View
37
Download
9
Category
Preview:
DESCRIPTION
Este texto é destinado aos estudantes aprendizes que participam do programa de Educação a Distância da Universidade Federal do Piauí (UFPI), Universidade Estadual do Piauí (UESPI), Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia do Piauí (IFPI), com apoio do Governo do estado do Piauí, através da Secretaria de Educação.Você está iniciando o estudo de Sociologia da Educação, uma disciplina importante para o exercício da docência, porque, como veremos ao longo do curso, pode ajudar o professor a compreender o contexto qual ele realiza sua prática educativa e a pensar essa prática. Ao analisar sua prática social, o professor compreenderá ser a escola um espaço social situado historicamente. Com isso, esperamos que você, sem se tornar sociólogo, possa utilizar o conhecimento produzido por essa disciplina para melhor compreender a escola e seus sujeitos.
Citation preview
Universidade Federal do Piau
Centro de Educao Aberta e a Distancia
SOCIOLOGIA DA
EDUCAO
Antonio de Pdua Carvalho Lopes
Ministrio da Educao MEC
Universidade Aberta do Brasil UAB
Universidade Federal do Piau UFPI
Universidade Aberta do Piau UAPI
Centro de Educao Aberta e a Distncia CEAD
Sociologia da Educao
Antonio Pdua Carvalho Lopes
2013
Apresentao
Este texto destinado aos estudantes aprendizes que participam do
programa de Educao a Distncia da Universidade Federal do Piau (UFPI),
Universidade Estadual do Piau (UESPI), Instituto Federal de Educao, Cincias e
Tecnologia do Piau (IFPI), com apoio do Governo do estado do Piau, atravs da
Secretaria de Educao.
Voc est iniciando o estudo de Sociologia da Educao, uma disciplina
importante para o exerccio da docncia, porque, como veremos ao longo do curso, pode
ajudar o professor a compreender o contexto qual ele realiza sua prtica educativa e a
pensar essa prtica. Ao analisar sua prtica social, o professor compreender ser a
escola um espao social situado historicamente. Com isso, esperamos que voc, sem se
tornar socilogo, possa utilizar o conhecimento produzido por essa disciplina para
melhor compreender a escola e seus sujeitos.
Para isso, discutiremos, principalmente, as relaes entre a escola e a
sociedade. Voc, dado o nvel de escolaridade que possui, tem j uma experincia
importante com a escola. Durante a disciplina, contudo, preciso que voc olhe a escola
e a educao com outro olhar, de modo desnaturaliz-la e compreend-la como
construo histrico-social. No esquecendo que voc viveu todo esse perodo de sua
escolarizao na condio de aluno e agora deseja e procura uma nova insero na
escola na condio de professor. Que rupturas e continuidades h entre esses dois
modos de viver a escola? Qual o sentido da escola para ns que optamos por continuar
vivendo nossas vidas na relao com essa instituio chamada escola? O que nos leva a
optar por continuar na escola?
Se vamos enfatizar a dimenso escolar da educao, no podemos
esquecer que esta no se restringe escola. Como prtica social, a educao encontra-se
diluda nas diferentes relaes de interdependncia que os homens estabelecem entre si.
A educao encontra-se, pois, presente em diferentes momentos da vida social, sendo a
educao escolar apenas ma forma de educao. Portanto, a Sociologia da Educao
procura tambm entender a educao que ocorre fora da escola, nos diversos momentos
em que os indivduos interagem na sociedade e mesmo, dentro de uma mesma
sociedade entre os diversos grupos, talvez o mais correto fosse falarmos em educaes,
no plural. Podemos at no ter frequentado, mas no escapamos da educao.
Desse modo, muito do que discutiremos durante o curso talvez voc j
tenha proximidade ou tenha intudo a partir de sua experincia como membro da
sociedade. Contudo, voc dever esforar-se para repensar as vises que advm de sua
condio de membro da sociedade. importante para a disciplina que se inicia que voc
exercite o repensar de suas noes sobre sociedade e procurar modificar o seu olhar para
ela ou experimente olh-la de perspectivas com as quais voc no est acostumado. Para
ajud-lo no seu repensar, nesse texto, vamos estudar esses temas a partir das vrias
teorias da Sociologia. Com isso, voc deve j suspeitar que defendemos a ideia de que a
Sociologia da Educao baseia-se no pensamento e nele que ela encontra seus
referenciais conceituais e metodolgicos para analisar o fenmeno educativo. Veremos,
aqui, que h outras maneiras de se conceber a Sociologia da Educao e que explicitar a
que voc encontrar nesse livro importante para que voc possa compreender a
proposta que ele tem.
Este livro compe-se de textos, atividades e sugestes de pginas na
internet para voc realizar mais leituras. Uma bibliografia ser indicada ao final de cada
captulo para que voc possa estudar mais sobre o tema. Na leitura dos textos propostos
vai proporcionar a voc aprofundar os temas discutidos nas unidades do curso. Faz-la
imprescindvel para a sua formao e para um melhor aproveitamento do curso.
importante que voc partilhe suas reflexes com seus colegas de turma
nos chats e na pgina da disciplina. Voc deve, tambm, comentar os textos de seus
colegas, ajudando-os a pensar suas escritas. Esse debate sobre as diferentes
compreenses dos temas estudados na disciplina importante para a formao de todos.
As unidades propostas nas diferentes unidades do curso encontram-se
no no final do texto, como costumeiramente elas aparecem, mas ao longo do mesmo, e
devem ser realizadas no momento em que aparecem no livro para eu voc tenha uma
aprendizagem mais efetiva.
Os contedos foram organizados em quatro unidades. Na primeira
unidade voc estudar a histria da Sociologia, suas relaes com a nascente sociedade
industrial/capitalista, e compreender as relaes entre Sociologia e Sociologia da
educao. Na segunda unidade voc vai iniciar o estudo do pensamento dos tericos
clssicos da sociologia e conhecer o modo como eles analisaram o fenmeno educativo.
Na terceira unidade voc vai compreender alguns dos temas fundamentais da relao
escola-sociedade e analisar o lugar na da escola na sociedade. E conhecer mais sobre a
relao famlia e escola e o modo como o estudo das trajetrias escolares, especialmente
em camadas populares, podem ajudar a entender o papel da escola na sociedade e
proporcionar melhores condies para o professor pensar suas aes didticas e
pedaggicas considerando e relacionando mais efetivamente com as famlias de seus
alunos.
Finamente, no esquea a importncia da leitura para a sua formao. Por
acreditar nessa importncia que indicaremos textos complementares ao longo do
curso. Lembre-se do seu papel na formao que ora inicia e de como do seu
desempenho depende o que voc aprender na disciplina. Esperamos que voc, ao final
da disciplina, tenha refeito seu olhar sobre a escola e seus sujeitos e que o conhecimento
aqui apresentado possa estimul-lo a buscar mais informaes o que aqui estudaremos.
Sumrio
UNIDADE 1 - A SOCIOLOGIA E A SOCIOLOGIA DA EDUCAO.................................07
1.1 O Surgimento da Sociologia .................................................................................. 07
1.2 A Sociologia e a Sociologia da Educao ............................................................. 14
UNIDADE 2 O PENSAMENTO CLSSICO EM SOCIOLOGIA E A ANLISE DA
EDUCAO ........................................ 18
2.1 mile Durkheim ................................................................................................19
2.2 Max Weber (1864 1920) ................................................................................25
2.3 Karl Marx (1818 1883) ..................................................................................29
UNIDADE 3 A EDUCAO COMO OBJETO DE ESTUDO DA SOCIOLOGIA, AS
DESIGUALDADES SOCIAIS E AS TRAJETRIAS ESCOLARES ....... 38
3.1 A Escola como Espao Sociocultural .......................................................................39
3.2 A Escola: Homogeneidade e Heterogeneidade ........................................................40
3.3 Processos de Socializao e Educao .....................................................................51
3.4 A Temtica das Desigualdades e as Teorias Contemporneas sobre a Educao
Escolar ............................................................................................................................53
3.5 Pierre Bourdieu .........................................................................................................53
3.6 Paul Willis.................................................................................................................55
3.7 As desigualdades sociais e as trajetrias escolares .................. 57
3.7.1 Algumas Caractersticas dos Estudos sobre trajetrias Escolares ...... 59
3.7.2 O Estudo das Desigualdades em Face da Escola e a Construo do Sucesso
Escolar em Camadas Populares ...................................................................................................60
MINICURRCULUM ..................................................................................................63
REFERENCIAS BIBLIOGRFICAS .......................................................................64
7
UNIDADE 1
A SOCIOLOGIA E A SOCIOLOGIA DA EDUCAO
Resumindo
Nessa unidade voc conheceu a histria da Sociologia, suas relaes com
a nascente sociedade industrial/capitalista. Soube como um conhecimento laborado
importante para compreender as possibilidades e limites desse conhecimento. Alm
disso, estudou as relaes entre a Sociologia e a Sociologia da Educao, procurando
enfatizar os vnculos existentes entre a anlise da educao e a Sociologia. Desse modo,
esta unidade tratou da constituio da sociologia como conhecimento e das diferentes
formas que ela assume ao estudar a educao. Viu-se, ainda, a importncia da
Sociologia para a formao de professores e para a sua pratica educativa.
1.1 - O Surgimento da Sociologia
Vivendo em sociedade estamos imersos naquilo que o centro da anlise
da Sociologia. A Sociologia como forma de conhecimento tem seu interesse marcado
pelo desejo de compreender a vida social. Como afirma Peter L. Berger (1986, p.27) o
socilogo poder est interessado em muitas coisas. Mas seu interesse dominante ser o
mundo dos homens, suas instituies, sua histria, suas paixes.
Assim, voc inicia aqui um percurso em seu ser convidado a pensar
sobre a vida em sociedade, procurando ver e entender a vida social com o auxilio do
conhecimento produzido pela Sociologia. Esperamos que voc possa descobrir-se tendo
um novo olhar para a sociedade, pois como afirma Peter L. Berger (1986, p.30)
qualquer atividade intelectual torna-se estimulante a partir do instante em que se
transforma em uma rota de descoberta. Desejamos que essa disciplina seja para voc
8
Figura 1. A liberdade guiando o Povo (1830),
Mus de Louvre Paris. Quadro de Delacroix.
uma rota de descoberta sobre a vida social, possibilitando a voc, quem sabe, (...) a
sbita revelao de novas e insuspeitadas facetas da existncia humana em sociedade
(BERGER, 1986, p.33).
