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FILOSOFIA NA ESCOLA: A OPINIÃO DOS ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO
EM CAXIAS DO SUL
Autor: Diego Wuttke NunesOrientadora: Fernanda Bertoldo
Resumo
O Congresso Nacional, após longa “luta” das representatividades dos cursos de Filosofia e de Sociologia no Brasil, reconheceu a importância dessas disciplinas para o Ensino Médio. O artigo 36 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) foi alterado, tornando Filosofia e Sociologia disciplinas obrigatórias para todas as etapas do Ensino Médio. A Resolução nº 1 do Conselho Nacional de Educação, de 15 de maio de 2009, decide que a partir de 2012 todas as etapas do Ensino Médio, no Brasil, deverão oferecer Filosofia e Sociologia, ministradas por profissionais da área. Reconhecida tal importância resta saber qual é a opinião dos estudantes a respeito da qualidade e obrigatoriedade das aulas, à fim de identificar quais são os desafios desses educadores para a inserção dessas disciplinas de forma a contemplar as intenções da Lei. Este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa, na qual foram realizadas 773 entrevistas com estudantes do Ensino Médio, de cinco escolas públicas e quatro escolas da rede privada em Caxias do Sul, sobre a obrigatoriedade do ensino de Filosofia, e ainda, a possível importância dessa disciplina para a formação desses jovens. Entre repúdio, indiferença e até indignação, tanto em instituições públicas como em privadas, os estudantes demonstraram que querem ser mais ouvidos. Apenas 5% de todos os entrevistados elogiaram a disciplina e a atuação do professor. A pesquisa foi desenvolvida no âmbito do Curso de Extensão “Escola e Pesquisa: um encontro possível”, realizado pela Universidade de Caxias do Sul.
Palavras-chave: ensino de filosofia, Ensino Médio, representações sobre filosofia, desafios aos educadores, democracia, emancipação por meio da educação.
Introdução
É manifesto que um país que pretende ser um “Estado Democrático de
Direito”, como está escrito na Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988, para fazer jus a esse nome, deve fornecer condições para que os
indivíduos que compõem o seu povo, sejam capazes de serem cidadãos. Ser
cidadão, livre, significa, no mínimo, ser capaz de ler e interpretar a
Constituição; saber os próprios direitos e deveres, e assim, sentir-se capaz
de decidir também sobre a Lei. O “mínimo”, porém, não é suficiente. As
disciplinas de Filosofia e de Sociologia nas escolas de Ensino Fundamental e
Médio são indispensáveis para formar cidadãos. Pois, formar cidadãos
significa formar seres cientes e críticos. Formar cidadãos significa formar
pessoas capazes de transformar a realidade; significa transformar seres
passivos em seres ativos, interessados no bem comum. Somente assim o
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país se aproximará do que se pode chamar de um “Estado Democrático de
Direito”, pois, não há verdadeira democracia onde a “vontade de todos” não
está presente de forma lúcida e latente. Isso quer dizer: somente quando
absolutamente todas as pessoas que compõem uma nação tiverem voz ativa
nas questões de interesse público, e realmente discutirem qual é o interesse
de todos, é que existirá uma verdadeira democracia. Porém, para chegar
próximo à democracia verdadeira, é necessário formar pessoas capazes de
conciliar sua vontade particular com a vontade pública, ou seja, formar
cidadãos.
Acredita-se que a filosofia como disciplina escolar representa o triunfo
do autodidatismo; da emancipação dos estudantes; da formação de
pesquisadores e não mais de meros coadjuvantes da aprendizagem, mas, de
verdadeiros protagonistas das futuras verdades. Trata-se de um projeto de
longo prazo, que incentive as pessoas a pensarem por si mesmas e a
decidirem o que desejam para o seu presente e futuro. A obrigatoriedade da
filosofia representa uma conquista, que está inclusa em um processo lento
que tem por objetivo final a reforma, ou, a reconstrução, ou a revolução da
educação no Brasil. Entretanto, para atingir tal objetivo a disciplina deve ser,
no mínimo, interessante para os estudantes. Ao passo que os estudantes se
sintam seduzidos, assim, facilmente serão capazes de compor uma
comunidade de investigadores. Acredita-se que o primeiro passo para atingir
esse objetivo seja saber a opinião dos estudantes, à fim de se pensar nos
futuros projetos de intervenção, formação e transformação.
Em um primeiro momento o esforço do presente escrito será em
analisar o que, ou, que conjunto de fenômenos devem ser chamados de
democracia. Provocar-se-á, então, a reflexão sobre o papel da educação
rumo a um modelo político democrático.
A partir das reflexões feitas, serão analisadas as representações dos
estudantes acerca de como são suas aulas de filosofia. Será possível
vislumbrar, acredita-se, aproximadamente, o quanto essa realidade dista dos
ideais de um modelo verdadeiramente democrático.
Em um terceiro capítulo este artigo se propõe em analisar o desejo dos
estudantes. Em outras palavras, as suas propostas para a melhoria de sua
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própria aprendizagem. Provocar-se-á uma reflexão de mercado, pois, com as
tecnologias de mídia, publicidade e propaganda tão avançadas, é possível
questionar: o que as escolas devem fazer para atrair o interesse dos
estudantes?
Para um capítulo final se propõe uma análise das respostas mais
criativas, à fim de avaliar o senso crítico dos estudantes frente a capacidade
dos professores de aproveitá-lo em prol da aprendizagem. Com essa análise
pretende-se propor a reflexão sobre a importância do papel do professor no
desempenho de sua função: ser educador.
1 A importância da Educação: à caminho da verdadeira democracia
Existe, por acaso, uma “falsa democracia”? O título sugere que sim.
Porém, em verdade, deve-se pensar o que é a democracia e o que ela não é.
“Democracia”, como todas as palavras, desde a criação do conceito, é
reconceituada de acordo com as épocas e as culturas que a enunciam. Por
isso, é interessante refletir sobre o significado dessa palavra para que se
possa utilizá-la de forma coerente.
