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FACULDADE MERIDIONAL - IMED
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM DIREITO – PPGD
CURSO DE MESTRADO EM DIREITO
ÁGUA, DIREITO E VIDA: REFLEXÕES A PARTIR DA CRISE DA
ÁGUA
LUANA ROCHA PORTO CAVALHEIRO
Passo Fundo, 2015
COMPLEXO DE ENSINO SUPERIOR MERIDIONAL - IMED
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM DIREITO – PPGD
CURSO DE MESTRADO EM DIREITO
ÁGUA, DIREITO E VIDA: REFLEXÕES A PARTIR DA CRISE DA
ÁGUA
LUANA ROCHA PORTO CAVALHEIRO
Dissertação submetida ao Curso
de Mestrado em Direito do
Complexo de Ensino Superior
Meridional – IMED, como
requisito parcial à obtenção do
Título de Mestre em Direito.
Orientador: Professor Doutor Fábio Correa Souza de Oliveira
Passo Fundo, 2015.
CIP – Catalogação na Publicação
C376a Cavalheiro, Luana Rocha Porto
Água, direito e vida : reflexões a partir da crise da água / Luana Rocha Porto Cavalheiro. – 2015.
92 f. : il. ; 30 cm.
Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade Meridional – IMED, Passo Fundo, 2015.
Orientação: Professor Doutor Fábio Correa Souza de Oliveira.
1. Água - Preservação. 2. Recursos hídricos. 3. Direito ambiental. I. Oliveira, Fábio Correa Souza de, orientador. II. Título.
CDU: 349.6
Catalogação: Bibliotecária Angela Saadi Machado - CRB 10/1857
3
4
.
À minha mãe, ao meu irmão e à minha tia
Fernanda pelo incentivo, apoio e compreensão.
AGRADECIMENTOS
A minha mãe Venilda Terezinha Rocha Porto, ao meu irmão Paulo Neri
Antunes Cavalheiro Filho e à minha tia Fernanda Almerinda Rocha Porto pelo
apoio, incentivo e compreensão durante todo o curso de mestrado e, o que foi
fundamental para concluir mais essa etapa acadêmica de estudos em minha vida.
Ao professor Dr. Fábio Corrêa Souza de Oliveira por compartilhar seu
conhecimento acadêmico, oriantando-me o caminho para construir essa pesquisa.
Agradeço pela sabedoria e por ter me possibilitado uma nova maneira de pensar
sobre o Direito.
Aos professores Doutores Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino e
Salete Oro Boff pelo empréstimo de obras durante todo o curso do mestrado, pelo
apoio e pela amizade.
Aos colegas de mestrado: Ana Cristina, Mayara Pellenz, Eduardo
Medina, Cristina Bohrer, Marlon Kamphorst, Pablo Simor e Cassiano Callegari por
compartilharem momentos importantes nessa jornada.
Aos amigos, que embora não foram mencionados, mas contribuíram
para a construção desta pesquisa.
E por fim, a Deus, pelos momentos de superação e pela oportunidade
de concluir esta pesquisa.
RESUMO
Esta dissertação está inserida na Linha de Pesquisa Fundamentos do Direito e da
Democracia. A sua composição teórica pretende descrever algumas éticas
ambientais, como: ética antropocêntrica, ética animal, ética ecocêntrica, ética do
cuidado, ética da vida e ética da alteridade. Analisar-se-à algumas leis que
protegem água, especilamente no Brasil e na Bolívia, bem como algumas
convenções, tratados e cúpulas da ONU e, por fim, refletir porque a ética do
cuidado faz uma relação melhor que a ética antropocêntrica na proteção da água.
A sociedade atual é complexa e demanda uma atenção especial quando o
assunto é a natureza. Um dos objetivos deste trabalho é a conscientização dos
indivíduos em ter atitudes responsáveis na preservação da água doce e potável.
Somente com atitudes sustentáveis do ser humano pode-se reestabelecer o
equilibrio ao meio ambiente, bem como, poder-se-á ter uma melhor qualidade de
vida nas futuras gerações.
Palavras-chave: Ética; Água; Proteção; Cuidado;
ABSTRACT
This thesis is in the Linha de Pesquisa Fundamentos do Direito e da Democracia
(fundamentals of the law and democracy – research line). Its theoretical
composition is intended to describe some environmental ethics, like:
anthropocentric ethics, animal ethics, ecocentric ethics, care ethics, life ethics and
ethics of otherness. It will analyze some water protection laws, especially in Brazil
and Bolivia, as well as some ONU’s conventions, agreements and domes, and, at
last, understand why anthropocentric ethics doesn’t relate to water security as
care ethics does. Our current society is rather complex and needs special
attention when talking about the environment. One of this thesis’ objectives is to
aware individuals to act responsibly in preserving fresh and drinkable water. Only
with human action can the environment maintain balance, so future generations
may have a better quality of life.
Key-words:Ethics; water; protection; Care.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CRFB/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 CC/2002 Código Civil Brasileiro de 2002 CONAMA Conselho Nacional do Meio Ambiente ONU Organização das Nações Unidas UNASUL Unisão de nações sul-americanas
SUMÁRIO
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS................................................................9
INTRODUÇÃO ..................................................................................................... .11
CAPÍTULO 1 ......................................................................................................... 13
A CONDIÇÃO ÉTICA DA NATUREZA ................................................................ 13 1.1 BREVE CONTEXTO HISTÓRICO DA ÉTICA AMBIENTAL ............................ 13 1.1.1 As éticas e a natureza.................................................................................19 1.1.1.1 Antropocêntrismo....... ............................................................................ 21 1.1.1.1.2 Ética animal (biocentrismo mitigado) ................................................. 24 1.1.1.1.3 Ética ecocêntrica...................................................................................29 1.1.1.1.4 Ética do cuidado...................................................................................33 1.1.1.1.5 Outras éticas.........................................................................................35
CAPÍTULO 2..........................................................................................................42
ABORDAGEM GERAL DA PROTEÇÃO DA ÁGUA ............................................ 42 2.1 A ÁGUA NA ONU ............................................................................................ 42 2.2 A NOVA CODIFICAÇÃO DA AGUA..................................................................52 2.3 A PROTEÇÃO DA ÁGUA NO BRASIL............................................................55 2.3.1 Água na Constituição Federal de 1988.....................................................55 2.3.2 Legislação infraconstitucional brasileira das águas...............................58 2.3.3 Código de Águas.........................................................................................59 2.3.4 Política Nacional de Recursos Hídricos...................................................61 2.3.5Código Civil Brasileiro e a proteção da água............................................65 2.3.6 Resoluções do CONAMA sobre a água .................................................... 67
CAPÍTULO 3 ......................................................................................................... 69
IMPORTÂNCIA DA ÁGUA PARA A PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE NATURAL E PARA A MANUTENÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE VIDA....... 69 3.1 A CRISE: SINAIS DO FIM DE UMA ÉTICA ................................................... .69 3.2 RELAÇÃO DA ÉTICA DO CUIDADO COMO MEIO POSSÍVEL DA REFLEXÃO
E TRANFORMAÇÃO DESSE PARADIGMA EXPLORADOR ................................ 78
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 83
REFERÊNCIAS .................................................................................................... 86
INTRODUÇÃO
A presente dissertação pertence a linha de pesquisa “Fundamentos
do Direito e da Democracia”. Constitui objeto dessa investigação o estudo da
ética ambiental, bem como alguns aspectos protetivos da água, especialmente
no Brasil e na Bolívia e, a falta de ética na utilização desse elemento da
natureza essencial à manutenção da vida no planeta. O objetivo institucional da
presente pesquisa é a obtenção do Título de Mestra em Direito pelo Programa
de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito – PPGD - do Complexo de Ensino
Superior Meridional - IMED.
Quanto aos objetivos investigatórios, a pesquisa apresenta como
objetivo principal pesquisar modelos de proteção legal da água e fazer algumas
reflexões em torno da ética, especialmente a ética do cuidado na preservação
e proteção da água. Os objetivos específicos desta pesquisa são, portanto: a)
Abordar a ética ambiental; b) Descrever os tipos de éticas ambientais
existentes; c) Abordar alguns orgãos que protegem a água no mundo; d)
Analisar algumas leis protetivas da água, especialmente no Brasil e Bolívia; e)
Averiguar se a falta de ética na utilização da água levou a crise d’água
vivenciada atualmente; f) Descrever porque a ética do cuidado é melhor que a
ética antropocêntrica na proteção e utilização da água.
O uso da água é matéria de estudos em todo o planeta, porque a
água é finita e, indispensável para a manutenção da vida no planeta Terra. O
problema é a forma de compreender a natureza, os outros seres vivos não
integrantes da humanidade, de modo a compreender como a água é entendida
e como deveria ser entendida em termos morais. Água de quem, para quem?
Como hipótese de resolução do problema, previamente entende-se
que a água é associada à vida. Não se constituem ou se mantém vida no
planeta sem o elemento água. Diante disso, desprover o ambiente de água de
qualidade é desprover o planeta de vida. Além disso, não é somente os seres
humanos que necessitam de água potável para sobreviver, mas sim, todos os
seres vivos. Dessa forma, para ajudar na educação e preservação da água
existem leis para a sua proteção e, as atitudes sustentéveis, com base na ética
do cuidado, também ajudam a regular a proteção da água.
12
O método de abordagem utilizado para a realização deste trabalho é
uma análise interpretativa de dados bibliográficos (paradigma interpretativo),
com estudo de caso.
Assim, nessa pesquisa, no primeiro capítulo, é apresentado o
contexto histórico da ética ambiental, fazendo uma classificação das éticas e
da natureza, ou seja, abordando alguns tipos de éticas ambientais, como: a
ética antropocêntrica, a ética ecocêntrica, a ética animal, a ética do cuidado, a
ética da vida e a ética da alteridade.
No segundo capítulo, são estudadas algumas convenções, tratados
e cúpulas da ONU que abordam a temática sobre a água até os dias de hoje.
Também são abordadas algumas leis protetivas das águas, especialmente no
Brasil e na Bolívia.
No terceiro capítulo estuda-se se a crise da água existe pela falta de
ética na sua utilização e, verifica-se por que a ética do cuidado faz uma relação
melhor na proteção da água do que a ética antropocêntrica.
Por fim, não menos importante, apresentam-se algumas
considerações sobre o estudo, confirmando-se a hipótese e também outras
situações abordadas no desenvolvimento do trabalho.
13
CAPÍTULO 1
A CONDIÇÃO ÉTICA DA NATUREZA
A sociedade atual demanda a atenção especial para questões
ambientais, pois as atitudes dos seres humanos em relação a natureza
deixaram o meio ambiente em desequilibrio. Para uma redefinição desse
modelo insustentável utilizado pela maioria dos seres humanos tem-se a ética
ambiental. A ética ambiental visa encontrar uma alternativa para a degradação
da natureza na sociedade que atualmente se apresenta.
1.1 BREVE CONTEXTO HISTÓRICO DA ÉTICA AMBIENTAL
A história demonstra que a humanidade desenvolveu-se explorando
a natureza. As agressões ao meio ambiente começaram há muito tempo, vez
que o interesse do desenvolvimento humano e a busca pelo progresso
econômico são as principais causas da degradação ambiental. Foi
principalmente após o processo de industrialização, quando se buscou um
desenvolvimento ecônimo a qualquer custo, que os seres humanos acabaram
por não respeitar a natureza, exercendo poder sobre ela e utilizando-a de
maneira meramente instrumental. Esse processo acabou afetando o futuro do
planeta e dos próprios seres humanos.
Segundo Acosta (2010), o modelo capitalista global incentiva o
extrativismo e colabora para o uso desmedido da natureza. A sociedade que
atualmente se apresenta é complexa, dinâmica e demanda de atenção especial
para questões naturais que foram há muito tempo deixadas de lado e colocado
o homem, como centro do universo. O homem com seu antropocentrismo,
deformou regiões, desmatou florestas, provocou queimadas e emitiu muito gás
carbônico, entre outras ações degradantes à natureza e seus elementos. É,
principalmente, pela ação humana que o meio ambiente está em desequilíbrio.
Esse modelo insustentável de desenvolvimento requer uma redefinição, ou
seja, incorporar uma efetiva preocupação com a natureza.
14
Dessa forma, a ética ambiental visa encontrar uma alternativa face à
degradação do meio ambiente na sociedade pós-moderna. Para isso, Hans
Jonas (2006) propõe uma ética fundada no princípio da responsabilidade, ou
seja, o ser humano deve assumir voluntariamente a sua responsabilidade
frente as suas atitudes em relação à natureza.
É dificil especificar o momento exato sobre a história do surgimento
do movimento ambientalista que inspirou a ética ambiental, pois não teve um
começo claro ou um acontecimento único. Emergiu em lugares diferentes e
tempos diferentes e geralmente por motivos diferentes. (McCORMICK, 1992).
Dessa forma,
O movimento ambiental não teve um começo claro. Não houve
um acontecimento isolado que inflamasse um movimento de massas,
nenhum grande orador ou profeta que surgisse para incendiá-Ias,
poucas grandes batalhas perdidas ou ganhas e poucos marcos
dramáticos. O movimento não começou num país para depois
espalhar-se em outro; emergiu em lugares diferentes, em tempos
diferentes e geralmente por motivos diferentes. As questões
ambientais mais antigas eram questões locais. Uma vez
compreendidos os custos mais imediatos e pessoais da poluição, da
caça ou da perda das florestas, os indivíduos formaram grupos, que
formaram coalizões, que se tornaram movimentos nacionais e,
finalmente, um movimento multinacional. Esta evolução foi episódica,
com períodos de expansão dinâmica intercalados por tempos de
sonolência (MCCORMICK, 1992, p. 21).
Explica McCormick (1992), que a ética ambiental teve origem mais
forte no Século XIX, mais ao final do século, nos Estados Unidos, tendo como
referencia John Muir, considerado como pai dos parques florestais e, estaria
em tese rompendo com uma visão antropocêntrica para uma linha ecocêntrica.
Destaca o referido autor o surgimento de grupos de proteção aos
animais e às florestas nas antigas colôniais inglesas na África e na Austrália,
bem como, o debate entre duas correntes surgidas nos Estados Unidos,
preservacionistas e conservacionistas. Os preservacionistas eram liderados por
John Muir e lutavam pela preservação das florestas virgens. Os
conservacionistas eram defendidos por Gifford Pinchot, primeiro chefe do
serviço florestal dos EUA, que é a experiencia precursora em todo o mundo
15
nesse viés, e propagavam a ideia de exploração responsável da natureza e de
sustentabilidade.
Assim
Na virada do século, o ambientalismo americano se dividiu em
dois campos: os preservacionistas e os conservacionistas. Os
primeiros buscavam preservar as áreas virgens de qualquer uso que
não fosse recreativo ou educacional, e os últimos explorar os
recursos naturais do continente, mas de modo racional e sustentável.
A visão dos primeiros era talvez filosoficamente mais próxima do
ponto de vistado protecionismo britânico; os segundos se fundavam
na tradição de uma ciência florestal racional da variedade alemã.
Como campeão da preservação das áreas virgens, ninguém poderia
rivalizar com o naturalista John Muir. Suas primeiras lutas foram
importantes para a criação do Parque Nacional de Yosemite em 1890,
a primeira reserva conscientemente designada à proteção de áreas
virgens. Incentivado por esse sucesso, mas cauteloso relativamente à
necessidade de observar mais de perto as reivindicações de
utilização das áreas virgens, Muir ajudou a fundar em 1892 o Sierra
Club, o qual trabalhou para tornar as regiões montanhosas da costa
do Pacífico acessíveis àqueles que buscavam usufruir das áreas
virgens (MCCORMICK, 1992, p. 30-31).
O primeiro Parque Nacional Ambiental criado nos EUA em 1890 foi o
Parque Yosemite, criado como parque estadual e depois transformado em
parque nacional. John Muir começou um trabalho de recuperação das árvores
devido ao processo de exploração da natureza e sustentava que, algumas
areas não devem estar à disposição dos seres humanos para atender os
interesses econômicos.
Em 1949, Aldo Leopold, engenheiro florestal, escreveu seu livro a
“Ética da terra”, no qual o que importa efetivamente é a manutenção do
ecossistema. Segundo Leopold a ética deve se dar sob esse prisma, por isso é
chamada de ética ecocêntrica. Este livro foi o ponto de partida para a mudança
de um paradigma antropocêntrico para ecocêntrico.
Nesse sentido, Callicott (1980) explica que, o princípio da ética da
terra capta apenas um segmento de moralidade, vez que além de se fazer
parte da comunidade biótica, tornam-se membros de outras comunidades mais
específicas e tem-se obrigações que decorrem da pertença a essas
comunidades.
16
Como visto, a ética ambiental e a preocupação com a natureza, vem
sendo estudada há décadas, mas o período de maiores mudanças na
revolução ambiental se verificou a partir de 1962. As décadas de 60 e 70 são
marcos muito importantes na questão ambiental.
Em 1962, Rachel Carson demonstrou a sua preocução sobre o
tema meio ambiente, fazendo uma abordagem sobre o uso de pesticidas, em
seu livro “A Primavera Silenciosa”, sendo uma das primeiras autoras a abordar
o tema. Neste sentido,
Apesar de seu tema aparentemente impenetrável, pesticidas e
inseticidas sintéticos, Silent Spring tocou num ponto sensível de seus
leitores, vendeu meio milhão de cópias encadernadas, permaneceu
na lista dos mais vendidos do New York Times por 31 semanas, e
incitou a criação de um grupo consultivo presidencial sobre pesticidas
(MCCORMICK, 1992, p. 63).
Começaria aqui uma nova revolução ambiental, a mensagem do
livro era clara e teve grande influência moral. Explica McCormick que, “O
debate público sobre pesticidas continuou através dos anos sessenta e doze
das substâncias mais tóxicas listadas em Silent Spring foram proibidas ou
sofreram restrições “ (1992, p.71).
Até os anos 60, muito pouco era feito para preservar, proteger e
conservar a natureza. A natureza tinha explicitamente valor instrumental para o
homem, de forma que a humanidade se utilizava da natureza como esta não
fosse finita. Com a revolução ambiental e uma ética ambiental cada vez mais
forte os seres humanos foram se dando conta que necessitavam da natureza
para a sua própria sobrevivência e a exploração irrestrita da natureza não
poderia mais acontecer.
Na década de 70, o noruegano Arne Naess, deu originem ao que se
chama de Ecologia Profunda1, ampliando a temática do ecocentrismo. Naes
(1995) foi o inventor da ecologia profunda. Segundo o autor, a ecologia
profunda vem tentando construir uma ruptura com essa visão antropocêntrica
(ecologia rasa), levando em consideração os direitos dos animais não-
1 O objetivo do movimento da ecologia profunda é pela promoção de mudanças sociais, pois o modo de vida da sociedade atual é antropocêntrico (DEVALL, 2001).
17
humanos, e outras espécies de seres vivos que existem no planeta,
combatendo a degradação da natureza, na presença do ecocentrismo2.
Além disso, também na década de 70, vários outros autores vieram
a contemplar a ética ambiental. Tem-se a ética animal, que não é uma ética
ecocêntrica, e sim uma ética individualista, pois para a ética animal o valor
intrínseco está no indivíduo e não no ecossistema. Nesse sentido, Tom Regan
veio a inovar com o direito dos animais, juntamente com Peter Singer em seu
livro “Ética Prática”, transforma a noção da ética para além da vida humana,
trazendo uma visão bem ampla do assunto.
Nos anos seguintes ocorreram vários movimentos, cúpulas e
declarações que trataram sobre a sustentabilidade e a preservação do meio
ambiente, como a Declaração do Meio Ambiente gerada pela Conferência da
ONU, ocorrida em 1972 em Estocolmo3. Também surgiram a Declaração
Universal dos Direitos da Mãe Terra4, o Protocolo de Quioto5, os princípios da
Agenda 216, a ECO-92 – sediada no Brasil em 1992-, a Cúpula Mundial sobre
o Desenvolvimento Sustentável em 2002, a Rio+20 - sediada no Brasil em
2012 -, entre tantos outros.
