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Este trabalho analisa o processo educativo de jovens que cumprem medida socioeducativa no Centro de Semiliberdade Mártir Francisca (CSMF) em Fortaleza-CE. A lei garante a esses jovens a educação formal. O CSMF administra esta educação com escola, professores, pedagogos e pessoal de suporte. A partir da observação in loco e posteriormente, por meio de questionário aplicado aos adolescentes, foi analisado o processo educativo disponível a esses jovens. O adolescente infrator é um indivíduo em processo de construção da personalidade e a educação formal, sendo um direito, é também um dos mecanismos que contribuem para essa construção. O atendimento a esse direito tem de ser efetivado mesmo na situação peculiar de semiliberdade. A pesquisa teve a forma de pesquisa de campo, tipo estudo de caso. Foi realizada em uma instituição de medida de semiliberdade: o Centro de Semiliberdade Mártir Francisca. Foram realizadas visitas para observação do ambiente em que ocorre o processo ensino-aprendizado. Foram observados os métodos de ensino, a postura dos instrutores, o progresso dos alunos bem como a adequabilidade das instalações e do projeto político pedagógico. Foi aplicado um questionário com os adolescentes sobre questões relacionadas ao processo educativo ao qual eles estão submetidos e entrevista com a diretora, o coordenador pedagógico, instrutores, funcionários e alunos.
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ – UECECENTRO DE EDUCAÇÃO - CEDCURSO DE PEDAGOGIA ALUNA: HELAINE CAVALCANTE PORTELAMATRÍCULA Nº 0938450
“O PROCESSO EDUCATIVO DE ADOLESCENTES QUE CUMPREM MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE SEMILIBERDADE”
FORTALEZA (CE)2012
i
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ – UECECENTRO DE EDUCAÇÃO - CEDCURSO DE GRADUAÇÃO EM PEDAGOGIAALUNA: HELAINE CAVALCANTE PORTELAMATRÍCULA Nº 0938450
“O PROCESSO EDUCATIVO DE ADOLESCENTES QUE CUMPREM MEDIDAS SOCIOEDUCATIVA DE SEMILIBERDADE”
Monografia apresentada à Banca Examinadora do Curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Ceará, sob orientação da Professora Lia Machado Fiúza Fialho
FORTALEZA (CE)2012
ii
HELAINE CAVALCANTE PORTELA
“O PROCESSO EDUCATIVO DE ADOLESCENTES QUE CUMPREM MEDIDAS SOCIOEDUCATIVA DE SEMILIBERDADE”
Monografia Aprovada em 17 de julho de 2012
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________
Profª. Ms. Lia Machado Fiúza Fialho - Orientadora
Universidade Federal do Ceará - UFC
____________________________________________________
Profª. Ms. Rosa Maria Barros Ribeiro – Examinador Interno
Universidade Estadual do Ceará - UECE
iii
AGRADECIMENTOS
A Jeová, o criador do universo, por me dar a vida e o conhecimento da verdade.
Aos meus pais, por me transmitirem a vida e me orientarem no caminho da honra,
honestidade, humildade e sinceridade de coração.
Aos meus colegas de curso pelo necessário companheirismo e pela ajuda na realização
das tarefas escolares.
Às minhas amigas Fernanda Clara, Manuela, Natália e Mirley por trilharem este
caminho junto comigo, dando-me apoio e credibilidade.
Aos amigos Erich, Pâmela, Cristiano, Elaine, Vívian e Emanuele pelos momentos de
convívio e usufruto da amizade que aprendemos a cultivar.
Aos professores do curso de pedagogia da UECE pela valorosa educação transmitida.
À professora Lia Fialho pela dedicada orientação deste trabalho.
Ao professor José do Nascimento Portela pela valorosa contribuição e assistência em
todos os passos deste trabalho.
Aos meus irmãos Israel, Istone, Saulo e Juliete pelos momentos de infinito valor que
compartilhamos e que me ajudaram a trilhar na minha estrada até agora.