Talvez voc esteja se perguntando sobre qual o lugar da Sociologia em
curso de formao de professores. Propormos a voc, agora, um percurso visando
entender melhor este lugar. Uma forma de se pensar este lugar entender o que a
Sociologia como forma desconhecimento e o que faz o professor em sua prtica
profissional.
Comearemos por procurar entender o que a Sociologia. Inicialmente, a
Sociologia pode ser compreendida Giddens, (2005, p.24) [...] como o estudo da vida
social humana, dos grupos sociais e da sociedade.. Como voc pode observar essa
conceituao a sociologia aparece relacionada como o estudo das formas coletivas
(sociais) da existncia humana.
Como forma de conhecimento, a Sociologia deseja
responder diversas indagaes que resultam da curiosidade do ser humano sobre sua
condio: Como se organiza a vida em sociedade?
Qual a relao entre indivduo e sociedade? Como
ocorrem as transformaes na sociedade? O que
mantm a sociedade coesa?
Ou ainda, como afirma Peter L. Berger
(1986, p.29), os socilogos procuram responder as
seguintes indagaes: O que as pessoas esto
fazendo uma com as outras aqui? Quais as relaes
entre elas? Como essas relaes se organizam em
instituies? Quais as ideias coletivas que movem os
homens e as instituies?
Voc pode se perguntar se o desejo de saber e
compreender a vida coletiva algo recente, como a
Sociologia, ou remoto. Afinal, essas indagaes
parecem ser parceiras antigas do homem na busca na
compreenso do seu mundo e do seu viver.
Certamente, a reflexo e a observao dos homens sobre as diferentes
sociedades e o meio social no qual vivem uma prtica antiga da histria da
humanidade.
9
Contudo, a Sociologia como forma de conhecimento especfico se
constituiu, como veremos, mais recentemente. Isso por serem necessrias algumas
condies sociais para que uma reflexo, com as pretenses da Sociologia, surgisse. E
que condies eram essas?
Nascida e vinculada aos efeitos ocasionados na sociedade pela
Revoluo Francesa de 1789 e pela Revoluo Industrial, a Sociologia traz as marcas
das transformaes que essas revolues deixaram no mundo. Devemos, pois,
compreender melhor essa dupla Revoluo para perceber como as mudanas que elas
ocasionaram no mundo e como essas mudanas proporcionaram a base necessria para a
construo de um saber do tipo da Sociologia. Mas, o que significa a palavra
Revoluo? Uma Revoluo implica na mudana radical de uma dada situao.
Pensando essa dupla Revoluo, que transformaes radicais elas fizeram no mundo?
Qual a relao dessas duas mudanas com a emergncia de um conhecimento voltado
para a compreenso do mundo social? Procure compreender essas Revolues. Para
ajud-lo nessa compreenso, faa a atividade 1 proposta da pgina 22.
Como estvamos dizendo, a Sociologia vai procurar entender essas
transformaes ao mesmo tempo em que resulta delas. Assim a Sociologia vai trazer as
marcas desse perodo, especialmente por sua vinculao com as correntes de
pensamento elaboradas no bojo dessas transformaes e que se destaca a relao que a
ento nascente Sociologia vai estabelecer com o conservadorismo europeu do sculo
XIX. Os conservadores, principalmente os franceses, pensavam que a Revoluo
Francesa, com as transformaes que promoveu na organizao social, provocara uma
desarrumao na ordem social, transformando a sociedade com suas propostas de
igualitarismo, racionalismo, individualismo e secularizao.
O dicionrio ser uma ferramenta de trabalho importante para voc, durante o curso.
Por isso, se voc ainda no comeou a utiliz-lo, comece a faz-lo, pesquisando o
significado dos termos igualitarismo, racionalismo, individualismo, e
secularizao. Utilize, em suas pesquisas, dicionrios da lngua portuguesa e de reas
como Filosofia, Pedagogia, Sociologia e Histria.
Os conservadores, como Edmund Burke (1729-1797), Joseph de
Maistre (1754-1821) e Louis de Bonald (1754-1840), preocupavam-se essencialmente
com a manuteno da ordem social. Suas posturas eram uma reao ao Iluminismo.
10
Nisbet (1980, p. 126) afirma que [...] no h uma nica proposio crucial sobre o
homem, sociedade, religio e conservadores. Mas em que constitui o iluminismo? Faa
a atividade 2, da pgina XX, antes de continuar a leitura do livro.
Agora que voc pesquisou sobre o iluminismo podemos voltar a falar do
pensamento conservador e de sua relao com a Sociologia. Assim, a Sociologia como
conhecimento vai se gestando a partir do conjunto desses pensamentos, no sendo,
contudo, uma mera continuao do mesmo. Mesmo assim, as marcas de uma
preocupao com a ordem social e o equilbrio da sociedade so ressonncias desse
pensamento no interior da Sociologia. Essa preocupao, inclusive, vai ser uma das
marcas de nascena da Sociologia e de sua preocupao inicial com a vida social.
A sociologia vai se consolidando, pois, pelo
conjunto do pensamento que se elaborou no sculo; XIX e do
desejo de conhecer esse mundo que surgia a partir das
transformaes geradas na sociedade pela dupla Revoluo.
Para a construo dessa modalidade de conhecimento
concorreram diversos autores e ideias.
Com Auguste Comte (1798-1857), a Sociologia
concebida como uma Fsica Social.
Entendo por Fsica Social a cincia que tem por objeto prprio o estudo dos fenmenos sociais, considerados com o mesmo esprito
que os fenmenos astronmicos, fsicos, qumicos e fisiolgicos, isto
, como submetidos a leis naturais invariveis, cuja descoberta o objeto especial de suas pesquisas. (COMTE, 1989, p.53)
Foi Auguste Comte quem criou o termo sociologia para denominar
forma de conhecimento:
Acredito que devo arriscar, desde agora, esse termo novo, sociologia,
exatamente equivalente minha expresso, j introduzida, de fsica social, a fim de poder designar por um nome nico essa parte
complementar da filosofia natural que se relaciona com o estudo
positivo do conjunto das leis fundamentais apropriadas aos fenmenos sociais. (COMTE, 1989, p.61)
Contudo, bom que se entenda que, embora o termo sociologia tenha
sido criado por Auguste Comte, nenhuma forma de conhecimento resulta da reflexo
de um s pensador, mas da reflexo de muito a pensadores que, analisando os
problemas postos por sua poca histrica, vo criando novas formas de compreend-los.
Figura 2. Auguste Comte
11
Desse modo, como j dissemos antes, a Sociologia resulta da ao de diversos
pensadores.
Com essas marcas de nascimento, a Sociologia surge com o interesse
prioritrio de analisar os grupos sociais, sem, contudo, descuidar do individuo. Ou mais
precisamente com o interesse de compreender a vida social dos agrupamentos humanos.
Um dos pontos centrais do esforo realizado pela Sociologia
compreender a relao individuo e sociedade de modo a no separar radicalmente um
do outro. Norbert Elias (1897-1990) nos ajuda a superar essa dicotomizao, quando
nos mostra que a sociedade formada por indivduos interdependentes, constituindo
teias de interdependncia ou configuraes, que so de diversos tipos (ex. famlia,
escola, cidades).
Em que consiste essas teias de interdependncias de que fala Norbert
Elias? Elias (1994, p. 249) assim se expressa sobre elas:
A imagem do homem como personalidade fechada substitudo aqui pela personalidade aberta que possui um maior ou menor Grau (mas nunca absoluto ou total) de autonomia face a de outras pessoas e que,
na realidade, durante toda a vida fundamentalmente orientada para outras pessoas e dependente delas. A rede de interdependncia entre
os seres humanos o que os liga. Eles formam o nexo do que aqui
chamado configurao, ou seja, uma estrutura de pessoas mutuamente
orientadas e dependentes. Uma vez que as pessoas so mais ou menos dependentes entre si, inicialmente por ao da natureza e mais atravs
da aprendizagem social, da educao, socializao e necessidades
recprocas socialmente geradas, elas existem, poderamos nos arriscar a dizer, apenas como pluralidade, apenas como configuraes. Eis o
motivo porque (...) no particularmente frutfero conceber os
homens imagem do homem individual. Muito mais apropriado ser conjecturar a imagem de numerosas pessoas interdependentes
formando configuraes (isto , grupos ou sociedades de tipos
diferentes) entre si.
Assim, com o conceito de configurao Norbert Elias desejava ver
superada a idia de um homem completamente isolado da sociedade, situando este em
suas relaes com os outros na sociedade.
Nem sempre se tem conscincia das relaes das quais fazemos no
interior da sociedade. As teias de independncias podem relacionar pessoas que no
reconhecem essa relao, algumas vezes, inclusive, pessoas situadas em diferentes
espaos geogrficos.
12
Portanto, a noo de interdependncia central para o modo como
Norbert Elias analisa a sociedade. Para explicit-la melhor ele faz uma analogia como
uma partida de xadrez:
(...) como em um jogo de xadrez cada ao decidida de maneira
relativamente independente por um individuo representa um movimento no tabuleiro social, jogada que por sua vez acarreta um
movimento de outro individuo -, limitando a autonomia do primeiro e
demonstrando sua dependncia (ELIAS, 2001, p. 158).
Nas relaes de interdependncias configuraes os vnculos podem ser
amigveis ou hostis. Assim o conceito de configurao utilizado para compreender, por
Norbert Elias, no trs em si a idia de harmonia numa configurao h tanto aliados
como inimigos.
Agora que voc compreendeu o sentido da Sociologia para Norbert Elias,
voc deve se perguntar sobre como o socilogo se situa na sociedade. Como possvel
conhecer a sociedade, como deseja fazer o socilogo, sendo parte dela e resultado dela?
Norbert Elias (1999, p. 13), alerta para o fato de que [...] aquele que
estuda e pensa a cidade ele prprio um de seus membros [...] mostrando a
importncia do estudo da sociedade colocar-se como parte da sociedade. Para ele o
socilogo a estudar a sociedade deve manter em relao a ela uma postura de
distanciamento (para controlar seus preconceitos) e engajamento (para compreender a
experincia que os homens tm da vida social).