Como muitos devem saber, “democracia” é uma palavra de origem
grega. A palavra “Demos” (dh=moj) pode ser traduzida por povo, ou por
pobres, e “kratos” (kra/toj), traduzida por autoridade, poder ou governo. Da
junção dessas duas palavras, é que os ilustres inventores de palavras
gregos, formaram o conceito de dhmokrati¿a, ou, democracia. Mas, o que
exatamente eles queriam dizer com essa fusão?
Em A república, a democracia é uma das quatro formas de
degeneração da aristocracia, que é o modelo ideal para Platão. A primeira
forma de degeneração é chamada de timocracia (timokrati¿a): quando os
governantes conferem um valor excessivo às horarias e se apropriam das
terras e casas. A segunda chama-se oligarquia (o)ligarxi¿a): essa ocorre
quando a polis honra a riqueza e os ricos negligenciando a virtude e os
homens honestos. A terceira forma é a democracia (dhmokrati¿a), em que a
liberdade é o principal bem, sendo caracterizada por ser uma forma
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“aprazível, anárquica, variegada” de governo. A quarta forma surge da
excessiva liberdade da anterior, é a tirania (turanni¿j). Sócrates, na condição
de personagem da obra de Platão argumenta com Adimanto sobre o
surgimento da democracia: “(Sócrates) – Ora a democracia surge, penso eu,
quando após a vitória dos pobres, estes matam uns, expulsam outros, e
partilham igualmente com os que restam o governo e as magistraturas, e
esses cargos são, na maior parte, tirados à sorte.”
A democracia é apresentada como oposta à oligarquia, em Platão,
porque a palavra demos, traduzida por “povo”, na época designava “os
pobres”, que em um governo oligárquico são em maior número. Assim,
apercebendo-se de que eram os mais numerosos, os desfavorecidos
revoltavam-se contra as usurpações da classe dominante, tomando o poder.
Por esse motivo a democracia foi chamada de “governo da maioria”, em
oposição ao “governo da minoria”.
Para Aristóteles, a democracia é uma forma de governo insuficiente.
Assim como a tirania e a oligarquia, a democracia não representa um
governo justo, pois privilegia um grupo, ainda que seja o dos mais
numerosos. Eis como ele classifica as formas de “desvio” dos regimes
políticos “retos”:
As deturpações dos regimes mencionados são, a tirania do reino [monarquia], a oligarquia da aristocracia e a democracia da politeia. A tirania é, na verdade, uma monarquia que persegue ao interesse do monarca, a oligarquia ao interesse dos ricos e a democracia ao interesse dos pobres: nenhum desses regimes é vantajoso para a comunidade.
Aristóteles chama de “retos” (o)rqa\j) os governos que atendem ao
interesse comum, sejam esses monarquias, aristocracias ou politeias. Aliás,
politeia torna-se o nome comum a todas as outras formas “retas” de governo.
E, chama de “desviados” ou “deturpados” (parekba/seij), qualquer forma de
governo que não atende aos interesses comunitários, mas apenas aos
interesses particulares.
Na antiguidade, portanto, momento de criação do conceito de
democracia, essa palavra designava deturpação política. O que permite
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questionar: o que mudou, então, desde a criação do conceito até hoje, para
que se ouça essa mesma palavra em sentido tão diverso? Tradutores infiéis
e desatentos, até mesmo desleixados, pode-se dizer, causaram muitas
confusões entre as línguas grega e latina. É o caso da palavra república, que
foi cunhada em Roma, da junção das palavras res, que é traduzida por
“coisa” ou por “negócios”, e publicus que significa: aquilo que é comum a
todos. Embora Platão e Aristóteles tenham entendido por “democracia” algo
distinto de “coisa pública”, no decorrer da História o termo “democracia”
aproximou-se do termo latino “res publicus”.
Filósofos importantes, como Heidegger, defendem que muitos termos
não devem sequer ser traduzidos do grego. Schopenhauer, por exemplo,
chega a afirmar que nada deve ser traduzido de uma língua para outra, pois,
“todas as traduções são necessariamente imperfeitas”. Se se quer ler algo
em outro idioma deve-se antes aprender a pensar naquele idioma, mas,
jamais traduzir. De qualquer forma, é possível encontrar em enciclopédias
“democracia” como sendo: “aspiração dos homens e dos povos a assumir
plenamente seu destino coletivo e sua responsabilidade política”; e ainda:
“uma forma de organização política que reconhece a cada um dos membros
da comunidade o direito de participar da direção e gestão dos assuntos
públicos”. Democracia passa a ser interpretada como um contrato social. Se
todos estão de acordo em utilizar esta palavra para designar justiça política,
ou, uma forma reta de governo, como menciona Aristóteles, que atende ao
interesse comum, então, pode-se prosseguir. Caso contrário, deve-se utilizar
“politia” ou “politéia”.
Seja como for, a intenção desse texto é tratar de uma forma de
organização política que atenda ao interesse de todos. Seja chamando-a de
democracia ou politéia. O Brasil intitula-se, em sua Constituição, um “Estado
Democrático de Direito”. Todavia, nem os pobres estão no poder, nem, todos
os cidadãos participam nas decisões comuns, então, nem em um sentido
nem em outro trata-se de democracia. Elegem-se representantes, e, diga-se
de passagem, o momento das eleições, é um dos poucos em que se exerce
o que se insiste em chamar de democracia. Bem, deve-se decidir: ou se
muda a nomenclatura ou se adequa a realidade aos nomes. Mudar a
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nomenclatura é muito simples, mas, talvez não seja agradável chamar um
país de “Estado Oligárquico de Direito”. É preferível adequar a realidade para
que se possa chamar, de fato, o país de Estado Justo. Como? Eis a questão.
Entra em cena a importância da educação, também mencionada no título
deste capítulo.
