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UNIVERSIDADE DE SO PAULO ESCOLA DE COMUNICAES E ARTES
SARA BARBOSA DE SOUSA
Memria Empresarial: interesse utilitarista ou responsabilidade histrica?
So Paulo 2010
SARA BARBOSA DE SOUSA
Memria Empresarial: interesse utilitarista ou responsabilidade histrica?
Dissertao apresentada a Escola de Comunicaes e Artes da Universidade de So Paulo para obteno do ttulo de Mestre em Cincia da Informao
rea de Concentrao: Cultura e Informao Linha de Pesquisa: Ao Cultural Orientadora: Profa. Dra. Maria Christina Barbosa de Almeida
So Paulo 2010
Catalogao na Publicao
Sousa, Sara Barbosa de Sousa Memria Empresarial: interesse utilitarista ou responsabilidade
histrica? / Sara Barbosa de Sousa. - - So Paulo: S. B. de Sousa, 2010. 130p. Dissertao (Mestrado) Programa de Ps-Graduao em Cincia da
Informao / Escola de Comunicaes e Artes / Universidade de So Paulo.
Orientadora: Almeida, Maria Christina Barbosa de. Bibliografia 1. Histria e Memria 2. Histria empresarial 3. Cultura organizacional I. Sousa, Sara Barbosa de II. Ttulo
CDD 659.2
FOLHA DE APROVAO
Sara Barbosa de Sousa Memria Empresarial: interesse utilitarista ou responsabilidade histrica?
Dissertao apresentada a Escola de Comunicaes e Artes da Universidade de So Paulo para obteno do ttulo de Mestre em Cincia da Informao
rea de Concentrao: Cultura e Informao Linha de Pesquisa: Ao Cultural Orientadora: Profa. Dra. Maria Christina Barbosa de Almeida
Aprovado em: ___/___/___ Banca Examinadora Prof (a.) Dr(a.) Maria Christina Barbosa de Almeida (orientadora)
Assinatura: _________________________________________
Instituio: Escola de Comunicaes e Artes da Universidade de So Paulo
Prof (a.) Dr(a.) _______________________________________
Assinatura: _________________________________________
Instituio: _________________________________________
Prof (a.) Dr(a.) _______________________________________
Assinatura: _________________________________________
Instituio: _________________________________________
Prof (a.) Dr(a.) _______________________________________
Assinatura: _________________________________________
Instituio: _________________________________________
minha famlia, pelo apoio incondicional e
pelo que representa em minha vida.
AGRADECIMENTOS
professora Dra. Maria Christina Barbosa de Almeida, pela orientao, incentivo, motivao e, especialmente, por acreditar em mim.
Profa Dra. Helosa Bellotto e Profa. Dra. Johanna Smit, pelas pertinentes e importantes observaes durante o Exame de Qualificao.
Profa. Dra. Asa Fujino, pela ateno e apoio em momento decisivo.
Ao Mrcio, companheiro e amigo em todos os momentos.
Ao meu irmo Marcos, pelo apoio e planto de informtica.
s minhas queridas amigas Adriana Abro, Andreza Cavalcante, Cssia
Guimares, Isabela Silva e Viviane Santos pelo incentivo, apoio, compreenso e presena em minha vida.
querida amiga Alessandra Sousa pela amizade, companheirismo, apoio e incentivo.
s amigas da Camargo Corra Marisa Berti e Sunara Avamilano pela amizade, incentivo, compreenso, apoio e por sempre acreditarem em meu potencial.
Ao Pastor Alessandro Silva pela ateno e palavras de incentivo.
Jocelene Lacerda de Oliveira, pela verso em ingls do resumo.
E a todos aqueles que, direta ou indiretamente, colaboraram para a elaborao deste trabalho.
A memria o segredo da histria do modo
pelo qual se articulam o presente e o passado, o indivduo e a coletividade.
O que parecia esquecido e perdido logo se revela presente, vivo, indispensvel.
Octavio Ianni (1926-2004)
RESUMO
SOUSA, Sara Barbosa de. Memria Empresarial: interesse utilitarista ou responsabilidade histrica? 2010. 130p. Dissertao (Mestrado) - Escola de Comunicaes e Artes, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2010.
A pesquisa tem por objetivo refletir o papel desempenhado pela memria empresarial, analisando sua atuao estratgica no reforo da imagem institucional e na construo ou fortalecimento da identidade corporativa. A reflexo engloba ainda as motivaes das empresas para a construo de espaos de memria e o uso da memria pelas organizaes. A anlise envolve a discusso de conceitos de reas multidisciplinares do conhecimento: histria, administrao, arquivologia e biblioteconomia e documentao. Aborda os conceitos de histria bem como sua associao com o passado e sua valorizao por setores da sociedade e como efeito do processo de globalizao. Apresenta a conceituao de memria, abordando sua valorizao e busca generalizada feita por diversos setores sociais, destacando o interesse e importncia pelas organizaes, repercutindo em eventos comemorativos ou no resgate da histria da empresa. Aborda a conceituao do termo cultura expressando sua complexidade conceitual e ampla significao, dando nfase para a cultura organizacional e analisando seus principais componentes: valores, heris, mitos e ritos para a compreenso de seu imaginrio. Analisa a empresa alm da produo de bens e servios, como parte integrante da sociedade, enfatizando sua atuao frente aos seus pblicos de relacionamento: consumidores, clientes, fornecedores, colaboradores, comunidade. Avalia os mercados de memria empresarial, abordando a temtica dos trabalhos produzidos, destacando-se a importncia do rigor cientfico e a legitimidade das fontes de pesquisa nos projetos de memria, objetivando a veracidade da histria. Analisa os projetos de memria empresarial para identificar se estes constituem estratgia de marketing para valorizao da imagem institucional ou so resultantes da conscincia da responsabilidade histria da organizao. Palavras-Chave: histria e memria; memria de empresas; cultura organizacional; centros de documentao e memria; responsabilidade histrica.
ABSTRACT
SOUSA, Sara Barbosa de. Corporate Memory: utilitarian interest or historical responsibility? 2010. 130p. Dissertation (Master) Escola de Comunicaes e Artes, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2010. The research aims to reflect the role played by the corporate memory, analyzing its strategic importance in enhancing the institutional image and building or strengthening the corporate identity. The reflection also encompasses the motivations of the companies for the construction of memory spaces and memory usage by organizations. The analysis involves the discussion of concepts of multi-disciplinary areas of knowledge, such as: history, management, archivology and librarianship, and documentation. Comprises the concepts of history and their association with the past, and their recovery by the sectors of the society, and as an effect of the globalization process. Introduces the concept of memory, encompassing its recovery and generalized search made by various social sectors, highlighting the relevance and importance by organizations, resulting in celebratory events or in the recovery of the companys history. It broads the definition of the term culture, expressing its conceptual complexity and wide-ranging significance, with emphasis on organizational culture and analyzing its major components: values, heroes, myths and rituals to the understanding of its imagery. Analyzes the company beyond the production of goods and services as an integral part of the society, emphasizing its actions before its stakeholders: customers, clients, suppliers, cooperators, community. Evaluates the markets of corporate memory, by addressing the thematic produced works, highlighting the importance of the scientific rigor and the legitimacy of the research sources on memory projects, aiming at the truth of the history. Analyzes the corporate memory projects in order to identify whether they are of marketing strategy for the institutional memory enhancement or whether they are the result of the awareness on the companys historical responsibility. Keywords: history and memory, companies memory, organizational culture, documentation and memory centers; historical responsibility.
S U M R I O
1. INTRODUO ___________________________________________ 1
2. HISTRIA E MEMRIA ____________________________________ 7
2.1 CONCEITUAO DE HISTRIA _________________________________ 9 2.2 CONCEITUAO DE MEMRIA ________________________________ 14 2.3 HISTRIA E MEMRIA: APROXIMAES E TENSES __________________ 19 2.4 OS ARQUIVOS E A HISTRIA DE EMPRESAS _______________________ 23 2.4.1 OS ARQUIVOS EUROPEUS _________________________________ 24 2.4.2 OS ARQUIVOS NORTEAMERICANOS ___________________________ 25 2.5 HISTRIA EMPRESARIAL ___________________________________ 27 2.6 HISTRIA EMPRESARIAL NO BRASIL ___________________________ 34
3. CULTURA E EMPRESAS ___________________________________ 42
3.1 O CONCEITO DE CULTURA ___________________________________ 42 3.2 A CULTURA ORGANIZACIONAL: UM DEBATE DE CONCEITOS _____________ 48 3.3 ELEMENTOS DA CULTURA ORGANIZACIONAL _______________________ 53 3.3.1 VALORES ___________________________________________ 53 3.3.2 HERIS ____________________________________________ 60 3.3.3 MITOS ____________________________________________ 66 3.3.4 RITOS _____________________________________________ 71
4. OS USOS DA MEMRIA EMPRESARIAL _______________________ 75
4.1 INSTITUCIONALIZAO DA MEMRIA NAS EMPRESAS _________________ 80 4.2 TRABALHOS DE MEMRIA: MOTIVAES E OBJETIVOS ________________ 91 4.3 MERCADOS DE MEMRIA EMPRESARIAL: REFLEXES A CERCA DO MARKETING INSTITUCIONAL E DA RESPONSABILIDADE HISTRICA __________________ 107
5. CONSIDERAES FINAIS ________________________________ 115
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ____________________________ 121
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1. INTRODUO
A memria tema de estudos desde as primeiras civilizaes. Sua retomada na
contemporaneidade por diversos setores sociais revela a preocupao da sociedade
com a recuperao, preservao, disseminao e acesso s inmeras informaes
disponveis.
O rpido e incessante crescimento informacional transmitido de forma efmera no
mundo contemporneo particularmente pela Internet - tem sido determinante para
a acelerao da histria, processo responsvel pela sensao de ruptura e de
destruio dos registros documentais tradicionais da memria coletiva.
A acelerao do tempo provoca a hegemonia da efemeridade o surgimento e a
durao do novo ocorrem num piscar de olhos. Nesse ambiente gil e em constante
movimento, as relaes so baseadas no presente, no momento atual, culminando
com o risco de perda da prpria identidade.
