View
216
Download
0
Category
Preview:
Citation preview
LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA: propostas didáticas
para o ensino da linguagem oral
DÉBORA AMORIM GOMES DA COSTA
LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA: propostas didáticas
para o ensino da linguagem oral
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade
Federal de Pernambuco, como requisito parcial
para a obtenção do grau de Mestre em
Educação.
ORIENTADORA: Profª. Dra. Maria Lúcia F. de F. Barbosa
RECIFE 2006
Costa, Débora Amorim Gomes da
Livros didáticos de língua portuguesa: propostasdidáticas para o ensino da linguagem oral/ DéboraAmorim Gomes da Costa. – Recife : O Autor, 2006.
106 f. ; tab., gráficos. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal
de Pernambuco. CE, 2006. Inclui bibliografia. 1. Livros didáticos. 2. Língua portuguesa –
Estudo e ensino. 3. Linguagem oral. I. Título.
801 CDU (2.ed.) UFPE 410.7 CDD (22.ed.) CE2007-008
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
CURSO DE MESTRADO
LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA: propostas didáticas
para o ensino da linguagem oral
COMISSÃO EXAMINADORA:
RECIFE,
11 de outubro de 2006
“As palavras de nossa boca ou as de nossos atos que são
conhecidas em público nos expõe a uma tentação muito
perigosa, filha desse amor aos louvores, que, para nos fazer
valer, recolhe e mendiga aos pareceres alheios. Essa paixão
ainda me tenta quando eu a critico em mim, e por isso mesmo
eu a critico.”
Santo Agostinho
(Confissões)
A minha mãe, Maria José de Amorim Gomes, como reconhecimento por uma vida de luta na
criação dos filhos;
Ao meu marido, Marco Aurélio Freire Maciel, com muito amor;
Ao meu irmão, David Amorim Gomes da Costa que é especial em minha vida.
AGRADECIMENTOS
A Deus, pela força diária para prosseguir na construção desse trabalho;
Ao meu marido Marco Aurélio Freire Maciel,
cuja companhia me aliviou a solidão da escrita...
Aos meus pais,
que lutaram por essa conquista;
À Maria Lúcia,
minha orientadora, pela competência e tranqüilidade com que conduziu a orientação
desse trabalho;
pela parceria, amizade e compreensão;
À Lenira Silveira,
que me apresentou à Educação Real;
pelo seu carinho e amizade;
Aos(as) professores(as) do Programa de Graduação em Pedagogia, do Centro de Educação, da
Universidade Federal de Pernambuco,
em particular aos profº. Alfredo Gomes e Artur Morais
que contribuíram com a minha formação enquanto pesquisadora.
Às profª Telma Leal e Ângela Dinisio,
pela rica contribuição na ocasião da qualificação do meu projeto de pesquisa;
Às profª Lívia Suassuna, Kátia Barreto e Emília Lins,
pela colaboração na construção desse trabalho, pelo carinho e atenção.
À Equipe do Centro de Estudos em Educação e Linguagem (CEEL),
em nome da professora Telma Leal, por me oportunizar crescer enquanto educadora.
Aos(as) professores(as) do Programa de Pós-Graduação em Educação,
que possibilitaram a concretização do mestrado,
mostrando-me que este é apenas um passo;
À turma da graduação e do mestrado,
pela oportunidade de conviver com pessoas especiais, em particular, as amigas
Lenira, Dilian, Aldeniza, Margareth e ao querido Everson Melquíades (Mel).
A João Neto,
em nome dos que fazem a secretaria do mestrado,
pela atenção e solicitude.
SUMÁRIO
EPÍGRAFE DEDICATÓRIA AGRADECIMENTOS
RESUMO ABSTRACT SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................................
PERCURSO METODOLOGICO: os caminhos para a análise do objeto de investigação......
10
13
CAPÍTULO 1 –
REFLEXÕES SOBRE LINGUAGEM ORAL E ENSINO.............
16
1.1 Concepções de linguagem: implicações para o ensino de língua
portuguesa....................................................................................
18
1.2 Gêneros textuais: reflexões sobre o ensino.................................. 22
1.3 Linguagem oral: investigações..................................................... 26
CAPÍTULO 2 –
ORALIDADE E LETRAMENTO COMO PRÁTICAS SOCIAIS
31
2.1 Fala e escrita: continuum dos gêneros textuais............................ 35
2.2 Fala e escrita: graus de formalismo.............................................. 38
2.3 Fala e escrita: variação dialetal..................................................... 39
CAPÍTULO 3 –
LIVRO DIDÁTICO: UM PANORAMA DO SEU PROCESSO
AVALIATIVO.................................................................................
46
3.1 Programa Nacional do Livro Didático: princípios avaliativos.....
48
CAPÍTULO 4 –
ANÁLISE DOS RESULTADOS: ESTRATÉGIAS DE ENSINO PARA O TRABALHO COM A ORALIDADE..............................
53
4.1 Produção e compreensão oral de gêneros textuais....................... 55
4. 2 Multimodalidade discursiva......................................................... 65
4.3 Reflexão sobre as modalidades de uso da língua......................... 69
4.4 Variantes lingüísticas...................................................................
79
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................... 93
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................................... 99
RESUMO
Este trabalho analisa as propostas didáticas para o ensino da linguagem oral em duas coleções de livros didáticos recomendadas pelo Programa Nacional do Livro Didático – PNLD 2004 (“Português uma Proposta para o Letramento” e “Vitória-Régia - Língua Portuguesa”), com vistas a saber se as atividades presentes nesses manuais contribuem para que os alunos se apropriem das práticas discursivas da oralidade. Para a análise do objeto investigado, realizamos uma análise temática de conteúdo através da abordagem de pesquisa qualitativa. Na construção das categorias, apoiamo-nos na abordagem indutivo – construtiva, que toma os dados como ponto de partida para a construção das categorias. Subsidiamos a discussão teórica à luz da noção de língua como prática discursiva, recorremos a autores tais como Bakhtin (1992), Marcuschi (2001), Schneuwly e Dolz (2004), e, no tocante a reflexão sobre os livros didáticos, apoiamo-nos em Batista (1999), Batista e Costa Val (2004) e Lajolo (1996). Em nossa análise, evidenciamos que as coleções exploram gêneros textuais que circulam em esferas públicas e privadas, oportunizando um espaço de reflexão sobre a produção oral em registros formais e informais. No que diz respeito ao trabalho com a modalidade oral, os gêneros textuais apresentados ajudam a reflexão sobre os recursos multimodais utilizados pela fala na produção discursiva. Quanto à relação fala e escrita, observamos que as coleções exploram o tema em perspectivas diferenciadas. Enquanto a primeira coleção evidencia as múltiplas relações entre a fala e a escrita, a segunda enfatiza as diferenças entre as modalidades de uso da língua, não favorecendo uma reflexão que leve em conta o continuum tipológico. As atividades que contemplam a variação lingüística, em ambas as coleções, não credenciam a oralidade como portadora exclusiva dessa propriedade, concebendo a variação como elemento constitutivo das línguas. Mas, no que diz respeito à variação de registro, encontramos na segunda coleção, propostas que demonstram fragilidade ao tratar os graus de formalismo, conduzindo a uma reflexão que pode favorecer a um equívoco conceitual no aprendiz. Os Manuais dos Professores oferecem ajuda aos docentes no sentido de operacionalizar as atividades ampliando as propostas para os alunos, oportunizando, por vezes, uma maior reflexão sobre a oralidade. Concluímos o estudo mostrando que as propostas apresentadas pelas coleções instrumentam o aluno a fazer uso das diferentes práticas discursivas, entretanto, ainda é perceptível, na segunda coleção, problemas nos encaminhamentos de atividades que podem conduzir a uma reflexão equivocada sobre a linguagem oral. Dessa forma, consideramos que ainda há um percurso a ser construído no sentido de efetivar o trabalho com a oralidade em sala de aula como um eixo de ensino de língua portuguesa, sobretudo, no que concerne aos livros didáticos de língua portuguesa, para que a linguagem oral se efetive enquanto conteúdo a ser ensinado e adquira consistência nas propostas pedagógicas.
Palavras-chave: linguagem oral; livros didáticos; ensino.
ABSTRACT
This work analyses pedagogical propositions for teaching oral language based on two collections of pedagogical books recommended by “Programa Nacional do Livro Didático – PNLD - 2004” (“Português uma Proposta para o Letramento” e Vitória-Régia - Língua Portuguesa”), with the vision of knowing if the available strategies in these manuals contribute so that the students could make themselves suitable for the practical discourses or speeches of orality. For the analysis of the investigated object, we realized one subject analysis of content through the approach of qualitative research. In the construction of the categories, we supported ourselves in the inductive-constructive approach, that takes the guide as a starting point for the construction of the categories. Subsidizing the theoretic discussion for the clearness of language notion as practical discourse, we remember authors such as Bakhtin (1992), Marcuschi (2001), Schneuwly and Dolz (2004), and, inclusively the reflection about the pedagogical books, we supported ourselves in Batista (1999), Batista and Costa Val (2004) and Lajolo (1996)”. From our analysis, we made clear that the collections explore text genres that circulates in public and private spheres, opportuning a space of reflection about the oral production in both formal and informal registers. Talking about work with an oral modality, the text genres presented, help the reflection about the multimodal resources utilized by speech in discourse production. As much to the relation speech and writing, we observed that the collections explore the subject in differentiated perspective. While the first collection clarifies the multiple relations between speaking and writing, the second emphasizes on the difference between the modalities of use of the language, not favouring a reflection that takes account of the continuum logic-type. The activities that contemplate on the linguistic variation, in both collections, do not take orality as an exclusive carrier of this property, conceiving the variation as constitutive element of languages. But, in what is called respect to the variation of register, we find in the second collection, propositions that demonstrate fragility in treating the degrees of formalism, conducting one reflection that can favour one notional error in the students. The professors’ manual offers help to the instructor in the sense of puting into operation the activities and thus increasing the proposals for the students, opportuning, at times, one great reflection about orality. We conclude the study by showing that the proposals presented through the collections enables the student to make use of the different practical discourses, meanwhile, it is still noticeable, in the second collection, problems in the direction than can conduct a mistakened reflection about oral language. From this form, we consider that there is still one route to be constructed in the sense of executing the work with classroom orality as a teaching axis of portuguese language, mainly, in the pedagogical books of portuguese language, so that oral language can execute itself depending on the content to be taught and acquire consistency in pedagogical propositions.
Key-words: oral language; pedagogical books; teaching.
INTRODUÇÃO
A década de 1980 foi marcada por discussões que se centravam em torno de um
ensino de língua materna que visasse desenvolver habilidades que favorecessem a
competência comunicativa1 do aprendiz. As concepções de língua e linguagem advindas das
mudanças nos domínios dos estudos da linguagem, particularmente das teorias do uso como a
análise do discurso, por exemplo, passaram a considerar a noção de língua distanciado-a da
concepção de sistema ou código, assim como da noção de gramática normativa. A língua
passa a ser vista como interação entre sujeitos situados sócio-historicamente, em situações
particulares de comunicação. Nesse sentido, o centro do trabalho pedagógico deveria ser
ocupado por um ensino de conteúdos de natureza procedimental como leitura, produção de
textos e práticas orais.
No tocante ao ensino das práticas orais, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs),
passaram a atribuir à escola a responsabilidade de instrumentar o aluno para o domínio da
linguagem oral, reconhecendo que a escola deve proporcionar um ambiente que respeite a
diversidade, mas tendo o dever de ensinar-lhe os usos da língua adequado a diferentes
situações comunicativas (BRASIL, 1996).
Ao contemplar as discussões teórico-metodológicas que adentraram o cenário
educacional, o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), que ao lado dos PCNs vem
norteando as mudanças dos materiais didáticos disponibilizados aos professores, requisitou
dos Livros Didáticos (LDs) investimento no trabalho com a oralidade, estabelecendo
exigências que também devem ser seguidas para que os LDs possam ter sua indicação
efetivada no Guia do Livro Didático.
Mesmo com todas as exigências do Programa, pesquisas indicam que os LDs
analisados pelo PNLD e indicados no Guia do Livro Didático apresentam problemas que
persistem após a avaliação, demonstrando uma incipiência no trabalho com a oralidade e
apontando para a necessidade de se pesquisar de forma intensa a linguagem oral. Segundo
afirmam Schneuwly e Dolz (2004), o ensino da linguagem oral e de seu uso ocupa um lugar
limitado nas escolas em conseqüência das poucas indicações metodológicas e didáticas e de
lacunas apresentadas na formação dos professores. Assim, temos no cenário educacional dois
fatores cruciais: professores sem formação para efetivar o ensino da linguagem oral e livros
didáticos que claudicam em suas propostas de ensino da oralidade.
1 A competência comunicativa corresponde ao desenvolvimento da capacidade de produzir e compreender textos orais e escritos nas mais diversas situações de comunicação (TRAVAGLIA, 1997).
O ponto central na discussão sobre a efetivação do trabalho com a linguagem oral nas
práticas escolares é especificar o lugar e o papel da oralidade, contemplando a contribuição de
tal estudo para o ensino de língua. Essa observação é feita por Marcuschi (2005) que indica
alguns aspectos centrais que podem ser explorados no estudo da fala. De acordo com o autor,
podemos tratar de temas como a Variação e mudança da língua, abordando as questões da
não uniformização da língua. É possível também analisar os níveis de uso da língua e suas
formas de realização, evidenciando as mudanças nos diferentes registros. Outro aspecto que
pode ser abordado é a exploração das Relações que a fala mantém com a escrita, em um
processo de influências múltiplas, entre outras abordagens. Marcuschi caminha baseado no
que propõem os PCNs (1996) como aspectos do oral que devem ser objetos de reflexão nas
práticas de ensino-aprendizagem, tanto em produção como em compreensão.
Nossa pesquisa torna-se importante no cenário educacional devido à grande escassez
de estudos referentes ao ensino da oralidade e à necessidade de maior exploração em relação
aos procedimentos didáticos na área de ensino da Língua Portuguesa. A intenção é colaborar
para a discussão de que os livros didáticos cheguem às escolas públicas e privadas
apresentando cada vez mais condições de proporcionar, aos aprendizes, acesso a um ensino de
qualidade, em sintonia com as exigências sociais contemporâneas.
Investigamos as coleções “Português uma Proposta para o Letramento” (C1) e
“Vitória-Régia - Língua Portuguesa” (C2), destinadas às séries iniciais do ensino fundamental
(1ª a 4ª). Escolhemos trabalhar com coleções de livros didáticos de 1ª a 4ª séries por
entendermos que, mesmo nos anos iniciais de escolarização a criança realiza reflexão sobre os
fenômenos da língua, devendo estar, portanto, em contato com diferentes práticas discursivas
da oralidade, a fim de ampliar a sua competência comunicativa.
Para nortear nosso estudo, no tocante às discussões sobre a oralidade, buscamos
subsídios em Bakhtin (1997); Bronckart (1999); Schneuwly e Dolz (2004); Fávero (2000);
Marcuschi (2002); Possenti (2000); Soares (1998); Traváglia (1995), autores esses que
concebem a língua como interação, estando assim em concordância quanto à concepção
enunciativa da língua. Para traçarmos um panorama da situação dos LDs, partindo da
intervenção do PNLD, fundamentamo-nos em Batista (1999, 2001); Batista e Costa Val
(2004); BRASIL-SEF/MEC (1996). Programa Nacional do Livro Didático/Guia do livro
didático: 1a a 4a séries (2004), a fim de compreendermos o processo avaliativo dos manuais
didáticos, após a implantação do PNLD em diferentes edições, já que o nosso objeto de
investigação encontra – se localizado em manuais indicados pelo referido documento.
O nosso estudo encontra-se organizado em quatro capítulos. No primeiro capítulo,
Reflexões sobre linguagem oral e ensino, teceremos algumas considerações sobre as noções
de oralidade, fala, língua e linguagem, em seguida discutiremos as concepções de linguagem,
a fim de compreender as implicações dessas para o ensino-aprendizagem de língua na escola.
Ainda neste capítulo abordaremos a questão dos gêneros textuais como instrumentos
mediadores do ensino de língua.
No segundo capítulo, Oralidade e letramento como práticas sociais, tratamos da
parceria que o oral tem com o escrito, em suas múltiplas relações. Tratamos também da
variação lingüística, apresentando essa dimensão como fator característico da essência da
língua em suas modalidades de uso.
No terceiro capítulo, O Livro Didático em Foco: explicitando o processo avaliativo,
trazemos um resgate histórico sobre os livros didáticos e a sua presença no espaço escolar.
Resgataremos também algumas informações sobre a implantação do Programa Nacional do
Livro Didático (PNLD) ao longo de várias edições, em busca de compreender os impactos do
processo avaliativo para a formulação dos livros didáticos.
No quarto capítulo, Estratégias de Ensino para o Trabalho com a Oralidade,
investigamos um conjunto de atividades relevantes na compreensão do nosso objeto de estudo
para tratar a questão da oralidade. As atividades estão distribuídas em quatro categorias: 1.
Produção e compreensão oral de gêneros textuais, na qual analisamos atividades que
tratam da produção oral variados de gêneros textuais; 2. Multimodalidade discursiva, em
que são enquadradas as atividades que buscam evidenciar os recursos utilizados pela fala em
sua produção de sentido; 3. Reflexão sobre as modalidades de uso da língua, em que
trazemos as atividades que se destinam a tratar das relações entre as duas modalidades de uso
de língua; 4. Variantes lingüísticas, em que são analisadas atividades que contemplam a
língua em constante processo de transformação, assim como as mudanças nos registros
condicionadas pelos graus de formalismo.
Concluindo o estudo evidenciamos que as propostas apresentadas pelas coleções para
o trato com a linguagem oral sinalizam encaminhamentos que favorecem ao aprendiz quanto
ao desenvolvimento de competências lingüísticas que lhes assegurem produzir e ler textos nos
mais variados contextos de sua vida privada e pública. Entretanto, observamos que na
segunda coleção são presenciados encaminhamentos que não apresentam clareza na forma de
conduzir a reflexão, pois a oralidade passa a ser analisada a partir da escrita, não sendo
considerada enquanto objeto de reflexão autônoma.
PERCURSO METODOLÓGICO: os caminhos para a análise do objeto de investigação
Nossa pesquisa propôs-se investigar as estratégias didáticas para o ensino da
linguagem oral nos manuais didáticos dos anos iniciais do ensino fundamental (1ª a 4ª séries),
buscando compreender se as estratégias presentes nesses manuais contribuem para que os
alunos se apropriem das práticas discursivas da oralidade. As coleções utilizadas como fonte
de análise (Português uma Proposta para o Letramento e Vitória Regia – Língua Portuguesa)
são recomendadas com distinção pelo Guia do Livro Didático - PNLD-20042. Escolhemos
coleções indicadas na categoria de maior destaque por perceber que o PNLD as tomam dentre
as que melhor representam um ensino voltado para a reflexão para as áreas de leitura,
produção e reflexão sobre o uso da língua.
Dentre as cinco coleções indicadas com distinção, selecionamos duas para a análise. A
escolha se deu de forma aleatória, visto que, na seção em que o PNLD avalia o trabalho com a
oralidade desenvolvido pelas coleções, não há elementos que as indiquem com destaques no
que diz respeito ao tratamento da linguagem oral. Após a escolha dos manuais, observamos os
pareceres do programa3 sobre as coleções, para quem a C1 “apresenta uma proposta criativa,
inovadora e interessante para desenvolver as habilidades necessárias para o uso da língua” e a
C2 tem “uma proposta inovadora, consistente e correta, que procura realizar o ensino de
língua integrando o uso e a reflexão” (PNLD - GUIA DO LIVRO DIDÁTICO, 2004, p. 162,
171).
Para a análise do fenômeno investigado submetemos as coleções a uma análise
temática de conteúdo (BARDIN, 1997), com base em uma abordagem qualitativa, a qual,
segundo Minayo (1994, p 21-22, 1999, p. 21, 22), compreende “o universo de significados,
motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes”, avançando no sentido de buscar contemplar
de forma aprofundada o mundo dos significados das ações e relações humanas. Acreditamos
que os elementos citados pela autora encontram-se nas falas, nos documentos e em qualquer
texto produzido por seres humanos. Para a construção das categorias tomamos os dados como
ponto de partida o que, segundo Moraes (1999), desenha uma abordagem indutivo-
2 Neste estudo, identificaremos os livros didáticos e manuais de professor por siglas, numerais e letras a eles associados, o que indicará os livros, as coleções, a série e a página onde aparecem as atividades ou determinados conteúdos. Por exemplo, (LD) Livro Didático; (C1/L1/U1:20) refere-se à Coleção Português uma Proposta para o Letramento (para efeito de simplificação C1), 1ª série, 1ª Unidade, Página 20; (MP/C1/L1:63), refere-se a Manual do Professor, Coleção 1, Livro 1, Página 63. 3 Recorremos ao PNLD (2004) para escolhermos as coleções a serem analisadas, entretanto não foi com base nos pareceres avaliativos, apresentados nas resenhas, que se efetivou a seleção dessas coleções.
construtiva, tendo como finalidade construir uma compreensão dos fenômenos investigados,
não se propondo generalizar ou testar hipótese.
Ainda justificando a abordagem indutivo-construtiva, convém acrescentar que,
segundo Lincoln e Guba (In: MORAES, 1999) são necessários para a realização dessa
abordagem, o método de indução analítico e o método de comparação constante, pois tanto
um (método de indução analítico) como o outro (método de comparação constante) se
fundamentam na indução, processo em que as regras de categorização são elaboradas ao
longo da análise, e fazem intensa utilização do conhecimento tácito do pesquisador como
fundamento para a constituição de categorias. Tanto as categorias como as regras de
categorização são permanentemente revistas e aperfeiçoadas ao longo de toda a análise.
A análise dos dados coletados foi precedida de um levantamento dos exercícios
propostos pelas coleções por série4. Agrupamos os exercícios considerando os seus aspectos
comuns e mais relevantes. Coletamos também a proposta para cada atividade/exercícios
presente no manual do professor, em cada coleção, a fim de observarmos as recomendações
gerais no tocante ao trato com a linguagem oral, assim como os objetivos das
atividades/exercícios.
Nossas categorias emergiram a partir da evidência empírica da recorrência de
determinado conjunto de informações que apresentavam características comuns e ou
relacionadas entre si. Como sabemos, na abordagem indutivo-construtiva as categorias são
resultantes de um processo de construção ao longo do trabalho, através da sistematização e
analogia (MORAES, 1999). Nela, o pesquisador necessita debruçar-se sobre a leitura
exaustiva dos dados, a fim de filtrar o essencial em função do que se propõe pesquisar,
resultando na emergência das categorias. Dessa forma, tomamos para análise atividades
através das quais se pôde perceber as principais idéias das coleções para explorar o tema
linguagem oral.
A análise se realizou considerando que:
Enquanto esforço de interpretação, a análise de conteúdo oscila entre os dois pólos do rigor da objetividade e da fecundidade da subjetividade. Absolve e cauciona o investigador por esta atração pelo escondido, o latente, o não latente, o potencial de inédito (do não dito), retido por qualquer mensagem (BARDIN, 1977, p.9).
4 Vale salientar que, neste estudo, não enfocamos atividades direcionadas para a leitura do texto em voz alta, ou mesmo sinalizações para a discussão de um texto escrito, visto que estes exercícios não apresentam encaminhamentos para o aluno, tampouco para o professor, que se efetive enquanto momento de reflexão sobre a linguagem oral, pois o objetivo está ligado a oralização da escrita ou mesmo à interpretação textual.
Essa compreensão nos fez avançar em direção à especificidade de nosso objeto de
investigação, procurando assim tratar os dados, observando “o que está por trás dos conteúdos
manifestos, indo além das aparências do que está sendo comunicado” (GOMES, 2004), visto
que, algumas concepções de ensino podem estar subjacentes às propostas de atividades,
necessitando de uma análise cuidadosa do investigador.
CAPÍTULO 1. REFLEXÕES SOBRE LINGUAGEM ORAL E ENSINO
Considerando que este trabalho se destina a investigar as propostas didáticas para o
ensino da linguagem oral, é fundamental que apresentemos as noções de oralidade, fala,
linguagem e língua que estamos adotando neste estudo, uma vez que essas noções não se
relacionam de forma estanque, mas se imbricam, sendo importante definir cada uma delas.
Compreendemos a oralidade como prática social interativa que se apresenta através de
gêneros textuais materializados na realidade sonora em contextos que variam da formalidade
à informalidade. A comunicação oral além de se utilizar de meios lingüísticos ou prosódicos,
utiliza-se também de signos de sistemas semióticos não lingüísticos, desde que codificados,
isto é, convencionalmente reconhecidos como significativos. É assim que as mímicas faciais,
as posturas, os olhares, a gestualidade do corpo, ao longo da interação comunicativa, vem
confirmar ou invalidar a codificação lingüística, e / ou prosódica, e até mesmo substituí-la
(LÉON, 1993 citado por DOLZ & NOVERAZ, 2004).
A fala, por sua vez, é uma produção textual-discursiva que se manifesta na oralidade e
se caracteriza pelo uso da língua atraves de sons articulados e significativos, bem como por
aspectos prosódicos e uma série de recursos expressivos como a gestualidade, os movimentos
corporais e as mímicas (MARCUSCHI, 2001). Todos os recursos verbais (escritos ou orais) e
visuais (estáticos ou dinâmicos) presentes na fala, assim como na escrita, funcionam juntos na
construção de sentidos do enunciado. Por isto diz-se que “a fala é multimoldal, visto que se
realiza através de recursos verbais e visuais” (DIONISIO, 2005, p. 178).
A linguagem designa a faculdade humana de usar signos com objetivos cognitivos. A
partir dela a espécie humana alcançou o status de homo sapiens, ou seja, de sujeitos
reflexivos, tornando-se assim seres sociais ‘racionais’. Nesse sentido, a linguagem é inata e
geneticamente transmitida pela espécie humana (MARCUSCHI, 2001). Como afirma
Castilho (citado por Xavier e Cortez, 2003), a linguagem é um meio de comunicação que
ultrapassa o meio verbal. Pode ser assim representada pela comunicação através de sinais, de
gestos, de movimentos corporais do indivíduo, o que lhe confere uma amplitude maior que a
língua.
A língua, por sua vez, é uma das tantas manifestação concreta, do sistema de
comunicação humano, desenvolvida socialmente por comunidades lingüísticas e que se
manifesta como atividade sócio-cognitiva para a comunicação interpessoal. Para Mollica
(2003), a língua constitui a base cognitiva dos seres humanos, facultando-lhes as habilidades
de construir, transmitir, receber e interpretar mensagens com conteúdos significativos, de
modo a capacitar os ouvintes, bem como os surdos, a pensar, raciocinar, sentir, sonhar,
lembrar, projetar metas, assim como processar outras ações sócio-interacionais.
A propósito ainda da concepção de língua, Geraldi (2003, p. 78) mostra que:
A língua é o produto de um trabalho social e histórico de uma comunidade. É uma sistematização sempre em aberto. Contém, caracteristicamente, processos de relativas estabilidades e de estabilidades constantes. Esse movimento entre a estabilidade e a instabilidade constitui o que eu chamaria de sistematização, que permite, por sua vez, o trabalho do novo com a língua. É um produto de um trabalho do qual ela mesma é instrumento.
A partir do que afirmam os autores supracitados, a língua é concebida como fenômeno
social e historicamente construído em processo constante de transformação pela comunidade
dos falantes e, nos processos interativos do discurso, ela se modifica e é modificada,
encontrando-se em construção permanente.
1.1 – Concepções de linguagem: implicações para o ensino de língua portuguesa
É um lugar comum no debate acerca do ensino de língua o fato de a adoção das
concepções de linguagem ser um ponto central na estruturação da prática pedagógica, tendo
em vista que o próprio ensino de língua vem sendo repensado de modo a adequar-se às
mudanças teóricas, sobretudo no que se refere à adoção da perspectiva sócio-interacionista de
língua (TRAVAGLIA, 1995).
