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LETRAS | 149
LITERATURA
BRASILEIRA IV
LETRAS | 150
LETRAS | 151
LITERATURA BRASILEIRA IV
ELISALVA DE FÁTIMA MADRUGA DANTAS
Caros alunos,
Nessa nova etapa de estudos, vamos mergulhar, através da leitura de textos literários e críticos, nas
águas agitadas de um dos momentos mais ricos e importantes da nossa literatura: a primeira fase do
Modernismo Brasileiro, momento conhecido como fase heroica desse movimento, por conta da bravura e
da ousadia de suas propostas no que concerne à ruptura implementada por seus mentores à maneira como
a arte vinha sendo realizada no Brasil, tendo como meta principal, segundo Oswald de Andrade, no
Manifesto da Poesia Pau Brasil, “acertar o relógio império da literatura nacional”1.
Antes, porém, de adentrarmos nas veredas modernistas brasileiras, faremos um breve passeio
pelos principais movimentos da Vanguarda Europeia, ocorridos no início do século, devido à ressonância de
suas propostas em nosso movimento Modernista, marcadas também por um profundo desejo de inovação,
pela necessidade sentida de adequar a expressão artística às mudanças ensejadas pelo desenvolvimento da
tecnologia, da indústria e pelas inquietações políticas que eclodem na Europa do início do século XX.
Para que entendamos também como se deu, dentro da literatura brasileira, a transição da
concepção artística que vigorava no início do nosso século, embasada nos princípios ideo estéticos do
realismo, do naturalismo, do parnasianismo e do simbolismo, os quais, por sua vez, se nutriam,
ideologicamente, do cientificismo da época, sobretudo do determinismo e do positivismo e, esteticamente,
de um excessivo rigor formal que se traduzia na preocupação parnasiana da arte pela arte, do retoricismo e
do rebuscamento da linguagem, abordaremos, ainda que de passagem, alguns textos literários e críticos
configuradores do que é reconhecido, dentro de nossa história literária, como momento Pré Modernista.
Assim sendo, para melhor consecução do que pretendemos trabalhar junto com vocês,
estruturamos nosso curso em três unidades. São elas:
I Unidade: Vanguarda Europeia
Nessa, como já frisamos acima, iremos conhecer as propostas dos principais movimentos da
Vanguarda Europeia que tiveram repercussão entre os idealizadores do Modernismo Brasileiro e que dizem
1 ANDRADE, Oswald de.Manifesto da poesia pau brasil. In: Do Pau Brasil à antropofagia e às Utopias..Rio de Janeiro: CivilizaçãoBrasileira, 2. ed. 1978, p.9
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respeito ao Futurismo, Expressionismo, Cubismo, Cubofuturismo, Dadaísmo, Espiritonovismo e
Surrealismo.
II Unidade: Pré-Modernismo Brasileiro
Nesse momento, pelo qual passaremos, como já assinalamos, de forma muito rápida, veremos
algumas manifestações literárias e críticas indiciadoras das fissuras que começam a abalar os alicerces
ideológicos e estéticos que fundamentavam a construção artística.
III Unidade: A Semana de Arte Moderna e seus desdobramentos
Aqui, entraremos no cerne propriamente dito de nosso curso, ou seja, em seu objetivo principal,
que consiste no estudo dos anos 20 do Modernismo Brasileiro. Começaremos então enfocando o evento
que marca o início desse momento, ocorrido entre os dias 13 e 18 de dezembro de 1922. Em seguida,
passaremos, através da leitura dos manifestos dos diversos grupos surgidos após a Semana e dos principais
textos literários e críticos produzidos pelos modernistas, ao estudo da poética explícita e implícita que
assinala uma nova visão de mundo e uma nova visão de arte.
Para que o aproveitamento seja o melhor possível, desnecessário se faz dizer que precisamos
caminhar juntos na mesma direção, em contínuo diálogo. Assim agindo, certamente, iremos ampliar nosso
conhecimento acerca da Literatura Brasileira.
Bom proveito para todos nós!
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UNIDADE I
VANGUARDA EUROPEIA
Considerações Preliminares
Abalada em suas estruturas socioeconômicas e políticas, em decorrência dos conflitos
desencadeados pela 1ª Guerra Mundial, que vai de 1914 a 1918, a Europa dos anos 20 é também marcada
por uma série de mudanças implementadas pelo desenvolvimento da indústria e da tecnologia. O início do
século XX é tido como apogeu da época industrial e técnica. Verifica se, nesse período, o crescimento
acelerado da indústria automobilística, que, de três mil carros produzidos no ano de 1900, passa em 1913 a
mais de cem mil; o surgimento de grandes transatlânticos; o aeroplano, a realização dos primeiros voos
extensos, um sobre o canal da Mancha e outro sobre os Alpes, realizados, respectivamente, em 1909, por
Louis Blériot e, em 1910, por George Chávez; a construção de grandes estradas de ferro, como a
Transsiberiana, que ligava a Rússia Ocidental à costa do Pacífico, finalizada em 1905, a Transafricana e a
Transandina, a qual, ligando Buenos Aires a Valparaíso, era apontada como “uma grande proeza da
engenharia, pois os trilhos se erguem a três mil metros , nos Andes, na fronteira argentina”2; as primeiras
experiências de transmissão radiofônica, de transmissão de imagens e da radiotelegrafia, entre outras
invenções, que, encurtando distâncias, agilizando os meios de comunicações, imprimiram ao novo século
um novo ritmo mais veloz, mais dinâmico.
Diante desse cenário de tanta agitação, os artistas e intelectuais europeus da época começam a
sentir a necessidade de romper com os padrões estéticos em vigor, por considerá los não mais adequados
para expressar esse novo tempo. A necessidade de inovar, de imprimir também às artes um ritmo mais
dinâmico leva os a uma ruptura muitas vezes bastante radical com os valores estéticos e ideológicos que
norteavam a arte até então. Surge, assim, em vários pontos da Europa, uma série de movimentos a cujo
conjunto se dá o título de Vanguarda Europeia, do qual fizeram parte o Futurismo, o Expressionismo, o
Cubismo, o Cubo Futurismo, o Dadaísmo, o Espiritonovismo e o Surrealismo, e sobre os quais faremos
2 In: PERLOFF, Marjorie. O movimento futurista. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1993, p. 11.
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algumas considerações em função de sua ressonância nos projetos ideológico e estético que norteavam a
poética explícita (manifestos e textos teóricos) e implícita (textos literários) dos nossos modernistas.
Origem e significado do termo vanguarda
Segundo os dicionários etimológicos, o termo vanguarda provém do francês – avant garde – e é
empregado para designar a tropa de frente de uma unidade militar. Em francês, os termos avant e garde,
entre outros significados, indicam também, respectivamente, “o que vem antes ou primeiro” e “guarda”,
no sentido de corpo militar. Possui, portanto, esse termo um sema de origem bélica, na medida em que,
dentro de um contexto militar, remete para um conflito, para quem inicia uma ação, uma ofensiva. Por isso
mesmo, por extensão, vanguarda passou a designar, na arte, aqueles movimentos que tinham como meta
combater as velhas formas e iniciar uma nova concepção artística.
Como tendências inovadoras da arte, os movimentos de Vanguarda são impulsionados pelo desejo
de ruptura, de mudança, de choque, de abertura. Daí a negação dos modelos anteriores e dos valores que
os sustentam.
Em termos bem genéricos, vanguarda remete a “todo e qualquer inovador pregresso – de Dante a
Cervantes, de Leonardo a Beethoven, de Cruz e Sousa a Oswald de Andrade”.3
No entanto, “se todas as épocas conheceram suas “vanguardas”, só uma conheceu a ´Vanguarda
Histórica` , com maiúscula, título forjado para designar os áureos anos de 1905 a 1935”.4E é essa a que nos
interessa.
Imbuídos, pois, desse espírito de inovação, os artistas dessa época rompem com a tradicional ideia
de harmonia, de beleza e de verossimilhança. Para combater o bloco solidificado das concepções artísticas
vigentes, advindas da herança cultural recebida, partem eles, muitas vezes, para a agressividade, para o
radicalismo. “Acusação precisa”, “insulto bem definido” estavam na base de seus discursos e propostas.
Contrapondo se à ideia de perenidade que norteava a concepção clássica da arte, eles, em
consonância com seu desejo de abertura, se voltam para o experimentalismo, para o autogoverno, para a
autorreflexão. Não é por outra razão que, ao falar sobre o modernismo brasileiro, ou melhor, sobre a nossa
Vanguarda, Mário de Andrade destaca como um dos grandes ganhos o direito permanente à pesquisa
estética.
3PATRIOTA, Margarida de Aguiar. Vanguarda, do conceito ao texto. Belo Horizonte: Itatiaia; Brasília: INL, Fundação Nacional Pró
Memória, 1985, p. 18.4_____ Op. Cit. p. 18/19
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Futurismo
Em 20 de fevereiro de 1909, Filippo Tomasso Marinetti publica, no jornal francês Fígaro, o
manifesto do primeiro movimento vanguardista europeu, o movimento Futurista, através do qual, de
maneira bastante violenta e precisa, critica a forma de expressão vigente, presa à tradição clássica.
Segundo ele,
A terra se estreita pela velocidade, por novos meios de comunicação, transporte e informação e
exige uma arte verbal completamente nova, que pode expressar a completa renovação da sensibilidade
humana trazida pelas grandes descobertas da ciência.
É esse entusiasmo pela velocidade, pelo dinamismo advindo dos novos inventos, que mobiliza o
projeto ideológico e estético do futurismo.
Para imprimir à arte esse mesmo ritmo veloz e dinâmico, Marinetti, em seu Manifesto Técnico da
Literatura Futurista, apresenta como propostas estéticas: abolição do adjetivo e do advérbio, considerados
por ele amortecedores do discurso; no lugar do adjetivo, propõe o uso do substantivo para imprimir maior
vigor à analogia criada, e cita, como exemplos, multidão ressaca, homem torpedeiro, etc; preferência pelo
verbo no infinitivo, uma vez que o mais importante era o foco na ação; quebra da sintaxe tradicional presa
aos moldes clássicos, inadequados a “essa nova linguagem de telefones, fonógrafos, aeroplanos, cinema”;
substituição da pontuação convencional por sinais da matemática e da música, evitando as pausas que
atrapalham a vivacidade do discurso; palavras em liberdade e imaginação sem fios, ou seja, criação de
imagens, de analogias expressas em palavras livres, soltas, totalmente libertas de qualquer convenção
sintática ou lógica.