Foi apresentado em 1987, pela Comissão Mundial da ONU sobre o
2 O ecocentrismo afasta o homem do centro do universo e inclui a imagem de um ambiente completo e relacional (DEVALL, 2001). 3 A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, reunida em Estocolmo de
5 a 16 de junho de 1972, e, atenta à necessidade de um critério e de princípios comuns que ofereçam aos povos do mundo inspiração e guia para preservar e melhorar o meio ambiente humano. (Declaração de Estocolmo sobre o meio ambiente – 1972 disponibilizada em http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Meio-Ambiente/declaracao-de-estocolmo-sobre-o-ambiente-humano.html. Acesso em 24 julho 2015. 4 Elaborado na Conferência Mundial dos Povos sobre Mudança Climática e Direitos de Pacha Mama, Cochabamba, Bolívia, abril de 2010. (Disponível em < http://revolucoes.org.br/v1/sites/default/files/matdidatico/Declara%C3%A7%C3%A3o%20Universal%20dos%20Direitos%20da%20M%C3%A3e%20Terra.pdf> Acesso em 24 julho 2015. 5 O Protocolo de Quioto constitui um tratado complementar à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. Criado em 1997, definiu metas de redução de emissões para os países desenvolvidos, responsáveis históricos pela mudança atual do clima. (Disponível em < http://www.mma.gov.br/clima/convencao-das-nacoes-unidas/protocolo-de-quioto> Acesso em: 24 julho 2015. 6 A Agenda 21 Brasileira é um processo e instrumento de planejamento participativo para o desenvolvimento sustentável e que tem como eixo central a sustentabilidade, compatibilizando a conservação ambiental, a justiça social e o crescimento econômico. O documento é resultado de uma vasta consulta à população brasileira, sendo construída a partir das diretrizes da Agenda 21 global. Trata-se, portanto, de um instrumento fundamental para a construção da democracia participativa e da cidadania ativa no País. (Disponível em < http://www.mma.gov.br/responsabilidade-socioambiental/agenda-21/agenda-21-brasileira> Acesso em 24 julho 2015.
18
Meio Ambiente e Desenvolvimento (UNCED), o Relatório Burdtlan, que veio a
definir o que é Desenvolvimento Sustentável7. Cagliari e Santos explicam que
estas preocupações sobre o meio ambiente “intensificaram-se a partir das
décadas de 70 e 80, período em que o homem ‘despertou’ para os problemas
ambientais, surgindo a partir daí legislações preocupadas com a temática, que
até então não existiam” (2011, p. 28).
Também existem outros movimentos que visam essa política de
integração entre países na busca da preservação do meio ambiente, como por
exemplo a União de Nações Sul-Americanas - UNASUL8, formalizada em 2008,
e que visa fortalecer as relações culturais, sociais, comerciais e políticas entre
12 países da América do Sul, entre eles o Brasil.
Estes marcos são muito importantes para o planeta e, mostram que
a preocupação com a natureza e o futuro da humanidade vem sendo estudada
há décadas, mas só atualmente tomaram relevante importância na sociedade.
Essa preocupação atual com a natureza, talvez seja um pouco tarde, mas
ainda é válida, vez que os elementos do meio ambiente ainda não se
esgotaram e podem ser em parte recuperados com a mudança de atitudes dos
seres humanos.
Apesar disso, embora as leis, os movimentos, as cúpulas e tratados
envolvendo a natureza, tenham modificado o comportamento dos seres
humanos e dado origem a uma ética ambiental, o antropocentrismo ainda
permanece nas atitudes dos homens, atitudes que refletem o mundo que se
vive atualmente. Onde há ainda muita poluição, desmatamento, maltrato aos
animais não-humanos. Mesmo sendo uma missão difícil extinguir essas
práticas, deve existir uma revolução individual em busca do bem comum, que é
o respeito a todas as formas de vida, o reconhecimento do valor de cada ser e,
consequentemente a proteção e preservação da natureza e seus elementos.
Nesse viés, o olhar para a coletividade é uma constante construção
de uma mudança no antropocentrismo para a construção de uma visão cidadã,
7 "Desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as futuras gerações satisfazerem suas próprias necessidades". 8 A UNASUL é integrada por 12 países: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela.
19
visando à evolução da humanidade e do meio em que vive, permitindo que a
geração atual possa ensinar a geração futura, através da cultura, que todos os
seres têm o direito à vida. Para ocorrer essa mudança de paradigma, deve
existir o debate em torno do valor inerente da natureza.
E a ética ambiental se funda nisso, os seres humanos necessitam
elaborar conceitos fundados em coibir atitudes insustentáveis e viabilizar a
convivência entre os seres que habitam a Terra. Tem-se a obrigação ética de
se perguntar sobre esse padrão de conduta. Sobre o que está certo ou não.
Para pensar tudo isso sob uma lente critíca, que é a proposta da ética
ambiental, pois sabe-se que a manutenção de um planeta saudável depende
de uma radical mudança de paradigma.
1.1.1 As éticas e a natureza
Na sociedade pós-moderna, há uma mudança da relação do homem
com a natureza, a passagem do paradigma antropocêntrico para o ecocêntrico,
numa perspectiva local e global. Os países andinos atuam diretamente nessa
mudança, que visa à proteção dos direitos e dignidade do planeta na busca de
um crescimento e desenvolvimento sustentável.
Essa passagem do paradigma antopocêntrico para o ecocêntrico
ganhou força no decorrer da história, especialmente com o reconhecimento dos
direitos da natureza, que reconhecem que o planeta Terra é o centro de tudo, e
que todos os seres vivos têm direito a serem respeitados. Neste sentido, “[...] a
ruptura com a visão antropocêntrica não é recente, percorre a linha do tempo,
sempre esteve presente na filosofia, conquanto de modo minoritário ou sem
conquistar tantos corações e mentes” (OLIVEIRA, 2011, p. 67-68).
Capra (2006) acrescenta que os seres humanos têm uma relação de
interdependência com os vários elementos do planeta, pois não existe nenhum
organismo individual que viva em isolamento. Portanto, o planeta é um
organismo vivo e integrado a todas as formas de vida e necessita do devido
respeito pelos seres humanos. Os animais, os vegetais, os minerais e os seres
humanos fazem parte do planeta como um todo, sendo o homem apenas uma
parte dele. Nesse sentido, Lovelock explica que “a vida neste planeta é uma
20
entidade muito resistente, robusta e adaptável e somos apenas uma pequena
parte dela” (2001, p. 58). Deve-se reconhecer o valor inerente a cada espécie
de vida que existe no planeta e, não dar valor meramente instrumental para as
outras espécies, como se fossem objetos e estivessem ali à disposição do
homem.
Nesse sentido, a ética que era voltada somente para os seres
humanos, passou a abranger as outras formas de vida existentes no planeta. A
ética ambiental relaciona as atitudes humanas face a natureza. Atitudes de
preservação, conservação, respeito, enfim, o modo que os seres humanos
devem cuidar do meio ambiente.
Por meio da mudança de atitudes dos seres humanos, atitudes que
utilizam como base a ética ambiental é que poderão ocorrer mudanças frente à
contínua agressão ao planeta. Este pensamento de priorização de interesses
humanos precisa ser modificado. Observa-se uma crescente mudança de
atitudes em relação à natureza neste sentido, a relação entre o homem e a
natureza tem se redimensionado. O homem não pode mais atuar como o único
ser detentor da natureza, como se esta estivesse ali disponível ao seu mero
interesse.
Os seres humanos como parte da natureza, e dotados de
racionalidade, têm o dever de proteger o meio ambiente, pois as atitudes
humanas refletem diretamente no meio ambiente, podendo o impacto de suas
ações serem boas ou ruins para o meio em que vivem, pois as ações do
homem refletem na preservação da vida do planeta e da sua.
Nesse sentido, o homem deve considerar a fragilidade da vida e de
Gaia, para continuar a caminhada rumo ao desenvolvimento e o progresso.
Explica Lovelock que, as ações humanas estão ligadas a preservação de sua
própria espécie, e não à preservação de Gaia, pois Gaia não depende do
homem, mas a vida humana depende de Gaia para sua manutenção.
Deve existir a conscientização de que essa caminhada deve ser
pautada pela precaução e preservação da natureza, para assim garantir a
manutenção da vida na Terra e para que não degrade a sua própria espécie,
uma das mais frágeis formas de vida. Por essa razão, deve-se tomar cuidado
com o meio ambiente, eis que se vive para o futuro, as ações presentes
21
refletem no futuro, e elas precisam ser pensadas nessa percepção de
fragilidade da vida.
Conforme ensina Capra (2006) a alteração de pensamento também
demanda uma mudança de valores, ou seja, os seres que habitam o planeta
constituem um todo e cada ser possui valor intrínseco e deve ser respeitado.
Neste cenário surgem as várias éticas dentro da ética ambiental,
pode-se dizer que se tem o antropocentrismo, a ética ecocêntrica, a ética
animal (biocentrismo mitigado), a ética do cuidado, a ética da vida
(biocêntrismo) e a ética da alteridade.
1.1.1.1 Antropocentrismo
Para o antropocentrismo, apenas os seres humanos são detentores
de valor instrínseco, estando as outras espécies de seres vivos a disposição da
humanidade para garantir a qualidade de vida humana. Explica Oliveira (2013)
que: “O antropocentrismo pode ser definido, em síntese, pela ideia de que
apenas o ser humano tem valor intrínseco, todo o mais possui valor
instrumental em função dos interesses humanos” (2013, p. 38).
Destaca-se que no Direito Ambiental Brasileiro o antropocentrismo
está muito presente. Tanto os autores ambientalistas brasileiros, como as leis
brasileiras são antropocêntricas. Paulo de Bessa Antunes, autor de livros sobre
Direito Ambiental no Brasil, não utiliza a ética ambiental em seus livros,
descrevendo um direito ambiental totalmente antropocêntrico. Como por
exemplo, para Antunes “no centro de gravitação do DA se encontra o Ser
Humano” (2011, p. 18), ou seja, para o referido autor o direito ambiental gira
em torno do ser humano.
Assinala Machado em um trecho de sua obra sobre o Direito
Ambiental Brasileiro,
A equidade no acesso aos recursos ambientais deve ser enfocada não só com relação à localização espacial dos usuários atuais, como em relação aos usuários potenciais das gerações vindouras. Um posicionamento equânime não é fácil de ser encontrado, exigindo considerações de ordem ética, científica e econômica das gerações atuais e uma avaliação prospectiva das
22
necessidades futuras, nem sempre possíveis de serem conhecidas e medidas no presente (2009, p. 64).
Machado, utiliza a expressão recursos ambientais, que segundo a
tese de doutorado de Daniel Braga Lourenço, apresentada para a Universidade
Estácio de Sá, “A própria nomenclatura recursos naturais, muito presente no
Direito Ambiental46, denota claramente essa concepção instrumentalizada do
mundo natural” (2014, p. 23), ou seja, a palavra “recursos naturais” coisifica e
instrumentaliza a natureza, dando a entender que ela estaria a dispor dos seres
humanos.
Nessa linha de pensamento, antropocêntrico, pode-se citar vários
outros autores brasileiros, como: Paulo Affonso Machado, Luís Paulo
Sirvinskas, Celso Antonio Pacheco Fiorillo, entre outros.
Outro exemplo, na legislação brasileira, é a Lei da Política Nacional
do Meio ambiente, Lei n.º 6.938 criada em 1981, vejamos o seu artigo 3º
Art 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: (...) V - Recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora.
O citado artigo define como recursos ambientais os elementos da
natureza: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os
estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna
e a flora. Ao visualizar sob esse aspecto, estar-se-á coisificando seres que
possuem direitos. Segundo a corrente animalista, os animais têm direitos e
estes devem ser respeitados. Na corrente dos ecocentristas é reconhecido os
direitos da natureza, ou dos defensores da ética da vida, que é mais ampla e
defende os direitos de todos os seres vivos de ir e vir.
O valor instrumental, conforme explica a tese de doutorado de
Daniel Braga Lourenço apresentada na Universidade Estácio de Sá (2014),
resulta no uso do objeto e não no próprio objeto, ou seja, o valor instrumental
que se dá à natureza é a forma que se trata a natureza, essa relação de poder
e domínio que o homem trata a natureza é denominada de valor instrumental.
23
Para o antropocentrismo, a natureza é tratada como um bem, um recurso, e
não tem valor intrínseco.
O valor intrínseco9, tem como base o estatuto moral, segundo a tese
de doutorado de Daniel Braga Lourenço apresentada na Universidade Estácio
de Sá
O estatuto moral de um determinado ser mede o grau da sua considerabilidade moral. Se uma entidade ocupa a categoria de sujeito moral é porque possui valor próprio e não podemos tratá-la do modo que queremos. Nas nossas deliberações seremos obrigados a considerá-la e levar em conta o seu valor, bem como suas necessidades, interesses ou bem-estar (2014, p. 23).
Portanto, o valor intrínseco é o valor de cada ser, ou seja, este ser
deve possuir interesses e esses devem ser protegidos.
Segundo Oliveira,
É fato que a ruptura com o antropocentrismo não é, na maior parte das vezes, fácil ou simplória; acarreta uma série de consequências graves capazes de descentrar o indivíduo de tal maneira que as reações costumam ser veementes e mesmo violentas. Copérnico não foi condenado por causa de a sua teoria astronômica ter sido considerada fisicamente equivocada, mas sim porque ele se atreveu a afirmar que este planeta não é o centro do universo. Compreender que a humanidade habita um planeta entre milhões de outros, que o universo ou mesmo o sol não gira em torno de nós, que o sistema é solar e não terrestre, impactou a autoestima de muitos, tendo recebido como insuportável. Essa é a verdadeira virada copernicana, ainda não feita pela maioria dos humanos. (2013, p. 39)
Dessa maneira, não é necessário concordar com a ética ambiental,
mas é necessário conhecê-la, e para ocorrer a ruptura com o antropocentrismo
o conhecimento das outras éticas é fundamental, especialmente para a
efetivação desses conceitos.
O antropocentrismo instaura uma atitude centrada no ser humano e as coisas têm sentido somente na medida em que a ele se ordenam e satisfazem seus desejos. Nega a relativa autonomia que elas possuem. Mais ainda, olvida a conexão que o próprio ser humano guarda, quer queira quer não, com a natureza e com todas as realidades, por ser parte do todo. Por fim, ignora que o sujeito derradeiro da vida, da sensibilidade, da intelifibilidade e da
9 Valor intrínseco e valor inerente não se diferencia, conforme Tom Regan. REGAN, Tom. The case for Animal Berkeley: University of California Press, 1993.
24
amorização não somos, e primeiro lugar nós, mas o próprio universo, a Terra. Ela manifesta sua capacidade de sentir, de pensar, de amar e de venerar por nós e em nós. O antropocentriso desconhece todas essas imbricações (BOFF, 2013, p. 108).
Explica Mont’alverne (2011) que, o antropocentrismo é um modelo
um modelo mecanicista científico, fundamentado em Descartes, Bacon e
Newton, entre outros. Para uma mudança de paradigma e que o
antropocentrismo fosse afastado, foram necessários ultrapassar por séculos de
dominação científica, especialmente com a ruptura de um modelo mecanicista
científico, para a instauração de um modelo sistêmico, que sedimentou a noção
de Ecologia Profunda.
1.1.1.2 Ética animal (Biocentrismo Mitigado)
A utilização e a criação de animais para o consumo, na alimentação,
no vestimento, nas experiências científicas, para diversão (como nos circos,
zoológicos, parques aquáticos, touradas), tem trazido muita polêmica. Esses
animais são seres, a maioria sencientes, que sofrem, sentem dor e prazer, e
consequentemente têm direitos, como os seres humanos, e por que os tratar
como se fossem inferiores?
Na década de 70 algumas obras10 sobre o Direito dos animais,
escritas por Peter Singer e Tom Regan deram impulso ao tema. Logo após,
diversos autores também se interessaram pelo tema e defenderam que os
animais são sujeitos de direitos, condenando a instrumentalização dos animais
não-humanos.
Os seres humanos exploram e utilizam os animais, sem considerar
que estes sofrem e possuem interesses. Os animais não-humanos,
historicamente são compreendidos como objetos, ou seja, como seres a
serviço das vontades dos seres humanos. Os animais não-humanos, são seres
vulneráveis e merecem a proteção humana e não a sua exploração.
10 [...] o livro mais notório no mundo acerca da questão é Libertação animal, publicado em 1975, autoria de Peter Singer, Professor da Universidade de Princeton, ele mesmo utilitarista (utilitarismo de interesses). No ano seguinte, vem a lume a obra Animal rights and human obligations, escrita em parceria por Singer e Tom Regan, este último, Professor da Universidade da Carolina do Norte, defensor de uma teoria de direitos (OLIVEIRA, [s.a.], [s.p.]).
25
O despertar da humanidade em torno da ética animal, vem sendo
crescente e, com isso é importante salientar que esse tema complexo
fundamenta a vida do animal não-humano, atribuindo a este seu valor
intrínseco e igualdade de direitos comparados aos seres humanos. Essa
mudança de concepção, também está ligada, a teoria de igual consideração do
eticista animal Peter Singer (2010), em que todos os indivíduos merecem igual
consideração.
Singer explica que, o bem de um indivíduo não importa mais que o
bem de qualquer outro, devendo-se dispensar uma consideração igual aos
interesses de todos os indivíduos, “este princípio da igualdade implica que a
nossa preocupação com os outros não deva depender da sua aparência ou das
aptidões que possuem” (SINGER, 2010, p. 32).
Conforme Singer, aqueles animais não-humanos que podem sofrer
devem ser tratados com consideração, pois é o sofrimento que é a
característica essencial que proporciona ao ser o direito a uma igual
consideração, “a igualdade na consideração de interesses é um princípio
mínimo de igualdade no sentido em que não dita um tratamento igual”
(SINGER, 2002, p. 21). Segundo o autor, a capacidade de sofrer e ter
satisfação, denominada de senciência, é pré-requisito para que seres possuam
interesses.
A senciência, definida como a presença de estados mentais que
acompanhem as sensações físicas (sentir dor, medo, angústia, prazer e
alegria), é encontrada em alguns animais não-humanos. Mais especificamente
nos vertebrados e em alguns animais invertebrados.
[...] outro ponto que enseja discordância é a amplitude do conjunto de sujeitos de direito, sendo que a postura majoritária não abrange todos os animais e sim apenas os animais sencientes, reservando o benefício da dúvida. Realmente, a posição prevalente no Direito dos Animais é a da ética da senciência (OLIVEIRA, s.a.,s.p.).
Regan (2010) que defende o Direito dos Animais, acrescenta que, o
direito à vida, o direito à liberdade e o direito à integridade corporal, ou, de um
modo mais geral, o direito a ser tratado com respeito, não deve parar na
espécie humana. Muitos animais de outras espécies também são detentores de
26
direitos, e chamados pelo autor de sujeitos-de-uma-vida11. Mas para Regan os
sujeitos-de-uma-vida se limitam às aves e os mamíferos, “[...] os mamíferos e
as aves (pelo menos) têm interesses de preferências e interesses de bem-
estar. [...] estes animais são nossos semelhantes psicologicamente e não de
forma meramente biológica” (REGAN, 2010, p. 52). Essa concepção está um
pouco atrasada, pois além de todos os vertebrados serem considerados
sencientes, (caracterísitca essencial para os animais terem direitos), a
Declaração de Cambriged12, datada de 07 de julho de 2012, mudou essa
11 Regan introduz o conceito de sujeito-de-uma-vida,11 isto é, seres sencientes com características cognitivas avançadas. Para o autor, aqueles que são sujeitos-de-uma-vida têm uma vida mental caracterizada por um grau apreciável de unidade psicológica, o que não significa que sejam racionais ou autónomos. 12 Neste dia 7 de julho de 2012, um proeminente grupo internacional de neurocientistas, neurofarmacologistas, neurofisiologistas, neuroanatomistas e neurocientistas computacionais cognitivos reuniu-se na Universidade de Cambridge para reavaliar os substratos neurobiológicos da experiência consciente e comportamentos relacionados em animais humanos e não humanos. Embora a pesquisa comparativa sobre esse tópico seja naturalmente dificultada pela inabilidade dos animais não humanos, e muitas vezes humanos, de comunicar clara e prontamente os seus estados internos, as seguintes observações podem ser afirmadas inequivocamente: O campo da pesquisa sobre a consciência está evoluindo rapidamente. Inúmeras novas técnicas e estratégias para a pesquisa com animais humanos e não humanos tem se desenvolvido. Consequentemente, mais dados estão se tornando disponíveis, e isso pede uma reavaliação periódica dos preconceitos previamente sustentados nesse campo. Estudos com animais não humanos mostraram que circuitos cerebrais homólogos, correlacionados com a experiência e à percepção conscientes, podem ser seletivamente facilitados e interrompidos para avaliar se eles são necessários, de fato, para essas experiências. Além disso, em humanos, novas técnicas não invasivas estão prontamente disponíveis para examinar os correlatos da consciência. - Os substratos neurais das emoções não parecem estar confinados às estruturas corticais. De fato, redes neurais subcorticais estimuladas durante estados afetivos em humanos também são criticamente importantes para gerar comportamentos emocionais em animais. A estimulação artificial das mesmas regiões cerebrais gera comportamentos e estados emocionais correspondentes tanto em animais humanos quanto não humanos. Onde quer que se evoque, no cérebro, comportamentos emocionais instintivos em animais não humanos, muitos dos comportamentos subsequentes são consistentes com estados emocionais conhecidos, incluindo aqueles estados internos que são recompensadores e punitivos. A estimulação cerebral profunda desses sistemas em humanos também pode gerar estados afetivos semelhante. Sistemas associados ao afeto concentram-se em regiões subcorticais, onde abundam homologias neurais. Animais humanos e não humanos jovens sem neocórtices retêm essas funções mentais-cerebrais. Além disso, circuitos neurais que suportam estados comportamental-eletrofisiológicos de atenção, sono e tomada de decisão parecem ter surgido evolutivamente ainda na radiação dos invertebrados, sendo evidentes em insetos e em moluscos cefalópodes (por exemplo, polvos). - As aves parecem apresentar, em seu comportamento, em sua neurofisiologia e em sua neuroanatomia, um caso notável de evolução paralela da consciência. Evidências de níveis de consciência quase humanos têm sido demonstradas mais marcadamente em papagaios-cinzentos africanos. As redes emocionais e os microcircuitos cognitivos de mamíferos e aves parecem ser muito mais homólogos do que se pensava anteriormente. Além disso, descobriu-se que certas espécies de pássaros exibem padrões neurais de sono semelhantes aos dos
27
concepção, após vários estudos, ao declarar alguns animais invertebrados
portadores da senciencia.