A linguagem é concebida em três perspectivas, a estruturalista - que compreende a
linguagem como expressão do pensamento; a transformacionalista – que compreende a
linguagem como instrumento de comunicação; e a enunciativa – que concebe a linguagem
como processo de interação.
Na primeira concepção, a linguagem é construída internamente, sendo posteriormente
exteriorizada, assim os enunciados são criados de forma isolada, sem a participação do outro
nem do meio em que é produzida. Essa visão monológica da linguagem desconsidera a
palavra em sua evolução histórica (BAKHTIN, 1992), centrando-se na idéia de que é
necessário que se obedeça a regras para que haja a organização do pensamento e da
linguagem. São essas regras que aparecem nas gramáticas normativas definindo a fala e a
escrita corretas (TRAVAGLIA, 1995). Essa maneira de conceber a linguagem é reducionista,
tendo em vista que desconsidera a sua dimensão constitutivamente enunciativa como mostra o
excerto:
o centro organizador de toda enunciação, de toda expressão, não é interior, mas exterior: Está situado no meio social que envolve o indivíduo [...] a enunciação é um puro produto da interação social, quer se trate de um ato da fala determinado pela situação imediata ou pelo contexto mais amplo que constitui o conjunto das condições de vida de uma determinada comunidade lingüística (BAKHTIN, 1992, p.121).
Geraldi (1997, p.11) reitera esta concepção ao recorrer a seguinte citação de Franchi
(1977, p. 22):
Não há nada imanente na linguagem, salvo a sua força criadora e constitutiva, embora, certos “cortes” metodológicos e restrições possam mostrar um quadro estável e construído. Não há nada universal, salvo o processo – a forma, a estrutura dessa atividade. A linguagem, pois, não é um dado ou resultado, mas um trabalho que dá forma ao conteúdo de nossas experiências, trabalho de construção, de retificação do “vivido” que ao mesmo tempo constitui o sistema simbólico mediante o qual se opera sobre a realidade e constitui a realidade como um sistema de referência em que aquele se torna significativo
Como afirma Franchi, não devemos negar elementos universais e imanentes na
linguagem, assim como não podemos compreendê-la deslocada de sua historicidade, pois o
trabalho lingüístico constitui um processo dinâmico de criação do novo, modificação e
utilização do que foi criado anteriormente. Portanto, a linguagem não é “nem um eterno
recomeço nem um eterno repetir”, tendo em vista que há um processo ativo em que os
indivíduos constroem e reconstroem a língua, bem como os seus sentidos (GERALDI, 1997).
Na segunda concepção, a linguagem é vista como instrumento de comunicação, como
um código5 (conjunto de signos que se combinam segundo regras) devendo ser dominado
pelos falantes (emissor/ receptor) de forma semelhante, preestabelecida, convencionada para
que se efetive a comunicação (TRAVAGLIA, 1995). Podemos perceber a dimensão
uniformizadora dessa concepção, que despreza a língua em seu processo histórico, vendo-a
como produto acabado a ser transmitido a outras gerações, como se ela pudesse existir
dissociada do processo de criação verbal. Fica evidente que a participação do falante,
enquanto produtor, é desprezada, uma vez que “os indivíduos não recebem a língua pronta
para ser usada, eles penetram na corrente da comunicação verbal; ou melhor, somente quando
mergulham nessa corrente é que sua consciência desperta e começa a operar (...) os sujeitos
não “adquirem” sua língua materna; é nela e por meio dela que ocorre o primeiro despertar da
consciência” (BAKHTIN, 1992, p.108).
5 Segundo Travaglia (1995), “Essa concepção levou ao estudo da língua enquanto código virtual, isolado de sua utilização – na fala (cf.Suassure) ou no desempenho (cf. Chomsky)”.
Esta afirmação mostra a insuficiência da concepção estruturalista e
transformacionalista, cuja visão monológica e imanente da linguagem limita-se a análise do
funcionamento interno deste objeto, desconsiderando a sua relação com as práticas da
realidade social. Nesse sentido, o domínio da língua é restringido a formas mecânicas, à parte
do processo histórico e da comunicação verbal concreta (BAKHTIN, 1992).
Na terceira perspectiva, a linguagem é concebida como forma ou processo de
interação. Para esta corrente teórica, o uso da língua não se limita a tradução e exteriorização
do que se pensa ou a transmissão de informações, mas visa, sim, à interação entre os
interlocutores, mediando as ações que estes exercem uns sobre os outros. A língua é
observada em seu funcionamento social, cognitivo e histórico, na produção de sentidos, de
forma situada, em um contexto sócio-histórico e ideológico6 (TRAVAGLIA,1995;
BAKHTIN, 1992; MARCUSCHI, 2002).
Mesmo considerando que os sujeitos (falantes/ouvintes; produtores de texto/leitores)
atuam na produção dos discursos, não implica que eles sejam a fonte de sentidos do que
dizem/ouvem, e do que escrevem/lêem. Isso porque os sujeitos não podem ser concebidos
como “autônomos sintáticos”, tampouco “portadores da hegemonia discursiva de seu tempo”
(GERALDI, 1997). O trabalho de produção de sentido caminha conjuntamente com a
produção histórica e social de sistemas de referência, que “torna significativo os recursos
expressivos”, e com as operações discursivas que “permitem a intercompreensão nos
processos interlocutivos” (GERALDI, 1997).
Neste processo operacional, segundo Geraldi (1997, p.16) “há ações que os sujeitos
fazem com a linguagem, ações que fazem sobre a linguagem e há ações da linguagem”. Essas
atuações são desenvolvidas nos processos de interação, ocorrendo em níveis diferenciados,
fato este possibilitado pela “reflexividade7” da linguagem.
As atividades dialógicas que realizamos necessitam de reflexões para que sejamos
compreendidos e compreendamos o que o outro quer dizer. Não há no diálogo simplesmente
um receptor8, mas um ouvinte que recebe os enunciados e os compreende, tomando inclusive
uma atitude responsiva ativa, mesmo que não haja uma resposta verbalizada. Nessa
6 Bakhtin em seu livro Marxismo e Filosofia da Linguagem enfatiza que “a língua, no seu uso prático, é inseparável no seu conteúdo ideológico ou relativo a vida (...) A separação da língua de seu conteúdo ideológico constitui um dos erros mais grosseiros do objetivismo abstrato” (p.96). Portanto, podemos entender que a língua, em sendo um produto social, é produzida com intencionalidade, tendo objetivos a cumprir. 7 De acordo com Geraldi (1997), a “reflexividade” é uma característica essencial da língua, que se refere à capacidade dela remeter a si mesma. 8 As funções de ouvinte/receptor não podem ser consideradas completamente equivocadas, pois correspondem a certos aspectos reais da comunicação verbal, no entanto não conseguem representar o todo da realidade comunicacional (BAKHTIN, 1997).
compreensão funcional, o sentido do que foi pronunciado é negociado, num processo
contínuo de reflexão sobre as expressões lingüísticas utilizadas pelo locutor. Assim, a
enunciação do outro se constrói tanto com elementos da situação quanto com recursos
expressivos utilizados pelo falante/locutor, “a adequada compreensão destes resulta de um
trabalho de reflexão que associa os elementos da situação, os recursos utilizados pelo locutor
e os recursos utilizados pelo interlocutor para estabelecer a correlação entre os dois primeiros”
(GERALDI, 1997, p. 19).
Percebemos que, no processo de interação, há ações com a linguagem, sobre a
linguagem e ações da linguagem. Tal processo compreende as atividades lingüísticas,
atividades epilingüísticas e atividades metalingüísticas como três tipos de ações que se
entrecruzam “e se concretizam nos recursos expressivos que, materialmente, os revelam”
(GERALDI, 1997, p.16).
As atividades lingüísticas são aquelas que, praticadas nos processos interacionais, se
referem ao assunto em pauta, permitindo a sua progressão. Possibilitam a construção de um
texto adequado ao domínio comunicativo, aos objetivos da comunicação, ao desenvolvimento
do tema (enunciado). As reflexões da língua ocorrem de forma automática, com o usuário
agenciando os recursos lingüísticos, sem interromper a progressão para explicitá-los. O
interlocutor desempenha um papel ativo, exercendo uma compreensão responsiva,
estabelecendo um nível de reflexão que não necessita de suspensão das determinações dos
sentidos que se pretende construir na intercompreensão dos sujeitos (TRAVAGLIA, 1995;
GERALDI, 1997).
As atividades epilingüísticas9 são aquelas que resultam de uma reflexão que toma os
próprios recursos expressivos como seu objeto (GERALDI, 1997). A epilinguagem10 está
presente nas atividades verbais, em alguns momentos de reflexão sobre os aspectos
“estruturais da língua” (por exemplo, como nas reformulações e correções auto e
heteroiniciadas), ora sobre os aspectos mais “discursivos” (por exemplo, como numa conversa
com mais de três sujeitos, em que A diz a B “por que você não fala?” Ou quando o locutor
demanda de seu interlocutor que tome seu turno em esquemas interacionais do tipo
9 Encontramos as atividades epilingüísticas nas hesitações e correções realizadas pelo sujeito em sua fala ou na fala do outro, pausas longas, repetições, antecipações, lapsos, etc. ou, por exemplo, quando um interlocutor questiona a atuação interativa de outrem (se ele não fala, se fala demais) ou controla a tomada da palavra numa conversação indicando ou não quem deve falar por recursos diversos (como pergunta/resposta, solicitação nominal, etc.) (TRAVAGLIA, 1995), 10 Culioli (1989) citado por Geraldi (1997) afirma que as atividades epilingüísticas podem ocorrer ou não de forma consciente, mas Geraldi, alerta para a problemática desta afirmação, visto que a questão é saber se se pode falar inconscientemente sobre a linguagem (...) já que tanto falar (atividades lingüísticas) quanto compreender envolve intencionalidade” (GERALDI, 1997. p.24).
pergunta/resposta, quando o interlocutor parece não querer responder), ora sobre aspectos
mais amplos da própria interação, incidindo sobre sua própria organização (por exemplo,
quando se suspende o tratamento de um tema num debate para fixar o término do próprio
encontro) (GERALDI, 1997).
Vimos que tanto a atividade lingüística quanto à atividade epilingüística são realizadas
no curso da interação, com graus diferentes de reflexão. A primeira não exige a interrupção no
processo dialógico para analisar o que foi dito, já a segunda necessita de uma suspensão no
diálogo para que haja reflexão, desempenhando, assim, cada uma, o seu papel no processo
interativo e evidenciando as operações praticadas pelo sujeito na produção do discurso. Tanto
a atividade lingüística como a epilingüística porém, não exercem a função de refletir sobre a
própria língua, função esta realizada pela metalinguagem.
Nas atividades metalingüísticas, a língua é usada para analisar a si, sendo assim, os
seus elementos são analisados de forma consciente, com explicitação da sua construção e do
seu funcionamento nas diferentes situações de interação. As atividades de metalinguagem
tratam-se de atividades de construção de conceitos (TRAVAGLIA, 1995). O sujeito realiza
atividades de metalinguagem independente do nível de escolaridade que possui, todavia, o
nível de escolaridade favorece o aprofundamento da reflexão metalingüística por ele
realizada.
Em síntese, as atividades lingüísticas, epilingüísticas e metalingüísticas demonstram a
movimentação do sujeito atuando tanto com a linguagem como sobre a linguagem, assim
como explicitando seu conhecimento sobre a linguagem. As três atividades constituem um
processo dinâmico, realizado pelos sujeitos em suas ações lingüísticas. Nesse sentido, temos
que considerar que todo o envolvimento do sujeito com a língua se efetiva através de textos
de variados gêneros, visto que eles são tomados como instrumentos para a realização das
atividades comunicativas.
1.2 - Gêneros textuais: reflexões sobre o ensino
As atividades comunicativas se realizam por meio de “tipos relativamente estáveis de
enunciado” (BAKHTIN, 1997, p. 299), ou seja, através de gêneros textuais/gêneros do
discurso11 que surgem para dar ordem e estabilidade à comunicação (MARCUSCHI, 2002).
Os gêneros textuais são instrumentos – “mega-instrumentos” (SCHNEUWLY, 2004)
11 Assumiremos as designações “gênero textual” e/ou “gênero do discurso” como equivalentes. Para tanto, apoiamo-nos em Marcuschi (2002).
heterogêneos e flexíveis, historicamente construídos em resposta as demandas e atividades
sócio-culturais. Sua ampliação e modificação resultam da exigência da língua, conforme a
complexidade das esferas de uso.
A capacidade adaptativa e a ausência de rigidez fazem com que os gêneros textuais
sejam um construto histórico que não se centra nem na substância nem na forma do discurso,
mas na ação social. Este aspecto ajuda na identificação de muitos gêneros12 cuja definição é
realizada por sua função e intenção (MARCUSCHI, 2002). Todavia, este fato não implica na
eliminação dos elementos que organizam as formas composicionais dos gêneros, visto que
estes são estruturados pelo seu “estilo”, sua “construção composicional”, e seu “conteúdo
temático”, componentes fundidos no todo do enunciado, indissociáveis, portanto (BAKHTIN,
1997).
A heterogeneidade e as diversidades das esferas comunicativas conduziram Bakhtin
(1997) a distinguir os gêneros em duas categorias: gêneros primários e secundários. Os
primeiros se constituem em circunstâncias de comunicação verbal espontânea, ligados às
esferas sociais cotidianas das relações humanas, as formas do diálogo e às situações de
interação face a face. Os segundos aparecem em circunstâncias de uma comunicação cultural,
mais complexa e evoluída. Por esta classificação os gêneros orais públicos são gêneros
secundários característicos de esferas de comunicação pública, mais complexas, como as
esferas escolar/acadêmica, jornalística, empresarial, religiosa, etc.
Entre os gêneros primários e os gêneros secundários não há uma relação estática, mas
um processo inter-relacional, pois, os gêneros primários são assimilados pelos gêneros
secundários em seu processo de construção, fazendo com que os gêneros primários adquiram
um caráter particular, perdendo a sua relação com o contexto imediato e influenciando os
gêneros secundários em seu conteúdo temático, em sua forma composicional e em seu estilo
(BAKHTIN, 1997; MENDES DA SILVA e MORI-DE-ANGELIS, 2003; SCHNEUWLY,
2004).
12 De acordo com Marcuschi (2001), é necessário que façamos a distinção entre gênero textual e tipo textual. O autor afirma que “gênero textual é uma noção propositalmente vaga para referir os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica. Já o tipo textual é uma espécie de seqüência definida teoricamente pela natureza lingüística de sua composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas). Em geral os tipos textuais abrangem algumas categorias conhecidas como: narração, argumentação, exposição, descrição, injunção. Se os tipos textuais são apresentados em pequena quantidade, os gêneros textuais são inúmeros. Alguns exemplos de gêneros textuais seriam: telefonema, sermão, carta comercial (...) carta eletrônica, bate-papo por computador, aulas virtuais”.
Quando o sujeito age discursivamente em determinada situação, realiza a seleção dos
gêneros em função da ação discursiva13. A escolha do gênero atende a alguns requisitos
essenciais, devendo ser considerados: os objetivos pretendidos, o lugar em que está sendo
produzido e quem será o interlocutor (os papéis dos participantes), pois o modelo dos gêneros
é adaptado aos valores particulares dos sujeitos, que adotam um estilo próprio ou mesmo
favorecem a transformação do modelo (KOCH, 2002). Nesse processo adaptativo há um
movimento de inserção do sujeito na língua, sendo este sujeito situado historicamente,
produtor de enunciados de acordo com o propósito de suas ações e finalidades.
No processo de ensino-aprendizagem, os gêneros textuais são uma forma concreta que
auxilia aos educadores e, por decorrência, ao educando (KOCH, 2002). Os gêneros se
constituem para o aluno como um ponto de referência em sua atividade escolar, servindo para
abordar as diferentes práticas de linguagem e a heterogeneidade textual. Nessa perspectiva, o
ensino dos gêneros ajuda o aluno a analisar as condições sociais de produção e recepção de
textos, oferecendo um quadro de análise dos conteúdos, da organização do conjunto do texto e
das seqüências que o compõem, das unidades lingüísticas e das características específicas da
textualidade (DOLZ e SCHNEUWLY, 2004).
As produções de gêneros orais freqüentes no cotidiano do aluno já são dominadas por
ele, a escola assume o papel de instrumentá-lo para ultrapassar as formas orais de produção
coloquial e confronta-lo com o oral formal público, produzido de modo mais institucional.
Para a exploração do oral formal, os PCNs (1996) apontam os gêneros orais públicos e
formais entrevistas, debates, palestras etc, como instrumentos que viabilizam o ensino,
favorecendo uma maior reflexão sobre a linguagem oral. Para Dolz e Schneuwly (op.cit) o
oral formal público dificilmente será aprendido pelo aluno se não houver uma intervenção
didática14. Em outras palavras, os professores, assim como os Livros Didáticos, devem
investir nos gêneros formais, tomando-os como objeto de ensino sistemático, a fim de
habilitar o aluno a produzir discursivamente de forma eficiente.
13 No processo de “adoção-adaptação” dos gêneros, o indivíduo realiza duas atividades complementares: a adequação do gênero ao ambiente de uso e a efetivação da linguagem de acordo com o gênero. Para Bronckart (1999, p.103), esse movimento simultâneo dá ao gênero a dinamicidade que o caracteriza como fundamentalmente histórico e em constante processo de renovação. 14 Os gêneros formais públicos constituem as formas de linguagem que apresentam restrições impostas do exterior e implicam, paradoxalmente, um controle mais consciente e voluntário do próprio comportamento para dominá-las. São, em grande parte, predefinidos, “pré-codificados” por convenções que os regulam e que definem seu sentido institucional. Mesmo que se inscrevam em uma situação de imediatez, já que muito freqüentemente a produção oral se dá em face dos outros, as formas institucionais do oral implicam modo de gestão mediados, que são essencialmente individuais. Exigem antecipação e necessitam, portanto, preparação (DOLZ E SCHNEUWLY 2004).
No sentido de investir no oral formal, Dolz e Schneuwly (2004) propõe um trabalho
com a oralidade de forma autônomo, de modo que a linguagem oral seja objeto de ensino
aprendizagem em si e não apenas um instrumento de mediação para a aprendizagem da escrita
ou “em relação somente com outros saberes disciplinares” do ensino-aprendizagem. Os
autores justificam tal investimento afirmando que o oral formal apresenta domínios de
linguagem que precisam ser estudados em um trabalho independente ou em um “trabalho
isolado”, sendo assim, exige uma ação pedagógica planejada, pois o fato de deixar o aluno em
contato com a fala cotidiana, ou deixá-lo ouvir o outro falar, não garante que o mesmo
adquira as competências necessárias de uso da fala para além de seu convívio familiar
(BRASIL, 1996; DOLZ & SCHNEUWLY, 2004).
Como sugere Marcuschi (1995), enfocar a oralidade no ensino de língua não implica
ensinar a falar, mas ajudar o aluno a identificar o que se faz quando se fala, apontando, assim,
para um trabalho com a oralidade. Para o autor, o ensino da fala só será adequado em situações
as quais não são freqüentes na vida diária, tais como, por exemplo, colocar a voz de forma
adequada ao microfone quando se opera num palco de teatro e se tem de dar um recital.
Também podem ser ensinadas as técnicas mais adequadas para o desempenho oral em
situações formais específicas que não são do saber cotidiano do aluno. Porém, Marcuschi
(1995) adverte para o fato de que o treinamento do desempenho oral deve ocorrer com
naturalidade e, se possível, com um estímulo especial apenas para “finalidades que exorbitem
a aprendizagem social natural”.
Cientes das lacunas de como efetivar o ensino dos gêneros no currículo escolar Dolz e
Schneuwly (2004) propõem uma distribuição dos gêneros por “agrupamentos” (relatar, narrar,
argumentar, expor e descrever ações) em função de algumas características estruturais e
sociocomunicativas. Os autores compreendem que os gêneros que pertencem a uma mesma
esfera social de comunicação, e apresentam semelhanças em suas situações de produção,
podem compartilhar outras características em seus conteúdos composicionais e temáticos,
ainda que com diferentes graus de complexidade.
A proposta de Dolz e Schneuwly (2004) vem auxiliar na reflexão sobre a seleção de
gêneros ao longo da escolarização, sendo a complexidade o principal critério para a
progressão didática. Os autores se preocupam com a elaboração de propostas didáticas
flexíveis para o ensino de alguns gêneros orais formais públicos, como a exposição oral do
aluno, o seminário, o debate regrado e a entrevista radiofônica, o relato oral de experiências,
entre outros, sinalizando um ponto de partida para a operacionalização das propostas de
ensino dos gêneros orais. Essa proposta implica em ensinar habilidades e competências para
operar com os gêneros, assim como as habilidades de recursos e estratégias lingüísticas
desempenhadas em sua realização. Não se trata de ensinar o aluno a falar, mas de apresentar
de forma progressiva a complexidade do tratamento com o gênero que está sendo explorado,
assim como seus recursos e estratégias nos variados ciclos.
1.3 – Linguagem oral: investigações
Ao longo dessa pesquisa buscamos refletir sobre o ensino da oralidade através de
diferentes autores. Neste item abordamos diferentes investigações sobre a linguagem oral para
que possamos compreender como se processa a reflexão do trabalho com a oralidade no
cenário educacional.
Schneuwly (2004), analisando um conjunto de respostas apresentadas por 50
professores-estudantes franceses do curso de Ciências da Educação, ao seguinte
questionamento: “Você é professor (a) (ou imagina ser). No programa está previsto o ensino
do oral (expressão e compreensão). O que é oral para você?”. Ao agrupar as respostas
recebidas em três categorias15: oral como materialidade, oral como espontaneidade, trabalho
sobre o oral como norma, o autor percebeu que:
Em se tratando da categoria Oral como materialidade, as respostas que mais se
destacaram apontavam que o oral efetua-se por meio da voz e é meio de intercambio direto
e efêmero (19 indicações).
Na categoria Oral como espontaneidade, as respostas se concentravam em vontade,
coragem de expressar-se; desvelamento de pensamentos, sentimentos, alegrias e
canalização do “desejo inato” de contato, de expressão, com 25 indicações e ausências de
restrições ortográficas que bloqueiam a imaginação, apresentadas 16 vezes.
Na abordagem Trabalho sobre o oral como norma, encontram-se a maior
concentração das respostas na definição de que oral é controlar atitudes físicas, para não
distrair por causa de tiques e risadas que nada têm a ver com o conteúdo da mensagem,
também modulações de tom, voz, gestos. Resposta encontrada em 17 momentos. E, para 14
alunos, o oral é declamar, ler coletivamente, ler em voz alta.
Schneuwly (2004) conclui que, para esses professores-estudantes, o oral ainda é
percebido em uma perspectiva histórica do ensino do francês, imerso em traços da antiga
elocução e recitação. A língua, por sua vez, é contemplada como norma e o oral enxergado
15 Foram analisadas as respostas apresentas em 25 questionários. Destacamos, em nosso trabalho, as respostas mais freqüentes para cada categoria apresentada.
como dependente da norma escrita ou como o lugar da espontaneidade e da liberação. Nesse
panorama, Schnewly (2004) relembra os estudos de De Prieto e Wirthner (1996) para afirmar
que o que os professores dizem ser específico do oral não é ensinável e o que aparece em suas
respostas como ensinável não é específico do oral ou é fortemente depende do escrito.
Através da pesquisa resgatada por Schnewly, podemos perceber a fragilidade de
concepções sobre o ensino da oralidade. Considerando que esta é uma realidade francesa, e
ainda não encontramos pesquisas que apontem de forma aprofundada o que os (as) professores
(as) brasileiros (as) concebem sobre o oral a ser ensinado, supomos que, se a mesma pergunta
fosse encaminhada a professores do Brasil, as respostas pudessem caminhar nessa mesma
direção, visto que há uma carência de investigação e espaços de reflexão sobre o ensino da
oralidade. Considerando a importância do tema, nossa investigação busca, através de um
recorte nos livros didáticos, apontar o que se vem propondo como ensino a ser aplicado em
sala de aula, assim como, indicar possibilidades para a efetivação de um trabalho que
considera o oral como elemento estruturante para a formação de sujeitos que compreendem o
oral em suas especificidades e em suas múltiplas relações com a escrita.
Imerso neste campo de questionamentos sobre o que consiste ensinar a oralidade,
Schneuwly (2004) apresenta algumas abordagens de ensino que decorrem da concepção usual
de oral. Fazendo uso das postulações de Ostiguy e Gagné (1998), Schneuwly demonstra que as
proposições descritas por esses autores enfatizam que o ensino do oral visa melhorar a fala
do aluno, levando-o a um falar elevado. Nessa proposta, são evidenciadas as dimensões
fonológicas, sintáticas, podendo ocorrer a ênfase na dimensão lexical da expressão oral.
Entretanto, as dimensões propriamente discursivas são excluídas como, por exemplo, as
estratégias argumentativas, a estruturação dos textos e o encadeamento das frases.
Schneuwly (2004) ainda destaca os estudos de Mouchon e Fillon (1980) e Brunner,
Fabre e Kerloc’h (1985), os quais enfocam a expressão oral como “uma oportunidade de
expressão de si”. Para tais autores, a criança deve ter a oportunidade de expressar-se, expor
“suas angústias e fantasmas”. Schneuwly deixa claro que essa abordagem, além de não ter
clareza nos objetivos pedagógicos e didáticos, apresenta problemas referentes à
secundarização das condições de produção dos textos, assim como a não consideração da
interação entre os interlocutores, e o direcionamento da fala ao contexto privado, restringindo-
se a esse domínio.
Como podemos ver, são pesquisas que desprezam o discurso em suas diferentes esferas
de produção, pois, ou tomam como base a esfera de produção pública ou concentram-se na
espontaneidade do falar privado. Dessa forma, parecem esquecer as implicações que
favorecem esses momentos de uso da fala, tratando-o de forma fragmentada, sendo desprezado
a operação dos diferentes gêneros em reposta aos variados contextos de uso da língua.
Em se observando os princípios propostos para o ensino de língua materna francesa
para o domínio da produção de linguagem, encontramos finalidades tais como: a) levar o aluno
a conhecer e a dominar a sua língua nas situações as mais diversas, inclusive em situações
escolares para chegar a cumprir esse objetivo; b) desenvolver, nos alunos, uma relação
consciente e voluntária com seu próprio comportamento lingüístico, fornecendo-lhes
instrumentos eficazes para melhorar suas capacidades de escrever e de falar; c) construir com
os alunos uma representação das atividades de escrita e de fala, em situações complexas, como
produto de um trabalho, de uma lenta elaboração.
Na observância das finalidades do ensino da língua materna francesa, podemos
contemplar pontos que coadunam com a proposta de língua materna brasileira, prescritas nos
PCNs (1996), assim como nos PNLD (2004), para quem o ensino de Língua Portuguesa
deverá organizar-se de modo que os alunos sejam capazes de entre outras competências
discursivas16:
a) Expandir o uso da linguagem em instâncias privadas e utilizá-la com eficácia em
instâncias públicas, sabendo assumir a palavra e produzir textos – tanto orais como escritos –
coerentes, coesos, adequados a seus destinatários, aos objetivos a que se propõem e aos
assuntos tratados; b) utilizar diferentes registros, inclusive os usos mais formais da variedade
lingüística valorizada socialmente, sabendo adequá-los às circunstâncias da situação
comunicativa de que participam; c) conhecer e respeitar as diferentes variedades lingüísticas
do português falado; d) compreender os textos orais com os quais se defrontam em diferentes
situações de participação social, interpretando-os corretamente e inferindo as intenções de
quem os produz.
