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Pós-Graduação em Direito Tributário
Disciplina: Obrigação e Crédito Tributário
LEITURA OBRIGATÓRIA – AULA 7
LEITURA OBRIGATÓRIA – AULA 1
NARLON GUTIERRE NOGUEIRA
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EXCLUSÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO
HUGO DE BRITO MACHADO
1. CONCEITO E CAUSAS DE EXCLUSÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO
1.1. Conceito
Diante dos dispositivos do Código Tributário Nacional, podemos entender como ex-
clusão do crédito tributário a impossibilidade de sua constituição por estarmos diante de fa-
tos que, em princípio, estariam compondo a correspondente hipótese de incidência tributá-
ria, mas foram desta retirados pela lei (isenção), ou diante de fatos que em princípio configu-
rariam ilícito tributário, ensejando a aplicação da penalidade correspondente, mas foram
objeto de anistia, ou perdão, legalmente concedido ao infrator.
1.2. Causas
Segundo o CTN, são causas de exclusão do crédito tributário a isenção e a anistia.
2. DISPOSITIVOS DO CTN.
O Código Tributário Nacional trata da exclusão do crédito tributário em seus artigos
175 a 182, nestes termos:
EXCLUSÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO
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Art. 175 Excluem o crédito tributário:
I – a isenção;
II – a anistia.
Parágrafo único. A exclusão do crédito tributário não dispensa o cum-
primento das obrigações acessórias, dependentes da obrigação princi-
pal cujo crédito seja excluído, ou dela consequente.
Art. 176. A isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente
de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua conces-
são, os tributos a que se aplica e, sendo caso, o prazo de sua duração.
Parágrafo único. A isenção pode ser restrita a determinada região do território
da entidade tributante, em função de condições a ela peculiares.
Art. 177 Salvo disposição de lei em contrário, a isenção não é extensiva:
I – às taxas e às contribuições de melhoria;
II – aos tributos instituídos posteriormente a sua concessão.
Art. 178. A isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de
determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei, a
qualquer tempo, observado o disposto no inciso III do art. 104.
Art. 179. A isenção, quando não concedida em caráter geral, é efetiva-
da, em cada caso, por despacho da autoridade administrativa, em re-
querimento com o qual o interessado faça prova do preenchimento das
condições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei ou contrato
para sua concessão.
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§ 1º. Tratando-se de tributo lançado por período certo de tempo, o des-
pacho referido neste artigo será renovado antes da expiração de cada
período, cessando automaticamente os seus efeitos a partir do primeiro
dia do período para o qual o interessado deixar de promover a conti-
nuidade do reconhecimento da isenção.
§ 2º. O despacho referido neste artigo não gera direito adquirido, apli-
cando-se, quando cabível, o disposto no art. 155.
Art. 180. A anistia abrange exclusivamente as infrações cometidas anterior-
mente à vigência da lei que a concede, não se aplicando:
I – aos atos qualificados em lei como crimes ou contravenções e aos que,
mesmo sem essa qualificação, sejam praticados com dolo, fraude ou simula-
ção pelo sujeito passivo ou por terceiro em benefício daquele;
II – salvo disposição em contrário, às infrações resultantes de conluio entre
duas ou mais pessoas naturais ou jurídicas.
Art. 181. A anistia pode ser concedida:
I – em caráter geral;
II – limitadamente:
a) às infrações da legislação relativa a determinado tributo;
b) às infrações punidas com penalidades pecuniárias até determinado mon-
tante, conjugadas ou não com penalidades de outra natureza;
c) a determinada região do território da entidade tributante, em função de
condições a ela peculiares;
d) sob condição do pagamento de tributo no prazo fixado pela lei que a con-
ceder, ou cuja fixação seja atribuída pela mesma lei à autoridade administrati-
va.
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Art. 182. A anistia, quando não concedida em caráter geral, é efetivada,
em cada caso, por despacho da autoridade administrativa, em requeri-
mento com o qual o interessado faça prova do preenchimento das con-
dições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei ou contrato pa-
ra sua concessão.
Parágrafo único. O despacho referido neste artigo não gera direito ad-
quirido, aplicando-se, quando cabível, o disposto no art. 155.
Faremos, a seguir, algumas observações a respeito da isenção, e da anistia, de for-
ma bastante resumida em razão da limitação de espaço. Para considerações mais extensas,
sugerimos a leitura de Comentários ao Código Tributário Nacional, Atlas, São Paulo, 2005,
vol. III, páginas 179 a 646.
3. ALGUMAS OBSERVAÇÕES SOBRE ISENÇÃO TRIBUTÁRIA
3.1. Conceito e natureza jurídica
Isenção é uma causa de exclusão do crédito tributário, consubstanciada em regra de
lei que exclui parte da hipótese de incidência tributária.
Muito já foi escrito a respeito da natureza jurídica da isenção tributária. Para alguns
autores a isenção é uma dispensa de tributo, enquanto para outros, é uma forma de não
incidência legalmente qualificada, e outros ainda a consideram uma exceção à hipótese de
incidência tributária.
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A última dessas posições é a que nos parece acertada. As duas outras posições re-
sultam da falta de atenção para a imprecisão de conceitos que está sempre presente nas
divergências doutrinárias.
Seja como for, certo é que essas divergências doutrinárias têm consequências práti-
cas, uma das quais, de enorme importância, relaciona-se com o princípio da anterioridade
tributária. Para os que entendem que é dispensa de tributo, o princípio não impede a vigên-
cia imediata da lei revogadora de lei de isenção.1 Para os que sustentam, como nós, que se
trata de exceção à lei de tributação, a revogação da lei de isenção há de submeter-se ao
princípio, pois implica ampliação da hipótese de incidência tributária, vale dizer, implica au-
mento do tributo.
É importante a distinção entre isenção e não incidência. Vejamos.
3.2. Distinção essencial entre não incidência e isenção
A distinção essencial entre hipótese de não incidência tributária e isenção reside em
que na primeira a situação é definida por exclusão, a partir da própria norma de tributação,
enquanto na segunda existe, além da norma de tributação, uma outra que lhe opõe exce-
ção. Examinando-se a norma de tributação, verifica-se o que compõe a sua hipótese de
incidência. Por exclusão, tudo que ali não estiver será hipótese de não incidência tributária.
Assim, não se há de falar de norma definidora de hipótese de não incidência. Já em se tra-
tando de isenção, o simples exame da norma de tributação não é suficiente para nos indicar
o que é isento. Para existir isenção faz-se necessária uma norma de isenção, vale dizer,
uma norma que descreve situação que em princípio está compreendida na hipótese de inci-
dência da norma de tributação, e dela é extraída pela norma de isenção.