O entusiasmo pela tecnologia, pela máquina reflete se no manifesto pela prioridade dada à matéria
na poesia em detrimento do eu. Para Marinetti, fazia se necessário “substituir a psicologia do homem,
agora exaurida, pela obsessão lírica da matéria.” 5
Esse entusiasmo exacerbado leva, por outro lado, a uma rejeição exagerada do passado,
evidenciada pela proposta radical de destruição das bibliotecas, museus e academias, considerados por
Marinetti “cemitérios de esforços perdidos”.
Expressionismo
Contemporâneo do Futurismo, o Expressionismo, movimento de origem alemã, em consonância
com o vanguardismo da época, também se encontra norteado pelo mesmo espírito de ruptura e de
5 MARINETTI, F. T. Manifesto Técnico da Literatura. In: TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda Europeia e Modernismo Brasileiro.
Apresentação e crítica dos principais manifestos vanguardistas. 12. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994, p.97
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abertura para implementação de novas formas de expressão, vazadas na quebra da sintaxe convencional,
na eliminação das palavras supérfluas, tendo em vista o enxugamento e a precisão da linguagem, para
melhor atingir a essência do que se quer expressar. Essa preocupação com a essência advém, sobretudo,
do viés espiritualista que norteia o Expressionismo.
Diferentemente do Futurismo, cuja motivação tem por base a admiração pela máquina, pela
tecnologia, o Expressionismo não vê com o mesmo olhar otimista o surgimento desses avanços técnicos,
sobretudo no que tange à supremacia dada à máquina em detrimento do homem. Daí a necessidade
sentida de apreender o movimento interior das coisas e dos seres. Aos expressionistas, não interessa o fato
em si, mas a forma como o artista o percebe, como ele o vê, pois, para eles, a realidade estaria dentro de
nós, e cabe nos expressar o que percebemos, vemos e sentimos. Através de suas produções artísticas, nos
damos conta da inquietude, da angústia humana frente ao vazio com o qual se defronta, ante a coisificação
a que é reduzido o homem dentro daquele universo tecnológico, conforme bem o demonstram estes
versos do poema No terraço do café Josty, do alemão Paul Boldt, que assim diz, segundo tradução feita
pelo português João Barrento:
Praça de Potsdam: eternos gritos Dos glaciares das lavinas febris Pelas ruas fora: carros em carris Os automóveis e os homens-detritos.
Observe se que, em meio à agitação nervosa, frenética e, ao mesmo tempo, indiferente da praça,
assinalada pelos lexemas gritos, glaciares e febris, quem primeiro assoma ao espaço poético são os carros,
os automóveis, enfim, as máquinas, como a demarcar a prioridade destas sobre os homens, que, além de
virem nomeados por últimos, aparecem referidos como homens detritos, ou seja, como restos, coisas sem
valor.
Ao contrário, pois, dos futuristas, os expressionistas querem, antes de tudo, destacar os aspectos
negativos da modernidade sobre os homens. Para isso, recorrem à estética do feio, do choque, através da
deformação das imagens e da utilização de palavras abjetas. A tensão, o conflito e a subjetividade
presentes em suas realizações levam os críticos a ver neles aproximação com a estética barroca e a
romântica. Não esqueçamos que o feio resultante das deformações efetivadas na representação também
faz parte da estética do grotesco, explorada pelos barrocos quando “tudo o que era certo se contorce”. Por
outro lado, semelhantemente ao romantismo, o expressionismo, como já vimos, além de ter a mesma
origem alemã, tem como veículo de suas ideias a revista Der Sturm (A Tempestade), o que lembra o espírito
pré romântico da Sturm und Drang (ou seja, Tempestade e Ímpeto).
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Cubismo
O termo cubismo surgiu a partir do quadro “Casas en l´Estaque”, de Georges Braque, exposto no
Salão de Outono de 1908, qualificado pelo pintor Matisse, que fazia parte do júri, como “caprichos cúbicos”
pela semelhança de suas formas com elementos geométricos desmembrados em facetas que se
superpõem e intervêm umas nas outras. Braque e Pablo Picasso são considerados os criadores do Cubismo
na pintura. Na literatura, Apollinaire é um dos responsáveis por sua introdução, cujo texto de 1913,
intitulado Meditações estéticas. A pintura cubista, segundo Gilberto Teles, “pode ser tomado como um
desses manifestos”6.
Como já foi mencionado, a estética cubista privilegia o geometrismo, mas dele também fazem
parte a descontinuidade, a decomposição e recomposição, a simultaneidade. Nas palavras do crítico de arte
Jean Cassou, trazidas por Guillermo de Torre, “o cubismo é um estilo de ruptura intelectual, e as sua obras
assumem o aspecto de uma combinação de formas descontínuas. É por isso que se aproximam da poesia
moderna, que foge ao discurso, à regularidade métrica, à pontuação e que se manifesta sob a forma de
fragmentos ou instantâneos” 7.
É, também de 1913, o texto A antitradição futurista, de Apollinaire, cujo título por si só já deixa
entrever a relação do cubismo com as ideias futuristas de ruptura total com o passado. Para além disso, o
texto se encontra em profunda consonância com as propostas cubistas, sobretudo no que tange à sua
estruturação pelo fragmentarismo, pela simultaneidade das ideias apresentadas, quebrando assim com
qualquer sequência lógica. Logo no início do manifesto, tem se uma frase constituída, em sua maior parte,
por palavras sem sentido, cujas primeiras letras terminam formando a palavra “passadismo”, através da
qual nos é apresentada a rejeição ao passado. Eis a frase:
ABAIXO OPominir Aliminé SSkprsusu otalo ADIScramir MOnigme.
Depois disso, o texto segue estruturado de forma justaposta, com palavras grifadas das mais
diversas maneiras, em termos de tipos ou tamanhos gráficos, dispostas na horizontal e na vertical,
homologando através da forma de expressão o que apresenta em termos de destruição e construção.
Registre se que, no bloco no qual se encontram alocadas as propostas de destruição das formas
consideradas passadistas de expressão, entre os vários pontos elencados, temos a supressão da harmonia
6 TELES, G. O Cubismo. In: Op. Cit., p. 1097 TORRES, Guillermo. Cubismo. In: _____ História das Literaturas de Vanguarda, Lisboa: Presença; Santos,SP: Martins Fontes, 1972,p. 100TORRE, G. Op. Cit., p.100
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tipográfica, das sintaxes já condenadas pelo uso em todas as línguas e da pontuação. Aspectos que já não
fazem mesmo parte do manifesto.
Por sua vez, no bloco em que se encontram as propostas de construção de uma nova forma de
expressão artística, encontramos no item 1, referente a Técnicas ou ritmos renovados sem cessar,
encabeçando a lista, a proposta de Literatura pura palavras em liberdade Invenção de palavras, seguida das
ideias, entre outras, de Plástica pura (5 sentidos), Simultaneidade em oposição ao Particularismo e à
divisão, os quais são perceptíveis na organização textual do manifesto; já no item 2, relacionado com
intuição, velocidade e ubiquidade, podemos destacar também como elementos corroboradores dessa
relação, entre o que se diz e o que se faz, proposições como Analogias e trocadilhos trampolins líricos e
única ciência das línguas calicó Calicut Calcutá cachacia Sofia o Sofos suficiente oficiar oficial ó fios
Aficionado Dona Sol Donatello Doador dei erradamente topedeiro, por meio da qual a propositura
apresentada é ao mesmo tempo realizada e, ainda, a paródia musical, resultante de uma analogia sonora,
da frase melódica constituída de MER........DE......que significa Mar..... de.... com o termo MERDE, que em
francês é Merda, portanto, excrementos. E, na sequência, é isso que é oferecido a todos os guardiães da
tradição, a exemplo de pegadogos, professores, museus, etc., em contraposição à rosa que é ofertada aos
responsáveis pela renovação artística, começando por Marinetti, Picasso e o próprio Apollinaire, entre
tantos outros. Exaltação com a qual se encerra o texto.
Cubo-Futurismo
O Cubo Futurismo tem sua origem na Rússia, mais precisamente, em Moscou, a partir de 1913. Esse
movimento vanguardista, como se depreende do próprio título, tem como subsídios estéticos e ideológicos
muito do que foi proposto pelo Futurismo de Marinetti e pelo Cubismo de Picasso e Braque, sobretudo, no
que tange ao empenho em imprimir à arte uma maior dinamização, o que, em termos de concretização
artística, leva também à adoção das técnicas futuristas e cubistas de libertação total da palavra,
fragmentação, decomposição, recomposição, simultaneidade.
Como o cubismo, o cubo futurismo começou com a pintura. Entre os pintores cubo futuristas,
Kazimir Malevich é apontado como responsável pelo desenvolvimento desse estilo entre os russos, tendo
sido o primeiro a empregar o termo Cubo para falar de suas pinturas.
Diferente, porém, dos futuristas, os artistas russos investiam mais na práxis do que na teoria e não
compartilhavam da apologia futurista da máquina e da guerra. Auto intitulando se de “comunistas
futurista, se encontravam ideologicamente vinculados aos movimentos revolucionários que culminaram
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com a Revolução de Outubro, de 1917, ocorrida na Rússia. Para eles, a palavra era vista também como
instrumento de transformação social.
Em seu único manifesto coletivo, assinado pelos poetas David Burliuk, Krutchônikh, Vladimir
Maiakovski e Khlebnikov, de 1912, os cubo futuristas se colocavam como arautos do novo tempo e se
insurgiam contra o passado, criticando duramente, sobretudo, os poetas simbolistas, cujas obras vazadas
em uma “perfumada sensibilidade” não traduziam a virilidade do seu tempo.
“A todos esses Kuprin, Block, Sologúb, Remizov, Avertchenko, Cherny, Kusmin, Bunin, et., etc.,* só está
faltando uma casa uma casa à beira de um rio. Tal recompensa o destino reserva também para os alfaiates.
Do alto dos arranha-céus discernimos sua nulidade!”8
Realizado de forma muito sintética, o poema Balalaica , abaixo transcrito, de autoria de Maiakovski,
traduz bem o viés estético do cubo futurismo no que diz respeito à assimilação dos procedimentos
futuristas e cubistas e o vínculo da poesia com os anseios revolucionários da época.
Vejamos o poema:
BALALAICA
Vladimir Maiakóvski
Balalaica
[como um balido abala
a balada do baile
de gala]
[com um balido abala]
abala [ com balido]
[ a gala do baile]
louca a bala
laica
(1913)
* São todos nomes de poetas simbolistas russos acusados pelos cubo futuristas de misticismo, abstração e artificialismo dalinguagem..8 BURLIUK, D. et alii. Bofetada no gosto público. In: TELLES, G. Op. Cit. p.121
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Para início de conversa sobre este poema, registre se que o termo Balalaica designa um
instrumento musical de cordas, parecido com um bandolim ou com um cavaquinho, usado na música
popular russa.