Ambas as propostas educacionais (francesa e brasileira) têm como objetivo central
formar cidadãos que saibam usar a língua em diferentes esferas comunicativas, a fim de que
possam ter acesso aos bens culturais e alcancem a participação plena no mundo letrado. As
finalidades descritas resgatam o oral em sua relação dialética com a escrita, concebendo as
relações de interdependências entre a linguagem escrita e a linguagem oral. No entanto, como
afirmam os autores brasileiros Mendes da Silva e Mori-de-Angeles (2003), apesar da ênfase
16 Para os PCNs (1996), “competência discursiva é a capacidade de se produzir discursos – orais ou escritos – adequados às situações enunciativas em questão, considerando todos os aspectos e decisões envolvidos nesse processo”.
para que seja trabalhada a linguagem oral, na prática, o ensino do oral é relegado a segundo
plano por falta de propostas didáticas. Temos assim um discurso que inclui o ensino da
oralidade e uma prática que carece de reflexão sistemática, no sentido de didatizar o conteúdo.
Em pesquisas realizadas, Mendes da Silva e Mori-de-Angeles (2003) observam como
os LDs (5ª a 8ª séries do ensino fundamental) classificados pelo PNLD – 2002, nas categorias
de simplesmente recomendados (REC) e recomendados com ressalvas (RR), enfocavam os
gêneros orais formais e públicos. A pesquisa mostrou que, independente da categoria na qual a
coleção foi indicada, não há consenso quanto à natureza do trabalho a ser realizado no quesito
gêneros orais públicos e formais, salvo quando se trata de enfocar a relação oralidade/escrita e
a questão da variação lingüística.
Para visualizar as propostas de ensino da linguagem oral em uma coleção de livros
didáticos recomendada com ressalva, os autores supra citados traçaram dois perfis de
trabalho com a oralidade. No primeiro, a oralidade é apresentada apenas porque permite a
condução da atividade, promovendo a interação dos alunos em sala de aula. No segundo, as
atividades alertavam para a presença de diferentes modos de falar e os diferentes graus de
formalidade. Neste grupo, as atividades não ultrapassavam o nível da adequação do “modo de
falar” em função do destinatário e/ou da situação.
Os autores concluem, refletindo sobre a proposta da coleção à luz das normas do
PNLD, que a linguagem oral é usada apenas como meio para a realização das atividades não
sendo suficiente para refletir sobre a produção e a compreensão de textos orais. Ao tratar a
variação lingüística, a coleção não proporcionou uma reflexão sobre como se estrutura o
padrão culto da língua, tampouco tematizou os aspectos característicos dessa situação, sendo
assim, não cumpre as indicações do PNLD-2004 de que a norma culta deveria ser relacionada
ao uso público ou formal da linguagem oral.
Costa (2004), analisando as resenhas do PNLD-2004 nas três categorias
classificatórias, em busca de contemplar como os pareceres apontam o trabalho com a
oralidade nos livros didáticos, confirma um dos pontos levantados por Mendes da Silva e
Mori-de-Angelis (2003), ao constatar que independente da categoria em que foi indicada a
coleção, o maior investimento no trabalho com o oral parece voltado para uso em interação na
sala de aula, sendo poucas as coleções que assimilam as orientações do PNLD para tratar a
fala em seus diferentes usos. A autora atribui à lacuna no desenvolvimento de atividades que
habilitem o uso da língua em situações públicas à incipiência e à inconsistência no trato da
linguagem oral por parte da maioria das coleções.
Em suma, as pesquisas que investigam os livros didáticos parecem apontar problemas
que persistem ao longo dos anos, traçando um panorama de como vem caminhando as
propostas que, mesmo enxergando a importância dos manuais didáticos apresentarem o oral
como conteúdo a ser ensinado/aprendido, não proporcionam caminhos adequados para que se
contemple a oralidade em suas múltiplas formas, parecendo estabelecer um ensino
descompromissado com esse eixo do ensino da língua, tratando-o como um apêndice no corpo
da proposta a ser efetivada na sala de aula.
CAPÍTULO 2. ORALIDADE E LETRAMENTO COMO PRÁTICAS SOCIAIS
A expressão letramento, tradução do termo em inglês literacy, admite as habilidades
de ler e escrever como práticas sociais sem que haja necessariamente um aprendizado
institucional. Letramento diz respeito às práticas discursivas que fazem uso da escrita,
havendo letramento que vai desde um pequeno domínio da escrita até um domínio formal,
mais elaborado, como por exemplo, no caso de pessoas com formação universitária
(MARCUSCHI e DIONISIO, 2005).
Os estudos do letramento17 surgem no cenário educacional como mola propulsora para
um novo olhar sobre alfabetização, leitura, escrita e produção textual. Através dele foi
incorporado, na reflexão sobre língua e linguagem, o modelo do continuum entre oralidade e
escrita imprescindível para a prática da sala de aula. Ou seja, a partir da noção de letramento é
que se coloca o grande debate em torno da noção da oralidade (KLEIMAN, 2002).
O letramento desloca a perspectiva dicotômica da relação fala e escrita para uma
perspectiva em que ambas as modalidades de uso da língua se completam. Essa postura
contribui para o ensino da língua como prática social. Historicamente a visão dicotômica
entre fala e escrita conduziu à separação entre forma e conteúdo, língua e uso, favorecendo o
ensino da língua como instruções de regras gramaticais, secundarizando os aspectos
dialógicos e discursivos. Temos nessa perspectiva dois modelos teóricos difundidos nas
décadas de 1950 e 1980. O primeiro desprezou as influências sociais sofridas pela língua e o
segundo encarou a escrita como recurso tecnológico autônomo que propiciava ao indivíduo a
ampliação da capacidade cognitiva (MARCUSCHI, 2001, p.26). É a partir da década de 1980
que a visão de autonomia e supremacia da escrita começa a ser superada, embora, de acordo
com Street (op.cit), a nova perspectiva ainda considerasse a aquisição da escrita como uma
supremacia psicológica18.
Para Street (op.cit), o “modelo autônomo19” assume a supremacia cognitiva da escrita
e em contestação a este modelo, o autor propõe o “modelo ideológico20”, em que a relação
fala e escrita são inseridas nas práticas de letramento e nas relações de poder, definindo-o
17 Podemos afirmar apoiados em Marcushi (2001, p.25) que “investigar o letramento é observar práticas lingüísticas em situação em que tanto a escrita como a fala, são centrais para as atividades comunicativas em curso”. 18 De acordo com Street, persistiam alguns mitos que reforçavam a visão dicotômica, eram eles: o mito de que a escrita era uma reprodução fiel da fala, enquanto que a fala usava como base os elementos paralinguísticos; o mito de que a fala era fragmentada, caótica, enquanto que o texto escrito era mais coesivo e coerente; o mito de que a escrita era autônoma em sua produção de sentido, limitando-se ao conteúdo, enquanto a fala conduzia o sentido se apoiando no contexto e nas condições da relação presencial. 19 O modelo autônomo concebe o letramento independente do contexto social e cultural, admitindo o seu funcionamento independente da escrita (MARCUSCHI, 2004). 20 Street emprega o termo ideologia no sentido de tensão entre autoridade e poder, de um lado, e a resistência e criatividade, de outro lado (essa tensão manifesta-se no uso da língua, seja na sua forma oral ou escrita).
como “modelo ideológico do letramento”. Este modelo inseriu questões técnicas, culturais,
cognitivas e sociais envolvidas no letramento dentro das relações de poder, se afastando da
polarização que permeia o modelo autônomo. Envoltos no modelo ideológico de Street, a
relação oralidade e letramento deve ser tratada sob três vieses: eventos de letramento, práticas
de letramento e práticas comunicativas. Para definir essas categorias, trazemos as definições
apresentadas por Marcuschi (2001) que recuperou as concepções de Heath (1983), Barton
(1991) e Street (1995) para as duas primeiras noções e a de Grillo (1989) para a terceira
noção. Um quarto modelo a ser apresentada é o trazido por Bortoni-Ricardo (2004),
denominado de eventos de oralidade.
Assim, para Heath (1982 citado por Marcuschi, 2001), evento de letramento é
“qualquer ocasião em que uma peça de escrita integra a natureza das interações dos
participantes e seus processos interpretativos”. Para Barton (1991), são ”atividades
particulares em que o letramento exerce um papel: costumam ser atividades regularmente
repetidas”. Essas definições indicam que os eventos de letramento acontecem quando as
atividades envolvem texto escrito, a leitura ou comentários dos mesmos. A escrita e a leitura
de uma carta pessoal, por exemplo, podem ser citadas como um evento de letramento, pois
envolvem um texto escrito, visto que os eventos de letramento são eventos comunicativos
mediados por textos escritos (MARCUSCHI, 2001, p.37).
Bortoni-Ricardo (2004) afirma que nos eventos de letramento em que os integrantes se
apóiam em um texto escrito, esse texto pode estar presente no âmbito da interação ou pode ter
sido estudado ou lido anteriormente. Num ofício religioso, por exemplo, os religiosos, ao
proferirem seu sermão, estão realizando um evento de letramento, seja porque eles têm diante
de si o roteiro escrito de sua fala, seja porque eles prepararam previamente esse roteiro
escrito, no qual introduziram passagens bíblicas, por exemplo. Uma conversa à mesa de um
bar é um evento de oralidade, mas, se um dos participantes começa a declamar um poema que
ele recolheu em suas leituras, o evento passa a ter influências de letramento (BORTONI-
RICARDO, 2004, p.62).
Os eventos de oralidade são identificados quando não há influência direta da língua
escrita sobre as instâncias comunicativas. As fronteiras que demarcam os eventos de oralidade
e letramento não se apresentam de forma enrijecida, havendo muitas sobreposições entre eles.
Podemos exemplificar, resgatando pesquisas citadas por Bortoni-Ricardo (2004), em escolas
de Goiás e do Distrito Federal, em que professores agiam de forma monitorada em sua
linguagem quando conduziam, numa aula de leitura, uma atividade como a do ditado (eventos
mediados pela língua escrita) e agiam de modo espontâneo quando chamavam atenção para a
manutenção da disciplina ou brincavam com os alunos de forma descontraída (evento de
oralidade).
Street (1995 citado por Marcuschi, 2001, p.47) define as práticas de letramento como a
utilização da leitura e da escrita por pessoas num evento de letramento. Assim, podemos
descrever as formas de uma sociedade produzir significado para determinado evento com base
na leitura e na escrita realizada no contexto dessa sociedade. Portanto, quando lemos e
interpretamos uma carta pessoal estamos efetivando uma prática de letramento apoiada na
escrita, atribuindo significado a prática da leitura assim como a da escrita.
No tocante à noção de práticas comunicativas, proposta por Grillo (1989) e reforçada
por Marcuschi (2001), tem-se que a mesma “inclui as atividades sociais através das quais a
linguagem ou comunicação é produzida”. Isto equivale à forma como essas atividades são
inseridas nas instituições, situações ou domínios, que por sua vez são implicados em
processos sociais, econômicos, políticos e culturais e em outros processos maiores.
O “modelo ideológico de letramento” oferece maior atenção para o papel das práticas
de letramento e das relações de poder imperantes na sociedade. Marcuschi (2005) afirma que
a visão do continuum complementa o modelo adotado por Street e concebe as relações entre
oralidade e letramento envoltas nas práticas sociais e atividades comunicativas. Na
perspectiva de Marcuschi (2005), para se tratar adequadamente os problemas do letramento é
necessário ter a compreensão do “modelo ideológico” agregado ao continuum e a organização
das formas lingüísticas no continuum dos gêneros textuais, concebendo-se a oralidade e o
letramento como complementares no contexto das práticas socioculturais.
Nas práticas comunicativas, os gêneros textuais são importantes para tratar o
letramento. Muitas vezes os gêneros abarcam simultaneamente o letramento e a oralidade.
Vejamos o caso de uma conferência científica, em que há toda uma preparação oral envolta
pela escrita. As práticas comunicativas que envolvem esse gênero textual são tanto de fala
como de escrita. O gênero conferência científica se configura enquanto evento de letramento,
pois envolve um texto escrito que é usado socialmente de forma situada, dentro das funções
que a comunidade lhe atribuiu. No caso, o gênero conferência científica é utilizado pelo meio
acadêmico, que determina o domínio discursivo21 ao qual pertence, sendo assim prática
comunicativa.
21 Usamos a expressão domínio discursivo apoiando-nos na concepção de Marcuschi (2002), que a utiliza para identificar uma instância ou esfera da produção discursiva ou de atividade humana. Os domínios não são textos nem discursos, mas favorecem o aparecimento de discursos específicos, dentre os quais podemos identificar um conjunto de gêneros textuais, como, por exemplo, o discurso jurídico, discurso religioso, discurso jornalístico, entre outros.
2.1 - Fala e escrita: continuum dos gêneros textuais
De fato, há gêneros textuais da oralidade que se assemelham aos gêneros textuais da
escrita e tantos outros da escrita que se assemelham aos da oralidade, assim como há
determinados gêneros textuais de cada uma das modalidades que se afastam dos seus
respectivos protótipos, tendo em comum apenas o fato de ser ou do gênero oral ou do escrito.
É no continuum tipológico que conseguimos observar, através dos gêneros, o movimento de
aproximação e distanciamento cujas modalidades (oral e escrita) se efetivam (MARCUSCHI,
2001).
As comparações dicotômicas da linguagem oral com a linguagem escrita tendem a
considerar gêneros diferenciados, representados em modalidades distintas. Se compararmos
textos de conversação espontânea (da fala) com textos em prosa expositiva (da escrita),
certamente encontraremos polarizações, isso porque pertencem a fenômenos discursivos “a
priori” distintos, mas principalmente porque pertencem a gêneros textuais diferentes, cujos
processos de produção, condições de produção e objetivos, entre outros elementos, se
distinguem. Entretanto, se a comparação ocorresse entre textos do mesmo gênero, como por
exemplo, uma conferência (representando a linguagem oral) e um artigo acadêmico, ou uma
conversa informal e um bilhete familiar, certamente, encontraríamos semelhanças entre as
modalidades discursivas.
A comparação entre uma conversa informal entre amigos (protótipo da linguagem
oral) e um artigo acadêmico (protótipo da linguagem escrita) é um exemplo de localização
nos extremos dos pólos. Para que contemplemos as aproximações no continuum poderemos
comparar uma conferência científica (prosa expositiva, apresenta características da escrita e
representa a linguagem escrita) e um artigo acadêmico (texto de conversação formal). Dessa
forma, a linguagem oral e a escrita não ocupam as extremidades de uma linha reta; não são
dicotômicas, logo, devem ser analisadas como duas práticas discursivas cujas diferenças e
semelhanças se dão ao longo de um continuum tipológico, em que, de um lado está o grau
máximo de informalidade e, de um outro, o grau máximo de formalismo (MARCUSCHI,
2001).
Reconhecendo as particularidades das modalidades orais e escritas da língua, Tannen
(1983) afirma que as estratégias da oralidade podem ser encontradas num texto escrito em
prosa, bem como podem ser encontradas estratégias da escrita num texto oral mais tenso. Para
a autora as diferenças formais se dão em função do gênero e do registro lingüístico, e não em
função da modalidade. A autora enfatiza também o envolvimento interpessoal como um dos
traços importantes na comparação entre as duas modalidades e mostra que as estratégias
discursivas decorrem do grau de envolvimento e permeiam as modalidades oral e escrita num
continuum.
O continuum também é contemplado nos escritos de Koch (1997). Essa autora afirma
que existem textos escritos que se situam mais próximos ao pólo da fala (bilhete, carta
familiar, textos de humor, por exemplo), ao passo que existem textos falados que mais se
aproximam do pólo da escrita formal (conferências, entrevistas profissionais para altos cargos
administrativos e outros), existindo, ainda, tipos mistos, além de muitos outros intermediários.
Marcuschi (2001) situa a relação fala escrita na mesma perspectiva de Koch,
considerando aspectos como a variação lingüística e a relação entre os gêneros, evitando
assim, comparações dicotômicas, baseadas apenas em textos prototípicos da oralidade e da
escrita. Desta forma, não se pode conceber que qualquer caracterização lingüística ou
situacional da fala ou da escrita se efetive em todos os gêneros orais ou escritos. No
continuum tipológico, há gêneros orais e escritos muito semelhantes (conferência − artigo
acadêmico, conversa entre amigos − carta familiar, entre outros) e outros muito distintos
(bate-papo − artigo acadêmico ou seminário − bilhete). Isto ocorre porque não há
homogeneidade na relação oralidade/escrita.
O que determina as diferenças entre as modalidades oral e escrita são as diferentes
condições de produção, que refletem uma maior ou menor dependência do contexto, um
maior ou um menor grau de planejamento e uma maior ou uma menor submissão às regras
gramaticais. Segundo nos afirma Kato (1987, p. 39),
A dependência contextual determina o grau de explicitação textual, isto é, o seu grau de autonomia. O grau de planejamento determina o nível de formalidade, que pode ir do menos tenso (casual ou informal) até o mais tenso (formal, gramaticalizado).
Marcuschi (2005) retomando a hipótese do continuum tipológico de Biber
(1988), e sem desprezar o esquema desenvolvido por Kato, observa que a impressão que se
tem da escrita é a de um fenômeno, se não homogêneo, pelo menos bastante estável e com o
mínimo de variação. No entanto, como afirma o referido autor, as diferenças entre fala e
escrita se dão dentro de um continuum tipológico das práticas sociais de produção textual e
não na relação polarizada (MARCUSCHI, 2001).
Há duas teses centrais respaldadas pela noção de continuum. A primeira defende a
existência de mais semelhanças que diferenças entre as modalidades discursivas da língua e a
segunda, toma a dicotomia entre as modalidades discursivas como inconsistente, pois a
oralidade e a escrita apesar de se efetivarem em processos de produção e meios de produção
distintos, compõem um mesmo sistema lingüístico, não estanque.
Segundo Marcuschi (2001), podemos ter a idéia das relações mistas dos gêneros a
partir do meio de produção (sonoro/gráfico) e da concepção discursiva das modalidades
(oral/escrito). Considerando as oposições sonoro X gráfico -como meios de produção e o oral
X escrito como concepção discursiva, Marcuschi situa no domínio tipicamente oral o gênero
cujo meio de produção e concepção seja oral e, no domínio tipicamente escrito, a produção
cujo meio seja gráfico e a concepção, escrita. O domínio misto é representado quando as
produções estão mescladas, ou seja, meio gráfico e oral, sonoro e escrito. Como, por exemplo,
temos os gêneros: conversação espontânea, artigo científico, notícia de TV e entrevista
publicada em revistas. Para a classificação desses gêneros é necessário considerar o meio de
produção e a concepção discursiva dos mesmos (Marcuschi, 2001).
Ao analisarmos os gêneros supracitados, podemos observar que a conversação
espontânea, cujo meio de produção é sonoro e a concepção discursiva é oral, é o protótipo da
oralidade por ser um texto tipicamente oral (sonoro e oral); o artigo científico, cujo meio de
produção é gráfico e a concepção discursiva é escrita, é o protótipo da escrita, uma vez que é
um texto tipicamente escrito (gráfico e escrito); o gênero notícia de TV, que se realiza no
meio de produção sonoro e é concebido discursivamente na escrita, não é um protótipo nem
da oralidade nem da escrita, é misto, uma vez que é produzido sonoramente e a sua concepção
é escrita; o gênero entrevista, publicado em revistas, se realiza no meio de produção oral, e a
sua concepção discursiva está no meio gráfico.
Conforme demonstra Marcuschi (2001) é o continuum dos gêneros que distingue e
correlaciona os textos de cada modalidade de uso da língua, considerando aspectos tais como,
as estratégias de formulação, a seleção lexical, o estilo, o grau de formalidade etc., todos
sendo analisados dentro do continuum de variações. Assim, seja o gênero textual oral ou
escrito as semelhanças e as diferenças que existem entre eles irão aflorar. Temos, portanto,
uma variação que perpassa as duas modalidades de uso da língua.
2. 2 - Fala e escrita: graus de formalismo
A questão da formalidade ou informalidade na escrita e na oralidade varia de acordo
com as situações sociais. Essa noção mostra que tanto a fala quanto a escrita se realizam
estilisticamente de forma variada, produzindo graus de formalidade ou informalidade no
registro. Marcuschi (2005), com base em Stubbs (1986), considera provável que a língua
falada apresente maior variação do que a língua escrita, pois é possível que a distância entre
formal e informal no caso da fala apresente um espaço maior que no caso da escrita. Isto pode
ser tido como plausível e seguramente se dá com maior intensidade quanto maior for o nível
de escolarização de uma sociedade.
No entanto, Marcuschi questiona a afirmação de Stubbs de que a fala teria uma
tendência à informalidade e a escrita uma tendência à formalidade. Segundo Marcuschi, na
vida diária o uso da escrita informal tem uma enorme presença, como no caso das cartas,
bilhetes, listas, preenchimento de dados etc. Na vida da maioria das pessoas o uso informal da
escrita é muito elevado e predomina sobre o uso formal, embora a maioria dos escritos
informais tenha uma durabilidade muito curta e logo sejam destruídos. O que se costuma
guardar são registros de uso formal da língua, tais como os livros, as revistas e os documentos
maiores como os códigos, as enciclopédias, os compêndios, etc.
No processo interativo, o sujeito poderá variar a sua maneira de falar dependendo da
relação de proximidade com o interlocutor. Haverá diferença também em relação à conversa
entre sujeitos de um determinado grupo social com sujeitos de grupos sociais distintos. Essa
variação no registro é ocasionada pelo ajustamento na estruturação do texto produzido pelo
falante para o seu ouvinte, visto que o discurso (falado e escrito) é organizado em função das
representações sociais existentes nas relações entre o falante e o ouvinte (BAKHTIN, 1992;
MELO & BARBOSA, 2005; TRAVAGLIA, 1997). De acordo com Bakhtin (1992), as
palavras são determinadas tanto pelo fato de que procedem de alguém, como pelo fato de que
se dirigem para alguém. Elas são o produto da interação do interlocutor e do ouvinte.
Segundo Bortoni-Ricardo (2004), as relações são mediadas por uma contínua
monitoração estilística22 que vai desde a interação totalmente espontânea até aquelas que são
previamente planejadas, exigindo muita atenção do falante. Quando a situação exige
formalidade, seja pela especificidade da audiência, seja pela cerimônia exigida, pelo conteúdo
a ser tratado, nos monitoramos com maior intensidade. Dependendo do nível de intimidade
que temos com o interlocutor, monitoramos o estilo com menor intensidade, ou seja,
monitoramos a fala em função do “ambiente, do interlocutor e do tópico da conversa”.
22 De acordo com Bortoni-Ricardo (2004) podemos monitorar com maior ou menor intensidade a fala em função de um mesmo interlocutor, assim, para passar de uma “conversa séria” a uma “brincadeira”, podemos mudar nosso estilo. Quando vamos mudar de estilo, passamos a emitir pistas verbais ou não-verbais, que a autora define como metamensagens, e que transmitem informações do tipo: “isso é uma brincadeira”, “estou falando sério”, “estou ralhando com você”. A variação ao longo do continuum de monitoração estilística tem, portanto, uma função muito importante de situar a interação dentro de uma moldura ou enquadre. As molduras servem para orientar os integrantes sobre a natureza da interação: se é uma “brincadeira”, “um xingamento” etc.
Segundo indica Travaglia (1997), a língua escrita e a oral apresentam cada uma um
conjunto próprio de variedades de grau de formalismo. As variedades de grau de formalismo
da língua escrita apresentam uma tendência para maior regularidade e geralmente maior
formalidade que as da língua falada, todavia importa lembrar que em cada caso existe uma
relação entre os níveis de grau de formalismo propostos para a língua falada e para a escrita.
Assim, encontramos textos informais na língua falada e na língua escrita, não sendo a
informalidade privilégio de textos orais. Essa perspectiva garante uma análise da língua
pautada mais em suas relações de semelhanças do que de diferenças, evitando dicotomias no
sentido estrito.
Travaglia (1997) chama-nos a atenção para o caso da variação da língua escrita,
afirmando que esta também pode apresentar variedades dialetais, embora sejam em número
menor e se apresentem de forma menos explícita que na língua falada, isso porque as
diferenças prosódicas, fonéticas entre outras, desaparecem no escrito. Assim, a compreensão
equivocada de que a língua escrita é uma réplica exata da língua oral não se sustenta, pois “a
escrita, vista como sistema de notação da língua oral, adquire um caráter incompleto e
inexato” (DOLZ e SCHNEUWLY, 2004, p.163).
2.3 – Fala e escrita: variação dialetal
A variação é algo inerente ao funcionamento das línguas, isso se deve ao fato de estas,
em sua própria essência, serem multifacetadas, multíplices, não monolíticas e heterogêneas.
Para se ter uma visão mais adequada de tal fenômeno é necessário compreender que a
variação lingüística (VL doravante) é resultante de diversos fatores, tais como, espaço, tempo,
classe social, interlocutores, entre outros. É importante refletir sobre o fato de que a variação é
constitutiva da língua e não da fala, portanto, não é a variação que caracteriza a fala, mas sim
as estratégias de organização desta (MARCUSCHI, 2001).
Possenti (2000) classifica os fatores que condicionam a variação lingüística em dois
tipos: externos e internos à língua. Os fatores externos à língua são os geográficos, de classe,
de idade, de sexo, etnia, de profissão etc. Por exemplo, pessoas de diferentes classes sociais
caracterizam sua fala por traços diferentes em relação a outra classe, assim como pessoas mais
velhas se caracterizam por uma fala diferenciada em relação à população mais jovem.
Portanto, a língua, “a despeito das variações, tem o caráter sistemático e identificador de
grupos sociais” (SUASSUNA, 1999). Os fatores internos têm sua existência dentro da língua
não de forma casual, mas são regrados por uma gramática interior. Assim, a língua não
permite que alguns “erros” ocorram, pois todos os falantes conhecem fatores internos
relevantes que não os deixam desviar; por exemplo, nas palavras peixe, caixa, feixe, quando
são ditas de forma que não estão de acordo com a norma padrão, a semivogal i é eliminada,
pronunciando-se caxa, pexe, fexe. Mas, as palavras jeito e peito, nunca são pronunciadas jeto
e peto, com a eliminação da semivogal. A partir desses exemplos, podemos perceber que os
falantes da língua têm conhecimentos implícitos que os fazem eliminar ou manter
determinado fonema, de forma que, mesmo não seguindo a “norma padrão”, não alteram a
significação da palavra utilizada.
Na concepção de Travaglia (1995), podemos ter basicamente dois tipos de variedades
lingüísticas: os dialetos e os registros. Ambas as variedades apresentadas por Travaglia se
enquadram dentro dos fatores externos mencionados por Possenti.
Os dialetos são variedades, que ocorrem em função dos usuários da língua,
identificadas na dimensão territorial, social, histórica, entre outros (variáveis de idade, de
sexo, e de função). Na dimensão territorial, geográfica ou regional, os dialetos acontecem
entre pessoas de diferentes regiões, normalmente pelas influências sofridas na formação das
regiões, pela polarização política e/ou econômica e/ou cultural dos falantes em comunidades
lingüísticas geograficamente limitadas, que desenvolvem um comportamento lingüístico
identitário, como por exemplo, o português falado no Brasil e em Portugal é diferente do
falado em países africanos de língua portuguesa. Dentro do Brasil, encontramos diferentes
falares, como o dos nordestinos, o dos cariocas, o chamado dialeto caipira. Travaglia (1995)
postula que:
As diferenças entre línguas usadas em uma região e outra normalmente são, em sua grande maioria, diferenças no plano fonético (pronúncia, entonação, timbre, etc.) e no plano léxico (palavras diferentes para dizer a mesma coisa, as mesmas palavras com sentido diferentes em uma e outra região, uso mais freqüente de um ou de outro morfema derivacional ou flexional, etc.). As diferenças sintáticas, quando existem, normalmente não são grandes (p.43).
Quanto aos diferentes dialetos, não existe um limite preciso entre eles, apenas área de
concentração de um determinado conjunto de características. Os limites são estabelecidos de
acordo com determinada conveniência, pois, como nos afirma Travaglia (op.cit), não há uma
demarcação precisa de onde inicia ou termina um determinado dialeto, mas podemos perceber
a concentração de alguns elementos característicos. Por exemplo, não são tão nítidas as
diferenças no modo de usar a língua do nordestino e do caipira, no entanto é difícil distinguir
o falar do gaúcho e dos paranaenses.
