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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Pós-Graduação em Direito
Vinícius Lott Thibau
GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL
Belo Horizonte
2017
Vinícius Lott Thibau
GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Direito da Faculdade Mineira de Direito da
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais,
como requisito parcial para a obtenção do título de
Doutor.
Orientador: Prof. Dr. Leonardo Augusto Marinho
Marques
Linha de Pesquisa: O Processo na Construção do
Estado Democrático de Direito
Belo Horizonte
2017
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Thibau, Vinícius Lott
T425g Garantismo e decisão jurídica imparcial / Vinícius Lott Thibau. Belo
Horizonte, 2017.
175 f.
Orientador: Leonardo Augusto Marinho Marques
Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Direito
1. Garantia (Direito). 2. Discricionariedade. 3. Decisão judicial. 4. Estado
democrático de direito. 5. Direito processual. I. Marques, Leonardo Augusto
Marinho. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-
Graduação em Direito. III. Título.
CDU: 342.4
Vinícius Lott Thibau
GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Direito da Faculdade Mineira de Direito da
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais,
como requisito parcial para a obtenção do título de
Doutor.
Orientador: Prof. Dr. Leonardo Augusto Marinho
Marques
Linha de Pesquisa: O Processo na Construção do
Estado Democrático de Direito
Prof. Dr. Leonardo Augusto Marinho Marques – PUC Minas (Orientador)
Prof. Dr. Rosemiro Pereira Leal – PUC Minas (Banca Examinadora)
Prof. Dr. Carlos Henrique Soares – PUC Minas (Banca Examinadora)
Prof. Dr. Sérgio Henriques Zandona Freitas – FUMEC (Banca Examinadora)
Prof. Dr. Émilien Vilas Boas Reis – ESDHC (Banca Examinadora)
Prof. Dr. Vinícius Diniz Monteiro de Barros – PUC Minas (Banca Examinadora)
Prof. Dr. André Cordeiro Leal – PUC Minas (Banca Examinadora)
Belo Horizonte, 13 de dezembro de 2017.
Para Nathy.
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao professor Leonardo Augusto Marinho Marques pela aceitação da
orientação. Obrigado pela gentileza na condução dos encontros destinados ao direcionamento
dos estudos realizados e, ainda, pela oferta de um apoio acadêmico irrestrito nos últimos
quatro anos.
Agradeço ao professor Rosemiro Pereira Leal que, ao enunciar a teoria
neoinstitucionalista do processo, tornou possível o enfrentamento de uma normatividade que
ainda se operacionaliza pela lógica da ciência dogmática do direito. Registro a minha gratidão
pela oportunidade de aprendizagem que me propiciou nos cursos de Bacharelado, Mestrado e
Doutorado.
Agradeço aos professores André Cordeiro Leal, Vinícius Diniz Monteiro de Barros,
Émilien Vilas Boas Reis, Carlos Henrique Soares, Sérgio Henriques Zandona Freitas,
Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, Flaviane de Magalhães Barros Bolzan de Morais, Fernando
Laércio Alves da Silva, André Del Negri, Luís Henrique Vieira Rodrigues, Francisco Rabelo
Dourado de Andrade, Luiz Gustavo Levate, Flávia Ávila Penido, Gil César de Carvalho
Lemos Morato, Túlio Márcio Trindade, Roberta Maia Gresta, Ulisses Moura Dalle e Luiz
Sérgio Arcanjo dos Santos pelos proveitosos momentos de interlocução.
Agradeço aos professores Mariza Rios e Paulo Roberto Lassi de Oliveira pelo auxílio
na aquisição de publicações estrangeiras e, a este, também, pela assistência prestada na
formatação dos escritos da tese.
Agradeço, por fim, aos familiares e amigos, pela paciência e pelo constante incentivo.
Analisados, um a um, todos os modos de dominação que o homem inventou ao
longo dos séculos para relacionar-se com o seu próximo, nenhum é mais eficiente do
que o da manipulação dos sentidos. Aquele que manipula os sentidos do discurso
transforma-se no árbitro todo-poderoso da comunidade para a qual define o que
venha a ser valor e antivalor; é ele quem assinala os objetivos a serem perseguidos
pelo grupo, ditas as regras de comportamento que hão de dirigir a ação singular dos
indivíduos na tentativa de realização de seus valores, pune e recompensa. Pois como os mitos de sempre demonstraram, só o que sabe quer, só o que sabe pode, só o que
sabe faz.1
1 LOPES, Edward. Discurso, texto e significação: uma teoria do interpretante. São Paulo: Cultrix, 1978. p. 4.
RESUMO
Esta pesquisa aborda a teoria geral do garantismo de Luigi Ferrajoli e suas interfaces com a
centralidade da jurisdição como atividade do juiz e com a discricionariedade judicial.
Adotando o método dedutivo-eliminacionista de Karl Raimund Popper, os escritos
formalizados valem-se de uma revisão bibliográfica e, com base no marco teórico da
proposição neoinstitucionalista do processo, de autoria de Rosemiro Pereira Leal, buscam
testar a hipótese de que o garantismo apresenta-se como uma proposição inapta a oferecer
respostas consistentes ao problema da crise de democraticidade jurídico-decisória. Assim,
submetidos os fundamentos do garantismo à falseabilidade, vê-se que, filiando-se aos
pressupostos da ciência dogmática do direito, a proposição ferrajoliana não enuncia uma
teoria da decisão jurídica imparcial. É que, analisando o âmbito de aplicação do direito, o
garantismo recepciona a incompletude fatal da lei para, a partir desse acolhimento, afirmar o
inafastável vazio normativo como recinto confessado de atuação discricionária do juiz
imparcial e não do devido processo. A pesquisa instrutiva da tese formalizada conclui pela
corroboração – sempre falível – da hipótese submetida a teste.
Palavras-chave: Garantismo. Discricionariedade judicial. Decisão jurídica imparcial. Estado
Democrático de Direito. Teoria neoinstitucionalista do processo.
RIASSUNTO
Questa ricerca si occupa della teoria generale del garantismo de Luigi Ferrajoli e sue
interfacce con la centralità della giurisdizione come attività del giudice e con la discrezionalità
giudiziale. Adottando il metodo deduttivo-eliminazionista di Karl Raimund Popper, gli scritti
formalizzati fa uso della recensione bibliografica e, sulla base della teoria neoinstitucionalista
del processo, presentata da Rosemiro Pereira Leal, cerca di examinare l'ipotesi che il
garantismo è una proposizione inadatta per offrire risposte consistenti al problema della crisi
della democraticità giuridice-decisionale. Così, sottoposti i fondamenti del garantismo per
falsificabilità, si vede che, unendo i presupposti della scienza dogmatica del diritto, la
proposizione ferrajoliana non afferma una teoria della decisione giuridica imparziale. È che,
analizzando il campo di aplicacazione dell diritto, il garantismo accoglie l'incompletezza
fatale della legge per, a quel punto, affermare la assenza normativa come recinto confessato
dell’operatto discrezionale del giudice imparziale e non de dovuto processo. La ricerca della
tesi formalizzata conclude con la corroborazione – sempre fallibile – dell'ipotesi sottoposta
alla prova.
Parole chiave: Garantismo. Discrezionalità giudiziale. Decisione giuridica imparziale. Stato
Democratico di Diritto. Teoria neoinstitucionalista del processo.
RESUMEN
Esta investigación aborda la teoría general del garantismo de Luigi Ferrajoli y sus interfaces
con la centralidad de la jurisdicción como actividad del juez y con la discrecionalidad judicial.
Al adoptar el método deductivo-eliminacionista de Karl Raimund Popper, los escritos
formalizados se valen de una revisión bibliográfica y, con base en el marco teórico de la
proposición neoinstitucionalista del proceso, de autoría de Rosemiro Pereira Leal, buscan
probar la hipótesis de que el garantismo presenta como una proposición inapta para ofrecer
respuestas consistentes al problema de la crisis de democraticidad jurídico-decisoria. Así,
sometidos los fundamentos del garantismo a la falseabilidad, se ve que, afiliándose a los
presupuestos de la ciencia dogmática del derecho, la teoría ferrajoliana no enuncia una teoría
de la decisión jurídica imparcial. Es que, analizando el ámbito de aplicación del derecho, el
garantismo acoge la incompletud fatal de la ley para, a partir de esa acogida, afirmar el
inefable vacío normativo como recinto confesado de actuación discrecional del juez imparcial
y no del debido proceso. La investigación instructiva de la tesis formalizada concluye por la
corroboración – siempre falible – de la hipótesis sometida a prueba.
Palabras clave: Garantismo. Discrecionalidad Judicial. Decisión jurídica imparcial. Estado
Democrático de Derecho. Teoría neoinstitucionalista del proceso.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 19
2 GARANTISMO E A CENTRALIDADE DA JURISDIÇÃO NO ÂMBITO DA
APLICAÇÃO DO DIREITO ............................................................................................. 27
2.1 Garantismo como modelo normativo de direito e o controle jurisdicional do exercício
ilegítimo do poder .............................................................................................................. 35
2.2 Garantismo como teoria crítica do direito e a afirmação jurisdicionalista da validade
normativa ........................................................................................................................... 51
2.3 Garantismo como filosofia política e a irredutível ilegitimidade da jurisdição ......... 62
3 DISCRICIONARIEDADE JUDICIÁRIA E A APLICAÇÃO GARANTISTA DA
NORMATIVIDADE JURÍDICA ...................................................................................... 73
3.1 Juiz como garante da legalidade e a jurisdição garantista como atividade
tendencialmente cognitiva do julgador ............................................................................. 76
3.2 Espaços de poder judicial e a discricionariedade judiciário-garantista na aplicação
da lei ................................................................................................................................... 91
3.2.1 Interpretação jurídico-garantista e o poder judicial de denotação............................... 93
3.2.2 Poder judicial de disposição e o dever judiciário de decidir na teoria garantista ........ 99
3.3 Jurisdição garantista e o enfrentamento, por via discricionária, das antinomias e
lacunas normativas .......................................................................................................... 104
4 GARANTISMO JURISDICIONALISTA E A PROCESSUALIDADE
DEMOCRÁTICA ............................................................................................................ 117
4.1 Interpretação judicial garantista e a vedação continuada do exercício da isocrítica
.......................................................................................................................................... 125
4.2 Discricionariedade judiciária e o dogmatismo-garantista impediente de uma
hermenêutica isomênica ................................................................................................... 136
4.3 Garantismo jurisdicionalista e a impossibilidade teórica de uma decisão jurídica
imparcial........................................................................................................................... 147
5 CONCLUSÃO ............................................................................................................... 157
REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 159
19
1 INTRODUÇÃO
Em 1989, foi publicada a primeira edição italiana de Diritti e Ragione: Teoria del
garantismo penale.2 Conforme anuncia Norberto Bobbio,
3 essa produção é o resultado de uma
longa reflexão de Luigi Ferrajoli sobre temáticas relativas à epistemologia, ética, lógica, teoria
do direito, teoria da ciência e história que, somada à experiência que adquiriu pelo exercício
sério e intenso da atividade de magistrado, propiciou a construção de um designado sistema
garantista.
A partir dos significados de garantismo como modelo normativo de direito, teoria
crítica do direito e filosofia política, Luigi Ferrajoli4 enunciou o garantismo como uma teoria
geral e, não obstante tenha proposto a aplicação de seus fundamentos inicialmente ao âmbito
penal, foi taxativo em afirmar que para outras áreas do conhecimento jurídico também seria
possível “elaborar, com referência a outros direitos fundamentais e a outras técnicas e
critérios de legitimação, modelos de justiça e modelos garantistas de legalidade – de direito
civil, administrativo, constitucional, internacional, do trabalho – estruturalmente análogos.”
Assumindo o status de uma teoria geral,5 o garantismo erige-se como sinônimo de um
Estado Constitucional de Direito que condiciona o exercício do denominado poder, público
ou privado, à observância das esferas do “indecidível que” e do “indecidível que não”.
Apresenta-se, ainda, como uma proposição que interroga as teses juspositivistas que não
situam a vigência, a validade e a efetividade como categorias distintas, e, por fim, como uma
filosofia política que é determinativa de uma justificação externa do Estado e do Direito. Com
a teorização ferrajoliana, o garantismo desvincula-se dos contornos que lhe foram,
2 O livro Diritti e Ragione: Teoria del garantismo penale foi publicado, originariamente, em 1989, na Itália, pela
Editori Laterza. Em 1995, os seus escritos foram traduzidos para a língua espanhola e publicados pela Editorial
Trotta, sob o título Derecho y Razón: Teoría del garantismo penal. Em 2002, a versão originária foi traduzida
para o idioma português, sendo publicada pela editora Revista dos Tribunais com o rótulo Direito e Razão:
Teoria do Garantismo Penal. A terceira edição do livro foi publicada no Brasil, no ano de 2010, e foi utilizada
como referência bibliográfica para parte dos escritos produzidos nesta tese de doutorado. 3 BOBBIO, Norberto. Prefácio à 1. ed. italiana. In: FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo
penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed.
rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 7. 4 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
788. 5 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
786-832.
20
originariamente, ofertados por Charles Fourier e Guido de Ruggiero6 e passa a auferir uma
importância que lhe era, até então, negada pela comunidade jurídica.
Consoante se lê no magistério de André Karam Trindade,7 assim que foi publicado, o
livro Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal:
[...] ingressou rapidamente na lista das obras jurídicas mais importantes do direito
contemporâneo, convertendo-se em um verdadeiro clássico do século XX, de tal maneira que sua leitura certamente se tornou obrigatória para todos os juristas.
Tanto é assim que, com a tradução desta obra – primeiro, em 1995, para o espanhol
(Derecho y razón); e, mais tarde, em 2002, para o português (Direito e razão) –, o
modelo garantista não só passou a pertencer, definitivamente, ao léxico jurídico
como, também, tornou-se cada vez mais presente entre os juristas, sobretudo na
América Latina.
No Brasil, da mesma maneira como ocorreu na Argentina, na Colômbia, no México,
o garantismo foi importado precisamente durante o período de redemocratização,
marcado pela promulgação das novas cartas constitucionais e pela imposição de
respeito aos direitos e garantias fundamentais dos indivíduos, sobretudo aqueles de
liberdade, contra as arbitrariedades do Estado. [...] Nos últimos anos, dezenas de faculdades e centros de pesquisa assumiram o
garantismo como referencial teórico de seus cursos de graduação e pós-graduação,
centenas de dissertações de mestrado e teses de doutorado foram defendidas, além
da publicação de incontáveis livros e artigos sobre o tema.
A produção acadêmica ferrajoliana, no entanto, não se esgotou com Direito e Razão:
Teoria do Garantismo Penal. Essa publicação, que foi a mais destacada entre as ofertadas por
Luigi Ferrajoli no século XX, somou-se a inúmeras outras que, focadas nos três significados
de garantismo, aplicam os fundamentos da teoria garantista a temáticas diversas, com ênfase
na área jurídica. Dentre essas produções, que formam uma bibliografia enciclopédica, ganha
realce a coleção intitulada Principia Iuris: Teoria del diritto e della democrazia, na qual o
autor concretiza a sua tão almejada teoria axiomatizada do direito, que foi esboçada em um
ensaio que publicou em 1970, na Itália.8
6 IPPOLITO, Dario. Itinerari del garantismo. Revista Videre, Dourados, ano 3, n. 6, p. 53-67, jul./dez. 2011. p.
54-55; IBÁÑEZ, Perfecto Andrés. Garantismo: una teoría crítica de la jurisdicción. In: CARBONELL,
Miguel; SALAZAR, Pedro (Coord.). Garantismo: estudios sobre el pensamiento jurídico de Luigi Ferrajoli.
Madrid: Editorial Trotta, 2005. p. 59-61. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). 7 TRINDADE, André Karam. Revisitando o garantismo de Luigi Ferrajoli: uma discussão sobre metateoria,
teoria do direito e filosofia política. Revista Eletrônica da Faculdade de Direito de Franca, Franca, v. 5, n.
1, p. 3-21, jul. 2012a. p. 5-6. 8 A coletânea Principia Iuris: Teoria del diritto e della democrazia foi publicada, originariamente, em 2007, na
Itália, pela Editori Laterza. Produzida em trinta e sete anos, é composta por três livros destinados à análise
garantista da teoria do direito, da teoria da democracia e, ainda, da sintaxe do direito. No Brasil, no ano de
2010, a coletânea teve os seus principais objetivos e temas expostos no artigo produzido por
CADEMARTORI, Sérgio Urquhart de; STRAPAZZON, Carlos Luiz. Principia iuris: uma teoria normativa do
direito e da democracia. Revista Pensar, Fortaleza, v. 15, n. 1, p. 278-302, jan./jun. 2010. Em 2011, também
no Brasil, a partir das críticas que recebeu de autores italianos e espanhóis no seminário intitulado Diritto e
Democrazia Costituzionale: Discutendo “Principia Iuris” di L. Ferrajoli, realizado em Bréscia (Itália), no mês
de dezembro de 2007, os escritos ferrajolianos foram analisados em artigo de autoria de TRINDADE, André
Karam. A teoria do direito e da democracia de Luigi Ferrajoli: um breve balanço do “Seminário de Bréscia” e
21
Pela importância de seus escritos e, ainda, pelo modo de condução do seu viver, Luigi
Ferrajoli é apontado por Miguel Carbonell9 como, provavelmente, “o jurista mais importante
e influente do mundo”, nos dias de hoje. É considerado “um ‘clássico vivo’, um dos autores
imprescindíveis para entender o presente e observar com atenção o futuro”. Conforme registra
Perfecto Andrés Ibáñez:10
A obra imponente de Ferrajoli e o que ele mesmo representa no plano cultural e
ético-político depois de mais de 40 anos de produção teórica e de um esforço
generoso e cristalino dedicado à luta pelos direitos de todos expressa a convergência
de três vetores, três linhas de força, três almas, que não costumam apresentar-se juntas e, menos ainda, com tanto proveito em matéria de resultados. Uma, a do
estudioso com infinita capacidade de interrogar e interrogar-se, disposto a chegar até
onde a razão o leve, sem nenhuma preguiça e com a audácia necessária para
aventurar-se por caminhos incertos. Outra, a do jurista prático, juiz durante anos,
ocupado em primeira pessoa em dar soluções concretas a problemas concretos e, ao
mesmo tempo, imerso, com papel destacado, no desenvolvimento do mais notável
esforço de transformação em matéria constitucional do papel da jurisdição
protagonizado na Itália pela Magistratura Democrática. E outra, enfim, a do cidadão
cosmopolita militante, profundamente implicado em diversas articulações de uma
sociedade civil sem fronteiras, como bem demonstra a sua participação no Tribunal
Permanente dos Povos, expressão de um sentido precocemente global da
preocupação ativa pelos direitos humanos.
Diante de tudo isso, Ana Cláudia Bastos de Pinho11
afirma que qualquer discussão
séria sobre democracia não “pode prescindir dos aportes do maestro italiano. Pode-se deles
discordar. Ignorá-los jamais.” Embora reconheça que a teoria ferrajoliana apresente-se frágil
da discussão sobre Principia Iuris. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 103, p. 111-
137, jul./dez. 2011. Em 2011, a coleção foi traduzida para a língua espanhola e publicada pela Editorial Trotta
sob o título Principia Iuris: Teoría del Derecho y de la Democracia, em três volumes que totalizam 2496
páginas. A coletânea ainda não foi traduzida para o idioma português, motivo pelo qual esta tese de doutorado
vale-se da edição espanhola como referência bibliográfica para parte dos escritos produzidos. Para acessar o
ensaio a que se faz referência, veja FERRAJOLI, Luigi. Teoria assiomatizzata del diritto. Milano: Giuffrè, 1970.
9 CARBONELL, Miguel. Presentación. In: FERRAJOLI, Luigi. Las fuentes de legitimidad de la jurisdicción.
México: Instituto Nacional de Ciências Penais, 2010. p. 10 e 21. (Serie Conferencias Magistrales, v. 17). No
original: “[...] el jurista vivo más importante e influyente del mundo.” No original: “[...] un ‘clásico vivo’, uno
de los autores imprescindibles para entender el presente y avizorar el futuro.” 10 IBÁÑEZ, Perfecto Andrés. Luigi Ferrajoli. Los derechos rigurosamente en serio. Revista Nexos, México, n.
366, jun. 2008. No original: “La obra imponente de Ferrajoli y lo que él mismo representa en el plano cultural
y ético-político, tras más de 40 años de producción teórica y de un esfuerzo generoso y cristalino volcado en
la lucha por los derechos de todos, expresa la convergencia de tres vectores, tres líneas de fuerza, tres almas
que no acostumbran a presentarse juntas, y menos con tanta fortuna en materia de resultados. Una, la del
estudioso con infinita capacidad de interrogar e interrogarse, dispuesto a llegar hasta donde la razón le lleve, sin ninguna pereza y con la audacia necesaria para aventurarse por caminos inciertos. Otra, la del jurista
práctico, juez durante años, ocupado en primera persona en dar soluciones concretas a problemas concretos y,
a la vez, inmerso, con un papel destacado, en el desarrollo del más notable esfuerzo de transformación en
clave constitucional del rol de la jurisdicción, protagonizado en Italia por Magistratura Democratica. Y otra,
en fin, la del ciudadano cosmopolita militante, profundamente implicado en diversas articulaciones de una
sociedad civil sin fronteras, como bien lo acredita su participación en el Tribunal Permanente de los Pueblos,
expresión de un sentido tempranamente global de la preocupación activa por los derechos humanos.” 11
PINHO, Ana Cláudia Bastos de. Para além do garantismo: uma proposta hermenêutica de controle da
decisão penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 23 e 26.
22
em vários dos seus conteúdos, a autora não apenas afirma ser inquestionável a sua
contribuição “para a formatação séria de um projeto democrático de direito”, como assevera
que “o garantismo apresenta-se como uma teoria democrática”, por uma conjectura que se
pretende problematizar.
É que, com base nos conteúdos informativos da proposição neoinstitucionalista do
processo,12
que é adotada como marco teórico da pesquisa instrutiva da tese apresentada, não
pode ser qualificada como democrática uma teoria que acolhe a possibilidade de que a
normatividade seja operacionalizada pelos fundamentos da ciência dogmática do direito. De
acordo com as cogitações de Rosemiro Pereira Leal,13
a democracia não se compatibiliza com
a infiscalidade processual, porque, no “direito democrático, o processo abre, por seus
princípios institutivos (isonomia, ampla defesa, contraditório), um espaço jurídico-discursivo
de auto-inclusão do legitimado processual na Comunidade Jurídica para construção conjunta
da Sociedade Jurídico-Política.”
É, nesse sentido, que, ao apresentar a teoria neoinstitucionalista do processo, André
Cordeiro Leal14
explicita tratar-se de uma proposição que se notabiliza por:
[...] um impressionante esforço epistemológico bem-sucedido de construção de
critérios de demarcação da objetividade decisória a tornar obsoletos, para o direito
democrático, os apelos à tradição e à autoridade (subjetividades sapientes) que ainda
povoam (ou assombram), explícita ou implicitamente, o direito dogmatizado
(ideologizado) – o que permite ao autor [Rosemiro Pereira Leal] a ruptura com as
idealidades (imaginários) do Estado Liberal e do Estado Social de Direito, ambas
ainda impregnadas e reprodutoras de sua insistentemente esquecida violência
fundante.
No cerne das proposições do Professor Rosemiro Pereira Leal está uma questão que não costuma ser suscitada, que é aquela que o autor desenvolve em torno do plano
instituinte do direito (âmbito da necessária instalação do democrático pelo devido
processo), e pela qual afirma a imprestabilidade de a (sic) toda e qualquer remissão a
sociedades pressupostas (existentes antes ou apesar do direito democrático) para a
ancoragem do direito democrático.
12 Para acessar os principais conteúdos informativos da teoria neoinstitucionalista do processo, confira,
especialmente, as publicações de LEAL, Rosemiro Pereira. A teoria neoinstitucionalista do processo: uma
trajetória conjectural. Belo Horizonte: Arraes, 2013. (Coleção Professor Álvaro Ricardo de Souza Cruz, v. 7); LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos. 13. ed. rev., atual. e aum. Belo
Horizonte: Fórum, 2016a; LEAL, Rosemiro Pereira. Processo como teoria da lei democrática. 2. ed. Belo
Horizonte: Fórum, 2017a; LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual da decisão jurídica. 2. ed. Belo
Horizonte: D’Plácido, 2016b. (Coleção Direito e Justiça). 13 LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual da decisão jurídica. 2. ed. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016b.
p. 169. (Coleção Direito e Justiça). 14 LEAL, André Cordeiro. Apresentação. In: LEAL, Rosemiro Pereira. A teoria neoinstitucionalista do
processo: uma trajetória conjectural. Belo Horizonte: Arraes, 2013. (Coleção Professor Álvaro Ricardo de
Souza Cruz, v. 7). p. XIII.
23
Ofertada à comunidade jurídica no ano de 1999,15
a teoria neoinstitucionalista do
processo, portanto:
[...] nenhuma relação apresenta com as demais teorias que, ao se proporem a
instrumentalizar soluções de conflitos numa sociedade pressuposta, não se
comprometem com a autoinclusão processual de todos nos direitos fundamentais,
sem os quais se praticaria [...] a tirania da ocultação dos problemas jurídicos e não a
sua resolução compartilhada.
O processo, nessa concepção, não se estabelece pelas forças imaginosamente
naturais de uma sociedade ideal ou pelo poder de uma elite dirigente ou genialmente judicante, ou pelo diálogo de especialistas, mas se impõe por conexão teórica com a
cidadania (soberania popular) constitucionalmente assegurada, que torna o princípio
da reserva legal do processo, nas democracias ativas, o eixo fundamental da
previsibilidade das decisões. A institucionalização coinstitucional do processo
acarreta a impessoalização das decisões, porque estas, assim obtidas, se esvaziam de
opressividade potestativa (coatividade, coercibilidade) pela deslocação de seu
imperium (impositividade) do poder cogente da atividade estatal para a conexão
jurídico-político-processual da vontade popular coinstitucionalizada. [...]
O processo, por concretização constitucional, é aqui concebido como instituição
regente e pressuposto de legitimidade de toda criação, transformação, postulação e
reconhecimento de direitos [...].16
Assim sendo, a tematização da teoria garantista se impõe porque, a despeito de
rotulada como democrática, quando foca o âmbito de aplicação do direito, recepciona o
pressuposto dogmático de que a lei é sempre acometida por uma incompletude fatal para, a
partir desse acolhimento, enunciar o vazio normativo como recinto de atuação jurisdicional
desprocessualizada. É que, para a proposição ferrajoliana, a atividade aplicativa do direito
exprime-se por via de um silogismo e a identificação da norma cabível para a regência do
suposto de fato é necessariamente vinculada ao exercício da discricionariedade judicial que,
embora parcialmente questionada por Luigi Ferrajoli, aufere relevância no âmbito da fixação
judiciário-garantista do sentido da legalidade que se oferta à aplicação, bem como da
certificação da validade desse significado pela pessoa do juiz.17
15 LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos. Porto Alegre: Síntese, 1999. 16 LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos. 13. ed. rev., atual. e aum. Belo
Horizonte: Fórum, 2016a. p. 156-157. 17 Conforme registra Tomás-Ramón Fernández, a “discricionariedade comporta uma certa liberdade de escolha
entre duas ou mais alternativas em princípio possíveis, juridicamente possíveis à vista da norma aplicável.”
Para esse autor, contudo, a discricionariedade pode ser classificada como intencional ou não intencional e, no
seu entendimento, a expressão discricionariedade deveria ser reservada à espécie intencional. Ao contrário do que ocorre em relação à chamada discricionariedade intencional ou voluntária, em que a discricionariedade é
o “resultado da vontade deliberada, consciente e inequívoca do autor desta [norma] de outorgar ao órgão
competente para aplicá-la um efetivo poder para eleger uma entre várias soluções que, em princípio, cabem no
marco que essa norma desenha”, a discricionariedade não voluntária depende das imperfeições do sistema
jurídico, dentre as quais a ambiguidade e a vagueza da linguagem legal, as lacunas e as antinomias
normativas. Nesse caso, porém, a norma não renunciou o estabelecimento da precisa consequência do suposto
de fato que contempla, embora tenha a estabelecido de modo impreciso. A partir dos estudos que realiza,
portanto, a discricionariedade judicial a que faz referência o garantismo seria a denominada discricionariedade
não intencional, logo, não deveria sequer ser designada discricionariedade. FERNÁNDEZ, Tomáz-Ramón.
24
É, por isso, que, acompanhando Riccardo Guastini,18
é possível afirmar que “o coração
do modelo garantista é uma teoria da discricionariedade judicial e, simultaneamente, dos
modos para reduzi-la ao mínimo.” Isso porque, apesar de o garantismo problematizar a
denominada discricionariedade judicial indevida – que não é advinda das margens irredutíveis
de opinabilidade na interpretação das leis, mas de espaços redutíveis de atuação do poder
judicial –, para Luigi Ferrajoli,19
a eliminação da discricionariedade judicial é impossível,
uma vez que, nos Estados Constitucionais de Direito, “as leis nunca são de todo ‘claras e
precisas’”, bem como os ordenamentos jurídicos não se apresentam plenos e coerentes.
Com efeito, quando aborda a atividade de aplicação jurídico-normativa, o garantismo
esforça-se em teorizar técnicas destinadas a minorar o emprego da discricionariedade
judiciária e não em enunciar a sua imprestabilidade para o direito não dogmático. A proposta
de Luigi Ferrajoli consiste em formular e analisar as garantias, “no plano teórico, fazê-las
vinculantes no plano normativo e assegurar a sua efetividade no plano prático”,20
com o
objetivo de diminuir, na maior intensidade possível, o espaço de exercício do poder judicial.
Se, contudo, no âmbito da produção do direito, essas garantias não atuam em consonância
com o modelo traçado pelo garantismo, no recinto de aplicação do direito, estará instalada a
discricionariedade judiciária indevida, à qual se entrega a teoria garantista diante do dever
judicial de decidir.
Por uma perspectiva ferrajoliana, portanto, o enfrentamento da falibilidade normativa
não se dá pelo obrigatório acolhimento do non liquet, como teoriza a proposição
neoinstitucionalista do processo. Filiando-se à ciência dogmática do direito, Luigi Ferrajoli
deixa de tematizar adequadamente a compulsoriedade decisória e recepciona a possibilidade
de que o direito seja operacionalizado por marcos teóricos condutores de um status no qual a
Del arbitrio y de la arbitrariedad judicial. Madrid: Iustel, 2005. p. 26 e 43. (Colección Biblioteca Jurídica
Básica, n. 2). No original: “[...] discrecionalidad comporta una certa libertad de elegir entre dos o más
alternativas en principio posibles, juridicamente posibles a la vista de la norma aplicable.” E, ainda: “[...]
resultas de la voluntad deliberada, consciente e inequívoca del autor de ésta de otorgar al órgano competente
para aplicarla un efectivo poder para elegir una entre las varias soluciones que, en principio, caben en el
marco que esa norma dibuja.” 18 GUASTINI, Riccardo. Los fundamentos teóricos y filosóficos del garantismo. Traducción de Nicolás
Guzmán. In: GIANFORMAGGIO, Letizia (Edit.). Las razones del garantismo: discutiendo con Luigi
Ferrajoli. Bogotá: Editorial Temis, 2008. p. 46. No original: “[...] el corazón del modelo garantista es una
teoría de la discrecionalidad judicial y, simultaneamente, de los modos para reducirla al mínimo.” 19 FERRAJOLI, Luigi. Epistemología jurídica y garantismo. Traducción de José Juan Moreso, Jordi Ferrer,
Ángeles Ródenas, Juan Ruiz Manero, Pedro Salazar, Marina Gascón, Mary Bellof, Christian Courtis, Lorenzo
Córdova y José María Lujambio. México: Fontamara, 2004a. p. 235. No original: “[...] las leyes nunca son del
todo ‘claras y precisas’”. 20
PINHO, Ana Cláudia Bastos de. Para além do garantismo: uma proposta hermenêutica de controle da
decisão penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 110.
25
“decisão judicial autodeterminou-se ante a decisão jurídica em face do caráter retórico do
princípio da legalidade.”21
É, com base nessas cogitações, que, nesta pesquisa, pretende-se testar a hipótese de
que o garantismo apresenta-se como uma proposição inapta a oferecer respostas consistentes
ao problema da crise de democraticidade jurídico-decisória. Submetidos os fundamentos do
garantismo à falseabilidade, sustenta-se a tese de que a proposição ferrajoliana enuncia uma
teoria da decisão do juiz imparcial e não uma teoria da decisão jurídica imparcial. Conjectura-
se que a decisão garantista nunca será imparcial (in-parcial), porque não consiste em um ato
procedimental que, adstrito ao sistema jurídico estabilizado pelo devido processo, explicite a
atuação jurídica da integralidade (não parcialidade) dos integrantes da comunidade jurídica de
legitimados ao processo, desde os níveis instituinte e coinstituinte do direito que é aplicado no
nível constituído.
A pesquisa instrutiva da tese formalizada baseia-se em uma revisão bibliográfica e
aproveita-se do método dedutivo-eliminacionista proposto por Karl Raimund Popper.22
Apresenta-se estruturada em cinco capítulos, dentre os quais encontra-se a introdução, que é
destinada a anunciar “uma apresentação sintetizada do objeto de estudo abordado e sua
contextualização”.23
No segundo capítulo, além de uma digressão histórica a respeito do garantismo,
aborda-se a teoria geral garantista e, a partir da análise dos três significados de garantismo
propostos por Luigi Ferrajoli, busca-se indicar a importância da jurisdição para a
implementação do projeto que formula no âmbito da aplicação do direito. A análise realizada
permite identificar o destaque atribuído pelos escritos ferrajolianos à atuação discricionária do
juiz, a quem cabe enfrentar as falhas normativas que acometem os sistemas jurídico-positivos
não plenamente garantistas, assim como fixar o significado válido da norma eleita para a
regência da situação sub judice. Demais disso, a jurisdição deve garantir que o Estado e o
Direito não se exponham como fins em si mesmos, mas que se apresentem como instituições
21 LEAL, Rosemiro Pereira. A crise do dogmatismo e implicações jurídico-políticas. Revista Brasileira de
Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 23, n. 92, p. 241-245, out./dez. 2015a. p. 242. Sobre o
caráter retórico do princípio da legalidade, confira a produção de CUNHA, Rosa Maria Cardoso da. O
caráter retórico do princípio da legalidade. Porto Alegre: Síntese, 1979. 22
POPPER, Karl Raimund. Conhecimento objetivo: uma abordagem evolucionária. Tradução de Milton
Amado. Belo Horizonte: Itatiaia, 1999; POPPER, Karl Raimund. A lógica da pesquisa científica. Tradução
de Leonidas Hegenberg e Octanny Silveira da Mota. São Paulo: Cultrix, 2004; POPPER, Karl Raimund. O
conhecimento e o problema corpo-mente. Tradução de Joaquim Alberto Ferreira Gomes. Lisboa: Edições
70, 2009. 23 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS. Pró-Reitoria de Graduação. Sistema
Integrado de Bibliotecas. Orientação para elaboração de trabalhos científicos: projeto de pesquisa, teses,
dissertações, monografias, relatório entre outros trabalhos acadêmicos, conforme a Associação Brasileira de
Normas Técnicas (ABNT). 2. ed. Belo Horizonte: PUC Minas. 2016. p. 99.
26
artificialmente criadas à tutela e à satisfação de direitos, notadamente dos direitos
fundamentais.
No terceiro capítulo, a pesquisa instrutiva da tese apresentada propõe-se a investigar,
com mais profundidade, as interfaces teóricas existentes entre o garantismo, a centralidade da
jurisdição no âmbito da aplicação normativa e a discricionariedade judicial. Após analisar a
relação instalada entre a jurisdição e o consenso popular, são examinadas as duas fontes
específicas de legitimação da jurisdição garantista, com base nas quais esta é adjetivada como
um contrapoder e, ao mesmo tempo, como uma atividade dos juízes que devem atuar em
busca de uma verdade processual que, pelo garantismo, é tida como sempre imperfeita. Isso
porque, para Luigi Ferrajoli, dentre outros limites, a verdade processual está adstrita ao
caráter opinativo da verdade jurídica e à subjetividade do juiz, que, somados a um forte déficit
de garantias que qualifica os sistemas jurídicos não plenamente garantistas, propiciam a
inauguração de espaços destinados ao exercício da discricionariedade judiciária – devida ou
indevida – no recinto de aplicação do direito, os quais devem ser preenchidos pelo exercício
do poder judicial, com destaque para os poderes judiciais de interpretação jurídica e de
valoração ético-política. O que se extrai do terceiro capítulo da pesquisa formalizada é que,
pelas cogitações garantistas, a decisão é teorizada como o resultado de uma atuação dos juízes
que é sempre, em alguma medida, imune à fiscalidade processual.
Por isso, no quarto capítulo, objetiva-se enunciar a incompatibilidade teórica do
garantismo com os fundamentos da processualidade democrática. Explicita-se que, na
operacionalização do direito, a proposição ferrajoliana encontra-se alinhada à ciência
dogmática, situando o espaço aberto pela falibilidade normativa como recinto de atuação
discricionária do julgador e não como âmbito procedimental destinado ao exercício da
isocrítica. Aponta-se que, de acordo com os conteúdos informativos da proposição garantista,
o juiz é o titular do privilégio da significação normativa, exercendo uma atividade dogmático-
hermenêutica que é supressora do exercício do igual direito de interpretação para todos.
Afirma-se que, ao focar a aplicação do direito, o garantismo não enuncia uma teoria da
decisão jurídica imparcial, cingindo-se a propor uma teoria da decisão do juiz imparcial.
Indica-se que, pelos escritos ferrajolianos, é conjecturado um garantismo jurisdicionalista e
não um garantismo processual-democrático.
No quinto e último capítulo, são apresentadas as conclusões da pesquisa instrutiva da
tese formalizada, com a corroboração – sempre falível – da hipótese formulada.24
24
POPPER, Karl Raimund. Conhecimento objetivo: uma abordagem evolucionária. Tradução de Milton
Amado. Belo Horizonte: Itatiaia, 1999. p. 106.
27
2 GARANTISMO E A CENTRALIDADE DA JURISDIÇÃO NO ÂMBITO DA
APLICAÇÃO DO DIREITO
De acordo com Dario Ippolito,25
a “palavra ‘garantismo’ – hoje de uso corrente nas
principais línguas neolatinas – é um neologismo do século XIX (momento prolífico de ismos
políticos: liberalismo, constitucionalismo, comunismo...).” Segundo afirma, no entanto, a
significação atribuída ao vocábulo garantismo à época de seu advento não é equivalente à
empregada, habitualmente, nos dias atuais.
Após analisar os escritos produzidos pelos principais dicionaristas franceses, no
período de 1856 a 1874, registra que, até então, a expressão garantismo não integrava, de
modo usual, o léxico comum da França e, com base no ensino de Émile Littré, esclarece que o
garantismo caracterizava-se como um termo apenas acadêmico, cunhado e empregado por
Charles Fourier, que designou garantisme como um “sistema de segurança social que busca
salvaguardar os sujeitos mais fracos, fornecendo a eles as garantias dos direitos vitais
(partindo daqueles conexos à subsistência) através de um plano de reformas que diz respeito
tanto à esfera pública quanto à privada.”26
Nesse sentido, o garantismo fourieriano foi adjetivado como social.27
Estabelecido em
prol da implementação de uma sociedade comunitária perfeita e harmônica, o garantismo, de
Charles Fourier, foi bastante destacado por escritos franceses publicados ao longo do século
XIX e, ainda, no início do século XX, “quando a circulação da palavra ‘garantismo’ já havia
superado os limites da escola”.28
A despeito disso, não recebeu a adesão necessária para que
pudesse se firmar como a única significação de garantismo.
25 IPPOLITO, Dario. Itinerari del garantismo. Revista Videre, Dourados, ano 3, n. 6, p. 53-67, jul./dez. 2011. p.
54. No original: “[...] parola “garantismo” – oggi d’uso corrente nelle principali lingue neolatine – è un
neologismo del XIX secolo (estagione prolifica di ismi politici: liberalismo, constituzionalismo,
comunismo...).” 26 IPPOLITO, Dario. Itinerari del garantismo. Revista Videre, Dourados, ano 3, n. 6, p. 53-67, jul./dez. 2011. p.
54. No original: “[...] sistema di sicurezza sociale che mira a salvaguardare i soggetti più deboli, fornendo loro
le garanzie dei diritti vitali (a partire da quelli connessi alla sussistenza), atraverso un piano di reforme
riguardante tanto la sfera pubblica quanto i rapporti privati.” 27 IPPOLITO, Dario. Itinerari del garantismo. Revista Videre, Dourados, ano 3, n. 6, p. 53-67, jul./dez. 2011. p.
54. 28 IPPOLITO, Dario. Itinerari del garantismo. Revista Videre, Dourados, ano 3, n. 6, p. 53-67, jul./dez. 2011. p.
55. No original: “quando ormai la circolazione della parola ‘garantismo’ ha travalicato i confini della scuola”.
Sobre o assunto, esclarece Dario Ippolito que, na França, o garantismo social de Charles Fourier foi abordado
em “artigos da revista La Phalange (1836-1849) dirigida por Victor Considerant – obras políticas e
sociológicas como De quelques heureux effets du garanstisme [...] envisagés au double point de vue
comercial et social, publicada anonimamente em 1838; Du droit de vivre, de la proprieté e du garantisme, de
Paul de Jouvencel, editada em 1847; Révolution sociale (1848), de Fontarive, que se ocupa entre outras coisas
– como preanuncia o subtítulo – das ‘Institutions de garantisme’; e os Principes de sociologie (1867), de
François Barrier, nos quais se encontra desenvolvido um articulado discurso sobre ‘garantismo agrícola’,
sobre ‘garantismo industrial’, sobre ‘garantismo doméstico’, etc., que, alguns anos após, aparece nas colunas
28
É o que se extrai, mais uma vez, da pesquisa realizada por Dario Ippolito,29
que, ao
mirar o ingresso do vocábulo garantismo no direito italiano, esclarece que esse ocorreu de
modo completamente desvinculado das aspirações socializantes de Charles Fourier. Na Itália,
por publicação jurídica de 1925, de autoria de Guido de Ruggiero, o garantismo foi
compreendido como uma proposta fundada na garantia da liberdade do indivíduo em relação
ao Estado e diante do Estado, em uma perspectiva associada aos estudos de Baron de la Brède
et de Montesquieu, a qual em nada se confundia com as propostas fourierianas que, naquele
momento, já se encontravam identificadas com o socialismo utópico a que faz referência
Friedrich Engels.30
Sobre esse aspecto, a propósito, a pesquisa de Dario Ippolito não discrepa da que foi
formalizada por Perfecto Andrés Ibáñez,31
no ano de 2005. Ao discorrer sobre os antecedentes
históricos do garantismo, esse aponta o livro Storia del Liberalismo Europeo, de Guido de
Ruggiero, como um marco expressivo do estudo do garantismo na Itália, tendo em vista que,
por via dessa publicação, o garantismo assumiu o status de um “regime de garantia de direitos
(de primeira geração) com vocação de efetividade, fundado na ideia de separação de poderes”,
mediante o reconhecimento de que a tutela da liberdade do indivíduo depende de limitações
jurídico-institucionais previstas constitucionalmente.
do Grand Dictionnaire universel du XIX siècle (1872), de Pierre Larouse.” IPPOLITO, Dario. Itinerari del
garantismo. Revista Videre, Dourados, ano 3, n. 6, p. 53-67, jul./dez. 2011. p. 54-55. No original: “[...]
articoli della rivista La Phalange (1836-1849) diretta da Victor Considerant – opere politiche e sociologiche
quali De quelques heureux effets du garanstisme [...] envisagés au double point de vue comercial et social,
pubblicata anonima nel 1838; Du droit de vivre, de la proprieté e du garantisme di Paul de Jouvencel, edita
nel 1847; Révolution sociale (1848) di Fontarive, che si occupa tra l’altro – come preannuncia il sottotitolo –
delle ‘Institutions de garantisme’; e i Principes de sociologie (1867) de François Barrier, in cui trova
svolgimento un articolato discorso sul ‘garantismo agricolo’, sul ‘garantismo industriale’, sul ‘garantismo domestico’ etc., che qualche anno dopo trapassa nelle colonne del Grand Dictionnaire universel du XIX siècle
(1872) di Pierre Larouse.” 29 IPPOLITO, Dario. Itinerari del garantismo. Revista Videre, Dourados, ano 3, n. 6, p. 53-67, jul./dez. 2011. p.
55. 30 De acordo com Friedrich Engels, as propostas do socialismo utópico deveriam ser afastadas em favor daquelas
apresentadas pelo socialismo científico. É que as propostas do socialismo utópico não enfrentavam a
dualidade existente entre modos de produção e forças produtivas, de forma a possibilitar, inicialmente, a
emancipação de uma classe determinada. ENGELS, Friedrich. Do socialismo utópico ao socialismo
científico. Tradução de Rubens Eduardo Frias. 2. ed. São Paulo: Centauro, 2005. p. 60. Ao contrário, as
proposições apresentadas pelos socialistas utópicos, dentre os quais Charles Fourier, “[...] não fazem mais do
que refletir o estado incipiente da produção capitalista, a incipiente condição de classe. Pretendia-se tirar da cabeça a solução dos problemas sociais, latentes ainda nas condições econômicas pouco desenvolvidas da
época. A sociedade não encerrava senão males, que a razão pensante era chamada a remediar.” ENGELS,
Friedrich. Do socialismo utópico ao socialismo científico. Tradução de Rubens Eduardo Frias. 2. ed. São
Paulo: Centauro, 2005. p. 64-65. 31 IBÁÑEZ, Perfecto Andrés. Garantismo: una teoría crítica de la jurisdicción. In: CARBONELL, Miguel;
SALAZAR, Pedro (Coord.). Garantismo: estudios sobre el pensamiento jurídico de Luigi Ferrajoli. Madrid:
Editorial Trotta, 2005. p. 59. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). No original: “[...] un
régimen de garantía de derechos (de la primera generación) con vocación de efectividad, fundado en la idea
de la separación de poderes [...]”.
29
O que daí se vê, portanto, é que, tanto no direito francês quanto no direito italiano, nos
quais o garantismo foi inicialmente abordado, nenhuma correlação marcante foi estabelecida
entre esse e o âmbito penal, no qual o termo garantismo apresenta-se, atualmente, mais
empregado. Pesquisas realizadas por Dario Ippolito, Perfecto Andrés Ibáñez e Luigi
Ferrajoli32
apontam que apenas na década de setenta do século passado as correlações
existentes entre garantismo, direito penal e direito processual penal tornaram-se notadas de
modo consistente, a partir de uma atuação incisiva de doutrinadores italianos comprometidos
com a normatividade constitucional estabelecida após a Segunda Guerra Mundial e, também,
de parte da magistratura italiana, que se insurgiu contra a aplicabilidade dos dispositivos
penais integrantes da codificação fascista de Alfredo Rocco e, ainda, em desfavor da
legislação de emergência que foi produzida ao enfrentamento do terrorismo e do crime
organizado.
À época, além de diversas publicações destinadas à tematização do autoritarismo
legislativo infraconstitucional italiano,33
por uma atuação destacada da Magistratura
Democrática, que era uma associação de jovens juízes “comprometida na redefinição de um
papel garantista da jurisdição, ancorado nos princípios da Constituição, os quais até então
permaneciam substancialmente ignorados pela jurisprudência dominante”,34
membros da
judicatura italiana uniram-se em prol do enfrentamento da discrepância existente entre a
Constituição e a legislação infraconstitucional, principalmente a legislação penal, em relação
à qual a divergência era mais acentuada.35
32 IPPOLITO, Dario. Itinerari del garantismo. Revista Videre, Dourados, ano 3, n. 6, p. 53-67, jul./dez. 2011. p.
56-57; IBÁÑEZ, Perfecto Andrés. Garantismo: una teoría crítica de la jurisdicción. In: CARBONELL,
Miguel; SALAZAR, Pedro (Coord.) Garantismo: estudios sobre el pensamiento jurídico de Luigi Ferrajoli.
Madrid: Editorial Trotta, 2005. p. 60. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho); FERRAJOLI,
Luigi. Dei diritti e delle garanzie: conversazione con Mauro Barberis. Bologna: Il Mulino, 2013a. p. 13.
(Collana Contemporanea); FERRAJOLI, Luigi. A cultura jurídica e a filosofia jurídica analítica no século
XX. Tradução de Alfredo Copetti Neto, Alexandre Salim e Hermes Zaneti Júnior. São Paulo: Saraiva, 2015a.
p. 60-68. (Coleção Saberes Críticos); FERRAJOLI, Luigi. O garantismo e a esquerda. In: VIANNA, Túlio;
MACHADO, Felipe (Coord.). Garantismo penal no Brasil: estudos em homenagem a Luigi Ferrajoli. Belo
Horizonte: Fórum, 2013b. p. 15. 33 FERRAJOLI, Luigi. A cultura jurídica e a filosofia jurídica analítica no século XX. Tradução de Alfredo
Copetti Neto, Alexandre Salim e Hermes Zaneti Júnior. São Paulo: Saraiva, 2015a. p. 64-65. (Coleção
Saberes Críticos). 34 FERRAJOLI, Luigi; MANERO, Juan Ruiz. Dos modelos de constitucionalismo: una conversación. Madrid:
Editoral Trotta, 2012a. p. 15. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). No original: “[...]
comprometida en la redefinición de un papel garantista de la jurisdicción, anclado en los principios de la
Constitución, que hasta entonces habían permanecido substancialmente ignorados por la jurisprudencia
dominante.” 35
FERRAJOLI, Luigi. Dei diritti e delle garanzie: conversazione con Mauro Barberis. Bologna: Il Mulino,
2013a. p. 44 e 49. (Collana Contemporanea).
30
Conforme explicita Luigi Ferrajoli,36
que teve participação ativa na fundação de
referida associação,37
à qual rende homenagens por obstar-lhe o abandono precoce de sua
carreira de julgador,38
a Magistratura Democrática apresentou-se como:
[...] uma associação de juízes que recusa abertamente a velha ideologia de classe da
avaloração da aplicação da lei e a rígida separação de casta do corpo judiciário pela
sociedade que, de fato, decidia-se na sua gravitação política e cultural no âmbito do
poder. Daquela ideologia que era reflexo do velho mito da tecnicidade e autonomia
do direito, os magistrados democráticos contestaram ativamente os dois principais
pressupostos: uma errônea teoria da interpretação, que ignorava as lições de Kelsen e da filosofia analítica sobre o caráter inevitavelmente discricionário das escolhas
interpretativas e, portanto, das opções ético-políticas por elas requisitadas, e uma
errônea teoria das fontes, que igualmente ignorava a tensão originada no
ordenamento pelo virtual conflito entre a Constituição e o velho sistema legislativo
ainda prevalentemente fascista. E denunciaram, com um radicalismo bem maior do
que aquele acadêmico, os vícios ideológicos da cultura, até então dominantes na
magistratura: a presunção da coerência e da completude, o mito da certeza do
direito, a ideia de aplicação da lei como operação técnica e mecânica, a desconfiança
em relação à Constituição como programa “político” ou ornamento ideológico, a
solidariedade corporativa e a organização hierárquica da ordem judiciária, fundadas
no caráter unitário e na univocidade das diretrizes jurisprudenciais defendidas pela Corte de Cassação.
E conclui:
O resultado dessa redefinição da jurisdição – como momento terceiro e imparcial,
mas não avalorativo, independente, embora, ou melhor, por causa, do caráter
discricionário das escolhas interpretativas, começando pela avaliação da
constitucionalidade das leis – teve duas consequências. Em primeiro lugar, o
desenvolvimento de uma jurisprudência que se chamou, então, de alternativa, mas
que simplesmente pretendia fazer valer a primazia da Constituição, que por muito
tempo ficara esquecida, sobre a legalidade viciada na qual se baseavam as
orientações jurisprudenciais dominantes em matéria de direito do trabalho, dos crimes de opinião e sindicais, da liberdade pessoal, da garantia dos direitos difusos,
de tutela da segurança e da saúde nos locais de trabalho e de defesa do meio
ambiente. Em segundo lugar, o desenvolvimento, em toda a magistratura, do hábito
de independência e de um novo sentido em relação ao papel do juiz, como
responsável pela legalidade contra os poderes fortes, tanto públicos como privados,
36 FERRAJOLI, Luigi. A cultura jurídica e a filosofia jurídica analítica no século XX. Tradução de Alfredo
Copetti Neto, Alexandre Salim e Hermes Zaneti Júnior. São Paulo: Saraiva, 2015a. p. 66-68. (Coleção
Saberes Críticos). 37 FERRAJOLI, Luigi; MANERO, Juan Ruiz. Dos modelos de constitucionalismo: una conversación. Madrid:
Editoral Trotta, 2012a. p. 15. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho); FIGUEROA, Alfonso
García. Entrevista a Luigi Ferrajoli. In: CARBONELL, Miguel; SALAZAR, Pedro (Coord.) Garantismo: estudios sobre el pensamiento jurídico de Luigi Ferrajoli. Madrid: Editorial Trotta, 2005. p. 515-516.
(Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). 38 FERRAJOLI, Luigi. Dei diritti e delle garanzie: conversazione con Mauro Barberis. Bologna: Il Mulino,
2013a. p. 44. (Collana Contemporanea). No período compreendido entre 1967 e 1975, Luigi Ferrajoli atuou
como pretor na Itália. Em 1975, Luigi Ferrajoli foi aprovado no concurso para professor ordinário de Direito e
optou por deixar a magistratura para se dedicar integralmente à docência universitária. Confira, nesse sentido,
o magistério disposto em livro de FERRAJOLI, Luigi; MANERO, Juan Ruiz. Dos modelos de
constitucionalismo: una conversación. Madrid: Editoral Trotta, 2012a. p. 20. (Colección Estructuras y
Procesos – Serie Derecho).
31
que manifestará a sua força perturbadora na crise do sistema político no início dos
anos noventa.
De conseguinte, é possível afirmar que as interfaces existentes entre o garantismo e o
âmbito penal estabeleceram-se, de modo nítido, quando foi abordada a dicotomia liberdade-
poder na Itália, já nas três últimas décadas do século XX. Foi neste momento, em consonância
com o que ocorria em outras áreas do direito italiano, nas quais a produção e a aplicação
jurídico-normativas apresentavam-se dissociadas dos critérios fixados pelo modelo
estabelecido na Constituição, que se afirmou “com força o primado dos direitos individuais de
imunidade e liberdade diante dos poderes punitivos do Estado”.39
É permitido afirmar, também, que, embora, originariamente, o garantismo tenha
integrado as cogitações socialistas, de Charles Fourier, e históricas, de Guido de Ruggiero,
apenas na década de setenta do século passado é que ganhou notoriedade, que foi provocada
pela atuação de cientistas do direito e de juízes italianos dedicados à defesa da normatividade
constitucional, dentre os quais destacava-se Luigi Ferrajoli. Segundo afirma André Karam
Trindade,40
aliás, a própria “consolidação do termo garantismo é decorrência direta das
atividades e pesquisas científicas desenvolvidas por Luigi Ferrajoli – à época juiz vinculado à
Magistratura Democrática e professor da faculdade de direito da Universidade de
Camerino –”, as quais se tornaram ainda mais conhecidas a partir do ano de 1989, com a
publicação da primeira edição do livro Diritti e Ragione – Teoria del garantismo penale.
Apresentando-se como referência indispensável para a análise da temática garantista,
Direito e Razão – Teoria do Garantismo Penal explicita, de modo cuidadoso, os contornos
teóricos do garantismo proposto por Luigi Ferrajoli, não se restringindo, contudo, à
formulação de uma proposição exclusivamente aplicável ao âmbito penal, como pode parecer
por uma análise apressada do seu subtítulo. Ao contrário disso, vê-se que, aproveitando-se de
sua vivência como pretor em Prato,41
de sua atuação na Magistratura Democrática, de seus
39 IPPOLITO, Dario. Itinerari del garantismo. Revista Videre, Dourados, ano 3, n. 6, p. 53-67, jul./dez. 2011. p.
57. 40 TRINDADE, André Karam. Revisitando o garantismo de Luigi Ferrajoli: uma discussão sobre metateoria,
teoria do direito e filosofia política. Revista Eletrônica da Faculdade de Direito de Franca, Franca, v. 5, n.
1, p. 3-21, jul. 2012a. p. 5. 41
Por oito anos, Luigi Ferrajoli foi pretor em Prato, uma cidade industrial italiana dotada de altas taxas de
contenciosidade, situada próxima à Florença. Como membro da magistratura, atuava como agente de juízo
com competência fixada nas áreas civil, penal, do trabalho e de família, além de exercer a função de
investigação do Ministério Público. Atualmente, não há mais pretores na Itália, tendo em vista que o cargo foi
extinto em 1989, consoante anota Juan Ruiz Manero. Nesse sentido, confira, especialmente, os escritos de
FERRAJOLI, Luigi; MANERO, Juan Ruiz. Dos modelos de constitucionalismo: una conversación. Madrid:
Editoral Trotta, 2012a. p. 15. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho); FERRAJOLI, Luigi. Dei
diritti e delle garanzie: conversazione con Mauro Barberis. Bologna: Il Mulino, 2013a. p. 44 e 48. (Collana
Contemporanea).
32
estudos relacionados à lógica jurídica e à filosofia analítica,42
assim como daqueles atinentes
ao direito penal e ao direito processual penal – especialidades a que se dedicou intensamente
nas décadas de setenta e oitenta do século passado –,43
Luigi Ferrajoli formula uma teoria que
é aplicada inicialmente ao âmbito penal e, logo em seguida, expandida para outras áreas
jurídicas.