Para além de intitular o poema, o termo Balalaica pode também ser visto como matriz geradora do
mesmo. Através de um processo de decomposição, comum aos cubistas, o termo se desmembra em vários
outros, jogando, sobretudo, com as palavras bala e laica e com os fonemas nelas presentes, com os quais
cria o poeta outros termos, valendo se para isso das analogias e trocadilhos trampolins, proposto por
Apollinaire em A antitradição futurista, como se pode perceber em bala, baile, gala, abala, balido, balada,
laica, louca.
Em termos de conteúdo, o poema nos fala de um baile de gala, ou seja, um baile da nobreza, uma
vez que gala, segundo Aurélio, remete para trajes solenes, ornamentação ou enfeites ricos e preciosos, o
qual foi abalado por uma bala laica, ou seja, uma bala que veio de fora, uma bala estranha àquele meio. Em
termos sonoros, os últimos vocábulos do poema bala/laica recompõem o termo balalaica. E, se
consideramos que este, enquanto instrumento, se liga ao povo, podemos inferir que veio do povo, o qual
não teria vez em um baile de gala, a bala que detona esse baile. É o povo, portanto, que, de forma
irreverente, barulhenta (como um balido/ com um balido, termo que tanto pode ser lido como barulho e
como projetil), abala a nobreza. Isto tudo, porém, nos é passado através dos recursos futuristas e cubistas
adotados pelo poeta: fragmentarismo, decomposição, recomposição, liberdade de expressão, criatividade,
concisão e simultaneidade.
Como observação final em torno desse movimento, vale a pena registrar que, apesar de sua curta
duração, o Cubo Futurismo foi de grande valia para a arte russa.
Dadaísmo
Considerado o mais radical de todos os movimentos que constituíram a Vanguarda Europeia, o
Dadaísmo nasce em Zurique, na Suíça, tendo como mentores cinco artistas que lá se encontravam
refugiados por conta da guerra, contra a qual se insurgiam, pela sensação de que todo um sistema de
civilização se desmontava bruscamente, e que nada, nem Filosofia, nem Religião, nem Ciência, nada pôde
impedir a catástrofe da guerra. São eles: os alemães HUGO BALL e RICHARD HUELSEMBECK; o alsaciano
HANS HARP E OS ROMENOS, Marcel Jango e Tristan Tzara. Posteriormente, a eles se juntaram o francês
FRANCIS PICCABIA e o chileno VICENTE HUIDOBRO.
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Em decorrência do espírito de revolta, de frustração que norteava o grupo, as propostas dadaístas
são marcadas pelo ceticismo, pelo nihilismo. Para eles, DADA, palavra com a qual batizaram o movimento,
escolhida por acaso em um dicionário, não significava NADA. O objetivo era, segundo Tristan Tzara, “criar
uma palavra expressiva que, mediante sua magia, fechasse todas as portas à compreensão e não fosse um
– ismo a mais”9 Daí a valorização do non sense, do absurdo, da contradição, do anarquismo, da destruição
que se depreende das ideias apresentadas em seus manifestos, sobretudo, no Manifesto Dada 1918. Eis
algumas delas:
Eu redijo um manifesto e não quero nada, eu digo portanto certas coisas e sou por princípio contra os manifestos, como sou também contra os princípios...
Assim nasceu DADÁ de um desejo de independência, de desconfiança na comunidade./.../ Nós não reconhecemos nenhuma teoria.
Nós rasgamos, vento furioso, o linho das nuvens e das preces, e preparamos o grande espetáculo do desastre, do incêndio, da decomposição.
Eu destruo as gavetas do cérebro e as da organização social: desmoralizar por todo lado e lançar a mão do céu ao inferno, os olhos do inferno ao céu, restabelecer a roda fecunda de um circo universal nos poderes reais e na fantasia de cada indivíduo.
Em termos ideo estéticos, assinale se ainda que o Dadaísmo em sua crítica exacerbada não poupa
nem os próprios movimentos vanguardistas precedentes, embora seja pela crítica visto como “um vértice
de confluências vanguardistas”10; a ludicidade, o humor estão na base das suas realizações assim como a
técnica do ready made, estratégia que, em termos gerais, consiste em criar em cima de material já
existente, sendo, portanto, de grande valia, a arte dadaísta, empenhada na desconstrução, na
dessacralização da arte, em consonância, pois, com sua proposta de antiarte, antiliteratura. Nesse sentido,
são exemplares as criações do dadaísta Marcel Duchamp, realizadas com objetos como bacia sanitária, roda
de bicicleta, os quais são por ele, irreverentemente, transmudados em objetos artísticos.
Entretanto, por mais paradoxal que pareça toda essa negação dadaísta, ela termina se revertendo
em positivo para a arte. Razão pela qual, para o escritor e filósofo André Gide, “Dada é o dilúvio após o
qual tudo recomeça”11
Parafraseando Fernando Pessoa, acreditamos poder dizer que DADÁ foi o nada que é tudo.
9 Apud TELLES, G. Op. Cit. p. 124/12510 TORRES, G. Op. Cit.. p. 254.11 TORRES, G. Dadaísmo. In: _____ Op. Cit. p. 237.
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Espiritonovismo
Conforme sugere o próprio nome, bem diferente da postura iconoclasta, destruidora do Dadaísmo,
esse movimento, de origem francesa, surge em 1918, portanto, no final da I Guerra Mundial, motivado
realmente por um espírito novo de reconstrução. Assim sendo, procedem a uma verdadeira revirada
ideológica na medida em que retomam a ordem, o bom senso, o sentido do dever, a clareza, a
sistematização e o equilíbrio.
Ao contrário de seus predecessores, reconhece, de modo bastante conciliatório, a importância da
tradição clássica; ao mesmo tempo, exalta as mudanças implementadas nas artes pelos movimentos
anteriores, referentes às rupturas estéticas, à liberdade de expressão, à valorização dos artifícios
tipográficos responsáveis pelo nascimento de um lirismo visual e à concisão poética. Vejamos, em termos
ilustrativos, um trecho da conferência O Espírito Novo e os Poetas, de Apollinaire:
As pesquisas relacionadas com a forma tomaram desde então uma grande
importância. Importância legítima.
Como poderia esta pesquisa não interessar ao poeta, ela que podia
determinar novas descobertas no pensamento e no lirismo?
A assonância, a aliteração, tanto quanto a rima, são convenções que têm,
isoladamente, os seus méritos. Os artifícios tipográficos levados muito longe, com
uma grande audácia, tiveram a vantagem de fazer nascer um lirismo visual que
era quase desconhecido antes de nossa época. Estes artifícios podem ir muito
longe ainda e consumar a síntese das artes, da música, da pintura, da literatura.
Tudo isso não é mais que uma pesquisa para chegar a novas expressões
perfeitamente legítimas.
Quem ousaria dizer que os exercícios de retórica, as variações sobre o tema
de: Eu morro de sede ao pé da fonte não tiveram uma influência determinante
sobre o gênio de Villon? Quem ousaria dizer que as pesquisas de forma dos
retóricos e da escola marótica não serviram para apurar o gosto francês até sua
perfeita florescência no século XVII?
Ressaltam ainda os espiritonovistas a importância para a arte do riso, que “fornece ao poeta um
lirismo novo”; do ridículo, por ser inerente à própria vida; da surpresa, “grande mecanismo do mundo
moderno”, que advém da invenção, da imprevisibilidade, do estranhamento provocado. Segundo eles, “só
devemos chamar de poeta àquele que inventa, àquele que cria. E, ainda, a importância da alegria,
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considerada um valor característico da poesia e do cotidiano, das coisas prosaicas como matéria de poesia,
pois “um lenço que cai pode ser para o poeta a alavanca com a qual ele levantará todo um universo”.
Além desses aspectos, o Espiritonovismo vê como imprescindível o viés nacionalista nas produções
artísticas. Para eles,
A arte só deixará de ser nacional no dia em que o universo inteiro, vivendo sob um mesmo clima, em casas edificadas sobre o mesmo modelo, falar a mesma língua, com o mesmo sotaque, ou seja, nunca.
Nessa perspectiva, exaltam por demais a França, conforme se pode ver em afirmações como
estas abaixo transcritas:
O espírito novo que dominará o mundo inteiro não se evidenciou na poesia de nenhum país como na França.
Segundo o que podemos saber, não há quase poetas hoje que não sejam de língua francesa.
Todas as outras línguas parecem fazer silêncio para que o universo possa escutar melhor a voz dos novos poetas franceses.
Os franceses levam a poesia a todos os povos.12
Embora a Vanguarda Brasileira dialogue com quase todos esses movimentos europeus, é com o
Espiritonovismo que seus integrantes mais se identificam, sobretudo, no que concerne à valorização da
tradição, do passado. Mas isso veremos depois.
Surrealismo
Insatisfeito com o viés anárquico dos dadaístas, André Breton, que, até então, se vinculava ao
movimento, terminou rompendo com o Dadaísmo e criando o Surrealismo, cujo manifesto data de
1924. Daí por que vamos encontrar na história do movimento afirmações de que ele “nasceu de uma
costela de Dada” ou de que “nasceu das cinzas de Dada”13.
Um dos pontos principais do rompimento diz respeito ao ceticismo, ao niilismo que norteavam
as propostas dadaístas. Breton concordava com o pensamento de Rimbaud de, através da arte, mudar a
vida. E, como Marx, ele também queria contribuir para a transformação do mundo. Ao niilismo dadaísta,
12 Todas essas passagens citadas foram extraídas de APOLLINAIRE, G. O Espírito Novo e os Poetas. In: TELES, G. Op. Cit. p. 155/166.13 A primeira das afirmações, segundo Guillermo de Torre é atribuída a Ribemont Dessaignes, um dadaísta que depois se tornatambém surrealista e a segunda a Tristan Tzara que era o líder do Dadaísmo. Cf. TORRE, G. In: Op. Cit. vol. 3, p. 9
LETRAS | 164
opunham os surrealistas o conhecimento total do homem, para o que tanto a poesia como a pintura não
passavam de meios de investigação que lhes permitiam como “cientistas” explorar o inconsciente, o
sonho, o maravilhoso. Para facilitar seu trabalho, Breton, tomando por base as teorias freudianas,
chegou inclusive a criar um laboratório destinado a investigações oníricas – o Bureau des Recherches
Surrealistes (Birô de pesquisas surrealistas) .
