View
221
Download
0
Category
Preview:
Citation preview
INCLUSAO/EXCLUSAO: SURDEZ E LINGUAGEM NO CONTEXTO
ESCOLAR
Regina Aparecida Macera1
Maria de Lourdes Oliveira Ximenes2
1. RESUMO Este artigo relata os resultados do Projeto de Implementação pedagógica intitulado “Inclusão/exclusão: Surdez e linguagem no contexto escolar”, desenvolvido com os professores do Colégio Estadual Luiz Setti, situado no município de Jacarezinho (PR), no segundo semestre de 2011, como requisito do PDE – Programa de Desenvolvimento Educacional. A implementação pedagógica realizada por este projeto teve por objetivo refletir sobre a inclusão efetiva do surdo no âmbito escolar, procurando reiterar sua qualidade e sentido na promoção de uma educação integral, buscando tecer uma rede de informações que envolva educadores, família e a comunidade escolar como um todo. Aspecto que se destacou, ao final do projeto é o desconhecimento, por parte dos professores, no que se refere ao processo de aprendizagem do aluno surdo usuário de uma língua não oral auditiva, mas visual gestual, especialmente no que se refere à escrita desses alunos. Ao final, apresentam-se as conclusões sobre a implementação na escola, estimulando para novos estudos que permitam ao professor avançar o conhecimento e aprofundar a compreensão da especificidade dos alunos surdos. Palavras-chave: Educação; Surdos; Escola.
2. INTRODUÇÃO
O artigo aqui apresentado é resultado da implementaçao do Projeto de
Implementaçao Pedagógica, exigido pelo PDE – Programa de
Desenvolvimento Educacional – intitulado “Inclusão/exclusão: Surdez e
linguagem no contexto escolar”, desenvolvido com professores do Colégio
Estadual Luiz Setti, situado no município de Jacarezinho (PR), no segundo
semestre de 2011, onde buscou refletir sobre as inquietações trazidas pelos
novos desafios que passaram a fazer parte da trajetória profissional dos
educadores, desde que os pressupostos de qualidade na educação e
1 Professora da Rede Pública do Estado do Paraná. Graduada em Arte. Especialista em Educação de
Surdos. Participante do Programa de Desenvolvimento Educacional PDE/2010. E-mail:
ra.macera@hotmail.com 2 Mestre em Educação. Docente da Uenp, Campos de Jacarezinho. Pós Graduada em Pedagogia,
Educação Especial e Políticas Públicas. Professora Orientadora do PDE.
2
promoção da inserção social se apresentaram como um dos desafios
brasileiros do século XXI.
Buscando vencê-los, a partir da Lei 9394/96 e mais recentemente das
Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná enfatiza-se uma proposta
pedagógica que prioriza aprendizagens capazes de conduzir a construção de
um conhecimento concreto e global a todos os alunos, independente das
diversidades apresentadas, pressupostos que contribuíram fortemente para a
definição do referido projeto de implementação.
Partindo dessas premissas o presente artigo relata os resultados do
projeto em referencia, que buscou contribuir para a discussão e reflexão de
uma educação para os surdos, a partir de um trabalho realizado com
professores.
Para isso buscou-se, através da pesquisa e reflexão enfocadas em
estudiosos da educação, especialmente da escola inclusiva, ampliar os
espaços de discussões e reflexões, especialmente no que se refere à
educação do surdo.
Nesse sentido o projeto desenvolvido priorizou como base teórica
autores convergentes a uma prática pedagógica inclusivista, a exemplo de
Gesueli (1988), Vigotsky (1989), Wallon (1979) Freire (1975), Saviani (1989),
entre outros, procurando, assim, interrelacionar a educação aos subsídios
teóricos fornecidos por autores que tratam do tema, tendo como foco a
educação do sujeito surdo.
Assim ressaltou-se a importância do estudo sobre as questões
curriculares na educação da pessoa surda, em uma abordagem sócio-cultural,
buscando evidenciar a relevância significativa que o professor assume no
processo educacional desse alunado.
Dessa forma, baseado nos fundamentos da inclusão educacional, em
função dos vários estigmas e preconceitos, da falta de educadores qualificados
e ambiente adequado para o desenvolvimento de um processo capaz de
atender adequadamente todos os alunos, o presente artigo destaca a
importância da formação do professor na escolarização dos alunos surdos.
Nessa perspectiva, a intenção é um aprofundamento teórico, capaz de
subsidiar a prática pedagógica do professor, buscando resgatar posturas
teóricas que possibilitem ampliar e aprofundar conhecimentos sobre os
3
aspectos diversificados que permeiam a inclusão educativa do aluno surdo, e
que possam fundamentar a prática a ser desenvolvida.
3. SURDEZ E EDUCAÇAO: CONSTRUINDO UM REFERENCIAL
Não é a surdez que define o destino das pessoas, mas o resultado do
olhar da sociedade sobre a surdez (VYGOTSKI, 1989).
A citação acima ilustra amplamente o apresentado pelas pesquisas
realizadas na área de educação dos surdos que, de forma geral apontam
deficiências no processo educacional desses sujeitos, bem como as
metodologias utilizadas, que não tem atendido às necessidades desse alunado,
no sentido de formar o sujeito crítico e socialmente atuante, conforme
postulado pela LDB 93/96, bem como pelas Diretrizes Curriculares do Estado
do Paraná.
Muito se tem falado em mudanças educacionais dos sujeitos com
deficiências. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB – Lei 9394/1996),
em seu artigo 58, capítulo V, define a Educação Especial
como modalidade escolar para educandos portadores de necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino. (...) Estabelece também que os sistemas de ensino deverão assegurar, entre outras coisas, professores especializados ou devidamente capacitados para atuar com qualquer ‘pessoa especial’ em sala de aula. Admite também que, nos casos em que necessidades especiais do aluno impeçam que se desenvolva satisfatoriamente nas classes existentes, este teria o direito de ser educado em classe ou serviço especializado (SOUZA & GÓES, 1999, p.171).
Constata-se que o fortalecimento da idéia de inclusão social, embora
amparado legalmente e cada vez mais presente em diferentes suportes de
divulgação, tanto especializado, como de comunicação de massa, os discursos
em defesa da solidariedade e do multiculturalismo, não têm mostrado caminhos
para a superação efetiva dos mecanismos de exclusão que ainda assolam nas
instituições de ensino. A exclusão ainda se revela no interior do sistema,
através dos fracos resultados escolares, por vezes maquiados no sentido de se
4
mostrarem como atitudes de respeito às diferenças individuais e culturais,
(DORZIAT, 2010).