Agora, que vimos um pouco mais sobre o modo de pensar a sociedade de
Norbert Elias, possvel formularmos, com esse autor, um novo conceito para a
Sociologia ela o estudo de indivduos interdependentes.
A esta altura voc deve est se perguntando sobre possveis finalidades
do estudo da Sociologia. Que razes podem existir para que voc se envolva no estudo
sistemtico da sociologia alm de ser ela uma disciplina obrigatria de seu curso
universitrio. Enfim, voc pode est de perguntando para que serve a Sociologia?
Veremos agora algumas respostas dadas a essa pergunta por alguns praticantes dessa
forma de conhecimento conhecida como Sociologia.
Norbert Elias (1999) aponta como uma das tarefas centrais da sociologia
a de tornar mais transparente as teias de interdependncia nas quais as pessoas
encontram-se envolvidos. Essas teias de interdependncias so opacas e possuem um
13
carter incontrolvel. Com a anlise dessas teias a Sociologia contribuiria para impedir
que as pessoas fossem arrastadas por essas teias de um modo cego e arbitrrio.
Franco Ferrarotti 91986, p.151) aponta uma outra utilidade da Sociologia
considerando seus usos para auxiliar a tomada de decises polticas. Nesse caso, a
Sociologia seria til por ser
(...) capaz de oferecer ao poltico uma srie de alternativa possvel,
avaliar como uma grande aproximao o custo social das decises
tomadas ou a tomar, revelar as condies existentes e as mudanas a
efetuar na estrutura demogrfica, na escola, nos servios pblicos fundamentais para que as decises tomadas em vista de um posterior desenvolvimento no tenham efeitos de distoro nem transformem o
desenvolvimento socioeconmico equilibrado num processo de expanso pura e simples, condenado a agravar os desequilbrios
preexistentes e a criar outros novos.
Podemos ainda pensar em outras unidades da Sociologia. Com suas
pesquisas, a Sociologia nos ajuda a pensar nossa experincia de modo mais amplo,
desnaturalizando o mundo no qual estamos imersos e ajudando a superar a sensao de
familiaridade que temos em relao a ele. Como afirma Giddens (2005, p. 24):
A maioria de ns v o mundo a partir de caractersticas familiares a
nossa prpria vida. A sociologia mostra a necessidade de assumir uma viso mais ampla sobre por que somos como somos e por que agimos
como agimos. Ela nos ensina que aquilo que encaramos como natural,
inevitvel, bom ou verdadeiro, pode no ser bem assim e que os dados de nossa vida so fortemente influenciados por foras histricas e sociais. Entender os modos sutis, porm complexos e
profundos, pelos quais nossas vidas individuais refletem os contextos
de nossa experincia social fundamental para abordagem sociolgica.
Assim, atravs da Sociologia, possvel compreendermos nossa
condio no mundo, de modo a v-la em sua relao com as foras histricas e sociais
que a influenciam. Como afirma C. Wright Mills (1982), a imaginao sociolgica
permite realizarmos a juno entre histria, sociedade e biografia e, dessa forma,
compreendermos o mundo no qual vivemos. Dessa maneira, possvel perceber o que
est acontecendo no mundo e o que acontece com cada um de ns.
Como voc pode perceber a Sociologia, desde a sua gnese, uma forma
de conhecimento onde o desejo de compreender vincula-se, muitas vezes, ao desejo de
intervir no contexto que estuda. Esse vnculo, contudo, no o principal na produo do
conhecimento pela Sociologia, sendo sua misso primeira ver e compreender a realidade
social. Como afirma Peter L. Berger (1986, p. 13) a sociologia no uma ao, e sim
14
uma tentativa de compreenso. evidente que essa compreenso pode ser de utilidade
para quem age.
1.2 - A Sociologia e a Sociologia da Educao
Agora que voc j sabe o que Sociologia deve estar se perguntando
sobre o que todo esse percurso feito tem a ver com a Sociologia da Educao. Ou, dito
de outra forma, o que sociologia da Educao e qual sua importncia nos cursos de
formao de professores? sobre este tema que refletiremos um pouco agora, antes de
prosseguirmos no estudo de alguns temas da sociologia da Educao.
Vamos pensar essas perguntas por parte
Veremos, na prxima unidade do curso, que a Sociologia da Educao
nasce juntamente com a Sociologia, especialmente se considerarmos a obra de mile
Durkheim. Antes disso, contudo, preciso dizer que h vrias maneiras de se conhecer
e de praticar a Sociologia da Educao. Veremos agora algumas dessas possibilidades
de compreenso o que seja a Sociologia da Educao.
Antnio Cndido, no texto Tendncias do desenvolvimento da Sociologia
da Educao, de 1955, identificou trs grandes orientaes nos estudos sociolgicos da
educao:
Uma filosfico-sociolgica caracterizada por preocupar-se com a
definio do carter social do processo educativo, procurando
estabelecer as articulaes gerais existentes entre a sociedade e a
educao;
Uma pedaggico-sociolgica caracterizada pela preocupao como
o estudo social da educao, visando o bom funcionamento da escola;
e finalmente,
Sociologia da Educao que v a Sociologia da Educao como um
ramo da Sociologia e, embora herdeira das duas anteriores tenta, ao
mesmo tempo, afastar-se do carter especulativo da primeira e do
imediatismo da segunda orientao. (PEREIRA; FORACCHI, 1997,
p. 7-18).
15
Pelo modo como estamos construindo a disciplina, voc deve ter
percebido que procuramos desenvolv-la mais de acordo com esta ltima orientao.
Podemos pensar a Sociologia da Educao como
sendo
[...] o ponto de vista (sociolgico) sobre os fenmenos educativos (quaisquer eu sejam as suas
extenses) que se refaz e amplia
continuamente na troca, nem sempre igual, com as demais
sociologias [...]. (ESTEVES, 1993, p. 101)
H, portanto, uma relao estreita entre
a Sociologia da Educao e as teorias sociolgicas,
que requer conhecimentos bsicos nessa rea de saber. A ideia aqui colocada a da
ruptura com uma compreenso que fragmenta a Sociologia em sociologias especiais.
Voc deve estar se perguntando, agora que j sabe qual a perspectiva do
curso, sobre a importncia desse estudo para sua atividade como docente.
Qual a importncia da Sociologia para a prtica dos professores?
Karl Manheim e W.A.C. Stewart (1978) afirmam que a importncia da
Sociologia para os futuros docentes est, especialmente, em fornecer-lhes instrumentos
para a anlise da sociedade, ajud-los a pensar o lugar da educao na ordem social e a
compreender as vinculaes da educao com outras instituies (famlia, comunidade,
igrejas, dentre outras). Isso significa tornar mais claros os horizontes de sua prtica
profissional e a relao dela com a sociedade.
Stephen E. Stoer (1992) aponta as seguintes razes para o estudo da
Sociologia da Educao por futuros professores:
a Sociologia da Educao pode aumentar as possibilidades de uma
melhoria da prtica docente;
a Sociologia da Educao pode esclarecer os docentes sobre as
dimenses sociais de sua profisso;
a Sociologia da Educao pode possibilitar aos docentes a
compreenso dos determinantes sociais do processo educativo dos
alunos;
a Sociologia da Educao pode levar os docentes a entender as tenses
sociais existentes nas escolas;
16
a Sociologia da Educao pode auxiliar os decentes na elaborao de
currculos, na estruturao de atividades escolares, na interpretao da
legislao educacional e das polticas educacionais;
a Sociologia da Educao pode ajudar os professores a perceber a
importncia das diferenas e identidade culturais na escola;
e, especialmente, a Sociologia da educao pode ajudar os docentes a
interrogar a sua prtica e a escola e a recri-las.
As razes apontadas acima nos levam a compreender o lugar da
sociologia da educao nos cursos de formao de professores e a importncia dela para
a prtica profissional do professor. O professor, atravs da Sociologia da Educao,
pode compreender melhor os sujeitos presentes no espao escolar, a ao escolar e a si
mesmo.
Contudo voc no esquecer que a Sociologia da Educao interessa a
compreenso do modo como a sociedade se reproduz e dos processos de socializao
em geral. Como vimos, embora a escola tenha ocupado um local central na analise
realizada pela Sociologia da Educao, seu interesse mais abrangente e envolve
dimenses importantes da vida social influenciadoras, inclusive, da ao escolar.
EXERCICIO DE FIXAO
Atividade 1
Pesquise sobre a Revoluo Francesa e sobre a Revoluo industrial,
destacando os aspetos dessas Revolues que modificaram a vida social. Depois, tente
compreender como essas transformaes proporcionaram o surgimento da Sociologia.
Por ultimo, escreva um pequeno texto e compartilhe esse texto com seus colegas.
Atividade 2
Pesquise sobre Iluminismo e produza um pequeno texto sintetizando as
ideias e os principais representantes desse movimento e compartilhe com seus colegas
Atividade 3
17
Sobre a ideia de uma sociologia processual em Norbert Elias, leia o texto
de Tatiana Savoia Landini, no endereo
http://www.pg.cefetpr.br/ppgep/Ebook/cd_Simposio/artigos/mesa_debate/art27.pdf e
comente, especialmente, os princpios da sociologia de Elias.
Atividade 4
Antes de prosseguir na leitura do livro, escreva um pequeno texto
indicando como voc responderia essa pergunta. Depois compare suas respostas com as
colocadas a seguir no texto e, caso pense ser necessrio, reformule seu texto.
Atividade 5
Escreva um texto dizendo o que voc entendeu ser a Sociologia e como o
conhecimento pro ela produzido se vincula com a nossa vida. Disponibilize seu texto
para seus colegas de turma e discuta os textos deles. Considerando essa discusso refaa
seu texto.
Atividade 6
Antes de ler algumas possveis respostas a esta indagao, escreva um
pequeno texto, expondo como voc pensa a relao entre Sociologia e docncia. Partilhe
suas reflexes com os colegas de curso.
Atividade 7
Considerando o acima exposto, como voc explicaria a necessidade do
professor se apropriar dos instrumentos da anlise sociolgica para a
sua prtica docente?