Nesse contexto, a valorizao da memria e a busca generalizada por sua
recuperao esto diretamente relacionadas ao medo do esquecimento e ao
processo de construo de identidade conduzido por diversos setores sociais e
encontram-se inseridas no contexto mundial de globalizao que interfere em
culturas, impe mudanas de impacto e determina a tomada de aes em um
reduzido espao de tempo.
Assim, a nova dinmica social caracteriza-se pela diluio das fronteiras, fragilidade
dos laos interpessoais e mudanas nas vises de mundo, nos comportamentos,
produzindo um sentimento de insegurana e a necessidade de ser afirmar ou
construir uma identidade. nesse cenrio que ocorre a chamada proliferao de
memrias, entendida como sintoma de um mundo repleto de memrias, mas com
relaes rompidas com o passado. Nessa nfase ao momento instantneo, o
indivduo submetido a um processo de desenraizamento, sendo impulsionado a
busca sua prpria identidade em instituies de memria.
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Como fenmeno social, a memria no vem sendo retomada unicamente como
elemento-chave de constituio de identidade e de evocao do passado para
preservar a histria, mas tambm como base de reflexo crtica de erros,
interpretaes e equvocos cometidos pela sociedade. Dessa forma, o estudo da
memria empresarial tem sido valorizado dentro de um processo de construo de
identidade conduzido por diversos setores sociais.
A memria ganhou importncia e espao alm do campo acadmico e tem sido
valorizada como instrumento para a preservao de experincias vividas, do
conhecimento acumulado (intangvel) e da identidade de indivduos e grupos sociais
que buscam a recuperao e divulgao de suas memrias com a utilizao de
diferentes formas de resgate do passado expressas em diversos suportes
portadores de uma plasticidade atraente como exposies, livros, fotografias dentre
outros componentes.
A atuao e importncia da memria tambm esto tm sido reconhecidas no setor
empresarial como reforo ou consolidao da imagem pblica de uma empresa,
podendo repercutir de maneira positiva em sua credibilidade junto ao pblico
consumidor e sociedade como um todo, alm de ter-se tornado fator de
competitividade, em um mercado caracterizado pela velocidade de fluxos, aes e
decises e pela acirrada concorrncia.
Dentre as vrias manifestaes do interesse relativamente recente pela memria
encontram-se as iniciativas de construo e preservao da memria das empresas,
ressaltando-se que a empresa passou a ser objeto de estudo das Cincias
Humanas, ocupando um lugar de destaque junto s demais instituies sociais.
importante que se desenvolva um novo olhar acerca do papel da empresa na
sociedade que v alm do conceito que a apresenta como um sistema de recursos
que visa concretizar objetivos. Na verdade, a empresa encontra-se integrada em
todas as relaes sociais e apresentando uma estrutura complexa que envolve
pessoas, processos, decises, documentos, valores, smbolos, conhecimentos e
outros elementos que podemos caracterizar como culturais.
3
No boom da histria e das memrias, ganham destaque o crescimento e o interesse
das organizaes pelo resgate de suas trajetrias. O desenvolvimento do campo da
memria empresarial tem revelado que as empresas podem e devem ir muito alm
da celebrao de datas e marcos importantes. O resgate e a organizao da histria
das empresas constituem ferramentas estratgicas que podem ser aplicadas no
planejamento e o direcionamento dos negcios, na consolidao da imagem
institucional da organizao com seus pblicos de relacionamento e com a
sociedade, da qual parte integrante.
Apesar de a rea de memria empresarial despertar um interesse crescente tanto no
dia-a-dia das organizaes, quanto no meio acadmico, como o desenvolvimento de
pesquisas, verifica-se que ainda so poucos os estudos realizados nessa rea.
Ressalte-se que os projetos de recuperao da memria de empresas envolvem
aspectos conceituais, organizacionais e tcnicos, mas tambm definem estratgias
de apropriao e uso da memria e, naturalmente, questes ticas.
Cabe, assim, analisar as finalidades das iniciativas voltadas para o resgate da
memria empresarial, bem como os princpios pelos quais se pautam e as formas de
fazer. importante avaliar se essas iniciativas so fundamentais e se desenvolvem
com rigor cientfico, compromisso social e responsabilidade histrica, ou se so
utilizadas apenas como evento comemorativo, ou como marketing institucional ou de
produtos e servios, como alavanca para os negcios.
A responsabilidade histrica um conceito novo e seu significado ainda pouco
difundido e/ou compreendido no mbito empresarial. Sua conceituao envolve o
conhecimento do papel histrico e do compromisso que uma organizao tem com a
sociedade, com a comunidade onde opera suas atividades e com seus integrantes,
sendo imprescindvel nessa relao a coerncia entre discurso e prtica.
Esta pesquisa tem como objetivo principal a anlise do papel social da memria
empresarial, de suas articulaes com os processos de criao e afirmao da
cultura organizacional e da identidade corporativa, alm de uma reflexo sobre as
4
motivaes das empresas para a construo de seus espaos de memria e os
sobre os usos da memria nas empresas.
Este estudo constitudo por trs captulos, os quais apresentam subdivises. O
primeiro captulo Histria e memria - aborda os conceitos de histria e questiona
sua associao ao passado, sem vnculos com o presente, e ainda sua valorizao
observada no incremento do mercado editorial com publicaes que abordam essa
temtica e como efeito da globalizao.
O captulo inicial engloba tambm a complexa conceituao, aproximao e tenso
entre os termos histria e memria, tendo por base pesquisas de reconhecidos
historiadores e renomados estudiosos. Aborda, ainda, questes relacionadas aos
arquivos, com destaque para a criao dos arquivos empresariais. Por fim, trata da
histria empresarial no mundo e no Brasil, desde o seu surgimento at os dias
atuais.
O segundo captulo Cultura e Empresas aborda a conceituao do termo
cultura, expressando sua ampla significao em diferentes contextos histricos como
atividade manual (agricultura), referncia ao culto, ao intelectual, conotao
imperialista, como parte integrante de uma organizao ou identidade de um povo
ou raa dentre outros, o que compreende uma tarefa rdua e complexa.
Ainda nesse captulo, aps a tentativa de apresentar a complexidade que envolve o
termo cultura, o estudo aborda a noo de cultura organizacional, tema que tem sido
objeto de discusses e trabalhos publicados. Em seguida so analisados os
conceitos e os principais componentes da cultura de empresa como: valores, heris,
mitos e ritos, o que permite analisar a questo da identidade e contribui para
desvendar a histria de uma organizao.
Os valores so formados por idias, crenas e filosofias partilhadas por membros de
uma empresa e que guiam seus comportamentos. Os mitos reportam-se aos
fundadores ou lderes carismticos ou podem ser transmitidos por meio de histrias.
Os smbolos, atravs da representao, do sentido percepo e imaginao;
5
so, portanto, elementos visuais importantes e relacionados identificao da
empresa; nessa relao encontram-se os ritos ou rituais que, por sua vez, so
alimentados pelos smbolos e apresentam funes mltiplas. Por sua vez, os heris
so personificados e idealizados em pessoas como fundadores, lderes carismticos
ou colaboradores dedicados, indissociavelmente ligados evoluo e ao
desenvolvimento das organizaes.
O terceiro captulo Os usos da memria empresarial aborda a relao entre
empresa e sociedade, com destaque para a responsabilidade histrica por meio do
relacionamento de uma organizao com seus diversos pblicos seja cliente,
consumidor, colaborador, fornecedor ou comunidade.
Esse captulo engloba as motivaes e os objetivos que levam as organizaes a
desenvolveram projetos de memria, voltados, particularmente ao resgate de sua
histria. So apresentados cases de organizaes que implementaram aes na
rea de memria empresarial, observando-se os resultados obtidos. Tambm so
apresentados os principais eventos relacionados a memria empresarial que foram
realizados no pas.
O captulo procura mostrar como se d a institucionalizao da memria nas
organizaes e identificar os motivos que conduzem a essa ao que de maneira
geral, podem ser sintetizados em dois conjuntos, no obrigatoriamente excludentes,
mas complementares: aqueles relacionados s comemoraes (aniversrio de
fundao ou marco histrico) ou aqueles que refletem a percepo ou conscincia
do valor de sua histria.
O captulo se encerra com uma reflexo sobre os mercados de memria
empresarial, abordando as temticas dos trabalhos produzidos no campo de histria
das empresas pelo vis acadmico ou destinados ao mercado. Nessa abordagem
questionada a realizao de estudos com rigor cientfico e a legitimidade das fontes
de pesquisa. Discute-se at que ponto a memria de empresas constitui apenas um
elemento do marketing institucional para a promoo da imagem da organizao ou
6
se de fato a empresa desenvolve um projeto de resgate de sua histria como
resultado da sua responsabilidade histrica na sociedade.
A metodologia aplicada no desenvolvimento deste estudo tem como base uma
reviso da literatura em reas multidisciplinares do conhecimento, utilizadas em sua
fundamentao, a saber: histria, administrao, arquivologia e biblioteconomia e
documentao. As consideraes expostas tambm sero fundamentas em debates
e informaes obtidas a partir de cursos e seminrios na rea de memria
empresarial e no conhecimento adquirido a partir da experincia profissional de
implantao do centro de documentao e memria na empresa em que esta autora
trabalha.
7
2. HISTRIA E MEMRIA
Habitualmente o termo histria conceituado como o estudo de fatos e/ou
acontecimentos ocorridos no passado, que no foram vivenciados por quem os
descreve e, por isso, no apresentam ligaes com o presente. Esse conceito reflete
uma falsa viso da histria com interesse exclusivo pelo passado. O fato de ser vista
apenas como algo pertinente ao passado demonstra o espao irrelevante que ocupa
socialmente, onde permanece margem, distante e sem vnculo com a realidade.
A associao da histria ao passado como um conhecimento do que j se passou e
perdeu a importncia, oculta uma srie de possibilidades que mostram que a histria
vai alm do estudo do passado. Nesse sentido, fundamental uma viso da histria
como uma cincia que lida com eventos humanos, que no se resume a um simples
relato de acontecimentos passados que perderam sua essncia ou validade. Ao
contrrio, ela discute, analisa e interpreta os acontecimentos e as experincias
humanas e possibilita a explicao do universo social em que vivemos.
