decorre de razatildeo eleitoral cabe a realizaccedilatildeo de nova eleiccedilatildeo direta e que a indireta deve realizar-se em situaccedilotildees decorrentes de outras motivaccedilotildees como renuacutencia falecimento incapacidade absoluta cassaccedilatildeo por ato do poder legislativo (LIMA FILHO 2008)
207
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
Essa eacute uma parte da polecircmica A outra se refere ao fato de o artigo da Constituiccedilatildeo abranger tatildeo somente o presidente e o vice-presidente e de natildeo existir determinaccedilatildeo especiacutefica para os cargos equivalentes nos planos estadual e municipal Logo haacute discussatildeo se a determinaccedilatildeo eacute aplicaacutevel a eles e em caso positivo em que medida ela deve ser estendida
O entendimento firmado pelo STF eacute de que por simetria a previsatildeo constante no art 81 eacute aplicaacutevel ao plano subnacional Portanto constatada a vacacircncia caberia ao Poder Legislativo respectivo realizar a escolha do novo titular do Executivo a natildeo ser que a constituiccedilatildeo estadual ou a lei orgacircnica municipal em questatildeo discipline eleiccedilatildeo direta (suplementar) Na mesma medida tambeacutem foi firmado o entendimento de que inexistindo lei que discipline como deve se processar essa eleiccedilatildeo indireta os respectivos oacutergatildeos legislativos subnacionais tecircm autonomia para organizarem a eleiccedilatildeo como considerarem mais procedente A ressalva eacute que se torna necessaacuteria a realizaccedilatildeo de eleiccedilatildeo sendo impossiacutevel por conseguinte considerar automaticamente o presidente do respectivo Legislativo como sucessor
Apesar disso e como foi visto anteriormente a Justiccedila Eleitoral tem decidido tanto pela realizaccedilatildeo de eleiccedilotildees diretas (suplementar) quanto por indiretas no plano subnacional sem que entendimento uacutenico se tenha firmado ateacute o momento
44 Novo regramentoPor conta das indefiniccedilotildees resenhadas nas subseccedilotildees anteriores
a Lei nordm 13165 de 29 de setembro de 2015 abordou a questatildeo ao incluir os sectsect 3ordm e 4ordm ao art 224 do Coacutedigo Eleitoral
Art 224 []sect 3ordm A decisatildeo da Justiccedila Eleitoral que importe o indeferimento do registro a cassaccedilatildeo do diploma ou a perda do mandato de candidato eleito em pleito majoritaacuterio acarreta apoacutes o tracircnsito em julgado a realizaccedilatildeo de novas eleiccedilotildees independentemente do nuacutemero de votos anulados
208
sect 4ordm A eleiccedilatildeo a que se refere o sect 3ordm correraacute a expensas da Justiccedila Eleitoral e seraacute I ndash indireta se a vacacircncia do cargo ocorrer a menos de seis meses do final do mandato II ndash direta nos demais casos
As mudanccedilas natildeo satildeo pequenas A primeira delas eacute que a lei veda a possibilidade de ser declarado vencedor (e de tomar posse) outro candidato que natildeo aquele que obteve mais votos no pleito majoritaacuterio13 Caso a votaccedilatildeo dele seja anulada impotildee-se a realizaccedilatildeo de nova eleiccedilatildeo o que elimina as possibilidades elencadas nas subseccedilotildees 31 e 32
Desse modo a novidade acolhe o posicionamento daqueles que defendem que em qualquer hipoacutetese devem ser realizadas novas eleiccedilotildees diretas (suplementar) e os argumentos para tanto satildeo assim sintetizados por Leite (2014 p 19)
[] a liberdade de votar eacute cerceada por uma regra juriacutedica instituiacuteda em pleno regime juriacutedico-poliacutetico de exceccedilatildeo (ditadura militar) [o art 224 do Coacutedigo Eleitoral de 1965] em que o criteacuterio de decisatildeo da maioria natildeo eacute respeitado uma vez que a realizaccedilatildeo de novas eleiccedilotildees deveria ocorrer toda vez que o candidato mais votado tivesse o seu registro de candidatura rejeitado ou sua diplomaccedilatildeo invalidada judicialmente
A segunda eacute que as situaccedilotildees que ensejam cada tipo de nova eleiccedilatildeo estatildeo discriminadas pondo aparentemente fim agraves possibilidades de entendimentos divergentes como resenhado na subseccedilatildeo 33 Se a vacacircncia ocorrer a menos de seis meses do final do mandato a eleiccedilatildeo seraacute indireta (no acircmbito do respectivo Legislativo) em todas as demais situaccedilotildees a disputa seraacute direta configurando a chamada eleiccedilatildeo suplementar Todavia como a norma refere decisatildeo da Justiccedila Eleitoral as determinaccedilotildees natildeo se aplicam a outras decisotildees que tambeacutem redundam na cassaccedilatildeo de mandato como aquelas proferidas pela Justiccedila Comum ou aprovadas pelo Legislativo
13 Nesse caso a medida abarca tambeacutem o cargo de senador embora este seja do Poder Legislativo Natildeo se sabe se a intenccedilatildeo original do legislador era incluir os senadores ou se esse imprevisto decorreu do modo como foi redigida a norma
209
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
O terceiro e mais relevante eacute que embora figure como paraacutegrafo do art 224 a inovaccedilatildeo altera o que o caput do mesmo artigo estabelece e daacute novo significado agrave possibilidade de realizaccedilatildeo de novas eleiccedilotildees Isso ocorre porque o caput trata de anulaccedilatildeo da eleiccedilatildeo e promoccedilatildeo de novo pleito quando (e somente quando) 50 dos votos forem anulados o sect 3ordm se reporta agrave necessidade de nova eleiccedilatildeo em qualquer situaccedilatildeo em que os votos do vencedor forem anulados ou seja tenha ele feito a maioria absoluta ou tatildeo somente a relativa
Como essa inovaccedilatildeo vai produzir efeitos a partir de 2016 o seu efetivo impacto sobre a temaacutetica das eleiccedilotildees suplementares ainda natildeo pode ser plenamente averiguado No entanto algumas previsotildees podem ser apresentadas as futuras decisotildees dos TREs passam a ter uma referecircncia normativa o que em tese deve reduzir a margem para decisotildees tatildeo divergentes e contraditoacuterias entre si que tornam cada caso um caso ao mesmo tempo a expectativa eacute de intenso crescimento do nuacutemero de eleiccedilotildees suplementares nos proacuteximos anos
De qualquer modo doutrinadores jaacute apontam algumas dificuldades para que essa inovaccedilatildeo legal produza esses efeitos caso de Severo e Chaves (2015 p 117-118)
[] se condiciona a realizaccedilatildeo de novas eleiccedilotildees ao tracircnsito em julgado da cassaccedilatildeo Isso pode acarretar que os presidentes de cacircmaras municipais fiquem vaacuterios meses (ou ateacute anos) no comando da prefeitura no periacuteodo compreendido entre o afastamento do prefeito do cargo (que pode ocorrer jaacute a partir do julgamento pelos TREs) ateacute o tracircnsito em julgado da condenaccedilatildeo (que em alguns casos pode demandar decisatildeo ateacute mesmo do STF sobre a mateacuteria)
Se tal interpretaccedilatildeo for a correta a nova legislaccedilatildeo faz com que se retorne ao periacuteodo anterior em que havia poucas possibilidades de a Justiccedila Eleitoral punir de modo efetivo (com a perda de mandato) aqueles que o alcanccedilaram por meio de procedimentos ilegais
210
5 Conclusatildeo
O artigo abordou a atual definiccedilatildeo de eleiccedilatildeo suplementar adotada pela Justiccedila Eleitoral e indicou as modificaccedilotildees que ela sofreu ao longo do tempo especialmente ao ser contraposta ao conceito de renovaccedilatildeo de eleiccedilotildees Tambeacutem foram discutidos os institutos diretamente vinculados agrave questatildeo quais sejam anulaccedilatildeo e nulidade de voto votaccedilatildeo e eleiccedilatildeo bem como a ampliaccedilatildeo das previsotildees legais nos anos 1990 que permitiram agrave Justiccedila Eleitoral cassar e impugnar candidaturas diplomas e mandatos redundando na realizaccedilatildeo de mais eleiccedilotildees suplementares Apresentou decisotildees da Justiccedila Eleitoral em face da determinaccedilatildeo da anulaccedilatildeo de mais de 50 dos votos o que nem sempre redunda em convocaccedilatildeo de novas eleiccedilotildees diretas e sim na posse do segundo colocado ou na realizaccedilatildeo de eleiccedilatildeo indireta Por derradeiro apontou as recentes modificaccedilotildees no Coacutedigo Eleitoral que a depender das interpretaccedilotildees jurisprudenciais podem produzir aumento da convocaccedilatildeo de novas eleiccedilotildees ou ao contraacuterio fazer com que o panorama retorne ao periacuteodo em que a Justiccedila Eleitoral natildeo tinha meios efetivos para punir com eficaacutecia accedilotildees indevidas de candidatos
Referecircncias
ALMEIDA NETO Manoel Carlos de Direito eleitoral regulador Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2014
ALVIM Frederico Franco Manual de direito eleitoral Belo Horizonte Foacuterum 2012
BRAGA Flaacutevio A distinccedilatildeo entre eleiccedilatildeo suplementar e renovaccedilatildeo de eleiccedilatildeo Satildeo Luiacutes fev 2009 Disponiacutevel em lthttpadrianosoaresdacostablogspotcombr200903eleicao-suplementar-e-renovacao-dehtmlgt Acesso em 21 maio 2016
BRAMRAITER Juliana Os reais efeitos do voto nulo na atualidade e seu reflexo para o regime da democracia representativa no Brasil Revista Estudos Legislativos Porto Alegre a 7 n 7 Disponiacutevel
211
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
em lthttpsubmissoesalrsgovbrindexphpestudos_legislativosarticleview134pdfgt Acesso em 21 maio 2016
BRASIL Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03ConstituicaoConstituicaohtmgt Acesso em 21 maio 2016
_____ Coacutedigo eleitoral 1965 (Lei 4737 de 15 jul 1965) Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03leisl4737htmgt Acesso em 21 maio 2016
_____ Lei 9504 de 30 set 1997 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03leisl9504htmgt Acesso em 21 maio 2016
_____ Lei Complementar 135 de 04 jun 2010 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03leisLCPLcp135htmgt Acesso em 21 maio 2016
_____ TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE MINAS GERAIS Candidatos entregam registros para eleiccedilotildees extemporacircneas em cinco municiacutepios 01 maio 2010 Disponiacutevel em lthttpwwwtre-mgjusbrimprensanoticias-tre-mg2010maiocandidatos-entregam-registros-para-eleicoes-extemporaneas-em-cinco-cidadesgt Acesso em 21 maio 2016
_____ TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL Bibliografia selecionada apuraccedilatildeo de voto eleiccedilatildeo suplementar nulidade de voto Brasiacutelia TSE 2012
_____ _____ Eleiccedilotildees 2014 mais de 50 de votos nulos natildeo podem anular um pleito 9 ago 2014 Disponiacutevel em lthttpwwwtsejusbrnoticias-tse2014Agostoeleicoes-2014-mais-de-50-dos-votos-nulos-nao-podem-anular-um-pleitogt Acesso em 21 maio 2016
_____ _____ Estatiacutesticas TSE Eleiccedilotildees 2012 Disponiacutevel em lthttpwwwtsejusbrhotSitesestatistica2012indexhtmlgt Acesso em 21 maio 2016
212
_____ _____ Glossaacuterio Eleitoral Eleiccedilatildeo suplementar 2016a Disponiacutevel em lthttpwwwtsejusbreleitorglossariotermos-iniciados-com-a-letra-eeleicao-suplementargt Acesso em 21 maio 2016
_____ _____ Glossaacuterio Eleitoral Eleiccedilotildees suplementares 2016c Disponiacutevel em lthttpwwwtsejusbreleicoeseleicoes-suplementareseleicoes-suplementaresgt Acesso em 21 maio 2016
_____ _____ Glossaacuterio Eleitoral Renovaccedilatildeo das eleiccedilotildees 2016b Disponiacutevel em lthttpwwwtsejusbreleitorglossariotermos-iniciados-com-a-letra-rrenovacao-das-eleicoesgt Acesso em 21 maio 2016
_____ _____ Glossaacuterio Eleitoral Voto nulo 2016d Disponiacutevel em lthttpwwwtsejusbreleitorglossariotermos-iniciados-com-a-letra-vvoto-nulogt Acesso em 21 maio 2016
_____ _____ Resoluccedilatildeo 22992 de 19 dez 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwjurisprudenciaelectoralorgsitesdefaultfilesPA2020159pdfgt Acesso em 21 maio 2016
CAcircNDIDO Joel Direito eleitoral brasileiro 13 ed rev atual Bauru Edipro 2008
CORREIO DO POVO PMDB vence trecircs das quatro eleiccedilotildees complementares no RS 07 abr 2013 Disponiacutevel em lthttpwwwcorreiodopovocombrNoticiasNoticia=495915gt Acesso em 21 maio 2016
HOUAISS Antocircnio Dicionaacuterio Houaiss da Liacutengua Portuguesa Rio de Janeiro Objetiva 2001
KUNTZ Jamile Ton Eleiccedilotildees suplementares e desincompatibilizaccedilatildeo a tentativa jurisprudencial de compatibilizar os institutos Revista Brasileira de Direito Eleitoral a 3 n 4 janjun 2011
213
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
LEITE Carlos Alexandre Amorim A invalidaccedilatildeo da votaccedilatildeo em decorrecircncia de accedilotildees eleitorais criacutetica ao atual sistema por violaccedilatildeo ao princiacutepio da maioria Revista Eletrocircnica EJE Brasiacutelia a 4 n 5 agoset 2011
LIMA FILHO Jayme Vieira A realizaccedilatildeo de novas eleiccedilotildees no biecircnio final do mandato Revista Jus Navigandi Teresina a 13 n 1826 1 jul 2008 Disponiacutevel em lthttpsjuscombrartigos11418gt Acesso em 21 maio 2016
MARCHETTI Vitor Competiccedilatildeo eleitoral e controle das candidaturas uma anaacutelise das decisotildees do TSE Cadernos Adenauer v 15 n 1 2014
NOLETO Mauro Almeida Terceiro turno crocircnicas da jurisdiccedilatildeo eleitoral Imperatriz Eacutetica 2008
PINTO Djalma Direito eleitoral improbidade administrativa e responsabilidade fiscal 3 ed Satildeo Paulo Atlas 2006
PORTO Walter Costa Dicionaacuterio do voto Satildeo Paulo Giordano 1995