De forma geral o processo inclusivo tem focado a língua de sinais como
forma singular de comunicação e, no entanto, conforme aponta Dorziat (2010),
o domínio dessa linguagem se restringe ao intérprete e ao surdo. Essa
constatação mostra que não se leva em consideração a importância de sua
interação com os outros atores, o professor e os demais colegas, fundamental
nos processos identitários e para o processo de ensino e de aprendizagem.
Sob a ótica Vygotskyana, escola e ensino de qualidade exercem função
determinante no desenvolvimento mental do aluno. Salienta-se que para o
aluno surdo, a escola deve proporcionar interlocuções significativas e
acessíveis, em uma língua que ela domine plenamente. Luria (1990, p. 70)
pontua que:
a formação do pensamento conceitual se dá na experiência compartilhada da sociedade e é transmitida por um sistema lingüístico [...] em que as palavras funcionam para produzir abstrações e generalizações”. Afirma sobre a importância da mediação pedagógica para a aquisição de conceitos e da escola como o espaço onde deve acontecer uma articulação dos conceitos cotidianos com os científicos.
Dessas afirmações deduz-se que a inclusão do aluno surdo deve-se
nortear não pela igualdade em relação ao ouvinte, mas pautar-se nas
diferenças sócio-histórico culturais, implícitos. “Em outras palavras, que cumpra
a proposta de Salamanca e que seja estabelecida uma educação bilíngüe para
surdos, politicamente construída e sócia linguisticamente justificada” (SILVA,
2001, p. 20)”.
No entanto, parece não se levar em consideração o postulado assumido
pelos nossos órgãos oficiais que apregoam políticas educacionais que levem
em consideração as diferenças e situações individuais. O que evidencia que os
órgãos governamentais legitimam o compromisso com a inclusão social, mas
não provém de recursos para o atendimento educacional das escolas públicas.
“O caso do uso da língua de sinais pelo surdo é um exemplo significativo, pois
afirma-lhes o direito de uso, mas há apenas uma recomendação para que pais
e professores aprendam essa língua” (SILVA, 2001, p. 19).
5
Enfatiza Silva (2001) que, tratar o aluno surdo na mesma perspectiva do
ouvinte, é negar sua individualidade e estabelecer com ele, uma relação
contraditória, tendo em vista evidenciar uma relação com a pluralidade desses
sujeitos que nega sua singularidade de indivíduo surdo.
Um aspecto que retrata essa realidade, conforme a autora é a ausência
das minorias nas discussões curriculares, momento em que predominam
os sujeitos que [...] primam pelos ‘padrões normais’, o ouvinte, letrado, sem ser convidado o próprio surdo. Nesse cenário, tem-se a ‘fabricação’ de um currículo que reflete uma forma hegemônica de representar esses sujeitos, nos espaços escolares e fora deles, criando tensões entre os grupos (SILVA, 2001, p. 20).
Sendo assim, os sujeitos surdos, devido à defasagem auditiva
encontram dificuldades de entrar em contato com a linguagem do grupo social
no qual estão inseridos (GÓES, 1996). A forma como é entendida a educação
do sujeito surdo, acaba por provocar lutas e conflitos no contexto educacional
além de “um afastamento curricular relacionado a técnicas e metodologias, por
conta das ambigüidades existentes nos textos dos surdos” (SILVA, 2001, p.
21).
As questões colocadas evidenciam a necessidade de uma revisão no
currículo, que deve ser visto não apenas como organização de conteúdos, visto
que a educação não é neutra em seus valores, o que implica a necessidade de
se assumir uma perspectiva sociolingüística/antropológica na educação dos
surdos, considerando sua condição bilingue (GÓES, 1996).
Assim colocada, a problemática da educação do surdo insere-se numa
lógica de uma ‘educação possível’, ou seja, de uma ‘nova escola’ e novos
olhares. Destaca-se nesse contexto a complexidade da inclusão do sujeito
surdo no âmbito educacional, tomando como Base a questão da língua(gem).
Para fundamentar essa concepção de língua(gem) é relevante discutir
os postulados vygostkianos e bakhtinianos, chamando a atenção para a
compreensão daquilo que é primordial: assumir uma concepção de língua(gem)
nos estudos sobre a surdez.
6
4. EDUCAÇÃO E SURDEZ: UMA REVISÃO HISTÓRICO-CONCEITUAL
Atualmente as expressões Educação para Todos, Inclusão,
Diversidade, Pluralidade Cultural, Respeito às Diferenças são conceitos
bastante utilizados, numa realidade que, contraditoriamente, parece produzir
cada vez mais exclusão.
Com relação à surdez, um retrospecto da história da educação
dos surdos permite constatar que EDUCAÇÃO, embora os discursos
reconheçam a diferença lingüística, há a necessidade de se verificar na prática,
como a escola que recebe este aluno, contribui para diminuir as desigualdades
e diferenças, sabendo que predominam nessas instituições, as manifestações
culturais dos ouvintes. Melhorar as condições desta Escola é formar gerações
mais preparadas para viver livremente sem preconceitos e sem barreiras.
Considerando a necessidade de identificar as contradições
presentes na inclusão escolar dos surdos, se justifica um breve histórico das
abordagens educacionais para esses sujeitos, que enfoque os conceitos de
surdez como diferença, de identidades e de culturas surdas.
Com base nas contribuições de Estudos Surdos em educação
(SKLIAR,1997; 2000; Quadros, 2003, DORZIAT, 2010) pode-se dizer que a
emergência dos movimentos sociais de surdos, a partir do reconhecimento das
Línguas de Sinais e dos movimentos multiculturais e identitários, nas últimas
décadas, institui novas visões sobre a educação destinada à esses sujeitos.
Apesar da variedade de situações e da heterogeneidade
existentes em todos os grupos sociais, não se pode negar a problemática da
educação dos surdos, comprovada pelo fato da maioria dos que concluem a
escolarização básica não alcançar um domínio mínimo da leitura, da escrita e
dos conteúdos acadêmicos (QUADROS, 2003; SKLIAR, 2000).
Embora esse problema não seja vivido apenas pelos alunos
surdos, não se pode ignorar a situação de desvantagem vivida por esse grupo.
Na maioria das vezes, privados da aquisição de uma língua de forma
espontânea entre seus pares, capaz de possibilitar interagir socialmente e se
constituírem como sujeitos, são, em geral, submetidos a práticas pedagógicas
que buscam aproximá-los a um suposto padrão de normalidade ouvinte.
7
Desconsideram-se, assim, as estratégias por eles utilizadas para
significar e agir no mundo. Ficam, portanto, em sua maioria, sem adquirir língua
alguma, uma vez que, em geral, são filhos de pais ouvintes e têm poucas
oportunidades de conviverem com a comunidade surda (QUADROS, 2003).
Mas nem sempre foi assim. Em determinadas épocas e contextos
sociais, a história da educação de surdos mostra que outras formas de ver
esse grupo e significar a surdez produziram práticas educativas menos
restritivas a sua inserção social e ao reconhecimento de suas potencialidades.