1 Infelizmente o STF incorreu nesse equívoco.
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Para explicar a distinção entre isenção e não incidência é interessante o seguinte
exemplo. Imaginemos que exista um imposto cuja hipótese de incidência seja viajar em avi-
ão. E que a lei tenha estabelecido isenção para quem viajar em avião monomotor.
Quem não viajar, ou viajar em qualquer veículo que não seja avião, estará na situa-
ção de não incidência desse imposto. Tal situação de não incidência decorre simplesmente
da norma que descreve a hipótese de incidência tributária que é viajar em avião. Sua identi-
ficação independe inteiramente da norma de isenção.
Se alguém viaja em avião monomotor pode-se dizer, em princípio, que está ocorren-
do o fato imponível que é viajar em avião. Mas a norma jurídica de isenção retirou uma par-
cela da situação definida como hipótese de incidência que, assim, fica fora do alcance da
regra jurídica de tributação.
3.3. Não incidência juridicamente qualificada
Denominamos não incidência juridicamente qualificada a situação na qual não se
configura a situação de fato definida como hipótese de incidência tributária, mas, mesmo
assim, o legislador edita norma dizendo que o tributo não incide.
Pode parecer que essa norma dizendo que o tributo não incide é inteiramente des-
necessária, porque não se configurando a hipótese de incidência tributária efetivamente o
tributo não é devido. Ocorre que existem situações nas quais poderia haver dúvida a respei-
to da configuração, ou não, da situação descrita na norma de tributação como hipótese de
incidência tributária. E em tais situações, para evitar questionamentos, o legislador opta por
esclarecer que o tributo não incide, vale dizer, que efetivamente não se configura a hipótese
de incidência tributária.
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3.4. Isenção e contrato
Não há dúvida de que a isenção é matéria compreendida na reserva legal. Só a lei
pode estabelecer isenções de tributos, concedendo-a diretamente quando em caráter geral
ou autorizando a autoridade administrativa a concedê-la em caráter individual. Entretanto, o
art. 176 do CTN refere-se a isenção prevista em contrato, cumprindo-nos explicar tal refe-
rência.
Matéria da estrita reserva legal, jamais pode decorrer simplesmente de um contrato.
Ocorre que o art. 176 do CTN refere-se à isenção prevista em contrato, sendo importante,
assim, sabermos como deve ser entendido esse dispositivo.
A referência a contrato, na expressão “ainda que prevista em contrato”, não afronta
de nenhum modo o princípio da legalidade, mas não é sem sentido, nem é injustificável.
Essa norma tem grande utilidade e que há de ser compreendida no contexto de um Estado
moderno que, sem prejuízo do princípio da legalidade, pode utilizar-se do contrato como
instrumento para tornar mais ágil a sua intervenção no campo econômico, dando ainda mais
segurança ao cidadão.
Cabe à Administração Pública avaliar, em um primeiro momento, a conveniência de
isentar determinado empreendimento de certos tributos, como forma de incentivar empresá-
rios para sua realização. Determinada a conveniência de conceder a isenção e ainda não
havendo lei que a estabeleça, pode a Administração Pública firmar com o empreendedor o
que se costuma denominar “protocolo de intenções”, cujo conteúdo pode caracterizar um
verdadeiro contrato. Obriga-se então a Administração a adotar as providências cabíveis para
que o Poder Legislativo aprove a lei concedendo ou autorizando a concessão da isenção. E
com isto o empresário pode desde logo adotar as providências iniciais no sentido de realizar
o empreendimento.
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A finalidade do contrato neste caso é obrigar os interessados na realização do em-
preendimento. De um lado o Estado que, por intermédio do Poder Executivo, fica desde logo
juridicamente obrigado a isentar de tributos o empreendimento, nos termos pactuados. E o
outro o empresário que também fica desde logo obrigado a adotar as providências necessá-
rias à realização do empreendimento.
O Poder Legislativo vai então, em um segundo momento, avaliar a conveniência de
conceder a isenção sugerida pelo Executivo. Pode conceder a isenção, nos termos que en-
tender adequados. E pode rejeitar a proposta. Mas se o fizer, frustrando a realização do
empreendimento, terá o Estado o dever de indenizar o empresário da quantia já despendida
com as providências até então adotadas para a realização do empreendimento.
3.5. Isenção restrita a determinada parte do território.
3.5.1. Superação das desigualdades regionais
A Constituição Federal de 1988 alberga pelo menos seis dispositivos preconizando a
redução das desigualdades regionais. São eles: 1) o art. 3º, inciso III, a dizer que constituem
objetivos fundamentais de nossa República erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir
as desigualdades sociais e regionais; 2) O art. 151, inciso I, dizendo que é vedado à União
instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção
ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou Município, em detrimento de ou-
tro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desen-
volvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País; 3) O art. 159, I, “c”, dizendo
que a União entregará, do produto da arrecadação dos impostos sobre renda e proventos de
qualquer natureza e sobre produtos industrializados, três por cento, para aplicação em pro-
gramas de financiamento ao setor produtivo das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste,
através de suas instituições financeiras de caráter regional, de acordo com os planos regio-
nais de desenvolvimento, ficando assegurado aos semi-árido do Nordeste a metade dos
recursos destinados à Região, na forma que a lei estabelecer ; 4) O art. 161, inciso II, afir-
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mando que cabe à lei complementar estabelecer normas sobre a entrega dos recursos de
que trata o art. 159, especialmente sobre os critérios de rateio dos fundos previstos em seu
inciso I, objetivando promover o equilíbrio sócio-econômico entre Estados e entre Municí-
pios; 5) O art. 165, § 7º, estabelece que leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão
os orçamentos previstos no § 5º, I e II, deste artigo, compatibilizados com o plano plurianual,
terão entre suas funções a de reduzir desigualdades interregionais, segundo critério popula-
cional; e 6) O art. 170, inciso VII, finalmente, dizendo que a ordem econômica, fundada na
valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existên-
cia digna, conforme os ditames da justiça social, tendo como princípio a redução das desi-
gualdades regionais e sociais.