RAacuteDIO GAUacuteCHA Em eleiccedilatildeo fora de eacutepoca Crissiumal elege novo prefeito e vice 14 jun 2015 Disponiacutevel em lthttpgauchaclicrbscombrrsnoticia-aberta-em-eleicao-fora-de-epoca-crissiumal-elege-novo-prefeito-e-vice-140295htmlgt Acesso em 21 maio 2016
SEVERO Gustavo CHAVES Humberto A reforma eleitoral de 2015 breves comentaacuterios agrave Lei nordm 131652015 Revista Brasileira de Direito Eleitoral Belo Horizonte a 7 n 13 juldez 2015
ZALAMENA Juliana Costa Meinerz Judicializaccedilatildeo competiccedilatildeo poliacutetica local e eleiccedilotildees municipais no Rio Grande do Sul 2013 134f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia Poliacutetica) ndash Universidade Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre
214
ZILIO Rodrigo Loacutepez Renovaccedilatildeo da eleiccedilatildeo e participaccedilatildeo de quem deu causa agrave nulidade Revista do TRERS Porto Alegre v 11 n 22 janjun 2006
propaganda poliacutetica uma abordagem sobre suas teacutecnicas com ecircnfase na mensagem subliminarSTELA CALDIERARO
ROOSEVELT ARRAES
217
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
PROPAGANDA POLIacuteTICA UMA ABORDAGEM SOBRE SUAS TEacuteCNICAS COM EcircNFASE NA MENSAGEM SUBLIMINAR1
POLITICAL PROPAGANDA AN APPROACH ON ITS TECHNIQUES WITH EMPHASIS ON SUBLIMINAL MESSAGE
STELA CALDIERARO2
ROOSEVELT ARRAES3
RESUMO
Desde as primeiras ideias democraacuteticas as teacutecnicas e as estrateacutegias utilizadas nas diversas modalidades de difusatildeo da informaccedilatildeo estatildeo em constante aperfeiccediloamento Quatro praacuteticas ndash desvirtuamento do conceito de governo democraacutetico criaccedilatildeo de acusaccedilotildees e fatos inveriacutedicos estiacutemulo agraves emoccedilotildees e projetos inexequiacuteveis ndash satildeo percebidas conscientemente pelo puacuteblico a depender do repertoacuterio do emissor e do receptor Todavia haacute uma quinta praacutetica cujo adjetivo tem sido utilizado nos julgados da Justiccedila Eleitoral para qualificar a propaganda eleitoral extemporacircnea ndash a mensagem subliminar ndash engenhosamente criada para natildeo ser identificada pelos sentidos humanos ameaccedilando o Estado democraacutetico contemporacircneo
Palavras-chave Propaganda poliacutetica Informaccedilatildeo Propaganda eleitoral extemporacircnea Mensagem subliminar
1 Artigo recebido em 29 de novembro de 2016 e aprovado para publicaccedilatildeo em 27 de janeiro de 2017
2 Graduanda em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba3 Mestre e doutorando em Filosofia Poliacutetica e Juriacutedica pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do
Paranaacute Especialista em Eacutetica pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Paranaacute Professor e pesquisador em Direito Eleitoral
218
ABSTRACT
From the earliest democratic ideas the techniques and strategies used in the various modes of information diffusion are constantly improving Four practices ndash distortion of the concept of democratic government creation of accusations and untrue facts stimulus to emotions and unpractical projects ndash are consciously perceived by the public depending on the repertoire of the sender and receiver However there is a fifth practice whose adjective has been used in electoral court judgments to qualify extemporaneous electoral propaganda ndash the subliminal message ndash cleverly crafted to be unidentified by the human senses threatening the contemporary Democratic State
Keywords Political propaganda Information Extemporaneous canvass Subliminal message
219
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
1 IntroduccedilatildeoO dissenso sobre a origem da democracia enseja duacutevidas
sobre seu personagem fundador e seu marco temporal Poreacutem as principais correntes remontam seu iniacutecio aos anos de 594 a 454 aC A datar desse periacuteodo observou-se a existecircncia de personagens especialistas na arte da persuasatildeo oradores sofistas e demagogos
Ao longo do tempo a democracia antiga sofreu transformaccedilotildees e a substancial mudanccedila deu-se com o surgimento da representatividade
Desse modo os candidatos em maior nuacutemero passaram a disputar cargos em menor quantidade necessitando-se do ato da escolha de uns em detrimento de outros para obterem a vitoacuteria no pleito eleitoral organizando-se assim em partidos poliacuteticos
Um conceito contemporacircneo de democracia que pressupotildee a pluralidade poliacutetica aplicada em paiacuteses de grandes dimensotildees territoriais eacute defendido por Robert Dahl Para a concretizaccedilatildeo dos criteacuterios de compreensatildeo esclarecida e da participaccedilatildeo efetiva faz-se mister a existecircncia da instituiccedilatildeo de fontes de informaccedilatildeo diversificadas Para o autor entre outras instituiccedilotildees e criteacuterios quanto maior a participaccedilatildeo do cidadatildeo menor seraacute a busca dos interesses da classe dominante Assim a informaccedilatildeo minimamente inteligiacutevel eacute fundamental para produzir reaccedilatildeo social em busca do direito da maioria e das minorias
A informaccedilatildeo pode ser transmitida de diversas maneiras a depender do suporte para sua propagaccedilatildeo De modo geral qualquer comunicaccedilatildeo destinada a persuadir o puacuteblico eacute definida como propaganda Desse modo ela eacute reconhecida como grande meio de difusatildeo de informaccedilatildeo real ou criada podendo conter todo o fato ou omitir partes essenciais ainda que veriacutedicas capazes de alterar o entendimento
A propaganda poliacutetica eacute uma realidade indispensaacutevel agrave manutenccedilatildeo dos objetivos democraacuteticos Portanto o cerne dessa pesquisa satildeo as estrateacutegias de persuasatildeo e manipulaccedilatildeo da informaccedilatildeo bem
220
como as possiacuteveis consequecircncias da sua maacute utilizaccedilatildeo visto que os candidatos a cargos eletivos ao perseguirem a vitoacuteria sem preocupaccedilatildeo com a qualidade clareza e veracidade da informaccedilatildeo contribuem para o desvirtuamento das ideias democraacuteticas
O eleitor deveria ter a perspicaacutecia de entender as informaccedilotildees expliacutecitas e impliacutecitas independentemente de sua escolaridade ou condiccedilatildeo social Deveria recebecirc-las e interpretaacute-las da forma mais proacutexima da ideia veiculada As mensagens podem ser percebidas pelo cidadatildeo como no caso das quatro praacuteticas identificadas neste trabalho quais sejam o desvirtuamento do conceito de governo democraacutetico a criaccedilatildeo de acusaccedilotildees e fatos inveriacutedicos o estiacutemulo agraves emoccedilotildees e os projetos inexequiacuteveis A quinta praacutetica incutida que pode ocorrer na propaganda poliacutetica por ser informaccedilatildeo direcionada ao inconsciente natildeo percebida pelo puacuteblico eacute a mensagem subliminar estruturada para natildeo ser identificada Essas praacuteticas que interferem tanto na recepccedilatildeo da mensagem quanto na sua decodificaccedilatildeo destoam da sua finalidade mera transmissatildeo de dados torna-se um campo de guerra onde o objetivo principal eacute ganhar o jogo natildeo importando como a vitoacuteria ocorreraacute
Talvez um voto com compreensatildeo esclarecida ainda seja utopia em um paiacutes que possui altos iacutendices de pobreza e de desigualdades e baixos iacutendices de escolaridade Mas como a propaganda poliacutetica seja nas ruas seja via comunicaccedilatildeo de massa atinge um nuacutemero expressivo do eleitorado compreender a manipulaccedilatildeo da informaccedilatildeo na propaganda poliacutetica eacute de fundamental importacircncia para identificar maneiras de mitigar as incidecircncias ou ainda que a manipulaccedilatildeo permaneccedila eacute importante que o cidadatildeo possua conhecimento para detectaacute-la e optar por outro candidato vencendo as eleiccedilotildees aquele que possuir ideias exequiacuteveis independentemente de possuir oacutetimo discurso
Assim ao estudar a propaganda poliacutetica como grande vetor do desvirtuamento das ideias democraacuteticas almeja‑se identificar os diversos meios de transmissatildeo de informaccedilatildeo que encaminham a democracia agrave demagogia
221
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
Em virtude de o estudo ter sido concentrado em obras de autores nacionais e estrangeiros incluindo legislaccedilatildeo e julgados o procedimento de pesquisa adotado foi o bibliograacutefico
2 Primeiras ideias democraacuteticasO iniacutecio da democracia residia em ideias esparsas relacionadas a
reaccedilotildees populares contra regimes tiracircnicos e tambeacutem na participaccedilatildeo popular nos tribunais e nas assembleias Natildeo representava uma forma de governo e dependendo do personagem e do periacuteodo o termo democracia recebia conceitos diferentes
Nesse periacuteodo da antiguidade claacutessica predominavam os discursos orais modalidade de transmissatildeo da palavra que permite a articulaccedilatildeo de diversos artifiacutecios como a dramatizaccedilatildeo a fim de conquistar o receptor da mensagem O orador personagem indispensaacutevel na vida poliacutetica de Atenas natildeo era reconhecido pelo conteuacutedo do seu discurso mas pela vitoacuteria alcanccedilada com a votaccedilatildeo da maioria dos presentes
Duras criacuteticas ao discurso que conduzia o povo pela emoccedilatildeo valorizando o modo do discurso foram feitas por Platatildeo e Aristoacuteteles A preocupaccedilatildeo primeira segundo os filoacutesofos seria a verdade Aleacutem disso longe dos discursos pomposos e emocionantes estaria a reflexatildeo a serviccedilo da felicidade da poacutelis
Assim os argumentos falaciosos conduziriam ao decliacutenio o ideal da forma de governo participativa havendo portanto uma diferenccedila entre governo do povo e para o povo desde o iniacutecio da democracia
Soacutelon ao conceder a participaccedilatildeo popular nos tribunais e nas assembleias permitiu a participaccedilatildeo direta dos cidadatildeos nos debates e decisotildees relativos agrave sociedade ateniense Nesse mesmo periacuteodo surgem personagens especialistas na arte da persuasatildeo como os demagogos que manipulavam o povo com a finalidade de atingir interesses proacuteprios ou de uma pequena classe
222
Aleacutem dos oradores que conduziam as assembleias e os tribunais e dos demagogos tambeacutem chamados por alguns estudiosos de oradores ou liacutederes que possuiacuteam interesses diversos do bem comum havia uma terceira figura muito proacutexima das outras duas mas com pequenas particularidades os denominados sofistas
Protaacutegoras um dos fundadores dessa corrente filosoacutefica afirmava que ldquoo homem eacute a medida de todas as coisasrdquo Ou seja o fato de as pessoas possuiacuterem pontos de vista e opiniotildees diferentes natildeo eacute suficiente para declaraacute‑las erradas Natildeo haacute por conseguinte uma verdade uacutenica mas sim a valoraccedilatildeo que cada indiviacuteduo atribui agrave situaccedilatildeo o que configura uma visatildeo particular de mundo natildeo compreendida de forma igual entre os demais indiviacuteduos impossibilitando afirmar a existecircncia de verdades universais
Aristoacuteteles tambeacutem combateu os sofistas Dedicou‑se ao estudo das estruturas sociais das cidades‑estados para identificar qual organizaccedilatildeo poliacutetica conseguiria melhor distribuir a felicidade aos cidadatildeos Sistematizou trecircs formas baacutesicas de governo e outras trecircs que seriam a degradaccedilatildeo das primeiras As baacutesicas seriam monarquia aristocracia e politia palavra comumente traduzida como constituiccedilatildeo A degeneraccedilatildeo da monarquia seria a tirania da aristocracia a oligarquia e por uacuteltimo da politia a democracia
Em diversos textos contemporacircneos natildeo eacute difiacutecil encontrar autores que ao atribuiacuterem significados aos escritos de Aristoacuteteles de forma simples defendem a correta interpretaccedilatildeo da palavra ldquopolitiardquo como sinocircnimo de democracia e da palavra democracia escrita tambeacutem por Aristoacuteteles como sinocircnimo de demagogia
Norberto Bobbio discorda dessa interpretaccedilatildeo Ao discorrer sobre o conceito de politia esclarece que a correta definiccedilatildeo segundo os textos de Aristoacuteteles consiste na fusatildeo entre democracia e oligarquia natildeo significando apenas democracia como comumente interpretada
A ideia do produto da mistura entre democracia e oligarquia segundo Aristoacuteteles seria um governo melhor guiado pela ideia de mediaccedilatildeo almejando‑se a paz social Afirma ainda que ldquoos
223
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
governos que se inclinam para a democraciardquo eram chamados de politias (ARISTOacuteTELES apud BOBBIO 2001 p 60) Logo natildeo estaacute totalmente incorreta a afirmaccedilatildeo de que a politia de Aristoacuteteles significa o que hoje entendemos por democracia
Ademais ldquoPlatatildeo e Aristoacuteteles chamaram a atenccedilatildeo para o fato de que um governo do povo enquanto governo exercido por homens inexperientes nas praacuteticas governamentais e sem o necessaacuterio conhecimento dos fatos e problemas da vida poliacutetica pode estar totalmente distanciado dos interesses do povo e assim revelar-se um governo contra o povordquo (KELSEN 2000 p 141)