Segundo Regan,
[...] os sujeitos de uma vida não se limitam a estar no mundo: estão conscientes do mundo e conscientes, também, do que se passa no interior, na vida que decorre por trás dos seus olhos. Nesta medida, os sujeitos-de-uma-vida são algo mais que matéria animada, são algo diferente das plantas que vivem e morrem; os sujeitos-de-uma-vida são o centro experienciante das suas vidas, são indivíduos que têm uma vida que, experiencialmente, corre melhor ou pior para si mesmos, de forma logicamente independente do valor que têm para os outros, Pelo menos no caso dos mamíferos e das aves, então a conclusão a que chegamos é simples: é um facto que esses animais, como nós, são sujeitos-de-uma-vida (2010, p. 53).
Ser sujeito-de-uma-vida é uma condição suficiente para se beneficiar
da proteção de alguns direitos deontológicos13, que não podem ser restringidos
aos seres humanos, pois os direitos são limites éticos àquilo que pode ser feito
aos outros, tanto na busca de objetivos pessoais, como no alcançe do bem-
estar social.
Para Regan (2010), no individualismo moral um ser tem direitos em
virtude daquilo que é enquanto indivíduo, um indivíduo tem direito se ele é
mamíferos, incluindo o sono REM e, como foi demonstrado em pássaros mandarins, padrões neurofisiológicos, que se pensava anteriormente que requeriam um neocórtex mamífero. Os pássaros pega-rabuda [1] em particular demonstraram exibir semelhanças notáveis com os humanos, com grandes símios, com golfinhos e com elefantes em estudos de autorreconhecimento no espelho. - Em humanos, o efeito de certos alucinógenos parece estar associado a uma ruptura nos processos de feedforwarde feedback corticais. Intervenções farmacológicas em animais não humanos com componentes que sabidamente afetam o comportamento consciente em humanos podem levar a perturbações semelhantes no comportamento de animais não humanos. Em humanos, há evidências para sugerir que a percepção está correlacionada com a atividade cortical, o que não exclui possíveis contribuições de processos subcorticais, como na percepção visual. Evidências de que as sensações emocionais de animais humanos e não humanos surgem a partir de redes cerebrais subcorticais homólogas fornecem provas convincentes para uma qualia [2] afetiva primitiva evolutivamente compartilhada. Nós declaramos o seguinte: "A ausência de um neocórtex não parece impedir que um organismo experimente estados afetivos. Evidências convergentes indicam que animais não humanos têm os substratos neuroanatômicos, neuroquímicos e neurofisiológicos de estados de consciência juntamente como a capacidade de exibir comportamentos intencionais. Consequentemente, o peso das evidências indica que os humanos não são os únicos a possuir os substratos neurológicos que geram a consciência. Animais não humanos, incluindo todos os mamíferos e as aves, e muitas outras criaturas, incluindo polvos, também possuem esses substratos neurológicos". 13 Concebidos deontologicamente, os direitos são assim limites éticos àquilo que podemos fazer aos outros não só quando perseguimos objetivos pessoais, mas também quando temos em vista o bem-estar social ou outro fim louvável mais amplo, como a conservação ambiental ou o alargamento do conhecimento.
28
sujeito de uma vida. Quem satisfaz esta condição não se limita a estar vivo,
mas tem uma vida mental unificada, e essa vida pode correr melhor ou pior
para si próprio. Neste sentido,
Moralmente, nunca devemos tirar a vida, invadir ou maltratar o corpo ou limitar a liberade de qualquer animal que seja sujeito-de-um-vida simplesmente porque isso nos beneficiará pessoalmente ou trará beneficios à sociedade em geral. A atribuição de direitos aos animais, significa-se alguma coisa, tem esse significado (REGAN, 2010, p.61).
Singer (2010), explica que a base de igualdade, que abarca todas as
diferenças entre os humanos, deve envolver, também, os interesses de outras
espécies, pois ninguém tem o direito de ignorar e explorar os interesses
daqueles que não lhe sejam semelhantes.
Caçar animais para a sobrevivência é completamente diferente de
produzir animais na pecuária industrial. Segundo os animalistas pode-se sim
alimentar-se e matar animais, mas apenas no caso de estado de necessidade e
legítima defesa. Oliveira (2013) explica que, animais não podem ser tratados
como coisas, objetos, em virtude do direito a vida, e que a dieta humana ética é
vegetariana/vegana. Nesse sentido, “portanto, ainda que haja situações nas
quais não é errado matar animais, essas situações são especiais e não
abrangem os muitos bilhões de mortes prematuras que, ano após ano, os
seres humanos infligem aos animais” (SINGER, 2002, p. 143).
Quanto ao uso dos animais em experiênciais, “Os animais não são
nossos provadores. Não somos os seus reis (REGAN, 2010, p. 59) ”.
Recentemente foi aprovado na Câmara dos Deputados, um projeto de lei que
proibe a utilização de animais em experiências/testes de novos cosméticos. O
projeto ainda está esperando a aprovação no Senado Federal. Mas, é uma
forma de diminuir a agressão aos animais utilizados nesses testes, bem como
demonstra o início de uma preocupação com a integridade física dos animais,
pois estes seres necessitam da proteção humana.
Regan vai mais além, entre os autores animalistas, e acrescenta que
“Não queremos jaulas maiores, mas jaulas vazias” (2010, p. 60). Explica o
autor que não se deve fazer qualquer experiência com animais, nem se
29
alimentar ou vestir-se deles, “o melhor que podemos fazer quanto ao uso de
animais na ciência é não os usar. De acordo com a perspectiva de direitos é aí
que reside o nosso dever” (2010, p. 60).
Mesmo assim, ainda, existem pessoas, que defendem a utilização
dos animais, seja para o consumo na alimentação, vestimenta ou experiências
e até mesmo para diversão, como as touradas, parques aquáticos, circos, entre
outros. Para Oliveira “[...] não ostentam, portanto, valor intrínseco, não são fins
em si, porquanto o fim deles é o benefício do homem, são meios para o bem da
humanidade. A visão que se tem deles é instrumental, exploradora, utilitária”
(2011, p. 65).
Nesse sentido, está claro que existe especismo14, o preconceito
baseado na espécie, assim como não se excluiu o racismo e o sexismo. Esses
preconceitos estão enraizados na compreensão de algumas pessoas e que,
objetiva-se, passe a não mais existir. Entre os animais humanos ocorre a
exclusão de uns com os outros por uma questão de diferenças que na
realidade não justificam este tratamento, mas “todos os sujeitos-de-uma-vida
humana são iguais no seu valor moralmente significativo (inerente),
independentemente de saberem muito ou pouco, de serem talentosos ou
incompetentes, ricos ou pobres e assim por diante” (REGAN, 2010, 56). Dessa
forma, os pertencentes a um mesmo grupo, tendem a não se preocupar com os
problemas vividos pelos demais grupos. Mas para não haver lugar para o
especismo, é necessário que sob um aspecto de ponto de vista ético, todos
devem ser considerados merecedores de respeito.
Conforme Singer (2010), aqueles que não concordam com a ideia de
uma igualdade de consideração entre os animais humanos e não-humanos se
justificam dizendo que os animais humanos possuem uma dignidade intrínseca
que animais não-humanos não possuem e, por isso, eles têm valor para as
pessoas e não possuem valor em si.
Pode-se dizer que existem diferenças entre animais humanos e não-
humanos e que os animais não-humanos têm direitos diferentes, mas uma
14 Especismo é o preconceito baseado na espécie (como o racismo é baseado na raça e o sexismo no gênero): se da espécie humana, possui direitos, tem dignidade, é um fim em si; se não integrante da espécie humana, não tem direitos, não possui dignidade, é apenas instrumento, meio para a satisfação de interesses humanos (OLIVEIRA, [s.a.], [s.p]).
30
igual consideração, razão pela qual, não se deve sacrificar os interesses dos
animais não-humanos em prol de interesses humanos.
1.1.1.3 Ética ecocêntrica
Na década de 70, o primeiro autor a se manifestar e diferenciar a
ecologia profunda da ecologia rasa15 foi o norueguês Arne Naes (1995). Naes
foi o inventor da ecologia profunda. A ecologia profunda vem tentando construir
uma ruptura com essa visão antropocêntrica (ecologia rasa), levando em
consideração os direitos dos animais não-humanos, e outras espécies de seres
vivos que existem no planeta, combatendo a degradação do meio ambiente, na
presença do ecocentrismo16.
O objetivo do movimento da ecologia profunda é pela promoção de
mudanças sociais, pois o modo de vida da sociedade atual é antropocêntrico.
Em 1984 Naess e Devall desenvolveram a plataforma para o movimento da
ecologia profunda, que trouxe oito17 pontos plurais que podem ser
compartilhados com diversas crenças e religiões, e de alguma forma vieram
para afastar essa visão antropocêntrica (DEVALL, 2001).
Na visão de Capra (2006), a ecologia profunda é a compreensão de
um mundo como um organismo vivo, onde existe uma relação de
interdependência entre todos os seres vivos, que introduz uma
15 A ecologia rasa é antropocêntrica, combate a poluição e a degradação da natureza, pensando, sempre, no bem-estar dos seres humanos. 16 O ecocentrismo afasta o homem do centro do universo e inclui a imagem de um ambiente completo e relacional (DEVALL, 2001). 17 1. O bem-estar e o florescimento da vida humana e não-humana na Terra têm valor em si mesmos (sinônios: valor inerente; valor intrínseco). Esses valores são independentes da utilidade da vida não humana para propósitos humanos; 2. Riqueza e diversidade das formas de vida contribuem para a realização desses valores e são valores em si mesmos; 3. Humanos não tem o direito de reduzir a riqueza e a diversidade, exceto para satisfazer necessidades vitais; 4. O florescimento da vida e cultura humanas é compatível com o descrescimento da população humana. O florescimento da vida não-humana requer esse descrescimento; 5. A atual interferência humana com a vida não-humana mundial é excessiva, e a situação está piorando rapidamente; 6. Portanto, políticas devem ser mudadas. As mudanças nas políticas afetam a economia básica, estruturas tecnológicas e ideológicas. Os resultados serão profundamente diferentes dos atuais; 7. A mudança ideológica consiste basicamente em apreciar a qualidade de vida (residindo em situações de valor inerente), em vez de aderir a um padrão de vida cada vez mais elevado. Haverá uma profunda consciência entre grande e excelente; 8. Aqueles que subscrevem os pontos anteriores tem a obrigação direta ou indiretamente de participar na tentativa de implementar as mudanças necessárias.
31
responsabilidade moral com a fauna e a flora.
É possível perceber que é necessária a mudança de paradigma,
dessa visão antropocêntrica, por uma visão que vise à evolução do homem
juntamente com o meio em que vive. Mas para que isto ocorra, é necessário o
abandono de alguns hábitos dos seres humanos, principalmente, em relação
aos outros seres vivos que fazem parte do planeta e aos seus elementos.
Os direitos da natureza ganharam espaços nas recentes mudanças
das Constituições do Equador e da Bolívia. Visando dar maior proteção a
natureza, a Constituição do Equador elevou o meio ambiente a sujeito de
direito, prevendo os direitos da natureza em seu artigo 71º “La naturaleza o
Pacha Mama, donde se reproduce y realiza la vida, tiene derecho a que se
respete integralmente su existencia y el mantenimiento y regeneración de sus
ciclos vitales, estructura, funciones y procesos evolutivos. ”
Dessa forma, não só a espécie humana é considerada sujeito de
direito, mas também o meio ambiente. Também a Constituição da Bolívia no
artigo 33º
Art. 33. Las personas tienen derecho a un medio ambiente saludable, protegido y equilibrado. El ejercicio de este derecho debe permitir a los individuos y colectividades de las presentes y futuras generaciones, además de otros seres vivos, desarrollarse de manera normal y permanente.
Os outros seres vivos, expressados na lei, além dos vegetais, dizem
respeito aos animais. Constata-se que as Consituições do Equador e da Bolivia
romperam com a visão antropocêntrica18, dessa forma, o mundo passa por
uma transição, na qual se observa a defesa da flora e da fauna também no
aparato jurídico de alguns países.
Essas constituições são vistas como uma conquista dos povos
indígenas, e estabelecem o conceito de “Estado Plurinacional”,
18 Consoante esta percepção, uma vez que se reconheceu a titularidade de direitos para além da espécie humana, rompeu-se com a cosmovisão antropocêntrica. Logo, muitos, adeptos da natureza como titular de direitos, passaram a se ver como não-antropocêntricos. (OLIVEIRA, [s.a], [s.p]).
32
La promulgación de las nuevas Constituciones Políticas de Ecuador y Bolivia establecen el horizonte del buen vivir y vivir bien, respectivamente, y el concepto de “Estado Plurinacional” que emerge de la cosmovisión indígena originaria, describiendo la realidad de las diferentes naciones del Abya Yala, donde conviven diversas identidades de forma complementária. Esto constituye un gran logro del movimiento indígena originario, que está dando pie a grandes debates para replantearnos la vida (HAUNACUNI, 2010, p.12-13).
Conforme Zaffaroni (2012), há tanto na legislação do Equador como
na legislação boliviana, uma visão do deslocamento do homem como o centro
do universo. Esse novo paradigma jurídico tem como ideia central a garantia da
natureza ou Pachamama19 não pode mais ser considerada como objeto à
disposição do homem, mas sim em nível de igualdade com este, por fazerem
parte do mesmo todo.
Na verdade, quando se coloca o homem, a natureza e os animais
em nível de igualdade, entra-se em um assunto mais complexo. Sob o olhar
das referidas Constituições existe essa igualdade, mas quando se aprofunda o
estudo descobre-se que esse nível de igualdade tem algumas particularidades.
Por exemplo, Peter Singer20 não afirma uma igualdade absoluta entre o homem
e os animais não-humanos, existindo igualdade quanto a consideração de
interesses do homem e dos animais não-humanos. Em relação à natureza, a
diferença de igualdade fica clara quando Alberto Acosta explica que os direitos
da natureza não impediriam a pesca ou a pecuária. Nesse sentido,
O problema não é a pesca e sim a sobrepesca, pois aí há efeito danoso ao ambiente, põe em risco a espécie. Ele se coloca contra touradas, mataderos en condiciones deplorables, la cría masiva de animales en condiciones de irrespeto total a la calidad de vida. A visão de Acosta tem um nome: bem-estarismo. Uma Ética do Bem-Estar. Não é uma Ética de Direitos e nem o Utilitarismo de Interesses. Não é moralmente aceitável colocar um touro em uma tourada, mas é aceitável comer o touro, contanto que ele tenha tido uma boa qualidade de vida. E uma boa morte. Nesta esteira, noções e expressões como abate humanitário, boi verde, pesca sustentável e carne orgânica. Direito à vida? (OLIVEIRA, [s.a], [s.p.]).
19 Pachamama é a “mãe terra”, na língua ancestral dos povos originais da região. 20 Peter Singer é um filósofo e professor australiano. É professor na Universidade de Princeton nos Estados Unidos. Disponível em<https://www.princeton.edu/~psinger/>Acesso em: 25 jan. 2015.
33
No Brasil, os animais e a natureza não são enquadrados como
sujeitos de direitos. A legislação constitucional e a legislação infraconstitucional
são brandas, não abarcando uma hipótese total de proteção.
O inciso VII21 do artigo 225 da Constituição Federal, deixa dúvidas
quanto à proteção da fauna e a da flora, poderia este atribuir direitos aos
animais e a natureza? Essa é uma questão complexa, o próprio caput do
referido artigo deixa dúvidas quanto à atribuição de direitos aos indivíduos. Não
há no Brasil um consenso sobre a referida matéria, mesmo estando claro neste
dispositivo à proteção da flora e da fauna.
Nesse sentido, constata-se que os animais não-humanos e a
natureza possuem algumas proteções jurídicas que defendem sua integridade,
mas não possuem direitos que podem ser exigidos por si próprios. Os seres
humanos, como seus detentotes, é que têm a titularidade para postular os
direitos dos animais-não humanos.
O Equador e a Bolívia foram os primeiros a reconhecer os direitos da
natureza e dos animais em suas constituições, e serviram de impulso para o
reconhecimento desses direitos a nível de mundo, quebrando as barreiras com
o Estado, dando vida a um Novo Constitucionalismo Latino-Americano.
Com isso, nota-se que o homem evolui permanentemente. Essas
novas legislações são criações humanas que se preocupam em idenfiticar o
valor inerente de cada ser vivo. Entretanto, para que essa evolução continue a
seguir seu caminho, o homem enquanto ser individual, social e político, deve
dar atenção especial para suas atitudes, pois essas refletem no Outro.
Naess (1995), em uma passagem da sua obra “Equality, saenes, and
rights”, conta a sua história. Ele viveu durante dez anos nas Montanhas na
Noruega, e se viu forçado a pisar em um tipo de planta local, a Salix Herbacea.
Ele explica que nunca sentiu a necessidade de justificar tal comportamento por
pensar que essas plantas têm menor valor intrínseco ou um direito de viver e
florescer menor do que os outros seres vivos, ou ao dele próprio. E, ainda,
21 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. [...] VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a
crueldade.
34
explica que é justificável viver nestas zonas de montanha, quando se admira
essas plantas e reconhece o seu direito "igual" para viver e florescer com o
direito de os outros seres vivos.
A intuição é muito utilizada e discutida pelos defensores da Ecologia
Profunda, pois existem muitos conflitos de conceitos e definição do que
realmente seria intuição. Nessa concecpção, Naess (1995) explica que, como
intuição pode-se entender que se há uma escolha em pisar em uma Salix
Herbacea, ao invés de pisar em uma planta rara, é mais razoavel pisar na Salix
Herbacea. A intuição indica isto, existe uma variedade de motivos para
“escolher” ferir uma espécie, mas não se pode abordar as diferenças nos
direitos ou valor intrínseco22, pois não existem graus de valor intrínseco,
quando se discute no direito dos seres de viver e florescer, “O igual direito de
viver e florescer não conhece, portanto, fronteira pela senciência” (OLIVEIRA,
[s.a] [s.p.]), ou seja, o direito de viver é o mesmo para todos. O mais
importante, é afastar o antropocentrismo, ou seja, a construção de um novo
olhar em relação a natureza, que é o objetivo do ecocentrismo.
1.1.1.4 Ética do cuidado
A ética do cuidado, tem como base a responsanbilidade, a alteridade
e está ligada essencialmente à vida.
Conforme Boff, “No cuidado se encontra o ethos fundamental do
humano. Quer dizer, no cuidado identificamos os princípios, os valores e as
atitudes que fazem da vida um bem-viver e das ações um reto agir” (2013,
p.12). Acrescenta Boff (2013) que, a sociedade atual ameaça a essência
humana, pois nossos caminhos, na maioria, passam despercebidos pelo
cuidado. Nesse sentido, o cuidado serve de crítica para que a sociedade seja
um princípio inspirador de um novo paradigma de convivialidade.
Há um descaso pela natureza, nossa Casa comum, ou seja, o
planeta Terra, vez que
Solos são envenenados, florestas são dizimadas, espécies de seres vivos são exterminadas; um manto de injustiça e de violência
22 Para a ecologia profunda, o valor intrínseco e o valor inerente são sinônimos.
35
pesa sobre dois terços da humanidade. Um princípio de autodestruição está em ação, capaz de liquidar o sutil equilíbrio físico-quíico e ecológico do planeta e devastar a biosfera, pondo assim em risco a continuidade do experimento da espécie homo sapiens e demens (BOFF, 2013, p. 21).
Entretanto, a incessante busca pelo desenvolvimento econômico e
qualidade de vida fez o homem degradar grande parte da natureza pelo mundo
todo. O homem já devastou muito a natureza e seus componentes, mas,
segundo Boff (2013), para uma ética nova pressupõe-se uma ótica nova, a
ética do cuidado se orienta por um novo sentido de viver. Existe a necessidade
da mudança de paradigma, que deve ser definida sob o prisma do cuidado e
responsabilidade com o meio em que vivemos.
A essência do ser humano se encontra no cuidado, para Boff a
característica singular do ser humano é colocar o cuidado em tudo que ele faz.