Para constituir uma nação que oferte a cada membro a mesma
parcela de poder e direito sobre o que é comum, sem ter a preocupação de
causar injustiças, é necessário que esse povo tenha uma formação, não
apenas cívica, mas, filosófica. Entenda-se por formação filosófica, a
formação de cidadãos completos. Que inclua: mitologia, física dos primeiros
pensadores, metafísica, lógica, estética, ética, moral, psicologia, política,
sociologia, direito e linguagem. Para que se obtenha justiça política é
necessário garantir que cada cidadão não utilizará bens públicos em proveito
particular ou em proveito de algum grupo de pessoas. Portanto, para se
chegar na tão sonhada e longinqua “democracia” existe um longo caminho.
Nesse caminho, talvez, seja necessário passar antes pela aristocracia, em
que se confere o poder apenas àqueles realmente qualificados para lidar
com o poder. Aos poucos, ao passo que os demais membros dessa nação
se instruam, merecerão exercer cargos de poder. Tamanha honra deveriam
sentir esses escolhidos que dispensariam salários altos, viveriam apenas
com o indispensável e com a satisfação do serviço público bem prestado.
País das maravilhas? É apenas um sonho. Muitas questões podem surgir
desses raciocínios, como por exemplo: quem avaliará o merecimento de
altos cargos? Quem poderá avaliar honestidade e honra? Existirá um
colegiado de homens ilustres capazes de julgar e selecionar os melhores?
Muito difícil. Será lícito então chamar isso de democracia? Talvez nunca se
chegará a uma organização política que garanta verdadeiramente a mesma
parcela de poder e direito à todos, porém, um Estado que garanta,
verdadeiramente, educação de qualidade à todos os seus membros, estará
mais próximo do que se pode chamar de “Estado Democrático”. Uma
competição justa exige que todos partam do mesmo ponto.
São “utopias”, mas, utopias necessárias, pois, a própria Constituição
da República é uma “utopia”, logo que, muito do que se lê na mesma não se
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sente realizar. O direito à educação de qualidade para todos está dentre
essas leituras. Entretanto, não se pretende entrar nessa via de discussão. O
que se pretende, é discutir sobre o que significa essa “educação de
qualidade”, pois, antes de garantir o direito é interessante que se esclareça o
que se quer significar com tal expressão. Não se tem a pretensão de
responder, neste texto, o que deva ser a “educação de qualidade”,
entretanto, propõe-se, sim, que se abram fóruns de discussão, para que
todos possam decidir em convenção o que é justo. Para contribuir,
humildemente, e provocar tamanha empreitada discursiva, em proveito das
futuras mentes pensantes que, certamente, elencarão outras perspectivas,
questiona-se: Quais devem ser os objetivos de uma educação de qualidade
para todos? Quê devem representar as escolas à sociedade? Qual deve ser
o papel da educação formal, para se chegar a um Estado verdadeiramente
Democrático, ou, Politéico? Em verdade, o objetivo da educação é chegar
próximo a esse modelo político “reto”, e, a partir de então, mantê-lo. Persiste
a questão: como? Basta que se modifiquem as Leis, obrigando o ensino de
filosofia e sociologia para o Ensino Médio? Nem sequer os filósofos sabem
se é ou não possível ensinar filosofia! Kant acreditou ser possível apenas o
ensino do ato de filosofar. Bem, os legisladores exercem com mérito as suas
funções, não são eles que executarão as leis. Cabe aos educadores,
cidadãos, nesse momento, pensarem e repensarem as suas estratégias para
melhorar o processo de aprendizagem, à fim de projetar um futuro mais
politéico, ou, democrático, enfim, justo para as futuras gerações no Brasil.
Tentou-se mostrar, neste capítulo, que a qualidade na educação
formal é importante para que uma nação possa se autonomear “Estado
Democrático de Direito”; que no Brasil, se está muito distante desse objetivo;
que há muita esperança com o retorno de disciplinas como a Filosofia e a
Sociologia para o Ensino Médio; e, que os educadores devem refletir mais
sobre a sua atuação docente com os jovens, em prol de um país mais justo e
bom de se viver, às futuras gerações.
Nesse sentido, levando-se em consideração as tecnologias de
informação e comunicação (TIC's), que, atualmente, são muito avançadas, é
possível e necessário que os futuros educadores sejam interlocutores de
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processos de aprendizagem cada vez melhores; atualizados. A primeira
missão de um vendedor, de qualquer produto, por exemplo, é conhecer o
perfil do seu cliente. É então que esse vendedor irá criar uma identidade do
produto com as necessidades do cliente. Do mesmo modo, o primeiro passo
do educador é conhecer o seu educando, e, somente então, identificar os
conteúdos à serem aprendidos com os interesses desse estudante. O
educador, 'espantado' com o interesse desse estudante, se tornará
novamente estudante, e coordenará pesquisas nessas áreas de interesse
que aproximem todos ao aprendizado pretendido e, certamente, além dele. O
capítulo seguinte está voltado em dar o primeiro passo: conhecer os
estudantes do Ensino Médio na cidade de Caxias do Sul, Rio Grande do Sul,
Brasil.
2 Representações dos estudantes de Ensino Médio acerca das aulas de
filosofia
Os estudantes foram muito receptivos à pesquisa. Manifestaram
satisfação em serem escutados. Muitos parecem se sentir encarcerados em
seu espaço dentro da sala de aula. Alguns esforçam-se por mostrar interesse
e maturidade, outros, desejam ter aulas ao ar livre e mais passeios. Outros
simplesmente querem terminar de uma vez os estudos e, se possível, nunca
mais entrar em uma sala de aula. Todos, no entanto, parecem ter noção de
que precisarão concluir o Ensino Médio para ter um emprego, quiçá uma
profissão. Dos que querem seguir estudando, passar no vestibular e fazer
uma faculdade, muitos acham a filosofia supérflua. Esses argumentam,
geralmente, que não utilizarão filosofia na profissão que desejam seguir.
