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FACULDADES DOCTUM SERRA
SOLANGE OLIVEIRA DOS SANTOS LUCHTENBERG
VALDENIRIA BARCELLOS
VIVIANE MARIA ALVES RÉBULI SILVA
A LEI 10.639/03 E A EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO– RACIAIS
SERRA 2019
FACULDADES DOCTUM SERRA
SOLANGE OLIVEIRA DOS SANTOS LUCHTENBERG
VALDENIRIA BARCELLOS
VIVIANE MARIA ALVES RÉBULI SILVA
A LEI 10.639/03 E A EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO – RACIAIS
Trabalho de Conclusão de Curso submetido à
Faculdades Doctum de Serra como requisito
parcial para obtenção do título de Licenciatura
Plena em Pedagogia. Orientador: Profª Ms.
Maria das Dores Santos Silva.
SERRA 2019
A LEI 10.639/03 E A EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO – RACIAIS.
Artigo Científico apresentado à Faculdades Doctum de Serra como requisito
parcial para obtenção do grau de Licenciatura Plena em Pedagogia.
A provada em de de pela banca composta pelos professores:
Profa Ms. Maria das Dores Santos Silva
Profª Ms. Dorcas Rodrigues Silva Recamán
4
A LEI 10.639/03 E A EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO – RACIAIS1
BARCELLOS, Valdeniria
LUCHTENBERG, Solange Oliveira dos Santos
SILVA , Viviane Maria Alves Rébuli2
RESUMO:
O Brasil tem uma história secular de racismo, discriminação e preconceito racial fortemente presente na sociedade, assim em 2003, surge a lei 10.639, que determina em todos os níveis e modalidades de ensino, o trabalho pedagógico com vista a estudar a História e Cultura africana e afro-brasileira. Neste sentido, o presente trabalho tem por objetivo conhecer, por meio de pesquisa qualitativa, em uma escola a rede estadual de ensino fundamental do município de Serra – ES, os materiais didático-pedagógicos encontrados que contribuam para desenvolver as práticas pedagógicas visando o cumprimento da Lei 10.639/03. Os resultados da pesquisa apontam que mesmo sabendo da relevância da Lei 10.639-03, criada há 16 anos, os professores se deparam com a pouca disponibilidade de materiais didático-pedagógicos e poucos estudos na formação inicial e continuada para elaborar práticas que visem à educação étnico-racial.
Palavras-chave: Racismo, Lei 10.639/03, Educação étnico-racial.
1 O presente texto corresponde ao Trabalho de Conclusão de Curso de Pedagogia e foi produzido
como requisito parcial para obtenção do título de Licenciatura Plena em Pedagogia. 2 Formandas do curso de Pedagogia da Faculdades Doctum de Serra-ES.
5
INTRODUÇÃO
A escola, como espaço de abrangência e importância social, é um lugar no
qual as pessoas têm contato com as culturas existentes, é nesse encontro,
que deve acontecer o desenvolvimento de práticas pedagógicas que
conheçam e valorizem de forma positiva as diferentes culturas, raças e
histórias dos povos que compõem o cenário do Brasil.
O povo brasileiro é formado por indígenas, europeus, africanos,
posteriormente, árabes, asiáticos, enfim, uma infinidade de pessoas,
costumes, cores e vidas diferentes. Porém, o que se sobressai no cenário
nacional de modo invisibilizado e de certa forma despossuído de
humanidade e cidadania é o negro.
Munanga (2006) afirma que “Os negros são entendidos como um grupo de
cultura subordinada na sociedade” e, são por isso, considerados pessoas
sem História, família, nome, ou seja, sem os atributos da condição humana
do homem branco. Esse entendimento é fundamentado secularmente pela
existência da escravidão.
A economia brasileira por séculos baseou-se na escravidão. Milhares de
pessoas foram trazidas ao Brasil da África, e com o fim do trafico africano,
foram deslocadas de um lado para outro no país, dependendo dos ciclos
econômicos, sempre na condição de escravos.
Sem considerar esse dado, é difícil entender o país e toda sua organização,
do ponto de vista econômico, político, social, humano e cultural. Sendo que,
da escravidão, surgem às relações em todos os âmbitos permeadas de uma
série de preconceitos e, culturalmente, o principal é o racismo.
De certa forma, esses preconceitos criam uma hierarquia entre as supostas
“raças superiores e inferiores”. Colocando os negros com direitos
restringidos e inferiorizados quando comparados aos brancos, essa
condição foi transferida aos seus descendentes e isso se reflete até os dias
6
atuais, onde quase que diariamente se ouve falar em situações de pobreza,
de constrangimento, de discriminação racial, posto que:
“[...] não é apenas uma questão econômica que atinge todos os pobres da sociedade, mas sim resultante de uma discriminação racial camuflada durante muitos anos”, e essa prática, com raiz no colonialismo europeu, enquanto regime de dominação política, ainda perpassa no contexto diário das relações raciais impedindo a ascensão da população negra e a promoção de oportunidades iguais para todos. (MUNANGA, 2006, p.53).
Atos de discriminação racial e/ou preconceito são relatados de forma
cotidiana pelas mídias, pelas pessoas que entendem como fatos “naturais” e
se refletem nas condições negativas de existência da comunidade negra
frente a outros grupos.
Ressalta-se que a situação na qual se encontra a maior parte dos negros
não cabe um olhar de vitimização, mas um atento olhar para os dados
estatísticos. Toma-se como exemplo: o “Atlas da violência (2018)” 3
realizado pelo IPEA 4 retrata o aumento de extermínio sofrido pela
comunidade negra no Brasil.