Diferentemente da visão escatológica, apocalíptica dos dadaístas, os surrealistas, acreditando na
vida, na possibilidade de mudança, exaltavam o AMOR e o EROTISMO.
A dissidência, entretanto, não lhes impediu manterem alguns traços dadaístas, a exemplo do
amor ao protesto, da valorização do improviso e da espontaneidade da linguagem.
Protesto quanto à repressão a que era submetido o homem, minando a sua verdadeira essência,
impedindo sua ascensão como sujeito de si mesmo, da sua história. Daí a valorização da infância, fase
também privilegiada pela psicanálise de Freud, por remeter para um período de liberdade, em que,
segundo os surrealistas, se encontra ausente “todo rigor conhecido”;
A valorização do improviso e da espontaneidade da linguagem era defendida pelos surrealistas
por acreditarem ser, através do improviso e da espontaneidade, que o inconsciente afloraria. Por essa
razão, Breton define surrealismo como “automatismo psíquico pelo qual alguém se propõe a exprimir
seja verbalmente, seja por escrito, seja de qualquer outra maneira, o funcionamento real do
pensamento. Ditado do pensamento, na ausência de todo controle exercido pela razão, fora de
qualquer preocupação estética ou moral.”14
À semelhança dos futuristas, para quem as imagens mais poderosas são aquelas que ligam
realidades distantes, aparentemente diversas e hostis, os surrealistas também definem como imagem
forte aquela que apresenta o maior grau de arbitrariedade, ou seja, aquela que leva mais tempo para
ser compreendida.
Outro ponto do ideário surrealista que o aproxima dos futuristas diz respeito à valorização da
imaginação, pela liberdade que ela propicia. Para Breton, a imaginação dá conta do que pode ser. E isso
é o suficiente para suspender um pouco a terrível interdição a que está sujeito o homem. Por
extrapolarem o nível do real, são também valorizados o maravilhoso e a loucura: o primeiro, por incidir
no sobrenatural, e o segundo pelo comprazimento no delírio. Enfim, pelo que apresentam de ilógico, de
quebra com o racional, com o interdito.
Como o cubismo, o surrealismo se apresenta de forma vigorosa na pintura, tendo como figuras
expressivas Salvador Dali e Miró, entre outros.
14 Apud TELES, G. Op. Cit., p. 191
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LETRAS | 166
UNIDADE II
PRÉ-MODERNISMO BRASILEIRO
Para além do sentido cronológico indicador do que ocorre antes do Modernismo propriamente
dito, o vocábulo pré modernismo, criado pelo crítico Tristão de Ataíde, em termos ideo estéticos, foi
utilizado para designar aquelas obras que no início do século XX apresentavam sinais de ruptura com o que
norteava o fazer literário brasileiro da época. Antecipavam se, então, como afirma Alfredo Bosi,18 alguns
aspectos formais e temáticos que serão propostos e implementados pelos modernistas. São obras,
portanto, que, embora ainda vinculadas às correntes estéticas do final do século – Realismo, Naturalismo,
Parnasianismo e Simbolismo , sobre as quais pairavam o cientificismo e o rigor formal, problematizam de
maneira mais contundente a realidade brasileira, questionando a sob o ponto de vista social, político e
cultural. Ao procederem assim, conforme bem o assinala Alfredo Bosi, em O Pré Modernismo, os escritores
estão rompendo com a cultura oficial, alienada e verbalista.
Contrariando os padrões estéticos vigentes, percebe se que algumas dessas obras, a exemplo das
de Lima Barreto, abandonam o viés retoricista predominante na época em favor de uma linguagem mais
simples, mais próxima do falar cotidiano, por se achar que assim se torna inteligível a todos. Aliás, Lima
Barreto vai ser um dos escritores mais críticos do que ele chama de greco mania da época, conforme o
reitera a afirmação que se segue, extraída do texto Amplius!: “Implico solenemente com a Grécia, ou
melhor, implico solenemente com os nossos cloróticos gregos da Barra da Corda e pançudos helenos da
praia do Flamengo.”19 Em sua obra, vamos encontrar severas críticas ao preconceito racial, ao eruditismo
da época, aos pseudos intelectuais da época, ao academicismo vigente, entre outros pontos que mais
adiante também serão combatidos pelos modernistas. Vale a pena conferir alguns de seus textos e obras,
como os romances Recordações do escrivão Isaías Caminha, Triste Fim de Policarpo Quaresma, Clara dos
Anjos ou mesmo os contos, sobretudo os reunidos em Bruzundangas ou Histórias e Sonhos, e, ainda, seus
textos críticos que se encontram em Impressões de Leitura.
Outro autor considerado pré modernista por alguns críticos, entre eles, Alfredo Bosi, na obra já
referida, bem como em História Concisa da Literatura Brasileira, é Augusto dos Anjos, em decorrência de
uma série de procedimentos por ele adotados que vão de encontro aos predominantes na época. Citem se
entre eles a adoção de uma sonoridade áspera (A criptógama cápsula se esbroa/ ao contacto de bronca
18 Cf. BOSI, Alfredo. O pré Modernismo. 5. ed. São Paulo: Cultrix, s/d.19 BARRETO, Lima. Amplius! In: Histórias e Sonhos. Contos. São Paulo: Brasiliense, 1956.
LETRAS | 167
destra e forte)20; do rompimento com a estética do belo, através da utilização de palavras abjetas como
pus, vermes, larvas, podridão e tantas outras; mistura de formas coloquiais e eruditas, introdução de
elementos apoéticos, de frases nominais parecendo mais flashs coordenados, contrariando, desse modo, o
rigor formal que imperava no fazer literário daquele momento, como podemos ver nos versos de vários
poemas, a exemplo do poema O Morcego21:
Meia noite. Ao meu quarto me recolho. Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede: Na bruta ardência orgânica da sede, Morde-me a goela ígneo e escaldante molho. “Vou mandar levantar outra parede...” - Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho - E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho, - Circularmente sobre a minha rede! Pego de um pau. Esforços faço. Chego A tocá-lo. Minh’alma se concentra. Que ventre produziu tão feio parto?! A Consciência Humana é este morcego! Por mais que a gente faça, à noite, ele entra Imperceptivelmente em nosso quarto!
Vale acrescentar ainda a aproximação da poética de Augusto dos Anjos com a estética
expressionista pelo que traz de uma visão apocalíptica, negativa, angustiante da vida.
Outros nomes vistos pelos críticos, entre eles, Alfredo Bosi, na obra já mencionada, como pré
modernistas são Monteiro Lobato (Urupês), Graça Aranha (Canaã), Euclides da Cunha (Os Sertões) por
desenvolverem temas ligados à realidade brasileira cotidiana, questionando o descaso do governo, o
anacronismo da sociedade brasileira, e, ainda, os regionalistas Valdomiro Silveira e Simões Lopes Neto,
cujas obras, respectivamente, Os caboclos e Lendas Gaúchas, focalizam os costumes interioranos, sem
descaracterizá los, contribuindo, assim, para o conhecimento do Brasil como um todo, conforme mais
adiante será uma preocupação fundamental da Antropofagia e que Mário de Andrade com maestria irá
consolidar emMacunaíma. O herói sem caráter.
Os sinais de ruptura aos quais nos referimos quando iniciamos essas considerações sobre o pré
modernismo não se restringem apenas a obras literárias. Em outros campos das artes, eles também
20 Versos do poema Budismo Moderno. Cf. ANJOS, Augusto. EU, 31ª ed. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1971, p. 84.21 In: ANJOS, Augusto, Op. Cit. , p. 59
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LETRAS | 169
UNIDADE III
A SEMANA DE ARTE MODERNA E SEUS DESDOBRAMENTOS
A Semana de Arte Moderna
Fruto, como dissemos, desse grupo de intelectuais que sentem a necessidade de imprimir à arte
brasileira uma feição mais autêntica e mais moderna, a Semana de Arte Moderna acontece entre os dias 13
e 18 de fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo, espaço da elite paulistana. Sua programação
inclui conferências, palestras, recitais poéticos e musicais, danças, exposições de pintura, escultura e
arquitetura. As exposições permaneceram durante toda a semana aberta ao público.
As conferências, palestras e os recitais poéticos e musicais aconteceram durante os três primeiros
dias – 13, 14 e 15 de fevereiro como parte do chamado Festival da Semana de Arte Moderna. Citem se
entre as apresentações as conferências e palestra proferidas sobre A Emoção Estética na Arte Moderna, de
Graça Aranha; A pintura e a escultura moderna no Brasil, de Ronald de Carvalho; Arte Moderna, de Graça
Aranha.
Entre os vários poetas e músicos participantes do festival, se encontravam Mário de Andrade, que
recitou Ode ao Burguês; Ronald de Carvalho, que declamou o poema Os Sapos, de Manuel Bandeira; e
Guilherme de Almeida, que recitou Nós, poema de sua autoria; o maestro e compositor Villa Lobos, que
teve sua obra musical interpretada por vários músicos, sendo inclusive homenageado na terceira noite do
festival, que foi toda dedicada a apresentações de músicas de sua lavra; e, ainda, entre outros músicos, a
pianista Guiomar Novais, que executou várias músicas modernas. Merece também registro a apresentação
na primeira noite do espetáculo Otteto, constituído de três danças africanas, do maestro Villa Lobos; e, na
segunda noite, da dançarina Yvonne Daumerie, que interpretou trecho de Debussy, compositor
responsável pela introdução de novas e estranhas sonoridades, portanto, também movido pelo espírito de
ruptura que presidia os realizadores da Semana de Arte Moderna.
Das exposições de pintura, escultura e arquitetura, participaram os mais representativos artistas da
época, empenhados na renovação da arte, como Victorio Brecheret, na escultura, Anita Malfatti, Di
Cavalcanti e Vicente do Rego Monteiro, na pintura e Antonio Moya, na arquitetura.