Os primeiros procedimentos pedagógicos voltados para os surdos datam
da Renascença (século XVI). Ponce de Leon, monge beneditino espanhol,
considerado o primeiro professor de surdos, ao qual, alguns autores atribuem a
criação do primeiro alfabeto manual3�, recurso utilizado pelos professores da
época para auxiliar no aprendizado da fala e da escrita, destinava-se,
principalmente, à aprendizagem de membros da nobreza, diante da
necessidade dos surdos nobres abandonar a condição de ‘surdos-mudos’ ou
de ‘retardados’ para herdar os títulos e as propriedades, conforme previstos
pela lei. Os demais surdos continuavam marginalizados e considerados como
loucos e imbecis (SKLIAR, 2000).
Relevante, do exposto é que tais práticas deram origem a duas
correntes da educação de surdos: o oralismo4 e o gestualismo5. Temos ainda,
os métodos mistos, que incluem o uso de diferentes linguagens: a fala, a
escrita, gestos e língua de sinais, cujos defensores se dividem em duas linhas:
comunicação total6 e bilingüismo7.
No período conhecido como iluminista se delineou, mais
claramente, a contradição entre as correntes oralistas e gestualistas através
3 Representação de cada uma das letras do alfabeto através de configuração de mão.
4 O oralismo é um método que reúne um conjunto de procedimentos terapêuticos e tecnológicos que tem
por objetivo a aprendizagem da língua oral, mediante treinamento auditivo, exercícios fono-articulatórios,
leitura orofacial. O uso da língua de sinais é proibido. Busca, assim, aproximar a pessoa surda de um
suposto padrão ouvinte de normalidade. 5 O gestualismo aponta a impossibilidade dos surdos adquirirem de forma natural, como os ouvintes a
língua oral. Defende, assim, que a língua de sinais é a língua que permite que se constituam como
sujeitos e interajam de forma espontânea e natural no meio social. 6 A comunicação total enfatiza toda e qualquer forma de comunicação com as pessoas surdas.
Incorporam, assim, diferentes formas de comunicação, a fala, gestos naturais, língua de sinais, alfabeto
digital, sem ater-se a nenhuma. 7 O bilingüismo introduz o modelo sócio-antropológico, através do qual o surdo passa a ser visto como
um indivíduo diferente, que tem uma língua, a Língua de Sinais, considerada a sua primeira língua, pois é
adquirida de forma natural
no convívio com a comunidade surda.
8
dos estudos do abade L’Epée, na França, representante do método gestual, e
Heinicke, na Alemanha, defensor do método oralista.
L’Epée criou um sistema de sinais metódicos, que associava sinais com
imagens e palavras para o ensino da leitura. Defendia o uso de um meio de
instrução diferente dos ouvintes, alegando a impossibilidade de se utilizar uma
língua desconhecida dos alunos, para o acesso ao conhecimento. Distinguia
fala e linguagem, não vendo necessidade da primeira para atingir a segunda,
demonstrando, assim, compreensão da implicação lingüística da surdez
(SKLIAR, 2000).
A controvérsia entre os métodos orais e gestuais se instaurou em
meados do século XVIII, quando Heinicke, educador alemão, fundou a primeira
escola de cunho oralista. Defendia que o pensamento só se desenvolveria
através da língua oral e sendo assim, considerava a escrita secundária e a
Língua de Sinais um retrocesso. Embora seu método não tenha tido êxito, um
dos motivos que justificam a força de suas idéias foi a importância atribuída à
língua oral na constituição da identidade nacional alemã, cuja unificação se
efetivou no final do século XIX.
existiram dois grandes períodos na história da educação dos surdos: um período prévio, que vai desde meados do século XVIII até a primeira metade do século XIX, quando eram comuns as experiências educativas por intermédio da Língua de Sinais, e outro posterior, que vai de 1880, até nossos dias, de predomínio absoluto de uma única “equação” segundo a qual a educação de surdos se reduz a uma língua oral (SKLIAR, 1997, p. 109).
A vitória do oralismo se materializou em 1880, quando no II Congresso
Internacional sobre a Instrução de Surdos (Milão) no qual os surdos foram
excluídos da votação, aprovou quase por unanimidade o uso exclusivo e
absoluto do oralismo e a proibição da Língua de Sinais. Interrompendo, assim,
mais de um século do uso de sinais na educação. O fortalecimento do oralismo
provocou o desaparecimento dos professores surdos, a marginalização da
língua de sinais e o isolamento das comunidades surdas (QUADROS, 2003).
Somente nas décadas de 60 e 70 do século XX, em virtude de vários
estudos realizados, especialmente na Europa e Estados Unidos que mostraram
sistematicamente, a importância da língua de sinais para o desenvolvimento
9
cognitivo do surdo, a importância da aquisição de uma língua o mais
precocemente possível, para o desenvolvimento humano e com a emergência
de movimentos sociais de caráter identitários, as idéias do abade L’Epée são
recuperadas e novos discursos são introduzidos na educação de surdos
(LACERDA, 2000, DIAS, 1998, SKLIAR, 2000).
Estes estudos ao seguirem a vertente sócio-interacionista de Vigotsky,
foram determinantes para que o bilinguismo fosse estabelecido como a filosofia
mais adequada à proposta de desenvolvimento do surdo. Vigotsky (1980)
posiciona-se, fortemente desfavorável à utilização da língua oral pelos surdos.
De acordo com ele, o resultado que se obtém a partir das técnicas de
pronúncia apresentadas pela filosofia oralista é a produção de uma “fala
morta”, em função da fragmentação como é apresentada pelos ouvintes aos
surdos.
Vygotsky (1996), ao falar sobre a surdez, afirma a necessidade de uma
análise radical dos métodos de ensino, assim como das técnicas, propósitos e
leis da educação de surdos, o que inclui uma questão crucial: a instrução na
língua oral. O estudioso criticava os métodos de ensino da língua oral,
argumentando que o ensino da linguagem ao surdo estava calcado em bases
anti-naturais.
Seguindo a linha sócio-interacionista vygotskyana, para Dizeu e Caporali
(2005) em vez de uma língua que o torne apto para reproduzir um número
restrito de palavras e frases feitas, que para ele não terão nenhum significado
comunicativo, o surdo necessita de uma língua que lhe possibilite a integração
ao meio em que se insere e que seja capaz de compreender o que está ao seu
redor e significar as suas experiências.