Como se vê, a desigualdade entre os Estados deve ser combatida especialmente
pela União Federal. A Constituição Federal de 1988 consagra como um dos objetivos fun-
damentais de nossa República erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais e
regionais (art. 3o, inc. III). Quando veda à União instituir tributo que não seja uniforme em
todo o território nacional ou implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distri-
to Federal ou a Município, em detrimento de outro, faz expressa ressalva, asseverando ser
admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvol-
vimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País (art. 151, inc. I). E ainda, ao
tratar dos orçamentos fiscal e de investimentos, diz que estes, compatibilizados com o plano
plurianual, terão entre suas funções a de reduzir desigualdades interregionais (art. 165, §
7o). Finalmente, consagra como princípio vetor da ordem econômica e financeira a redução
das desigualdades regionais e sociais (art. 170, inc. VII).
A norma do art. 176, parágrafo único, do Código Tributário Nacional, segundo a qual
a isenção pode ser restrita a determinada região do território da entidade tributante, em fun-
ção de condições a ela peculiares, encarta-se perfeitamente nos objetivos estabelecidos
pela Constituição Federal, concernentes à redução das desigualdades econômicas. Com
certeza é de alcance bem mais amplo, mais abrangente, pois justifica também isenções de
tributos estaduais limitadas a determinadas áreas do Estado, e isenções de tributos munici-
pais limitadas a determinadas áreas do Município.
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3.5.2. Omissão que enseja a “guerra fiscal”
Não obstante os preceitos da Constituição preconizando providências para reduzir as
desigualdades regionais, certo é que a União nada tem feito nesse sentido. E tal omissão
enseja a “guerra fiscal” entre os Estados que, de certa forma, resta justificada pelo mesmo
desejo que levou o constituinte a inserir na Carta Magna aqueles preceitos.
Diante de tão evidente e eloquente consagração, pela Lei Maior, do propósito de re-
duzir as desigualdades sócio-econômicas regionais, tem-se de concluir que a concessão de
incentivos fiscais por Estados ricos, é inconstitucional porque contraria flagrantemente aque-
le propósito. Não são inconstitucionais, todavia, idênticos incentivos fiscais quando concedi-
dos por Estados pobres, porque tendem a reduzir aquelas desigualdades e assim realizam o
propósito preconizado pela Constituição.
É certo que a Constituição refere-se a deliberação dos Estados, e diz caber à
lei complementar estabelecer normas procedimentais para a concessão de isenções
e incentivos fiscais no âmbito do ICMS. Não é razoável, porém, sobrepor-se uma
norma de processo a uma norma de direito material, e mais ainda a um princípio
consagrado repetidas vezes pela Constituição Federal.
Penso que a guerra fiscal é legítima. Os argumentos contra ela são falacio-
sos. É o único meio de que dispõem os Estados pobres para lutar pelo desenvolvi-
mento econômico. Os Estados ricos não precisam dele porque os investimentos, por
razões econômicas várias, a eles se dirigem naturalmente. Nos Estados pobres é
que ninguém investirá, a não ser que seja atraído por incentivos criados para esse
fim.
Ao conceder incentivo fiscal para atrair novas empresas o Estado não renun-
12
cia a um único centavo de sua arrecadação. Sem tais empresas obviamente não
existiria receita delas decorrente. E com empresas novas, mesmo que estas não
paguem um centavo de impostos ao Estado por longo tempo, cresce o poder aquisi-
tivo dos que para elas trabalham, ou de outras formas se relacionam, e isto termina
aumentando a arrecadação de impostos por outras vias.
Exatamente por se tratar de um instrumento legítimo, a guerra fiscal exacer-
bou-se com os debates em torno de sua extinção. Extinção que, aliás, não ocorrerá,
a não ser que, atropelando cláusula pétrea da Constituição, seja extinta a Federação
e implantado o Estado Unitário, com governadores nomeados pelo Presidente da
República e por este demissíveis a qualquer momento, como são os ministros, auxi-
liares do Chefe do Poder Executivo.
A “Guerra Fiscal” é antiga, universal, e ainda vai durar muito tempo.
3.6. Isenção e condição futura a cargo de outrem.
3.6.1. Momento de realização da condição
Sendo a isenção condicionada leva problema a questão do momento no qual deve
ser realizada a condição. Pode ocorrer que esse momento seja anterior à concessão da
isenção que neste caso somente ocorrerá se atendida a condição. Pode ocorrer, porém, que
a condição deva ser atendida depois de concedida a isenção e neste caso surge a questão
da responsabilidade pela não realização da condição.
Em princípio essa responsabilidade é da própria pessoa, física ou jurídica, titular do
direito à isenção. Mas pode dar-se que a isenção seja objetiva, concedida em função do
objeto e a condição seja de realização futura, vale dizer, posterior à data em que se dá o
13
fato que, se inexistente a isenção, tem o efeito de gerar a obrigação tributária. É o caso de
uma isenção do IPI, ou do ICMS, condicionada ao destino do produto vendido.
3.6.2. Isenção objetiva condicionada ao destino do produto
Diz-se que a isenção é objetiva quando não se vincula ao sujeito da relação, mas
exclusivamente ao objeto. Existem isenções de impostos incidentes na saída de mercadori-
as ou produtos, condicionadas ao destino destes. Relativamente a tais isenções pode ser
colocada a questão de saber quem será responsável pelo não atendimento dessa condição
legalmente imposta ao gozo da isenção.
O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que o vendedor de fertilizantes, produto
isento se destinado a emprego na agricultura, não pode ser responsabilizado pelo imposto
no caso de desvio de finalidade imputável ao comprador.2 E na verdade não é justo atribuir-
se ao vendedor tal responsabilidade, posto que o destino do produto fica inteiramente fora
de seu controle.
3.7. Classificação das isenções
3.7.1. As classificações
As classificações não são verdadeiras nem falsas, mas úteis ou inúteis. Neste senti-
do é a lições de Genaro Carrió, acolhida por diversos juristas, no Brasil e em outros países.3
2 STJ, Primeira Seção, Embargos de Divergência em REsp nº 58.845 – SP, rel. Min. José Delgado,
julgado em 03.12.2001, DJU 1 de 04.03.2002, pág. 173. Acórdão publicado, na íntegra, na Revista Dialética de Direito Tributário, nº 80, maio de 2002, pág. 145.
3 Genaro Carrió, Notas sobre Derecho y Lenguaje, 4ª edicion, Abeledo-Perrot, B uenos Aires, 1994,
pág. 99/100.
14
Quando se faz uma classificação, o que mais importa é o critério de distinção
entre as espécies que se pretende classificar. E a coerência que, obviamente, se faz
necessária, especialmente no que diz respeito à finalidade da classificação. Assim,
tendo em vista os critérios que vamos indicar, e com a finalidade de facilitar o estudo
das isenções plano jurídico, fizemos uma classificação destas a partir dos dispositi-
vos do Código Tributário Nacional.