Em 2016, por exemplo, a taxa de homicídios de negros foi duas vezes e meia superior à de não negros (16,0% contra 40,2%). Em um período de uma década, entre 2006 e 2016, a taxa de homicídios de negros cresceu 23,1%. No mesmo período, a taxa entre os não negros teve uma redução de 6,8%. Cabe também comentar que a taxa de homicídios de mulheres negras foi 71% superior à de mulheres não negras. http://www.ipea.gov.br/desafios.
Esses dados trazidos pelo Atlas da violência (2018) complementam e
atualizam o cenário de desigualdade racial em termos de violência letal no
Brasil, já divulgados por outras publicações. ”O risco de um jovem negro ser
vítima de homicídio no Brasil é 2,7 vezes maior que o de um jovem branco”.
Neste sentido, a cultura do silêncio sobre o racismo (CAVALLEIRO, 2000) a
discriminação racial e o preconceito na sociedade em nada favorece o
3Levantamento de homicídios no Brasil.
4Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Fundação pública federal, vinculada à Secretaria
de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.
7
estabelecimento de práticas que promovam a reflexão sobre as relações
raciais no Brasil e, principalmente, a oportunidade de sermos seres
realmente livres, independente da raça ou cor. Assim, libertos dos
preconceitos, dos estereótipos, dos estigmas, dentre outros, a partir da
educação.
Diante do exposto, há necessidade uma educação que valoriza, reconheça e
afirma a importância de cada brasileiro desde a infância. O local privilegiado
para tal ação é a escola (BRASIL, 2006). Nessa instituição deve ser
promovida a educação chamada étnico-racial determinada na Lei 10.639-03.
Oportuno anunciar a existência da 11.645/08 5 , que não é objeto desse
trabalho.
A Lei 10.639-03 alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e
instituiu a obrigatoriedade do ensino da História e cultura afro-brasileira e
africana no currículo escolar dos estabelecimentos de ensino em diferentes
níveis e modalidades (BRASIL, 2006).
Essa legislação foi pensada com o fim de atender:
[...] reivindicações e propostas do Movimento Negro [que] ao longo do século XX, apontam para a necessidade de diretrizes que orientem a formulação de projetos empenhados na valorização da história e cultura dos afro-brasileiros e dos africanos, assim como compreendidos com a de educação de relações étnico-raciais positivas, a que tais conteúdos devem conduzir (BRASIL, 2004, p. 9).
O objetivo é de trazer para as escolas a discussão a respeito das relações
étnico-raciais e do preconceito, de forma positiva, a fim de que a herança
cultural africana possa ser mais bem compreendida e vista sem o
etnocentrismo que vem caracterizando, desde muito tempo, a discussão
sobre a presença do negro na cultura brasileira.
Esta discussão:
5Altera a Lei 9.394/1996, modificada pela Lei 10.639/2003, a qual estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e cultura afro-brasileira e indígena”.
8
[...] procura oferecer uma resposta, entre outras, na área de educação, à demanda da população afro-descendente, no sentido de políticas de ações afirmativas, isto é, de políticas de reparação, e de reconhecimento e valorização de sua história, cultura, identidade [...] fundada em dimensões históricas, sociais e antropológicas oriundas da realidade brasileira, e busca combater o racismo e as discriminações que atingem particularmente os negros (BRASIL, 2004, p. 10).
A aplicabilidade da lei também se faz necessário na educação infantil, com
lançamentos de diversos materiais oficiais de apoio aos docentes, como por
exemplo: Os cadernos “Educação Infantil e práticas promotoras da igualdade
racial”.
A escola, seja em qualquer nível, para realizar o trabalho pedagógico
necessita de materiais didáticos que contemplem as determinações da lei e
a realidade dos alunos, da sala de sala de aula, do pátio da escola, do
bairro, da rua onde mora, por fim das culturas diferentes e de sua
importância no cenário nacional.
Nesse sentido, o objetivo do trabalho é conhecer os materiais didático-
pedagógicos encontrados na escola de ensino fundamental que
contribuam para desenvolver práticas pedagógicas visando o
cumprimento da Lei 10.639/03. Para tal objetivo, buscou-se identificar
materiais didáticos pedagógicos que contemplam a educação étnico- racial e
compreender as práticas pedagógicas com vista à construção de uma
educação em que haja igualdade de tratamento, melhoria da autoestima dos
alunos a partir da valorização e reconhecimento da diversidade racial.
Este trabalho está fundamentado nos aspectos legais na Constituição da
República Federativa do Brasil (1988), da LDB (1996), Portal MEC/CNE/CP
3/2004 (2004), Lei 10.639/03 e em Cardoso (1962), Cavalleiro(1998), Gomes
(2005), Lopes (2005), Munanga (2006), Oliveira (2006), Sant’ana (2006),
Santos (2008) e Triviños(1987).
A pesquisa de cunho qualitativo, porque se acredita ser a mais adequada ao
tema, foi realizada em uma escola da rede estadual de ensino na cidade de
9
Serra-ES, turno vespertino, com 99 alunos, por meio de visita in loco,
entrevista e questionários respondidos pela pedagoga e 05 professores do
quinto ano.
A escolha do local de pesquisa deve-se ao conhecimento, por meio de
estágios, em 2018, do projeto desenvolvido na escola “Conceito; resgatando
valores” no ensino fundamental II, com culminância na semana da
Consciência Negra. O objetivo do projeto era formar alunos críticos que
interagissem com o meio social de forma a conscientizá-los para a prática
dos valores humanos.