À minha prima Janis Joplin, pelo suporte emocional e intelectual.
À minha sobrinha Júlia Helen pela companhia carinhosa que ajudou a suportar os
momentos mais difíceis.
iv
Em algum lugar além do arco-íris
Bem lá no alto
Os sonhos que você sonhou se tornam realidade
Um dia vou acordar onde as nuvens ficaram para trás
Onde os traumas derretem como balas de limão
Longe, acima do topo das chaminés,
É ali que você vai me encontrar
E os sonhos que ousei sonhar...
Oh! Por quê? Por que não?
Traduzido e adaptado de “Somewhere over the rainbow” de E.Y.Harburg e Harold Arlen.
v
RESUMO
Este trabalho analisa o processo educativo de jovens que cumprem medida
socioeducativa no Centro de Semiliberdade Mártir Francisca (CSMF) em Fortaleza-CE.
A lei garante a esses jovens a educação formal. O CSMF administra esta educação com
escola, professores, pedagogos e pessoal de suporte. A partir da observação in loco e
posteriormente, por meio de questionário aplicado aos adolescentes, foi analisado o
processo educativo disponível a esses jovens. O adolescente infrator é um indivíduo em
processo de construção da personalidade e a educação formal, sendo um direito, é
também um dos mecanismos que contribuem para essa construção. O atendimento a
esse direito tem de ser efetivado mesmo na situação peculiar de semiliberdade. A
pesquisa teve a forma de pesquisa de campo, tipo estudo de caso. Foi realizada em uma
instituição de medida de semiliberdade: o Centro de Semiliberdade Mártir Francisca.
Foram realizadas visitas para observação do ambiente em que ocorre o processo ensino-
aprendizado. Foram observados os métodos de ensino, a postura dos instrutores, o
progresso dos alunos bem como a adequabilidade das instalações e do projeto político
pedagógico. Foi aplicado um questionário com os adolescentes sobre questões
relacionadas ao processo educativo ao qual eles estão submetidos e entrevista com a
diretora, o coordenador pedagógico, instrutores, funcionários e alunos.
vi
ABSTRACT
This paper analyzes the educational process of young people who abide social-educative
measures in Centro de Semiliberdade Mártir Francisca (CSMF) in Fortaleza. The law
guarantees for these young people the education. The CSMF administers this education
with school, teachers, educators and support staff. From the observation and later,
through a questionnaire applied to adolescents, we analyzed the educational process
available to these young people. The adolescent offender is under an individual process
of construction of the personality. And formal education, being a right, it is also one of
the mechanisms that contribute to this construction. Compliance with this right must be
realized even in the peculiar situation of semi-freedom. The research took the form of
research in field, case-study. It was held in a semi-liberty measure institution: the
Centro de Semiliberdade Mártir Francisca. Visits were made to observe the
environment in which occurs the teaching-learning process. We observed the teaching
methods, the attitude of the instructors, students' progress and the adequacy of facilities
and the political pedagogical project. We used a questionnaire with adolescents on
issues related to the educational process to which they are submitted and interviews
with the director, the pedagogical coordinator, instructors, staff and students.