Foram visitados cinco colégios da rede pública e quatro colégios da rede
particular em Caxias do Sul. Em cada instituição se entrevistou uma turma de
cada ano do Ensino Médio. Dos colégios que se disponibilizaram a acolher a
pesquisa, apenas um, da rede pública, possuía curso de magistério, sendo
entrevistada uma turma de quarto ano. Totalizaram 385 entrevistas na rede
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pública, e 388 na rede privada, o que demonstra que as turmas dos colégios
particulares possuem maior número de estudantes. Dos 773 entrevistados
729 tem entre 14 e 17 anos, 41 tem entre 18 e 25 anos, e 3 estudantes
declararam ter acima de 26 anos de idade.
Ser jovem em um mundo globalizado e globalizante, pode parecer
simples, entretanto, de acordo com o Professor Dr. Juarez Dayrell, é preciso
considerar que a “condição juvenil vem se construindo em um contexto de
profundas transformações sócio-culturais”. Em verdade, as representações
desses jovens não passam de conseqüências das verdades e dos valores
construídos no mundo adulto. O consumismo, o pragmatismo, o materialismo
do mundo ocidental contemporâneo, atinge também ao jovem. Quando um
adulto não compreende o que se passa em meio aos jovens, não leva em
consideração o seu próprio meio e o que se passa consigo mesmo. Quando,
porém, se tenta analisar as causas dos efeitos que se apresentam, o adulto
entende perfeitamente que estudar o contexto das relações entre jovens,
entre adultos, e entre adultos e jovens, é a chave que permite a comunicação
entre esses mundos. Quando há comunicação, o adulto percebe que o único
fato que o torna adulto é a habilidade em mascarar suas vontades de ser
jovem. Adulto não brinca, trabalha. Nesse sentido muitos jovens, no Brasil,
se sentem obrigados a se tornarem adultos muito cedo. No entanto, esse
mito cai por terra quando o adulto percebe que pode criar um elo de
comunicabilidade com o jovem estudante, brincando e se divertindo, embora
esteja ciente dos objetivos dessa diversão: a aprendizagem. Assim a
aprendizagem é possível, do contrário, muita teoria e conteúdo serão
passados e infelizmente serão simplesmente passados, pretéritos
esquecidos. Aguçar a curiosidade do educando é o desafio do educador. O
educador precisa entender, entretanto, que nem sempre a sua curiosidade é
a curiosidade do educando; que os seus interesses não são os interesses
dos educandos. O interesse da pessoa que assume a postura de educador
deve ser a aprendizagem do grupo, e nisso deve estar sempre desperto.
Com o objetivo de estudar os contextos vividos pelos jovens
estudantes de Ensino Médio, foi questionado: você gosta das aulas de
filosofia? 37% dos 773 entrevistados assinalaram a alternativa (a), que dizia:
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sim, pois, os temas das aulas são atuais, curiosos, e nos fazem refletir sobre
assuntos inusitados que sempre são relacionados com a realidade. 11%,
declararam não gostar por não entender as explicações do professor,
alternativa (b). 38% assinalaram a alternativa (c), que dizia: as vezes é
interessante, mas, não vejo como essa disciplina pode contribuir em minha
formação. E 14% responderam que poucas vezes gostaram das aulas de
filosofia considerando-as uma perda de tempo, alternativa (d). Conforme
ilustra o gráfico abaixo:
Note-se que apenas uma alternativa oferece respaldo positivo, isso
deve-se a elaboração do questionário, que levou em consideração as
respostas negativas de um pré-teste. Nesse sentido, pode-se afirmar que
63% dos entrevistados reprovam de alguma maneira a disciplina de filosofia.
Qual o motivo de tamanha reprovação? As justificativas da questão seguinte
e as respostas da última questão, que é dissertativa, trazem alguns indícios.
A próxima questão quis saber: “você acha a disciplina de filosofia
atualmente: a) importante para a sua formação e por isso necessária; b)
contribui pouco em sua formação e por isso é desnecessária; c) não contribui
em sua formação por isso é desnecessária e não é importante”. Essa
questão deixou um espaço para justificativas. 48% dos estudantes
assinalaram a alternativa (b), e, 11% a alternativa (c), o que totalizam 59%
de respostas negativas à importância e necessidade da filosofia no currículo
escolar. Como é possível vislumbrar no gráfico à seguir:
Dos 41% que assinalaram a alternativa (a), prevaleceram quatro tipos
de justificativas, em que 38% escreveram uma ou mais das seguintes
qualidades: a filosofia ajuda a refletir, a tomar decisões, a pensar por si
mesmo, a formar o caráter, e a ter senso crítico. 15% declararam que a
filosofia trata de assuntos atuais e necessários à realidade, outros 15%, que
a filosofia contribui para conhecimentos gerais. 12% desses estudantes
expressaram que a filosofia faz pensar sob outras perspectivas, amplia os
horizontes e ajuda a entender as outras matérias. Conforme o gráfico:
Os 21% restantes, ilustrados com a cor grená, no gráfico, dividem-se
em 11 outros tipos de respostas. Dentre estas, 22 dos entrevistados não
10
justificaram, 10 estudantes revelaram que não acham filosofia uma disciplina
legal, dependendo de como é o professor, mas é importante para a
formação. Oito estudantes expressaram que as aulas de filosofia contribuem
para a formação crítica e social, possibilitando que sejam cidadãos mais
conscientes, como ficou registrado no questionário número 727, por
exemplo. Outros sete declararam que filosofia faz buscar “o desconhecido”.