É no cuidado que vamos encontrar o ethos necessário para identificar a socialidade humana e principalmente para identificar a essência fontal do ser humano, homem e mulher. Quando falamos de ethos queremos expressar o conjunto de valores, princípios e inspirações que dão origem a atos e atitudes (as várias morais) que conformarão o habitat comum e a nova sociedade morais (2013, p. 45).
O cuidado deve ser pensado como parte do ser humano, vez que
“[...] o cuidado possui uma dimensão ontológica que entra na constituição do
ser humano. É um modo-de-ser singular do homem e da mulher. Sem cuidado
deixamos de ser humanos” (2013, p. 101).
Explica Boff (2013) que o cuidado significa atenção, desvelo, bom
trato, solicitude, zelo, entre outros. Nesse viés, pelo cuidado não se deve ver a
natureza como objeto e não se deve instrumentalizá-la, deve-se reconhecer o
seu valor intrínseco, sobre essa relação do homem com a natureza acrescenta
Boff “[...] A relação não é de domínio sobre, mas de convivência. Não é pura
interpretação, mas inter-ação e comunhão (2013, p. 109) “[...] A partir desse
valor substantivo emerge a dimensão de alteridade, de respeito, de
sacralidade, de reciprocidade e de complementaridade” (2013, p. 110).
O cuidado tem como uma das bases a alteridade, essa compaixão
pelo Outro, a capacidade de sentir o Outro, a gentileza, explica Boff que,
36
Importa colocar cuidado em tudo. Para isso urge desenvolver a dimensão anima que está em nós. Isso significa: conceder direito a cidadania a nossa capacidade de sentir o outro, de ter compaixão com todos os seres que sofre, humanos e não humanos, de obedecer mais á lógica do coração, da cordialidade e da gentileza do que a lógica da conquista e do uso utilitário das coisas (2013, p. 118).
A natureza demanda de cuidado, o planeta demanda de cuidado. O
planeta Terra é a Casa comum e demanda de cuidado pelos seres humanos,
vez que “Para cuidar do planeta precisamos todos passar por uma
alfabetização ecológica e rever nossos hábitos de consumo. Importa
desenvolver uma ética do cuidado (BOFF, 2013, p. 155).
Só com uma ética do cuidado conseguir-se-á um planeta
sustentável. Portanto, o cuidado é essencial para caminhar rumo à
sustentabilidade e a tarefa dos seres humanos é construir esse caminho com
equilíbrio e cuidado.
1.1.1.5 Outras éticas
Para a ética da vida não importa se é vida humana, vegetal, animal
vertebrado ou invertebrado e, qualquer eliminação de vida requer uma
justificativa.
Segundo Albert Schweitzer “Um homem moral não se pergunta se
tal ou qual vida é dotada de senciência, toda vida para ele é sagrada". Não
importa que tipo de vida é, se e vida animal, humana, mamífero ou não
mamífero. Não discute a senciencia, o que importa é a vida em si.
A ética da vida abrange todas as formas de vida existentes no
planeta, já a ética animal é uma ética para vertebrados, pois não defende os
animais invertebrados, considerados não-sencientes, ou “inferiores”
(NACONECY, 2007). Para a ética animal somente os animais vertebrados são
sencientes, detentores de alguns direitos e merecem uma consideração moral
igual aos dos seres humanos. Explica Naconecy (2007) que, há cerca de
1.300.000 espécies de animais descritos pela zoologia, e apenas 2% desses
animais são vertebrados. Nessa concepção, a preocupação pelos animais
37
sencientes deixaria de fora do âmbito da consideração moral 98% de formas de
vida animal sobre a Terra.
A consideração moral, atribuída aos animais não-humanos, tem
como critério a senciência. Para a Ética da vida o critério da consideração
moral não deve ser a senciência, pois para a Ética da vida não é necessário
que um animal seja senciente para ter interesses ou um bem-estar moralmente
relevante. Para Singer, insetos não contam moralmente porque não são
capazes de sentir dor ou prazer. Para Regan, eles também não contam porque
não há qualquer sujeito das experiências de uma vida psicológica (apud
NACONECY, 2007). Mas segundo a Declaração de Cambridge, alguns animais
invertebrados podem sentir dor ou prazer, ou seja, são considerados
sencientes, e devem sim contar moralmente. Assim a,
Declaração de Cambridge (The Cambridge Declaration of Consciousness), datada de julho de 2012, firmada por cientistas de instituições como a Universidade de Stanford, o Massachusetts Institute of Technology (MIT) e o Instituto Max Planck, redigida por Philip Low, em evento que contou com a presença de Stephen Hawking. A referida Declaração, construída por neurocientistas, neurofarmacologistas, neurofisiologistas e neuroanatomistas, proclama ser induvidoso que todos os mamíferos, aves, peixes, inclusive invertebrados, como o polvo, ostentam consciência (LOURENÇO; OLIVEIRA [s.a.], [ s.p.]).
Naconecy (2007) explica que, de acordo com os filósofos
animalistas, os animais invertebrados só merecem atenção instrumental à
medida em que, participando na comunidade biótica, podem afetar o bem dos
animais vertebrados humanos e não-humanos. Ou seja, os animais
invertebrados, só importarão moralmente se sua sobrevivência e bem-estar
comprometerem os interesses dos animais que importam diretamente - no
sentido moral, os sencientes. Afirmações um pouco atrasadas comparadas
com a Declaração de Cambridge, talvez nesse sentido Regan e Singer
deveriam reorganizar as teorias defendidas.
Naconecy (2007), ainda ressalta que, ao pensar dessa forma Singer
parece validar o especismo, pois restringe a consideração moral somente aos
animais ditados por ele de sencientes, que para ele são os vertebrados.
Portanto, para a ética da vida, não é necessário que um animal seja
38
senciente para ter interesses ou um bem-estar moralmente relevante. Para os
eticistas da ética da vida, a ideia de que animais não-sencientes também
merecem consideração moral é englobada pela ideia de que todo ser vivo o
merece.
A transição para a pós-modernidade, trouxe mudanças ao mundo.
Nos dias de hoje, os seres humanos estão se conscientizando de que não
vivem sozinhos no planeta. E com isso parecem estar afastando seu
individualimso e criando um sentimento em torno da coletividade. Na crise
ambiental que vive o planeta, todos os indivíduos precisam se conscientizar de
que para manter a vida e a qualidade de vida é necessário a ações fraternas e
solidárias de todos, em busca da sustentabilidade.
Baumam (1997), explica que a ética e a moral devem ser analisadas
na relação dos indivíduos, ou seja, pensar com responsabilidade em relação ao
Outro, sem exigir reciprocidade. Segundo o autor a responsabilidade moral
deveria estar enraízada nos seres humanos, ou seja, deveria ser inerente aos
seres humanos se importar com os outros seres sociais, ou como a expressão
utilizada pelo autor, com o Outro.
A pós-modernidade, conforme Baumam (1997), readmite o Outro
como próximo, uma ética que restaura o significado moral da proximidade. A
proximidade revela a responsabilidade com o Outro, e que nesse sentido a
humanidade e a subjetividade é uma responsabilidade ilimitada pelo Outro, ou
seja, para Bauman, a humanidade deve mover-se em direção ao Outro.
Mas o que se nota nessa nova era, é que ao mesmo tempo que as
pessoas e os seres vivos do mundo inteiro estão mais próximos, eles também
estão mais distantes. Esta proximidade não diz respeito ao sentimento de
solidariedade com o Outro e luta para causa e objetivos comuns. Dessa forma,
é cada vez maior o sentimento de egoísmo e individualismo, que tem levado o
homem a degradação do meio ambiente. Esses sentimentos também impedem
o homem de perceber a necessidade de mudança de consciência e das
atitudes para garantir a manutenção de vida da Terra, bem como melhores
condições ambientais. Maffesoli (2008), explica que a comunhão na Terra se
posta com base no agir humano, com base na sociedade, pois se deve
importar com os outros seres sociais.
39
No entanto, precisa ser superada essa sociedade individualista, para
que efetivamente a humanidade comece a preservação do meio ambiente. O
que acontece atualmente é que, os seres humanos se preocupam com essas
questões ambientais, mas não deixam de usufruir da natureza. Para
compartilhar da sustentabilidade e das preocupações com as outras vidas, não
se exige que cesse a utilização da natureza, mas que haja uma diminuição,
bem como, que essa utilização dos seres humanos seja para o necessário e
básico da vida, ou seja, aquilo que realmente é determinante na vida do
homem. Entretanto, o que ocorre atualmente, é que a maioria dos indivíduos
não querem deixar de usufruir exageradamente do meio ambiente, pois
enxergam isso como qualidade de vida.
Existe uma preocupação maior em relação ao meio ambiente, os
indivíduos estão modificando as suas atitudes, especialmente, quanto a
utilização deste. Mas o individualismo ainda toma conta dessas atitudes, não
deixando se efetivar a preservação do meio ambiente pelo ser humano.
É preciso a mudança do paradigma de bem-estar humano,
apresentado por esta sociedade individualista e consumista que vivenciamos
atualmente, a qual se baseia na comodidade, especialmente econômica. Deve-
se assumir políticas públicas de sustentabilidade, demonstrar e assumir a
responsabilidade moral diante dos outros seres vivos, para garantir o bem-estar
para as presentes e futuras formas de vida que existem no planeta.
O planeta e o homem vivenciam uma crise, razão pela qual o
homem deve redimensionar seu paradigma individualista, mas para isso
acontecer, deve-se pensar nesta questão em seu todo. Só assim poderá haver
uma mudança na trajetória que o homem está utilizando para o
desenvolvimento. Nesse sentido, acrescenta Morin que, “es preciso cambiar de
vía. Pero si bien parece posible modificar ciertas trayectorias y corregir ciertos
males, no podemos ni siquiera frenar la ola técnico-científico-económica y de
civilización que está llevando a nuestro planeta al desastre” (2011, p. 33).
O ponto de partida para esta mudança, pode ser a construção de um
olhar fraterno e solidário, importando-se com o Outro, que não
necessariamente precisa ser humano, visando essa alteração da relação entre
40
o homem e a natureza, que deve ser introduzida na vida cotidiano do ser
humano.
Segundo Morin, “si es preciso que se cree uma conciencia de Terra-
Patria, uma conciencia de comunidad de destino, también es preciso promover
el desarrollo de lo local dentro de lo global” (2011, p. 35). Nesse viés, os
sentimentos de proximidades devem estar presentes nos homens para que
ocorram atitudes não individualistas e egoístas. Diante disso, percebe-se a
importância das atitudes humanas para a efetivação da sustentabilidade e
seguir na busca pela alteridade, bem como para o desenvolvimento
equilibrado.
Nesta perspectiva, demonstra-se possível um desenvolvimento a
partir de ações humanas que veem o eu no outro, como por exemplo, dizer que
um ser que só existe através do olhar do outro. Morin acrescenta que, “o ser
humano percebe o outro como um eu simultaneamente diferente e igual a ele.
O outro partilha assim uma identidade comigo embora conservando a sua
diferença” (2005, p. 103).
Dessa forma, o eu deve ser refletido em razão da relação com os
outros homens. Deve-se entender e, ter claro que uma ação individual reflete
na vida dos demais seres. Por essa razão que é muito importante a construção
e desenvolvimento das concepções de ações sustentáveis, para que,
demandem dos indidívudos, deveres com o próximo e com o meio ambiente.
Nessa nova era, o indivíduo deve ter em si a alteridade, pois
depende do outro para a preservação da própria existência, ao mesmo passo
que a preservação do meio ambiente depende também do próprio homem.
A alteridade visa um vínculo mais intenso entre os indivíduos, um
vínculo que não precisa ser físico. É um sentimento de proximidade com o
Outro, que não precisa estar perto, mas que permite ter essa sensação. É
preocupar-se e ter responsabilidades com o Outro sem exigir reciprocidade.
A liberdade, a igualdade e a responsabilidade, são direitos a serem
exercidos pelos sujeitos, adequando esses direitos à ética da alteridade a
contribuição para a preservação ambiental será mais efetiva. Os indivíduos
devem ter responsabilidade por suas atitudes na utilização dos recursos
naturais. Responsabilidade também com as futuras gerações, como é expresso
41
na Carta Magna. Pensar no Outro que ainda está por vir, com atitudes
solidárias e fraternas.
Deve-se agir de maneira fraterna e solidária perante os indivíduos e,
também perante a preservação do meio ambiente. Agindo com atitudes
fraternas, solidárias e pensando, especialmente na coletividade, é uma maneira
de exercer uma cidadania sustentável.
E assim, mesmo que se consiga vencer a degradação da natureza,
o caminho a ser percorrido, é o pensar no Outro. Isso significa que o homem
ainda pode modificar o caminho utilizado para o desenvolvimento, bem como
ter atitudes mais conscientes, capazes de mudar o destino da vida e do planeta
e, pois, a mudança do cenário atual, degradante e irresponsável perante a
natureza, parece encontrar esperança na ética da alteridade, na solidariedade
e na fraternidade.
Diante disso, o homem deve sempre pensar no relfexo que as suas
ações podem causar no espaço global. O mundo está vivenciando uma crise
ambiental, com a utilização insustentável dos bens naturais, por isso
necessitamos de uma ruptura nesse paradigma para modificar esse cenário.
Parece-se encontrar a resposta nos sentimentos de solidariedade,
fraternidade e alteridade, pois se vive em um ambiente comum, e deve-se ter
em mente que o o ser humano não vive sozinho, ele necessita do Outro para
atingir o seu próprio bem-estar.
42
CAPÍTULO 2
ABORDAGEM GERAL DA PROTEÇÃO DA ÁGUA
Para minimizar o uso indevido da água, existem algumas normas
que regulam a proteção das águas no mundo todo. Essa é uma forma de coibir
o uso irregular da água pelos indíviduos, entretando não é suficiente para o
efetivo cuidado com esse elemento da natureza, para isso deve existir uma
mudança na cultura, na educação e no modo de pensar dos seres humanos
em relação a utilização da água.
2.1 A ÁGUA NA ONU
O direito à água, em âmbito internacional, não é muito
regulamentado. Pode-se explanar que o direito à água está redefinindo-se,
uma vez que as decisões judiciais, tratados, convenções e disposições legais
mais relevantes, começaram a surgir e a se desenvolver somente a partir do
século XX. Na década de 90, a falta da água atingiu alguns países
desenvolvidos, dando força para a normatização da problemática da água.
No século XXI, a água é marcada pela sua mercantilização,
utilizada como instrumento de mercado (uma vez que não é utilizada somente
para o consumo dos seres humanos e não humanos, mas para a produção e
prestação de serviços). Também, neste século, a água foi declarada como
direito humano pela ONU, pois até o ano de 2010 a água era reconhecida
internacionalmente como uma necessidade básica, como por exemplo nas
conferências sobre a água em Mar Del Plata (1977)23 e em Dublin (1992)24. E
23 O Plano de Acção resultante da Conferência das Nações Unidas sobre a Água reconheceu pela primeira vez a água como um direito ao declarar que “Todos os povos, seja qual for o seu estádio de desenvolvimento e as suas condições sociais e económicas, têm direito a ter acesso a água potável em quantidade e qualidade igual às suas necessidades básicas. Programa da Década da Água da ONU-Água sobre Advocacia e Comunicação (UNW-DPAC). 24 O 4º Princípio da Conferência de Dublin diz que “… é vital reconhecer primeiro o direito básico de todos os seres humanos a terem acesso a água limpa e saneamento a um preço acessível”. Programa da Década da Água da ONU-Água sobre Advocacia e Comunicação (UNW-DPAC).
43
neste século também, foram reconhecidos pelas constituições do Equador e da
Bolívia o direito da natureza, bem como das águas, surgindo como uma nova
redefinição de conceitos e mudança paradigmática.
Até o ano de 2010 o direito a água não possuía previsão expressa
como direito humano. A resolução 64/29225 de julho de 2010 da ONU, proposta
pela Bolívia, reconhece o direito humano a água potável limpa e saneamento
básico. Essa resolução dispõe que cada pessoa precisa ter acesso à água
saudável, e que a água esteja disponível em quantidade suficiente para
satisfazer as necessidades pessoais. Nesse viés, destaca-se que essa
resolução incentiva os países e as organizações internacionais a destinarem
seus recursos financeiros à tecnologia, para o fim de promover o acesso a
água potável e saneamento básico a todos. Essa resolução é caracterizada
como um marco histórico na proteção da água (BARLOW, 2012), (ONU, 2011).
O Brasil26 manifestou-se de forma favorável e positiva a resolução
64/292. Ressalta-se que a resolução foi aprovada por 122 votos favoráveis27,
sendo nenhum voto contra, mas houve 41 abstenções28, ou seja, alguns países
se abstiveram de votar e 29 ausências. No entanto, a votação foi muito
expressiva, pois atualmente são 192 Estados membros da Assembleia Geral
da ONU, e 122 totaliza praticamente dois terços dos membros.
O Conselho de Direitos Humanos da ONU, em setembro de 2010,
na sua 15ª sessão, aprovou a Resolução 15/929, declarou a água como direito
25 1 A proposta da resolução 64/292 foi introduzida na 108ª sessão Plenária da Assembleia Geral das Nações Unidas mediante representação do embaixador boliviano, Pablo Sólon. A manifestação da Bolívia está relaxionada ao seu contexto histórico de lutas contra a privatização de seus serviçoes de água e de saneamento básico, os quais foram marcados pela Guerra del Agua (ONU, 2011). 26 A representante do Brasil na época que foi editada a Reolução 64/292 era Maria Luiza Ribeiro Viotti (ONU, 2011) 27 Países que votara favoravel a resolução: Afeganistão, Alemanha, Angola, Argélia, Argentina, Bangladesh, Bélgica, Bolívia, Brasil, Chile, China, Colômbia, Egito, França, índia, Irã, Iraque, Líbano, Líbia, Noruega, Paraguai, Peru, Portugal, Rússia, Sudão, Suíça, Uruguai, Venezuela, entre outros (ONU, 2011). 28 Países que abstiveram de votar: Austrália, Áustria, Canadá, Etiópia, Estados Unidos, Holanda, Israel, Japão, Nova Zelãndia, Reino Unido, Suécia, entre outros (ONU, 2011). 29 Na sequência da Resolução da Assembleia Geral da ONU, esta Resolução do Conselho dos Direitos Humanos da ONU afirma que os direitos à água e ao saneamento fazem parte do direito internacional existente e confirma que esses direitos são legalmente vinculativos para os Estados. Também apela aos Estados que desenvolvam as ferramentas e mecanismos adequados para alcançarem, gradualmente, a concretização integral das obrigações em termos de direitos humanos relacionadas com o acesso a água potável segura e saneamento,
44
humano, uma vez que uniu o acesso a água potável ao saneamento básico a
outros direitos, como: a saúde física e mental, a vida, a dignidade humana,
entre outros (ONU, 2011).
O previsto no artigo 7º da resolução 64/292 da ONU é objeto de
polêmica, uma vez que sua interpretação incentiva a privatização da água e de
saneamento, pois autoriza a execução deles por órgãos não estatais.
Art 7º. Reconoce que los Estados de conformidad com sus leyes, reglamentos y políticas públicas, pueden optar por hacer participar a actores no estatales em el suministro de agua potable segura y servicios de saneamento y, com independencia del modo de suministro, deben velar por la transparencia, la no discriinación y la rendición de cuentas (ONU, 2011) (grifo nosso).
Esse artigo é preocupante diante de alguns casos já acontecidos em
relação a privatização da água no mundo. O exemplo mais marcante é a
Guerra del Agua que ocorreu na Bolívia, em Cochabamba no ano de 2000.
Esse artigo causa uma polêmica no sentido da reflexão entre a gestão da água
privada e o direito humano à água, caminhando na contramão dos serviços
hídricos do século XXI. Nesse contexto importante salientar-se que as
Constituições do Equador e da Bolívia proibem a privatização da água, o que
ainda não está previsto em documentos internacionais, como por exemplo nos
da ONU.
Pode-se dizer que o direito humano à água é derivado de outros
documentos da ONU, como a Declaração Internacional de Direitos Humanos e
os Pactos de Direitos Humanos. Cabe ressaltar que o direito à água nesses
documentos não está descrito expressamente. A explicação é que na época
que foi realizada a declaração Internacional de Direitos Humanos, 10 de
dezembro de 1948, não havia preocupação com a água e a sua escassez, pois
a água era abundante em grande parte dos países desenvolvidos. No Pacto de
Direitos Civis e Políticos, aprovado em 16 de dezembro de 1966 – Assembleia
incluindo em áreas actualmente não-servidas ou insuficientemente servidas. Programa da Década da Água da ONU-Água sobre Advocacia e Comunicação (UNW-DPAC).
45
Geral da ONU, o direito à água também não estava prescrito expressamente,
estando deduzido no artigo 6º paragráfo 130, quanto trata do direito à vida.
Dessa forma, importante destacar que existe a mensão expressa do
direito humano a água em alguns tratados internacionais e em resoluções da
ONU. As resoluções da ONU sobre o direito à água não são adotadas pelos
países de forma pacífica, em razão da sua fonte não vinculativa.