Desta forma, em um primeiro momento, os escritos ferrajolianos esclarecem que
Direito e Razão – Teoria do Garantismo Penal objetiva “contribuir com a reflexão sobre a
crise de legitimidade que assola os hodiernos sistemas penais, e em particular o italiano, com
respeito aos fundamentos filosóficos, políticos e jurídicos”.44
Em momento posterior,
entretanto, Luigi Ferrajoli amplia a sua pretensão, asseverando que as reflexões direcionadas
ao âmbito penal podem ser estendidas para outras áreas do direito, que estão sujeitas à
semelhante crise de legitimidade. Conforme registra o autor garantista:
Também para os outros setores do ordenamento e para os direitos a eles relativos podem se configurar sistemas mais ou menos garantistas ou autoritários, a partir dos
modelos de racionalidade e de justiça assumidos como fundamento, dos esquemas
de legalidade positivamente elaborados e quem sabe constitucionalizados, e do
funcionamento concreto das instituições. E também por eles a divergência
ineliminável entre dever ser e ser do e no direito – aqui tematizada por um lado com
a separação juspositiva entre direito e moral ou entre validade e justiça, de outro
com aquela entre validade, vigor e efetividade do ordenamento jurídico – tem um
valor teórico e metodológico de caráter geral.45
Com efeito, não obstante Luigi Ferrajoli dedique-se, nas três primeiras partes de sua
pesquisa, ao exame das três ordens de fundamentos do direito penal, próprias das intituladas
epistemologia jurídica, filosofia do direito e ciência penal, bem como se entregue, na quarta
parte, à análise da usual inobservância do modelo penal garantista na prática italiana, na
quinta parte do livro Direito e Razão – Teoria do Garantismo Penal, esforça-se pela
enunciação de uma teoria geral do garantismo e, para tanto, aduz que o garantismo pode ser
compreendido por três acepções distintas, embora conexas entre si, que designam um modelo
normativo de direito, uma teoria jurídica da validade e da efetividade como categorias que não
se confundem com a vigência das normas e, por fim, uma filosofia política.
42 FERRAJOLI, Luigi; MANERO, Juan Ruiz. Dos modelos de constitucionalismo: una conversación. Madrid:
Editoral Trotta, 2012a. p. 13. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). 43 FERRAJOLI, Luigi; MANERO, Juan Ruiz. Dos modelos de constitucionalismo: una conversación. Madrid:
Editoral Trotta, 2012a. p. 20. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). 44 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
15. 45 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
21.
33
Segundo as cogitações ferrajolianas, esses três significados apresentam um alcance
propositivo que não pode ser desconsiderado, porque:
Eles delineiam, precisamente, os elementos de uma teoria geral do garantismo: o
caráter vinculado do poder público no Estado de direito; a divergência entre validade
e vigor produzida pelos desníveis das normas e um certo grau irredutível de
ilegitimidade jurídica das atividades normativas de nível inferior; a distinção entre
ponto de vista externo (ou ético-político) e ponto de vista interno (ou jurídico) e a
conexa divergência entre justiça e validade; a autonomia e a prevalência do primeiro
e um certo grau irredutível de ilegitimidade política com relação a ele das instituições vigentes.46
Por tudo isso, apresenta-se acolhível a afirmação de Alfredo Copetti Neto, Alexandre
Salim e Hermes Zaneti Júnior,47
no sentido de que Luigi Ferrajoli seja o fundador da teoria
garantista do direito. Apesar dos escritos ferrajolianos terem recebido realce nas áreas do
direito penal e do direito processual penal, a sua proposta vai muito além da oferta de uma
teoria do garantismo penal.
Em termos mais exatos, vê-se mesmo, na primeira parte dos escritos integrantes de
Direito e Razão – Teoria do Garantismo Penal, uma abordagem da racionalidade das decisões
penais a partir do que Luigi Ferrajoli denomina epistemologia jurídica, fazendo alusão ao
modelo penal garantista que, sendo tendencialmente cognitivista e baseado no princípio da
taxatividade, “equivale a um sistema de minimização do poder e maximização do saber
judiciário, enquanto condiciona a validade das decisões à verdade, empírica e controlável das
suas motivações.”48
Na segunda parte, sob o plano da filosofia do direito, da chamada justiça penal, é
examinada a fundamentação externa ou política do direito penal, abordando-se as
“justificações ético-políticas da qualidade, da quantidade e antes ainda da necessidade das
penas e das proibições, além das formas e dos critérios das decisões judiciais”,49
que, pelo
46 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
788. 47 COPETTI NETO, Alfredo; SALIM, Alexandre; ZANETI JÚNIOR, Hermes. Apresentação da obra. In:
FERRAJOLI, Luigi. A cultura jurídica e a filosofia jurídica analítica no século XX. Tradução de Alfredo
Copetti Neto, Alexandre Salim e Hermes Zaneti Júnior. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 11. (Coleção Saberes
Críticos). 48 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
16. 49 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
16.
34
garantismo, possibilitariam a maximização da liberdade em face do arbítrio, com o prestígio
da centralidade da pessoa.
Na terceira parte de Direito e Razão – Teoria do Garantismo Penal, é analisada a
ciência penal, que encampa a teoria geral do direito e a intitulada dogmática jurídico-penal.
Nesse trecho, Luigi Ferrajoli incursiona sobre o modelo penal garantista que, mesmo sendo
acolhido pelas Constituições de modo imperfeito, deve ser acolhido como o fundamento
interno ou jurídico de legitimidade da legislação e da jurisdição penais, isto é, como um
referencial “idôneo a limitar e ao mesmo tempo convalidar ou invalidar a potestade punitiva
com razões de direito”.50
E, na quarta parte, a partir das reflexões realizadas no longo percurso temático trilhado
à análise das três ordens de fundamentos do direito penal, correspondentes ao que denomina
razão do direito penal, razão no direito penal e razão de direito penal, Luigi Ferrajoli promove
“uma análise sumária dos perfis de irracionalidade, de injustiça e de invalidez que marcam o
ordenamento penal e processual italiano”,51
dando fim aos estudos específicos relativos ao
âmbito penal para, já na quinta parte de sua publicação, enunciar a teoria geral do garantismo.
Nesta última parte de Direito e Razão – Teoria do Garantismo Penal, o autor garantista
é taxativo ao expor que, não obstante tenham os três significados de garantismo recebido uma
abordagem exclusivamente penal nos tópicos que lhe antecederam, os elementos que deles se
extraem não são restritos ao âmbito penal, valendo “também para os outros setores do
ordenamento. Inclusive para estes é, pois, possível elaborar, com referência a outros direitos
fundamentais e a outras técnicas e critérios de legitimação, modelos de justiça e modelos
garantistas de legalidade”.52
A vinculação do garantismo exclusivamente ao âmbito penal, logo, somente pode
decorrer de uma leitura equivocada de Direito e Razão – Teoria do Garantismo Penal,53
que,
embora adote o direito penal e o direito processual penal como áreas de aplicação inicial da
50 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
16. 51 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p. 18.
52 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
788. 53 É o que também salientam os escritos de TRINDADE, André Karam. Revisitando o garantismo de Luigi
Ferrajoli: uma discussão sobre metateoria, teoria do direito e filosofia política. Revista Eletrônica da
Faculdade de Direito de Franca, Franca, v. 5, n. 1, p. 3-21, jul. 2012a. p. 6; e de COPETTI NETO, Alfredo.
A democracia constitucional sob o olhar do garantismo jurídico. Florianópolis: Empório do Direito, 2016.
p. 19. (Coleção Sob o olhar do Garantismo Jurídico, v. 1).
35
proposição ferrajoliana, caracteriza-se como marco proposicional de uma teoria geral do
garantismo que, desde então, erige-se como tema privilegiado de diversas pesquisas
publicadas por Luigi Ferrajoli e por muitos outros que, ora desenvolvem seus estudos com
base nas cogitações garantistas, ora formalizam escritos destinados à crítica dessas
conjecturas.
Muito mais do que uma publicação voltada ao exclusivo exame das interligações
existentes entre o garantismo, o direito penal e o direito processual penal, Direito e Razão –
Teoria do Garantismo Penal notabiliza-se por abordar, de modo aprofundado, os três
significados de garantismo propostos por Luigi Ferrajoli, que, nesta tese, serão examinados
com o sopesamento dos esclarecimentos que lhe foram ofertados por pesquisas
posteriormente formalizadas pelo autor garantista.
O que se frisa, desde logo, é que, assumindo o status de modelo normativo de direito,
de teoria crítica do direito ou de filosofia política, o garantismo destaca-se por atribuir
especial realce à jurisdição, que é conceituada como uma atividade discricionária dos juízes
destinada à afirmação da lei. Tematizando a coerência e a completude do ordenamento
jurídico, bem como a avaloração na análise jurídico-normativa pelos magistrados, a
proposição garantista atribui aos julgadores a condição de garantes da legalidade e a esses
entrega o monopólio jurídico-interpretativo.
Com isso, já a partir dos escritos dispostos em Direito e Razão – Teoria do Garantismo
Penal, a jurisdição ocupa um lugar central no âmbito da aplicação garantista do direito. Um
locus que, também, nas pesquisas garantistas publicadas após 1989, jamais lhe foi negado e
que, a despeito de ser anunciado como garantia de concretização dos objetivos estabelecidos
pela teoria ferrajoliana, é confirmatório de sua imprestabilidade para o direito democrático.
2.1 Garantismo como modelo normativo de direito e o controle jurisdicional do exercício
ilegítimo do poder
Na sua primeira acepção, o garantismo é sinônimo de Estado Constitucional de
Direito. De acordo com Luigi Ferrajoli,54
assim se apresentando, o garantismo acolhe o
denominado governo das leis em face do governo dos homens e, com base em uma distinção
54 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
789-791; BOBBIO, Norberto. Governo dos homens ou governo das leis? In: BOBBIO, Norberto. O futuro
da democracia. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 165-174. (Coleção
Pensamento crítico, v. 63).
36
traçada por Norberto Bobbio, e inovada pela teoria garantista, apresenta-se como um Estado
que designa um governo per leges e, ao mesmo tempo, um governo sub lege.
Para a teoria garantista, o Estado Constitucional é o terceiro modelo normativo de
direito que se identifica ao longo da história. Apontado como a refundação do Estado
Legislativo de Direito,55
também chamado Estado de Direito, Estado Paleojuspositivista e
Estado Paleopositivista, o Estado Constitucional de Direito é igualmente baseado no princípio
da legalidade, que se afirmou no momento em que o Estado assumiu o monopólio da
produção normativa.56
Distingue-se do Estado Legislativo de Direito, entretanto, pela nova
teorização que atribuiu a esse princípio.
Segundo Luigi Ferrajoli,57
no Estado Legislativo de Direito, o sistema jurídico
caracteriza-se como nomodinâmico, de modo que “existência e validade das normas são, de
fato, neles reconhecíveis com base na forma de produção e não com base em seus conteúdos.
Auctoritas, non veritas facit legem”. Com o seu advento, instala-se a separação de direito e
moral, bem como de validade e justiça. A existência e a validade das normas passam a estar
vinculadas exclusivamente à positivação regular destas, motivo pelo qual a justiça da norma
não mais se coloca como temática ínsita ao direito ou à ciência do direito, ao contrário do que
ocorria no modelo de direito jurisprudencial pré-moderno que lhe antecedeu.58
55 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
790; FERRAJOLI, Luigi. A democracia através dos direitos: o constitucionalismo garantista como modelo
teórico e como projeto político. Tradução de Alexander Araujo de Souza, Alexandre Salim, Alfredo Copetti
Neto, André Karam Trindade, Hermes Zaneti Júnior e Leonardo Menin. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2015b. p. 17-22. 56
FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia. 2. Teoría de la democracia.
Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz
Miguel. Madrid: Editorial Trotta, 2011a. p. 32. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho); FERRAJOLI, Luigi. Democracia, estado de derecho y jurisdicción en la crisis del estado nacional. In:
ATIENZA, Manuel; FERRAJOLI, Luigi. Jurisdicción y argumentación en el estado constitucional de
derecho. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2005a. p. 112-113. (Serie Estado de Derecho
y Función Judicial). 57 FERRAJOLI, Luigi. A democracia através dos direitos: o constitucionalismo garantista como modelo
teórico e como projeto político. Tradução de Alexander Araujo de Souza, Alexandre Salim, Alfredo Copetti
Neto, André Karam Trindade, Hermes Zaneti Júnior e Leonardo Menin. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2015b. p. 19. 58 FERRAJOLI, Luigi. A democracia através dos direitos: o constitucionalismo garantista como modelo
teórico e como projeto político. Tradução de Alexander Araujo de Souza, Alexandre Salim, Alfredo Copetti
Neto, André Karam Trindade, Hermes Zaneti Júnior e Leonardo Menin. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015b. p. 19. Conforme assevera Luigi Ferrajoli, o denominado modelo de direito jurisprudencial pré-
moderno consistia em “um sistema normativo que, de acordo com a terminologia kelseniana, podemos
caracterizar como tendencialmente e prevalentemente nomoestático. A sua norma de reconhecimento é, de
fato, a sua intrínseca justiça ou racionalidade. Mesmo na experiência histórica pré-moderna, existiam
obviamente leis, decretos, ordenações e estatutos. Contudo, por causa da heterogeneidade, do pluralismo e do
particularismo dos ordenamentos que conviviam sobre o mesmo território, estas normas, a longo prazo,
acabam por se inserir e se amalgamar dentro do corpus iuris transmitido pela tradição, sucumbindo ao
princípio normativo, ainda que se de fato largamente não efetivado, relativo à coerência interna e à
completude. A existência e a validade das normas do direito comum, além das derrogações constituídas pelo
37
O Estado Legislativo de Direito inaugura o intitulado governo das leis que, consoante
Norberto Bobbio,59
deve ser analisado sob dois aspectos que, embora diversos, são coligados.
De um lado, o Estado de Direito explicita-se por um governo sub lege, segundo o qual todo o
exercício do poder encontra-se submetido ao direito e, de outro, por um governo per leges,
por via do qual todo o poder deve ser exercido por leis, ou seja, por ordens gerais e abstratas
que, consoante afirma Antonio Manuel Peña Freire,60
devem também ser emanadas da
vontade geral do povo.
Trata-se de duas exigências que, além de não se sobreporem,61
devem ser objeto de
distinção não apenas em prol de uma clarificação conceitual, mas, principalmente, para a
melhor identificação de seus predicados, uma vez que:
[...] as virtudes costumeiramente atribuídas ao governo da lei são diversas conforme
estejam referidas ao primeiro significado ou ao segundo. As virtudes do governo sub
lege consistem, como já se afirmou, em impedir ou ao menos obstaculizar o abuso
do poder; as virtudes do governo per leges são outras. Mais ainda: deve-se dizer que
a maior parte dos motivos de preferência pelo governo da lei em detrimento do
governo dos homens, aduzidos a começar dos escritores antigos, estão vinculados ao
exercício do poder mediante normas gerais e abstratas. De fato, os valores fundamentais, aos quais se referiram de diversas maneiras os defensores do governo
da lei – a igualdade, a segurança e a liberdade –, estão garantidos pelas
características intrínsecas da lei entendida como norma geral e abstrata, mais que
pelo exercício legal do poder.62
É, por isso, que, ressalvada a divergência teórica relativa à existência de um vínculo
entre liberdade e vontade geral na edição da lei,63
é usual que, na literatura especializada, a
direito estatutário, dependiam, em outras palavras, da sua substância ou conteúdo prescritivo. A lógica, de
fato, era interna e não externa ao sistema jurídico. Veritas, non auctoritas facit legem: é a verdade, isto é, a
intrínseca justiça ou racionalidade, a norma de reconhecimento das normas jurídicas de acordo com este modelo. Por isso a confusão entre direito e moral, ou mesmo entre validade e justiça. Uma máxima de Gaio,
por exemplo, prevalecia em juízo sobre uma máxima de Ulpiano, ou vice-versa, pois considerada, no caso
concreto, mais justa ou mesmo mais apropriada. Por isso, o jusnaturalismo era a filosofia do direito que
refletia esta experiência.” FERRAJOLI, Luigi. A democracia através dos direitos: o constitucionalismo
garantista como modelo teórico e como projeto político. Tradução de Alexander Araujo de Souza, Alexandre
Salim, Alfredo Copetti Neto, André Karam Trindade, Hermes Zaneti Júnior e Leonardo Menin. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2015b. p. 18. 59 BOBBIO, Norberto. Governo dos homens ou governo das leis? In: BOBBIO, Norberto. O futuro da
democracia. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 170-171. (Coleção
Pensamento crítico, v. 63). 60 PEÑA FREIRE, Antonio Manuel. La garantía en el estado constitucional de derecho. Madrid: Editorial
Trotta, 1997. p. 49-50. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). 61 BOBBIO, Norberto. Governo dos homens ou governo das leis? In: BOBBIO, Norberto. O futuro da
democracia. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 170-171. (Coleção
Pensamento crítico, v. 63). 62 BOBBIO, Norberto. Governo dos homens ou governo das leis? In: BOBBIO, Norberto. O futuro da
democracia. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 171. (Coleção
Pensamento crítico, v. 63). 63
BOBBIO, Norberto. Governo dos homens ou governo das leis? In: BOBBIO, Norberto. O futuro da
democracia. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 173-174. (Coleção
38
generalidade da lei esteja atrelada à igualdade, já que, por não se destinar a norma nela
prevista a um único indivíduo, não estaria posta para beneficiar ou prejudicar quem quer que
seja. A abstração, a seu turno, habitualmente, encontra-se adstrita à segurança jurídica, ao
possibilitar a previsibilidade das repercussões advindas da adoção de uma determinada
conduta omissiva ou comissiva por qualquer sujeito.64
Por uma perspectiva garantista, portanto, em conjunto, governo sub lege e governo per
leges propiciariam o enfrentamento do absolutismo monárquico. Com a implementação desse
novo modelo normativo de direito, que assumiu, inicialmente, a forma liberal, ao “súdito que
presta ao Estado, confundido com o rei, total subserviência, sucedem as primeiras
manifestações do cidadão. O Estado não se confunde com o príncipe e não pode tudo.”65
O
desejo do monarca – como fonte do direito – é permutado pela vontade popular, a qual
deveria estabelecer o direito a que se submeteria o exercício do poder por via da democracia,
isto é, por meio de um procedimento eletivo e de um exercício governamental legitimado pela
maioria.66
Uma pretensão que, como registra Antonio Manuel Peña Freire,67
em pouco tempo,
demonstrou-se incapaz à garantia dos direitos de liberdade dos indivíduos, tendo em vista que,
pelo Estado Legislativo de Direito:
Pensamento crítico, v. 63); PEÑA FREIRE, Antonio Manuel. La garantía en el estado constitucional de
derecho. Madrid: Editorial Trotta, 1997. p. 49-50. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho);
CADEMARTORI, Sérgio Urquhart de. Estado de direito e legitimidade: uma abordagem garantista. 2. ed.
atual. e ampl. Campinas: Millennium, 2007. p. 12. 64 BOBBIO, Norberto. Governo dos homens ou governo das leis? In: BOBBIO, Norberto. O futuro da
democracia. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 171-172. (Coleção
Pensamento crítico, v. 63); ZAGREBELSKI, Gustavo. El derecho dúctil: ley, derechos y justicia. Traducción
de Marina Gascón. Madrid: Editorial Trotta, 2011. p. 29-30. (Colección Estructuras y Procesos – Serie
Derecho); PEÑA FREIRE, Antonio Manuel. La garantía en el estado constitucional de derecho. Madrid: Editorial Trotta, 1997. p. 49. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho); CADEMARTORI, Sérgio
Urquhart de. Estado de direito e legitimidade: uma abordagem garantista. 2. ed. atual. e ampl. Campinas:
Millennium, 2007. p. 11. 65 SOUZA, Patrus Ananias de. Processo constitucional e devido processo legal. In: LEAL, Rosemiro Pereira
(Org.). Estudos continuados de teoria do processo. Porto Alegre: Síntese, 2000. p. 35. v. 1. Em sentido
semelhante, confira os escritos de FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução
de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2010a. p. 793. 66 CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Devido processo legislativo: uma justificação democrática do
controle jurisdicional de constitucionalidade das leis e do processo legislativo. 3. ed. rev., atual. e ampl. Belo
Horizonte: Fórum, 2016. p. 46. 67
PEÑA FREIRE, Antonio Manuel. La garantía en el estado constitucional de derecho. Madrid: Editorial
Trotta, 1997. p. 53-54. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). No original: “[...] el absolutismo
monárquico dará paso a un sistema organizativo donde la supremacía política e jurídica pasa a manos del
poder legislativo, único soberano al ser representante de la nación. Si el imperio de la ley era considerado la
garantía máxima contra el arbitrio y la injusticia de los gobernantes, una vez asentado el modelo jurídico-
político burgués, asistiremos a un giro en la realidad del Estado de derecho, que abrirá las puertas a nuevas
expresiones absolutas o totales del poder. Em definitiva, superado el poder absoluto del rey, éste fue
substituido por el de las asambleas soberanas, y, por lo tanto, al absolutismo monárquico sucede una suerte de
absolutismo legislativo o concepción absoluta de la ley a la que queda finalmente asimilada la propria ideia de
39
[...] o absolutismo monárquico dá lugar a um sistema organizativo onde a
supremacia política e jurídica passa às mãos do poder legislativo, único soberano
para representar a nação. Se o império da lei era considerado a garantia máxima
contra o arbítrio e a injustiça dos governantes, uma vez assentado o modelo jurídico-
político burguês, assistiremos a um giro na realidade do Estado de direito, que abrirá
as portas a novas expressões absolutistas ou totalizantes de poder. Definitivamente,
superado o poder absoluto do rei, este foi substituído pelo das assembleias
soberanas, e, portanto, ao absolutismo monárquico sucede uma sorte de absolutismo
legislativo ou concepção absoluta de lei à qual é, finalmente, assimilada a própria
ideia de direito.
É que, pelas bases normativas do Estado Legislativo de Direito, em sua versão liberal,
estabelecia-se que “todos eram livres, iguais e proprietários. Pensava-se que, dessa forma, a
felicidade de todos seria alcançada pelo livre desenvolvimento das habilidades humanas”.68
Assim, como observa Luigi Ferrajoli,69
no liberalismo, era reservada ao Estado uma função
negativa nos âmbitos econômico e social, autorizando-se a sua atuação apenas para a defesa e
a manutenção da ordem pública. O Estado deveria garantir tão somente a certeza das relações
sociais através da harmonização dos interesses privados com o interesse global, permitindo
que entre os particulares vigorasse um livre jogo de interesses em busca de sua própria
felicidade.70
Como leciona Ovídio Araújo Baptista da Silva,71
a “democracia liberal deixa intocada
toda a nova esfera de dominação e de coação criada pelo capitalismo, sua transferência de
poderes substanciais do Estado para a sociedade civil, para a propriedade privada e as
pressões do mercado.” No liberalismo, nenhuma relevância atribuía-se à desigualdade
econômica propiciada pelas regras de livre concorrência e de livre iniciativa que, impositivas
derecho. La crisis del Estado de derecho en su versión legislativa o liberal es así la crisis de la ley y del
derecho, en su imagen tradicional, en tanto que mecanismos de regulación y programación social.” 68 OMMATI, José Emílio Medauar. A igualdade no paradigma do estado democrático de direito. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2004. p. 69. 69 FERRAJOLI, Luigi. El garantismo y la filosofía del derecho. Traducción de Gerardo Pisarello, Alexei Julio
Estrada y José Manuel Díaz Martín. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2000a. p. 67. (Serie de
Teoría Jurídica y Filosofía del Derecho, n. 15). 70 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flávio Beno
Siebeneichler. 2. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p. 138. v. 2; CATTONI DE OLIVEIRA,
Marcelo Andrade. Tutela jurisdicional e estado democrático de direito: por uma compreensão
constitucionalmente adequada do mandado de injunção. Belo Horizonte: Del Rey, 1998. p. 37;
FERNANDES, Bernando Gonçalves Alfredo. A teoria geral do processo e a teoria da constituição no estado
democrático de direito. Revista do Unicentro Izabela Hendrix, Nova Lima, v. 1, n. 1, p. 07-18, maio 2003. p. 39.
71 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Processo e ideologia: o paradigma racionalista. 2. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2006. p. 317. Nesse sentido, confira, ainda, a lição de Joaquim José Calmon de Passos, segundo o
qual, no liberalismo, a “[...] dissociação entre o econômico e o político deixou livre de controles o poder
econômico, que é um poder tão necessitado de controles quanto o poder político. As leis do mercado não
operaram corretivamente por si mesmas, visto como o mercado não é uma realidade ‘natural’, sim ‘humana’.”
CALMON DE PASSOS, Joaquim José. Democracia, participação e processo. In: GRINOVER, Ada
Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel; WATANABE, Kazuo. Participação e processo. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1988. p. 91.
40
de uma dicotomia radical, infligiam um intenso sofrimento humano aos despatrimonializados
e, ao mesmo tempo, determinavam um enriquecimento ostensivo dos detentores do capital,72
que valiam-se das leis que “eram discutidas e aprovadas pelos representantes da ‘melhor
sociedade’, já que o voto era censitário”,73
para incrementar o seu patrimônio.
É, nesse sentido, que, diante do abstencionismo estatal que qualificava o Estado
Legislativo de Direito, bem como da validade conferida às leis produzidas com a observância
das condições formais relativas à sua edição por uma assembleia elitista e soberana, o
princípio da legalidade deixou de cumprir a sua função de garantia da centralidade da pessoa
em face do poder. A acentuada concentração de riquezas pela burguesia – em contraste com a
exacerbação da pobreza do proletariado – instalou, em grande parte da Europa, um relevante
estado de tensão institucional que se agravou com a Revolução Industrial, a qual erigiu-se
como referência ensejadora de uma maior organização dos não civis74
e, também, da
intensificação de sua atuação em prol do atendimento de melhores condições de sobrevivência
material, muitas vezes conduzida por violentos eventos grevistas, organizados diretamente por
operários ou por organizações sindicais.
A insatisfação popular auferiu repercussão relevante e, no final do século XIX, já se
formalizavam proposições variadas pela necessidade de um Estado que, deixando de assumir
a condição de mero garantidor da autonomia individual, deveria ostentar o status de especial
responsável pelo estabelecimento do destino político, social, jurídico e econômico de todos.
Reivindicações que muito se ampliaram com o advento da Primeira Guerra Mundial, que
72
É o que já se lia, em 1890, em livro de autoria de MENGER, Anton. El derecho civil y los pobres.
Traducción de Adolfo Posada. Granada: Comares, 1998. p. 146-147. (Colección Crítica del Derecho).
Segundo o autor, “Há um século, acreditava-se que, deixando livres as forças econômicas, obter-se-ia uma produção maior, em quantidade, dos diferentes objetos e, em virtude disso, alcançar-se-ia o bem estar
econômico de todos (doutrina de Manchester). Tratando a todos os cidadãos de um modo perfeitamente igual,
sem atender às suas qualidades pessoais e à sua posição econômica, permitindo que entre eles se estabelecesse
uma competição sem freios, lograr-se-ia, sem dúvidas, uma elevação da produção até o infinito. Mas, ao
mesmo tempo, conseguiu-se que os pobres e os fracos tomassem uma parte escassíssima nesse aumento de
produção. [...] Hoje, sabe-se que não existe uma desigualdade maior do que aquela que consiste em tratar aos
desiguais de um modo igual.” No original: “Un siglo hace se creía que, dejando en libertad las fuerzas
económicas, se obtendría una producción mayor en cantidad de los diferentes objetos, y en su virtud se
alcanzaría el bienestar económico de todos (doctrina de Manchester). Tratando á todos los ciudadanos de un
modo perfectamente igual, sin atender á sus cualidades personales y á su posición económica; permitiendo
que entre ellos se estableciese una competencia sin freno, se ha logrado, sin duda, elevar la producción hasta lo infinito; pero al proprio tiempo se ha conseguido que los pobres y los débiles, tomasen una parte escasísima
en ese aumento de producción. [...] Hoy se sabe que no existe una desigualdad mayor que aquella que consiste
en tratar á los desiguales de un modo igual.” 73 DEL NEGRI, André. Teoria da constituição e direito constitucional. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2016.
p. 47; DEL NEGRI, André. Controle de constitucionalidade no processo legislativo. 3. ed. rev., ampl. e
aum. Belo Horizonte: D’Plácido, 2017. p. 31. É o que, também, já se identificava no livro de MAGALHÃES,
José Luiz Quadros de. Direito constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000. p. 53. t. I. 74
Sobre a distinção teórica entre civil e não civil, confira a análise de LEAL, Rosemiro Pereira. Processo civil e
sociedade civil. VirtuaJus – Revista Eletrônica, Belo Horizonte, v. 4, n. 2, dez. 2005a.
41
causou o agravamento dos desajustes sociais e da precariedade econômica, fortemente
questionados pelos movimentos instaurados em prol de um novo Estado, dentre os quais os
socialistas, comunistas, fascistas e, um pouco após, nazistas.
Consoante afirma Sahid Maluf,75
nesse momento, o Estado Legislativo de Direito “foi
colocado ante o dilema de reformar-se ou perecer. Efetivamente, onde ele permaneceu fraco e
inerte, ocorreu a transformação violenta, surgindo o Estado revolucionário, como na Rússia,
na Itália, na Alemanha, na Polônia e em vários países”. Onde conservou-se forte, apresentou-
se o Estado como Social, assumindo deveres positivos que, somados à garantia da ordem e da
segurança públicas, formataram uma nova concepção de atuação da estatalidade.76
É o que também se lê no magistério de Patrus Ananias de Souza,77
para quem, no
afastamento das fragilidades do liberalismo, o Estado:
[...] se viabilizou em experiências e processos de conotações democráticas
(socialismo democrático, social-democracia, democracia-cristã) e experiências
autoritárias e algumas totalitárias como o nazismo, o fascismo, o stalinismo. Para os
teóricos de inspiração democrática do Estado Social tratava-se de manter, ampliar e
universalizar os direitos e garantias individuais e os direitos políticos e a eles
acrescer os novos direitos sociais. Numa busca de integração entre os princípios da
liberdade e da justiça social; a presença de um Estado normatizador e
regulamentador, inclusive das relações de mercado, mas que se preservassem os
princípios básicos do Estado de Direito. Na concepção dos avalistas dos regimes
autoritários e totalitários, é o Estado todo poderoso agindo em nome da sociedade para impor projetos fundados ideologicamente em conceitos como raça, nação,
classe. Ao Estado, mais especificamente aos que detinham o poder, (sem questionar
a origem e a legitimidade desse poder) dava-se uma procuração com plenos e
irrevogáveis poderes para conduzir e salvar a nação. O preço foi alto: os campos de
concentração, a eliminação sumária dos adversários políticos e dos dissidentes, a
tortura, o genocídio, a Segunda Guerra Mundial.
De conseguinte, a superação do liberalismo inaugurado pelo Estado Legislativo de
Direito não foi suficiente para excluir a possibilidade de reprodução da violência instalada
contra os não patrimonializados, sob autorização expressa do princípio da legalidade. O
afastamento do liberalismo estatal-abstencionista não foi impediente do advento de um Estado
total, inadimplente ou totalitário que se candidatou a substituí-lo. Não impossibilitou que o
Estado se apresentasse como o “grande tutor da sociedade”,78
aquele que regula e compensa,
75
MALUF, Sahid. Teoria geral do estado. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 141. 76 LEAL, André Cordeiro. O contraditório e a fundamentação das decisões no direito processual
democrático. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. p. 27. Sobre o advento e a crise do Welfare State, confira,
ainda, os escritos detalhados de FERRAJOLI, Luigi. El garantismo y la filosofía del derecho. Traducción de
Gerardo Pisarello, Alexei Julio Estrada y José Manuel Díaz Martín. Bogotá: Universidad Externado de
Colombia, 2000a. p. 65-91. (Serie de Teoría Jurídica y Filosofía del Derecho, n. 15). 77 SOUZA, Patrus Ananias de. Processo constitucional e devido processo legal. In: LEAL, Rosemiro Pereira
(Org.). Estudos continuados de teoria do processo. Porto Alegre: Síntese, 2000. p. 36. v. 1. 78 ZIPPELIUS, Reinhold. Introdução ao estudo do direito. Tradução de Gercélia Batista de Oliveira Mendes.
42
discricionariamente, as contingências políticas, sociais, jurídicas e econômicas. Muito menos,
que desconsiderasse que as Constituições promulgadas após a Primeira Guerra Mundial
salientam o dever do Estado de satisfazer direitos sociais e econômicos,79
em conjunto com a
não violação dos direitos políticos e civis. Não foi apto, por fim, para obstar a eclosão de um
Estado que, conforme registra Leandro Konder,80
é antiliberal, antiproletário, anticomunista e
antissocialista.
Isso porque, para o garantismo, o Estado Legislativo de Direito foi enunciado a partir
de uma qualificação meramente formal do princípio da legalidade, segundo a qual o governo
sub lege a que faz referência Norberto Bobbio é compreendido “num sentido fraco, ou lato, ou
formal, no qual qualquer poder deve ser conferido pela lei e exercitado nas formas e com os
procedimentos por ela estabelecidos”.81
Por uma concepção de Estado Legislativo de Direito,
a validade de uma norma não apenas identifica-se com a sua existência como, também,
independe de seu conteúdo. No ordenamento jurídico paleojuspositivista, além de lacunas
normativas, podem existir normas que, a despeito de positivadas, sejam injustas, e a “possível
injustiça das normas é o preço que se paga pelos valores da certeza do direito, da igualdade
perante a lei, da liberdade contra o arbítrio e da submissão dos juízes ao direito assegurados
por tal modelo.” 82
Na perspectiva do Estado Legislativo de Direito, assim, é factível uma atuação estatal
inadimplente ou total marcadamente discricionárias. A ascensão de governos totalitários e a
promulgação de leis para a condução do seu exclusivo interesse devem, também, ser
reconhecidas como legítimas, já que:
No velho modelo paleopositivista de estado legal de direito, o poder legislativo das
maiorias parlamentárias era um poder virtualmente absoluto, ao resultar
inconcebível a possibilidade de uma lei que limitasse a lei. Existiam, é certo, constituições e direitos fundamentais estipulados em cartas constitucionais. No
entanto, ao menos no continente europeu, estas cartas eram constituições flexíveis:
leis solenes, mas, ao final, leis que o legislador ordinário podia validamente
modificar com outras posteriores. Os princípios e os direitos estabelecidos nelas
operavam, assim, de fato, como limites e vínculos somente políticos, carentes de
uma força jurídica capaz de vincular a legislação.
Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 116.
79 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria geral do constitucionalismo. Revista de Informação
Legislativa, Brasília, ano 23, n. 91, p. 05-62, jul./set. 1986. p. 46. 80 KONDER, Leandro. Introdução ao fascismo. 2. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1979. p. 28. 81 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
790. 82 FERRAJOLI, Luigi. A democracia através dos direitos: o constitucionalismo garantista como modelo
teórico e como projeto político. Tradução de Alexander Araujo de Souza, Alexandre Salim, Alfredo Copetti
Neto, André Karam Trindade, Hermes Zaneti Júnior e Leonardo Menin. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2015b. p. 19.
43
Deste modo, em um país como a Itália, de fracas tradições liberal-democráticas, o
fascismo pode desfazer com suas leis o Estatuto albertino e sepultar a democracia e
as liberdades fundamentais sem um formal golpe de estado. Com efeito, em
substância é o que foi, embora não nas formas, dado que as leis fascistas, inclusive
as que despedaçaram o estado de direito e a representação parlamentar, foram
consideradas formalmente válidas enquanto votadas pela maioria de deputados,
segundo os cânones da democracia política e formal.83
Por tudo isso, quando aborda os modelos normativos de direito, a teoria garantista
afirma que, nos ordenamentos da civil law, apenas com o advento das Constituições rígidas é
que o princípio da legalidade passa a cumprir, efetivamente, a sua função de primeira garantia
contra o arbítrio.84
Somente após a Segunda Guerra Mundial é que a Constituição estabelece
limites e vínculos conteudísticos ao exercício do poder, a que correspondem vedações
(proibições de lesão ou de restrição) e obrigações (deveres de prestação em prol de sua
satisfação) para a garantia dos direitos de liberdade e sociais, as quais, se não forem
observadas, exigirão a atuação de garantias secundárias, dentre as quais destaca-se a
jurisdição que, pelas cogitações ferrajolianas, consiste em uma atividade tendencialmente
cognitiva dos juízes destinada à aplicação valorativa da lei.
O princípio da legalidade passa a encampar, nesse instante, além do âmbito que
condiciona a validade formal das normas produzidas, um condicionamento substancial que
deve ser acatado por todos os chamados poderes públicos.85
Para que seja considerada válida,
83 FERRAJOLI, Luigi. Poderes salvajes. La crisis de la democracia constitucional. Traducción de Perfecto
Andrés Ibáñez. 2. ed. Madrid: Editorial Trotta, 2011b. p. 31. (Colección Minima Trotta). No original: “En el
viejo estado legal de derecho el poder legislativo de las mayorías parlamentarias era un poder virtualmente
absoluto, al resultar inconcebible la posibilidad de una ley que limitase a la ley. Existían, es cierto,
constituciones y derechos fundamentales estipulados en cartas constitucionales. Sin embargo, al menos en el
continente europeo, estas cartas eran constituciones flexibles: leys solemnes, pero, al fin, leyes que el
legislador ordinario podía válidamente modificar con otras posteriores. Los principios y los derechos estabelecidos en ellas operaban, así, de hecho, como límites y vínculos solamente políticos, carentes de una
fuerza jurídica capaz de vincular a la legislación. De este modo, en un país como Italia, de débiles tradiciones
liberal-democráticas, el fascismo pudo deshacer con sus leyes el Estatuto albertino y sepultar la democracia y
las libertades fundamentales sin un formal golpe de estado. En efecto, pues en substancia es lo que fue,
aunque no en las formas, dado que las leyes fascistas, incluso las que hicieron pedazos el estado de derecho y
la representación parlamentaria, tuvieron la consideración de formalmente válidas cuanto votadas por
mayorías de diputados según los cánones de la democracia política o formal.” 84 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
790. 85 A expressão poderes públicos é, habitualmente, empregada por Luigi Ferrajoli como gênero do qual seriam
espécies os intitulados poder legislativo, poder executivo e poder judiciário. De acordo com Rosemiro Pereira
Leal, entretanto, é de se registrar que se apresenta “arcaica a divisão da atividade estatal pela afirmação de
poderes, porque, em face do discurso jurídico-democrático avançado [...], a única fonte do poder é o povo.”
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos. 13. ed. rev., atual. e aum. Belo
Horizonte: Fórum, 2016a. p. 335. Também criticando a separação do poder estatal, confira o magistério de
Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, para quem “a expressão Poderes do Estado se equipara a osso de
megatério, embora largamente empregada nos textos jurídicos e legislativos produzidos entre nós.” BRÊTAS,
Ronaldo C. Dias. Responsabilidade do estado pela função jurisdicional. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p.
105. Veja, ainda, os escritos de BRÊTAS, Ronaldo C. Dias. Processo constitucional e estado democrático
44
a lei deve ser coerente com a Constituição. O significado da lei deve ser compatível com os
conteúdos das disposições constitucionalmente estabelecidas, principalmente com os
significados dos direitos fundamentais que, por uma definição puramente formal ou estrutural,
são conceituados pelo garantismo como “todos aqueles direitos subjetivos que correspondem
universalmente a ‘todos’ os seres humanos enquanto dotados do status de pessoas, de
cidadãos ou pessoas com capacidade de agir”.86
Daí, e a despeito das inúmeras críticas recebidas pela significação garantista de
direitos fundamentais, com destaque para as que foram ofertadas por Riccardo Guastini,
Ermanno Vitale, Danilo Zolo, Mario Jori, Luca Baccelli, Michelangelo Bovero, Anna Pintore,
Adrián Renteria Díaz, Alexandre da Maia, Flaviane de Magalhães Barros e Marcelo Andrade
Cattoni de Oliveira,87
é de se sublinhar que, pela proposição ferrajoliana, com a rigidez
de direito. 3. ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2015. p. 22 e 31. Confira, também, uma análise
detalhada da temática na pesquisa de FREITAS, Sérgio Henriques Zandona. A impostergável reconstrução
principiológico-constitucional do processo administrativo disciplinar no Brasil. 2014. 210 f. Tese
(Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais,
Belo Horizonte, 2014. p. 24-26. 86 FERRAJOLI, Luigi. Derechos fundamentales. In: FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantías: la ley del más
débil. Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez y Andrea Greppi. 4. ed. Madrid: Editorial Trotta, 2004. p. 37. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). No original: “[...] todos aquellos derechos subjetivos que
corresponden universalmente a ‘todos’ los seres humanos en cuanto dotados del status de personas, de
ciudadanos o personas con capacidad de obrar [...]”. Registre-se, por oportuno, que a definição garantista de
direitos fundamentais é fundada em quatro teses que são apontadas por Luigi Ferrajoli como essenciais para
uma teoria da democracia constitucional: a diferença de estrutura dos direitos fundamentais em relação aos
direitos patrimoniais que, sendo direitos exclusivos, singulares e disponíveis, não pertencem a todas as
pessoas, mas, apenas, a algumas delas, com exclusão das demais; a correlação existente entre os direitos
fundamentais e a chamada dimensão substancial da democracia, que é indicativa de limites e vínculos à
democracia formal; a natureza supranacional de grande parte dos direitos fundamentais, que não se vinculam
à cidadania; e as interfaces havidas entre direitos fundamentais e suas garantias, das quais não apenas
distinguem-se os direitos fundamentais como, também, não se vinculam em termos de existência. É o que se
lê, principalmente, nos escritos de FERRAJOLI, Luigi. Derechos fundamentales. In: FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantías: la ley del más débil. Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez y Andrea Greppi. 4. ed.
Madrid: Editorial Trotta, 2004. p. 37-72 (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho); FERRAJOLI,
Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia. 1. Teoría del derecho. Traducción de Perfecto
Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz Miguel. Madrid: Editorial
Trotta, 2011c. p. 684-800. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho); FERRAJOLI, Luigi. Los
derechos fundamentales en la teoría del derecho. In: FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de los derechos
fundamentales: debate con Luca Baccelli, Michelangelo Bovero, Riccardo Guastini, Mario Jori, Anna
Pintore, Ermanno Vitale y Danilo Zolo. Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez, Antonio de Cabo, Lorenzo
Córdova, Marcos Criado y Gerardo Pisarello. Edición de Antonio de Cabo y Gerardo Pisarello. 4. ed. Madrid:
Editorial Trotta, 2009a. p. 139-196. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho); FERRAJOLI, Luigi.
Teoria dos direitos fundamentais. In: FERRAJOLI, Luigi. Por uma teoria dos direitos e dos bens
fundamentais. Tradução de Alexandre Salim, Alfredo Copetti Neto, Daniela Cademartori, Hermes Zaneti
Júnior e Sérgio Cademartori. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011d. p. 89-122. (Coleção Estado e
Constituição, v. 11); FERRAJOLI, Luigi. Sobre los derechos fundamentales. In: FERRAJOLI, Luigi.
Democracia y garantismo. Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez, Rodrigo Brito Melgarejo, Antonio de
Cabo y Gerardo Pisarello, Christian Courtis, Marina Gascón Abellán, Nicolás Gusmán, Benjamín Rivaya
García, Pedro Salazar Ugarte y Corina Yturbe. Edición de Miguel Carbonell. 2. ed. Madrid: Editorial Trotta,
2008a. p. 42-59. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). 87
GUASTINI, Riccardo. Tres problemas para Luigi Ferrajoli. In: FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de los
derechos fundamentales: debate con Luca Baccelli, Michelangelo Bovero, Riccardo Guastini, Mario Jori,
45
constitucional, bem como pela positivação constitucional de limites e vínculos de conteúdo
que devem ser observados pela legislação infraconstitucional, a Constituição passa a ocupar
um lugar que não lhe era destinado no Estado Legislativo de Direito.
A Constituição estabelece, a partir de então, novos contornos à compreensão do
princípio da legalidade, que passa a determinar as formas da produção normativa relativas ao
Anna Pintore, Ermanno Vitale y Danilo Zolo. Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez, Antonio de Cabo,
Lorenzo Córdova, Marcos Criado y Gerardo Pisarello. Edición de Antonio de Cabo y Gerardo Pisarello. 4. ed.
Madrid: Editorial Trotta, 2009. p. 57-62. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho); VITALE,
Ermano. ¿Teoría general del derecho o fundación de una república óptima? Cinco dudas sobre la teoría de los
derechos fundamentales de Luigi Ferrajoli. In: FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de los derechos
fundamentales: debate con Luca Baccelli, Michelangelo Bovero, Riccardo Guastini, Mario Jori, Anna
Pintore, Ermanno Vitale y Danilo Zolo. Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez, Antonio de Cabo, Lorenzo
Córdova, Marcos Criado y Gerardo Pisarello. Edición de Antonio de Cabo y Gerardo Pisarello. 4. Ed. Madrid: Editorial Trotta, 2009a. p. 63-74. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho); VITALE, Ermano.
Sobre la fundamentación de los derechos fundamentales. Entre jusnaturalismo y iuspositivismo. In:
FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de los derechos fundamentales: debate con Luca Baccelli,
Michelangelo Bovero, Riccardo Guastini, Mario Jori, Anna Pintore, Ermanno Vitale y Danilo Zolo.
Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez, Antonio de Cabo, Lorenzo Córdova, Marcos Criado y Gerardo
Pisarello. Edición de Antonio de Cabo y Gerardo Pisarello. 4. ed. Madrid: Editorial Trotta, 2009b. p. 267-285.
(Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho); ZOLO, Danilo. Libertad, propriedad e igualdad en la
teoría de los “derechos fundamentales”. In: FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de los derechos
fundamentales: debate con Luca Baccelli, Michelangelo Bovero, Riccardo Guastini, Mario Jori, Anna
Pintore, Ermanno Vitale y Danilo Zolo. Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez, Antonio de Cabo, Lorenzo
Córdova, Marcos Criado y Gerardo Pisarello. Edición de Antonio de Cabo y Gerardo Pisarello. 4. ed. Madrid: Editorial Trotta, 2009. p. 75-104. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho); JORI, Mario.
Ferrajoli sobre los derechos. In: FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de los derechos fundamentales:
debate con Luca Baccelli, Michelangelo Bovero, Riccardo Guastini, Mario Jori, Anna Pintore, Ermanno
Vitale y Danilo Zolo. Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez, Antonio de Cabo, Lorenzo Córdova, Marcos
Criado y Gerardo Pisarello. Edición de Antonio de Cabo y Gerardo Pisarello. 4. ed. Madrid: Editorial Trotta,
2009. p. 105-137. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho); BACCELLI, Luca. Derechos sin
fundamento. In: FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de los derechos fundamentales: debate con Luca
Baccelli, Michelangelo Bovero, Riccardo Guastini, Mario Jori, Anna Pintore, Ermanno Vitale y Danilo Zolo.
Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez, Antonio de Cabo, Lorenzo Córdova, Marcos Criado y Gerardo
Pisarello. Edición de Antonio de Cabo y Gerardo Pisarello. 4. ed. Madrid: Editorial Trotta, 2009. p. 197-213.
(Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho); BOVERO, Michelangelo. Derechos fundamentales y
democracia en la teoría de Ferrajoli. Un acuerdo global y una discrepancia concreta. In: FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de los derechos fundamentales: debate con Luca Baccelli, Michelangelo Bovero,
Riccardo Guastini, Mario Jori, Anna Pintore, Ermanno Vitale y Danilo Zolo. Traducción de Perfecto Andrés
Ibáñez, Antonio de Cabo, Lorenzo Córdova, Marcos Criado y Gerardo Pisarello. Edición de Antonio de Cabo
y Gerardo Pisarello. 4. ed. Madrid: Editorial Trotta, 2009. p. 215-242. (Colección Estructuras y Procesos –
Serie Derecho); PINTORE, Anna. Derechos insaciables. In: FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de los
derechos fundamentales: debate con Luca Baccelli, Michelangelo Bovero, Riccardo Guastini, Mario Jori,
Anna Pintore, Ermanno Vitale y Danilo Zolo. Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez, Antonio de Cabo,
Lorenzo Córdova, Marcos Criado y Gerardo Pisarello. Edición de Antonio de Cabo y Gerardo Pisarello. 4. ed.
Madrid: Editorial Trotta, 2009. p. 243-265. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho); DÍAZ,
Adrián Renteria. Derechos fundamentales, constitucionalismo y iuspositivismo em Luigi Ferrajoli. In:
CARBONELL, Miguel; SALAZAR, Pedro (Coord.). Garantismo: estudios sobre el pensamiento jurídico de Luigi Ferrajoli. Madrid: Editorial Trotta, 2005. p. 119-145. (Colección Estructuras y Procesos – Serie
Derecho); MAIA, Alexandre da. O garantismo jurídico de Luigi Ferrajoli: notas preliminares. Revista de
Informação Legislativa, Brasília, v. 37, n. 145, p. 41-46, jan./mar. 2000; BARROS, Flaviane de Magalhães.
A vítima de crimes e seus direitos fundamentais: seu reconhecimento como sujeito de direito e sujeito do
processo. Revista de Direitos e Garantias Fundamentais, Vitória, n. 13, p. 309-334, jan./jun. 2013a;
BARROS, Flaviane de Magalhães; CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Os direitos fundamentais
em Ferrajoli: limites e possibilidades no estado democrático de direito. In: VIANNA, Túlio; MACHADO,
Felipe (Coord.). Garantismo penal no Brasil: estudos em homenagem a Luigi Ferrajoli. Belo Horizonte:
Fórum, 2013b. p. 69-85.
46
“quem pode” e ao “como se deve” decidir e, igualmente, os conteúdos da norma produzida,
que são relacionados ao “o que” e “ao que não” deve ser decidido. Se, por uma concepção
garantista, no Estado Legislativo de Direito, o princípio da legalidade pode ser classificado
como princípio da mera legalidade, com o reforço e a complementação desse Estado de
Direito, o princípio da legalidade é classificado como princípio da estrita legalidade que,
embora pressuponha o acatamento do princípio da mera legalidade à sua identificação, exige
para a validade das normas não apenas a sua positivação regular, mas, ainda, que os seus
conteúdos estejam em consonância com os significados dispostos em norma supraordenada.88
Fixa-se, desta forma, o sentido forte, estrito ou substancial do governo sub lege,
segundo o qual o exercício do poder deve ser limitado e vinculado por uma legislação não
somente determinativa das formas de sua atuação, como, igualmente, dos significados que
devem ser normativamente acatados.89
Uma exigência que, segundo o garantismo, é
viabilizadora da extração da própria origem da legitimação do poder, já que, enquanto o
princípio da mera legalidade cinge-se a determinar que o “exercício de qualquer poder tenha
como fonte a lei qual condição formal de legitimidade; o princípio da estrita legalidade exige,
ao contrário, dessa mesma lei, que condicione a legitimidade do exercício de qualquer poder
por ela instituído a determinados conteúdos substanciais”.90
A distinção entre legitimidade formal e legitimidade substancial, aliás, é apontada por
Luigi Ferrajoli91
como essencial para o esclarecimento das interfaces teóricas existentes entre
Estado de Direito e democracia política em ordenamentos que apresentem Constituições que
prevejam limites e vínculos ao exercício do poder. Como afirma o autor garantista, as
condições formais impostas ao exercício do chamado poder público são atinentes à forma de
governo e indicam o “quem” pode decidir e o “como” deve ser decidido. As condições
substanciais determinadas ao exercício do intitulado poder público, que são relacionadas à
estrutura dos rotulados poderes estatais, apontam o “que” deve e o que “não deve” ser
decidido.
88 FERRAJOLI, Luigi. El garantismo y la filosofía del derecho. Traducción de Gerardo Pisarello, Alexei Julio
Estrada y José Manuel Díaz Martín. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2000a. p. 166-171. (Serie
de Teoría Jurídica y Filosofía del Derecho, n. 15). 89
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
790. 90 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
791. 91 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
791.
47
De acordo com o garantismo, logo, o que deve se mostrar claro é que, com a
refundação do Estado de Direito, também o conceito de democracia deve ser
ressemantizado.92
A democracia não pode mais ser compreendida como um simples método
de tomada de decisões pelos cidadãos, diretamente ou por seus representantes (“quem” pode
decidir), por meio do sufrágio universal e da maioria (“como” deve ser decidido). A adoção
de uma acepção exclusivamente formal de democracia, que estaria restrita à observância dos
expedientes legalmente estipulados acerca do “quem” pode e do “como” se deve decidir,
apresenta-se insuficiente nos Estados Constitucionais de Direito, uma vez que explicitaria
quatro fragilidades que são compreendidas, pela proposta garantista, como inafastáveis.93
A primeira delas é a ausência de alcance empírico da pretensão de qualificar a
democracia como um poder popular absoluto. Caso fosse acatada essa aspiração, não existiria
democracia após o advento do Estado Constitucional de Direito, o qual se destacou pelo
estabelecimento de limites e vínculos a todos os denominados poderes estatais, inclusive ao
legislativo, que não se submete apenas às formas de produção da norma, mas, ainda,
compromete-se com o conteúdo normativo.
A segunda diz respeito à escassa consistência teórica da defesa de uma democracia
formal como satisfatória. Se não for limitada, a democracia política pode até mesmo não
subsistir, uma vez que é sempre possível que, por métodos formalmente democráticos,
elimine-se a própria democracia. Não existindo condições substanciais impostas à democracia
política, é possível que, por uma maioria eleita, suprima-se qualquer direito, mesmo que
fundamental. Os direitos políticos, o pluralismo político, a chamada separação de poderes e a
representação popular podem ser abolidos mediante métodos adstritos à democracia formal,
como já ocorreu no século XX, após a instalação de movimentos autocráticos na Europa.
A terceira fragilidade consiste na correlação indissolúvel entre soberania popular e
direitos fundamentais. É de se sublinhar, sobre esse aspecto, que a vontade popular somente
92 FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia. 2. Teoría de la democracia.
Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz
Miguel. Madrid: Editorial Trotta, 2011a. p. 32. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho);
FERRAJOLI, Luigi. A democracia através dos direitos: o constitucionalismo garantista como modelo
teórico e como projeto político. Tradução de Alexander Araujo de Souza, Alexandre Salim, Alfredo Copetti
Neto, André Karam Trindade, Hermes Zaneti Júnior e Leonardo Menin. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015b. p. 37-45; FERRAJOLI, Luigi. La democrazia costituzionale. Bologna: Il Mulino, 2016a. p. 23-37.
(Collana Introduzioni). 93 FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia. 2. Teoría de la democracia.
Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz
Miguel. Madrid: Editorial Trotta, 2011a. p. 10-13. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho);
FERRAJOLI, Luigi. A democracia através dos direitos: o constitucionalismo garantista como modelo
teórico e como projeto político. Tradução de Alexander Araujo de Souza, Alexandre Salim, Alfredo Copetti
Neto, André Karam Trindade, Hermes Zaneti Júnior e Leonardo Menin. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2015b. p. 38-45.
48
será expressa de modo autêntico, se o exercício dos direitos políticos for livre, consciente e
informado. Para que isso ocorra, no entanto, é indispensável que os direitos fundamentais de
liberdade e sociais estejam garantidos na condição de direitos vitais permissivos de uma
efetiva participação popular na vida pública.
E, por fim, a quarta fragilidade relativa à insuficiência de uma compreensão
exclusivamente formal de democracia para os Estados Constitucionais de Direito diz respeito
a uma aporia de índole filosófico-política. A concepção de democracia como autonomia,
autogoverno ou autodeterminação popular é apontada, pelo garantismo, como uma ideia
falaciosa, porque:
A tese clássica, como escreveram Rousseau e Kant, segundo a qual ela consistiria
em não obedecer outras leis a não ser aquelas que nós mesmos prescrevemos, ou,
ainda, como escreveu Kelsen, no acordo mais amplo possível entre vontade
individual e vontade coletiva, é uma tese claramente ideológica, que alude a uma hipótese que, no melhor dos casos, é inverossímil e, no pior, antiliberal. Podemos
muito bem caracterizar os direitos políticos como “direitos de autonomia política”.
Mas é claro que “autonomia”, nesta expressão, não designa, em absoluto, o
autogoverno político, ou seja, a submissão às leis produzidas pelos próprios súditos.