Na dimensão social, os dialetos ocorrem de acordo com a classe social do usuário da
língua, existindo maiores semelhanças nos falares dos membros de um mesmo grupo sócio-
cultural, em geral com interesses comuns. A título de exemplo temos os jargões profissionais
apresentados em classes sociais bem definidas como a dos médicos, a dos artistas, etc. A gíria
pode ser considerada também como uma forma de dialeto social, pois é um modo próprio de
utilização da língua por um grupo. As inúmeras sobreposições e matizes tornam os dialetos
sociais mais difíceis de serem identificados que os dialetos regionais. Fatores como nível de
escolaridade, quase sempre, se inter-relacionam com classe econômica. Diferenças entre
classes sociais poderiam ser listadas, freqüentemente, como grau de formalismo,
principalmente no que diz respeito ao grau de adesão às formas próprias da norma culta e
padrão, mas as diferenças não se limitam só a isso. Os grupos ganham identidade pela
linguagem que utilizam. Quando uma variedade social se diferencia muito em relação às
demais, o dialeto social pode permitir que os membros dos grupos se comuniquem
livremente, sem que haja qualquer atitude ou ação de outros segmentos sociais, ou seja, o
dialeto social pode servir como meio de ocultamento (TRAVAGLIA, 1995).
Na dimensão da idade, os dialetos provêm das variadas formas de uso da língua por
pessoas em diferentes idades e faixas etárias (crianças, jovens, adultos e velhos). Ao longo da
vida, as pessoas adquirem as formas de uso da língua de um grupo e abandonam as do grupo a
que pertenceram. A introdução de alterações no uso da língua não são vistas com bons olhos
pelas gerações mais velhas, que encaram as modificações como deturpações e desvalorização
da língua como, por exemplo, as gírias usadas entre os jovens como afirmação de sua
identidade pessoal e/ou grupal.
Na dimensão do sexo, os dialetos representam a variação de acordo com o sexo de
quem fala. Razões gramaticais, no quesito concordância, determinam algumas diferenças,
como por exemplo, um indivíduo do sexo masculino não diria “estou ansiosa”, isso causaria
diferentes reações para quem o ouvisse, podendo ocorrer atitudes preconceituosas ou um
efeito humorístico. Todavia, no que diz respeito ao uso do léxico e de algumas construções,
há diferenças, provavelmente causadas por restrições sociais em relação a comportamentos
verbais e a imagem social do sexo masculino e feminino.
Na dimensão da função, os dialetos representam as variações na língua em
conseqüência da função que o falante desempenha. Nessa dimensão, o Português parece não
possuir variações significativas. Travaglia (1995) traz como exemplo o chamado “plural
majestático”, apresentado por governantes e altas autoridades ao expressarem seus desejos ou
intenções com o pronome “nós”, ao apresentar sua posição de representante do povo.
Na dimensão histórica, os dialetos representam estágios no desenvolvimento da língua.
Os registros fazem com que as variantes históricas permaneçam no tempo, e assim sejam mais
percebidas na língua escrita que na língua oral. As variedades históricas podem ser
percebidas, por exemplo, em textos escritos em português medieval, no qual encontramos
termos e formas de dizer considerados arcaicos e outras que sofreram evolução fonética. Mas,
é possível que no futuro se possam observar e analisar diferenças históricas também na
variação do oral, pois a cada dia evoluem os meios de registro nessa modalidade.
É a convicção da mutabilidade da língua que leva Possenti (2000) a defender que não
há razão de exigir que os alunos ou outras pessoas conheçam formas arcaicas, que nunca
ouviram e que são pouco freqüentes nos textos escritos. Os arcaísmos não são apenas formas
da língua em desuso, há algumas formas ensinadas pela escola que já estão mortas ou a ponto
de não se usar mais. Por exemplo, a regência do verbo ‘assistir’. Dificilmente falantes reais
empregam a regência de acordo com a gramática. Em geral, diz-se ‘assisti o jogo’ e não
‘assisti ao jogo’. Logo, esta segunda forma já é considerada como arcaísmo. De acordo com
Possenti, há justificativas para que o ensino de formas raras e arcaicas não deva ter tanta
importância para a escola, mas, não implica que os que fazem uso de formas mais antigas
estejam errados, porém, os usuários das formas lingüísticas mais recentes devem ser aceitos.
(...) trata-se de aceitar que se utilizam nos textos escritos formas lingüísticas mais informais (o que não quer dizer aceitar todas), que em geral consideramos aceitáveis apenas na fala. A razão é que estas formas, na verdade, são hoje as corretas, são elas que constituem a língua padrão, porque já são faladas e escritas pelas pessoas cultas do país – coisa de que elas, eventualmente, não se dão conta (POSSENTI, 2000, p.41).
O excerto acima traz para a escola uma proposta desafiadora, pois a convoca a se abrir
para a língua padrão vigente, reconhecendo-a como legítima no ambiente escolar. Essa
postura enfraquece as atitudes conservadoras que defendem a pureza da língua, desprezando
os diferentes fatores que influenciam a variação, pois não existem línguas que permaneçam
uniformes, tampouco línguas imutáveis (POSSENTI, 2000, p.38). A certeza do movimento
initerrupto da língua conduz Travaglia (1995) a defender que não há razões para a escola
realizar atividades de ensino/aprendizagem da língua materna direcionadas apenas a variedade
culta da língua, em detrimento das outras formas de uso da língua que podem ser mais
adequadas a determinadas situações. O argumento de que o aluno já domina as outras
variedades não se sustenta, pois há sempre novos elementos a serem dominados nas diversas
variedades, incluindo a que domina.
A confusão que se estabelece em relação à língua e à gramática normativa favorece
uma compreensão errônea de que a fala é o lugar do caos e a escrita (pautada na norma
padrão) a forma correta de uso da língua. A gramática normativa se tornou referência por
estudar a variedade culta da língua, apegando-se exclusivamente à norma escrita,
menosprezando a norma oral culta. Essa gramática tenta regular a língua em toda a sua
dimensão e considera erro todas as demais variedades da língua, estabelecendo, dessa forma,
uma ideologia que gera o preconceito lingüístico.
Os fatores que influenciam a escolha de uma variedade lingüística como “culta” ou
“padrão” são variados, entre eles destacam-se a associação dessa variedade à modalidade
escrita e à gramática tradicional; a dicionarização e a compreensão dessa variedade como
representante de uma tradição cultural e de uma identidade nacional. Segundo Bagno (1998),
não há um fator especial em uma determinada variedade para que esta seja eleita padrão, pois
todas as variedades de uma língua desempenham sua função sociocomunicativa, entretanto,
em determinados momentos da história, a língua falada pela classe econômica e
ideologicamente dominante se torna a variante padrão.
Nesse cenário conflitante surge a seguinte questão: como pode a escola apregoar a
uniformidade lingüística, se a variedade é fruto da variedade social? Em relação a esse
questionamento, Soares (1998) se posiciona mostrando a realidade de inúmeras salas de aula,
dizendo que o uso da língua no ambiente escolar por alunos provenientes das camadas
populares, usuários de variantes lingüísticas social e escolarmente estigmatizadas provoca
preconceitos lingüísticos e leva a dificuldade de aprendizagens, “já que a escola usa a variante
padrão socialmente prestigiada”.
Soares (1998) sugere que a escola busque estratégias para que os alunos de meio
popular incorporem a norma-padrão devido à exigência social de seu domínio, a fim de
promover o desenvolvimento do bidialetalismo, no sentido de transformar as condições de
marginalidade em que se encontram. O não reconhecimento da diversidade da língua
prejudica a educação, pois a escola, cujo “objetivo é ensinar o português padrão”
(POSSENTI, 2000), busca impor uma língua homogênea, fundamentada na gramática
normativa, praticamente em desuso pela maioria da população brasileira (inclusive as mais
escolarizadas), ignorando a diversidade lingüística e disseminando o preconceito em relação
aos variados dialetos. Estes já são reconhecidos pelos documentos oficiais que estabelecem
parâmetros para a educação brasileira, os PCNs (1996, p.31):
A língua portuguesa, no Brasil, possui muitas variedades dialetais. Identificam-se geográfica e socialmente as pessoas pela forma como
falam. Mas há muitos preconceitos decorrentes do valor social relativo que é atribuído aos diferentes modos de se falar: é muito comum se considerar as variedades lingüísticas de menor prestígio como inferiores ou erradas (...) o problema do preconceito disseminado na sociedade em relação às falas dialetais deve ser enfrentado, na escola, como parte do objetivo educacional mais amplo de educação para o respeito às diferenças.
O reconhecimento por parte dos PCNs, assim como pelo PNLD, de que a língua é
variada, sinaliza que a escola tem a responsabilidade de enfrentar os preconceitos a estas
variedades, também de se livrar do mito da heterogeneidade da fala e de que a escrita é o
espelho daquela. Como afirma Bagno (1998, 1999), o preconceito está tão enraizado em nossa
cultura que qualquer fala/escrita que transgrida a “língua correta” é depreciada, pois os que
difundem a norma padrão acreditam em uma unidade que deve ser seguida pelos usuários. O
chamamento dos PCNs (1996) ao respeito às variedade da língua alerta para que não se
propague discriminações contra variedades lingüísticas não-padrão, seja variações dialetais ou
de registros.
A pesquisa desenvolvida por Marcuschi23 (1997), com livros didáticos direcionados ao
ensino fundamental, é exemplo de como alguns manuais, que passaram pelo crivo do PNLD,
atribuem à escrita o modelo padrão enquanto que a forma não-padrão é atribuída à fala,
incidindo na visão monolítica e uniformizadora dessa modalidade de uso da língua. Os
exercícios que abordam a relação linguagem coloquial e linguagem culta em sua maioria são
direcionados a trabalhar com a reescrita de expressões descontextualizadas, ignorando a
noção de continuum nas estratégias de textualização. As atividades parecem querer criar
espaços forçados para explorar os diferentes usos da língua, ignorando a intencionalidade da
produção discursiva. O autor observou ainda que nesses manuais a língua falada quase sempre
aparece como uma questão do léxico, restrita ao uso de expressões gírias.
De acordo com Marcuschi (op.cit), os LDs analisados em sua pesquisa não consideram
de forma incisiva que a fala seja o lugar do erro, porém essa postura está relacionada muito
mais a um silêncio das obras sobre a fala que a uma avaliação da fala em suas condições de
uso. Neste panorama, “nota-se, por parte dos autores de livros didáticos, um descaso em
23 A pesquisa abrangeu livros didáticos de do ensino fundamental e médio. Neste levantamento o autor não considerou os exercícios intitulados "linguagem oral" ou "produção oral", pois considerou que quase sempre essas atividades são de oralização da escrita ou então de uma encenação ou teatralização de textos literários ou textos escritos.
relação à oralidade em geral” 24 (MARCUSCHI, 1997, p.24).
Em Biruel (2002), encontra-se outro estudo sobre LDs que contemplam a questão da
VL. Ao analisar livros didáticos recomendados pelo PNLD em busca de observar se os
manuais refletem, entre outras questões, sobre a variação lingüística, essa autora percebeu que
as questões de variação dialetal e de registro, apresentadas pelas coleções, concentravam-se
na exploração, sobretudo do léxico, e que o trabalho com a variação lingüística se voltou com
mais ênfase para a apropriação da “norma culta” ou “norma padrão”.
Ambos os estudos revelam considerar que a VL é uma característica da língua e não
da oralidade em si, o trabalho dos manuais didáticos analisados por estes autores enfatiza a
fala como o lugar do erro e a escrita como portadora do padrão a ser seguido, apresentando
dicotomias entre a fala padrão e a não-padrão. A tendência dos LDs foi restringir a questão da
VL à exploração dos dialetos, mesmo que afirmem compreender os pressupostos de que a
língua não é portadora de uma uniformidade, mas que contempla uma gama de variedades
característica de sua própria essência.
24 Marcuschi mostra que um LDLP com 200 páginas raramente supera 2% de atividades dedicadas à língua falada, não atingindo uma quantidade de 4 ou 5 páginas inteiras sobre a fala. As observações teóricas e os exercícios práticos de estruturas ou características da oralidade quase inexistem.
CAPÍTULO 3. LIVRO DIDÁTICO: um panorama do seu processo avaliativo
A investigação sobre a temática da oralidade, no livro didático, torna-se relevante
quando se constata que este constitui, muitas vezes, o único material de acesso ao
conhecimento, tanto por parte dos professores que buscam a legitimação de seu trabalho e
apoio para suas aulas no LDs quanto por parte dos alunos que se deparam com diferentes
estratégias de aprendizagem. A escola, principal responsável pelo ensino, concebe o livro
(didático ou não) como um instrumento fundamental, um material essencial na realização das
funções pedagógicas exercidas pelo professor (Cf. SILVA, 1996; LAJOLO, 1996).
Batista (1999) afirma que os livros didáticos são a principal fonte de informação
impressa utilizada por parte significativa de alunos e professores e servem também como
instrumento de estudo dos saberes escolares e extra-escolares. Os manuais didáticos ainda são
uma referência para a organização e sistematização do ensino nas salas de aulas e, no que se
refere ao ensino da língua portuguesa, são suportes que auxiliam no letramento escolar.
Mediante este fato é necessário conhecer melhor esse impresso que se converteu na principal
referência para a formação e inserção no mundo da escrita de um grande número de discentes
de nossas instituições de ensino.
Lajolo (1996) comenta que, na sociedade brasileira, os livros didáticos, e também os
não didáticos, são considerados centrais na produção, circulação e apropriação de
conhecimentos, sobretudo dos conhecimentos por cuja difusão a escola é responsável. Para
Silva (1996, p. 11):
Aprender, dentro das fronteiras do contexto escolar, significa atender às liturgias do livro didático: comprar na livraria ou recebê-lo através de programas governamentais no início de cada ano letivo, usar ao ritmo do professor, fazer as lições, chegar à metade, ou aos três quartos dos conteúdos ali inscritos e dizer amém, pois é assim mesmo (e somente assim) que se aprende.
Assim, o livro didático é transformado em objeto com um fim em si mesmo, e mais
especialmente no que se refere ao trabalho com a língua portuguesa, em destaque, nas práticas
de leitura correntes. Neste cenário, os LDs passam a estruturar as práticas pedagógicas,
delimitando, de certa forma, o que vai ser ensinado e o que deve ser aprendido.
Se recuperarmos um pouco da história dos livros didáticos, veremos que no Brasil,
entre os anos 60/70, os LDs se constituíram em um modelo de estruturação do trabalho
pedagógico em sala de aula, apoiando a prática do professor, caracterizando-se como fonte de
informação para os docentes. Na década de 80 surgiu um forte discurso contrário à utilização
dos livros didáticos, sendo considerado profissional desqualificado aquele que os utilizasse.
Críticas também foram feitas aos erros conceituais, as posturas ideológicas e simbólicas
apresentadas nos manuais, mostrando falta de aprofundamento das abordagens teórico-
metodológicas que medeiam as novas propostas de ensino, assim como falta de visão plural
da realidade sócio-cultural.
Na década de 90, o MEC passou a desenvolver e a executar um conjunto de medidas
para avaliar sistemática e continuamente o livro didático brasileiro e para debater, com os
diferentes setores envolvidos em sua produção e consumo, as características, funções e
qualidade dos manuais utilizados nos espaços escolares (BATISTA, 2001).
3.1. Programa Nacional do Livro Didático: princípios avaliativos
O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) foi criado pelo MEC com o objetivo
de fazer a compra e a distribuição gratuita de livros didáticos para todas as escolas públicas
brasileiras. Desde 1996 o programa vem se preocupando com a qualidade desses materiais
adquiridos, passando a fazer uma revisão contínua e sistemática para que se efetive a sua
aquisição. Antes, quando o MEC tinha a função apenas de comprar e repassar os livros para a
escola, a qualidade e a correção não eram preocupações explícitas. Esse descuido permitia que
alguns livros adquiridos trouxessem em seu conteúdo metodologias inconsistentes, elementos
discriminatórios e ideológicos, conteúdos descontextualizados, conceitos incorretos
(BATISTA, 2001).
Assim, mesmo com todos as deficiências, os LDs estavam presentes no cotidiano da
sala de aula, se constituindo, às vezes, como elemento organizador do trabalho do professor,
como instrumento privilegiado sendo, em alguns casos, o único meio de acesso do aluno ao
mundo da escrita. Autores como Freitag (1988) afirmam que os LDs vêm funcionando em
algumas salas de aula não como um instrumento auxiliador no processo de ensino e
transmissão do conhecimento, “mas como modelo-padrão, a autoridade absoluta, o critério
último de verdade”. Dessa forma, a presença dos LDs supera a função de material de apoio e
figura como elemento central nas aulas, substituindo planejamento, apontando o caminho a
ser seguido pelos professores, preenchendo as lacunas deixadas pela falta de tempo do
docente na elaboração das aulas e na pesquisa de conteúdos.
No inicio da década de 1990, o MEC criou uma equipe de especialistas encarregada de
avaliar a qualidade dos livros mais solicitados pelos professores25 e estabelecer critérios
em ralação a avaliação dos manuais. Mas só partir de 1996, o PNLD começou a abarcar
25 Os professores foram capacitados para avaliar e solicitar os livros que queriam que fossem adotados nas escolas (BATISTA, 2001).
todas as disciplinas curriculares do ensino fundamental. A comissão de especialistas
formada para estabelecer critérios de avaliação, e a avaliação propriamente dita dos LDs, é
constituída por professores de diferentes áreas do conhecimento, com experiência nos três
níveis de ensino26. Deveriam ser seguidos alguns critérios para a aprovação, entre eles
ausência de elementos discriminatórios e preconceituosos, assim como não conter erros
conceituais, tampouco a indução do aluno ao erro.
Foram então analisados livros de 1ª a 4ª séries inscritos no PNLD 1997. De
acordo com a classificação, os livros foram distribuídos em quatro categorias, a saber:
Excluídos – livros que não atendiam às normas expostas, tendo conteúdos com
problemas de conceituação, desatualização, com elementos preconceituosos ou
discriminatórios;
Não – Recomendados (NR) – livros que apresentaram insuficiência conceitual,
podendo comprometer a eficácia do ensino;
Recomendados com Ressalva (RR) – livros apresentados nessa categoria
demonstravam alguns problemas que não comprometiam o ensino e que
poderiam ser superados pelo professor.
Recomendados (R) – livros que satisfizessem os critérios estabelecidos pelo
PNLD, assegurando a possibilidade de um trabalho didático correto e eficaz
por parte do professor.
Cada coleção era indicada em uma dessas classificações de acordo com o grau de
cumprimento das exigências estabelecidas pelos parâmetros avaliativos. As editoras que
tiveram livros Excluídos ou Não-recomendados recebiam laudos técnicos compostos de uma
ficha avaliativa e um parecer da comissão. Os livros que passaram pela avaliação foram
publicados no Guia do Livro Didático para que os professores tivessem acesso e pudessem
escolher os que melhor se adaptassem às necessidades da escola.
A fim de indicar os livros que seriam adotados em 1998, o PNLD deu prosseguimento
a avaliação incluindo algumas modificações, entre elas a introdução de uma nova categoria
classificatória:
26 A comissão de especialista do MEC recebia assessoria do CENPEC e era coordenada pela Secretaria de Educação Fundamental (BATISTA, 2001).
Recomendado com Distinção (RD) – nesta categoria foram inclusos os
manuais que apresentavam propostas pedagógicas satisfatórias, mais próximas o
possível do ideal representado pelos princípios e critérios adotados nas avaliações
pedagógicas, sendo materiais que possuem propostas elogiáveis, criativas e
instigantes.
Para dar melhor visibilidade aos resultados da avaliação e possibilitar uma melhor
escolha por parte do professor, o MEC anexou ao Guia uma coletânea de resenhas dos livros
recomendados com distinção (RD), recomendados (REC) e recomendados com ressalvas
(RR), seguidos de convenções gráficas que iam de três estrelas para os livros RD, duas
estrelas para os livros REC e uma para aqueles RR. Vale salientar que os livros não-
recomendados eram apresentados em uma relação no final do Guia, sendo esta categoria
extinta a partir do PNLD – 1999.
Outro fato importante ocorreu na avaliação dos livros que seriam distribuídos nas
escolas em 1999, foi incluído mais um critério, este de natureza metodológica. Portanto, além
de serem regulados no campo conceitual e político, os livros também deveriam propiciar um
ambiente favorável ao ensino-aprendizagem, sendo coerentes em suas propostas
metodológicas e possibilitando o desenvolvimento das competências cognitivas, tais como a
observação, a análise, a elaboração de hipóteses, a memorização e o planejamento (BATISTA
& COSTA VAL, 2004. BATISTA, 2001).
A criação do PNLD veio orientar a relação do Estado com os Livros Didáticos,
segundo Batista (2001), foram estabelecidas diretrizes baseadas em alguns pontos:
i. centralização das ações de planejamento, compra e distribuição;
ii. utilização exclusiva de recursos federais;
iii. atuação restrita a compra de livros, sem participação no campo da produção
editorial, deixada a cargo da iniciativa privada;
iv. escolha do livro pela comunidade escolar;
v. distribuição gratuita do livro aos alunos.
Podemos ver nos itens i, ii, iii que o Estado chama para si a responsabilidade pela
filtragem dos manuais escolares, estabelecendo critérios para a aquisição e distribuição dos
manuais. Poderíamos dizer que o mercado editorial passou a ser regulado. A partir dos pontos
iv e v, percebemos que a escolha pelo professor e a utilização pelo aluno também sofreu
regulações. Isto porque os LDs só poderiam ser comprados se passassem pela avaliação, os
professores só poderiam solicitar os livros que fossem indicados, logo os alunos só teriam
acesso aos LDs aprovados pelo PNLD. Foi produzido um efeito em cadeia, a aprovação, a
indicação pelo professor, a compra e a distribuição passou a estar sob o olhar governamental.
O controle exercido pelo PNLD trouxe algumas modificações que contribuíram para a
melhoria na qualidade do ensino. No campo editorial, cada vez mais as editoras buscaram
ampliar a qualidade dos livros que indicavam para a avaliação. Houve a ampliação de novos
títulos, provocada pelo surgimento de novos autores assim como pela introdução de novas
editoras no processo de avaliação. Foi ampliada a compra de LDs para diferentes disciplinas,
assim como a distribuição dos mesmos para as escolas. Um fato a ser mencionado foi que o
PNLD mobilizou diferentes seguimentos sociais, as Universidades, a comunidade escolar e as
editoras, a se envolverem no debate sobre a qualidade dos livros escolares (BATISTA, 2001).
Mesmo os LDs tendo avançado em sua qualidade, há muito por ser feito em virtude
das inúmeras demandas advindas da sociedade. De acordo com Batista (2001), as novas
exigências estão representadas em quatro documentos oficiais orientadores de uma melhor
qualidade do ensino, são eles: a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB,
1988), as novas Diretrizes Curriculares para o Ensino Fundamental, os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs) e as Diretrizes do Conselho Nacional de Educação. Esses
documentos sinalizam para uma educação que valorize às práticas sociais e volte-se para
responder as novas exigências das instituições escolares. Sob esta perspectiva, os LDs devem
auxiliar a aprendizagem do aluno contribuindo para o domínio do conhecimento, da reflexão
no uso dos conhecimentos escolares, na ampliação da compreensão da realidade, formulando
hipóteses de soluções dos problemas atuais. Desta forma, promovendo o exercício da
cidadania, engajado em um projeto coletivo fundamental para a construção e fortificação da
escola (cf. BATISTA, 2001).
Mas, será que as novas demandas tanto sociais quanto escolares apontadas pelos
documentos oficiais estão sendo efetivamente atendidas pelas propostas dos livros didáticos
recomendados pelo PNLD? Será que os manuais que passam pelo crivo avaliativo apresentam
orientações teórico-metodológicas consistentes que possam auxiliar o professor no
desenvolvimento de um trabalho baseado nessa nova perspectiva de ensino de língua?
Marcuschi (2001) responde alguns desses questionamentos ao afirmar que, por não
saberem como desenvolver um trabalho com a fala, alguns autores dos LDs abordam a
língua como instrumento de comunicação transparente, a-histórica e deslocada da realidade
dos seus usuários. Por não levarem em conta a relação entre fala e escrita, não apresentam
as diversas formas de uso da oralidade e legitimam a secundarização com que é tratado o
ensino da oralidade nas escolas. Para o autor, os LDs selecionam textos escritos e
desenvolvem um trabalho contextualizado com as regras gramaticais, porém são poucas as
atividades de reflexão sobre a língua e quando ocorrem “claudicam a teoria, a terminologia
e as observações empíricas” (MARCUSCHI, 2001, p. 21). Estas constatações nos
impulsionam a investigar duas coleções de LDs, em busca de observar suas propostas de
ensino da linguagem oral e se estas instrumentam o aluno nas práticas discursivas da
oralidade.
CAPÍTULO 4. ANÁLISE DOS RESULTADOS: estratégias de ensino para o trabalho
com a oralidade
Neste capítulo, o leitor terá a oportunidade de conhecer a análise de um grupo de
atividades propostas pelos livros didáticos para o trato com a linguagem oral. Essas atividades
estão distribuídas em quatro categorias:
PRODUÇÃO E COMPREENSÃO ORAL DE GÊNEROS TEXTUAIS, cujos
elementos definidores se configuram pela presença de comandos de atividades
direcionadas a produção oral de gêneros textuais, abarcados pela variedade de gêneros
textuais escritos, orais e na interface.
MULTIMODALIDADE DISCURSIVA, em que estão dispostas atividades cujo
objetivo está direcionado a evidenciar os recursos utilizados pela fala em sua produção de
sentido;
REFLEXÃO SOBRE AS MODALIDADES DE USO DA LÍNGUA, em que são
analisados exercícios direcionados ao tratamento da relação entre a fala e escrita;
VARIANTES LINGÜÍSTICAS, cujas atividades analisadas enfatizam o trato da língua
em sua variação, considerando também as mudanças nos registros.
Através das analises das coleções “Português uma Proposta para o Letramento” e
“Vitória-Régia - Língua Portuguesa” foi possível resgatar os princípios teóricos que norteiam
as suas propostas de ensino, os quais foram explicitados em suas fundamentações teóricas.
Ambas as coleções afirmam apresentar concepções embasadas em uma proposta de língua
como interação. A primeira, por exemplo, toma o letramento como pressuposto teórico e
metodológico e a segunda, situa a sua proposta de ensino na concepção construtivista e
sociointeracionista da aprendizagem. As duas sinalizam a necessidade de se trabalhar a
dimensão textual e discursiva da língua, contemplando a escrita e a oralidade como processo
de interação entre os sujeitos.
A coleção 1 faz referência a linguagem oral elegendo objetivos de ensino com o
propósito de “promover práticas de oralidade e de escrita de forma integrada, levando o aluno
a identificar as relações entre oralidade e escrita”. Sobre o trabalho com a linguagem oral, a
C1 afirma que “(...) não basta, portanto, que as atividades de linguagem oral sejam
consideradas apenas como oportunidade de interação oral com o professor e os colegas; elas
precisam ser planejadas para o desenvolvimento de habilidades de produção e recepção de
textos orais freqüentes em situações mais formais” (MP1/MP2/MP3/MP4:21,22,23). A C1
também afirma compreender que para desenvolver a oralidade e a escrita “(...) é fundamental
levar o aluno a identificar e compreender as relações de semelhanças e diferenças, entre
essas duas modalidades de uso da língua” (MP1/MP2/MP3/MP4:21,22,23).
A coleção 2 atribui ao ensino de língua a responsabilidade de desenvolver no aluno a
competência oral e escrita. Assim afirma que seu investimento também caminha para uma
reflexão sobre a oralidade, sendo esta tomada como objeto de ensino. Nessa perspectiva a C2
declara que “(...) mais do que reduzir a oralidade a uma questão de adequação às
circunstâncias de uso, pretendemos que seu estudo contemple também: as variedades
lingüísticas; os aspectos característicos da língua falada em relação à escrita; a diversidade
de gêneros textuais e a organização da fala” (MP1/MP2/MP3/MP4:20,21).
