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3-7) História do Brasil
LINHARES, Maria Yedda. História Geral do Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1996.
2 O Trabalho na Colônia (Ciro Flamarion Cardoso)
Não se deve reduzir o trabalho colonial ao esquematismo: escravidão negra,
latifúndio e monocultura. Também não se deve reduzir a realidade colonial no Brasil a
uma realidade bipartida entre senhores e escravos. Isto não dá conta da complexidade.
Esta complexidade se dá em muitos níveis. Estudos regionais e locais de
distribuição de propriedade de escravos negros mostraram muitas vezes, na Bahia, em
Minas Gerais, no Rio de Janeiro e em São Paulo, ser reduzido o número de senhores de
grandes plantéis de escravos, considerável a dos proprietários de médio porte. Além
disso, a própria realidade escravista era difusa, tendo casos de libertos donos de
escravos, e mesmo escravos donos de escravos. Outras relações de produção existiam
também, como o campesinato. Isto não anula o predomínio da escravidão negra, nem da
plantation, nas estruturas coloniais.
É preciso lembrar que a escravidão, aliás, é apenas uma modalidade da categoria
mais geral de trabalho compulsório, que tinha as facetas as mais variadas.
Há quatro fases mais ou menos nítidas no relativo à história do trabalho colonial:
-1500-1532: período pré-colonial, caracterizado por uma economia extrativa
baseada no escambo com os índios;
-1532-1600: época de predomínio da escravidão indígena;
-1600-1700: fase de instalação do escravismo colonial de plantation em sua
forma “clássica”;
-1700-1822: anos de diversificação das atividades em função da mineração, do
surgimento de uma rede urbana, mais tarde de uma importância maior da manufatura –
embora sempre sob o signo da escravidão predominante.
Isto com relação às áreas produtivas nucleares da Colônia. Mas com relação a
outras regiões, outras formas coexistem.
5 O Império Escravista e a República dos Plantadores
PARTE A: Economia Brasileira no Século XIX: mais do que uma plantation
escravista-exportadora (João Luís Fragoso)
A economia escravista-exportadora é predominante durante o império. Mas não
se pode reduzir a complexidade das relações econômicas a este modelo. Outras formas
de produção aconteciam no Brasil de então: além de senhores e escravos, outras
categorias sociais se colocavam, como o camponês, e mesmo outras formas sociais de
extorsão de sobretrabalho, como na pecuária extensiva do Rio Grande do Sul e de
Goiás. E mesmo a maior província escravista de 1819, Minas Gerais, não estava
fundamentalmente ligada à exportação, mas ao mercado interno. E em 1874, nas três
probíncias do Sudeste que concentravam a produção cafeeira (Rio, São Paulo e Minas),
60% da população cativa total se encontrava em municípios não-cafeeiros.
A produção voltada para o mercado interno não era irrelevante, e possuia um
importante papel na economia geral do império. Esta produção voltada para um
mercado interno, aliada àquela escravista voltada para o externo, vai criar um amplo
espaço para a realização de acumulações de capital. Apesar da economia ser
basicamente pré-capitalista, ou englobar todo um universo não-capitalista, durante o
século XIX percebe-se a hegemonia do capital mercantil, que, constituído a partir de
diversos segmentos de mercado, tinha que se transformar em produção (ou seja,
investimento em atividades produtivas), como condição mesma da estrutura global de
produção.
Esta realidade coexistiria com o surgimento de novos elementos a partir de 1850.
A abolição do tráfico de escravos, a Lei de Terras, e o Código Comercial, e a Lei de
Hipotécas, somados ao avanço das estradas de ferro, além do cenário internacional
capitalista, são elementos que apontam para a transformação da sociedade. Mas esta
transição se dá aos poucos e não sem resistência. Além do mais, essa produção não se
converteria progressiva e simplesmente para o modo de produção capitalista: este foi o
modo de produção vencedor, mas conviveu com outras tentativas, como as relações
não-capitalistas de produção pela parceria, pelo colonato, morador, etc.
Apesar disso, é certo que na virada do século XIX para o XX, a economia
apresentava uma precária divisão social do trabalho e uma circulaçãolimitada de
mercadorias, mas é certo também que é nesta época que se presencia o crescimento da
população urbana, os primeiros passos da industrialização, com formação de seu capital
industrial e sua classe operária. O que se sublinha é o caráter lento e tenso dessas
transformações.