O primeiro tratado a reconhecer o direito à água foi a Convenção
sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as mulheres
(1979), esta Convenção obriga os Estados signatários31, a garantir às mulheres
que residem em zonas rurais, o direito de gozar de boas condições de vida,
especialmente em relação ao abastecimento de água (ONU, 2011).
Também a Convenção sobre os Direitos das Crianças (1989)32
reconhece o direito à agua. Nesse tratado obrigam-se os Estados ao
fornecimento da água potável às crianças, vez que obrigam os estados a
implementarem direitos da criança à saúde, bem como a tomar algumas
medidas necessárias para o combate à desnutrição e algumas doenças. Outro
exemplo é a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006),
que também possui disposição expressa sobre a água ao definir no artigo 28,
2, ao direito das pessoas com deficiência a um nível adequado de vida (ONU,
2011).
A Observação Geral n.º 15 (E/C.12/2002/11), é uma interpretação do
Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966),
adotada em 2002, e o direito à água aparece expresso.
Entretanto, essa observação enquadrou o conteúdo normativo nos
artigos 11 e 12 do Pacto, bem como, delimitou alguns princípios a ele
aplicáveis, como: qualidade, acessibilidade financeira, disponibilidade,
aceitabilidade e acessibilidade física. Também estipulou obrigações de
respeito, proteção e implementação do direito à água aos Estados
(THIELBORGER, 2014).
30 Art. 6 - 1. O direito à vida é inerente à pessoa humana. Esse direito deverá ser protegido pela lei. Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida. 31 Atualmente 185 países são signatários, estando o Brasil entre eles. 32 Ratificado pelo Brasil em 1990.
46
Portanto, a Organização das Nações Unidas, contribuiu e ainda
contribui com as preocupações sobre a degradação ambiental planetária.
Estabeleceu no ano 2000, oito objetivos do milênio33 que devem ser atingidos
por todos os países34 existentes no mundo até o ano de 2015. O objetivo
sétimo refere-se à “qualidade de vida e respeito ao meio ambiente”, sendo um
dos objetivos mais difícil de se concretizar, pois necessita de atitudes de
preservação, bem como, responsabilidades humanas para atingir esse objetivo,
pode-se afirmar que o direito à água está inserido aqui. Esses objetivos foram
criados para buscar soluções aos problemas apresentados nos últimos tempos,
especialmente em relação ao desenvolvimento sustentável, para garantir a
qualidade de vida dos indivíduos de todo o mundo.
Existem outras resoluções da ONU posteriores a essas que também
tratam a água como direito humano, como por exemplo a resolução 18/1135 de
outubro de 2011 e a resolução 64/2436.
Há diversas resoluções, tratados e convenções da ONU que tratam
sobre a água. As mais recentes foram editadas em 2010, reconhecendo o
direito humano a água, extinguindo as dúvidas que existia sobre ele. E o mais
recente foi o Relatório Mundial das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento
dos Recursos Hídricos, aprovado em março de 2015, que dispõe um alerta
sobre a crise mundial da água, caso não haja uma mudança no uso da água e
no seu gerenciamento, o mundo enfretará um déficit de 40% no abastecimento
da água em 2030.
Gize-se também que a ONU definiou o dia 22 de março, como “O
Dia Mundial da Água”
O dia 22 de março é reconhecido internacionalmente como “O Dia Mundial da Água”, definido pela Organização das Nações Unidas (ONU) como marco da Campanha “Água para a vida 2005/2015”. A ratio subjacente de s estabelecer uma data especial para celebrar o
33 “1 – Acabar com a fome e a miséria; 2 – Educação básica de qualidade para todos; 3 – Igualdade entre sexos e valorização da mulher; 4 – Reduzir a mortalidade infantil; 5 – Melhorar a saúde das gestantes; - Combater a AIDS, a malária e outras doenças; 7 – Qualidade de vida e respeito ao meio ambiente; 8 – Todo mundo trabalhando pelo desenvolvimento. ” (www.objetivsdomilenio.org.br). 34 Estes oito objetivos no Brasil são chamados de “oito jeitos de mudar o mundo”. Disponível em www.objetivosdomilenio.org.br. 35 Essa Resolução foi editada pelo Conselho de Direitos Humanos. 36 Essa Resolução foi editada pela Assembleia Mundial da Saúde.
47
líquido precioso é o caráter didático, no inuito de despertar a consciência de que a água é essencial para a sobrevivência de todos, inclusive do próprio Planeta Terra. Apenas para ilustrar, na África cerca de 300 milhões de pessoas convivem com a dura realidade da falta de acesso à água potável. Nesse contexto, a ONU desenvolve estratégias para mobilizar a comunidade internacional a se comprometer com a racionalização do uso desta riqueza (CARLI, 2013, p. 203).
O direito à água demanda uma mudança paradigmática, pois não é
somente direito humano, mas também é um direito da natureza. As
Constituições do Equador e da Bolívia passaram a reconhecer esse direito à
natureza em suas constituições, o que abrange o direito da água.
2.2 A NOVA CODIFICAÇÃO DA ÁGUA
O Novo Constitucionalismo-Latino Americano, caracteriza-se, em
linhas gerais, por estabelecer a cultura do Buen Vivir37, que tem como base a
mudança da relação do ser humano com a Madre Tierra38, ou seja o ser
humano deve viver em harmonia com a natureza. Em razão disso, é
reconhecido o valor intrínseco e direitos à natureza. A inspiração para essa
mudança de concepção é a cosmovisão andina, que altera a relação do
homem com as outras formas de vida.
O Bem Viver ou Suma Qamaña oficializou-se como princípio ético-
moral da sociedade na Constituição Política do Estado da Bolívia de 2009 e no
Plano nacional de desenvolvimento “Bolívia Digna, Soberana, Produtiva e
Democrática para Viver Bem”, no contexto de refundação do Estado.
Diversos analistas compreendem os direitos da natureza a partir da noção de buen vivir, sumak kawsay (suma qamaña, expressão utilizada pela Constituição da Bolívia), que denota cosmovisão ameríndia, um resgate do saber, da cultura de povos originários do continente, em crítica, contraposição, diálogo com a (uma) epistemologia eurocêntrica, colonial, moderna. No contexto da emancipação/valorização dos povos aborígenes, as Cartas Constitucionais do Equador e da Bolívia vieram a estatuir a também
37 O viver bem pode ser resumido como viver em harmonia com a natureza. 38 A Mãe Terra é um ser vivo, uma única comunidade, auto-regulada e indivisível de seres inter-relacionados.
48
inédita figura do Estado Plurinacional. Embalando a noção de bem viver há uma crítica de caráter econômico, endereçada ao capitalismo, à coisificação da vida, à sociedade de consumo, à globalização financeira/neoliberal, ao homo economicus, ao padrão recorrente de desenvolvimento, quantitativo, crescimentista, enfim, a este paradigma que se quer unidimensional, que vaticina o fim da história (OLIVEIRA, 2012, p. 5).
A água como elemento da natureza, pela cultura do Bem Viver39,
também passa a ser titular de direito. Dessa forma, além de sua vinculação à
natureza, é considerada fonte de vida, vez que permite a manutenção da vida
no planeta.
Com base no Bem Viver que a Bolívia positivou a água como fonte
de vida e sujeitos de direitos. Assim, o tratamento jurídico das águas na Bolívia
emerge da cosmovisão dos povos indígenas. A Constituição ds Bolívia,
diferentemente da constituição do Equador, não reconhece expressamente os
direitos da natureza, apenas se refere a natureza como Madre Tierra
(MAMANI, 2010).
Em 2010, na Bolívia, no mesmo sentido da Lei Constitucional do Equador, foi publicada a Ley de Derechos de la Madre Tierra. Define o seu art. 3º: “La Madre Tierra es el sistema viviente dinámico conformado por la comunidad indivisible de todos los sistemas de vida y los seres vivos, interrelacionados, interdependientes y complementarios, que comparten un destino común” Entre os direitos listados da Mãe Terra: direito à vida, à diversidade da vida, ao equilibrio, à restauração. A lei elenca deveres perante a Madre Tierra, correspondentes aos seus direitos, entre eles, em convergência, a promoção de uma vida harmônica com a natureza. No mesmo ano, o Presidente Evo Morales, em discurso na ONU, conclamou à adoção de uma Declaración Universal de Derechos de la Madre Tierra (OLIVEIRA, 2012, p. 5-6).
39 Existem algumas características que devem ser seguidas pelo Estado que é construído a partir do Bem Viver. Como por exemplo: priorizar a vida, obter acordos consensuais, respeitar as diferenças, viver em complementariedade, equilíbrio com a natureza, defender a identidade, aceitar as diferenças, priorizar direitos cósmicos, saber comer, saber beber, saber dançar, saber trabalhar, retomar o Abya Yala, reincorporar a agricultura, saber se comunicar, controle social, trabalhar e reciprocidade, não roubar e não mentir, proteger as sementes, respeitar a mulher, viver bem e NÃO melhor, recuperar recursos, exercer a soberania, APROVEITAR A ÁGUA, escutar os anciãos (CHOQUEHUANA, 2010).
49
Sob a nova ótica dos direitos da natureza, o Equador, muda o
tratamento jurídico da água, que passa a ser sujeito de direito, em razão da
água ser componente da natureza.
Dessa forma, importante destacar que a Bolívia tem um histórico
muito relevante com a água, especialmente no ano de 2000, quando aconteceu
em Cochabamba, uma revolução, na qual as pessoas reivindicavam a não
privatização da água, solução que mais tarde foi positivada na esfera
constitucional do país. Esse fato ocorrido em Cochabamba originou maior
proteção constitucional da água no país, originando alguns artigos na
Constituição Boliviana voltados especialmente a água. Destaca-se, também,
que a água na constituição bolivana é direito fundamental expresso.
Para espelhar melhor a realidade, a Guerra da Água40, ocorreu em
um dos lugares mais privilegiados no que diz respeito a água doce no mundo:
na América Latina. A revolução ocorreu face as ações do governo que
pretendia privatizar a água da cidade de Cochabamba. Segundo Modelli (2014)
iniciou-se uma revolta popular com a recusa dos moradores de pagar as altas
contas de água da empresa Águas del Tunari. Após prisões em massa de
líderes sindicais e manifestantes, o governo cedeu as reinvindicações dos
manifestantes e desistiu de continuar o contrato com a empresa, vez que a
administração da água voltou para o governo e foram revogadas as leis que
previam a sua privatização.
Visando elevar a água a direito fundamental expresso
constitucionalmente, e também como uma das soluções da Guerra del Agua, a
Bolívia positivou alguns artigos em sua constituição que deram maior enfoque a
proteção da água.
Na Constituição da Bolívia, a água constitui-se direito fundamental
ligado à vida e, é um marco caracterizador da soberania do povo, no Título II –
Capítulo V, o artigo 1641 - I traz a água como direito funtamental expresso. O
artigo 20, que fica inserido no Título II, trata dos direitos fundamentais e,
prescreve que “toda persona tiene derecho al acceso universal y equitativa a
40 Guerra da Água é a expressão utilizada para se referir a revolução ocorrida em Cochabamba em 2000. 41 Art. 16, I. Direito Fundamental à água.
50
los servicios básicos de agua potable, alcantarillado, electricidad, gas
domiciliario, telecomunicaciones y transporte”, neste sentido todas as pessoas
têm direito a água potável, e o mesmo artigo afasta a privatização da água
potável no inciso III “los servicios básicos no serán objeto de concesión ni
privatización”.
A Constituição boliviana eleva-se o direito à água a direito humano
fundamental, indissociável do direito à vida e dos demais direitos humanos
fundamentais. Emancipa o direito à água da concepção econômica, como
instrumento de produção e, a considera patrimônio comum, proibindo a sua
privatização. Na concepção desses novos direitos, este pensamento de
priorização de interesses unicamente humanos é que precisa se modificar, ou
seja, deve-se sustentar uma visão de um desenvolvimento que prima pela
proteção da natureza. Com isso, a relação entre homem e natureza se
redimensiona.
Neste cenário, surge um bloco geopolítico que reúne a maioria dos
países da América do Sul, a UNASUL42. A UNASUL é uma ferramente para a
difusão dos valores biocêntricos no caminho por um reconhecimento de
dignidade da vida e do planeta Terra. Conforme Moraes (2013) o objetivo da
UNASUL transpassa o econômico, e visa a integração dos países signatários
no sentido de promover infraestrura, segurança e uma preocupação com os
debates em torno da proteção das culturas e do meio ambiente, entre outros.
O principal objetivo da UNASUL é pela proteção dos direitos do
planeta e de todos os seres vivos que nele habitam. Esse bloco geopolítico
demonstra ser um meio importante para a efetivação e proteção dos direitos da
natureza e, demonstra uma mudança de paradigma antropocêntrico para
biocêntrico. Com boas propostas que podem espalhar-se para o restante do
mundo, a UNASUL poderá ser uma percursora de mudanças necessárias para
a manutenção da vida no planeta.
Muito embora, a passos lentos, a cultura de proteger os direitos da
natureza vem sendo retomada. Entretanto hoje, diante de tantas ações
42 A UNASUL é uma comunidade formada por 12 países sul-americanos. Fazem parte da UNASUL: Argentina, Brasil, Uruguai, Paraguai, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, Chile, Guiana, Suriname e Venezuela.
51
degradantes ao planeta, retoma-se a ideia de que é necessária a proteção de
valores voltados a natureza, pois para que o desenvolvimento continue é
preciso ir com mais calma ressaltar a proteção dos direitos dos seres vivos
ligados à vida dos seres humanos.
No Equador, um caso em relação à água chamou atenção do
mundo. O caso do Rio Vilcabamba, ficou conhecido mundialmente depois que
o governo da Província de Loja usou o Rio Vilcabamba para depositar materiais
de escavação provenientes da construção da estrada Vilcabamba-Quinara.
Esse fato, assim como a construção da estrada, ocorreu sem nenhum estudo
de impacto ambiental. Com as chuvas de março e abril de 2009, este material
causou grande dano, causando enchentes nos terrenos ao longo do rio,
desviando seu curso normal.
(...) o leading case no mundo, admitindo a natureza em juízo, ocorreu no Equador, em março de 2011. A Corte Provincial de Justiça de Loja reconheceu o Rio Vilcabamba como detentor de valor próprio, sujeito de direito, que estava tendo o seu ecossistema prejudicado por detritos despejados em função da construção de uma carretera. Afirma-se na sentença que é compromisso de os juízes conferir efetividade aos direitos da natureza, nada mais normal em função do dever de cumprimento da Constituição. Marque-se bem: tratou-se de acción de protección constitucional a favor de la Naturaleza e não de interesses/direitos humanos afetados pela degradação do rio, conquanto configurada tal repercussão (OLIVEIRA, 2012, p.12-13).
No tocante aos direitos da natureza do Equador, é dever dos juízes
constitucionais tenderem ao resguardo e fazerem efetiva a tutela judicial dos
direitos da natureza. A constituição do Equador elevou a Natureza a sujeito de
direitos, conforme está previsto no artigo 71 “La naturaleza o Pacha Mama,
donde se reproduce y realiza la vida, tiene derecho a que se respete
integralmente su existencia y el mantenimiento y regeneración de sus ciclos
vitales, estructura, funciones y procesos evolutivos. ”
Países como Equador e Bolívia possuem uma ampla proteção aos
direitos da Mãe Terra e, devem servir de exemplo para tantos outros países,
vez que a natureza é amplamente protegida por suas Constituições.
Portanto, embora a Constituição da Bolívia dê um enfoque ao direito
à água, esse direito não é reconhecido mundialmente, como por exemplo no
Direito Internacional, pois o próprio direito humano à água tem uma difícil
52
efetivação. Nesse sentido, os equatorianos e bolivianos consideram a natureza,
bem como as águas como sujeitos de direito, ou seja, afastaram a sua
instrumentalização da legislação, e que difere totalmente o tratamento da
legislação brasileira na proteção da natureza e das águas, como se vê, esta
coisificou a natureza e seus componentes.
2.3 A PROTEÇÃO DA ÁGUA NO BRASIL
Como foi visto, a água é um dos elementos do meio ambiente. O
Brasil detém 12% da água doce existente no mundo, para ilustrar:
Os números mosntram que 68,5% dos recursos hídricos do país estão concentrados na Região Amazõnica, que embora detenha 45,3% do território nacional, acolhe apenas 6,98% da população(...). No Sul, no Sudeste e no Nordeste a situação se inverte. Apenas 6,5 do território dos recursos hídricos estão concentrados no Sul, que detém 6,5% do território nacional e 15,5% da população do país. No Sudeste, que tem 42,65% da população do país e 10,8% do seu território, há apenas 6% da água existente no Brasil (SOUZA apud CARLI, 2013, p. 145).
A preocupação com a água aumentou nos últimos anos. Segundo
Carli (2013) a utilização desordenada e a poluição das águas, têm sido uma
das maiores preocupações transfonteiriças. Tal situação demonstra a
relevância de realizar uma reflexão mais detalhada da proteção da água,
essencial à preservação da vida no planeta. Entretanto, a legislação brasileira,
constitucional e infraconstitucional, é antropocêntrica, fazendo menção à água,
seja para utilização ou proteção, apenas como objeto para utilização dos seres
humanos.
Na legislação brasileira não existe nenhum artigo expresso - como
na Constituição da Bolívia - que eleve a água à direito fundamental. Entende-
se, a água como direito fundamental no Brasil, através dos princípios
ambientais, das resoluções, tratados e convenções da ONU, ou seja, no Brasil,
ela está no mesmo patamar dos outros direitos ambientais.
Dessa forma, fazendo um contexto histórico das Constituições
Federais anteriores a de 1988, verifica-se que estas abordaram com singeleza
a proteção às águas.
53
A Constituição Imperial de 1824 não fez menção ao meio ambiente,
principalmente quanto a água. Mas a Lei de 1º de outubro de 1828 disciplinou
que as Câmaras Municipais tivessem a competência para legislar sobre:
aquedutos, chafarizes, poços, tanques, bem como esgotamento de pântanos e
qualquer estagnação de água. O Ato Adicional Lei nº 16, de 12 de agosto de
1834, estabelece que as Assembleias Legislativas provinciais legislassem
sobre obras públicas, estradas e navegação no interior. Assim, ocasionou
reflexo sobre a política a ser adotada quanto às águas (ANTUNES, 2009).
No período republicano, tem-se a Constituição de 1891, que também
foi omissa quanto às regras sobre o uso da água. Apenas limitou-se a legislar
sobre a competência federal para legislar sobre Direito Civil, e este, o Código
Civil de 1916, que trouxe vários artigos sobre a água (ANTUNES, 2009).
A preocupação no início do século XX era com o capital, espírito
constatado na Constituição de 1934, que foi a primeira a legislar sobre a água,
tratada em alguns artigos como bem da União. A água foi tratada como bem de
uso para a geração de riquezas, especialmente como fonte de energia elétrica
(ANTUNES, 2009).
A Constituição Federal de 1937 no art. 143 prescreveu que:
Art 143 - As minas e demais riquezas do subsolo, bem como as quedas d'água constituem propriedade distinta da propriedade do solo para o efeito de exploração ou aproveitamento industrial. O aproveitamento industrial das minas e das jazidas minerais, das águas e da energia hidráulica, ainda que de propriedade privada, depende de autorização federal.
§ 1º - A autorização só poderá ser concedida a brasileiros, ou empresas constituídas por acionistas brasileiros, reservada ao proprietário preferência na exploração, ou participação nos lucros.
§ 2º - O aproveitamento de energia hidráulica de potência reduzida e para uso exclusivo do proprietário independe de autorização.
§ 3º - Satisfeitas as condições estabelecidas em lei entre elas a de possuírem os necessários serviços técnicos e administrativos, os Estados passarão a exercer dentro dos respectivos territórios, a atribuição constante deste artigo.
§ 4º - Independe de autorização o aproveitamento das quedas d'água já utilizadas industrialmente na data desta Constituição, assim como, nas mesmas condições, a exploração das minas em lavra, ainda que transitoriamente suspensa.
54
Esse artigo tratava das quedas d’água. Como observado, é
caracterizado como um artigo antropocêntrico, ao tratar da água para
indústrias, ou seja, do aproveitamento industrial da água.
A Constituição de 1946, em seu artigo 5º, inciso XV, alínea 1,
determinava ser da competência da União legislar sobre a água, mas o seu art.
6º não excluía a competência supletiva ou complementar dos Estados. Essa
Constituição manteve alguns artigos que tratava da concessão, do uso das
águas que dependia de autorização, mas incluiu que o aproveitamento da água
para energia hidráulica de potência reduzida não dependia de autorização.
Também incluiu que as autorizações e concessões somente poderiam ser
dadas a brasileiros ou a empresas organizadas no País. Esses regulamentos
estavam previstos no art. 152, 153 e 34 (ANTUNES, 2009).