vii
LISTA DE SIGLAS
CEABM Centro Educacional Aldaci Barbosa Mota
CECAL Centro Educacional Aluísio Lorscheider
CEDB Centro Educacional Dom Bosco
CENTEC Centro de Ensino Tecnológico
CEPA Centro Educacional Patativa do Assaré
CESF Centro Educacional São Francisco
CESM Centro Educacional São Miguel
CSMF Centro de Semiliberdade Mártir Francisca
DCA Delegacia da Criança e do Adolescente
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
LAC Liberdade Assistida Comunitária
LAI Liberdade Assistida Institucional
LDB Lei de Diretrizes e Bases
LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
LOAS Lei Orgânica da Assistência Social
SINASE Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
STDS Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento Social
SGDCA Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente
URLBM Unidade de Recepção Luís Barros Montenegro
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 1
viii
1. CONCEITOS E PRESSUPOSTOS SOBRE EDUCAÇÃO E SOCIEDADE 5
1.1 Pressupostos sobre educação 5
1.2 A sociabilidade do adolescente em regime capitalista 7
2. ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI: APORTES LEGAIS E CONCEITUAIS
12
2.1 Violência e abandono: o ato infracional em debate 12
2.2 As medidas "socioeducativas" 18
2.3 A escolarização do adolescente infrator na legislação 23
2.4 Metodologia da investigação 30
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO: O PROCESSO EDUCATIVO NO CENTRO DE SEMILIBERDADE MÁRTIR FRANCISCA
34
3.1 locus da pesquisa: Centro de Semiliberdade Mártir Francisca 34
3.2 O corpo profissional 36
3.3 A proposta institucional 37
3.4 O processo educativo de adolescentes na concepção dos pesquisados
40
3.4.1 Respostas do questionário 40
3.4.2 A visão do adolescente acerca da educação formal 42
3.4.3 A visão dos educadores 43
REFLEXÕES FINAIS 46
REFERÊNCIAS 48
Anexo A: Questionário 51
Anexo B: Imagens do Centro de Semiliberdade Mártir Francisca 52
Anexo C: Termo de Consentimento Livre Esclarecido 53
O PROCESSO EDUCATIVO DE ADOLESCENTES QUE CUMPREM MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE SEMILIBERDADE
INTRODUÇÃO
ix
O objetivo desta pesquisa é compreender como se dá o processo educativo, por
intermédio da educação formal, de adolescentes em instituição de reabilitação. O
interesse pelo tema surgiu a partir da observação da ação de profissionais da educação
sobre adolescentes infratores veiculados pela mídia. O objetivo da “detenção” do
adolescente é reabilitá-lo socialmente. A atividade educacional nestas instituições
deveria influir no comportamento do adolescente visando sua inserção ou reinserção na
sociedade. A qualidade dessa educação torna-se fundamental nesse processo, visto que
o adolescente foi privado da frequência à escola convencional. Neste contexto, surgem
questionamentos importantes que merecem respostas: Que escola está sendo oferecida a
esses jovens, uma vez que a própria escola convencional pública, em muitos aspectos,
deixa de atender a uma formação de qualidade dos jovens? Que nível de atenção é dado
por parte das autoridades a esse segmento escolar? Se a escola pública convencional
precisa de muitos ajustes para melhorar a qualidade, de que ajustes necessita a escola
para jovens em regime de semiliberdade?
O ambiente escolar nessas instituições tem características diferentes da escola
convencional. Visto tratar-se de ambiente educacional especifico, a análise desse lócus e
da qualidade da educação é essencial na eficácia da ressocialização. O processo de
construção da cidadania da criança e do adolescente é alimentado por mecanismos de
interação e articulação de valores, à medida que sua identidade pessoal os coloca diante
de escolhas no ambiente que os abriga. Dessa maneira, a educação ocorre com a
participação da escola formal, da família e da sociedade.
O adolescente é um individuo cuja personalidade está em processo de construção e a
escola formal, além de ser um direito assegurado legalmente, é um dos mecanismos que
contribuem para essa construção. Para tal, além de professores preparados e sensíveis as
peculiaridades vivenciadas pelos jovens em conflito com a lei, também é importante que
os instrutores, profissionais que organizam a dinâmica diária e fiscalizam a boa conduta
dos internos, sejam qualificados para lidar com metodologias pedagógicas e didáticas
para atingir as particularidades de alunos diferenciados.
O atendimento ao direito à educação formal tem de ser realizado mesmo na situação
peculiar de privação de liberdade. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no
Cap. 4, Art. 53, afirma que “A criança e o adolescente têm direito à educação, visando
x
ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e
qualificação para o trabalho” (ECA, 1990). Nesse Capítulo, asseguram-se direitos a:
Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
Direito de ser respeitado por seus educadores;
Direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias
escolares superiores;
Direito de organização e participação em entidades estudantis;
Acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência.