A Reafirmação do escravismo no centro-sul e sua posterior superação
Pesquisas recentes demonstram como não há uma dependência tão grande das
flutuações coloniais em relação aos rimos do mercado internacional. Isto mostra algum
grau de autonomia nacional. Trata-se de uma economia em que o domínio do trabalho
escravo e a presença de formas camponesas geram uma frágil divisão socoal do trabalho
e uma precária circulação de mercadorias e moedas. Isso se traduz na presença de
práticas monopolistas e especulativas e no endividamento como momento frequente do
funcionamento de empresas.
A escravidão brasileira não consiste em um campo de concentração, mas sim em
um sistema social estável e complexo, apesar de obviamente tenso. Em Paraíba do Sul,
em 1850, por exemplo, pelo menos 1/3 dos escravos eram indivíduos com laços de
parentesco.
As produções para o mercado interno no sudeste: o caso de Minas Gerais
A província do Rio de Janeiro, em 1874 , concentrava 51% dos seus escravos em
áreas não-exportadoras. De um lado, há o norte fluminense açucareiro, que apresentava
uma aristocracia rural com índice de concentração de terras e escravos semelhantes aos
municípios cafeeiros do vale do Paraíba; de outro, o Capivari, município assentado no
fornecimento de mandioca e café para o mercado interno, onde o grande fazendeiro
tinha em torno de 30 escravos.
Minas Gerais, ao longo do século XIX, foi a maior província escravista do país:
em 1819 e 1872 possuía respectivamente 15,2% e 24,5% da população cativa do país.
Possuía, ao mesmo tempo, altos índices internos de diferenciação econômica
(concentração de riqueza). Existia em Minas uma expressiva divisão social do trabalho
e um forte comércio provincial.
O definhamento do escravismo
Os últimos anos do império fornecem informações sobre as condições materiais
de reprodução do sistema, e apresentam um panorama muito diferente do exposto
anteriormente. O envelhecimento dos escravos e dos cafezais indica o envelhecimento
do sistema agrário, e a redução de sua capacidade de reprodução. Cada vez tem-se
menos terras e menos homens a incorporar, o que é fatal para uma agricultura extensiva
fundada no trabalho escravismo (e fatal também para os que movimentavam fortemente
esta economia: os grandes traficantes).
As novas fronteiras: o novo Oeste paulista e os novos regimes de trabalho na agricultura
do Sudeste
Montagem e expansão da agricultura cafeeira paulista se dá em meio a um
tempo de mudança: o contexto do definhamento da estrutura escravista brasileira, além
da instauração das primeiras ferrovias e de um sistema bancário verdadeiro; em nível
internacional, acontecia a consolidação da hegemonia capitalista. Essas modificações no
cenário econômico podem levar a crer que essa montagem e essa expansão se fariam
sob as novas condições de produção capitalistas. Mas dados apresentam que isto se
daria reproduzindo, em partes, as antigas estruturas da escravidão. E somente a partir da
década de 1880 é que os fazendeiros paulistas adotariam em larga escala o trabalho
imigrante. No final do século XIX, São Paulo recebeu muitos imigrantes, entre eles a
maioria italianos: mais de 90% foi subsidiada pelo governo paulista.
Ao mesmo tempo, a formação dessas relações de produção se dá em meio ao
surgimento da República (1889), com seu sistema federalista e suas oligarquias locais.
Essa mudança política implicaria o maior acesso dos interesses regionais e de classe ao
centro do poder. A elite republicana seria mais representativa, mas essas modificações
não significam que o Estado Republicano tenha se tornado mais democrático. Ao invés
disso, as classes subalternas continuavam destituídas de parte substancial de seus
direitos de cidadania. No campo, essa situação se traduzia como fortalecimento do
mandonismo local (coronelismo), o que reforçava os aspectos não econômicos presentes
nas novas relações de produção.
A grande propriedade e o camponês livre no nordeste: uma outra transição
“As províncias nordestinas, até a década de 1860, concentravam mais ou menos
50% da população cativa do país, o que significa dizer que possuíam uma soma de
escravos superior à do conjunto provincial representado pelo Sudeste. (...) Através
desses dados é possível perceber a resistência da instituição escravista em algumas áreas
do Nordeste. Todavia, como nas demais províncias brasileiras, a abolição do tráfico
internacional de cativos, em 1850 iria abalar a capacidade de reposição desta mão-de-
obra no Nordeste; para verificar isso, basta recordar que em Pernambuco, segundo o
censo provincial de 1842, 54% de sua população cativa era africana.” Houve, aí, uma
transição do trabalho escravo para o juridicamente livre. Mas a abolição não representou
aí uma perda substancial de mão-de-obra pelos antigos senhores. Além disso, no sertão,
a partir da segunda metade do século XIX se consolida a propriedade fundiária
pecuarista. O resultado desse processo é a expropriação de antigos camponeses ligados
à agricultura de alimentos e a consequente migração de segmentos desse grupo para
outras áreas, inclusive para a zona da mata canavieira.