Explica Antunes (2009) que, as Constituições de 1967 e 1969
mantiveram a água como bem da União, ou seja, os lagos e quaisquer
correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um
Estado, constituam limite com outros países, ou se estendam a territórios
estrangeiros, e as ilhas oceânicas, assim como as ilhas fluviais e lacustres nas
zonas limítrofes com outros países. Quanto à competência legislativa federal,
foi afastada a supletiva e mantida a competência exclusiva da União para
legislar sobre água. A Constituição de 1967, no seu artigo 4º, incisso III,
prescreve que “Os rios e lagos dentro do território dos Estados e dos Territórios
são de propriedade destes, os rios que neles tem nascente e foz, as ilhas
fluviais e lacustres e as terras devolutas não compreendidas no domínio da
União”.
Contudo, as constituições brasileiras tiveram mínima preocupação
em tratar do aspecto legal de proteção à água. Com abordagens discretas,
mantiveram em pauta a normatização quanto ao uso da água para industriais,
abordagens totalmente antropocêntricas com relação a água. Com a
Constituição Federal de 1988, a preservação à água ganhou um novo enfoque,
especialmente no tocante ao domínio público das águas.
2.3.1 Água na Constituição Federal de 1988
55
A Constituição de 1988 prescreve que a água é bem de domínio
público, “Entendem os estudiosos, entre eles José Afonso da Silva, que, com o
advento da Constituição Federal de 1988, a qual publicizou os recursos
hídricos, outorgando à União e aos Estados o seu domínio, não há mais a
figura das águas particulares” (CARLI, 2013, p. 143).
A Constituição de 1988 deu maior enfoque quanto à proteção
constitucional das águas. Abordou o tema de frente e com maior amplitude do
que as constituições anteriores, mas, mesmo assim, manteve uma abordagem
antropocêntrica e rasa comparando, por exemplo, como a Constituição da
Bolívia.
A Constituição Federal previu o fim da privatização do uso da água.
A água é um recurso de valor econômico, e os rios foram compreendidos a
partir do conceito de bacia hidrográfica. Assim, permite a gestão integrada da
água e assegura a gestão e proteção. A água, para ser utilizada, exige
pagamento de um preço. Isso para impedir que toda a sociedade arque com os
custos e benefícios (ANTUNES, 2009).
A água é domínio da União. Segundo Antunes (2009), lagos, rios
e quaisquer correntes de água em terrenos de outros países, que se estendam
a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e
as praias fluviais, são bens da União. Também disciplinou as ilhas fluviais e
lacustres, a plataforma continental, o mar territorial e os potenciais de energia
hidráulica no art. 20, incisos IV, V,VI,VII, VIII, da Constituição Federal43.
43 Art. 20. São bens da União: I - os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribuídos; II - as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei; III - os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais; IV - as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as áreas referidas no art. 26, II; IV as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as referidas no art. 26, II;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 46, de 2005) V - os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva;
56
Também no art. 17644 da Constituição Federal, quando trata dos princípios
gerais da atividade econômica, traz que os potenciais de energia hidráulica
constituem propriedade distinta da do solo para efeito de exploração ou
aproveitamento.
Explica Antunes (2009) que no artigo 2645, inciso I, II, e III, da
Constituição Federal de 1988, os bens pertencentes aos estados são as águas
superficiais e subterrâneas, fluentes e emergentes, também as em depósito,
ressalvadas, nesse caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União.
Explica Carli que,
VI - o mar territorial; VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos; VIII - os potenciais de energia hidráulica; IX - os recursos minerais, inclusive os do subsolo; X - as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-históricos; XI - as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios. § 1º É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração. § 2º A faixa de até cento e cinqüenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres, designada como faixa de fronteira, é considerada fundamental para defesa do território nacional, e sua ocupação e utilização serão reguladas em lei. (grifo nosso) 44 Art. 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra. § 1º A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o "caput" deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995) § 2º É assegurada participação ao proprietário do solo nos resultados da lavra, na forma e no valor que dispuser a lei. § 3º A autorização de pesquisa será sempre por prazo determinado, e as autorizações e concessões previstas neste artigo não poderão ser cedidas ou transferidas, total ou parcialmente, sem prévia anuência do poder concedente. § 4º Não dependerá de autorização ou concessão o aproveitamento do potencial de energia renovável de capacidade reduzida. (Grifo nosso) 45 Art. 26. Incluem-se entre os bens dos Estados: I - as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União; II - as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio, excluídas aquelas sob domínio da União, Municípios ou terceiros; III - as ilhas fluviais e lacustres não pertencentes à União; IV - as terras devolutas não compreendidas entre as da União.
57
(...) entende-se que a Constituição Federal de 1988, nos artigos 20 e 26, quando inclui na relação de bens pertencentes à União e aos Estados, os mananciais de águas, não lhes atribui a propriedade dos recursos hídricos, mas tão somente lhes confere o dever de gestão dessa riqueza que, na verdade, pertence à coletividade brasileira e aos demais seres vivos (2013, p. 144).
Nesse viés, a União detém a competência privativa para legislar
sobre águas, mas cabe em comum à União, aos Estados, ao Distrito Federal e
aos Municípios a defesa do meio ambiente e o combate à poluição. Daí que
todos os entes podem legislar sobre águas desde que seja para combater a
poluição e proteger o meio ambiente.
Também se aplica à água o caput do artigo 225 da Constituição
Federal de 1988
Art. 225 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Conforme este texto legal, as águas passaram a ter uma proteção
especial quanto ao controle e vigilância da qualidade da água para garantir à
presente e futuras gerações um meio ambiente equilibrado, mesmo não
estando expressa a proteção da água, ela está inserida juntamente com o meio
ambiente.
Muito embora a Constituição Federal de 1988 tenha dado um
enfoque maior as águas do que as constituições anteriores, mesmo assim a
legislação consitucional é branda e antropocêntrica. Existe a necessidade de
artigos específicos para regular a preservação da água, vez que diante deles
atitudes diferentes por parte dos seres humanos serão tomadas. Além disso, a
proteção e preservação da água enseja atitudes positivas para a que
realização de tal direito não se mostre apenas como um dos projetos
inalcançados pela Constituição Federal.
2.3.2 Legislação infraconstitucional de proteção as águas
A água assegura a manutenção de vida no planeta Terra. Hoje se
conhece que á água potável é finita e, está ameaçada pelo homem à
58
manutenção da qualidade e quantidade da água. Contudo, após a análise da
proteção das águas sob a óptica constitucional, passa-se à análise de algumas
leis que buscam proteger e preservar a água no Brasil.
Algumas leis infraconstitucionais de proteção às águas, que vigoram
total ou parcialmente, datam da primeira metade do século XX. Entre elas as
mais importantes são: o Código de Águas – Decreto n.º 24.643, de 10-7-1934;
a Lei Federal n.º 9.433, de 08-1-1997, que instituiu a Política Nacional de
Recursos Hídricos; a Lei Federal n.º 9.984, de 17-7-2000 que criou Agência
Nacional de Águas – ANA; e o Decreto Federal n.º 3.692, de 19-12-2000, que
complementa a estrutura operacional da ANA.
Também as resoluções do CONAMA - Conselho Nacional do Meio
Ambiente - disciplinam o uso, a outorga, a manutenção da qualidade e
quantidade dos mananciais de água superficiais ou subterrâneas. As
Resoluções do CONAMA n.º 357/2005 e a de n.º 396/2008 tratam da
qualidade, da quantidade e da manutenção da água. A Lei Federal n.º
9.605/1998 tipifica os crimes ambientais, entre eles o crime de poluição. Na
esfera administrativa, o Decreto Federal n.º 6514/08 prevê as sanções
adinistrativas para quem provocar ou causar poluição hídrica. Uma das mais
recentes codificação sobre as águas está no Código Civil Brasileiro que entrou
em vigor no ano de 2002.
2.3.3 Código de Águas
O Código de Águas foi instituído pelo Decreto Federal n.º 24.643/34
para disciplinar o aproveitamento e a preservação dos corpos d’água,
demonstrando, com isso na época, a preocupação da sociedade brasileira com
a manutenção da qualidade desse elemento.
Segundo Carli,
Os mananciais hídricos começaram a alcançar relevo no sistema normativo brasileiro, a partir do denominado Código de Águas, instituído pelo Decreto 24.643/34 de 10 de julho de 1934, que objetivou proteger as águas de qualquer evento danoso e poluidor. O diploma normativo em tela classificou as águas em: águas públicas (de uso comum e dominiais), águas comuns e águas particulares. Tal
59
classificação, entretanto, recebe, hodiernamente, severes críticas, em especial, no tocante à espécie classificatória de águas particulares (2013, p. 143).
Embora já tenha sido parcialmente revogado chama-se atenção para
o artigo 8 do Código de Águas:
Art. 8 - São particulares as nascentes e todas as águas situadas em terrenos que também o sejam, quando as mesmas não estiverem classificadas entre as águas comuns de todos, as águas públicas ou as águas comuns.
Esse dispositivo foi revogado, pois contraria o disposto no art. 57 da
Lei Federal nº 9.433/97 e o disposto na Constituição Federal de 1988 que as
águas são bens de domínios públicos, ou seja, na época em que foi editado o
Código de Águas, as águas situadas nas nascentes, terrenos eram de
propriedade dos donos da propriedade onde estas eram localizadas. Explica
Machado (2009) que, o Código de Águas conferia ao dono de qualquer terreno
a proprietade da água nele encontrada, inclusive a subterrânea, mas,
resguardando o curso natural das águas, o que não poderia ser desviado,
também garantia a propriedade e o uso de terceiros, que não podiam ser
privados do uso da água por ato do dono do imóvel.
Quanto ao aproveitamento das águas,
O Código de Água trata no art. 34 e seguintes sobre o
aproveitamento das águas, dispõe sobre águas comuns de todos,
assegurando o uso gratuito de qualquer corrente ou nascente de
água para as primeiras necessidades da vida, uso garantido
independentemente do domínio das águas, possibilitando em áreas
rurais o trânsito em terrenos particulares para acessar esta água
(MILARÉ, 2007, p.467).
Mas o referido artigo está em desuso, principalmente nas áreas mais
desenvolvidas. Neste contexto, o Código de Águas foi alterado pela Lei Federal
nº 9.433/97 na parte que trata das concessões ou autorizações administrativas
para uso da água. Também foram revogados os arts. 68 a 95 do Código de
60
Águas que tratam sobre o aproveitamento das águas comuns e particulares por
serem públicas todas as águas (MILARÉ, 2007).
Quanto à gestão das águas, a preocupação era com a quantidade
de água. Não trazia o Código de Águas preocupação com a qualidade da água.
A base da preocupação estava no aproveitamento para hidroelétricas. Tanto a
União quanto os Estados buscavam esse aproveitamento único da água:
O Código de Águas tratava das “águas nocivas” em seus
art.109 a 116. Proibiam a qualquer pessoa “conspurcar ou contaminar
as águas que não consome, com prejuízo de terceiros”. Mas ás águas
podiam ser “inquinadas” para salvaguardar interesse da agricultura ou
indústria, mediante autorização administrativa, mediante indenização
de terceiros lesados pelo favor concedido (MILARÉ, 2007, p.468).
O Código de Águas representava o pensamento da época, década
de 30, do século XX, cuja preocupação era com terceiros prejudicados e não
manifestava preocupação com a preservação e com a manutenção da
qualidade dos corpos d’ água.
Quanto às águas pluviais, ou seja, águas da chuva, previa o Código
de Águas de 1934, nos arts. 102,103,104,107,108, que o dono dos prédios,
onde caía as águas pluviais, delas era dono, podendo dispor da água à
vontade, mas sempre resguardando o direito de terceiros que poderiam
também receber a mesma água. Havendo prejuízo de outros, esses detinham o
direito à indenização, que era a sanção prevista. Também podia livremente
apanhar a água da chuva que caía em terrenos públicos ou de uso comum,
mas não podiam ser construídos reservatórios sem a autorização da
administração (MACHADO 2009).
Para Machado (2009), tais regras foram mantidas, porque estimulam
ao aproveitamento da água das chuvas para as necessidades básicas. Aqui se
sobrepõe o direito natural, pois permite que pequenos proprietários ou os que
não têm propriedade se dirijam a lugares públicos para coletar á água da
chuva. Também afirma o mesmo autor que o espírito do tratamento das águas
da chuva valoriza a economia doméstica e a solidariedade em lugares áridos,
ou seja, caminha rumo a sustentabilidade na utilização da água.
61
2.3.4 Política Nacional de Recursos Hídricos
A Lei Federal nº 9.433/97 determinou a proteção das águas e seu
gerenciamento no uso e aproveitamento. Fez alterações no Código de Águas.
Partindo do princípio que a água doce é finita, de valor econômico e bem de
uso comum, essa lei revogou artigos do Código de Águas datado de 1934 e
estabeleceu novas regras para disciplinar o uso, a preservação e a
manutenção das águas no planeta.
A Lei 9.433/97 estabelece, entre os instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos, a outorga dos direitos de uso de recursos hídricos e a cobrança pelo uso dessa riqueza natural, nos termos do artigo 5º. Reconhece-se nesses mecanismos quádrupla natureza, pois são, ao mesmo tempo, instruentos de caráter político, jurídico, econômico e educativo. Na verdade, a outorga do uso da água, bem como a sua cobrança têm a função social de garantir o uso racional e sustentável do ouro azul, mas também de despertar o usuário acerca de seu papel de protetor dos mananciais de águas (...) (CARLI, 2013, p. 208).
A Lei Federal nº 9.433/97 está vinculada à gestão do meio ambiente.
Aumenta a responsabilidade das políticas nacionais, sobre a ecologia e o uso
da água. E soma a participação das comunidades, em particular, na área das
bacias hidrográficas (MILARÉ, 2007).
O referido diploma normativo te como escopo dar concretude ao disposto no artigo 225 da Carta Maior de 1988, que estabelece como dever de todos a preservação do Meio Ambiente, e determina ao Poder Público a obrigação de implementar políticas públicas, no sentido de gerir e proteger o macrossistema ecológico, do qual as águas fazem parte (CARLI, 2013, p. 213).
Essa lei deu execução ao que está previsto na Constituição Federal
de 1988, art. 21, XIX, que atribuiu à União a incumbência de instituir o Sistema
Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e definir critérios de outorga
de direitos de seu uso (MILARÉ, 2007).
O artigo 19 da lei em comento, mostra a finalidade de cobrança pelo
uso da água, elencando os fundamentos sócio-jurídicos da imposição da
outorga pelo uso da água.
62
Art. 19. A cobrança pelo uso de recursos hídricos objetiva: I - reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu real valor; II - incentivar a racionalização do uso da água; III - obter recursos financeiros para o financiamento dos programas e intervenções contemplados nos planos de recursos hídricos.
Segundo Carli (2013), as três razões insculpidas no referido artigo
são extremamente importantes para a gestão das águas. O inciso II que trata
do incentivo a racionalização da água é apregoado como o mais relevante dos
fundamentos, dele pode-se extrair o princípio da sustentabilidade hídrica. O
primeiro inciso é corolário do segundo e, o terceiro é considerado importante
sob a perspectiva funcional, visto que os projetos e programas voltados a
preservação das águas dependem de recursos.
No artigo 1246 da Lei 9433/97 estão elencadas as hípoteses de uso
das águas sujeitas a outorga e o absurdo paira no inciso III que permite o
lançamento em corpo de água de esgotos não tratados. Esta norma é
constitucional, muito embora esteja violando o artigo 225 da Constituição
Federal quando este impõe ao Estado a tutela do meio ambiente por meio de
ações legislativas e materiais (CARLI, 2013).
46 Art. 12. Estão sujeitos a outorga pelo Poder Público os direitos dos seguintes usos de recursos hídricos: I - derivação ou captação de parcela da água existente em um corpo de água para consumo final, inclusive abastecimento público, ou insumo de processo produtivo; II - extração de água de aqüífero subterrâneo para consumo final ou insumo de processo produtivo; III - lançamento em corpo de água de esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos, tratados ou não, com o fim de sua diluição, transporte ou disposição final; IV - aproveitamento dos potenciais hidrelétricos; V - outros usos que alterem o regime, a quantidade ou a qualidade da água existente em um corpo de água. § 1º Independem de outorga pelo Poder Público, conforme definido em regulamento: I - o uso de recursos hídricos para a satisfação das necessidades de pequenos núcleos populacionais, distribuídos no meio rural; II - as derivações, captações e lançamentos considerados insignificantes; III - as acumulações de volumes de água consideradas insignificantes. § 2º A outorga e a utilização de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica estará subordinada ao Plano Nacional de Recursos Hídricos, aprovado na forma do disposto no inciso VIII do art. 35 desta Lei, obedecida a disciplina da legislação setorial específica. (grifo nosso)
63
Os objetivos da Lei 9.433/97, embora antropocêntricos – como toda
a legislação infraconstitucional brasileira- vêm elencados no art. 2º47 e os
principais são:
[...] (i) assegurar à atual e às futuras gerações a necessária
disponibilidade de água com qualidade adequada para seu uso; (ii) o
uso racional e integrado dos recursos hídricos, com vistas ao
desenvolvimento sustentável; (iii) a prevenção e a defesa contra
eventos hidrológicos críticos, quer sejam de origem natural, quer
decorram do uso inadequado, não só da água, mas também dos
demais recursos naturais (MILARÉ, 2007, p.475).
Conforme o mesmo autor, os princípios básicos, a teor da Lei
Federal nº 9.433/97, são: a água é bem de domínio publico; a água é um
recurso natural limitado, dotado de valor econômico, as águas interiores,
superficiais e subterrâneas constituem em um recurso natural finito e
vulnerável, que, em período de escassez, o uso prioritário dos recursos
hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais; a gestão dos
recurso hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas; a bacia
hidrográfica é a unidade territorial para implantação da Política Nacional de
Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de
Recursos Hídricos; a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e
contar com a participação do poder público, dos usuários e das comunidades.
O art. 3º48 da Lei Federal nº 9.433/97 traz as diretrizes a serem
seguidas, destacando os incisos I e III, sendo o inciso “I - a gestão sistemática
47 Art. 2º São objetivos da Política Nacional de Recursos Hídricos: I - assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos; II - a utilização racional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o transporte aquaviário, com vistas ao desenvolvimento sustentável; III - a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem natural ou decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais. 48 Art. 3º Constituem diretrizes gerais de ação para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos: I - a gestão sistemática dos recursos hídricos, sem dissociação dos aspectos de quantidade e qualidade; II - a adequação da gestão de recursos hídricos às diversidades físicas, bióticas, demográficas, econômicas, sociais e culturais das diversas regiões do País; III - a integração da gestão de recursos hídricos com a gestão ambiental; IV - a articulação do planejamento de recursos hídricos com o dos setores usuários e com os planejamentos regional, estadual e nacional; V - a articulação da gestão de recursos hídricos com a do uso do solo;
64
dos recursos hídricos, sem dissociação dos aspectos de quantidade e
qualidade; Inciso III – a integração da gestão de recursos hídricos com a
gestão ambiental”.
Os instrumentos para implantação da gestão dos recursos fixados
pela lei são: “[...] os Planos de Recursos Hídricos; o enquadramento dos corpos
de água em classes; a outorga de direitos de uso; a cobrança pelo uso dos
recursos hídricos; o Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos”.
(MILARÉ, 2007, p.477)
Destaca-se que, o art. 33 da Lei n.º 9.433/1997, com a nova redação
do art. 30 da Lei 9.984/2000, estabeleceu o organograma funcional do Sistema
Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos. E essa lei integrou ao
Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos – ANA - Agência
Nacional de Águas.
Os Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos obedecerão às leis
locais e respeitarão as normas gerais indicadas na Lei Federal de regência.
Sendo assim, a Lei Federal 9.433/97 traz as infrações das normas de utilização
de recursos hídricos superficiais e subterrâneos. Todas as infrações elencadas
no art. 4949 da Lei 9.433/97 são tipos abertas para abrigar o universo possível
de infrações fixadas em atos administrativos infralegais. As penalidades estão
VI - a integração da gestão das bacias hidrográficas com a dos sistemas estuarinos e zonas costeiras. 49 Art. 49. Constitui infração das normas de utilização de recursos hídricos superficiais ou subterrâneos: I - derivar ou utilizar recursos hídricos para qualquer finalidade, sem a respectiva outorga de direito de uso; II - iniciar a implantação ou implantar empreendimento relacionado com a derivação ou a utilização de recursos hídricos, superficiais ou subterrâneos, que implique alterações no regime, quantidade ou qualidade dos mesmos, sem autorização dos órgãos ou entidades competentes; III - (VETADO) IV - utilizar-se dos recursos hídricos ou executar obras ou serviços relacionados com os mesmos em desacordo com as condições estabelecidas na outorga; V - perfurar poços para extração de água subterrânea ou operá-los sem a devida autorização; VI - fraudar as medições dos volumes de água utilizados ou declarar valores diferentes dos medidos; VII - infringir normas estabelecidas no regulamento desta Lei e nos regulamentos administrativos, compreendendo instruções e procedimentos fixados pelos órgãos ou entidades competentes; VIII - obstar ou dificultar a ação fiscalizadora das autoridades competentes no exercício de suas funções.