Relevante assinalar que Vygotsky (1989; 1996), apesar de perceber
claramente que a língua oral de forma isolada não era adequada à
comunicação e ao ensino dos surdos, não se mostrava explicitamente
favorável à língua de sinais. Não são conhecidas publicações de sua autoria a
respeito desta língua e seu posicionamento frente a esta temática, o que
parece revelar que, mesmo ciente que a língua oral não era a melhor opção,
não se dispunha, naquele dado momento, de outro recurso linguístico
comprovadamente melhor para o desenvolvimento das habilidades cognitivas
do surdo.
10
No que se refere à educação do surdo, Vygotsky enfatiza que os
princípios e mecanismos psicológicos da educação de surdos são os mesmos
considerados para a criança ouvinte. Ainda nos dias atuais, esta questão está
distante de ser resolvida, no entanto, o conhecimento do processo de
aprendizagem da criança surda vem demonstrando que o uso de estratégias
específicas de facilitação do desenvolvimento da língua(gem) escrita tem
propiciado melhores resultados do que o simples uso de estratégias para
ouvintes com os surdos.
O bilingüismo introduz o modelo sócio-antropológico (SKLIAR, 2000), no
qual o surdo passa a ser visto como um indivíduo diferente, que tem uma
língua, a Língua de Sinais. O aluno passa a ser considerado um sujeito
histórico e cultural. Opõe-se à Comunicação Total, ao defender o uso de
qualquer forma de comunicação. A língua de sinais é considerada a primeira
língua do surdo e deve ser ensinada prioritariamente.
A língua majoritária da comunidade em que o surdo está inserido é
considerada como a segunda língua e deve ser ensinada secundariamente, ou
seja, após o sujeito ter adquirido competência lingüística na língua que lhe
permite interagir mais livremente e que, além da função comunicativa, serve de
base para o aprendizado de outra língua (MEIRELES; SPINILLO, 2004;
GOLDFELD, 2002).
A Lei n° 10.436/02 reconhece a Língua Brasileira de Sinais como meio
legal de comunicação e expressão, determinando que sejam garantidas formas
institucionalizadas de apoiar seu uso e difusão. Nesse contexto temos o
reconhecimento da Língua de Sinais, a concepção de surdez como diferença, a
questão da cultura, dos movimentos sociais e das identidades surdas.
Assim, reconhecer a educação bilíngue, com base na equidade entre as
duas línguas e na afirmação do grupo minoritário, segundo uma perspectiva
política e cultural que tem em vista superar a preocupação restrita à escolha da
modalidade linguística a ser implementada, nos leva a considerar as formas
como as alteridades deficientes são representadas.
Os surdos, durante muito tempo, quando questionados sobre a escola,
apenas respondiam: “eu surdo”, colocando-se como incapazes de escolherem
a educação que queriam. Mesmo com o reconhecimento do direito ao uso da
sua própria língua, como o Surdo será sujeito, em um ambiente inclusivo de
11
maioria ouvinte, usuário de uma língua oral? Esse questionamento origina a
inquietação, visto que a surdez, no contexto escolar deve ser vista como ela
realmente é: uma diferença a ser respeitada, com uma grande experiência
visual. Mas, ainda persiste a discriminação acadêmica dos alunos surdos,
devido à diferença linguística, especialmente pelo fato da escola ainda utilizar a
escrita mecânica, sem sentido e reprodutora de um tipo de falante ideal e
inexistente.
Nesse contexto, Fernandes sugere:
aos professores que se deparam com estudantes surdos em suas classes é, primeiramente, que eles entendam que têm diante de si um usuário de uma língua diferente da sua, que inevitavelmente estará refletida nas diferentes práticas discursivas compartilhadas em sala de aula. Segundo, que o conhecimento dessa língua, por parte do professor é condição “sine qua non” para que se estabeleça a interação verbal significativa, a partir da qual será tecido o vínculo afetivo tão perseguido nas experiências de aprendizagem escolar. E, por fim, concretizar, na prática, o diálogo com as diferenças, respeitando as possibilidades e limitações de seu aluno, para que assim o auxilie na construção de sua identidade surda (FERNANDES, 1999, p. 78).
O que se presencia no cotidiano do aluno surdo, na maioria das vezes, é
oportunidade limitada e grande dificuldade, pois, o ideal não é que apenas
alguns alunos tenham sucesso, mas que a escola ofereça a todos a superação
da exclusão.
Historicamente o surdo tem sofrido uma imposição lingüística dos
ouvintes. Na maioria das vezes não tem escolha quanto a qual grupo
pertencer. Isso não implica dizer que os surdos devam ignorar os ouvintes, mas
que eles podem e devem ter acesso às duas realidades lingüísticas.
Entretanto, eles devem possuir uma identidade8 em um dos grupos. Em vista
disso a inserção dos profissionais precisa ser feita com cuidado e reflexão, uma
vez que a prática inclusiva observada até o momento aponta para a evidência
de desconhecimento da realidade das comunidades surdas, de falta de preparo
8 Identidade é entendido como o conjunto de características que distinguem os diferentes grupos sociais e
culturais entre si (SILVA, 2000).
12
e de oportunidades para discussões sobre essas possibilidades (BOTELHO,
2002).
Nas propostas de inclusão se observa a submissão/opressão dos surdos
ao processo educacional ouvinte das propostas integracionistas, que
descaracteriza o ser surdo, enquanto parte de uma cultura surda. Assim, os
alunos surdos são constantemente expostos ao fracasso tendo como causa a
sua própria condição (não ouvir) e não as condições reproduzidas pelo
sistema. A conseqüência dessa tentativa de homogeneização é o fracasso, não
só acadêmico, mas também na formação de pessoas com problemas de ordem
pessoal, social, cultural e política, uma vez que a identidade é constituída com
base em modelos completamente equivocados (QUADROS, 2002). Sendo
assim:
Não é apenas a mudança da língua em que são transmitidos os conteúdos ou critérios de avaliação mais justos em relação às diferenças lingüísticas que apresentam o que vai garantir ou orientar uma nova abordagem curricular, mas a compreensão do sujeito surdo em sua totalidade sócio-histórico cultural (FERNANDES, 1999, p. 79).
O exposto nos remete novamente à questão da construção da
identidade, do desenvolvimento e da aprendizagem do aluno surdo, o que
implica em maior explanação da abordagem histórico cultural, que
fundamentam este artigo.
5. DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM DO SURDO NUMA
PERSPECTIVA HISTÓRICO CULTURAL
A corrente histórico-cultural abordada por L. S. Vigotski e o sócio-
interacionismo de M. Bakhtin em função da sintonia de concepção sobre o
homem e sobre a linguagem contribuem para uma orientação da prática
pedagógica tendo em vista uma classe inclusiva que pode atingir o seu
potencial, através de um ensino e aprendizagem que considere as diferenças
em seu processo.