O sul e o centro-oeste: a “periferia da periferia”
No final do século XVIII, a pecuária gaúcha se junta a produção industrial do
charque, alimento fundamental na dieta dos escravos. O desenvolvimento dessa
indústria no Sul está ligado às secas ocorridas no Ceará. Portanto, voltada para o
mercado interno.
No centro-oeste, assistimos à transição do trabalho escravo para formas de
produção assentadas em outras relações não-capitalistas. A lavoura de alimentos se
baseava principalmente no trabalho familiar, assumindo um caráter camponês.
Formas de trabalho no mundo amazônico
No século XIX, a economia da Amazônia é uma combinação de uma mesma
empresa da agricultura e de subsistência com o extrativismo. Várias formas de produção
sustentam essa atividade, que varia desde a economia camponesa até o uso compulsório
do trabalho indígena. O boom da borracha traria mudanças, mas sem alterar suas bases
estruturais. A demanda externa por esse produto só cresceria após 1890, com a invenção
do pneumático.
As conjunturas econômicas da República dos plantadores e o início da industrialização
Na transição do século XIX para o XX há uma série de transformações em nível
de economia internacional. Estados Unidos e Alemanha passam a ser a “oficina do
mundo” no lugar da Inglaterra; a predominância do setor têxtil cede lugar para a
indústria química, elétrica e de construção de máquinas, dando origem às grandes
plantas industriais; os processos de concentração e centralização na produção
capitalistas, acompanhados da fusão do capital bancário com o industrial – o chamado
capital financeiro – resultam na modificação da lógica de funcionamento da economia
capitalista; cresce o número de investimentos nas colônias em ferrovias, serviços
públicos e empresas produtivas, ou na forma de empréstimos. Teria assim início uma
nova onda colonialista que repartiria o mundo entre as grandes potências da época. No
Brasil, essas mudanças ocorrem com permanências estruturais. A agricultura continuava
a ser o principal setor da economia. Há também uma persistência de uma estrutura
fundiária concentrada.
Mas há elementos novos. Crescimento dos centros urbanos e das atividades
econômicas ligadas a eles, pela instalação e ampliação das estradas de ferro. Isso
ajudaria a complexificar a economia nacional. Tudo isso aconteceria às custas do
aumento do endividamento externo. Era o início da industrialização do país. Em São
Paulo, o complexo cafeeiro, ao acumular, criou capital – dinheiro que se converteu em
capital industrial e criou algumas das condições necessárias a essa transformação. Já no
Rio de Janeiro, o processo de industrialização se deu em um contexto de decrescimento
da agricultura cafeeira. A decadência dessa atividade gerou uma transferência de
capitais para novas áreas de investimento, entre elas o setor industrial.
Conclusões
“no período escravista a plantation não conformava uma unidade auto-
suficiente. Ela recorria ao mercado para se reproduzir e o fazia em um mercado interno
pré-capitalista;
em segundo lugar, temos que aquela transição não representou a consolidação,
na agroexportação, de relações capitalistas de produção, mas sim a constituição de
diferentes tipos de relações de produção não-capitalistas (colonato, parceria, moradores,
etc), fato esse que redefine o ritmo da transição para uma economia capitalista.”
6 Da República Velha ao Estado Novo
Parte B: Estado e Sociedade: A consolidação da república oligárquica (Sônia
Regina Mendonça)
A República Velha caracterizou-se pelo predomínio inconteste de grupos
agrários, sob a hegemonia dos cafeicultores paulistas. Críticos à centralização
monárquica, esses cafeicultores acabariam por implantar, na prática, um regime político
coerente com a república: pautado na federação, e baseado na maximização do poder
das oligarquias estaduais, por meio do coronelismo.
Os pressupostos dessa República eram democracia e liberalismo excludente. Um
exemplo bastante claro, é o suposto sufrágio universal, que tinha como condição a
alfabetização, em um país em que a maioria esmagadora da população era analfabeta.