3.7.2. Classificação das isenções no CTN
Tendo em vista as normas do Código Tributário Nacional concernentes a isenções
elaboramos a seguinte classificação:
I – Quanto à forma de concessão: a) absolutas, ou em caráter geral, concedidas dire-
tamente pela lei; e b) relativas, ou em caráter individual, concedidas por lei mas efetivadas
mediante despacho da autoridade administrativa.
II – Quanto à natureza: a) onerosas ou condicionadas, concedidas sob condi-
ção que implique ônus para o interessado; b) simples, sem a imposição de condi-
ções ao interessado.
III – Quanto ao prazo, em: a) por prazo indeterminado; e b) por prazo certo.
IV – Quanto à área: a) amplas, prevalentes em todo o território da entidade
tributante; b) restritas ou regionais, prevalentes apenas em parte do território da en-
tidade tributante.
V – Quanto aos tributos que alcançam: a) gerais, que abrangem todos os tri-
butos; b) especiais, que abrangem somente os tributos que especificam.
15
As isenções podem ser ainda objeto de diversas outras classificações
3.8. Norma explicitante supletiva.
3.8.1. Explicitação com efeito didático
O Código Tributário Nacional tem diversos dispositivos com afirmações que parecem
desnecessárias. Dizem o que teria de ser entendido, mesmo sem elas. O art. 177 é um
exemplo disto. Este, como outros dispositivos do Código devem ser entendidos como expli-
citações que, se podem ser tidas por alguns como desnecessárias, podem ser consideradas
úteis, e mesmo extremamente recomendáveis, pelo efeito didático que termina contribuindo
efetivamente para evitar equívocos.
Aliás, o Professor Gomes de Sousa, criticado por haver incluído no anteproje-
to do Código Tributário Nacional, dispositivos assim, afirmou que o fez com o intuito
de superar o desconhecimento da doutrina do Direito Tributário que, à época em que
foi aquele anteprojeto elaborado, era incontestável.
3.8.2. Ressalva de disposição em contrário
A ressalva de disposição em contrário não teria sentido não fosse a superiori-
dade hierárquica do Código Tributário Nacional, no que trata de normas gerais em
matéria de legislação tributária. Fosse o seu art. 177 um dispositivo de lei ordinária,
certamente não poderia sem invocado contra uma disposição de lei posterior em
sentido contrário.
16
A ressalva, portanto, há de ser entendida como permissivo ao legislador ordi-
nário para dispor de forma diversa do que no art. 177 está estabelecido, produzindo
validamente dispositivo que sem tal ressalva não teria validade.
3.9. Limitação quanto a taxas e contribuições.
3.9.1. Alcance da isenção genérica.
Nos termos do art. 177 do Código Tributário Nacional a lei não pode conceder
isenção genérica, vale dizer, isenção de todos os tributos. Isto, aliás, não é possível
em face da repartição da competência entre União, Estados e Municípios. Como
uma das pessoas jurídicas de direito público não pode, em princípio, isentar de tribu-
tos pertencentes às outras, com certeza uma única lei, editada por uma das pessoas
de direito público, não pode conceder isenção de todos os tributos. Em princípio é
possível, porém, que uma lei federal conceda isenção de todos os tributos federais,
uma lei estadual conceder isenção de todos os tributos do Estado que a editar, e
uma lei municipal conceder isenção de todos os tributos do Município que a editar.
Em obediência ao art. 177 do Código Tributário Nacional, todavia, uma isen-
ção que diga respeito a todos os tributos da entidade pública respectiva talvez não
seja possível. O alcance da isenção genérica não vai além dos impostos. Essa é a
conclusão amparada na interpretação sistêmica do Código Tributário Nacional.
Realmente, se uma lei conceder isenção de todos os tributos, mas não se re-
ferir explicitamente às taxas e contribuição de melhoria, essa lei deve ser interpreta-
da, por força do disposto no art. 177 no contexto do Código Tributário Nacional, co-
mo concessiva de isenção de todos os impostos da competência da entidade res-
pectiva. Não abrangerá taxas nem contribuições de melhoria, tributos com fatos ge-
radores consubstanciados em atividades estatais especificamente relacionadas ao
contribuinte.
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Como o Código Tributário Nacional define as taxas e a contribuição de melho-
ria como espécies que se identificam por terem fatos geradores consubstanciados
em atividades estatais especificamente relacionadas ao contribuinte, não seria ade-
quado relacionar essas duas espécies de tributo à mesma sorte dos impostos, gene-
ricamente considerados na regra de isenção. Assim, a isenção de uma taxa, como a
isenção de uma contribuição de melhoria, deve resultar sempre de dispositivo ex-
presso e explícito nesse sentido.
3.9.2. Tributos instituídos depois da isenção
Diz o art. 177, inciso II, do Código Tributário Nacional que, salvo disposição
de lei em contrário, a isenção não é extensiva aos tributos instituídos posteriormente
à sua concessão. Essa norma há de ser entendida tendo-se em vista que a norma
de isenção nada mais é do que uma exceção à norma de tributação. Pela mesma
razão que a norma de tributação deve ser interpretada tendo-se em vista o fato nela
descrito, em sua expressão substancial, também a norma de isenção deve ser inter-
pretada tendo-se em vista o fato nela descrito em sua expressão substancial.
Assim, quando o art. 177, inciso II, do CTN, diz que a isenção não se aplica
aos tributos instituídos posteriormente à sua concessão, limita o alcance da norma
isentiva àqueles tributos existentes na data em que foi editada. Não são abrangidos
pela isenção os tributos novos; mas como tal devem ser entendidos somente aque-
les que sejam efetivamente novos. Não os antigos que tenham recebido nova de-
nominação. Se ocorre aumento do tributo, ou criação de adicional, ou tributo com
outro nome, mas com o mesmo fato gerador, a isenção alcança o aumento, o adici-
onal, ou o tributo que, sendo antigo na essência, tenha recebido nova denominação,
ou nova estrutura formal.4
4 Hugo de Brito Machado, Curso de Direito Tributário, 25 ª edição, Malheiros, São Paulo, 2004, pág.
226.
18
Em se tratando de isenção por prazo certo, com muito mais razão deve ser a
isenção preservada contra alterações no sistema tributário.
3.10. Isenção em caráter geral e em caráter individual
3.10.1. Destinatários da isenção
Já fizemos neste estudo uma classificação das isenções, tendo em vista a
disciplina destas no Código Tributário Nacional. E começamos por indicar a classifi-
cação na qual se toma como critério a forma de concessão. E dissemos que nos
termos do CTN as isenções, quanto à forma de concessão, podem ser absolutas ou
em caráter geral, e relativas ou em caráter específico.