A apuração de dados foi realizada por meio de análises quantitativas através
de aplicação de questionários. Segundo Oliveira (2006) busca quantificar
opiniões e dados, nas formas de coleta de informações.
Utiliza-se a entrevista semiestruturada, que tem como característica
questionamentos básicos que são apoiados em teorias e hipóteses que se
relacionam ao tema da pesquisa (TRIVIÑOS, 1987). Há a aplicação de
questionários fechados e padronizados, porque são respostas práticas e
objetivas, facilitando também a compilação dos dados.
As respostas dos questionários fechados foram direcionados à pedagoga e
aos professores do quinto ano, por essas crianças já se perceberem,
segundo os profissionais da dessa escola, no ambiente de uma forma mais
crítica em relação às diferenças e terem atitudes mais observáveis.
Entretanto, entende-se que a criança aprende com os adultos e manifestam
suas ações desde a infância, por isso, há necessidade de práticas
pedagógicas atentas as atitudes racistas captados no ambiente escolar.
Os resultados da pesquisa apontam que mesmo sabendo da relevância da
Lei 10.639-03, criada há 16 anos, os professores se deparam com a pouca
disponibilidade de materiais didático-pedagógicos específicos para práticas
que visem a educação étnico racial.
10
Efetivam práticas pedagógicas apenas no dia da Consciência Negra, sendo
que os trabalhos realizados, são em sua maioria, em decorrência da
intencionalidade de cada profissional que atua por determinado tempo na
unidade de ensino.
Nesse sentido, o pouco conhecimento dos materiais está relacionado,
também, a oferta de formação continuada, com objetivo de cumprir a
legislação e fundamentá-la em práticas pedagógicas com condições
necessárias para identificar e corrigir erros históricos de invisibilidade e
desvalorização dos negros na sociedade brasileira.
2. CONCEITOS BÁSICOS SOBRE RACISMO
Sant’Ana (2006) nos diz que as relações raciais fazem parte dos temas mais
complexos dos dias atuais, e o racismo, como se apresenta hoje, é um
fenômeno relativamente novo. Até a Idade Média, a discriminação baseava-
se em fatores religiosos, políticos, nacionalidade e na linguagem. Hoje os
fatores predominantes estão nas diferenças biológicas ou raciais.
Racismo é um sistema organizado que afirma a superioridade de um grupo
sobre os outros, associado às raças, às etnias ou às características físicas.
Ressalta-se que não é um preconceito somente contra os negros, já que as
atitudes racistas são contra toda e qualquer raça considerada inferior, sejam
negros, índios e outros.
Existem vários tipos de Racismo, a saber:
Racismo Individual: Advindos de atitudes individuais, manifestado por meio
de estereótipos, comportamentos e interesses pessoais.
Racismo Institucional: Preconceito advindo de Instituições política,
econômica, no qual muitos indivíduos (negros, mulheres, índios) são
marginalizados e rejeitados, seja diretamente ou indiretamente.
11
Racismo Cultural: Ressalta a superioridade entre as culturas existentes,
manifestada segundo crenças, religião, costumes, línguas, dentre outras.
Esse tipo de racismo pode incluir elementos do racismo institucional e
individual.
Para Sant’Ana (2006) temos que conhecer os termos ligados ao racismo
porque:
Ocorre que a definição e compreensão de cada um desses termos é essencial para que saibamos identificar e combater as variadas formas de manifestações de ideologias que defendem a ideia de hierarquia entre pessoas. (Programa Nacional de Direitos Humanos,1998, p.12).
Raça: Conceito manifestado de acordo com as características físicas das
pessoas.
Etnia: Além das características físicas, a etnia engloba a cultura, as crenças,
religião, língua.
Etnocentrismo: Conceito associado à superioridade de uma cultura sobre a
outra, ou seja, preconceitos baseados nas opiniões sobre determinada
cultura, vista de acordo com suas crenças, costumes e tradições, etc.
Discriminação: Ato ou efeito de discriminar; Ato de colocar algo ou alguém
de parte. Tratamento desigual ou injusto dado a uma pessoa ou grupo, com
base em preconceitos de alguma ordem, notadamente sexual, religioso,
étnico, etc.
Estereótipo: são as crenças que temos sobre as características de um
grupo e os preconceitos se referem à avaliação negativa em relação ao
grupo.
12
Preconceito: Ideia ou conceito formado antecipadamente e sem
fundamento sério ou imparcial; Opinião desfavorável que não é baseada em
dados objetivos; estado de abusão, de cegueira moral; Superstição.
Discriminação racial: Sant’Ana (2006) destaca que, segundo o conceito
estabelecido pelas Nações Unidas(Convenção da ONU/1966, sobre a
Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial).
A lei 12.228 de 2010 institui Estatuto de Igualdade Racial que em seu artigo
1º parágrafo I define discriminação racial:
[...] significa qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferências baseadas em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica, que tenha como objeto ou efeito anular ou restringir o reconhecimento, o gozo ou exercício, em condições de igualdade, os direitos humanos e liberdades fundamentais no domínio político, social ou cultural, ou em qualquer outro domínio da vida pública (Idem, ibidem).
2.1 O RACISMO E PRECONCEITO RACIAL
Ao se falar de raça e etnia deve ser considerado que são duas coisas
distintas, enquanto a primeira identifica e classifica as categorias humanas
levando em consideração semelhanças físicas tais como: cor de pele, tipo
de cabelo, conformação facial e cranial, ancestralidade e genética, a
segunda se referem à cultura, estrutura social, política e territorial.