A Política dos Governadores se instaurou para que se reduzissem os
traumatismos e as crises inerentes aos processos sucessórios em que “oposição” e
“situação” se revezassem no poder. Ela foi a aplicação dos seguintes princípios: o
reforço da figura presidencial (a despeito da independência dos poderes) e a
solidarização das maiorias com os executivos (estaduais e federal). Assim, mesmo sem
um Partido Único, com a figura dos PRs (Partidos Republicanos) estaduais, permitiu-se
que as oligarquias locais consolidassem o poder em seu âmbito, ficando a Presidência
com a condução das grandes questões, sem dispensar o apoio inconteste do localismo.
Isso era firmado na alternância do Executivo federal, com as lideranças provenientes de
São Paulo e Minas Gerais (por muitos denominada de “política do café-com-leite”).
O coronelismo possibilitou esse sistema. O coronel geralmente era um grande
proprietário de terras em processo de descapitalização que dependia de um apoio maior
para se manter em seu status de coronel (político e financeiro). Ele recebia o apoio do
governo municipal, e com isso garantia votos de seu eleitorado (por meio do voto de
cabresto) para o jogo político que se desenhava. Nesta transação de interesses entre as
máquinas político-administrativas dos estados e os interesses políticos e econômicos dos
donos de terra (ainda uqe fossem latifúndios improdutivos em questão), outros
mecanismos não faltavam, como a fraude eleitoral aberta – que entre outros, evitava que
o crescimento de poderes locais pudesse enfraquecer o esquema montado.
Deste esquema que favorecia os cafeeiros paulistas surgiram as políticas de
valorização do café implantadas pelo governo federal ao longo do período. Ao mesmo
tempo, tentando atender aos interesses dos outros segmentos agrários que os apoiavam,
procurava-se a compensação contemplando as oligarquias menores ora com lugares
estratégicos na composição de chapas presidenciais, ora no atendimento parcial de
certas demandas regionais. Era este o caráter contraditório desse sistema de dominação:
para cumprir suas funções, o governo federal estava limitado pelo próprio federalismo
oligárquico, tanto no que diz respeito à sua base financeira, quanto ao desempenho de
seus papéis coercitivos. Surgiam então conflitos intraclasse dominante.
A crise dos anos 20
Houve na década de 1920 uma crise socio-econômica e política, cuja solução só
se daria com o Estado Novo. Pelo lado político, era uma crise de hegemonia,
desdobrável em dois momentos: o primeiro teve como sentido último a contestação à
preponderância da burguesia cafeeira, culminando com a “revolução” de 30. O segundo
estendeu-se desde então até 1937, em uma crise hegemônica em que nenhuma classe
alcançara o controle inconteste do aparelho do Estado. Boa parte desta crise de
hegemonia se explica pelas divisões regionais que as classes burguesas tiveram em sua
gênese no Brasil.
Mesmo a oposição aberta ao regime não estava livre de contradições marcantes.
Se podemos constatar nos representantes dos setores médios críticas ao regime político,
é verdade que seu conteúdo inscrevia-se nos limites do universo liberal que partilhavam,
sem que a busca mesma desses princípios contemplasse a democracia plena, nem a
possibilidade de alianças com os demais setores subalternos. O único dos segmentos
passível de ser aproximado a setores médios que teve expressão política efetiva no
período, os tenentes, desenvolveu um programa elitista.
Também o movimento operário apresentava seus limites. Em um país cujo
regime se baseava no controle sobre o campo, fica evidente o caráter secundário da
mobilização política operária no conjunto. O movimento operário era limitado, apenas
uma fração pequena no todo da população do país, “ilhado” nas poucas grandes capitais
em processo de industrialização. Além disso, a preponderância dos imigrantes na
configuração da classe limitava também o movimento, fazendo com que à condição de
estrangeiros se adicionasse um projeto de ascenção social. E do ponto de vista
doutrinário, deve-se analisar o aspecto pouco positivo desempenhado pelo anarquismo,
cujo caráter obreirista e ênfase em temas de pouca receptividade no meio social
dificultaram a organização política de classe.
A despeito disso, o movimento operário fazia frente às classes dominantes, que
lidavam com estes movimentos tendo-os como “questão de política”, e não de política.