As leis, todas as leis, permanecem sempre heterônomas, mesmo que para as
maiorias que, direta ou indiretamente, as votaram. Disso resulta que o único
significado que pode ser associado à “autonomia” assegurada pelos direitos políticos
é a livre autodeterminação de cada um que se manifesta por intermédio do voto, bem
como na participação na escolha dos representantes, no consenso e, ainda mais, na
livre oposição; no compartilhamento de opiniões, mas também na crítica e no
conflito político legitimamente gerado por este. O único fundamento axiológico da dimensão formal da democracia é, em suma, a
representação de todos os governados que se torna possível pela igualdade política,
através do sufrágio universal, em relação à específica classe de direitos que é
formada pelos direitos políticos: que é um fundamento não diferente daquele
relativo à igualdade em todos os outros direitos fundamentais na qual reside [...] a
dimensão substancial da democracia.94
Não se quer dizer, com isso, que, para a proposição garantista, a democracia formal
não seja importante.95
Para Luigi Ferrajoli, é inadmissível a cogitação da existência de um
94 FERRAJOLI, Luigi. A democracia através dos direitos: o constitucionalismo garantista como modelo
teórico e como projeto político. Tradução de Alexander Araujo de Souza, Alexandre Salim, Alfredo Copetti
Neto, André Karam Trindade, Hermes Zaneti Júnior e Leonardo Menin. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2015b. p. 43-44. 95 Michelangelo Bovero parece ser o maior crítico de Luigi Ferrajoli quanto à importância que oferta à
democracia substancial. Em escritos diversos, suscita diálogos a respeito da necessária distinção teórica entre democracia e Estado de Direito, bem como sobre as conexões existentes entre decisões coletivas e democracia
não substancial. É o que se lê, especialmente, nas publicações de BOVERO, Michelangelo. La filosofía
política de Ferrajoli. Traducción de Pedro Salazar Ugarte. In: GIANFORMAGGIO, Letizia (Edit.). Las
razones del garantismo: discutiendo con Luigi Ferrajoli. Bogotá: Editorial Temis, 2008. p. 417; BOVERO,
Michelangelo. Derechos fundamentales y democracia en la teoría de Ferrajoli. Un acuerdo global y una
discrepancia concreta. In: FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de los derechos fundamentales: debate
con Luca Baccelli, Michelangelo Bovero, Riccardo Guastini, Mario Jori, Anna Pintore, Ermanno Vitale y
Danilo Zolo. Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez, Antonio de Cabo, Lorenzo Córdova, Marcos Criado y
Gerardo Pisarello. Edición de Antonio de Cabo y Gerardo Pisarello. 4. ed. Madrid: Editorial Trotta, 2009. p.
49
sistema jurídico que se pretenda adjetivar como democrático e que não valorize a vontade
popular. O que se almeja salientar é que a democracia formal, per se, não se apresenta
suficiente nos Estados Constitucionais de Direito.
Para o garantismo, assim como a constitucionalização rígida dos direitos fundamentais
proporcionou o acréscimo de um âmbito substancial no direito, foi, igualmente, responsável
por incluir semelhante limitação e vinculação à democracia. Se o Estado Constitucional de
Direito notabiliza-se pelo acolhimento de limites e vínculos ao exercício de todos os
chamados poderes, a que correspondem deveres públicos e privados de fazer e não fazer cuja
inobservância exige a atuação de garantias secundárias, especialmente da jurisdição, também
o legislativo e o executivo não podem escapar dessa limitação e vinculação ao argumento de
que, somente assim, a vontade popular estaria respeitada.
Pelo advento dos Estados Constitucionais de Direito, não mais se mantém a tese da
onipotência da maioria que, no Estado Legislativo de Direito, mostrou-se transgressora de
direitos fundamentais e de suas garantias. Por isso, em uma perspectiva ferrajoliana:
Nenhuma maioria, nem sequer a unanimidade, pode legitimamente decidir a
violação de um direito de liberdade ou não decidir a satisfação de um direito social.
Os direitos fundamentais, precisamente porque igualmente garantidos a todos e
subtraídos à disponibilidade do mercado e da política, formam a esfera do
indecidível que e do indecidível que não; e operam como fatores não só de
legitimação, mas também, e sobretudo, de deslegitimação das decisões ou das não-decisões.
Naturalmente (sic) uma tal estrutura do Estado Constitucional de Direito está
destinada, pela sua natureza, a um grau mais ou menos elevado de eficácia: devido à
possível incoerência provocada por normas inválidas contraditórias com proibições
impostas por normas superiores à esfera do decidível ou, ao contrário, devido à
possível falta de plenitude, provocada pela não-produção de normas ou decisões
impostas à mesma esfera. São estes os dois possíveis vícios do ordenamento: as
antinomias e as lacunas, que são determinadas respectivamente em virtude da sua
234-242. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). Respostas garantistas às críticas de
Michelangelo Bovero podem ser acessadas nas publicações de FERRAJOLI, Luigi. Notas críticas y
autocríticas en torno a la discusión sobre “derecho y razón”. Traducción de Nicolás Guzmán. In:
GIANFORMAGGIO, Letizia (Edit.). Las razones del garantismo: discutiendo con Luigi Ferrajoli. Bogotá:
Editorial Temis, 2008b. p. 528-530; FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de los derechos fundamentales. In:
FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de los derechos fundamentales: debate con Luca Baccelli,
Michelangelo Bovero, Riccardo Guastini, Mario Jori, Anna Pintore, Ermanno Vitale y Danilo Zolo.
Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez, Antonio de Cabo, Lorenzo Córdova, Marcos Criado y Gerardo
Pisarello. Edición de Antonio de Cabo y Gerardo Pisarello. 4. ed. Madrid: Editorial Trotta, 2009b. p. 342-346. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho); FERRAJOLI, Luigi. Sobre la definición de
“democracia”. Una discusión con Michelangelo Bovero. In: FERRAJOLI, Luigi. Democracia y garantismo.
Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez, Rodrigo Brito Melgarejo, Antonio de Cabo y Gerardo Pisarello,
Christian Courtis, Marina Gascón Abellán, Nicolás Gusmán, Benjamín Rivaya García, Pedro Salazar Ugarte y
Corina Yturbe. Edición de Miguel Carbonell. 2. ed. Madrid: Editorial Trotta, 2008c. p. 77-89. (Colección
Estructuras y Procesos – Serie Derecho); FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la
democracia. 2. Teoría de la democracia. Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina
Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz Miguel. Madrid: Editorial Trotta, 2011a. p. 21. (Colección
Estructuras y Procesos – Serie Derecho).
50
diversa estrutura, pelos direitos de liberdade, que consistem em expectativas
negativas a que correspondem limites negativos, e pelos direitos sociais, que, pelo
contrário, consistem em expectativas positivas a que correspondem vínculos
positivos com os poderes públicos.
É claro que estes dois vícios são em certa medida fisiológicos, e seria ilusório
acreditar na sua total eliminação. Um Estado Constitucional de Direito é, pela sua
própria natureza, um ordenamento imperfeito, sendo impensável, por causa do
fundamento nomodinâmico da vigência das normas, uma perfeita coerência e
plenitude do sistema nos seus diversos níveis. Mais: a sua perfeita coerência e
plenitude e uma total ausência de antinomias e de lacunas só seriam efetivamente
possíveis se não fosse incorporado nas normas sobre a produção nenhum vínculo substancial [...].96
E, ainda:
Assim, uma concepção exclusivamente procedimental ou formal da democracia é
solidária com uma concepção igualmente formal da validade das normas [...] que da
primeira representa, por assim dizer, o pressuposto; enquanto uma concepção
substancial da democracia, garante dos direitos fundamentais dos cidadãos e não
simplesmente da onipotência da maioria, requer que se admita a possibilidade de
antinomias e de lacunas geradas pela introdução de limites e vínculos substanciais –
sejam eles negativos, como os direitos de liberdade, ou positivos, como os direitos sociais – como condições de validade das decisões da maioria. Neste sentido,
diremos, a possibilidade do “Direito Inválido” ou “lacunoso” – ou seja, da distinção
entre normatividade e efetividade, entre dever ser e ser do Direito – representa a
condição prévia tanto do Estado Constitucional de Direito como da dimensão
substancial da democracia.97
Por consectário, para Luigi Ferrajoli,98
nos Estados Constitucionais de Direito, a
democracia formal há de estar acompanhada da democracia substancial. Em conjunto, essas
formam o que o garantismo designa democracia constitucional, que pode ser abordada por
quatro dimensões: democracia política, democracia civil, democracia liberal e democracia
social. As duas primeiras compondo a democracia formal e dando base ao exercício dos
96 FERRAJOLI, Luigi. O direito como sistema de garantias. Tradução de Eduardo Maia Costa. In: OLIVEIRA
JÚNIOR, José Alcebíades de (Org.). O novo em direito e política. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
1997. p. 98-99. 97 FERRAJOLI, Luigi. O direito como sistema de garantias. Tradução de Eduardo Maia Costa. In: OLIVEIRA
JÚNIOR, José Alcebíades de (Org.). O novo em direito e política. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
1997. p. 99-100. 98 FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia. 2. Teoría de la democracia.
Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz Miguel. Madrid: Editorial Trotta, 2011a. p. 16-31; 158-469. (Colección Estructuras y Procesos – Serie
Derecho); FERRAJOLI, Luigi. La democrazia costituzionale. Bologna: Il Mulino, 2016a. p. 7-37. (Collana
Introduzioni); FERRAJOLI, Luigi. Garantismo: uma discussão sobre direito e democracia. Tradução de
Alexander Araujo de Souza. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012b. p. 8; FERRAJOLI, Luigi. A democracia
através dos direitos: o constitucionalismo garantista como modelo teórico e como projeto político. Tradução
de Alexander Araujo de Souza, Alexandre Salim, Alfredo Copetti Neto, André Karam Trindade, Hermes
Zaneti Júnior e Leonardo Menin. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015b. p. 37-48; FERRAJOLI, Luigi.
Poderes salvajes. La crisis de la democracia constitucional. Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez. 2. ed.
Madrid: Editorial Trotta, 2011b. p. 35-39. (Colección Minima Trotta).
51
direitos políticos e civis. As duas últimas integrando a democracia substancial e
fundamentando a tutela e a satisfação dos direitos de liberdade e sociais.
Quatro dimensões que, embora pelo plano lógico, mostrem-se independentes,
complementando-se e reforçando-se mutuamente, a partir do plano axiológico, apresentam-se
em regime de subordinação,99
tendo em vista que, para a teoria garantista, a dimensão
substancial da democracia impõe limites e vínculos que não podem ser inobservados pelo
exercício da autonomia pública ou privada, sob pena de afastamento da grande inovação
trazida pelos Estados Constitucionais de Direito, que é a primazia do direito sobre o poder.100
Como modelo normativo de direito, portanto, o garantismo destaca-se por ansiar que o
exercício de todo o chamado poder, público ou privado, deva ser condicionado não apenas
pelas formas legalmente estabelecidas como, também, por conteúdos normativos
determinativos de limites e vínculos, cujo acatamento deve ser assegurado mediante atuação
de garantias já existentes ou a serem introduzidas no ordenamento jurídico.101
Uma pretensão
que reconhece a possibilidade da divergência entre normatividade e efetividade, validade e
vigência e dever ser e ser do direito nos Estados Constitucionais de Direito, com base na qual
é identificada uma irredutível ilegitimidade dos denominados poderes legislativo, executivo e
judiciário.
2.2 Garantismo como teoria crítica do direito e a afirmação jurisdicionalista da validade
normativa
Na sua segunda acepção, o garantismo apresenta-se como uma teoria crítica do direito
positivo vigente. Acolhendo como tema privilegiado de pesquisa a irredutível ilegitimidade
jurídica que acomete os denominados poderes no Estado Constitucional de Direito, a teoria
99 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
798; FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris. teoría del derecho y de la democracia. 2. Teoría de la democracia.
Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz
Miguel. Madrid: Editorial Trotta, 2011. p. 25-28. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho); PEÑA FREIRE, Antonio Manuel. La garantía en el estado constitucional de derecho. Madrid: Editorial Trotta,
1997. p. 64-67. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). 100 COPETTI NETO, Alfredo. A democracia constitucional sob o olhar do garantismo jurídico.
Florianópolis: Empório do Direito, 2016. p. 62. (Coleção Sob o olhar do Garantismo Jurídico, v. 1). 101 FERRAJOLI, Luigi. Dei diritti e delle garanzie. conversazione con Mauro Barberis. Bologna: Il Mulino,
2013a. p. 44 e 49. (Collana Contemporanea); FERRAJOLI, Luigi. A democracia através dos direitos: o
constitucionalismo garantista como modelo teórico e como projeto político. Tradução de Alexander Araujo
de Souza, Alexandre Salim, Alfredo Copetti Neto, André Karam Trindade, Hermes Zaneti Júnior e Leonardo
Menin. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015b. p. 31.
52
garantista destaca-se pela enunciação de uma crítica interna do direito positivo, também
chamada jurídica ou de iure condito.102
Focando nas categorias da vigência, da validade e da efetividade, o garantismo
propõe-se, como teoria jurídica, à análise crítica do direito em vigor, a partir de seus
contornos de invalidade e inefetividade, que, nos Estados Constitucionais de Direito, devem
receber novas significações. É que, nestes, sem desconsiderar a possiblidade da ocorrência de
lacunas, a estrutura normativa é caracterizada da seguinte forma:
[...] a) por pertencerem as normas vigentes a níveis diversos e hierarquicamente
ordenados, cada um dos quais se configura como normativo respectivamente àquele
inferior, e como fático respectivamente àquele superior; b) pela incorporação nas
normas superiores das obrigações e vedações que disciplinam a produção das
normas inferiores, e cuja obtemperação é condição de efetividade das primeiras e
validade das segundas; c) pelas antinomias produzidas pelas violações das normas
superiores por parte das inferiores, e pelo simultâneo vigor de umas, ainda que não
efetivas, e de outras, ainda que inválidas; d) pela consequente ilegitimidade jurídica
que, em qualquer medida, investe sempre os poderes normativos, legislativo e
judiciário, e que é tanto maior quanto mais ampla mas não efetiva é a incorporação limitativa dos deveres nos níveis mais altos do ordenamento.103
Assim considerando, segundo o garantismo, com o advento dos Estados
Constitucionais de Direito, apenas por uma análise da validade e da efetividade como
categorias independentes da vigência é que se escaparia das armadilhas nas quais incorrem as
concepções meramente normativistas ou realistas do direito. Isso porque, para Luigi
Ferrajoli,104
as orientações normativistas e realistas erigem-se ideológicas, ora por tão só
contemplar o direito válido, deixando-se de lado a possibilidade de que este seja inefetivo, ora
por preocupar-se apenas com o direito efetivo, deixando-se de sopesar a possibilidade da
invalidade deste direito. As duas concepções apresentam-se defeituosas por sua
unilateralidade, isto é, por estarem adstritas a uma análise do “dever ser” normativo e não de
seu “ser” efetivo, no caso da orientação normativista, ou a uma abordagem do “ser” efetivo e
não do “dever ser” normativo, na hipótese da orientação realista.
Para a proposição ferrajoliana, as orientações normativistas e realistas não se mostram
aptas a impedir a implementação, por via teórica, da legitimação ideológica do direito
102
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
804. 103 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
804. 104 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
803.
53
inválido vigente, seja porque ignorado como não vigente, seja porque acreditado como válido.
Deixam de considerar que, nos Estados Constitucionais de Direito:
[...] norma e fato, normatividade e efetividade são mais bem concebidas como os
dois pontos de vista, parciais e complementares, dos quais pode ser visto cada
fenômeno jurídico normativo. Cada um destes – ao menos nos ordenamentos
minimamente complexos, e tipicamente naqueles próprios do Estado de direito – é
ao mesmo tempo norma, relativamente aos fatos (também normativos) que ele
regula, e fato (mesmo se normativo), relativamente às normas que o regulam.
Consequentemente, [...], “direito vigente” não coincide com “direito válido”: é vigente, ainda que inválida, uma norma efetiva que não obtempera todas as normas
que regulam a sua produção. Nem coincide, de outra parte, com “direito efetivo”: é
vigente, ainda que não efetiva, uma norma válida não obtemperada pelas normas às
quais regula a produção.105
Daí, para o garantismo, com o advento dos Estados Constitucionais de Direito,
mostram-se absolutamente inacolhíveis as teses juspositivistas que não situam a vigência, a
validade e a efetividade como categorias distintas. De acordo com os escritos ferrajolianos,
essas orientações integram o chamado juspositivismo dogmático, a respeito do qual se
contrapõe o positivismo jurídico em que se insere a teoria garantista, que é intitulado por
Luigi Ferrajoli juspositivismo crítico.106
A proposição garantista, assim, a despeito de
contrapor-se, intensamente, ao direito pré-moderno, o qual, diante da diversidade de suas
fontes normativas, implicava em uma total incerteza e arbitrariedade do direito vigente,107
atrela-se ao juspositivismo de forma sui generis.108
É o que se vê, especialmente, pela análise garantista das produções de Hans Kelsen e
Norberto Bobbio, que equiparam-se ao identificar os conceitos de vigência e validade. Pelo
garantismo,109
nos escritos de Hans Kelsen e, mais tarde, no magistério de Norberto Bobbio,
explicita-se uma concepção excessivamente simplificada de validade normativa, que não é
capaz de entrever a possibilidade de que uma norma seja vigente e, ao mesmo tempo,
inválida.
105 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
803. 106 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p. 803-804.
107 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
802. 108 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 3. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 98. No
mesmo sentido, confira o livro de CADEMARTORI, Sérgio Urquhart de. Estado de direito e legitimidade:
uma abordagem garantista. 2. ed. atual. e ampl. Campinas: Millennium, 2007. p. 103. 109
FERRAJOLI, Luigi; MANERO, Juan Ruiz. Dos modelos de constitucionalismo: una conversación. Madrid:
Editoral Trotta, 2012a. p. 34-35. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho).
54
Conforme anuncia o autor garantista, na abordagem de Hans Kelsen, é usual a
afirmação de que a norma existente é válida; se não é válida, não pode ser qualificada como
existente. Qualquer cogitação teórica que não acolhesse essas lições seria tormentosa, porque
uma norma contrária à outra nada mais é do que uma contraditio in terminis, que expressaria
a possibilidade da existência de um direito antijurídico, a anular a unidade do sistema
normativo.110
De conseguinte, para Hans Kelsen, a ideia de uma norma existente e,
simultaneamente, inválida, por inobservância das formas de sua produção ou pela incoerência
dos seus conteúdos, é reiteradamente rejeitada. Embora não negue a possibilidade de que a
Constituição vincule o conteúdo das normas inferiores, assim como ocorre com as formas da
produção normativa,111
por identificar a vigência da norma com a sua validade, a teoria
kelseniana não considera o aspecto substancial para a finalidade de teorizar a diferenciação
entre a vigência de uma norma e a sua validade, tal como propõe a teoria garantista.
Como, em uma perspectiva kelseniana, a vigência da norma é identificada com a sua
validade, diz o garantismo que o conteúdo normativo mostra-se irrelevante na aferição da
validade normativa. Se comparada à proposta garantista, é possível afirmar que a tese
formulada por Hans Kelsen identifica a existência normativa tanto com a validade substancial
quanto com a invalidade substancial, tornando-se, por isso, de difícil aplicação nos Estados
Constitucionais de Direito. É que, de acordo com Luigi Ferrajoli,112
na análise de Hans
Kelsen, a existência ou a validade de uma norma consiste apenas:
110 FERRAJOLI, Luigi. A democracia através dos direitos: o constitucionalismo garantista como modelo
teórico e como projeto político. Tradução de Alexander Araujo de Souza, Alexandre Salim, Alfredo Copetti
Neto, André Karam Trindade, Hermes Zaneti Júnior e Leonardo Menin. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2015b. p. 50; KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 8. ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2009. p. 228-232. (Coleção jurídica WMF). 111 FERRAJOLI, Luigi. A democracia através dos direitos: o constitucionalismo garantista como modelo
teórico e como projeto político. Tradução de Alexander Araujo de Souza, Alexandre Salim, Alfredo Copetti
Neto, André Karam Trindade, Hermes Zaneti Júnior e Leonardo Menin. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2015b. p. 54. 112 FERRAJOLI, Luigi; MANERO, Juan Ruiz. Dos modelos de constitucionalismo: una conversación. Madrid:
Editoral Trotta, 2012a. p. 35-36. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). No original: “[...] en la
existencia empírica y en la regularidad formal del acto normativo, que Kelsen, a causa de su concepción
simplificada no solo de la validez sino del entero fenómeno normativo, no distingue habitualmente de la
norma, concebida por él, de acuerdo con John Austin, como ‘mandato’. La falta de distinción entre el acto
normativo y la norma que es el efecto y el significado (o, si se prefiere, la substancia y el contenido) de aquel,
impide, en efecto, a Kelsen articular y descomponer la noción de ‘existencia’ de la norma sobre la base de sus diversas referencias empíricas: le impide distinguir, precisamente, entre su vigencia o mera existencia,
que depende de la forma del acto normativo que lo hace recognoscible como perteneciente al ordenamento, y
su validez o invalidez sustancial, que dependem, por el contrario, del significado – la primera de su
coherencia y la segunda de su incoherencia con normas substantivas supraordenadas – de la norma producida
por medio del acto [...]. Es en esta concepción simplificada de la validez como existencia, tenazmente
defendida por Kelsen, en lo que consiste inevitablemente el carácter formal de su noción de validez de las
normas. Al no distinguir entre existencia y validez, Kelsen no está en condiciones de ver la existencia de una
norma inválida por razones de contenido, ni de concebir, más en general, la invalidez de una norma,
rechazada por él como una ‘contradicción en los términos’. Una norma, a su parecer, o es válida os es
55
[...] na existência empírica e na regularidade formal do ato normativo, que Kelsen,
em razão de sua concepção simplificada não só da validade, mas de todo fenômeno
normativo, não distingue, habitualmente, da norma, concebida por ele, de acordo
com John Austin, como “mandato”. A falta de distinção entre o ato normativo e a
norma, que é o efeito e o significado (ou, se se prefere, a substância e o conteúdo)
daquele, impede, com efeito, a Kelsen articular e decompor a noção de “existência”
da norma sobre a base de suas diversas referências empíricas: impede-lhe distinguir,
precisamente, entre sua vigência ou mera existência, que depende da forma do ato
normativo que o faz reconhecível como pertencente ao ordenamento, e a sua validez
ou invalidez substancial, que dependem, pelo contrário, do significado – a primeira
de sua coerência e a segunda de sua incoerência com normas substantivas supraordenadas – da norma produzida por meio do ato [...].
É nesta concepção simplificada da validade como existência, tenazmente defendida
por Kelsen, em que consiste inevitavelmente o caráter formal de sua noção de
validade das normas. Ao não distinguir existência e validade, Kelsen não está em
condições de ver a existência de uma norma inválida por razões de conteúdo, nem de
conceber, em termos mais gerais, a invalidade de uma norma, rechaçada por ele
como uma “contradição em termos”. Uma norma, em seu entendimento, ou é válida
ou é inexistente: tertium non datur.
Não é por acaso que, nos escritos kelsenianos, a chamada lei inconstitucional, assim
como a norma que esteja em conflito com as condições que regulam a sua produção, ora é
apontada como válida e, por isso, existente, ora é indicada como inexistente e, desta maneira,
inválida.113
Não obstante identifique-se, com essas qualificações, que o autor austríaco incorre
em contradição, por admitir adjetivações distintas a uma mesma espécie de norma, é de se
registrar que, segundo a proposta garantista, as duas teses que formula mostram-se contrárias
à possibilidade de um direito vigente e inválido.
De toda forma, esclarece o garantismo que:
A teoria kelseniana da validade não nos diz, como é lícito esperar de uma teoria
consistente, em que casos uma lei inconstitucional é válida e, portanto, existente, e
em que casos é inválida e, portanto, inexistente. Não nos diz porque não nos pode
dizer. A única certeza é que, em ambos os casos, a identificação da validade com a
existência impede a Kelsen ver (ou, melhor, deveríamos talvez dizer, permite-lhe
ignorar) a vertente substancial da invalidade das normas. Mas devemos reconhecer
que as contradições não se devem a nenhuma ambiguidade ou incoerência de
Kelsen, mas à inconsistência de sua noção de validade como existência, noção que admite, na presença de uma norma viciada quanto ao conteúdo, tanto a tese de sua
validade como a tese de sua inexistência: quer dizer, duas teses que, no léxico
kelseniano, em que validade equivale à existência, são claramente contraditórias.114
inexistente: tertium non datur.
113 FERRAJOLI, Luigi. A democracia através dos direitos: o constitucionalismo garantista como modelo teórico e como projeto político. Tradução de Alexander Araujo de Souza, Alexandre Salim, Alfredo Copetti
Neto, André Karam Trindade, Hermes Zaneti Júnior e Leonardo Menin. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2015b. p. 52; FERRAJOLI, Luigi; MANERO, Juan Ruiz. Dos modelos de constitucionalismo: una
conversación. Madrid: Editoral Trotta, 2012a. p. 36. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). 114 FERRAJOLI, Luigi; MANERO, Juan Ruiz. Dos modelos de constitucionalismo: una conversación. Madrid:
Editoral Trotta, 2012a. p. 38. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). No original: “[...] La teoría
kelseniana de la validez no nos dice, como es lícito esperar de una teoría consistente, en qué casos una ley
inconstitucional es válida y por tanto existente y en qué casos es no válida y por tanto inexistente. No nos
dice porque no nos lo puede decir. Lo único certo es que, en ambos casos, la identificación de la validez con
56
Demais disso, de acordo com a teoria garantista, as duas teses a que se faz referência
erigem-se igualmente falsas, uma vez que os vícios substanciais mencionados não implicam a
validade da norma ou mesmo a sua inexistência, mas a existência de uma norma inválida,
hipótese que já foi explicitamente rejeitada por Hans Kelsen, em lição compartilhada por
Norberto Bobbio, cuja teorização incorre nos mesmos equívocos presentes nas teses
kelsenianas.
É que, por também identificar a existência de uma norma com a sua validade,115
Norberto Bobbio adere à concepção simplificada do conceito de validade normativa
sustentada por Hans Kelsen, a qual se mostra impediente do reconhecimento da existência de
um direito inválido. Sobressaindo-se na disputa teórica instalada pelo chamado juspositivismo
dogmático contra o jusnaturalismo, a proposição bobbiana da validade preocupa-se em realçar
“somente a dissociação e a divergência deôntica externa entre justiça e validade, entre o dever
ser ético-político e o ser positivo do Direito, entre Direito como ‘valor’ e Direito como
‘fato’”,116
não fazendo parte de suas cogitações a análise da divergência deôntica interna ao
direito positivo, a que se dedica, com relevo, o garantismo.
Por consectário, mesmo quando, em seus escritos, Norberto Bobbio aborda a temática
dos limites normativos formais e substanciais, não os distingue em busca de uma
fundamentação teórica da possibilidade de um direito existente e inválido.117
Para os estudos
que desenvolve, o juízo de validade é tão somente contraposto ao juízo de valor, motivo pelo
qual “não podem ser superpostos, porque representam dois pares de juízo sobre direito
formulados com base em critérios reciprocamente independentes”.118
Assim como ocorre com a teorização de Hans Kelsen, pela perspectiva garantista, a
concepção de validade normativa adotada por Norberto Bobbio não se apresenta
recepcionável nos Estados Constitucionais de Direito. As teses apresentadas por ambos
la existencia impide a Kelser ver (o, mejor, deberíamos quizás decir, le permite ignorar) la vertiente
substancial de la invalidez de las normas. Pero entonces debemos reconhecer que las contradicciones no se
deben a ninguna ambigüedad o incoherencia de Kelsen, sino a la inconsistencia de su noción de validez como
existencia, noción que admite, en presencia de una norma viciada en cuanto al contenido, tanto la tesis de su
validez como la tesis de su inexistencia: es decir, dos tesis que, en el léxico kelseniano en el que validez
equivale a existencia, son claramente contradictorias.” 115 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Tradução e notas de Márcio
Pugliese, Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995. p. 136-137. (Coleção Elementos de Direito).
116 FERRAJOLI, Luigi; MANERO, Juan Ruiz. Dos modelos de constitucionalismo: una conversación. Madrid:
Editoral Trotta, 2012a. p. 40. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). No original: “[...] es solo
la discociación y la divergencia deóntica externa entre justicia y validez, entre o deber ser ético-político y o
ser positivo del Derecho, entre Derecho como ‘valor’ y Derecho como ‘hecho’.” 117 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Tradução de Maria Celeste Cordeiro Leite dos
Santos. 10. ed. Brasília: UnB, 1999. p. 53-56. 118
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Tradução e notas de Márcio
Pugliese, Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995. p. 137. (Coleção Elementos de Direito).
57
desconsideram que, com a nova estrutura normativa inaugurada pelos Estados Constitucionais
de Direito, é possível a discrepância entre as condições estipuladas sobre a produção
normativa, inclusive as substanciais, e as normas que são produzidas, dando-se margem ao
estabelecimento de um direito vigente e inválido.119
A conceituação de validade formulada
por Hans Kelsen e por Norberto Bobbio deixa de sopesar que, com a nova estrutura normativa
instaurada com a positivação de Constituições rígidas e determinativas de limites e vínculos
ao exercício de qualquer poder, torna-se imprescindível a crítica interna do direito posto, a
fim de que, a partir dessa, viabilize-se o exame das antinomias e lacunas que se impõem como
efeitos da inobservância das vedações e obrigações estabelecidas à garantia dos direitos de
liberdade e sociais.
É possível afirmar, portanto, que a abordagem garantista da vigência, da validade e da
efetividade como categorias independentes é fundada na necessidade de enfrentamento da
virtual divergência entre o dever ser e o ser nos âmbitos da produção e da aplicação jurídico-
normativa. Já que, com o advento dos Estados Constitucionais de Direito, o acatamento das
condições formais de produção normativa não basta para qualificar uma norma como válida,
tornou-se necessária uma oferta teórica destinada a interrogar a proposta juspositivista
dogmática.
É nesse sentido que, por uma teorização inicial de Luigi Ferrajoli,120
o preenchimento
das condições formais de produção normativa é suficiente apenas para caracterizar uma
norma como existente, isto é, para afirmar que uma norma jurídica está vigente. Válida, para o
garantismo, somente seria a norma que, além de acatar as condições formais de sua produção,
apresente-se coerente com os significados estabelecidos por uma norma que lhe seja
supraordenada. É o que se explicita em vários escritos ferrajolianos e, também, de seus
intérpretes,121
dentre os quais José Luis Serrano,122
para quem, pelo enfoque garantista, o
119 FERRAJOLI, Luigi; MANERO, Juan Ruiz. Dos modelos de constitucionalismo: una conversación. Madrid:
Editoral Trotta, 2012a. p. 41. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). 120 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
806-811. 121 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 3. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 100-101;
CADEMARTORI, Sérgio Urquhart de. Estado de direito e legitimidade: uma abordagem garantista. 2. ed. atual. e ampl. Campinas: Millennium, 2007. p. 106; ROSA, Alexandre Morais da. Garantismo jurídico e
controle de constitucionalidade material. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 39; ROSA, Alexandre
Morais da. O que é garantismo jurídico? (teoria geral do direito). Florianópolis: Habitus, 2003. p. 47-48.
(Coleção Para entender o Direito, v. 3); OLIVEIRA, Francisco José Rodrigues. Atividade jurisdicional sob
enfoque garantista. 4. tir. Curitiba: Juruá, 2005. p. 125-127; FELL, Elizângela Treméa; BRACHT, Daniela.
Garantismo como referência jurídica. Ciências Sociais Aplicadas em Revista, Cascavel, v. 7, n. 13, p. 43-
64, 2. sem. 2007, p. 56-62; PEÑA FREIRE, Antonio Manuel. La garantía en el estado constitucional de
derecho. Madrid: Editorial Trotta, 1997. p. 97-98. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho);
JORI, Mario. La cigarra y la hormiga. Traducción de Andrea Cattoria. In: GIANFORMAGGIO, Letizia
58
juízo de “vigência é aquele que se refere à mera constatação da existência de uma norma no
interior de um sistema jurídico. É um juízo de fato ou técnico, pois se limita a constatar que a
norma cumpre os requisitos formais”; e o juízo de “validade é aquele em virtude do qual se
declara (se é positivo) que uma determinada norma (cuja vigência formal comprovou-se como
verdadeira) adequa-se, também em seu conteúdo, às determinações existentes em níveis
superiores do ordenamento”.
Em termos mais detalhados, anunciam as cogitações ferrajolianas que:
Ao menos nos ordenamentos complexos próprios dos Estados de direito, estes juízos
[de validade] diferem dos juízos sobre o vigor das normas, requerendo,
relativamente a estes, o acerto de condições ulteriores e de diversa natureza. Para
que uma norma exista ou esteja em vigor, é suficiente que satisfaça as condições de
validade formal, as quais resguardam as formas e os procedimentos do ato
normativo, bem como a competência do órgão que a emana. Para que seja válida, é
necessário que satisfaça ainda as condições de validade substancial, as quais
resguardam o seu conteúdo, ou seja, o seu significado. Sejam as condições formais
suficientes para que uma norma esteja vigente, sejam substanciais necessárias para
esteja válida, estão estabelecidas pelas normas jurídicas que lhes disciplinam a produção em nível normativo superior. Todavia, enquanto as condições formais de
vigor consistem em adimplemento de fato, na ausência dos quais o ato normativo é
imperfeito e a norma por ele ditada não vem à existência, as condições substanciais
da validade, e exemplarmente as de validade constitucional, consistem
habitualmente no respeito aos valores [...].
Disto resulta que enquanto a verdade (ou a falsidade) dos juízos sobre vigor é
predicável com base em simples verificações empíricas ou de fato, o mesmo não se
pode dizer dos juízos sobre a validade, os quais, quando consistem na valoração da
conformidade ou da deformação das normas dos valores expressos pelas suas
normas superiores, não são, como escreve BOBBIO, juízos de fato, mas juízos de
(Edit.). Las razones del garantismo: discutiendo con Luigi Ferrajoli. Bogotá: Editorial Temis, 2008. p. 78-
89; LUZZATI, Claudio. Sobre la justificación de la pena y los conflitos normativos. Traducción de Pablo D.
Eiroa. In: GIANFORMAGGIO, Letizia (Edit.). Las razones del garantismo: discutiendo con Luigi
Ferrajoli. Bogotá: Editorial Temis, 2008. p. 142-154; VILLA, Vittorio. Garantismo y verificacionismo,
validez y vigencia. Traducción de Carla V. Amans y Gustavo A. Herbel. In: GIANFORMAGGIO, Letizia (Edit.). Las razones del garantismo: discutiendo con Luigi Ferrajoli. Bogotá: Editorial Temis, 2008. p. 186-
192; ABELLÁN, Marina Gascón. La teoría general del garantismo: rasgos principales. In: CARBONELL,
Miguel; SALAZAR, Pedro (Coord.). Garantismo: estudios sobre el pensamiento jurídico de Luigi Ferrajoli.
Madrid: Editorial Trotta, 2005. p. 26-27. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho); MIGUEL,
Alfonso Ruiz. Validez y vigencia: un cruce de caminos en el modelo garantista. In: CARBONELL, Miguel;
SALAZAR, Pedro (Coord.). Garantismo: estudios sobre el pensamiento jurídico de Luigi Ferrajoli. Madrid:
Editorial Trotta, 2005. p. 213-217. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho); VILA, Marisa
Iglesias. El positivismo en el estado constitucional: algunos comentarios en torno al constitucionalismo de
Ferrajoli. In: CARBONELL, Miguel; SALAZAR, Pedro (Coord.). Garantismo: estudios sobre el
pensamiento jurídico de Luigi Ferrajoli. Madrid: Editorial Trotta, 2005. p. 78 e 82. (Colección Estructuras y
Procesos – Serie Derecho); MOLINA, Juan Jesús Mora. El garantismo jurídico del Luigi Ferrajoli: un estudio de filosofía del derecho sobre la frágil relación entre la democracia, la constitución y el estado de
derecho. Huelva: Universidad de Huelva, 2004. p. 73. 122 SERRANO, José Luis. Validez y vigencia: la aportación garantista de la norma jurídica. Madrid: Editorial
Trotta, 1999. p. 51. No original: “[...] vigencia es aquel que va referido a la mera constatación de la existencia
de una norma en el interior de un sistema jurídico. Es un juicio de hecho o técnico, pues se limita a constatar
que la norma cumple los requisitos formales [...]”. No original: “[...] validez es aquel en virtude del cual se
declara (si es positivo) que una determinada norma (cuya vigencia formal se há comprovado como
verdadeira) se adecua además en su contenido a las determinaciones existentes en niveles superiores del
ordenamento [...]”.
59
valor, e, como tais, nem verdadeiros nem falsos. Por exemplo, não se requerem
juízos de valor, mas apenas ajustes de fato, para asseverar ou negar o vigor a uma lei
em que esteja em questão a aprovação da parte de uma só ou de ambas as Câmaras,
ou a advinda ou omissa promulgação ou publicação, ou outras características
formais similares. Enquanto é seguramente um juízo de valor – nem tanto
verificável (ou falsificável) e não por acaso opinável e controverso – a tese de que as
normas sobre vilipêndio contidas no Código Penal italiano são inválidas porque em
contraste com os valores constitucionais da liberdade de manifestação do
pensamento.123
Como o garantismo reconhece como utópica a pretensão de que sejam observados,
sempre, os limites e os vínculos impostos ao exercício do poder, bem como as suas garantias,
Luigi Ferrajoli anuncia a necessidade de que se admita a existência da antinomia e da lacuna
normativas nos ordenamentos jurídicos não plenamente garantistas para, em seguida, propor
que esses vícios sejam denunciados pela ciência jurídica e, de acordo com a espécie de
inobservância, comissiva ou omissiva, enunciar o dever de afastamento do vício pelos juízes
garantistas ou por outra autoridade estatal competente.
É exatamente aí que reside a crítica interna do direito positivo sustentada pela teoria
garantista que, tematizando a coerência e a completude do ordenamento jurídico, bem como a
avaloração da ciência jurídica e a sujeição acrítica à lei pelo julgador, oferta-se ao
enfrentamento das falhas semânticas da linguagem legal e, ainda, das lacunas e antinomias
normativas. Baseando-se na premissa de que, nos Estados Constitucionais de Direito,
coerência e completude não mais se apresentam como propriedades do direito em vigor, mas
“como ideais-limites de direito válido, que não refletem o ‘ser’ efetivo (sic) mas apenas o
‘dever ser’ das normas relativamente às normas superiores”,124
o garantismo afirma a
indispensabilidade de uma postura crítica da ciência jurídica e dos juízes na análise e na
aplicação das normas jurídicas.
Com efeito, segundo uma teorização inicial garantista, além de lidar com as
imperfeições semânticas da linguagem legal, cabe ao cientista do direito realizar uma
permanente crítica interna da normatividade em vigor, mediante a qual viabilizará a
explicitação das lacunas normativas e, ainda, das normas que, embora vigentes, sejam tidas
como antinômicas. Ao julgador, além do enfrentamento e, se possível, afastamento das
lacunas normativas, é negada a obrigatoriedade de aplicar a lei em vigor, se essa lei, além de
123 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
806-807. 124 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
810.
60
vigente, não for por ele considerada válida. De acordo com Luigi Ferrajoli,125
é “a crítica do
direito, com base nas mesmas fontes de legitimação e de perda da legitimação jurídica, a
principal tarefa civil da jurisprudência e da ciência jurídica. E é dessa que provém aquela
permanente possibilidade de autorreforma do ordenamento”.
É o que também se lê, aliás, nos escritos dispostos na Principia Iuris – Teoria del
Diritto e della Democrazia.126
No entanto, na publicação que é apontada por Luigi Ferrajoli127
como o trabalho mais importante e desafiador de sua vida, a análise das temáticas da vigência,
da validade e da efetividade apresenta-se ainda mais detalhada do que a realizada nas
produções acadêmicas anteriores, sendo caracterizada pela formulação cuidadosa de seus
conceitos e pelo exame acurado de suas interfaces. Abordando as correlações existentes entre
um ato formal e a norma que dele se apresenta como efeito, a proposta garantista enunciou
contornos teóricos diferenciados às categorias analisadas, tornando possível uma nova
compreensão a respeito da vigência e da validade.
Permanece a crítica relativa à avaloratividade da ciência jurídica e à sujeição acrítica
do julgador à lei. A qualificação de um ato formal como vigente ou como formalmente válido
é que se altera pela nova proposta garantista, uma vez que, pelos estudos formalizados por
Luigi Ferrajoli128
a partir do ano de 2007, a vigência passou a ser conceituada como “a
existência dos atos formais produzida pela conformidade de, ao menos, alguma de suas
formas com alguma das normas formais.” Desde então, aduz o autor garantista que, para que
um ato formal esteja em vigor, não é necessário que preencha todas as condições formais de
sua produção, bastando que sejam acatadas as normas formais que tornem o ato reconhecível
e compreensível como um ato dotado de significação jurídica.
A vigência, assim, diferencia-se da validade formal que, pelas novas cogitações
garantistas, exige, para a sua identificação, a conformidade de suas formas com todas as
normas formais sobre a produção do ato jurídico e não apenas a conformidade de alguma
dessas formas com as normas formais que ditam a sua construção. Trata-se, como se vê, de
125 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
810. 126 FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia. 1. Teoría del derecho. Traducción
de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz Miguel.
Madrid: Editorial Trotta, 2011c. p. 488-539. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). 127 FERRAJOLI, Luigi. Dei diritti e delle garanzie: conversazione con Mauro Barberis. Bologna: Il Mulino,
2013a. p. 12-13 e 58. (Collana Contemporanea). 128 FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia. 1. Teoría del derecho. Traducción
de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz Miguel.
Madrid: Editorial Trotta, 2011c. p. 499-500. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). No
original: “[...] a la existencia de los actos formales producida por la conformidad de al menos alguna de sus
formas con alguna de las normas formales [...]”.
61
uma diferença de tipo quantitativo, pois, conforme explicita o garantismo, a distinção entre
vigência e validade formal:
[...] radica no distinto grau de observância das normas formais requerido em cada
caso. Tanto uma como outra, com efeito, fazem referência às formas dos atos
formais (D9.16, T.9.150). Mas, enquanto que a primeira designa esse mínimo de
conformidade de ditas formas (T9.143), sem a qual não existe nem forma nem ato
formal, a segunda consiste em sua conformidade com todas as normas sobre a
formação do ato (T9.153). [...] Obviamente, [...] não é a teoria, mas só o direito
positivo, que pode identificar com precisão, como seria desejável em garantia da certeza, quais são as formas essenciais para a vigência e quais as requeridas para a
validade formal.129
O que não se modifica, pela nova enunciação garantista, são as coligações existentes
entre validade formal e validade substancial, que permanecem distintas pelo aspecto
qualitativo.130
A validade formal, assim como ocorre com a vigência, persiste relacionada às
formalidades do ato normativo, ao passo que a validade substancial continua adstrita ao seu
conteúdo. Pela sua inovadora oferta crítico-teórica interna do direito positivo, o garantismo
mantém a exigência do preenchimento das condições de validade formal e, sempre que o ato
formal erija-se decisório, também das condições de validade substancial, à identificação da
validade normativa.
Desta forma, em se considerando que a validade substancial faz referência aos
significados das decisões, é de se afirmar que, para que um ato formal seja considerado válido
nos atuais escritos de Luigi Ferrajoli,131
são exigidas “que não algumas, mas todas as suas
formas, sejam conformes com as normas formais que o prevejam; e que, ademais, se se tratar
de uma decisão, tenha ao menos um significado coerente com todas as normas substantivas
129 FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia. 1. Teoría del derecho. Traducción
de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz Miguel.
Madrid: Editorial Trotta, 2011c. p. 504. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). No original:
“[...] radica en el distinto grado de observancia de las normas formales requerido en cada caso. Tanto una
como otra, en efecto, hacen referencia a las normas de los actos formales (D9.16, T.9.150). Pero mientras que
la primera designa ese mínimo de conformidad de dichas formas (T9.143) sin el cual no existe ni forma ni
acto formal, la segunda consiste en su conformidad con todas las normas sobre la formación del acto
(T9.153). [...] Obviamente, repito, no es la teoría sino sólo el derecho positivo el que puede identificar con
precisión, como sería deseable en garantía de la certeza, cuáles son las formas esenciales para la vigencia y
cuáles las requeridas para la validez formal.” 130
FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia. 1. Teoría del derecho. Traducción
de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz Miguel.
Madrid: Editorial Trotta, 2011c. p. 505. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). 131 FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia. 1. Teoría del derecho. Traducción
de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz Miguel.
Madrid: Editorial Trotta, 2011c. p. 500. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). No original:
“[...] que no algunas sino todas sus formas sean conformes con las normas formales que lo prevén; y que
además, si se trata de una decisión, tenga al menos un significado coerente con todas las normas substantivas
sobre su producción.”
62
sobre sua produção”. Por consequência, e, em síntese, pela nova proposição garantista da
validade normativa, é de se registrar:
[...] primeiramente, que a validade supõe sempre a vigência (T9.140), de maneira
que não existem atos formais válidos, mas não vigentes (T9.141); em segundo lugar,
que a vigência consiste nessa quantidade de observância das (ou conformidade com)
normas formais sobre a produção, necessária e suficiente para que se possa falar de
forma e de ato formal (T9.142, T9.143), e está excluída somente no caso de sua total
inobservância (ou desconformidade) (T9.144, T9.145); em terceiro lugar, que pode
acontecer que existam atos inválidos vigentes, como são, de um lado, os atos formais conformes com algumas, mas não todas, as normas formais (T9.146) e, de
outro, as decisões cujo significado contraste mesmo que apenas com alguma das
normas substantivas sobre sua produção (T9.147); e, finalmente, que a validade de
um ato formal [de cunho decisório] é assegurada pela observância de todas as
normas, formais e substantivas, sobre sua produção (T9.148) e, em consequência,
perde-se em caso de inobservância, relativa à forma ou ao significado, mesmo que
de uma só delas (T9.149).132
Quatro aspectos que o chamado juspositivismo dogmático não pode identificar e que,
por uma teorização inicial, Luigi Ferrajoli não conseguiu enunciar. Trata-se de conjecturas
garantistas que, rejeitando a identificação de vigência e validade formal e, sobretudo, de
vigência e validade, sustentam a necessidade de que, nos Estados Constitucionais de Direito,
seja implementada uma crítica interna do direito positivo, tanto pela ciência jurídica quanto
pelos juízes, a ser acrescida à crítica ético-política da normatividade, da qual, igualmente, não
se furta o garantismo.
2.3 Garantismo como filosofia política e a irredutível ilegitimidade da jurisdição
Na última de suas acepções, o garantismo designa uma filosofia política que é
determinativa de uma justificação externa do Estado e do Direito. Para Luigi Ferrajoli,133
o
132 FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia. 1. Teoría del derecho. Traducción
de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz Miguel.
Madrid: Editorial Trotta, 2011c. p. 501. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). No original:
“[...] ante todo que la validez supone siempre la vigencia (T9.140), de manera que no existen actos formales
válidos pero no vigentes (T9.141); en segundo lugar, que la vigencia consiste en ese tanto de observancia de
(o conformidad con) las normas formales sobre la producción necesario y suficiente para que pueda hablarse
de forma y de acto formal (T9.142, T9.143), y está excluida solamente en caso de su total inobservancia (o disconformidad) (T9.144, T9.145); en tercer lugar, que bien puede suceder que haya actos inválidos vigentes,
como son, de un lado, los actos formales, conformes con algunas pero no con todas las normas formales
(T9.146) y, de otro, las decisiones cuyo significado contraste incluso sólo con alguna de las normas
sustantivas sobre su producción (T9.147); y, finalmente, que la validez de un acto formal viene asegurada por
la observancia de todas las normas, formales y sustantivas, sobre su producción (T9.148) y, en consecuencia,
se pierde en caso de inobservancia, relativa a la forma o al significado, incluso de una sola de ellas (T9.148).” 133 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
812.
63
Estado e o Direito não devem ser compreendidos como fins em si mesmos, mas como
instituições criadas à garantia dos direitos das pessoas, sobretudo dos seus direitos
fundamentais.
Conforme registra Salo de Carvalho,134
ao comparar os três significados de garantismo
abordados nas produções de Luigi Ferrajoli:
O modelo do Estado democrático de direito construído a partir da separação entre
racionalidade formal e material [...] e democracia política e substancial possibilita,
ao operador do direito, parâmetros de avaliação interna do sistema jurídico. Capacita
critérios de (des)legitimação das normas e decisões contrárias aos direitos fundamentais desde dentro do modelo, criando uma metodologia interpretativa
capaz de desmascarar os mitos de plenitude e coerência do ordenamento, e da
democracia como sistema de decisão vinculado apenas à vontade da maioria.
Todavia, o aporte garantista permite ainda outra ruptura que possibilitará a
compreensão do sistema jurídico a partir do seu exterior, qual seja, a separação entre
ponto de vista interno (normativo) e externo (axiológico) decorrente da cisão
ilustrada entre direito e moral (princípio da secularização).
Se o primeiro arcabouço teórico (teoria das normas e teoria do Estado) permite o
estudo da validade das leis e decisões dos poderes, o segundo (teoria política)
viabiliza critérios de justiça do próprio sistema, operando a (des)legitimação ético-
política do direito e do Estado.
Assim, se o garantismo estabelece um sistema normativo de invalidação das normas vigentes (teoria crítica do direito) e do exercício arbitrário dos poderes das maiorias
organizadas (teoria democrática), desde sua concepção filosófico-política permite a
crítica e a deslegitimação de fora das instituições jurídicas positivas, sobre a base
da rígida separação entre direito e moral, ou entre validade e justiça, ou entre
ponto de vista jurídico ou interno e ponto de vista ético-político ou externo do
ordenamento.
É nesse sentido que, de acordo com a proposta garantista,135
Estado e Direito impõem-
se como males necessários, instituídos artificialmente pelos homens e para os homens, com o
objetivo de propiciar-lhes a tutela e a satisfação de direitos de sua titularidade. O afastamento
dessa finalidade pelo Estado e pelo Direito é geradora de uma ilegitimidade política e, por
conseguinte, de uma ausência de limitação ou vinculação ao exercício do poder. Um sistema
político garantista, assim, deve se despir de qualquer pretensão de atribuir ao Estado uma
atuação que se desenvolva em prol de si próprio e que, à consecução dos seus escopos, busque
subordinar os indivíduos ao seu ilimitado poderio. Para que seja qualificado como garantista,
o sistema político deve situar o Estado como instituição atuante em benefício das pessoas que
artificialmente o criaram, assegurando-lhes, especialmente, a observância de seus direitos
fundamentais de liberdade e sociais.
134 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 3. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 108-109. 135 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
812-813.
64
Pelas conjecturas ferrajolianas, portanto, o garantismo não se coaduna com as teorias
que intitula autopoiéticas. Parafraseando Niklas Luhmann, Luigi Ferrajoli136
afirma que essas
indicam o Estado como um fim em si mesmo, encarnando “valores ético-políticos de
característica suprassocial e supraindividual cuja conservação e reforço para o direito e os
direitos hão de ser funcionalizados”, ao contrário do que ocorre com as teorias rotuladas
heteropoiéticas, em que o Estado é apontado como apenas um meio artificialmente produzido
e legitimado para garantir direitos, principalmente os fundamentais.
Baseando-se nos escritos luhmannianos dispostos no livro Stato di Diritto e Sistema
Sociale, que é a tradução italiana de Politische Planung, anuncia a proposição garantista que a
teoria dos sistemas proposta pelo autor alemão não situa o homem como parte do sistema
social, mas como o seu ambiente problemático. Na proposta de Niklas Luhmann, é
estabelecida uma concepção organicista dos sistemas políticos, em que os seus subsistemas
subordinam-se ao todo sistêmico. Impera, a partir daí, a primazia da sociedade sobre os
indivíduos, tal qual o sistema político prevalece sobre o ambiente social. O Estado apresenta-
se como um sujeito ativo, que deve conservar a si próprio mesmo que à custa dos demais, que
a ele se ligam por vínculos de sujeição.137
Com efeito, de acordo com o garantismo, apresentam-se como autopoiéticas todas as
teorias de legitimação desde o alto, tais como as que, no âmbito da pré-modernidade,
fundamentaram a soberania estatal em Deus, na religião e na natureza, bem como as que, com
a secularização, mostraram-se idealistas. Como esclarece Luigi Ferrajoli,138
ao discorrer sobre
as denominadas doutrinas autopoiéticas instaladas após o advento da modernidade:
Estas ideologias assumem o princípio da legalidade não somente como princípio
jurídico interno, mas também como princípio axiológico externo, sobrepondo à
legitimidade política a legalidade jurídica e conferindo às leis valor, e não apenas
136 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
812. 137 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
827-828. Para acessar as interfaces existentes entre o homem e o sistema social na teoria luhmanniana,
confira, ainda, em especial, os escritos de LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Tradução
de Maria da Conceição Côrte-Real. Brasília: UnB, 1980. p. 129. (Coleção Pensamento Político, v. 15); FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Apresentação. In: LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo
procedimento. Tradução de Maria da Conceição Côrte-Real. Brasília: UnB, 1980. p. 1-2. (Coleção
Pensamento Político, v. 15); COHN, Gabriel. As diferenças finas: de Simmel a Luhmann. São Paulo: Revista
Brasileira de Ciências Sociais, v. 13, n. 38, 1998; CHAVES, Terezinha Ribeiro. A insuficiência discursiva
da autopoiesis na fundamentação dos provimentos. In: LEAL, Rosemiro Pereira (Org.). Estudos
continuados de teoria do processo. Porto Alegre: Síntese, 2003. p. 101-102. v. 3. 138 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
813.
65
validade ou vigor, unicamente com base no valor associado a priori à sua forma, ou
pior, à sua fonte (o soberano, a assembleia, ou o ditador, ou o partido, ou o povo, ou
similares). Habitualmente (sic) além disso, se acompanham ou se confundem com
concessões organicistas do Estado, idealizado como personificação da inteira
sociedade e como síntese de razão de valores e interesses sociais gerais. A confusão
entre direito e moral, entre ser e dever ser, ou entre o ponto de vista interno e o
ponto de vista externo se associa de tal modo à confusão entre Estado e sociedade,
ou pior, entre Estado e cidadãos: “Se o Estado”, escreve HEGEL, “é o espírito
objetivo, então só como seu membro é que o indivíduo tem objetividade, verdade e
moralidade”. Esta é uma solução não muito diferente daquela a que pertencem,
desde outras premissas, muitas doutrinas realistas dos teóricos da razão de Estado [...] até à recente teoria sistêmica de NIKLAS LUHMANN, o qual, promovendo
uma reformulação do Estado como “sistema” e da sociedade como “ambiente”,
postula o primado do primeiro sobre a segunda, reduzindo tudo a uma espécie de lei
biológica: a necessidade do sistema sobreviver e se desenvolver, de dominar o seu
ambiente modificando-o, simplificando-o e em todos os casos rendendo-se às
próprias instâncias funcionais.
Daí, por uma perspectiva garantista, um sistema político pode ser caracterizado como
autopoiético sempre que ignorar a centralidade da pessoa, para quem a estatalidade foi
instituída a servir, proporcionando-lhe a tutela e a satisfação de seus direitos. A
instrumentalidade do Estado e, também, do Direito, não se compatibiliza com a ideia de
sociedade como organismo social, uma vez que, por essa concepção, “o que interessa é o
organismo e não as suas células. As decisões são tomadas apenas pelas células preparadas
especialmente para decidir e não pela maioria indiferenciada delas”, conforme observa
Eugenio Raúl Zaffaroni.139
De conseguinte, para o garantismo,140
apenas podem ser adjetivadas como
heteropoiéticas as teorias que sustentam que a legitimação política do Estado e do Direito seja
proveniente desde abaixo, ou seja, emanada da sociedade que, de acordo com Luigi Ferrajoli,
deve ser compreendida como a somatória heterogênea de pessoas, forças e classes sociais. Ao
contrário do que ocorre em relação às teorias autopoiéticas, as teorias heteropoiéticas prestam
adesão à filosofia política utilitarista, de maneira a acolher como natural não o Estado ou o
poder, mas as pessoas e seus direitos, para cuja tutela e satisfação foram criados o Estado e o
Direito.
É mesmo aceitável, por isso, que o garantismo festeje as concepções filosófico-
políticas teorizadas pelo movimento iluminista.141
Não porque acolha as premissas do
139 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda de legitimidade do sistema penal.
Tradução de Vânia Romano Pedrosa e Amir Lopes da Conceição. Rio de Janeiro: Revan, 1991. p. 49. 140 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
813-814. 141 Na literatura garantista produzida no Brasil, as correlações teóricas existentes entre o garantismo e o
iluminismo auferem destaque nas publicações de COPETTI NETO, Alfredo. A democracia constitucional
sob o olhar do garantismo jurídico. Florianópolis: Santa Catarina, 2016. p. 29-33 e 37 (Coleção Sob o
66
jusnaturalismo a que tanto combate como proposição de taxionomia positivista que é, mas
porque, segundo assevera:
Direitos “inatos” ou “naturais”, para além da metafísica jusnaturalista onde foram
concebidos, significam precisamente direitos “pré-estatais” ou “pré-políticos”, no
sentido de que não fundados por aquela criatura que é o Estado, mas são
“fundamentais” ou “fundadores” de sua razão de ser, como parâmetros externos e
objetivos de sua organização, delimitação e disciplina funcional. O vício ideológico,
além de metafísico, do jusnaturalismo, foi a ideia de um direito natural como
entidade ontológica, no lugar de puramente ideológica. Obviamente, o “direito” e “os direitos naturais” não existem; não são realidades objetivas, mas sim princípios
axiológicos ou normativos de tipo extrajurídico. Mas isto não tolhe em nada o valor
que a estes se quer associar como fundamentos externos – “naturais”, no sentido de
“pré-políticos” ou “sociais” – do direito positivo e do Estado, e nem ao menos ao
primado e a autonomia moral e política reivindicada pelos escopos nos quais estão
fundados. A ideia jusnaturalista do contrato social é sob este aspecto uma grande
metáfora da democracia. O Estado, segundo o paradigma da justificação externa por
esta sugerida, não é nem um fim nem um valor: é, isto sim, um produto fabricado
pelos homens, “porque pela arte” – são as palavras de HOBBES – “é criado aquele
grande Leviatã a que se chama Estado, ou Cidade [em latim Civitas] que não é
senão um homem artificial, embora de maior estatura e força do que o homem
natural, para cuja proteção e defesa foi projetado”; de modo que vale tanto na medida em que serve aos “homens naturais”, que de comum acordo o produziram, e
nada vale nada [sic] e deve por isso ser transformado, remodelado e demolido
quando se insurgem contra eles [sic]. Mais: ele é de per si um desvalor, isto é, um
mal menor sujeito enquanto tal ao ônus da justificação externa e a posteriori. Isto
quer dizer que os seus poderes não são concebidos como “justos” apenas por quem
os detém, mas sobretudo segundo por que, quando e como são ou não são sempre
exercitados. Não é, em suma, a fonte ou a forma das normas, mas os seus concretos
conteúdos que justificam ou não justificam politicamente a sua produção.142
Assim sendo, para Luigi Ferrajoli,143
é correto afirmar que o contratualismo clássico
pode ser considerado uma teorização embrionária da democracia, tanto em seu aspecto
político quanto em seu aspecto substancial. Se for extraído do contrato social um esquema de
justificação externa do Estado e do Direito, advindo não somente de um consenso existente
entre os contratantes para sua instituição, como, também, do objetivo de criação do Estado e
do Direito à garantia de seus direitos vitais, do contratualismo clássico será cabível inferir
olhar do Garantismo Jurídico, v. 1); CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 3. ed. rev. e atual. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 108-109; CADEMARTORI, Sérgio Urquhart de. Estado de direito e
legitimidade: uma abordagem garantista. 2. ed. atual. e ampl. Campinas: Millennium, 2007. p. 214; ROSA,
Alexandre Morais da. Garantismo jurídico e controle de constitucionalidade material. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2005. p. 6-8; ROSA, Alexandre Morais da. O que é garantismo jurídico? (teoria geral do direito). Florianópolis: Habitus, 2003. p. 23-26. (Coleção Para entender o Direito, v. 3); CALDAS, Andressa.