Para Vygotsky (1989) o sujeito é marcado por suas experiências e
interações com o mundo e com os outros sujeitos. O uso de instrumentos altera
a relação do homem com sua realidade, sendo, portanto, mediada. Nesse
entendimento, a consciência humana se constitui na interação do homem com
13
o ambiente em que vive valendo-se da linguagem. Através da linguagem o
homem se comunica e se constitui em suas interações e, consequentemente
categoriza, abstrai e generaliza o mundo.
Sendo assim, o problema central da surdez é a dificuldade do sujeito em
se apropriar da palavra falada, o que acaba gerando obstáculos para sua
inserção na cultura dominante. Privado da palavra, o surdo fica à margem das
experiências próprias de seu meio social, o que gera um estado de mutismo e
uma falta de consciência que comprometem seu desenvolvimento cognitivo e
social. Assim, a dificuldade de comunicação com os ouvintes e de relações
com o mundo por meio da fala, acarreta problemas para a criança surda
(SILVA, 2000).
Mas Vigotsky reconhece que a ‘mímica’ (Língua de Sinais) apresenta
valor de signo, razão pela qual seu uso deveria servir como passagem
fundamental para garantir o acesso do surdo à linguagem oral. Sendo assim,
numa perspectiva histórico cultural é fundamental o papel da língua de sinais
na constituição do sujeito surdo, bem como sua relação com o conhecimento.
A linguagem devora como parasita todos os demais aspectos da educação, se converte em objetivo próprio, por isto perde sua vitalidade, a criança surda (...) aprende a falar, a utilizar a linguagem como um meio de comunicação do pensamento (...) A luta da linguagem oral contra a mímica, apesar de todas as boas intenções dos pedagogos, como regra geral, sempre termina com a vitória da mímica, não porque precisamente a mímica, desde o ponto de vista psicológico, seja a linguagem verdadeira do surdo, nem porque a mímica seja mais fácil, como dizem muitos pedagogos, mas sim, porque a mímica é uma linguagem verdadeira cheia de riquezas e de sua importância funcional e a pronúncia oral das palavras, formadas artificialmente, está desprovida da riqueza vital é só uma cópia sem vida da linguagem viva. (VYGOTSKY, 1989, p. 190). (grifos nossos).
Nessa mesma linha Bakhtin (1992) desenvolve no socio-interacionismo
uma teoria acerca da linguagem vinculada à constituição da subjetividade e da
consciência humana, o que evidencia um conceito de linguagem amplo que
abrange, além da função comunicativa, a função de organização do
pensamento, o que implica um papel essencial para o desenvolvimento
cognitivo.
14
Para a concepção sócio-interacionista a interação social é de
fundamental importância para o desenvolvimento da linguagem e para a
constituição do pensamento. A linguagem, assim posta, “cria condições
possíveis para o desenvolvimento cognitivo.[...] não se deve categorizar as
línguas e atribuir-lhes valor, pois não existe uma língua correta ou mais
desenvolvida; existem línguas diferentes (SILVA,2000,p.50).
Conforme coloca Fernandes (2003), as línguas naturais têm importante
função de suporte do pensamento, desempenhando não somente o papel de
meio de comunicação, mas também o de ser um dos principais instrumentos de
desenvolvimento dos processos cognitivos. Sendo assim, a língua de sinais é
uma língua representativa da comunidade surda, cujos membros apresentam
uma diferença que não está baseada no padrão de normalidade ou
anormalidade, mas de especificidades culturais. “A língua de sinais é uma
língua e é tratada como tal pelo cérebro, apesar de ser visual em vez de
auditiva e espacial em vez de sequencialmente organizada.” (SACKS, 1990,
p.106).
Relevante do contexto que as línguas, sejam elas orais ou visuais, estão
carregadas de componentes próprios das pessoas que as usam. A língua,
portanto, revela uma determinada cultura, uma forma de perceber e entender o
mundo.
O modo de ver o mundo, as apreciações de ordem moral e valorativa, os diferentes comportamentos sociais e mesmo as posturas corporais são assim produto de uma herança cultural, ou seja, o resultado da operação de uma determinada cultura (LARAIA, 2005, pág.68).
Nessa perspectiva, o respeito à surdez implica em considerar o surdo
como pertencente a uma comunidade minoritária com direito a língua e cultura
próprias (SKLIAR, 1997).
Do estudo das teorias histórico cultural e socio-interacionista, se percebe
uma profunda sintonia, em relação à concepção sobre o homem e sobre a
linguagem. Nesse sentido tanto Vigotsky (1989) como Bakthin (1992)
compreendem o homem como ser social, histórico e cultural, destacando a
importância das relações sociais no seu desenvolvimento, bem como conferem
à linguagem (trabalho também social e histórico) um lugar central na
constituição da consciência.
15
Para esses estudiosos o homem é produto pessoal de seu tempo. É
assim, influenciado pelo seu contexto social, pela forma com que os vivencia,
os interpreta e os concebe. As condições históricas e sociais, portanto,
determinam a formação do homem. Assim, o homem é um produto de suas
experiências e de suas concepções do mundo, da sociedade e de si próprio, as
quais vão se formando ao longo de toda a sua vida.
Com relação à língua(gem) tanto Bakhtin (1992) quanto Vigotski (1989)
entendem que os indivíduos não recebem a língua pronta para ser usada. Eles
a assimilam de forma inconsciente e não intencional, utilizando-a
progressivamente e, assim, vão penetrando e mergulhando na corrente da
comunicação verbal, de modo que sua consciência vai sendo formada e vai
adquirindo seu conteúdo. É dessa maneira que o surdo adquire a Língua de
Sinais, quando lhe é possibilitado o convívio com pessoas que a utilizam, ou
seja, um ambiente linguístico apropriado para a aquisição de sua primeira
língua.
Nessa perspectiva para Vigotsky (1989) a linguagem possui além de
uma função comunicativa, também a função de constituir o pensamento que
não é simplesmente expresso em palavras, embora seja por meio delas que
passa a existir. Esta afirmação é relevante para o estudo do desenvolvimento
humano, ao salientar a importância das relações sociais e linguísticas na
constituição do indivíduo e apontando o meio social como foco de análise nos
casos de atraso de linguagem.
Trazendo o exposto para o contexto dessa produção, pode-se dizer que,
muitas vezes, o problema comunicativo e cognitivo do surdo, em geral, tem
origem no meio social em que ele está inserido, visto que, a dificuldade ao
acesso de uma língua que seja adquirida de forma natural, possibilitando a
construção de um tipo de pensamento mais concreto, pois, é através do
diálogo e da aquisição do sistema conceitual que ele pode se desvincular cada
vez mais do concreto, internalizando conceitos abstratos, construindo sentidos
e significados, conceitos estudados tanto por Vygotsky quanto por Bakhtin.