Quanto ao tenentismo: portadores de um ideário elitista, voltado para a purificação das
Forças Armadas e da sociedade como um todo, os tenentes apresentavam um programa
de traços autoritários e nacionalistas, defendendo um Estado mais centralizado, uma
legislação mais uniformizada, e um ataque à oligarquia paulista. Mas quando em 1925
tomou força e corpo a legendário Coluna Prestes, a longa marcha de 24000km pelo
interior do país para “manter viva a chama da revolução”, os segmentos oligárquicos
encontraram os termos de realinhamento, garantindo o prestígio a um candidato
governista eleito. A crise hegemônica se resolvia por meio de um inimigo em comum.
A crise brasileira de 1929 foi resultado do esgotamento vagaroso de um padrão
de acumulação. Nele, a economia mercantil exportadora tinha cumprido já todas as
potencialidades de desenvolvimento, e levou ao máximo a sua principal contradição, de
dicotomia entre o pólo produtivo e o da realização da produção.
Da “revolução de 30” ao Estado Novo
O golpe de outubro de 1930 deslocou a tradicional oligarquia paulista do poder,
enquanto que os grupos que o apoiaram não conseguiram resolver as contradições que
lhe deram origem. Por isso o período de 1930-37 é de crise política aberta, sem que
nenhuma fração de classe lograsse a hegemonia. Isso deu ao Estado alguma autonomia
frente aos interesses que o disputavam. “Estava em gestação uma modificação na
própria estrutura e forma de atuação do Estado, cujos produtos viriam a ser não apenas a
superação das formas tradicionais de expressão política dos interesses de classe, como
também a alteração do próprio processo de reprodução das classes, inscrito na ossatura
do Estado. A instalação da ditadura do Estado Novo em 1937 explicitaria tais
tendências.”
A análise das grandes linhas de desenvolvimento recente do capitalismo no
Brasil não pode deixar de lado as transformações processadas a partir da década de
1930. Foi aí a primeira ruptura no avanço da acumulação capitalista, bem como a
redifinição do papel do Estado na economia, tendo como principal ator, do ponto de
vista deste Estado, o empresariado brasileiro.
Institucionalizar as relações entre Estado e operariado se manifestou como
preocupação no imediato pós-30. Teve a criação o Ministério do Trabalho (1931), e a
promulgação da legislação trabalhista. A partir de então, o Estado passará a disputar a
hegemonia dentro destes partidos com as classes trabalhadoras, a partir da visão
corporativa do “órgão de colaboração do Estado”.
8 A modernização autoritária: do golpe militar à redemocratização 1964/1984
(Francisco Carlos Teixeira da Silva)
Entre os anos 1950 e 1980 ocorreu o mais intenso processo de modernização
pelo qual já passou o país. Foram transformadas as relações campo/cidade e reafirmadas
estruturas já implantadas: a industrialização, a concentração de renda e a integração no
conjunto econômico capitalista mundial.
A maior e mais importante das alterações foi a da inversão do polo
campo/cidade, onde a população rural predominante antes desta modernização se
tornará urbana. O êxodo rural esvaziou mesmo o interior de alguns estados como o Rio
de Janeiro ou o Espírito Santo, por conta das condições sociais extremamente negativas
e pelo crescimento da violência rural.
É também neste momento que se generalizam as relações de produção
capitalistas, com um aumento enorme da classe operária, que aumentou cerca de cinco
vezes em trinta anos. Esses operários seriam resultado dos setores de metalurgia,
mecânica, material elétrico, comunicações e transporte.
Ao mesmo tempo, um amplo setor camponês desempenhava ainda um papel-
chave neste modelo capitalista especificamente brasileiro, composto de diversas oficinas
e fabriquetas, espalhadas entre latifúndios e minifúndios, resultando em relações de
trabalho não-capitalistas que seriam cruciais no conjunto geral do capitalismo nacional.
Há também o crescimento do setor terciário, graças à intervenção do Estado na
economia e um desenvolvimento do setor administrativo das empresas, do setor
bancário e pela área de saúde e educação. Isto criaria novas camadas médias urbanas:
um categoria assalariada não operária vinculada às funções burocráticas do Estado, à
universidade, transportes, bancos e comércio, praticamente concentrada na cidade, culta
e, depois de 1975, nos esteios da luta contra a ditadura militar; e uma categoria não-
assalariada, tendo de um lado uma pequena burguesia batida pela inflação, pela
aceleração do processo de monopolização e pelo encarecimento do crédito e de outro os
profissionais liberais, principalmente advogados, médicos e dentistas.