Como podemos notar as coleções apresentam discursos teóricos que apontam para
uma percepção de língua que resgata o sujeito como produtor discursivo, observando a
oralidade e a escrita como objeto de reflexão a ser tratado em uma perspectiva de
aproximações, o que reforça a visão de letramento em suas propostas de ensino. Embora
tenham marcado claramente a sua concepção de língua como prática do discurso, observamos,
através da análise, que cada coleção apresenta especificidades nas propostas de ensino da
linguagem oral, conforme pode se observar nas categorias a seguir:
4.1. PRODUÇÃO E COMPREENSÃO ORAL DE GÊNEROS TEXTUAIS
Como vimos mostrando neste estudo, os gêneros textuais são artefatos construídos em
contextos determinados social e historicamente para responder as necessidades humanas.
Devido à diversidade de práticas sociais presentes numa sociedade, encontramos uma
infinidade de gêneros textuais orais e escritos, operados pelos sujeitos em diferentes situações
comunicativas para atender a diferentes objetivos (KOCH, 2002).
Diante do que já discutimos neste trabalho sobre os gêneros textuais, procuramos
examinar, nesta categoria, as propostas das coleções no que se refere ao trato com a produção
oral de gêneros textuais, em busca de compreender se os gêneros textuais são tomados como
objetos de exploração pedagógica (KOCH, 2002). A partir da investigação, observamos que
as propostas de produção de textos que buscam trabalhar a oralidade se efetivam através de
variados gêneros textuais, entre eles, aqueles ligados aos espaços públicos de produção, tais
como: propaganda, entrevista, exposição oral. Para o desenvolvimento das propostas de
atividades, as coleções organizavam momentos de reflexão sobre os gêneros textuais, dando
suporte para a construção textual.
Vejamos a proposta de C1 no encaminhamento do gênero entrevista (exemplo1) e
exposição oral (exemplo 2):
Exemplo 01:
(C1/L3/U2:68) Os jornalistas fazem constantemente entrevistas coletivas. Vocês sabem o que
é isso? É uma entrevista em que vários repórteres fazem perguntas a uma pessoa, sobre um
ou vários temas. Identifiquem quais são os alunos da turma que têm irmão menor. Qual
desses aceita ser entrevistado sobre como é ter um irmão menor?
O voluntário deve ir para frente da turma. Os colegas serão os repórteres, fazendo perguntas
sobre como é ter irmão menor.
Sigam as regras:
- Quem quiser fazer pergunta, deve pedir a palavra e esperar a sua vez.
- Escolham perguntas interessantes, que ajude a esclarecer bem o que o entrevistado pensa
sobre ter irmão menor.
- Outros alunos da turma que também têm irmão menor, e não concordarem com alguma
resposta do entrevistado, devem expor sua opinião diferente e pedir ao entrevistado que
defenda a sua.
(MP/C1/L3/U2:68) O objetivo da atividade é desenvolver nos alunos as habilidades de
formular, de improviso e numa situação de entrevista mais formal que da interação cotidiana
que mantém entre si, perguntas a um colega em condições de dar um depoimento sobre o
tema da discussão. Por sua vez, os alunos entrevistados terão a oportunidade de desenvolver
habilidade de ouvir com atenção às perguntas que lhes são feitas e respondê-las com
pertinência, dando um depoimento coerente e bem estruturado (...).
Neste exercício dirigido ao aluno, a preocupação da C1 parece estar ligada a aspectos
como: a) definição do gênero textual entrevista; b) ativação dos conhecimentos prévios dos
alunos; c) preparação para a realização da atividade; d) consideração sobre os princípios da
organização dos turnos conversacionais. Quanto às orientações dadas aos professores, surgem
encaminhamentos, tais como: e) consideração sobre a esfera de produção do gênero textual; f)
observação para as regras de convívio social.
Os elementos acima destacados evidenciam o caminho pensado pela atividade no
sentido de introduzir o aluno no uso de um gênero textual de domínio público, a “entrevista
coletiva”, assim como de orientá-lo quanto a sua produção. A proposta sugere uma atividade
de produção textual que leva em conta a necessidade de o aluno se expressar, observando o
contexto de produção, a adequação do gênero textual à situação comunicativa e aos objetivos
da interlocução.
Como suporte para o desenvolvimento do gênero textual, os conhecimentos prévios
são acionados, de modo que as informações trazidas pelo aluno sejam aproveitadas,
favorecendo a mobilização dos conhecimentos lingüísticos, textuais e de mundo, ativando
assim, diferentes estratégias (KLEIMAN, 1995). Considerar os conhecimentos prévios do
aluno é um importante princípio para se trabalhar com os diferentes conteúdos de ensino, nas
diferentes áreas de conhecimento (BRASIL, 1996).
Para garantir que o gênero entrevista coletiva seja realizado de forma eficiente, a C1
chama a atenção para dois pontos fundamentais no processo de interação, a observância para
os princípios da conversação em que “fala um de cada vez” (MARCUSCI, 1999, p.19) e o
desenvolvimento da habilidade da escuta atenta (BRASIL, 1996). Essas são regras do
intercâmbio comunicativo que devem ser aprendidas em contextos significativos, tendo
função e sentido para o aluno, e não que sejam apenas solicitação e exigência do professor.
Para que o aluno entrevistador se coloque, a atividade sinaliza que ele deverá escolher
perguntas representativas, que possam melhor esclarecer o tema em pauta. Dessa forma, há
uma preocupação em fazer com que haja interação entre os participantes (entrevistado x
entrevistador), direcionando o evento para uma situação “ideal” de entrevista, de modo que
eles “interajam, bem como se modifiquem, se revelem, enfim, cresçam no conhecimento de
mundo e deles próprios” (MEDINA, 1986).
No manual do professor há uma ampliação da proposta direcionada ao aluno. Isto
ocorre quando a C1 define o tipo de registro que será usado para efetivar a entrevista coletiva,
(MP/C1/L3/U2:68) desenvolver nos alunos as habilidades de formular, de improviso e numa
situação de entrevista mais formal que da interação cotidiana que mantém entre si, perguntas
a um colega em condições de dar um depoimento sobre o tema da discussão. Assim, o uso
formal da fala é sugerido, de modo que o aluno venha a usar a fala de maneira diferenciada da
que utiliza em seu cotidiano. Do ponto de vista didático, parece haver uma compreensão que o
aluno tem domínio das situações cotidianas de produção (guiadas pela informalidade), por
isso direcionam o professor a instrumentá-lo de modo que ele possa ultrapassar as formas
cotidianas de produção para confrontar-se com situações formais de fala (BRASIL, 1996).
Ainda no MP encontramos indicações para a observância das regras de convívio
social, como na seqüência (MP/C1/L3/U2:68) os alunos entrevistados terão a oportunidade
de desenvolver habilidade de ouvir com atenção às perguntas que lhes são feitas e respondê-
las com pertinência, dando um depoimento coerente e bem estruturado (...). Nesse sentido, a
atividade busca desenvolver a habilidade de escuta atenta, visto que o desenvolvimento da
oralidade inclui não apenas a capacidade de falar, mas também a capacidade de ouvir e
compreender o que foi dito.
Na C1 as propostas de atividades com o gênero exposição oral estão atreladas ao tema
da unidade, não havendo a eleição, pelo grupo classe, de um sub-tema a ser desenvolvido.
Esta é uma característica das atividades ligadas ao referido gênero, cuja sistemática de
trabalho perpassa todos os manuais dessa coleção.
Vejamos o recorte de uma dessas propostas de exercício, para que possamos
compreender como o trabalho se efetiva:
Exemplo 02:
(C1/L2/U1:16) 27Cada brincadeira que não é conhecida por todos da turma devem ser
descritas pelos alunos que a conhecem: diante da turma descreva o brinquedo – se possível
mostrando-o e explicando como funciona.
(MP/C1/L2/U1:16) O objetivo do exercício é desenvolver a habilidade de explicar oralmente
uma brincadeira apresentando suas regras – produzir um texto oral de instrução e também
explicativo. A exposição pode ser assumida por um aluno acompanhado de dois ou três
outros que também conheçam a brincadeira, de modo que estes possam ir complementando
ou apresentem alguma variação da brincadeira.
A atividade vem proporcionar, na sala de aula, um espaço em que a oralidade possa
ser ampliada, partindo de uma proposta contextualizada (BRASIL, 1996), uma vez que a
exposição oral é resultado de um trabalho sobre brinquedos e brincadeiras desenvolvido em
toda a primeira unidade. Dessa forma a C2 cria uma estratégia atribuindo sentido à
comunicação, já que a culminância, que favorece a produção do gênero oral, é resultado de
27 Esta atividade está situada na Unidade 1, intitulada “Brinquedos e Brincadeiras” (C1/L2/U1:8 a 44). O exercício é resultado final de uma proposta de atividade em que os (as) alunos (as) irão anotar o nome dos brinquedos e brincadeiras de diferentes épocas. Como resultado final, farão a leitura das suas anotações. As brincadeira e brinquedo que não são conhecidos pelo grupo classe, serão explicados, efetivando-se, dessa forma, o momento de trabalho com linguagem oral.
um trabalho sistemático, estando o aluno envolvido em um contexto de produção favorável ao
desenvolvimento da tarefa.
A proposta sugerida no manual do professor evidencia a produção do texto oral,
definindo que a exposição terá a prevalência dos tipos textuais instrução e explicação,
situados por Shweuwly & Dolz (2004, p.61) na ordem do descrever. O fato de o texto
instrucional ser prevalentemente referencial, demanda do seu produtor capacidades de
selecionar itens lingüísticos adequados à realização do gênero textual, como por exemplo,
verbos no imperativo, índices referenciais (dêiticos28), dentre outros, para que dessa forma
construa o texto proposto, na medida em que, se orientado pelo professor, reflita sobre o estilo
composicional desse gênero textual.
Ao considerarmos a especificidade do gênero instrucional temos que levar em conta a
questão da atividade epilingüística realizada pelo aluno no ato da exposição, pois ao produzir
o texto instrucional na oralidade o discente poderá sentir necessidade de, por exemplo,
reformular a sua fala para ser melhor compreendido, podendo também haver correções no
momento da sua fala em função das interferências advindas do seu interlocutor, na medida em
que este o interrompa para questioná-lo, corrigi-lo ou complementar o seu raciocínio etc. A
atividade epilingüística ocorre não apenas por o aluno saber usar a linguagem, mas por saber
também refletir sobre as escolhas lingüísticas, atentando, sobretudo para o objetivo do
discurso que é passar instruções para o interlocutor (GERALDI, 1997, p. 24, 25).
Ao sugerir que o trabalho seja organizado em grupo, a C1 oportuniza a troca de
experiências além do que contribui para desenvolver nos alunos a adoção de pontos de vista, o
que poderá implicar descentração de si para adotar o pensamento do outro. Vemos também,
mesmo que de forma indireta, orientações para a questão do respeito às regras
conversacionais, importantes para o desenvolvimento da exposição oral, visto que os ouvintes
estarão apoiando o falante, ajudando-o na ampliação da atividade, atentando porém para a
regra segundo a qual fala um de cada vez.
Na C2, observamos que o gênero textual propaganda é recorrente nas sugestões de
atividades. O trabalho com o referido gênero, por vezes, remete a observação de outras
propagandas em seu ambiente real de produção, ou seja, o aluno observará diferentes
propagandas veiculadas nos meios de comunicação, que será tomada como modelo para a
construção textual.
28 São elementos do discurso cuja função é situar os interagentes em relação a espaço e tempo, por exemplo.
A seguir trazemos um exemplar da proposta da coleção para o tratamento o gênero
propaganda:
Exemplo 03:
(C2/L1/U6:162) Que tal você se tornar um (a) garoto (a) propaganda?
- Escolha uma propaganda que esteja passando atualmente na televisão.
- Com a ajuda de um adulto, procure escrever o texto que é falado para vender o produto.
- Observe os gestos e o tom de voz usado para chamar a atenção sobre o produto e tente
imitá-los. (grifo nosso)
- Ensaie bastante, quando você estiver satisfeito com sua atuação, apresente-se para a turma
SUCESSO !!!
Nesta atividade, o gênero propaganda efetivando-se enquanto ferramenta para o
professor e ponto de referência para os alunos, no sentido de ser, uma forma concreta de
realização da atividade escolar (KOCH, 2002, p. 55). A utilização de um gênero textual que
faz parte do cotidiano do aluno, embora não seja produzido por ele em situações espontâneas,
oportuniza o despertar para os eventos de letramento sociais, que ocorrem fora da prática
escolar29 (MARCUSCHI, 2001).
Como vimos os eventos de letramento permeiam a atividade, visto que a escrita está
presente no desenrolar da tarefa (BORTONI-RICARDO, 2004). Nesse contexto, o aluno é
posto em situação de produção, mesmo com a ajuda de um adulto. O exercício considerou que
o aluno poderia não dominar a escrita por estar na primeira série escolar (nesta fase,
dependendo do público, as crianças ainda estão em processo de alfabetização). O adulto,
assim, é apresentado na figura de um mediador para a construção da escrita do texto, porém a
realização efetiva do gênero textual dá-se na modalidade oral pelo aluno, que terá um texto
escrito como base e, após vários ensaios, se apresentará ao público. A preparação para a
apresentação é uma das exigências de realização da atividade, sinalizando a importância do
planejamento da fala para uma situação de exposição pública, o que implica em uma situação
monitorada30, previamente planejada, exigindo atenção do falante.
29 A atividade vem escolarizar o gênero, no sentido de se prestar a práticas de ensino de uma série de procedimentos não, necessariamente, ensinados fora do contexto escolar, tais como a indicação que se deve ensaiar ou imitar propagandas veiculadas na mídia, etc. 30 Como a atividade deixa claro para a turma que a realização da tarefa é em ambiente escolar, em que há familiarização entre os alunos, cremos que a atividade pode ocorrer com um menor grau de monitoramento por
O gênero propaganda também foi tomado como veículo para tratar a questão relativa a
fenômenos orais, tais como os elementos prosódicos e a gestualidade. Este fato é notado
quando a atividade chama a atenção para tais fenômenos (C2/L1/U6:162) observe os gestos e
o tom de voz usado para chamar a atenção sobre... . Esses recursos são indicados pela
coleção, no intuito de fazer com que, na realização do gênero textual, o aluno faça uso desses
recursos de forma eficiente. Assim, a multimodalidade se efetiva, visto que será necessária
para a efetivação do gênero textual a harmonização dos gestos e tom de voz no intuito de
auxiliar na construção de sentido do texto.
A C2 evidencia, com esta atividade, a possibilidade de se trabalhar na perspectiva do
letramento, ajudando o aluno a fazer uso de práticas sociais orais e escritas, mesmo que ele
ainda não tenha se apropriado do sistema de escrita alfabética. É importante frisar o papel
assumido pela mediação do adulto no ato da produção escrita, o fato de a professora ser a
escriba da turma no momento da escrita da propaganda, está de acordo com uma visão do
letramento, tendo em vista que para esta perspectiva o produtor de um texto é aquele que o
concebeu pensando-o e levantando idéias para construir o seu sentido e não quem
simplesmente o grafa ao ouvir outros ditarem seqüências de frases e palavras.
Dessa forma, a C2 demonstra compreender que não ser alfabetizado não implica em o
sujeito ser iletrado, já que, como nos afirmam Morais e Albuquerque (2004), muitos
analfabetos fazem uso de técnicas advindas da escrita, enquanto algumas pessoas
alfabetizadas fazem pouco uso da escrita, não conseguindo compreender ou mesmo produzir
textos cujos contextos de circulação social sejam específicos, por exemplo, preencher
formulários ou entender um texto instrucional.
As atividades dedicadas a produção oral dos gêneros textuais são permeadas por
situações que simulam uma ambiente real de interação. Para a produção oral, a C2 introduz
gêneros que exigem do aluno maior preparação para a sua efetivação, visto que, mesmo sendo
produzido no espaço escolar, a sua confecção implicava em procedimentos não muito comuns
em sua vida diária. A atividade que analisaremos a seguir, cujo gênero denominaremos de
interação oral de compra e venda, visto que se configura em uma situação de produção
textual de compra e venda que não se encaixa em um gênero já antes classificado, reforça o
investimento da C2 em contribuir para a construção da competência comunicativa do
educando.
parte deles, esquecendo-se das dicas ofertadas pela atividade para a hora da apresentação. Dessa forma, o professor tem o papel de auxiliar o aluno na tarefa, de modo que os passos indicados pela atividade sejam seguidos e refletidos, a fim de que não se perca o foco central.
Exemplo 04:
(C2/L4/U4:121) Frente a frente com o “cliente”. Agora, você e seus colegas irão brincar de
vendedores. Imagine que você seja um vendedor de livros de histórias, de enciclopédias,
revistas em quadrinhos, revistas científicas para crianças, do jornal mais lido em sua cidade,
de livros de poesia ou de religião. Depois de escolher o produto que você irá vender, pense
em como convencer as pessoas em adquiri-lo. Crie falas e gestos interessantes para prender
a atenção dos “clientes”. Em sala de aula, você se apresentará como vendedor e seus
colegas serão os “clientes”. Se você “incrementar” sua apresentação, escolha uma roupa
que você considere adequada à situação.
(MP/C2/L4/U4:52) Por fim, propõe-se uma produção de texto oral: os alunos devem no papel
de vendedores, convencer os colegas a comprarem determinados produtos. É importante que,
em seguida, haja um espaço para comentários sobre a atividade: a performance dos
vendedores, os recursos utilizados, a caracterização dos vendedores, as estratégias para
convencer os “clientes”.
Neste exemplo, a C2 direciona seus comandos para o aluno, chamando a atenção para
os seguintes pontos: a) preparação para a produção; b) utilização de estratégias
argumentativas; c) consideração sobre o interlocutor; d) simulação de ambiente real de
produção; e) observação para os aspectos multimodais do gênero textual; f) criação do
momento de avaliação da atividade. Aspecto este observado no MP.
A atividade inicia sua proposta sinalizando para o aluno o cuidado com o
planejamento da tarefa. A organização prévia oportuniza a observação de elementos
essenciais para a realização do gênero, visto que o gênero textual em questão exige um texto
adequado para a venda, de forma que os argumentos do “vendedor” convençam o “cliente” a
comprar o que se está oferecendo.
Na perspectiva de Rubio & Arias (2002, p.35), a argumentação é configurada quando
“um sujeito tenta persuadir um destinatário acerca de um ponto de vista determinado”. Para as
autoras, o ensino da argumentação implica colocar em prática uma diversidade de estratégias
com a finalidade de chegar ao objetivo pretendido. A partir desse ponto, os autores defendem
tarefas que partam de situações reais em que os alunos possam compreender argumentos dos
discursos sociais nas duas modalidades de uso da língua, assim como colocar em práticas
diferentes estratégias argumentativas.
Na atividade acima, a produção enquadrada na ordem do argumentar31 não surge de
uma situação verdadeira, como propõe os autores supracitados, visto que o ambiente escolar
não se configura como um espaço de “situação de venda”. No entanto, parece que em busca
de aproximar a atividade de uma situação real de produção, a C2 organiza o evento (venda)
utilizando-se de produtos que, em sua maioria, fazem parte do cotidiano escolar dos alunos. A
tarefa (re)cria uma situação que busca reproduzir as práticas de linguagem de referência.
(SHWEUWLY & DOLZ, 2004, p.79).
Podemos analisar a atividade da C2 na perspectiva de Shweuwly & Dolz (2004, p.80 e
81) para quem a introdução de um gênero textual na escola é ressignificada, pois passa a ser
gênero a aprender, embora permaneça gênero a comunicar. Como resultado de uma decisão
didática, a escolha de determinados gêneros visa a objetivos de aprendizagens que caminham
em dois sentidos: melhor conhecê-lo ou apreciá-lo, para melhor saber compreendê-lo, para
melhor produzi-lo na escola ou fora dela; e para desenvolver capacidades que ultrapassem o
gênero e sejam transferíveis para outros gêneros próximos ou distantes. Nesse processo ocorre
a variação do gênero de origem ocasionando transformações, de variada intensidade, tais
como simplificação do gênero textual, ênfase em certas dimensões etc.
A proposta da C2 demonstra que o seu objetivo central não é, essencialmente, fazer
com que o aluno aprenda a vender, embora pareça “visar o domínio, o mais perfeito possível
do gênero textual correspondente à prática de linguagem, para que o aluno possa responder às
exigências comunicativas com as quais ele se confronta” (SHWEUWLY e DOLZ, 2004, p.
79). Os encaminhamentos ofertados para a realização da atividade sugerem o
desenvolvimento de habilidades que excedem ao gênero trabalhado, enfatizando dimensões
que dialogam com uma infinidade de gêneros textuais, tais como: carta ao leitor, resenha
crítica, debate, carta de reclamação, artigos de opinião, ensaios, requerimentos, cartas de
solicitação, etc. em que predominam a seqüência argumentativa (DOLZ & SCHNEUWLY,
1996), ou mesmo outros gêneros textuais dispostos em diferentes domínios. É nesse sentido
que parece caminhar esta atividade.
31 Dolz e Schneuwly (2004) reconhecendo a dificuldade de se categorizar os gêneros textuais escritos e orais, trazem uma proposta “provisória” de agrupamento de gêneros, seguindo os fundamentos que abarcam os domínios sociais de comunicação, os aspectos tipológicos e a capacidade de linguagem dominante. Segundo os autores, os agrupamentos podem se dar de diferentes formas, entre elas, na ordem do argumentar. A função do agrupamento de gêneros argumentativos será o de fazer com que o aluno se posicione, negocie, conteste (frente a problemas sociais controversos), defenda pontos de vista.
Como é perceptível, as orientações dadas ao aluno e ao professor sinalizam um
repertório de objetivos, direcionados ao ensino de diferentes elementos, entre eles, os aspectos
multimodais presentes nos gêneros textuais. Segundo Dionisio (2005, p.176), a
multimodalidade discursiva é um traço característico dos gêneros textuais orais e escritos,
visto que ao empregarmos a língua nessas modalidades, utilizamo-nos de, no mínimo, dois
modos de representação32, dentre os quais a autora cita: palavras e gestos, palavras e
entonação, palavras e imagens, palavras e tipografia, palavras e sorrisos, palavras e
animações, etc. Esses são recursos multimodais.
A observância para a multimodalidade discursiva do gênero textual pode ser conferida
quando a C2 orienta ao aluno no sentido de que (C2/L4/U4:121) Crie falas e gestos
interessantes para prender a atenção dos “clientes”. Em sala de aula, você se apresentará
como vendedor e seus colegas serão os “clientes”. Se você “incrementar” sua apresentação,
escolha uma roupa que você considere adequada à situação. A partir de uma situação de
venda, o aluno terá a função de convencer o cliente a comprar um determinado produto, para
isso, ele deverá além de argumentar com precisão, harmonizar as palavras com os gestos, com
roupas adequadas ao contexto de produção.
Assim, percebemos que a utilização do gênero textual interação oral de compra e
venda vem conjugada com recursos verbais e visuais, atuando como um todo no
processamento do gênero textual. Esses recursos são importantes, uma vez que se há de fato a
preocupação em desenvolver competências sócio-discursivas nos discentes, precisa-se atentar
para o fato de que parte do significado do discurso interacional é construída com base em
elementos paralingüísticos como gesto, entonação, olhar, dentre outros, e não apenas com
base na estrutura lingüística dos enunciados (GUMPERZ, 1982; MARCUSCHI, 2002). Nessa
perspectiva, a multimodalidade presente na atividade analisada, contribui para o processo de
argumentação, tendo em vista que acompanha a estratégia de convencimento dos ouvintes.
No MP observamos um comando específico para a produção de um texto oral
(MP/C2/L4:52) Por fim, propõe-se uma produção de texto oral... Mesmo não havendo uma
orientação clara para o gênero textual que deverá ser produzido, a C2 dá ênfase à elaboração
de um gênero da ordem do argumentar (DOLZ & SCHNEUWLY, 2004). A situação de
aprendizagem se amplia na medida em que o trabalho implica em um momento de reflexão
coletiva sobre as formas empregadas (MP/C2/L4:52) É importante que, em seguida, haja um
32 Dionisio afirma que “em todas as situações comunicativas, usamos os nossos sistemas de conhecimentos para orquestrar, da forma mais harmoniosa possível, todos os recursos verbais (escritos ou orais) e os recursos visuais (estáticos ou dinâmicos) existentes nas interações comunicativas em que estamos inseridos” (2005).
espaço para comentários sobre a atividade: a performance dos vendedores, os recursos
utilizados, a caracterização dos vendedores, as estratégias para convencer os “clientes”.
Neste espaço reflexivo, vemos um arremate dos principais objetivos, visados pela
atividade, são eles: associação dos recursos multimodais (falas e gestos) na realização da
tarefa e estratégias argumentativas adequadas ao convencimento do cliente. Dessa forma, a
C2 oportuniza um fechamento da atividade favorecendo a análise da produção de discursos,
buscando formar um aluno avaliador, seguindo critérios predefinidos, visto que para se avaliar
deve-se saber o que avaliar.
Os encaminhamentos trazidos pelas coleções, através das atividades, contemplam a
demanda exigida pelos documentos oficiais, no sentido de ensinar os gêneros textuais que
transcendem aos espaços privados de produção. Nesse sentido, a escola como espaço de
reflexão, torna-se responsável pela sistematização desse ensino, de modo a ampliar a
competência comunicativa do aprendiz para o uso da fala pública formal, relativamente
estabilizados em diferentes gêneros textuais.
4.2. MULTIMODALIDADE DISCURSIVA
Já nos é sabido que a oralidade se apresenta através dos gêneros textuais fundados na
realidade sonora33. Através dela, assim como da escrita, podemos construir textos coesos e
coerentes, elaborar raciocínios abstratos, expor de modos formal e informal, assim como
produzir variações de estilo, dialeto, entre outras. Tanto na oralidade quanto na escrita,
encontramos fenômenos específicos que caracterizam essas modalidades de uso da língua. Na
oralidade, temos a prosódia, a gestualidade, os movimentos do corpo e dos olhos, entre
outros. Na escrita, temos elementos como o tamanho e tipo de letras, cores e formatos,
elementos pictóricos, etc. Marcuschi (2001) afirma que os recursos observados na escrita
produzem efeitos de sentido e, enquanto meios secundários, são equivalentes aos elementos
paralingüísticos (gestos, mímica, movimento do corpo, etc.) da oralidade, os quais são
representados graficamente.
33 Os gêneros textuais se realizam na modalidade oral e escrita da língua, havendo gêneros da oralidade que se assemelham aos da escrita e gêneros da escrita que se assemelham aos da oralidade. Estas semelhanças são evidenciadas ao observarmos os variados gêneros num continuum tipológico. Neste há um movimento de aproximação e distanciamento tendo como referência o grau máximo de informalidade e de formalidade (MARCUSCHI, 2002).
A partir das discussões sobre a linguagem oral, procuramos, nesta categoria, analisar o
trabalho apresentado pelas coleções no que se refere ao emprego dos diferentes recursos
utilizados pela fala em seu momento de realização. Buscamos compreender se há, por parte
das coleções, um espaço consistente de reflexão sobre os fenômenos específicos da oralidade.
Através da investigação, encontramos propostas de exercícios que sinalizam
estratégias, no sentido de chamar a atenção para os recursos utilizados pela fala em sua
produção de significados, para isso, as coleções utilizam gêneros textuais tais como poemas,
peças teatrais, todos direcionados a explorar os recursos multimodais da fala.
A seguir trazemos uma atividade proposta por C1 que apresenta o gênero textual peça
teatral para explorar os recursos que atribuem sentido a língua:
Exemplo 05:
(C1/L3/U2:80, 85) Pedro chegou da escola; depois, chegou a mãe. Pedro conta o que
acontecia todos os dias:
VOCÊ QUER DEIXAR SEU PAI NERVOSO?