Na verdade essa mesma classificação pode tomar em consideração o desti-
natário da isenção. Se este não é uma pessoa previamente identificada diz-se que a
isenção é absoluta, ou concedida em caráter geral, E se ocorre o contrário, se o des-
tinatário é uma pessoa previamente identificada, diz-se que a isenção é relativa ou
em caráter específico.
3.10.2. Isenção em caráter geral
A isenção diz-se em caráter geral quando decorre diretamente da lei. Certa-
mente a isenção que decorre diretamente da lei é aquela concedida em face de
condições mais ou menos gerais, cuja comprovação em cada caso se faz desneces-
sária. Tanto se pode falar em isenção concedida diretamente pela lei, como em
isenção concedida em caráter geral. São a mesma coisa, exatamente porque o ser
concedida diretamente pela lei acontece precisamente em razão da desnecessidade
de individualização do caso, vale dizer, em razão de não fazer a lei exigência de
condições a serem demonstradas e comprovadas individualmente.
19
Reporta-se o art. 179 do Código Tributário Nacional a isenção, quando não
concedida em caráter geral, para referir-se à isenção concedida em caráter individu-
al, ou específico. Indica, portanto, a existência dessas duas espécies de isenção,
classificadas em razão do destinatário e por igual em atenção à forma de conces-
são.
3.10.3. Isenção em caráter individual ou específico.
A isenção em caráter individual é efetivada, em cada caso, por despacho da
autoridade administrativa, em requerimento com o qual o interessado faça prova do
preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei ou
contrato para sua concessão.
Na verdade a isenção de qualquer das duas espécies é concedida sempre
pela lei. O que identifica a isenção em caráter geral é a desnecessidade de ato ad-
ministrativo para a efetivação da isenção. Desnecessidade que decorre exatamente
de que nenhuma condição é exigida que não seja própria de um grupo considerado
em sua generalidade. Já a isenção em caráter individual caracteriza-se pela neces-
sidade de ato administrativo para sua efetivação. Não é, todavia, do ato administrati-
vo que decorre a isenção. Ela decorre, sempre, da lei.
3.11. Isenção de tributo lançado por período certo
3.11.1. Isenção individual de tributo periódico
O artigo 179 estabelece, em seu parágrafo primeiro, que em se tratando de
tributo lançado por período certo de tempo, o despacho referido neste artigo será
renovado antes da expiração de cada período, cessando automaticamente os seus
efeitos a partir do primeiro dia do período para o qual o interessado deixar de pro-
mover a continuidade do reconhecimento da isenção.
20
E em seu parágrafo segundo acrescenta que o despacho em referência não
gera direito adquirido, aplicando-se, quando cabível, o disposto no art. 155. Em ou-
tras palavras, isto quer dizer que a isenção pode ser revogada de ofício, sempre que
se apure que o beneficiado não satisfazia ou deixou de satisfazer as condições ou
não cumpria ou deixou de cumprir os requisitos para a concessão da isenção, de-
vendo ser cobrado o tributo, com imposição da penalidade cabível nos casos de do-
lo, simulação do beneficiado ou de terceiro em benefício daquele (art. 155, inciso I).
Ou cobrado o tributo sem acréscimo de penalidade nos demais casos (art. 155, inci-
so II), vale dizer, sempre que não tenha havido dolo ou simulação.
É importante notarmos que a isenção somente poderá ser desfeita se tiver
havido irregularidade em sua concessão. O despacho que a concede na verdade
gera direito para o interessado, salvo, evidentemente, se tiver havido irregularidade
na concessão. E como se trata de tributo lançado por período certo de tempo, a
isenção perdura por esse tempo ainda que a lei que a concede seja revogada antes
de seu escoamento.
Assim, a norma do art. 179, § 2°, do Código Tributário Nacional há de ser en-
tendida em termos. Sua incidência pressupõe, repita-se, tenha havido ilegalidade na
concessão da isenção.
3.11.2. Comprovação da continuidade de condições
Ao estabelecer que o despacho será renovado antes da expiração de cada
período, cessando automaticamente os seus efeitos a partir do primeiro dia do perí-
odo para o qual o interessado deixar de promover a continuidade do reconhecimento
da isenção, o art. 179, parágrafo 1°, pressupõe que a isenção tenha sido concedida
em função de condições que devam perdurar na relação e cujo desaparecimento faz
desaparecer o direito à isenção. Por isto é que ao interessado cumpre renovar, a
cada final de período de lançamento do imposto, o pedido de reconhecimento da
isenção.
21
Ao tempo em que foi editado o Código Tributário Nacional talvez se justificas-
se a norma em tela. Hoje, porém, com o aumento exagerado dos casos nos quais a
autoridade administrativa se vê diante de solicitações a serem objeto de despacho,
melhor seria uma fórmula que invertesse o ônus da prova.
3.11.3. Inversão do ônus da prova
Realmente, muito melhor seria que a lei estabelecesse a inversão do ônus da
prova. Em outras palavras, bem mais adequada seria a norma pertinente a isenções
de impostos lançados por períodos certos que tornasse desnecessária a renovação
do pedido, tornando automática a renovação da isenção até que a Administração
tivesse razões para passar a cobrar o imposto. Isto evitaria o amontoado enorme de
processos referentes a simples pedido de reconhecimento de isenção.
Não obstante, em face do art. 179 do Código Tributário Nacional subsiste a
necessidade de pedidos de renovação do despacho que reconhece o direito a isen-
ção de impostos lançados por período certo.
3.11.4. Natureza meramente declaratória do despacho
O despacho que reconhece o direito à isenção tem, em princípio, natureza
meramente declaratória. Assim, mesmo que não tenha sido renovado o pedido, nem
o despacho de reconhecimento, e por isto mesmo seja lançado o tributo desconside-
rando a isenção, pode o interessado argui-la utilmente em impugnação ao lança-
mento. Provará, então, a subsistência das condições e dos requisitos para a isen-
ção.
Realmente, o requerimento não possa de forma de exercício do direito à isen-
ção. Direito que decorre sempre da lei e da ocorrência de fato das condições nela
previstas para que exista o direito à isenção.
22
4. ALGUMAS OBSERVAÇÕES SOBRE A ANISTIA
4.1. O conceito de anistia no CTN
A anistia, no Código Tributário Nacional, quer dizer o perdão pelo cometimento de
uma infração à legislação tributária. Não é a dispensa do pagamento de um tributo. Anistia
relaciona-se com penalidades. Não com tributos.