Leia o texto as finalidades sociolgicas da educao na formao de
professores, de Telmo H.L. Caria no endereo
hhtp://home.utad.pt/~tcaria/actividades_interesses/AsFinalidadesSocio
logicas.pdf e responda:
Como a Sociologia da Educao pode ajudar os professores a superar
sua relativa passividade diante dos problemas da escola?
Como proposta a resoluo da dicotomia entre subjetivismo e
objetivismo na construo do conhecimento sociolgico?
18
UNIDADE 2
O PENSAMENTO CSSICO EM SOCIOLOGIA E A ANLISE DA
EDUCAO
Resumindo
Nessa unidade, voc iniciou o estudo do pensamento dos tericos
clssicos da Sociologia e conheceu o modo como eles analisaram o fenmeno
educativo. Voc ver que o pensamento clssico em Sociologia tem sua importncia
pelo carter profundo, original e pela repercusso desse pensamento na Sociologia que
hoje elaborado. Voc compreendeu a necessidade de conhecer os conceitos elaborados
e o modo como cada um dos pensadores clssicos aqui estudados realizaram sua anlise
da sociedade. Para o estudo do pensamento clssico em sociologia estamos
considerando as obras de mile Durkheim, Karl Marx e Max Weber. Outros pesadores
poderiam ser acrescidos a esta lista, contudo, considerando a carga horria da disciplina
e seus objetivos, estudaremos somente esses trs tericos fundamentais para a
construo da sociologia como conhecimento.
Introduo
Como voc viu anteriormente, a Sociologia como forma de
conhecimento foi se constituindo graas ao desenvolvimento do pensamento sobre a
sociedade fruto das transformaes da sociedade e do empenho de pensadores que
procuraram desenvolver formas de conhecer a vida social.
Um autor torna-se clssico pela importncia de sua obra para a
continuidade ou mesmo a constituio de um determinado campo de saber. Sua
importncia pode ser constatada pela recorrncia de seus temas ou pela necessidade que
outros autores tm de dialogar com os escritos desses pendores.
19
Sem desconhecer a existncia ou a importncia de outros autores
contemporneos aos que aqui sero estudados por voc, nos concentraremos no
pensamento de mile Durkheim, Karl Marx e Max Weber. Esses autores so
importantes por terem se tornado a base de diferentes correntes tericas hoje presentes
no campo da Sociologia.
2.1 mile Durkheim
Como j dissemos acima, a Sociologia tem nas obras de mile
Durkheim (1858-1917), Max Weber (1864-1920) e Karl Marx (1818-1883) seus
marcos referenciais clssicos. Os dois primeiros desses pensadores marcaram, com os
seus trabalhos, a gnese da Sociologia como foram de conhecimento, procurando
constru-la como campo de conhecimento.
Comearemos o estudo desses clssicos pelo pensamento do francs mile
Durkheim. Antes de estudarmos alguns aspectos de sua obra, veremos alguns dados
biogrficos de Durkheim.
Datas Dados Biogrficos Algumas Obras
1858
Nasce Durkheim em
Epinal, Loraine na
fronteira Nordeste da
Frana
1879 Durkheim entra na Escola
Normal Superior
1882
Concurso de docncia em
Filosofia. Nomeado
professor em Seans eSaint-
Quentin.
1885
Solicita licena para
estudar cincias sociais m
Paris e depois na
Alemanha
1886 Retorna da Alemanha
1887
Nomeado professor de
pedagogia e cincia social
na faculdade de Bourdeaux
Publica os artigos
Estudos recentes da cincia social;
A cincia positiva da moral da Alemanha;
A filosofia nas
20
universidades alems.
1888
Artigo sobre suicdio e naturalidade;
Artigo curso de cincia social aula inaugural.
1893 Defende a tese de
doutorado
Diviso do trabalho social;
Contribuio de Montesquieu na constituio da cincia
social.
1895
As regras do mtodo sociolgico.
1896 Funda o LAnne
Sociologique
1897
O Suicdio
1902 Nomeado para a cadeira de
pedagogia da Sorbonne
1906
Nomeado professor da
cadeira de pedagogia da
faculdade de Letras de
paris, onde ensina
paralelamente sociologia e
pedagogia
A determinao do fato moral
1911
Julgamento da realidade e julgamento de valor
1913
A cadeira eu era titular
passa a denominar-se
cadeira de sociologia
1915 Durkheim perde seu nico
filho, morto na guerra.
A Alemanha acima de tudo
A mentalidade alem e a Guerra.
Quem quis a guerra? As origens da segundo
documentos diplomticos
1917 Morre em Paris
1922
Educao e Sociologia
Educao Mora
Sociologia e Filosofia
1928
O socialismo a definio, seu comeo, a doutrina saint-simoniana.
1950
Lies de sociologia: fsica dos costumes e do
direito.
1955
Pragmatismo e Sociologia
1970
A cincia social e a ao
21
Como voc pode observar no quadro acima as obras de Durkheim que se
refere diretamente educao foram publicadas aps sua morte a partir de notas de
aulas organizadas por ex-alunos seus.
Durkheim preocupou-se em constituir a ento nascente Sociologia como
uma cincia. Para tanto se dedicou a definir, para essa forma de conhecimento que
procurava consolidar, um objeto de estudo e uma metodologia que garantisse um lugar
de conhecimento de homem sobre o mundo.
Ento, qual era para ele o objeto de estudo da Sociologia? Para o francs
mile Durkheim, o objeto de estuda da sociologia eram os fatos sociais. Leia o trecho
do livro As regras do mtodo sociolgico de mile Durkheim, no qual ele define os
fatos sociais:
Para conhecer mais sobre conceitos de fatos sociais leia o trecho retirado do livro
As regras do mtodo sociolgico de mile Durkheim.
Chegamos assim a conceber de maneira precisa qual o domnio da sociologia, o qual
no engloba seno um grupo determinado de fenmenos. O fato social reconhecvel
pelo poder de coero externa que exerce ou suscetvel de exercer sobre os indivduos;
e a presena empreendimento individual que tenda a violent-lo. Todavia, podemos
defini-lo tambm pela difuso que apresenta no interior do grupo, desde que, de acordo
com as precedentes observaes, se tenha o cuidado de acrescentar como caracterstica
segunda a essencial, que ele existe independentemente das formas individuais que toma
ao se difundir.
Em alguns casos, este ltimo critrio ate mesmo mais fcil de aplicar do que o
anterior. Com efeito, a coero fcil de constatar quando ela se traduz no exterior por
qualquer reao direta da sociedade, como o caso em se tratando do direito, da moral,
das crenas, dos usos, e at das modas. Mas, quando no seno indireta, como a que
exerce uma organizao econmica, no se deixa observar com tanta facilidade.
Generalidade e objetividade combinadas podem ento ser mais fcies de estabelecer. A
segunda definio no constitui seno uma forma diferente que toma a primeira; pois o
comportamento que existe exteriormente s consequncias individuais s se generaliza
impondo-se a estas.
Poder-se-ia, todavia, perguntar se esta definio completa. Com efeito, os fatos que
nos fornecem a base para ela so todos eles modos de agir; so de ordem fisiolgica.
22
Ora, existem tambm maneira de ser coletivas, isto , fatos sociais de ordem anatmica
ou morfolgica. A sociologia no se pode desinteressar daquilo que concerne os
substratos da vida coletiva. No entanto, o nmero e a natureza das partes elementares de
que e composta a sociedade, a maneira pela qual esto dispostas, o grau de coalescncia
a que chegaram, a distribuio da populao na superfcie do territrio, o nmero e a
natureza das vias de comunicao, a forma das habitaes, etc., no parecem, a um
primeiro exame, passiveis de se reduzirem a modos de agir, de sentir e pensar.
Contudo, em primeiro lugar, apresenta estes diversos fenmenos o mesmo trao que nos
serviu para definir os outros. Do mesmo modo que as maneiras de agir de que j
falamos, tambm as maneira de ser se impem aos indivduos. De fato, quando
queremos conhecer como est uma sociedade dividida politicamente, como se compem
estas divises, a fuso mais ou menos completa que existe entre eles, no com o
auxilio de uma investigao material e por meio de observaes geogrficas que
poderemos alcan-lo; pois estas divises so morais, ainda quando apresentam algum
ponto de apoio na natureza fsica.
somente atravs do direito pblico que se torna possvel estudar tal organizao, pois
ele que a determina, assim como determina nossas relaes domsticas e cvicas. Tal
organizao no , pois, menos obrigatria do que outros fatos sociais. Se a populao
se comprime nas cidades em lugar de se dispensar nos campos, porque existe uma
corrente de opinio, uma presso coletiva que impe aos indivduos esta concentrao.
No podemos escolher a forma de nossas casas, nem a de nossas roupas; pois uma to
obrigatria quanto a outra. As vias de comunicao determinam de maneira imperiosa o
sentido em que se fazem as migraes interiores e as trocas, e mesmo at a intensidade
de tais trocas e tais migraes, ect., etc. Por conseguinte, haveria no mximo,
possibilidade de acrescentar lista de fenmenos que enumeramos como apresentando
o sinal distintivo do fato social uma categoria a mais, a das maneiras de ser; e como
aquela enumerao nada tinha de rigorosamente exaustiva, a adio no era
indispensvel.
Mas no seria nem mesmo til; pois tais maneiras de ser no passam de maneiras de
agir consolidadas. A estrutura poltica de uma sociedade no mais do que o modo pelo
qual os diferentes segmentos que a compem tomaram o hbito de viver uns com os
outros. Se suas relaes so tradicionalmente estreitas, os segmentos tendem a se
confundir; no caso contrrio, tendem a se distinguir.
23
O tipo de habitao a ns imposto no seno a maneira pela qual todo o mundo, em
nosso redor, e em parte das geraes anteriores, - se acostumaram a construir as casas.
As vias de comunicao no passam de leitos que a corrente regular das trocas e das
migraes, caminhando sempre no mesmo sentido, cavou para si prpria, etc. Sem
dvida, se os fenmenos de ordem morfolgica fossem os nicos a apresentar esta
fixidez, poder-se-ia acreditar que constituem uma espcie parte.
Mas as regras jurdicas constituem arranjos no menos permanentes do que os tipos de
arquitetura e, no entanto, so fatos fisiolgicos. A simples mxima moral seguramente
mais malevel; porm, apresenta formas muito mais rgidas do que os meros costumes
profissionais ou do que a moda. Existe toda uma gama de nuanas que, sem soluo de
continuidade, liga os fatos de estrutura mais caractersticos a estes livres correntes da
vida social que no esto ainda presas a nenhum molde definido.