Transformações sociais e a crise da representatividade política
Todas essas transformações alteraram o peso político dos partidos tradicionais,
em particular o peso dos partidos conservadores. O Social Democrata (PSD), que tinha
sua base política no campo, sustentado no localismo e no coronelismo, sentia já o
declínio da população e da importância econômica rurais. Temia principalmente o
avanço do PTB (P Trabalhista Brasileiro) no meio rural, que até então restringia-se aos
trabalhadores do meio urbano. Também a União Democrática Nacional (UDN) passava
por uma crise: sempre derrotada nas eleições majoritárias pela coligação PTB/PSD,
estava pronta para recorrer aos quartéis quando necessário. Mesmo as Forças Armadas
passavam por uma crise política.
Os militares – i.e., a maioria dos oficiais superiores principalmente os da
Aeronáutica e do grupo de coronéis e tenentes-coronéis – já faziam intervenções
políticas antes de 1964. Em 1954 já tinham forçado Vargas a demitir o ministro do
Trabalho João Goulart. No ano seguinte a aliança entre militares e a UDN lança Juarez
Távora como candidato à presidência, derrotado por JK e Jango na aliança PSD/PTB.
Os militares seguiram conspirando. As Forças Armadas tentavam evitar o fracionalismo
e apresentar uma face unificada perante o país, surgindo como um núcleo de eficácia e
probidade frente a um governo (o de JK) que julgavam corrupto e economicamente
inepto, permitindo uma inflação até então inédita. Essa conjuntura permitiu que o
candidato da UDN, Jânio Quadros, com a bandeira da recuperação econômica e da
austeridade, fosse eleito presidente, em 1961. Pela primeira vez desde a
redemocratização de 1945 a UDN iria ao poder, com uma figura controversa,
histriônica, ocupado em destruir as estruturas partidárias e procurando governar acima
do Congresso.
Mas a vitória não fora completa, pois o PTB elegera Jango para a vice-
presidência, e a bancada tanto do PTB como do PSD eram fortes no Congresso. Jânio
Quadros, inconformado com os limites constitucionais e açoitado por índices
inflacionários, tenta um plano “sinistro e ingênuo”, de forçar a concessão de amplos
poderes pelo Congresso Nacional, apresentando, após sete meses de mandato, sua
renúncia. O plano falha, e Carlos Lacerda da UDN denuncia o plano, e PTB e PSD dão
a renúncia como consumada. Os ministros militares assumem o poder e declaram o
impedimento de Jango. Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul, e líder da ala
esquerda do Trabalhismo, lança uma campanha pela legalidade. O III Exército declara-
se pela posse do vice-presidente, cindindo as Forças Armadas.
“Tendo as experiências peronistas e apristas da Argentina e do Peru como pano
de fundo, as classes dominantes do país, as elites culturais e as lideranças militares
formadas sob influência direta das escolas de treinamento militar dos Estados Unidos,
onde predominava a mentalidade da guerra fria, sabiam do avanço, cada vez mais firme,
do voto das esquerdas e perdiam a esperança de, no âmbito do regime democrático,
impedir a ascensão do reformismo trabalhista no poder.” Os apelos da UDN em favor
do golpe militar ficam assim mais compreensíveis.
O principal argumento anti-reformista da direita (UDN, parcelo do PSD, PSP,
PL, PR...) residia na ignorância do povo, que não saberia votar. Assim se cunhou o
conceito de “populismo”, que já era usado para Juan Domingos Péron na Argentina,
para englobar o movimento reformista de Vargas em diante.
Francisco Weffort caracterizou o populismo: a) estilo de liderança individualista
e personalista; b) diluição do conceito de classe social e de luta de classes, substituído
pelo conceito de povo e de massas populares; c) discurso demagógico, dirigido à
pequena burguesia; e d) não cria partidos estruturados, mas movimentos. No caso
brasileiro, específico do PTB, a figura o primeiro “pai dos pobres” (Vargas) foi
substituída por outras figuras que representavam diferentes papéis, embora os outros
pontos continuem válidos.
A questão agrária no Brasil e a resistência à mudança
A estrutura da posse e uso da terra no Brasil entre 1945 e 1964 era marcada por
forte concentração fundiária, com contínuo processo de concentração de terras, e com
ampliação das grandes propriedades e expulsão do trabalhador rural.
Em 1963 é criado o Estatuto do Trabalhador Rural, sendo o primeiro passo
concreto em direção a uma solução do impasse econômico e político no campo. Com
João Goulart, haverá o Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social, que
estava previsto para 1963-5, que previa ampla reforma. E duas semanas antes do golpe
um projeto de ampla reforma agrária é enviado ao Congresso. Mas não chegou a ser
votado.