Com minha mãe não dá pra conversar. Ela não ouve, porque não pára de falar. Eu a minha
avó tentamos:
AVÓ- Eu falo do meu tempo de mocinha porque o de agora é muito chato!
MAE- que besteira!
PEDRO- É isso mesmo. No jornal da TV só tem notícia ruim!
MÃE- É que não sobra tempo para as boas!
AVÓ- Ta vendo? Tem tanta noticia ruim, que nem dá tempo de contar as boas!
PEDRO- E quem garante que tem notícia boa?
MÃE- Pára já com isso, Pedro! Você quer deixar seu pai nervoso?
A NOVELA
Era assim, todos os dias. E, na hora em que ela perguntava se eu queria deixar meu pai
nervoso, ele chegava. E nervoso. E quando chegava, era sempre o mesmo barulho:
RIIINCH! – carro brecando.
CLIC! PAF! – porta do carro abrindo e fechando.
CLEC! BLAM! – porta de casa abrindo e fechando com força.
CHEGUEI! – meu pai, falando.
Então era assim: RIIICH! CLIC! PAF! CLEC! BLAM! CHEGUEI!
E, como todos os dias, o jantar era posto na mesa. Quando eu abria a boba pra tentar
conversar – CLIC! -, alguém ligava a televisão!
Eu tentava contar o que tinha acontecido comigo. Saber o que eles tinham feito. Mas dava?
Não dava. Eles ficavam feito umas múmias, olhando para a televisão. E quando acabava a
ultima novela, tava na hora de dormir. E aí, “baú, baú”.
(Flávio de Souza. Vida de cachorro. Belo Horizonte: formato, 1996, p.13)
Representem, como se fosse uma peça teatral, a conversa entre Pedro, sua mãe e sua avó, e a
chegada do pai.
- Cada grupo vai representar a “peça” diante da turma, que discutirá as qualidades e
defeitos da cada apresentação.
(MP/C1/L3/U2:85) Busca-se aqui, indiretamente, levar o aluno a experiência do gênero
teatral, pela representação de parte do texto, que vem apresentada de forma aproximada à
forma desse gênero. A dramatização levará ao desenvolvimento da expressão oral em
situação mais formal, porque artificial, fazendo os alunos tomarem consciência dos aspectos
prosódicos da fala: entonação, ritmo, gestos, expressão fisionômica. Esses aspectos é que
devem ser, sobretudo, analisados na avaliação que os alunos farão da apresentação dos
grupos.
A C1 demonstra com está atividade trazer a reflexão sobre as formas específicas de
realização lingüística da fala, ou seja, mostrar o que se faz quando se fala (MP/C1/L3/U2:85)
fazendo os alunos tomarem consciência dos aspectos prosódicos da fala: entonação, ritmo,
gestos, expressão fisionômica. Esse ensino está ligado ao emprego da fala em contextos que
não figuram no saber cotidiano do aluno, por isso necessita de ensino (MARCUSCHI, 1994).
Considerando que a dramatização necessita de elocução clara e atitude corporal que
correspondam às reações dos personagens, faz-se necessário a reserva de espaço para pensar
em como melhor fazê-la.
Na fase de preparação para o desenvolvimento da atividade, o professor entra como
mediador, pontuando elementos ligados ao contexto de produção (uso da fala em situação
formal), em que poderá ser criado um espaço para a discussão sobre a variação de registro,
ocasionada em função do interlocutor, do ambiente, do tópico da conversa, dos objetivos dos
interlocutores (BAKHTIN, 1992, MELO & BARBOSA, 2005, TRAVAGLIA, 1997, p.51) e
também a sensibilização para as formas específicas de realização da fala (aspectos
prosódicos). Encaminhamentos estes explicitados no manual do professor.
É quanto ao aspecto prosódico que o público (colegas de sala) será convocado a
avaliar a apresentação dos amigos. Este momento de avaliação oportuniza uma maior reflexão
sobre a adequação dos recursos lingüísticos e discursivos, prosódicos e gestuais utilizados
pelos alunos. O comando da atividade não está relacionado à avaliação de um conteúdo
temático, mas em analisar essencialmente a oralização da dramatização, considerando que a
oralização contribui também para a estruturação da exposição (DOLZ e SCNEUWLY, 2004,
p. 225).
Na C2 podemos encontrar o gênero textual poema direcionado a desenvolver
habilidades que auxiliam o aluno a expressar-se com clareza, voltando a atenção para os
recursos da fala que auxiliam na produção de sentido. A atividade que trazemos abaixo
oportunizará a reflexão de como se desenvolveu o trabalho de com a modalidade oral:
Exemplo 06:
(C2/L3/U4:86)Vamos declamar poemas? Declamar é memorizar um poema e recitá-lo em voz
alta, com musicalidade, respeitando as pausas e o ritmo.
Ensaiem a declamação do poema, repetindo-o várias vezes. Use gestos e movimento com o
corpo para acompanhar o que é dito. Por exemplo, pode-se recitar o poema “A onda”, de
Manuel Bandeira, com movimentos sinuosos das mãos ou da cabeça.
Se possível, grave e ouça um ensaio para melhorar o que achar necessário.
Podemos observar que o gênero textual poema apresentado pela C2, entrar no espaço
escolar sendo pensados com propósitos definidos, ou seja, construir no aluno a competência
de expressar-se oralmente de forma eficiente, identificando e utilizando elementos
multimodais e os efeitos de sentido que estes produzem na fala. Mesmo considerando que a
proposta da atividade é baseada em uma oralização do texto escrito, temos que observar que
esta prática é um modelo didático que pode servir para tratar dos recursos multimodais na
realização da fala.
Na perspectiva de Dolz e Scneuwly (2004), a oralização comporta diversas
características que devem ser trabalhadas em sala de aula, favorecendo a uma boa
compreensão do texto, observando aspectos como: falar alto e distintamente, nem muito
rápido nem muito lentamente, gerenciar as pausas para permitir a assimilação do texto etc. A
oralização também tem a função de captar a atenção da audiência, isto sendo feito através da
variação da voz; do gerenciamento do suspense; da sedução etc. Parece ser nesse sentido que
a C2 parece investir ao explorar o gênero textual poema.
Ao sugerir que a atividade seja gravada para posterior audição (C2/L3/U4:86) Se
possível, grave e ouça um ensaio para melhorar o que achar necessário, a C2 da
oportunidade ao aluno de refletir sobre a sua performance oral, ajudando-o a desenvolver a
capacidade de monitorar a sua comunicação na oralidade. Essa capacidade de monitoração da
comunicação oral requer treino consciente, visto que, conforme Marcuschi (1994) são
técnicas que devem ser ensinadas, pois exorbitam a uma aprendizagem natural, entretanto, o
treinamento deve ocorrer com naturalidade, em busca de habilitar os aprendizes
adequadamente para o desempenho oral.
As atividades analisadas sinalizam que as estratégias adotadas pelas coleções para a
abordagem da modalidade oral vêm favorecer ao aluno a compreender as diferentes formas de
realização oral, observando os recursos utilizados pela fala na produção discursiva, atentando
dessa forma, para o desenvolvimento de competência para o desempenho oral eficiente. Os
gêneros textuais foram utilizados como mediadores desse ensino, exercendo assim um papel
significativo nas atividades, visto que auxiliavam na contextualização das atividades.
4.3. REFLEXÕES SOBRE AS MODALIDADES DE USO DA LÍNGUA
Diante das discussões sobre a fala e a escrita, os princípios gerais do PNLD (2004),
que norteiam a área de Língua Portuguesa para o Ensino Fundamental, indicam que um dos
objetivos de reflexão sobre a língua que deve ser trabalhado pela escola está ligado às relações
entre oralidade e escrita. A proposta concebe a relação entre a fala e a escrita dentro de um
quadro de inter-relações, sobreposições, gradações e mesclas, superando o mito de
supremacia social e cognitiva da escrita sobre a oralidade.
Buscamos observar, nesta categoria, como as coleções tratam da relação fala – escrita,
investigando se as mesmas compreendem a abordagem sob a perspectiva do continuum,
trazendo uma análise que aponte a fala e a escrita em suas relações como propõem os
documentos oficiais.
A análise das coleções aponta para um trabalho que oportuniza o contato com
atividades direcionadas a tratar da relação da fala com a escrita. As coleções trazem diferentes
gêneros textuais, tais como, cartas, lendas, entrevistas etc, todos encaminhando a uma
reflexão que observa as relações entre as modalidades de uso da língua. Em todos os manuais,
dessas coleções, encontramos propostas de atividades direcionadas a exploração o tema (fala-
escrita), no entanto, não há uma exploração sistemática em cada unidade, havendo momentos
em que o tema não aprece. Esse é um perfil das duas coleções.
A seguir, trazemos para a análise algumas atividades pontuadas em meios as propostas
das coleções, para que possamos refletir sobre os encaminhamentos ofertados para o trabalho
com a relação fala-escrita, dessa forma compreender como essas atividades vem oportunizar o
aluno a compreender as relações de proximidade e distanciamento existente nessa duas
modalidades de uso da língua.
Vejamos como através do gênero textual entrevista a C2 aborda a questão das relações
entre a fala e a escrita:
Exemplo 07:
(C2/L1/U3:72) fragmento 1 - “Meu nome é Celina Tembé porque sou da tribo Tembé. Estou
começando a aprender a língua de nossa tribo. Gosto de viver perto do rio, quero ficar aqui
o resto da vida...”
(C2/L1/U3:77) Como você pode observar, o texto de Celina está entre aspas (“ ”). Isso
deveria significar que a pessoa que o escreveu reproduziu integralmente, fielmente, as
palavras de Celina. No entanto, percebe-se que isso não ocorreu, pois o texto não apresenta
as marcas próprias da fala, mas sim as marcas próprias da escrita. A seguir, leia como,
possivelmente, Celina teria falado sobre ela.
(C2/L1/U3:77) fragmento 2 Eu me chamo Celina, Celina Tembé. Eu sou da tribo Tembé. Eu
tô começando a aprender a língua da tribo Tembé. Eu gosto de viver perto do rio. Eu quero
ficar aqui o resto da vida. Eu adoro a floresta. Eu foco triste quando as pessoas derrubam as
árvores das florestas (...)
Observam que, na linguagem falada, geralmente costumamos:
Usar frases curtas para expor as idéias, uma a uma, sem estabelecer muita relação
entre elas;
Repetir palavras, expressões e até mesmo frases;
Usar uma linguagem mais simples, menos elaborada;
Reduzir alguns sons das palavras.
(MP/C2/L1/U3:47) A questão (...) chama a atenção para a relação linguagem escrita
linguagem oral. Para isso, reproduz-se o possível depoimento oral de Celina, com as
características próprias da fala. Nessas atividades, espera-se que os alunos desenvolvam
competências que permitam:
a) distinguir aquilo que é específico da linguagem escrita;
b) perceber diferenças entre a linguagem escrita e oral;
c) analisar e refletir sobre recursos lingüísticos próprios da escrita.
Nesta atividade a C2 traz, no primeiro fragmento, o recorte de uma entrevista
publicada em uma revista direcionada ao público infantil. A partir desse fragmento, a questão
indica ao aluno que o texto apresentado na revista não condiz com o texto falado
espontaneamente pela entrevistada, visto que, por aquele estar entre aspas, deveria apresentar
as marcas próprias da oralidade e não as da escrita. Inicialmente a C2 não deixa evidente o
que está chamando de “marcas próprias da escrita”, embora dê a entender que esteja tomando
a ausência de repetições e os elementos que dão encadeamento ao texto como marcas da
escrita. As inferências apontam para esse entendimento, já que a C2, ao tentar produzir a fala
no fragmento dois, retira os elementos conectivos e insere repetições forçosas para sinalizar a
presença de marcas, que diz ser “próprias da oralidade”.
Ao confeccionar uma fala que não tenha sofrido qualquer tipo de edição na passagem
para a versão escrita, a C2 artificializa o discurso deixando-o com uma estrutura de texto
cartilhado34, fragmentado, apresentando de modo forçado a repetição do pronome Eu e a
contração do verbo estar = Tô, na tentativa de tornar essa versão próxima da fala real. Nesse
sentido, a atividade evidencia a língua falada enquanto possuidora de uma estrutura simples
ou mesmo desestruturada, informal, concreta e dependente do contexto, enquanto a escrita é
apontada como tendo uma estrutura complexa, formal e abstrata, estabelecendo assim
polarizações entre fala e escrita (FÁVERO, 2000, p.9).
34 Conforme Votre (1987) os textos cartilhados apresentam padrão de textualidade com ausência de encadeamento das orações; repetição abusiva de pronomes; uso excessivo de verbos no presente e repetição freqüente dos mesmos itens lexicais.
Dessa forma, a C2 nos remete à concepção estruturalista que toma a linguagem como
expressão do pensamento, submetendo a regras estabelecidas pelas gramáticas normativas que
definem a fala e a escrita corretas. Também há indícios de uma visão de linguagem
transformacionalista, visto que a atividade demonstra compreender a linguagem como um
código a ser dominado pelos falantes a fim de que a comunicação seja realizada
(TRAVAGLIA, 1995). Assumindo essas teorias, a C2 se contrapõe a concepção de língua
enunciativa, a qual afirma seguir em seu discurso teórico.
A atividade também parece não atentar para o fato de que o primeiro fragmento possa
ser a fala literal do sujeito entrevistado, já que este poderia ter se preparado para a entrevista e
a sua fala estar mais próxima da norma padrão, ou mesmo de um texto escrito guiado por essa
norma. Como afirmam Dolz e Schneuwly (2004) um texto falado pode apresentar uma grande
proximidade com o texto escrito como, por exemplo, uma conversa informal e um bilhete
familiar que, embora produzidos em modalidades diferentes, possuam semelhanças. A
entrevista escrita, por exemplo, pode ou não conter marcas da oralidade, da mesma forma que
uma entrevista falada ao vivo pode se aproximar de um discurso formal, seja oral ou escrito.
Essa perspectiva de análise desestabiliza o conceito trazido pela C2 nesta atividade e
dimensiona a análise da relação fala - escrita para suas múltiplas relações.
Conforme Marcuschi (2001), a oralidade e a escrita possuem características próprias,
assim, a escrita não consegue reproduzir fenômenos orais tais como os gestos, as prosódias,
os movimentos corporais e faciais, por outro lado, a fala não consegue representar elementos
significativos da escrita como, por exemplo, o tamanho das letras, cores e formatos.
Entretanto, a escrita resgata elementos da oralidade através de marcas gráficas, por exemplo,
o ponto de exclamação, o ponto de interrogação, etc. Fato este que a atividade parece ignorar.
No MP encontramos afirmações de que a questão foi direcionada para que o aluno percebesse
(MP/C2/L1/U3:47) a relação linguagem escrita linguagem oral. Com esse propósito, aponta
algumas habilidades a serem apropriadas (MP/C2/L1/U3:47) a) distinguir aquilo que é
específico da linguagem escrita; b) perceber diferenças entre a linguagem escrita e oral.
No entanto, como podemos notar, tais habilidades incidem na reflexão sobre as
diferenças entre a fala e a escrita e não nas relações entre elas, como propõe o comando.
Sendo assim, a atividade apresenta lacunas no sentido de estabelecer uma prática
significativa, dificultando o processo de reflexão por parte dos alunos e aumentando a
responsabilidade do professor no sentido de intervir com clareza no aprofundamento da
questão.
Em busca de refletir sobre a relação fala-escrita em seus múltiplos contextos de
produção, a C1 traz em uma de suas atividades o trabalho com o gênero carta35. Os
encaminhamentos vêm sugerir uma proposta diferenciada da que pudemos observar na
atividade proposta pela C2, acima analisada. A seguir, observemos como se deu a condução
da atividade:
Exemplo 08:
(C1/L4/U2:81,82) Ângela,
Depois que você foi embora para Ribeirão Preto, eu fiquei um tempão andando pela casa que
nem barata tonta, achando tudo muito engraçado...
Observe que Marisa escreve como se estivesse conversando com Ângela. Se ela estivesse
falando com Ângela, e não escrevendo para Ângela, com certeza falaria assim mesmo como
escreveu? Imaginem se a frase tivesse começado assim:
Ângela,
Depois que você partiu tudo aqui se tornou muito tedioso. Sinto-me muito entediada por ter
de esperar as próximas férias para que possamos nos encontrar de novo...
Vocês acham que Marisa conversaria assim com Ângela? Por que sim ou por que não?
(MP/ C1/L4/U2:81,82) O objetivo das atividades é que, pela observação do texto e de outros
exemplos, os alunos intuam que língua oral e língua escrita não se diferenciam de forma
absoluta: o uso, na carta, de registro coloquial ou formal depende do destinatário e do
objetivo da carta. 1- Ler e discutir com os alunos as modificações feitas na linguagem da
carta.
A atividade acima simula uma situação de interação face a face, em que o
envolvimento entre os interlocutores propicia um registro guiado pela informalidade (1ª
versão da carta) e outro guiado pela formalidade (2ª versão da carta). Vemos que, na segunda
versão da carta, há um apagamento das expressões “tempão andando” e “barata tonta” cuja
função seria promover maior proximidade interacional, sendo o texto reformulado para
“Depois que você partiu tudo aqui se tornou muito tedioso. Sinto-me muito entediada por ter
de esperar as próximas férias para que possamos nos encontrar de novo...” no qual foram
apagadas as marcas de proximidade, usada no primeiro exemplar da carta, tipicamente de uma
conversação informal.
35 Para maior aprofundamento do tema carta, conferir Paredes Silva (1997, p.118 a 121).
Se considerarmos a afirmação de Tannen (1985) de que, no gênero carta, a mensagem
figura como elemento secundário, se comparada ao envolvimento entre os sujeitos, podemos
afirmar que a atividade analisada contribui para que o aluno perceba que a leitura de uma
carta depende, em parte, do reconhecimento das estratégias de proximidade, as quais dão ao
leitor a impressão de estarem juntos um do outro. Nessa perspectiva, a C1 mostra para o
aprendiz que, embora a relação entre a fala e a escrita apresente suas especificidades, a
relação de proximidade ou distanciamento entre os interlocutores contribuem para as
aproximações entre o texto oral e o texto escrito, quando analisados no contínuo.
Encontramos na C2 um grande investimento de gêneros que ratam das culturas
populares. Entre as propostas de atividades, há alguns exercícios que se propõem trabalhar a
fala e a escrita através do gênero textual lenda. A atividade abaixo traz um recorte de como a
proposta de ensino se realiza, vejamos:
Exemplo 09:
(C2/L3/U3:20) As histórias que você vai ler agora fazem parte do folclore africano e do
folclore dos aborígines australianos. Conheça-as.
NAPI, OS HOMENS E OS ANIMAIS
No início do mundo nasceu o Sol, e depois desse surgiu Napi, o criador, o guardião da
vida.Um dia Napi descansava perto de uma fonte. Olhou para a terra úmida e teve uma idéia:
pensou que seria divertido muldar pequenas criaturas de argila...
(História do folclore africano – Lá vem a história:
contos do folclore mundial, Editora companhia das letrinhas).
O TERRÍVEL HOMEM-GATO
Kininie-Ger era um montro com cabeça de gente e corpo de gato. Insensível, devorava
crianças, animais ou o que quer que surgisse em seu caminho.Os homens da tribo Canguru
revezavam-semontando guarda à noite para evitar que alguém fosse comido pelo monstro...
(História do folclore australiano - Lá vem a história:
contos do folclore mundial, Editora companhia das letrinhas).
Discuta com sua professora e colegas
De acordo com essa história, quem criou os animais que vivem sobre a terra?
Por que, segundo a história, o homem continua até hoje, procurando novos lugares para
morar?
Se as lendas fazem parte do modo como um povo tenta entender e explicar fatos da vida, é
possível afirmar que a história “Napi, os homens e os animais” seja uma lenda? Por quê?
(MP/ C2/L1/U/:32) Pode-se ampliar essa atividade, gravando a narração da lenda em fita
cassete para que, depois, possa ser ouvida e comparada com a versão escrita. Espera-se que
os alunos cheguem às seguintes conclusões quanto a aspecto da linguagem escrita e da
linguagem oral das lendas:
a) a seleção do que se diz quando se escreve: evitam-se as dúvidas, as repetições e as
hesitações;
b) a escrita deve primar pela clareza, pois não pode, como na oralidade, ser acompanhada
de gestos, expressões faciais, entonações;
c) Há um esforço maior, na escrita, para ordenar as idéias e hierarquizá-las;
d) é preciso dedicar-se à preparação do que se vai escrever: roteiro prévio, construção de
texto, revisão etc.
Podemos observar através desta atividade o enfoque que a C2 dá ao gênero lenda36. A
proposta inicial concentra-se na leitura das lendas e discussão do texto, com os alunos e o
professor. A tarefa visa estimular a interação cotidiana em sala de aula, sendo este evento
orientado por questões cujo núcleo é o resgate das informações contidas no texto. Essa
característica de exploração é percebida em todos os momentos em que o gênero lenda é
abordado pela coleção.
No desenvolvimento da tarefa, o aluno é orientado a refletir sobre as características do
gênero, através do seguinte questionamento (C2/L3/U3:20) Se as lendas fazem parte do modo
como um povo tenta entender e explicar fatos da vida, é possível afirmar que a história
“Napi, os homens e os animais” seja uma lenda? Por quê? Neste recorte, vemos a C2
apontando, de forma sucinta, características que definem o gênero lenda e conduzindo a
reflexão sobre o texto. Dessa forma, oportuniza o aluno identificar, no texto trabalhado, os
elementos que sinalizam a lenda como uma criação popular que represente a visão de um
povo.
36 As lendas são gêneros narrativos marcados pela coletividade, que reúnem histórias e depoimentos referentes ao passado, buscando, em sua maioria, transmitir valores morais, ensinamentos para a comunidade. Através de histórias, as lendas buscam explicar elementos da natureza, também experiências de vida, de modo que induz a uma reflexão, a uma moral, a um ensinamento (JESUS e BRANDÃO, 2001, p.52).
No MP encontramos sugestão de ampliação da atividade, em que é sugerida a audição
de fitas, no intuito de trabalhar a comparação da lenda na versão oral e escrita
(MP/C2/L1/U3:32) Pode-se ampliar essa atividade, gravando a narração da lenda em fita
cassete para que, depois, possa ser ouvida e comparada com a versão escrita. O uso da
gravação e audição de fitas é um dos recursos que favorece a reflexão sobre o gênero textual
presente nas duas modalidades de uso da língua, podendo ser ampliado para o trato com
diferentes gêneros textuais, sistematizando uma reflexão sobre a língua (MARCUSCHI,
2001).
Através da comparação das versões oral e escrita da lenda, a C2 pontua alguns
elementos que objetiva ver o aluno compreender, entre eles podemos destacar a ênfase na
clareza da escrita em comparação à fala, atribuindo a primeira um maior cuidado na
ordenação das idéias e um afrouxamento da segunda no ato de sua produção. Decorre disso
alguns mitos estabelecidos socialmente, entre eles o de que a fala é dependente, não
planejada, fragmentária, o lugar do “caos”, enquanto que a escrita se configura como
autônoma, explícita, precisa. Por este discurso, a C2 reforça o princípio de análise da fala –
escrita tomando o oral espontâneo ou o falar diário, comparando-o a uma escrita formal, já
tendo passado por um processo de releitura e revisão.
De acordo com Dolz & Schneuwly (2005, p. 158):
“Ficar pensando sob o aspecto caótico do oral em si a partir do discurso organizado pela escrita é condenar-se a somente ver hesitações, titubeios, reformulações, retomadas ecóicas, balbucios, falsos inícios e falsas cadências, fáticos onipresentes, inicio de turnos abortados, quebras, interrupções, latidos, suspiros de tudo o tipo em que a frase canônica sujeito – verbo – objeto é um fenômeno singular e, portanto, notável e notado. Em resumo, vê-se aquilo que, muitas vezes e por muitos autores, tem sido chamado a escória do oral espontâneo”.
É preciso compreender bem que oral e que escrita estamos buscando relacionar para
que a análise não se apóie em uma supremacia ou superioridade de uma modalidade em
relação à outra. Portanto, a análise deve ter clareza quanto ao aspecto que se está
comparando e considerar que esta relação não é homogênea nem constante (MARCUSHI,
2001, p. 34).
Decorre de encaminhamentos como o dado pela tarefa acima, análises que tomam
como referência elementos da fala e da escrita que pertencem a fenômenos discursivos “a
priori” distintos, já que os processos e as condições de produção são diferenciados. Embora a
C2 tenha trazido a lenda, ainda que sob formas distintas de realizações (escrita/oralizada,
oralizada/transcrita), o destaque é dado aos diferentes recursos utilizados por cada
modalidade, esquecendo-se de que, no continuum, a lenda escrita e a falada apresentam mais
aproximações que diferenças no tocante ao grau de formalismo do registro.
São encaminhamentos inadequados, como os trazidos nessa questão, que favorecem
uma identificação e avaliação da fala com base na escrita em um “quadro de dicotomias
estritas porque predomina o paradigma teórico da análise imanente ao código”
(MARCUSCHI, 2001, p.37). Os encaminhamentos dados pela atividade induzem a um olhar
dicotômico e centram a reflexão fora do continuum, demonstrando uma inconsistência no
trato com as modalidades de uso da língua e desprezando o fato de que as funções do gênero
textual são igualmente importantes para a sociedade.
A C1 também apresenta em sua proposta de ensino o trabalho com o gênero lenda.
Trazemos para a análise o mesmo gênero abordado pela C2, para que possamos compreender
qual o direcionamento dessa coleção no sentido de fazer o aluno compreender a relação fala -
escrita:
Exemplo 10:
(C1/L2/U3:154) lembrem-se daquilo que o Negrinho do Pastoril disse ao capataz, antes de
ser levado para longe pelo bando de passarinhos.
- alguns de vocês vão representar o Negrinho e dizer o que ele disse – sem consultar o texto!
- agora, leiam no texto o que o negrinho disse e tentem analisar as diferenças entre o que foi
falado pelos colegas e o que está escrito.
- concluam: nem sempre a gente escreve como fala, nem sempre a gente fala como escreve.
(MP/C1/L2/U3:154) será interessante que o professor registre no quadro - de- giz a fala de
um dos alunos, para depois comparar mais facilmente o que foi falado com o que está escrito
no texto. Discuta a conclusão com os alunos: há textos escritos de forma mais próxima como
se fala, há situações em que as pessoas falam de forma próxima à escrita – dependendo o que
se fala, onde, para quem, com que objetivo.
A tarefa que apresentamos acima é a culminância de uma seqüência de atividades37
proposta pela C1 para desenvolver uma análise da relação fala - escrita. No desenvolvimento
do trabalho, o aluno é orientado a representar o texto Negrinho do Pastoril para que a sua fala
seja registrada. Diferente da C2 que sugere a gravação e audição da fita, a C1 pede que o
professor anote a fala do aluno e posteriormente compare ao texto escrito. As duas propostas
são significativas, à medida que se oportuniza a observação das estratégias orais e escritas no
desenvolvimento do texto em suas modalidades de uso.
A indicação da C1 é que após a representação, o aluno venha a analisar as diferenças
entre o texto escrito e o texto oralizado (C1/L2/U3:154) agora, leiam no texto o que o
negrinho disse e tentem analisar as diferenças entre o que foi falado pelos colegas e o que
está escrito. A proposta incide em uma reflexão que contempla a fala e a escrita, observadas
em suas diferenças, porém, dentro do continuum. Visto que a discussão é norteada para a
conclusão de que um texto oral ou escrito pode se aproximar, assim como, se distanciar. Fato
este compreendido quando se percebe a efetivação das modalidades de uso da língua através
dos gêneros textuais, alocados em contínuos de produções especificas.
Para observar a relação fala - escrita, o aluno poderá identificar, além de elementos
que possam aparecer no texto oral, tais como as hesitações, as repetições, as pausas, os
elementos prosódicos; observar, também, o que o texto escrito apresenta para representar os
elementos multissistêmicos típicos das realizações orais, ou seja, atentar-se para a questão da
multimodalidade, visto que a encenação pede a associação de diferentes recursos em sua
execução.