Raça refere-se ao âmbito biológico; referindo-se a seres humanos, é um termo que foi utilizado historicamente para identificar categorias humanas socialmente definidas. As diferenças mais comuns referem-se à cor de pele, tipo de cabelo, conformação facial e cranial, ancestralidade e genética. Portanto, a cor da pele, amplamente utilizada como característica racial constitui apenas uma das características que compõem uma raça. Etnia refere-se ao âmbito cultural; um grupo étnico é uma comunidade humana definida por afinidades linguísticas, culturais e semelhanças genéticas. Essas comunidades geralmente reclamam para si uma estrutura social, política e um território (SANTOS e PALOMARES, 2010, p.124).
Ao estudar a História do Brasil são percebidas as perdas sociais por parte
dos negros advindas do legado de submissão e inferioridade. Percebem-se
13
cotidianamente os obstáculos que a raça negra encontra para se igualar as
demais raças. De acordo com Cardoso (1962).
O preconceito de “raça” ou de “cor” era um componente organizatório das sociedades de castas. Nela, porém, a representação do negro como socialmente inferior correspondia tanto a uma situação de fato, como aos valores dominantes na sociedade. (...) era um componente essencial e “natural” do sistema de castas. (...) Apenas lateralmente, apesar da enorme importância desse processo, a função reguladora do preconceito agia no disciplinamento das expectativas e possibilidades de ascensão social: no caso dos mulatos claros livres. Com a desagregação da ordem servil, que naturalmente antecedeu como processo, à abolição, foi-se constituindo, pouco a pouco, o “problema negro”, e com ele intensificando-se o preconceito com novo conteúdo. (Cardoso, 1962, p. 281).
O sentimento de racismo e o preconceito racial são impetrados no ambiente
em que o indivíduo está inserido, uma vez que não é comprovado
cientificamente que pode ser um distúrbio de ordem genética. O ser humano
aprende a ser preconceituoso em seu próprio meio através de exemplos e
atitudes de aversão em relação aos que se diferem dos seus pelos seus
educadores e/ou amigos.
As pessoas não herdam, geneticamente, ideias de racismo, sentimentos e modos de exercitar a discriminação, antes os desenvolvem com seus pares, na família, no trabalho, no grupo religioso, na escola. Da mesma forma, podem aprender a ser ou tornarem-se preconceituosos e discriminadores em relação a povos e nações (LOPES, 2005, p. 188).
Conforme Lopes (2005) a miscigenação do Brasil não impede a existência
do preconceito racial e racismo, mesmo se dando conta que é uma
sociedade multirracial e pluriétnica.
Um olhar atento sobre a realidade do povo brasileiro mostra uma sociedade multirracial e pluriétnica que faz de conta que o racismo, o preconceito e a discriminação não existem. No entanto, afloram a todo o momento, ora de modo velado, ora escancarado, e estão presentes na vida diária (LOPES, 2005 p. 186).
Santos (2008) afirma que, existe resistência em se admitir o próprio racismo,
que ele está impetrado de forma velada em cada um e a omissão frente a
acontecimentos de cunho racista nos iguala ao nível de também algozes.
14
Todas as pessoas têm a garantia de ser respeitada sem distinção de raça,
cor, sexo, língua, religião, opinião política, ou de outra natureza, conforme
determina várias legislações,
A Declaração Universal dos Direitos Humanos assegura que toda pessoa tem capacidade para gozar os seus direitos sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política, ou de outra natureza.
Artigo 5º da Constituição Brasileira determina que:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade. (BRASIL, 1988).
Outras legislações versam sobre igualdade, direito, liberdade, no entanto, no
Brasil, devido às questões históricas, há dificuldade de aceitar e refletir sobre
o racismo, preconceito e discriminação racial como culturalmente construído
e que se deve acatar a legislação, uma vez que a Constituição não sugere,
[...] determina, e o que ela ordena é para se cumprir , principalmente, no
que se refere às condutas das quais dependam a viabilidade do exercício de
direitos fundamentais por ela declarados e assegurados (ROCHA, 1999,
p.42).
Com relação ao preconceito racial, destaca-se uma pesquisa recente na
qual a ONU 6 constatou o que o sentimento de rejeição por parte da
comunidade afrodescendente está no cotidiano, e que o fato do país ser
miscigenado não extirpa os atos de racismo e discriminação.
A população negra é a mais afetada pela desigualdade e pela violência no Brasil. É o que alerta a Organização das Nações Unidas (ONU). No mercado de trabalho, pretos e pardos enfrentam mais dificuldades na progressão da carreira, na igualdade salarial e são mais vulneráveis ao assédio moral, afirma o Ministério Público do Trabalho.
6 Organização das Nações Unidas
15
Cabe ressaltar que, no Brasil, à prática do racismo é considerado um crime
inafiançável, com pena de até três anos de prisão. Está previsto no art. 1º da
Lei 7.716, de 5 de janeiro de 1989 (que define os crimes resultantes de
preconceito de raça ou de cor):
“Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de
discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência
nacional.”
Porém, Gomes (2005) afirma que alguns indivíduos negam a existência do
racismo e que alegam que no Brasil há igualdade de raças, e que ambas
recebem as mesmas oportunidades. Com isso se perpetua a discriminação
contra os negros e se nega a efetivação da discriminação racial contra os
mesmos.
O mito da democracia racial pode ser compreendido, então, como uma corrente ideológica que pretende negar a desigualdade racial entre brancos e negros no Brasil como fruto do racismo, afirmando que existe entre estes dois grupos raciais uma situação de igualdade de oportunidade e de tratamento. “Esse mito pretende, de um lado, negar a discriminação racial contra os negros no Brasil, e, de outro lado, perpetuar estereótipos, preconceitos e discriminações construídos sobre esse grupo racial.” (GOMES, 2005, p. 57).