Haacute portanto uma diferenccedila entre governar para o povo e governo do povo O primeiro estaria em agradar a massa natildeo implicando necessariamente um bom governo o segundo reside na ideia de participaccedilatildeo popular direta ou indireta (KELSEN 2000 p 141-142)
Nessa toada a conduccedilatildeo da satisfaccedilatildeo dos interesses da maioria pode ou natildeo acontecer Eacute por meio dos discursos poliacuteticos que o governo do povo se desvirtua em governo para o povo As propostas satildeo apresentadas discutidas e relembradas evidenciando um discurso para o bem da maioria em vez da verdadeira intenccedilatildeo que consiste na permanecircncia no poder Essas lutas pelo poder acompanham as transformaccedilotildees das ideias democraacuteticas ao longo do tempo
3 Transformaccedilotildees das ideias democraacuteticasAs ideias democraacuteticas inicialmente relacionadas a governo do
povo ou governo da maioria (MENEZES 2010 p 21) ao longo do tempo foram transformadas tendo dois grandes fatores principais a extensatildeo territorial dos organismos poliacuteticos que se formavam e o nuacutemero cada vez maior de participantes nas votaccedilotildees A participaccedilatildeo direta dos cidadatildeos em muitas decisotildees como ocorria na Greacutecia Antiga tornou-se inviaacutevel originando outra teacutecnica que consistia na participaccedilatildeo do cidadatildeo de forma indireta de modo que surge a figura do intermediaacuterio entre o cidadatildeo e a vontade do cidadatildeo o representante poliacutetico A transformaccedilatildeo ldquodo processo de participaccedilatildeo direta do cidadatildeo nos negoacutecios puacuteblicos para um
224
sistema centralizado de representaccedilatildeo poliacuteticardquo [] ldquotalvez seja a maior diferenccedila entre a democracia antiga e a democracia moderna de nossos diasrdquo (MENEZES 2010 p 21)
Devido agraves mudanccedilas que ocorreram na relaccedilatildeo entre representaccedilatildeo poliacutetica e eleitorado inspiradas nas ideias de liberdade e igualdade cumpre destacar que desde o iniacutecio da democracia ldquoo conceito de igualdade perante a lei ou o direito significa que o cidadatildeo deve ter acesso agrave tomada de decisotildees ou agraves funccedilotildeesrdquo (PINTO 2013 p 14) colocando os cidadatildeos no mesmo niacutevel um dos outros Dessa forma a igualdade entre os cidadatildeos natildeo residia na ideia de que satildeo iguais mas sim que possuiacuteam direitos e obrigaccedilotildees igualmente impostos a todo cidadatildeo ateniense Associada agrave participaccedilatildeo do cidadatildeo ateniense ldquogoverno do povordquo estava a liberdade individual que consistia na ldquoparticipaccedilatildeo de todos nas decisotildeesrdquo (PINTO 2013 p 15)
Os partidos poliacuteticos funcionam entatildeo como concentradores de ideias divergentes uma vez que os indiviacuteduos que os formam tambeacutem possuem opiniotildees e interesses muitas vezes diferentes da ideologia do partido do qual fazem parte
A concretizaccedilatildeo desses pontos essenciais eacute o fundamento das lutas entre os partidos poliacuteticos e muitas das realizaccedilotildees foram prometidas na campanha eleitoral Quando ldquoos partidos deixam de condensar opiniotildees poliacuteticas para advogar interessesrdquo (GUSSI 2009 p 119) podem ser geradas diversas consequecircncias ldquonefastas para o ambiente democraacuteticordquo (MICHELS apud GUSSI 2009 p 119) Uma possiacutevel situaccedilatildeo que consequentemente prejudica a democracia ocorre quando os partidos ldquose transformam em meras maacutequinas eleitorais isto eacute em faacutebricas de candidatos sem qualquer conteuacutedo poliacuteticordquo (GUSSI 2009 p 119)
A ideia inicial era de que as eleiccedilotildees natildeo se limitassem agrave escolha de representantes mas de representantes com uma ldquoorientaccedilatildeo geral de governordquo (FERREIRA FILHO 1976 p 13) preparada e organizada antes do pleito ldquoAssim o povo se governaria embora indiretamente pois escolheria pela eleiccedilatildeo a poliacutetica governamental e seus executoresrdquo (FERREIRA FILHO 1976 p 14)
225
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
Hodiernamente conceituar democracia natildeo eacute tarefa simples visto que em cada paiacutes eacute possiacutevel observar peculiaridades que a difere das demais Entre as concepccedilotildees contemporacircneas a de Robert A Dahl natildeo se preocupa em apresentar uma definiccedilatildeo para democracia mas sim em estruturar pelo menos cinco criteacuterios presentes em paiacuteses democraacuteticos com estrutura territorial em grande escala Satildeo eles participaccedilatildeo efetiva igualdade de voto controle do programa de planejamento inclusatildeo dos adultos e entendimento esclarecido
Esses cinco criteacuterios estatildeo diretamente relacionados agraves primeiras ideias democraacuteticas centradas na participaccedilatildeo popular Essa ideia antiga integra o termo utilizado por Dahl para denominar uma democracia representativa moderna poliarquia que significa governo de muitos ldquoEacute um sistema poliacutetico dotado das seis instituiccedilotildees democraacuteticasrdquo (DAHL 2001 p 104) quais sejam a) funcionaacuterios eleitos b) eleiccedilotildees livres justas e frequentes c) liberdade de expressatildeo d) fontes de informaccedilatildeo diversificadas e) autonomia para as associaccedilotildees e f) cidadania inclusiva (DAHL 2001 p 99)
No Brasil nota-se a presenccedila dessas seis instituiccedilotildees Contudo o fato de haver informaccedilatildeo diversificada natildeo garante a qualidade da informaccedilatildeo que atinge diretamente o entendimento necessaacuterio ao cidadatildeo para atuar na vida poliacutetica
A informaccedilatildeo pode ser transmitida por diferentes suportes dotados de variadas teacutecnicas e praacuteticas de acordo com a finalidade do emissor podendo apresentar um paradoxo numa democracia a liberdade de expressatildeo como condutora agrave dominaccedilatildeo conforme seraacute explorado no capiacutetulo seguinte
4 Aspectos gerais das comunicaccedilotildeesA comunicaccedilatildeo entre os seres humanos com o intuito de trocarem
ideias valores experiecircncias e informaccedilotildees para ser satisfativa precisa contemplar quatro elementos ndash emissor mensagem canal de comunicaccedilatildeo e receptor ndash aleacutem de ambos os envolvidos possuiacuterem um repertoacuterio comum
226
Assim quando o receptor interpreta uma mensagem de acordo com um coacutedigo predeterminado ele estaacute realizando a decodificaccedilatildeo (RABACcedilA BARBOSA 2001 p 210)
Os meios de comunicaccedilatildeo moldam a mensagem adotando determinada linguagem ou coacutedigo para que fiquem agrave sua proacutepria imagem (RABACcedilA BARBOSA 2001 p 479)
Dentro do tema comunicaccedilatildeo haacute diversos mecanismos aleacutem da palavra que permitem a manipulaccedilatildeo da informaccedilatildeo natildeo necessariamente focando no texto como tambeacutem nos meios ou veiacuteculos de transmissatildeo da mensagem entre outros A percepccedilatildeo de um mesmo texto quando lido em jornal ou visto em programa de jornal eacute diferente O jogo de cores luzes ou a simples entonaccedilatildeo mais forte em determinado trecho da notiacutecia podem alterar a percepccedilatildeo dependendo de diversos fatores inerentes ao receptor Para melhor esclarecimento destaca-se o seguinte trecho
A preocupaccedilatildeo de utilizar cada veiacuteculo com o maacuteximo de eficaacutecia conduziu Bernard Berelson agrave seguinte equaccedilatildeo ldquocertas mensagens sobre certos assuntos trazidos agrave atenccedilatildeo de certo tipo de gente vivendo em certas condiccedilotildees produzem certos tipos de efeitosrdquo (RABACcedilA BARBOSA 2001 p 479-480)
Desse modo a comunicaccedilatildeo ocorre quando as pessoas (emissor e destinataacuterio) partilham opiniotildees tornando a experiecircncia comum quando haacute recebimento de informaccedilotildees novas
Como tentativa de defesa desse tipo de manipulaccedilatildeo Dahl sustenta que em uma democracia de grande escala determinadas instituiccedilotildees poliacuteticas devem existir entre elas as ldquofontes de informaccedilatildeo diversificadasrdquo (DAHL 2001 p 99) as quais permitem ao cidadatildeo exercer seu direito de ldquobuscar fontes de informaccedilatildeo diversificadas e independentes de outros cidadatildeos especialistas jornais revistas livros telecomunicaccedilotildees e afinsrdquo (DAHL 2001 p 100) Esclarece ainda que esse tipo de instituiccedilatildeo satisfaz dois criteacuterios democraacuteticos quais sejam ldquoparticipaccedilatildeo efetiva e entendimento esclarecidordquo (DAHL 2001 p 106)
227
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
A informaccedilatildeo no campo das comunicaccedilotildees pode ser entendida como ldquoconteuacutedo da mensagem emitida ou recebida [] Os homens e os grupos humanos assim como os animais soacute absorvem a informaccedilatildeo de que necessitam eou que lhes seja inteligiacutevelrdquo (RABACcedilA BARBOSA 2001 p 388)
A produccedilatildeo de informaccedilatildeo natildeo se limita a textos podendo assumir qualquer simbologia efeitos de luzes sombras e ateacute mesmo cores possuidoras de significantes e significados decodificados pelos receptores ressaltando-se a chamada cor-informaccedilatildeo que por meio da utilizaccedilatildeo de cores eacute capaz de ldquoincorporar significados agraves informaccedilotildeesrdquo (GUIMARAtildeES 2003 p 32)
No campo da poliacutetica a utilizaccedilatildeo das cores azul e amarelo representaccedilatildeo dos partidos PSDB e do extinto PFL em capas da revista Veja satildeo associadas a ldquotemas bastante positivosrdquo (GUIMARAtildeES 2003 p 54) Em sentido oposto no mesmo periacuteodo a contar de 2001 associada a temas negativos tem sido utilizada a cor vermelha siacutembolo do Partido dos Trabalhadores (PT) Essa repeticcedilatildeo de cores associadas a assuntos ruins ou bons impacta diretamente nas escolhas individuais uma vez que toda informaccedilatildeo transmitida pelas combinaccedilotildees de cores ldquoparticipa na formaccedilatildeo do repertoacuterio e do imaginaacuterio dos leitoreseleitoresrdquo (GUIMARAtildeES 2003 p 54)
Portanto a informaccedilatildeo que pode ser definida como um processo de aquisiccedilatildeo de conhecimento novo ou de alteraccedilatildeo do repertoacuterio jaacute existente eacute ferramenta indispensaacutevel em um paiacutes em que o poder de escolha eacute direito de qualquer cidadatildeo natildeo mera faculdade do governo e de instituiccedilotildees puacuteblicas ou privadas responsaacuteveis pela divulgaccedilatildeo de informaccedilotildees
O estudo destinado agraves formas negativas da informaccedilatildeo ldquodesinformaccedilatildeo e seus derivados (mentiras propaganda maacute interpretaccedilatildeo ilusatildeo erro decepccedilatildeo) eacute escasso na literaturardquo (PAIM 1998 p 43) Mesmo com alguns estudos direcionados agrave qualidade da informaccedilatildeo essa avaliaccedilatildeo eacute difiacutecil como demonstrou um estudo centrado na anaacutelise de mais de 50 jornais brasileiros durante o periacuteodo eleitoral de 2006 em que natildeo foi possiacutevel qualificar ldquoa cobertura social com informaccedilotildees relevantes que
228
estavam acessiacuteveisrdquo pois ldquoo jornalismo brasileiro (particularmente o telejornalismo) centrou o foco nos candidatos e natildeo nas poliacuteticas puacuteblicasrdquo (MOTTA ALENCAR 2011 p 17)
De todo o exposto a informaccedilatildeo eacute fundamental num Estado democraacutetico e o modo como eacute veiculada seja utilizando variadas teacutecnicas na sua produccedilatildeo seja na construccedilatildeo textual traduz sua intenccedilatildeo persuadir ou manipular o receptor Portanto a propaganda deveria ser um veiacuteculo destinado agrave persuasatildeo inadmitindo a manipulaccedilatildeo
5 Aspectos gerais da propaganda poliacuteticaA disseminaccedilatildeo das informaccedilotildees pode ocorrer como uma
ldquoaccedilatildeo planejada e racional desenvolvida atraveacutes dos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo para divulgaccedilatildeo das vantagens das qualidades e da superioridade de um produto de um serviccedilo de uma marca de uma ideia de uma doutrina etcrdquo (RABACcedilA BARBOSA 2001 p 598) ou seja propaganda pode ser entendida como toda comunicaccedilatildeo que visa persuadir o puacuteblico para isso estrutura-se com um ldquoconjunto das teacutecnicas e atividades de informaccedilatildeo e de persuasatildeo destinadas a influenciar as opiniotildees os sentimentos e as atitudes do puacuteblico num determinado sentidordquo (RABACcedilA BARBOSA 2001 p 598)
A propaganda poliacutetica eacute um tipo de propaganda que visa disseminar ideias ou crenccedilas capazes de influenciar os destinataacuterios da mensagem eacute uma ldquocomunicaccedilatildeo persuasiva com fins ideoloacutegicos [] tem por objetivo a conquista e a conservaccedilatildeo do poderrdquo (RABACcedilA BARBOSA 2001 p 599)
Sobre esse assunto Coneglian (1999 p 20) explica que Collor ganhou as eleiccedilotildees presidenciais de 1989 devido agrave estrateacutegia utilizada na propaganda eleitoral espeacutecie de propaganda poliacutetica na qual foi criado um discurso voltado para o futuro concretizando um desejo em meio agrave inflaccedilatildeo de estruturar um paiacutes do crescimento e do desenvolvimento econocircmicos ideias perceptiacuteveis nos discursos atuais Contudo diversas teacutecnicas destinadas a influenciar o puacuteblico satildeo utilizadas nas propagandas estruturadas de forma a
229
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