Para termos uma ideia mais concreta do espírito inovador, questionador, iconoclasta dos
idealizadores da Semana, vejamos alguns comentários feitos por deles:
LETRAS | 170
Para o pintor Di Cavalcanti, a Semana iria ser “de escândalos literários e artísticos, de meter os estribos na barriga da burguesiazinha paulistana”25 Rubens Borba de Morais, sobre a semana, assim se pronuncia: “Nós, como o caboclo, ‘tacamos fogo
na mataria’, porque não se planta sem derrubar. As chamas sobem altíssimas, fogem assoviando,
serpentes fascinadoras. Só ficam os jequitibás, jacarandás, guajuçaras, cabreúvas, timburis. E à
sombra das árvores enorme a plantação cresce. Felizes os que vierem depois de nós para colher o que
plantamos.”26
Segundo Oswald de Andrade, “qualquer apreciação das letras brasileiras deve ser hoje precedida do
exame de revolta manifesta de 1922. Essa famosa Semana foi uma parada de conjunto, feita para
protestar contra a decadência da literatura e da arte no Brasil em fevereiro daquele ano, no Teatro
Municipal de São Paulo, com a presença de importante delegação do Rio de Janeiro.”27
Comentando sobre os participantes da Semana, Mário de Andrade assim diz: “São moços de
tendências múltiplas, às vezes contrárias, moços apenas iguais pela liberdade com que usam das
possibilidades técnicas da música. Reuniram-se apenas porque união é força, e nestes tempos de
sindicalismo, o ente solitário dispersa-se e empobrece. Assim somos os rapazes da Semana de Arte
Moderna.”28
Na verdade, naquele momento, o que importava era o objetivo comum de renovar a arte brasileira
libertando a do passadismo que ainda a aprisionava.
A poética de Bandeira: o São João do Modernismo brasileiro.
OS SAPOS
Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- “Meu pai foi à guerra!”
- “Não foi!” – “foi!” – “Não foi!”.
25 Apud. AMARAL, Aracy. Artes Plásticas na Semana de 22. Subsídios para uma história da renovação das artes no Brasil. São Paulo :Perspectiva, 1979, p. 123.26 Idem, p. 99.27 ANDRADE, Oswald. O divisor das águas modernistas. In._____ Estética e Política. São Paulo: Globo, 1992, p. 5328 Apud. AMARAL, Aracy. Op. Cit., p. 137.
LETRAS | 171
O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: - “Meu cancioneiro
É bem martelado.
Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.
O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.
Vai por cinquenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A formas a forma.
Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas...”
Urra o sapo-boi:
- “Meu pai foi rei” – “foi!”
- “Não foi!” – “foi!” – “Não foi!”.
Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
- “A grande arte é como
Lavor de joalheiro.
LETRAS | 172
Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo.”
Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas:
-“Sei!” – “Não sabe!” –“Sabe!”
Longe dessa grita,
Lá onde mais densa,
A noite infinita
Verte a sombra imensa;
Lá, fugido ao mundo
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é
Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio.29
Ausente fisicamente da Semana de Arte Moderna, Manuel Bandeira, considerado por Mário de
Andrade o “São João do Modernismo”, nela se fez presente, por meio da declamação do seu poema Os
Sapos, feita por Ronald de Carvalho, através do qual Bandeira critica, de forma irônica, o retoricismo, o
tecnicismo, a supremacia da forma, aspectos tão decantados pelos poetas parnasianos em detrimento da
poesia.
Aliás, é o próprio Bandeira que, em comentário sobre esse poema, afirma que, embora tenha
parodiado Olavo Bilac nos versos em que compara o trabalho artístico com o do ourives (versos 3 e 4 da 9ª
estrofes), o poema Os Sapos é uma sátira dirigida mais “contra certos ridículos do post parnasianismo”,
principalmente, o Hermes Fontes e o Goulart de Andrade. O primeiro, por chamar atenção no prefácio das
29 Poema extraído de BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. Poesias reunidas. 19. ed. Rio de Janeiro : José Olympio, 1991, p.46.
LETRAS | 173
Apoteoses para o fato de não haver em seus versos rimas de palavras cognatas. O segundo, por colocar, sob
o título dos poemas, a declaração entre aspas: “Obrigado à consoante de apoio.”30
Contra esse retoricismo, essa vaidade arrogante dos parnasianos, recorre Bandeira, a exemplo do
“sapo cururu”, distanciado de toda aquela disputa, à simplicidade, à humildade poética, procurando extrair
dos elementos mais simples do dia a dia, seja em termos de linguagem, seja em termos de conteúdo,
material para sua poesia. Daí a insistente defesa da linguagem do povo, da sua forma de ser, ( A vida não
me chegava pelos jornais nem pelos livros/ Vinha da boca do povo na língua errada do povo/ Língua certa
do povo/ Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil ...In: Evocação do Recife); a rejeição do
retoricismo, do engessamento poético (Quero antes o lirismo dos loucos/ O lirismo dos bêbados/ O lirismo
difícil e pungente dos bêbados/ O lirismo dos clowns de Shakespeare. In: Poética.); a crítica ao
aristocratismo poético, por acreditar que “a poesia está em tudo – tanto nos amores como nos chinelos,
tanto nas coisas lógicas como nas disparatadas.” Fazem parte dos seus textos cantigas de roda, trovas
populares, enfim, tudo que se relaciona com a cultura viva do povo.
Embora seu ingresso na literatura tenha se dado via parnasianismo, mesmo sem dele desligar se
inteiramente, percebeu não ser esse, pelas limitações que impunha à criação artística, o melhor caminho
para chegar à poesia propriamente dita, a qual necessitava, antes de tudo, de liberdade de expressão.
Motivo pelo qual adere às defesas do verso livre, da rima livre, do ritmo livre, da palavra livre.
Para ele, “no verso livre autêntico, o metro deve estar de tal modo esquecido que o alexandrino
mais ortodoxo funcione dentro dele sem virtude de verso medido.”31
Contrariando a visão tecnicista do parnasianismo, valoriza a rima pobre, por considerar que “ a boa
rima é a que traz ao ouvido uma sensação de surpresa, mas surpresa nascida não da raridade, senão de
uma espécie de resolução musical...”32 Aliás, musicalidade é outro aspecto poético bastante valorizado por
Bandeira e que assoma à sua poesia através das aliterações, das assonâncias e do que ele chama de
“ressonâncias anteriores e posteriores” provocadas pelos fonemas.
Como vemos, a concepção poética de Bandeira se encontra em perfeita consonância com o que
pensam os outros dois grandes nomes do modernismo: Mário e Oswald de Andrade, cujas poéticas
comentaremos a seguir.
Antes, porém, vale a pena registrar o comentário de José Guilherme Merquior acerca dessa tríade
modernista. Diz ele:
Nossa poesia modernista teve um batedor, um mentor e uma fonte. O batedor se chamava Oswald
de Andrade. O mentor, Mário de Andrade. Bandeira foi a fonte. “Todos bebemos no teu canto”, dele disse
Murilo Mendes, outro modernista com quem privei. É que Bandeira, mais moderno que modernista,
30 Cf. BANDEIRA, Manuel. Itinerário de Pasárgada. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1966, p. 59.31 Idem. Ibidem, p. 3932 Idem. Ibidem, p. 34.
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as retinas... rementes a se minhas visõe
ades... de poesia! Naas ausências!
boca de mil dengua trissulca de distinção... baixos, magrementes a se
Paulo, is, dos meus olho
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de todos. In: CAa Silveira; Rio d
a Desvairada. InSão Paulo: Edit
e Moderna.
ojamento ao
mpa verbal pa
e desenrolar.es! “Bom gior
ada de alegri!
dentes; a .
gros... e desenrolar.
hos tão ricos, cacos.34
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n: ANDRADE, Mtora da Univers
o resultado
arnasiana e
... rno, caro”.
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VA, Maximiano.teiro Aranha: P
ário de. In: ___idade de São Pa
querido pela
da rica orqu
. (Org.) Homena
Presença Ediçõe
___ Poesias Com
aulo, 1987, p. 8
a renovação
uestração do
agem a
es, 1989, p.
mpletas. Edição
84.
o
o
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LETRAS | 175
Participante ativo da Semana de Arte Moderna, Mário de Andrade foi, ao lado de Manuel Bandeira
e Oswald de Andrade, um dos maiores nomes do modernismo brasileiro. Além de músico, poeta,
romancista, contista, crítico, foi também um grande estudioso do nosso folclore, das nossas manifestações
populares.
No mesmo ano da Semana, 1922, Mário, lança, bem à maneira livre e irreverente, defendida pelos
modernistas, o livro de poemas intitulado Paulicéia Desvairada, precedido de um prefácio, intitulado
Prefácio Interessantíssimo, onde expõe suas idéias sobre poesia, revelando, assim, já nessa obra, uma
coerência entre concepção e práxis poética.
Logo no início do prefácio, fica evidenciado, através do discurso irônico da dedicatória abaixo
transcrita, a postura antiacadêmica que presidirá não apenas o prefácio, mas toda a obra, no concernente à
rejeição a padrões, a escolas literárias.
A MÁRIO DE ANDRADE
Mestre querido,
Nas muitas horas breves que me fizestes ganhar a vosso lado dizíeis da vossa confiança pela arte livre e sincera... Não de mim, mas de vossa experiência recebi a coragem da minha Verdade e o orgulho do meu Ideal. Permiti-me que ora vos oferte este livro que de vós me veio. Prouvera Deus! Nunca vos perturbe a dúvida feroz de Adriano Sixte... Mas não sei, mestre, se me perdoareis a distância Mediada entre estes poemas e vossas altíssimas Lições... Recebei no vosso perdão o esforço do escolhido por vós para único discípulo; daquele que neste momento de martírio muito a medo inda vos chama o seu Guia, o seu Mestre, o seu Senhor.
Mário de Andrade 14 de dezembro de 1921
S. PAULO
Observe se que a dedicatória é dele para ele mesmo, ressaltando assim uma atitude não vazada
nas ideias alheias, conforme ainda reiteram os possessivos empregados em primeira pessoa. Registre se
também que tudo gira em torno de uma “arte livre e sincera.”
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Outros pontos do Prefácio que merecem destaque dizem respeito à valorização do HUMOR, da
BLAGUE, da BRINCADEIRA, aos quais os modernistas tanto recorrem, por acreditarem na força destruidora
do riso. Para Mário de Andrade, a BRINCADEIRA, conforme observa em A Escrava que não é Isaura, obra
publicada em 1925, por meio da qual apresenta de forma mais aprofundada e ampliada suas ideias
estéticas, entre outros benefícios, traz o de irritar até a explosão os passadistas.”35 Pronunciando se sobre a
sátira, que é uma outra forma de riso, Oswald de Andrade afirma que “ a sátira é sempre a defesa
individual ou social contra a opressão, o enfatuamento e as usurpações de qualquer espécie.”36
Como vemos, o riso é, pois, uma arma eficaz para pôr fim a ditadura da normatização, dos padrões
impostos, do convencionalismo.