Dois estudantes, entretanto, manifestaram uma forma de pensar diferente,
escreveram: “É importante e contribui para nossa formação, mas penso que
não deveria ser obrigatória, pois muitos não tem interesse sobre a disciplina”
(questionário 239); “É para uma formação pessoal e não acadêmica”
(questionário 242). O primeiro manifesta a idéia de tornar a filosofia uma
disciplina opcional para o Ensino Médio, e o segundo faz uma separação
entre formação pessoal e acadêmica, em que à escola caberia apenas a
formação acadêmica. O pragmatismo está presente entre esta pequena
parcela de estudantes que assinalou pela importância da filosofia para a
formação. Entre os que assinalaram ser pouco importante e dispensável
esse fenômeno é latente.
Dos que assinalaram a alternativa (b) da questão sobre a importância
e necessidade da disciplina de filosofia ao Ensino Médio, 19% pensam que
o problema não é a disciplina em si, mas, o modo como são as aulas, esses
criticaram a falta de criatividade das aulas que abordam temas que não lhes
causam interesse. 17% não consideram a filosofia importante por não
pretenderem utilizá-la na profissão de desejam seguir. 14% declararam que,
“simplesmente a filosofia não vai fazer diferença em meu futuro”. 10%
desses entrevistados, criticaram a formulação das alternativas dessa
questão, pois, consideram a filosofia pouco importante para a formação
curricular, mas, necessária para a vida. 5% escreveram que é pouco
importante porque contribui apenas com os conhecimentos gerais,
contrastando com os 15% dos que assinalaram a alternativa (a) e acharam
importante por esse mesmo motivo. De outra maneira, mas, com a mesma
veemência, 3% criticaram as aulas que, segundo eles, são cansativas,
repetitivas e não causam interesse, dizendo ainda que poderiam estar
reforçando outra matéria durante o período. Eis o gráfico:
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A maior fatia do gráfico, 31%, são 18 outras respostas, que, embora em
menor número, não são de menor relevância para esta pesquisa. Apesar de
35 estudantes não terem justificado, houveram respostas como: “Em vista do
desenvolvimento econômico e do capitalismo, apenas matérias práticas e
aplicáveis, nas quais podem haver retornos financeiros são importantes,
julgo filosofia desnecessária” (questionário 157), outros quatro estudantes
escreveram justificativas semelhantes. E ainda: “A importância da filosofia no
nível médio de formação não contribui para com a formação que esse nível
propõe: mais objetiva, funcional e pragmática” (questionário 237). Sob uma
perspectiva observam-se as habilidades de raciocínio e de escrita desses
estudantes, sob outra, lamenta-se que pensem apenas em se adaptarem ao
meio, em vez de se colorar na posição de agentes, transformadores do meio
em que vivem. Seria interessante que as aulas de filosofia estimulassem
essas posturas questionadoras. Outro estudante, sugere que a escola não
precisa assumir o papel da família, que seria a única responsável em ensinar
o que se aprende em filosofia, de acordo com o relato a filosofia “não é
relevante na educação. A família ensina esses valores” (questionário 260).
Provavelmente este estudante quis dizer “educação formal”. Esse relato
expõe a maneira como a escola é percebida por esse estudante:
pragmaticamente.
Os entrevistados que assinalaram a alternativa (c), estão entre os que,
sentem certo repúdio pela matéria, ou pelo professor, ou pela educação em
geral. Alguns desses estudantes são mais agitados e altamente críticos.
Muitas vezes, devido a essa agitação, eles são reprimidos, embora não se
reprimam, pelos professores, geralmente, com políticas punitivas como: ficar
calado, sair da sala, ir para a direção, ficar de castigo entre outras. 24%
desses estudantes acham que a filosofia não vai fazer diferença em seu
futuro. 15% especificaram que, ao menos da maneira como a filosofia é
ensinada na escola, ela não é necessária para a formação, pois, segundo
alguns deles: “é muita enrolação”. Outros 15% escreveram que não vão
12
utilizar filosofia na profissão que querem seguir. 9% acusaram o professor de
não saber do que se trata a filosofia, ou, parecer saber demais, e por isso ser
incompreensível. E, 24% das respostas estão compostas por outras sete
categorias de justificativas em que seis entrevistados não responderam, mas,
oito se incluem na categoria que diz: “são conhecimentos muito antigos que
eu não vou utilizar em minha vida”. E, novamente, o utilitarismo da
contemporaneidade se mostra. Conforme o próximo gráfico ilustra:
Somente estudantes de escolas públicas se enquadraram na
categoria em que 9% criticam a atuação do professor. Entretanto, em
escolas particulares, como se poderá constatar na próxima questão, alguns
estudantes desejaram que as aulas fossem mais tranquilas, sem tantos
gritos do professor. Um dos estudantes assinalou que o professor deveria
gritar menos e preparar melhor as aulas, com mais recursos. 15% dos
estudantes do gráfico acima, demonstraram já ter decidido que profissão
querem seguir. Entretanto, pode-se questionar: como chegaram a tomar
essa decisão? O que levaram em consideração na tomada dessa decisão?
Será apenas sucesso financeiro? Gosto e admiração pela atividade? Será
que a filosofia não poderia contribuir nessa decisão? É compreensível que
esses estudantes estejam preocupados com as exigências do mercado de
trabalho.
A sorte é uma mistura de oportunidade e “preparo”, diz o senso
comum. Se se tem oportunidade, mas, não se tem “preparo”, se perde a
oportunidade. Do mesmo modo, se se tem “preparo”, ou, em outras palavras,
capacidade, habilidade, mas, não se tem oportunidade, de nada se
aproveita. Há uma relação semelhante entre a teoria e a prática. Esses
estudantes parecem ter muita capacidade, porém, pouca oportunidade de se
expressarem. São “subversivos” aos olhos de alguns professores, “precisam
entrar na linha”, “obedecer”, “serem mais disciplinados”, é o que se escuta
nas salas de professores de algumas instituições. “- ah! Mas comigo eles não
se governam”, escutou-se de um professor, entre um alvoroço de outras
pessoas falando ao mesmo tempo. Mas, quem sabe, se esses “alunos
subversivos” tivessem a chance de se governar no ensino, ou, na
aprendizagem? “- Que tipo de proposta louca é essa?” Muitos diriam. Essa é
13
a proposta de uma educação nova, que não há pouco tempo é motivo de
estudo no Brasil, mas, que, pouco parece ser colocada à prova, pelo menos
em Caxias do Sul, pois, algumas escolas visitadas deixaram explícita uma
maneira de educar muito obsoleta. Junte-se à essa maneira de educar as
culturas adolescentes atuais, e o resultado é uma gerra entre estudantes e
professores.