passarem despercebidamente pelos sentidos humanos conforme se evidenciaraacute no toacutepico seguinte
51 Propaganda com mensagens subliminaresA propaganda poliacutetica pode caracterizar-se como propaganda
com mensagens subliminares que diferentemente das outras modalidades por ser direcionada ao campo do inconsciente humano passa despercebidamente pelos sentidos permanecendo poreacutem na mente inconsciente do destinataacuterio
A entrada da informaccedilatildeo no inconsciente parece estar subordinada agrave condiccedilatildeo de estar desfocada ou de natildeo ser percebida em niacutevel consciente Um adjetivo que explica esse modo de ldquoentradardquo eacute o subliminar
No Novo Aureacutelio do ano de 1999 o estiacutemulo estaacute relacionado a sua intensidade e a sua repeticcedilatildeo para natildeo ser percebido ldquo1 Que eacute inferior ou que natildeo ultrapassa o limiar 2 Psicol Diz-se de um estiacutemulo que natildeo eacute suficientemente intenso para que o indiviacuteduo tome consciecircncia dele mas que repetido atua no sentido de alcanccedilar um efeito desejadordquo (FERREIRA 1999 p 1893)
Com o desenrolar das explanaccedilotildees seraacute possiacutevel aferir que neste trabalho a mensagem subliminar embora esteja inserida nos toacutepicos e subtoacutepicos que apresentam a propaganda poliacutetica natildeo eacute relacionada a uma modalidade especiacutefica de propaganda mas sim a uma caracteriacutestica por se tratar de teacutecnica utilizada em qualquer tipo de propaganda Ou seja as teacutecnicas para a criaccedilatildeo da mensagem subliminar satildeo entendidas como elementos que formam um todo
Para Rabaccedila e Barbosa (2001 p 600) sob a oacutetica das comunicaccedilotildees mensagem subliminar significa
Em psicologia o estiacutemulo que natildeo eacute suficientemente intenso para atingir a consciecircncia do indiviacuteduo mas que repetido vaacuterias vezes eacute capaz de atuar sobre o seu inconsciente no sentido de
230
alcanccedilar um efeito desejado em suas emoccedilotildees ideias opiniotildees etc No campo da percepccedilatildeo visual (em TV e cinema p ex) a mensagem subliminar eacute transmitida em estiacutemulos ultrarraacutepidos a uma velocidade de ateacute 13000 de segundos uma vez a cada cinco segundos o bastante para que sejam captadas somente pelo subconsciente Em raacutedio jaacute se experimentou a transmissatildeo de mensagens subliminares em frequecircncia acima do espectro perceptiacutevel pelo ouvido humano [] chama-se subliminar qualquer mensagem de propaganda expressa por entrelinhas
Eacute possiacutevel identificar no trecho transcrito trecircs situaccedilotildees conceituadas como mensagem subliminar a) o estiacutemulo graduado em intensidade insuficiente para atingir o niacutevel consciente mas que valendo-se da teacutecnica de repeticcedilatildeo induz o inconsciente do receptor b) a mensagem subliminar direcionada agrave percepccedilatildeo visual eacute apresentada como uma situaccedilatildeo em que devido agrave velocidade de transmissatildeo da informaccedilatildeo somente seria captada pelo subconsciente e c) o termo subliminar como sinocircnimo da palavra entrelinhas Dos ensinamentos de Key depreende-se que ao se estudar a primeira situaccedilatildeo independentemente de se tratar de estiacutemulo abaixo ou acima da percepccedilatildeo consciente o inconsciente capta todas as informaccedilotildees perifeacutericas natildeo focadas e ainda a informaccedilatildeo natildeo captada em niacutevel consciente sendo desnecessaacuteria nesse caso a repeticcedilatildeo para o atingimento da finalidade para a qual foi criada Destaca-se tambeacutem a terceira situaccedilatildeo abordada de forma mais detalhada a seguir neste toacutepico e posteriormente na oportunidade da anaacutelise da propaganda eleitoral extemporacircnea
O conceito eacute ampliado por Calazans ao apresentar a definiccedilatildeo proposta por Joan Ferreacutes que considera
[] subliminar qualquer estiacutemulo que natildeo eacute percebido de maneira consciente pelo motivo que seja porque foi mascarado ou camuflado pelo emissor porque eacute captado desde uma atitude de grande excitaccedilatildeo emotiva por parte do receptor [] porque se produz uma saturaccedilatildeo de informaccedilotildees ou porque as comunicaccedilotildees satildeo indiretas e aceitas de uma maneira inadvertida (FERREacuteS apud CALAZANS 2006 p 38-39)
As comunicaccedilotildees indiretas seratildeo abordadas com maior ecircnfase devido a sua incidecircncia nos julgados da Justiccedila Eleitoral conceituadas
231
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
como sinocircnimo de propaganda subliminar Embora haja defensores da aplicaccedilatildeo dessa interpretaccedilatildeo eacute possiacutevel expor a questatildeo em sentido diverso ou seja natildeo considerando a mensagem indireta como subliminar
O objetivo deste trabalho eacute apresentar possiacuteveis praacuteticas observadas na propaganda poliacutetica e possiacuteveis consequecircncias que desvirtuam as ideias democraacuteticas Como o termo subliminar tem sido utilizado no campo do direito eleitoral busca-se tambeacutem encontrar uma correta definiccedilatildeo para mensagem subliminar que a individualize das demais Contudo natildeo se almeja esgotar a anaacutelise visto que pela complexidade do tema exigir-se-ia um trabalho mais minucioso Assim alguns superficiais apontamentos foram realizados com o fim de apresentar vaacuterias questotildees sobre o tema tendo como base os ensinamentos de Wilson Bryan Key
Como explorado anteriormente informaccedilatildeo eacute o conteuacutedo da mensagemesta por sua vez pode ser entendida como o conjunto de signos que formam a informaccedilatildeo a ser transmitida De todo o exposto o adjetivo subliminar eacute atribuiacutedo agrave mensagem que possui uma ou mais teacutecnicas subliminares na sua composiccedilatildeo
Desse modo entende-se que o termo subliminar estaacute associado ao modo de transmissatildeo e recebimento da informaccedilatildeo como Key cita em diversos momentos de sua obra ldquoa tecnologia de ponta da persuasatildeo de massardquo (KEY 1996 p 27) Ou seja ldquoo livro investiga as influecircncias que os homens natildeo percebem conscientemente ndash o subliminarrdquo (KEY 1996 p 30) Utilizar o termo subliminar para caracterizar uma propaganda limita as possibilidades conceituais apresentadas visto que traduz a ideia de propaganda natildeo perceptiacutevel conscientemente Contudo a propaganda em qualquer de suas modalidades eacute percebida sendo ocultada em parte ou em sua totalidade a informaccedilatildeo
Por isso utiliza-se o adjetivo subliminar para caracterizar a mensagem e a informaccedilatildeo e natildeo a propaganda em razatildeo de a mensagem com teacutecnicas subliminares necessitar de um suporte para sua divulgaccedilatildeo seja uma propaganda seja uma folha de papel em branco
232
Observa-se nos estudos de Wilson Bryan Key que a mensagem subliminar natildeo eacute direcionada ao campo do consciente A depender da teacutecnica aplicada isoladamente ou em conjunto o indiviacuteduo natildeo percebe em niacutevel consciente a presenccedila da informaccedilatildeo disposta subliminarmente Seu foco de atenccedilatildeo eacute direcionado agrave figura ou escrita estruturada para parecer a mais importante enquanto a verdadeira informaccedilatildeo a ser repassada ao receptor estaacute oculta ingressando diretamente no inconsciente
Ademais a maioria das pessoas ldquoeacute educada para ignorar sua participaccedilatildeo na consciecircncia cultural coletiva o que a torna suscetiacutevel a doutrinaccedilotildeesrdquo (KEY 1996 p 14)
Portanto o principal objetivo da utilizaccedilatildeo das mensagens subliminares reside na ideia de que ldquoelas satildeo criadas para natildeo serem reconhecidas para serem experiecircncias insignificantes em niacutevel conscienterdquo (KEY 1996 p 23)
Aliadas agraves seis teacutecnicas audiovisuais baacutesicas ndash da inversatildeo de figurafundo de embutir (imagens) do duplo sentido da exposiccedilatildeo taquistoscoacutepica da iluminaccedilatildeo e som de fundo e da luz em baixa intensidade e som em baixo volume ndash estatildeo as ferramentas da doutrinaccedilatildeo linguagem e cultura
As teacutecnicas ou categorias satildeo o meio de transmissatildeo da informaccedilatildeo subliminar e ldquoinvariavelmente sobrepotildeem‑se umas agraves outrasrdquo (KEY 1996 p 31) De um estudo envolvendo essas teacutecnicas destaca-se a seguinte passagem
Os enxertos subliminares geram efeitos extremamente sutis e poderosos O psicoacutelogo inglecircs Norman Dixon comentou que ldquopode ser impossiacutevel resistir a instruccedilotildees que natildeo foram percebidas conscientementersquordquo Vaacuterios estudantes que natildeo haviam lido a ediccedilatildeo com a capa de Kadafi foram hipnotizados pelo doutor Dixon A capa da revista foi mostrada a cada um com o pedido de que os detalhes do retrato fossem examinados cuidadosamente Sob hipnose os indiviacuteduos adquirem uma grande sensibilidade perceptiva Durante o transe foi-lhes ordenado que abrissem os olhos e estudassem novamente a capa Apoacutes acordarem os estudantes foram inquiridos ldquoO que Kadafi estaacute pensandordquo
233
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
Eles responderam sem hesitaccedilatildeo ldquoKillrdquo Uma das estudantes disse primeiro lsquoRevengersquo (vinganccedila) sua segunda opccedilatildeo foi ldquoKillrdquo Ela relatou que kill havia sido sua primeira opccedilatildeo mas ela foi rejeitada por parecer‑lhe muito dramaacutetica e artificial (KEY 1996 p 46)
Key cita diversas empresas norte-americanas que fabricam e vendem fitas contendo teacutecnicas de doutrinaccedilatildeo subliminar para alterar o comportamento do destinataacuterio da mensagem para casos como tratamento de crianccedilas hiperativas e controle de pesoexerciacutecios situaccedilotildees que exigem profissional qualificado a fim de evitar consequecircncias devastadoras como a morte por anorexia (KEY 1996 p 49‑51)
Calazans apresenta vaacuterias outras situaccedilotildees em que classifica como subliminar aleacutem da informaccedilatildeo indireta a impliacutecita ou aquela contida nas entrelinhas Inclusive afirma que ldquoteacutecnicas de tornar a mensagem impliacutecita entimemaacutetica eliacuteptica configuram mensagens dissimuladas imperceptiacuteveis dirigidas ao inconsciente do puacuteblico visando manipulaacute-lo subliminarmente pelas entrelinhasrdquo (CALAZANS 2006 p 123)
Para Platatildeo e Fiorin ldquoum dos aspectos mais intrigantes da leitura de um texto eacute a verificaccedilatildeo de que ele pode dizer coisas que parece natildeo estar dizendordquo (FIORIN SAVIOLI 2007 p 241) Satildeo os chamados dados impliacutecitos que podem ser divididos em pressupostos e subentendidos
Quanto ao dado impliacutecito ndash o subentendido ndash os autores esclarecem
Leitor perspicaz eacute aquele que consegue ler nas entrelinhas (FIORIN SAVIOLI 2007 p 241)Os subentendidos satildeo as insinuaccedilotildees escondidas por traacutes de uma afirmaccedilatildeo []O subentendido muitas vezes serve para o falante proteger-se diante de uma informaccedilatildeo que quer transmitir para o ouvinte sem se comprometer com ela (FIORIN SAVIOLI 2007 p 244)
234
Portanto depreende-se que esses dados ocultos embora natildeo apresentem resultado imediato em um primeiro momento satildeo percebidos com esforccedilo racional em niacutevel consciente sendo considerados ferramentas da linguagem que dependem do repertoacuterio do emissor e do receptor
Tanto a linguagem como a cultura satildeo ferramentas de manipulaccedilatildeo ldquoCada cultura e cada linguagem classifica e define a experiecircncia perceptiva de maneira diferente ndash controlando o que seraacute percebido conscientemente como significativo o que seraacute armazenado no inconsciente ou deixado de lado como irrelevanterdquo (KEY 1996 p 85)
De todo o exposto e do que foi explorado ateacute o momento desse tema complexo e multidisciplinar restam trecircs indagaccedilotildees sobre as quais natildeo foram obtidas respostas conclusivas
a) Se o conceito de subliminar relacionado agravequilo que natildeo eacute percebido conscientemente tambeacutem pode ser estendido a toda e qualquer informaccedilatildeo oculta como pressupostos subentendidos ilusotildees de oacutetica entre outros
b) Se a palavra subliminar como adjetivo pode qualificar os vocaacutebulos teacutecnica e propaganda visto que o instrumento e o suporte natildeo se confundem com a informaccedilatildeo
c) Se o subliminar estaacute relacionado diretamente ao inconsciente como seria possiacutevel identificaacute‑lo com precisatildeo e clareza a fim de incidir uma eventual responsabilizaccedilatildeo e puniccedilatildeo disciplinada em regra legal
Conforme passagem anterior algumas mensagens subliminares podem apresentar determinadas teacutecnicas impossiacuteveis de serem averiguadas como a inclusatildeo de som abaixo da percepccedilatildeo consciente em jingle de campanha poliacutetica
Aparentemente natildeo haacute soluccedilatildeo como afirma Baggio (2005 p 33)
Uma eficiente teacutecnica de aacuteudio subliminar usa uma voz que segue volume da muacutesica de tal modo que as mensagens subliminares
235
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
satildeo impossiacuteveis de serem detectas sem um equalizador parameacutetrico Natildeo eacute a toa que o valor das publicidades inclui preccedilos superfaturados