Vygotsky diferenciou significado de sentido: o significado é
compartilhado socialmente, e o sentido é particular para cada indivíduo, e
criado a partir de sua história. O sentido surge no momento do diálogo,
dependendo da situação contextual e dos interlocutores.
16
Com relação à linguagem e a formação do pensamento Goldelf (1997)
considera que, no contexto do surdo com atraso de linguagem, surgem
questionamentos sobre as possibilidades de encontro entre pensamento e
linguagem, e se a linguagem consegue cumprir suas funções na comunicação,
organização e planejamento das funções mentais superiores.
Nesse contexto salienta a autora que, os surdos, mesmo aqueles que
não são expostos à língua de sinais e não recebem nenhum tratamento
fonoaudiológico para adquirir a língua oral, adquirem alguma forma rudimentar
de linguagem, simbolizam e conceituam, pois convivem socialmente, interagem
e se comunicam de alguma forma. O problema, segundo a autora é que, por
não terem acesso a uma língua estruturada, com status linguístico, a qualidade
e quantidade de informações e assuntos abordados são limitados, em
comparação com os que os ouvintes na maioria têm.
Assim o sujeito surdo que utiliza língua de sinais pode sim desenvolver a
linguagem como reguladora do pensamento. A língua de sinais tem o mesmo
status linguístico que as línguas orais. Tem sua própria estrutura gramatical, o
que mudo é o canal de comunicação, na língua de sinais é visual-espacial e
não oral-auditiva. A linguagem, assim entendida, possui uma estrutura
subjacente, independente da modalidade de expressão, no caso independente
de falarmos de uma língua oral-auditiva ou visual-espacial, devemos deixar
clara a função da linguagem, deve ser definida independentemente da
modalidade na qual se expressa ou é recebida (QUADROS, 2003, SKLIAR,
1997).
Desse modo, justifica-se a que o contato com a língua de sinais o mais
cedo possível e conviver com usuários da mesma língua, possibilita o
desenvolvimento pleno do sujeito surdo. Relevante salientar que na concepção
histórico-cultural a língua não é entendida como algo transmitido, ensinado e
aprendido pela imitação. Ao contrário, existe um papel ativo do indivíduo no
fluxo da comunicação de seu meio social.
Vygotsky (1989) explicitou nos seus estudos que se o sujeito estiver
inserido em uma comunidade e utilizar uma língua em suas interações com os
membros da mesma, se valerá desta língua tanto para comunicar-se como
para o seu desenvolvimento cognitivo, a partir da internalização desta língua.
17
Nesse entendimento pode-se dizer que a língua de sinais permite que o
surdo desenvolva-se cognitivamente. Tem potencialidade de expressar o
conjunto de significados do mundo interior e exterior de quem a utiliza. É o
suporte para o desenvolvimento cognitivo desse sujeito.
Baseando-se em Vigotski, Góes (1999) afirma que a oportunidade de
incorporação de uma Língua de Sinais pelo surdo é extremamente necessária,
para que ele tenha condições mais propícias a expandir suas relações
interpessoais, visto que destas dependem o funcionamento nas esferas
cognitivas e afetivas e a construção de sua subjetividade. Conforme ressalta a
autora:
[...] o que importa é o uso efetivo de signos, de quaisquer formas de realização, que possam assumir papel correspondente ao da fala. A linguagem não está necessariamente ligada ao som, pois não é encontrada somente nas formas vocais (GÓES, 1999, p. 36).
Fica assim evidente que, as idéias de Vygotsky sobre linguagem e
pensamento, permitem concluir que somente a língua de sinais pode suprir a
função de suporte para o pensamento, permitindo que o surdo tenha um
desenvolvimento normal, equiparado ao de um ouvinte (SKLIAR, 1997).
Os estudos Vygotskianos, nessa perspectiva, demonstram a função da
língua de sinais no desenvolvimento da linguagem e do pensamento no sujeito
surdo. Não há, assim, como desconsiderar o status da língua de sinais, e de
como ela consegue proporcionar ao surdo o pleno desenvolvimento de suas
funções mentais superiores. Lembrando que todas as atividades cognitivas
básicas do individuo ocorrem de acordo com sua história social e acabam se
constituindo no produto do desenvolvimento histórico-social da sua
comunidade.
Alinha-se aqui, à concepção de que através do contato com a língua
natural, o convívio com seus pares e pela necessidade intrínseca de interação
social com seus modelos adultos é que o surdo poderá desenvolver a
linguagem e o pensamento, podendo, assim, atingir um desenvolvimento pleno.
18
Nessa perspectiva, ressalta-se que o surdo, antes de ter dificuldades na
escola, apresenta dificuldades de aquisição da língua. Reside, aí, a grande
diferença de escolarização entre o surdo e o ouvinte.
6. METODOLOGIA
O Projeto foi apresentado à comunidade escolar na Semana Pedagógica
e após foram realizados encontros semanais com grupos de professores do
período vespertino, que é o período em que os alunos surdos estão incluídos,
aproveitando também à Hora Atividade dos mesmos, totalizando 10 encontros.
O Projeto foi implementado na escola no período de Julho a Outubro de
2011, para os professores do Colégio Estadual Luiz Setti. Participaram também
graduandos dos cursos de pedagogia.
As atividades de implementação foram realizadas por cronograma,
previamente agendado com a Direção e equipe pedagógica da escola. Nos
cursos de pedagogia, o convite veio de professores que atuam na
Universidade, que segundo eles era muito relevante, principalmente para os
que estão próximos de se formarem professores.
Nas atividades de implementação houve a oferta de materiais variados,
como textos, slides, dinâmicas, questionamentos e vídeos preparados
especificamente para apagar a negação da surdez, pois se percebe ainda estar
presente na fala de alguns professores.
Conforme se viu do exposto, a situação ‘ideal’ para a recepção do aluno
surdo no ensino comum ainda está bem distante, mas eles estão chegando às
salas de aula, usufruindo o direito que lhes garante a lei.
Tendo isso em vista, a partir do referencial que embasou o projeto, que
apontou para a necessidade de embasamento teórico e metodológico sobre o
tema, optou-se por implementar o projeto através da modalidade de oficinas,
que se efetivaram em 10 encontros de 4 horas. Os encontros iniciaram-se em
Julho de 2011 e encerraram em Outubro de 2011.
Metodologicamente esses encontros seguiram os seguintes passos:
1º encontro – Teve como objetivo sensibilizar para o tema;
2º encontro - Leitura e entendimento dos dispositivos legais.
19
3º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º encontros - Leituras e reflexões teóricas de textos
que, de forma geral, abordaram questões de inclusão, da lingua do surdo, e de
meios de contribuir para seu processo de aprendizagem e apreensão de
conceitos.
9º encontro – Análise de materiais didáticos tendo como parâmetro
formas de utilização, para atender esse alunado. Socialização das análises
elaboradas pelos grupos.