Constituição e garantismo jurídico: uma proposta de refundação do estado social. Revista da Faculdade de
Direito da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, v. 35, p. 135-142, 2001. p. 138-141. 142 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
814. 143 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
814-815.
67
uma primeira ruptura com a ideia de que o Estado e o Direito erijam-se como fins em si
mesmos.
O garantismo não ignora que, a partir dos escritos de Jean-Jacques Rousseau,
estabeleceu-se a onipotência da vontade geral que, ao se apresentar como um valor absoluto,
poderia até mesmo ser utilizada como fundamento hábil à restrição de direitos de titularidade
dos próprios contratantes. Também não desconhece que as teses de John Locke e Thomas
Hobbes, com a ressalva de suas singularidades, são habitualmente qualificadas como liberal-
burguesas, vez que dedicadas, em vários de seus pontos, à abordagem dos limites de atuação
estatal e à elaboração de uma teorização inaugural dos direitos fundamentais que ainda está
restrita aos direitos de liberdade e de propriedade.144
No entanto, para a teoria garantista, se examinadas as teses do contratualismo clássico
por uma perspectiva filosófico-política diferenciada, será possível nelas identificar não
somente a artificialidade do Estado e do Direito, que são precedidos pelos indivíduos que os
instituíram, mas, ainda, uma teoria da democracia formal indicativa de “quem pode” decidir e
de “como pode” ser decidido e uma teoria da democracia substancial que apontaria “o que
deve” ser decidido e “o que não deve” ser decidido. Embora sejam reflexões apenas iniciais
sobre a democracia, mostram-se bastante contributivas para uma abordagem ferrajoliana
atual, já que, pelo autor garantista:
A partir desse ponto de vista, podemos bem dizer que o paradigma da democracia
constitucional é filho da filosofia contratualista. Em um duplo sentido. No sentido de
que as constituições são contratos sociais de forma escrita e positiva, pactos
fundantes da convivência civil gerados historicamente pelos movimentos
revolucionários, que, por vezes, foram impostos aos poderes públicos, de outra
forma absolutos, como fontes de sua legitimidade. E no sentido de que a ideia de contrato social é uma metáfora da democracia: da democracia política, dado que
alude ao consenso dos contraentes e, por conseguinte, vale para fundar, pela
primeira vez na história, uma legitimação do poder político desde abaixo; mas é
também uma metáfora da democracia substancial, posto que esse contrato não é um
novo acordo vazio, mas que tem como cláusulas, e, ao mesmo tempo, como causa,
precisamente a tutela dos direitos fundamentais, cuja violação por parte do soberano
legitima a ruptura do pacto e o exercício do direito de resistência.145
144 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
815. 145
FERRAJOLI, Luigi. Derechos fundamentales. In: FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantías: la ley del más
débil. Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez y Andrea Greppi. 4. ed. Madrid: Editorial Trotta, 2004. p. 53.
(Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). No original: “Desde este punto de vista, podemos decir
que el paradigma de la democracia constitucional es hijo de la filosofía contractualista. En doble sentido. En
el sentido de que las constituciones son contratos sociales de forma escrita y positiva, pactos fundantes de la
convivencia civil generados históricamente por los movimientos revolucionarios con los que en ocasiones se
han impuesto a los poderes públicos, de otro modo absolutos, como fuentes de su legitimidade. Y en el
sentido de qual a idea del contrato social es una metáfora de la democracia: de la democracia política, dado
que alude al consenso de los contratantes y, por consiguiente, vale para fundar, por primera vez en la historia,
68
É o que se lê, de modo semelhante, também na Principia Iuris – Teoría del Derecho y
de la Democracia:
É certo que a ideia do contrato social [...] é uma metáfora. Mas é a metáfora,
precisamente, do momento constituinte da democracia constitucional, ou seja,
daquela atividade humana que, de uma maneira ou outra, estabeleceu essa ficção que
é o estado constitucional de direito, como centro e instrumento de imputação das
situações, ativas e passivas, estabelecidas pelos constituintes. Esta atividade pode
consistir em um efetivo pacto de convivência, como foram a Constituição dos
Estados Unidos ou a Carta da ONU e como, provavelmente, será a Constituição europeia, todas elas estipuladas em forma de tratado; ou pode realizar-se mediante
um processo constituinte, que se inicia com o estabelecimento de uma assembleia
constituinte e desenvolve-se com a elaboração e, depois, a aprovação de um texto
constitucional, como ocorreu nas experiências inauguradas pela Revolução francesa;
ou, enfim, pode consistir, em vez de um específico e solene ato normativo produtivo
de uma constituição escrita, em um costume, como é – assim deve se considerar – o
que se encontra na base dos sistemas carentes de uma lei constitucional formal. O
certo é que o Estado, ao consistir, como ocorre em relação a qualquer outra
instituição, em uma entidade fictícia e artificial, não está só constituído, como
ordenamento e pessoa jurídica ao mesmo tempo, por um ato que o institui, mas é,
também, continuamente re-construído, quer dizer, operacionalizado, graças à
realização e, portanto, da efetividade das normas produzidas por ele. O que faz que a imagem do contrato social seja mais pertinente do que nenhuma
outra para representar o ato constituinte de uma democracia constitucional é o fato
de que, na constituição por ele produzida, estipule-se a igualdade através da
atribuição a todos dos direitos fundamentais. Nela, são convencionadas, com efeito,
duas dimensões da igualdade: a dimensão formal, de acordo com a qual as
dinâmicas do ordenamento estabelecido, quer dizer, toda a produção normativa é
confiada direta ou indiretamente à autonomia, individual e coletiva, dos próprios
contratantes ou associados; e a dimensão substancial, conforme a qual tais
dinâmicas, tanto públicas como privadas, estão vinculadas à garantia dos direitos
fundamentais e, em particular, ao respeito dos direitos de liberdade e à satisfação
dos direitos sociais.146
una legitimación del poder político desde abajo; pero es también una metáfora de la democracia substancial,
puesto que este contrato no es un nuevo acuerdo vacío, sino que tiene como cláusulas y a la vez como causa
precisamente la tutela de los derechos fundamentales, cuya violación por parte del soberano legitima la
ruptura del pacto y el ejercicio del derecho de resistencia.” 146 FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia. 2. Teoría de la democracia.
Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz
Miguel. Madrid: Editorial Trotta, 2011a. p. 159-160. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). No
original: “Es cierto que la idea del contrato social [...] es una metáfora. Pero es la metáfora, precisamente, del
momento constituyente de la democracia constitucional, o sea, de aquella actividad humana que, de una
manera u otra, ha estabelecido esa ficción que es el estado constitucional de derecho, como centro e
instrumento de imputación de las situaciones, activas y pasivas, a su vez establecidas por los constituyentes.
Esta actividad puede consistir en un efectivo pacto de convivencia, como lo fueron la Constitutición de los
Estados Unidos o la Carta de la ONU y como probablemente lo será la Constitución europea, estipuladas
todas con la forma del tratado; o puede realizarse mediante un proceso constituyente y se desenrola con la
elaboración y después la aprobación de un texto constitucional, como ha ocorrido en las experiencias por Revolución francesa; o bien, en fin, puede consistir, en vez de en un específico y solemne acto normativo
productivo de una constitución escrita, en una costumbre, como lo es – así debe considerarse – la que se
encuentra en la base de los sistemas carentes de una ley constitucional formal. Lo cierto es que el Estado, al
consistir al igual que cualquier otra institución en una entidade ficticia y artificial, no está sólo constituido,
como ordenamiento y persona jurídica a un tempo, por un acto que lo instituye, sino que es también
continuamente re-constituido, es decir, hecho funcionar, gracias a la realización y por tanto a la efectividad
de las norms producidas por él. Lo que hace que la imagen del contrato social sea más pertinente que ninguna
otra para representar el acto constituyente de una democracia constitucional es el hecho de que en la
constitución por él producida se estipule la igualdad a través de la atribución a todos de los derechos
69
Desta forma, em seu significado filosófico-político, o garantismo presta homenagens
ao contratualismo clássico para, a partir dele, interrogar quaisquer teorias que não situam a
estatalidade como instrumento criado para a tutela e a satisfação de direitos fundamentais das
pessoas e, também, para apostar “na negação de um valor intrínseco do direito somente
porque vigente, e do poder somente porque efetivo, e no primado axiológico relativamente a
eles do ponto de vista ético-político ou externo, virtualmente orientado à sua crítica e
transformação”.147
Por consequência, e exatamente com base nesses elementos, Luigi Ferrajoli148
nega a
adesão garantista a uma visão finalista e otimista do poder,149
a qual tanto atrai as teorias
autopoiéticas e suas inclinações para o totalitarismo. Independentemente da fonte de
legitimação do poder, esse deve ser compreendido como um malefício, tendo em vista que,
além da tendência de se degenerar em despotismo sempre que não estiver limitado e
vinculado, o otimismo quanto ao poder é, habitualmente, associado à existência de uma
sociedade que é pressupostamente caracterizada como má, por via de uma correlação político-
sociológica que, a contrario sensu, também vincula o pessimismo relativo ao poder à noção
de uma sociedade boa.150
Como o que se apresenta relevante para uma teoria garantista é a justificação externa
do Estado e do Direito, o otimismo atinente ao poder – que notabiliza as concepções
autopoiéticas – cede espaço a uma preocupação quanto ao modo de exercício desse poder, que
deverá estar voltado à concretização dos escopos de tutela e satisfação dos direitos,
fundamentales. En ella son convenidas, en efecto, dos dimensiones de la igualdad: la dimensión formal,
conforme a la cual las dinâmicas del ordenamento estabelecido, es decir, toda la producción normativa, se
confían, directa o indirectamente, a la autonomía, individual y colectiva, de los proprios contratantes o asociados; y la dimensión substancial, conforme a la cual tales dinâmicas, tanto públicas como privadas,
están vinculadas a la garantía de los derechos fundamentales y, en particular, al respeto de los derechos de
libertad y a la satisfacción de los derechos sociales.” 147 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
815. 148 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
816-817. 149 Para acessar um estudo aprofundado sobre o poder e seu exercício pelo Estado, a partir dos escritos de José
Alfredo de Oliveira Baracho, Raymond Carré de Malberg, Norberto Bobbio, Filomeno Moraes, Lenio Streck, Karl Loewenstein, Pablo Lucas Verdú, Ekkehart Stein, Jürgen Habermas, Hans Kelsen, Georg Jellinek,
Georges Burdeau, Joaquim José Gomes Canotilho, Jorge Miranda, Marcello Caetano, Mário Lúcio Quintão
Soares e Luiz Sanchez Agesta, confira as lições de BRÊTAS, Ronaldo C. Dias. Processo constitucional e
estado democrático de direito. 3. ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2015. p. 9-17. Sobre a
temática, confira, ainda, a publicação de LEAL, André Cordeiro. Instrumentalidade do processo em crise.
Belo Horizonte: Mandamentos, 2008. p. 31. 150 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
816.
70
notadamente dos direitos fundamentais, ainda que essas ocorram de maneira sempre
imperfeita. É que, para o garantismo, assim como os Estados Constitucionais de Direito são
caracterizados pelo acolhimento de uma inafastável ilegitimidade jurídica, também são
alcançados por uma inarredável ilegitimidade política que, além de atingir a jurisdição, que,
por uma perspectiva ferrajoliana, é sempre, em algum grau, poder discricionário e não
somente uma atividade cognitiva dos juízes destinada à garantia de direitos,151
atinge o
legislativo e o executivo, que se erigem como:
[...] dois poderes do Estado democrático de direito, cuja legitimação depende da sua
capacidade de exprimir e satisfazer a vontade e os interesses representados: do Poder
Legislativo, cuja representatividade é sempre aproximativa e imperfeita por ausência
de mandatos imperativos e pelas mediações burocráticas interpostas pelas partes que
o exprimem; e do Poder Executivo, cuja representatividade é ainda mais tênue e
mediata por suas margens de autonomia e pela não efetividade dos controles
parlamentares. [...]
Esta irredutível ilegitimidade política de todos os poderes no Estado de direito é uma
aporia política do garantismo, que se soma àquela [...] da sua irredutível
ilegitimidade jurídica. A par desta, tal depende da divergência estrutural entre dever-ser e ser que sempre caracteriza os modelos normativos de legitimações impostas –
tanto do exterior como do interior – ao exercício do poder. Diria, também, que uma
irredutível ilegitimidade política é característica fisiológica de todos os
ordenamentos que se fundam sobre modelos de legitimação heteropoiética, ou
ascendente ou descendente. Garantismo e democracia são sempre modelos
normativos imperfeitamente realizados; e valem, portanto, tanto como parâmetros de
legitimação, quanto como parâmetros de perda da legitimação política.
Paradoxalmente, nos regimes absolutos pré-modernos, onde a legitimação provinha
do alto (Deus, nascimento, investidura soberana e similares) e se limitava à fonte de
poder (“quod principi placuit”), a legitimidade – não apenas jurídica (sic) mas
também política – era absoluta, perfeita, enquanto apriorística e incondicionada. Vice-versa, nos modernos Estados de direito, onde provém de baixo e do exterior, a
legitimidade política é sempre relativa, condicionada e mensurável em graus: seja
porque depende do grau de efetiva realização das funções externas que justificam os
poderes (grau de representatividade, grau de satisfação dos direitos garantidos e dos
interesses representados), seja pela imperfeição estrutural dos instrumentos
institucionais a tal fim apontados (representação indireta, princípio da maioria,
garantias jurisdicionais e outras técnicas jurídicas de tutela). Por isso se deve sempre
falar, a propósito dos sistemas políticos que requerem fontes de legitimação de
baixo, de “democracia imperfeita”, de “liberalismo imperfeito”, de “socialismo
imperfeito”, bem como, obviamente, de “garantismo imperfeito”.152
Como filosofia-política, em suma, o garantismo apresenta-se como uma proposição
que permite a crítica externa do Estado e do Direito. Baseando-se na prevalência do ponto de
vista externo (ético-moral) sobre o ponto de vista interno (jurídico) do ordenamento, a teoria
151 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
817. 152 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
817-818.
71
garantista não apenas acolhe a dissociação de validade e justiça, como torna viável a
identificação da ilegitimidade política dos cognominados poderes públicos no Estado
Constitucional de Direito, que é decorrente da lamentável, mas admitida como frequente,
ausência de atuação estatal em prol da concretização dos direitos das pessoas, sobretudo dos
direitos fundamentais.
73
3 DISCRICIONARIEDADE JUDICIÁRIA E A APLICAÇÃO GARANTISTA DA
NORMATIVIDADE JURÍDICA
Com base no que foi exposto, é possível identificar a importância da jurisdição na
proposição ferrajoliana. Pela análise dos significados de garantismo como modelo normativo
de direito, como teoria crítica do direito e como filosofia política, vê-se que a proposta
garantista apresenta-se como absolutamente irrealizável sem que, no âmbito da aplicação do
direito, destaque-se a atuação dos juízes no enfrentamento das falhas normativas que
acometem os sistemas jurídico-positivos atuais.
Desde a criação da Magistratura Democrática, que se estabeleceu na década de setenta
do século XX, na Itália, ressalta-se a centralidade da jurisdição para a implementação da
pretensão garantista que, rejeitando a avaloração na aplicação da lei pelos julgadores, instou
os juízes a assumirem um papel que até então lhes era negado. Os magistrados passam a
ostentar a condição de garantes da legalidade, permutando qualquer atividade de aplicação
mecânica da normatividade jurídica por uma atuação que será, sempre, em alguma medida,
opinável.
O que se extrai dos escritos ferrajolianos é que aplicação do direito pelos juízes exige
a adoção de juízos discricionários pela magistratura, os quais, além de recairem sobre o
resultado probatório, atingem a atividade de seleção da norma aplicável ao suposto de fato. A
identificação judiciária da norma regente dos fatos tidos como provados no âmbito
procedimental passa, necessariamente, pela fixação judiciária do sentido da norma que o
julgador garantista escolheu aplicar, bem como pela certificação da validade desse
significado.
É, por isso, que, de acordo com os fundamentos da teoria garantista, a aplicação
jurídico-normativa não pode prescindir de uma complexa atividade de análise judiciária das
normas cuja incidência é cogitada. Como se já não bastasse a dificuldade relativa à
identificação, no ordenamento jurídico, de uma norma que implemente determinação disposta
em norma que lhe seja hierarquicamente superior e aplicável à regência da hipótese fática
procedimentalmente debatida, é de se considerar que, embora, no recinto de aplicação do
direito, a jurisdição garantista esteja sujeita à lei, o significado dessa lei deve ser previamente
desvendado pelo próprio juiz garantista que, ademais, apenas se sujeita às normas que, além
de estarem vigentes, sejam por ele consideradas válidas.
À jurisdição garantista, dessa forma, é também atribuída a missão de garantir que o
Estado e o Direito não se exponham como fins em si mesmos, mas como instituições
74
artificialmente criadas para a tutela e a satisfação dos direitos das pessoas, principalmente dos
direitos fundamentais. A despeito de ser a jurisdição, habitualmente, indicada como um dos
cognominados poderes públicos, ao lado dos chamados poderes executivo e legislativo,
segundo a teoria geral do garantismo, o juiz “não é precisamente um órgão do aparato de
Estado. A respeito dos demais poderes do Estado, o juiz é um contrapoder, no duplo
sentido”.153
Pelos escritos ferrajolianos, o julgador “é o encarregado do controle da legalidade
sobre atos inválidos e sobre atos ilícitos e, portanto, sobre os danos, provenham de quem
provenham, aos direitos dos cidadãos.”154
É, por esse motivo, que Luigi Ferrajoli155
leciona que, conquanto o consenso popular
esteja, frequentemente, vinculado à legitimação democrática das funções políticas de governo,
não se vincula à jurisdição da mesma maneira. Conforme enuncia o garantista, além de, nos
Estados Constitucionais de Direito, o consenso popular não se colocar como apto, per se, para
a legitimação das decisões tomadas pelas funções de governo, uma vez que, nas democracias
constitucionais, as decisões públicas, assim como as privadas, devem ser tomadas com a
observância da esfera do “indecidível que” e do “indecidível que não”, não se apresenta
sequer aconselhável, por uma perspectiva garantista, a adstrição entre jurisdição e consenso
popular.
Sendo a jurisdição ferrajoliana uma atividade dos juízes que se concretiza pela
aplicação das normas jurídicas válidas aos supostos de fato, para mais de ser exercida de
maneira tendencialmente cognitiva em busca da verdade processual, a qual não pode ser
afastada por um consenso popular que tornaria verdadeiro o que é falso ou falso o que é
verdadeiro,156
deve enfrentar todas as decisões que contrastem com a legalidade,
153 FERRAJOLI, Luigi. El papel de la función judicial en el estado de derecho. In: ATIENZA, Manuel;
FERRAJOLI, Luigi. Jurisdicción y argumentación en el estado constitucional de derecho. México:
Universidad Nacional Autónoma de México, 2005b. p. 100. (Serie Estado de Derecho y Función Judicial).
No original: “[...] no es precisamente un órgano del aparato de Estado, el juez es, si acaso, un contrapoder, en
el doble sentido [...]”. 154 FERRAJOLI, Luigi. El papel de la función judicial en el estado de derecho. In: ATIENZA, Manuel;
FERRAJOLI, Luigi. Jurisdicción y argumentación en el estado constitucional de derecho. México:
Universidad Nacional Autónoma de México, 2005b. p. 100. (Serie Estado de Derecho y Función Judicial).
No original: “[...] es el encargado del control de la legalidad sobre actos inválidos y sobre actos ilícitos y, por
lo tanto, sobre los daños, provengan de quien provengan, a los derechos de los ciudadanos.” No mesmo
sentido, confira o livro de FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2010a. p. 534-535. 155 FERRAJOLI, Luigi. Jurisdição e consenso. Revista Brasileira de Estudos Constitucionais – RBEC, Belo
Horizonte, ano 4, n. 16, out./dez. 2010b. 156 FERRAJOLI, Luigi. O direito como sistema de garantias. Tradução de Eduardo Maia Costa. In: OLIVEIRA
JÚNIOR, José Alcebíades de (Org.). O novo em direito e política. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
1997. p. 102; FERRAJOLI, Luigi. El papel de la función judicial en el estado de derecho. In: ATIENZA,
Manuel; FERRAJOLI, Luigi. Jurisdicción y argumentación en el estado constitucional de derecho.
México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2005b. p. 97-98. (Serie Estado de Derecho y Función
75
principalmente com a legalidade constitucional, ainda que essas decisões sejam
representativas de uma vontade geral alcançada pelo consenso majoritário.
A vinculação entre consenso e jurisdicionalidade, assim, é contrária às próprias fontes
de legitimação da jurisdição abordadas pela proposição de Luigi Ferrajoli,157
o qual, ao se
pronunciar sobre a posição institucional do juiz na democracia constitucional, é taxativo em
afirmar que:
[...] o consenso é a fonte de legitimação democrática das funções políticas de
governo, dentro dos limites e com os vínculos estabelecidos pelas constituições. Mas
por que – e chego assim ao tema da relação que me foi encomendada – o consenso nunca pode ser uma fonte de legitimação também da jurisdição?
A resposta a essa pergunta deve-se procurar na diversidade das fontes de legitimação
do poder judiciário, e mais em geral, das instituições de garantia, em relação àquela
dos poderes políticos: uma diversidade ligada à diversa natureza das funções
públicas e sobre a qual se fundamenta a separação dos poderes. Estas funções são
essencialmente duas, referíveis mais ou menos às duas grandes dimensões da
experiência: vontade e conhecimento, poder e saber, disposição e averiguação,
consenso e verdade, produção e aplicação do direito, legis-latio e juris-dictio, uma
ligada àquela que chamei esfera do decidível, a outra ligada àquela que chamei
indecidível (que ou que não). Pertencem à esfera de discricionariedade do decidível
as funções de governo, nas quais podemos incluir tanto as funções legislativas, como aquelas stricto sensu governativas e aquelas que lhe são auxiliares, de tipo
administrativo. São, ao contrário, instituídas para atuação e para defesa da esfera do
indecidível aquelas que podemos chamar de funções de garantia, nas quais eu incluí
seja a função judiciária, que é uma função de garantia secundária, seja as funções
administrativas de garantia primária dos direitos de liberdade e dos direitos sociais
igualmente vinculadas à lei. As funções de governo desenham o espaço da política,
cujos parâmetros de avaliação são a eficiência e a utilidade dos resultados obtidos,
do ponto de vista dos interesses gerais, e cujas fontes de legitimação são, por isso, a
representação política e o consenso. As funções de garantia correspondem, ao
contrário, ao espaço da jurisdição e da administração vinculada, cujos critérios de
avaliação e cujas fontes de legitimação são a retidão e o fundamento das aferições
dos pressupostos legais de seu exercício.
Assim sendo, compreende-se porque o garantismo opõe-se ao pleito de eleição dos
magistrados, bem como à relação de dependência instalada, na Itália, entre o Ministério
Público e o rotulado poder executivo. No que concerne à jurisdição garantista, que interessa,
especialmente, à pesquisa instrutiva da tese formalizada, as fontes de sua legitimação abonam
a sua desvinculação de qualquer vontade majoritária eletiva e não a sua vinculação, que pode
se apresentar perigosa para a independência de uma jurisdição que, nos Estados
Constitucionais de Direito, situa-se como um contrapoder.158
Judicial); FERRAJOLI, Luigi. Jurisdição e consenso. Revista Brasileira de Estudos Constitucionais –
RBEC, Belo Horizonte, ano 4, n. 16, out./dez. 2010b. 157 FERRAJOLI, Luigi. Jurisdição e consenso. Revista Brasileira de Estudos Constitucionais – RBEC, Belo
Horizonte, ano 4, n. 16, out./dez. 2010b. 158 FERRAJOLI, Luigi. El papel de la función judicial en el estado de derecho. In: ATIENZA, Manuel;
FERRAJOLI, Luigi. Jurisdicción y argumentación en el estado constitucional de derecho. México:
Universidad Nacional Autónoma de México, 2005b. p. 98-100. (Serie Estado de Derecho y Función
76
O que importa assinalar, pelos escritos de Luigi Ferrajoli,159
é que, diante das fontes de
legitimação da jurisdição garantista, “o juiz se reporta à maioria apenas pelo trâmite de sua
sujeição à lei, na qual a vontade majoritária se expressou antes da comissão dos fatos
submetidos a juízo.” Uma sujeição que, no entanto, dá-se de um modo bastante peculiar, vez
que, não obstante a jurisdição seja teorizada como garantia da legalidade, como uma atividade
dos juízes destinada à afirmação da normatividade jurídica e, ainda, como técnica de tutela da
imunidade da pessoa quanto a decisões arbitrárias, é exercida de modo sempre discricionário.
3.1 Juiz como garante da legalidade e a jurisdição garantista como atividade
tendencialmente cognitiva do julgador
Luigi Ferrajoli aponta, por textos diversos, a existência de duas fontes específicas de
legitimação da jurisdição. A primeira delas consiste na atribuição ao julgador do papel de
garante da legalidade e a segunda exprime-se pelo caráter tendencialmente cognitivo da
atividade de aplicação do direito que é realizada pelo juiz garantista.
Em relação à primeira dessas fontes, é de se esclarecer, de logo, que, como já
deixaram entrever os escritos formalizados no segundo capítulo desta tese, o termo garantia
assume contornos teóricos singulares na proposição ferrajoliana. Assim é que, de acordo com
a proposta garantista, mostram-se até recepcionáveis as acepções de garantia a que faz
referência Marina Gascón Abellán,160
ao afirmar que garantir “significa afiançar, assegurar,
proteger, defender, tutelar algo”. Entretanto, diante da complexidade teórica que adjetiva o
estudo desenvolvido por Luigi Ferrajoli, erige-se indispensável registrar que este autor realiza,
em suas publicações, de modo pioneiro, uma análise taxionômica de garantia que impacta
diretamente nas interconexões havidas entre direitos e técnicas destinadas à sua tutela ou
satisfação.
É exatamente em razão da taxionomia proposta por Luigi Ferrajoli que a análise que
este oferta ao tema da garantia distingue-se da que é apresentada por outros estudiosos. Por
amostragem, se fosse sopesada tão somente a conceituação de garantia, pouco divergiria o
significado que é adotado pela proposição ferrajoliana daquele que foi anunciado por José
Judicial).
159 FERRAJOLI, Luigi. Jurisdição e consenso. Revista Brasileira de Estudos Constitucionais – RBEC, Belo
Horizonte, ano 4, n. 16, out./dez. 2010b. 160 ABELLÁN, Marina Gascón. La teoría general del garantismo: rasgos principales. In: CARBONELL, Miguel;
SALAZAR, Pedro (Coord.). Garantismo: estudios sobre el pensamiento jurídico de Luigi Ferrajoli. Madrid:
Editorial Trotta, 2005. p. 21. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). No original: “[...] significa
afianzar, asegurar, proteger, defender, tutelar algo [...]”.
77
Alfredo de Oliveira Baracho,161
já em 1984, ao asseverar que a “própria palavra garantia é
usada como sinônimo de proteção jurídico-política. O conceito vem do direito privado, de
onde decorre sua acepção geral e o seu conteúdo técnico-jurídico; garantir significa assegurar
de modo efetivo.”
Um exame mais aprofundado da temática, no entanto, indica que se trata, apenas, de
uma aproximação teórica, tendo em vista que, não obstante estejam contempladas na
significação de garantia proposta por Luigi Ferrajoli as garantias processuais e jurisdicionais,
que são assinaladas por José Alfredo de Oliveira Baracho162
como as que completam e
permitem a efetivação das declarações de direitos, também se enquadram no conceito de
garantia, por uma perspectiva ferrajoliana, as técnicas de índole não processual ou
jurisdicional, que estariam, igualmente, destinadas à complementação e à efetivação de
direitos, sejam eles fundamentais ou não, e cuja violação impõe-se como indispensável à
atuação das garantias aludidas pelo autor mineiro, que são classificadas, pela teoria garantista,
como garantias secundárias.
Pelo garantismo, logo, ao lado das garantias processuais e jurisdicionais, essas,
habitualmente, apontadas como as autênticas garantias,163
também se apresentam as chamadas
161 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 138. 162 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 140;
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria geral do constitucionalismo. Revista de Informação
Legislativa, Brasília, v. 23, n. 91, p. 5-62, jul./set. 1986. p. 45. 163 É o que se lê, principalmente, na análise de Héctor Fix-Zamudio que, ao se pronunciar sobre o escorço
conceitual de garantia no ano de 1988, aduziu, com base em autores diversos, que, ultimamente, “[...] a
doutrina moderna começou a perceber que a simples elevação de certos direitos da pessoa humana à
categoria de preceitos constitucionais não era suficiente para ‘garantir’ sua eficácia, como a dolorosa e
atormentada história de nossos povos latino-americanos tem demonstrado repetidamente. [...] Com efeito,
atualmente, são numerosos os constitucionalistas que consideram que a verdadeira garantia dos direitos da pessoa humana consiste precisamente em sua proteção processual e devemos reconhecer que os juristas
italianos vêm desenvolvendo, admiravelmente, a teoria das garantias constitucionais em sentido estrito, isto
é, entendidas como instrumentos processuais para lograr a efetividade das normas da Constituição, até o
extremo de incorporá-las ao próprio texto da carta fundamental de dezembro de 1947, cujo título VI intitula-
se, precisamente, ‘Das garantias constitucionais”, dentre as quais compreende, corretamente, as atribuições
da Corte Constitucional (artigos 134-137). [...] Mas, também, a doutrina latino-americana, e particularmente
a argentina e a panamenha, adotaram uma postura similar, em certo sentido, à italiana [...]”. FIX-ZAMUDIO.
Héctor. Lationoamerica: constitucion, proceso y derechos humanos. México: Grupo Editorial Miguel Angel
Porrua, 1988. p. 58. No original: “[...] la doctrina moderna empezó a percatarse de que la simple elevación de
ciertos derechos de la persona humana al rango de preceptos constitucionales no era suficiente para
‘garantizar’ su eficacia, com la dolorosa y atormentada historia de nuestros pueblos latino-americanos lo ha demonstrado repetidamente. [...] En efecto, ya en la actualidad son numerosos los constitucionalistas que
consideran que la verdadeira garantía de los derechos de la persona humana consiste precisamente en su
protección procesal, y debemos reconocer que los juristas italianos han desarrollado admirablemente la teoría
de las garantías constitucionales en sentido estricto, es decir, entendidas como instrumentos procesales para
lograr la efectividad de las normas de la Constitución, hasta el extremo de incorporarlas al mismo texto de la
carta fundamental de diciembre de 1947, cuyo título VI se intitula precisamente ‘De las garantías
constitucionales’, entre las cuales comprende, correctamente, las atribuciones de la Corte Constitucional
(artículos 134-137). [...] Pero también la doctrina latino-americana, y particularmente la argentina e
panameña han adoptado una postura en cierto sentido similar a la italiana [...]”. Dentre os constitucionalistas
78
garantias substanciais, que gozam de igual prestígio na proposição ferrajoliana. As lições de
Luigi Ferrajoli acerca da garantia não discrepam do magistério de José Alfredo de Oliveira
Baracho,164
quando este assevera que a “necessidade de defender a sociedade e o indivíduo
quanto ao excesso ou abuso de poder dá origem à idéia institucional de garantia, que tem o
objetivo de resolver os dilemas entre a autoridade e a liberdade”, mas, em face das
peculiaridades da proposta garantista, há de se acolher com ressalvas uma possível
identificação das teorizações de garantia formalizadas pelos dois autores, extensiva às demais
abordagens que deixam de dispor sobre a existência de garantias de direitos não
fundamentais, acerca do possível caráter não processual ou jurisdicional da garantia e, ainda,
a respeito da diferenciação entre garantias primárias e secundárias.
É, a partir desses três aspectos, que a teorização ferrajoliana de garantia parece mesmo
assumir originalidade, conforme se vê da seguinte síntese:
Proponho chamar garantia a toda obrigação correspondente a um direito subjetivo, entendendo por “direito subjetivo” toda expectativa jurídica positiva (de prestações)
ou negativa (de não lesões). Distinguirei, portanto, entre garantias positivas e
garantias negativas, conforme seja positiva ou negativa a expectativa garantida. As
garantias positivas consistem na obrigação da comissão; as garantias negativas na
obrigação da omissão – quer dizer, na proibição – do comportamento que é conteúdo
da expectativa.
São, portanto, garantias, respectivamente positivas e negativas, as obrigações de
prestação e as proibições de lesão correspondentes a essas particulares expectativas
que são os direitos subjetivos, sejam patrimoniais ou fundamentais. Mas, também,
são garantias as obrigações correspondentes às particulares expectativas de
reparação, mediante sanção (para os atos ilícitos) ou anulação (para os atos não válidos), que são geradas com a violação dos direitos subjetivos. Desta forma, entra
em jogo uma segunda e muito importante distinção. Chamarei garantias primárias
ou substanciais as garantias consistentes nas obrigações ou proibições que
correspondem aos direitos subjetivos garantidos. Chamarei garantias secundárias
ou jurisdicionais as obrigações, por parte dos órgãos judiciais, de aplicar a sanção ou
de declarar a nulidade, quando constatem, no primeiro caso, atos ilícitos e, no
segundo, atos não válidos, que violem direitos subjetivos e, com eles, suas
correspondentes garantias.
Correlativamente, pode-se chamar normas primárias as que disponham obrigações e
proibições, incluídas, portanto, as garantias primárias, e normas secundárias as que
predisponham as garantias secundárias da anulação ou da sanção, no caso de que
tenham sido violadas as normas primárias e garantias primárias. Por exemplo, a garantia primária do direito de propriedade é a proibição do furto estabelecida pela
norma primária que cria o delito de furto; a garantia secundária é a obrigação de
aplicar a sanção prevista pelas normas secundárias que castigam o furto e que
disciplinam as formas de sua persecução.165
brasileiros, o caráter atribuído às garantias processuais e jurisdicionais por Héctor Fix-Zamudio é sublinhado,
sobretudo, por FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 22. ed. São Paulo:
Saraiva, 1995. p. 248; e MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direito constitucional. Belo Horizonte:
Mandamentos, 2000. p. 151. t. I. 164 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 130. 165 FERRAJOLI, Luigi. Garantías. Revista Jueces para la Democracia: información y debate, Madrid, v. 38, p.
39-46, jul. 2000b. p. 40. No original: “Propogno llamar garantía a toda obligación correspondiente a un
derecho subjetivo, entendendo por ‘derecho subjetivo’ toda expectativa jurídica positiva (de prestaciones) o
79
E conclui:
É evidente que, enquanto que a observância das garantias (e das normas) primárias
equivale à satisfação de maneira primária e substancial dos direitos garantidos por
elas, a das garantias (e das normas) secundárias opera, só eventualmente, como
remédio previsto para a reparação da inobservância das primeiras representada por
atos ilícitos ou atos inválidos. Por isso, falarei, ademais, de efetividade e inefetividade primária, de primeiro grau ou substancial a propósito da observância
ou inobservância das normas (e garantias) primárias, e de efetividade ou
inefetividade secundária ou de segundo grau ou jurisdicional a propósito da
observância ou inobservância das secundárias.166
Para Luigi Ferrajoli,167
com efeito, a jurisdição é apontada como uma garantia e não
como um direito. Além disso, para o garantista, a “mais clássica e importante das funções de
negativa (de no lesiones). Distinguiré, por tanto, entre garantías positivas y garantías negativas, según que
resulte positiva o negativa la expectativa garantizada. Las garantías positivas consistirán en la obligación de
la omisión – es decir, en la prohibición – del comportamento que es contenido de la expectativa. Son, por
tanto, garantías, respectivamente, positivas e negativas, las obligaciones de prestación y las prohibiciones de
lesión correspondientes a esas particulares expectativas que son los derechos subjetivos, sean patrimoniales o
fundamentales. Pero tambíén son garantías las obligaciones correspondientes a las particulares expectativas
de reparación, mediante sanción (para los actos ilícitos) o anulación (para os actos no válidos), que se
generan con la violación de los derechos subjetivos. De esta forma, entra en juego una segunda y muy
importante distinción. Llamaré garantías primarias o sustanciales a las garantías consistentes en las obligaciones o prohibiciones que corresponden a los derechos subjetivos garantizados. Llamaré garantías
secundarias o jurisdiccionales a las obligaciones, por parte de los órganos judiciales, de aplicar la sanción o
de declarar la nulidad cuando se constaten, en el primer caso, actos ilícitos y, en el segundo, actos no válidos
que violen los derechos subjetivos y, con ellos, sus correspondientes garantías primarias. Correlativamente,
se puede llamar normas primarias a las que disponen obligaciones y prohibiciones, incluídas por tanto a las
garantías primarias, y normas secundarias a las que predisponen las garantías secundarias de la anulación o
de la sanción, en el caso de que hayan resultado violados las normas y garantías primarias. Por ejemplo, la
garantía primaria del derecho de propriedad es la prohibición del hurto establecida por la norma primaria que
crea el delito de hurto; la garantía secundaria es la obligación de aplicar la sanción prevista por las normas
secundarias que castigan el hurto y que disciplinan las formas de su persecución. 166 FERRAJOLI, Luigi. Garantías. Revista Jueces para la Democracia: información y debate, Madrid, v. 38, p.
39-46, jul. 2000b. p. 40. No original: “Es evidente que mientras que la observancia de las garantías (y de las normas) primarias equivale a la satisfacción de manera primaria y substancial de los derechos garantizados
por ellas, la de las garantías (y de las normas) secundarias opera, sólo eventualmente, como remedio previsto
para la reparación de la inobservância de las primeras representada por los actos ilícitos o los actos inválidos.
Por ello, hablaré, además, de efectividad o inefectividad primaria, de primer grado o sustancial a propósito
de la observancia o inobservancia de las normas (y garantías) primarias, y de efectividad o inefectividad
secundaria, de segundo grado o jurisdiccional a propósito de la observancia o inobservancia de las normas
secundárias.” 167 Segundo Paulo Bonavides, “o erro de confundir direitos e garantias, de fazer um sinônimo de outro, tem sido
reprovado pela boa doutrina, que separa com nitidez os dois institutos, não incidindo em lapsos dessa
ordem”. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 528.
Dentre os autores brasileiros, a ausência de distinção entre direitos e garantias é também objeto de destacada reprovação por BARACHO, José Alfredo de Oliveira. As perspectivas de uma teoria geral do processo
constitucional no direito comparado. Particularidades do processo constitucional. In: BARACHO, José
Alfredo de Oliveira. Direito processual constitucional: aspectos contemporâneos. Belo Horizonte: Fórum,
2008a. p. 23-24; BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo constitucional: conceito, natureza e objeto.
Ação e legitimação. In: BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Direito processual constitucional: aspectos
contemporâneos. Belo Horizonte: Fórum, 2008b. p. 47; BARACHO, José Alfredo de Oliveira. A proteção
judicial dos direitos fundamentais. In: BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Direito processual
constitucional: aspectos contemporâneos. Belo Horizonte: Fórum, 2008c. p. 53-54; BARACHO, José
Alfredo de Oliveira. Cidadania e dignidade humana. A plenitude da cidadania e as garantias constitucionais e
80
garantia é certamente a jurisdicional, que desenvolve um papel central na vida do direito
como função de garantia secundária”,168
cabendo-lhe atuar em prol da anulação ou da
responsabilização diante das eventuais violações das garantias primárias provocadas por atos
inválidos ou ilícitos.
É, por sua destinação, portanto, que a teoria ferrajoliana adjetiva as garantias
secundárias, dentre as quais se destaca a jurisdição, como garantias reparadoras em sentido
amplo,169
uma vez que, ao contrário do que ocorre com as garantias primárias, que são
dirigidas à imediata tutela ou satisfação de direitos mediante acatamento das proibições ou
prestações que lhe são correspondentes, as garantias secundárias atuam sempre após a
violação das garantias primárias, com o objetivo de possibilitar o incremento de um ato de
anulação ou de sanção, que atuaria no enfrentamento da inobservância dos limites e vínculos
positivados ao exercício do poder.
É, também por isso, que, por uma proposta garantista, apresenta-se viável o
estabelecimento de uma importante correlação prático-teórica entre o advento do Estado
Constitucional de Direito e a ampliação dos espaços de atuação da jurisdição.170
Isso porque,
se focados os limites e os vínculos impostos ao exercício do poder, é de se considerar que, de
acordo com o garantismo, na medida em que esses aumentam é, igualmente, majorada a
possibilidade de sua não observância. Quanto mais limites e vínculos são estabelecidos ao
exercício do poder, maior é a incidência de sua violação e, de conseguinte, mais necessária é a
intervenção da jurisdição como garantia secundária.
processuais. Proteção constitucional e proteção internacional dos direitos do homem: concorrente ou
complementar. Constituição e direito internacional. In: BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Direito
processual constitucional: aspectos contemporâneos. Belo Horizonte: Fórum, 2008d. p. 213-216;
BARBOSA, Ruy. A constituição e os actos inconstitucionais do congresso e do executivo ante a justiça
federal. 2. ed. Rio de Janeiro: Atlantida, 1893. p. 189-190; BRÊTAS, Ronaldo C. Dias. Processo
constitucional e estado democrático de direito. 3. ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2015. p.
91-93. Na literatura especializada estrangeira, a identificação de direitos e garantias é especialmente refutada
por FIX-ZAMUDIO. Héctor. Lationoamerica: constitucion, proceso y derechos humanos. México: Grupo
Editorial Miguel Angel Porrua, 1988. p. 59; e MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 2. ed.
rev. e atual. Coimbra: Coimbra, 1993. p. 88-89. t. 4. Note-se, por oportuno, que, conforme os estudos
referenciados, por uma distinção entre direitos e garantias, a jurisdição jamais é caracterizada como uma
garantia, mas, em sentido contrário, como um direito fundamental. 168 FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia. 1. Teoría del derecho. Traducción
de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz Miguel.
Madrid: Editorial Trotta, 2011c. p. 831. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). No original: “La mais clásica e importante de las funciones de garantía es certamente la jurisdicional, que desarrolla un papel
central en la vida del derecho como función de garantía secundária.” 169 FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia. 1. Teoría del derecho. Traducción
de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz Miguel.
Madrid: Editorial Trotta, 2011c. p. 637. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). 170 FERRAJOLI, Luigi. El papel de la función judicial en el estado de derecho. In: ATIENZA, Manuel;
FERRAJOLI, Luigi. Jurisdicción y argumentación en el estado constitucional de derecho. México:
Universidad Nacional Autónoma de México, 2005b. p. 87-105. (Serie Estado de Derecho y Función
Judicial).
81
Assim, por uma perspectiva garantista, se considerado o Estado Legislativo de Direito,
é de se identificar nele um reduzido espaço destinado à atuação judiciária. A ausência de
rigidez constitucional somada à onipotência da maioria implicava em uma sobrevalorização
da atuação política, a qual, com base no princípio da mera legalidade, estava autorizada a
reduzir ou a suprimir direitos já atribuídos às pessoas. Foi o que ocorreu, em um primeiro
momento, com a consagração da vontade majoritária burguesa e, em um segundo momento,
com o louvor expendido à vontade do jefe. Acrescendo-se a isso o caráter abstencionista do
Estado Legislativo de Direito, em sua perspectiva liberal, ou o caráter totalizante desse
modelo normativo de direito, na versão autoritária, extrai-se o motivo pelo qual a jurisdição
atuava de modo restrito, se comparada com a sua atuação nos Estados Constitucionais de
Direito, de acordo com os perfis traçados pela teoria garantista.
Como esclarece Luigi Ferrajoli,171
ao se pronunciar sobre o que denomina correlação
biunívoca entre Estado de Direito e jurisdição:
No Estado paleoliberal de oitocentos, estes vínculos eram mínimos. Primeiro,
porque o papel do Estado era mínimo: tutor e garante da ordem pública interna,
através do direito e da jurisdição penal, e da certeza dos tratos comerciais através do
direito e da jurisdição civil. Em segundo lugar, porque, durante muito tempo, o Estado e as outras entidades públicas, incluída a administração pública, não haviam
sido concebidos como possíveis partes processuais e os atos legislativos e
administrativos não se consideravam sujeitos à jurisdição. A jurisdição civil e penal
– uma referida à tutela dos direitos nas relações privadas e à verificação e reparação
de ilícitos civis, e a outra referida à verificação e ao castigo dos atos ilícitos penais –
estava destinada unicamente aos cidadãos, isto é, à sociedade. Foi com muita
lentidão que se desenvolveu, no século XIX, um contencioso administrativo entre
instituições públicas e cidadãos. E não foi até a segunda metade do século passado
[século XX], quando se desenvolveu, na Europa, um contencioso legislativo, com a
introdução do controle da constitucionalidade sobre a legislação ordinária.
Para o garantismo,172
o aumento do âmbito de regulação do direito e, por
consequência, de atuação da jurisdição, deve-se a duas razões, que são apontadas como
171 FERRAJOLI, Luigi. El papel de la función judicial en el estado de derecho. In: ATIENZA, Manuel;
FERRAJOLI, Luigi. Jurisdicción y argumentación en el estado constitucional de derecho. México:
Universidad Nacional Autónoma de México, 2005b. p. 87-88. (Serie Estado de Derecho y Función Judicial).
No original: “En el Estado paleoliberal del ochocentos, estos vínculos eran mínimos. Primeiro, porque el
papel del Estado era mínimo: tutor y garante da orden público interno, a través del derecho y la jurisdicción
civil. En segundo lugar, porque durante mucho tempo, el Estado y las otras entidades públicas, incluída la administración pública, no habían sido concebidos como posibles partes procesales y los atos legislativos y
administrativos no se considerabam justiciables. La jurisdicción civil y penal – una referida a la tutela de los
derechos en las relaciones privadas y a la verificación y reparación de ilícitos civiles, y la otra referida a la
verificación y al castigo de los ilícitos penales – estaba destinada únicamente a los ciudadanos, es decir, a la
sociedade. Fue con mucha lentitud que se desarrolló, en el siglo XIX, un contencioso administrativo entre
instituciones públicas e ciudadanos. Y no fue sino hasta la segunda mitad del siglo pasado cuando se
desarrolló, en Europa, un contencioso legislativo, con la introducción del control de la constitucionalidad
sobre la legislación ordinaria.” 172 FERRAJOLI, Luigi. El papel de la función judicial en el estado de derecho. In: ATIENZA, Manuel;
82
estruturais e irreversíveis. A primeira delas diz respeito ao advento dos Estados
Constitucionais de Direito e a segunda é relacionada às novas tarefas fixadas ao Estado que,
em uma concepção não apenas liberal, mas também social, assume o status de interventor na
economia e na sociedade.
Conforme a proposição garantista, o advento do Estado Constitucional de Direito foi
coetâneo à instituição de Constituições rígidas na Europa, as quais se notabilizaram pela
incorporação de limites e vínculos ao denominado poder legislativo que, até então, impunha-
se imune ao controle judiciário. Se, no Estado Legislativo de Direito, apenas os chamados
poderes executivo e judiciário eram submetidos a controle, com a instalação do novo modelo
normativo de direito e, logo, com a crise que inaugurou em relação às diretrizes da primazia
da legalidade formal e da onipotência da maioria, altera-se o locus ocupado pela política e
modifica-se a atuação da jurisdição, já que, no Estado Legislativo de Direito, a política
prevalecia sobre o direito e o “papel do juiz como órgão sujeito somente à lei se configurava,
por conseguinte, como uma mera função técnica de aplicação da lei, qualquer que fosse seu
conteúdo.”173
Com a refundação do Estado Legislativo de Direito proporcionada pela implantação
das Constituições rígidas no período do pós Segunda Guerra Mundial, o princípio da
legalidade deixa de ser abordado exclusivamente no seu aspecto formal e passa a exigir, à
aferição da validade normativa, não apenas a positivação regular das normas, mas que os seus
conteúdos estejam em consonância com os significados dispostos em norma hierarquicamente
superior. A compatibilidade conteudística é imposta sempre que o ato formal apresente-se
como decisório, motivo pelo qual a validade das leis infraconstitucionais somente é
identificada se essas leis estiverem em consonância com as normas constitucionais sob os
enfoques formal e de conteúdo.
Nos Estados Constitucionais de Direito, portanto, também o legislador submete-se à
lei, especialmente à lei constitucional, não podendo mais produzir normas gerais e abstratas,
ainda que fundadas em uma afirmada vontade majoritária dos cidadãos, que violem as
exigências de forma e de conteúdo ditadas por norma que lhe seja supraordenada. Trata-se do
que a proposição garantista intitula segunda revolução na história da modernidade jurídica,
FERRAJOLI, Luigi. Jurisdicción y argumentación en el estado constitucional de derecho. México:
Universidad Nacional Autónoma de México, 2005b. p. 89-95. (Serie Estado de Derecho y Función Judicial). 173 FERRAJOLI, Luigi. El papel de la función judicial en el estado de derecho. In: ATIENZA, Manuel;
FERRAJOLI, Luigi. Jurisdicción y argumentación en el estado constitucional de derecho. México:
Universidad Nacional Autónoma de México, 2005b. p. 89. (Serie Estado de Derecho y Función Judicial). No
original: “[...] papel del juez como órgano sujeto sólo a la ley se configuraba, por conseguinte, como mera
función técnica de aplicación de la ley, cualquiera que fuese su contenido.”
83
que é afamada por alterar, por completo, a metodologia de análise do direito, da política e da
democracia que foi inaugurada com a chamada primeira revolução, a qual, por sua vez, foi
responsável pela interrogação das concepções de direito natural até então dominantes em prol
da defesa da tese de que o direito válido é o direito positivado, mediante inversão da máxima
veritas non auctoritas facit legem para auctoritas non veritas facit legem.174
Pela sujeição dos denominados poderes privados e públicos à lei, não mais somente ao
aspecto de forma normativa como, igualmente, ao de conteúdo, distinguem-se vigência e
validade normativas, bem como validade formal e validade material. Inaugura-se o que a
teoria garantista rotula de dimensão substancial da democracia que, em conjunto com a
nomeada dimensão formal, constitui a designada dimensão constitucional de democracia.
Ampliam-se os espaços de atuação da jurisdição, assim descritos por Luigi Ferrajoli,175
ao se
reportar ao novo papel dos juízes italianos em face da lei:
Podemos entender a alteração de posição do juiz frente à lei que produz este novo paradigma: não só, como é óbvio, dos tribunais constitucionais encarregados do
controle da constitucionalidade das leis, mas, também, dos juízes ordinários que têm
o dever e o poder de ativar dito controle. A sujeição à lei e, em primeiro lugar, à
Constituição, de fato, transforma o juiz em garante dos direitos fundamentais,
inclusive contra o legislador, através da censura da invalidez das leis que violam
esses direitos. Esta censura é promovida por juízes ordinários e declarada pelas
cortes constitucionais. De fato, esta já não é, como no velho paradigma
paleopositivista, sujeição à letra da lei, qualquer que seja o seu significado, mas
sujeição à lei só se é válida, quer dizer, se é coerente com a Constituição. No modelo
constitucional garantista, a validez já não é um dogma ligado à mera existência
formal da lei, mas uma qualidade contingente ligada à coerência – remetida à avaliação do juiz – de seus significados com a Constituição. Disso se deriva que a
interpretação judicial da lei é também um juízo sobre a própria lei, de onde o juiz
tem a tarefa de escolher somente os significados válidos, ou seja, aqueles
compatíveis com as normas constitucionais substanciais e com os direitos
fundamentais que estas estabelecem.
174 FERRAJOLI, Luigi. El papel de la función judicial en el estado de derecho. In: ATIENZA, Manuel;
FERRAJOLI, Luigi. Jurisdicción y argumentación en el estado constitucional de derecho. México:
Universidad Nacional Autónoma de México, 2005b. p. 90-92. (Serie Estado de Derecho y Función Judicial). 175 FERRAJOLI, Luigi. El papel de la función judicial en el estado de derecho. In: ATIENZA, Manuel;
FERRAJOLI, Luigi. Jurisdicción y argumentación en el estado constitucional de derecho. México:
Universidad Nacional Autónoma de México, 2005b. p. 93-94. (Serie Estado de Derecho y Función Judicial).
No original: “Podemos entender el cambio de ubicación del juez frente a la ley que produce este nuevo
paradigma: no sólo, como es obvio, de los tribunales constitucionales encargados del control de la
constitucionalidad de las leyes, sino también de los jueces ordinarios que tienen el deber y el poder de activar
dicho control. La sujeción a la ley y, ante todo, a la Constitución, de hecho, transforma al juez en garante de los derechos fundamentales, incluso contra el legislador, a través de la censura de invalidez de las leyes que
violan esos derechos. Esta censura es promovida por jueces ordinarios y es declarada por las cortes
constitucionales. De hecho, ésta ya no es, como en el viejo paradigma paleoiuspositivista, sujeción a la letra
de la ley sólo si es válida, es decir, si es coerente con la Constitución. En el modelo constitucional garantista,
la validez ya no es un dogma ligado a la mera existencia formal de la ley, sino una cualidad contingente
ligada a la coherencia – remetida a la evaluación del juez – de sus significados con la Constitución. De ello se
deriva que la interpretación judicial de la ley es también un juicio sobre la ley misma, donde el juez tiene la
tarea de escoger sólo los significados válidos, o sea aquelles compatibles con las normas constitucionales
sustanciales y con los derechos fundamentales que éstas establecen.”
84
Para a proposição garantista, ademais, cabe à jurisdição atuar em favor do
enfrentamento de um direito lacunoso que se verifica em decorrência da ausência de produção
de normas impostas pela esfera do “indecidível que não”. A admissão garantista da falta de
plenitude do ordenamento jurídico é determinativa de que os juízes também se diligenciem
pelo combate de uma inadimplência continuada do Estado na implementação de direitos
fundamentais sociais, ora mediante instigação da autoridade estatal competente para a
produção de garantias primárias e secundárias à colmatação das lacunas que não podem ser
diretamente preenchidas pelos julgadores, ora pela necessária defesa da legalidade no
exercício das funções governativas responsáveis pela efetivação desses direitos e garantias.
É que, por sua nova configuração, cabe ao Estado não piorar as condições de vida das
pessoas – pela tutela de suas imunidades e liberdades –, assim como melhorar essas condições
de vida pela satisfação de direitos sociais, dentre os quais se realçam o direito à educação, à
saúde e à previdência social.176
Com isso, é imposto ao Estado Constitucional de Direito uma
ampliação de suas funções, que não foi acompanhada pela institucionalização de “garantias
eficazes para os novos direitos e de mecanismos adequados de controle político e
administrativo.”177
Conforme afirma Luigi Ferrajoli,178
diante dessa situação:
O resultado foi uma crise da legalidade na esfera pública. Por uma parte, um
aumento descontrolado da discricionariedade dos poderes públicos; por outra, uma
crescente ilegalidade dos mesmos, que se manifesta, em todas as democracias avançadas – na Itália, Espanha, França e Japão, assim como nos Estados Unidos da
176
FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia. 1. Teoría del derecho. Traducción
de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz Miguel.
Madrid: Editorial Trotta, 2011c. p. 732. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). 177 FERRAJOLI, Luigi. El papel de la función judicial en el estado de derecho. In: ATIENZA, Manuel;
FERRAJOLI, Luigi. Jurisdicción y argumentación en el estado constitucional de derecho. México:
Universidad Nacional Autónoma de México, 2005b. p. 94-95. (Serie Estado de Derecho y Función Judicial).
No original: “[...] garantías eficaces para los nuevos derechos y de mecanismos adecuados de control político
y administrativo.” 178 FERRAJOLI, Luigi. El papel de la función judicial en el estado de derecho. In: ATIENZA, Manuel;
FERRAJOLI, Luigi. Jurisdicción y argumentación en el estado constitucional de derecho. México:
Universidad Nacional Autónoma de México, 2005b. p. 94-95. (Serie Estado de Derecho y Función Judicial).