Nesse sentido Calazans (2006 p 30) afirma que ldquonatildeo haacute ainda criteacuterios satisfatoacuterios de avaliaccedilatildeo da subliminaridaderdquo
Posto isso reconhecer a sua existecircncia e a gravidade dos seus efeitos eacute indispensaacutevel agrave manutenccedilatildeo da democracia sendo necessaacuterio aprofundar a discussatildeo do tema para que se busque um adequado tratamento juriacutedico do problema
6 Propaganda poliacutetica da democracia agrave demagogia
Visando alcanccedilar ou manter-se no poder perseguindo interesses proacuteprios os partidos poliacuteticos e os candidatos disputam as eleiccedilotildees federais estaduais e municipais valendo-se de todas as maneiras possiacuteveis para obter a vitoacuteria
Nesse sentido por meio da manipulaccedilatildeo da palavra ou ateacute mesmo de teacutecnicas mais elaboradas eacute possiacutevel identificar cinco praacuteticas que ocorrem isoladamente ou cumulativamente numa mesma propaganda poliacutetica tendo como principal consequecircncia o desvirtuamento das ideias democraacuteticas
Os delineamentos das principais praacuteticas observadas nas propagandas poliacuteticas brasileiras foram realizados com o intuito natildeo soacute de tentar apresentar a praacutetica em si mas tambeacutem de destacar que as teacutecnicas existentes haacute deacutecadas estatildeo em processo de aperfeiccediloamento constante o que tem tornando a propaganda poliacutetica cada vez mais uma disputa publicitaacuteria de teacutecnicas natildeo de argumentos
O objetivo natildeo eacute apontar todas as estrateacutegicas possiacuteveis de serem utilizadas em tudo que compotildee o maquinaacuterio complexo utilizado para transmitir informaccedilatildeo eacute destacar e esclarecer brevemente
236
cinco possiacuteveis praacuteticas que podem aplicar uma ou vaacuterias estrateacutegias semelhantes ou distintas de outra praacutetica
A primeira praacutetica observada eacute o desvirtuamento do conceito de governo democraacutetico em que Aristoacuteteles desde a Greacutecia Antiga advertiu sobre os perigos da maacute interpretaccedilatildeo
Em um segundo momento duas outras praacuteticas seratildeo abordadas comumente utilizadas no marketing poliacutetico a criaccedilatildeo de acusaccedilotildees e fatos inveriacutedicos centrado no objetivo de derrubar o adversaacuterio e o estiacutemulo agraves emoccedilotildees cuja essecircncia reside em afastar o intelecto dificultando ou impedindo a reflexatildeo
Uma quarta praacutetica projetos inexequiacuteveis visando agradar aos anseios do povo pode ser depreendida da obra de Paulo Rabello de Castro onde o autor critica o populismo considerado um ilusionismo poliacutetico tendo como ponto culminante ldquoo governo graacutetisrdquo o qual transmite a falsa ideia de ganhos e vantagens ldquosem custos para ningueacutemrdquo (CASTRO 2014 p 11)
As quatro praacuteticas abordadas anteriormente embora exijam um esforccedilo mental satildeo recebidas e decodificadas pelos sentidos humanos como a visatildeo e a audiccedilatildeo Portanto essa comunicaccedilatildeo visual sonora textual etc eacute perceptiacutevel a um nuacutemero consideraacutevel de pessoas natildeo sendo raro ouvir de um cidadatildeo a seguinte frase ldquoque todo poliacutetico promete e nunca cumpre nadardquo
Haacute pois uma quinta praacutetica possiacutevel de ocorrer poreacutem extremante difiacutecil de ser percebida pelo fato de ser direcionada ao campo do inconsciente humano Ainda que o destinataacuterio da mensagem possua determinados conhecimentos dependendo da teacutecnica empregada a mensagem transmitida passa despercebidamente pelos sentidos humanos poreacutem permanece na mente inconsciente do destinataacuterio Satildeo denominadas mensagens subliminares
Assim a maacute utilizaccedilatildeo da propaganda poliacutetica com o uso de tais praacuteticas diminui a participaccedilatildeo do cidadatildeo por incredibilidade no governo por falta de esclarecimento ou por total incompreensatildeo
237
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
da mensagem veiculada exercendo menor pressatildeo nos grupos dominantes Por sua vez os partidos poliacuteticos em vez de perseguirem o ldquobem comumrdquo buscam concretizar os seus proacuteprios interesses desvirtuando as ideias democraacuteticas em discurso demagoacutegico e aleacutem disso comprometendo a manutenccedilatildeo do Estado que as sustentam Dahl elucida que numa democracia contemporacircnea eacute fundamental para a participaccedilatildeo do cidadatildeo o ldquoentendimento esclarecidordquo (DAHL 2001 p 106) Assim o mau esclarecimento das informaccedilotildees ao cidadatildeo prejudica a democracia como um todo
A primeira praacutetica observada desvirtuamento do conceito pode causar entre outras perturbaccedilotildees sociais situaccedilotildees de repressatildeo a grupos minoritaacuterios aleacutem de perseguir a ideia de unanimidade conceito inadaptaacutevel a um Estado democraacutetico estrutura governamental que privilegia a pluralidade de opiniotildees e a unidade dos ldquovalores geneacutericos e abstratosrdquo (GUSSI 2009 p 23) positivados na Constituiccedilatildeo
A maacute utilizaccedilatildeo de uma uacutenica palavra eacute capaz de contribuir para o desvirtuamento das ideias democraacuteticas ldquogoverno do povordquo em ldquogoverno para o povordquo Sobre essa sutil diferenccedila Kelsen esclareceu que no ldquogoverno para o povordquo a preocupaccedilatildeo reside em agradar a massa natildeo implicando necessariamente em bom governo (KELSEN 2000 p 141-142) Ainda nas palavras de Kelsen conduz ao decliacutenio ldquolevar o povo a acreditar que seu desejo seraacute satisfeito se o governo agir em seu interesse e que instaurado um governo para o povo se teraacute alcanccedilado a tatildeo almejada democraciardquo (KELSEN 2000 p 145)
Desse modo um ldquogoverno para o povordquo natildeo pode ser utilizado como uacutenica definiccedilatildeo de democracia visto que qualquer outra forma de governo pode autodenominar-se democracia sob o fundamento de governo ldquovoltado para os interesses da imensa maioriardquo (KELSEN 2000 p 146) Lenin ao defender o ldquogoverno para o povordquo afirmou que a vontade da maioria pode ser concretizada por meio de um ditador Portanto em seu Estado era desnecessaacuteria a implementaccedilatildeo de um regime democraacutetico pois a ditadura era capaz de governar para o povo
238
Os candidatos quando apresentam programas de governo sustentam accedilotildees simples de curto prazo focadas nas consequecircncias O objetivo natildeo reside em resolver o problema mas em criar um discurso convincente para ganhar as eleiccedilotildees Quando natildeo se cria essa fala empolgante solucionadora dos problemas sociais outra estrateacutegia eacute empregada o objetivo natildeo eacute possuir o melhor discurso que visa a agradar a massa e sim derrubar o adversaacuterio
Das inuacutemeras estrateacutegias empregadas pelo Ministro da Propaganda e do Esclarecimento Puacuteblico do Estado Nazista Goebbels observa-se o predomiacutenio de duas praacuteticas ndash criaccedilatildeo de acusaccedilotildees e de fatos inveriacutedicos e estiacutemulo agraves emoccedilotildees
Grandes estrateacutegias estavam nos filmes e nas propagandas devido agrave emoccedilatildeo que eram capazes de gerar pelo fato de serem vistos A visatildeo intensifica os sentimentos por aparentar realidade proacutexima inconfundiacutevel apresentando reaccedilotildees muito mais raacutepidas e maleaacuteveis do que uma leitura de texto Por isso satildeo preferiacuteveis discursos orais e imagens a discurso escrito
Natildeo bastava a repeticcedilatildeo e a criaccedilatildeo da verdade era necessaacuterio o uso de todos os meios possiacuteveis ldquopara impressionar o povo alematildeordquo (MANVELL FRAENKEL 2012 p 119)
Nos filmes para causar os mais deploraacuteveis sentimentos nos alematildees contra os judeus e ganhar o apoio de seu povo para massacrar essa raccedila Goebbels intercalava cenas de ratos com imagens de judeus causando nojo e repulsa no puacuteblico presente (REES 1995 p 19 24) Ainda nas palavras de Goebbels ldquodevemos apelar para os instintos primitivos nas massasrdquo (MANVELL FRAENKEL 2012 p 123)
De acordo com o estilo e a quantidade do puacuteblico Goebbels cuidadosamente fazia adaptaccedilotildees do seu discurso almejando atrair cada vez mais apoiadores Para isso precisavam direcionar a transmissatildeo da mensagem para os destinataacuterios previamente escolhidos e possuidores de determinadas condiccedilotildees ou seja segundo algumas observaccedilotildees de Goebbels ldquoos nazistas queriam eram homens maleaacuteveis que uma vez que suas visotildees tivessem sido
239
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
niveladas se permitissem ser usados como armas humanas contra os inimigos de sua naccedilatildeordquo (MANVELL FRAENKEL 2012 p 129-130)
Diversas accedilotildees que impediam o acesso agrave informaccedilatildeo foram realizadas Manvell e Fraenkel com o intuito de evidenciar os perigos provaacuteveis em uma naccedilatildeo quando esta eacute privada da busca pelo conhecimento por fontes diversificadas destacaram ldquouma frase escrita por Heine em 1823 lsquoOnde se queimam livros acaba-se queimando pessoasrsquordquo (MANVELL FRAENKEL 2012 p 148)
Sobre a arte de fazer propaganda poliacutetica hodiernamente Rees esclarece como os consultores poliacuteticos conduzem a campanha dos poliacuteticos visando agrave vitoacuteria sem destaque para as ideias Ao tratar da poliacutetica Rees elucidou sobre as mudanccedilas introduzidas pelos consultores poliacuteticos e destacou a linha de raciociacutenio operada por eles
Segue-se que o axioma dos consultores de hoje eacute lsquoesqueccedila o conteuacutedo intelectual sempre pense em afetar as emoccedilotildees do eleitorrsquo Como dizia Goebbels o intelectualismo eacute o pior inimigo da propaganda logo o publicitaacuterio se concentra em meios de atingir o eleitor em niacutevel emocional (REES 1995 p 34)
Caso semelhante ao de Goebbels em que foram intercaladas cenas de ratos nas cenas de judeus ocorreu em 1991 nos Estados Unidos com a finalidade inescrupulosa de provar que o prefeito de Manhattan estava ldquofora da realidaderdquo (REES 1995 p 9) Foram intercaladas ldquoa notiacutecia dos palmos de neve com fotos glamourosas das palmeiras e das praias da Floacuteridardquo (REES 1995 p 9) Os consultores poliacuteticos utilizaram fotos do local onde o prefeito estava tirando feacuterias e contrapuseram com a nevasca naquela regiatildeo Nesse exemplo os fatos foram veriacutedicos poreacutem a informaccedilatildeo verdadeira foi articulada de tal maneira que conseguiram estimular emoccedilotildees negativas no puacuteblico visado atingindo o fim a que foram contratados derrubar o adversaacuterio
Na praacutetica de estiacutemulo agraves emoccedilotildees haacute tanto a propagaccedilatildeo de informaccedilotildees veriacutedicas quanto inveriacutedicas a depender da estrateacutegia empregada e da finalidade almejada
240
Mesmo com a possibilidade de inuacutemeros efeitos visuais e sonoros causando estiacutemulo agraves emoccedilotildees Rees (1995 p 53) destaca que a tarefa mais importante da propaganda eacute a ldquocriaccedilatildeo do mito do liacuteder ndash e sua apresentaccedilatildeo de uma forma idealizadardquo Goebbels pioneiro nessa teacutecnica utilizava o exagero eou a invenccedilatildeo das qualidades do liacuteder para convencer as massas (REES 1995 p 54)
Nessa linha que une candidato discurso e eleitorado visando agradar os anseios do povo estaacute a praacutetica de promessa de projetos inexequiacuteveis
Essa quarta praacutetica relaciona-se diretamente com os anseios do povo e a manipulaccedilatildeo da palavra a qual cria ldquouma ilusatildeo coletiva que permite o apoio da maioriardquo (CASTRO 2014 p11) a uma minoria em troca de ldquocomida emprego moradia e seguranccedila enfim prosperidade sem qualquer custo para quem quer que seja em momento algumrdquo (CASTRO 2014 p11)
O discurso natildeo eacute direcionado para a plataforma de governo mas para projetos sem embasamento aleacutem de ludibriar o povo quanto ao real financiador desses projetos Sem planejamento estrutura e previsatildeo orccedilamentaacuteria muitos deles satildeo inexequiacuteveis ou inacabados
Graves consequecircncias decorrem dessa praacutetica Uma vez que o cidadatildeo natildeo vislumbra a finalizaccedilatildeo de uma promessa como reaccedilatildeo haacute a descrenccedila na poliacutetica englobando seus agentes e suas instituiccedilotildees
Um paiacutes dito democraacutetico deve preocupar-se com as fontes de informaccedilatildeo e o conteuacutedo nelas veiculados Faz-se necessaacuterio a existecircncia de meios legais para as puniccedilotildees em decorrecircncia de abusos de direito principalmente quando a extrapolaccedilatildeo ou a ilegalidade do direito afeta nuacutemero expressivo de indiviacuteduos
Em defesa do cidadatildeo e da manutenccedilatildeo da democracia a Lei nordm 9504 de 30 de setembro de 1997 em seu art 45 preceitua que eacute vedado agraves emissoras de raacutedio e de televisatildeo em sua programaccedilatildeo
241
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
normal e em seu noticiaacuterio usar tecnologias que degradem ou ridicularizem candidato partido ou coligaccedilatildeo
Esse artigo amolda-se agrave praacutetica de criaccedilatildeo de acusaccedilotildees e fatos inveriacutedicos como no caso real no Estado do Paranaacute em que a estrateacutegia realizada eacute muito proacutexima da empregada por Goebbels em 1932 quando foi determinada a entrega de ldquo50 mil pequenos discos de gramofone atacando o Governo [] eles podiam ser colocados discretamente em um envelope comumrdquo (MANVELL FRAENKEL 2012 p 120)