10º encontro: Elaboração de estratégias metodológicas e sistemáticas,
capazes de contribuir para minimizar o problema educacional do surdo em sala
de aula.
7. RESULTADOS
O principal objetivo deste trabalho foi conscientizar os educadores
participantes sobre a inclusão dos alunos surdos na perspectiva de um
ambiente de aprendizagem em uma sala de aula onde professores e alunos,
são na maioria ouvintes. Buscou-se, assim, dar apoio ao professor do aluno
surdo em sua sala de aula, enquanto a situação ainda está longe da ideal, já
que a maioria de professores alega ainda não estar preparados para recebê-
los.
Atualmente, a metodologia de ensino para surdos mais aceita no Brasil é
a bilíngüe, na qual os alunos estudam como primeira língua a Libras e o
português escrito como segunda língua. Essa é a metodologia recomendada
para o ensino de surdo (QUADROS, 2003).
Conforme a autora, além de promover melhor aprendizagem por parte
dos alunos, o bilingüismo reconhece as diferenças e a língua passa a ser um
instrumento de relações sociais.
Porém, o que se observou durante o desenvolvimento desse projeto é
que a atual inclusão dos alunos surdos se faz por intermédio do intérprete de
Libras. O professor explica os conteúdos para os alunos ouvintes esperando
que o intérprete faça o seu trabalho para incluir os alunos surdos. Não se pode
esperar que, assim há a inclusão desse aluno em uma sala de aula, pois dessa
forma a questão lingüística fica reduzida a um mero código de comunicação e
perde toda sua dimensão constitutiva (FREIRE, 1998).
20
Concorda-se com o autor que considera:
o processo de interação na sala de aula tem que ser entendido em toda sua complexidade, envolvendo dificuldades e sucessos na compreensão, negociações das diferentes perspectivas dos participantes e o controle da interação por parte dos mesmos até que o conhecimento seja compartilhado (FREIRE, 1998, p. 47).
Entende-se, assim, que apesar da presença do intérprete ser
fundamental, o professor não pode deixar a responsabilidade de ensinar a ele.
No entanto, aspecto que se destacou é que os professores demonstraram não
conhecerem as consequências para o aluno surdo em serem usuários de uma
língua não oral auditiva, mas visual gestual, abordando questões relativas a
escritas desses alunos, partindo da hipótese de que a língua de sinais é sua
língua natural.
Isto levou a dois questionamentos: a) é possível uma ação pedagógica
bilíngüe entre professor e aluno surdo, na qual o professor não se constitua
bilíngüe? b) uma escola inclusiva precisa de qual organização pedagógica para
garantir a plena aprendizagem dos alunos surdos e para que a sociedade
desenvolva um novo conceito identitário esse aluno, de forma a não reafirmar
as marcas discriminatórias, preconceituosas e excludentes que os tem
acompanhado?
O predomínio de práticas educativas ouvintistas, que tomam como
referência a impossibilidade e o déficit dos/as alunos/as, ocultam suas
potencialidades educacionais. A não priorização da experiência visual, base do
pensamento e da linguagem dos/as surdos/as, nos projetos e propostas
educacionais, são assim, um fator importante para o fracasso escolar e para a
subordinação cultural, política e social desse alunado.
Daí a importancia das experiências visuais para esse alunado.
As experiências visuais são as que perpassam à visão. O que é importante é ver, estabelecer as relações de olhar. A experiência é visual desde o ponto de vista físico (os encontros, as festas, as estórias, as casas, os equipamentos ...) até o ponto de vista mental (a língua, os sonhos, os pensamentos, as idéias...) (SKLIAR, 1997,p. 102).
21
Como conseqüência do exposto é possível dizer que a cultura surda é
visual. “As produções lingüísticas, artísticas, científicas as relações sociais são
visuais. O olhar se sobrepõe ao som mesmo para aqueles que ouvem dentro
da comunidade surdas (QUADROS 2003, p. 21. )
Convém ressaltar que a ênfase na experiência visual significa a
compreensão do papel das experiências visuais nas formas como significam e
agem no mundo social, tendo em vista o reconhecimento de suas diferenças
como culturais e políticas. Daí ressaltam os autores a importancia da
necessidade dos ouvintes entenderem o bilingüismo e as representações de
surdez, pois dessa compreensao depende a possibilidade de um maior diálogo
entre os dois grupos e, conseqüentemente as base para uma educação
inclusiva numa perspectiva intercultural.
Assim, cabe ressaltar, desses resultados que, apesar de toda
recomendação legal de uma “escola de todos e para todos”, o processo se
esbarra ainda nas marcas centenárias da exclusão. A proposta de inclusão
escrita em documentos é, sem dúvida, importante, no entanto, a inclusão dos
alunos surdos se apresenta como um fato novo para a maioria dos
profissionais ligados a educação e por isso a importância de dar continuidade a
esse projeto, uma vez que o processo de inclusão do aluno surdo está em
constante movimento.
Apesar dos aspectos relatados, não se pode negar que houve mudanças
e ajustes da prática pedagógica de alguns professores, pois, após leitura,
discussões e reflexões sobre a problemática, foi possível estabelecer em
conjunto com os professores participantes do projeto, algumas estratégias que,
embora simples, podem minimizar o problema, tanto para o professor, quanto
para o aluno, das quais se destaca alguns itens:
- aceitar o aluno surdo sem rejeição;
- ajudar o surdo a pensar, raciocinar, não lhe dando
soluções prontas;
- não manifestar conduta de superproteção;
- tratá-lo normalmente, como qualquer aluno, sem
discriminação ou distinção;
- preparar os colegas para recebê-lo naturalmente,
estimulando-os para que sempre falem com ele;
22
- utilizar todos os recursos que facilitem sua compreensão
(dramatizações, mímicas, materiais visuais);
- utilizar a língua escrita, e se possível, a Língua Brasileira
de Sinais;
- estimular o aluno a se expressar, por escrito e por sinais
cumprimentando-o pelos sucessos alcançados; colocá-lo a par de
tudo o que está acontecendo na comunidade escolar;
- interrogar e pedir sua ajuda para que possa sentir-se um
membro ativo e participante;
- utilizar vocabulário e comandos simples e claros nos
exercícios;
- não modificar o vocabulário, os comandos, as instruções, as
questões, somente na hora das avaliações;
- dar-lhes oportunidades para ler, escrever no quadro, levar
recado para outros professores, como os demais colegas;
- ficar atento para que participem das atividades extra-classe;
- lembrar-se de que apesar de "ler" (ver o significante, a letra),
os alunos surdos muitas vezes não sabem o significado daquilo que
leram. Muitos possuem o chamado analfabetismo funcional;
- utilizar vocabulário alternativo quando eles não entenderem
o que estão lendo. "Traduzir", troque, simplifique a forma da
mensagem;
- prestar atenção ao utilizar a linguagem figurada e as gírias
porque precisará explicar-lhes o significado;
- lembrar-se que a Língua Portuguesa apresenta-se para ele
como uma língua estrangeira;
- ter cuidado com a utilização de sinônimos (explique-os para
os alunos);
- destacar o verbo das frases, ensinando-lhes o significado,
para que os alunos surdos possam entender as instruções e executá-
las;
- ler a frase ou a redação dos alunos junto com eles, para que
possam complementar com sinais, dramatizações, mímicas, sinais e
desenhos etc, o pensamento não expresso com clareza;
23
- procurar sempre obter informações atualizadas sobre a
educação de surdos e o ensino de sua disciplina em particular;
avaliar o aluno surdo pela mensagem-comunicação que passa e não
somente pela linguagem que expressa ou pela perfeição estrutural
de suas frases; utilizar adequadamente os serviços de intérpretes; e,
principalmente, acreditar de fato nas potencialidades do aluno,
observando seu crescimento.