65
previstas no art. 5050 da Lei: advertência, multa, embargo provisório, embargo
definitivo (MILARÉ, 2007).
2.3.5 Código Civil Brasileiro de 2002 e a Proteção das Águas
O Código Civil, no Capítulo III, “Dos Bens Públicos e Particulares”
prescreve no art. 9951 que os bens públicos: inciso I, são de uso comum do
povo, tais como rios, mares, estradas ruas e praças. Também no art. 10052
determina que os bens de uso comum do povo são inalienáveis.
Garantiu o Código Civil que os rios e os mares são bens de uso
comum, embora, conforme a localização, há rios que estão sob os cuidados da
50 Art. 50. Por infração de qualquer disposição legal ou regulamentar referentes à execução de obras e serviços hidráulicos, derivação ou utilização de recursos hídricos de domínio ou administração da União, ou pelo não atendimento das solicitações feitas, o infrator, a critério da autoridade competente, ficará sujeito às seguintes penalidades, independentemente de sua ordem de enumeração:
I - advertência por escrito, na qual serão estabelecidos prazos para correção das irregularidades; II - multa, simples ou diária, proporcional à gravidade da infração, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 10.000,00 (dez mil reais); III - embargo provisório, por prazo determinado, para execução de serviços e obras necessárias ao efetivo cumprimento das condições de outorga ou para o cumprimento de normas referentes ao uso, controle, conservação e proteção dos recursos hídricos; IV - embargo definitivo, com revogação da outorga, se for o caso, para repor incontinenti, no seu antigo estado, os recursos hídricos, leitos e margens, nos termos dos arts. 58 e 59 do Código de Águas ou tamponar os poços de extração de água subterrânea. § 1º Sempre que da infração cometida resultar prejuízo a serviço público de abastecimento de água, riscos à saúde ou à vida, perecimento de bens ou animais, ou prejuízos de qualquer natureza a terceiros, a multa a ser aplicada nunca será inferior à metade do valor máximo cominado em abstrato. § 2º No caso dos incisos III e IV, independentemente da pena de multa, serão cobradas do infrator as despesas em que incorrer a Administração para tornar efetivas as medidas previstas nos citados incisos, na forma dosarts. 36, 53, 56 e 58 do Código de Águas, sem prejuízo de responder pela indenização dos danos a que der causa. § 3º Da aplicação das sanções previstas neste título caberá recurso à autoridade administrativa competente, nos termos do regulamento. § 4º Em caso de reincidência, a multa será aplicada em dobro. 51 Art. 99. São bens públicos: I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças; II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias; III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades. Parágrafo único. Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado. 52 Art. 100. Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei determinar.
66
União e outros sob os cuidados e fiscalização dos Estados. Quanto à
distribuição e lançamento de águas entre vizinhos, o Código Civil traçou
normas visando evitar atritos entre as pessoas e principalmente para garantir o
abastecimento para fins de garantir o atendimento “indispensável às primeiras
necessidades da vida”.
Ao tratar o direito de vizinhança, o Código Civil dedicou a seção V
para fixar normas sobre as águas e normatizar a relação dos proprietários de
terrenos ou de áreas rurais e o tratamento das águas. Fixa o Código que o
fornecimento de água para as necessidades básicas obriga os proprietários a
respeitar o curso natural das águas e o fornecimento de água de quem possui
para aqueles que na sua propriedade não dispõe de água, entre outras
obrigações, determinadas para prédios vizinhos ou contínuos.
Desse modo,
Destarte, ao continuar a tratar a água, em pleno século XXI,
como simples tema adaptado ao “direito de vizinhança”, vinculado ao
direito de propriedade, desconsidera o novo Código Civil a realidade
brasileira: uma realidade marcada pela necessidade de acomodar
quase 170.000.000 de seres humanos, com a existência de mais de
um milhão de pessoas em algumas capitais do País dentro de
estruturas em que grande parte das moradias se encontram em
“bairros espontâneos”, que estão a necessitar não só de “aquedutos”
mas de uma completa e bem estruturada organização visando
adequar a pessoa humana ao meio ambiente artificial (FIORILLO,
2005, p.144).
O Código Civil Brasileiro de 2002, definiu a posição das águas, para
recuperar e preservar os mananciais e previu algumas soluções para os
conflitos surgidos entre os vizinhos.
Muito embora, esta seja a mais recente codificação sobre a água e,
atenta-se apenas aos direitos de vizinhança e a posição das águas, dado a
amplitude da problemática da água vivida neste século, precisa-se de melhores
colocações sobre a preservação da água e solução para conflitos originários do
direito civil e do direito da vizinhança.
67
2.3.6 Resoluções CONAMA sobre a água
As resoluções expedidas pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente
– CONAMA –, instituído pela Lei Federal nº 6.938, de 31 de agosto de 1981,
dispõem sobre a Política Nacional do Meio Ambiente e instituem o Sistema
Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA – integrado por órgãos federais,
estaduais, e municipais, são responsáveis pela proteção ambiental. E o órgão
superior desse sistema é o CONAMA.
Compete ao CONAMA “estabelecer normas, critérios e padrões
relativos ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente com vista
ao uso racional dos recursos ambientais, principalmente os hídricos [...]”
(MILARÉ, 2007, p.468).
O CONAMA editou a Resolução 020, de 18/06/1986, que
inaugurou, no âmbito nacional, a gestão da qualidade das águas.
Esta Resolução foi recentemente revogada com a edição da
Resolução CONAMA 357, de 17/03/2005, que, por sua importância e
seus reflexos na Política Nacional de Recursos Hídricos, merece
consideração muito especial (MILARÉ, 2007, p.468).
A Resolução CONAMA 357/2005 trouxe a classificação das águas:
águas doces, salobras e salinas. E incorporou os padrões de qualidade de
cada uma dessas classes de água, segundo o aproveitamento das águas.
A Resolução CONAMA 393/2007 trata sobre a eliminação contínua
de água de processo ou de produção em plataforma marítima de petróleo e gás
natural. Ainda a Resolução CONAMA 396/2008 dispõe sobre a classificação e
diretrizes ambientais para o enquadramento, a prevenção e o controle da
poluição. Em resumo, a resolução traz a definição de águas subterrâneas;
análises toxicológicas; aquíferos; classes de qualidade da água subterrânea;
condições de qualidade; efetividade do enquadramento; limite de detecção do
método de quantidade praficoral; e quantificação de amostra; metas,
monitoramento, padrão de qualidade da água, remediação, teste de toxicidade;
68
usos preponderantes; valor de referência de qualidade - VRQ; valor máximo
permitido – VMP.
Conforme a Resolução CONAMA 396/2008, as águas subterrâneas
são distribuídas em classes 1, 2, 3, 4, e 5 com características próprias para
cada uma das classes. Essas classes qualificam o aquífero para uso ou não.
Também a resolução obriga a divulgação dos resultados dos testes realizados
para o controle da qualidade da água.53
A Resolução CONAMA 430, de 13 de maio de 2011, veio
regulamentar o art. 44 da Resolução CONAMA 357, que dispõe sobre os
parâmetros, condições, padrões e diretrizes para gestão de lançamento de
efluentes em corpos de águas receptores, alterou parcialmente e
complementou a Resolução CONAMA 357/2005.
53 Ministério do Meio Ambiente. Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resolução Nº 396, de 03 de Abril de 2008. Disponível em: <www.programaaguaazul.rn.gov.br/pdf/396.pdf.> Acesso em: 31 julho 2015.
69
CAPÍTULO 3
IMPORTÂNCIA DA ÁGUA PARA A PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE
NATURAL E PARA A MANUTENÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE VIDA
A água move todas as formas de vida no planeta Terra. Nos dias
atuais o mundo preocupa-se com a finitude da água, uma vez que esgotando-
se a água potável, esgota-se a vida no planeta. Esse paradigma explorado a
anos pelo ser humano deve ser utilizado de maneira responsável, sob a ótica
do cuidado dos seres humanos, para que seja possível manter o planeta e a
espécie humana vivos.
3.1 A CRISE: SINAIS DO FIM DE UMA ÉTICA
O homem, em busca do progresso econômico e de bem-estar,
passou muito tempo utilizando-se da natureza desenfreadamente. Com seu
antropocentrismo degradou grande parte da natureza. Todo esse aparato de
mudanças no planeta Terra, estão levando, por outro lado, a conscientização a
respeito da necessidade de uma mudança paradigmática na forma de vida da
humanidade, como algo imprescindível para que possa continuar existindo vida
no planeta, “resulta da relação do homem com a natureza, da forma como o
homem explora os benefícios que a natureza oferece” (CENCI, 2012, p. 315).
Enfim, é pela ação humana que a humanidade está sofrendo as terríveis
consequências de um meio ambiente em desequilíbrio, ou seja, “[...] é uma
crise provocada pelo comportamento humano” (CENCI, 2012, p. 315).
Neste sentido, o processo de desenvolvimento baseado somente no
modelo econômico, não tem levado a civilização a bons resultados. Neste novo
momento que a humanidade vive, mesmo com a exploração da natureza, é
possível verificar uma crescente conscientização e respeito em relação ao meio
ambiente. Dessa forma, segundo Leff,
O princípio de sustentabilidade surge no contexto da globalização como a marca de um limite e o sinal que reorienta o processo civilizatório da humanidade. A crise ambiental veio
70
questionar a racionalidade e os paradigmas teóricos que impulsionaram e legitimam o crescimento econômico, negando a natureza. A sustentabilidade ecológica aparece assim como um critério normativo para a reconstrução da ordem econômica, como uma condição para a sobrevivência humana e um suporte para chegar a um desenvolvimento duradouro, questionando as próprias bases da produção (2001, p. 15).
A sustentabilidade está ligada de maneira geral ao desenvolvimento,
que está ligado à preservação do meio ambiente e seus componenetes.
Todavia esta concepção não é única, pois a sustentabilidade é dinâmica, e
permite uma infinidade de teorização a respeito, pois segundo Freitas (2012),
ela é multidimensional e podem ser estudadas nas dimensões ética,
econômica, jurídico-politica e social, “para consolidá-la nesses moldes,
indispensável cuidar do ambiental sem ofender o social, o econômico, o ético e
o jurídico-político ” (FREITAS, 2012, p. 57). Nesse viés, o compromisso da
sustentabilidade não apenas com a mitigação ambiental, mas com a prevenção
e a precaução, no sentido de evitar danos previsíveis e gerar bem-estar
(FREITAS, 2012).
A humanidade necessita de um meio ambiente saudável para
sobreviver e para a manutenção da vida no planeta, devendo utilizar os
elementos da natureza de maneira responsável, Gleiser explica que “a vida e a
Terra são uma só. Disso nunca devemos esquecer” (2010, p. 223). Neste
sentido, a preservação equilibrada do meio ambiente, implica na manutenção
dos bens que o integram, entre eles, a água. Os seres humanos não estão
sabendo proteger e preservar a água de forma adequada, uma vez que, é
dever do estado e do cidadão preservá-la sob pena de comprometer a vida,
pois a água é essencial para todas as formas de vida que existem no planeta
Terra.
A água está distribuída na superfície terrestre, ¾ são cobertos de
água, e apenas 2,5% desse total são formados por água doce. A maior parte
da água está nos oceanos. A menor parte da água doce é aproveitável para o
consumo e irrigação, “o volume de água doce no planeta é fixo, não aumenta
nem diminui. Mas à medida que a população aumenta, diminui a quantidade de
água per capita e, consequentemente, a disponibilidade desse recurso como
um todo” (Sirvinskas, 2013, p. 382). No Brasil há aproximadamente 12% da
71
água doce que pode ser utilizada no mundo, é um país privilegiado nesse
aspecto, talvez por essa razão o desperdício seja grande. Logo, a água doce
disponível já é escassa relacionada ao número de pessoas, animais e vegetais
que precisam dela para sobreviver, e os fatores que estão levando a escassez
da água doce são principalmente o uso irregular, como: a irrigação inadequada
pela agricultura e indústria, o uso descontrolado na atmosfera doméstica, e a
poluição. Acrescenta Morin que “La escasez no es la única preocupación em lo
que a la gestión de los recursos hídricos se refiere. El deterioro de su calidad y
su contaminación creciente también son preocupantes ” (2011, p. 92).
Dessa forma, algumas práticas no consumo da água doce perduram
no tempo, é comum ver os individuos lavarem seus carros e calçadas
frequentemente, pois inconscientemente utilizam-se de ações como estas,
desperdiçando água, pensando que este bem tão valioso, não se esgotará,
“We need to use prudently – no one will argue with this statement. But in fact
we are wasteful”54 (LUNDQVIST apud CARLI, 2013, p. 63).
Pode ser que, no passar da vida desses indivíduos despreocupados
com o futuro da água, a água continue sendo de fácil acesso, mas e quanto
aos futuros hóspedes do planeta? As gerações que estão por vir, terão acesso
a água doce e potável se esses hábitos continuarem? Os outros seres vivos
poderão se manter sem água? Ou melhor, existirá alguma forma de vida sem
água potável?
Assistimos a água doce, e potável, “indo pelo ralo”, outro exemplo é
as descargas dos vazos sanitários, ali mesmo, vai uma enorme quantidade de
água doce desperdiçada. Entre outras práticas insustentáveis nas indústrias e
atividades de pecuária onde vai uma quantidade absurda todos os dias de
água doce e muitas vezes própria para o consumo. Acrescenta Ruscheinsky
que, “O consumo cotidiano da água constitui também um marco situacional a
ser analisado por um referencial teórico, uma vez que nos referimos a cultura, a
interesses e a visões de mundo “(2010, p. 236).
Ademais, a pecuária, criação de animais para o consumo humano, é
uma das atividades que mais contribui para a poluição da água doce, pois os
54 Tradução livre: “Nós precisamos usar a água de forma prudente. Ninguém questiona isso. Mas, na verdade, nós estamos desperdiçando água. ”
72
antibióticos, hormônios, fertilizantes entre outros medicamentos e venenos
utilizados nos animais são extramente degradantes para a natureza. Segundo
Morin,
Las principales contaminaciones químicas son debidas a la agricultura y a ciertas industrias. El uso masivo de pesticidas extremadamente nocivos para los seres vivos en la agricultura, provoca uma diseminación de esas sustancias em los medios acuáticos subterrâneos o de superfície, y acarrea la muerte de numerosas especies animales. Los nitratos y los fofatos que contienen em grandes cantidades los fertilizantes provocan problemas de eutrofización, lo cual comporta la destrucción de toda vida animal o vegetal bajo la superficie (2011, p. 93).
Há de ser considerado que a água se apresenta na natureza pela
forma superficial e subterrânea. A água superficial está nos rios, lagos e
riachos, como exemplo, as bacias hidrográficas. A água subterrânea está no
subsolo e nas rochas, chamadas de aquíferos. Morin, também chama atenção
para a poluição nas águas subterrâneas “El agua de las capas frenéticas, los
ríos y los lagos también está desnaturalizada por la contaminación de los
fertilizantes, pesticidas, emisiones y residuos industriales tóxicos ” (2011, p.
93).
Nesse viés, destaca-se também que a agricultura e as indústrias são
grandes consumidoras da água, o que novamente recai para o consumo
humano da água, direta e indiretamente, “o setor agrícola é o maior consumidor
de água. Ao nível mundial a agricultura consome cerca de 70% de toda a água
derivada das fontes (rios, lagos e aquíferos subterrâneos), e os outros 30%
pelas indústrias e uso doméstico ” (CARVALHO; SILVA, p. 41). A utilização da
água na produção e indústria, portanto, é uma forma antropocêntrica de
utilização da água.
Contudo, precisa-se da conscientização dos seres humanos, como
seres dotados de racionalidade, em relação ao uso sustentável da água.
Assim,
Espera-se com otimismo que os seres humanos, racionais por natureza, verdadeiramente se tranformem em arautos da sustentabilidade dos mananciais das águas, seja reduzindo seu uso,
73
ou praticando atos que causem menos impacto à qualidade desse líquido precioso e essencial à vida de todos (CARLI, 2013, p. 209).
Dessa forma, a verdade, é que quando utilizamos a água, tomamos
decisões invisíveis, pois não tem ninguém patrulhando ou cuidando quando se
está lavando louça, carro, calçadas, “a ética ambiental propõe um sistema de
valores associado a uma racionalidade produtiva, a novos potenciais de
desenvolvimento e a uma diversidade de estilos culturais de vida” (LEFF, 2001,
p. 86). Manias culturais e muitas vezes insustentáveis prejudicam o destino da
água doce e potável. Mas para ter uma solução racional, deve-se estar claro
que, tudo começa com uma revolução individual, ações individuais
incorporadas na rotina diária, que juntamente com muitas outras decisões
alterarão o destino e o consumo das águas.
Sabe-se que, a água assegura a manutenção de vida no planeta
Terra. Shiva acrescenta que “Un sostituto di questo liquido prezioso,
indispensable per la sopravvivenza biologica di animali e piante, semplicemente
non esiste (2010, p. 32)”55. Hoje se conhece que á água doce é finita, e está
ameaçada pelo homem a manutenção da qualidade e quantidade da água. Por
essa razão, que existem leis constitucionais e infraconstitucionais que
protegem a água no Brasil e no mundo.
Estamos diante de uma crise ambiental que se manifesta no mundo
todo, nesse contexto é dever do homem - ser dotado de racionalidade –
preservar e usar sustentavelmente a água. Para evitar a escassez e o
esgotamento da água doce deve haver uma reeducação na sua utilização.
A crise hídrica, no Brasil, já pode ser percebida em estados como
São Paulo. Tal situação demonstra a relevancia de realizar uma reflexão mais
detalhada da necessidade da proteção desse direito fundamental essencial a
preservação da qualidade de vida na Terra.
A verdade é que a água nunca foi respeitada, pois sempre tivemos,
especialmente no Brasil, água em abundância e gratuíta. Com a outorga da
água, teve uma espécie de reeducação no consumo da água, mas recuperar o
55 Tradução livre: “Um substituto para este líquido preciso, necessário para a sobrevivência biológica de animais e plantas, simplesmente não existe.”
74
que já foi degradado e poluído é muito difícil, para não dizer impossível.
Ressalta-se que a outorga da água doce compreende o uso da água. O
cidadão paga pelo uso e não pela propriedade. A outorga das águas, também
regula a utilização da água doce, seu desperdício ou poluição.
Não existe, ainda, por grande parte dos individuos uma reeducação
no consumo da água doce, principalmente por aqueles que têm facíl acesso a
ela. Isso é notável. A praticidade acomoda os seres humanos, fazendo-os não
mudar os hábitos insustentáveis de consumo da água. Mas será necessário a
escassez da água atingir todo o planeta para os individuos realmente se darem
conta que esse recurso é esgotável? Parece que isso nunca acontecerá, mas
se não ouver uma mudança paradigmática no consumo e utilização da água
doce esse é o destino que nos espera. Nesse sentido Ruscheinsky acrescenta
que,
A civilização onde a água passa a ser considerada um direito
fundamental não consiste na multiplicação dos desejos ao prazer de
gozar nos desperdícios, das aspirações ao consumo e dos meios de
satisfazê-los, mas no refinamento da qualidade de vida, a partir de
uma ética de comportamento que qualifica a dimensão do coletivo
(2010, p. 237).
A proteção a um meio ambiente saudável e equilibrado a partir de
ações sustentáveis é a solução para dar o respeito ao meio ambiente e seus
elementos, dos quais o homem e todos os seres que habitam o planeta Terra
necessitam para sobreviver, aqui em enfoque a água doce. A preservação
sustentável da água é um direito dos cidadãos, dos hóspedes presentes e
futuros do planeta, e a importância da consciência da humanidade em ter
atitudes sustentáveis influencia para ter-se uma vida com qualidade e
dignidade.
Os seres humanos como parte da natureza, e dotados de
racionalidade, têm o dever de proteger o meio ambiente. A água, é a principal
fonte de vida do planeta, e deve ser tratada com respeito pela humanidade. As
atitudes humanas refletem diretamente no consumo da água doce, podendo o
impacto de suas ações serem boas ou ruins para o meio em que vivemos. É
necessária a conscientização individual do homem para que haja
75
sustentabilidade no consumo da água doce, e sempre olhar ao reflexo que as
atitudes humanas individuais podem gerar para toda a coletividade.
O consumo sustentável da água pressupõe um compromisso
individual e coletivo do homem com o meio ambiente, que se expressa na
moderação, na preservação e utilização responsável da água. Neste sentido,
trata-se de uma responsabilidade do homem o uso equilibrado e limitado da
natureza. Acrescenta Dupas que,
Hoje a natureza se converteu num problema ético; ela está tão degradada por ações humanas que a nossa relação com ela se converteu em problema decisivo na constituição do ser afetando as condições de vida sociais e a possibilidade de sobrevivência futura da espécie. Urge uma nova ética de responsabilidade, informada por um saber que ilumine as conseqüências deliberadas da ação humana (2006, p. 121).