O entatildeo candidato a governador Roberto Requiatildeo de Mello e Silva distribuiu milhares de fitas contendo a gravaccedilatildeo de um homem ldquoque afirmava que mais de trinta anos antes teria assassinado trabalhadores rurais na regiatildeo de Assis Chateaubriand a mando de Oscar Martinez pai do candidato adversaacuteriordquo (CONEGLIAN 1999 p 20) Tal divulgaccedilatildeo influenciou no resultado de eleiccedilatildeo levando Requiatildeo ao governo Apesar de ter sido processado criminalmente natildeo houve impacto negativo no mandato de Requiatildeo mantendo-se no cargo de governador ateacute o teacutermino do mandato
Complementarmente o art 243 inciso IX do Coacutedigo Eleitoral preceitua que natildeo seraacute tolerada propaganda que caluniar difamar ou injuriar quaisquer pessoas bem como oacutergatildeos ou entidades que exerccedilam autoridade puacuteblica A praacutetica de criaccedilatildeo de acusaccedilotildees e fatos inveriacutedicos enquadra-se tambeacutem nessa norma legal Ademais o Coacutedigo Eleitoral nos arts 323 324 325 e 326 estabelece que satildeo tratados como crimes eleitorais respectivamente a divulgaccedilatildeo de fatos inveriacutedicos a caluacutenia imputando a algueacutem falsamente fato definido como crime a difamaccedilatildeo imputando‑lhe fato ofensivo agrave sua reputaccedilatildeo e a injuacuteria ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro
No caso exposto as leis natildeo o intimidaram tampouco o prejudicaram Requiatildeo ganhou a disputa enquanto o candidato adversaacuterio embora inocente do crime que lhe fora imputado perdeu a eleiccedilatildeo
242
Quanto agraves demais praacuteticas o desvirtuamento do conceito o estiacutemulo agraves emoccedilotildees e os projetos inexequiacuteveis natildeo foram encontradas normas legais inibidoras que se amoldassem a essas praacuteticas concretas
Atos antes considerados propaganda extemporacircnea tiveram seu texto alterado em 2015 para permitir aquilo que antes era vedado Segundo o art 36-A da lei que estabelece normas para as eleiccedilotildees (BRASIL Lei nordm 95041997) natildeo configuram propaganda eleitoral antecipada desde que natildeo envolvam pedido expliacutecito de voto a menccedilatildeo agrave pretensa candidatura a exaltaccedilatildeo das qualidades pessoais dos preacute-candidatos entre outras praacuteticas apresentadas em seus incisos
A propaganda que cotinha a exaltaccedilatildeo das qualidades pessoais em periacuteodo natildeo permitido para a divulgaccedilatildeo de propaganda eleitoral era comumente interpretada como propaganda eleitoral extemporacircnea tambeacutem denominada propaganda subliminar antecipada por apresentar forte apelo aos eleitores de modo que o objetivo impliacutecito permanece nessa condiccedilatildeo para o maior nuacutemero de pessoas possiacuteveis natildeo tornando clara a interpretaccedilatildeo de uma disputa eleitoral cujo indiviacuteduo possuidor das qualidades exaltadas seria o mais bem preparado para determinado cargo
Nos Estados Unidos da Ameacuterica haacute legislaccedilatildeo sobre mensagens subliminares No Brasil apesar de a mateacuteria natildeo ser positivada de maneira detalhada questotildees que envolvam sua incidecircncia satildeo observadas como na Representaccedilatildeo nordm 134-3720146250000 ndash Classe 42 em que o juiz Carlos Rebecirclo Juacutenior relator do caso ao decidir sobre a alegaccedilatildeo de que o entatildeo governador do Estado de Sergipe Jackson Barreto de Lima estaria realizando propaganda eleitoral antecipada com utilizaccedilatildeo de mensagem subliminar em parte do texto que fundamentou a improcedecircncia dos pedidos formulados pelo Partido Trabalhista Nacional ndash PTN (diretoacuterio regional) assim escreveu
Quanto agrave invocaccedilatildeo de existecircncia de uma dimensatildeo subliminar nos artefatos publicitaacuterios eacute certo que Demoacutecrito (400 aC) jaacute advertira que ldquonem tudo o que eacute perceptiacutevel eacute claramente percebidordquo Desde
243
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
entatildeo potencializaram‑se os estudos especiacuteficos Hoje fala‑se na sociedade de massas em que as multidotildees satildeo literalmente violentadas por excitaccedilotildees das pulsotildees internas e externas que alcanccedilam os hemisfeacuterios cerebraisDestarte bem se houve o doutrinador jaacute citado ao se referir agrave arduidade para identificar uma mensagem subliminar dado que parece estar abaixo da capacidade dos sensores humanos para percebecirc-la conscientemente conquanto esteja com algum grau de persuasatildeo No caso em tela esse aspecto do conceito natildeo eacute congruente com a imagem divulgada
No julgado que segue haacute breve anaacutelise que envolve o conceito de mensagem subliminar segundo Key e o entendimento desse termo segundo o Tribunal Superior Eleitoral
Recurso especial Propaganda irregular Aplicaccedilatildeo do art 45 da Lei nordm 95041997 Recurso conhecido e provido NE Configura propaganda eleitoral disfarccedilada ou subliminar comercial veiculado por emissora de televisatildeo dando destaque aos nuacutemeros de candidatos ao governo e ao Senado Federal cujo elemento finaliacutestico do ato praticado foi nitidamente induzir o eleitor a votar nos nuacutemeros anunciados mormente quando essa pseudomensagem comercial foi veiculada agraves veacutesperas da eleiccedilatildeo (BRASIL Acoacuterdatildeo nordm 15859 1999 grifo nosso)
Nesse caso buscando aplicar o entendimento de Key natildeo configuraria mensagem subliminar o fato de a emissora de televisatildeo dar destaque aos nuacutemeros do candidato Para sua caracterizaccedilatildeo por exemplo os nuacutemeros deveriam ser sobrepostos a outras imagens do comercial em velocidades natildeo perceptiacuteveis conscientemente ou colocados ao fundo de uma imagem valendo-se ateacute mesmo de efeitos de luz e sons em determinadas intensidades para natildeo serem percebidos pelos telespectadores Mesmo que grande parte do puacuteblico natildeo consiga associar o nuacutemero mostrado no comercial a uma legenda partidaacuteria o nuacutemero estaacute aparecendo e recebendo destaque circunstacircncia que descaracterizaria o termo subliminar
A Lei nordm 95041997 em seu art 44 sect 2ordm apresenta o conceito de subliminar como sinocircnimo da palavra disfarccedilada (BRASIL Lei nordm 95041997)
244
Os conceitos das palavras disfarccedilada dissimulada e oculta aproximam-se do conceito de subliminar por estarem relacionadas a ideias de tornar invisiacutevel esconder natildeo mostrar
Por outro lado o conceito da palavra entrelinhas no figurativo significando aquilo que se entende mas que natildeo foi expresso formalmente subentendido impliacutecito seria o mais apropriado para a propaganda poliacutetica fora de eacutepoca com intenccedilatildeo natildeo expressamente formalizada sobre a candidatura comumente utilizada como propaganda ndash subliminar disfarccedilada ou dissimulada Seria entatildeo utilizando-se dos ensinamentos de Key conceituada como propaganda por entrelinhas ou propaganda impliacutecita ou ateacute mesmo propaganda subentendida
Significado diverso encontrado apresenta a palavra subliminar como sinocircnimo de dissimulada aquilo que se faz por associaccedilatildeo de ideias Calazans defende que a propaganda que necessite de uma interpretaccedilatildeo que ultrapassa a imagem ou o escrito eacute uma mensagem por entrelinhas e no seu entendimento trata-se de mensagem subliminar
Apoiando-se nos ensinamentos de Key a mensagem subliminar natildeo estaacute incompleta ela eacute estruturada para natildeo aparecer em niacutevel consciente
Segundo Calazans tudo que natildeo eacute focado ingressa como mensagem subliminar Isso em anaacutelise breve parece algo natural do ser humano ldquoMucchielli afirma claramente que a percepccedilatildeo subliminar acontece ateacute mesmo ao se folhear uma revista ao acaso sem ler nem focar a atenccedilatildeo ou quando se passa de carro por entre cartazes e outdoors que natildeo satildeo olhadosrdquo (CALAZANS 2006 p 27-28)
A ideia central extraiacuteda de Key residiria no fato de que a induacutestria da propaganda tendo conhecimento da informaccedilatildeo secundaacuteria desfocada que ingressa na mente do indiviacuteduo inconscientemente aperfeiccediloa e elabora teacutecnicas para a inclusatildeo de sons figuras palavras e siacutembolos de modo a condicionar comportamentos ao receptor da mensagem sem o seu conhecimento Ou seja ao se
245
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
estudar o impacto para a democracia do uso de mensagem subliminar em propaganda poliacutetica conclui-se que natildeo se trata apenas de qualquer informaccedilatildeo natildeo focalizada accedilatildeo e reaccedilatildeo natural de elementos que compotildeem a audiccedilatildeo e visatildeo humanas mas sim de uma informaccedilatildeo engenhosamente pensada e estruturada a fim de passar despercebidamente pelos sentidos humanos direcionada ao campo inconsciente e condicionadora de alteraccedilatildeo comportamental Na complexa mente humana haacute processos naturais de exclusatildeo de informaccedilotildees provavelmente nas mensagens subliminares criadas para induzir os indiviacuteduos natildeo satildeo desempenhados volumosos gastos para serem descartadas
Assim extrai-se dos estudos que a informaccedilatildeo desfocada eacute considerada informaccedilatildeo que ingressa subliminarmente na mente humana sendo um processo natural do corpo humano Poreacutem entende-se como mensagem subliminar aquela informaccedilatildeo em que a induacutestria publicitaacuteria utilizando-se do conhecimento sobre a percepccedilatildeo consciente e inconsciente humana aliada agraves teacutecnicas sofisticadamente construiacutedas com o fim de ocultar a informaccedilatildeo tem a capacidade de induzir comportamentos e de incutir ideias no indiviacuteduo sem sua percepccedilatildeo consciente Ou seja trata-se de uma informaccedilatildeo conscientemente criada pelo emissor para ingressar inconscientemente na mente do receptor Sua utilizaccedilatildeo pode ser devastadora pois aleacutem de influenciar negativamente o indiviacuteduo fere direitos relacionados agraves liberdades individuais e coletivas visto que natildeo se trata de accedilatildeo racional mas sim de reaccedilatildeo impulsionada
Diante de todo o exposto as praacuteticas de desvirtuamento do conceito de governo democraacutetico de criaccedilatildeo de acusaccedilotildees e fatos inveriacutedicos de estiacutemulo agraves emoccedilotildees e de projetos inexequiacuteveis embora sejam perceptiacuteveis conscientemente satildeo praacuteticas revestidas de subjetividade obscurecendo a anaacutelise faacutetica Entretanto haacute uma quinta possibilidade identificada neste trabalho que a depender das teacutecnicas utilizadas impedem qualquer julgamento por natildeo serem perceptiacuteveis destinadas somente ao niacutevel inconsciente do receptor
Impedidos de defesa inclusive ignorantes quanto a sua incidecircncia o puacuteblico torna-se viacutetima e prisioneiro em um Estado democraacutetico consagrador de liberdades e incentivador da participaccedilatildeo social
246
A propaganda poliacutetica necessaacuteria para oportunizar a liberdade de escolha natildeo pode encaminhar a democracia agrave demagogia A arte da persuasatildeo natildeo deve ceder agrave tecnologia da manipulaccedilatildeo
7 ConclusatildeoDesde a Greacutecia Antiga a arte da persuasatildeo era considerada
profissatildeo exigindo estudo e maestria
Tempos depois com tamanha sagacidade Goebbels ministro da Propaganda e do Esclarecimento Puacuteblico do Estado Nazista foi mestre na arte da propaganda incutindo a ideologia de Hitler de forma agradaacutevel Suas teacutecnicas tecircm sido constantemente utilizadas e aperfeiccediloadas para incutir determinada doutrinaccedilatildeo
As teacutecnicas foram apresentadas neste trabalho com o intuito de demonstrar a sua praacutetica e as possiacuteveis consequecircncias da maacute utilizaccedilatildeo da propaganda poliacutetica que a cada dia mais torna a disputa publicitaacuteria uma questatildeo de aplicaccedilatildeo de teacutecnicas para a induccedilatildeo do ouvinte em vez de promover a discussatildeo esclarecida de argumentos e de plataformas de governo
Cinco praacuteticas foram evidenciadas sendo quatro perceptiacuteveis pelo destinataacuterio da informaccedilatildeo a depender do repertoacuterio do emissor e do destinataacuterio quais sejam desvirtuamento do conceito de governo democraacutetico criaccedilatildeo de acusaccedilotildees e fatos inveriacutedicos estiacutemulo agraves emoccedilotildees e projetos inexequiacuteveis
O desvirtuamento das ideais democraacuteticas ocorre com a despreocupaccedilatildeo dos conteuacutedos veiculados Inicialmente haacute o desvirtuamento das ideais democraacuteticas com o proacuteprio desvirtuamento do conceito de governo democraacutetico Isto se daacute quando haacute carecircncia no entendimento sobre o que satildeo as vontades e os anseios da maioria A democracia deve privilegiar a pluralidade de opiniotildees numa sociedade conflitosa possuindo como principais caracteriacutesticas a abertura de espaccedilos para a concretizaccedilatildeo de vontades da maioria e das minorias e para a participaccedilatildeo popular na vida poliacutetica Haacute portanto uma sutil diferenccedila entre ldquogoverno do