Todavia, o interesse pelo conhecimento da histria, geralmente restrito a livros
didticos e ao meio acadmico, tem sofrido alteraes que corroboram para a sua
popularizao. Como exemplo, temos o lanamento de obras voltadas para pessoas
no especialistas em histria e muitos livros cujos autores no tm formao
acadmica em Histria, mas escrevem sobre diversos temas histricos ou ainda
obras de histria. Ressalta-se aqui a importncia do questionamento do contedo
expresso assim como a veracidade das fontes, para evitar distores de
acontecimentos e pontos de vista, particularmente no caso das obras no
especializadas.
Outro aspecto, positivo, mas tambm a exigir ateno, a recente publicao de
revistas de Histria no Brasil destinadas ao grande pblico. Essas revistas tm como
proposta editorial apresentar uma viso estimulante, dinmica e esclarecedora de
histria, visando o entendimento dos grandes temas da atualidade com rigor
cientfico e em linguagem clara, moderna e acessvel - xito que deriva da
competncia de seus autores para tornar o discurso simples, mas correto. Os
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primeiros ttulos, Histria Viva e Nossa Histria, conquistaram espao e pblico que
foram rapidamente disputados com uma massa de publicaes surgidas na esteira
de ambas.
Ressalte-se, entretanto, que o interesse pela histria, que atingiu o grande pblico
no Brasil e em outros pases, no se limita a publicaes de temtica histrica. Nota-
se que o interesse pela histria amplo, de repercusso mundial: reflete o
fenmeno da globalizao que interfere nos processos e prticas culturais, impe
mudanas de impacto em um reduzido espao de tempo.
Observamos, nesse cenrio, que a sociedade contempornea tem sido
caracterizada por mudanas significativas, num cenrio rapidamente transformado
pela velocidade e pelo volume de informaes, por novos cdigos e
comportamentos, alteraes que tm causado a impresso de incapacidade de
absorver, com a mesma rapidez, todos os acontecimentos.
Nesse contexto, Pierre Nora (1993, p. 07-08) identifica como fator determinante a
acelerao da histria, que provoca uma oscilao cada vez mais rpida de um
passado definitivamente morto, a percepo global de qualquer coisa como
desaparecida uma ruptura de equilbrio.
A sensao de vivermos um presente acelerado, que brevemente transforma-se em
passado, tambm relatada por DAlssio (1997, p. 97). A historiadora observa que
a alterao do tempo provoca a acelerao da histria, caracterizando um contexto
em que o passado perde o lugar para o presente e h uma iminente ameaa de
perda da identidade:
" a histria se torna mais rpida, a durao do fato a durao da notcia, o novo produzido incessantemente conduz as vidas criando a sensao de hegemonia do efmero. A histria torna-se eternamente contempornea.
Em constatao semelhante, Pinto (2001, p. 296-298) observa que a ameaa de
esquecimento, gerada pelo presente, provocou a sensao de perda de identidade e
a nsia de recuperao do passado, encontrando-se nesse trajeto a memria e a
9
necessidade de lembrar. A memria atua como (re)conexo do homem
contemporneo ao passado como fonte de identidade:
"[A memria] o espao possvel de culto ao passado como forma possvel de no perd-lo no caos da histria acelerada da modernidade."
Desse modo, a obsesso criada pela sociedade contempornea em torno do
passado e, consequentemente, do resgate da memria, est diretamente
relacionada ao medo do esquecimento e ao processo de construo ou
reconstituio de identidade conduzida por diferentes setores sociais, afetados pelo
rompimento de laos decorrentes do processo de globalizao.
2.1 Conceituao de histria
A palavra histria tem origem no grego antigo historie e significa investigao,
informao. Le Goff (2003, p. 18) apresenta uma anlise da conceituao do termo: a
forma historie deriva da raiz indoeuropia wid-, wied (ler). O snscrito vettas e o
grego histor significam testemunha no sentido de aquele que v e aquele que sabe.
Em grego antigo, historien significa procurar saber, informar-se.
Para os historiadores, o termo histria apresenta uma ambiguidade fundamental por
significar, ao mesmo tempo, acontecimentos passados (processo histrico) e o
estudo desses acontecimentos (conhecimento produzido). Os historiadores
distinguem histria-acontecimento, referindo-se aos acontecimentos histricos, ou
seja, o processo de transformao das sociedades humanas, e histria-
conhecimento referindo-se ao conhecimento histrico que permite compreender a
realidade. Borges (1984, p. 4445) esclarece que os dois sentidos da palavra histria
so interligados, pois os acontecimentos histricos so o objeto de anlise do
conhecimento histrico. Nesse sentido, Vieira; Peixoto; Khoury (1998, p. 29) afirmam:
A histria deve ser pensada no duplo sentido do termo: como experincia humana e como sua prpria narrao, interpretao e projeo.
Em lngua romnica, segundo Le Goff (2003, p. 18), o termo histria exprime dois
conceitos diferentes: (1) a procura pelas aes realizadas pelos homens e (2) o
objeto das aes humanas realizadas. Contudo, ressalta a ambiguidade do termo
10
que pode ainda ter o sentido de narrao (histrica ou fbula). Paul Veyne (1995, p.
08-11) apresenta uma viso original de histria ao defini-la como uma narrao, um
conto de acontecimentos verdadeiros. Argumenta que a histria um romance real,
no qual os historiadores so os narradores dos fatos reais que tm o homem como
ator. Em suma, compreende a histria como uma narrativa de eventos.
Carr (1982, p. 13) argumenta que a histria consiste num corpo de fatos verificados,
que esto disponveis para os historiadores sob a forma de documentos, inscries
dentre outros, como os peixes na tbua do peixeiro. Portanto, cabe ao historiador
seu levantamento e anlise, de acordo com seu objeto de pesquisa:
"deve reuni-los, depois lev-los para casa, cozinh-los, e ento servi-los da maneira que o atrair mais.
Por muito tempo a histria foi concebida equivocadamente como a descrio de
acontecimentos memorveis ou o levantamento de dados ou fatos, concepo
endossada pela influncia dos positivistas. Rodrigues (1981, p. 16-18) critica a "idia
popular e ingnua" de que a histria seria uma simples descrio de realidades pr-
existentes ou uma simples reproduo de fatos. Conceitua a histria como um
processo racional, composto no unicamente de fatos, mas de sentido e razo:
"a histria s muda e sem significao para aquele que ou incapaz de aprender o que ela quer dizer ou para aquele que deseja deliberadamente sonegar o seu sentido."
Carr (1982, p. 13-14) esclarece que um fato em si no oferece estrutura suficiente
para sustentar um determinado acontecimento; como um saco vazio que no para
de p enquanto no se coloque algo dentro. Por essa razo, fatos isolados ou
desprovidos de carter explicativo e de relaes entre si no constituem histria. A
esse respeito, Carr (1982, p. 20) enfatiza:
Naturalmente, os fatos e os documentos so essenciais ao historiador. Mas que no se tornem fetiches. Eles por si mesmos no constituem a histria; no fornecem em si mesmos resposta pronta a esta exaustiva pergunta: Que histria?
11
Para Becker (1955, p. 327), a histria uma ramificao respeitvel do
conhecimento, ligada ao pensamento e ao de homens e mulheres que viveram
no passado. Para Marc Bloch (1965, p. 25-29), a definio de histria como cincia
do passado equivocada, sendo absurda a ideia do passado como objeto de cincia.
O historiador define a histria como a cincia dos homens no tempo, que deve
permitir a compreenso do presente pelo passado bem como do passado pelo
presente. Por fim, Le Goff (2003, p. 25) argumenta que a histria a cincia do
passado, com a condio de saber que este passado se torna objeto da histria num
processo de construo e reconstruo permanente.
Seguindo a mesma linha de anlise, Chesneaux (1995, p. 78) alega que a histria
pode ser o vaivm entre teoria e prtica se estiver em contato com o presente. Cabe
histria conhecer o passado a partir de uma relao intrnseca com o presente. Seu
posicionamento remete aos historiadores gregos, que acreditavam que a histria
poderia ser aceita como o estudo do passado desde que em funo de um presente.
Lucien Fbrve (1970, p. 29) afirma que a histria a cincia do homem, cincia do
passado e cincia dos fatos, mas dos fatos humanos. Argumenta que s existe a
histria do homem que, por sua vez, constitui-se no nico objeto de estudo da
disciplina, de modo que os fatos e os textos (incluindo os documentos, que se
apresentam em diferentes suportes) estudados pela Histria so essencialmente
humanos, sendo constitudos por substncia humana, o que nos conduz ao
pensamento de Heller, tambm apresentado nesta dissertao.
Em sntese, Febvre (1970, p. 55) compreende a Histria como a cincia do acordo
que se realiza, da harmonia estabelecida perptua e espontaneamente, em todas as
pocas, entre as condies diversas e sincrnicas de existncia dos homens, sejam
elas materiais, tcnicas ou espirituais.
Heller (1972, p. 02) aponta a histria como substncia da sociedade, contendo esta
substncia o essencial e a continuidade de toda a estrutura social:
12
"a sociedade no dispe de nenhuma substncia alm do homem, pois os homens so os portadores da objetividade social, cabendo-lhes exclusivamente a construo e transmisso de cada estrutura social."
De acordo com essa concepo, a histria uma substncia estruturada e
heterognea, constituda por esferas diferentes (produo, relaes de propriedade,
moral, poltica, vida cotidiana, cincia, arte dentre outras), que apresentam uma
relao de alteridade entre si. Heller (1972, p. 15) observa ainda que a aparncia de
finalidade objetiva e "sentido" da histria deve-se ao carter substancial da prpria
histria, construo de valores sobre a base de outros valores. Compreende,
portanto, a histria como a explicitao da essncia humana, constituindo-se num
processo de construo e desconstruo de valores.
Pereyra (1984, p. 18) ressalta duas vises da histria: a primeira afirma que foi
concebida com a tarefa de manter viva a recordao de acontecimentos memorveis
segundo critrios variveis em distintas formaes culturais. A segunda reduz a
histria a uma coleo de feitos exemplares e de situaes paradigmticas cuja
compreenso prepara os indivduos para a vida coletiva.