Veja-se, à seguir, como os estudantes gostariam de aprender.
3 Como os estudantes gostariam que as aulas de filosofia fossem
Sob o aspecto matemático, os resultados dessa questão são
intrigantes. 24% dos estudantes gostariam que as aulas fossem mais
criativas, de modo que despertassem mais o interesse, que tivessem mais
brincadeiras, filmes, músicas e pesquisas, alguns assinalaram inclusive que
seria interessante a organização de “gincanas filosóficas”. 19% gostariam
que as aulas tratassem de assuntos mais atuais, que tivessem a ver com o
cotidiano do jovem, que as aulas fossem mais dinâmicas; alguns dentre
estes expressaram o desejo de que as aulas tivessem menos história da
filosofia e mais ação. Outros 19% dos 773 estudantes entrevistados
expressaram que gostariam de interagir mais e que as opiniões dos
estudantes fossem levadas em consideração. 5% consideraram a filosofia
“uma matéria inútil”, expressando o desejo de que ela não existisse,
entretanto, alguns dentre estes escreveram que, já que existe, as aulas
deveriam ser mais interativas e interessantes para os alunos. Outros 5%
representam a pequena fatia de estudantes que, ao contrário dos
imediatamente anteriores, elogiaram a atuação do professor e mostraram
entender a importância da disciplina na escola. 6% expressaram algum tipo
de indignação com relação ao professor, escrevendo, com as suas palavras,
que a matéria é interessante, porém, precisa de professores mais
qualificados.
Observe-se que a exigência da maior parte dos estudantes é,
simplesmente, que a escola se atualize, entre outras maneiras,
14
tecnologicamente. De fato, torna-se cada vez mais desafiador aos
professores, causar interesse em jovens apenas com uma caixa de giz e um
quadro verde, azul ou negro. John Dewey reflete sobre como conquistar o
interesse dos estudantes ao escrever:
Obtém-se interesse, exatamente, não se pensando e não se buscando conscientemente consegui-lo; mas, ao invés disto, promovendo as condições que o produzem. Se descobrirmos as necessidades e as forças vivas da criança, e se lhe pudermos dar um ambiente constituído de materiais, aparelhos e recursos – físicos, sociais e intelectuais – para dirigir a operação adequada daqueles impulsos e forças, não temos que pensar em interesse. Ele surgirá naturalmente. Porque então a mente se encontra com aquilo de que carece para vir a ser o que deve.O problema de educadores, mestres, pais e do próprio Estado, em matéria de educação, é fornecer ambiente no qual as atividades educativas se possam desenvolver. (DEWEY, 1980, p. 191).
Os estudantes estão cada vez mais próximos das TIC's, o que exige
das escolas uma nova forma de entender a aprendizagem. Como poderão,
com tais recursos, os professores competir com os espetáculos de imagens
e sons que os adolescentes são envolvidos todos os dias pelos veículos de
mídia? Ou os professores se tornam extraordinariamente criativos,
transformando lixo em jóias, ou, simplesmente permitem que os próprios
jovens construam as estratégias de aprendizagem, dando-lhes a chance de
se expressar. Veja-se o gráfico seguinte:
Os demais 22% de estudantes, representam 17 outras respostas,
cujas quais são de muito valor qualitativo para a presente pesquisa. Destes,
apenas 7 estudantes não responderam, o que permite perceber que alguns
estudantes deram prioridade em responder essa questão, logo que, na
justificativa da questão anterior houve uma abstinência cinco vezes maior. 25
desses estudantes revelam que 'gostariam de realmente aprender algo sobre
os filósofos mais importantes, porém, de uma forma legal, interessante; aulas
em forma de diálogos e debates sobre os pensadores'. 19 indivíduos
criticaram de alguma forma o processo de avaliação dos seus saberes, se
enquadrando na seguinte categoria: 'gostaria de aulas mais práticas e
dinâmicas, e com outras formas de avaliação do aluno'. “Apenas copiando a
15
matéria do quadro não aprendemos nada” (cf. Questionário 500). 14
estudantes escreveram simplesmente que gostariam de aulas mais claras e
objetivas. 17 estudantes, entre escolas públicas e particulares, escreveram
algo como: 'as aulas são interativas e boas, mas gostaria que tivesse temas
mais diversificados para os alunos se interessarem pela matéria'. Seis
estudantes gostariam de fazer 'analises históricas a partir de pontos de vistas
filosóficos', e, dois escreveram que gostariam de 'aprofundar mais a área de
filosofia política'. Nove entrevistados revelaram que gostariam de aprofundar
mais a matéria, porém, que os colegas colaborassem mais para isso. Dez
entrevistados assinalaram que a disciplina de filosofia 'poderia ser algo que
realmente ensinasse a pensar e a refletir, não utilizando os assuntos batidos
das aulas de ensino religioso'. 11 questionários de uma escola privada,
estudantes da mesma turma, foram os que externaram o desejo de que 'o
professor fosse menos bravo, que gritasse menos e preparasse as aulas
melhor e com mais recursos'. Quatro estudantes consideram 'a filosofia uma
total perda de tempo', assinalando: 'poderíamos trabalhar assuntos bem mais
importantes em vez de ficar “filosofando” durante as aulas'. De modo
semelhante outros cinco estudantes expressaram o desejo de 'utilizar o
período para estudar outras matérias mais importantes'. É interessante
observar, também, que 23 estudantes tratam a disciplina com indiferença,
demonstrando, talvez, baixo alto-estima, respondendo algo como: 'gosto
como está, é indiferente', ou, 'tanto faz'.