Lembrando os surrealistas que preconizam jogar no papel tudo o que vem do inconsciente, Mário,
ao falar sobre a criação poética, valoriza a “impulsão lírica”, dizendo “escrevo sem pensar tudo o que meu
inconsciente me grita.”37 Porém, distanciando se dos surrealistas, fala da necessidade de, posteriormente,
pensar, corrigir, uma vez que para ele a arte consiste em “mondar mais tarde o poema de repetições
fastientas, de sentimentalidades românticas, de pormenores inúteis ou inexpressivos.”38
Daí por que em a Escrava que não é Isaura, fazendo ressalvas à fórmula criada pelo poeta francês
Paul Dermée para simbolizar a poesia que consistia em Lirismo + arte = poesia, Mário, visando a uma maior
precisão, a reelabora para Lirismo puro + Crítica + Palavra = Poesia. Isto porque para ele, Paul Dermée, ao
utilizar o termo arte no lugar de crítica, não deixa claro o trabalho estético que o poeta deve ter com a
elaboração do seu texto. Além disso, para Mário, Paul Dermée também falhou por não fazer referência à
matéria prima da poesia – a palavra – sem a qual a soma obtida não teria como resultado a poesia, mas,
sim, as belas artes.
Outro ponto interessante do Prefácio diz respeito à contestação que Mário faz ao futurismo de
Marinetti, afirmando “Não sou futurista (de Marinetti)” 39 E uma das razões de assim se colocar é que,
diferentemente dos futuristas, Mário reconhece a importância do Passado. Para ele, “O passado é lição
para se meditar e não para reproduzir”40 Aliás, em artigo que escreve no nº 3 da revista Klaxon, falando
sobre os pontos que discorda de Marinetti, reitera o que registra no Prefácio, afirmando: “Respeitamos o
passado sem o qual KLAXON não seria KLAXON.”41
35 ANDRADE, Mário de. A escrava que não é Isaura. In: _____ Obra Imatura. 3. ed. São Paulo: Martins; Belo Horizonte: Itatiaia,1980, p. 23136 ANDRADE, Oswald de. A sátira na literatura brasileira. In: _____ Estética e política. São Paulo: Globo, 1922, p. 82.37 ANDRADE, Mário de. Prefácio Interessantíssimo. In: _____ Poesias Completas. Edição Crítica de Diléia Zanotto Manfio. BeloHorizonte: Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de são Paulo, 1987, p. 5938 Idem. Ibidem., p. 63.39 Idem. Ibidem, p. 61.40 Idem. Ibidem., p. 7541 ANDRADE, Mário de. O Homenzinho que não pensou. In: KLAXON. Mensário de Arte Moderna.São Paulo, Julho de 1922, nº 3,p.10.
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Teorizando sobre o Belo artístico, Mário de Andrade estabelece no Prefácio a distinção entre o Belo
da Natureza e o Belo da Arte, para assinalar que este último, diferentemente do primeiro, é arbitrário,
convencional e transitório, contrariando, desse modo, a visão clássica da imutabilidade do belo artístico e
do caráter mimético da arte. Para ele:
Todos os grandes artistas, ora consciente (Rafael das madonas, Rodin do Balzac, Beethoven da
Pastoral, Machado de Assis do Brás Cubas), ora inconscientemente (a grande maioria) foram deformadores
da natureza. Donde infiro que o belo artístico será tanto mais artístico, tanto mais subjetivo quanto mais se
afastar do belo natural”.42
Nessa linha de ruptura com o tradicional, merece também destaque a visão de Mário de Andrade
relacionada ao assunto poético, bem como ao que confere modernidade à literatura. Questões por ele
abordadas tanto no Prefácio como em A Escrava que não é Isaura. Segundo ele, “o assunto poético é a
conclusão mais anti psicológica que existe./.../ Pode nascer de uma réstia de cebolas como de um amor
perdido.”43Com isso, na verdade, o que Mário quer sublinhar é que o poético advém da forma como o
assunto é trabalhado. Essa ênfase na elaboração estética norteia também a sua concepção de
modernidade, conforme pode se ver na afirmação abaixo:
Escrever arte moderna não significa jamais para mim representar a vida atual no que tem
de exterior: automóveis, cinema, asfalto . Si (sic) estas palavras requentam me o livro não
porque pense com elas escrever moderno, mas porque sendo meu livro moderno, elas têm
nele sua razão de ser.44
O alicerce básico dessa modernidade artística reside na LIBERDADE DE EXPRESSÃO. Na recusa às
normas premeditadas pelos limites a que expõe a criação, submetendo o poeta a um verdadeiro leito de
Procusto,45 pois se a sua ideia não cabia dentro da metrificação estabelecida, ela iria sofrer ou um processo
de alongamento ou uma mutilação para se inserir na norma. Vejamos como ilustração o trecho do Prefácio
em que Mário se expressa sobre isso: “ Não acho mais graça nenhuma nisso da gente submeter comoções
a um leito de Procusto para que obtenham em ritmo convencional, número convencional de sílabas.”46
Portanto, VERSO LIVRE, RIMA LIVRE, RITMO LIVRE, VITÓRIA DO DICIONÁRIO é o que Mário defende,
em termos técnicos, para a elaboração da nova poesia. Vale, entretanto, frisar que isso não significa o
abandono total das métricas existentes. O fundamental consiste em que elas não mais se colocam
premeditadamente, mas pode ser utilizada, caso o que se quer dizer fica melhor dentro de determinada
métrica ou determinada rima. Essa é a grande diferença! Como diz Mário, “O verso continua a existir. Mas
42Idem.Ibidem. p.65
43ANDRADE, Mário. A escrava que não é Isaura, p. 208
44_____ Prefácio Interessantíssimo, p. 74.
45Leito de Procusto era uma cama de tortura, na qual as pessoas eram colocadas. Se eram menores que a cama eram submetidos a
um doloroso estiramento; se eram maiores, tinham seus membros amputados.46
ANDRADE, Mário. Op. Cit., p. 66.
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A poética de Oswald de Andrade
PRONOMINAIS
Dê-me um cigarro Diz a gramática Do professor e do aluno E do mulato sabido Mas o bom negro e o bom branco Da nação Brasileira Dizem todos os dias Deixa disso camarada Me dá um cigarro49
Bem mais irreverente e polêmico do que Mário de Andrade, mas tão importante quanto este, para
implementação das novas propostas poéticas, Oswald de Andrade é o responsável pelos Manifesto da
Poesia Pau Brasil, lançado em março de 1924, eManifesto Antropófago, lançado em maio de 1928.
Através deles, lança Oswald de Andrade o seu protesto contra o elitismo, o pseudo intelectualismo,
o academicismo que nos mantinham ainda bastante aprisionados, estética e ideologicamente, às heranças
sócio/político/culturais colonizadoras.
Como bem o assinala Haroldo de Campos,
O Brasil intelectual das primeiras décadas deste século, em torno à Semana de 22, era
ainda um Brasil trabalhado pelos “mitos do bem dizer” (Mário da Silva Brito, no qual
imperava o “patriotismo ornamental” (Antonio Candido), da retórica tribunícia,
contraparte de um regime oligárquico patriarcal, que persiste República adentro. Rui
Barbosa, “a águia de Haia”; Coelho neto, “o último heleno”; Olavo Bilac, “o príncipe dos
poetas”eram os deuses incontestes de um Olimpo oficial, no qual o Pégaso parnasiano
arrastava seu pesado caparazão metrificante e a riqueza vocabular (entendida num
sentido meramente cumulativo) era uma espécie de termômetro da consciência
ilustrada.”50
Tendo como objetivo primeiro de suas propostas a consolidação da identidade brasileira, a nossa
independência cultural, as propostas dos manifestos oswaldianos voltam se para as nossas raízes,
buscando delas extrair a seiva básica da nossa brasilidade.
49 Poema de Oswald de Andrade, extraído do livro Pau Brasil, p. 12050 CAMPOS, Haroldo. Uma poética da radicalidade. In: ANDRADE, Oswald. Pau Brasil. 3. ed. São Paulo: Globo ; Secretaria de Estadoda Cultura, 1990, p. 8.
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Ao nomear seu primeiro manifesto de Manifesto da Poesia Pau Brasil, Oswald de Andrade vai
buscar, naquela que foi a primeira matéria prima brasileira de exportação, uma metáfora para sintetizar a
ideia central de seu texto, que é a de criação de uma poesia verdadeiramente brasileira, uma poesia que
não seja mais de importação, mas, sim, de exportação. Uma poesia liberta de vez dos “cipós maliciosos da
sabedoria”, das “lianas da saudade universitária”, conforme exorta no referido manifesto. Ou seja, liberta
de vez do academicismo que a aprisiona.
Em contraposição a esse academicismo, Oswald de Andrade inicia seu texto se colocando contra o
assunto poético, defendendo que
“A poesia existe nos fatos. Os casebres de açafrão e de ocre nos verdes da Favela, sob o
azul cabralino, são fatos estéticos.
O Carnaval no Rio é o acontecimento religioso da raça. Pau Brasil. Wagner submerge ante
os cordões de Botafogo. Bárbaro e nosso. A formação étnica rica. Riqueza vegetal. O
minério. A cozinha. O vatapá, o ouro e a dança. ”.51
Observe se que, ao se contrapor à visão poética elitista, Oswald, ao mesmo tempo, ressalta a
valorização da realidade brasileira, sublinhando a nossa riqueza cultural, mineral, vegetal.
A crítica aos “mitos do bem dizer”, à “retórica tribunícia”, ao “helenismo literário”, ao “tecnicismo
parnasiano”, ao “mimetismo naturalista”, ao “eruditismo da linguagem” emerge de forma irônica e
contundente do Manifesto Pau Brasil, em passagens como estas:
Toda a história bandeirante e a história comercial do Brasil. O lado doutor, o lado citações, o lado autores
conhecidos. Comovente. Rui Barbosa: uma cartola na Senegâmbia. Tudo revertendo em riqueza. A riqueza
dos bailes e das frases feitas. Negras de jockey. Odaliscas no Catumbi. Falar difícil.”52
Houve um fenômeno de democratização estética nas cinco partes sábias do mundo. Instituíra se o
naturalismo. Copiar. Quadro de carneiro que não fosse lã mesmo, não prestava. A interpretação no
dicionário oral das escolas de Belas Artes querida dizer reproduzir igualzinho...
................................................................................................................................