Dentre as inmeras definies, uma das que melhor consegue sintetizar o conceito
de histria a de Carr (1982, p. 29): um processo contnuo de interao entre o
historiador e seus fatos, um dilogo interminvel entre o presente e o passado. A
histria constitui, assim, uma das formas de conhecimento da realidade, investigando
o movimento contnuo de transformaes vivenciadas pelas sociedades humanas, a
partir da interpretao de fatos e/ou acontecimentos nas diferentes culturas e nas
diferentes pocas.
A tentativa de conceituar histria constitui-se numa tarefa complexa, pois envolve
cenrios diferentes (contextos e pocas) e atores reais (os homens), cujo desenrolar
estudado, escrito e interpretado por autores, ou seja, historiadores, que so
homens e sofrem influncia de acontecimentos, ideologias e da poca em que vivem.
A histria tem como objeto de estudo a substncia humana e busca a compreenso
da realidade, dos atos praticados pelos homens, numa relao incessante com o
passado. Nesse sentido, compreendemos a histria como substncia social e cincia
13
dos homens no tempo que desempenha a tarefa de analisar os acontecimentos e as
experincias humanas, investigando os fatos ocorridos e possibilitando sua
compreenso na relao com o presente.
A problemtica que envolve a histria no se limita sua conceituao; envolve
ainda sua percepo pelo cidado comum que, geralmente, no se percebe como
parte integrante do processo, como ator principal da prpria histria. Essa
dificuldade permeada tanto pela falta de conhecimento do que e do que trata a
histria, como tambm pela ideia reducionista de histria como passado morto,
constituda por fatos memorveis e grandes heris ou, ainda, como referncia como
disciplina escolar.
Para se alterar esse quadro irreal, faz-se necessrio que a sociedade se coloque
como sujeito histrico, como o fio condutor da trama histrica: o homem quem
constri a histria. O conhecimento histrico deve propiciar a compreenso das
relaes entre os grupos humanos e das aes praticadas pelo homem como sujeito
histrico, ao apontar os desdobramentos de seus atos e expor a irregularidade das
aes humanas.
Rodrigues (1981, p. 41) enfatiza que a histria pode conscientizar politicamente os
homens, mostrando-lhes os processos sociais e econmicos em que esto
envolvidos. A conscincia histrica do indivduo um processo lento e gradual que
no ocorre unicamente no espao escolar, antes envolve sua participao social e
poltica; deve permitir ao homem o seu prprio (re)conhecimento, seja pela
semelhana, seja pelo conflito, seja, ainda, pela diferena.
Ressalte-se que as diferentes conceituaes e inmeras discusses sobre a histria
so empobrecidas na histria como disciplina escolar. Rodrigues (1981, p. 44)
argumenta que o menosprezo histria ocorre quando se diz que ela no passa de
uma memorizao, de uma decoreba. Habitualmente, o contedo da disciplina
ensinada na escola ainda privilegia uma srie de eventos organizados
cronologicamente, concepo que a reduz ao estudo de um passado enfadonho e
distanciado da realidade. Prevalece, em muitas unidades educacionais, o ensino de
14
histria baseado em frmulas repetitivas, limitado reproduo e memorizao de
datas e fatos histricos.
essa preocupao de Caimi (2005), que reitera o predomnio de uma viso
tradicional baseada no estudo do passado com nfase nos feitos histricos, alm de
uma concepo de professor-transmissor e de aluno-receptor no processo de
aprendizagem da disciplina. A autora ressalta, ainda, que o mtodo de ensino de
Histria baseado na memorizao de datas e na repetio oral de textos escritos, que
predominou na maioria das escolas brasileiras, resultou em uma histria linear e
cronolgica, e na falsa premissa de que a Histria conhecimento pronto e acabado.
Chesneaux (1995, p. 71) confirma essa tendncia e ressalta que a mania da
periodizao reforada pela prtica pedaggica, que reduz o objetivo da histria a
um quadro neutro da sequncia do tempo", fixando referncias, recortando fatias
dos acontecimentos, dividindo e subdividindo a histria. Franco Jr. (1996, p. 11)
tambm questiona o modelo tradicional da periodizao da histria:
... naturalmente, sendo a Histria um processo, deve-se renunciar busca de um fato que teria inaugurado ou encerrado um determinado perodo.
Em sntese, podemos afirmar que a histria contempla o estudo das aes humanas
com base nos processos de mudana ocorridos nas estruturas sociais, econmicas,
polticas e culturais ao longo do tempo. Nesse contexto, se faz necessrio rever a
conceituao da histria e sua aplicao por diferentes setores sociais.
2.2 Conceituao de memria
Segundo Bosi (1979, p. 9), para se chegar origem da palavra memria, faz-se
necessrio partir da etimologia do verbo lembrar-se; se souvenir em francs,
significa um movimento que vem de baixo; que traz tona o que estava submerso.
Rodrigues (1981, p. 42) relata que lembranas o sentido formal da palavra
memria, cuja significao bsica relembrar. Afirma ainda que, arcaicamente,
memria significa "cerimnia de comemorao, ou um servio dedicado aos mortos,
15
ou o registro biogrfico". Por fim, relata que o termo pode ainda ser empregado no
sentido de "escrito para que a memria seja guardada".
A memria objeto de estudo de filsofos e cientistas h muitos sculos. Para os
antigos gregos, a memria tem origem divina, a deusa Mnemosine, fonte de
imortalidade. A deusa da Memria a me das nove musas protetoras das artes e
da histria, cabendo-lhe conceder aos poetas e adivinhos a lembrana do passado e
sua transmisso aos mortais.
Para os romanos, a memria desempenha, alm dessa funo, a de desenvolver a
arte da retrica, usando a linguagem para persuadir e emocionar os ouvintes. Com a
memria, o bom orador deveria conhecer as regras fundamentais da eloquncia e
ser capaz de pronunciar longos discursos sem o auxlio da leitura de registros.
Durante muito tempo as narrativas orais foram utilizadas pelas sociedades humanas
para a preservao da experincia social e cultural, a socializao da memria e a
transmisso de valores.
Nas sociedades sem escrita, que apresentavam uma estrutura organizacional mais
simplificada, a fala (linguagem articulada) e a memria eram suficientes para a
transmisso de saberes e para a construo da histria e da identidade dos grupos
humanos. Segundo Le Goff (2003, p. 427), nessas sociedades a memria coletiva
estava centrada em trs grandes interesses: (1) na idade coletiva dos grupos (mitos
de origem), (2) no prestgio das famlias dominantes (genealogia) e (3) na
transmisso do saber tcnico.
O aparecimento da escrita provocou transformaes na memria coletiva, alterando
o processo de guardar e socializar a experincia humana. De acordo com Le Goff
(2003, p. 427-428), os registros levaram ao desenvolvimento de duas formas de
memria: a comemorao (onde a memria assume a forma de inscrio e utiliza
instrumentos como pedra e mrmore) e o documento escrito (utilizando, inicialmente,
suportes como osso e pele e, posteriormente, papiro, pergaminho e papel).
16
Na recusa ao registro e elemento essencial ao aprendizado da memria, foram
desenvolvidos mtodos de memorizao. Os gregos desenvolveram a mnemotecnia,
conjunto de tcnicas usadas para auxiliar a memria. A importncia de se exercitar a
memria justificava-se pelo seu enfraquecimento causado pelo registro escrito.
Segundo Le Goff (2003, p. 436), a inveno da mnemotecnia atribuda ao poeta
Simnides, que teria fixado dois princpios da memria artificial: a lembrana das
imagens e o recurso da organizao.
Plato (2007, p. 118) aponta a problemtica da escrita em Fedro (274-275). Por
intermdio da fala de Scrates, narra a lenda do deus egpicio Thoth, inventor dos
nmeros, do clculo, da geometria, da astronomia e da escrita. A divindade egpcia
apresentou ao rei Tamuz do Egito a escrita como a cincia que tornaria os egpcios
mais sbios e fortaleceria a memria, em suma, a descoberta do "remdio" para a
memria e a sabedoria. Por meio da resposta do rei egpcio, Plato (2007, p. 119)
ressalta que a inveno de Thoth contribuiria mais para o enfraquecimento da
memria do que para seu desenvolvimento; entendia que o triunfo da escrita
representava a morte da memria:
" Tal coisa [a escrita] tornar os homens esquecidos, pois deixaro de cultivar a memria; confiando apenas nos livros escritos, s se lembraro de um assunto exteriormente e por meio de sinais, e no em si mesmos."
Segundo Le Goff (2003, p. 425), rememorar era a funo do velho nas civilizaes
tradicionais, nas quais representa o guardio da memria do grupo, o depositrio do
saber da comunidade. Nas sociedades sem escrita, havia os guardies dos cdices
reais, chefes de famlias idosos, sacerdotes que tinham o importante papel de
manter a coeso de seu grupo social. Bosi (1979, p. 35) argumenta que existem
sociedades onde o ancio o maior bem social e ocupa um lugar honroso. Ilustra
essa idia com o relato de uma antiga lenda balinesa que fala de um lugar longquo
onde outrora os velhos eram sacrificados e, com o decorrer do tempo, no restou
nenhum para contar as tradies; todos haviam perdido a experincia, a lembrana.
A comunidade foi salva por um av que havia sido escondido por seu neto e nunca
mais um velho foi sacrificado.
17
A transmisso oral no foi bruscamente substituda pela escrita; ao contrrio, a
mudana ocorreu por meio de um processo lento pelo qual a escrita se tornou um
objeto de maior valorizao que a oralidade. Meihy (1996, p. 21) ressalta que, desde
a Antiguidade, com os egpcios, a palavra oral perdeu valor para a escrita. O
trabalho dos escribas, encarregados da superviso da administrao pblica, exigia
o uso da escrita, sobretudo no estabelecimento de leis e na cobrana de impostos.