No original: “El resultado fue una crisis de la legalidad en la esfera pública. Por una parte, un aumento
descontrolado de la discricionalidad de los poderes públicos; por la otra, una creciente ilegalidad de los
mismos que se manifesta, en todas las democracias avanzadas – en Italia, España, Francia y Japón, así como en los Estados Unidos de América y en los países de América Latina – en el desarrollo de la corrupción, así
como de procesos de dislocación de poder político a sedes invisibles que escapan a lo control político e
jurisdicional. Queda claro que también este segundo fenómeno contribuyó a la expansión de la jurisdicción, a
la que dio un nuevo papel: el de la defensa de la legalidad contra la criminalidad del poder. Éste es un papel
central, dado que la defensa de la legalidad equivale a la defensa del principio del Estado de derecho, que es
la sujeción a la ley por parte de todos los poderes públicos y que constituye a su vez una premissa esencial de
la democracia. Esto significa también transparencia, controlabilidad y responsabilidad en el ejercicio de las
funciones públicas, igualdad de todos ante la ley, ausencia de poderes invisibles, de dobles Estados, de dobles
niveles de acción política y administrativa.”
85
América e nos países da América Latina – no desenvolvimento da corrupção, assim
como de processos de deslocamento do poder político a sedes invisíveis que
escapam ao controle político e jurisdicional.
Resta claro que também este segundo fenômeno contribuiu para a expansão da
jurisdição, à qual deu um novo papel: o da defesa da legalidade contra a
criminalidade do poder. Este é um papel central, dado que a defesa da legalidade
equivale à defesa do princípio do Estado de direito, que é a sujeição à lei por parte
de todos os poderes públicos e que constitui, a sua vez, uma premissa essencial da
democracia. Isto significa, também, transparência, controlabilidade e
responsabilidade no exercício das funções públicas, igualdade de todos perante à lei,
ausência de poderes invisíveis, de Estados especiosos, de aparentes níveis de ação política e administrativa.
Com efeito, de acordo com a proposição ferrajoliana, com a expansão dos espaços de
atuação do Estado Constitucional de Direito, que é, simultaneamente, um Estado Liberal
mínimo e um Estado Social máximo,179
também os espaços de atuação da jurisdição foram
ampliados. Nesse novo modelo normativo de direito, os juízes assumem a condição de
garantes, cabendo-lhes não apenas garantir direitos – sejam esses fundamentais ou não –,
como garantir o exercício legal dos denominados poderes público e privado.
De conseguinte, como poder estatal e, também, como contrapoder, a jurisdição recebe
grande destaque nas cogitações garantistas. O risco de que seja exercida de modo logicamente
incontrolado, contudo, não se faz ignorado pelos escritos ferrajolianos, que apontam, como
segundo fundamento de legitimação da jurisdição, o seu caráter tendencialmente cognitivo. A
jurisdição garantista deve ser compreendida como uma atividade dos juízes destinada à
verificação das violações de direito, que são representadas pela produção de atos ilícitos ou
inválidos.180
Por essa característica, a jurisdição distingue-se das funções de governo
exercidas pelo chamados poderes legislativo e executivo, uma vez que:
As leis, os regulamentos, os negócios particulares e grande parte dos provimentos
administrativos são atos apenas preceptivos, nem verdadeiros nem falsos, cuja
validade jurídica depende somente do respeito das normas sobre sua formação e cuja
legitimação política depende: na esfera privada, da autonomia de seus autores; na esfera pública, de sua oportunidade e aderência aos interesses gerais. As sentenças,
ao contrário, são sempre aferições de uma violação e, exigem, portanto, uma
motivação fundada em argumentos cognitivos em fato, e recognitivos em direito, de
cuja verdade, embora aproximada como qualquer verdade empírica, depende tanto
sua validade ou legitimação jurídica, quanto sua justiça ou legitimação política: se
nós criticamos uma condenação ou uma absolvição como injustas, é porque
consideramos falsas suas motivações.
179 FERRAJOLI, Luigi. Dei diritti e delle garanzie: conversazione con Mauro Barberis. Bologna: Il Mulino,
2013a. p. 64. (Collana Contemporanea). 180 FERRAJOLI, Luigi. El papel de la función judicial en el estado de derecho. In: ATIENZA, Manuel;
FERRAJOLI, Luigi. Jurisdicción y argumentación en el estado constitucional de derecho. México:
Universidad Nacional Autónoma de México, 2005b. p. 101. (Serie Estado de Derecho y Función Judicial);
FERRAJOLI, Luigi. Jurisdição e consenso. Revista Brasileira de Estudos Constitucionais – RBEC, Belo
Horizonte, ano 4, n. 16, out./dez. 2010b.
86
Por um lado, a natureza cognitiva da jurisdição vale então para configurá-la,
diversamente da legislação e da administração, como aplicação substancial em vez
que como simples respeito da lei: em suma, como afirmação da lei. Por outro lado,
vale para garantir aquele direito fundamental específico tutelado pela jurisdição que
é a imunidade da pessoa em relação a pronunciamentos arbitrários. Sob ambos os
aspectos, por outro lado, também a jurisdição se liga, assim como a legislação, à
vontade popular: porque é aplicação daquela vontade política que se manifestou
tanto nas leis como nas normas constitucionais sobre direitos fundamentais,
estipuladas umas e outras sob o véu da ignorância, que por isso se manifesta por
meio de regras gerais e abstratas.181
Por uma perspectiva garantista, logo, é pelo acatamento do caráter tendencialmente
cognitivo da jurisdição que se apresenta viável o controle da decisão proferida no recinto de
aplicação da normatividade jurídica, vez que, se não motivada em argumentos cognitivos em
fato e recognitivos em direito, a aferição da verdade da motivação decisória não seria
logicamente possível. Daí, não obstante a proposição garantista reconheça a impossibilidade
de se afirmar que uma tese decisória seja absolutamente verdadeira, tal qual ocorre em relação
à pretensão de verdade objetiva a respeito de qualquer outro âmbito de investigação prática ou
teórica, sustenta que a verdade deve ser perseguida no momento da afirmação da lei, desde
que seja acolhido o termo verdadeiro em uma perspectiva diversa daquela que foi adotada
pelos iluministas.
Para Luigi Ferrajoli,182
a ideia de verdade como correspondência sustentada pelos
iluministas é uma ingenuidade epistemológica, porque crer em um perfeito enquadramento
fático-jurídico e em uma decisão como ato de aplicação mecânica da lei pelo juiz é entregar-
se ao realismo metafísico. Segundo o garantista, entretanto, é recomendada a adoção da teoria
da verdade como correspondência como um modelo limite que, embora nunca completamente
realizável, pode se mostrar bastante contributivo, se for a proposta da verdade como
correspondência reformulada e esclarecida.
Sendo a teoria da verdade como correspondência admitida como um princípio
regulador, bem como compreendida em uma concepção revisitada – como a que foi proposta
por Alfred Tarski –, mostra-se acolhível o emprego do vocábulo verdade no âmbito da
aplicação jurídico-normativa porque, com as pesquisas formalizadas por Alfred Tarski,
tornou-se viável a identificação das condições de uso do predicado verdadeiro, as quais, se
181 FERRAJOLI, Luigi. Jurisdição e consenso. Revista Brasileira de Estudos Constitucionais – RBEC, Belo
Horizonte, ano 4, n. 16, out./dez. 2010b. No mesmo sentido, confira a publicação de FERRAJOLI, Luigi.
Epistemología jurídica y garantismo. Traducción de José Juan Moreso, Jordi Ferrer, Ángeles Ródenas,
Juan Ruiz Manero, Pedro Salazar, Marina Gascón, Mary Bellof, Christian Courtis, Lorenzo Córdova y José
María Lujambio. México: Fontamara, 2004a. p. 232-234. 182 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
49-52.
87
forem transferidas para a área jurídica, permitirão identificar se a verdade pode ou não ser
associada aos motivos de um pronunciamento judicial decisório. É o que se estampa, de modo
detalhado, nos escritos garantistas produzidos acerca da definição tarskiana da verdade e da
sua aplicação à área penal:
Segundo esta definição, “uma proposição P é verdadeira se, e somente se, p”, onde
“P” está para o nome metalinguístico da proposição e “p” para a própria proposição: por exemplo, “a oração ‘a neve é branca’ é verdadeira se, e somente se, a neve é
branca”. Se aplicarmos esta equivalência ao termo “verdadeiro”, tal como é
predicável da proposição fática e da jurídica, nas quais pode ser decomposta a
proposição “Tício cometeu culpavelmente tal fato definido na como delito”,
obteremos, por substituição, as duas seguintes equivalências: a) “a proposição
TÍCIO cometeu culpavelmente tal fato é verdadeira se, e somente se, Tício cometeu
culpavelmente tal fato”; e b) “a proposição tal fato está definido na lei como delito é
verdadeira se, e somente se, tal está definido na lei como delito”. Estas duas
equivalências definem, respectivamente, a verdade fática e a verdade jurídica, a
respeito das quais servem para esclarecer as diversas referências semânticas, que no
primeiro caso são os fatos ocorridos na realidade e no segundo as normas que a eles se referem. E definem, conjuntamente, a verdade processual (ou formal). Portanto,
uma proposição jurisdicional será (processual ou formalmente) verdadeira se, e
somente se, é verdadeira tanto fática quanto juridicamente, no sentido assim
definido.
Esta definição de verdade processual, aparentemente trivial, constituiu uma
redefinição parcial – em referência à jurisdição penal – da noção intuitiva da verdade
como “correspondência”, que como se vê está também na base das doutrinas
ilustradas da jurisdição como “verificação do fato” e “boca da lei”. Diferentemente
de tais doutrinas – e igualmente àquelas das epistemologias realistas vulgares –, a
redefinição tarskiana não se compromete, ademais, com o propósito metafísico da
existência de uma correspondência ontológica entre as teses das quais se predica a verdade e a realidade às quais elas se referem, mas limita-se a elucidar de maneira
unívoca e precisa o significado do termo “verdadeiro”, como predicado
metalinguístico de um enunciado. Não é, em suma, uma definição real, mas uma
definição nominal.183
E concluem:
Esta teoria, com efeito, não subministra um critério objetivo ou realista de aceitação
da verdade – que, como tem esclarecido o próprio TARSKI, não existe –, mas se
limita a indicar as condições de uso do termo “verdadeiro”, qualquer que seja a
epistemologia adotada ou rechaçada. Tal indicação representa, não obstante, uma
contribuição decisiva também para a recolocação de nosso problema. Uma vez estabelecido que o termo “verdadeiro” pode ser empregado sem implicações
metafísicas no sentido de “correspondência”, é na realidade possível falar da
investigação judicial como busca da verdade em torno dos fatos e das normas
mencionados no processo, e usar os termos “verdadeiro” e “falso” para designar a
conformidade ou a desconformidade das proposições jurisdicionais a respeito
deles.184
183 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
51-52. 184 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
52.
88
Por consectário, embora não seja possível formular um critério seguro de aceitação da
verdade das teses judiciais,185
é possível o aproveitamento dos sentidos político e teórico da
proposta da verdade como correspondência e, com esses, levar a efeito uma decisão que, não
obstante esteja condicionada quanto à verdade por alguns limites tidos como insuperáveis
relativos à jurisdição, deverá se aproximar o máximo possível do que é apresentado como
verdadeiro nos aspectos fático e jurídico. O que deve ser descartado, pela teoria garantista, é o
abandono da ideia de verdade no âmbito da aplicação do direito, já que, se isso ocorrer, a
atuação dos juízes consistirá em mero decisionismo.186
De acordo com Luigi Ferrajoli,187
a verdade processual deve ser compreendida como
uma verdade relacionada ao “estado dos conhecimentos e experiências levados a cabo na
ordem das coisas de que se fala, de modo que, sempre, quando se afirma a ‘verdade’ de uma
ou de várias proposições, a única coisa que se diz é que estas são (plausivelmente) verdadeiras
pelo que sabemos sobre elas.” Trata-se de uma verdade apenas aproximada, que não se
equipara à verdade perfeita sustentada pelos iluministas e que deve ser admitida apenas como
um ideal que se assemelha, de acordo com a proposição garantista, com a verdade de uma
teoria científica popperianamente conjecturada, isto é, que se apresenta como “um princípio
regulador que nos permita asseverar que uma tese ou uma teoria é mais plausível ou mais
aproximativamente verdadeira e, portanto, preferível a outras por causa de seu maior ‘poder
de explicação’ e dos controles mais numerosos a que foi submetida com sucesso”.
A verdade como perfeita correspondência deve ser compreendida apenas como um
modelo limite, do qual a verdade processual pode se aproximar, mas jamais alcançar,
notadamente porque submetida aos limites relacionados ao caráter irredutivelmente
probabilístico da verdade fática e inafastavelmente opinativo da verdade jurídica, à
subjetividade do juiz e das fontes de prova e, ainda, ao método legalmente estabelecido à
obtenção dessa verdade,188
aos quais, não raras vezes, soma-se um forte déficit de garantias
185 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
48-49. 186 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p. 51-53.
187 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
51-53. 188 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
54-63. Para Luigi Ferrajoli, no exercício da jurisdição, entrelaçam-se poder e saber e, segundo o garantismo,
o raciocínio judicial compõe-se de três inferências em que o poder e o saber necessariamente atuam: a
inferência indutiva relativa à verdade fática, a inferência dedutiva relacionada à verdade jurídica e o
89
primárias e secundárias instalado nos sistemas jurídicos, que, proporcionando o advento de
amplos espaços de discricionariedade judiciária no recinto da aplicação do direito, chega até
mesmo a impedir, por completo, a própria obtenção jurisdicional da verdade, ainda que na
medida aproximada.
São esses amplos espaços de discricionariedade judiciária, aliás, que causam
preocupação a Luigi Ferrajoli,189
tendo em vista que, uma vez instalados, eliminariam o
caráter cognitivo do juízo e defeririam aos juízes um poder de decisão que se erige
logicamente incontrolável. Se, por um lado, no âmbito da aplicação jurídico-normativa,
existem limites específicos à obtenção da verdade, que são admitidos pelo garantista como
irredutíveis e inafastáveis, há, igualmente, espaços de discricionariedade judicial que devem
ser enfrentados por via das garantias, que fixam a “frágil fronteira entre poderes judiciais
próprios e poderes judiciais impróprios, além da qual o poder dos juízes ameaça a se
converter no que Cordorcet denominava ‘o poder mais odioso’, em vez de ser instrumento de
defesa da legalidade e de tutela dos direitos”.190
Em outros termos, o garantismo anuncia que, no recinto de aplicação da normatividade
jurídica, existem margens, de certa forma, fisiológicas de discricionariedade judicial, e,
exatamente por considerá-las inarredáveis, teoriza a necessidade de acatá-las como poderes
judiciais próprios e, por isso, aceitáveis. Verificam-se, ainda, no âmbito da aplicação do
direito, margens de discricionariedade judiciária que são passíveis de enfrentamento pelas
garantias e que, por consequência, devem ser tematizadas para que não se instale o
cognominado poder judicial impróprio.
De conseguinte, para a proposição ferrajoliana, a aplicação da normatividade jurídica
pelos juízes será sempre, em alguma medida, discricionária. A despeito disso, somente traz
preocupação ao autor garantista a discricionariedade judiciária instalada a partir do que
denomina poder judicial impróprio, conforme se lê nos escritos que produziu ao analisar as
interfaces existentes entre o garantismo e as denominadas quatro dimensões do poder judicial:
silogismo prático. Por isso, na aplicação do direito, nunca será possível precisar a verdade, já que o poder
judicial estará sempre presente. FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2010a. p. 65-70. 189 FERRAJOLI, Luigi. El papel de la función judicial en el estado de derecho. In: ATIENZA, Manuel;
FERRAJOLI, Luigi. Jurisdicción y argumentación en el estado constitucional de derecho. México:
Universidad Nacional Autónoma de México, 2005b. p. 102-105. (Serie Estado de Derecho y Función
Judicial). 190 FERRAJOLI, Luigi. El papel de la función judicial en el estado de derecho. In: ATIENZA, Manuel;
FERRAJOLI, Luigi. Jurisdicción y argumentación en el estado constitucional de derecho. México:
Universidad Nacional Autónoma de México, 2005b. p. 104. (Serie Estado de Derecho y Función Judicial).
90
O juiz não é uma máquina automática na qual por cima se introduzem os fatos e por
baixo se retiram as sentenças, ainda que com a ajuda de um empurrão, quando os
fatos não se adaptem perfeitamente a ela. A ideia de um silogismo judicial perfeito
[...] corresponde, como veremos a partir deste capítulo, a uma ilusão metafísica: com
efeito, tanto as condições de uso do termo “verdadeiro” quanto os critérios de
aceitação da “verdade” no processo exigem inevitavelmente decisões dotadas de
margens mais ou menos amplas de discricionariedade. Em consequência, na
atividade judicial existem espaços de poder específicos e em parte insuprimíveis,
que é tarefa da análise filosófica distinguir e explicar para permitir sua redução e
controle. Distinguirei estes espaços – que em seu conjunto formam o poder judicial
[...] – em quatro tipos: o poder de indicação, de interpretação ou de verificação jurídica; o poder de comprovação probatória ou de verificação fática; o poder de
conotação ou de compreensão equitativa; o poder de disposição ou de valoração
ético-política.191
E, após ratificar, pela existência dos quatro espaços de poder judicial, o caráter utópico
de um modelo integralmente garantista de aplicação da normatividade jurídica, Luigi
Ferrajoli192
afirma que:
Isto não impede que o modelo, conveniente redefinido, possa ser satisfeito em maior
ou menor medida segundo as técnicas legislativas e judiciais adotadas. Na realidade,
deve-se distinguir até que ponto sua inaplicação depende de limites intrínsecos,
como são as margens insuprimíveis de opinabilidade na interpretação da lei, na
argumentação das provas e na valoração da especificidade dos fatos, e até que ponto,
ao revés, se relaciona a espaços normativos de arbítrio, evitáveis ou redutíveis, e a
lesões de fato no terreno judicial. E isto requer uma reconstrução analítica da
fenomenologia do juízo e, a partir dela, uma nova fundamentação da epistemologia
garantista e das técnicas legislativas e judiciais, idôneas para satisfazê-las.
Podemos chamar de poder de cognição à (sic) soma dos três primeiros poderes acima enumerados: do poder indicação jurídica, do poder de verificação fática e do
poder de conotação equitativa. A hipótese de trabalho que aqui será desenvolvida é
que, enquanto esses três espaços que constituem o poder de cognição são de certa
forma irredutíveis e fisiológicos, o espaço deixado em aberto ao poder de disposição
é o produto patológico de desvios e disfunções politicamente injustificadas dos três
primeiros tipos de poder; e que as garantias [...] representam precisamente aquele
conjunto de técnicas [...] orientadas a reduzir do maior modo possível o poder
judicial arbitrário e a satisfazer o modelo, mesmo que de maneira parcial e
tendenciosa.
Oferta-se, assim, para que se apresente possível a concretização da proposta garantista,
a estranha tese ferrajoliana de que, no âmbito da aplicação jurídico-normativa, a jurisdição
possa ser exercida de modo discricionário. Uma proposição que será problematizada pelos
fundamentos da processualidade democrática.
191 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
42. 192 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
43-44.
91
3.2 Espaços de poder judicial e a discricionariedade judiciário-garantista na aplicação
da lei
Ao se pronunciar sobre os espaços de poder judicial, Luigi Ferrajoli esforça-se em
analisar, de modo pormenorizado, os intitulados poderes de indicação, de interpretação ou de
verificação jurídica; de comprovação probatória ou de verificação fática; de conotação ou de
compreensão equitativa; e, ainda, de disposição ou de valoração ético-política. Interessam,
especialmente, à pesquisa instrutiva da tese formalizada, no entanto, os poderes judiciais de
interpretação e de disposição.
A ausência de um aprofundamento na análise dos poderes de comprovação probatória
e de conotação, contudo, não sinaliza qualquer descaso com a abordagem garantista
empreendida sobre essas duas denominadas dimensões do poder judicial. Muito antes pelo
contrário, uma vez que os escritos ferrajolianos deixam entrever que as teorizações realizadas
a seu respeito apresentam-se, em vários aspectos, até mesmo mais consistentes do que as que
são oferecidas às temáticas interpretativa e dispositiva.
A acuidade da teorização apresentada por Luigi Ferrajoli acerca do poder de
comprovação probatória ou de verificação fática, com efeito, não é deslembrada pelos escritos
formalizados. A relevância das teses garantistas instituídas em prol da redução do espaço
aberto ao exame judiciário do resultado probatório deve ser salientada, porque as propostas
que apresentam não apenas reconhecem as debilidades dos sistemas da prova legal e da livre
convicção, como expõem a necessidade de que a análise do resultado a que se faz referência
seja concretizada com a observância das garantias do ônus da prova, do contraditório, da não
autoincriminação, da publicidade, da oralidade, da ampla defesa e da motivação das decisões
judiciais.193
Essas teses, embora sejam formuladas de modo ainda rudimentar sob a perspectiva dos
estudos de direito processual democrático,194
designam-se, pela proposta ferrajoliana, ao
enfrentamento de um importante problema que se abriga no âmbito da verificação fática:
como pode ser garantida uma decisão motivada sobre a verdade fática?195
A elaboração de
193
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
124-148. 194 LEAL, Rosemiro Pereira. A prova na teoria do processo contemporâneo. In: FIUZA, César Augusto de
Castro; SÁ, Maria de Fátima Freire de; BRÊTAS, Ronaldo C. Dias (Coord.). Temas atuais de direito
processual civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2001a. p. 347-357. 195 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
141.
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uma teoria da prova pelo garantismo, a qual se aproveita, em parte, dos escritos de Karl
Raimund Popper, Carl Hempel e Paul Oppeheim para “identificar os critérios de decisão que
nos permitirão considerar uma inferência indutiva mais razoável ou plausível que outras,
rechaçáveis, por sua vez, como irrazoáveis ou implausíveis, porque injustificadas ou menos
justificadas”,196
representa um esforço teórico que, apesar de insuficiente para o direito não
dogmático, não pode ser desconsiderado.
É o que também ocorre quanto à teorização traçada por Luigi Ferrajoli acerca do poder
judicial de conotação ou de compreensão equitativa que, de acordo com o garantismo,
consiste em um poder exercitável pelo juiz que não se identifica com a equidade aristotélica.
Ao contrário desta, o poder de equidade garantista não atua em contraposição à lei. O poder
de compreensão equitativa, para Luigi Ferrajoli,197
“prescreve que o juízo conote da maneira
mais precisa e penetrante os fatos denotados pela lei, compreendendo neles todas as
características acidentais, específicas ou particulares”.
O poder de conotação é exercido porque, no âmbito da aplicação jurídico-normativa, o
juiz não decide sobre fatos considerados em abstrato, mas a respeito daqueles que já estariam
verificados no procedimento. Assim, pela proposição garantista, se, no exercício do poder de
comprovação probatória, o juiz vale-se de um raciocínio indutivo para alcançar a verdade
apenas provável de um fato, pelo emprego do poder de conotação, o julgador deve considerar
que cada fato verificado é diverso em relação a outros e que, por isso mesmo, a análise que
realiza sobre esses fatos deve sopesar as características que tornam cada situação sub judice
distinta das demais.
O que há de comum nas intituladas dimensões do poder judicial de verificação fática e
de conotação equitativa, portanto, é que ambas envolvem, para o garantismo, a necessidade da
adoção de decisões discricionárias pelo juiz, de modo inafastável. Quanto à primeira, porque,
mesmo com a adoção de uma teoria da prova, sempre existirão “escolhas na decisão da
conclusão de fato, inevitavelmente probabilistas”,198
a partir das quais estarão afastadas as
incertezas fáticas. No que concerne à segunda, porque a análise das características da situação
196
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
135. 197 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
153. 198 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
66.
93
em julgamento sempre implicará em “escolhas e valorações amplamente discricionárias”199
sobre os fatos tidos como verificados que, a seu turno, são sempre irrepetíveis.
Daí, e apesar da importância dos estudos desenvolvidos a respeito dos poderes de
verificação fática e de compreensão equitativa, aos quais o garantismo vincula, por inerência,
uma discricionariedade judicial que merece ulterior tematização, a necessidade de uma
incursão imediata e aprofundada a respeito dos poderes judiciais de interpretação jurídica e de
disposição deve-se aos limites da tese apresentada, a qual enuncia que a vinculação teórica
estabelecida por Luigi Ferrajoli entre garantismo, jurisdição e discricionariedade na fixação
da norma válida aplicável à situação sub judice é determinativa da incompatibilidade da
proposta garantista com a processualidade democrática.
Um estudo detido dos poderes judiciais de verificação jurídica e de valoração ético-
política apresenta-se indispensável, tendo em vista que esses são abordados, por Luigi
Ferrajoli,200
a partir de duas conjecturas que impactam diretamente na hipótese testada: a de
que “qualquer margem de discricionariedade judicial é inevitável e insuprimível, porque
ligada [...] aos limites da interpretação na racionalidade jurídica”; e a de que, apenas além dos
espaços integrantes do poder de cognição, que são abordados como legítimos, instala-se uma
indevida discricionariedade judicial, que é relacionada a um “poder juridicamente ilegítimo –
aquele que chamei ‘poder de disposição’” –, o qual, não raras vezes, também atua no recinto
de aplicação do direito.
As duas conjecturas apresentadas pela teoria garantista erigem-se extremamente
infaustas, já que, de um lado, recepcionam a possibilidade de que a discricionariedade
judiciária inaugurada no âmbito da aplicação jurídico-normativa não se apresente ilegítima e,
de outro, explicitam que, sempre que, no espaço de aplicação do direito, for necessário o
exercício da discricionariedade judicial indevida, à esta estará entregue a jurisdição.
3.2.1 Interpretação jurídico-garantista e o poder judicial de denotação
O poder judicial de interpretação jurídica, também denominado poder de verificação
jurídica, qualificação jurídica ou poder de denotação, é abordado por Luigi Ferrajoli201
como
199 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
153. 200 FERRAJOLI, Luigi. O constitucionalismo garantista e o estado de direito. In: FERRAJOLI, Luigi; STRECK,
Lenio Luiz; TRINDADE, André Karam (Org.). Garantismo, hermenêutica e (neo) constitucionalismo: um
debate com Luigi Ferrajoli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012c. p. 248-249. 201
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
94
um poder do juiz relativo à inferência dedutiva. Para o autor garantista, o poder judicial de
interpretação do direito encontra-se relacionado às decisões atinentes ao que rotula verdade
jurídica das premissas, estando diretamente atrelado ao rigor semântico da linguagem.
Segundo a proposição garantista, a interpretação jurídica deve ser guiada por uma
teoria do significado que, sendo compreendida como a explicitação das condições de uso do
termo verdadeiro no âmbito da aplicação jurídico-normativa, permitirá, a partir da semântica
da linguagem legal, a identificação exata do que é reportado quando se emprega uma
determinada palavra. É que, conforme anuncia a proposta ferrajoliana, valendo-se das lições
de Thomas Hobbes e, ainda, de Gottlob Frege:
“Se recordarmos o que se chama furto e o que é injúria”, escrevia HOBBES há mais
de três séculos, “entenderemos pelas mesmas palavras se é verdade ou não que o
roubo é uma injúria. Verdade é a mesma coisa que proposição verdadeira. Pois bem,
uma proposição é verdadeira quando o nome consequente, que os lógicos chamam de predicado, abarcar em sua amplitude o nome antecedente, que se chama sujeito.
Saber uma verdade é o mesmo que recordar que foi criada por nós mesmos,
mediante o emprego das palavras”.
Em termos mais rigorosos, esta lúcida intuição de HOBBES foi desenvolvida pela
teoria referencial do significado utilizada pela lógica moderna. Segundo esta teoria,
formulada por GOTTLOB FREGE, devem-se distinguir duas acepções distintas de
“significado” de um signo: a extensão ou denotação, que consiste no conjunto dos
objetos aos quais o signo se aplica ou se refere; e a intensão ou conotação, que
consiste no conjunto das propriedades evocadas pelo signo e possuídas pelos objetos
concretos que entram na sua extensão.202
E prossegue:
A locução “denota”, referida a um sujeito ou a um predicado, é fungível, na
realidade, como “verdadeiro para”, no sentido de que todo termo é verdadeiro para
(ou denota) vários objetos, um só objeto ou nenhum objeto: assim, o termo “mesa” é
verdadeiro para todo objeto que seja uma mesa; o termo “satélite natural da terra” é
verdadeiro para um só objeto, que é a lua; o termo “centauro” não é verdadeiro para
nenhum objeto, já não existe qualquer centauro. Por outra parte, a extensão ou
denotação de um termo esta determinada por sua intensão ou conotação. Vários
signos igualmente extensos, com efeito, podem ter intensões diferentes, enquanto
vários signos igualmente intensivos devem ter a mesma extensão. A extensão de um
termo será tanto maior (ou menor) quanto menor (ou maior) for sua intensão: por exemplo, “homem” é mais extenso que “homem de mais de vinte anos”, a respeito
do qual tem uma intenção (sic) menor, e menos extenso que “animal”, a respeito do
qual tem uma intensão maior.203
114.
202 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
114-115. 203 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
115-116.
95
A adoção de uma teoria do significado a reger a interpretação jurídico-normativa é
apontada como relevante para o garantismo porque, segundo os escritos ferrajolianos, a
existência de termos vagos ou valorativos na linguagem legal e jurisdicional, assim como a
ocorrência de antinomias semânticas, compromete a aferição de verdade relativa às
proposições a que estejam relacionados.204
Conforme a teoria garantista,205
para que uma tese
judicial possa ser qualificada como verificável é indispensável que os termos semânticos
dispostos na legislação e, também, nas narrativas de fato constantes do procedimento judicial,
sejam empregados de modo semanticamente rigoroso. Se, na legislação e, ainda, nas
narrativas referidas, a extensão dos vocábulos utilizados não estiver determinada, ou seja, se a
intensão não estiver apontada de modo inequívoco, será inviável a apuração da verdade da
tese judicial, a qual será produzida, necessariamente, a partir de outros valores.
Não é por outro motivo que, ao se pronunciar sobre a interpretação jurídica na área do
direito penal, Luigi Ferrajoli206
tanto festeja o princípio da taxatividade, que também é
chamado pelo garantista de princípio da legalidade estrita ou de estrita legalidade, embora,
inusitadamente, não se identifique com o princípio da estrita legalidade que foi abordado no
segundo capítulo dos escritos formalizados. Para o garantista, o princípio da taxatividade é
apontado como uma regra semântica metalegal de formação da linguagem legal, que exige, na
previsão normativa de delitos:
[...] a) que os termos usados na lei para designar as figuras de delito sejam dotados
de extensão determinada, por onde seja possível seu uso como predicados
“verdadeiros dos” fatos empíricos por eles denotados; b) que com tal fim seja
conotada sua intensão com palavras que não sejam vagas nem valorativas, mas o
mais claras e precisas possível; c) que enfim sejam excluídas da linguagem legal as
antinomias semânticas ou, pelo menos, que sejam predispostas normas para sua solução. Disso resulta, conforme esta regra, que as figuras abstratas de delito devam
ser conotadas na lei mediante propriedades ou características essenciais, idôneas a
determinarem seu campo de denotação (ou de aplicação) de maneira exaustiva, de
204 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
116 e 118. Para Luigi Ferrajoli, o termo é vago “se a sua intensão não permitir determinar sua extensão com
relativa certeza, quer dizer, se existirem objetos que não estão excluídos nem incluídos claramente em sua
extensão”. O termo é valorativo, por sua vez, se a sua “extensão é, além de indeterminada, igualmente
indeterminável, dado que não conotam propriedades ou características objetivas, senão que exprimem,
melhor, as atitudes ou valorações subjetivas de quem as pronuncia”. Instala-se uma antinomia semântica, por fim, “sempre que de um mínimo fato se possam dar várias qualificações ou denotações jurídicas concorrentes
e não exista critério algum, nem sequer o de especialidade, que permita decidir qual delas é aplicável e,
ainda, se são aplicáveis alternativamente”. 205 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
116-117. 206 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
117.
96
forma que os fatos concretos que ali se incluam sejam por elas denotados em
proposições verdadeiras e de maneira exclusiva, de modo que tais fatos não sejam
denotados também em proposições contraditórias em relação a outras figuras de
delito conotadas por normas concorrentes.207
O rigor semântico exigido pelo garantismo, contudo, não fica restrito ao âmbito penal.
Em pesquisas formalizadas posteriormente a Direito e Razão – Teoria do Garantismo Penal,
identifica-se uma gradual reivindicação garantista para que o rigor semântico seja estendido
às normas constitucionais.208
De conseguinte, e apesar de nenhuma menção, nos escritos
ferrajolianos, tenha até então sido notada quanto à exigência de rigor semântico da linguagem
legal nas áreas civil e administrativa, as quais, para o garantismo, não exigem a denotação
exata das situações específicas de que tratam, “mas podem ainda incorporar cláusulas gerais
ou critérios valorativos; a motivação das correspondentes sentenças não deve necessariamente
compor-se de meras proposições assertivas, mas pode ainda incluir juízos de valor”,209
em sua
trajetória teórica, Luigi Ferrajoli já ampliou o âmbito de controle das teses decisórias, não
obstante negando acolhimento a uma verdade jurídica absoluta.
Pela proposição garantista, dentre outros limites impostos à obtenção da verdade
jurídica, na interpretação da lei sempre existirá uma margem irredutível de discricionariedade
judiciária, que é imposta pela própria natureza linguística da normatividade jurídica, a qual é
uma linguagem comum e não uma linguagem formalizada.210
De acordo com o garantismo,
por isso, a dedução jurídica que é levada a efeito pela interpretação jurídico-normativa sempre
“inclui escolhas na decisão das premissas de direito, inevitavelmente opinativas e igualmente
subjetivas”,211
de modo que o princípio da taxatividade, como importante garantia substancial,
207 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
117. 208 FIGUEROA, Alfonso García. Entrevista a Luigi Ferrajoli. In: CARBONELL, Miguel; SALAZAR, Pedro
(Coord.) Garantismo: estudios sobre el pensamiento jurídico de Luigi Ferrajoli. Madrid: Editorial Trotta,
2005. p. 524. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho); FERRAJOLI, Luigi. Constitucionalismo
principialista e constitucionalismo garantista. Tradução de André Karam Trindade. In: FERRAJOLI, Luigi;
STRECK, Lenio Luiz; TRINDADE, André Karam (Org.). Garantismo, hermenêutica e (neo)
constitucionalismo: um debate com Luigi Ferrajoli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012d. p. 54-55. 209 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
846. 210
FERRAJOLI, Luigi. O constitucionalismo garantista e o estado de direito. In: FERRAJOLI, Luigi; STRECK,
Lenio Luiz; TRINDADE, André Karam (Org.). Garantismo, hermenêutica e (neo) constitucionalismo: um
debate com Luigi Ferrajoli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012c. p. 247-248. É o que também se lê
nos escritos de Rosa Maria Cardoso da Cunha que, focada na análise da linguagem da lei penal, afirma tratar-
se de “uma linguagem natural, em oposição à linguagem formalizada das lógicas e da matemática. Por isso,
as palavras da lei penal são sempre potencialmente vagas e ambígüas.” CUNHA, Rosa Maria Cardoso da. O
caráter retórico do princípio da legalidade. Porto Alegre: Síntese, 1979. p. 18. 211
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
97
é apto apenas à redução dos espaços de incerteza decisória, que nunca serão afastados por
completo.
Assevera Luigi Ferrajoli212
que, com a imperiosa exclusão de um utópico silogismo
perfeito, é de se considerar que a interpretação jurídica não deve ser compreendida como uma
atividade tão somente “recognitiva, mas é sempre fruto de uma escolha prática a respeito de
hipóteses interpretativas alternativas.” Para o autor garantista, essa opção, que é “mais ou
menos opinativa segundo o grau de indeterminação da previsão legal, se esgota
inevitavelmente no exercício de um poder na indicação ou qualificação dos fatos julgados”,
que é exercido pelo juiz e que, também, é inaugurado sempre que a semântica da denominada
linguagem jurisdicional não for, igualmente, precisa.
É que, segundo a proposição ferrajoliana,213
ainda que fosse plenamente observado o
princípio da taxatividade das leis, se, no momento da exposição dos fatos e dos instrumentos
de prova em juízo, a semântica da linguagem jurisdicional apresentar-se vaga ou valorativa, a
impossibilidade da verificabilidade da verdade processual estaria mantida. Para o garantismo,
somente pelo rigor semântico da linguagem jurisdicional, e não da linguagem legal, é que será
viável aferir a determinação das denotações fáticas que, ao lado das denotações jurídicas,
devem ser consideradas no momento da realização da subsunção.
Com efeito, quando se pronuncia sobre a interpretação jurídica, Luigi Ferrajoli
também discorre a respeito do que intitula princípio metaprocessual de estrita
jurisdicionalidade, que é apontado como uma fecunda regra semântica de formação da
linguagem judicial. Se o princípio da taxatividade legal é enunciado como uma garantia
relativa à precisão e determinabilidade do predicado de um enunciado, o princípio da estrita
jurisdicionalidade é, de outra face, uma garantia relacionada à verificabilidade do sujeito deste
mesmo enunciado. É o que se lê no seguinte magistério garantista, mais uma vez aplicado à
área do direito penal:
Tomemos a descrição dos fatos de um auto de prisão ou de uma sentença, que
costuma reproduzir o esquema de subsunção ou dedução jurídica, isto é, da segunda
das duas inferências das quais fiz decomposição da motivação judicial [...]: Tício é acusado ou reconhecido como “culpado do fato G” (conclusão jurídica CG), por
“haver cometido o fato F’ (premissa fática PF), “que é denotado na lei como delito
67.
212 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
42. 213 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
119-121.
98
G” (premissa jurídica PG). Deixemos de lado o problema da verificação das
premissas [...] e permaneçamos no problema de sua verificabilidade. Com a
taxatividade das figuras legais de delito, o princípio da legalidade estrita garante
somente a precisão da intensão e a determinabilidade da extensão do predicado G,
mas não também do sujeito F, que também figura na premissa “F é (denotado por ou
entra na extensão de) G”. Para estabelecer, segundo as eficazes palavras de
HOBBES, que o “nome consequente, que os lógicos chamam de predicado, abrace
em sua extensão também o nome antecedente, que se chama sujeito”, é necessário,
ademais, que esteja exatamente determinada também a extensão do sujeito. G, com
efeito, é predicável como “verdadeiro de” F e F é qualificável como G, sob a
condição não apenas de que seja taxativo o significado de G, mas também de F seja individualizável, graças às precisões de suas conotações essenciais, como membro
da classe de objetos denotados por G. Esta segunda condição diz respeito, antes que
à verificabilidade e a refutabilidade jurídica de PG, à verificabilidade e a
refutabilidade fática de PF. Não é, pois, como a predicabilidade de G, uma questão
de técnica legislativa, mas uma questão de técnica judicial. Não depende da
semântica da linguagem legal, mas da linguagem jurisdicional.214
Os princípios da taxatividade das leis e da estrita jurisdicionalidade, logo, são
indicados por Luigi Ferrajoli como regras semânticas complementares. Se fosse possível a sua
observância, de modo pleno, não seria sequer cogitada a atuação do poder judicial de decisão
no âmbito jurídico-interpretativo, o qual, para o garantismo, é exercido exatamente porque o
acatamento desses princípios ocorre apenas em medida aproximada.215
Por uma pespectiva
garantista, sempre que falhas semânticas na linguagem legal e jurisdicional forem
identificadas, será necessária a tomada de decisões discricionárias pelo julgador, que ora estão
relacionadas ao poder judicial de denotação, que consiste na “potestade do juiz, em todo caso
necessária para integrar os espaços irredutíveis de discricionariedade deixados em aberto
pelos defeitos inevitáveis de denotação da linguagem legal e da linguagem comum”,216
ora
estão vinculadas ao denominado poder de disposição, que encampa a “potestade do juiz,
quando a falta de legalidade estrita [...] seja tal que nem sequer se permita falar de denotação,
ainda que seja potestativa (sic) e exija, por isso, decisões discricionárias não sobre a verdade,
mas sobre valores diversos, do tipo ético-político.”217
Dois poderes que, não obstante viabilizem o exercício da discricionariedade judiciária
no âmbito da aplicação do direito, são abordados de modo diverso por Luigi Ferrajoli, uma
214 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
119-120. 215
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
121-122. 216 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
124. 217 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
124.
99
vez que, enquanto o poder judicial de denotação é acolhido pelo garantismo, o poder judicial
de disposição é questionado por romper com a legitimação da jurisdição garantista. No âmbito
do poder judicial de valoração ético-política é que está situada a indevida discricionariedade
judiciária a que faz alusão a proposta ferrajoliana.
3.2.2 Poder judicial de disposição e o dever judiciário de decidir na teoria garantista
A análise garantista do denominado poder judicial de disposição, igualmente chamado
de poder de valoração ético-política, explicita, de modo ainda mais claro, a fragilidade da
proposta ofertada por Luigi Ferrajoli a respeito da aplicação jurídico-normativa. Como se já
não bastasse a admissão de uma discricionariedade insuprimível e inevitável adstrita ao poder
judicial de cognição, o garantismo também anuncia que, na operacionalização do direito, pode
ser necessário o exercício de uma indevida discricionariedade judiciária destinada a preencher
os amplos espaços deixados em aberto, no ordenamento jurídico, pela carência de garantias.
Por uma concepção garantista,218
o poder judicial de disposição é implementado por
meio de decisões que se referem a valores que, total ou parcialmente, são diversos da verdade.
Não se trata de uma atuação discricionário-judiciária que se imponha pelos limites que o
garantismo compreende como intrínsecos à jurisdição. Diversamente do poder judicial de
cognição, em especial do poder judicial de interpretação jurídica, o poder judicial de
valoração ético-política deve ser exercido porque os sistemas jurídicos não plenamente
garantistas são acometidos por falhas normativas de grande intensidade e, ainda assim, não
autorizam que os magistrados deixem de decidir pela existência dessas imperfeições.
Conforme afirma Luigi Ferrajoli,219
o poder judicial de cognição estará presente
mesmo no sistema garantista mais aperfeiçoado. O poder judicial de disposição, por outro
lado:
[...] é sempre o produto de carências ou imperfeições do sistema e como tal é
patológico e está em contradição com a natureza da jurisdição. Seu exercício não
pressupõe motivação cognitiva, mas apenas opções e/ou juízos de valor dos quais não é possível qualquer caracterização semântica, mas apenas caracterizações
pragmáticas, ligadas à obrigação de decisão. Propriamente, aqui não há sequer juris-
dictio, isto é, denotação do que é conotado pela lei, mas simplesmente dictum, não
218 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
158-160 e 161-162. 219 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
159-160.
100
baseado nos três silogismos nos quais anteriormente havia decomposto o raciocínio
judicial, mas unicamente no poder que, por isso, tenho chamado de “disposição”.
Este poder cresce – a expensas do poder de verificação jurídica e fática dos
elementos denotados legalmente e do poder de valoração das circunstâncias
conotadas equitativamente – quanto mais se estendem os espaços de insegurança dos
pressupostos cognitivos da decisão judicial [...]. A insegurança, no sentido elucidado
mais acima, é seguida, na realidade, da indeterminabilidade ou das dificuldades de
decisão sobre a verdade processual; e volta a aparecer quando não existe uma
solução (ainda que seja apenas aproximativamente) verdadeira do caso que se tem
que julgar, mas várias soluções (todas igualmente) válidas. Nestes casos, decai a
correlação biunívoca entre verdade da motivação e validez da decisão, ao teor da qual se fixa o modelo garantista veritas, non auctoritas facit judicium. Com efeito,
[...] a verdade das motivações condiciona cada vez menos a validez das decisões, até
não condicioná-la em absoluto, por causa de sua impredicabilidade, nos sistemas
mais marcantemente substancialistas e decisionistas, onde auctoritas, non veritas
facit judicium.
De conseguinte, embora a teoria garantista acolha a possibilidade de que, no exercício
do poder de cognição, a magistratura valha-se de “juízos de valor e de critérios pragmáticos
de solução de incertezas”,220
para o garantismo, isso não deve ser reconhecido como
problemático, já que os poderes de verificação fática e de verificação jurídica, além do poder
de conotação, permaneceriam vinculados às atividades cognitivas desenvolvidas pelo
julgador. Tormentoso, para a proposta ferrajoliana, é o poder judicial de disposição, cujo
exercício pressupõe a inexistência de eliminação, pelas garantias, dos espaços redutíveis de
discricionariedade judiciária.
De acordo com Luigi Ferrajoli,221
o caráter tendencialmente cognitivo da jurisdição
exige a possibilidade de refutação das hipóteses apresentadas no âmbito da aplicação do
direito. Se essa é inviabilizada, isso quer significar que a convicção judicial não é formada
pela verdade, ainda que aproximada, senão por juízos potestativos. É o que ocorre, quanto à
afirmação da lei, sempre que a linguagem legal ou jurisdicional não estiver integrada por
proposições que designam fatos, mas, apenas, por expressões vagas ou valorativas. Ao lado
das antinomias semânticas, falhas deste tipo comprometem o controle da motivação da
decisão, porque, ao exigirem o exercício do poder judicial de disposição, automaticamente
proporcionam o afastamento da sujeição do juiz somente à lei.
Consoante esclarece Luigi Ferrajoli,222
no exercício do poder de valoração ético-
política, “o juiz é autônomo no sentido de que, em contraste com o princípio da estrita
220 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
159. 221 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
160-163. 222 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
101
legalidade, integra post factum a previsão legal do fato, mediante opções discricionárias não
suscetíveis de controles de verdade nem, portanto, de legalidade.” É, exatamente, por isso,
que, segundo o garantismo, o poder judicial de disposição deve ser reconhecido como
estruturalmente ilegítimo, assim como ilegítimas devem ser consideradas as decisões
discricionárias que expressam o seu exercício, uma vez que, nos ordenamentos jurídicos
garantistas, o poder de valoração ético-política está reservado à lei.223
Em um sistema jurídico-positivo ideal, portanto, jamais atuará o poder judicial de
valoração ético-política.224
Em todos os demais sistemas jurídico-positivos, sejam esses mais
ou menos garantistas, a falibilidade normativa que instaura o exercício do poder judicial de
disposição estará presente e, por consequência, também, a discricionariedade judicial
indevida. Nesse caso, diante do dever judicial de decidir que é estabelecido pelos
ordenamentos jurídicos, o magistrado estará obrigado a se valer de juízos ético-políticos para
cumprir a sua atividade de julgar, já que não poderá proferir a decisão tão somente com base
no valor da verdade.
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
163. 223 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
162. 224 No livro Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal, Luigi Ferrajoli aponta o garantismo como o sistema
jurídico ideal. Referindo-se ao sistema penal garantista, assim se pronuncia: “Trata-se de um modelo-limite,
apenas tendencialmente e jamais perfeitamente satisfatível. Sua axiomatização resulta da adoção de dez
axiomas ou princípios axiológicos fundamentais, não deriváveis entre si, que expressarei, seguindo uma
tradição escolástica, com outras tantas máximas latinas: A1 Nulla poena sine crimine. A2 Nullum crimen sine
lege. A3 Nulla lex (poenalis) sine necessitate. A4 Nulla necessitas sine injuria. A5 Nulla injuria sine actione.
A6 Nulla actio sine culpa. A7 Nulla culpa sine judicio. A8 Nullum judicium sine accusatione. A9 Nulla
accusatio sine probatione. A10 Nulla probatio sine defensione.” FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria
do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p. 91. Como se vê, o sistema penal
garantista não sustenta o abolicionismo ou mesmo a impunidade penal. Apenas explicita um modelo de
direito penal mínimo, que limita a atividade punitiva do Estado por garantias estabelecidas à tutela dos
direitos de liberdade das pessoas. No âmbito penal, aliás, esse é o objetivo traçado pela teorização
ferrajoliana das garantias, motivo pelo qual parecem equivocadas as doutrinas que defendem a necessidade
de implementação de um denominado garantismo penal integral no Brasil, em contraposição a um chamado
garantismo hiperbólico monocular, a partir da leitura dos escritos de Luigi Ferrajoli. Sobre a temática,
confira, especialmente, a publicação de CALABRICH, Bruno; FISCHER, Douglas; PELELLA, Eduardo.
Garantismo penal integral: questões penais e processuais, criminalidade moderna e aplicação do modelo
garantista no Brasil. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. Quanto à axiomatização do direito realizada por Luigi
Ferrajoli, é de registrar que, segundo Ana Cláudia Bastos de Pinho, é nitidamente influenciada pela teoria semântica de Gottlob Frege, à qual, aliás, o garantista faz referência expressa ao examinar o poder judicial de
verificação jurídica. A aproximação teórica foi assim anunciada pela autora: “Considerando que há um
número infinito de verdades aritméticas e que seria uma tarefa impossível demonstrar todas, Frege utiliza-se
de um sistema de axiomas. Ele axiomatiza a aritmética (tal como Euclides axiomatizou a geometria e
Ferrajoli axiomatizou o Direito). Ou seja, ao invés de demonstrar todas as verdades aritméticas, Frege, dentro
de um sistema formal de lógica, demonstra os axiomas, identificando, assim, as leis básicas da aritmética,
isto é, ‘as hipóteses fundamentais sobre as quais o raciocínio aritmético se apoia’.” PINHO, Ana Cláudia
Bastos de. Para além do garantismo: uma proposta hermenêutica de controle da decisão penal. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 111.
102
Pelo que anuncia a proposição ferrajoliana, com efeito, não é correto afirmar que os
espaços de discricionariedade judicial atinentes ao poder de disposição foram instituídos pelo
garantismo. Não é, também, apropriado asseverar que, por uma proposta garantista, o
exercício da discricionariedade judicial indevida seja originária da vontade do próprio juiz
que atua no recinto de aplicação da normatividade jurídica. Conforme aduz Luigi Ferrajoli, os
espaços de discricionariedade indevida abertos à subjetividade do julgador são decorrentes da
larga insuficiência das garantias da taxatividade e da estrita jurisdicionalidade que, nos
sistemas jurídicos positivos não plenamente garantistas, não se apresenta como justificativa
acolhível para o pronunciamento do non liquet.
Daí, e embora a teoria garantista preconize a ilegitimidade estrutural do poder judicial
de disposição, bem como das decisões que expressam o seu exercício, não sustenta – como
seria esperado – a impossibilidade do seu emprego no recinto de aplicação do direito.
Cedendo à compulsoriedade decisória, a proposta ferrajoliana teoriza apenas que, sempre que
for exercido o poder de valoração ético-política no âmbito da aplicação do direito, deva a
decisão judicial proferida ser argumentada e controlada com base em “critérios pragmáticos
de aceitação”. Não obstante reconhecidamente frágil, a motivação decisória fundada nesses
critérios permitiria, ao menos, uma redução do espaço de arbítrio do julgador, segundo
explicita o magistério ferrajoliano:
O que importa agora sublinhar é que uma ilegitimidade semelhante – como
estabeleceu o art. 4 do Código de Napoleão por meio da proibição do juízo non liquet pela obscuridade ou insuficiência do texto legislativo – não exonera o juiz do
dever e da responsabilidade das decisões. Esta é uma aporia intrínseca à estrutura
dos sistemas [...] positivos sobre a qual voltarei mais vezes: o dever jurídico de
decidir, seja ilegitimamente ou com legitimidade reduzida, como fundamento
efetivo da legitimidade relativa (à lei, ainda que não aos princípios constitucionais)
do poder de disposição. Esta aporia pode ser atenuada, ainda que não eliminada. O
fato de que as decisões [...], mediante as quais se exerce o poder de disposição, não
versem sobre a verdade processual, não quer dizer que não devam ou não possam
ser justificadas. Quer dizer somente que são motiváveis não já mediante afirmações
cognitivas, suscetíveis de verificação ou refutação, mas só ou predominantemente
com juízos de valor, não vinculados, enquanto tais, a previsões legais taxativas. Mas também os juízos de valor são suscetíveis de argumentação e controle conforme
critérios pragmáticos de aceitação. Estes critérios não são mais do que os princípios
gerais do ordenamento, isto é, princípios políticos expressamente enunciados nas
constituições e nas leis ou implícitos e extraíveis mediante elaboração doutrinal.225
E, ainda:
225 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
164.
103
Naturalmente, ainda que dotados de valor normativo, os princípios gerais utilizados
como critérios para argumentar o exercício do poder de disposição não têm mais do
que uma capacidade extremamente debilitada de vinculação das decisões. Na
realidade, operam não (como critérios de decisão) sobre a verdade ou sobre a
equidade, isto é, sobre a correspondência empírica, ainda que só aproximativa, entre
as motivações aceitas e os fatos e as leis, senão diretamente como (critérios de
decisão sobre) valores de justiça substancial, não definíveis em abstrato e, em certas
ocasiões, incompatíveis entre si. Exigem, portanto, escolhas e valorações
irredutivelmente discricionárias, que remetem à responsabilidade política e moral
dos juízes. Precisamente, esta responsabilidade, ligada imediatamente aos valores de
justiça substancial, expressos pelos princípios gerais, representa, contudo, um fator de racionalização do poder de disposição e de limitação do arbítrio em outro caso a
ele associado. A função específica dos princípios gerais é precisamente, com efeito,
orientar politicamente as decisões e permitir sua valoração e seu controle cada vez
que a verdade processual seja em todo ou em parte indeterminada. [...] Uma vez que
os princípios gerais são construções doutrinárias, elaboradas sobre normas ou
sistemas de normas, a riqueza de princípios de um ordenamento está determinada
não apenas pelos valores de justiça substancial por ele incorporados no plano legal,
mas também pelo trabalho científico e jurisprudencial realizados sobre ele pelos
juristas. 226
Assim, com base nas lições garantistas, estabelece-se a inusitada conclusão de que a
indevida discricionariedade judiciária deva ser argumentada e controlada por escolhas e
valorações igualmente discricionárias. As decisões discricionárias relativas ao poder judicial
de disposição, o qual, pelo garantismo, provoca a eliminação do caráter cognitivo do juízo,
devem ser argumentadas e controladas pelos princípios gerais do direito, legislados ou não,
que, no momento de sua aplicação, igualmente exigem do juiz a tomada de decisões
discricionárias, desta vez confiadas à sua responsabilidade política e moral.
Como Luigi Ferrajoli caracteriza a proibição do non liquet como uma aporia intrísenca
aos sistemas jurídicos não plenamente garantistas, não tematiza a recusa judicial de decidir de
modo consistente e, muito menos, a discricionariedade judiciária relativa ao poder de
valoração ético-política. Ao contrário disso, enuncia que, como não há um ordenamento
jurídico integralmente garantista na atualidade, um sistema jurídico positivo “jamais será de
fato um sistema fechado e exigirá sempre, para seu funcionamento prático, heterointegrações
remetidas à autonomia e à discricionariedade do intérprete”.227
O garantismo, desta forma,
entrega-se, também, à discricionariedade judicial indevida que, apesar de não ser apontada
como insuprimível e inafastável, é acolhida como necessária à operacionalização do direito.
226 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
165. 227 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
165.
104
3.3 Jurisdição garantista e o enfrentamento, por via discricionária, das antinomias e
lacunas normativas
O estudo realizado a respeito dos poderes judiciais de verificação jurídica e de
disposição permite afirmar que, pelo garantismo, o julgador é o responsável pela escolha da
norma aplicável à situação judicialmente examinada, que é precedida pela fixação judiciária
do seu significado. Essa atividade, por sua vez, é sempre vinculada a decisões discricionárias,
que ora são apontadas pela teoria garantista como necessárias, ora são elencadas como
indispensáveis.
Isso porque, segundo aduz Luigi Ferrajoli,228
valendo-se das lições de Herbert Hart,
“em todas as leis existe, junto a um núcleo ‘luminoso’, uma zona de ‘penumbra’, que cobre os
‘casos discutíveis’, nos quais as palavras da lei ‘não são obviamente aplicáveis..., mas
tampouco claramente excluíveis’.” Demais disso, e diante da extensão das imperfeições da
semântica da linguagem legal, as normas jurídicas muitas vezes deixam de explicitar o seu
significado de maneira minimamente precisa, exigindo, assim, o exercício de uma autonomia
judiciária destinada a integrar – depois da ocorrência do fato analisado – o pressuposto legal
com valorações ético-políticas, tendo em vista a rendição garantista à vedação do non liquet.
Na fixação garantista do significado normativo, portanto, o que irá variar será apenas o
grau de discricionariedade judicial, que sempre estará presente. Conforme reconhece Luigi
Ferrajoli,229
no entanto, a partir de um determinado limite de imperfeição normativa, a
jurisdição deixa de ser uma atividade dos juízes destinada à afirmação da lei para se
transformar em uma nítida atividade criadora do direito:
228 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
118. 229 FERRAJOLI, Luigi. La logica del diritto: dieci aporie nell’opera di Hans Kelsen. Roma: Editori Lateza,
2016b. p. 174-176. (Collana Sagittari Laterza 197). No original: “Una legalità strettissima, assolutamente
precisa ed unívoca, consentirebbe una motivazione giuridica assolutamente elementare: poco più che
l’indicazione della legge sulla cui base la decisione viene presa. Al contrario, uma legalità imprecisa e
scarsamente determinata affida necessariamente alla motivazione in diritto e alla sua argomentazione
razionale la massima rilevanza. Giacché le premesse dell’inferenza dedutiva, quanto più sono
normativamente indeterminate e perciò opinabili, tanto più richiedono di essere giustificate. [...] Ma è chiaro che in molti casi l’argomentazione no basta: oltre un certo limite di indeterminatezza semantica e perciò di
crisi della legalità, il giudizio diventa davvero un puro atto di volontà logicamente incontrollabile,
transformandosi da giudizio cognitivo in arbitrário giudizio potestativo. [...] Se infatti l’indeterminatezza
semantica del linguaggio legale giunge al punto da rendere arbitraria, e non semplicemente opinable ma
argomentata, la premessa maggiore dell’inferenza deduttiva che dovrebbe sorreggere l’applicazione della
legge, allora viene meno la struttura logica dell’intero ragionamento giudiziario. La giurisdizione, in tal caso,
cambia natura: non è più applicazione, bensì, inevabilmente, creazione del diritto. È quanto rischia di
avvenire nei nostri ordenamenti, perfino in materia penale, con il crollo della streta legalità e del ruolo di
governo della politica e della legislazione.”