Enfocando a condição de proximidade entre o texto escrito e o oral,
(MP/C1/L2/U3:154) há textos escritos de forma mais próximas como se fala, há situações em
que as pessoas falam de forma próxima à escrita – dependendo o que se fala, onde, para
quem, com que objetivo, a C1 chama a atenção para os processos de enunciação que definem
essa condição. Esses processos dão conta dos aspectos ligados ao conteúdo textual, à situação
comunicativa, ao interlocutor e ao objetivo pretendido em determinada produção, resgatando
o sentido das práticas sociais interativas entre os sujeitos.
37 A primeira atividade proposta por C1 é seguida de orientação para que os alunos, um após o outro, contem oralmente a história Negrinho do Pastoril. O comando é para que o texto lido anteriormente não seja consultado, porém, caso existam lacunas na fala de um colega, haja interrupção, por um colega, para complementar o texto. Na segunda atividade, o aluno é chamado a perceber se no momento em que estava contando oralmente o texto, foram ditas palavras tais como: piamente, garanhão, impiedoso. O objetivo é fazer com que o aluno perceba se usou outras palavras para substituir estas, no momento de contação da história (C1/L3/U4:152,154).
Pudemos observar na análise das atividades ligadas à relação fala - escrita que as
coleções buscam tratar o tema através de diferentes gêneros textuais. Ao compararmos as
orientações dadas pela C1 e pela C2, podemos observar que enquanto a primeira coleção
parece analisar as produções orais e escritas em função das relações que ambas estabelecem
nas práticas sociais, a segunda coleção da indicações de que avalia o texto oral em função do
que se espera do texto escrito, já tendo este passado por um processo de revisão, podendo ser
tido como uma versão definitiva de um escrito. De acordo com Dolz & Schneuwly (2005, p.
158), essa é uma visão que carrega em si “um profundo viés ideológico”, pois sinaliza para
uma concepção de língua que despreza as relações entre fala e escrita e centra-se nos
elementos que as diferenciam.
4.4. VARIANTES LINGÜÍSTICAS
Já refletimos em nossa fundamentação teórica que ao considerarmos a variação como
sendo constitutiva da língua, assumimos o pressuposto de que não existe um dialeto padrão
invariável, pois todas as sociedades ou comunidades falam de formas diferenciadas, não
havendo uma uniformidade lingüística. Essa variação é uma característica da língua, que diz
respeito tanto à modalidade oral quanto a escrita (TRAVAGLIA, 1995, POSSENTI, 2000,
MARCUSHI, 2005).
Embora, em nossa sociedade, se reconheça um grande número de variedades
lingüísticas, ainda há preconceito sobre os usuários das variedades que se desviam da norma
padrão, enquadrando-lhes em uma escala valorativa. Porém, como reafirma os PCNs (1996,
p.31), a questão central não é falar certo ou errado, mas saber que fala utilizar em
determinados contextos de comunicação, adequando o registro às diferentes esferas sociais.
Saber quais variedades e registros da língua oral são pertinentes em função da interação
comunicativa, do contexto e dos interlocutores a quem o texto se dirige.
Nesta categoria, buscamos examinar como as coleções abordam a questão da variação
lingüística, observando, também, como se da o trabalho no que se refere à conscientização da
adequação dos discursos às situações de interação (registro) considerando os objetivos
pretendidos pelos usuários da língua nas variadas situações comunicativas.
Nas coleções analisadas, pudemos observar que as atividades relacionadas a
exploração do tema variação lingüística se destacam, em termo de freqüência, em relação as
atividades distribuídas em outras categorias analisadas em nossa pesquisa. Tanto a C1 quanto
a C2 parecem privilegiar a exploração do eixo, havendo uma sistematização mais clara, até
mesmo em termos de identificação da proposta da atividade.
Neta categoria de análise, observamos maior variedade de gêneros textuais nas
propostas das atividades. Encontramos gêneros como: entrevistas, histórias em quadrinhos,
causos, contos, todos voltados a exploração da variação dialetal e de registro. As atividades
que pontuaremos a seguir sinalizam os encaminhamentos das coleções para tratar a questão da
variação lingüística em suas propostas de ensino:
Exemplo 11:
(C1/L3/U3:137) Vocês já aprenderam que palavras que são usadas numa época são
substituídas por outras em outra época... Não é só o tempo que muda o nome das coisas; o
lugar ou região também pode fazer com que uma mesma coisa tenha nomes diferentes: Aqui,
salão de visitas, em outra região, sala de estar.
Exemplo 12:
(C2/L3/U6:152) Em um país de grande dimensão como o nosso, é comum que haja diferentes
formas de falar. Sendo assim, é natural, por exemplo, que as pessoas que moram no sul do
país não falem da mesma forma que as pessoas do Nordeste. Isso não significa que, em nossa
língua, uma maneira de falar seja melhor que a outra – quer dizer – simplesmente, que são
formas diferentes de falar. Essas diferenças são chamadas de variedades lingüísticas.
Nos exemplos 11 e 12, a ênfase dada à heterogeneidade lingüística demonstra a
intenção das coleções em afirmar que a variação é algo que faz parte do funcionamento da
língua. Ambos os textos enfocam a VL no espaço geográfico. Como é sabido, na dimensão
geográfica as variações são motivadas, normalmente, pelas influências sofridas na formação
das regiões, acarretando um falar característico na população. Esse tipo de variação produz
diferenças quanto ao plano fonético - pronúncia, entonação, timbre, etc., e no plano lexical -
palavras diferentes para dizer a mesma coisa, as mesmas palavras com sentidos diferentes em
uma e outra região, usos mais freqüentes de um ou de outro morfema derivacional ou
flexional, etc. (TRAVAGLIA,1995).
No exemplo 11, vemos também uma referência à variação dialetal na dimensão
histórica, no seguinte trecho: (C1/L3/U3:137) vocês já aprenderam que palavras que são
usadas numa época são substituídas por outras em outra época (...). Na dimensão histórica
encontramos termos e formas de dizer no passado, que na atualidade são consideradas
arcaicas ou mesmo pronunciadas de outras formas, pois sofreram uma evolução fonética. A
atividade evidencia que não existe uma forma de falar melhor que a outra, mas que os
diferentes falares são legítimos, afinal, a língua é variável.
Quanto à abordagem das diferenças no plano fonético, percebemos que a C1, assim
como a C2, apresenta exercícios nos quais pode ser sinalizado tal variação, embora com
níveis de explicitação diferenciados, como veremos a seguir:
Exemplo 13:
(C1/L3/U4:172, 173) Tio Barnabé fala mecê em vez de você. Por que será?
Vejam a interessante história da palavra você para entender. Antigamente, as pessoas
usavam vossa mercê, aos poucos, foram abreviando para vossemecê, mais tarde, abreviaram
mais ainda para vosmecê, vosmecê acabou virando mecê, em alguns lugares da zona rural, e
você, em quase todos os lugares.
Em várias regiões do Brasil, você, na língua oral, já vem virando ocê e até cê...
Vossa mecê – vossemecê – vosmecê – mecê – você.
(MP/ C1/L3/U4:172) Dando continuidade à reflexão sobre as variedades lingüísticas, leva-se
os alunos aqui a identificar variações de pronúncias entre dialetos urbanos e dialeto rural.
A C1 mostra, numa perspectiva diacrônica, que a língua não é estanque, posto que, no
exemplo supracitado, deixa claro que uma dada palavra passou por um processo de
transformação até chegar a forma atual (vossa mercê > vossemecê > vosmecê > você), mas
ainda é passível de novas modificações (você > ocê > cê); lembra ainda que tais
transformações se apresentam na oralidade. Sobre esse processo, Travaglia (1995) mostra que
os registros fazem com que as variantes históricas sejam mais percebidas na língua escrita que
na língua oral; por exemplo, atualmente ao lermos textos produzidos em português medieval,
encontramos termos e formas de dizer considerados arcaicos e outros termos e formas que
sofreram evolução fonética. Nesse sentido, o professor precisa estar ciente de que há um
processo de transformação da língua cuja natureza é fonética, a fim de ajudar o aluno a
perceber o processo evolutivo inerente às línguas.
No manual do professor encontramos orientações para que a atividade seja
desenvolvida, no intuito de fazer com que sejam percebidas as variações sofridas nas
pronúncias das palavras usadas em contexto urbano e rural. Segundo nos mostra Travaglia
(1995, p. 43), não existe um limite preciso entre os dialetos, o que há são áreas de
concentração de um determinado conjunto de características. Talvez a atividade tenha o
objetivo de fazer com que os alunos se concentrem apenas nas características dos falares de
cada região, identificando esses dialetos, sem buscar, contudo, refletir sobre as influências
sofridas nessas regiões, para que tal fenômeno viesse a ocorrer.
A C2, embora apresente um texto que traz elementos da variação fonética,
apresentando elementos da evolução da língua através da própria oralidade, não explora a
questão, no sentido de fazer com que o aluno compreenda esse processo de mudança ao longo
do tempo. A atividade abaixo ilustra o encaminhamento dado a única questão em que aparece
a ocorrência de variação fonética em C2:
Exemplo 14:
1. Leia esta história em quadrinhos de Maurício de Souza.
(C2/L2/U5:109) - Oi, Zé Lelé!
- Oi Chico!
- o qui ocê ta fazendo aí sentado?
- Vô visitá meu primo na cidade!
- pru que ta aí parado?
- mi dissero qui esta istrada aqui vai pra Sum Paulo!
- intonc, to isperando ela!!
(C2/L2/U5:110) Responda oralmente.
a. Em que lugar se passa essa história? Que elementos lhe permitem afirmar isso?
b. Quem são os personagens dessa história?
Como observamos, a C2 trouxe este exemplo em que a palavra OCÊ, variação de
VOCÊ, é apresentada como já tendo sofrido mudanças no plano fonético, por exemplo: ocê >
você. Diferente da C1 que desenvolveu um esquema para mostrar as mudanças ocorridas na
pronúncia da palavra até o seu uso atual, a C2 apega-se a interpretação oral da história em
quadrinho (C2/L2/U5:110) Em que lugar se passa essa história? Que elementos lhe permite
afirmar isso? Quem são os personagens dessa história? e busca evidenciar a variação do
dialeto presente no texto, não desenvolvendo a questão para o trabalho com a evolução
fonética da palavra ocê, por exemplo.
Cremos que a omissão em desenvolver, de forma clara, a questão da evolução das
palavras no decorrer do tempo, pode levar o aluno a considerar como erradas expressões ou
pronúncias desconhecidas, visto que essas palavras já caíram em desuso. Neste caso, temos
que considerar a presença do professor preenchendo as lacunas apresentadas nas propostas
dos exercícios.
Considerando a variação no plano léxico, as coleções demonstraram um repertório
variado de atividades para tratar o conteúdo. Ambas chamam a atenção para as palavras que,
embora se apresentem com designações variadas, têm iguais significados.
Exemplo 15:
(C1/L3/U2:63) leia e discuta com o professor e seus colegas:
O menino do texto fala de sorvete colegial:
Para me agradar, a mamãe
e o papai me enchem de refrigerante,
sorvete colegial, brinquedo e roupa nova.
Alguns anos atrás, meninos e meninas iam às sorveterias tomar um sorvete que se chamava
sorvete colegial. Hoje vocês não pedem nas lanchonetes um sorvete colegial. Que palavras
usam para pedir um sorvete, quando querem tomar um? Será que alguém ainda pede um
sorvete colegial?
(MP/C1/L3:63) O objetivo dessa atividade é que os alunos identifiquem a variação no uso
da língua, dependendo dos fatores históricos (neste caso, variações do léxico): palavras
usadas no passado que caem em desuso, passando a ser desconhecida pelas novas gerações.
A atividade acima é um dos exemplos trazidos pela C1 para explorar a variação
histórica no nível lexical. Como sabemos, as variações são condicionadas por diferentes
variáveis. Nesta atividade, a C1 põe em foco a variação no uso lexical, proveniente das
variadas formas de uso da língua por jovens de uma mesma faixa etária, porém em gerações
diferentes (C1/L3/U2:63) Alguns anos atrás, meninos e meninas iam às sorveterias tomar um
sorvete que se chamava sorvete colegial. Hoje vocês não pedem nas lanchonetes um sorvete
colegial. Que palavras usam para pedir um sorvete, quando querem tomar um? A atividade
propõe um envolvimento do aluno no sentido de observar que determinadas palavras e
expressões sofreram mudanças e ou evoluções no decorrer das gerações.
No manual do professor encontramos o objetivo da atividade evidenciado que a
proposta se direciona a identificação da variação ocorrida em determinadas palavras
(MP/C1/L3/U2:63) O objetivo dessa atividade é que os alunos identifiquem a variação no uso
da língua, dependendo dos fatores históricos (neste caso, variações do léxico): palavras
usadas no passado que caem em desuso, passando a ser desconhecida pelas novas gerações.
Embora a atividade seja importante por apontar as influências dos fatores históricos e sociais
no uso da língua, exige do professor que a utiliza ter conhecimento de que o próprio uso da
palavra sorvete pode variar dependendo da região. Pode-se também ampliar a tarefa no
sentido de se observar o uso de palavras estrangeiras na língua portuguesa, como por
exemplo, um jovem na atualidade pode usar algumas expressões da língua inglesa para pedir
um sorvete, como é o caso da palavra ‘milk shake’, que designa um tipo de sorvete
consumido pela geração atual38.
Na C2 também podemos encontrar atividades que abordam a questão lexical, trazendo
a reflexão de diferentes fatores condicionantes da variação regional, vejamos:
Exemplo 16:
(C2/L2/U3:71) Como você pode observar, dependendo da região ou do lugar, uma mesma
coisa pode ter nomes diferentes. Assim como a pipa, uma fruta, uma raiz, um cômodo da
casa, uma peça de mobília podem receber nomes diferentes. Observem os exemplos:
Uma fruta: mexerica, mimosa, tangerina, laranja cravo.
Uma raiz: mandioca, aipim, macaxeira.
Um cômodo da casa: sala de visitas, sala de estar.
Uma mobília: mesa da cabeceira, criado mudo.
Consultando pessoas que viveram em outras regiões do Brasil (professores da escola,
funcionários, vizinhos, parentes), procure descobrir outros exemplos como esses. Em sala de
38 Em turmas mais avançadas a atividade poderia contemplar um debate mais pontual sobre aspectos ideológicos da língua, partindo de uma visão bakthiniana, para mostrar aos alunos que as escolhas lingüísticas, sobretudo no nível lexical, não são aleatórias, mas dependem de fatores sócio-históricos, tendo em vista o caráter essencialmente ideológico dos signos verbais.
aula, você e seus colegas, com o auxílio de sua professora, poderão montar um dicionário de
expressões regionais para ser doado à biblioteca de sua escola.
(MP/C2/L2/U3:53) Solicita que os alunos realizem uma pesquisa sobre variedades regionais
da língua e que, a partir da pesquisa, construam um dicionário de expressões regionais.
Assim, possibilita-se ao aluno: a) o conhecimento de que língua é formada por variedades; b)
a valorização dessas variedades que caracterizam a comunidade dos falantes da língua
portuguesa nas diferentes regiões do Brasil.
Ao explorar a questão do léxico, a C2 chama a atenção para a variação ocasionada
pela dimensão territorial ou regional (C2/L2/U3:71) Como você pode observar, dependendo
da região ou do lugar, uma mesma coisa pode ter nomes diferentes. Como demonstra
Travaglia (1997), normalmente essa variação acontece pelas influências sofridas na formação
de cada região e pelo comportamento lingüístico que determinada comunidade de fala
desenvolveu para se identificar. Nesta atividade, a C2 apresenta um repertório de palavras, e
suas respectivas transformações, para provocar uma reflexão sobre as diferenças lexicais
ocorridas em espaços diferenciados.
No encaminhamento da atividade, a C2 orienta o aluno a realizar uma consulta a
pessoas de diferentes regiões brasileiras, tendo como propósito descobrir outros exemplos de
palavras para se referir as mesmas coisas. Com esse comando, a coleção amplia a atividade
para além do ambiente escolar, dando a oportunidade de se pesquisar em outras esferas, e com
sujeitos reais, o conteúdo trabalhado, oportunizando a contemplação, pelo aluno, dos usos das
variedades lingüísticas nas diferentes regiões do Brasil.
Um elemento importante na proposta da C2 é a culminância da atividade.
(MP/C2/L2/U3:53) Solicita que os alunos realizem uma pesquisa sobre variedades regionais
da língua e que, a partir da pesquisa, construam um dicionário de expressões regionais A
pesquisa sugerida pela C2 não terá um fim em si mesma, como podemos observar, ela será
apoio para a socialização entre os alunos, em sala de aula, e para a produção de um dicionário
a ser entregue na biblioteca da escola, que poderá servir como fonte de consulta para outros
alunos. Dessa forma, temos o resgate das informações colhidas fora da escola sendo utilizadas
para a confecção de um material escrito, o gênero dicionário.
A atividade busca resgatar dois elementos centrais no ensino da língua:
(MP/C2/L2/U3:53) a) o conhecimento de que língua é formada por variedades; b) a
valorização dessas variedades que caracterizam a comunidade dos falantes da língua
portuguesa nas diferentes regiões do Brasil. Nesse sentido, apresenta as diferenças lexicais
sem que induzam o aluno a entendê-las como “erros”, mas legitimando-as enquanto
variedades (BAGNO, 1999). Assim, estabelece um princípio para o trabalho com a fala a
partir da variação lingüística, estimulando o respeito em relação às diferentes formas de falar,
assumindo uma análise que não favorece a uma concepção discriminadora, mas que se volta
para a reflexão dos diferentes dialetos existentes em nossa língua.
No tocante aos diferentes usos da língua, podemos considerar que as duas coleções
assumiram a postura de conscientizar o aprendiz sobre o fato de o uso da língua (escrita e
oral), em cada interação verbal, também poder variar em relação ao registro. Este pode ir do
mais formal ao mais informal, a depender da relação existente entre os interlocutores, do
contexto de produção e de variáveis tais como idade, posição social, sexo, profissão (cargo),
papel social, entre outros (MARCUSCHI, 2001, TRAVAGLIA, 1995).
A fim de observarmos como se deu o trabalho das coleções nessa direção, pudemos
observar que, em uma de suas atividades, a C1 explora a variação de uso da língua buscando
trazer o sujeito para dentro da questão, visto que o convoca, por exemplo, a refletir sobre o
emprego da palavra Obrigadão, na interação com diferentes interlocutores. Observemos a
atividade a seguir:
Exemplo 17:
(C1/L4/U1:21) Veja como Lúcio agradece: Obrigadão!. Qual é o agradecimento mais forte:
Obrigadão ou Obrigado?
a. Dê exemplos de pessoas a quem você poderia agradecer um presente dizendo Obrigadão!
b. Dê exemplos de pessoas a quem você não teria coragem de dizer Obrigadão! para
agradecer um presente.
(MP/C1/L4/U1:21) ao discutir as respostas as questões, pedir aos alunos que expliquem
porque não teriam coragem de dizer “obrigadão!” para as pessoas indicadas (pessoas mais
velhas, pessoas desconhecidas...)
A atividade acima explora momentos diferenciados de uso da fala, considerando os
interlocutores e as diferentes intensidades relacionais existente entre eles, o que ocasiona
graus de formalidade ou informalidade no registro. Como afirmam Melo & Barbosa (2005),
as representações sociais existentes nas relações entre o falante o e ouvinte ocasionam o
ajustamento na estruturação do texto produzido.
No primeiro instante, o aluno reflete sobre o uso da expressão Obrigadão,
considerando a questão da proximidade entre os interlocutores (C1/L4/U1:21) Dê exemplos de
pessoas a quem você poderia agradecer um presente dizendo Obrigadão!. No uso dessa
expressão, o aluno deverá levar em conta a sua relação com as pessoas cuja aproximação é
maior, visto que o registro se pauta pela informalidade, deixando o falante com menor grau de
monitoramento da fala.
No segundo momento, a reflexão foi direcionada para o emprego da palavra
Obrigadão em um contexto no qual os falantes tinham um relacionamento distanciado,
provocando um registro com menor grau de formalidade (C1/L4/U1:21)Dê exemplos de
pessoas a quem você não teria coragem de dizer Obrigadão, para agradecer um presente.
Nesse sentido, a variação na maneira de falar se dará pelo baixo nível de proximidade ente os
sujeitos. Um outro fator que poderia favorecer a variação na fala dos sujeitos está relacionado
aos diferentes papeis sociais exercidos por estes, como também as diferenças de ordem social.
Assim, o exercício favorece o processo de reflexão sobre as formas diferenciadas com
as quais tratamos as pessoas, considerando o grau de intimidade que temos com o sujeito a
quem se dirige a fala (MP/C1/L4/U1:21) ao discutir as respostas as questões, pedir aos
alunos que expliquem porque não teriam coragem de dizer “obrigadão!” para as pessoas
indicadas (pessoas mais velhas, pessoas desconhecidas...). No entanto, para o maior
aprofundamento do exercício, o professor terá a função de descobrir com os alunos outras
expressões que poderiam ser usadas no tratamento a diferentes sujeitos, considerando o grau
de relacionamento estabelecido entre eles.
Em uma das atividades propostas pela C2 para tratar os usos da língua, são
apresentadas duas situações de fala (formal e informal) entre três personagens, como veremos
no exemplo abaixo:
Exemplo 18:
(C2/L1/U3:76) fragmento 1 - Ei, cara, amanhã eu não venho pra escola. Tô com uma bruta
dor de dente e vô no dentista.
fragmento 2 - Professora, amanhã eu não virei para a escola porque estou com dor de
dente e preciso ir ao dentista
a) O conteúdo das duas falas é o mesmo?
b) A maneira de falar é a mesma.
c) o que é diferente? Por que o menino disse a mesma coisa de forma diferente?
A atividade buscou explorar a variação de registro considerando a diferença de idade
(adulto x criança), o papel social (professora x aluno) e o grau de formalidade e informalidade
presente na relação entre os interlocutores. Esses fatores produziram as diferenciações nos
registros, coloquial (conversa entre amigos – fragmento 1) e formal (conversa com a
professora – fragmento 2).
No primeiro fragmento de fala, a interação se estabelece de maneira informal,
desenhando uma relação de intimidade partilhada pelos interlocutores, sendo utilizada a gíria
para acentuar a informalidade e intimidade. No segundo fragmento, em que a interação
acontece entre o menino e a sua professora, a fala empregada por aquele sinaliza um
relacionamento desigual do ponto de vista das relações de poder, apontando para uma relação
de assimetria39, cujos papéis sociais são partilhados de forma desigual (professora/aluno),
acarretando mudança na maneira de falar e conduzindo o registro a modelo formal de fala.
Como vimos no fragmento 18, o aluno faz uso de um registro formal, guiado pela
norma padrão, operando a flexão do verbo “vir = virei”, assim como observando a regência
do verbo “ir” = “ir ao dentista”. A atividade encaminha o aluno a refletir sobre o fato de que,
embora haja mudanças no registro, podemos usar a fala para expressar uma mesma idéia
mudando o grau de formalismo.
Ainda observando como a segunda coleção trata a questão dos usos das falas, temos o
recorte de uma entrevista feita com uma criança e publicada em uma revista infantil:
Exemplo 19:
(C2/L1/U3:84) Na sua opinião, Celina – uma criança de 9 anos – falaria “nunca o vi” para
se referir ao Martim? Por quê?
A atividade questiona o fato de a construção textual produzida pela garota ser guiada
pela norma gramatical, mostrando que uma criança não flexionaria o verbo, para se referir a
39 De acordo com Barros (2001), os discursos são qualificados em simétricos e assimétricos. Quando os papeis conversacionais, sociais e pessoais estão equilibrados, temos um discurso simétrico, como por exemplo, uma conversação espontânea entre amigos. Quando os mesmos papéis estão em desequilíbrio, o discurso se apresenta de forma assimétrica, por exemplo, a fala entre o empregador e o empregado.
alguém que conhece (Celina fala do amigo Martim para o seu entrevistador). No entanto, na
atividade que antecedeu, no exemplo 18 (fragmento 2), a mesma coleção traz a fala de um
menino, direcionada a sua professora, em que são feitas as flexões verbais, sendo usados os
mesmos princípios empregados pela fala de Celina.
Parece contraditória a coleção ora apresentar exemplos em que admita o emprego de
elementos normativamente adequados na fala da criança, ora tomar como equivocado o
mesmo tipo de fala. Celina estava em uma situação formal, dando uma entrevista, envolvida
em um discurso com papéis conversacionais diferenciados (ela entrevistada, o outro,
entrevistador). Como afirma Fávero (2001, p.85), a entrevista constitui um tipo especial de
texto falado porque há um planejamento por parte do entrevistador e que, em certos casos,
pode existir por parte do entrevistado também. Assim, Celina poderia ter se preparado para a
entrevista, procurando adequar a sua fala à norma padrão. O contexto de produção também
poderia ter interferido no grau de formalidade no grau de formalidade do discurso, visto que
os interlocutores não se conheciam, os papéis sociais compartilhados pelos mesmos eram
diferentes, que poderia gerar registros formais. Nesta atividade a C2 parece ignorar esse
princípio.
Observamos que algumas atividades trazidas pelas coleções para explorar o uso da fala
coloquial e formal partiam da reescrita de textos ou mesmo da retextualização40 da fala para a
escrita. A C1, por exemplo, ressalta, em uma de suas atividades, que o objetivo da reescrita é
começar a desenvolver nos alunos a percepção da diferença entre a pronúncia de palavras na
linguagem coloquial e a pronúncia na linguagem formal. Com esse objetivo, traz duas frases e
dá indicações para que haja a reescrita do texto, como veremos a seguir.
Exemplo 20:
(C1/L2/U2:70) leia cada frase abaixo como se você estivesse falando a frase para alguém;
depois, escreva do jeito que você fala as partes escritas em negrito (assim, com letras mais
escuras):
a) Não dê conselho para os outros. Dê todos os seus conselhos para você mesmo.
b) Não se pode ser uma criança feliz com tantos não. Pode sim, São só esse tantinho de nãos
que está aqui neste livro. O resto é tudo sim.
40 Marcuschi (2001) utiliza o termo retextualização como sendo uma ampliação do termo refacção ou reescrita, visto que estes estão ligados às mudanças de um texto para outro (uma escrita pra outra, reescrita de um mesmo texto), enquanto que a retextualização abarca a passagem da fala para a escrita.
Através da reescrita do texto oralizado, a C1 sinaliza querer recuperar elementos da
fala emitidos no momento da oralização textual. A ênfase da atividade está em fazer com que
o aluno perceba que algumas palavras passam por transformações ao serem alteradas para a
escrita. A ênfase da atividade é levar o aluno a perceber que na linguagem oral pode ocorrer a
eliminação de fonemas ou sílabas, tais como: pra= para, tava= estava, também a junção de
palavras, como por exemplo: pro= para o. Contudo, a questão deixou de evidenciar que esses
fatores não são exclusivos do texto oral, nos textos escritos também podemos perceber tais
ocorrências, influenciadas pela condição de produção, o grau de relação entre os
interlocutores, etc.
O pressuposto da variação nos registros orais e escritos é defendido por autores como
Tannen (1983). Esta autora afirma que podemos encontrar estratégias da oralidade num texto
escrito, bem como estratégias da escrita num texto oral, sinalizando uma perspectiva de
continuum reforçada por Marcuschi (2001) e Koch (1997, p.32) ao declararem que existem
textos escritos, por exemplo: bilhete, carta familiar, textos de humor, que se aproximam do
texto conversacional, mas existem textos falados, como conferências, entrevistas profissionais
e outros que estão mais próximos da escrita formal.
Na proposta de reescrita da C2, podemos destacar a seguinte atividade:
Exemplo 21:
(C2/L1/U4: 104, 116) Leia silenciosamente o texto. Depois, ouça a leitura de sua professora.
O Presente do Avô
Um avô, na véspera de cumprir seus oitenta anos, estava sentado com o netinho na varanda
da Rua São Clemente.