A escola formal compõe a estrutura educacional que dá ao jovem oportunidade de
crescimento através do prosseguimento nos estudos, preparo para o mercado de trabalho
e exercício da cidadania (LDB 9394/96). No caso do jovem infrator, a escola formal
ganha mais uma função, ressocializar. Visando transformar o jovem em conflito com a
lei em um cidadão útil à sociedade, que seguirá as leis e normas sem mais desrespeitá-
las, vivendo em harmonia com a sociedade.
Diante de um quadro educacional que, em situação de normalidade do seu
funcionamento, não consegue alcançar seus objetivos pré-definidos em lei, é um desafio
ainda maior motivar o jovem infrator para que tenha anseios fraternos, estabeleça alvos
pessoais nobres, assimile e construa conhecimentos pertinentes à vida salutar em
sociedade e desenvolva habilidades profissionais.
Na tentativa de compreender o processo de educação formal ministrado a jovens que
cumprem medida socioeducativa de semiliberdade, o presente estudo analisa a educação
escolar formal do adolescente privado parcialmente da liberdade. E tem como
problemática principal: Que tipo de educação formal vivenciam os adolescentes
sentenciados que cumprem medida socioeducativa de semiliberdade no Mártir
Francisca, única instituição masculina do estado do Ceará?
É algo incomum educar formalmente um adolescente em ambiente fechado, porque
educação pressupõe liberdade. Esta situação cria um tipo novo de atividade escolar. Um
quadro de dificuldades específicas se apresenta: o adolescente não tem um tempo de
xi
permanência suficiente na instituição para conclusão de um ciclo educacional, as idades
e níveis de escolarização são bastante variados, o número de adolescentes é insuficiente
para formar classe regular por ser reduzido, e ao mesmo tempo o ensino particular não é
adotado, dentre outras nuances que serão discutidas posteriormente.
Importa esclarecer que devido a regimes de progressão da sentença, a qualquer
momento o jovem pode deixar a instituição, somando-se a esse fato, há a dificuldade de
qualificação dos profissionais envolvidos no processo educativo, principalmente desse
público específico, engloba-se nesse caso: profissionais da rede de atendimento
especializado, promotoria, juizado da infância e da juventude, conselhos tutelares,
agentes de programas governamentais de apoio e assistência, educador social, além de
professores e pedagogos.
O projeto pedagógico aplicado deveria ser específico para esse público, pois o
aprendizado dividido em séries, o conteúdo estruturado nos livros didáticos e as
atividades que se aplicam normalmente em salas de aula comuns, talvez não sejam
adequadas nesse caso. Configura-se necessário levar em consideração que a
participação no ensino formal, os cursos profissionalizantes, atividades pedagógicas,
esportivas e culturais, e por último, o aspecto da segurança, disciplina e reincidência do
jovem compõem uma conjuntura específica que não pode deixar de ser pensada nas suas
singularidades. A postura dos professores e pedagogos face aos alunos internos força a
construção de um perfil profissional diferenciado, repleto de respeito à diferença e
desnudo de preconceito. Assim, a análise do tipo de educação formal praticada nessas
instituições é necessária para subsidiar a construção ou reformulação do projeto
pedagógico, adequando-se, cada vez melhor, a esse tipo de público e contexto escolar.
É importante para o pedagogo, compreender as singularidades oriundas da situação
peculiar da semiliberdade para que possa elaborar um projeto pedagógico que atenda a
esse público especifico. Os recursos materiais da escola e o conhecimento dos
professores devem ser direcionados para adolescentes com conflitos de relacionamento
no meio social, ou de cumprimento e aceitação de normas instituídas. Visto que a sala
de aula é um espaço de convivência, esse ambiente não pode tornar-se um campo de
conflitos para esses jovens, mas um espaço de negociação, mediação e construção do
conhecimento. O que requer do pedagogo adequação e flexibilidade na utilização dos
xii
diferentes métodos de ensino e das mais variadas técnicas, visando facilitar a
aprendizagem de maneira comprometida, responsável e envolvente.