105
Uma legalidade muito estrita, absolutamente precisa e unívoca, tornaria possível
uma motivação jurídica absolutamente elementar: pouco mais do que a indicação da
lei sobre cuja base se adota a decisão. Ao contrário, uma legalidade imprecisa e
escassamente determinada confere, necessariamente, à motivação em direito e a sua
argumentação racional a máxima relevância. Com efeito, as premissas da inferência
dedutiva, quanto mais são indeterminadas normativamente e, portanto, opináveis,
tanto mais precisam ser justificadas. [...] Mas, é claro que, em muitos casos, a
argumentação não basta: além de um certo limite de indeterminação semântica e, por
isso, de crise da legalidade, o juízo se converte em um puro ato de vontade
logicamente incontrolável, deixando de ser um juízo cognitivo para converter-se em
um arbitrário juízo potestativo. [...] Com efeito, se a indeterminação semântica da linguagem legal chega ao ponto de tornar arbitrária, e não simplesmente opinável,
mas argumentada, a premissa maior da inferência dedutiva, que deveria sustentar a
aplicação da lei, então se desvanece a estrutura lógica do raciocínio judicial em seu
conjunto. A jurisdição, em tal caso, troca de natureza: não é mais aplicação, mas,
inevitavelmente, criação do direito. É o que pode suceder em nossos ordenamentos,
inclusive em matéria penal, com a quebra da estrita legalidade e do papel de governo
da política e da legislação.
Em outros termos, é possível aduzir que, seja mediante o exercício do poder de
denotação, seja por intervenção do poder de disposição, caberá ao juiz garantista estabelecer o
sentido da normatividade a ser aplicada para o acertamento de direitos afirmados e negados
no âmbito procedimental. De acordo com o garantismo, a identificação da norma que será
utilizada como premissa maior da inferência dedutiva está atrelada ao exercício do poder
judicial que, exercendo-se por juízos discricionários do julgador, tidos como indevidos ou
não, viabilizará o cumprimento do dever de decidir pelo magistrado.
Por uma perspectiva garantista, logo, basta que exista uma norma que possa ser
aplicada à situação analisada judicialmente – ainda que essa esteja implícita no ordenamento
jurídico, concorra com outras normas ou seja acometida por imperfeições da semântica da
linguagem legal que impossibilitem a aferição da verdade jurídica da motivação decisória –
para que o juiz tenha que decidir. A despeito de ser o poder judicial de disposição questionado
pelo garantismo, já que elimina o caráter cognitivo da jurisdição, a proposta ferrajoliana
entrega-se à discricionariedade judicial atinente ao poder judicial de valoração ético-política
em diversas situações e, com isso, torna ainda mais embaraçosa a já intricada atividade de
aplicação jurídico-normativa que teoriza.
É que, além do que já se disse acerca das imperfeições semânticas relativas à
linguagem legal e da antinomia semântica, há de se considerar que, pela proposição
ferrajoliana, é possível que, na atividade de aplicação do direito, depare-se o magistrado com
uma norma que, apesar de reconhecida como vigente e válida sob o aspecto formal, tenha a
sua invalidade substancial cogitada, ou mesmo que, no exercício da jurisdição, afira o juiz a
inexistência de positivação, por via legislativa, de norma específica destinada ao cumprimento
de outra que lhe seja superior e cabível para reger a hipótese fática debatida em juízo.
106
Nesses casos, a discricionariedade judiciária instala-se novamente, desta feita para
viabilizar, no âmbito da aplicação do direito, a implementação das exigências garantistas da
coerência e da plenitude do ordenamento jurídico. Se, conforme enuncia o garantismo, nos
Estados Constitucionais de Direito, o ordenamento jurídico é sempre imperfeito, então, é
faticamente inevitável que os sistemas jurídicos produzidos com a refundação do Estado
Legislativo de Direito sejam, em alguma medida, alcançados pelos vícios da antinomia e da
lacuna que, igualmente, exigem o exercício do poder judicial, seja apenas para a sua
identificação, seja para, ademais, possibilitar o seu afastamento.
Mais uma vez, aqui, destaca-se o julgador garantista que, além de enfrentar as
redutíveis e irredutíveis imperfeições semânticas relativas à norma supraordenada, nesse
momento, posta-se perante o enorme desafio de, na aplicação do direito, em um primeiro
momento, verificar se há norma que dê cumprimento à determinação disposta em norma
superior que seja aplicável à regência da hipótese fática e, em um segundo momento,
examinar se há coerência entre o significado que discricionariamente fixou para aquela norma
que escolheu aplicar e o sentido da norma supraordenada, que, também, estabelece, sempre de
modo solitário.
A abordagem garantista da antinomia e da lacuna, como se deixa entrever, apresenta-
se singular. Se comparada com as análises ordinariamente realizadas sobre a temática por
autores dedicados ao estudo da teoria geral do direito,230
identifica-se que Luigi Ferrajoli
redefine os conceitos de antinomia e lacuna para identificá-las com a indevida presença ou
com a indevida ausência de uma norma, de acordo com o que determina uma norma
hierarquicamente superior. O autor garantista conceitua a antinomia apenas como “o vício
substancial produzido pela indevida adoção de uma norma em contraste com uma norma
substantiva sobre a produção, cuja aplicação supõe a anulação da norma em contraste”, e a
lacuna tão só como “o vício produzido pela indevida comissão da adoção de uma norma
requerida por uma norma sobre a produção, cuja aplicação supõe a introdução da norma
ausente.”231
230 Por amostragem, confira os escritos de BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Tradução de
Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos. 10. ed. Brasília: UnB, 1999. p. 71-160; LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Tradução de José Lamego. 4. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2005. p.
372-379 e 519-574; DÍEZ-PICAZO, Luis. Experiencias jurídicas y teoría del derecho. 3. ed. Barcelona:
Ariel, 1999. p. 277-283; e de CARNELUTTI, Francesco. Teoría general del derecho. Traducción de
Francisco Javier Osset. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1955. p. 108-126. 231 FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia. 1. Teoría del derecho. Traducción
de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz Miguel.
Madrid: Editorial Trotta, 2011c. p. 646. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). No original:
“[...] es el vicio sustancial producido por la indebida adopción de una norma en contraste con una norma
sustantiva sobre la producción, cuya aplicación supone la anulación de la norma en contraste.” [...] es el vicio
107
É o que se explicita pelas lições seguintes, que, ao se referirem aos escritos
formalizados sobre a antinomia e a lacuna na literatura especializada tradicional, afirmam
que:
Habitualmente, entende-se por antinomia qualquer “incompatibilidade entre
normas” que não permite a observância ou aplicação de ambas. Por lacuna, entende-
se, por outro lado, a ausência de “uma regra a que o juiz possa acudir para resolver
uma determinada controvérsia”. Se trata, em outras palavras, de imperfeições que
geram para o intérprete um problema de aplicação.
As redefinições que proponho respondem a uma específica finalidade explicativa: a
necessidade de identificar e de isolar as antinomias e as lacunas que geram não
qualquer problema de aplicação, mas somente problemas irresolúveis sem uma
modificação do ordenamento. Restringem, portanto, o campo de denotação dos
termos: para que se possa falar de “antinomia” ou de “lacuna”, o problema de aplicação gerado deve resultar impossível de resolver para o intérprete no marco do
direito vigente. Deve tratar-se, dito com precisão, da presença ou ausência indevidas
de uma norma que, se não são remediadas por uma específica intervenção
normativa, não permitem a aplicação das normas a respeito das quais a antinomia ou
a lacuna são predicáveis. Antinomias e lacunas se caracterizam, em suma, porque
integram a inobservância – por incoerência ou por incumprimento – da proibição ou
da obrigação imposta por uma norma sobre a produção, fazendo-la inaplicável e
reclamando, para sua solução, uma alteração do direito vigente.232
De conseguinte, por uma redefinição ferrajoliana,233
antinomia e lacuna dizem respeito
à existência de uma decisão proibida ou à ausência de uma decisão obrigatória. Nos dois
casos, apresentam-se como vícios que, por não poderem ser afastados diretamente pelo
intérprete – a quem não cabe modificar o direito vigente – exigem a intervenção de atos
decisórios específicos que devem atuar na anulação da norma em contraste com outra que lhe
seja supraordenada ou na introdução de uma norma, até então inexistente, para dar
producido por la indebida omisión de la adopción de una norma requerida por una norma sobre la produción,
cuya supone la introdución de la norma ausente.” 232 FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia. 1. Teoría del derecho. Traducción
de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz Miguel.
Madrid: Editorial Trotta, 2011c. p. 645. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). No original:
“Habitualmente se entiende por antinomia cualquier ‘incompatibilidad entre normas’ que no permite la
observancia o la aplicación de ambas. Por laguna se entiende en cambio la ausencia de ‘una regla a la que el
juez pueda acudir para resolver una determinada controversia’. Se trata, en otras palabras, de imperfecciones
que generan para el intérprete un problema de aplicación. Las redefiniciones que propogno responden a una
específica finalidade explicativa: la necesidad de identificar y de aislar las antinomias y las lagunas que
generan no cualquier problema de aplicación sino sólo problemas irresolubles sin una modificación del
ordenamento. Restringem por tanto el campo de denotación de los dos términos: para que se pueda hablar de
‘antinomia’ o de ‘laguna’, el problema de aplicación generado debe resultar imposible de resolver para el intérprete en el marco del derecho vigente. Debe tratarse, dicho con precisión, de la presencia o de la
ausencia indebidas de una norma que, si no son remediadas por una específica intervención normativa, no
permitem la aplicación de las normas respecto a las que la antinomia o la laguna son predicables. Antinomias
y lagunas se caracterizan em suma porque integran la inobservancia – por incoherencia o por incumplimiento
– de la prohibición o de la obligación impuesta por una norma sobre la producción, haciéndola inaplicable y
reclamando, para su solución, una alteración del derecho vigente.” 233 FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia. 1. Teoría del derecho. Traducción
de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz Miguel.
Madrid: Editorial Trotta, 2011c. p. 645-648. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho).
108
cumprimento a outra hierarquicamente superior. Vinculadas aos desníveis normativos do
ordenamento jurídico, principalmente os níveis infraconstitucional e constitucional,234
as
antinomias e lacunas a que faz referência a teoria garantista distinguem-se das usualmente
examinadas pela teoria geral do direito, as quais, segundo a proposta ferrajoliana, além de não
consistirem em vícios insuscetíveis de eliminação pelo próprio intérprete no recinto de
aplicação jurídico-normativa, não estão implicadas, de modo necessário, com graus
normativos distintos.
Com efeito, por uma redefinição garantista, estabelecem-se elementos permissivos da
oferta de uma nova taxionomia relativa às antinomias e lacunas, a partir da qual apresenta-se
exequível a distinção entre antinomia e lacuna em sentido forte, estrito ou estrutural e
antinomia e lacuna em sentido fraco.235
A teorização de uma sistematização inovadora no
âmbito desse tema, contudo, é recebida com ressalvas pelo garantismo, uma vez que:
234 De acordo com José Juan Moreso, nos escritos de Luigi Ferrajoli, as antinomias e as lacunas têm a sua
existência restrita aos ordenamentos jurídicos que apresentam mais de um nível normativo. Por isso, conclui
que as antinomias e as lacunas a que faz referência Luigi Ferrajoli jamais existiriam no Estado Legislativo de
Direito que, para o autor garantista, seria um ordenamento de um só nível normativo. José Juan Moreso
discorda dessa afirmação e aduz que a proposição ferrajoliana incorre em equívoco ao deixar de considerar
que, no Estado Legislativo de Direito, há mais de um grau normativo – o que pode ser identificado, por amostragem, a partir da distinção existente entre lei e regulamento. MORESO, José Juan. Ferrajoli o el
constitucionalismo optimista. In: Derecho y democracia constitucional. Una discusión sobre principia iuris,
de Luigi Ferrajoli. Doxa: Cuadernos de Filosofía del Derecho, Madrid, n. 31, p. 279-287, 2008. p. 281-282.
Segundo Luigi Ferrajoli, contudo, jamais foi por ele negada a existência de desníveis normativos no Estado
Legislativo de Direito. O que acentua, no entanto, é que apenas com o advento do Estado Constitucional de
Direito instalou-se a possibilidade de que as antinomias e as lacunas em sentido forte fossem identificadas
por incoerência entre leis ou pela ausência de uma lei que dê cumprimento à outra que lhe seja
supraordenada. É o que se lê, em especial, na publicação de FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris. Una
discusión teórica. In: Derecho y democracia constitucional. Una discusión sobre principia iuris, de Luigi
Ferrajoli. Doxa: Cuadernos de Filosofía del Derecho, Madrid, n. 31, p. 393-433, 2008d. p. 411-413. No
mesmo sentido, confira o magistério de BULYGIN, Eugenio. Algunas reflexiones sobre lagunas y
antinomias en principia iuris. In: Derecho y democracia constitucional. Una discusión sobre principia iuris, de Luigi Ferrajoli. Doxa: Cuadernos de Filosofía del Derecho, Madrid, n. 31, p. 227-232, 2008. p. 229-230.
235 FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia. 1. Teoría del derecho. Traducción
de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz Miguel.
Madrid: Editorial Trotta, 2011c. p. 648. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). Registre-se, por
oportuno, que, ao abordar uma possível classificação das antinomias, Luigi Ferrajoli faz referência, ainda, à
antinomia que poderia ser denominada sentido fraco-forte. Esse tipo de antinomia, contudo, não recebe
atenção do autor garantista, embora também se apresente problemática para os estudos de direito processual
democrático. É que, assim como as antinomias fracas e fortes, está diretamente vinculada ao poder judicial de
disposição e às decisões discricionárias a ele relativas. Para a teoria garantista, “Certamente, podemos,
também, encontrar antinomias, por assim dizer, de tipo fraco-forte – como solucionáveis pelo intérprete, mas
entre normas de nível distinto: um tertium genus intermediário a respeito das antinomias em sentido forte e das antinomias em sentido fraco, porque, nelas, como nas primeiras, existe um vício que, no entanto, como
nas segundas, é diretamente superável mediante a aplicação da norma superior e a não aplicação da inferior,
deixada em vigor mesmo quando seja reconhecida inválida.” FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del
derecho y de la democracia. 1. Teoría del derecho. Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón,
Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz Miguel. Madrid: Editorial Trotta, 2011c. p. 649-650.
(Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). No original: “Ciertamente podemos también encontrar
antinomias – por así decir, de tipo débil-fuerte – solucionables por el intérprete pero entre normas de distinto
nivel: un tertium genus, intermédio respecto a las antinomias en sentido fuerte y las antinomias en sentido
débil porque en ellas, al igual que en las primeras, existe un vicio que sin embargo, como en las segundas, es
109
A tal fim seria necessário formular definições bastante complexas de “antinomia” e
de “lacuna”, compreensivas de ambas as classes, e mais tarde formalizar as duas
distinções dentro de sua esfera com um procedimento tão laborioso como
escassamente fecundo. O importante é que reste clara a profunda diferença
estrutural, geralmente ignorada, das antinomias e lacunas em sentido forte e em
sentido fraco: uma diferença que quis sublinhar reservando os termos “antinomias” e
“lacunas” só para as primeiras, incomparavelmente mais relevantes que as segundas
aos fins de análise dos ordenamentos articulados em vários níveis normativos. As
denominadas antinomias entre normas do mesmo nível – as que se resolvem pelo
intérprete mediante a aplicação do critério cronológico (lex posterior derogat priori)
ou do critério da especialidade (lex specialis derogat generali) – não representam de modo algum vícios. A norma anterior sobre a qual prevalece a norma posterior não
é, com efeito, uma norma ilegítima produzida por um ato inválido, como não o é
tampouco a norma geral sobre a qual prevalece a norma especial. O mesmo deve ser
dito das lacunas, que podem ser resolvidas com o recurso à analogia ou aos
princípios gerais. Nelas, não aparece nenhum vício, nenhuma indevida omissão,
nenhuma observância das normas superiores. Em todos estes casos não estamos ante
uma inobservância, por ação ou por omissão, de uma norma sobre a produção que
resulte inaplicável se a inobservância não se remedia mediante uma específica
decisão.236
E, ainda:
Ao contrário, os critérios de solução destas antinomias e lacunas fracas [...] são
imediatamente resolutivos e aplicáveis pelo próprio intérprete. Concretamente, o
critério cronológico é um corolário do caráter nomodinâmico do direito positivo,
sem o qual a norma sucessiva seria inútil e não resultaria possível a produção
autorizada e dinâmica do direito. O critério da especialidade é um critério de
individualização da norma aplicável vinculado à semântica da linguagem normativa:
a norma especial é simplesmente outra norma, absolutamente incompatível com a
norma geral (não mais que o quanto seja “ser humano” com respeito a “mamífero”),
que, com efeito, não vem eliminada e que prevalece, porque o suposto de fato por
ela previsto tem um significado mais restrito. E, por fim, os princípios que admitem o recurso à analogia ou aos princípios gerais não são senão normas sobre a
interpretação do significado dos atos preceptivos.237
directamente superable mediante la aplicación de la norma superior y la desaplicación de la inferior, dejada
en vigor aun cuando sea reconocida inválida.” 236 FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia. 1. Teoría del derecho. Traducción
de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz Miguel.
Madrid: Editorial Trotta, 2011c. p. 648-649. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). No
original: “A tal fin sería necesario formular definiciones bastante complejas de ‘antinomia’ y de ‘laguna’,
comprensivas de ambas clases, y más tarde formalizar las dos distinciones dentro de su esfera con un
procedimiento tan laborioso como escasamente fecundo. Lo importante es que quede clara la profunda
diferencia estructural, generalmente ignorada, de las antinomias y de las lagunas en sentido fuerte y en
sentido débil: una diferencia que he querido subrayar reservando los terminos ‘antinomias’ y ‘lagunas’ sólo
para las primeras, incomparablemente más relevantes que las segundas a los fines del análisis de los
ordenamentos articulados en vários niveles normativos. Las denominadas antinomias entre normas del
mismo nivel – las que se resuelven por él intérprete mediante aplicación del critério cronológico (lex posterior derogat priori) o del criterio del especialidad (lex specialis derogat generali) – no representan en
modo alguno vicios. La norma anterior sobre la cual prevalece la norma posterior no es en efecto una norma
ilegítima producida por un acto inválido, como no lo es tampoco la norma general sobre la que prevalece la
norma especial. Lo mismo debe decirse de las lagunas que pueden ser resueltas con el recurso a la analogía o
a los principios generales. En ellas no aparece ningún vicio, ninguna indebida omisión, ninguna
inobservancia de normas superiores. En todos estos casos no estamos ante una inobservancia, por acción u
omisión, de una norma sobre la producción que resulte inaplicable si la inobservancia no se remedia
mediante una específica decisión.” 237 FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia. 1. Teoría del derecho. Traducción
110
Extrai-se dos escritos garantistas, portanto, que, com a redefinição de lacuna e de
antinomia, também as relações existentes entre o julgador e essas modificam-se.238
Assim é
que, no âmbito da aplicação do direito, sendo identificada a antinomia em sentido forte, o juiz
deverá denunciar a sua existência à autoridade judiciária competente para proceder a anulação
da norma que é apontada como inválida. Caso o magistrado identifique a antinomia em
sentido fraco, contudo, deverá ele mesmo, como intérprete privilegiado, empregar o critério
da cronologia ou da especialidade para fixar a norma aplicável ao suposto de fato. Se o
decisor garantista se deparar com a lacuna em sentido forte, outra conduta não poderá adotar
senão a decretação do non liquet, enquanto que, defrontando-se com a lacuna em sentido
fraco, deverá valer-se da analogia – sempre que essa for legalmente permitida – e dos
princípios gerais do direito à colmatação do vazio normativo.
Trata-se, como se vê, de expedientes bastante diversos, mas que pressupõem um
fundamento comum e não adequadamente problematizado por Luigi Ferrajoli: a identificação
e o afastamento das antinomias e das lacunas, tanto as que são classificadas como fortes
quanto as que são tidas como fracas, dá-se por via de juízos discricionários adotados por
autoridades estatais, com destaque para os integrantes da magistratura e do legislativo.
Nesse sentido, ao se pronunciar sobre as lacunas e antinomias em sentido forte, o
garantismo teoriza que, uma vez cogitada a invalidade de uma norma infraconstitucional, o
juiz garantista terá o “poder/dever de aplicar a lei por uma interpretação conforme à
Constituição ou, se não considera possível uma interpretação conforme, de levantar a questão
de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz Miguel.
Madrid: Editorial Trotta, 2011c. p. 649. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). No original: “Al contrario, los critérios de solución de estas antinomias y lagunas débiles [...] son imediatamente resolutivos y
aplicables por el proprio intérprete. Concretamente, el criterio cronológico es un corolario del carácter
nomodinámico del derecho positivo, sin el que la norma sucesiva sería inútil y no resultaría posible la
producción autoritativa y dinámica del derecho. El criterio de especialidad es un criterio de individualización
de la norma aplicable vinculado a la semántica del lenguage normativo: la norma especial es simplemente
otra norma, en absoluto incompatible com la general (no más de cuanto lo sea ‘ser humano’ con respecto a
‘mamífero’), que en efecto no viene eliminada y sobre la que prevalece, porque el supuesto de hecho por ella
previsto tiene un significado más restringido. Y, en fin, los principios que admiten el recurso a la analogía o a
los principios generales no son sino normas sobre la interpretación del significado de los actos preceptivos.” 238 FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia. 1. Teoría del derecho. Traducción
de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz Miguel. Madrid: Editorial Trotta, 2011c. p. 647-651. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho);
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão – teoria do garantismo penal. 3. ed. rev. Tradução de Ana Paula Zomer
Sica, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: 2010a. p. 846; FERRAJOLI,
Luigi. A democracia através dos direitos: o constitucionalismo garantista como modelo teórico e como
projeto político. Tradução de Alexander Araujo de Souza, Alexandre Salim, Alfredo Copetti Neto, André
Karam Trindade, Hermes Zaneti Júnior e Leonardo Menin. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015b. p. 71-
72; FERRAJOLI, Luigi. La democrazia costituzionale. Bologna: Il Mulino, 2016a. p. 60. (Collana
Introduzioni); FERRAJOLI, Luigi. Dei diritti e delle garanzie: conversazione con Mauro Barberis.
Bologna: Il Mulino, 2013a. p. 54 e 72. (Collana Contemporanea).
111
da inconstitucionalidade perante a Corte constitucional.”239
Por outro lado, encontrando-se
diante da ausência de uma norma que dê cumprimento a outra que lhe seja superior e
aplicável à situação sub judice, o magistrado garantista deverá pronunciar o non liquet, desde
que não considere possível preencher o vazio jurídico por meio da criatividade judicial que,
adotando um apoio legal como ponto de partida, permita ao julgador apontar uma norma
cabível à regência da hipótese examinada mediante a implementação de uma
“discricionariedade e até mesmo uma engenharia judiciária que lhe consinta, de qualquer
modo, a adjudicação, mesmo para além da letra e das lacunas da lei ordinária”.240
É o que, de há muito, incomodou Marina Gascón Abellán,241
quando abordou as
tomentosas relações existentes entre o juiz garantista e a lei, a partir de Direito e Razão –
Teoria do Garantismo Penal. Conforme registram os escritos que produziu, por uma
perspectiva garantista, a identificação da antinomia e da lacuna em sentido forte é
inevitavelmente permeada por uma liberdade de escolha entre alternativas interpretativas
possíveis deferida ao julgador. Ao magistrado garantista que não integre a Corte
Constitucional cabe, na condição de intérprete qualificado, valer-se do poder de disposição
para, ao perquirir a ocorrência de vícios estruturais do ordenamento jurídico, escolher se irá
denunciar a invalidade da norma ao órgão jurisdicional competente à anulação normativa ou
realizar uma interpretação restritiva da norma que permita a sua aplicação na situação sub
judice, assim como decidir, discricionariamente, pronunciar ou não o non liquet.
Nessas situações, caberá ao julgador ditar, de modo solitário, o destino jurídico das
partes, as quais, por sua vez, deverão se contentar com uma questionável imprevisibilidade
decisória, que também estará presente quando for imperiosa a apreciação da invalidade
normativa pelo órgão jurisdicional legalmente estabelecido para a anulação da norma
antinômica e, ainda, na hipótese em for apurada a necessidade de produção da norma ausente
pelo órgão competente para a sua edição. Se comparado com o enfrentamento da antinomia e
da lacuna em sentido fraco, portanto, é possível afirmar que, pela proposição ferrajoliana, a
remoção e a colmatação da antinomia e da lacuna estruturais dá-se por via da atuação de
239 FERRAJOLI, Luigi. Dei diritti e delle garanzie: conversazione con Mauro Barberis. Bologna: Il Mulino,
2013a. p. 54. (Collana Contemporanea). No original: “[...] potere/dovere di aplicar la legge
nell’interpretazione conforme alla Costituzione oppure, qualora non ritenga possibile un’interpretazione
conforme, di sollevare la questione di costituzionalità dinanzi alla Corte constituzionale.” 240 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
846. 241 ABELLÁN, Marina Gascón. La teoría general del garantismo: rasgos principales. In: CARBONELL, Miguel;
SALAZAR, Pedro (Coord.). Garantismo: estudios sobre el pensamiento jurídico de Luigi Ferrajoli. Madrid:
Editorial Trotta, 2005. p. 21. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho).
112
autoridades estatais diversas do juiz que não integra a Corte Constitucional e que as
identificou no âmbito de aplicação da normatividade jurídica. Assim como ocorre em relação
à antinomia e à lacuna não estruturais, contudo, o afastamento da antinomia e da lacuna em
sentido forte é implementado a partir da tomada de decisões discricionárias por uma
autoridade estatal.
Daí, embora a identificação discricionária das antinomias e das lacunas esteja sempre
a cargo do julgador atuante no recinto de aplicação do direito, apenas o afastamento da
antinomia e da lacuna em sentido fraco é que deferido a um magistrado não integrante da
Corte Constitucional. Como Luigi Ferrajoli compreende que o enfrentamento da antinomia e
da lacuna não estruturais pode ser realizado sem a necessidade de modificação do
ordenamento jurídico – ao contrário do que sustenta em relação à antinomia e à lacuna em
sentido forte –, após a identificação da antinomia ou da lacuna fracas, deverá o julgador
garantista que as percebeu valer-se do critério da cronologia ou da especialidade para remover
a antinomia, bem como da analogia – se essa for legalmente autorizada – e dos princípios
gerais do direito para colmatar a lacuna.
Desta forma, sempre que apurada pelo decisor garantista a ocorrência de uma
antinomia ou de uma lacuna não estruturais, esse deverá, diretamente, diligenciar-se em favor
de seu afastamento, ainda que lhe seja necessário, para tanto, enfrentar, discricionariamente,
as inúmeras dificuldades impostas pela legalidade, que tornam a solução que der
inevitavelmente tormentosa e opinável.242
Para o garantismo, existindo a possibilidade de, per
se, o juiz escolher a norma aplicável ao suposto de fato, é obrigatório que, desde já, o
magistrado decida, dando a solução que entender pertinente ao conflito que foi direcionado ao
âmbito de aplicação do direito.
Quando aborda a temática da remoção judiciária da antinomia em sentido fraco,
portanto, a teoria garantista não problematiza a ausência de explicitação, pelo ordenamento
jurídico, das hipóteses em deverá o julgador garantista empregar o critério cronológico ou da
especialidade para realizar a escolha da norma aplicável à situação sub judice, assim como a
sua omissão quanto à regulamentação de qual conduta deverá adotar o intérprete quando, no
enfrentamento da antinomia analisada, nenhum desses critérios seja apto para removê-la. Não
se preocupa, ainda, em investigar, detidamente, as correlações teóricas existentes entre as
antinomias não estruturais e os institutos da vigência, da validade e da eficácia das leis.
242 FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris. Una discusión teórica. In: Derecho y democracia constitucional. Una
discusión sobre principia iuris, de Luigi Ferrajoli. Doxa: Cuadernos de Filosofía del Derecho, Madrid, n. 31,
p. 393-433, 2008d. p. 412.
113
Não tematiza a proposição ferrajoliana, igualmente, que, em face da ausência de uma
lei específica positivada à regência de um determinado suposto de fato, o juiz garantista terá
que se utilizar da analogia e dos princípios gerais do direito à colmatação do vazio normativo,
os quais exigem do magistrado a adoção de juízos que ora se incrementam a partir de um
legalmente indemarcado parâmetro de ampliação ou de simplificação normativa, ora mediante
valorações dependentes de uma já apontada responsabilidade moral e política do julgador.
Para a teoria garantista, o que importa é apenas conhecer se as antinomias e lacunas
podem ser removidas ou colmatadas diretamente pelo julgador que as identificou ou, se para
que tal se dê, é necessária a intervenção de uma outra autoridade estatal. Se o afastamento da
lacuna e da antinomia não implicar problemas de aplicação do direito que sejam irresolúveis
sem a modificação do ordenamento jurídico, mas tão somente, e ao extremo, dificuldades para
o juiz-intérprete relativos à perquirição de “se a lei sucessiva regula exatamente o mesmo fato
ou se a lei que aplicar resulta verdadeiramente especial ou se existe realmente uma
analogia”,243
deverá o magistrado garantista atuar, discricionariamente, e logo decidir o
conflito que lhe é submetido, dispensando-se a intervenção de outra autoridade estatal.
Não é por outro motivo, aliás, que a proposição garantista caracteriza a antinomia e a
lacuna em sentido fraco como uma antinomia e uma lacuna apenas aparente.244
Pelo
garantismo, diversamente da antinomia e da lacuna em sentido forte, que são adjetivadas
como reais, a antinomia e a lacuna fracas não exigem, para a sua superação, a remoção ou a
inclusão de uma norma como condição imposta à observância da norma supraordenada. Para
remover a antinomia em sentido fraco, basta que o julgador se utilize dos critérios da
cronologia e da especialidade e, para colmatar a lacuna em sentido fraco, deve tão somente o
magistrado garantista empregar a analogia – quando for legalmente cabível o seu emprego – e
os princípios gerais do direito, que lhe propiciarão encontrar a norma aplicável ao suposto de
fato, mesmo que esta norma não esteja explícita no ordenamento jurídico.
243 FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia. 1. Teoría del derecho. Traducción
de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz Miguel.
Madrid: Editorial Trotta, 2011c. p. 650. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). No original:
“[...] (si la ley sucesiva regula exatamente el mismo hecho, o si la ley que aplicar resulta verdadeiramente especial, o si existe realmente una analogía)”.
244 FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia. 1. Teoría del derecho. Traducción
de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz Miguel.
Madrid: Editorial Trotta, 2011c. p. 648-649. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho);
FERRAJOLI, Luigi. A democracia através dos direitos: o constitucionalismo garantista como modelo
teórico e como projeto político. Tradução de Alexander Araujo de Souza, Alexandre Salim, Alfredo Copetti
Neto, André Karam Trindade, Hermes Zaneti Júnior e Leonardo Menin. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2015b. p. 70-72; FERRAJOLI, Luigi. La democrazia costituzionale. Bologna: Il Mulino, 2016a. p. 59-61.
(Collana Introduzioni).
114
É o que registra Luigi Ferrajoli, ao se manifestar sobre as críticas tecidas por Michele
Taruffo ao seu conceito de jurisdição. Para este, a conceituação garantista de jurisdição gera
certa perplexidade porque, ao ser caracterizada como uma atividade destinada à aplicação de
normas jurídicas aos fatos provados, deixa de considerar que, não raras vezes, pela
constatação de lacunas no ordenamento jurídico, está o julgador obrigado a “também criar
direitos previamente inexistentes e que surgem, precisamente, com a decisão do juiz que os
reconhece”.245
De acordo com a resposta ferrajoliana, entretanto, nas hipóteses em que são
verificadas as lacunas, sejam essas classificadas como aparentes ou como reais, o julgador não
está autorizado a criar o direito, como defende Michele Taruffo. O que deve fazer o juiz
garantista, nesses casos, é tão somente decidir com fulcro em normas implícitas, ou seja,
apoiado nas normas “que pode extrair o intérprete sobre a base do significados das normas
vigentes”.246
Conforme afirma, ao se referir às lições de Eugenio Bulygin:
[...] devemos, com efeito, admitir que o juiz sempre está chamado, sobretudo quando
deve resolver casos difíceis, a extrair do Direito existente as normas implícitas sobre
cuja base qualifica o caso submetido a ele e formular sua decisão. TARUFFO fala, a
este respeito, de um papel “criativo” da jurisdição: um papel, diz, pacificamente aceito nos sistemas de common law, nos quais o Direito é, frequentemente, criado
pelo juiz, segundo a regra remedies precede rights, mas, também, inegável nos
sistemas da civil law, apesar de que, nestes, se assuma, “todavia, cada vez menos”, a
regra inversa rigths precede remedies (p. 9-13). E ressalta o papel de garantia dos
direitos fundamentais, do qual o juiz não pode se furtar e que, no Brasil, por
exemplo, está explicitamente imposto na constituição (p. 10). Creio, no entanto, que
o mesmo fenômeno pode ser interpretado melhor de outro modo: como papel de
integração consistente em estabelecer as normas precisamente “implícitas” na
semântica da linguagem constitucional. Trata-se, cada vez mais, em suma, de “juris-
dicção”, isto é, de aplicação de normas substanciais preexistentes, pertencentes ao
ordenamento mesmo como normas implícitas. “Implícitas”, ademais, são também as normas extraíveis por analogia ou mediante o recurso aos princípios gerais do
Direito para resolver as que chamei “lacunas em sentido fraco”. Em todos estes
casos, como no caso de solução das “antinomias em sentido fraco” com o critério da
lex posterior ou da lex specialis, o juiz faz um trabalho de interpretação e de
integração. Em caso contrário, se de verdade “criasse” novas normas não implícitas
no ordenamento, provocaria, como escreve justamente BULYGIN (p. 5), “uma
modificação do sistema jurídico”, invadindo a “competência legislativa” e violando
o princípio da separação de poderes.247
245 TARUFFO, Michele. Leyendo a Ferrajoli: consideraciones sobre la jurisdicción. In: Derecho y democracia
constitucional. Una discusión sobre principia iuris, de Luigi Ferrajoli. Doxa: Cuadernos de Filosofía del Derecho, Madrid, n. 31, p. 383-391, 2008. p. 389. No original: “[...] también crear derechos previamente
inexistentes y que surgen precisamente con la decisión del juez que los reconoce.” 246 FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris. Una discusión teórica. In: Derecho y democracia constitucional. Una
discusión sobre principia iuris, de Luigi Ferrajoli. Doxa: Cuadernos de Filosofía del Derecho, Madrid, n. 31,
p. 393-433, 2008d. p. 415. No original: “[...] que puede extraer el intérprete sobre la base del significado de
las normas vigentes.” 247 FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris. Una discusión teórica. In: Derecho y democracia constitucional. Una
discusión sobre principia iuris, de Luigi Ferrajoli. Doxa: Cuadernos de Filosofía del Derecho, Madrid, n. 31,
p. 393-433, 2008d. p. 415. No original: “[...] debemos en efecto admitir que el juez siempre está llamado,
115
De conseguinte, por uma perspectiva garantista, sempre que for, discricionariamente,
identificada uma antinomia ou uma lacuna, caberá ao próprio julgador que a percebeu
incrementar o seu afastamento por novos juízos discricionários, ou, se assim não entender
possível, providenciar que o seu afastamento ocorra por via da intervenção de outra
autoridade estatal, a qual, igualmente, atuará de modo discricionário. No afastamento das
antinomias e, ainda, da lacuna em sentido fraco, o juiz ferrajoliano responsabiliza-se por
garantir que o destino jurídico das partes seja decidido por meio de uma atuação discricionária
levada a efeito, privativamente, pela magistratura. Para propiciar a colmatação da lacuna
estrutural que discricionariamente identificou, ocupa-se o julgador garantista em pronunciar o
non liquet e, assim, em entregar à outra autoridade, sob condição, o poder de decidir
discricionariamente sobre a temática examinada.
É que, sendo instaurado um procedimento ao acertamento de direitos com fundamento
na norma disposta no ato decisório formal produzido para dar cumprimento à normatividade
que lhe é supraordenada, o juiz garantista reivindicará a discricionariedade que,
temporariamente, deixou de exercer, para empregá-la, novamente, em sua problemática
atividade de aplicação do direito. Com isso, o magistrado garantista conservará a sua posição
central no recinto de aplicação do direito, mantendo-se como titular exclusivo da escolha da
norma regente da situação fática, opção a qual sempre estará atrelada à tomada de decisões
discricionárias na fixação do significado da norma que elegeu aplicar e no estabelecimento
discricionário da validade desse significado.
Afirma-se, desta forma, o solipsismo decisório-garantista que se aloja no âmbito da
aplicação da normatividade jurídica. Ao se entregar à discricionariedade judiciária na fixação
do sentido da norma explícita ou implícita que o magistrado opta aplicar, bem como na
sobre todo cuando debe resolver casos difíciles, a extraer del Derecho existente las normas implícitas sobre
cuya base cualifica el caso sometido a él, y formular su decisión. TARUFFO habla, a este respecto, de un
papel «creativo» de la jurisdicción: un papel, dice, pacíficamente aceptado en los sistemas de common law,
en los que el Derecho a menudo es creado por el juez según la regla remedies precede rights, pero innegable
también en los sistemas del civil law, a pesar de que en éstos se asuma «todavía, pero cada vez menos», la
regla inversa rights precede remedies (pp. 9-13). Y resalta el papel de garantía de los derechos
fundamentales, al cual el juez no puede sustraerse y que, en Brasil, por ejemplo, está explícitamente impuesto
en la constitución (p. 10). Creo, sin embargo, que el mismo fenómeno puede interpretarse mejor de otro
modo: como papel de integración consistente en establecer las normas precisamente «implícitas» en la semántica del lenguaje constitucional. Se trata, incluso cada vez más, en suma, de «juris-dicción», es decir,
de aplicación de normas sustanciales preexistentes, pertenecientes al ordenamiento incluso como normas
implícitas. «Implícitas», por lo demás, son también las normas extraíbles por analogía o mediante el recurso a
los principios generales del Derecho para resolver las que he llamado «lagunas en sentido débil». En todos
estos casos, como en el caso de solución de las «antinomias en sentido débil», con el criterio de la lex
posterior o de la lex specialis, el juez hace un trabajo de interpretación y de integración. En caso contrario, si
de verdad «crease» nuevas normas no implícitas en el ordenamiento, provocaría, como escribe justamente
BULYGIN (p. 5), «un cambio del sistema jurídico» invadiendo la «competencia legislativa» y violando el
principio de la separación de poderes.
116
afirmação da coerência desse significado com o sentido que igualmente atribui às normas que
lhe são supraordenadas, o garantismo acaba por teorizar a decisão como o resultado de uma
atuação dos juízes que é sempre, em alguma medida, imune à fiscalidade processual.
117
4 GARANTISMO JURISDICIONALISTA E A PROCESSUALIDADE
DEMOCRÁTICA
As interfaces teóricas existentes entre o garantismo, a centralidade da jurisdição no
âmbito da aplicação jurídico-normativa e a discricionariedade judiciária permitem afirmar
que, na operacionalização do direito, a proposição garantista encontra-se vinculada a um
dogmatismo que se desponta tormentoso para os estudos de processo democrático.
Ao situar o garantismo como sinônimo de Estado Constitucional de Direito e este
como um Estado Liberal mínimo e um Estado Social máximo, Luigi Ferrajoli teoriza esse
modelo normativo de direito como a representação ideal de um paradigma que é qualificado
por Rosemiro Pereira Leal como dogmático e não democrático. É que, para este autor, o
Estado Democrático de Direito “é democrático, porque gestado (emerso) e atuado por um
direito que não se entrega ao paradigma, em sua operacionalização, da alíbica ciência
dogmática do direito”.248
Com base na caracterização de Estado Democrático de Direito ofertada pela teoria
neoinstitucionalista do processo, não é democrático o direito cuja aplicação esteja entregue à
autoridade estatal para, de modo desprocessualizado, viabilizar a geração de uma decisão que
é apontada como necessária à solução de conflitos oriundos ou a se originarem de uma
sociedade pressuposta.249
Pelo marco teórico neoinstitucionalista do processo, não se mostra
acolhível a operacionalização da normatividade jurídica pelos pressupostos da ciência
dogmática que, vislumbrando o direito “como regras dadas (pelo Estado, protetor e repressor),
tende a assumir o papel de conservadora daquelas regras, que, então, são por ela
sistematizadas e interpretadas”,250
com o escopo de apontar condições para a decisão de
conflitos e, ao mesmo tempo, de provocar o mínimo transtorno às relações indicadas como
sociais.
248 LEAL, Rosemiro Pereira. A teoria neoinstitucionalista do processo: uma trajetória conjectural. Belo
Horizonte: Arraes, 2013. p. 3. (Coleção Professor Álvaro Ricardo de Souza Cruz, v. 7). 249 Sobre a denominada sociedade pressuposta, confira, especialmente, as conjecturas de LEAL, Rosemiro
Pereira. O paradigma processual ante as seqüelas míticas do poder constituinte originário. Revista da
Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, n. 53, p. 295-316, jul./dez. 2008. p. 296-297, 299-300 e
303; LEAL, Rosemiro Pereira. Modelos processuais e constituição democrática. In: CATTONI DE
OLIVEIRA, Marcelo Andrade; MACHADO, Felipe Daniel Amorim. Constituição e processo: a
contribuição do processo ao constitucionalismo democrático brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. p.
284-285; LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos. 13. ed. rev., atual. e aum.
Belo Horizonte: Fórum, 2016a. p. 110-111; LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual da decisão
jurídica. 2. ed. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016b. p. 169. (Coleção Direito e Justiça). 250
FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 3. ed.
São Paulo: Atlas, 2001. p. 82.
118
É possível conjecturar que, de acordo com os conteúdos informativos da teoria
neoinstitucionalista do processo, a lógica adotada pela ciência dogmática do direito apresenta-
se contrária à pretensão de democraticidade porque, à implementação de seus objetivos, é
indispensável a observância de “toda uma técnica especializada, que exige, do jurista, uma
longa formação e uma experiência mais longa ainda”.251
Pela ciência dogmática, no âmbito da
aplicação do direito, a lei nunca é suficiente à explicitação de seu significado, de modo que,
independentemente dos expedientes acatados na sua produção, no recinto de sua aplicação,
“as normas só não bastam. [...] exigem também regras de interpretação. É preciso saber dizer
não só qual é a norma, mas também o que ela significa.”252
É, nesse sentido, que, ao se pronunciar sobre as correlações teóricas existentes entre o
dogma e a atuação do jurista, Tercio Sampaio Ferraz Junior253
assevera que:
[...] quando se diz que o princípio básico da dogmática é o da inegabilidade dos
pontos de partida, isto não significa que a função dela consista nesse postulado, ou
seja, que ela se limite a afirmar, repetir dogmas pura e simplesmente. A dogmática
apenas depende desse princípio, mas não se reduz a ele. [...] Isso porque, se com a
imposição de dogmas e regras de interpretação, a sociedade espera uma vinculação
dos comportamentos, o trabalho do teórico cria condições de distanciamento
daquelas vinculações. O jurista, assim, ao se obrigar aos dogmas, parte deles, mas
dando-lhes um sentido, o que lhe permite certa manipulação. Ou seja, a dogmática
jurídica não se exaure na afirmação do dogma estabelecido, mas interpreta sua
própria vinculação, ao mostrar que o vinculante sempre exige interpretação, o que é a função da dogmática. De um modo paradoxal, podemos dizer, pois, que esta deriva
da vinculação a sua própria liberdade. Por exemplo, a Constituição prescreve:
ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.
O jurista conhece essa norma como o princípio da legalidade. Prende-se a ele. No
entanto, que significa aí lei? Como é ele quem vai esclarecer isso, cria-se para o
jurista um âmbito de disponibilidade significativa: lei pode ser tomado num sentido
restrito, alargado, ilimitado etc.
Visto desse ângulo, percebemos que o conhecimento dogmático dos juristas, embora
dependa de pontos de partida inegáveis, os dogmas, não trabalha com certezas, mas
com incertezas. Essas incertezas são justamente aquelas que, na sociedade, foram
aparentemente eliminadas (ou inicialmente delimitadas) pelos dogmas.
Com efeito, por uma perspectiva dogmática, é de se registrar duas exigências impostas
ao jurista no âmbito da aplicação do direito: “a vinculação a normas, que não podem ser
ignoradas, e a pressão para decidir os conflitos, pois para eles tem-se que achar uma saída.”254
Há de se destacar, ainda, que, ao longo do percurso dogmático de aplicação do direito, instala-
251 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 3. ed.
São Paulo: Atlas, 2001. p. 50. 252 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 3. ed.
São Paulo: Atlas, 2001. p. 49. 253 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 3. ed.
São Paulo: Atlas, 2001. p. 49-50. 254
FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 3. ed.
São Paulo: Atlas, 2001. p. 50.
119
se a autoridade estatal judiciária, a quem é deferida a escolha da norma aplicável aos fatos
provados, que, a seu turno, é vinculada à atividade de fixação do significado normativo.
É, por isso, que, com Rosemiro Pereira Leal, afirma-se que a ciência dogmática do
direito acolhe a proibição do non liquet como marco de suas reflexões e, a partir daí, entrega a
atuação da normatividade jurídica ao Estado não Democrático. Por uma perspectiva
dogmática incidente no âmbito da aplicação do direito, cabe aos julgadores – na condição de
juristas qualificados – valerem-se da sua especialização e experiência para que a ordem
jurídica seja compreendida apenas como “uma espécie de limitação, dentro da qual eles
podem explorar as diferentes combinações para a determinação operacional de
comportamentos juridicamente possíveis.”255
Desta forma, conforme enuncia a teoria neoinstitucionalista do processo, no âmbito de
aplicação do direito, torna-se passível de incremento o enfoque dogmático segundo o qual “a
crença na clarividência do decisor prevalece sobre a lei parlamentarizada a pretexto de que a
lei é dotada de uma incompletude fatal.”256
Como observa Rosemiro Pereira Leal,257
entretanto:
Quando é crido que a lei contém uma incompletude fatal e que as leis não regulam a
sua própria aplicação, ainda não se cogitou de uma teoria da lei [...]. Preconizar a
completude ou incompletude da lei é fenômeno acessível ao senso comum do
conhecimento, mas dizê-las fatais como justificação de lhes sobrepor a tirania da
vontade da autoridade judicante é desistir de pensar, conjecturar, teorizar. É render-se à tirania da jurisdição positivista que já se julga altaneira e intocável sob rótulos
de tribunais excelsos que acintosamente jurisprudencializam a priori o direito em
flagrante substituição ao processo jurídico-legiferativo.
De conseguinte, a mera associação garantista de um Estado Liberal mínimo e de um
Estado Social máximo pode até ser suficiente para o advento de um rotulado Estado
Constitucional de Direito. Não se mostra apta, no entanto, para configurar esta estatalidade
como democrática (não dogmática) de direito, porque, como aduz Leonardo Augusto Marinho
Marques, “o Estado Democrático de Direito resulta da superação dos paradigmas
antecedentes do Estado Liberal e do Estado Social”.258
255 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 3. ed.
São Paulo: Atlas, 2001. p. 48. 256 LEAL, Rosemiro Pereira. A teoria neoinstitucionalista do processo: uma trajetória conjectural. Belo
Horizonte: Arraes, 2013. p. 3. (Coleção Professor Álvaro Ricardo de Souza Cruz, v. 7). 257 LEAL, Rosemiro Pereira. A teoria neoinstitucionalista do processo: uma trajetória conjectural. Belo
Horizonte: Arraes, 2013. p. 3. (Coleção Professor Álvaro Ricardo de Souza Cruz, v. 7). Nesse sentido,
confira, ainda, a publicação de LEAL, Rosemiro Pereira. Da técnica procedimental à ciência processual
contemporânea. In: BRÊTAS, Ronaldo C. Dias; SOARES, Carlos Henrique (Org.). Técnica processual.
Belo Horizonte: Del Rey, 2015b. p. 12. 258 MARQUES, Leonardo Augusto Marinho. A exclusividade da função acusatória e a limitação da atividade do
120
Se compreendido o Estado Democrático de Direito como um Estado não Dogmático,
como propõe Rosemiro Pereira Leal, será possível dissociá-lo do Estado Constitucional de
Direito a que faz referência a teoria ferrajoliana, o qual, embora não se identifique com o
Estado Legislativo de Direito, acolhe a incompletude fatal da lei como espaço de atuação dos
juízes que, ocupando um locus especial na atividade de aplicação jurídico-normativa,
encarregam-se de realizar um permanente e solitário controle da normatividade jurídica, em
consonância com os postulados da ciência dogmática do direito.
A caracterização do Estado Constitucional de Direito como a explicitação de um
Estado Liberal mínimo e de um Estado Social máximo, com efeito, não é suficiente ao
afastamento de uma operacionalização do direito que se apresenta incompatível com a
democraticidade jurídica. Ao recepcionar pressupostos dogmáticos no recinto de aplicação da
normatividade jurídica, a teoria garantista deixa de sopesar que:
No Estado Democrático de Direito, a normatividade há de acolher para adquirir eficiência jurídica a teoria processualizante do direito e as decisões decorrentes não
podem buscar fundamentos numa lógica avessa à concretização efetiva (manutenção
do espaço discursivo) do Estado Democrático, porque o sistema jurídico só é
configurativo de direito democrático se suscetível de recriação e fiscalização
permanente pelo DEVIDO PROCESSO aberto a todos os integrantes da
Comunidade Jurídica [...].259
No Estado Democrático de Direito, portanto, é imprestável a operacionalização do
direito por mera reprodução dos fundamentos da ciência dogmática, que tanto serviu aos
paradigmas do Estado Liberal e do Estado Social. Uma vez conceituado o paradigma como
uma “teoria em sentido lato”,260
é de se assinalar que, com a superação do Estado Liberal e do
Estado Social, não é mais admissível que a produção e a aplicação do direito vejam-se regidas
por suas bases normativas. Examinado o Estado Democrático de Direito como uma falível
“proposição jurídico-teórico fundante da normatividade (paradigma) que é o ponto conceitual
da identidade, hermenêutica do sistema e da legitimidade de enunciação, positivação,
recriação e aplicação do direito adotado”,261
mostra-se inacolhível a operacionalização da
juiz: inteligência do princípio da separação de poderes e o princípio acusatório. In: Revista de Informação
Legislativa, Brasília, v. 46, n. 183, p. 141-153, jul./set. 2009. p. 141. 259
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual da decisão jurídica. 2. ed. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016b.
p. 103-104. (Coleção Direito e Justiça). 260 DOMINGUES, Ivan. Epistemologia das ciências humanas: positivismo e hermenêutica. Durkheim e
Weber. São Paulo: Loyola, 2004. p. 52. 261 LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual da decisão jurídica. 2. ed. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016b.
p. 93. (Coleção Direito e Justiça). É, nesse sentido, que Rosemiro Pereira Leal afirma que o paradigma é uma
“proposição processualmente fiscalizável” ou, em outros termos, “uma proposição dada à crítica processual”.
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual da decisão jurídica. 2. ed. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016b.
p. 58 e 117-118. (Coleção Direito e Justiça).
121
normatividade jurídica em perfis dogmáticos, uma vez que, por esses, o direito é acessível
apenas aos juristas especialistas e experientes, dentre os quais se destacam as autoridades
estatais.
Desde o advento do Estado Democrático de Direito, logo, apresenta-se arcaico o
magistério de Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco e Antonio Carlos Araújo
Cintra,262
no sentido de que “o direito processual é uma ciência autônoma no campo da
dogmática jurídica.” Por esta taxionomia, está mantida a lição segundo a qual o controle da
produção e da aplicação do direito caberá, exclusivamente, aos legisladores, aos membros da
administração governativa e, sobretudo, aos juízes, negando-se acatamento ao devido
processo como um “direito líquido, certo e exigível, pré-julgado no nível instituinte e
constituinte do direito a ser construído (Lei publicada)”263
e aplicado.
A adstrição existente entre o direito processual e a ciência dogmática encaminha a
operacionalização de um direito que desconhece o “Estado Democrático de Direito como
matriz teórica inovadora, que, pela abertura crítica do ordenamento jurídico, submete a teste
os modos de vida e os parâmetros decisionais vigorantes e possui aptidão para transformá-
los.”264
Uma abertura crítica que, consoante os fundamentos da teoria neoinstitucionalista do
processo, deve ser deferida ao povo total e não apenas aos juristas.
Daí, e não obstante o garantismo também se apresente como uma teoria juspositivista
crítica, ao se candidatar à tematização do denominado juspositivismo dogmático a partir da
oferta de novos contornos proposicionais aos institutos da vigência, da validade e da
efetividade normativas,265
permanece preso aos fundamentos da ciência dogmática do direito
quando aborda a temática da aplicação da normatividade jurídica. Em sua segunda acepção, o
garantismo novamente mostra-se dogmático por deixar de refutar a hipótese de que as normas
jurídicas não são hábeis a regular a sua própria aplicação e ao indicar, diante dessa
precariedade, a necessidade da intervenção solipsista de autoridades estatais para a
identificação e o afastamento dos vícios estruturais do ordenamento jurídico.
262 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria
geral do processo. 20. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 47. 263 LEAL, Rosemiro Pereira. A teoria neoinstitucionalista do processo: uma trajetória conjectural. Belo
Horizonte: Arraes, 2013. p. 10. (Coleção Professor Álvaro Ricardo de Souza Cruz, v. 7). 264
GRESTA, Roberta Maia. Introdução aos fundamentos da processualidade democrática. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2014. p. 5. (Coleção Estudos da Escola Mineira de Processo, v. 1). 265 De acordo com Alfonso García Figueroa, no entanto, a tentativa ferrajoliana de conjugar o positivismo e a
crítica para gerar um novo enquadramento teórico do garantismo apresenta-se em si mesma uma contradição,
porque “o positivismo não pode ser crítico e porque a crítica não é uma função da teoria do direito
positivista.” Nesse sentido, confira: FIGUEROA, Alfonso García. In: CARBONELL, Miguel; SALAZAR,
Pedro (Coord.). Garantismo: estudios sobre el pensamiento jurídico de Luigi Ferrajoli. Madrid: Editorial
Trotta, 2005. p. 283. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). No original: “[...] el positivismo no
puede ser crítico y porque la crítica no es una función de la teoría del derecho positivista”.
122
O que disso se depreende é que, sempre que for instaurado um procedimento destinado
ao acertamento de direitos, o julgador garantista será conclamado ao exercício de uma
atividade de aplicação da normatividade jurídica que englobará a crítica do direito positivo, a
qual é apontada por Luigi Ferrajoli como a principal tarefa civil do magistrado. Assim, no
recinto de aplicação do direito, o julgador somente está sujeito à lei cujo significado
certifique, discricionariamente, ser válido, e, desta maneira, apto ao estabelecimento do
destino jurídico dos não civis.266
Caso entenda que o significado normativo não é coerente
com o sentido da norma que lhe é supraordenada, deverá o juiz garantista não integrante da
Corte Constitucional opor-lhe a censura da invalidade e, em seguida, denunciar o vício à
autoridade estatal competente para a sua anulação.
De outra face, uma vez discricionariamente constatada uma lacuna em sentido forte no
âmbito da aplicação do direito, o magistrado garantista deverá pronunciar o non liquet e, por
consequência, informar à autoridade competente para a criação da norma ausente a
necessidade de produzi-la. A excepcional decretação do non liquet dá-se exatamente para
possibilitar a produção de uma norma que, em situações futuras, tornará factível o dever
judicial de decidir. Como, contudo, por uma perspectiva garantista, a lei é sempre imperfeita,
também em relação à lei produzida em decorrência do pronunciamento do non liquet vigorará
a incompletude fatal que, em novos procedimentos, exigirá que o magistrado garantista
avoque a discricionariedade que impulsiona o exercício dos poderes judiciais de denotação e
de disposição para proferir a sua decisão.
A recusa judicial de decidir acolhida pelo garantismo, portanto, não é teorizada para
interrogar “a perpetuação da proibição do non-liquet”,267
que é preconizada pela ciência
dogmática do direito. Apresenta-se tão somente como uma rara exceção à decisibilidade
imediata dos conflitos pela jurisdição, a qual é admitida pela dogmática jurídica como forma
de afastamento de incongruências na implementação dos seus esquemas binários.268
Uma
exceção que, como se vê, não rompe com a centralidade da jurisdição garantista no âmbito da
aplicação jurídico-normativa e, muito menos, com os pressupostos da ciência dogmática do
direito, a qual, conforme aduz Tercio Sampaio Ferraz Junior,269
“cumpre as funções típicas de
266 LEAL, Rosemiro Pereira. Processo civil e sociedade civil. VirtuaJus – Revista Eletrônica, Belo Horizonte,
v. 4, nº 2, dez. 2005a. 267 LEAL, Rosemiro Pereira. A teoria neoinstitucionalista do processo: uma trajetória conjectural. Belo
Horizonte: Arraes, 2013. p. 3. (Coleção Professor Álvaro Ricardo de Souza Cruz, v. 7). 268 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 3. ed.