É concedida antes da constituição do crédito tributário no qual esteja incluída a pena-
lidade pecuniária. Depois de constituído o crédito a dispensa deste denomina-se remissão,
que abrange todo o crédito tributário independentemente de ser ele originado de tributo ou
de penalidade.
4.2. Anistia e remissão
Na terminologia do Código Tributário Nacional anistia e remissão não se con-
fundem. Pela anistia, o legislador extingue a punibilidade do sujeito passivo infrator
da legislação tributária, impedindo a constituição do crédito. Se já está o crédito
constituído, o legislador poderá dispensá-lo pela remissão, mas não pela anistia.
Esta diz respeito exclusivamente a penalidade e há de ser concedida antes da cons-
tituição do crédito. A remissão é forma de extinção do crédito tributário, quer decor-
rente de penalidade, quer decorrente de tributo. 5
A anistia situa-se antes da constituição do crédito tributário, e por isto é que
se coloca como forma de exclusão deste. A remissão, diversamente, situa-se depois
5 Hugo de Brito Machado, Curso de Direito Tributário, 20ª edição, Malheiros, São Paulo, 2002, pág.
200.
23
da constituição do crédito tributário, e por isto é que se coloca como forma de extin-
ção deste. Por outro lado, a anistia diz respeito exclusivamente ao cometimento de
infrações, e abrange, portanto, apenas as penalidades pecuniárias. Assim, quando
uma lei diz que são anistiados determinados contribuintes, querendo dizer que eles
ficam dispensados de pagar certos tributos, não se está diante de anistia, mas de
remissão.
4.3. Limitações ao legislador e norma de caráter supletivo
A anistia em matéria tributária deve ser concedida por lei específica, vale dizer, por
lei que trate apenas da própria anistia, ou que contenha somente normas pertinentes ao
tributo em cuja legislação esteja definida a infração a que se refere. É uma limitação imposta
pelo § 6°, do art. 150 da vigente Constituição Federal, ao legislador ordinário. Tanto no pla-
no federal, como no estadual e no municipal.
O art. 180 do Código Tributário Nacional também impõe sérias limitações ao legisla-
dor quanto à concessão de anistia.
Como perdão que é, abrange exclusivamente as infrações cometidas anteri-
ormente à vigência da lei que a concede, e não se aplica (a) aos atos qualificados
em lei como crimes ou contravenções e aos que, mesmo sem essa qualificação, se-
jam praticados com dolo, fraude ou simulação pelo sujeito passivo ou por terceiro
em benefício daquele; (b) salvo disposição em contrário, às infrações resultantes de
conluio entre duas ou mais pessoas naturais ou jurídicas (CTN, art. 180).
Embora só o inciso II do art. 180 do CTN faça ressalva a disposição legal em
contrário, parece-nos que o legislador federal não está adstrito aos limites do menci-
onado art. 180, em matéria de anistia. Tais limites se impõem ao legislador estadual.
Também ao municipal. Podendo, entretanto, o legislador federal alterar o próprio
24
CTN, é óbvio que se não sujeita às limitações deste. Mas o instrumento adequado
para tanto há de ser a lei complementar, eis que se trata de norma geral de Direito
Tributário (CF, art. 146, inc. III).
Na verdade entendemos que o legislador federal não está sujeito às limitações im-
postas pelo art. 180 do Código Tributário Nacional porque tem ele competência ampla para
legislar, inclusive em matéria penal. Assim, no plano federal pode haver disposição em con-
trário tanto ao inciso II, como ao inciso I, do Código. Em outras palavras, o legislador federal
pode conceder anistia de infrações tributárias amplamente, alcançando aquelas infrações
qualificadas como crime ou como contravenção, as cometidas com dolo, fraude ou simula-
ção, e aquelas cometidas em conluio.
Relativamente ao legislador federal, portanto, o art. 180 do Código Tributário Nacio-
nal é norma de caráter supletivo, simplesmente.
4.4. Distinção essencial entre anistia e isenção
A anistia não confunde com a isenção porque a primeira diz respeito exclusivamente
a penalidades e a segunda diz respeito aos tributos. E ainda, porque a anistia produz os
seus efeitos apenas em relação aos fatos ocorridos antes da lei que a concede, enquanto a
isenção produz os seus efeitos em relação a fatos posteriores à data do início da vigência
da lei que a concede.
A distinção essencial entre anistia e isenção reside em dois pontos, a saber, a anistia
diz respeito a infrações e penalidades e a lei que a concede é retroativa por natureza, en-
quanto a isenção diz respeito aos tributos e a lei que a concede aplica-se para o futuro.
25
Na prática o legislador geralmente não utiliza a palavra remissão. Utiliza a palavra
anistia, ou melhor, o verbo anistiar, em sentido amplo, ou simplesmente determina o cance-
lamento de lançamentos, e até de inscrições em dívida ativa, sem qualquer preocupação
com a terminologia especializada do Direito Tributário. Seja como for, certo é que se o legis-
lador disser que ficam anistiadas as infrações tais e tais, cometidas no período tal, eviden-
temente não mais serão lançadas as penalidades pecuniárias, vale dizer, as multas a tais
infrações cominadas, e se já lançadas o crédito tributário correspondente estará desconstitu-
ído. Importa, aqui, o substancial e não o formal, o estreito, o literal, bisonho e limitado en-
tendimento que afinal, como ressaltou Luciano Amaro, seria flagrantemente contrário ao
princípio da isonomia, posto que o já haver sido, ou não, realizado o lançamento tributário
não pode ser validamente colocado como critério de discrimine.
4.5. Anistia, remissão e restituição de quantias pagas
É comum ver-se em leis que concedem anistia, ou remissão, dispositivos estabele-
cendo expressamente que o disposto nesta lei não implica a restituição de quaisquer quan-
tias relativas a tributos ou a penalidades que já tenham sido pagas. Haveria, em disposição
dessa ordem, afronta ao princípio da isonomia?
Entendemos que sim. Se a anistia diz respeito a infração à mesma norma da legisla-
ção tributária, praticada no mesmo período; ou a remissão diz respeito a tributo surgido de
idêntico fato, e no mesmo período, o já ter havido pagamento não pode constituir critério
válido de discrimine. O princípio da isonomia impõe que se afaste a discriminação feita pela
lei, com a utilização desse critério. Aliás, mesmo no plano da política jurídica o já haver ocor-
rido o pagamento não constitui critério válido de discrimine porque adotá-lo seria estimular
as pessoas a não efetuarem os pagamentos, permanecendo à espera de anistias ou de re-
missões.