Cada uma dessas categorias poderia gerar infindáveis reflexões não
apenas sobre o sistema educacional, mas, também, sobre a economia, a
política, a cultura, os modos de vida, os efeitos de um passado recente, entre
outros. No entanto, faltam ainda outras quatro categorias à serem relatadas.
O capítulo seguinte dedica-se em relatar e analisar essas categorias sob a
perspectiva reflexiva de alguns poucos estudantes que demonstraram alta
capacidade crítica em relação à realidade escolar e ao mundo que os rodeia.
4 O senso crítico dos estudantes de Ensino Médio: à beira do extra-
ordinário
16
Mathew Lipman, esclarece, de forma simples, as relações entre
jovens e adultos. Em A filosofia vai à escola ele escreveu:
“Se os alunos notam que não estão sendo ouvidos, podem, como réplica, não ouvir os adultos. Se os pais e os professores não lhes dão atenção, os alunos inferem que eles não se importam com eles. Dirão que eles não se importam com nada porque “nada importa”.
Também tem sido dito que, em certas circunstâncias, a atenção desperta a criatividade. Um garoto que se sente amado pode tornar- se mais atraente; uma garota que se sente amada pode parecer mais bonita. Assim, a atenção cuidadosa extrai uma resposta da pessoa atendida e essa resposta pode ser às vezes muito criativa.” (LIPMAN, 1990, p. 157).
As respostas desses extraordinários estudantes, entre os
entrevistados em Caxias do Sul, demonstrou que o mínimo de atenção, em
dez ou quinze minutos de abordagem, pode criar excelentes resultados. É
muito pouco provável, por exemplo, que um estudante de Ensino Médio
tenha lido a Crítica da Razão Pura de Kant, entretanto, pode-se pensar que o
professor tenha abordado algum tema relativo à filosofia de Kant. O fato é
que nove estudantes assinalaram que 'é preciso haver [nas aulas] uma
conciliação entre teoria e prática, pois filosofia não é apenas uma nem
apenas a outra'. E, apenas um estudante escreveu: “Acredito que filosofia se
aprende com o viver, com o passar do tempo, e não em uma sala de aula.
Nenhum professor, por mais “vivido” que seja, poderá ensinar o que só a
vida nos ensina”. “Entre todas as ciências racionais (a priori) só é possível,
por conseguinte, aprender a matemática, mas nunca a filosofia (a não ser
historicamente): quanto ao que respeita à razão, apenas se pode, no
máximo, aprender a filosofar”. Sem ver as referências, alguém, poderia julgar
essas últimas duas citações como sendo do mesmo autor. Entretanto, trata-
se de um estudante de Ensino Médio anônimo, e um filósofo conhecido e
renomado do século XVIII, Immanuel Kant. Como é possível? É explícito o
abismo que existe entre esses dois autores, porém, de algum modo ambos
compartilham a opinião de que a filosofia não pode ser aprendida. O último,
no entanto, afirma que é possível apenas aprender a filosofar. O que isso
significa? Segundo ele: “exercer o talento da razão na aplicação do seus
17
princípios gerais em certas tentativas que se apresentam, mas sempre com
a reserva do direito que a razão tem de procurar esses próprios princípios
nas suas fontes e confirmá-los ou rejeitá-los.” Para um melhor entendimento
do que seja “filosofar”, para Kant, pode-se ler ainda: “O proveito maior e
talvez único de toda a filosofia da razão pura é,(...) certamente apenas
negativo; é que não serve de organon para alargar os conhecimentos, mas
de disciplina para lhe determinar os limites e, em vez de descobrir a verdade,
tem apenas o mérito silencioso de impedir os erros.” A palavra 'disciplina' se
encarrega de fornecer significado ao aprendizado em filosofia, pois, a
filosofia nas escolas deve contribuir para todo o aprendizado do estudante,
logo que em filosofia busca-se aprender a aprender. É relevante considerar
ainda a afirmação kantiana: “A consciência da minha ignorância (...), em vez
de pôr termo às minhas investigações é, pelo contrário, a verdadeira causa
que as suscita.” Considere-se a possibilidade de dispor àquele estudante
essas reflexões de Kant, tentando demonstrar a semelhança dos
pensamentos de ambos. Seria a possibilidade de criar uma identidade do
aluno com a disciplina?
De outra perspectiva, o pensador do “Ser” Martin Heidegger, escreve
que filosofar é “questionar o extra-ordinário de um modo extra-ordinário”. Ao
introduzir o leitor à metafísica, Heidegger reflete sobre os significados de
“ordinário” e “extra-ordinário”. Ordinária é a experiência corriqueira, do
cotidiano, e, extra-ordinário é o que ultrapassa o corriqueiro, ou, o transforma
em algo além do normal por meio do espanto filosófico. Pois, “o espanto
carrega a filosofia e impera em seu interior”.
O espanto filosófico (thaumázein), presente no texto de Kant, de
Heidegger e de outros filósofos importantes, é também latente na vida dos
cinco jovens que escreveram algo como: 'gostaria que pudéssemos refletir
sobre temas que nos interessam, debatendo as idéias e criando as nossas
próprias frases de efeito, a nossa própria filosofia'. Eis o desejo dos jovens
de protagonizar o seu aprendizado. Mas, não são apenas esses cinco, que
desejam ser artistas das suas próprias obras, todos, em verdade, possuem o
espanto, ou, a admiração filosóficas em potência. O conflito, entretanto,
consiste na forma como a maior parte dos estudantes percebem a escola,
18
que é a forma como a própria instituição se apresenta aos jovens de Ensino
Médio: uma instituição em que se aprende apenas o necessário para a vida
profissional e não para a vida pessoal.