Com base na teoria do conhecimento, Chau (2002, p. 130) argumenta que a
memria desempenha quatro funes essenciais: (1) reteno de um dado
(percebido, experimentado ou conhecido); (2) reconhecimento e produo de um
dado que pode estabelecer relao com o conhecido e gerar novos conhecimentos;
(3) recordao de algo pertencente ao passado e (4) evocao do passado. O
desempenho dessas funes torna a memria essencial no processo de elaborao
da experincia e do conhecimento provenientes da cincia, da filosofia e da tcnica
e no processo de criao e desenvolvimento de novos conhecimentos.
Alguns estudiosos j defenderam a memria como um fato biolgico, reduzindo-a ao
registro cerebral ou gravao automtica de fatos, acontecimentos, pessoas e
relatos pelo crebro. No entanto, aspectos biolgicos e qumicos no sustentam a
memria como um todo, pois no explicam o fenmeno da lembrana e do
esquecimento. Nem todos os registros e as gravaes feitas pelo crebro constituem
memria; apenas o que foi gravado com sentido ou significado para o indivduo.
Chau (2002, p. 130) alerta que a memria no constitui uma simples lembrana ou
recordao; antes, revela a relao com o tempo e no tempo, com o passado:
A memria o que confere sentido ao passado como diferente do presente (mas falando ou podendo fazer parte dele) e do futuro (mas podendo permitir esper-lo e compreend-lo).
Ecla Bosi (1979, p. 31) chama a ateno para o fato de que nossa memria
composta tanto por fatos que vivenciamos, quanto por fatos que aconteceram muito
antes de nascermos. Nossos antecessores nos transmitem uma bagagem de
memria. Todos estes fatos, vivenciados ou no, ajudaro a escrever nossa histria
de vida. A autora esclarece que a criana recebe do passado os dados da histria
18
escrita e tem suas razes mergulhadas na histria sobrevivida das pessoas mais
velhas que participaram de sua sociabilizao. Sem a participao dessas pessoas,
a criana teria somente uma competncia abstrata para lidar com os dados do
passado, mas no teria memria.
O filsofo francs Henri Bergson (1999, p. 88-89) aponta a existncia de duas
memrias: a memria-hbito e as lembranas puras. A memria-hbito adquirida
atravs do esforo repetitivo de gestos ou palavras; ocorre pelo processo de
socializao e faz parte do adestramento cultural do indivduo. A lembrana pura
registra os acontecimentos da vida cotidiana sob a forma de "imagens-lembranas" e
independe de quaisquer hbitos, trazendo tona da conscincia um momento que
nico que no se repete e irreversvel. Refere-se a uma situao j definida,
individualizada.
Halbwachs (1990, p. 53-55) estuda os quadros da memria e observa que o
indivduo participa de duas espcies de memrias: a memria individual (pessoal ou
autobiogrfica) e a memria coletiva (social ou histrica). Avalia que a memria do
indivduo est relacionada com seus grupos de convivncia e grupos de referncia.
A memria individual, portanto, encontra-se amarrada memria do grupo que, por
sua vez, ligada memria coletiva de cada sociedade.
Atualmente a memria ganhou importncia e espao alm do campo acadmico e
tem sido valorizada como instrumento para a preservao de experincias vividas e
a construo da identidade de indivduos e grupos sociais. DAlssio (1993, p. 97)
ressalta que, h pelos menos duas dcadas, a memria est em moda no Brasil,
evidenciando a necessidade de se preservar o passado, lugar de construo da
identidade. Meneses (1992, p. 09) concorda com essa afirmao: "o tema da
memria est em voga, hoje mais do que nunca". justamente em momentos de
ruptura da continuidade histrica, de destruio das marcas da experincia coletiva
que se volta o olhar para a memria, responsvel por recompor a relao do
passado com o presente.
19
Como fenmeno social, a memria no tem sido retomada unicamente como
elemento-chave de constituio de identidade e de evocao do passado para
preservar a histria e como base de reflexo crtica de erros, interpretaes e
equvocos cometidos pela sociedade. Sua atuao e importncia tambm esto
sendo reconhecidas no setor empresarial como reforo ou consolidao da imagem
pblica de uma instituio, podendo repercutir de maneira positiva em sua
credibilidade junto ao pblico consumidor e prpria sociedade. A memria tambm
oferece subsdios competitividade das organizaes, num mercado veloz e de
acirrada concorrncia. Nesse sentido, Ferreira (2004, p. 98) ressalta:
A iniciativa de diferentes setores da sociedade para recuperar e divulgar suas memrias, atravs de livros, exposies, inaugurao de monumentos e criao de centros de memria, tem como objetivo reelaborar identidades, difundir uma determinada viso sobre o passado, e reforar a imagem pblica de grupos ou personagens.
2.3 Histria e memria: aproximaes e tenses A relao entre histria e memria tem despertado o interesse dos historiadores pelo
passado como elemento fundamental para a compreenso do presente. Essa
relao traz tona debates com grandes discusses tcnicas, j que os conceitos
de histria e memria apresentam semelhanas, mas diferem entre si.
Muito se tem discutido sobre as fronteiras que ligam e separam histria e memria.
A identificao entre histria e memria ocorre a partir da utilizao da mesma
matria-prima o substrato comum entre ambas o passado - que remete tanto
construo da memria quanto operao histrica e tem sido causa de
questionamentos de muitos especialistas desde a primeira metade do sculo XIX.
Ainda no sculo XIX, Pinto (2001, p. 297) relata o aparecimento de trabalhos
relacionados ao estudo da memria em diferentes reas do conhecimento e destaca
trs registros: Bergson, na Filosofia (indagaes filosficas), Freud, na Psicologia
(personalidade psquica) e Proust, na Literatura (produo literria).
20
Pinto (2001, p. 293-294) observa que muito se fala de memria e ressalta a
necessidade de uma definio precisa do que se entende por histria e o que se
concebe por memria. Nesse debate, Le Goff (2003, p. 08-11) conceitua a memria
como produo do passado que deve ser transportada para o presente, enquanto
designa a histria como a cincia que faz o elo entre passado e presente.
Rodrigues (1981, p. 42-47) apresenta uma crtica feroz confuso dos conceitos de
memria e de histria. Define memria como "lembrana, a reminiscincia, a
recordao, como a relao, o relato, a narrao" e histria como "disciplina de
anlise e crtica". Sua posio claramente favorvel histria, a que se refere
como "clssica, social e humana"; por sua vez, a memria sintetizada a uma
"palavra latina do sculo XII, de significao modesta, humilde". Questiona o uso
indevido e inadequado das duas palavras e acentua o uso generalizado da memria
e a campanha desfavorvel contra a histria. Finalmente, denomina por desapreo o
emprego da palavra memria no lugar de histria e enfatiza que as palavras
apresentam significados diferentes e, por isso, devem ser usadas com propriedade.
Freitas e Braga (2006) enfatizam que a memria no pode ser reduzida a um
processo parcial e limitado de lembrar fatos passados; o que seria de valor auxiliar
para as cincias humanas. A memria apoia-se na construo de referncia de
diferentes grupos sociais sobre o passado e o presente, com base em tradies e
mudanas culturais. Os autores citados argumentam que a histria no tem o poder
de estabelecer como os fatos aconteceram, coexistindo, na verdade, vrias leituras
sobre a utilizao da memria para a interpretao da histria. Observam ainda que
a histria apresenta-se diante de uma realidade baseada no testemunho e no relato.
Destacam a crescente revalorizao da memria, na esfera individual e nas prticas
sociais, enquanto a histria convive com uma insuficiente reflexo historiogrfica.
Halbwachs (1990, p. 80-82) alega que a memria coletiva ou social (tambm
denominada memria histrica) no pode ser confundida com a histria, criticando a
escolha infeliz da expresso memria histrica porque associa dois termos
opostos em vrios pontos. Em sua opinio, a histria, sem dvida, uma
compilao dos fatos que ocuparam o maior espao na memria dos homens
21
enquanto a memria retm do passado somente aquilo que ainda est vivo ou
capaz de viver na conscincia do grupo que a mantm.
Analisando os aspectos tericos da relao histria-memria, DAlssio (1993, p. 98-
99) argumenta que a memria um elemento vivo, fsica ou afetivamente, que
permanece no tempo, renovando-se. O pr-requisito para a existncia da memria
o sentido de continuidade que deve estar presente no indivduo ou grupo que se
lembra. A permanente renovao das lembranas um dos elementos que
diferencia histria e memria:
A histria no memria porque h descontinuidade entre quem a l e os grupos, testemunhas ou atores dos fatos ali narrados. H, portanto, uma relao entre a exterioridade ou distanciamento da Histria em relao aos grupos e a diviso do tempo histrico em fatos pontuais.
Pinto (2001, p. 300) ressalta que, na memria, o passado recriado como histria
vivida, como experincia humana; na histria, o passado estudado racionalmente
e transformado em conhecimento:
"A memria desconhece os rituais significadores que a histria tenta atribuir ao passado e, rebelde, subverte a ordem que o presente desejaria impor ao passado, descartando a unicidade que o passado costuma receber em suas representaes."
Halbwachs (1990, p. 82-83) critica os historiadores que permanecem presos
sucesso de acontecimentos ocorridos, utilizando-se de esquemas didticos de
diviso dos fatos. Para ele, o historiador atua como um espectador que no faz parte
dos grupos que observa, deixando os fatos agrupados em conjuntos sucessivos e
separados e considera cada perodo como um todo, ou seja, com comeo, meio e
fim. Na memria, no existe uma segmentao dos fatos, pois estes so vistos sob a
tica dos grupos que realmente viveram esses acontecimentos.
A opinio do historiador Pierre Nora (1993, p. 09) identifica-se com a do socilogo
Halbwachs na questo das diferenas entre histria e memria. Nora argumenta que
a histria pode ser definida como registro, distanciamento, problematizao, crtica e
reflexo, enquanto a memria mais humana: um processo vivido e, portanto,
sempre atual, conduzido por grupos vivos, encontrando-se em permanente estado
22
de evoluo e sendo vulnervel a mecanismos de manipulao. Em seu conceito, a
histria, enquanto operao intelectual, dessacraliza a memria.
Meneses (1992, p. 11) concorda que a memria constitui um processo permanente
de construo e reconstruo, mas ressalta que sua elaborao ocorre no presente
para responder to somente a solicitaes do presente:
A memria enquanto processo subordinado dinmica social desautoriza, seja a idia de construo no passado, seja a de uma funo de almoxarifado desse passado.