3. A LEI 10639/03 E A ESCOLA
As políticas públicas, notadamente no campo da educação têm por
finalidade, dentre outras coisas, a correção de injustiças sociais e, em alguns
casos, como na questão dos negros, implementar medidas que consigam
diminuir uma condição de excluído, notadamente, excluído da História.
E isto requer mudanças nos discursos, raciocínios, lógicas, gestos, posturas, modo de tratar as pessoas negras. Requer também que se conheça a sua história e cultura apresentadas, explicitadas, buscando-se especificamente desconstruir o mito da democracia racial da sociedade brasileira; mito este que difunde a crença de que, se os negros não atingem os mesmos patamares que os não negros, é por falta de competência ou de interesse, desconsiderando as desigualdades seculares que a estrutura social hierárquica cria com prejuízos para os negros (BRASIL, 2004, p. 12).
16
A escola, como ambiente de formação do cidadão, tem um papel decisivo no
desenvolvimento dessa visão menos preconceituosa e hierarquizada em
seus alunos e alunas e, como tal deve dispor de todos os meios possíveis
para que a sociedade brasileira possa reconhecer aceitar e respeitar as
diferenças. E, no caso do negro, ajudar a resgatar e divulgar a história e
cultura africana e afro-brasileira, tão importantes na formação do país.
A homologação, em 19 de maio de 2004, do Parecer 03/2004, de 10 de
março, do Conselho Pleno do Conselho Nacional de Educação (CNE) foi o
marco legal para a implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino da História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana. Este parecer foi feito pelo CNE para
estabelecer as bases para o cumprimento da Lei n˚. 10.693/03, em anexo,
que alterou a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e instituiu a obrigatoriedade do
ensino da História e Cultura Afro-brasileira e Africanas a serem executadas
pelos estabelecimentos de ensino de diferentes níveis e modalidades
(BRASIL, 2006), cabendo aos sistemas de ensino, no âmbito de sua
jurisdição, orientar e promover a formação de professores e supervisionar o
cumprimento das Diretrizes.
Com a Lei 10.639/03 também foi instituído o dia Nacional da Consciência
Negra (20 de novembro), em homenagem ao dia da morte do líder
quilombola negro Zumbi dos Palmares. O dia da consciência negra é
marcado pela luta contra o preconceito racial no Brasil.
A proposta de alterações curriculares a partir da lei tem o objetivo de trazer
para as escolas de ensino fundamental e médio a discussão a respeito das
relações interétnicas e do preconceito, de forma positiva, a fim de que a
herança cultural africana possa ser mais bem compreendida e vista sem o
etnocentrismo que vem caracterizando, desde muito tempo, a discussão
sobre a presença do negro na cultura brasileira. Esta discussão:
[...] procura oferecer uma resposta, entre outras, na área de educação, à demanda da população afro-descendente, no sentido de
17
políticas de ações afirmativas, isto é, de políticas de reparação, e de reconhecimento e valorização de sua história, cultura, identidade [...] fundada em dimensões históricas, sociais e antropológicas oriundas da realidade brasileira, e busca combater o racismo e as discriminações que atingem particularmente os negros (BRASIL, 2004, p. 10).
È necessário salientar que a existência da referida lei é vitória do movimento
negro e conquista do povo brasileiro. Sendo que a implementação desta
política parte do princípio de que sem a intervenção do Estado seria muito
difícil a execução de modificações no sistema de ensino brasileiro de modo a
proporcionar uma visão mais abrangente e positiva da contribuição cultural
dos africanos e dos afro-brasileiros.
4. ANÁLISE DOS DADOS
O presente trabalho foi realizado em uma instituição de ensino do governo
do estado do Espírito Santo, no município de Serra. O corpo docente é
composto por 84 profissionais, entre os quais três pedagogas sendo os
demais divididos na área administrativa e serviços gerais. A clientela
atendida pela Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio, denominada
Sol Nascente, 1.200 alunos matriculados, em três turnos, sempre foi
crescente, isso se deve a dois principais fatores: o primeiro reside na própria
questão da escola ser a única da comunidade, e a última assentam-se na
oferta de várias modalidades de ensino na unidade escolar7.
A escolha do campo de pesquisa deve-se ao fato de uma das integrantes do
grupo estar realizando seu estágio obrigatório naquela instituição. Após a
escolha da instituição foi marcada a primeira visita e contato com a
pedagoga a fim de formalizar a autorização de pesquisa.
Depois dos trâmites legais, fizemos algumas observações. Mesmo com olhar
apurado, não conseguimos perceber algum material ou cartaz que se
reportasse a Cultura ou História africana e afro-brasileira. O segundo espaço
foi a biblioteca, onde buscou –se identificar os materiais didático-
7 Informação obtida no PPP da instituição pesquisada.
18
pedagógicos específicos . Na biblioteca, conforme informações obtidas com
a pedagoga, não há bibliotecário desde meados de 2016 e dado esse motivo
não existe registro de empréstimos nem devolução do acervo desde essa
data, e que cada turma que frequenta a biblioteca é acompanhada pelo seu
regente.