Para pesquisar esta temática, elegemos como objetivo geral investigar o processo de
educação formal desenvolvido na instituição de medida socioeducativa de
semiliberdade Mártir Francisca. Assim pretendemos, de forma mais específica,
identificar os métodos de ensino utilizado, o projeto pedagógico, analisar os recursos
didáticos e a qualificação dos instrutores e verificar a aplicação do projeto pedagógico
por parte dos profissionais. Essa análise permitirá inferir sugestões, críticas e
comentários pertinentes que poderão nortear a atividade profissional do professor, do
instrutor e demais envolvidos no processo de ressocialização, bem como a elaboração
de um projeto pedagógico mais adequado às especificidades da semiliberdade.
Objetivos
Objetivo Geral
Analisar o processo educativo desenvolvido na unidade de semiliberdade para
adolescentes em conflito com a lei, Mártir Francisca.
Objetivos específicos
Conhecer o método de ensino aplicado;
Identificar os recursos didáticos utilizados;
Averiguar a qualificação dos educadores;
Compreender o projeto pedagógico da Instituição e sua relação com a educação
ministrada;
Compreender como se dá o processo educativo formal no Centro de
Semiliberdade Mártir Francisca.
1. CONCEITOS E PRESSUPOSTOS SOBRE EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
1.1 PRESSUPOSTOS SOBRE EDUCAÇÃO
xiii
"A educação é a arma mais poderosa que você
pode usar para mudar o mundo."
Nelson Mandela
Educação engloba os processos de ensinar e aprender. É um fenômeno observado em
qualquer sociedade e nos grupos constitutivos destas, responsável pela sua manutenção
e perpetuação a partir da transposição, às gerações que se seguem, dos modos culturais
de ser, estar e agir necessários à convivência e ao ajustamento de um membro no seu
grupo ou sociedade.
Tendo como foco o indivíduo, a Educação visa o desenvolvimento integral do
indivíduo: corpo, mente, espírito, saúde, emoções, pensamentos, conhecimento e
expressão, gerando benefício para a própria pessoa, mas também contribuindo com sua
integração harmônica e construtiva com a sociedade em que o indivíduo está inserido.
Conforme a Lei 9394/96 – Lei de Diretrizes e Bases, em seu artigo 1° “A educação
abrange processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência
humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e
organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais”.
De acordo com o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, educação é:
“Processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral da criança e do ser humano em geral, visando à sua melhor integração individual e social. Aperfeiçoamento integral de todas as faculdades humanas”. (HOLANDA, 1986, p.619).
Alguns pensadores manifestaram o que pensam sobre educação:
Paulo Freire disse: “a educação para a liberdade implica exercício constante,
permanente, da conscientização que se volta para si mesma e para sua relação com o
mundo, tentando encontrar razões que expliquem e esclareçam a situação concreta do
homem no mundo”. (TORRES, 2003, p.31)
Já Bertrand Russell (RUSSELL, 1982) afirma:
A educação, no sentido em que a entendo, pode ser definida como a formação, por meio da instrução, de certos hábitos mentais e de certa perspectiva em relação à vida e ao mundo. Resta indagar de nós
xiv
mesmos, que hábitos mentais e que gênero de perspectiva pode-se esperar como resultado da instrução? Uma vez respondida essa questão, podemos tentar decidir com o que a ciência pode contribuir para a formação dos hábitos e da perspectiva que desejamos.