São Paulo: Atlas, 2001. p. 81-82. 269
FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 3. ed.
São Paulo: Atlas, 2001. p. 85.
123
uma tecnologia”, isto é, a de “criar condições para a ação. No caso da ciência dogmática, criar
condições para a decidibilidade de conflitos juridicamente definidos.”
A excepcional decretação do non liquet admitida pelo garantismo não é enunciada
como uma exigência democrática, em consonância com os conteúdos informativos da teoria
neoinstitucionalista do processo. A indispensabilidade do devido processo aberto a todos do
povo – à comunidade jurídica dos legitimados ao processo, por uma conceituação formalizada
por Rosemiro Pereira Leal –270
não é sequer cogitada pela proposição ferrajoliana que, para
sustentar o pronunciamento do non liquet, apenas acata o primeiro dos dogmas existentes no
âmbito da aplicação jurídico-normativa: o de que a decisão judicial refira-se, em alguma
medida, ao ordenamento jurídico.
Por se vincular à ciência dogmática na operacionalização do direito, a tematização
sobre ser ou não ser a perpetuação da vedação do non liquet avessa à processualidade
democrática erige-se irrelevante para o garantismo, quando este se propõe a abordar a
atividade de aplicação da normatividade jurídica pelos juízes. Nos escritos garantistas
relativos à aplicação do direito em sistemas jurídico-positivos não ideais, destaca-se mesmo é
o dogmatismo jurídico, que se exprime pela compreensão de que “um pensamento
tecnológico é, sobretudo, um pensamento fechado à problematização de seus pressupostos –
suas premissas e seus conceitos básicos têm que ser tomados de modo não problemático”.271
Por consequência, e diante das correlações expostas entre o garantismo e a ciência
dogmática do direito, não causa espanto a ausência de uma problematização ferrajoliana
consistente a respeito da proibição do non liquet, mesmo nas situações em que, para decidir,
270 A expressão povo total é adotada como sinônimo de comunidade jurídica de legitimados ao processo pela
teoria neoinstitucionalista do processo. A parte, por sua vez, é indicada por Rosemiro Pereira Leal como o integrante indescartável dessa comunidade jurídica. Nesse sentido, confira, especialmente, as publicações de
LEAL, Rosemiro Pereira. O paradigma processual ante as seqüelas míticas do poder constituinte originário.
Revista da Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, n. 53, p. 295-316, jul./dez. 2008. p. 306;
LEAL, Rosemiro Pereira. Modelos processuais e constituição democrática. In: CATTONI DE OLIVEIRA,
Marcelo Andrade; MACHADO, Felipe Daniel Amorim. Constituição e processo: a contribuição do
processo ao constitucionalismo democrático brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. p. 285; LEAL,
Rosemiro Pereira. Teoria processual da decisão jurídica. 2. ed. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016b. p. 166.
(Coleção Direito e Justiça); LEAL, Rosemiro Pereira. Parte como instituto do processo constitucional. In:
CASTRO, João Antônio Lima; FREITAS, Sérgio Henriques Zandona (Coord.). Direito processual. Belo
Horizonte: PUC Minas – Instituto de Educação Continuada, 2011. p. 79; LEAL, Rosemiro Pereira. Direitos
fundamentais do processo na desnaturalização dos direitos humanos. Revista da Faculdade Mineira de
Direito, Belo Horizonte, v. 9, n. 17, p. 89-100, 2006. p. 93; LEAL, Rosemiro Pereira. O due process e o
devir processual democrático. Revista da Faculdade Mineira de Direito, Belo Horizonte, v. 13, n. 26, p.
99-115, jul./dez. 2010. p. 113; LEAL, Rosemiro Pereira. A questão dos precedentes e o devido processo.
Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 25, n. 98, p. 295-313, abr./jun.
2017b. p. 302-310. Para acessar inúmeras outras adjetivações de povo, confira os escritos de MÜLLER,
Friedrich. Quem é o povo? A questão fundamental da democracia. Tradução de Peter Naumann. 3. ed. rev. e
ampl. São Paulo: Max Limonad, 2003. 271
FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 3. ed.
São Paulo: Atlas, 2001. p. 85.
124
tenha o julgador que, discricionariamente, aplicar uma normatividade tida como implícita no
ordenamento jurídico ou uma lei que apresente falhas semânticas em sua linguagem. Não se
estranha, também, que o garantismo se entregue ao dever judicial de decidir, ainda que, no
exercício da jurisdição, sejam discricionariamente identificadas antinomias estruturais que,
para Luigi Ferrajoli, devem ser afastadas mediante adoção de novos juízos discricionários
adotados pela magistratura.
O que causa estranheza, por tudo o que se discorreu na introdução deste capítulo, é
que, apesar do vínculo existente entre a proposição garantista e a operacionalização do direito
pelos pressupostos da ciência dogmática, Luigi Ferrajoli rotula o garantismo, em sua terceira e
última acepção, como uma teoria heteropoiética. Há de se tematizar, nesse sentido, se é
mesmo admissível qualificar como heteropoiética uma proposição que recepciona a
incompletude fatal da lei e, em seguida, entrega a fixação do sentido normativo válido para
uma autoridade estatal que, solitariamente, elege a norma aplicável à regência da hipótese sub
judice.
Uma vez que, segundo o garantismo, por uma perspectiva heteropoiética, deve-se
negar acatamento a qualquer pretensão de se atribuir ao Estado uma atuação que se
desenvolva em prol de si próprio e, ainda, que, à consecução dos seus escopos, busque
subordinar os indivíduos ao seu ilimitado poder, apresenta-se questionável a teorização
garantista de que as imperfeições normativas apuradas no âmbito da aplicação do direito
devam ser enfrentadas e, sempre que possível, afastadas, por via de uma atividade judicial-
discricionária afeta aos poderes judiciais de verificação jurídica e de valoração ético-política e
não pelo devido processo.
Com efeito, como modelo normativo de direito, como teoria crítica do direito e,
também, como filosofia política, o que se extrai do garantismo é um compromisso irrestrito
com a ciência dogmática do direito que, no âmbito da aplicação da normatividade jurídica,
agasalha a incompletude fatal da lei como recinto de infiscalidade processual. É essa
espacialidade que é apropriada pelo intérprete-estatal garantista, o qual, por meio de juízos
discricionários, estabelece o destino jurídico da comunidade jurídica dos legitimados ao
processo mediante decisões antidemocráticas.
Por uma perspectiva garantista, o devido processo não impacta a atividade jurídico-
interpretativa. A escolha da norma aplicável à regência do suposto de fato é monopolizada
pelo julgador que, de modo discricionário e munido de uma boa dose de criatividade judicial,
tem o dever de buscar, no ordenamento jurídico, uma norma explícita ou implícita que
considere válida e adequada para dar solução ao conflito. Se não encontrá-la, deverá – por
125
medida excepcional – pronunciar o non liquet e entregar à outra autoridade estatal o poder de
decidir discricionariamente sobre a temática analisada, sob condição que estará implementada
assim que um novo procedimento for instaurado ao acertamento de direitos afirmados e
negados.
Em qualquer dessas hipóteses, a interpretação judicial ferrajoliana funde-se à atividade
de aplicação do direito pelo julgador garantista por via de um enfoque dogmático que,
conectando a insuficiência fatal da lei, a centralidade da jurisdição no âmbito de atuação da
normatividade jurídica e a discricionariedade judiciária, torna possível a teorização de uma
decisão judicial como ato solitário da jurisdição destinado a obviar a solução de conflitos e
não de uma decisão jurídica imparcial que se candidate à implementação de um direito
democraticamente produzido e aplicado.
4.1 Interpretação judicial garantista e a vedação continuada do exercício da isocrítica
A interligação proposicional existente entre o garantismo e a discricionariedade
judicial instalada no recinto de aplicação do direito é criticada por autores diversos. Os
apontamentos que realizam, no entanto, não versam sobre as repercussões negativas causadas
pela discricionariedade judiciário-garantista na atividade produtora de uma decisão jurídica
imparcial.
O que se lê nos escritos que produziram é o anúncio de que o garantismo não oferta
uma teorização qualificada acerca da aplicação da normatividade jurídica, porque à essa
vincula uma teoria da interpretação do direito que se apresenta frágil.272
No âmbito jurídico-
272 Nesse sentido, confira, especialmente, os escritos de ATIENZA, Manuel. Tesis sobre Ferrajoli. In: Derecho y
democracia constitucional. Una discusión sobre principia iuris, de Luigi Ferrajoli. Doxa: Cuadernos de
Filosofía del Derecho, Madrid, n. 31, p. 393-433, 2008. p. 215; ABELLÁN, Marina Gascón. La teoría
general del garantismo: rasgos principales. In: CARBONELL, Miguel; SALAZAR, Pedro (Coord.).
Garantismo: estudios sobre el pensamiento jurídico de Luigi Ferrajoli. Madrid: Editorial Trotta, 2005. p. 26-
30; STRECK, Lenio Luiz. Neoconstitucionalismo, positivismo e pós-positivismo. In: FERRAJOLI, Luigi;
STRECK, Lenio Luiz; TRINDADE, André Karam (Org.). Garantismo, hermenêutica e (neo)
constitucionalismo: um debate com Luigi Ferrajoli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 75-94;
PINHO, Ana Cláudia Bastos de. Para além do garantismo: uma proposta hermenêutica de controle da
decisão penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 95-115; TRINDADE, André Karam. Por uma teoria garantista da decisão judicial. Brasília, Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, Belo
Horizonte, ano 12, n. 15, p. 13-33, jan./jun. 2014. p. 15-16; TRINDADE, André Karam. Garantismo versus
neoconstitucionalismo: os desafios do protagonismo judicial em terrae brasilis. In: FERRAJOLI, Luigi;
STRECK, Lenio Luiz; TRINDADE, André Karam (Org.). Garantismo, hermenêutica e (neo)
constitucionalismo: um debate com Luigi Ferrajoli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012b. p. 123-124;
ADEODATO, João Maurício. Para um debate entre a atitude retórica e o positivismo garantista. In:
FERRAJOLI, Luigi; STRECK, Lenio Luiz; TRINDADE, André Karam (Org.). Garantismo, hermenêutica
e (neo) constitucionalismo: um debate com Luigi Ferrajoli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p.
170.
126
interpretativo, a proposição de Luigi Ferrajoli acolheria o que Lenio Streck denomina
fatalidade discricionária.273
Com isso, a teoria da interpretação jurídica formulada pelo garantismo pouco ou nada
afastar-se-ia da que foi formalizada por Hans Kelsen, para quem, no âmbito da atuação
normativa, sempre existirão várias possibilidades de interpretação relativas ao direito
aplicável, que decorrem de uma inafastável imprecisão semântica da linguagem das normas
positivas, as quais, por seus termos, não são capazes de exprimir um único significado. A
aproximação da teoria garantista da interpretação jurídica à análise kelseniana da
interpretação do direito seria identificada, especialmente, a partir do seguinte magistério do
autor austríaco:
A relação entre um escalão superior e um escalação inferior da ordem jurídica, como
a relação entre a Constituição e lei, ou lei e sentença judicial, é uma relação de
determinação ou vinculação [...].
Esta determinação nunca é, porém, completa. A norma do escalão superior não pode
vincular em todas as direções (sob todos os aspectos) o ato através do qual é
aplicável. Tem sempre de ficar uma margem, ora maior ora menor, de livre
apreciação, de tal forma que a norma do escalão superior tem sempre, em relação ao ato de produção normativa ou de execução que a aplica, o caráter de um quadro ou
moldura a preencher por este ato. Mesmo uma ordem o mais pormenorizada
possível tem de deixar àquele que cumpre ou executa uma pluralidade de
determinações a fazer.274
E continua, após referir-se à possibilidade da ocorrência de uma indeterminação
intencional ou não intencional do ato de aplicação do direito, assim como à viabilidade de que
a indeterminação do ato jurídico de aplicação do direito possa ser, também, resultante de uma
contradição parcial ou total de normas postas:
Em todos os casos de indeterminação, intencional ou não, do escalação inferior, oferecem-se várias possibilidades à aplicação jurídica. O ato jurídico que efetiva ou
executa a norma pode ser conformado por maneira a corresponder a uma ou outra
das várias significações verbais da mesma norma, por maneira a corresponder à
vontade do legislador – a determinar por qualquer forma que seja – ou, então, à
expressão por ele escolhida, por forma a corresponder a uma ou a outra das duas
normas que se contradizem ou por forma a decidir como se as duas normas em
contradição se anulassem mutuamente. O Direito a aplicar forma, em todas estas
hipóteses, uma moldura dentro da qual existem várias possibilidades de aplicação,
pelo que é conforme ao Direito todo ato que se mantenha dentro deste quadro ou
moldura, que preencha esta moldura em qualquer sentido possível.
Se por “interpretação” se entende a fixação por via cognoscitiva do sentido do objeto a interpretar, o resultado de uma interpretação jurídica somente pode ser a
273 STRECK, Lenio Luiz. Neoconstitucionalismo, positivismo e pós-positivismo. In: FERRAJOLI, Luigi;
STRECK, Lenio Luiz; TRINDADE, André Karam (Org.). Garantismo, hermenêutica e (neo)
constitucionalismo: um debate com Luigi Ferrajoli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 79. 274
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 8. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2009. p. 388. (Coleção jurídica WMF).
127
fixação da moldura que representa o direito a interpretar e, conseqüentemente, o
conhecimento das várias possibilidades que dentro desta moldura existem. Sendo
assim, a interpretação de uma lei não deve necessariamente conduzir a uma única
solução como sendo a única correta, mas possivelmente a varias soluções que – na
medida em que apenas sejam aferidas pela lei a aplicar – têm igual valor, se bem que
apenas uma delas se torne direito positivo no ato do órgão aplicador do Direito – no
ato do tribunal, especialmente. Dizer que uma sentença judicial é fundada na lei, não
significa, na verdade, senão que ela se contém dentro da moldura ou do quadro que a
lei representa – não significa que ela é a norma individual, mas apenas que é uma
das normas individuais que podem ser produzidas dentro da moldura da norma
geral.275
O que se extrai da exposição kelseniana é que a ordem jurídica apresenta-se apenas
como uma demarcação que, em conformidade com os pressupostos da ciência dogmática do
direito, deve ser voluntariamente preenchida pelo juiz no ato de aplicação jurídico-normativa.
O ordenamento jurídico tão somente oferta as possibilidades de escolha ao julgador que, pelo
seu querer, exerce a opção que lhe parecer mais adequada. É, nesse sentido, que, para Hans
Kelsen,276
no âmbito da aplicação do direito, o magistrado não realiza uma interpretação
exclusivamente cognitiva, mas implementa um ato de vontade, isto é, “efetua uma escolha
entre as possibilidades reveladas através daquela mesma interpretação cognitiva”, que é
desenvolvida, sobretudo, pela ciência jurídica.
De acordo com a proposição kelseniana, portanto, o que diferencia a interpretação
levada a efeito pela ciência jurídica da que é realizada pelo aplicador do direito é a
concretização de um ato de vontade. Pela prática deste ato, a interpretação judicial erige-se
autêntica, criando direito para a situação sub judice. Como esclarece Marcelo Andrade
Cattoni de Oliveira,277
por uma perspectiva kelseniana da interpretação jurídica que perdurou
até a edição de 1960 da Teoria Pura do Direito, se, por um lado, “ao jurista não cabe mais que
descrever o Direito, traçando-lhe o quadro das interpretações possíveis, ao órgão competente,
em criando uma norma com base na norma aplicanda e no quadro por ela fixado, cabe
determinar qual das interpretações possíveis é a obrigatória.”
É por essa distinção, aliás, que Hans Kelsen afirma que a jurisdição não se diferencia
da legislação sob o aspecto qualitativo e sim quantitativo. Embora o legislador esteja menos
vinculado do que o juiz no ato de produção normativa, ambos criam o direito de modo
275 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 8. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2009. p. 390-391. (Biblioteca jurídica WMF). 276 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 8. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2009. p. 394. (Coleção jurídica WMF). 277 CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Interpretação como ato de conhecimento e interpretação como
ato de vontade: a tese kelseniana da interpretação autêntica. In: CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade
(Coord.). Jurisdição e hermenêutica constitucional no estado democrático de direito. Belo Horizonte:
Mandamentos, 2004. p. 130.
128
relativamente livre. A atividade interpretativo-judicial, assim, não se distancia daquela que se
correlaciona com a própria lei ou com um tratado internacional, porque, conforme assinala a
teoria kelseniana:
Ela cria Direito. Na verdade, só se fala de interpretação autêntica quando esta
interpretação assume a forma de uma lei ou de um tratado de Direito internacional e
tem caráter geral, quer dizer, cria Direito não apenas para um caso concreto mas
todos os casos iguais, ou seja, quando o ato designado como interpretação autêntica
representa a produção de uma norma geral. Mas autêntica, isto é, criadora do Direito
é-o a interpretação feita através de um órgão aplicador do Direito ainda quando cria
Direito apenas para um caso concreto, quer dizer, quando esse órgão apenas crie
uma norma individual ou execute uma sanção.278
E arremata, traçando, novos contornos teóricos para a interpretação autêntica, a partir
da edição de 1960 da Teoria Pura do Direito:
A propósito importa notar que, pela via da interpretação autêntica, quer dizer, da
interpretação de uma norma pelo órgão jurídico que a tem de aplicar, não somente se
realiza uma das possibilidades reveladas pela interpretação cognoscitiva da mesma
norma, como também se pode produzir uma norma que se situe completamente fora
da moldura que a norma a aplicar representa. Através de uma interpretação autêntica deste tipo pode criar-se Direito, não só no
caso em que a interpretação tem caráter geral, em que, portanto, existe interpretação
autêntica no sentido usual da palavra, mas também no caso em que é produzida uma
norma jurídica individual através de um órgão aplicador do Direito, desde que o ato
deste órgão já não possa ser anulado, desde que ele tenha transitado em julgado. É
fato bem conhecido que, pela via de uma interpretação autêntica deste tipo, é muitas
vezes criado Direito novo – especialmente pelos tribunais de última instância.279
Com a nova teorização kelseniana da interpretação autêntica, o ato de vontade
praticado pelo órgão titular da atividade de aplicação da normatividade jurídica já não mais se
perfaz apenas na problemática eleição do juiz entre alternativas interpretativas possíveis
traçadas pela interpretação cognitiva da norma a se aplicar. Desde 1960, pela interpretação
autêntica, é possível a criação de uma norma que não guarde relação de inclusão com a
moldura que a norma a aplicar apresenta, de maneira que, aos juízes que, até então, era
deferida uma questionável liberdade de escolha no âmbito da aplicação jurídico-normativa,
passa a ser concedida a faculdade de desconsiderar o quadro indicativo de interpretações
possíveis no exercício de sua atividade de criação do direito.
É essa faculdade, contudo, que mais afasta a teoria garantista da interpretação jurídica
da teoria kelseniana da interpretação realizada pelo órgão aplicador do direito. Isso porque, se
278 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 8. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2009. p. 394. (Coleção jurídica WMF). 279
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 8. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2009. p. 394-395. (Coleção jurídica WMF).
129
é certo que, pelo garantismo, a identificação da norma aplicável à regência do suposto de fato
é precedida de uma atividade interpretativo-judiciária de escolha prática a respeito de
hipóteses interpretativas alternativas atinentes à norma a aplicar, também o é que, segundo
Luigi Ferrajoli,280
a interpretação jurídica não é apontada como um ato de criação do direito
pelo juiz, a qual é compreendida como uma ilegitimidade política estrutural por violar,
ostensivamente, a intitulada separação de poderes que deve vigorar nos Estados
Constitucionais de Direito.
Por uma crítica antipositivista, logo, é mesmo possível afirmar que a proposição
ferrajoliana segue refém da discricionariedade, conforme aduz Ana Cláudia Bastos de
Pinho.281
É, igualmente, sustentável a tese no sentido de que a interpretação judicial garantista
consista em um ato de vontade, como assevera André Karam Trindade.282
A adstrição entre a
interpretação jurídica e a criação do direito pelo juiz, no entanto, é expressamente negada por
Luigi Ferrajoli, quando se pronuncia sobre as aporias que entende presentes na abordagem de
Hans Kelsen. Para o autor garantista:
[...] é fácil advertir que a inevitável discricionariedade interpretativa que se
manifesta nas escolhas argumentadas do intérprete não autoriza o ceticismo
interpretativo pelo mesmo que o óbvio caráter relativo e aproximativo de qualquer
verdade empírica e a inevitável presença de momentos decisórios em sua aceitação
não autorizam o ceticismo cognitivo. Dito brevemente, o juiz não “constata”, nem
“encontra”, nem “acha”, nem “registra” o significado de um enunciado normativo, mas tampouco o “cria”, o “produz” ou o “inventa”. Simplemente o argumenta como
mais plausível ou fundado que outros também possíveis em abstrato: porque mais
aderente ao significado corrente das palavras do texto normativo, ou porque mais de
acordo com as normas constitucionais, ou porque mais coerente com os significados
de outros enunciados, ou porque mais aderente aos atribuídos em casos precedentes,
ou por outros motivos mais.283
280 FERRAJOLI, Luigi. La logica del diritto: dieci aporie nell’opera di Hans Kelsen. Roma: Editori Lateza,
2016b. p. 172. (Collana Sagittari Laterza 197). 281 PINHO, Ana Cláudia Bastos de. Para além do garantismo: uma proposta hermenêutica de controle da
decisão penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 97. 282 TRINDADE, André Karam. Garantismo versus neoconstitucionalismo: os desafios do protagonismo judicial
em terrae brasilis. In: FERRAJOLI, Luigi; STRECK, Lenio Luiz; TRINDADE, André Karam (Org.).
Garantismo, hermenêutica e (neo) constitucionalismo: um debate com Luigi Ferrajoli. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2012b. p. 123-124. 283 FERRAJOLI, Luigi. La logica del diritto: dieci aporie nell’opera di Hans Kelsen. Roma: Editori Lateza,
2016b. p. 157. (Collana Sagittari Laterza 197). No original: “[...] è facile rilevare che l’inevitabile discrezionalità interpretativa che si manifesta nelle scelte argomentate dell’interprete non autorizza lo
scetticismo interpretativo più di quanto l’ovvio carattere relativo e aprossimativo di qualunque verità
empirica e l’inevitabile presenza di momenti decisionali nella sua accettazione non autorizzi lo scetticismo
conoscitivo. Il giudice, in breve, non ‘constata’, né ‘trova’, né ‘scopre’, né ‘registra’ il significato di un dato
enunciato normativo, ma neppure lo ‘crea’ o lo ‘produce’ o lo ‘inventa’. Semplicemente lo argomenta como
più plausibile o fondato di altri, sia pure astrattamente possibili: perché più aderente al significato corrente
delle parole del testo normativo, o perché più in accordo con le norme costituzionali, o perché più coerente
con i significati di altri enunciati normativi, o perché più aderente a quelli attribuiti in casi precedenti, o per
altri motivi ancora.”
130
E esclarece, fazendo referência à interpretação judicial na perspectiva kelseniana:
Já o uso da expressão “autêntica”, com a qual Kelsen a designa, é sintomático. Por
interpretação autêntica entende-se, com efeito, a de um texto legal operada pelo
próprio legislador. Mas a eleição do vocábulo não é casual, mas deliberadamente
provocativa, tendo o objetivo de expressar em termos mais explícitos a concepção
de jurisdição como atividade criativa não diferente da legislativa. [...] Que é uma tese juridicamente insustentável, já que a produção de “uma norma que se encontre
inteiramente fora” de tal esquema [da moldura] não consiste, de modo algum, na
interpretação e, menos ainda, na aplicação da “norma aplicável”, e o
pronunciamento judicial que a exprime é um pronunciamento inválido, embora
existente.284
Para Luigi Ferrajoli,285
ao indicar a interpretação como ato puramente volitivo, Hans
Kelsen incorre no equívoco de transformar “a jurisdição em uma fonte do direito extra legem,
e inclusive, contra legem.” Segundo o autor garantista,286
assim fazendo, a teoria kelseniana
da interpretação jurídica deixa de considerar que o ato de vontade referido à opção
judicialmente exercida entre alternativas interpretativas possíveis está sempre associado às
margens de indeterminação semântica da linguagem legal, nada tendo de semelhante ao ato de
pura vontade com o qual o legislador cria um novo direito. Ao contrário deste, o ato de
vontade praticado pelo julgador pode e deve ser racionalmente motivado, como, também,
devem ser motivadas todas as decisões discricionárias relativas à verdade empírica.
Pelo garantismo, não obstante a escolha realizada no âmbito interpretativo seja
caracterizada como uma decisão relativa à verdade jurídica – que jamais poderá ser apontada
como absoluta –, é passível de motivação pelo critério sintático da “coerência” com outras
teses já adotadas como verdadeiras atinentes ao tema examinado e, ainda, pelo critério
pragmático da “aceitabilidade justificada”. Pelo emprego desses critérios, é viável a indicação
dos argumentos “considerados idôneos pelo intérprete, não para motivar, como pretende
284 FERRAJOLI, Luigi. La logica del diritto: dieci aporie nell’opera di Hans Kelsen. Roma: Editori Lateza,
2016b. p. 158-160. (Collana Sagittari Laterza 197). No original: “Già l’uso dell’espressione ‘autentica’ con
cui essa viene chiamata da Kelsen è sintomatico. Per interpretazione autentica si intende infatti quella di un
testo di legge operata dallo stesso legislatore. Ma la scelta del vacobolo non è casuale, bensì volutamente
provocatoria, avendo lo scopo di esprimere nei termini più espliciti la concezione della giurisdizione come attività creativa non diversa da quella legislativa. [...] Che è una tesi giuridicamente insostenibile, giacché la
produzione di ‘una norma totalmente fuori’ da tale schema non consiste affatto nell’interpretazione né tanto
meno nell’applicazione della ‘norma da applicare’, e la pronuncia giudiziaria che la esprime è una pronuncia
invalida, pur se esistente.” 285 FERRAJOLI, Luigi. La logica del diritto: dieci aporie nell’opera di Hans Kelsen. Roma: Editori Lateza,
2016b. p. 160. (Collana Sagittari Laterza 197). No original: “[...] giurisdizione in una fonte del diritto extra
legem e perfino contra legem [...]”. 286
FERRAJOLI, Luigi. La logica del diritto: dieci aporie nell’opera di Hans Kelsen. Roma: Editori Lateza,
2016b. p. 161-162. (Collana Sagittari Laterza 197).
131
Ronald Dworkin, ‘a única resposta correta’, mas a solução considerada pelo intérprete mais
correta”.287
Com efeito, segundo a proposição ferrajoliana,288
embora a interpretação judicial
também exija o exercício de um ato de vontade, o juiz não pode decidir como bem quiser. Ao
contrário do que leciona Hans Kelsen, a diferença existente entre jurisdição e legislação não é
somente quantitativa, mas, igualmente, qualitativa, uma vez que, se, por um lado, a legislação
deve ser exercida pelo simples respeito à lei, por outro, a jurisdição deve promover a
aplicação da lei. Nos Estados Constitucionais de Direito, enquanto a legislação deve observar
a lei constitucional no desenvolvimento de sua atividade puramente volitiva e criativa de
direito novo, a jurisdição deve aplicar a legislação em vigor de modo tendencialmente
cognitivo, motivando os seus atos decisórios. Em sendo a jurisdição legitimada pela
comprovação da verdade dos pressupostos de suas decisões, ainda que essa verdade seja
sempre relativa, não é possível que o seu exercício desenvolva-se por decisões apenas
volitivas e destinadas à criação do direito, porque, ao contrário da atividade legislativa, a
jurisdição não é legitimada pela vontade majoritária.
Identificar jurisdição e legislação, como faz Hans Kelsen, é, para o garantismo,
desconsiderar que, diante da ocorrência de falhas na semântica da linguagem legal e de
antinomias semânticas, a escolha interpretativa realizada pelo magistrado não somente deve
ser motivada, mas deverá ser ainda mais justificada a opção judicialmente adotada pelo ato
formal decisório. Diversamente do que anuncia a teoria kelseniana, por uma perspectiva
garantista da interpretação do direito, a profundidade da argumentação necessária para
motivar a escolha feita pelo juiz é compatível com a medida da indeterminação da linguagem
legal, uma vez que será, por via dessa argumentação, que o caráter prevalentemente cognitivo
da jurisdição estará conservado, a despeito de opináveis as conclusões adotadas pelo julgador.
Conforme afirma o garantismo, no âmbito de aplicação jurídico-normativa, o recinto
da argumentação “cresce com o espaço da discricionariedade judiciária, a sua vez
inversamente proporcional ao grau de taxatividade ou de estrita legalidade das normas
aplicadas.”289
Apenas na hipótese em que a indeterminação da linguagem legal ultrapassa
287
FERRAJOLI, Luigi. La logica del diritto: dieci aporie nell’opera di Hans Kelsen. Roma: Editori Lateza,
2016b. p. 162. (Collana Sagittari Laterza 197). No original: “[...] ritenuti dall’interprete idonei a suffragare
non già, come pretende Ronald Dworkin, ‘l’unica soluzione corretta’, ma la soluzione ritenuta dall’interprete
più correta [...]”. 288 FERRAJOLI, Luigi. La logica del diritto: dieci aporie nell’opera di Hans Kelsen. Roma: Editori Lateza,
2016b. p. 177. (Collana Sagittari Laterza 197). 289 FERRAJOLI, Luigi. La logica del diritto: dieci aporie nell’opera di Hans Kelsen. Roma: Editori Lateza,
2016b. p. 174. (Collana Sagittari Laterza 197). No original: “[...] cresce con lo spazio della discrezionalità
giudiziaria, a sua volta inversamente proporzionale al grado di tassatività o di stretta legalità delle norme
132
certo limite é que a argumentação cognitiva, por si só, não será suficiente à motivação da
escolha judiciária, caso em que a decisão “torna-se realmente um puro ato de vontade
logicamente incontrolável, transformando-se de juízo cognitivo em arbitrário juízo
potestativo.”290
Nesse caso, porém, o poder judicial de verificação jurídica converte-se em poder
judicial de disposição, que é apontado, pelo garantismo, como um produto patológico e
injustificado do poder judicial de interpretação jurídica.291
Quando o poder de disposição é
inaugurado, o magistrado já não mais se vale de decisões discricionárias relativas à verdade
jurídica, mas de decisões discricionárias relacionadas a valores ético-políticos, as quais,
apesar de extremamente criticadas por Luigi Ferrajoli, são por ele acolhidas em várias
oportunidades, ao argumento de que, embora o poder judicial de disposição e as decisões
discricionárias pelas quais esse é exercido contrariem o modelo garantista de direito penal e
de direito constitucional, constituem parte integrante dos ordenamentos jurídicos não
plenamente garantistas que, além estarem sempre acometidos, em alguma medida, pela
carência de garantias primárias e secundárias, não prescrevem a possibilidade da decretação
do non liquet.292
O que importa assinalar, no entanto, é que, para o garantismo,293
a crise da
taxatividade legal e, com essa, a crise das fontes de legitimação da jurisdição, não pode ser
applicate.”
290 FERRAJOLI, Luigi. La logica del diritto: dieci aporie nell’opera di Hans Kelsen. Roma: Editori Lateza,
2016b. p. 174. (Collana Sagittari Laterza 197). No original: “[...] diventa davvero un puro atto di volontà
logicamente incontrollabile, trasformandosi da giudizio cognitivo in arbitrario giudizio potestativo.” 291
Segundo Luigi Ferrajoli, a necessidade de exercício do poder judicial de disposição pode decorrer dos
seguintes motivos: “a deriva inflacionária sofrida pela legislação, que chegou ao ponto de que, atualmente, na
Itália, as leis já se contem por dezenas de mil; a disfunção da linguagem legal, que adquiriu formas de verdadeira inconsistência, devido à crescente vagueza, obscuridade, tortuosidade e, às vezes, contradição dos
textos legislativos, verdadeiros labirintos nos quais existe o risco de se perderem os intérpretes mais
experientes; a complicação do sistema de fontes, com desenvolvimentos que vão além do direito estatal e
fora de hierarquias unívocas compartidas por todos. Acrescente-se a crescente expansão do papel das
jurisdições, chamadas a dar respostas, sobretudo em matéria de garantia de direitos, a instâncias de justiça a
respeito dos quais são sempre mais impermeáveis os sistemas políticos e os aparatos administrativos”.
FERRAJOLI, Luigi. La logica del diritto: dieci aporie nell’opera di Hans Kelsen. Roma: Editori Lateza,
2016b. p. 175-76. (Collana Sagittari Laterza 197). No original: “[...] alla deriva inflazionistica subita dalla
legislazione, giunta al punto che le leggi si contano ormai, per esempio in Itália, in decine di migliaia; alla
disfunzione del linguaggio legale, che ha raggiunto forme di vera inconsistenza a causa della crescente
vaghezza, oscurità, tortuosità e talora contraddittorietà dei testi legislativi, veri labirinti nei quali rischiano di perdersi anche gli interpreti più esperti; alla complicazione del sistema delle fonti, sviluppatosi ben al di là
del dirritto statale e al di fuori di gerarchie univoche e da tutti condivise. Si aggiunga la crescente espansione
del ruolo delle giurisdizioni, chiamate a dare resposte, soprattutto in tema di garanzia dei diritti, a instanze di
giustizia rispetto alle quali sono sempre più impermeabili à sistemi politici e gli apparati amministrativi.” 292 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
166. 293
FERRAJOLI, Luigi. La logica del diritto: dieci aporie nell’opera di Hans Kelsen. Roma: Editori Lateza,
2016b. p. 177-178. (Collana Sagittari Laterza 197).
133
compreendida como a aceitação da tese kelseniana de que a interpretação judicial seja uma
atividade puramente volitiva e criativa do direito pelo juiz. Há de se reconhecer que a sujeição
dos juízes somente à lei é uma questão de grau e que, se esta sujeição desaparece em grande
parte ou por completo, tal não ocorre porque, em termos conceituais, a interpretação realizada
pelo órgão aplicador do direito seja uma atividade puramente volitiva e criativa do direito,
mas porque, em face da insuficiência limitativa e vinculativa das garantias, a própria lei deixa
de cumprir o seu escopo regulatório.
De acordo com a teoria garantista, portanto, assim como a discricionariedade
vinculada ao poder judicial de interpretação jurídica deve ser recepcionada como
insuprimível, a discricionariedade adstrita ao poder judicial de valoração ético-política deve
ser acolhida como indispensável. Para Luigi Ferrajoli,294
a crítica do caráter político da
decisão judicial é, por isso, um equívoco, porque confunde “os espaços estruturais de arbítrio,
deixados em aberto no ordenamento pela carência de garantias, com o débil remédio oposto
diante deles.” Para o autor garantista, “o que é ilegítimo, pois altera a jurisdição em sentido
político-administrativo, é o poder de disposição, gerado pela colocação substancialista e
decisionista do sistema e não, sem dúvida, os argumentos políticos ou substancialistas com os
quais é exercido e controlado.”
Afinal, por uma perspectiva garantista, somente pelo exercício do poder judicial de
verificação jurídica ou pelo manejo do poder judicial de valoração ético-política é que será
possível o suprimento da insuficiência regulatória da lei que, por uma concepção ferrajoliana,
sempre estará presente em alguma intensidade. A discricionariedade judiciária que integra a
atividade de fixação do significado da norma válida eleita pelo juiz à regência do suposto de
fato é que se apresenta como apta a viabilizar, no âmbito da aplicação do direito, o
preenchimento da incompletude fatal da lei. É a discricionariedade judicial atinente aos
poderes de cognição e de disposição que garantirá à jurisdição a implementação de uma
atividade “sempre supletiva ou salvadora do vazio horrorizante da lei.”295
É, nesse sentido, aliás, que, a despeito da relevância da testificação garantista da teoria
kelseniana da interpretação jurídica, dessa muito se aproximam as cogitações de Luigi
Ferrajoli. As proposições kelseniana e ferrajoliana relativas à interpretação realizada pelo
órgão aplicador do direito compartilham o fundamento dogmático da incompletude fatal da lei
294 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
166. 295
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual da decisão jurídica. 2. ed. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016b.
p. 32. (Coleção Direito e Justiça).
134
e, com isso, embora divirjam sobre o conceito de interpretação jurídica, bem como sobre os
expedientes que podem ser adotados pelo magistrado para o afastamento dessa incompletude,
perfilham a teorização de que as imperfeições normativas não devem ser sempre enfrentadas
por uma atividade legiferativa procedimentalizada e regida pelo devido processo, conforme
exige o direito democrático na perspectiva adotada pela teoria neoinstitucionalista do
processo.
Com efeito, não obstante a teoria ferrajoliana insurja-se contra a caracterização da
interpretação jurídica como um ato puramente volitivo e criativo do direito pelo juiz, não
tematiza que, ao ceder à discricionariedade judiciária no âmbito da aplicação do direito, está
corroborando com a autocracia decisória. Ao reproduzir os pressupostos da ciência dogmática
no âmbito de atuação do direito, o garantismo preocupa-se com a solução de conflitos pelo
julgador e deixa de investigar, detidamente, os impactos que a discricionariedade judicial
causa à isonomia, a qual, em seu perfil processual-democrático, não mais pode ser
conceituada apenas como a igualdade de todos perante a lei.296
Entregando-se à discricionariedade judicial relativa aos poderes de cognição e de
disposição, Luigi Ferrajoli ignora que, no paradigma do Estado Democrático de Direito, a
falibilidade normativa “é o espaço jurídico de liberdade processual isocrítica e não um defeito
caótico do direito escrito.”297
Não considera que o vazio advindo da normatividade vaga,
valorativa, antinômica ou lacunosa é o “ponto político de liberdade processual criativa e
recreativa de direito formulado”298
pela comunidade jurídica de legitimados ao processo. Não
sopesa que, se a isocrítica consiste na “igualdade de todos de fazer, alterar ou substituir a
296 É o que se lê, contudo, na publicação de FERRAJOLI, Luigi. Derechos fundamentales. In: FERRAJOLI,
Luigi. Derechos y garantías: la ley del más débil. Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez y Andrea Greppi.
4. ed. Madrid: Editorial Trotta, 2004. p. 73-96. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). De
acordo com as conjecturas da teoria neoinstitucionalista do processo, é possível afirmar que a isonomia
encampa os conteúdos processuais da isotopia, da isocrítica e da isomenia. A partir dos escritos de Rosemiro
Pereira Leal, originariamente baseados em ensaio de autoria de Francis Wolff, a igualdade de todos perante a
lei seria o conteúdo lógico-jurídico da isotopia. Confira a esse respeito, as produções de LEAL, Rosemiro
Pereira. Teoria processual da decisão jurídica. 2. ed. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016b. p. 94. (Coleção
Direito e Justiça); LEAL, Rosemiro Pereira. Processo e hermenêutica constitucional a partir do estado de
direito democrático. In: LEAL, Rosemiro Pereira (Org.). Estudos continuados de teoria do processo. Porto
Alegre: Síntese, 2001b. p. 23. v. 2; WOLFF, Francis. Nascimento da razão, origem da crise. In: NOVAES,
Adauto (Org.). A crise da razão. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. p. 67-82. Para acessar as correlações teóricas existentes entre a isonomia processual, a igualdade e as ações afirmativas, a partir da
teoria neoinstitucionalista do processo, confira as cogitações de LEAL, Rosemiro Pereira. Isonomia
processual e igualdade fundamental a propósito das retóricas ações afirmativas. In: LEAL, Rosemiro Pereira.
Relativização inconstitucional da coisa julgada: temática processual e reflexões jurídicas. Belo Horizonte:
Del Rey, 2005b. p. 78-86. 297 LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual da decisão jurídica. 2. ed. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016b.
p. 39. (Coleção Direito e Justiça). 298
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual da decisão jurídica. 2. ed. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016b.
p. 39. (Coleção Direito e Justiça).
135
lei”299
para o constante aprimoramento do ordenamento jurídico, não deve o juiz jamais
ocupar o recinto instalado pela afirmada incompletude fatal da lei, porque, assim fazendo,
estará apropriando-se de um espaço que é reservado ao exercício da fiscalidade processual
permanente da normatividade pelo povo total e não destinado à implementação de ajustes
nessa normatividade por via de decisões judiciais solitárias tomadas por um intérprete
qualificado da estatalidade dogmática.
Ao se entregar à discricionariedade judiciária, no âmbito da aplicação jurídico-
normativa, o garantismo não valora que:
[...] abranda-se, no direito democrático, a dogmática milenar do discurso ideológico da compulsoriedade das decisões pela problematização processual (devido processo
coinstitucional), que, ao perseguir permanentemente a correição da falibilidade do
ordenamento jurídico, abre a todos pelo direito-de-ação preparar decisões não só
implicadoras de acertamento ou cumprimento de direitos, mas, principalmente,
destinadas a provocar modificação, extinção ou inclusões normativas no
ordenamento jurídico como êmulo de atuação do devido processo legislativo a
fundamentar a legitimidade de normas a serem produzidas e recriadas no sistema
jurídico coinstitucional do Estado Democrático de Direito.300
Assim é que, conforme afirma Rosemiro Pereira Leal:301
Não será pelas regras da lógica formal, rigorosamente observadas, por relações de infra ou supra-ordenação ou de mútua exclusão normativa de conceitos ou tipos
jurídicos, que se chegará a uma interpretação adequada para a lei nas democracias,
porque atualmente a dogmática, seja analítica ou sintética, há de servir ao paradigma
teorizado e adotado na construção originária do sistema jurídico e não à sustentação
de uma verdade, verossimilhança ou similitude extraídas pelo julgador da imanência
do texto [sic - discurso] jurídico legislativamente positivado à busca desesperada de
decisões corretas ou de uma única decisão correta.
O que se apresenta relevante para a operacionalização do direito não dogmático,
portanto, é que a interpretação jurídica deixe de ser compreendida como um ato discricionário
de fixação do significado válido das leis pelo julgador e passe a ser conjecturada como uma
atividade acessível à integralidade da comunidade jurídica dos legitimados ao processo. Para
que a interpretação jurídica não seja considerada um ato privativo da jurisdição, contudo, é
299 LEAL, Rosemiro Pereira. Processo e hermenêutica constitucional a partir do estado de direito democrático.
In: LEAL, Rosemiro Pereira (Org.). Estudos continuados de teoria do processo. Porto Alegre: Síntese,
2001b. p. 23. v. 2. 300 LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual da decisão jurídica. 2. ed. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016b.
p. 103. (Coleção Direito e Justiça). 301
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual da decisão jurídica. 2. ed. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016b.
p. 103. (Coleção Direito e Justiça).
136
indispensável que se assimile que a “hermenêutica, nas democracias, é dada na base popular
construtiva da lei”.302
Daí, de acordo com os conteúdos informativos da teoria neoinstitucionalista do
processo, se a normatividade jurídica é lacunosa, antinômica, vaga ou valorativa, não é de se
inaugurar – como faz o garantismo de Luigi Ferrajoli – um momento interpretativo-dogmático
no âmbito da aplicação do direito. Há de se instaurar, em seu lugar, um procedimento
legislativo processualizado como locus operacional da isocrítica e, ao mesmo tempo, como
espaço destinado ao estabelecimento dos parâmetros normativos permissivos do exercício da
isomenia.
4.2 Discricionariedade judiciária e o dogmatismo-garantista impediente de uma
hermenêutica isomênica
Os escritos ferrajolianos formalizados sobre os poderes judiciais de verificação
jurídica e de valoração ético-política demonstram preocupação com a falibilidade normativa.
Diante da exigência garantista de rigor semântico das leis penais e constitucionais, o princípio
da taxatividade é enunciado por Luigi Ferrajoli como uma regra semântica metalegal de
formação da linguagem legal.303
302 LEAL, Rosemiro Pereira. Processo e hermenêutica constitucional a partir do estado de direito democrático.
In: LEAL, Rosemiro Pereira (Org.). Estudos continuados de teoria do processo. Porto Alegre: Síntese,
2001b. p. 23. v. 2. 303 Embora atribua o status de regra semântica metalegal de formação da linguagem legal ao princípio da
taxatividade, Luigi Ferrajoli não desconhece a distinção hermenêutica existente entre regras e princípios.
Para o autor garantista, no entanto, “não existe uma diferença real de estatuto entre a maior parte dos
princípios e as regras: a violação de um princípio sempre faz deste uma regra que enuncia as proibições ou as obrigações correspondentes.” É o que buscou explicitar quando se referiu à diferença teórica existente entre
os princípios e as regras constitucionais: “A diferença entre a maior parte dos princípios e as regras é,
portanto, a meu ver, uma diferença que não estrutural, mas quase de estilo. [...] Mas, à parte o estilo, qualquer
princípio que enuncia um direito fundamental, pela recíproca implicação que liga as expectativas nas quais os
direitos consistem e as obrigações e proibições correlatas, equivale à regra consistente na obrigação ou na
proibição correspondente. Precisamente, porque os direitos fundamentais são universais (omnium), eles
consistem em normas, ainda que sempre interpretadas como regras, as quais correspondem deveres absolutos
(erga omnes), igualmente consistentes em regras. Por exemplo, o art. 32 da Constituição italiana, a respeito
do direito à saúde, equivale à regra que está nele explicitada, segundo a qual a República ‘garante (ou seja,
deve garantir) tratamentos gratuitos’; o art. 21, a respeito da liberdade de manifestação de pensamento,
equivale à regra segundo a qual é proibido impedir ou turbar ou limitar a livre manifestação de pensamento; [...] O decálogo, por outro lado, está expresso em regras (‘não matar’, ‘não roubar’, entre outras) que têm
exatamente o mesmo significado dos direitos correspondentes (o direito à vida; o direito de propriedade,
entre outros).” Para Luigi Ferrajoli, essa lógica deve ser aplicada a todos os princípios que intitula regulativos
ou imperativos, que são apontados como inderrogáveis. Afastam-se dessa, contudo, os denominados
princípios diretivos ou, simplesmente, diretivas, para os quais não é identificado, de modo exato, o que se
deve observar ou inobservar. Tratam-se, tão somente, de princípios que exprimem condutas que podem ser
adotadas em maior ou menor intensidade, como, por exemplo, o que consta no art. 9., da Constituição
italiana, que prevê caber à República o desenvolvimento da cultura. Sobre o assunto, confira a publicação de
FERRAJOLI, Luigi. Constitucionalismo principialista e constitucionalismo garantista. Tradução de André
137
Por uma análise dos conteúdos informativos da proposição garantista, identifica-se que
o princípio da taxatividade é direcionado ao legislador que, na atividade produtora das leis,
deverá atuar em prol da formalização de uma legislação o mais perfeita possível quanto à
semântica de sua linguagem. Assim, e embora o garantismo reconheça que a legislação
expresse uma linguagem natural, anuncia que “a vacuidade, a valoratividade e a presença de
antinomias na linguagem legal dependem do caráter obscuro e redundante das leis e de seu
vocabulário, e que poderiam ser reduzidas, se não eliminadas, por uma técnica legislativa
mais conforme ao princípio de legalidade estrita.”304
É, por isso, que, para o garantismo, desponta-se a necessidade da imediata instalação
de uma ciência da legislação e da constituição. Em conjunto com a adoção de técnicas
destinadas ao enfrentamento das imperfeições normativas que foram causadas pela expansão
da legislação em vigor,305
propõe-se, pela teoria garantista, que a ciência jurídica promova:
[...] o desenvolvimento de uma linguagem legislativa e constitucional o mais precisa e rigorosa possível. Na verdade, entre os fatores mais graves da discricionariedade
judicial e do crescente papel da argumentação, está a crise da linguagem legal, que
chegou a uma verdadeira disfunção: pela imprecisão e ambiguidade das formulações
normativas; pela obscuridade e, às vezes, contradição; pela inflação legislativa que
comprometeu a própria capacidade reguladora do direito. Mas este não é um
fenômeno natural. Ele depende de uma legislação ruim e do caráter, frequentemente,
Karam Trindade. In: FERRAJOLI, Luigi; STRECK, Lenio Luiz; TRINDADE, André Karam (Org.).
Garantismo, hermenêutica e (neo) constitucionalismo: um debate com Luigi Ferrajoli. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2012d. p. 38-41. 304 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
119. 305
Para Luigi Ferrajoli, a expansão desmedida da legislação é causadora de inúmeras antinomias normativas.
Para combater a crise da legalidade que foi causada pelo aumento indiscriminado de leis, o garantismo
teoriza a introdução, na Constituição, de uma reserva de código aplicada às áreas penal e processual penal, a fim de impedir que qualquer norma relativa às áreas referidas não esteja contida em uma codificação e,
igualmente, para obstar que normas jurídicas penais ou processuais penais sejam produzidas sem a
observância de procedimentos destinados à alteração dos códigos penal e processual penal. Quanto às demais
áreas jurídicas, tais como as que versam sobre matéria urbanística, ambiental, fiscal, trabalhista e
educacional, a teoria garantista propõe o estabelecimento de uma reserva de lei e, além disso, a
obrigatoriedade de uma compilação das leis extravagantes vigentes. Com a adoção dessas técnicas, o
garantismo pretende tornar mais factível a obtenção da coerência e da sistematização normativas. Sobre o
assunto, confira, especialmente, os escritos de FERRAJOLI, Luigi. Dei diritti e delle garanzie:
conversazione con Mauro Barberis. Bologna: Il Mulino, 2013a. p. 18-23. (Collana Contemporanea);
FERRAJOLI, Luigi. El papel de la función judicial en el estado de derecho. In: ATIENZA, Manuel;
FERRAJOLI, Luigi. Jurisdicción y argumentación en el estado constitucional de derecho. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2005b. p. 105-108. (Serie Estado de Derecho y Función
Judicial); FERRAJOLI, Luigi. Legalidad civil y legalidad penal. Sobre la reserva de código en materia penal.
In: FERRAJOLI, Luigi. Democracia y garantismo. Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez, Rodrigo Brito
Melgarejo, Antonio de Cabo y Gerardo Pisarello, Christian Courtis, Marina Gascón Abellán, Nicolás
Gusmán, Benjamín Rivaya García, Pedro Salazar Ugarte y Corina Yturbe. Edición de Miguel Carbonell. 2.
ed. Madrid: Editorial Trotta, 2008e. p. 220-233. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho);
FERRAJOLI, Luigi. O garantismo e a esquerda. In: VIANNA, Túlio; MACHADO, Felipe (Coord.).
Garantismo penal no Brasil: estudos em homenagem a Luigi Ferrajoli. Belo Horizonte: Fórum, 2013b. p.
18-19.
138
vago e valorativo das normas constitucionais [e infraconstitucionais], cuja
responsabilidade é, com certeza da política, embora também recaia sobre a cultura
jurídica. Devemos, por outro lado, dar-nos conta de que a obscuridade, a vagueza e a
indeterminação da linguagem legal, ainda que em alguma medida inelimináveis, não
são defeitos da legislação. Elas são um vício jurídico, porque violam os princípios
da separação dos poderes e da submissão dos juízes à lei, comprometendo, assim, a
preservação de todo o edifício do estado de direito. Por isto, atualmente, a ciência
jurídica deveria retomar o programa iluminista de “uma ciência da legislação”, à
qual se dedicaram Gaetano Filangieri e Jerome Bentham, integrando-a com o
programa de uma ciência da constituição” (sic) como foi chamado por
Giandomenico Romagnosi. Superada a idade das primeiras Constituições, que se caracterizavam, inevitavelmente, por uma linguagem declamatória, nada impede o
desenvolvimento de uma técnica de formulação das normas legislativas e
constitucionais – das regras e dos princípios, além dos seus limites e dos limites aos
seus limites, por sua vez enunciados explicitamente – em uma linguagem o mais
simples, clara e precisa possível.306
A aposta ferrajoliana na ciência da legislação e da constituição dá-se, sobretudo, pela
admissão de que “o único modo que tem o legislador para incrementar a sujeição dos juízes à
lei e, com isso, à vontade do parlamento, é exercer bem o seu ofício, ou seja, produzir leis
claras e inequívocas”.307
Por uma perspectiva garantista, a implementação do rigor semântico
da linguagem legal apresenta-se como uma exigência inafastável para que, no âmbito da
aplicação do direito, a discricionariedade judiciária esteja presente em mínima medida,
proporcionando, dessa forma, pelo menos a conservação do caráter tendencialmente cognitivo
da jurisdição.
É que o status atribuído por Luigi Ferrajoli ao princípio da taxatividade não é
suficiente para impedir que, no recinto interpretativo, o julgador garantista erija-se como um
manipulador do sentido normativo. Para o garantismo, contudo, o grau de discricionariedade
judicial dependerá da medida do acatamento do princípio da taxatividade, uma vez que, pelas
cogitações ferrajolianas, quanto mais imperfeita for a semântica da linguagem legal, maior
será o espaço para o exercício dos poderes de denotação e de disposição pelo magistrado.
O que se extrai de uma teoria garantista da interpretação jurídica, portanto, é que,
observando-se em maior ou menor medida o princípio da taxatividade, a fixação do sentido
normativo sempre estará entregue ao julgador, a quem caberá, por decisões discricionárias
relativas aos poderes de verificação jurídica e de valoração ético-política, atribuir significação
à norma que escolha aplicar para a regência do suposto de fato e, ainda, certificar que esse
306 FERRAJOLI, Luigi. Constitucionalismo principialista e constitucionalismo garantista. Tradução de André
Karam Trindade. In: FERRAJOLI, Luigi; STRECK, Lenio Luiz; TRINDADE, André Karam (Org.).
Garantismo, hermenêutica e (neo) constitucionalismo: um debate com Luigi Ferrajoli. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2012d. p. 54-55. 307 FERRAJOLI, Luigi. La logica del diritto: dieci aporie nell’opera di Hans Kelsen. Roma: Editori Lateza,
2016b. p. 173. (Collana Sagittari Laterza 197). No original: “[...] il solo modo che ha il legislatore per
realizzare la soggezione dei giudici alla legge, e perciò alla volontà del Parlamento, è far bene il suo mestiere,
cioè produrre leggi chiare e inequivoche.”
139
significado é coerente com o sentido da norma que lhe seja supraordenada. O que irá variar,
por uma perspectiva ferrajoliana, é apenas a intensidade do exercício da discricionariedade
judiciária e não a titularidade da atividade atributiva do significado normativo válido, que é
sempre adstrita a uma pessoa que exerça a jurisdição.
Como a proposição ferrajoliana anuncia que a linguagem legal é sempre imperfeita e,
ainda assim, somente recepciona a decretação do non liquet como uma medida excepcional e
de emprego autorizado apenas quando o juiz constatar, por via discricionária, a
impossibilidade absoluta de decidir, o que garantirá o princípio da taxatividade é tão só a
possibilidade da adoção de decisões discricionárias pelo magistrado, que, conforme a
intensidade das imperfeições semânticas da linguagem legal, serão tomadas em maior ou
menor medida no âmbito da aplicação do direito.
Em qualquer hipótese, porém, o julgador garantista conservará para si o monopólio do
sentido,308
uma vez que, apesar das relevantes pesquisas formalizadas por Luigi Ferrajoli
sobre a semântica da linguagem legal, o garantismo não se aproveita, consistentemente, do
maior ganho teórico proporcionado pela linguística nas últimas quatro décadas, que é a
teorização sobre a função metalinguística que, aplicada à atividade interpretativa, “permitiu
compreender o sentido como uma propriedade do código e não de uma pessoa”.309
Com efeito, por um esforço epistemológico, é possível afirmar que, pelo exame do
garantismo a partir dos postulados de uma teoria semântica, a proposição garantista da
interpretação jurídica assenta-se nos postulados que afirmam a sensatez da mensagem, o
caráter oculto do significado e, ainda, a inteligibilidade do sentido. Em relação a este
postulado, entretanto, as cogitações ferrajolianas sobre a interpretação do direito rompem com
a tradição dos antigos, não obstante mantenham o privilégio da significação do discurso pela
autoridade.
É o que se afere pelo magistério de Edward Lopes,310
para quem os postulados nos
quais assentam-se, habitualmente, as teorias semânticas assim anunciam:
O primeiro postulado, o da “sensatez da mensagem”, afirma que o discurso tem um
sentido. Mas é lógico que tal asserção não é para ser entendida ao pé da letra, pois se
o discurso contivesse, realmente, algum sentido imanente, não haveria necessidade
de nenhuma interpretação. O fato de que para captar o seu sentido precisemos
interpretá-lo significa, pelos menos, que o sentido do discurso está fora dele, situando-se, por assim dizer, em um espaço que o transcende e ao qual chamamos de
texto. [...]
308 LOPES, Edward. Discurso, texto e significação: uma teoria do interpretante. São Paulo: Cultrix, 1978. p. 5. 309 LOPES, Edward. Discurso, texto e significação: uma teoria do interpretante. São Paulo: Cultrix, 1978. p. 5. 310
LOPES, Edward. Discurso, texto e significação: uma teoria do interpretante. São Paulo: Cultrix, 1978. p. 3-
5.
140
O segundo postulado, o do “caráter oculto do significado”, frisa que o sentido é algo
que se procura. Afastada a hipótese de uma falta de sentido no discurso, afirma-se,
agora, em conseqüência, um excesso deles. Assim é que a teoria semântica de todos
os tempos reconheceu como axiomática a multissignificação do discurso, objeto de
conhecimento aberto a uma pluralidade de leituras, continente, pois de n textos.
Tudo passa como se, assim como a floresta esconde a árvore, uma pluralidade de
sentidos ocultasse um sentido único. Objetos alegóricos, a floresta e o discurso
seriam modos da manifestação figurativa de um “não saber” que é eminentemente
perturbador. [...]