A água é bem fundamental para a manutenção da vida no planeta. O
caminho ainda é longo quando se trata da educação do consumo sustentável
da água. Mas nota-se uma crescente conscientização da população nesse
sentido. Esse bem finito, deve ser utilizado com responsabilidade pelos
indivíduos.
De acordo com a situação ocorrida com a água a nível mundial,
percebe-se a necessidade de refletir sobre a importância de ver esta como um
direito humano fundamental, já que sem ela uma vida com dignidade não seria
possível. Trata-se de um bem fundamental à existência humana e por isso
deve ser tratada como tal.
Nesse sentido, nota-se que o direito humano fundamental à água,
ultrapassa as fronteiras dos Estados. Para Rodotá (2012) as fronteiras
abstraem e limitam a humanidade, torna os indivíduos meros sujeitos definidos
em normas e, abre espaço para a violação de direitos e a coisificação da vida.
Isso não pode ocorrer com os direitos humanos fundamentais, para esclarecer
melhor, com a água.
As decisões em torno da utilização da água devem ser tomadas em
liberdade e igualdade pelos indivíduos, deve ser pensada como um direito
Global. Morin (2013) acrescenta que, a falta de água no mundo, que assola
76
bilhões de pessoas, é uma polêmica central para se alcançar uma política
global.
Atualmente no Brasil, ocorre algo parecido com o que aconteceu na
Bolívia no ano de 2000. A cidade de São Paulo/SP está sofrendo as terríveis
consequências da má utilização da água doce, ou seja, algumas regiões da
referida cidade já estão sofrendo com a falta de água. É uma catástrofe
ambiental e social e, chegou-se a cogitar a proposta da privatização da água.
A privatização pode levar a uma grave crise hídrica, vez que
penalizaria os indivíduos mais pobres restringindo o uso desse bem comum,
que é acima de tudo direito humano fundamental. Conforme Rucheinsky, “Não
queremos águas poluídas e contaminadas, nem escassas e desperdiçadas
para o consumo, nem envenenadas no ecossistema de múltiplos seres vivos;
também não queremos que sejam privatizadas, pois não tem sede de dólares”
(2010, p. 242).
Uma das soluções temporárias encontradas para minimizar a crise
hídrica em São Paulo foi o rodízio com 5 dias sem água para determinadas
regiões, que será posto em prática caso as chuvas não melhorarem, assim
Apesar de já estar sendo usada a segunda cota do volume morto do sistema, o “rodício drástico” só deve acontecer se as chuvas nos mananciais continuarem abaixo da média e se não surtirem efeito medidas como redução da pressão da água distribuída e da quantidade captada, criação de bônus e sobretaxa para incentivar menos consumo, além de planos para aproveitar a reserva da Billings (PEREIRA e outros, Folha de São Paulo)56.
A água já está em disputa, pois com cada vez menos água ocorrerá
mais conflitos, dessa forma os indivíduos devem repensar suas atitudes frente
a esse elemento da natureza, uma vez que, como visto, este é finito. Nesse
sentido, devemos agir localmente e pensar globalmente quando o assunto é a
natureza e seus elementos, especialmente quando se trata da água, pois “El
agua es limitada, tanto local como globalmente ” (Morin, 2011, p. 92).
56 PEREIRA e outros. Rodízio com cinco dias sem água já preocupa paulistanos. Folha de São Paulo. Disponível em < http://www1.folha.uol.com.br/saopaulo/2015/02/1582941-rodizio-com-cinco-dias-sem-agua-ja-preocupa-paulistanos.shtml> Acesso em: 04 jan. 2015.
77
A crise da água é real. Já estamos vivendo uma situação de crise,
falta d’água, poluição d’água, desperdício d’água. Ocorre muito debate,
principalmente na mídia, sobre a escassez da água. Mas na verdade, não
estão sendo tomadas atitudes eficientes pelos governos para combater essa
crise que se alastra cada vez mais. Nesse interím destaca Morin que “La
escasez no es la única preocupación em lo que a la gestión de los recursos
hídricos se refiere. El deterioro de su calidad y su contaminación creciente
también son preocupantes ” (2011, p. 92). A água para o consumo humano tem
que ser potável e estar de acordo com as normas do Ministério da Sáude57,
não existem normas para o consumo da água pelos outros seres vivos que
habitam o planeta. Mas deve-se imaginar que para o consumo de qualquer ser
vivo a água não pode estar polúida ou contamida e ser no mínimo potável.
O caminho seguido pelos seres humanos foi a abundância a crise da
água. No ano de 1913, John Muir, lutou contra a construção da barragem
Hetch Hetchy situada no Parque Yosemite. A barragem foi construída para
suprir as necessidades de água da cidade de São Francisco na Califórnia.
Nesse sentido ressaltam Oliveira e Lourenço que,
Considerar alguns casos diante dos direitos da natureza permite visualizar as implicações desta juridicidade. Pense-se na hidroelétrica de Belo Monte, que está sendo construída no Rio Xingu. A integridade do ecossistema foi gravemente afetada e a regeneração (volta às condições originais ou a condições similares) simplesmente não é mais possível. O mesmo se diga para a extração de petróleo no pré-sal. Igual para um aterro sanitário ou para fins urbanos, como o do Flamengo no Rio de Janeiro, ou para construção de um porto. Ou a transposição das águas do Rio São Francisco. A lavoura, ainda mais em grande escala (agroindústria). A pecuária, por óbvio, admitida por Acosta e pela maioria dos adeptos dos direitos da natureza, justamente ela que é o principal fator de desmatamento da Floresta Amazônica. O que se está a afirmar é que a se levar a sério os direitos da natureza, conforme as redações legais, uma série vasta e determinante do modelo contemporâneo de vida humana fica evidentemente obstada. A não ser assim, caem em mera retórica, assumindo seu enfileiramento no antropocentrismo da economia verde, consoante modelo da ONU (2013, [s.p.]).
57 A Portaria 518, de 25 de março de 2004, expedida pelo Ministério da Saúde, “estabelece os procedimentos e responsabilidades relativos ao controle e vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade, e dá outras providências”.
78
Uma das agravantes da crise da água, foi a Humanidade não ter
levado a sério os direitos da natureza, o que comporta também a sua utilização
de uma maneira não antropocêntrica. Portanto, diante da crise da água já
vivenciada atualmente, existe a necessidade da mudança do olhar e do agir
perante a água, o que implica a ética do cuidado.
3.2 RELAÇÃO DA ÉTICA DO CUIDADO COMO MEIO POSSÍVEL DA
REFLEXÃO E TRANFORMAÇÃO DESSE PARADIGMA EXPLORADOR
A humanidade enquanto desenfreadamente usufruia a natureza,
esqueceu que a manutenção da vida no planeta depende da preservação
desta, colocando assim, em risco as outras espécies de vida. O desequilibrio
ambiental vivenciado atualmente trata-se do reflexo das atitudes humanas no
decorrer dos anos, ações irresponsáveis e egoístas. Em razão disso, deve-se
ter em mente que as atitudes humanas cotidianas são fundamentais no
processo de preservação.
Como é sabido, a vida e a natureza estão ligadas e são
interdependentes, mas a maneira como os seres humanos tem agido não está
correto. Afinal, é ao homem que cabe a responsabilidade de cuidar da
natureza, preservando-a para garantir a harmonia entre as formas de vida
existentes na Terra.
Lembrando, sempre, que o ser humano não vive e não sobrevive
sozinho no planeta Terra. Todas as formas de vidas devem ser preservadas. O
ser humano faz parte desse nucleo biótico, e não é o centro dele como tem
agido durante anos. O antropocentrismo deve ser afastado. Cada vida tem o
seu valor, vez que isso deve ser reconhecido pelo homem.
O homem deve agir sustentavelmente, vez que como agente
transformador da sociedade, deve implantar medidas preservatórias do meio
ambiente. Os sentimentos e atitudes fraternas e solidárias são os pontos de
partida para a mudança de paradigma da humanidade em relação ao Outro,
que não precisa necessariamente ser humano.
79
A sustentabilidade se volta para a preservação da vida no planeta
Terra, e para que exista um meio ambiente saudável e equilibrado necessita-se
de atitudes sustentáveis dos seres humanos, acrescenta Boff que, a
“[...]Sustentabilidade é um modo de ser de vida que exige alinhar as práticas
humanas das presentes e das futuras gerações ” ( 2012, p. 16).
Nesse viés, ter atitudes sustentáveis é viver cada dia com o
sentimento de estar próximo ao outro, que não necessariamente precisa ser
físico, agindo com solidariedade em prol da sociedade, esta é a chave da ação
sustentável. Nesse contexto indaga Boff,
Como organizar uma aliança de cuidado para com a Terra, a vida humana e toda a comunidade de vida e assim superar os riscos referidos? A resposta só poderá ser: mediante a sustentabilidade real, verdadeira, efetiva e global, conjugada com o princípio do cuidado e da preservação (2012, p. 14).
Segundo Boff (2012) o que não se pode é por descuido “chegar
tarde demais”. Nesse sentido, o consumo diário da água deve ser analisado e
revisto, pois a água é direito humano fundamental e, todos os indivíduos devem
ter acesso a ela, de uma forma que seja apenas necessária para suprir suas
necessidades básicas. Por essa razão, também, deve-se ter uma ética
diferenciada quando se trata da água: a ética do cuidado.
Inventada por Boff (2012), a ética do cuidado tem como base a
alteridade, ou seja, o pensar no Outro; a responsabilidade e, está ligada a
existência de vida.
Pela ética do cuidado a proteção e preservação da água é um
paradigma inspirador para seguir com a manutenção da vida no planeta. Nesse
sentido, ocorre a nessecidade da mudança do olhar e do agir, mudança de
atitudes, ter atitudes menos antropocêntricas e mais sob o aspecto da ética do
cuidado.
Sempre existiu um descaso pela Humanidade em relação a água,
especialmente no Brasil, que a água era abudante. Ninguém imaginava que
esse elemento essencial a vida estaria em risco de chegar ao fim,
80
Os estudos sobre os impactos da degradação da água trouxeram à tona, de forma quase ordinária, seja na agenda governamental, seja na agenda dos movimentos ambientalistas a preservação da água potável, os usos, a degradação, entre outros aspectos (RUSCHEINSKY, 2014, p. 230).
Segundo Boff (2013) a ética do cuidado orienta-se por um novo
sentido de viver e, para se efetivar na proteção e preservação da água, deve
existir uma mudança de paradigma em relação a utilização da água pelos seres
humanos. Uma mudança drástica de atitudes sob o prisma do cuidado.
Através da ética do cuidado não se deve ver a natureza como
objeto, ou seja, a ética do cuidado é uma ética não antropocêntrica. Para a
ética do cuidado deve-se reconhecer o valor intrínseco da água, vez que a
natureza demanda de cuidado para ser preservada. Ou melhor, o nosso
planeta demanda de cuidado.
Apenas colocando em prática a ética do cuidado será possível
colocar em prática também a sustentabilidade. O cuidado é essencial para a
construção de um planeta ecológico, e diante da crise vivenciada no mundo
todo da água, a missão dos seres humanos é seguir o caminho da
sustentabilidade e da ética do cuidado para alcançar a preservação do planeta.
Nesse sentido, pode-se dizer que a ética do cuidado faz uma relação
com a água melhor do que a ética antropocêntrica. Vez que a ética
antropocêntrica nos levou a crise da água.
A utilização irresponsável da água pelos seres humanos,
principalmente na busca de progresso, ocasionou a crise da água atual. Os
seres humanos utilizam a água como se está não tivesse fim. A
despreocupação com esse elemento da natureza ainda é grande, mesmo com
todo o alarme da mídia e de estudiosos sobre a finitude da água ainda existem
seres humanos despreocupados com a situação.
Nossa cultura é antropocêntrica, essa mudança de paradigma
precisa existir para que seja possível continuar à manter vida no planeta. O
antropocêntrismo e a insustentabilidade levaram ao desequilibrio ambiental.
O olhar para a coletividade é uma constante construção de uma
mudança no antropocentrismo para a construção de uma visão cidadã, visando
à evolução do homem e do meio em que vive, permitindo que a geração atual
81
possa suprir as suas necessidades sem comprometer a capacitação das
gerações futuras.
Portanto, é necessária a conscientização individual do homem para
que haja sustentabilidade, e sempre olhar ao reflexo que as atitudes humanas
individuais podem gerar para toda a coletividade. A sustentabilidade pressupõe
um compromisso individual e coletivo do homem com o homem e com a
natureza, que se expressa na moderação, na preservação e utilização
responsável dos bens naturais disponíveis.
A sustentabilidade e a ética do cuidado estão juntas.
Sustentabilidade é cuidar, e cuidar nos remete a sustentabilidade. Explica
Rucheinsky que,
O processo de discussão e de ressignificação do uso dos bens naturais coteja a ótica da utopia para a questão ambiental. A compreensão do cuidado aponta para múltiplas experiências de ressignificação das ações, uma vez que se possa vir a considerar os usos diretos e os indiretos da água nua sociedade do desperdício (2010, p. 241).
A ética do cuidado nos remete a sua base: a alteridade. A alteridade
também é um dos pilares da sustentabilidade. O pensar no Outro deve estar
presente quando se trata da água. O ser humano não vive sozinho no planeta,
já nos ensinou Lovelock. E consequentemente não existe vida sem água
potável,
A água na sua dimensão de fundamento da vida humana requer o desenvolvimento da contemplação e do ritual de dirigir-se a uma alteridade que ao mesmo tempo nos possui. Com isto se processa o encaminhamento através do qual, segundo Freire, ao admirarmos e ao adentrar-nos no ad-mirarmos o miramos de dentro e desde outro ponto de vista, o que faz ver o antes não se via (RUCHEINSKY, 2010, p. 242).
A mudança do agir é fundamental “[...] A escassez da água potável
já contém um apelo para o consumo mais racional, para a articulação de
energias inerciais devidas às práticas sociais contra o desperdício e a
contaminação, para a politização do consumidor ” (RUCHEINSKY, 2010, p.
243).
82
Boff, ensina que se deve recomeçar para salvar o planeta. O modelo
antopocêntrico adotado até os dias de hoje pela humanidade precisa ser
modificado, o Humano deve buscar no passado as atitudes que precisam ser
tomadas diante da natureza, ou seja, o pacto com a natureza precisa ser
estabelecido.
A situação atual se encontra, social e ecologicamente, tão degradada que a continuidade da forma de habitar a Terra, de produizr, de distribuir e consumir, desenvolvida nos últimos séculos, não nos oferece condições a salvar a nossa civilização e, talvez até, a própria espécie humana; daí que imperiosamente se impõe um novo começo, com novos conceitos, novas visões e novos sonhos, não excluídos os intrumentos científicos e técnicos indispensáveis; trata-se, sem mais nem menos, de refundar o pacto social entre os humanos e o pacto natural com a natureza e a Mãe Terra (BOFF, 2012, p. 15).
Para que essa mudança de paradigma aconteça é necessária uma
transformação na maneira de agir e pensar sobre a natureza, aqui em enfoque
a água, destaca Boff (2012) que é preciso ler a realidade e ter a consciência,
aos passos de Albert Einstein, que o pensamento que criou essa situação, não
é o mesmo que vai tirar-nos dela. Para que se efetive a mudança é necessário
também a mudança de coração, não basta apenas ter a ciência e a técnica,
estas indispensáveis, mas também se necessita da inteligencia emocional e
cordial para ocorrer a mudança na proteção desse paradigma explorador.
O amanhã pode ser de escassez de água para o consumo humano ou de abundância, tudo depende das opções que temamos hoje: conservação dos cursos de água, abastecimento de água, credibilidade dos serviços públicos, consumo responsável e planejamento para garantir este bem básico às gerações futuras (RUCHEINSKY, 2010, p. 246).
A civilização onde a água é considerada direito fundamental não faz
jus a esse direito ao gozar nos desperdícios no consumo da água. A água deve
ser utilizada pelos seres humanos para suprir suas necessidades básicas, mas
o cenário atual não demonstra isto. A cultura de consumo da água pelos seres
humanos defronta-se com a necessidade da mudança para minimizar a crise.
Por essa razão que a cultura antropocêntrica na utilização da água deve ser
modificada para uma cultura baseada na ética do cuidado.
83
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os fundamentos teóricos apresentados nesta dissertação objetivam
o estudo da ética, especialmente a ética do cuidado e a sua relação na
proteção e utilização da água, ou seja, uma forma diferente de compreender a
natureza e os seres vivos que a integram, bem como a análise da proteção da
água em algumas leis constitucionais e infraconstitucioanais brasileiras e
bolivianas, entre outros tratados, convenções e cúpulas que ocorreram até os
dias atuais sobre a água. Também é abordada a falta da ética na utilização da
água, como a água é entendida e como deveria ser entendida em termos
morais e, a necessidade de mudança na utilização desse paradigma
explorador.
O estudo desenvolveu-se na Linha de Pesquisa Fundamentos do
Direito e da Democracia.
Para desenvolver a pesquisa, o trabalho foi dividido em três
capítulos, com a finalidade de organizar o conteúdo.
A história demonstra que a humanidade desenvolve-se explorando a
natureza. Este modelo insustentável de desenvolvimento requer uma
redefinição, ou seja, incorporar uma efetiva preocupação com os elementos da
natureza. Particularmente, para este estudo, interessa a água, que se constitui
em preocupação de cientistas e estudiosos e vem, aos poucos, conseguindo,
por meio de ações, programas e esclarecimentos à sociedade, ocupar um lugar
de destaque nas discussões e na formulação de políticas públicas voltadas à
proteção do direito à água.
O Estado brasileiro, ao passar dos tempos evoluiu na proteção
ambiental, em suas normas, e também com políticas públicas de proteção e
preservação ambiental, mas ainda não é suficiente diante do tamanho da
problemática ambiental vivenciada nos dias atuais. A proteção aos corpos
d’água superficiais e subterrâneos abrange aspectos protetivos contra o
desperdício e a poluição na esfera constitucional e infraconstitucional. A
sustentabilidade, também tem grande importancia na regulação da proteção da
água para a manutenção da vida na Terra, pois com atitudes de preservação,
84
ou seja, ações sustentáveis, conseguir-se-á manter a água própria para o
consumo e também ajudar a evitar a escassez da água. Dessa forma, nota-se
que se necessita da conscientização da população em relação a finitude da
água, inclusive atenção ao impacto das atitudes humanas em relação a água,
seja pelo uso irregular ou ilimitado desta.
Nessa concecpção, a maior preocupação em torno do consumo
sustentável da água, é com a vida na Terra futuramente, seja a vida humana,
vegetal ou animal, bem como a qualidade de vida das futuras gerações. É
necessário agir com solidariedade no presente para que os hóspedes futuros
do planeta tenham acesso a água e uma boa qualidade de vida.
A preservação e o controle da qualidade da água estão sendo
realizadas pelo gerenciamento das bacias hidrográficas, por órgãos
fiscalizadores e, principalmente, pela outorga d’água, isto é, hoje para usar a
água, seja para beber, irrigar ou para indústrias, é necessário obter licença e
pagar o direito de uso aos órgãos responsáveis. Essa também, é uma forma de
educar os indivíduos no consumo da água.
Esta mudança para o consumo sustentável da água doce, pode
ocorrer, mesmo que de forma muito lenta. Por isso, a importância de o assunto
ser colocado em pauta. Os indivíduos precisam se conscientizar que a água é
finita e poderá acabar se os hábitos rotineiros irregulares dos seres humanos
não forem modificados.
Para minimizar o uso indevido do recurso natural, água, o legislador
brasileiro, editou normas constitucionais, conforme previsto no art. 225 da
Constituição Brasileira de 1988 e leis infraconstitucionais, como: a Lei
9.605/1998, Código Civil de 2002, Código de Águas – lei n.º 24.643/34, Política
Nacional dos Recursos Hídricos - lei n.º 9.433/1997, Resoluções do CONANA,
e Instruções Normativas.
As leis, não alcançarão êxito na proteção da água doce se não
houver a conscientização dos indivíduos na questão da água e sua finitude. O
homem não vive sozinho no planeta Terra, em razão disso as pesquisas em
torno do valor inerente de cada ser têm se destacado, e algumas Constituições
já evoluíram nesse aspecto. Deve-se reconhecer os direitos dos outros seres
85
que habitam o planeta, e a evolução começa com atitudes fraternas e solidárias
do ser humano.
Portanto, a natureza jurídica da água, mesmo com todo o aparato de
leis, tratados, convenções entre outros, ainda é branda. Na prática, falta a
aplicação dessas leis, elas deixam a desejar na sua efetividade. Contudo, a
efetividade somente será alcançada com a concientização em torno da finitude
água. E, por mais que a água esteja protegida juridicamente, a sua
preservação tem a ver com atitudes cotidianas de economia refletindo a ideia
da ética do cuidado.
Por fim, na conclusão confirma-se a hipótese, pois o manejo da água
é melhor na ética do cuidado do que na ética antropocêntrica, pois a ética do
cuidado tem como base a responsabilidade, a alteridade e a preservação, o
que resulta uma maneira diferente de agir e de pensar sobre esse elemento da
natureza.
86
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