A insistência na reforma agrária foi o que separou decisivamente o PTB do PSD,
levando este último a uma aliança com a UDN. Desde 1955 a agitação por terra e a luta
daí decorrente assumia a importância de luta política, superando a antiga fase em que
movimento social era “caso de polícia”. Surgiu então a Sociedade Agrícola e Pecuária
dos Plantadores, mais tarde chamada “Ligas Camponesas”, que serão o centro de
mobilização popular no campo, apoiando Goulart e Miguel Arraes, seriam também alo
da histeria anticomunista. No Brasil, além da concentração de terra, somava-se a
situação internacional de guerra fria, onde uma coisa se mostrava crucial defender, para
a direita: a propriedade privada. Qualquer projeto de reforma agrária atacava dois
nódulos nervosos do capitalismo brasileiro.
Embora as intenções de Goulart com a reforma agrária não fossem exatamente
comunistas – o presidente acreditava mesmo que o desenvolvimento industrial
necessitava de uma reforma agrária que garantiria o fim da inflação, baixos salários e
abundância de matérias primas –, caracterizaram-no como tal, pela ameaça à
propriedade e clima de guerra fria.
Soma-se a esta conjuntura um quadro de crise generalizada de inflação, escassez
de produtos de primeira necessidade, e em algumas áreas locais a repressão (algumas
vezes militar, como com Costa e Silva no Paraíba) a movimentos populares. Neste
contexto, Goulart rompe com o papel decorativo que lhe havia sido imposto desde a
aprovação, e em maio de 1962 declara um plano de intervenção do Estado na economia.
Quase simultaneamente a CGT desencadeia uma greve geral em apoio a Goulart e
eclodem manifestações no Rio de Janeiro e em São Paulo. Em clima de golpe de
Estado, Goulart marca o plebiscito pedindo retorno ao presidencialismo para 6 de
Janeiro de 1963. No quadro internacional, o presidente John Kennedy exercia forte
pressão sobre o Brasil para alinhá-lo à política de bloqueio e enfrentamento a Cuba,
lançando mão de instrumentos de chantagem e coerção. Mesmo assim em 1962 o
trabalhismo avança em 1962 e dobra a sua bancada. É neste contexto que a pressão dos
EUA se intensifica, assim como aquela dos setores das Forças Armadas em parceria
com a direita nacional.
O estabelecimento do regime autoritário
Em meio ao clima de golpe, uma crise representativa também se esboçava nas
Forças Armadas, até mesmo com motim de suboficiais da Aeronáutica e da Marinha em
1963, exigindo direito de voto e melhores condições na tropa. Goulart, se apoiava então
nas organizações sindicais, nacionalistas e partidos de esquerda, e passa então para a
ofensiva, buscando nas ruas, através de manifestações de massa e comícios, a base que
faltava no Congresso.
Goulart não consegue contornar a crise, pois a essa altura o golpe já era tramado
entre lideranças civis e militares. Uma aliança dominada pela UDN no Congresso
Nacional se forma com a saída de Jango, que prefere evitar um “banho de sangue”, e
têm início os expurgos políticos. Os civis e os militares articulados ao golpe pareciam
ter um projeto bem delimitado de intervenção na vida política do país, norteado no mito
das Forças Armadas como “Poder Moderador”. O golpe prometia uma rápida
reorganização do país, saneamento de suas instituições, e a sua devolução rápida.
Destacou-se logo a profundidade e furor da repressão política, em particular
contra o Trabalhismo e o comunismo. Teve início a morte e o desaparecimento de
diversas lideranças sindicais e camponesas, e deposição de governadores eleitos,
prenunciando o que viriam a ser os anos de Terror do regime.
Para controlar a inflação e estabelecer o crescimento econômico foram tomadas
medidas que seguiam duas direções: a liberalização da entrada, ação e saída de capitais
estrangeiros no país, revogando a Lei de Remessas de Lucros para o Exterior; e o
controle dos salários mantidos sempre abaixo da inflação (ou seja, “arrocho salarial”), a
fim de manter as taxas de remuneração do capital e a competitividade dos produtos
brasileiros no exterior. Além disso, procura-se diminuir a presença do Estado na
economia, privatizando diversos setores estabelecidos pelo Estado para criar as bases do
desenvolvimento econômico. Assim, o Estado renunciou ao controle dos preços
internos, particularmente o dos alimentos, embora continuasse a manter os salários
abaixo da inflação.