Meneses (1992, p. 22-23) considera imprpria qualquer coincidncia entre histria e
memria. Enfatiza que a memria, como construo social, essencialmente uma
operao ideolgica que refora a identidade individual, coletiva ou nacional,
enquanto a histria uma operao cognitiva, uma forma intelectual de
conhecimento. Acredita ser possvel fixar fronteiras para evitar a substituio da
histria pela memria, e refora a funo crtica do historiador e o tratamento da
memria como objeto de anlise e estudo da histria.
Bellotto (2004, p. 273-274) tambm defende a distino entre histria e memria.
Encara a histria como o resultado de uma interao entre documento, documentado
e historiador e a memria como matria documental, um substrato bruto, a ser
trabalhado pelo historiador. Recorre a Rodrigues (1981, p. 48), que define a memria
como um banco de dados e a histria como uma anlise crtica interpretativa:
"a memria depsito de dados, naturalmente esttica, pois configura um princpio de conservao; s a histria a anlise crtica, dinmica, dialtica, julgadora do processo de mudana e desenvolvimento da sociedade."
Para alguns historiadores, as diferenas entre histria e memria representam uma
questo ultrapassada. A razo alegada para tal afirmativa que no faz sentido opor
a reconstruo historiogrfica do passado (histria) s reconstrues mltiplas de
indivduos ou grupos (memria), pois fundamental ao trabalho do historiador
estabelecer verdades histricas com base numa diversidade de fontes de informao.
23
Novas abordagens tm demonstrado interesse pelo dilogo construtivo entre os
meios usados para dar sentido ao passado, de tal modo que os campos da histria e
da memria atuem como processos interligados e complementares. Um exemplo a
relao da histria oral com a memria: ambos utilizam o mesmo objeto de estudo
depoimentos e permitem o compartilhamento de experincias e a explorao de
aspectos vivenciados, mas raramente registrados.
Hoje em dia, histria e memria constituem elementos importantes da recente
estratgia adotada pelas organizaes para delinear sua identidade com aes de
valorizao e preservao do passado, base da sua trajetria de crescimento e
consolidao no mercado, posicionamento que ser exposto nesta pesquisa.
2.4 Os arquivos e a histria de empresas
Por sculos, as narrativas orais foram utilizadas pelas sociedades humanas para a
preservao da experincia social e cultural, socializao da memria e transmisso
de valores. O aparecimento da escrita provocou transformaes na memria coletiva,
alterando o processo de guardar e socializar a experincia humana.
O registro de atos pblicos e privados remonta Antiguidade, destacando-se o
trabalho desenvolvido pelos escribas. Na Idade Mdia era comum o registro de
transaes comerciais simples como emprstimos, acordos entre pessoas e
encomendas simples.
No sculo XI ocorreu a multiplicao de documentos como anais, crnicas, atos
pblicos e privados e obras literrias. Entre os sculos XII e XV, observou-se a
abundncia documental proveniente da inveno da imprensa, da difuso da escrita
e do crescimento de instituies administrativas e jurdicas. Ressalte-se que o
nascimento dos Estados modernos contribuiu fortemente para a consolidao da
burocracia e proliferao dos documentos administrativos, conforme salienta
Glnisson (1979, p. 147):
24
... a burocracia triunfante em todos os regimes, seja qual for sua ideologia, multiplicou em propores inimaginveis os papis conservados nos escritrios pela necessidade prtica ou por simples esprito de rotina.
O aumento substancial dos papis gerados pela administrao burocrtica no foi
acompanhado pelo acesso aos arquivos, que permaneceram restritos at o sculo
XVII h registros da existncia de grandes arquivos financeiros europeus, em sua
maioria, intactos ou consultados de forma insignificante. A Revoluo Francesa deu o
primeiro passo para mudar esse cenrio, com a criao dos Arquivos Nacionais
Franceses (1790) e a consequente disponibilidade dos documentos da memria
nacional. A documentao francesa que evocava o passado nacional assumiu a
funo de memria e fonte para a histria bem como foi considerada um patrimnio a
ser preservado.
Entretanto, a abertura dos arquivos franceses no representa o todo. At o sculo
XIX a multiplicao dos arquivos e o acesso aos documentos no foi to significativa,
na medida em que a maioria dos arquivos, museus e bibliotecas ainda no eram
abertos ao pblico. Glnisson (1979, p. 153) ressalta que os arquivos constituam-se
em reservatrios do estatuto poltico, econmico e social, uma espcie de arsenal de
provas e justificativas usadas conforme necessidade e que seu valor histrico era
ignorado por seus detentores. O panorama arquivstico passa de fato por alteraes
no sculo XX, com a criao de escolas para estudos documentais em diversos
pases, o crescimento significativo da produo documental, a diversidade de fontes
produtoras e de suportes, a ampliao do pblico usurio e a busca incessante por
novas informaes.
2.4.1 Os arquivos europeus
Na rea empresarial a arquivstica ganha espao com os estudos realizados no
campo da histria das empresas, cujo incio data da primeira dcada do sculo
quando da criao dos primeiros arquivos empresariais histricos na Europa.
Segundo Gagete e Totini (2004, p. 113), dentre as empresas pioneiras que
organizaram arquivos histricos esto a Krupp (1905) e a Siemens (1907), ambas
alems. Nessa mesma linha, Glenisson (1979, p. 158) comenta que a iniciativa alem
na criao de arquivos de empresa foi seguida por uma srie de pases europeus,
25
dentre eles a Sua, que fundou o Arquivo Regional Suo de Empresas e o Arquivo
para a Indstria (1910) e a Holanda, que criou o Arquivo para a Histria Econmica
(1914).
Ainda na Europa, vale ressaltar os exemplos dos bancos italianos (os arquivos do
Banco de Npoles datam do sculo XVI) que, conscientes de seu valor histrico,
publicaram inventrios contendo artigos e o histrico de instituies bancrias,
conforme aponta Glnisson (1979, p. 158-160)
Em 1932, surgiu na Inglaterra a British Records Association e em 1934, sob influncia
norte-americana, os ingleses criaram o Business Archives Council que realiza um
importante trabalho de sensibilizao, mantendo contato direto com banqueiros e
empresrios visando preservao de arquivos empresariais. Esta instituio
desempenha tambm a tarefa de assessorar as empresas na organizao de seus
arquivos.
A criao de arquivos empresariais foi seguida posteriormente por outros pases
europeus como a Frana e a Itlia. O campo de histria de empresas foi
impulsionado em 1944 com a fundao do Centro de Histria Empresarial de
Harvard, cujos estudos enfatizavam a insero das empresas no campo social e
econmico.
Freitas Filho (1989, p. 169) relata a publicao da Histria da Unilever (1954), de
Charles Wilson, na Frana, que apresenta o estudo da companhia e sua relao com
fatores estruturais e o desempenho econmico; o lanamento do jornal Business
History (1958) e a criao de uma cadeira universitria destinada ao ensino da
histria empresarial (1959). A Frana destaca-se pela publicao de estudos na rea
de histria de empresas ou de setores econmicos (sobretudo os bancos)1 e de
revistas especializadas.
2.4.2 Os arquivos norteamericanos
1 Apesar de os bancos estarem entre as mais importantes e mais antigas empresas do mundo, ocupando um lugar chave na histria financeira e poltica, pouco se sabe a respeito da documentao de interesse histrico nacional da qual so portadores e mantenedores.
26
At o incio do sculo XX, no se constata interesse dos Estados Unidos por seus
arquivos empresariais e nem por seu uso nos estudos de histria econmica. A
preocupao do empresariado americano com a preservao da histria surge ainda
em fins dos anos 20 do sculo XX, quando passa a disponibilizar a documentao de
suas empresas para pesquisas de historiadores.
Na Amrica do Norte, o exemplo da colaborao de empresas nos arquivos
empresariais a Companhia Ford que organizou um servio de arquivos (Ford Motor
Company Archives), com a produo de um boletim. Freitas Filho (1989, p. 169)
destaca o impulso dado aos estudos e ao ensino sistemtico da histria dos negcios
nos Estados Unidos, cuja difuso foi favorecida com os arquivos e a documentao
econmica das empresas, fontes mantidas sob a guarda de bibliotecas universitrias
e de sociedades histricas.
Ainda nos Estados Unidos, destaca-se a atuao da Business History Society, que
editava manuais destinados a arquivos de empresas e ainda publica resumos de
documentos econmicos de empresas norte-americanas em seu boletim. J a
Universidade de Harvard dispe do Baker Library - o mais rico depsito de arquivos
econmicos de empresas dos Estados Unidos, constitudo por documentos de
inmeras firmas industriais e comerciais e que so destinados aos estudos de alunos
e investigadores da rea e oferece ainda mtodo de triagem e conservao de
documentos.
Os anos 50 do sculo XX expressaram dois momentos distintos da histria
empresarial. A histria empresarial foi influenciada negativamente pela viso da New
Economic History ao defender que as mudanas tecnolgicas e a eficincia do
mercado ocorriam independentes da participao do empresariado. Positivamente
ocorreu a afirmao da Business History fora dos Estados Unidos e foram
desenvolvidos na Frana e Inglaterra os primeiros estudos sobre histria empresarial,
fundamentada na perspectiva social, com nfase da rea para a atuao do
empresrio condicionada a fatores estruturais e conjunturais.
27
Nos anos 70 do sculo XX - perodo do bicentenrio da independncia dos Estados
Unidos - foi constatada a maior identificao das empresas com sua histria e sua
cultura. As grandes empresas americanas detentoras de uma poltica de conservao
e organizao de seus arquivos perceberam as vantagens e a grande utilidade dessa
documentao.
Essa nova percepo foi responsvel pela abertura de campo de trabalho, na
estrutura organizacional das empresas, para historiadores que puderam avaliar o
potencial informativo e a importncia histrica dos arquivos. Reconhecia-se, ento,
que esta documentao - em geral desconhecida ou ignorada, poderia ser til no
processo de valorizao da histria das empresas e servir como importante
instrumento auxiliar na administrao, para embasar a tomada de decises e o
planejamento de novas estratgicas empresariais.