Surpreende o fato de em meios a tantos livros apenas 20 abordam a
temática em questão. Enviados à escola pelo Programa Nacional do
Livro e Material Didático, do Governo Federal. Um em particular nos chamou
a atenção por ser um livro bonito e ao mesmo tempo por permanecer na
caixa sem uso “O Marimbondo do Quilombo” de Heloisa Pires Lima. No livro
os personagens buscam algo perdido. O muleke, o seu reino, o carcará, o
seu calango e, o marimbondo registra a história para não perdê-la. Da
mesma forma, os quilombos são tempos que se perderam e servem de
busca para a identidade da história da população negra no país. Ao mesmo
tempo, os quilombolas não preservaram a memória da escravidão por terem
rompido com ela. No texto, as referências à idéia de quilombos são a árvore
africana gigantesca, os cristais e o eco das cavernas. Todos, símbolos de
poder. A afetividade é o resultado da busca com a cena final do encontro
alegre reforçada pelos termos bantos “cafuné” e a expressão “gingar de tão
contente” 8.
Após a pesquisa na biblioteca, realizaram-se conversas informais com
profissionais da escola. Verificou se que as práticas pedagógicas e
abordagem do tema são feitos apenas em datas comemorativas, não no
decorrer no ano letivo. Em 2018, foi trabalhado no ensino fundamental II o
projeto “Conceito resgatando valores”, por meio do qual aconteceram
atividades na Semana da Consciência Negra, em alusão ao dia 20 de
novembro.
O objetivo do projeto era formar alunos críticos que interagissem com o meio
social de forma a conscientizá-los para a prática dos valores humanos.
8
Disponível em: http://antigo.acordacultura.org.br/livros/content/o-marimbondo-do-quilombo-e- hist.%C3%B3rias-trazidas-por-um-cavalo-marinho.
19
Filmes, exposições e produções em gerais fizeram parte da realização e
culminância do projeto.
Ao utilizar a exposição de filmes relacionados ao assunto, pois acreditava-se
que o aluno ao ser confrontado com situações e exemplos reais e/ou fictícios
teria possibilidade de refletir a respeito do contexto que está inserido e com
isso provocar mudanças em relação as questões étnico-raciais.
A idealizadora do projeto foi uma professora de Artes, hoje aposentada. O
projeto era interdisciplinar: Inglês, História, Português, entre outras, que
utilizaram seus recursos didáticos para a consolidação do projeto de forma
mais efetiva. Ainda no projeto foram confeccionadas máscaras que
simbolizavam a cultura africana, sendo que os moldes eram as faces dos
próprios alunos, houve ainda a confecção de bonecas com garrafa pet, além
de serem realizados autorretratos de meninas negras expondo seus cabelos
volumosos enfeitados com pérolas, pedras e/ou flores secas, tudo feito de
forma artesanal. Ao fim do projeto concluiu-se que uma soma significativa de
alunos que não sabiam respeitar o próximo e não atribuíam valores ao
espaço escolar, começaram a apresentar mudança de comportamento.
Desde então, segundo a pedagoga, a escola trabalha com pequenos
projetos que valorizam a cultura africana e afro-brasileira, por meio de
comida, língua, vestuário, religião, artesanato e outros meios que
corroboram para a disseminação dos conceitos Étnico-raciais. Os docentes,
por sua disseram que utilizam os recursos paradidáticos ao se trabalhar o
tema, uma vez que sempre há atraso nos livros didáticos, porém a
abordagem é feita de forma superficial.
Percebe- se que há uma quantidade pequena de materiais encontrados na
escola pesquisada para o cumprimento da lei. Entretanto, há várias fontes
de pesquisas, sites9 que disponibilizam materiais tais como: filmes, livros, e
9intern local na Internet identificado por um nome de domínio, constituído por uma ou mais páginas de
hipertexto, que podem conter textos, gráficos e informações em multimídia.
20
outros recursos que possibilitam o professor trabalhar durante o ano letivo,
de forma interdisciplinar, como por exemplo “A cor da Cultura”. Segue em
anexo acervo da escola:
QUANTIDADE
NOME DO LIVRO AUTOR(A)
01
Irmão negro, 1998. Ed. Moderna. Walcir Carrasco
02
Diferença e preconceito 7°
Edição na escola alternativa
Teóricas e práticas, 1998.
Júlio Aquino
01
A África está em nós. História e
cultura afro-brasileira,2001. Ed.
Grafset
Roberto Benjamim
01
Lili a rainha das escolhas, 2002. Elisa Lucinda
01 Irmãos Zulus, 2006. Rogério Andrade
Barbosa
01 Histórias da nossa gente. 2006.
FNDE Sandra Lane
01 O herói de Damião e a descoberta
da capoeira. 2006. FNDE IzaLotito
01 Bichos da África 2. Lendas e
fábulas, 2007.
Rogério Andrade
Barbosa
01 As narrativas preferidas de um
contador de história, 2007. FNDE. Ilan Brennam
01 Erinlé, o caçador e outros contos
africanos,2008. Adilson Martins
01
O livro das Origens, 2008. Ed.
Paulinas. José Arrabal
01 A rainha da bateria, 2009.Ed.Lazuli
infantil. Martinho da Vila
01 A luta de cada um Zumbi o último
herói dos palmares,2009.FNDE. Carla Caruso
21
01 O marimbondo do Quilombo, 2009.
Manole. Heloisa Pires Lima
01 Zumbi dos palmares Historia,
línguas e civilizações. FNDE. KabelengeMunanga
01 Contos africanos dos países de
língua portuguesa. Seleção e
organização de textos, 2011. FNDE.
Rita Chaves
02 Aqualtume e as histórias da África,
2012. FNDE. Ana Cristina Massa
01 O negro no Brasil trajetórias e lutas
em dez aulas de história, 2012.
FNDE.