Só não se inventou uma máquina de fazer versos já havia o poeta parnasiano.53
Em contraposição a essa concepção ideológica e estética, Oswald de Andrade vai defender uma
poesia vazada na linguagem do povo, na “língua sem arcaísmo, sem erudição. Natural e neológica. A
contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos.” Uma língua, portanto, sem
artificialismo, que expressasse nossa maneira de ser; defende, ainda, para a poesia pau brasil, em reação à
cópia, ao retoricismo, ao mecanicismo das estéticas em vigor, a síntese, a invenção, a surpresa, o equilíbrio
51 ANDRADE, Oswald. Manifesto da Poesia Pau Brasil. In: _____ Do Pau Brasil à Antropofagia e às Utopias. 2. ed. Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1978, p. 552 Idem. Ibidem.53 Idem. Ibidem. p, 7
LETRAS | 181
geômetro, o acabamento técnico, uma nova perspectiva e uma nova escala. Ou seja, que a nova poesia
brasileira, em consonância com a modernidade, assuma também uma feição concisa, criativa e
provocadora.
Voltar se para as raízes, como se sabe, é voltar se para o passado. É olhar para um tempo anterior
ao que se vive, para melhor compreender o presente e construir o futuro. Como Mário de Andrade, Oswald
também reconhece e valoriza a contribuição do passado. Sua proposta de “acertar o relógio império da
literatura nacional”, ou seja, de adequar a arte ao novo ritmo da vida, modificado pelos avanços
tecnológicos, passa ,não pela rejeição do passado, como o queria Marinetti, mas pela fusão do passado e
do presente, do primitivo e do civilizado, da tradição e da modernidade, conforme o ratifica a passagem
abaixo, extraída do referido Manifesto:
Temos a base dupla e presente – a floresta e a escola. A raça crédula e dualista e a
geometria, a álgebra e a química logo depois da mamadeira e do chá de erva doce. Um
misto de “dorme nenê que o bicho vem pegá” e de equações .
Uma visão que bata nos cilindros dos moinhos, nas turbinas elétricas, nas usinas
produtoras, nas questões cambiais, sem perder de vista o Museu Nacional. Pau Brasil.”54
Uma visão, porém, liberta de qualquer fórmula, que permita ver com os olhos livres a
contemporânea expressão do mundo.
É com esse olhar livre que Oswald de Andrade se volta não apenas para a literatura, mas para toda
manifestação sócio/cultural/brasileira no Manifesto Antropófago, por meio do qual, de forma ainda mais
ferrenha e satírica, critica nossa dependência cultural, se colocando, como bem o observa Benedito Nunes,
contra “o aparelhamento colonial político religioso repressivo sob que se formou a civilização brasileira, a
sociedade patriarcal com seus padrões morais de conduta, as suas esperanças messiânicas, a retórica de
sua intelectualidade, que imitou a metrópole e se curvou ao estrangeiro, o indianismo como sublimação
das frustrações do colonizado, que imitou atitudes do colonizador.” 55
Para Oswald, a conquista da nossa autonomia cultural implicava a reabilitação do índio não
catequizado e do seu extraordinário espírito edênico. “Tupi or not tupi, that is the question” (Ser ou não ser
tupi, eis a questão), proclama Oswald no mencionado Manifesto, conclamando nos a retomar a nossa
brasilidade, através do retorno simbólico ao mundo primitivo, pois, segundo ele, “antes dos Portugueses
descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade.”56
Além disso, era preciso dar vez e voz àqueles que foram alijados da história índios e negros
através do desrecalcamento da sua cultura, abafada pela cultura colonizadora, retornando, para isso, às
fontes primitivas. Razão pela qual uma das suas propostas fundamentais reside na “transformação do tabu
54 Idem. Ibidem., p. 955 NUNES, Benedito. Antropofagia ao alcance de todos. In: ANDRADE, Oswald. Op. Cit. p. XXV.56 ANDRADE, Oswald. Manifesto Antropófago. In: _____ Op. Cit., p. 18.
LETRAS | 182
em totem”, ou seja, na transformação do que era proibido, negado, por ser considerado impuro, não digno,
em algo permitido e, mais do que isso, valorizado, sacralizado. O que, na verdade, dentro da sociedade
brasileira, relacionava se com as manifestações culturais indígenas e africanas. Em contrapartida, realiza se
a operação inversa de dessacralização do que até então surgia como sacralizado no nosso meio cultural, a
exemplo da moral cristã, dos costumes europeus, da dominação estrangeira, do índio europeizado e de
figuras emblemáticas da cultura dominante. Por isso que para seu criador, a Antropofagia é ao mesmo
tempo: “culto à estética instintiva da Terra Nova e “redução a cacarecos dos ídolos importados, para a
ascensão dos totens raciais.”57
Vejamos, a título de ilustração, algumas passagens do Manifesto, confirmadoras dessa subversão
cultural, visada pela Antropofagia.
Contra todos os importadores de consciência enlatada. A existência palpável da vida. E a mentalidade pré-lógica para o Sr. Lévy-Bruhl estudar.
Queremos a Revolução Caraíba. Maior que a Revolução Francesa. A unificação de todas as revoltas eficazes na direção do homem. Sem nós, a Europa não teria sequer a sua pobre declaração dos direitos do homem.
Contra o Padre Vieira. Autor do nosso primeiro empréstimo, para ganhar comissão. O rei-analfabeto dissera-lhe: ponha isso no papel mas sem muita lábia. Fez-se o empréstimo. Gravou-se o açúcar brasileiro. Vieira deixou o dinheiro em Portugal e nos trouxe a lábia.
Se Deus é a consciência do Universo Incriado, Guaraci é a mãe dos viventes. Jaci é a mãe dos vegetais.
Contra o índio de tocheiro. O índio filho de Maria, afilhado de Catarina de Médicis e genro de António de Mariz.
A alegria é a prova dos nove. No matriarcado de Pindorama. A nossa independência ainda não foi proclamada. Frase típica de D. João VI: -
Meu filho, põe essa coroa na tua cabeça, antes que algum aventureiro o faça! Expulsamos a dinastia. É preciso expulsar o espírito bragantino, as ordenações e o rapé de Maria da Fonte.
Como vemos, construção/destruição, sacralização/dessacralização, entronização/destronização
constituem as balizas norteadoras das propostas antropofágicas para a viabilização da nossa independência
cultural.
Por esse motivo, consideramos muito pertinente a afirmação de Benedito Nunes sobre a
Antropofagia, vendo a como:
Metáfora orgânica, porque é inspirada na cerimônia guerreira da imolação pelos tupis do inimigo valente, apresado em combate, englobando tudo quanto
57 ANDRADE, Oswald. Nova Escola Literária. In: _____ Os Dentes do Dragão. 2.ed. São Paulo: Globo: Secretaria de Estado daCultura, 1990, p. 43.
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LETRAS | 184
Depois mudaram-lhe o nome
pra Terra de Santa Cruz.
Terra cheia de graça
Terra cheia de pássaros
Terra cheia de luz.
A grande Terra girassol onde havia guerreiros de
[de tanga
e onças ruivas deitadas à sombra das árvores
[mosqueadas de sol.
Mas como houvesse, em abundância,
certa maneira cor de sangue cor de brasa
e como o fogo da manhã selvagem
fosse um brasido no carvão noturno da paisagem,
e como a Terra fosse de árvores vermelhas
e se houvesse mostrado assaz gentil,
deram-lhe o nome de Brasil.
Brasil cheio de graça
Brasil cheio de pássaros
Brasil cheio de luz.59
Ao apresentarmos, na parte referente à Semana de Arte Moderna, alguns comentários feitos por
seus protagonistas, registramos um em que Mário de Andrade fala das “tendências múltiplas, às vezes
contraditórias”, dos participantes ali reunidos.
Embora todos comungassem do propósito de imprimir um selo efetivo de brasilidade e de inovação
às artes brasileiras, o caminho tomado nessa direção não segue a mesma rota trilhada por Mário e Oswald,
os quais, apesar de certas divergências, partilham, à maneira deles, as mesmas concepções estéticas. Tanto
assim que, mesmo tendo rompido com Mário, quando este lança Macunaíma, o herói sem nenhum caráter,
Oswald diz que é a obra exemplar da Antropofagia. E, se cotejarmos os textos teóricos dos dois – Prefácio
Interessantíssimo, A escrava que não é Isaura e os Manifestos Pau Brasil e Antropófago, veremos que
ambos, Mário e Oswald, têm a mesma postura no concernente ao assunto poético, à valorização da língua
59Poema de Cassiano Ricardo, extraído do livroMartin Cererê. 13.ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974, p. 33.
LETRAS | 185
nacional, do falar do povo, à crítica ao tecnicismo parnasiano, ao mimetismo naturalista, à criatividade
aliada à precisão, à concisão e o acabamento da linguagem, à valorização do passado “como lição para se
meditar e não para se reproduzir”.
O mesmo, porém, não se pode dizer dos integrantes do Verde Amarelo, conforme se pode inferir
da leitura de seu Manifesto, escrito em maio de 1929.
Muito diferente do teor combativo dos manifestos de Oswald de Andrade, o manifesto Verde
Amarelo se mostra bastante conservador. Para o crítico Gilberto Vasconcelos, esse grupo é “a vergonha do
movimento de 22” e assim o considera por nele ver “os germes totalitários da doutrina integralista”,60 que
embasam o Integralismo Brasileiro, movimento de caráter fascista, surgido em 1932, sob o comando de
Plínio Salgado. Aliás, segundo Gilberto, é o próprio Plínio que reconhece que, no “verdeamarelismo,
movimento literário ´mais de ação do que de pensamento`, estava já contido ´todo o processo de formação
do pensamento com que se apresentou, em 1932, o Integralismo Brasileiro.” 61
O nacionalismo exacerbado do grupo, característica básica das ideologias totalitárias, a exemplo do
fascismo e do nazismo, fica claramente evidenciado no próprio título do manifesto – Manifesto Nhengaçu
Verde Amarelo – não tanto pela referência à cultura indígena, esta também está presente
metaforicamente no título do Manifesto Antropófago, mas pela recorrência às cores verde e amarelo do
símbolo máximo de nossa nacionalidade – a bandeira brasileira. Como não poderia ser diferente, esse
ultranacionalismo incidirá também em uma visão ufanista e mistificadora da terra brasileira, por eles
exaltada como uma sociedade sem nenhum preconceito, nem racial, nem religioso, nem político:
Não há entre nós preconceitos de raças. Quando foi o 13 de Maio, havia negros ocupando já altas posições no país. E antes, como depois disso, os filhos de estrangeiros de todas as procedências nunca viram os seus passos tolhidos. Também não conhecemos preconceitos religiosos. O nosso catolicismo é demasiadamente tolerante, e tão tolerante, que os próprios defensores extremados dele acusam a Igreja Brasileira de ser uma organização sem força combativa. Não há também no Brasil, o preconceito político: o que nos importa é a administração, no que andamos acertadíssimos, pois só assim consultamos as realidades nacionais.62
Afirmações, portanto, que não requerem muito esforço para serem reconhecidas como
mistificadoras da nossa realidade. Por elas, falam a discriminação racial, até hoje minando a nossa
sociedade, a intolerância para com as manifestações religiosas africanas e indígenas que até há pouco
tempo eram proibidas por lei, sendo presos os seus manifestantes e, como se não bastassem, a aversão às
60 VASCONCELOS, Gilberto. Ideologia Curupira. Análise do discurso Integralista. São Paulo: Brasiliense, 1979, p. 81.61 Idem.ibidem.62 Extraído do manifesto Verde Amarelo, constante de TELES, G. Op. Cit., p. 364.