O avô contemplou o neto com muito carinho e com voz suave perguntou:
- Você sabe quem faz amanhã oitenta anos?
- Sei, sim, vovô. É você.
- E você já pensou num presente para o vovô?
- Pensei, mas não encontrei.
- Mas o que é que você queria me dar?
E o menino:
- Se eu tivesse encontrado, sabe?... eu queria dar um avô pra você.
Proposta 2 - Reescrita
As pessoas mais idosas falam da mesma forma que as crianças?
Troque idéias com sua professora e com seus colegas sobre essa questão. Depois, reescreva
duas vezes o texto O presente do avô: na primeira, imaginando que a história fosse contada
pelo avô; na segunda, como se ele fosse contado pelo neto. Procure diferenciar a linguagem
que você usará nos dois textos: uma mais formal, mais elaborada; outra, mais coloquial,
mais simples, bem próxima da linguagem falada pelas crianças
(C2/L1/U4/MP:55) alunos são orientados a reescrever o texto O presente do avô,
considerando as mudanças do foco narrativo e as diferenças de linguagem do avô e do neto
(...)
O exemplo acima mostra que a coleção buscou abordar a questão da reescrita de texto
para tratar da variação no registro. A atividade inicia mobilizando o grupo-classe a discutir
sobre o texto, oportunizando um momento de troca de idéias e manifestação do que pensam.
Dando seqüência, indica que o texto o presente do avô deverá ser reescrito duas vezes, com
registros distintos. Através da reescrita do “causo”, a C2 visa trabalhar a questão do registro
formal, chamado pela coleção de mais elaborada, e do informal, chamada de mais coloquial.
Como podemos observar, o gênero “causo” foi escolhido como mote para o
desenvolvimento da atividade. Observando a fala do aluno no texto, podemos observar que
nele é apresentado um diálogo permeado por uma linguagem informal, marcada pela relação
de afetividade entre os protagonistas. Segundo a proposta da C2, para a realização da
reescrita, o aluno terá que dá um outro tratamento à linguagem dos personagens, o avô passará
a usar a linguagem formal, o neto a informal. Questionamos a escolha do texto escolhido para
a tarefa, pois consideramos que a linguagem usada pelo neto já se encontra em um registro
informal (C2/L1/U4: 104, 116) Sei, sim, vovô. É você/ Pensei, mas não encontrei/ Se eu
tivesse encontrado, sabe?... eu queria dar um avô pra você. Portanto, o que o aluno viria a
modificar? O que de significativo traria a mudança desses registros?
Um outro fato que gostaríamos de chamar a atenção é para a recorrência da coleção
em afirmar que crianças falam de modo informal (C2/L1/U4: 116) Procure diferenciar a
linguagem... uma mais formal, mais elaborada; outra, mais coloquial, mais simples, bem
próxima da linguagem falada pelas crianças. Dessa forma, induz a concepção de que apenas
o adulto usa o registro formal. Quando observamos o exemplo 18 (fragmento 2), disposto
nesta mesma categoria de análise, vemos que a atividade traz a fala de uma criança regida por
um alto grau de formalidade. Isto posto nos perguntamos: por que a C2 traz exemplos em que
crianças aparecem usando a linguagem formal, e em outras atividades sugere que a linguagem
informal é a que se aproxima da linguagem falada pelas crianças? Seria uma estratégia,
inconsistente, para didatizar o conteúdo, um equívoco conceitual?
No geral, podemos observar que para o trabalho com a variação lingüística, as
coleções se apóiam em diferentes gêneros textuais, sendo apresentados, também, pequenos
textos explicativos que buscam esclarecer melhor o tema abordado (exemplos 11 e 12). As
coleções resgatam atividades que levam em conta os diferentes fatores que provocam a
variação da língua, entretanto, na C2 o trabalho com a variação fonética não apareça de forma
explícita, visto que a atividade que apresenta tal variação é direcionada à interpretação textual.
No tocante aos graus de formalismo, podemos considerar que as duas coleções
assumiram a postura de conscientizar o aluno de que o uso da língua (escrita e oral), em cada
interação verbal, pode variar também quanto ao seu registro, podendo este ir do mais informal
ao mais formal, a depender da relação existente entre os interlocutores e de variáveis tais
como idade, posição social, sexo, profissão (cargo), papel social, entre outros (TRAVAGLIA,
1995, MARCUSCHI, 2001). Entretanto, observamos em C2 problemas quanto à produção de
algumas atividades, como a apresentada no exemplo 21, em que evidencia a fala da criança
como fala simples para se referir ao conceito de informalidade. Portanto, a C2 perece
demonstra fragilidade ao tratar os graus de formalismo, fazendo associações que podem
favorecer um equívoco conceitual por parte do aprendiz.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho, buscamos investigar se as estratégias didáticas propostas para o ensino
da linguagem oral presentes nas coleções de livros didáticos “Português uma Proposta para o
Letramento” (C1) e “Vitória-Régia - Língua Portuguesa” (C2) contribuem para que os alunos
se apropriem das práticas discursivas da oralidade. Para tanto, partimos da análise de
atividades ilustrativas propostas pelas coleções Recomendadas com Distinção (PNLD, 2004),
as quais nos apontaram categorias que nos ajudaram a melhor refletir sobre o nosso objeto de
estudo, a linguagem oral.
Através de nossa investigação, constatamos que as coleções estudadas buscam trazer
os diferentes gêneros textuais como objetos para o desenvolvimento de suas propostas de
ensino, no entanto, não há investimento em determinados gêneros textuais orais, como por
exemplo, a conversação face a face, a conversa ao telefone, a entrevista radiofônica etc. Em
geral, a prática de produção dos gêneros considera os quatro parâmetros da produção: o
enunciador, o destinatário, a finalidade ou objetivo do texto e o lugar social. Apontando os
elementos base de orientação para a produção, as coleções oportunizam, no trabalho escolar,
um espaço social de produção e de recepção textual. Nesse sentido, os gêneros textuais
passaram a ser tomados como ponto de referência na abordagem das práticas de linguagem,
em um trabalho que motiva o aluno a observar, inferir e atuar como produtor textual.
As coleções demonstram a percepção de que as práticas da oralidade e do letramento
não podem ser compreendidas ou estudadas destacadas do contexto social, cultural, histórico,
político e econômico, visto que são interativas e complementares no contexto das práticas
sócio-culturais. Dessa forma, em algumas atividades, sinalizam para a produção textual oral
recorrendo ao material escrito, sendo este utilizado como roteiro para a realização do gênero
ou mesmo como resultado final da produção oral. Assim as práticas de letramento são
vivenciadas em diferentes eventos comunicativos, como na confecção de propaganda, de
entrevista coletiva cujo roteiro é escrito, entre outras produções.
As atividades propostas pelas coleções buscam desenvolver habilidades no aluno, que
transcendem ao ensino do gênero propriamente dito, favorecendo a construção de diferentes
estratégias a serem mobilizadas em outros gêneros textuais, como por exemplo, o
desenvolvimento de estratégias argumentativas, presente em textos de opinião, carta ao leitor,
debate regrado, todos com predominância da ordem argumentativa (DOLZ & NOVERAZZ,
2004, p.121). Através dos encaminhamentos das atividades, a sala de aula passa a ser o espaço
de produção de gêneros que não são típicos do ambiente escolar havendo assim uma
intencionalidade em tomar os gêneros textuais como objeto de ensino-aprendizagem.
Na categoria da modalidade oral, encontramos uma distribuição de atividades que
abarcam todos os manuais cujos encaminhamentos são direcionados no sentido de sensibilizar
o aluno a compreender o que se faz quando se fala, ou seja, observar o uso dos recursos
paralingüísticos usados pela fala que lhe atribui sentido. Como vimos no marco teórico, ao
evidenciar os meios paralingüísticos e cinésicos (movimentos, gestos, atitudes corporais), as
coleções chamam a atenção para a multimodalidade discursiva dos gêneros. A
multimodalidade não se configura, nas coleções, como momento artificial de análise, visto
que é na produção dos gêneros que essa reflexão é abordada, oportunizando significado para o
aluno.
Observamos que as atividades apresentadas nas categorias produção oral de gêneros
textuais, assim como na categoria modalidade oral, apresentam propostas que se assemelham
nos encaminhamentos, as categorias definem objetivos com clareza, chamam a atenção para
pontos centrais em uma proposta de produção textual, assim como a observância para a
multimodalidade que subsidia os gêneros escritos e orais em suas realizações. Entretanto,
quando mergulhamos a reflexão na relação fala – escrita e na variação lingüística temos dois
perfis que apontam para níveis diferenciados de compreensão.
Enquanto a C1 observa esses eixos de análise na dimensão do contínuo dos gêneros, a
C2 direciona uma reflexão da língua falada do ponto de vista do que se espera de uma escrita
padrão. As polarizações aparecem como centro das atividades deixando encaminhamentos
que não se sustentam, sendo frágeis no sentido de observar a língua falada e escrita operando
através de gêneros textuais. O que podemos compreender é que, nessa categoria, a C2 se
esquece de observar os gêneros textuais sob a óptica do continuum das práticas sociais de
produção e fragmenta a análise tomando por referência o texto escrito, evidenciando uma
dicotomia entre as modalidades de uso da língua.
Através das atividades analisadas, temos um breve perfil de como se processa o
trabalho com a variação lingüística nas coleções, não havendo por parte delas um enfoque na
norma culta, como a única variante que tem espaço no contexto escolar, mas há uma
mobilização no sentido de contextualizar as variedades não padrão, desenvolvendo no aluno a
capacidade de perceber os diferentes falares como resultantes da variação das línguas, não se
configurando como “erro”, mas como uma variante legítima. Entretanto, ao se tratar da
variação de registro, observamos que apenas a C2 parece apresentar concepções de grau de
formalidade que, por vezes, não propicia ao aluno uma compreensão clara do que representa
aquela variação, ou mesmo compreenda os fatores que a influencia. Nesta coleção,
observamos problemas quanto à produção de algumas atividades que podem gerar conceitos
equivocados nos alunos, como por exemplo, as atividades que evidenciam a fala da criança
como fala simples, para se referir ao conceito de informalidade, demonstrando fragilidade no
tratamento do tema, apontando para um equívoco conceitual.
Em nossa análise, sentimos falta de atividades que encaminhassem a produção textual
de diferentes gêneros, considerando as variações dos registros, em contextos que justificassem
tais transformações. Acreditamos que uma prática reflexiva sobre a variação lingüística deva
envolver o exercício da produção textual, oral ou escrito. A produção, nesse contexto, seria
uma ferramenta de apoio à análise e sistematização do tema. Também não percebemos, por
parte das duas coleções, um registro de fala real, o que presenciamos, por exemplo, na C2 foi
uma simulação de fala, em busca de trabalhar a fala real, não configurando em um trabalho
eficiente do ponto de vista teórico-metodológico, pois da forma como foi produzida, a fala
parece estar espelhada em textos cartilhados, sinalizando uma visão distorcida da fala.
No contexto da investigação, observamos que os gêneros orais não recebem o mesmo
espaço de desenvolvimento ofertado aos gêneros escritos. Esse fato ratifica o exposto por
Silva e Mori-de-Angelis (2004) quanto à carência de exploração dos gêneros orais, por parte
dos manuais didáticos, no desenvolvimento de propostas que tragam a oralidade para o
contexto escolar, favorecendo assim a sua didatização. Marcuschi (2005, p. 26) ratifica o
exposto pelos autores supracitados afirmando haver um descaso em relação ao espaço
dedicado à oralidade, visto que, em geral, as atividades não superam o percentual de 2% no
computo geral das páginas. Não estamos questionando o espaço efetivo dado às propostas
orais, visto que em nossa investigação já constatamos uma maior quantidade de atividades
orais, mas queremos chamar a atenção para a falta de clareza presente em algumas delas, no
concernente à concepção de ensino de língua.
Trazendo a análise para o manual do professor, podemos afirmar que as indicações
advindas para a resolução das tarefas se configuram como um suporte de ampliação e, em
muitas situações, é apenas nele que contemplamos os objetivos das atividades que
encaminham para uma reflexão sobre a linguagem oral. Cremos que alguns dos
encaminhamentos direcionados ao professor poderiam estar presentes no manual do aluno, o
que oportunizaria maior autonomia na resolução das atividades, fazendo com que o aprendiz
tivesse acesso a explicitações sobre os procedimentos a serem tomados na construção da
tarefa.
Voltando-nos, neste momento, para responder a provocação levantada no terceiro
capítulo, em que nos questionávamos: será que as novas demandas tanto sociais quanto
escolares apontadas pelos documentos oficiais (PNLD/PCN) estão sendo efetivamente
atendidas pelas propostas dos livros didáticos recomendados pelo PNLD? Se afunilarmos este
questionamento para a questão sobre a linguagem oral e, mais especificamente, para as duas
coleções investigadas por nós, podemos afirmar que às propostas desses manuais parecem
buscar atender às necessidades exigidas nos dois âmbitos (social/escolar), visto que os
gêneros textuais que circulam nas esferas públicas estão permeando as propostas de atividade,
havendo investimento no sentido de trazer para o espaço escolar gêneros que instrumentam o
aluno a fazer uso da fala nas diferentes esferas sociais. No entanto, acreditamos que uma
proposta que abarque os quatro eixos de ensino-aprendizagem da linguagem oral (gêneros
orais; linguagem oral e a linguagem escrita; variação lingüística; modalidade oral), indicados
pelos documentos oficiais, precisam ser sistematicamente refletidos, apoiados em atividades
que não apenas figurem nos LDs para cumprir exigências oficiais, mas que tenham objetivos
claros e concepções teóricas que se afinem com discurso atual de ensino de língua. Nesse
sentido, apresentem orientações teórico-metodológicas consistentes que possam auxiliar o
professor no desenvolvimento dos temas, ampliando a reflexão sobre a língua em seus
diferentes usos.
Refletindo sobre as observações realizadas pelos especialistas da equipe de Língua
Portuguesa do PNLD (2004) que sintetizam as avaliações formuladas sobre as coleções por
nós analisadas, vemos que, de acordo com o referido documento, a C1 “apresenta uma
proposta criativa, inovadora e interessante para desenvolver as habilidades necessárias para o
uso da língua”. De fato, as propostas dessa coleção são claras, os objetivos para as atividades
instrumentam a uma reflexão consistente, tanto nos direcionamentos ao professor como aos
alunos. A C2 tem, para o PNLD, “uma proposta inovadora, consistente e correta, que procura
realizar o ensino de língua integrando o uso e a reflexão”. No tocante à reflexão sobre os
gêneros textuais, assim como à modalidade oral, a abordagem de C2 é consistente,
encaminhando-se para uma reflexão sobre a produção e recepção dos gêneros textuais, assim
como atentando para os recursos utilizados pela modalidade oral da língua, entretanto, nos
eixos da relação fala – escrita e da variação de registro, observamos equívocos conceituais e
inconsistência teórica, o que não foi apontado nos pareceres. Lembramos que nossa decisão
em analisar coleções recomendadas com distinção foi motivada por supormos que elas
apresentariam uma didatização que mais se aproximaria das expectativas dos especialistas.
Em busca de responder a questão central de nossa investigação: compreender se as
estratégias presentes nos manuais “Português uma Proposta para o Letramento” e “Vitória-
Régia - Língua Portuguesa” contribuem para que os alunos se apropriem das práticas
discursivas da oralidade, podemos entender que as coleções instrumentam o aluno a fazer
uso das diversas práticas discursivas, refletindo sobre a língua a partir dos diferentes gêneros
textuais, todavia, ainda observamos, por parte da segunda coleção, problemas em algumas
propostas de atividade que podem contribuir para que seja estabelecida uma reflexão
equivocada sobre a linguagem oral em suas múltiplas relações com a linguagem escrita.
Cremos que o estabelecimento de um ensino-aprendizagem que encaminhe a reflexões mais
consistentes sobre a linguagem oral implica em assumir uma nova relação com a linguagem e
dessa forma estabelecer a oralidade como trabalho consciente e reflexivo.
Finalmente, esperamos que este trabalho possa contribuir para ampliar a visão de
professores (as), sobre as práticas de linguagem oral, assim como, em se observando as
propostas apresentadas nas coleções por nós analisadas, possam refletir e ampliar o espaço de
trabalho com a oralidade no contexto escolar.
A continuidade dessa reflexão poderá conduzir a investigações que reflitam sobre a
didatização dos gêneros orais formais públicos no espaço escolar, em que se pode
observar de que forma a escola vem instrumentando o aluno a utilizar a fala pública formal.
Também pode ser investigada a produção textual de gêneros orais considerando os
diferentes registros, em que pode se analisar como os alunos de determinada série operam
com as mudanças de registros levando em conta o gênero textual. A investigação pode ser
feita no sentido de analisar as concepções de professores brasileiros sobre o ensino da
linguagem oral, já que, como apontamos, há pesquisas com sujeitos franceses, ao passo que
não encontramos registros que tragam um perfil da concepção dos sujeitos brasileiros. Esses,
dentre outros caminhos, podem ser trilhados a partir dos resultados alcançados em nossa
investigação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAGNO, Marcos. A língua de Eulália: novela sociolingüística. São Paulo: Editora contexto,
1998.
______________. Preconceito Lingüístico: o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 1999.
BAKHTIN, Michael. Língua, Fala e Enunciação. In BAKHTIN, M. Estética da Criação
Verbal. Trad: Maria Ermantina Gomes Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
_________________. Os gêneros do discurso. In BAKHTIN, M. Estática da Criação
Verbal. São Paulo, Martins Fontes: 1997.
BARDIN, L. Análise de Conteúdos. Lisboa: Edições 70, 1997
BARROS, Diana Luz Pessoa. Entre a fala e a escrita: algumas reflexões sobre as posições
intermediárias. In: PRETI, Dino (org). Fala e Escrita em Questão. São Paulo: Humanitas /
FFLCH/USP, 2001.
BARTON, David. The social nature of writing. In: David Barton & Roz Ivanic (Eds.).
Writing in the community. London: Sage, 1991.
BATISTA, Augusto. Um Objeto Variável e Instável: Textos, Impressos e Livros Didáticos.
In: ABREU, Maria (org). Leitura, História, História da Leitura. Campinas, SP: mercado de
Letras: Associação de Leitura do Brasil; São Paulo, Fapesp, 1999. 529-575 p.
BATISTA, Augusto. Recomendações para uma política pública de Livros Didáticos.
Brasília: MEC/SEF. 2001.
BATISTA, Augusto, e COSTA VAL, Maria. Livros didáticos, controle do currículo,
professores: uma introdução. In: BATISTA, Augusto, e COSTA VAL (orgs), Livros de
alfabetização e de português: os professores e suas escolhas. Belo Horizonte: Autentica
Editora, 2004.
BIBER, D. Variation across speech end writing. Cambridge: Cambridge University Press,
1988.
BIRUEL, Aparecida. Análise lingüística nos livros didáticos recomendados pelo PNLD
2000-2001: o tratamento dado aos aspectos de normatividade. Dissertação (mestrado em
educação) - Programa de Pós-graduação em educação. Universidade Federal de Pernambuco.
Recife, 2002.
BORTONI-RICARDO, S. Educação em língua materna – A sociolingüística em sala de
aula. São Paulo: Parábola editorial, 2004.
BRASIL, SEF-MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa (1a a 4a
série). Brasil; MEC-SEF, 1996.
BRASIL-SEF/MEC. Guia do livro didático: 1a a 4a séries (PNLD 2004). Brasília:
MEC/SEF, 2004.
BRONCKART, Jean Paul. Atividade de linguagem, textos e discursos: por um
interacionismo sócio-discursivo; trad. Anna Rachel Machado, Péricles Cunha. São Paulo SP,
EDUC, 1999.
COSTA, Débora A. Oralidade nos livros didáticos de língua portuguesa: uma visão a partir da
análise do programa nacional do livro didático. Anais do XVII Encontro Nacional da
Pesquisa do Norte Nordeste – EPENN. Belém, CD-rom, 2005.
COSTA VAL, M. da G. Atividade de produção de textos escritos em livros didáticos de 5ª a
8ª séries do ensino fundamental. In: ROJO, R. BATISTA, A. A (orgs). Livro didático de
língua portuguesa, letramento e cultura escrita. São Paulo: Mercado das letras, 2003.
DE PRIETO, J & WIRTHNER, M. Oral et écrit lês représentations dês enseignants et
dans lês pratique quotidiennes de la classe de français. Tranel, 1996.
DIONISIO, A. A multimodalidade discursiva na atividade oral e escrita. In: MARCUSCHI,
L, e DIONISIO, A (Org). Fala e Escrita. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
DOLZ, J. NOVERAZ, Michele. Seqüência didática para o oral e a escrita: apresentação de
um procedimento. In: SCHNEUWLY, B, e DOLZ, J. Gêneros Orais e Escritos na Escola.
Campinas SP. Ed. Merca de letras, 2004.
FÁVERO, Leonor L. Oralidade e Escrita: perspectiva para o ensino da língua materna. São
Paulo: Cortez, 2000.
FRANCHI, C. Linguagem – atividade constitutiva. Almanaque – cadernos de literatura e
ensaio. São Paulo: Brasiliense, 1977.
FREITAG, Bárbara (org). O Livro Didático em Questão. São Paulo: Cortez: Autores
Associados, 1988.
GERALDI, João W. Portos de Passagem. São Paulo: Martins fontes, 1997.
________________. In: XAVIER, Antonio (org). Conversas com lingüistas: virtudes e
controvérsias da lingüística. São Paulo: Parábola, 2003.
GOMES, Romeu. A análise de dados em pesquisa qualitativa. In: MINAYO, Maria C. Souza
(org). Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.
GRILLO, R. Dominant language. Cambridge: Cambridge University press, 1982.
GUIMARÃES, Maria F. O conto popular. In BRANDÃO, Helena N. (org). Gêneros do
discurso na escola: mito, conto, discurso político, divulgação científica. Cortez, 2001.
GUMPERZ, J.J. Discourse Strategies. London: Cambridge University Press, 1982.
HEATH, S. B. Ways whith words. Language, life and work in communities and
classrooms. Cambridge, Cambridge University Press, 1983.
JESUS, Luciana M, e Brandão Helena N. Mito e tradição indígena. In: BRANDÃO, Helena N
(org). Gêneros do discurso na escola: mito, conto, discurso político, divulgação científica.
Cortez, 2001.
KATO, M. A. No Mundo da Escrita: uma perspectiva psicolingüística. São Paulo: Ática, 2ª
ed. 1987.
KLEIMAN, Ângela B. 1995. Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. Campinas:
Pontes, 1995.
__________________. Alfabetização e letramento: implicações para o ensino. Revista
FACED, nº 06, 2002.
KOCH, Ingedore V. O Texto e a Construção dos Sentidos. São Paulo: Contexto, 2002.
LAJOLO, M. Livro didático e qualidade de ensino. In: Em Aberto. Ministério da Educação e
Desporto SEDIAE/ INEP. Ano 16: nº 69, 1996.
LÉON, P. R. Précis de phonostylisque: parole et expressivite. Paris, Nathan, 1993.
MARCUSCHI, Luiz A. Oralidade e Escrita. Comunicação apresentada na conferência de
abertura no II ENCONTRO FRANCO BRASILEIRO DE ENSINO DE LÍNGUA. Natal,
1995.
___________________. Análise da conversação. São Paulo: Editora Ática, 1999.
__________________. Oralidade e ensino de língua. In: DIONÍSIO, Ângela P. O Livro
Didático de Português: múltiplos olhares. Rio de Janeiro: Lucerna, 2001.
__________________. Da Fala para a Escrita: atividades de retextualização. São Paulo:
Cortez 2001.
__________________. Gêneros Textuais: o que são e como se constituem. Recife: UFPE,
2002.
MEDINA, C. de A. Entrevista: o diálogo possível. São Paulo: Editora Ática, 1986.
MELO, Cristina, e BARROS, Maria Lúcia. As relações interpessoais na produção do texto
oral e escrito. In MARCUSHI, L, e DIONISIO, A (org). Fala e Escrita. Belo Horizonte:
Autêntica, 2005.
MENDES DA SILVA, Paulo, e MORI-DE-ANGELIS, Cristiane. Livros Didáticos de Língua
Portuguesa (5ª a 8ª séries): perspectivas sobre o ensino da linguagem oral. In: ROJO, R.
BATISTA, A. A (orgs). Livro didático de língua portuguesa, letramento e cultura escrita.
São Paulo: Mercado das letras, 2003.
MINAYO, Maria C. Souza (org). Ciência Tecnologia e Arte: o desafio da pesquisa social.
Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.
________________. Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. Petrópolis, RJ: Vozes,
1994.
MORAES, R. Análise de conteúdo. In: Educação. Porto Alegre. Ano XXI nº 37, março:
1999, p.7, 31.
MOLLICA, Maria C. In: XAVIER, Antonio (org). Conversas com lingüistas: virtudes e
controvérsias da lingüística. São Paulo: Parábola, 2003.
MORAIS, Artur, e BORGES, Eliana. Alfabetização e letramento: O que são? Como se
relacionam? Como “alfabetizar letrando?”. In: ALBUQUERQUE, A e LEAL, T.
Alfabetização de jovens e adultos em uma perspectiva de letramento. Belo Horizonte:
Autêntica, 2004.
OSTIGUY, L, e GAGNÉ, G. Le développement du français oral soutenu par l’analyse du
langage. Montreal, Universidade de Montreal, 1998.
PAREDES, P. SILVA. Variações tipológicas no gênero textual carta. In: KOCH, Ingedore e
BARROS, Kazue (orgs). Tópicos em lingüística textual e análise da conversação. Natal:
EDUFRN, 1997.
POSSENTI, Sírio. Porque não ensinar gramática na escola. Campinas, SP: Mercado de
Letras: Associação de Leitura do Brasil, 2000.
RANGEL, Egon. Livro Didático de Língua Portuguesa: o retorno do recalcado. In:
DIONÍSIO, Ângela e BEZERRA, Maria A. O livro didático de Português: múltiplos
olhares. Rio de Janeiro: Lucerna, 2001.
RUBIO, Mariela, e ARIAS, Valeria. Uma secuencia didáctica para la ensenanza de la
argumentación escrita em el tercer ciclo. Leictura y vida. 34-43. 2002.
SCHNEUWLY, B, e DOLZ, J. O oral como texto: como construir um objeto de ensino. In:
SCHNEUWLY, B, e DOLZ, J. Gêneros Orais e Escritos na Escola. Campinas SP. Ed.
Merca de letras, 2004.
SCHNEUWLY, B. Gêneros e tipos de discurso: considerações psicológicas e ontológicas. In:
SCHNEUWLY, B, e DOLZ, J. Gêneros Orais e Escritos na Escola. Campinas SP. Ed.
Merca de letras, 2004.
SILVA, E. T. Livro Didático: do ritual de passagem à ultrapassagem. In: Em Aberto.
Ministério da Educação e Desporto SEDIAE/ INEP. Ano 16. nº 69, 1996.
SOARES, Magda. Linguagem e Escola: uma perspectiva social. São Paulo, SP: Editora
Ática, 1998.
STREET, B. Socail literacies. Critical approaches to literacy. Norwood, N.J. Ablex, 1995
SUASSUNA, Lívia. Ensino de língua portuguesa: uma abordagem pragmática. Campinas:
Papirus, 1995.
TANNEN, D. The oral/literate continuum in discourse. In: Deborah Tannen (Ed.). Spoken
and written language: exploring orality and literacy. Norwood, NJ: Ablex, 1982b.
TRAVAGLIA. Gramática e Interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º
graus. 3.ed. São Paulo. Cortez, 1995.
VOTRE, S.J. Discurso e sintaxe nos textos de iniciação à leitura: Lingüística aplicada ao
ensino de português. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987.
Livros Didáticos Consultados
GOMES, Solange. Coleção Vitória-Régia. Campina Grande do Sul / PR. Lago. 2ª
Edição, 2000.
SOARES, Magda. Português uma Proposta para o Letramento. Editora Moderna: São
Paulo, 1ª Edição, 1999.
Recommended