O que quer dizer que no existe entre eles seno diferenas no grau de consolidao que
apresentam. Us e outros no passam de vida mais ou menos cristalizada. Pode, sem
duvida, ser mais interessante reservar o nome de morfolgicos para os fatos sociais
concernentes ao substrato social, mas sob a condio de no perder de vista que so da
mesma natureza que os outros. Nossa definio compreender, pois, todo o definido, se
dissermos: fato social toda maneira de agir fixa ou no, suscetvel de exercer sobre o
individuo uma coero exterior; ou ento ainda, que geral na extenso de uma
sociedade dada, apresentando uma existncia prpria, independente das manifestaes
individuais que possa ter.
(DURKHEIM, mile. As regras do mtodo sociolgico. 13. ed. So Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1987, p. 8-9).
Durkheim foi influenciado pelo pensamento cientificista do sculo XIX estando
interessado em definir um objeto de estudo e uma metodologia para a Sociologia.
Dada a definio do objeto de estudo da Sociologia e a possibilidade de
reconhec-lo na sociedade, como este objeto poderia ser estudado? Para Durkheim, os
fatos sociais deveriam ser tratados como coisas. O que significa tratar os fatos sociais
como coisas? Significa trat-los como algo que, para ser reconhecido, necessita de um
esforo de pensamento.
Como vivemos cotidianamente imersos na sociedade, temos a iluso de
conhecer os fatos sociais. Por isso Durkheim afirma a necessidade de suspeitar das
24
noes primeiras que formam nosso senso comum, as pr-noes. Considerar os fatos
sociais como coisas reconhecer que eles no so imediatamente imperceptveis, mas
sua compreenso requer o auxlio da cincia. Assim, como essa afirmao, Durkheim
quer indicar a postura intelectual a ser adotada no estudo dos fatos sociais.
E como Durkheim via a educao? Para Durkheim, a educao
considerada um fato social, isto , satisfaz os trs critrios de definio do fato social:
coercitiva (por se impor aos indivduos) exterior ao indivduo (por ser construda
socialmente) e geral.
A coercitividade pode ser percebida na fora que a regra social exerce
sobre o individuo, embora esse possa resistir a ela e essa fora se faa presente e
imperceptvel pela conformao do individuo a ela. No se resiste a era social, contudo,
sem que uma sano seja aplicada ao que se ape a ela.
A exterioridade os fatos sociais em relao ao indivduo pode ser
compreendida considerando que o individuo ao nascer j encontra uma sociedade
constituda e, tambm, que sociedade uma criao da ao de vrios indivduos que
por suas interrelaes vo construindo a vida social.
Sua definio de educao diz que a educao :
[...] a ao exercida, pelas geraes adultas, sobre as geraes que no
se encontram ainda preparadas para a vida social; tendo, por objetivo,
suscitar e desenvolver, na criana, certo nmero de estados fsicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade poltica, no seu
conjunto, e pelo meio social, ao qual a criana, particularmente, se
destine. (DURKHEIM, 1973, p. 41).
Durkheim afirma que em cada um de ns existiriam dois seres: um
individual (constitudo de todos os estado mentais que no se relacionam seno
conosco mesmo e com os acontecimentos de nossa vida pessoal) e outro social (um
sistema se idias, sentimentos e hbitos, que exprimem em ns, no a individualidade,
mas o grupo ou os grupos indiferentes de que fazemos parte). O objetivo da educao
constituir em cada individuo o ser social.
Na educao, teramos uma relao entre desiguais (adulto j portando
a sociedade em si e uma criana, na qual falta esse ser social) e de carter assimtrico
(adulto age sobre a criana, visando criar nela o ser social).
Considerando a necessidade de unidade da sociedade e, ao mesmo
tempo, sua diversificao, a educao se caracterizaria, tambm, segundo Durkheim,
25
por ser ao mesmo tempo uma e mltipla, tendo em vista preparar o individuo para a
vida coletiva e para o meio social especial a que ele particularmente se destinar.
O professor , na viso de Durkheim, a encarnao e a personificao do
dever. Portanto, a autoridade moral a qualidade principal do professor. Essa
autoridade no deve ser exercida tendo como base a violncia fsica, mas a ascendncia
moral do professor.
A liberdade e autoridade no se excluem, estando relacionadas
intimamente, pois, para Durkheim, a liberdade resulta da autoridade bem compreendida.
Ser livre no fazer aquilo que se tem vontade, mas ser dono de si prprio, sabendo agir
segundo a razo, cumprindo o dever. A autoridade do professor deve dotar a criana
desse domnio sobre si mesma pela interiorizao da norma (DURKHEIM, 1073).
A cada perodo histrico e a cada sociedade corresponde um tipo de
educao. Durkheim considera ilusrio querermos educar nossos filhos sem considerar
o perodo e a sociedade que vivemos. Se criarmos nossos filhos com idias avanadas
ou ultrapassadas em relao a nossa poca, a sociedade punir essa inadequao de
formao, pois no permitir ao individuo uma vida conforme seu tempo.
A educao , para Durkheim, um mecanismo importante de reproduo
da sociedade, pois atravs dela se perpetuam pensamentos, maneiras de ser e posies
sociais, sendo, portanto, fundamental para a manuteno da coeso e para a manuteno
da sociedade.
2.2 Max Weber (1864 1920)
Estudaremos agora alguns aspectos da obra do socilogo alemo Max
Weber. Como fizemos com o francs mile Durkheim veremos inicialmente uma
cronologia da vida e obra de Weber.
Como Durkheim, Weber pensou tambm sobre o objeto da sociologia e a
metodologia para o estudo desse objeto.
Datas Dados Biogrficos Algumas Obras
1864 Nasce Max Weber em
Erfurt, na Turinga.
1889 Muda-se para Berlim com a
famlia
26
1882
Inicia o curso de Direito na
universidade de Heildberg,
seguindo tambm cursos de
Economia, Histrias outras
matrias
1889
Apresenta sua tese de
doutoramento sobre histria
das Companhias comerciais
na idade Mdia
1891 Inicia em Berlim a docncia
universitria Histria Agrria Romana
1893 Casa-se com Maria nne
Schnitger
1894
Torna-se professor de
Economia Poltica em
Fribourg
As tendncias na evoluo d
situao dos trabalhadores
rurais na Alemanha Oriental
1896 Torna-se professor
catedrtico em Heildelberg
As causas sociais da
decadncia da civilizao
antiga
1903
Funda com Werber Sombart
os Arhiv fur
Sozialwissenchaft um
Sozialpolitik
1904 Viagem para os Estados
Unidos
Publicao de A tica
protestante e o esprito do
Capitalismo
1910
Funda com Tonniel e
Simmel a Sociedade alem
de Sociologia
1916-1917 Publica trabalhos sobre
Sociologia da Religio
1918 Ministra curso na
Universidade de Viena
1919
Assume a ctedra de
Economia da Universidade
de Munique
1920 Morre Weber em Munique
na epidemia de gripe
1921 publicada Economia e
Sociedade
1923 Histria Geral da Economia
Para o alemo Max Weber, a Sociologia deveria encontrar-se na anlise
da ao social, sendo em cincia compreensiva. E o que Max Weber entendia por ao
social? Para Weber a ao social ocorre quando o sentido pensado pelo individuo
considera a conduta dos outros no momento em que uma ao praticada. Assim, o
27
sentido que d ao social seu carter especfico. A
Sociologia deveria, pois, compreender os significados
existentes nessas aes.
Weber, em seu texto Sobre algumas categorias
da Sociologia Compreensiva, assim define a ao social;
A ao que especificamente tem importncia para a Sociologia
compreensiva , em particular um comportamento que: 1) est
relacionado ao sentido subjetivo pensado daquele que age em
referencia ao comportamento do outros; 2) est co-determinado no seu decurso por uma referencia significativa e, portanto, 3) pode
ser explicado pela compreenso a partir deste sentido mental
(subjetivamente). (WEBER, 1992, p. 315).
Como voc j deve ter percebido a proposio de Weber para a anlise
sociolgica difere de Durkheim especialmente pelo fato de Weber pensar, como voc j viu a
ao social e o sentido como componentes importantes da sociedade. Desse modo, para Weber,
o objetivo primordial da Sociologia captar a relao de sentido da ao humana.
Na perspectiva sociolgica elaborada por Weber, um outro conceito
importante o de tipo ideal. Weber, no texto Objetividade do Conhecimento nas
Cincias Sociais e na Cincia Poltica, assim define tipo ideal:
Obtm-se um tipo ideal mediante a acentuao unilateral de um ou vrios pontos de vista, e mediante o encadeamento de grande
quantidade de fenmenos isoladamente dados, difusos e discretos, que
se podem dar em maior ou menor nmero ou mesmo falar por
completo, e que se ordenam segundo os pontos de vista unilateralmente acentuados, a fim de se tornar um quadro homogneo
de pensamento. impossvel empiricamente na realidade esse quadro,
na sua pureza conceitual, pois trata-se de uma utopia. A atividade historiogrfica defronta-se como a tarefa de determinar, em cada caso
particular, a proximidade ou afastamento entre a realidade e o quadro
ideal [...] Ora, desde que cuidadosamente aplicado, esse conceito cumpre as funes especficas que deles se esperam, em benefcio da
investigao e da representao. (WEBER, 1992, p. 137, grifos do
autor).
Os tipos ideais, como voc pode perceber no pargrafo anterior, so
construes do pesquisador que so usadas para analisar o mundo, no significando que
encontraremos pelo mundo estes tipos ideais. A utilidade da constituio dos tipos
ideais est como afirma Giddens (2005, p. 34), no fato de que [...] qualquer situao no
mundo real pode ser compreendida ao compar-la a um tipo ideal.
A anlise que Weber faz da sociedade capitalista reconhece que h uma
luta latente entre os indivduos pela existncia. Portanto, o conflito parte dessa anlise
28
da sociedade. Assim, existiria na sociedade uma seleo que resultaria desse processo
de luta entre os indivduos nessa seleo social.