Para manter essa política econômica, concentradora de renda e antipopular, o
regime militar foi obrigado a aprofundar ainda mais sua política repressiva,
particularmente contra sindicatos. Havia certo reconhecimento, mesmo dentro das
Forças Armadas, ainda cindidas, que o custo do crescimento econômico pelo modelo
tomado custara a ampliação da pobreza e a transformação do país em um imenso
quartel, como os próprios militares viam com a imposição da Lei de Segurança
Nacional. Neste contexto a “linha dura” da ditadura tentam arrochar ainda mais o
regime, para conter as vozes divergentes.
O AI 2 de 1965 dissolveu os partidos e limitou a representação partidária a dois
partidos: A ARENA (Aliança Renovadora Nacional), de apoio ao regime, e o MDB
(Movimento Democrático Brasileiro), fazendo uma oposição branda ao regime. Em
seguida, a Constituição de 1946 é reformada em sentido autoritário, estabelecendo
eleições indiretas e consolidando a intervenção militar na vida pública. A resistência
civil se torna mais ousada e forte, principalmente a partir de 1968. Assim é editado o AI
5, instrumento básico da ação da ditadura, que fecha o Congresso, cassa mandatos e
estabelece a censura prévia e os inquéritos militares sigilosos, institucionalizando a
arbitrariedade. É estabelecida a pena de morte e a resistência armada se intensifica
também, com movimentos de guerrilha urbana e rural. Nesse contexto consumava-se o
“golpe dentro do golpe”, a fase mais radical do regime. A repressão alcança o nível
cultural também, com proibição de peças, canções, e com exílios e prisões.
O governo do general Médici, com os mais altos índices de crescimento
econômico do país, com entrada maciça de capitais estrangeiros e arrocho salarial,
proclama um “Milagre Brasileiro” como o patamar inicial de um crescimento acelerado
e ininterrupto. Surge o slogan do Brasil Grande, com o ufanista “Brasil: ame-o ou
deixe-o.” Durante o governo Geisel, o milagre demonstra sua fraqueza, com os dois
pilares (endividamento externo, e arrocho salarial) atingindo o seu limite,
particularmente com o endividamento externo engolindo fatias enormes do PIB. E
grande parte da população se encontra abaixo do mínimo indispensável de 2.240
calorias diárias. As críticas ao regime aumentam. Embora com um crescimento
econômico elevado, o regime militar não conseguiu, bem pelo contrário, diminuir as
injustiças sociais. O Geisel sob pressão, após hesitação, acelera a bertura, afastando
militares identificados com a tortura e com a corrupção. Tem início a abertura “lenta,
gradual e segura”, consolidada na Emenda Constitucional de 1978.
Com a mudança do quadro econômico internacional, principalmente com o
choque do petróleo, o modelo economico em prática no Brasil sofre profunda mudança:
pois esse modelo se pautava largamente na conjuntura internacional, com entrada de
crédito de capitais estrangeiros e endividamento externo. Figueiredo acelera as
transformações institucionais, concedendo Anistia Política e altera a legislação
partidária, dando maior liberdade de organização aos partidos. A continuidade da crise
faz estalar a crise nos meios militares, com um grupo radical negando a aceitar a
abertura política e apelando para o terrorismo contra alvos civis.
Os partidos, a Igreja, os órgãos de classe reúnem-se em uma imensa campanha
política por eleições presidenciais diretas (as “Diretas Já”), pondo lado a lado líderes
como Tancredo Neves, Ulisses Guimarães, Leonel Brizola, e Luís Inácio da Silva
(PMDB, PMDB, PDT e PT respectivamente).
Tancredo Neves prometera ao ex-presidente Geisel tornar os membros do PDS
(ex-ARENA, agora Partido Democrático Social) como ministros, além de ter o próprio
José Sarney como vice, e comprometia-se a não permitir inquéritos sobre as torturas,
desaparecimentos e escândalos financeiros, bem como a impedir qualquer membro do
antigo regime a ser responsabilizado pela dívida externa. Tancredo foi eleito presidente
do país com o compromisso de instalar uma Assembléia Nacional Constituinte,
transformando seu governo na transição entre a ditadura e a democracia. Mas morreu
antes de assumir o cargo. José Sarney, ex-líder da ARENA e ex-presidente do PDS,
vice-presidente da coligação da Aliança Democrática, união do PMDB com dissidentes
do PDS, é empossado primeiro presidente da Nova República.
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