Friedrich Froebel (1826), citado em (FROEBEL, 2001), comunga com as ideias de
Russell (1982) e Freire (1979) quando relata:
A educação é o processo pelo qual o indivíduo desenvolve a condição humana, com todos os seus poderes funcionando com harmonia e completa, em relação à natureza e à sociedade. Além do mais, era o mesmo processo pelo qual a humanidade, como um todo, se elevando do plano animal e continuaria a se desenvolver até sua condição atual. Implica tanto a evolução individual quanto a universal.
A partir dos teóricos acima referenciados percebe-se que a educação exerce um papel
importante no processo de humanização do homem e na transformação da sociedade. A
educação transforma a sociedade e vice-versa. Portanto, a evolução da Educação está
intrinsecamente ligada à evolução da sociedade. Gadotti (GADOTTI, 1999) afirma que
a prática da Educação é muito anterior ao pensamento pedagógico, pois este surge com
a reflexão sobre a prática, pela necessidade de sistematizá-la e organizá-la em função de
determinados fins e objetivos. Inserido nesse contexto, pode-se inferir que o professor é
um dos principais agentes possuidores de meios para transformar a Educação por
intermédio de sua prática pedagógica consciente e renovadora, com metodologias
coerentes com a realidade do educando.
Não há, aqui, lugar para uma visão ingênua que acredita que a educação sozinha
transforma a sociedade, mas como salienta Paulo Freire (1978), sem ela tampouco a
sociedade muda. Nesse cenário, ninguém está isento do processo educativo. Em casa, na
rua, na escola, de um modo ou de outro, todos se envolvem no processo de aprender, e
ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou para conviver, todos os dias, a educação
cruza a rotina das pessoas. Seja de forma estruturada na escola ou de modo informal no
dia-a-dia com o convívio social com outras pessoas. Por isso é que cada indivíduo
sempre tem algo a dizer sobre a forma de educação que lhe invade a vida.
A educação é de fato um processo natural, que se dá com a pessoa desde o nascimento.
Nesse processo, aprende-se uma infinidade de coisas importantes para o
desenvolvimento individual e, por consequência, da sociedade. O processo de
xv
aprendizagem é contínuo e espontâneo: Quem ensina uma criança a caminhar ou a
identificar o significado dos sons, ou a pronunciar as primeiras palavras? Neste caso, a
aprendizagem acontece naturalmente. No entanto, a gramática da língua que se fala, a
linguagem abstrata dos símbolos, só se aprende pela ação da educação formal na escola.
A educação ajuda a pensar sobre os tipos de homens, influencia o processo de produção
de crenças e ideias, de qualificações e especialidades que envolvem as trocas de
símbolos, bens e poderes que, em conjunto, constroem as mais diversas sociedades.
Da família à comunidade, a educação existe difusa em todos os mundos sociais, entre as
incontáveis práticas dos mistérios do aprender; primeiro, sem classes de alunos, sem
livros e sem professores especialistas; mais adiante com escolas, salas, professores e
métodos pedagógicos.
A educação pode existir livre e entre todos, pode ser um instrumento que as pessoas
usam para tornar comum o que é individual, como saber, ideia, crença e para tornar
individual aquilo que é comunitário como bem, trabalho e saúde. Ela pode, também,
existir imposta por um sistema centralizado de poder, que usa o saber e o controle sobre
o saber como armas que reforçam a desigualdade entre os homens, na divisão dos bens,
do trabalho e dos direitos.