Carolina Viana Dantas,
Hebe Mattos e Martha
Abreu
(Acervo da escola, no que tange a cultura negra, apurado pelas autoras, 2019)
Cabe ressaltar que no momento do estágio, em 2018, conhecemos por
intermédio de um professor, a cartilha “Igualdade Racial na Serra: História e
Identidade Negra I e II”, produzida pelo município de Serra – ES, que tem
por finalidade oferecer ao regente de sala mais uma ferramenta em prol do
cumprimento da Lei 10.639-03.
“A cartilha objetiva contribuir com os professores em sua tarefa de promover uma educação voltada para a promoção da igualdade, o que em nosso país exige conhecer e valorizar as diversas culturas que nos constituem como povo, com atenção especial para as culturas vítimas de desprestígio histórico, como é o caso da cultura de matriz africana, fortemente presente em nosso município”.http://www.serra.es.gov.br/site/download/1542720912689-
volume2.pdf.
Apesar da escola pesquisada estar situada nesse município, ela não foi
encontrada no acervo da biblioteca, e os alunos provavelmente
desconhecem a existência da mesma que possui dois volumes. O primeiro
volume é voltado para as crianças do 1º ao 5º ano.
22
Capa da cartilha volume I
Esse primeiro volume discorre sobre o significado da igualdade racial, e leva
a criança a se representar e se sentir pertencida ao núcleo a ela
apresentado. Relata a luta dos descendentes africanos no município de
Serra, além de fazer referência a herança cultural legada aos
afrodescendentes.
Capa da cartilha volume II
Ao folhear a cartilha do segundo volume o leitor tem a possibilidade
conhecer não apenas a participação afro-brasileira no município como
também alguns conceitos sobre “Igualdade racial”, “Preconceito” e
23
“Racismo” entre outros. A cartilha ainda faz referência à origem de algumas
religiões, segundo informação do projeto de educação “A cor da cultura” 10:
“Os negros espalhados de norte a sul no território brasileiro deram origem a diversas religiões de matrizes africanas (Batuque Cabula, Egungun, Catimbó, Xambá, Omolocô, Quimbanda). Estas variavam de acordo com a etnia de origem dos negros, a cultura dos escravizados e a região brasileira em que foram estabelecidos”.
Ela traz ao conhecimento do leitor a lei 12.388 que trata do “Estatuto11 da
Igualdade Racial” que em seu artigo 1º determina a garantia dos direitos da
população negra, sendo garantida a igualdade de oportunidades:
“Art. 1º Esta Lei institui o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica”.
Mas, para que a lei 10.639/03 seja implementada no âmbito escolar é
necessário que os profissionais sejam qualificados e conheçam a legislação.
A Formação continuada é prevista na LDB 9.394 de 1996 no seu Art. 62
inciso 1° determina que “A União, o Distrito Federal, os Estados e os
Municípios, em regime de colaboração, deverão promover a formação inicial,
a continuada e a capacitação dos profissionais de magistério”.
Ainda segundo, Oliveira (2006),
Uma educação para a diversidade racial brasileira não pode, sem dúvida, prescindir do respaldo legal, mas a legislação só se concretiza no espaço escolar em uma dinâmica curricular e da sala de aula que privilegie uma educação anti-racista com conteúdo anti-racista. Para realizar tal trabalho, os profissionais docentes necessitam de uma formação que lhes garanta o domínio dos conteúdos a ensinar, dos valores que tal tipo de educação deverá privilegiar e de uma pedagogia que lhe permita manipular tais conhecimentos e privilegiar tais valores, colocando-os a serviço da equidade racial. Oriundos de uma trajetória escolar à qual tais conhecimentos e valores lhes foram negados, tanto os profissionais em formação inicial, quanto os que se encontram em exercício, somente terão condições de ter uma atuação satisfatória na
10
É um projeto educativo de valorização da cultura afro-brasileira (fruto de uma parceria entre o Canal Futura, a Petrobras, o Cidan - Centro de Informação e Documentação do Artista Negro, o MEC, a Fundação Palmares, a TV Globo e a Seppir - Secretaria de políticas de promoção da igualdade racial. 11
É um conjunto de leis que disciplinam as relações jurídicas que atingem um grupo de pessoas.
24
educação para as relações étnico-raciais se tiverem em sua formação, tais conhecimentos de forma obrigatória. (OLIVEIRA, 2006, p. 140).
A seguir, apresenta-se as perguntas feitas aos professores e à pedagoga,
bem como suas análises.
Você conhece a lei 10.639/03?
(Fonte: Elaborada pelas autoras, 2019)
Todos afirmaram ter o conhecimento da lei 10.639/03, no entanto, apenas
conhecer não é garantia de sua aplicabilidade, então foi necessário
investigar se os profissionais da educação utilizam práticas pedagógicas
com vistas à educação étnico- racial .
A qualidade de um trabalho está atrelada ao uso de ferramentas adequadas
para a sua execução, e na educação isso não é diferente. Por conseguinte,
verificou-se junto aos professores se os materiais disponibilizados na
instituição pesquisada são suficientes para se trabalhar a temática étnico-
racial a fim de combater quaisquer indícios de racismo dentro do âmbito
escolar. Como demonstra o gráfico a seguir à maioria considera que os
0%
100%
Não
Sim
25
materiais oferecidos são insuficientes para que se aplique a lei como
previsto.
(Fonte: Elaborada pelas autoras, 2019)
Próxima questão: a lei 10.639/03 é um avanço na luta contra o racismo. Ela
é implementada de forma adequada de acordo como o preconizado na lei?