Como parte de um contexto de luta, a educao vincula-se aos diferentes
tipos de dominao construdos por Weber. Na escola, como em outras instituies
sociais, temos a presena da dominao.
Para Weber, deve-se entender por dominao a probabilidade de
encontrar obedincia dentre de um grupo determinado para mandatos especficos (ou
para sorte de mandatos). Essa deve encontrar um determinado grau mnimo de
vontade de obedecer e uma crena em sua legitimidade.
Weber concebe trs tipos ideais de legitimidade como base para a
dominao:
1. Racional que se baseia na crena na legalidade das ordenaes
institudas e dos direitos de mando dos chamados por essas
ordenaes a exercer a autoridade: autoridade legal;
2. Tradicional que se baseia na cresa cotidiana da santidade das
tradies que vigoram desde tempos longnquos e na legitimidade
dos que so designados por essa tradio para exercer a autoridade:
autoridade tradicional;
3. Carismtica que se baseia sobre a entrega extracotidiana
santidade, ao herosmo ou exemplaridade de uma pessoa e s
ordenaes por elas criadas ou reveladas: autoridade carismtica.
No texto Os letrados chineses, Weber afirma, embora no pretenda ser
exaustivo, quanto as finalidades da educao, que historicamente:
[...] dos dois opostos no campo das finalidades da educao so: despertar o carisma, isto , qualidades hericas e dons mgicos, e
transmitir o conhecimento especializado. O primeiro tipo corresponde
estrutura carismtica do domnio; o segundo corresponde estrutura
(moderna) de domnio, racional e burocrtico. Os dois tipos no se opem, sem ter conexes ou transies entre si (WEBER, 1982, p.
482)
Desse modo, a educao carismtica corresponderia a dominao
carismtica; educao do especialista, a dominao burocrtica. Weber distinguiu
ainda um terceiro tipo, a do homem culto, expresso empregada por ele no:
[...] sentido de mostrar que o fim da educao no era um tratamento
especializado, seno uma qualidade no modo de viver valorizado como culto. A personalidade culta no sentido cavalheiresco ou
29
asctico ou (como na China) literrio ou (como na Grcia) ginstico-
musical ou (como nos anglo-saxes) na forma convencional do
gentleman era o ideal educativo determinado pela estrutura de domnio e pelas condies sociais de pertencimento amada dos
senhores (WEBER, 1992, p.751 e 752).
Nos diferentes tipos de sociedade, Weber percebe a existncia de relao
entre a posse e um determinado tipo de educao e o estabelecimento de prestgio
social, que redunda muitas vezes em benefcios econmicos e privilgios para seus
consumidores.
Assim, a importncia da anlise de Weber para o estudo da educao
reside especialmente no fato de que Weber concebe a educao para alm da instituio
escolar, destacando, por exemplo, o papel da famlia na formao dos jovens; A
autoridade dos pais e da escola influencia muito alm daqueles bens culturais de carter
(aparentemente) formal, pois forma a juventude e dessa maneira os homens. (WEBER,
1992, p. 172).
Weber concebe a educao e sentido amplo, por exemplo, quando discute
a obra A tica protestante e o esprito do capitalismo, a formao religiosa dos catlicos
protestantes. Assim, para Weber, a educao no se restringia escola, mas em diversas
esferas da sociedade teramos produo, atravs de uma ao educativa, dos homens e
das mulheres.
2.3 Karl Marx (1818- 1883)
Como fizemos com Max Weber e mile Durkheim, colocaremos agora
alguns marcos temporais da vida e da obra de Karl Marx, para que voc possa situ-lo e
seu contexto histrico.
Para Saber Mais
Indicamos a leitura dessa obra como complementar: MARX, Karl; ENGELS, Friedrich.
A ideologia alem. Disponvel em:
< http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv000003.pdf >.
30
Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895) no produziram
um pensamento estritamente sociolgico. Contudo, a aproximao da Sociologia com a
obra por eles escrita foi fundamental para o desenvolvimento da Sociologia.
Datas Dados biogrficos Algumas Obras
1818 Nasce Karl Marx em Trves, na Prssia
renana.
1835 Estudos de direito na Universidade de
Bonn
1836 Estuda Direito, Filosofia e Histria em
Berlim
1841 Doutoramento em Filosofia pela
Universidade de Iena
1842 Redator da Gazeta Renana Escreve artigos diversos
1843
Questo Judaica.
Introduo contribuio
da filosofia do direito em
\Hegel. Manuscritos de
1843.
1844 Conhece Fredrich Engels Manuscritos de 1844. A
sagrada famlia.
1845 Teses sobre Feuerbach. A
ideologia Alem.
1847 Misria da Filosofia
1848 Funda a Nova Gazeta Renana Manifesto do Partido
Comunista
1849 Trabalha assalariado e
capital
1850 As lutas de classe na
Frana
1852 O Dezoito Brumrio de
Luis Bonaparte
1857 Fundamentos da crtica da
economia poltica
1859 Contribuio Crtica da
Economia Poltica
1864
Marx colabora para a criao da
Associao Internacional dos
Trabalhadores (I Internacional)
1865 Salrio, preo e lucro
1867 O Capital, livro I
1871 A guerra Civil na Frana
1875 Crtica do Programa de
Gotha
1883 Karl Marx morre em Londres
1885 O Capital, livro II
31
(publicado por Engels)
1894 O Capital, livro III
(publicado por Engels)
1905 Livro IV de O capital
A obra de Karl Marx refere-se, especialmente, ao desenvolvimento da
sociedade capitalista, embora no se restrinja a ela. A sociedade capitalista caracteriza-
se por ser uma sociedade produtora de mercadoria. No livro 1 de sua obra O Capital,
Marx assim se define mercadoria:
[...] a mercadoria , antes d mais nada, um objeto externo, uma coisa
que, por suas propriedades, satisfaz necessidades humanas, seja qual for a natureza, a origem delas, provenham do estomago ou da fantasia.
(MARX, 1895, p.41).
No pensamento de Marx, ao e
teoria se relacionam intrinsecamente. O seu
interesse de estudo volta-se para a totalidade, o
que implica o estudo do mundo material e do
mundo humano considerados em seu
desenvolvimento histrico.
Assim, a histria da humanidade de
e a histria da relao dos homens com a natureza
e das relaes que os homens estabelecem entre si.
Essas relaes so mediatizadas pelo trabalho
humano. Por isso, trabalho uma categoria central do pensamento de Marx.
Para Marx, o cerne das transformaes da sociedade era a existncia do
conflito entre as diferentes classes sociais. Em cada poca histrica, haveria uma classe
dominante e uma classe dominada, definidas a partir das relaes que estabelecem com
a propriedade dos meios de produo. Na sociedade
capitalista, os capitalistas, que detm capital, formariam classe dominante da sociedade.
A outra parcela da populao, a assalariada, comporia a classe operria. Os conflitos e a
insurreio da classe domina poltica e/ou economicamente proporcionariam a
transformao da sociedade.
Como voc j deve ter percebido, o homem como ser social tem, para
Marx, a caracterstica de ser um ser da prxis, ou seja, um ser cuja atividade cria a
realidade. A prxis constituidora da vida social do homem, sendo o homem um ser
Figura 3. Karl Marx
32
social e histrico que produz e produzido pela sociedade. Dessa forma, a educao
um processo histrico no qual os homens em mtua relao vo se constituindo.
Embora Marx no tenha escrito obras especficas sobre educao, ao
longo de sua obra podemos perceber a preocupao com a formao dos homens e,
portanto com a educao.
Na perspectiva da anlise marxista, o projeto de formao do homem
deve se encaminhar para a superao da separao entre trabalho manual e trabalho
intelectual e realizar a formao do homem completo. E o que seria esse homem
completo? Aquele que surgiria de uma sociedade e uma formao possibilitadora do
desenvolvimento das capacidades humanas, resultante da superao da diviso entre
trabalho manual e trabalho intelectual. Vejamos como a isso se refere Marx, em um
trecho de seu livro A Ideologia Alem;
Com efeito, desde o momento em que o trabalho comea a ser
distribudo, cada um dispe de uma esfera exclusiva e determinada,
que He imposta e da qual no pode sair; o homem caador, pescador, pastor, ou crtico, e a deve permanecer se no quiser perder
seus meios de vida o passo que na sociedade comunista, onde cada um no te uma esfera de atividade exclusiva, mas pode aperfeioar-se no ramo que lhe apraz, a sociedade regula a produo geral, dando-me
assim a possibilidade de hoje fazer tal coisa, amanh outra, caar pela
manh, pescar a tarde, criar animais ao anoitecer, criticar aps o jantar, segundo meu desejo, sem jamais tornar-me caador, pescador,
pastor ou crtico. (MARX, 1986, p.47).
Assim, a diviso do trabalho seria um obstculo importante para a
ampliao ou limitao das capacidades intelectuais de muitos seres humanos. A
formao proposta por Marx envolveria, portanto, mltiplas dimenses do ser humano.
O uso da mo de obra infantil nas fbricas no sculo XIX levou Marx a
propor medidas, procurando disciplinar esse uso e favorecer o desenvolvimento das
crianas. No trecho abaixo, as concepes de Marx sobre educao, especialmente sobre
a educao das crianas proletrias encontram sua formao mais explcita:
Para conhecer mais sobre Trabalho dos adolescentes e das crianas de ambos os
sexos leia o texto abaixo:
Trabalho dos adolescentes e das crianas de ambos os sexos
33
Por adulto, entendemos toda pessoa que j completou 18 anos.
Consideramos a tendncia da indstria moderna a fazer com que crianas e adolescentes
dos dois sexos cooperem no grande movimento da produo social, como um processo
e uma tendncia legitima e razovel, ainda que o reino do capital tenha feito disto uma
abominao.
Numa sociedade racional, qualquer criana, desde os nove anos, deve ser
um trabalhador produtivo, assim como nenhum adulto, de posse de todas as suas
faculdades, pode-se isentar dessa lei geral da natureza. Se quisermos comer, preciso
trabalhar, e no somente com o nosso crebro, mas tambm com as nossas mos.