Outros quatro jovens estudantes criticaram a si mesmos e aos seus
colegas desejando que “as aulas tivessem mais lições de vida”, escrevendo:
“muitos de nós não damos valor para o que temos e esquecemos de
agradecer”. Esse senso crítico, do jovem, atinge qualquer alvo, sem apontar,
mirar e pensar antes de atirar. Sendo assim, é permitido questionar: por
acaso, os atuais professores de filosofia sabem coordenar, orientar e
sobretudo ajustar essa mira? Os resultados dessa pesquisa mostraram que
há um grande índice de despreparo por parte dos professores, para trabalhar
com os jovens. Observou-se que muitos desses professores não eram
formados em filosofia, e mesmo os graduados em filosofia não
demonstraram saber aproveitar o senso crítico e a energia dos estudantes
em prol da construção da aprendizagem, com a exceção de um educador da
rede privada. Esse despreparo atinge um certo ápice quando se lê de um
estudante da rede pública o seguinte: “Para catar papelão não precisa do
uso da filosofia ... talvez seja útil para pedir esmola” (questionário nº 3). O
que este estudante quis dizer? Muito pode estar implícito nessas reticências,
entretanto, do seu modo, o estudante critica as aulas de filosofia. Todavia,
observa-se ainda, nessa expressão do estudante, uma condição social, uma
ânsia por gerar sustento e renda familiar. Pode-se inferir, então, que se trata
de um despreparo geral, não apenas da filosofia, ou da área educacional,
mas, de um despreparo político, econômico e social de um Estado
“Democrático” de Direito.
Considerações finais: de onde viemos e para onde vamos
Viemos de longe, não tão longe, mas, ainda sentimos e sofremos as
sequelas de um passado perverso e radical. Viemos de uma avassaladora
ditadura. Contudo, apesar desse grave acidente histórico, estamos prestes
em recuperar as esperanças de voltar a andar. A educação ainda rasteja
19
entre escombros e ruínas à espera de resgate: o investimento. Porém,
emergem velhas novas idéias enquanto brotam novos espíritos que não
querem esperar. Mas o processo é lento e o desafio imenso. O retorno da
filosofia à escola será, em verdade, o verdadeiro resgate da qualidade na
educação? Espera-se que sim. Mas, para isso acontecer “há muito lombo de
potro à se sovar” como diria o velho Maneco Rosa.
Em um mundo globalizado e capitalizado, é compreensível que os
estudantes não esperem aprender, na escola, valores, como foi expresso no
questionário de número 260, que diz, ao justificar o porque a filosofia não
seria importante à formação: “Pois não é relevante na educação. A família
ensina esses valores”. Nesse sentido, educar é uma obrigação dos
responsáveis legais. São os responsáveis legais, que, devendo exercer a
função paterna e materna, devem educar e dar o exemplo aos seus pupilos.
E, diga-se de passagem, a honestidade, a honra, o respeito, a integridade, a
generosidade, a prudência, a política entre outras qualidades indispensáveis
à formação de um cidadão, só podem ser assimiladas por meio do exemplo.
As atitudes que tomamos na frente das crianças projetam o futuro. Caso as
escolas queiram comprometer-se assumindo também para si o dever de
educar, e não apenas instruir, informar ou produzir mão-de-obra, devem se
responsabilizar pelos estudantes como padrinhos por afiliados. A escola será,
então, verdadeiramente, o segundo lar desses jovens.
As escolas que realmente fazem seus estudantes aprenderem os
conteúdos das variadas disciplinas, não passam de meras formadoras de
mão-de-obra para todos os setores, se não tiverem em seu projeto
pedagógico uma disciplina que os façam refletir sobre valores, verdades e a
sua própria existência no mundo. Que disciplina é essa? É a filosofia. A
filosofia se integra nas escolas, ao menos no Ensino Médio, efetivamente a
partir de 2011, e deve exercer um papel fundamental, qual seja, o de instigar
os estudantes às várias áreas do conhecimento, estimulá-los a refletir o valor
das verdades e o valor da sua própria existência, e, junto com a sociologia
fazê-los pensar politicamente em prol de uma educação cada vez melhor.
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Referências
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Laterza, 2000.
_____. A constituição de Atenas (tradução direta de Francisco Murari Pires).
São Paulo: Editora Hucitec, 1995.
BOBBIO, Norberto. Teoria geral da política: a filosofia política e as lições dos
clássicos (organizado por Michelangelo Bovero; tradução de Daniela
Beccaccia Versiani). Rio de Janeiro: Campus, 2000.
DAHL, Robert A. Sobre a democracia (tradução de Beatriz Sidou). Brasília:
Editora Universidade de Brasília, 2001.
DEWEY, John. Experiência e natureza; Lógica: a teoria da investigação; A
arte como experiência; Vida e educação; Teoria da vida moral. Tradutores:
Murilo O. R. Paes Leme, Anísio S. Teixeira, Leônidas G. de Carvalho. São
Paulo: Abril Cultural, 1980. (Os pensadores).
HEIDEGGER, Martin. Introdução à metafísica. Lisboa: Instituto Piaget, 1987.
________. O que é isto – A Filosofia? Livraria Duas Cidades Ltda. São Paulo:
1978.
DAYRELL, Juarez. Educ. Soc., Campinas, vol. 28, n. 100 - Especial, p. 1105-1128, out. 2007Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>
KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Lisboa: Fundação Calouste
Gilbenkian, 2001.
LIPMAN, Matthew. A Filosofia vai à escola. São Paulo: Summus, 1990. -
(Novas buscas em educação; v. 39)
Nova Enciclopédia Barsa. Volume 5, São Paulo: Barsa Consultoria Editoria,
2001.
PLATÃO. A república (Introdução, tradução e notas de Maria Helena da
Rocha Pereira). 9 ed., Lisoa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.
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