(Fonte:Elaborada pelas autoras, 2019)
25% 75%
Sim
Não
37%
63%
Sim
Não
26
Os professores não consideram que a lei que estabelece a inserção da
cultura Afro-Brasileira e Africana está presente nos livros de História como é
previsto. O conteúdo não atende da forma como deveria as necessidades da
comunidade escolar, sendo necessário lançar mão de outros meios
paradidáticos a fim de alcançar os objetivos da lei em todos os níveis e
modalidades de ensino.
Esses meios são relacionados ao fazer de cada profissional e sua relação
com a temática das relações étnico- raciais. Alguns fazem cursos ou têm
materiais produzidos por outras redes de ensino.
Tendo em vista, o cumprimento da lei, conforme Art.8º da Lei 10.639/03,
deve-se ressaltar:
Art. 8º - Cada unidade escolar/instituição deverá compor equipe interdisciplinar que estará encarregada da supervisão e desenvolvimento de ações que dêem conta da aplicação efetiva das diretrizes estabelecidas por esta Deliberação ao longo do período letivo e não apenas em datas festivas, pontuais, deslocadas do quotidiano da escola.
Foi indagado ao entrevistado se, segundo sua concepção, isso ocorre na
prática em todas as instituições de ensino.
O gráfico abaixo demonstra a visão dos professores questionados sobre o
assunto, e revela que, em sua maioria eles concordam entre si ao considerar
que apenas algumas instituições dispõem dessa equipe. Não sendo o caso
da escola pesquisada.
27
(Fonte: Elaborada pelas autoras, 2019)
CONCLUSÃO
No decorrer da pesquisa verificou-se que os materiais didático-pedagógicos
que tratam da questão racial disponibilizados na instituição são insuficientes,
e o profissional precisa recorrer a outros recursos paradidáticos para
realização da aula.
Ao final das análises dos dados podemos perceber que a mudança acontece
de forma lenta e imperceptível, que a lei cujo objetivo é amparar, dar voz e
pertencimento a comunidade negra existe, mas pouco é implementada.
Ficando a cargo de algum profissional que se dedica mais por afinidade, ou
conhecer as práticas pedagógicas de outro espaço institucional.
È certo pensar que a sala de aula e a construção de espaços onde possa
ser discutida a temática do negro, da diferença e do preconceito racial, são
lugares que devem ser organizados de forma pedagógica a fim de acontecer
à discussão sobre História e Cultura Afro-Brasileira e Africana e suas
diversas inserções e influências na vida da social brasileira, pois:
12%
25%
63%
Todas
Nenhuma
Alguma
28
A relevância do estudo de temas decorrentes da história e cultura afro-brasileira e africana não se restringe à população negra, ao contrário, diz respeito a todos os brasileiros, uma vez que devem educar-se enquanto cidadãos atuantes no seio de uma sociedade multicultural e pluriétnica, capazes de construir uma nação democrática (BRASIL, 2004, p. 17).
Finalizando (ou talvez iniciando), o conhecimento da Lei é de domínio de
todos os entrevistados, entretanto muito deve ser feito para que realmente
haja implementação efetiva da mesma, ainda se fortalece a cultura do
silêncio e do racismo.
Resta ainda discutir o currículo. É necessário que ele seja pensado a partir
do questionamento social e da visão racista que boa parte da sociedade tem
sobre o negro. “A questão da raça e da etnia não é simplesmente um tema
transversal: ela é uma questão central de conhecimento, poder e identidade”
(SILVA, 2005, p. 102). Questionar o ponto de partida das referências
curriculares e a forma pela qual são percebidas (ou não) as diferenças
étnicas e culturais são formas de desnudar uma construção onde os
parâmetros da sociedade européia são hegemônicos, não permitindo a
discussão sobre essa diversidade .
Outro aspecto que deve ser ressaltado é a formação inicial e continuada dos
profissionais da educação em todos os tempos. Muitas vezes as práticas
pedagógicas ficam restritas a grupos ou determinados profissionais. É
preciso a partir da educação/formação buscar perspectivas, práticas
pedagógicas e atitudes, que combatam as estruturas de desigualdades
raciais, sociais e econômicas para brancos e negros no Brasil. Por fim,
temos muito a aprender para promover a igualdade racial.
29
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Metodologias multidimensionais em Ciências Humanas. Brasília: Líber
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30
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31
ABSTRACT
The Brazil has a secular history of racism, discrimination and racial prejudice
strongly present in society. So in 2003 the law 10,639 appears, which
determines, in all levels and modalities of education, the pedagogical work in
order to study the African and Afro-Brazilian History and Culture. In this
sense, the present work aims to meet, through qualitative research, in a
school of the state elementary school network of the municipality of Serra-
ES, didactic-pedagogical materials found that contribute to develop the
pedagogical practices aiming at the fulfilment of the Law 10.639/03. The
survey results show that even knowing the relevance of Law 10.639/03,
created 16 years ago, teachers face the little availability of didactic-
pedagogical materials and few studies on initial and continuing training to
develop practices aimed at the ethnic-racial education.
Keywords: Racism. Law 10.639/03. Racial-ethnic education.
32
ANEXOS
Presidência da República Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos
LEI No 10.639, DE 9 DE JANEIRO DE 2003.
Mensagem de veto
Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o A Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescida dos
seguintes arts. 26-A, 79-A e 79-B:
"Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna- se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.
§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.
§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.
§ 3o (VETADO)"
"Art. 79-A. (VETADO)"
"Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‘Dia Nacional da Consciência Negra’."
Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 9 de janeiro de 2003; 182o da Independência e 115o da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 10.1.2003
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