Ressalte-se que, somente em meados do sculo XX, a comunidade empresarial
passou a ter conscincia da necessidade de conservar seus documentos. As razes
so diversas, destacando-se: a falta de interesse ou ignorncia dos proprietrios, a
ausncia de profissionais especializados, a destruio massiva de documentos, as
condies precrias de conservao do material e dificuldades de acesso aos
pesquisadores.
importante enfatizar que a produo e o arquivamento de registros documentais
so atividades integradas ao cotidiano das empresas, de modo que no podem ser
descuidadas pela gesto administrativa. Os arquivos, como parte significativa da
existncia das organizaes, so elementos-chaves da sua histria e memria e um
marco referencial na constituio de sua identidade.
2.5 Histria Empresarial O incio do sculo XX revelou um vasto panorama dos estudos histricos. Dentre os
campos de investigao e linhas de pesquisas encontrados, est a Histria
empresarial, que constitui um importante ramo da historiografia contempornea, cuja
investigao est ligada conjuntura econmico-social. Sua linha de pesquisa est
28
voltada para o levantamento da origem, finalidade e atuao de empresas e
instituies ligadas ao mundo empresarial. Engloba a trajetria de empresas, a
atuao de empresrios e de trabalhadores.
A histria de empresas est ligada intrinsecamente histria econmica; a primeira
constitui um dos objetos de interesse de estudo da segunda. uma rea promissora
do conhecimento histrico, sendo uma disciplina integrante dos grandes centros de
estudos de pases como Estados Unidos, Inglaterra e Frana.
A histria de empresas constitui uma rea disciplinar de inegvel importncia, mas
ainda pouco desenvolvida no campo terico e nas pesquisas empricas. O ensino da
disciplina ainda limitado e deficiente, integrando apenas os programas de Histria
econmica ou constituindo-se em matria optativa ou em cursos oferecidos por
escolas de administrao.
Historiadores do ramo empresarial estimam que as primeiras pesquisas na rea de
histria de empresas datam da primeira dcada do sculo XX. Freitas Filho (1989, p.
169) relata os marcos que deram origem histria dos negcios norte-americana: a
formao da Business History Society (1926), o estabelecimento da ctedra de
Histria dos Negcios na Universidade de Harvard (1927) e o lanamento do Journal
of Economic Business History (1928), sob a figura do historiador N.S.B. Grs. Esses
marcos, de cunho histrico, sociolgico e econmico, foram determinantes na
influncia da Histria empresarial sobre empresrios e executivos norte-americanos.
A disciplina de Histria dos Negcios apresentava em seu programa curricular o
estudo de biografias de empresrios e o processo evolutivo de instituies a partir da
anlise de seus arquivos, visando o aprendizado de tcnicas administrativas do
empresariado na conduo de seus negcios. Deve-se destacar o papel atuante da
Business History na difuso da histria empresarial, mas convm evidenciar que seus
representantes estudavam as empresas de forma isolada, desvinculada de fatores
scioeconmicos, abordagem que prejudicou os estudos realizados na rea. A
desvinculao do estudo da empresa de sua relao com a sociedade ou de seu
29
contexto no se restringe aos Estados Unidos; tambm observada na historiografia
brasileira.
Ao abordar os marcos no desenvolvimento da histria de empresas, deve-se
destacar a importante atuao do historiador e socilogo Alfred D. Chandler,
considerado o principal representante da histria empresarial nos Estados Unidos.
Nos meios acadmicos um dos mais respeitados estudiosos e pesquisadores do
tema, ressaltando-se que seus estudos no campo da histria de empresas foram
relevantes para o desenvolvimento da rea e conduziram a alteraes na forma de
entendimento, investigao e anlise das empresas.
Ferreira (2002, p. 34) ressalta que os estudos de histria empresarial realizados
antes da chamada "Era Chandler" eram, em sua maioria, trabalhos de cunho
apologtico, objetivando to somente a divulgao da empresa, ou seja,
desenvolvidos para atuar como instrumentos de marketing. A obra de Chandler,
Strategy and Structure, Chapters in the History of the Industrial Enterprise (1962), que
utiliza fatos e acontecimentos do passado para realizar ajustes na estrutura
organizacional da empresa, constitui, at hoje, um dos marcos nos estudos de
histria de empresas, ainda citada por professores universitrios, estudantes de
graduao, empresas de consultoria e por outras reas do saber como Sociologia,
Economia e Histria. Chandler influenciou tambm o surgimento de centros de
estudos como a Sociedade de Histria Empresarial do Japo e o Centro de Histria
Empresarial da London School of Economics.
O campo de abrangncia da memria empresarial sofreu alteraes no perodo entre
os anos 40 e 60, sobretudo em funo das inovaes tecnolgicas e da importncia
atribuda ao mercado, que geraram novas estratgias que englobaram produtos,
parcerias e processos estruturais corporativos.
A partir dos anos 70, na Europa, debates acadmicos revolucionaram o campo da
pesquisa historiogrfica, originando a chamada Nova Histria, caracterizada pela
introduo de novos objetos de investigao histrica e pela incorporao de novas
fontes de pesquisa alm da documentao tradicional.
30
De acordo com a corrente europia da Nova Histria, a empresa passou a ser
analisada com base em dois vieses: como unidade de produo de bens e de
servios e como geradora de significados sociais. Essa viso impulsionou o
processo de construo da imagem dos empresrios e da identidade das empresas.
Foram produzidas novas interpretaes acerca do papel desempenhado pelas
organizaes na sociedade que, de acordo com Mendes (2002), deram origem a
diferentes iniciativas de administradores e gestores que passaram a recorrer
histria para a comemorao de datas e homenagens a fundadores, para a
divulgao da imagem corporativa e para a obteno de um conhecimento mais
completo e aprofundado da organizao.
Nesse quadro, a empresa passou a ser um dos novos objetos de anlise, no se
limitando viso da teoria econmica ortodoxa, que a concebia como mera unidade
coordenadora de produo na economia capitalista, ou viso marxista, que a
compreendia como palco do conflito social travado nas lutas de interesse entre o
empresariado e os operrios. Ressalte-se ainda a viso negativa criada em torno da
figura do empresrio na maioria das vezes identificada ganncia ilimitada e ao
impulso pelo ganho e pelo lucro, conforme aponta Marcovitch (2003, p. 14), ao
abordar a definio do termo empresrio na acepo capitalista: certamente no
apenas aquele capaz de ganhar dinheiro, o que v a empresa como um fim em si.
Ainda segundo Marcovitch (2005, p. 09), os empresrios j foram vistos, de forma
reducionista, apenas como donos do capital, mas enfatiza que esses homens
marcaram grande presena no universo do trabalho:
[Os empresrios] ultrapassaram a condio de meros patres. Seus negcios geraram, alm de lucros, empregos; e alm de empregos, novas idias, novos conceitos de negcio, novas formas de gesto e novos produtos e servios.
A partir do final dos anos 80, podemos observar tanto na Europa como nos Estados
Unidos e tambm no Brasil, a atuao de historiadores ligados a universidades que
se especializaram em desenvolver projetos de memria empresarial para a iniciativa
privada. Na dcada seguinte, surgiram os servios de consultoria de historiadores
que, em parceria com profissionais de diferentes reas - como arquivistas,
31
bibliotecrios, documentalistas e muselogos - realizavam estudos e desenvolviam
projetos multidisciplinares para setores estratgicos das empresas tais como:
comunicao, marketing, recursos humanos e gesto administrativa.
Hoje, a pesquisa em Histria empresarial apresenta um desenvolvimento positivo na
maioria dos pases. O atual panorama da historiografia empresarial pode ser
apresentado em trs grupos principais, conforme explicita Erro (2003, p. 32-33):
1o. grupo: (Estados Unidos, Gr Bretanha e Alemanha) - apresenta uma larga
tradio em pesquisa na rea de Histria Empresarial;
2o grupo: (Japo, Frana e Itlia) - apresenta uma tradio menor que o
primeiro grupo, ocupa uma posio intermediria, mas considerada positiva;
3o grupo: (Espanha e Amrica Latina) - Mxico, Brasil e Argentina
apresentam uma evoluo superior dos pases andinos (Venezuela, Chile,
Colmbia e Peru) que tm uma situao positiva, apesar da
heterogeneidade. Destaca-se o dinamismo nos ltimos quinze anos,
considerado fundamental para o desenvolvimento da Histria empresarial.
A dificuldade de expanso que ainda se verifica na rea de Histria empresarial est
diretamente relacionada ao acesso a acervos documentais privados. Ainda so
poucos os empresrios que demonstram interesse real pela Histria empresarial, seja
na tomada de decises ou em relao a sua prpria empresa. Frente a esse
panorama, Erro (2003, p. 02) pondera que a cultura empresarial de uma organizao
se consolida com o tempo, ao longo de sua histria, e que, por esse motivo, a
Histria empresarial pode gradualmente se afirmar como um instrumento importante
de gesto.
Nesse contexto, cabe apontar as vantagens oferecidas pela Histria empresarial,
conforme exposto por Valdaliso e Lpez (2003, p. 39-41):
1. um patrimnio gentico hbrido e diverso integrado por trs disciplinas
bsicas: Histria, Economia e Gesto Estratgica;
2. fornece a perspectiva histrica e temporal que contribui para a formao
geral dos estudantes e que pode facilitar o processo de tomada de deciso
nas empresas, com base em experincias j vivenciadas;
32
3. permite o reconhecimento de que a realidade plural, diversa e
dinmica (h uma troca contnua de tecnologias e mercados nas empresas);
4. possibilita a prtica de exerccios de histria comparada tanto
transversais (comparao da realidade de uma empresa, setor ou pas com a
de outros iguais em um mesmo perodo) como longitudinais (anlise das
diferenas e semelhanas de uma ou vrias empresas ou setores em
diferentes perodos);
5. permite dissecar ou desconstruir os discursos elaborados a posteriori
pelas prprias empresas, por tericos do management e por alguns
historiadores;
6. demonstra a pluralidade de prpria realidade, a existncia de diferentes
alternativas e diferentes solues e a importncia da Histria e da perspectiva
histrica para melhor compreenso do mundo dos negcios.