4.6. Anistia tributária e ilícitos penais
26
4.6.1. Competência legislativa
Para a adequada compreensão da norma do art. 180 do Código Tributário Nacional é
importante considerarmos que a Constituição Federal atribui à União competência para con-
ceder anistia6 e ainda para competência privativa para legislativa em matéria penal.7 Só a
União Federal, portanto, pode conceder anistia relativamente a ilícitos penais.
Em matéria tributária, porém, a competência legislativa é concorrente. Em outras pa-
lavras, compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre
direito tributário.8 E compete também aos Municípios legislar sobre os tributos de sua com-
petência,9 o que evidentemente inclui a legislação sobre anistia em matéria de tributos mu-
nicipais.
4.6.2. Os ilícitos tributário e penal
Em face da criminalização de ilícitos tributários, coloca-se a questão delicada de sa-
ber se é possível ainda um ilícito tributário que não configure também um ilícito penal.
Parece que apenas os ilícitos praticados sem dolo é que permaneceriam no âmbito
apenas do direito tributário e, assim, abrangidos pela anistia concedida pela lei tributária.
Ficou sem sentido, portanto, a segunda parte do inciso I, do art. 180, que equipara aos ilíci-
tos penais aqueles ilícitos tributários que, sem estarem qualificados como crimes ou contra-
6 Constituição Federal de 1988, art. 21, inciso XVII.
7 Constituição Federal de 1988, art. 22, inciso I.
8 Constituição Federal de 1988, art. 24, inciso I.
9 Constituição Federal de 1988, art. 30, incisos I a III.
27
venções, sejam praticados com dolo, fraude ou simulação pelo sujeito passivo ou por tercei-
ro em benefício daquele.
No plano federal o problema praticamente não existe. O legislador pode expressa-
mente ampliar o alcance da anistia para além dos limites impostos pelo art. 180 do Código
Tributário Nacional. Mas a questão pode ser colocada nos planos estadual e municipal. Po-
deria o legislador, nesses planos, conceder anistia relativamente a infrações tributárias le-
galmente qualificadas como crime contra a ordem tributária? Ou praticadas com dolo, fraude
ou simulação? Ou ainda, relativamente a infrações praticadas mediante conluio entre duas
ou mais pessoas físicas ou jurídicas?
Parece-nos que a restrição submetida a ressalva de lei em sentido contrário não
subsiste contra qualquer lei, seja federal, estadual ou municipal. A disposição de lei em con-
trário com certeza é disposição da lei ordinária da entidade que concede a anistia. A restri-
ção somente pode subsistir se a lei de anistia for omissa e não permitir o entendimento de
que se aplica além da restrição do art. 180 do Código Tributário Nacional.
No que concerne às infrações qualificadas como crime pensamos que a solução
adequada do ponto de vista jurídico formal seria a de admitir a validade da lei estadual, ou
municipal, mas entender que a mesma não produz efeitos na esfera penal. Assim, seria vá-
lida a anistia no âmbito tributário, mas esta não implicaria anistia quanto à sanção penal. Tal
solução, porém, não se revela compatível com o princípio da razoabilidade. Não é razoável
a aplicação de sanção penal em razão de uma infração quando a própria entidade tributante
concedeu anistia da infração tributária, que implica perdão daquela infração.
Resta-nos, portanto, considerar que a anistia concedida pelo legislador estadual, e
aquela concedida pelo legislador municipal, não produzem efeitos na esfera penal, embora
tal restrição possa ser questionada em face do princípio da razoabilidade.
28
4.7. Espécies de anistia
4.7.1. Em caráter geral
A primeira das espécies de anistia é a concedida em caráter geral. Da mesma forma
que ocorre com a isenção, a anistia concedida em caráter geral decorre diretamente da lei.
Sua efetivação independe da comprovação de qualquer fato que individualize o anistiado.
Assim, por exemplo, terá caráter geral a anistia que consubstancie perdão de infrações co-
metidas até determinada data, por qualquer pessoa e em qualquer parte do território da en-
tidade que a conceder, independentemente do valor das penalidades que seriam decorren-
tes das infrações anistiadas.
Geralmente não existem razões para uma anistia ampla aos infratores da legislação
tributária. A questão é de oportunidade. No caso de uma reforma completa do sistema tribu-
tário certamente a anistia ampla seria oportuna e bastante razoável.
4.7.2. Anistia limitada
A anistia limitada é concedida apenas em relação a determinadas infrações.
Não fica necessariamente a depender da comprovação de fatos específicos. A clas-
sificação da anistia, que se está a examinar, é diferente da classificação das isen-
ções.
Não obstante o disposto no art. 182 do Código Tributário Nacional, não existe
a suposta simetria entre a disciplina da isenção e da anistia. A norma do artigo 181,
com fundamento na qual se faz a classificação da anistia nas espécies geral e limi-
tada, não corresponde exatamente às normas que cuidam da isenção e com base
nas quais esta pode ser classificada nas espécies absolutas e relativas. Por outro
29
lado, as razões pelas quais se fazem necessárias provas do preenchimento de con-
dições e requisitos para o gozo de isenção relativa nem sempre estão presentes no
caso de anistia limitada.
A anistia pode decorrer diretamente da lei e pode depender de despacho da
autoridade administrativa em requerimento do interessado. Isso, porém, não qualifi-
ca a anistia como geral, ou como limitada. O critério de classificação da anistia em
uma dessas duas espécies não é a forma de concessão. Embora a anistia geral de-
corra diretamente da lei, porque concedida a todos, independentemente de qualquer
condição, a anistia limitada pode depender, ou não de despacho da autoridade ad-
ministrativa.
4.8. Os critérios de limitação da anistia
4.8.1. Um tributo especificamente considerado
A primeira sub espécie de anistia limitada é a que diz respeito às infrações da legis-
lação relativa a determinado tributo. Ela pode ser concedida em caráter geral, e neste caso
decorrerá diretamente da lei. Sua efetivação independerá de despacho da autoridade admi-
nistrativa. E poderá ser concedida em caráter particular, individualizado, em razão de deter-
minados fatos ou circunstância e assim ter a sua efetivação a depender de despacho da
autoridade a ser proferido em requerimento do interessado, acompanhado da prova do pre-
enchimento das exigências da lei no caso concreto.