Os antigos resolveram expeditamente o problema de saber a quem atribuir o
privilégio da interpretação. Considerando que o discurso é o objeto daquele que o produz, atribuíram-no invariavelmente ao destinador da mensagem. Eles
enunciavam, assim, o axioma do terceiro postulado a que fizemos referência, o da
inteligibilidade do sentido, segundo o qual se reconheceria no “autor” do discurso a
única “autoridade” (o autor é titular da autoridade) para dizer o que é que seu
discurso significa. A locação da autoria do discurso fazia-se acompanhar, então, de
uma espécie de sublocação de “autoria do texto”, pois que só ao produtor da
mensagem era reconhecida a competência necessária para definir, de um lado, o que
seu discurso queria dizer, ou o que ele podia dizer, e, por outro lado, o que ele,
efetivamente, dizia. Diante de interpretações indesejáveis, feitas por um destinatário,
o destinador da mensagem poderia sempre atribuir o subentendido à malevolente
inépcia do ouvinte, operando, desse modo, a desqualificação do subentendido para requalificá-lo de mal-entendido. O dado da multissignificação do discurso estava,
então – e ainda está, para aqueles que nisso acreditam –, a serviço de um privilégio
da significação, que é a camuflagem do privilégio de mando de uma auctoritas
única e indiscutível.
Analisada a teoria garantista da interpretação jurídica por esses postulados semânticos,
bem como compreendidos a lei como o discurso legal e o texto como o espaço onde está
situado o sentido do discurso da lei – como propõe Rosemiro Pereira Leal ao realizar uma
parcial transposição do ensino de Edward Lopes para o direito processual –,311
é de se
registrar que, pelo garantismo, não é o legislador a auctoritas que titulariza o privilégio da
significação normativa, mas o juiz, a quem é entregue a atividade discricionária de fixação do
sentido da norma que elegeu aplicar, bem como a certificação, igualmente discricionária, da
validade desse significado. É o julgador garantista que deve, pela adoção de decisões
discricionárias devidas ou indevidas, escolher a norma que entenda cabível para a regência do
suposto de fato, assim como atribuir sentido à norma que escolheu aplicar, sentido o qual deve
ser compatível com o significado da norma que lhe seja hierarquicamente superior, que,
também, o julgador garantista fixa discricionariamente.
Desta forma, pelos fundamentos da teoria garantista, “o legislador seria o autor
autoritário do discurso legal (seu genuíno locador a inocular a mens legislatoris) e o juiz
(decisor) o sublocador a engendrar um texto (juízos de aplicação como mens legis)”.312
Não
311 LEAL, Rosemiro Pereira. Processo como teoria da lei democrática. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2017a. p.
319-327. 312
LEAL, Rosemiro Pereira. Processo como teoria da lei democrática. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2017a. p.
322.
141
sendo admitida pelo garantismo a possibilidade de que o discurso legal regule a sua própria
atuação, Luigi Ferrajoli elege o julgador garantista como a autoridade competente para dizer o
que quer o discurso legal afirmar, e, também, para dizer se o que disse querer afirmar o
discurso legal é compatível com o significado que, igualmente, atribui à lei que é
supraordenada a que escolheu aplicar.
Nessa complicada atividade judiciária de aplicação do direito, é o juiz garantista que
fixará o sentido do discurso legal, ainda que, para isso, tenha que devassar o sistema jurídico
para dele extrair normas implícitas que motivem a sua decisão. É o julgador garantista que
fixará o sentido do discurso legal, mesmo que, para que tal se dê, tenha que se valer de uma
seleção de opiniões de juristas de longa formação e experiência que possam motivar a sua
decisão, a partir de um exame percuciente das incontáveis e divergentes publicações
constantes em acervos doutrinários e repositórios jurisprudenciais. É o magistrado garantista
que fixará o sentido do discurso legal, não obstante, para tanto, tenha que ativar uma boa dose
de criatividade judicial, que lhe permita decidir mesmo além da redação e das lacunas da lei.
Por uma perspectiva garantista, o julgador é a pessoa autorizada a enfrentar a
multissignificação do discurso legal e a estabelecer, por via da discricionariedade judiciária, o
único sentido desse discurso.
De conseguinte, a teoria garantista da interpretação jurídica não recepciona o
magistério de que “a semântica deve se preocupar com o sentido do discurso tal como ele se
deixa decodificar no interior do código que serviu para a sua codificação.”313
Pelos escritos
ferrajolianos, o sentido do discurso legal tem a sua decodificação atrelada à pessoa do
julgador que, na condição de intérprete qualificado da estatalidade,314
deve escolher, entre as
hipóteses interpretativas alternativas que lhe são descortinadas pela dogmática jurídica e pela
sua criatividade, o significado que deve ser atribuído ao discurso da lei válida que elegeu
aplicar à regência do suposto de fato.
Pelo garantismo, assim, nunca será possível prever o resultado da atividade
interpretativa levada a efeito no âmbito da aplicação jurídico-normativa. Segundo assevera
313
LOPES, Edward. Discurso, texto e significação: uma teoria do interpretante. São Paulo: Cultrix, 1978. p. 5. 314 Conforme afirma Vinícius Diniz Monteiro de Barros, o “Intérprete é o sujeito que, ao enunciar a interpretação
jurídica, estabiliza-a por sua autoridade [...]. O sujeito-intérprete se situa no mundo 1 de Popper, enquanto
seus estados mentais, erroneamente tomados como balizadores do conhecimento jurídico, são elementos do
mundo 2 de Popper – ambos sem qualquer relevância à construção de um conhecimento jurídico-científico
democrático.” Confira, nesse sentido, MONTEIRO DE BARROS, Vinícius Diniz. O conteúdo lógico-
objetivo do princípio da inocência: uma proposição segundo a teoria neoinstitucionalista do processo e o
racionalismo crítico. 2016. 201 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2016. p. 162.
142
Luigi Ferrajoli,315
na operacionalização do direito, existem “sempre divergências
interpretativas e ‘múltiplas respostas’, plausivelmente discutíveis”. Quando se trata da
interpretação jurídica, cada intérprete “considerará melhor ou mais correta aquela que
entender mais convincente ou melhor motivada, mas isto não torna a solução adotada
‘objetivamente verdadeira’ ou ‘a única correta’. Também se poderia argumentar, talvez
plausivelmente, a tese oposta”,316
já que, pela teoria garantista, além da obtenção da verdade
processual ser limitada pelo caráter irredutivelmente probabilístico da verdade fática e
inevitavelmente opinativo da verdade jurídica, é, igualmente, pelo que designa subjetividade
específica do conhecimento judicial.
Para o garantismo, essa subjetividade é um terceiro e insuperável fator de impacto na
atividade judiciária de escolha prática entre alternativas interpretativas possíveis, uma vez que
exterioriza o caráter eminentemente pessoal desse “investigador particular legalmente
qualificado que é o juiz. Este, por mais que se esforce para ser objetivo, está sempre
condicionado pelas circunstâncias ambientais nas quais atua, pelos seus sentimentos, suas
inclinações, suas emoções, seus valores ético-políticos”,317
os quais, por uma concepção
garantista, apresentam-se atuantes na tomada de decisão sobre a norma aplicável à situação
sub examine e, ainda, na fixação do significado – que deve ser válido – da norma eleita.
Conforme aduz Luigi Ferrajoli,318
“cada interpretação é inevitavelmente orientada [...]
por opções morais e políticas do intérprete.” Logo, pelo garantismo, a fixação do sentido do
discurso legal não “deixou de ser uma variável dependente do intérprete para ser [...] uma
variável dependente do interpretante”,319
como conjectura a teoria neoinstitucionalista do
processo ao recepcionar, parcialmente, as lições de Edward Lopes sobre a função
metalinguística atribuída ao código. Pela teoria garantista, sempre que o rigor semântico da
linguagem legal falhar, é deferida ao juiz a liberdade de escolha até mesmo do código a ser
empregado na atividade de decodificação do significado do discurso legal e, por isso mesmo,
315 FERRAJOLI, Luigi. O constitucionalismo garantista e o estado de direito. In: FERRAJOLI, Luigi; STRECK,
Lenio Luiz; TRINDADE, André Karam (Org.). Garantismo, hermenêutica e (neo) constitucionalismo: um
debate com Luigi Ferrajoli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012c. p. 254. 316 FERRAJOLI, Luigi. O constitucionalismo garantista e o estado de direito. In: FERRAJOLI, Luigi; STRECK,
Lenio Luiz; TRINDADE, André Karam (Org.). Garantismo, hermenêutica e (neo) constitucionalismo: um
debate com Luigi Ferrajoli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012c. p. 253. 317 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
53. 318 FERRAJOLI, Luigi. O constitucionalismo garantista e o estado de direito. In: FERRAJOLI, Luigi; STRECK,
Lenio Luiz; TRINDADE, André Karam (Org.). Garantismo, hermenêutica e (neo) constitucionalismo: um
debate com Luigi Ferrajoli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012c. p. 253. 319 LOPES, Edward. Discurso, texto e significação: uma teoria do interpretante. São Paulo: Cultrix, 1978. p. 5.
143
nada pode garantir que essa escolha não seja implementada com o objetivo de tão somente
confirmar a vontade da auctoritas titular da autoria do texto.
É esse o grande entrave democrático derivado da teorização de uma interpretação
jurídica não isomênica, como a que é proposta pelo garantismo. Consoante explicita Rosemiro
Pereira Leal,320
quando se pronuncia sobre as correlações teóricas existentes entre o discurso
legal, o texto e o devido processo:
O dogma irreversivelmente assumido pelos positivistas e neopositivistas é a
impossibilidade de uma hermenêutica que ofereça simétrico exercício de igual
direito de interpretação da LEI para todos e que ponha os intérpretes em função de
um único interpretante lógico-jurídico discursivo. É que o dogma de que “todos são
iguais perante a lei” que vinca, por séculos, o direito liberal, é entendido no sentido
de que essa igualdade interpretativa é isotópica (espacial), mas cognitivamente
assimétrica, uma vez que o Estado-juiz não está adstrito à existência de normas escritas específicas e tipificadoras para decidir em todas as hipóteses dos conflitos
humanos, o que torna a argumentação das partes inócua, porque, nessa hipótese, as
partes não participam isomenicamente da construção do provimento. Na minha
teoria neoinstitucionalista do processo, como já discorremos por vários artigos, no
Estado Democrático não basta a isonomia perante a lei ou simétrica paridade no
exercício do contraditório para garantir uma interpretação em condições iguais para
os sujeitos do procedimento, é preciso que a LEI ante a qual se ponham os
intérpretes expresse em sua atuação a teoria processual que lhe deu origem, isto é,
esteja contida num sistema normativo em que os níveis instituinte, constituinte e
constituído de direitos fiquem bem delineados quanto ao referente lógico-jurídico-
discursivo (discussivo) de sua incidência (aplicação) e legitimidade a garantir
isomenia.
E continua:
A isomenia, em minha teoria neoinstitucionalista, que é instituto operacional do
princípio da legalidade, define-se pela oportunidade de colocar todos os
destinatários normativos (intérpretes) em simétrica posição ante idêntico referente
lógico-jurídico-construtivo, aplicativo, modificativo ou extintivo do sistema jurídico
(LEIS). É o devido processo, no sentido da teoria neoinstitucionalista, que é o
referente lógico-jurídico (interpretante) a balizar os limites hermenêuticos de um
sistema de “Estado Democrático de Direito” em concepções de sociedade aberta
[...].
Daí, pelos conteúdos informativos da teoria neoinstitucionalista do processo, a
interpretação jurídica deve estar sempre adstrita à legalidade, não podendo o juiz aproveitar-se
de falhas normativas para monopolizar a atividade de fixação do significado válido do
discurso legal. Não pode o julgador apropriar-se do vazio jurídico para a produção de um
texto, a partir de um código solitariamente eleito. Conforme aduz Roberta Maia Gresta,321
320 LEAL, Rosemiro Pereira. Processo como teoria da lei democrática. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2017a. p.
319-320. 321 GRESTA, Roberta Maia. Introdução aos fundamentos da processualidade democrática. Rio de Janeiro:
144
pela proposição neoinstitucionalista do processo, a isomenia “erige ao julgador vedação a
recursos interpretativos extrassistêmicos. Leal propugna que o texto (teoria) já deve estar
contido no discurso (lei), o que assegura que seja previamente disponibilizado a todos”.
Ao contrário do que preconiza Luigi Ferrajoli, portanto, pela perspectiva da teoria
neoinstitucionalista do processo, se a normatividade jurídica apresenta falhas, não se abre ao
magistrado a possibilidade de contornar essas imperfeições por meio de decisões
discricionárias fixadoras do sentido normativo válido no recinto de aplicação do direito. Pelas
conjecturas de Rosemiro Pereira Leal, a falibilidade normativa impõe a recusa judicial de
decidir para que a comunidade jurídica dos legitimados ao processo possa exercer o seu
direito à isocrítica e, a partir desse exercício, tornar possível a prática da isomenia. Somente,
assim, o devido processo estaria acatado como um código (interpretante) não permutável pela
vontade do intérprete-decisor, viabilizando a definição do sentido do discurso legal pelo povo
total.
É que, assumindo o devido processo os “atributos de um neoparadigma com ‘função
metalinguística’ a demarcar um ‘meta-sentido’ como fundamento do sistema jurídico-
democrático para a criação de uma sociedade aberta”,322
apresenta-se inafastável para o seu
acatamento que tanto no recinto de produção do direito como no espaço de sua aplicação
atuem os princípios do contraditório, da ampla defesa e da isonomia. Se, no âmbito da
aplicação do direito, for constatada a existência de falhas que acometam a normatividade, isso
significa que a comunidade jurídica dos legitimados ao processo não esgotou a sua atividade
processual-legiferativa, logo, ainda não tornou possível o incremento de uma hermenêutica
isomênica.
Com base nos conteúdos informativos da proposição neoinstitucionalista do processo,
com efeito, é possível afirmar que o acolhimento garantista da proibição do non liquet
propicia a implementação de uma interpretação judicial extrassistêmica (extradiscursiva), a
qual é impediente da aferição da veredicção do sentido que é atribuído ao discurso legal pela
decisão discricionariamente tomada no recinto de aplicação do direito. Na linguística, a
temática é assim abordada:
Entre o discurso e o texto que lhe corresponde (co-responde), instala-se um jogo
dialógico de perguntas e respostas. Sendo da ordem da competência, o discurso
propõe perguntas acerca dos sentidos dos nomes que fornece: ele é, mais, um querer
dizer, um poder dizer, um saber dizer, em busca de um dizer, a solução que só lhe
Lumen Juris, 2014. p. 191-192. (Coleção Estudos da Escola Mineira de Processo, v. 1).
322 LEAL, Rosemiro Pereira. Processo como teoria da lei democrática. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2017a. p.
323.
145
pode ser atribuída por um texto. Este é da ordem da performance, um dizer: o texto
diz aquilo que o discurso quer dizer e, assim fazendo, completa a obra.
Uma obra encerra um ato de comunicação no interior do qual se um texto diz o que
o discurso X quis dizer, esse mesmo discurso X tem, em troca, a possibilidade de
confirmar ou de infirmar, retrospectivamente, a interpretação que dele forneceu o
texto. De um lado, o texto responde às indagações de um discurso, propiciando a
passagem de um não-saber a um saber; de outro lado, esse discurso (co-)responde à
interpretação do texto, reabsorvendo-a como um saber ou rejeitando-a como um
não-saber, um parecer saber, etc.; assim, entre as qualificações que compõem a
competência conatural ao discurso está a de poder dizer (outro sentido).
Os mecanismos pelos quais o discurso controla a veredicção do sentido que lhe foi atribuído por um texto, aceitando-a ou não, demonstra duas coisas:
(a) que o teste da verdade de um sentido deve ser praticado através de um retorno da
interpretação ao discurso que ela pretenda interpretar, ou seja, a veredicção é da
ordem intradiscursiva, não extradiscursiva;
(b) que se o texto se pensa prospectivamente, a partir de um macrodiscurso X, os
microdiscursos X1, X2...Xn contidos em X, se pensam retrospectivamente, a partir dos
textos x1, x2...xn, que os discursos X1, X2...Xn, estão encarregados de referendar.
Assim, a obra surge como o espaço de suporte de uma prática significante em cujo
âmbito algo produzido (o texto) é produtor daquilo mesmo que o produziu (o
discurso).323
Transportadas essas lições para o estudo do direito processual democrático, é de se
afirmar que, se o sentido do discurso legal é atribuído pelo julgador mediante a livre escolha
de um significado entre tantos outros disponibilizados pela doutrina, pela jurisprudência,
pelas normas implícitas do ordenamento jurídico ou pela criatividade judiciária exercida a
partir de um apoio legal, no retorno do texto de autoria do juiz ao discurso legal será
identificado não apenas o deslocamento da atividade de fixação do sentido normativo do
interpretante (devido processo) como, também, a violação do próprio princípio da
legalidade.324
323 LOPES, Edward. Discurso, texto e significação: uma teoria do interpretante. São Paulo: Cultrix, 1978. p. 7-
8. 324 Como observa Rosemiro Pereira Leal, no Estado Democrático de Direito, lei “é a produzida e vincada pelo
devido processo como instituição constitucionalizante e operadora de direitos fundamentais do processo,
líquidos e certos, entre os quais o da isonomia que põe todos os integrantes da comunidade jurídica
constitucionalizada em isotopia compreensiva (ante uma língua comum a partir da escritura legal) quanto ao
exercício de direito igual de interpretação normativa, não incluídas aqui, por óbvio, normas morais, éticas ou
consuetudinárias, do pragmatismo linguístico da fala coloquial ou tecnológica do decisor dogmático
(mítico).” LEAL, Rosemiro Pereira. O caráter oculto do sentido normativo no novo CPC. In: CASTRO, João
Antônio Lima; FREITAS, Sérgio Henriques Zandona (Coord.). Direito processual: estudo democrático da
processualidade jurídica constitucionalizada. Belo Horizonte: PUC Minas – Instituto de Educação
Continuada, 2012. p. 186-187. No mesmo sentido, confira a lição de Carlos Henrique Soares, para quem o
discurso de aplicação do direito é limitado pelo legislador político e, por isso, não pode estar dissociado das normas legais. SOARES, Carlos Henrique. Reflexiones filosóficas sobre la prueba y verdad en el proceso
democrático. In: BRÊTAS, Ronaldo C. Dias et al (Org.). Direito probatório: temas atuais. Belo Horizonte:
D’Plácido, 2016. p. 58. Veja, ainda, o magistério de Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias que, atento ao
princípio da legalidade, afirma que, no Estado Democrático de Direito, não são acolhíveis doutrinas e
precedentes jurisprudenciais que sugiram a possibilidade de que a jurisdição seja exercida sob critérios
“marcados de forma inconstitucional e antidemocrática pela arbitrariedade, pela discricionariedade, pelo
subjetivismo, pelo messianismo, pela sensibilidade, pelas individualidades carismáticas ou pela patologia
judiciária que denominamos complexo de de Magnaud [...]”. BRÊTAS, Ronaldo C. Dias. Processo
constitucional e estado democrático de direito. 3. ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2015. p.
146
Para a teoria neoinstitucionalista do processo, a possibilidade de veredicção está
condicionada à proibição da interpretação extrassistêmica (extradiscursiva), porque esta afasta
a possibilidade do exercício de uma metalinguagem, com vinculação ao código, que se
desenvolva entre o texto e o discurso legal.325
A teorização de que o significado normativo
não esteja disponibilizado pelo próprio discurso legal – como sustenta a ciência dogmática do
direito – é ratificadora de que a lei sujeita à interpretação jurídica consiste tão somente:
[...] em peça exclusiva do manipulador do sentido normativo (juiz) pela auctoritas
de que está investido. A mítica da autoridade na dicção do direito submete a
interpretação jurídica à regência de juízos ordálicos e de conveniência e equidade
que escapam à cognitividade probatícia de democratização decisória pelo
contraditório e ampla defesa, excluindo o discurso jurídico (escritura legal) como
eixo polarizador de sentidos para todos os argumentantes processualmente
legitimados. Nesse quadro, a heterossignificatividade do discurso jurídico, em razão da recusa judicial infiscalizável de acatar o paradigma teórico da estatalidade
constitucionalmente adotado, é deslindada pela intuição, sensibilidade e
clarividência do magistrado na esfera de sua solitária consciência.326
É o que se explicita pela proposição garantista da interpretação que, atrelando-se à
lógica da ciência dogmática do direito, acolhe os postulados semânticos da sensatez da
mensagem e do caráter oculto do significado do discurso legal para, daí, enunciar o julgador
como a pessoa que titulariza o privilégio da significação.327
Assentando-se nesses postulados
160. Pesquise, também, o magistério de Sérgio Henriques Zandona Freitas, segundo o qual as decisões
jurídicas devem ser vinculadas à legalidade, a fim de impedir o incremento de espaços de discricionariedade
judicial. FREITAS, Sérgio Henriques Zandona. A impostergável reconstrução principiológico-
constitucional do processo administrativo disciplinar no Brasil. 2014. 210 f. Tese (Doutorado) –
Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo
Horizonte, 2014. p. 87. 325 LEAL, Rosemiro Pereira. Processo como teoria da lei democrática. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2017a.
p. 324; ALMEIDA, Andréa Alves. Espaço jurídico processual na discursividade metalinguística. Curitiba: CRV, 2012. p. 85 e 87; MONTEIRO DE BARROS, Vinícius Diniz. O conteúdo lógico-objetivo
do princípio da inocência: uma proposição segundo a teoria neoinstitucionalista do processo e o
racionalismo crítico. 2016. 201 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2016. p. 161-163; PENIDO, Flávia Ávila. Processo
e interpretação em Eduardo J. Couture. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. p. 227; GRESTA, Roberta
Maia. Introdução aos fundamentos da processualidade democrática. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014.
p. 191-192. (Coleção Estudos da Escola Mineira de Processo, v. 1); SANTOS, Luiz Sérgio Arcanjo dos.
Processo e poder constituinte originário: a construção do direito na processualidade jurídico-democrática.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. p. 157-172. 326 LEAL, Rosemiro Pereira. O caráter oculto do sentido normativo no novo CPC. In: CASTRO, João Antônio
Lima; FREITAS, Sérgio Henriques Zandona (Coord.). Direito processual: estudo democrático da processualidade jurídica constitucionalizada. Belo Horizonte: PUC Minas – Instituto de Educação
Continuada, 2012. p. 187. 327 Conforme esclarece Rosemiro Pereira Leal, dessa forma, afasta-se a possibilidade “de uma democratização
jurídico-proposicional autocrítica, fora, pois, das configurações paideicas, instalando-se a intepretação da lei
na arena de múltiplas hermenêuticas a disputarem a preferência das autoridades judicantes. [...] O que é
esquecido, na sólida e irremovível convicção da arbitrariedade do signo que tanto preconizam dogmáticos e
não dogmáticos (realistas), é a possibilidade de uma explicitação expositiva (preambular) e vinculativa da
movimentação dos conteúdos da lei pela indicação da teoria processual que deva ser o eixo de compreensão
da formação dos sentidos do ordenamento jurídico em suas implicações instituinte (produção da lei),
147
linguísticos, o garantismo abriga um saber “interpretar que, extrapolando o sujeito da
enunciação da norma (o legislador), só adquire inteligibilidade fora do próprio discurso
normativo (lei) que é o lugar extraceptivo (estado textual de exceção) no qual a auctoritas
interdita o sentido da lei por consentimento da própria lei.”328
Preserva-se, dessa forma, a incompletude fatal da lei e a perpetuação da proibição do
non liquet que, conjuntamente, são acolhidos pelo garantismo para situar o juiz como a pessoa
autorizada a decidir de modo discricionário. Mantém-se, assim, o privilégio interpretativo do
julgador, que, a despeito de seu desalinhamento processual-democrático, não é objeto de
tematização consistente pelas pesquisas garantistas. Afinal, para o garantismo, o que se
mostra indispensável observar, no âmbito da atuação do direito, é a imparcialidade do juiz.
Pelas cogitações de Luigi Ferrajoli, nenhuma importância é dada à conjectura de que se, no
recinto de aplicação jurídico-normativa, a decisão é tomada mediante violação da isocrítica e
da isomenia, essa decisão jamais assumirá o status de decisão jurídica imparcial.
4.3 Garantismo jurisdicionalista e a impossibilidade teórica de uma decisão jurídica
imparcial
No Estado Democrático de Direito, apresenta-se inacolhível a teorização garantista no
sentido de que o espaço procedimental-decisório consista em um recinto privativo da
jurisdição reservado ao enfrentamento da incompletude fatal da lei.329
Com os avanços
teóricos propiciados pela proposição neoinstitucionalista do processo, o momento decisório
não pode ser compreendido como o tempo fixado para a realização de uma escolha prática
constituinte (articulação institucionalizante das estruturas administrativo-governativas) e constituída
(operacionalização processual do direito processualmente posto em vigência). O que temos no direito vigente
no Brasil e em todos os países do mundo é um conglomerado de artigos de lei aplicáveis sem qualquer
vinculação a uma linha hermenêutica explicitada na exposição de motivos ou preâmbulos da lei como trecho
integrante do texto legal.” LEAL, Rosemiro Pereira. Processo como teoria da lei democrática. 2. ed. Belo
Horizonte: Fórum, 2017a. p. 171-172. 328 LEAL, Rosemiro Pereira. O caráter oculto do sentido normativo no novo CPC. In: CASTRO, João Antônio
Lima; FREITAS, Sérgio Henriques Zandona (Coord.). Direito processual: estudo democrático da
processualidade jurídica constitucionalizada. Belo Horizonte: PUC Minas – Instituto de Educação Continuada, 2012. p. 187.
329 Em recente publicação, Rosemiro Pereira Leal ratificou as interfaces existentes entre o Estado Democrático
de Direito e o devido processo, afirmando que o Estado Democrático de Direito “é identificável por uma
autofiscalidade sistêmica sob regência de uma instituição linguístico-jurídico-autocrítica, que lhe é fundante e
interpretante nuclear, denominada devido processo, como metalinguagem certificadora, construtiva e
reconstrutiva, da dinâmica de instituições compatíveis com a concepção de sociedade aberta, não tribalizada
por castas intelectivas jurisprudentes.” Confira, nesse sentido, os escritos de LEAL, Rosemiro Pereira. A
questão dos precedentes e o devido processo. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo
Horizonte, ano 25, n. 98, p. 295-313, abr./jun. 2017b. p. 303.
148
sobre alternativas interpretativas possíveis que, no âmbito da aplicação do direito, conduz a
uma solução que é considerada pelo magistrado a mais convincente.
Na processualidade democrática, o momento de decidir é “o instante de uma
DECISÃO a ser construída como resultante vinculada à estrutura procedimental regida pelo
PROCESSO coinstitucionalizado”,330
o qual, pelos princípios que lhe são institutivos, nega
acolhimento a um solipsismo hermenêutico assecuratório de uma decisão que,
inafastavelmente orientada por opções morais e políticas do intérprete-julgador-garantista,
oferta-se à solução de um conflito. Por uma perspectiva não dogmática, a decisão já não mais
pode ser enunciada como um ato procedimental de titularidade exclusiva do juiz que explicita
a resposta solitariamente eleita entre as múltiplas alternativas possíveis ao acertamento de
direitos afirmados e negados, porque, assim sendo, será violadora dos conteúdos lógico-
jurídicos da isomenia.
Por uma análise processual-democrática da interpretação jurídica, portanto, não
apresenta grande relevância sequer a exigência ferrajoliana de que, no sistema garantista de
aplicação do direito, as escolhas interpretativas realizadas pelo decisor tenham que ser
argumentadas e motivadas, seja pelo critério sintático da “coerência” com outras teses já
adotadas como verdadeiras atinentes ao tema examinado, seja pelo critério pragmático da
“aceitabilidade justificada.” Ainda que tal ocorra, a decisão permanecerá sendo um ato que
exprime a fixação discricionária do significado válido do discurso legal realizada pela pessoa
do juiz e a motivação decisória consistirá na mera exteriorização do ato de vontade praticado
pelo julgador.
É, nesse sentido, que, de nada adianta a proposição ferrajoliana teorizar a motivação
das decisões como uma garantia processual que se presta a assegurar o caráter cognitivo do
juízo, vinculando o magistrado à lei válida,331
se essa motivação é compreendida como a mera
explicitação dos argumentos que o juiz discricionariamente selecionou para embasar a sua
solitária decisão. Nenhum ganho de democraticidade jurídica é propiciado pela motivação
decisória garantista que, sendo indicada como o “principal parâmetro tanto da legitimação
interna ou jurídica quanto da externa ou democrática da função judiciária”,332
permite tão
somente distinguir o que “CARRARA chamava ‘convicção autocrática’, porque baseada na
330 LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual da decisão jurídica. 2. ed. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016b.
p. 60. (Coleção Direito e Justiça). 331 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
573. 332 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
574.
149
‘mera inspiração do sentimento’ e aquela que ele chamava ‘convicção arrazoada’, sendo
expostas tanto as ‘razões’ jurídicas como as de fato”.333
O que se extrai das lições de Luigi Ferrajoli é que, sendo apoiada no sentimento do
juiz ou nas razões fático-jurídicas, a decisão sempre será um ato de titularidade exclusiva da
jurisdição. Diante de uma afirmada incompletude fatal da lei, o garantismo enuncia o vazio
jurídico como lugar privilegiado da autoridade judiciária, a quem cabe dar imediata solução
aos conflitos, sempre que essa seja possível. O espaço da falibilidade normativa não é
afirmado como locus de fiscalidade processual, mas como recinto de instalação do poder
judicial que, por via de decisões discricionárias, torna possível o enquadramento teórico da
interpretação jurídica como “um ato de liberdade do intérprete”,334
bem como a manutenção
deste como o autor do texto que define o que o discurso legal válido quer dizer e que deve ser
tornado público pela motivação decisória.
Por uma perspectiva garantista, assim, não é acolhida uma hermenêutica que se instale
na base popular construtiva da lei e que propicie a inclusão de todos os integrantes da
comunidade jurídica de legitimados ao processo no igual direito de interpretação da
legalidade. Ao contrário disso, o garantismo filia-se a uma hermenêutica dogmática que
preconiza a decisão como o resultado da escolha do magistrado por uma das respostas que
entende possíveis para o conflito. Uma escolha que, quanto à verdade jurídica, sempre será
opinativa e, por isso, nunca indicativa de uma resposta objetivamente verdadeira ou mesmo de
uma única resposta correta.
Conforme se lê nos escritos de Luigi Ferrajoli, no âmbito interpretativo, sempre
existem múltiplas respostas plausíveis e, desta forma, igualmente coexistem várias decisões
que podem ser consideradas corretas, conforme o entendimento do intérprete-julgador. De
acordo com os escritos ferrajolianos:
Este, contudo, é o jogo do direito: em cada processo – penal, civil, administrativo,
constitucional – confrontam-se [...] teses opostas, cada uma delas argumentada como
verdadeira. Mas nada pode garantir qual é a única verdadeira, o (sic) absolutamente
correta.
O juiz resolve a demanda dando-lhe – e motivando-lhe – a solução mais plausível e
imparcial; mas sempre deve ter a consciência do caráter provável da verdade factual
333 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
574. 334 FERRAJOLI, Luigi. Constitucionalismo principialista e constitucionalismo garantista. Tradução de André
Karam Trindade. In: FERRAJOLI, Luigi; STRECK, Lenio Luiz; TRINDADE, André Karam (Org.).
Garantismo, hermenêutica e (neo) constitucionalismo: um debate com Luigi Ferrajoli. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2012d. p. 54.
150
e apenas discutível da verdade jurídica das teses por ele assumidas como
fundamento da sua decisão.335
Daí, segundo o garantismo, no âmbito da aplicação jurídico-normativa, cabe ao juiz
acolher como sua decisão a solução que considere a mais plausível das soluções possíveis, a
partir do exercício de um poder de escolha que é implementado por um ato de liberdade do
intérprete imparcial. Assim, a solução imparcial a que faz referência a proposição garantista é
a que torna visível a imparcialidade do juiz, a quem é exclusivamente deferida a atividade de
aplicação da lei, cujo significado válido é decodificado pelo texto de sua autoria.
É o que se lê nos escritos ferrajolianos que, ao examinarem a imparcialidade do
julgador, explicitam que:
[...] a atividade judicial, ao lado de todas as atividades de cognição, não é finalizada
com a satisfação de interesses pré-constituídos. Os outros órgãos do Estado – as instituições legislativas, o governo, os entes públicos, a administração pública –
ainda que operando sob as formas e limites estabelecidos pelas leis, fixam ou
executam, de acordo com sua colocação institucional e com os seus espaços de
autonomia, orientações e finalidades políticas mais ou menos contingentes.
Discricionariedade e/ou dependência, autonomia e/ou subordinação hierárquica,
poder de orientação e/ou obediência às diretrizes dadas, caracterizam, portanto,
todas as suas atividades, por vezes informadas pelo desejo da maioria, ou pelo
interesse da administração pública. Os juízes, ao contrário, não procuram um
interesse pré-judicial, mas só a aproximação do verdadeiro nas únicas causas às
vezes julgadas, após um contraditório entre sujeitos portadores de interesses em
conflito. Não só por razões estruturais, mas também por razões funcionais, enquanto a atividade administrativa é discricionária e subordinada a diretivas superiores, a
atividade jurisdicional é privada substancialmente de orientações políticas porque
substancialmente, mais que formalmente, também vinculada à lei.
A sujeição somente à lei, por ser premissa substancial da dedução judiciária e
juntamente única fonte de legitimação política, exprime por isso a colocação
institucional do juiz. Essa colocação – externa para os sujeitos em causa e para o
sistema político, e estranha aos interesses particulares de um lado e aos gerais de
outro – se exprime no requisito da imparcialidade, e tem sua justificação ético-
política nos dois valores – a perseguição da verdade e a tutela dos direitos
fundamentais – mais acima associados à jurisdição. O juiz não deve ter qualquer
interesse, nem geral nem particular, em uma ou outra solução da controvérsia que é
chamado a resolver, sendo sua função decidir qual delas é verdadeira qual é falsa. Ao mesmo tempo, ele não deve ser um sujeito “representativo”, não devendo
nenhum interesse ou desejo – nem mesmo da maioria ou da totalidade dos cidadãos
– condicionar seu julgamento que está unicamente em tutela dos direitos subjetivos
lesados: [...] contrariamente aos poderes executivo e legislativo que são poderes da
maioria, o juiz julga em nome do povo, mas não da maioria, em tutela das liberdades
das minorias.336
335 FERRAJOLI, Luigi. O constitucionalismo garantista e o estado de direito. In: FERRAJOLI, Luigi; STRECK,
Lenio Luiz; TRINDADE, André Karam (Org.). Garantismo, hermenêutica e (neo) constitucionalismo: um
debate com Luigi Ferrajoli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012c. p. 253-254. 336 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
533-534.
151
E concluem, indicando e esclarecendo o que o garantismo denomina três perfis da
imparcialidade do juiz:
Chamarei equidistância ao afastamento do juiz dos interesses das partes em causa;
independência à sua exterioridade ao sistema político e em geral a todo o sistema de
poderes; naturalidade à determinação de sua designação e à determinação de suas
competências para escolhas sucessivas à comissão do fato submetido ao seu juízo.
Esses três perfis da imparcialidade do juiz requerem garantias orgânicas que
consistem do mesmo modo em separações: a imparcialidade requer a separação
institucional do juiz da acusação pública; a independência requer a sua separação institucional dos outros poderes do Estado e por outro lado a difusão da função
judiciária entre sujeitos não dependentes um do outro; a naturalidade requer
exclusivamente a sua separação de autoridades comissionadas ou delegadas de
qualquer tipo e a predeterminação exclusivamente legal das suas competências. É
supérfluo acrescentar, por fim, que a imparcialidade, além das garantias
institucionais que a suportam, forma um hábito intelectual e moral, não diverso do
que deve presidir qualquer forma de pesquisa e conhecimento.337
337 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
534. Ao examinar a equidistância como integrante da garantia da imparcialidade do juiz, Luigi Ferrajoli
enuncia que o distanciamento do magistrado em relação aos objetivos perseguidos pelas partes é impositivo
da ausência de qualquer interesse privado ou institucional do julgador na solução da causa. Assim, com foco
na área penal, o autor garantista registra que, no âmbito da aplicação do direito, o juiz não deve ter interesse
pessoal quanto ao acolhimento ou ao não acatamento de pretensão deduzida em juízo e, ainda, não deve
cumular as funções de acusador e decisor. De acordo com as cogitações ferrajolianas, para que a equidistância seja implementada no recinto de aplicação da normatividade jurídica, é indispensável que o
processo seja compreendido como “uma relação triangular entre três sujeitos, dos quais duas partes em causa
e um terceiro super partes: o acusador, o defensor e o juiz”, de modo a exprimir o processo como “actus
trium personarum, iudicis, actoris et rei: o juiz como terceiro sujeito separado da acusação”. Quando se
pronuncia sobre o juiz super partes, logo, o garantismo cinge-se a anunciar que, no processo, o magistrado
deve estar situado acima dos interesses em conflito, a fim de que a acusatoriedade não ceda à
inquisitoriedade. Apesar da aproximação dos termos integrantes do conceito de processo ferrajoliano com
aqueles que compõem a conceituação bülowiana de processo, nenhuma menção é feita em relação ao autor
alemão por Luigi Ferrajoli, que não se dedica a analisar os conceitos de processo já formalizados por teorias
diversas. A despeito disso, extrai-se do magistério ferrajoliano que a acusatoriedade processual garantista
exige “a separação e a divisão dos papéis entre os três sujeitos do processo: as duas partes da acusação e da
defesa, às quais competem respectivamente a prova e a refutação, e o juiz, terceiro a quem compete a decisão”. Com isso, nota-se que, pelo garantismo, além do processo exprimir-se por uma relação entre
pessoas, a decisão proferida no âmbito de aplicação do direito é apontada como ato de titularidade exclusiva
do julgador. Ratifica-se que o processo garantista consiste em mero instrumento para o exercício da
jurisdição, mostrando-se incapaz de controlar a atividade judicial, conforme acentuou André Cordeiro Leal,
ao enquadrar a teorização garantista no paradoxo de Bülow que pioneiramente conjecturou. Atesta-se que, de
modo incompatível com o Estado Democrático de Direito, o juiz garantista é supervalorizado no espaço de
aplicação jurídico-normativa, como assinalou Flaviane de Magalhães Barros. Nesse sentido, confira as
publicações de FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula
Zomer Sica, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2010a. p. 535 e 557-558; BÜLOW, Oskar von. La teoría de las excepciones procesales y los
presupuestos procesales. Traducción de Miguel Angel Rosas Lichtschein. Buenos Aires: EJEA, 1964. p. 1-17; LEAL, André Cordeiro. Instrumentalidade do processo em crise. Belo Horizonte: Mandamentos, 2008.
p. 65; BARROS, Flaviane de Magalhães. O paradigma do estado democrático de direito e as teorias do
processo. VirtuaJus – Revista Eletrônica, Belo Horizonte, ano 3, v. 1, 2004. Para acessar as correlações
teóricas entre a acusatoriedade e o processo como actum trium personarum, veja os escritos de MARQUES,
Leonardo Augusto Marinho. O Juiz moderno diante da fase de produção de provas: as limitações impostas
pela constituição. Revista da Faculdade de Direito do Sul de Minas, n. 24, p. 159-174, 2007. p. 162 e 173;
e de MARQUES, Leonardo Augusto Marinho; SANTIAGO NETO, José de Assis. A cultura inquisitória
mantida pela atribuição de escopos metajurídicos ao processo penal. Revista Jurídica Cesumar, v. 15, n. 2,
p. 379-398, jul./dez. 2015. p. 384-385.
152
Em outros termos, pelas cogitações ferrajolianas a respeito da imparcialidade judicial,
estabelece-se a inusitada conclusão no sentido de que a solução imparcial é a decisão do
magistrado que, no exercício da atividade jurisdicional, deve privar-se de orientações políticas
em face de sua sujeição à lei, cujo significado válido a própria jurisdição fixa pelo
desempenho de uma atividade interpretativa que, segundo a teoria garantista, é sempre
orientada por opções políticas e, ainda, morais do julgador. Firma-se o insólito arremate de
que a solução imparcial é a decisão do juiz que, de modo desinteressado, determina a verdade
jurídica com base em uma lei que, por sua incompletude fatal, não é capaz de regular a sua
própria atuação sem o emprego da discricionariedade judiciário-garantista. Assenta-se que a
solução imparcial é a decisão do julgador que não deve estar condicionada à vontade da
maioria, uma vez que o juiz decide em nome do povo, o qual, por sua vez, é excluído da
coautoria decisória pela inobservância garantista da isocrítica e da isomenia.
A solução imparcial garantista, dessa forma, identifica-se com a decisão que é
proferida por um juiz que preenche as condições orgânicas e culturais que permitam aferir a
sua assepsia.338
Trata-se de uma qualificação decisória que leva em conta as virtudes que
dotam a pessoa do julgador solitário e que deixa de sopesar que, no direito não dogmático, “o
juiz, como agente do juízo (que é o órgão estatal judicante), não é mais o sujeito processual
cognoscente que, por enunciados solipsistas, mostra-se como fonte decisional”.339
É que, como observa Rosemiro Pereira Leal, em uma perspectiva processual-
democrática, o âmbito de aplicação do direito é um locus aberto ao decisor para que este atue
em consonância com os juízos jurídicos pertinentes ao marco teórico do Estado Democrático
de Direito.340
Se essa atuação prende-se a opções discricionárias que negam acatamento ao
devido processo, o recinto de aplicação do direito assume a condição de mero espaço
permissivo da atuação de uma normatividade que não se sujeita à fiscalidade pelo povo total.
Nessa hipótese, que é acolhida pelo garantismo, a imparcialidade do julgador encontra-se,
também, “agregada ‘ao estado de exceção’ em que o juiz se coloca in-parte, isto é, numa
338 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.
534. 339 LEAL, Rosemiro Pereira. O estar em juízo democrático. In: AURELLI, Arlete Inês et al (Coord.). O direito
de estar em juízo e a coisa julgada: estudos em homenagem a Thereza Alvim. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2014. p. 371. 340 LEAL, Rosemiro Pereira. O estar em juízo democrático. In: AURELLI, Arlete Inês et al (Coord.). O direito
de estar em juízo e a coisa julgada: estudos em homenagem a Thereza Alvim. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2014. p. 371-374; LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos. 13. ed.
rev., atual. e aum. Belo Horizonte: Fórum, 2016a. p. 197.
153
dimensão particular, privativa ao fetiche do seu poder de encarceramento dos sentidos
normativos”.341
Pelos conteúdos informativos da proposição garantista, portanto, enuncia-se uma
teoria da decisão do juiz imparcial, que não se apresenta apta a permitir o afastamento do
privilégio da significação do discurso da lei válida escolhida pelo magistrado para a regência
do suposto de fato. Pelas lições de Luigi Ferrajoli, a decisão é tão somente um ato revelador
da escolha prática entre alternativas interpretativas possíveis realizada pela pessoa do julgador
imparcial que, solitariamente, atribui sentido ao discurso da lei válida que discricionariamente
aplica ao acertamento de direitos afirmados ou negados.
Com efeito, mesmo que tomada por um juiz que preencha os requisitos da
equidistância, da independência e da naturalidade, por uma cogitação processual-democrática,
a decisão garantista nunca será imparcial (in-parcial), isto é, jamais será um ato procedimental
que, adstrito ao sistema jurídico estabilizado pelo devido processo, explicite a atuação jurídica
da integralidade (não parcialidade) dos integrantes da comunidade jurídica dos legitimados ao
processo, desde os níveis instituinte e coinstituinte do direito que é aplicado no nível
constituído.
A recepção ferrajoliana da incompletude fatal da lei e da proibição do non liquet, com
decorrente entrega da fixação do sentido normativo válido ao julgador que deve ser imparcial,
é impediente do exercício da isomenia e, por consequência, impositiva de uma
imprevisibilidade decisória incompatível com o paradigma do Estado Democrático de Direito.
Pelo acolhimento garantista da lógica imposta pela ciência dogmática do direito, é
estabelecido, em prol do magistrado, o monopólio de escolha da norma válida regente do
suposto de fato e, em desfavor dos demais integrantes da comunidade jurídica dos legitimados
ao processo, é ofertada uma integral incognoscibilidade quanto à construção de seu destino
jurídico.
Assim, a decisão garantista erige-se como ato procedimental exclusivo da pessoa do
juiz que, diante de falibilidades normativas, investe-se em uma atividade interpretativa que,
sendo implementada por via de opções discricionárias concretizadoras do poder judicial de
verificação jurídica e do poder judicial de valoração ético-política, apresenta-se supressora do
exercício do igual direito de interpretação para todos, tornando inócuo, para as partes, o
341 LEAL, Rosemiro Pereira. Fundamentos democráticos da imparcialidade judicial no direito brasileiro. Revista
Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 24, n. 93, p. 271-274, jan./mar. 2016c. p.
272.
154
direito de sua autoinclusão na autoria de uma decisão atrelada aos sentidos normativos já
processualmente fixados no sistema jurídico.
De conseguinte, o que se extrai da teorização ferrajoliana sobre a decisão do juiz
imparcial é que esta não apenas acolhe o caráter discutível da verdade jurídica das teses
explicitadas pelo juiz na motivação decisória. A decisão do juiz imparcial não somente deixa
de se apresentar como a solução objetivamente verdadeira ou como a única resposta correta
por reconhecer a existência de divergências interpretativas condutoras de múltiplas respostas
deferidas à escolha prática do julgador no espaço de atuação da normatividade jurídica. Pelo
garantismo, a decisão do juiz imparcial é a formalização de uma resposta não acertada
processualmente, ou seja, é a decisão que não decorre de um acertamento de direitos que se
implemente mediante acatamento irrestrito do devido processo que, atuando desde o nível
instituinte do direito, apresenta-se como interpretante que situa a integralidade dos integrantes
da comunidade jurídica de legitimados ao processo em simétrica paridade interpretativa.342
De acordo com a proposição garantista, por consectário, a imparcialidade não é
enunciada como um instituto jurídico-democrático determinativo da produção de decisões sob
a regência do devido processo como “eixo sistêmico (construtivo operativo) da
coinstitucionalidade”.343
A imparcialidade é um atributo ligado ao intérprete-decisor, que, se
não for preenchido no âmbito da aplicação jurídico-normativa, causará uma indesejada
ruptura na relação de fidúcia que deve mediar a jurisdição e os cidadãos e que se exprime pela
“confiança [dos cidadãos] na imparcialidade do juízo dos juízes, confiança em sua
honestidade e em sua lisura intelectual e moral, confiança em sua competência técnica e em
sua capacidade de julgamento.”344
Daí, pelos escritos ferrajolianos, é teorizado um garantismo jurisdicionalista que, para
cumprir os seus objetivos no recinto de aplicação do direito, entrega aos juízes exercentes da
jurisdição a atividade de eleição discricionária da norma válida cabível ao acertamento de
direitos afirmados e negados, a qual se encontra atrelada à concretização de uma interpretação
jurídica que é monopolizada por magistrados que devem ser imparciais. No garantismo de
Luigi Ferrajoli, não se cogita o devido processo como uma instituição linguístico-jurídica que
342 LEAL, Rosemiro Pereira. O estar em juízo democrático. In: AURELLI, Arlete Inês et al (Coord.). O direito
de estar em juízo e a coisa julgada: estudos em homenagem a Thereza Alvim. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2014. p. 373. 343 LEAL, Rosemiro Pereira. A teoria neoinstitucionalista do processo: uma trajetória conjectural. Belo
Horizonte: Arraes, 2013. p. 10. (Coleção Professor Álvaro Ricardo de Souza Cruz, v. 7). 344
FERRAJOLI, Luigi. Jurisdição e consenso. Revista Brasileira de Estudos Constitucionais – RBEC, Belo
Horizonte, ano 4, n. 16, out./dez. 2010b.
155
rompe com a personalização da fidúcia no espaço de atuação do direito, a partir da atribuição
do status de direito-garantia ao contraditório, à ampla defesa e à isonomia.345
Por uma perspectiva ferrajoliana, aliás, até mesmo os direitos fundamentais são
garantidos por juízes que devem preencher as virtudes relativas à imparcialidade para que
possam gozar da confiança dos cidadãos. A primazia da Constituição a que faz referência a
teoria garantista somente se aperfeiçoa pela atividade jurisdicional que, por meio dos
magistrados que a exercem, também diz o que os direitos fundamentais querem dizer. Se, por
um lado, “a lacuna (hiância significacional) na teoria neoinstitucionalista só pode ser decidida
(resolvida) ad hoc (nos sistemas jurídico-políticos abertos à crítica) na malha discursivo-
principiológico-processual instituinte e constituinte do direito constituído
(constitucionalizado)”,346
na teoria garantista, também o privilégio da significação do discurso
constitucional é atribuído aos julgadores que, para permanecerem auferindo a condição de
depositários da confiança dos cidadãos, devem fixar o sentido da norma que escolheram
aplicar de modo discricionário e imparcial.
Por negar acolhimento a um garantismo democrático-processual,347
a proposição
formalizada por Luigi Ferrajoli não se mostra apta a provocar uma ruptura teórica com a
345 LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos. 13. ed. rev., atual. e aum. Belo
Horizonte: Fórum, 2016a. p. 406. 346 LEAL, Rosemiro Pereira. A principiologia jurídica do processo na teoria neo-institucionalista. In:
TAVARES, Fernando Horta (Coord.). Constituição, direito e processo: princípios constitucionais do
processo. Curitiba: Juruá, 2007. p. 287. 347 No ano de 2003, Rosemiro Pereira Leal ofertou à comunidade acadêmica o ensaio denominado O Garantismo
Processual e Direitos Fundamentais Líquidos e Certos. A partir daí, intensificou a apresentação de
conjecturas testificadoras de um garantismo que se implemente por via de uma jurisdição monopolizadora da
atividade aplicativa das leis, em relação às quais o magistrado deve fixar o significado normativo. Esse é o
garantismo que esta tese denomina jurisdicionalista e que em nada se confunde com o garantismo processual-democrático teorizado pela proposição neoinstitucionalista do processo que, por ser pré-cognitivista,
desvincula a fixação do significado do discurso legal da pessoa do juiz-intérprete para ligá-la ao devido
processo como interpretante balizador dos limites hermenêuticos do sistema jurídico. No ensaio referido,
Rosemiro Pereira Leal chega a apontar a imprestabilidade do garantismo ferrajoliano para o direito
democrático, uma vez que, para a teoria neoinstitucionalista do processo, “Nenhuma garantia, na concepção
democrática, é assegurada na significância pragmático-lingüística do decididor solitário e asséptico”. LEAL,
Rosemiro Pereira. O garantismo processual e direitos líquidos e certos. In: MERLE, Jean-Christophe;
MOREIRA, Luiz (Org.). Direito e legitimidade. São Paulo: Landy, 2003. p. 336. É de se afastar, também
por isso, a adesão teórica da proposição neoinstitucionalista do processo ao movimento rotulado de
Garantismo Processual que, por escritos formalizados por autores europeus e americanos, destaca-se por
interrogar os fundamentos do movimento intitulado Ativismo Judicial. Não obstante Rosemiro Pereira Leal já tenha sido indicado por Glauco Gumerato Ramos como um dos adeptos daquele movimento, trata-se de
um grave equívoco. É que, a despeito de encampar estudos que objetivam anunciar a relevância da
principiologia do processo no âmbito da aplicação do direito, o movimento denominado Garantismo
Processual não reflexiona sobre a atuação do devido processo desde o nível instituinte do direito e, de
conseguinte, sobre o pleito democrático de instalação de uma hermenêutica isomênica – como faz a teoria
neoinstitucionalista do processo. É, nesse sentido, que, para Rosemiro Pereira Leal, o próprio debate
instalado entre garantistas e ativistas consiste em “mera falácia, de vez que tanto o garantismo (primazia da
constituição) quanto o ativismo (atuação judicial jurisprudencializada) depositam a interpretação do direito
nos dogmas de certeza do sentido normativo ditado pela auctoritas.” LEAL, Rosemiro Pereira. O caráter
156
estrutura de dominação secularmente imposta pela ciência dogmática do direito. Ao
recepcionar a incompletude fatal da lei como espaço privativo do intérprete-juiz imparcial
que, por meio de decisões discricionárias, fixa o sentido do discurso da lei constitucional ou
infraconstitucional, explícita ou implícita, que escolhe aplicar, a teoria ferrajoliana não
garante à comunidade jurídica de legitimados ao processo o direito ao devido processo.
oculto do sentido normativo no novo CPC. In: CASTRO, João Antônio Lima; FREITAS, Sérgio Henriques
Zandona (Coord.). Direito processual: estudo democrático da processualidade jurídica constitucionalizada.
Belo Horizonte: PUC Minas – Instituto de Educação Continuada, 2012. p. 188. Sobre o movimento chamado
de Garantismo Processual, confira, especialmente, as publicações de RAMOS, Glauco Gumerato. Ativismo e
garantismo no processo civil: apresentação do debate. Revista MPMG Jurídico, Belo Horizonte, n. 18, p. 8-
15, out./dez. 2009. p. 8; RAMOS, Glauco Gumerato. Aspectos semânticos de uma contradição pragmática. O
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Ativismo judicial e garantismo processual. Salvador: Juspodivm, 2013. p. 245-271; CIPRIANI, Franco. Il
processo civile tra vecchie ideologie e nuovi slogan. In: CIPRIANI, Franco. Il processo civile nello stato
democratico. Napoli: Edizione Schientifiche Italiane, 2010. p. 109-121; DEHO, Eugenia Ariano. En los abismos de la “cultura” del proceso autoritario. In: MONTERO AROCA, Juan (Coord.). Proceso civil e
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Los principios políticos de la nueva ley de enjuiciamento civil: los poderes del juez y la oralidad.
Valencia: Tirant lo blanch, 2001; PICÓ I JUNOY, Joan. El derecho procesal entre el garantismo y la eficacia: un debate mal planteado. In: MONTERO AROCA, Juan (Coord.). Proceso civil e ideologia: un prefacio, una
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procesal. Rosario: Editorial Librería Juris, 2010; GUEDES, Jefferson Carús. Direito processual social atual:
entre o ativismo judicial e o garantismo processual. In: DIDIER JR., Fredie et al (Coord.). Ativismo judicial
e garantismo processual. Salvador: Juspodivm, 2013. p. 351-381.
157
5 CONCLUSÃO
Após submetidos os fundamentos da teoria ferrajoliana à falseabilidade, sustenta-se a
tese de que o garantismo apresenta-se como uma proposição inapta a oferecer respostas
consistentes ao problema da crise de democraticidade jurídico-decisória. Com base nos
conteúdos informativos da proposição neoinstitucionalista do processo, que foi adotada como
marco teórico da pesquisa instrutiva da tese formalizada, enuncia-se a imprestabilidade de
uma oferta proposicional que acolhe a possibilidade de que a normatividade seja
operacionalizada em consonância com as cogitações da ciência dogmática do direito.
Pelos resultados falíveis advindos dos severos testes de compatibilidade teórico-
democrática que foram realizados, extrai-se que, quando aborda a temática da aplicação
jurídico-normativa, o garantismo recepciona o pressuposto dogmático de que a lei é sempre
acometida por uma incompletude fatal para, a partir desse acolhimento, asseverar o vazio
normativo como recinto de atuação jurisdicional desprocessualizada. É que, de acordo com a
teoria garantista, a atividade aplicativa do direito vale-se de um silogismo e a identificação da
norma cabível para a regência do suposto de fato é necessariamente atrelada ao exercício da
discricionariedade judicial que, embora parcialmente problematizada pela proposição
ferrajoliana, aufere relevância no âmbito da fixação garantista do significado da legalidade
que se oferta à aplicação, bem como da certificação da validade do sentido normativo.
Ao não formular uma tematização adequada da proibição do non liquet, bem como ao
se entregar à discricionariedade exercida pela pessoa do juiz, a qual ora é apontada por Luigi
Ferrajoli como insuprimível, ora é assinalada como indispensável à operacionalização do
direito, o garantismo deixa de teorizar a indispensabilidade do devido processo nos recintos
de produção e de atuação do direito. Por uma pespectiva garantista de aplicação da
normatividade, destaca-se o julgador que, sendo ou não imparcial, por sua decisão, preenche o
vazio jurídico inaugurado pela falibilidade normativa e, de conseguinte, obsta à comunidade
jurídica de legitimados ao processo o exercício da isocrítica e da isomenia.
Daí, é possível conjecturar que, no âmbito da aplicação do direito, a decisão garantista
nunca assumirá o status de uma decisão jurídica imparcial. O magistrado garantista é o titular
do privilégio da significação do discurso da lei válida que, discricionariamente, elege à
regência do suposto de fato e a decisão garantista consiste tão somente em um ato revelador
da escolha prática entre alternativas interpretativas possíveis concretizada pelo julgador, a
qual sempre se encontra orientada por opções morais e políticas deste intérprete qualificado
da estatalidade dogmática.
158
Ainda que seja prolatada por um juiz imparcial, portanto, por uma cogitação
processual-democrática, a decisão garantista nunca será imparcial (in-parcial), porque jamais
será um ato procedimental que, adstrito ao sistema jurídico estabilizado pelo devido processo,
explicite a atuação jurídica da integralidade (não parcialidade) dos integrantes da comunidade
jurídica de legitimados ao processo, desde os níveis instituinte e coinstituinte do direito que é
aplicado no nível constituído.
No espaço de aplicação do direito, assim, a teorização ferrajoliana garante à
comunidade jurídica de legitimados ao processo a sua exclusão permanente quanto à tomada
de decisões construtivas de seu próprio destino jurídico.
159
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