Atualmente o conceito de memria empresarial no se restringe ao status de
celebrao do passado ou de homenagem a fundadores ou personagens ilustres,
reverenciados em eventos comemorativos. Quando desenvolvida com base em
mtodos cientficos e sob a responsabilidade de profissionais especializados de
mltiplas reas disciplinares, a memria empresarial tem-se consolidado como
ferramenta de suporte a decises e como instrumento relevante nas estratgias de
comunicao e marketing das empresas.
A primeira dcada do sculo XXI tem sido fortemente marcada pela preocupao
com a responsabilidade social no meio corporativo, sendo a responsabilidade
histrica um de seus segmentos. Nesse panorama contemporneo observa-se uma
participao crescente das organizaes empresariais na vida social tanto na
dimenso scioeconmica como no meio poltico e cultural. Podemos afirmar que o
principal desafio do setor empresarial hoje a conduo dos negcios atendendo os
requisitos de competitividade e contemplando os conceitos do desenvolvimento
sustentvel; em outras palavras, uma gesto administrativa socialmente responsvel
e em permanente dilogo com a sociedade. Nesse sentido, importante conceituar
responsabilidade social:
33
" Responsabilidade social empresarial a forma de gesto que se define pela relao tica e transparente da empresa com todos os pblicos com os quais ela se relaciona e pelo estabelecimento de metas empresariais compatveis com o desenvolvimento sustentvel da sociedade, preservando recursos ambientais e culturais para as geraes futuras, respeitando a diversidade e promovendo a reduo das desigualdades sociais." 2
H uma crescente tendncia de publicao de relatrios intitulados balanos sociais
que buscam explicitar coerncia entre a gesto de negcios e prticas de
responsabilidade social empresarial. Analisando alguns desses relatrios de
prestao de contas, constatei que, muitas vezes, a busca incessante pelo
reconhecimento pblico e o cuidado com a imagem institucional levam essas
publicaes a excederem na descrio de boas aes e prticas sustentveis
esquivando-se de aspectos e resultados negativos.
A nfase aos aspectos positivos pode levar ao questionamento da veracidade das
informaes divulgadas. Faz-se necessria tica, transparncia, neutralidade e
consistncia nos fatos apresentados a sociedade e a adoo de um discurso
coerente com as prticas e objetivos das empresas.
Nesse contexto, Damante (2004, p. 28-29) pondera que, num momento em que ser
socialmente responsvel virou quase um hino obrigatrio, muitas empresas esto
voltando os olhos para sua prpria histria, que pode ser utilizada de forma positiva,
quando visa o resgate da memria empresarial, ou negativa, quando seu objetivo
to somente a promoo da imagem institucional. Portanto, essa prtica, dita
sustentvel, deve ser minuciosamente avaliada pelas empresas que no podem ser
levadas pela seduo do discurso em voga. Nassar (2004b, p. 38) critica a utilizao
indevida da responsabilidade social corporativa como marketing social:
... [a] responsabilidade social, quando no existe compromisso com a histria, , por via de regra, um acidente esttico (geralmente embalado em publicaes extremamente luxuosas) na paisagem da empresa.
Hoje em dia as empresas esto voltadas para a cultura, sobretudo por interesses
relacionados sua imagem frente ao cliente, consumidor e comunidade, colocando
em prtica a cidadania corporativa. Nesse contexto, a responsabilidade social e o
2 Empregou-se o conceito de responsabilidade social do Instituto Ethos.
34
desenvolvimento sustentvel passaram a ocupar um importante e significativo espao
nas agendas empresariais, buscando harmonizar seu crescimento com uma atuao
responsvel e um bom relacionamento com a comunidade, destacando-se
patrocnios culturais e apoio a atividades sociais.
As organizaes tm estimulado a prtica de atividades culturais e artsticas, visando
a promoo do desenvolvimento humano e social das comunidades locais, prximas
de suas instalaes. So realizados investimentos em espaos destinados a
espetculos culturais, produo e exibio de eventos de cultura e arte, estmulos a
projetos culturais e favorecimento do acesso programao cultural da comunidade,
utilizando-se em grande parte recursos oriundos das leis de incentivo cultura.
Nesse contexto, Barbosa (2002, p. 48) explicita que as organizaes fizeram uma
nova percepo da agenda social e poltica da sociedade contempornea. O cenrio
atual das empresas integrado por temas antes pouco debatidos como cultura, tica,
responsabilidade social, viso holstica do ser humano, empresa ambientalmente
responsvel que atuam como tecnologias gerenciais que tm impacto concreto e
substantivo, viabilizando a sobrevivncia das organizaes no mundo
contemporneo.
2.6 Histria empresarial no Brasil
No Brasil, a histria empresarial uma rea ainda pouco conhecida e difundida, mas
que se encontra em pleno processo de expanso e desenvolvimento. Integra o
grupo de pases latino-americanos como Mxico, Argentina, Venezuela, Chile,
Colmbia e Peru, representantes com pouca tradio, mas que tm apresentado
uma expanso considervel nos ltimos anos.
Mesmo estando em boa posio na Amrica Latina, a histria empresarial ainda um
campo de estudo recente e pouco sedimentado na historiografia brasileira.
Constatam-se dois fatores para o atraso no incio dos estudos sobre a evoluo das
empresas brasileiras. O primeiro decorre da industrializao tardia, resultado de uma
economia dependente de tecnologia, matria-prima e bens de capital provenientes de
pases industrializados. E o segundo, cujas causas no so exclusivas do Brasil, mas
35
mundiais, incluem os fatores que dificultam o desenvolvimento e desestimulam os
estudos na rea empresarial brasileira e esto relacionados ao estado de abandono
das fontes empresariais, a saber: a falta de valorizao da documentao das
empresas, destruda ou arquivada sem critrios de coleta e classificao e/ou sem
condies adequadas de preservao e a postura de alguns empresrios e gestores,
que dificultam o acesso aos arquivos das organizaes resultante da ausncia de
polticas para esses arquivos.
O reduzido nmero de estudos realizados sobre a temtica histria empresarial no
Brasil ou a pouca explorao do tema por parte de historiadores, administradores e
pesquisadores brasileiros resulta em escassa produo cientfica em nosso meio.
Ferreira (2002, p. 03) aponta algumas caractersticas da produo sobre o tema:
(a) a produo de trabalhos comemorativos, sob rtulos de histria
empresarial, como instrumentos de marketing para a divulgao de
empresas;
(b) a escassez de trabalhos com caractersticas histricas e econmicas,
decorrente do grande nmero de empresas administradas por famlias, onde
a transmisso da histria feita de forma emprica;
(c) a necessidade de profissionalizao das empresas familiares que conduz
ao aumento da preocupao com a histria e as experincias vivenciadas
pelas instituies.
Os primeiros trabalhos sobre Histria Empresarial surgiram na dcada de 60,
seguindo a tendncia manifestada anteriormente nos Estados Unidos e em pases
europeus. A iniciativa partiu de acadmicos, cuja anlise abordava os aspectos
estrutural e evolutivo das empresas. Lobo (1997, p. 223) aponta que os primeiros
trabalhos sobre histria empresarial no Brasil tinham como temtica a dependncia
econmica, a industrializao, a bolsa de valores ou monografias que abordavam a
administrao interna da unidade de produo ou a exaltao do fundador da
empresa.
Antes da influncia da Nova Histria nos estudos de histria empresarial brasileira,
nota-se um problema que j era registrado nos Estados Unidos: o estudo das
36
empresas desvinculado do contexto scioeconmico. O historiador portugus Jos
Amado Mendes (2002, p. 05) observa que o estudo de histria de empresas no
pode ser realizado isoladamente, separado do ambiente em que as empresas esto
inseridas; antes, deve ser integrado e compreendido em suas relaes com o meio
local, num determinado contexto.
Na mesma linha de pensamento, Lobo (1997, p. 218) expressa o alerta do historiador
Ciro Flamarion Cardoso sobre a necessidade de reformulao do conceito de
empresa e sua utilizao em histria. A empresa deve ser analisada com base na
estrutura social em que est inserida, levando-se em considerao as relaes
internas entre o sistema econmico de uma sociedade e sua estrutura social.
Maria Brbara Levy (1994, p. 27), um dos maiores expoentes na rea de histria
empresarial brasileira, criticou o estudo de empresas sem vinculo com a sociedade,
ressaltando que as empresas so parte da sociedade e, por isso, no podem ser
estudadas sem levar em conta articulaes entre as relaes sociais e prticas
empresariais.
Kunsch (2007, p. 14) salienta que as organizaes, mais do que unidades
econmicas, so unidades sociais e integram o macrosistema social. Ressalto, ainda,
que as organizaes so agentes sociais que integram o processo de
desenvolvimento humano e so, portanto, essenciais na sociedade.
O trabalho desenvolvido nos anos 60 por Jos de Souza Martins, Conde Matarazzo,
o empresrio e a empresa, considerado pioneiro por inserir a biografia de um
empresrio no contexto socioeconmico, de forma a analisar o desenvolvimento
industrial brasileiro. Freitas Filho (1997, p. 184) ressalta que, como modelo de estudo
na rea de histria empresarial, resultante de um minucioso trabalho de pesquisa que
no se limitou figura do empresrio ou da empresa, essa obra:
... inaugurou uma forma original, ou seja, no apologtica e atomizada, de se estudar o empresariado nacional, na gnese da indstria brasileira.
37
Os anos 70 do sculo XX so marcantes nas mudanas sofridas nos trabalhos
tericos de histria empresarial. Nesse perodo de expanso da histria empresarial,
as principais influncias sofridas e as linhas de pesquisa desenvolvidas pelos
pesquisadores brasileiros foram:
1. Escola dos Annales ou da Nova Histria cujo processo de redefinio
terica e metodolgica conduziu a uma nova abordagem das empresas;
2. Escola norte-americana representada por Alfred D. Chandler, professor
emrito da Harvard Business School, cujo estudo, apresentado na obra
Strategy and Structure, sistematizou mdulos de evoluo organizacional em
setores industriais;
3. Desenvolvimento de trabalhos sobre memria empresarial por
historiadores, economistas, admini
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