247
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
povordquo e ldquogoverno para o povordquo que acaba sendo apagada em razatildeo do referido desvirtuamento
Comumente utilizadas no marketing poliacutetico a criaccedilatildeo de acusaccedilotildees e fatos inveriacutedicos centra-se no objetivo de derrubar o adversaacuterio Jaacute o estiacutemulo agraves emoccedilotildees tem por objetivo obstar o senso criacutetico dificultando ou impedindo a reflexatildeo Note‑se que o estiacutemulo agraves emoccedilotildees pode ser atingido com fatos veriacutedicos a depender do modo de articulaccedilatildeo da informaccedilatildeo sendo seu auge a criaccedilatildeo do liacuteder
Essas praacuteticas tais quais as outras natildeo se preocupam com a verdade Em decorrecircncia da falta de reflexatildeo a mensagem eacute absorvida e repetidamente reproduzida sem atenccedilatildeo ao seu conteuacutedo
A quarta praacutetica projetos inexequiacuteveis tem como objeto apresentar projetos poliacuteticos e sociais sem embasamento aleacutem de ludibriar o povo quanto ao real financiador desses projetos
Embora exijam um esforccedilo mental para serem percebidas em termos criacuteticos as praacuteticas satildeo recebidas e decodificadas pelos sentidos humanos Todavia haacute uma quinta praacutetica cujo adjetivo tem sido utilizado nos julgados da Justiccedila Eleitoral para qualificar a propaganda eleitoral extemporacircnea ndash a mensagem subliminar
Hodiernamente a manipulaccedilatildeo natildeo se restringe a discursos comoventes e pomposos que conscientemente podem ser rebatidos pelo puacuteblico Com tecnologias mais sofisticadas criam‑se teacutecnicas para enviar mensagens diretamente ao inconsciente impedindo a percepccedilatildeo da informaccedilatildeo pelo destinataacuterio A mensagem subliminar natildeo se limita a ingressar no inconsciente vai aleacutem condiciona comportamentos sem a vontade de quem as recebe ferindo liberdades penosamente conquistadas
As fraquezas humanas servem como base para as praacuteticas que desvirtuam as ideias democraacuteticas Um candidato preocupado com a verdade poderaacute estar fadado ao insucesso segundo os consultores que elaboram e conduzem a campanha poliacutetica
248
Como possiacutevel consequecircncia haacute o descaso e a ausecircncia de participaccedilatildeo popular na vida poliacutetica brasileira reaccedilatildeo contraacuteria agrave proposta por Dahl para quem um dos criteacuterios de um processo democraacutetico eacute a participaccedilatildeo efetiva (DAHL 2001 p 49) A pressatildeo advinda da reaccedilatildeo popular pode tornar difiacutecil ou ateacute mesmo impossiacutevel a efetivaccedilatildeo de interesses dominantes obscuros e contraacuterios aos anseios populares majoritaacuterios ou minoritaacuterios Mas o pressuposto dessa reaccedilatildeo eacute o indispensaacutevel conhecimento preacutevio e esclarecido dos fatos e ideais em debate
Como loacutegica factual soacute se pode contradizer aquilo que foi explicitado e decodificado pelo receptor da mensagem Assim se a informaccedilatildeo natildeo eacute transmitida ou quando transmitida eacute ininteligiacutevel ou entendida parcialmente natildeo haacute a junccedilatildeo miacutenima de signos para evocar o repertoacuterio do ouvinte possibilitando a cogniccedilatildeo e a reaccedilatildeo sobre aquilo que foi falado
O eleitor independentemente de sua escolaridade ou condiccedilatildeo social deve receber as informaccedilotildees e propostas dos candidatos partidos poliacuteticos e demais agentes da democracia de maneira que possa interpretaacute-la da forma mais proacutexima da ideia veiculada Em um Estado democraacutetico a propaganda poliacutetica deve ser regida pela arte da persuasatildeo pois se for pela manipulaccedilatildeo encaminha a democracia agrave demagogia
Referecircncias
BAGGIO Roberson Luiz Investigaccedilatildeo sobre a percepccedilatildeo subliminar sob a oacutetica da comunicaccedilatildeo 154 f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Comunicaccedilatildeo) ndash Faculdade de Comunicaccedilatildeo Educaccedilatildeo e Turismo Universidade de Mariacutelia 2005
BOBBIO Norberto A teoria das formas de governo Traduccedilatildeo de Seacutergio Bath Brasiacutelia UnB 2001
BRASIL Lei nordm 9504 de 30 de setembro de 1997 Estabelece normas para as eleiccedilotildees Diaacuterio Oficial [da] Repuacuteblica Federativa do Brasil Brasiacutelia DF 1 out 1997
249
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
_______ Tribunal Superior Eleitoral Coletacircnea de Jurisprudecircncia do TSE organizada por assunto Propaganda subliminar Raacutedio e TV Ac nordm 15859 de 8499 rel Min Costa Porto Disponiacutevel em lthttptemasselecionadostsejusbrtemasselecionadospropagandaeleitoralpropaganda subliminargt Acesso em 24 out 2015
CALAZANS Flaacutevio Maacuterio de Alcacircntara Propaganda subliminar multimiacutedia 7 ed rev atual e ampl Satildeo Paulo Summus 2006 v 42
CASTRO Paulo Rabello de O mito do governo graacutetis o mal das poliacuteticas econocircmicas ilusoacuterias e as liccedilotildees de 13 paiacuteses para o Brasil mudar Rio de Janeiro Ediccedilotildees de Janeiro 2014
CONEGLIAN Olivar Propaganda eleitoral de acordo com o Coacutedigo Eleitoral e com a Lei 910095 Curitiba Juruaacute 1996
DAHL Robert Alan Sobre a democracia Traduccedilatildeo de Beatriz Sidou Brasiacutelia UnB 2001
FERREIRA Aureacutelio Buarque de Holanda Novo Aureacutelio Seacuteculo XXI o dicionaacuterio da liacutengua portuguesa 3 ed rev e ampl Rio de Janeiro Nova Fronteira 1999
FERREIRA FILHO Manoel Gonccedilalves A democracia possiacutevel 3 ed Satildeo Paulo Saraiva 1976
FIORIN Joseacute Luiz SAVIOLI Francisco Platatildeo Para entender o texto leitura e redaccedilatildeo 17 ed Satildeo Paulo Aacutetica 2007
GUIMARAtildeES Luciano As cores na miacutedia a organizaccedilatildeo da cor-informaccedilatildeo no jornalismo Satildeo Paulo Annablume 2003
GUSSI Evandro Herrera Bertone A representaccedilatildeo poliacutetica 191 f Tese (Doutorado em Direito) ndash Faculdade de Direito Universidade de Satildeo Paulo 2009
250
rui barbosa e o votoWALTER COSTA PORTO
NA HISTOacuteRIAKELSEN Hans A democracia Traduccedilatildeo de Vera Barkow et al 2 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000
KEY Wilson Bryan A era da manipulaccedilatildeo Traduccedilatildeo de Iara Biderman 2 ed Satildeo Paulo Scritta 1996
MANVELL Roger FRAENKEL Heinrich Doutor Goebbels vida e morte Traduccedilatildeo Alexandre Trigo Veiga Satildeo Paulo Madras 2012
MENEZES Marilde Loiola de Democracia de assembleia e democracia de parlamento uma breve histoacuteria das instituiccedilotildees democraacuteticas Revista Sociologias Porto Alegre ano 12 n 23 p 20-45 janabr 2010
MOTTA Luiz Gonzaga ALENCAR Railssa Peluti Qualidade da informaccedilatildeo a agenda social da miacutedia em ano eleitoral presidencial Intercom Revista Brasileira de Ciecircncias da Comunicaccedilatildeo Satildeo Paulo v 34 n 1 p 17-40 janjun 2011
PAIM Rosa Maria Quadros Nehmy Isis A desconstruccedilatildeo do conceito de ldquoqualidade da informaccedilatildeordquo Ciecircncia da Informaccedilatildeo Brasiacutelia v 27 n 1 p 36-45 janabr 1998
PINTO Eacuterica Maria Garcia Instrumentos de participaccedilatildeo democraacutetica direta o plebiscito e o referendo 134 f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Direito) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito Universidade de Satildeo Paulo 2013
RABACcedilA Carlos Alberto BARBOSA Gustavo Guimaratildees Dicionaacuterio de comunicaccedilatildeo 2 ed rev e atual Rio de Janeiro Campus 2001
REES Laurence Vende-se poliacutetica Traduccedilatildeo de Heloisa Brown Rio de Janeiro Revan 1995
rui barbosa e o votoWALTER COSTA PORTO
NA HISTOacuteRIA
253
NA HISTOacuteRIA
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
RUI BARBOSA E O VOTO1
WALTER COSTA PORTO2
RESUMO
Apresenta a trajetoacuteria poliacutetica de Rui Barbosa um dos organizadores da Repuacuteblica e coautor da Constituiccedilatildeo da Primeira Repuacuteblica Objetiva elucidar determinados pontos da carreira do jurista e questionamentos a respeito desta Para tal realiza-se uma prospecccedilatildeo histoacuterica pautada por pesquisa bibliograacutefica levando ao entendimento de que sua origem e princiacutepios conduziram e interferiram nos rumos de sua trajetoacuteria
Palavras-chave Rui Barbosa Cacircmara dos Deputados Repuacuteblica da Espada Ministeacuterio da Fazenda
ABSTRACT
The object of this article is a political trajectory of Rui Barbosa one of the organizers of the Republic and a co-author of the constitution of the First Republic and is objective to some points of the lawyerrsquos career and questions about it For this a historical research is conducted guided by bibliographical research leading to the understanding of its origin and principles led and interfered in the directions of its trajectory
Keywords Rui Barbosa Chamber of Deputies Republic of the Sword Ministry of Finance
1 O artigo foi transcrito preservando‑se a originalidade de seu conteuacutedo A redaccedilatildeo foi atualizada em consonacircncia com o Novo Acordo Ortograacutefico da Liacutengua Portuguesa de 2009 e com as normas de publicaccedilatildeo da revista Estudos Eleitorais
2 Ministro do Tribunal Superior Eleitoral entre 1996 e 2001
254
Na Cacircmara Provincial e na Cacircmara dos Deputados
Haacute duacutevidas sobre se a primeira eleiccedilatildeo a que Rui Barbosa concorreu foi para deputado provincial na Bahia em 1875 Vagou-se um cargo na Assembleia Provincial em razatildeo da morte de um de seus membros Joatildeo Victor de Carvalho
O pleito se regeu pelo Decreto nordm 1082 de 18 de agosto de 1860 que alterou a Lei nordm 387 de 19 de agosto de 1846 e o Decreto nordm 842 de 19 de setembro de 1855 sobre eleiccedilotildees As proviacutencias do Impeacuterio foram entatildeo divididas em distritos eleitorais de trecircs deputados cada um eleitos por maioria relativa de votos
A eleiccedilatildeo dos membros das Assembleias Provinciais far-se-ia da mesma maneira que a dos deputados agrave Assembleia Geral natildeo havendo suplentes no caso de ldquomorte do deputado opccedilatildeo por outro distrito ou perda do seu lugar por qualquer motivordquo proceder-se-ia uma nova eleiccedilatildeo no mesmo distrito
Luiz Vianna Filho ndash reconhecidamente junto com Joatildeo Mangabeira3 os mais completos bioacutegrafos de Rui ndash nega essa candidatura E diz
No prestimoso volume Correspondecircncia em que reuniu cartas e documentos de Rui Barbosa publica o Sr Homero Pires (p 11) uma circular de Rui dirigida aos eleitores do 3ordm Distrito datada de 4 de outubro de 1875 e agrave qual pocircs o Dr H Pires a seguinte nota lsquoSomente em 1878 Rui Barbosa teve ingresso na Assembleia Legislativa Provincial da Bahiarsquo De fato a circular existe em fac-siacutemile no arq da FCRB 4 Entretanto uma vez que essa nota pode suscitar equiacutevoco deve ser esclarecido que na realidade Rui candidato em 1878 o foi nesse ano pela primeira vez Ateacute porque em 1875 estava o Partido Liberal afastado das lides eleitorais atitude que soacute foi modificada em 19 de marccedilo de 1876
3 Autor de Rui o estadista da Repuacuteblica Brasiacutelia Senado Federal 1999 Ele diz no livro ldquoParece que sou dos que mais conhecem a obra de Rui em toda a sua extensatildeo e dos poucos que tiveram a honra e o prazer de sua intimidaderdquo p 13
4 Fundaccedilatildeo Casa Rui Barbosa
255
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
Vianna alega ainda que o proacuteprio Rui ldquoao responder agrave comissatildeo promotora da candidatura dele pelo 1deg Distrito da Corte em 1889 declara expressamente lsquoNos cinco escrutiacutenios em que corri os azares da luta eleitoralrsquo Ora os cinco escrutiacutenios satildeo os de 1878 o de 1881 o de 1884 o de 1886 e o de 1888rdquo5
Mas se a circular eacute de 4 de outubro de 1875 natildeo se sabendo se teria sido distribuiacuteda a eleiccedilatildeo a que parece Rui ter concorrido foi em 10 de janeiro daquele ano E haacute um parecer da Comissatildeo de Poderes da Assembleia lido em 3 de marccedilo de 1875 que indica o resultado do pleito
Votos
Francisco Joseacute da Costa 182Tenente Coronel Manuel Jerocircnimo Ferreira 39Ruy Barbosa6 6Ciacutecero Emiliano Alcamim 1
O parecer conclui ldquo[] considerando que se acha regular a referida eleiccedilatildeo contra a qual natildeo houve reclamaccedilatildeo eacute de parecer que seja declarado deputado agrave Assembleia Provincial pelo 1ordm Distrito o Dr Francisco Joseacute da Costa que obteve maior soma de votosrdquo7
Poderia Rui ter sido votado sem se ter proposto como candidato ou sem ter sido indicado pelo partido No Impeacuterio e na Primeira Repuacuteblica em que ele atuou natildeo era exigida para as candidaturas a proposiccedilatildeo por um partido somente tendo sido garantido agraves agremiaccedilotildees o monopoacutelio da representaccedilatildeo a partir de 1945
Rui como veremos foi votado na Repuacuteblica Velha em todas as eleiccedilotildees diretas presidenciais ateacute sua morte em 1923 somente se apresentando efetivamente como candidato em dois desses
5 VIANA FILHO Luiz A vida de Rui Barbosa Rio de Janeiro Nova Fronteira 1987 p 1486 Grafado com y devido agrave natureza histoacuterica do registro ldquoA grafia dos nomes de todos os que
se tornam publicamente conhecidos aparece corrigida em publicaccedilotildees feitas apoacutes a morte dessas pessoasrdquo (CIPRO NETO Pasquale INFANTE Ulisses Gramaacutetica da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Scipione 1999 p 42)