Entretanto, no atual momento, s devemos nos ocupar das crianas e jovens das classes
trabalhadoras. Julgamos til dividi-los em trs categorias, que devem ser tratadas de
modo diferente. A primeira categoria compreende as crianas entre nove e 12 anos, a
segunda as de 13 a 15 anos, e a terceira os jovens de 16 e 17anos. Propomos que a
utilizao da categoria em qualquer tipo de trabalho na fbrica ou a domicilio, seja
legalmente restrita a duas horas dirias; a da segunda categoria a quatro horas e a
terceira a seis horas. Para a terceira categoria, deve haver uma interrupo, de pelo
menos uma hora, para refeio e recreao.
Seria desejvel que as elementares comeassem a instruo das crianas,
idade antes da idade de nove anos. Mas, no momento, s devemos pensar nas medidas
absolutamente necessria para contra-arrestar as tendncias de um sistema social que
degrada o operrio, a ponto de torn-lo um mero instrumento para a acumulao do
capital; e que, fatalmente transforma os pais em mercadores de escravos que vendem os
seus prprios filhos. O direito das crianas e dos adultos deve ser defendido, uma vez
que eles no podem faz-lo por si mesmos. , portanto, dever da sociedade agir em seu
nome.
Se a burguesia e a aristocracia so negligentes em seus deveres para com
os seus descendentes, um problema delas. Desfrutando do privilgio de membros
dessas classes, essas crianas esto condenadas tambm a padecer dos seus
preconceitos.
O caso da classe operria PE bem diferente. O trabalhador no abe
livremente. Frequentemente, ele muito ignorante para compreender que o verdadeiro
interesse do seu filho, ou as condies normais do desenvolvimento humano, no
entanto. A parte mais esclarecida da classe operria compreende planamente que o
34
futuro da sua classe e, por conseguinte, da especial humana, depende da formao da
gerao operaria que cresce.
Ela compreende, antes de mais nada, que as crianas e os adolescentes
devem ser preservados dos feitos destruidores do sistema atual. E isto s pode ser
realizar pela transferncia da razo social em fora social; o que, nas circunstancias
presentes, s pode ser feito atravs de leis gerais impostas pelo poder do \estado. Ao
imporem tais leis, as classes operrias no estaro fortalecendo o poder governamental.
Ao contrrio, elas estaro transformando o poder dirigido contra elas, em seu agente. O
proletariado far, ento, atravs de uma medida geral, aquele que ele tentaria, em vo,
realizar atravs de uma profuso de esforos individuais.
Por tudo isso, declaramos:
A sociedade no pode permitir nem aos pais, nem aos patres, o emprego
de crianas e adolescentes para o trabalho, a menos que se combine o trabalho produtivo
com a educao. Por educao ns entendemos trs coisas:
1. Educao mental;
2. Educao corporal, tal qual e produzida pelos exerccios
ginsticos e militares;
3. Educao tecnolgica, compreendendo os princpios gerais e
cientficos de todos os processos de produo e, ao mesmo tempo,
iniciando as crianas e os adolescentes no manejo dos
instrumentos elementares d rodos os ramos industriais.
A diviso das crianas e dos adolescentes em trs categorias. De 9 (nove)
e 18 (dezoito) anos, deve corresponder a uma marcha gradual e progressiva em sua
educao mental. Fsica e tecnolgica.
Os gastos dessas escolas tcnicas devem ser cobertos, em parte, pela
venda dos seus produtos.
Essa combinao do trabalho produtivo pago com a educao mental, os
exerccios corporais e a aprendizagem politcnica, elevaria a classe operria bem acima
do nvel das classes burguesas e aristocrtica.
Fica subentendido que o emprego de criana ou adolescente, entre nove e
dezoito anos em qualquer tipo de trabalho noturno, ou em qualquer ramo industrial que
possa acarretar efeitos nocivos para a sade, deve ser severamente proibido pela lei.
(MARX, 1990, p. 147)
35
Como voc pode observar no trecho acima, Marx procurou indicar a
construo de uma educao que compreende a superao da diviso entre trabalho
manual e trabalho intelectual e que possibilite a constituio do homem completo. Em
seu tempo, procurou posicionar-se em relao ao modo como era utilizada, nas fbricas,
a mo de obra infantil, procurando, contudo, defender o princpio da unio entre ensino
e trabalho, cuja separao um fator de limitao do desenvolvimento do ser humano.
Atravs da educao tecnolgica, os trabalhadores poderiam
compreender a organizao do trabalho e transform-lo de modo a ter seus interesses
realizados. No se trata, portanto, de mero treinamento em determinadas habilidades
tcnicas, mas do domnio do modo de organizao da produo.
EXERCCIO DE FIXAO
Atividade 1
Aps a leitura do trecho As regras do mtodo sociolgico de mile
Durkheim, responda:
O que fato social?
Quais as caractersticas do fato social, segundo Durkheim?
Considerando a definio de Durkheim, d exemplos de fatos
sociais.
Atividade 2
Leia o texto de Durkheim no endereo: e responda as seguintes questes:
Sobre a relao educao e trabalho, sugerimos a leitura complementar do
seguinte texto> SAVIANI, Demerval. Trabalho e educao: fundamentos
ontolgicos e histricos. Revista Brasileira de educao, rio de Janeiro, v 12, n.
34, jan./abr. 2007. Disponvel em: <
http://www.scielo.br/scielophp?script=sci_arttex&pid=S1413-
2478200700012&Ing=pt&nrm=iso acesso em: 22 jun. de 007
36
http://www.ufrgs.br/tramse/pead/textos/durkheim.pdf
Quais as crticas dirigidas por Durkheim s definies de
educao que ele analisa em seu texto?
Que critrios Durkheim observou para elaborao de sua
definio de educao?
Por que educao definida em Durkheim como uma e mltipla
ao mesmo tempo?
Por que o carter social da educao uma conseqncia da
definio que Durkheim tem de educao?
Atividade 3
Leio o texto de Alonso Bezerra de Carvalho, Burocracias e educao
moderna: anotaes a partir de Max Weber, no endereo
htt://www.fet.unicamp.br/sipc/anais7/Trabalhos%5CxBurocracia%20e%20Educa%C3
%A7%C3%A3o%20Moderna.pdf , e responda:
Qual a relao entre burocracia e educao?
O que dominao e qual sua relao com a legitimidade?
Qual o papel dos diplomas a dominao burocrtica?
Atividade 4
Observando o conceito de Marx, que exemplos voc daria de
mercadoria?
Atividade 5
Leia o texto Introduo ao capital de Karl Marx de Alex callinicos no
endereo http://www.espacoacademico.com.br/038/38tc_callinicos.htm , e faa um
resumo, procurando compreender especialmente os conceitos de capital, mercadoria,
valor de uso e valor de troca.
Atividade 6
1. Procure conhecer, na sua cidade as condies em que se d a escolarizao
das crianas e dos adolescentes, procurando conhecer os ndices relativos
educao (nmero de matrcula, nmero de crianas em idade escolar e taxas de
37
rendimento escolar), bem como dados sobre trabalho infanto-juvenil. Analise as
repercusses desse trabalho na escolarizao das crianas.
2. Leia o texto Politecnia ou educao tecnolgica: desafios ao ensino mdio
e a educao profissional de Nilson Marques Dias Garcia e Domingos Leite
Lima Filho, disponvel no endereo
http://www.anped.org.br/reunioes/27/diversos/te_domingos_leite.pdf, e
responda:
a) Em que consiste a politecnia?
b) Faa uma sntese das polticas implementares para a educao
profissional.
c) Quais os desafios eu esses autores apresentam para a educao profissional
no presente?
3. Faca um quadro comparativo das concepes de educao de Durkheim,
Weber e Marx.
38
UNIDADE 3
A EDUCAO COMO OBJETO DE ESTUDO DA SOCIOLOGIA, AS
DESIGUALDADES SOCIAIS E AS TRAJETORIAS ESCOLARES
Resumindo
Nessa unidade voc compreendeu alguns dos temas fundamentais da
relao escola-sociedade e analisou o lugar da escola na sociedade. Nela devemos
pensar a especificidade da escola como instituio e sua vinculao a determinados
tipos de sociedade. Sempre existiu algo denominado escola? Que sociedades necessitam
da escola para transmisso de seus valores e conhecimentos? Para o exerccio da
docncia importante perceber os elementos da vida social que influenciam a escola em
sua organizao e funcionamento. Situar a escola histrica e socialmente importante
para compreender seu papel, nossa ao como professores e a constituio dos alunos
como tais. Estudou, pois, alguns aspectos da relao escola e sociedade procurando
compreender o lugar da escola e da docncia na sociedade.
Estudaremos alguns dos modos como te ocorrido a relao famlia e
escola em diferentes camadas sociais procurando compreender o papel da famlia na
escolarizao dos filhos e o modo como a escola tem compreendido e interagido com os
diferentes contextos familiares. Aqui veremos como o estudo de trajetrias escolares
realizados pelas famlias no processo de escolarizao dos filhos. Veremos, tambm
como importante que o professor conhea as lgicas de socializao das famlias de
meio populares e a da escola para exerccio de sua profisso.
39
3.1 A escola como Espao Sociocultural
Talvez voc nunca tenha se perguntado, mas ter a
escola existido desde sempre? O que torna a escola socialmente
necessria? A escola existe em todas as sociedades humanas?
A educao tem um sentido amplo e varia de sociedade
para sociedade e, dentro de uma mesma sociedade, entre os diferentes
grupos sociais que a compem, sendo mais correto falarmos da
existncia de educaes. Assim, a educao ocorre em diferentes
espaos sociais e no somente na escola.
Vivendo em uma sociedade na qual a escola encontra-se
marcantemente presente, voc pode pensar que ela sempre existiu ou
que tenha sido sempre a forma de organizao que hoje conhecemos.
Contudo, preciso saber que a escola resultado de uma construo
histrico-social e que assumiu e tem diferentes formas de organizao. Voc deve estar
se perguntando: por que a escola tem essa caracterstica? Porque ela surgiu e responde
as necessidades sociais de formao que foram se constituindo ao longo da histria das
sociedades humanas.
Assim, o estabelecimento de um espao fsico e um tempo especialmente
destinado ao ensino foi resultado de um processo histrico, no qual a educao foi
assumindo a forma escolar que hoje conhecemos passando a ocorrer sob a orientao de
um grupo profissional especfico: os professores.