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Da problemática aqui abordada ressalta-se a questão da necessidade de
revisão de paradigmas e representações da sociedade diante da surdez. A
inclusão social e escolar do aluno surdo só será real quando a sociedade e
especialmente a comunidade escolar compreender a diversidade cultural que
existe e a compõe. Mas essa diversidade não deve ser representada pela idéia
de normalização, que impõe aos sujeitos um enquadramento às normas sociais
majoritárias.
Destaca-se nesse contexto a necessidade de se compreender a cultura
surda como uma questão de diferença, que produz modos de ser e estar no
mundo a partir da alteridade surda, onde o sujeito surdo, assim como qualquer
outro, constitui sua identidade através das representações que em seu meio
estão embutidas. Isso implica entender a surdez em suas diferenças, que são
constituídas por aspectos históricos, sociais, culturais e lingüísticos da
comunidade surda e que se traduz em uma experiência visual.
No sentido aqui exposto pensar em educação de surdos é salientar a
necessidade de se valorizar sua língua. A educação desses sujeitos deve
acolher como opção pedagógica e política, a língua própria dos grupos surdos.
Conforme pressuposto pelo bilingüismo, a língua de sinais é a única
língua que os surdos poderiam dominar plenamente e que supriria todas as
suas necessidades de comunicação e cognitivas (DORZIAT, 1999; 2010;
GOLDFELD, 1997; QUADROS, 1997; SKLIAR, 1998), além de propiciar ao
surdo o desenvolvimento lingüístico e cognitivo semelhante ao observado em
ouvintes da mesma idade. O bilingüismo é, assim, apontado como um caminho
24
mais adequado para os alunos surdos, pois reconhece a língua de sinais como
primeira língua desses indivíduos (FERNANDES, 2003).
Nesse sentido com o intuito de propiciar um maior acesso ao ensino dos
alunos surdos, deve estar presente na sala de aula o intérprete de Libras, que
priorize o processo de aprendizagem, a comunicação entre o professor e o
aluno. Nesse sentido, a atuação do intérprete é tornar compreensível para o
aluno a mensagem do professor, que não deve transferir para o mesmo a
responsabilidade do ensino, pois sua função é de intermediar a mensagem e
não de ensinar. Essa função é exclusivamente do professor.
Conforme salientou Vygotsky, é necessário uma revisão em relação aos
diferentes tipos de linguagem utilizada pelos surdos, contexto em que, o
contato com a língua natural, a interação social, o convívio com os pares e com
o adulto mais experiente são fatores fundamentais para o processo de
aprendizagem da pessoa com surdez.
Assim, para finalizar cabe ainda destacar que as ações desta
implementação precisam ainda ser desenvolvidas de maneira mais sistemática
e profunda para desencadear processos de reflexões mais amplos e as
transformações efetivas nas práticas escolares.
Dessa forma, a partir das observações durante a implementaçao do
projeto, é possível dizer que a proposta bilíngüe, conforme foi idealizada, ainda
não foi efetivamente implementada, mas para que isso ocorra é importante
que, a educação do surdo, deva partir da possibilidade desse aluno em
aprender, mas nunca da sua impossibilidade de ouvir, ou da sua dificuldade em
ouvir. O primordial, é que o aluno surdo adquirira condições de apoderar-se do
conhecimento, com vistas a obter o seu progresso e seu desenvolvimento
pleno.
Finalizando, acredita-se ter conseguido alguns resultados positivos,
especialmente no sentido de mostrar ao público alvo a necessidade de estar
abertos a compreender e entender as diferenças educacionais. Esses são
fatores fundamentais no sentido de facilitar o desenvolvimento de estratégias
pedagógicas que atendam as diferenças, processo esse que só pode se
consolidar com a compreensão e conscientização de valores que devem se
fazer presentes na comunidade escolar como um todo.
25
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. 6. ed. São Paulo: Hucitec, 1992.
BOTELHO, Paula. Linguagem e letramento na educação dos surdos: ideologias e práticas pedagógicas. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.
DORZIAT, Ana. Educação de surdos no ensino regular: inclusão ou segregação? Disponível em: http://www.sj.cefetsc.edu.br. Texto72. Acesso: 10/07/2010.
FERNANDES, Eulália. Linguagem e Surdez. Porto Alegre: Artmed, 2003.
GÓES, M.C.R Linguagem, Surdez e Educação. 2ª ed. Campinas: Autores Associados, 1999.
GOLDFELD, M. A criança surda: linguagem e cognição numa perspectiva sócio-interacionista. 2. ed. São Paulo: Plexus, 2002.
QUADROS, Ronice Müller de. Situando as diferenças implicadas na educação de surdos: inclusão/exclusão. Ponto de Vista, nº 05. Florianópolis, 2 003. p. 81-111.
LACERDA, C.B.F. A prática pedagógica mediada (também) pela língua de sinais: trabalhando com sujeitos surdos. Cadernos CEDES, Campinas, v. 50, n. 20, p. 70-83, 2000. LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 18ª edição. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2005.
MEIRELES, V.; SPINILLO, A.G. Uma análise da coesão textual e da estrutura narrativa em textos escritos por surdos. Estudos de Psicologia, n. 1, v. 9, p. 131-44, Natal, 2004.
SILVA, T.T. Teoria Cultural e Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
SKLIAR, C. (Org.). A invenção e a exclusão da alteridade deficiente a partir dos significados da normalidade. In: Revista Educação e Realidade, Porto Alegre, v.24, n. 2, p.15 - 33, 2000.
_______ . (org). Educação & exclusão. Abordagens sócio-antropológicas em educação especial. Porto Alegre: Ed. Mediação,1997.
VYGOTSKY, L.S. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
26
_______. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
Recommended