LETRAS | 186
manifestações ideológicas de esquerda, responsáveis pelos regimes ditatoriais implantados no Brasil, nas
décadas de 30 e 60.
Embora a referência à cultura indígena no título não seja suficiente para denotar o
conservadorismo do grupo, a forma como veem o índio também reitera esse viés mistificador.
Diferentemente de Oswald, para quem o índio valorizado é o rebelde e não o “filho de Maria, afilhado de
Catarina de Médicis e genro de D. Antonio de Mariz”, o índio exaltado pelos verdeamarelos se aproxima do
índio romantizado de Alencar. Seu valor está em sua passividade, em sua colaboração com o elemento
colonizador:
Os tupis desceram para serem absorvidos. Para se diluírem no sangue da gente nova. Para viver subjetivamente e transformar numa prodigiosa força a bondade do brasileiro e o se grande sentimento de humanidade.63
Em oposição à crítica irreverente, debochada, dessacralizadora da Antropofagia, o VerdeAmarelo
se consagra como arte enfática, reverente, laudatória, grandiloquente e conformista:
Somos um país de imigração e continuaremos a ser refúgio da humanidade por motivos geográficos e econômicos, demasiadamente sabidos./.../ Na opinião bem fundamentada do sociólogo mexicano Vasconcelos, é de entre as bacias do Amazonas e do Prata que sairá a “quinta raça “ a “raça cósmica”, que realizará
a concórdia universal, porque será filhas das dores e das esperanças de toda a
humanidade. Temos de construir essa grande nação, integrando na Pátria
Comum todas as nossas expressões históricas, étnicas, sociais, religiosas e
políticas. Pela força centrípeta do elemento tupi.
Palavras, pois, que não deixam dúvidas sobre a lógica ufanista que rege o discurso desse grupo.
Contrapõem se também os verde amarelos ao intelectualismo dos outros modernistas, a exemplo
de Mário e de Oswald de Andrade, afirmando se, acima de tudo, como grupo pacífico, sentimental e
instintivo, avesso a sistematizações, ao experimentalismo estético e às rupturas implementadas.
Convidamos a nossa geração a produzir sem discutir. Bem ou mal, mas produzir. Há sete
anos que a literatura brasileira está em discussão. Procuremos escrever sem espírito
preconcebido, não por mera experiência de estilos, ou para veicular teorias, sejam elas quais
forem, mas com o único intuito de nos revelarmos, livres de todos os prejuízos.
Através dessa afirmação, fica, mais uma vez atestada a visão reacionária do grupo, uma vez que,
como bem o observa o crítico Gilberto Vasconcelos, “o repúdio ao estágio da técnica, ao experimentalismo
artístico, faz parte, de um modo geral das atitudes propensas ao totalitarismo.”64
63 Idem. Ibidem. p. 36164 VASCONCELOS, Gilberto. Op. Cit. p. 97
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LETRAS | 188
européias e passadas. E ainda: a bolshevicação da língua, a desfiguração dos nossos mais característicos
sentimentos, a absoluta exclusão do pensamento sério e sincero. Em suma: a renovação mais às avessas e
menos brasileira que se pudesse desejar.
Não rechaçam os integrantes do grupo Festa a alegria. No entanto, a alegria de que falam é de
outra ordem. É uma alegria espiritual, por eles chamada de alegria criadora, que conduz à integração total:
a do corpo e do espírito, a da natureza e a do sonho; a do homem e a de Deus. E advém de uma atitude de
otimismo perante a vida. Uma alegria que fica evidenciada já no título do próprio grupo: Festa, vocábulo
que, como sabemos, remete para alegria, júbilo, regozijo, comemoração. Esse é o sentimento que permeia
todo o poema programa com o qual abrem o nº 1 da revista de mesmo nome e onde expõem a concepção
estética e ideológica do grupo.
Se a proposta de Oswald de Andrade é “ver com os olhos livres” a realidade, a do grupo de Festa é
“ver com olhos adolescentes”, ou seja, apaixonados, encantados novamente com a Vida. Mas, segundo
Tasso da Silveira,
... com a Vida com V grande. A Vida com o seu esplendor de beleza e com o seu esplendor de sofrimento, que afirma o espírito. E nessa visão da Vida é que está a grande e pura alegria. A alegria, por exemplo, de um S. Francisco de Assis. O mais é vacuidade e ceticismo. Fuga covarde. Lassidão.66
Vazios, céticos, clownescos, barulhentos, era assim que os integrantes de Festa viam os
modernistas daquele momento, para eles de “tumulto e de incerteza; de confusão de valores; de vitória do
arrivismo e de grandes ameaças para o homem, conforme assinalam nos versos iniciais do seu poema
programa. Momento, pois, de instabilidade, de desequilíbrio, mas que, na opinião dos integrantes do
referido grupo, fazem parte da eterna dança da vida, cuja coreografia é sempre norteada por dois ritmos:
equilíbrio/desequilíbrio e vice versa.
É o olhar adolescente que os leva a divisar entre as brumas do desequilíbrio o novo tempo, marcado
pelo retorno ao equilíbrio.
Nós temos a compreensão nítida deste momento. Deste momento no mundo E deste momento no Brasil. Vemos, lá fora e aqui dentro, o rodopio dos senti- mentos em torvelinho trágico. ...............................................................................
66 SILVEIRA, Tasso. Cateretê nº 5 para sanfona e violão. In: Revista Festa, nº 9, junho de 1928, p. 8.
LETRAS | 189
Mas vemos igualmente os espíritos legítimos no seu posto imutável. E apuramos o ouvido ao brado de alerta das sentinelas perdidas. E sentimos à flor do solo o frêmito das subterrâneas correntes de força viva, Que serão captadas pela sabedoria divina na hora pró- xima das construções admiráveis.67
Refutando as críticas do pessoal de Festa, Mário de Andrade, em artigo publicado na própria revista
do grupo, intitulado O grupo de “festa” e sua significação, reivindicando para si e para os demais
realizadores da Semana o mérito de primeiros agitadores da vida literária brasileira, defende se dizendo
que, por haverem compreendido que
“numa época de bulha e de chinfrim, carece não empregar surdina”, o seu grupo
“empunhou trombone e bombo e se fez valer./.../ Fez-se valer e dinamizou a
literatura brasileira. Coisa que o grupo de “Festa” jamais não conseguiu. Só porque
empregava surdina no meio da bulha do século. O erro do grupo de “Festa” foi um
erro de orchestração.”68
À DESORDEM, ao DESEQUILÍBRIO, ao MATERIALISMO dos “primitivistas”, o grupo Festa se coloca
como agente da ORDEM, do EQUILÍBRIO, do ESPIRITUALISMO.
Essa oposição fica bem assinalada no poema programa, pelo emprego recorrente da adversativa
“mas”. Vejamos alguns exemplos:
Sabemos, que é de tumulto e de incerteza,
E de confusão de valores,
E de vitória do arrivismo,
E de graves ameaças para o homem.
Mas sabemos também, que não é esta a primeira
hora de agonia e inquietude que a humanidade vive.
....................................................................................
Então exsurgem das profundezas do ser ímpetos
bruscos e imprevistos,
que trazem a insatisfação,
a angústia,
a febre,
e quebram os compassos harmoniosos,
e fazem pensar, aos que se esqueceram de Deus, que
tudo está perdido,
67 _____ Festa. In. O. Cit. p. 1 do nº 1.68 ANDRADE, Mário de. O grupo de “festa” e sua significação” In: Revista Festa, nº 6, março de 1928, p. 12.
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- mas que são, em verdade, ondas desconhecidas de energia para a criação de um equilíbrio novo e de outra mais alta serenidade...69 (Os grifos são nossos)
Para Tasso da Silveira, os grandes caracteres da arte moderna são: Velocidade, Totalidade,
Brasilidade e Universalismo.
Divisamos nessas características por ele apontadas alguns traços realmente marcantes da
modernidade, sobretudo, no que concerne à velocidade, ou seja, a uma forma de expressão mais dinâmica.
Porém, em oposição aos “meninos de 22”, ele faz questão de assinalar que velocidade não se trata de
“ dizer tudo muito ligeirinho, por versos dissilábicos e estrofes espichadas como
salsichas, como vocês tantas vezes fazem./.../ Um verso de vinte sílabas pode ser
mais veloz do que um de duas. E um romance em doze volumes mais rápido que o
outro em um”70
A Brasilidade, outro aspecto que poderia aproximar o grupo de Festa dos primitivistas, uma vez que
tanto Mário como Oswald estão imbuídos do desejo de consolidação da identidade brasileira, portanto,
empenhados na brasilidade da arte, no abrasileiramento da nossa literatura, é buscada não nas nossas
raízes culturais indígenas, mas nas “obscuras energias que se condensam através de milênios para a criação
de cada maravilhosa realidade da natureza ou do espírito...”71
Totalidade, como já vimos, é marcada por uma filosofia metafísica, uma vez que implica a
integração das realidades humanas e transcendentes; das realidades materiais e espirituais: humildes ou
formidáveis.72
Por fim, a Universalidade se apresenta como consequência dessa abrangência total que extrapola o
tempo e o espaço.
Por todos esses aspectos, podemos dizer que, bem diferentemente da postura revolucionária de
Mário e Oswald de Andrade, o grupo Festa apresenta uma postura moderadora que o colocaria mais
próximo dos verdeamarelos. Como estes, eles também preferem a ordem e são avessos aos
experimentalismos estéticos.
Como bem o assinala o crítico Gilberto Vasconcelos,
69 SILVEIRA, Tasso. Ibidem.70 SILVEIRA, Tasso. A enxurrada. In: Revista Festa, nº 4, janeiro, 1928, pp. 5/671 Idem. Ibidem. p. 672 Idem. Ibidem.
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