Na sua organizao ao longo do tempo a escola, foi se estruturando e
criando, no s a figura do aluno, mas outros sujeitos da ao escolar como vigias,
Em todas as sociedades
temos a presena de
formas de transmisso
entre as geraes de
valores, viso de
mundo, regras de
conduta e classificao
que organizam a vida
social do grupo. A
educao consiste,
pois, nessas formas de
transmisso e ocorre
no s no espao
escolar.
Para termos uma primeira aproximao com o conceito da escola, vejamos essa
definio: Instituio que se prope a construir para a formao de educando como
pessoa e como membro da sociedade, mediante a criao de condies e oportunidades
de ampliao e de sistematizao de conhecimento. O termo Escola considerado
genrico e abrange conceitualmente a escola como instituio social, sua funo e sua
estrutura dentro da sociedade politicamente organizada e administrada. O termo escola
vem do grego schole, que significa descanso ou o que se faz na hora do descanso, pois
na Grcia Antiga a escola era para os que no precisavam trabalhar. (DUARTE, S.G.
DBE, 1986)
40
porteiros, merendeiras, zeladoras, coordenadores, inspetores de alunos, diretores, dentre
outros.
3.2 A Escola: Homogeneidade e Heterogeneidade
Como afirma Antonio Cndido (1977), a escola parte de um
sistema de ensino. Isso torna muito semelhante o conjunto das escolas que
compem esse sistema, mas cada escola tem sua especificidade ligada
sociabilidade nela constituda. Desse modo, no devemos esquecer que,
mesmo considerando a existncia de uma certa homogeneidade, cada escola
torna-se nica pela sua histria, pelas interrelaes entre seus professores,
alunos e servidores tcnico-administrativos e pela relao que ela estabelece
com a comunidade na qual se situa ou que a freqenta.
Apesar dessa heterogeneidade de escolas, a escola cumpre determinadas
funes socialmente definidas, que torna sua existncia necessria. Desse modo,
importante nos perguntarmos; Qual o lugar da escola na sociedade? O que torna sua
existncia necessria?
A escola, alm de der um espao importante de socializao, no qual
os indivduos se preparam para a vida social, tem assumido centralidade na sociedade
moderna, como afirma Meyer (1991, p. 43), por
Ter uma rede de regras que cria classificao pblica de pessoas e conhecimento. Ela define quais os indivduos pertencem a essas
categorias e possuem o conhecimento apropriado. E define quais
pessoas tm acesso as posies valorizadas na sociedade. A educao um elemento central no quadro de organizao da sociedade,
construindo competncias e ajudando a criar profisses e
profissionais.
Assim, a escola uma instituio historicamente constituda como locus
de formao das novas geraes. um espao onde se realiza a transmisso da cultura
socialmente valorizada, sendo tambm espao de convivncia, de conflitos e de
constituio de identidades.
possvel que voc j tenha percebido o quanto a sociedade modera,
mesmo considerando a crise da escola, destaca a escola como uma instituio
importante para a formao de seus membros. Assim voc pode perceber a importncia
da escola como uma organizao fundamental da sociedade. Isso ocorre,
Socializao:
processo por
intermdio do qual
nos tornamos
membros de uma
determinada
sociedade
41
principalmente, pela relevncia que o domnio do cdigo escrito passa a ter nessa
sociedade, pelo lugar da escola na classificao pblica das pessoas conhecimentos e
pela sociabilidade que passa a ser desenvolvida de modo significativo no espao
escolar.
Por isso, voc j deve ter percebido, as pessoas ingressam
cada vez mais cedo no universo da escola e prolongam a permanncia no
sistema escolar com a ampliao das necessidades de escolarizao, fruto
tambm da massificao o sistema escolar. Isso, ao tempo em que se
refora a ao da escola na sociedade, faz surgir novas classificaes e
hierarquizaes para os diplomas e para os espaos escolares.
Por outro lado, a escola passa a ser questionada a parte das
novas formas de constituio e circulao do saber advindas do emprego
de novas tecnologias de comunicao. Espao de disputa, de incluso e
excluso, a escola levada a se recriar e a cada momento em suas prticas
e, ao mesmo tempo, procura manter caractersticas que se consolidaram em seu interior
ao longo dos tempos.
As disputas existentes na sociedade perpassam o universo escolar, sendo
os objetivos da escola legitimados e questionados a partir dos interesses e valores
presentes nos diversos grupos da sociedade.
Desse modo, para Claude Dubar (1990, p.174), a escola j no pode ser
pensada como uma instituio no sentido clssico do tempo, j que esse sentido nos leva
a considerar que uma instituio deva ter [...] uma forte capacidade de integrao
funcional em torno de valores fulcrais [...]. Assim, a escola j no proporcionaria a
integrao funcional dos valores, importante para sua definio como instituio.
Isso ajuda-nos a entender, segundo esse autor, o sentimento de crise da
escola que se tem o que no significa que a escola tenha deixado de funcionar, mas
simplesmente que ela no funcionaria mais como uma instituio. Isso significa
reconhecer a heterogeneidade dos sujeitos presentes na escola e de seus objetivos, que
geram novas modalidades de coordenao de suas aes no espao escolar, e reconhecer
a escola como produtora, tambm, de excluses e desigualdades e como espao de
disputas e conflitos.
Na escola, temos, pois, continuamente, a constituio de interaes
sociais que implicam conflitos e negociaes entre sujeitos sobre aspectos diversos da
realidade escolar. Assim, h na escola uma diversidade de sentidos construdos por seus
Para Claude Dubar
(1996) a escola,
tradicionalmente, teria
funes de
distribuio, educativa
e de socializao, que,
na
contemporaneidade,
tenderiam a se
distinguir e a
constituir-se de modo
separado.
42
sujeitos, o que torna a escola um espao plural, no qual diferentes sujeitos e sentidos
interagem.
Leitura complementar
Um dos temas que apareceram ao longo de nosso estudo sobre a escola
foi o do afastamento da ideia da escola como instituio social. Assim, importante
procurar refletir mais sobre o que seja uma instituio social. O texto abaixo vai ajud-
lo nessa tarefa. Leia co ateno e, ao final da leitura, discuta como a escola hoje se
aproxima ou afasta do modelo de instituio social.
O que uma instituio social?
J definimos a instituio como um padro de controle, ou seja, uma
programao da conduta individual imposta pela sociedade. Provavelmente tal definio
no ter despertado qualquer oposio no leitor, visto que, embora difira da acepo
comum do termo, no entra em choque direto com o mesmo. No sentido usual, o termo
designa uma organizao que abranja pessoas, como, por exemplo, um hospital, uma
priso ou, no ponto que aqui nos interessa uma universidade.
De outro lado, tambm ligado s grandes entidades sociais que o povo
enxerga quase como um ente metafsico a pairar sobre a vida do indivduo, como o
Estado, a economia, ou o sistema educacional. Se pedssemos ao leitor que
indicasse uma instituio, ele provavelmente recorreria a um desses exemplos e no
estaria errado. Acontece, porm que a acepo comum do termo parte duma viso
unilateral. Em termos mais precisos, estabelece ligao por demais estreita entre o termo
e as instituies sociais reconhecidos e reguladas por lei. Talvez isso constitua um
exemplo da influencia que os advogados exercem em nossa maneira de pensar. Seja
como for, no contexto deste trabalho, tornar-se importante demonstrar que, sob a
perspectiva sociolgica, o significado do termo no exatamente este. por isso que
desejamos ocupar um momento da ateno do leitor para, num captulo pouco extenso,
demonstrar que a linguagem uma instituio.
43
Diremos mesmo que muito provavelmente a linguagem a instituio
fundamental da sociedade, alm de ser a primeira instituio inserida na biografia do
individuo. uma instituio fundamental porque qualquer outra instituio, sejam quais
forem suas caractersticas e finalidades, funda-se nos padres de controle subjacentes da
linguagem.
Sejam quais forem as outras caractersticas do Estado, da economia e do
sistema educacional, os mesmos dependem dum acarbouo lingustico de classificaes,
conceitos e imperativos dirigidos conduta individual; em outras palavras, dependem
dum universo de significados construdos atravs da linguagem e que por meio dela
podem perceber atuantes.
Por outro lado, a linguagem a primeira instituio com que se defronta
o individuo. Esta afirmativa pode parecer surpreendente. Se perguntssemos ao leitor
qual a primeira instituio com que a criana entra em contato, ser provavelmente a
famlia que lhe vir mente.
E de certa forma no deixa de ter razo. Para a grande maioria das
crianas a socializao primria tem lugar no mbito duma famlia especifica, quer por
sua vez representada uma faceta peculiar da instituio mais ampla do parentesco na
sociedade a que pertence. No h duvida que a famlia uma instituio muito
importante. [...] acontece, porm, que a criana no toma conhecimento desse fato. Ela
de fato experimenta seus pais, irmos, irms e outros parentes que possam estar por
perto naquela fase.
S mais tarde percebe que esses indivduos em particular, e os atos que
praticam, constituem uma das facetas duma realidade social muito mais ampla,
designada como a famlia. de supor que essa percepo ocorra no momento em que
a criana comea a comprara-se com outras crianas o que dificilmente acontece na
fase inicial da vida. J a linguagem muito cedo envolve a criana nos seus aspectos
macrossociais.
No estgio inicial da existncia, a linguagem aponta as realidades mais
extensas, que se situam alm do microcosmo das experincias imediatas do individuo.
por meio da linguagem que a criana comea a tomar conhecimento dum vasto mundo
situado l for, um mundo que lhe transmitido pelos adultos que a cercam mais que
vai muito alm deles.
44
A linguagem: a objetividade da realidade
Antes de mais nada o microcosmo da criana, evidentemente, que
encontra sua estruturao atravs da linguagem. Esta realiza a objetivao da realidade,
o fluxo incessante de experincias consolida-se, adquire estabilidade numa srie de
objetos distintos e identificveis. Isso acontece com os objetos materiais.
O mundo transforma-se num todo orgnico formado por rvores, mesas,
telefones. Mas a organizao no se restringe distribuio de nomes, tambm as
relaes significativas que se estabelecem entre os objetos.
A mesa pode ser levada para debaixo da rvore se quisermos subir nesta;
e pelo telefone podemos chamar o mdico se algum adoece. A linguagem ainda
estrutura o ambiente humano da criana por meio da objetividade e por estabelecer
Recommended