7 Atas da Assembleia Provincial da Bahia 3ordf Sessatildeo Ordinaacuteria de 3 de marccedilo de 1875
256
pleitos Era entatildeo conhecido em todo o paiacutes admirado formador da Repuacuteblica e logo aureolado em Haia Mas em 1875 esses votos teriam vindo por sua movimentaccedilatildeo ou natildeo em alcanccedilar o posto
2 Em 1878 os liberais da Bahia incluiacuteram Rui entre os candidatos agrave Assembleia Provincial
Desde 1868 os conservadores estavam no poder e segundo Luiz Viana Filho a indicaccedilatildeo de Rui ldquo[] nada significava pois o Governo costumava eleger cacircmaras mais ou menos unacircnimes8 e a candidatura apenas servia como demonstraccedilatildeo de estima dos companheiros Na realidade deveria esperar ateacute quando o imperador quisesse confiar o poder aos liberaisrdquo9 Mas foi o que sucedeu para grande surpresa na cena poliacutetica de entatildeo poucos dias antes do pleito Cansanccedilatildeo de Sinimbu liberal foi chamado a ocupar a chefia do Ministeacuterio
A eleiccedilatildeo foi em 13 de janeiro de 1878 e ldquoaquilo que se afigurava quase impossiacutevel tornou-se faacutecil Rui sem pedir votos foi eleitordquo concluiacutea Viana Filho10
O pleito passara a ser regulado pelo Decreto nordm 2675 de 20 de outubro de 1875 denominado a Lei do Terccedilo cada eleitor deveria votarcedil para deputados agrave Assembleia Geral ou para membros das Assembleias Legislativas Provinciais em tantos nomes quantos correspondessem ldquoaos dois terccedilos do nuacutemero total marcado para a Proviacutenciardquo11 buscando-se assim a proteccedilatildeo das minorias
Afastava-se o sistema distrital trazido pela Lei dos Ciacuterculos ndash Decreto nordm 842 de 19 de setembro de 1855 ndash proposta pelo entatildeo chefe do Gabinete Honoacuterio Hermeto Carneiro Leatildeo e reformada para ampliaccedilatildeo dos distritos pelo Decreto nordm 1082 de 18 de agosto 8 Uma das realidades mais deploradas do Impeacuterio foi o predomiacutenio na Cacircmara de uma soacute
parcialidade poliacutetica Nas eleiccedilotildees de 1848 o governo dirigido pelo conservador Arauacutejo Lima reduziu a bancada liberal a apenas um deputado Isso se repetiu na oitava legislatura na Cacircmara de 1850‑1852 E em 1952 os conservadores com Itaboraiacute agrave frente do Gabinete obtiveram a unanimidade na Cacircmara Ver PORTO Walter Costa Dicionaacuterio do voto p67
9 VIANA FILHO Luz Op cit p 139 10 Id ibid p 14011 Paraacutegrafo 17 do art 2ordm do Decreto nordm 2675 de 20 de outubro de 1875
257
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
de 1860 Mas foi por pouco tempo a vigecircncia do ldquovoto limitadordquo ou ldquoincompletordquo como classificava a doutrina estrangeira12 com o retorno em 188113 ao modelo distrital
Mais tarde em discurso de 1879 na Assembleia Geral Rui condenava a Lei do Terccedilo
[] essa pomposa antecipada e vatilde representaccedilatildeo das minorias antecipada e aritmeticamente circunscrita ao terccedilo Como se as minorias lucrassem nada com esse presente grego que as humilha aleija mutila comprimindo-as cegas e violentamente nesse leito de Procusto disfarccedilado na promessa ilusoacuteria no incerto no predeterminado no falibiliacutessimo quinhatildeo dos terccedilos Como se a proporccedilatildeo prefixa de um para trecircs natildeo fosse entre a minoria e a maioria uma proporccedilatildeo arbitraacuteria Como se o terccedilo exprimisse um nec plus ultra odiosamente limitativo agrave progressiva expansatildeo das forccedilas oposicionistas14
Queixa igual foi a de Assis Brasil em 1893 referindo-se agrave Lei do Terccedilo como a ldquouacuteltima lei conservadora de eleiccedilatildeo indiretardquo e fazendo tambeacutem referecircncia a Procusto15
[] quem autorizou o legislador a dizer que a minoria haacute de ser por forccedila o terccedilo do eleitorado nem mais nem menos Tal criteacuterio eacute arbitraacuterio e na maioria dos casos conduziraacute agrave fraude agrave opiniatildeo ajustando-se cruelmente a um verdadeiro leito de Procusto Natildeo eacute menor o arbiacutetrio com que se estabelece desde logo que a opiniatildeo estaraacute por forccedila dividida em dois uacutenicos partidos Outra fraude legal16
12 De que fizera uso em 1839 nos Estados Unidos da Ameacuterica do Norte a Pensilvacircnia e de 1867 a 1881 a Inglaterra Ver PORTO Walter Costa Dicionaacuterio do voto 3 ed Rio de Janeiro Lexicon 2012 p 228‑ 231
13 Pelo Decreto nordm 3029 de 9 de janeiro de 1881 elaborado como veremos pelo proacuteprio Rui14 Discurso de 1071879 Perfis parlamentares Rui Barbosa n 28 Brasiacutelia Cacircmara dos Deputados
1985 p 21615 Segundo a mitologia grega Procusto era um salteador que fazia viajantes deitarem em sua cama
Se a viacutetima fosse maior que seu leito amputava‑lhe o excesso e se menor esticava‑a ateacute o cumprimento suficiente Para muitos analistas a lenda de Procusto expressa a intoleracircncia humana de imposiccedilatildeo a um determinado padratildeo sem atenccedilatildeo agrave natural diversidade dos indiviacuteduos
16 BRASIL J F de Assis Democracia representativa do voto e da maneira de votar In BROSSARD Paulo (org) Ideias poliacuteticas de Assis Brasil Brasiacutelia Senado Federal Rio de Janeiro Fundaccedilatildeo Casa de Rui BarbosaMinc 1990 v 2 p 110
258
Foram submetidas agrave Assembleia Provincial trecircs representaccedilotildees contra candidatos uma delas contra Rui e submetidas agrave Comissatildeo de Verificaccedilatildeo de Poderes entendeu esta que duas inclusive a que se referia a Rui cuidavam de ldquofatos dependentes de alta indagaccedilatildeo achando-se de mais a mais desacompanhadas de todo e qualquer documento e natildeo podem assim contrariar a apuraccedilatildeo conhecida e feita de acordo com as atas nos coleacutegios eleitoraisrdquo17
Depois na 8ordf Sessatildeo Preparatoacuteria da Assembleia foi lido o parecer da comissatildeo com a relaccedilatildeo de nomes de cidadatildeos imediatos em votos aos deputados jaacute reconhecidos Em 30 de abril de 1878 na 9ordf Sessatildeo Preparatoacuteria era conhecido um segundo parecer no qual a comissatildeo ldquoconsiderando que as eleiccedilotildees apuradas pela Cacircmara satildeo as uacutenicas legitimadas por terem sido presididas por juiacutezes competentes e assistidas da quase totalidade dos eleitores das referidas paroacutequias natildeo potildee a menor duacutevida em pedir a esta Assembleia a validade de tais eleiccedilotildeesrdquo
Apoacutes propor fossem anulados os escrutiacutenios de alguns coleacutegios concluiacutea que fossem reconhecidos deputados os seguintes candidatos18
Votos
Ruy Barbosa 863Alexandre Herculano 846Castro Rebello 842J Gabriel Calmon 829Fernando Deiroacute 772Vigaacuterio Agripino Borges 753Bartolomeu T Palha 694Manoel Joaquim Saraiva 688Joatildeo Carlos Borges 753Joseacute Pacheco 656
17 Annaes da Assembleia Provincial da Bahia 2 Sessatildeo Preparatoacuteria 22 abr 1878 Salvador Typographia do Diaacuterio da Bahia 1878 p 4
18 Annaes op cit 8 Sessatildeo Preparatoacuteria 29 abr 1878 p 55
259
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
3 Joatildeo Luis Vieira Cansansatildeo do Sinimbu o Visconde de Sinimbu liberal substituiu em janeiro de 1878 Caxias doente no 27ordm Gabinete do Impeacuterio Convocado para uma reuniatildeo do Conselho de Estado em 10 de abril de 1878 disse que ao ser chamado para organizar o Ministeacuterio natildeo poderia ignorar que teria diante de si uma Cacircmara de Deputados em sua maioria adversa agrave situaccedilatildeo poliacutetica que a substituiacutera Mas sendo o principal objeto de seu programa a reforma do sistema eleitoral e jaacute que a maioria de ambas as cacircmaras desejava essa reforma nutria a esperanccedila de um acordo A grandeza do deficit a deficiecircncia da renda ordinaacuteria e os horrores da seca no Nordeste no entanto impunham a emissatildeo de papel moeda Natildeo podendo o Ministeacuterio prescindir dessa medida nem esperar para realizaacute-la pela reuniatildeo da Cacircmara por mais proacutexima que ela estivesse era forccedilado a decretaacute-la sob sua imediata responsabilidade
Pedia entatildeo a dissoluccedilatildeo da Cacircmara desde que estava certo e era geral a convicccedilatildeo de que natildeo pudesse contar com a maioria dela19
Uma soacutelida argumentaccedilatildeo levou o Visconde do Rio Branco a natildeo recomendar a dissoluccedilatildeo Acreditava ele que a Cacircmara atual natildeo poderia coexistir muito tempo com o Gabinete de 5 de janeiro ou com outro que se representasse com a mesma poliacutetica pois pertenciam a dois partidos de credos diversos Mas natildeo julgava impossiacutevel ao contraacuterio tinha ldquorazotildees para acreditar que o Ministeacuterio e a Cacircmara poderiam entender-se sobre o cumprimento de algum dever comum imperiosa urgecircnciardquo E concluiacutera dizendo que sendo a reforma eleitoral a primeira e mais urgente necessidade poliacutetica natildeo via ele entatildeo razatildeo para que o governo renunciasse a seu propoacutesito primeiro e se apressasse em sujeitar o paiacutes sem tentar essa reforma a uma nova eleiccedilatildeo geral pelo sistema altamente condenado pela opiniatildeo que hoje tinha direccedilatildeo dos negoacutecios puacuteblicos20
Dois conselheiros o acompanharam e trecircs foram favoraacuteveis agrave dissoluccedilatildeo Esta a oitava do Impeacuterio cumprir-se-ia com o Decreto
19 Era o que se chamaria de dissoluccedilatildeo preacutevia com que os liberais atingiam agora uma Cacircmara de conservadorescedil como os conservadores os haviam atingido em 1842
20 Atas do Conselho de Estado Brasiacutelia Senado Federal v 8 p 84‑92
260
nordm 6880 de 11 de abril de 1878 convocando-se outra Cacircmara a reunir-se no dia 15 de dezembro daquele ano
A nova eleiccedilatildeo se realizou em 5 de setembro de 1878 Com os liberais no poder Dantas sugere a inclusatildeo do nome de Rui na chapa e o partido aprova a indicaccedilatildeo Foi o seguinte o resultado do pleito21
Votos
Conselheiro Dantas 2202Dr Ceacutesar Zama 1974Almeida Couto 1931Dr Leatildeo Velloso 1929Dr Jerocircnymo Sodreacute 1887Dr Francisco Sodreacute 1876Dr Joatildeo Ferreira de Moura 1848Dr Marcolino Moura 1810Dr Gonccedilalo Bulcatildeo 1797 Cons Salustiano Souto 1777Dr Frederico de Almeida 1776Dr Ruy Barbosa 1763Dr Ildefonso Joseacute da Arauacutejo 1761Dr Prisco Paraiacutezo 1757
Rui elegeu-se assim entre os 14 representantes da Bahia agrave Assembleia Geral jaacute que segundo Luiz Viana Filho ldquoos conservadores como todo o partido que acaba de cair natildeo puderam oferecer qualquer resistecircnciardquo22
4 Na eleiccedilatildeo de 1881 Rui concorreu pelo 2ordm Distrito Foi a primeira a ser regida pelo Decreto nordm 3029 de 9 de janeiro de 1881 a denominada Lei Saraiva o grande texto legal de reforma eleitoral do Impeacuterio E como veremos resultante de um projeto elaborado quase inteiramente por Rui
21 O Monitor nordm 110 13 out 1878 O Monitor como informa Luiz Viana Filho foi fundado em 1876 pelos liberais dissidentes da Bahia tambeacutem chamados ldquoliberais histoacutericosrdquo e como um dos seus principais orientadores estava Luis Antocircnio Barbosa de Almeida tio e desafeto de Rui
22 VIANA FILHO Luiz Op cit p 142
261
VOLUME 11 - NUacuteMERO 3SETEMBRODEZEMBRO 2016
Com a nova lei voltavam os distritos ndash distritos de um nome para os deputados agrave Assembleia Geral distritos plurinominais para os membros das Assembleias Provinciais Numa redaccedilatildeo imperfeita dispunha-se no art 17 sect 2ordm da nova lei que natildeo se consideraria eleito o candidato agrave Assembleia Geral que natildeo reunisse ldquoa maioria dos votos dos eleitores que concorressem agrave eleiccedilatildeordquo Maioria absoluta deveria ter sido dito
Na eleiccedilatildeo dos membros das Assembleias Provinciais seriam considerados eleitos os que reunissem ldquovotaccedilatildeo igual pelo menos ao quociente eleitoral calculado sobre o nuacutemero total dos eleitores que concorressem agrave eleiccedilatildeordquo Era uma curiosa aplicaccedilatildeo em um sistema majoritaacuterio da expressatildeo ldquoquociente eleitoralrdquo ndash a primeira no Brasil ndash muita mais adequada ao modelo proporcional
A Cacircmara foi dissolvida pelo Decreto nordm 8153 de 30 de junho de 1881 a fim de que segundo Luiz Viana ldquoa naccedilatildeo experimentasse sem demora os benefiacutecios da lei ambicionadardquo e Rui
[] conseguiu ganhar a cadeira no Parlamento Ganharia num pleito justamente celebrizado no paiacutes pela honestidade com que Saraiva presidira a primeira aplicaccedilatildeo da eleiccedilatildeo direta que custara o sacrifiacutecio de dois ministros e pouco depois do proacuteprio gabinete Aliaacutes seria a uacuteltima vez que teria assento no Parlamento do Impeacuterio23
Apesar da tatildeo proclamada isenccedilatildeo no pleito do chefe do Gabinete Joseacute Antocircnio Saraiva Dantas entatildeo ministro da Justiccedila fez o possiacutevel pela vitoacuteria de Rui E ateacute o indevido pois o Monitor em outubro de 1881 publicava a seguinte denuacutencia
[] os Srs Augusto Guimaratildees e Rodolpho Dantas ambos redatores do Diaacuterio e o uacuteltimo deles filho do ministro da Justiccedila levaram ao Sr Joseacute Aacutelvares do Amaral candidato agrave deputaccedilatildeo geral do mesmo distrito que o Sr Rui Barbosa uma carta reservada do mesmo ministro autorizando a qualquer transaccedilatildeo com o Sr
23 VIANA FILHO Luiz Prefaacutecio ao v 8 das Obras completas de Rui Barbosa t 1 Trabalhos Diversos 1881 p XVII