Mesmo com respeito às infrações da legislação relativa a determinado tributo, pode a
anistia ser concedida relativamente a determinada região do território da entidade tributante,
em função de condições a ela peculiares. E neste caso pode ter caráter geral para a referida
região, dispensada, portanto a prova de fatos eleitos como condição da anistia. E pode ficar
a depender da prova de fatos, acompanhando requerimento formulado pelo interessado.
30
Pode ainda uma anistia concernente às infrações da legislação relativa a determina-
do tributo ser concedida em sob condição do pagamento do tributo no prazo fixado pela lei
que a conceder, ou cuja fixação seja atribuída pela mesma lei à autoridade administrativa.
4.8.2. Valor da penalidade pecuniária
A anistia concedida em razão do valor da penalidade pecuniária é uma providência
recomendada pelo bom senso. Não se justifica o dispêndio pela Fazenda Pública, para pro-
mover um processo administrativo de aplicação e cobrança de uma penalidade pecuniária,
de valor superior a essa penalidade.
Assim, e como os servidores públicos não podem deixar de praticar os atos destina-
dos à aplicação da penalidade, é necessário que o legislador os desobrigue dessa prática,
concedendo a anistia das penalidades cujo valor, em princípio, seja inferior ao das despesas
necessárias à aplicação da penalidade e respectiva cobrança.
4.8.3. Peculiaridades locais
O art. 181, inciso II, alínea “c”, cuida da possibilidade de anistia limitada a determina-
da região do território da entidade tributante, em função de condições a ela peculiares. Tal
anistia pode ser concedida em caráter geral a todos os contribuintes domiciliados na região,
e neste caso sua efetivação não fica a depender de requerimento do interessado nem, con-
sequentemente, de despacho da autoridade administrativa. Pressupõe-se que as peculiari-
dades que ensejaram a anistia são os fatos que, por serem públicos e notórios não precisam
ser comprovados. Uma enchente, por exemplo. A seca muito severa. O isolamento da popu-
lação em virtude do desmoronamento de uma ponte, ou de um trecho de estrada, que impe-
diu os contribuintes da região de virem até o local onde são feitos os pagamentos de tributos
31
para quitarem suas dívidas no prazo legal, são exemplos de situações peculiares a determi-
nada região que justificam a concessão de anistia.
É possível, porém, que a lei conceda anistia em função de condições peculiares a
determina região do território da entidade tributante, mas o fato relevante para tal fim seja de
ocorrência não generalizada, de sorte que pode a anistia ficar a depender da comprovação,
pelo interessado, de haver sido ele atingido pelo fato considerado motivador da anistia.
4.8.4. Pagamento do tributo
Finalmente, o art. 181, inciso II, alínea “d”, cuida da possibilidade de ser a anistia
concedida sob condição do pagamento de tributo no prazo fixado pela lei que a conceder,
ou cuja fixação seja atribuída pela mesma lei à autoridade administrativa.
Neste caso também a lei pode conceder a anistia em caráter geral, a todos os contri-
buintes que se encontrem inadimplentes em relação a determinado tributo. Ou até a todos
os tributos da entidade que concede a anistia. Ou então, pode estabelecer outra, ou outras,
condições consubstanciadas em fatos cuja prova deva ser feita pelo interessado, para que
possa usufruir da anistia e assim fazer o pagamento sem o acréscimo da penalidade pecu-
niária objeto da anistia.
Essa parece ser a forma de anistia mais frequentemente praticada. Tem a vantagem
de estimular os pagamentos e assim aumentar a arrecadação. Tem, todavia, a desvantagem
de desestimular os pagamentos pontuais, nos prazos devidos, pois cria no contribuinte a
esperança de sempre terá oportunidade de fazer tais pagamentos muito tempo depois, sem
acréscimo de penalidades.
5. EXCLUSÃO DO CRÉDITO E OBRIGAÇÕES ACESSÓRIAS.
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5.1. Obrigações acessórias não dependem de obrigações principais
As obrigações tributárias acessórias em regra não dependem de obrigações
tributárias principais. Não existe um liame entre umas e outras, de sorte que a refe-
rência a obrigações acessórias dependentes da obrigação principal, deve ser enten-
dida em termos.
Realmente, quando o parágrafo único do art. 175 do Código Tributário Nacio-
nal estabelece que a exclusão do crédito tributário não dispensa o cumprimento das
obrigações acessórias, dependentes da obrigação principal cujo crédito seja excluí-
do, ou dela consequente, tem-se de entender a expressão dependentes da obriga-
ção principal no sentido de que o fato de haver sido excluído o crédito tributário, pela
isenção ou pela anistia, não quer dizer que a situação abrangida pela norma de
isenção, ou de anistia, tenha sido excluída da hipótese de incidência da norma que
estatui obrigações acessórias.
Assim, por exemplo, na saída de mercadoria isenta do ICMS, a norma de
isenção não exclui a obrigação acessória de emitir a nota fiscal respectiva, nem a
obrigação acessória de fazer a escrituração daquela operação em livros fiscais, nem
a obrigação acessória de tolerar a fiscalização pela autoridade competente.
5.2. A razão da independência
A qualificação da obrigação tributária como acessória não deve ser entendida no
sentido de que existe um vínculo entre esta e uma determinada obrigação principal, da qual
seria dependente. Na verdade essa qualificação explica-se apenas pelo fato de que as obri-
gações acessórias, em sua totalidade, só existem em função das obrigações principais. Não
há, porém, como ficou explicado nos comentários aos dispositivos referentes a essas espé-
cies de obrigação tributária, nenhum vínculo especifico entre determinada obrigação princi-
pal e esta ou aquela obrigação acessória.
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Por outro lado, quando a lei estabelece que a isenção, assim como a anistia, não
implicam dispensa das obrigações acessórias, tem-se de entender que isto se deve exata-
mente à falta daquele vínculo específico do que é acessório. Como as obrigações acessó-
rias existem para propiciar o controle das obrigações principais em geral, o fato de não nas-
cer em determinada situação uma obrigação principal – por exemplo, a obrigação tributária
relativa ao ICMS na venda de determinada mercadoria – não quer dizer que aquela situação
não seja relevante do ponto de vista tributário, em razão de outros tributos, e por isto mesmo
deva ser mantida sob controle, o que se faz exatamente pela subsistência das obrigações
acessórias.
HUGO DE BRITO MACHADO
Advogado, Professor Titular de Direito Tributário da Universidade Federal do Ceará
e Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 5.ª Região (Aposentado).
Como citar este texto:
MACHADO, Hugo de Brito. Material da 7ª aula da Disciplina Obrigação e Crédito Tributário,
ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual de Direito Tributário – REDE
LFG.
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