1.2 A SOCIABILIDADE DO ADOLESCENTE EM REGIME CAPITALISTA
A lógica do capitalismo é a individualização, a valorização de bens em detrimento das
qualidades individuais. A vaidade, a riqueza, o ganho, dentre outras, são qualidades
saudáveis para o capitalismo. O indivíduo é estimulado a possuir o maior número de
bens e, consecutivamente, a comprar e consumir cada vez mais. O adolescente como ser
social sofre as influências desse sistema. Os desejos de consumo, a busca pelo
enriquecimento o convida a participar dessa corrida, principalmente quando não possui
princípios sólidos e concepções críticas dos fatos e acontecimento, de tal maneira que:
“Todos são convidados a serem sujeitos funcionais, consumidores e produtores. A
sociedade administrada, totalmente orquestrada, se apresenta como única forma de
existir e convida todos a participar dessa lógica.” (CHAVES, 2007)
xvi
A identificação social em uma sociedade de mercado é determinada pela constatação
dos bens/objetos que o indivíduo possui. O processo de diferenciação entre indivíduos,
e entre grupos dentro do meio social, ocorre mais acentuadamente à medida que a
diferença de posses aumenta. Mostrar capacidade para consumir, expressa a
classificação de importância de um indivíduo em relação ao seu grupo.
A situação do adolescente diante de uma sociedade que uniformiza seus membros torna-
se singular, devido ao processo de desenvolvimento do adolescente que está em
andamento. O adolescente que não possui condições financeiras para obter o objeto de
consumo, objeto do desejo de “todos” consagrado pela mídia, impedido no seu íntimo
instintivo, poderá encontrar no crime um meio para obtê-lo. Tal argumento encontra
amparo nas ideias de GAUER quando explicita: “As questões contemporâneas que
instigam os furtos e os roubos representam o desejo de consumo e poder – declarado
pelo significante dinheiro, como mediador do reconhecimento almejado – e de inclusão
social.” (2010, p.86).
O desejo de obtenção de bens não é privilégio de quem tem condições de satisfazê-lo. É
ingênuo acreditar que só os ricos desejam. Impulsionado pela propaganda, o desejo é
construído no íntimo da pessoa e afeta todas as classes sociais. O adolescente, sem
distinção de poder aquisitivo, está mergulhado nessa atmosfera. Segundo Gonçalves
Filho (1998) o consumismo é uma forma regredida de desejo: forma em que o desejo
mais se aproxima de uma necessidade orgânica. As sociedades mercantilistas são
inimigas do desejo, condenando o indivíduo à eterna insatisfação pelo consumismo.
Sabe-se a lógica do consumo não pode ser a única responsável pela realização do ato
infracional, pois questões familiares, sociais, orgânicas, educativas, dentre outras
também interferem sobremaneira no que concerne a prática de atos ilícitos, mas se pode
ignorar que a sociedade brasileira é “caracterizada por representar um sistema muitas
vezes excludente, a sociedade capitalista contemporânea define-se pela sua forma de
acumulação flexível e pela alta competitividade no mercado de trabalho” (HARVEY,
1994). Isso ocorre de tal maneira que muitos jovens embebidos dos princípios
meritocráticos que postulam o fracasso da ascensão social apenas ao indivíduo,
ignorando as condições sociais e desiguais possibilidades de vida acabam por visualizar
xvii
nas ações ilícitas a forma mais fácil e prática de alcançar bens materiais, respeito entre
seus pares e desejos de consumos realizados. Pois “enquanto um sistema excludente, a
lógica de mercado que delineia os caminhos do capital desqualifica o trabalhador,
considerando-o um ser descartável, fragmentando as relações sociais em favor dos
avanços tecnológicos da era pós-moderna” (BRAVERMAN, 1987), a valorização do
individuo muitas vezes se dá pelo que ele possui em riquezas materiais e não pelos tipos
de sentimentos que possui.
Avanços tecnológicos, promessas de inserção no grupo dos que desfrutam do melhor da
vida, segurança no futuro, afastamento da miséria, somados às exigências de um
mercado global competitivo, incidem diretamente na vida da população, em especial
dos adolescentes que estão iniciando sua participação nessa conjuntura social do
trabalho.
A estrutura familiar em muitos casos fornece pilares básicos que viabilizam condições
aos indivíduos de obter inserção social pelas vias honestas, pelo trabalho, pelo mérito
educacional. Mas aqueles que não desfrutam dessa estrutura adequadamente lidam com
maior impossibilidade de colocação no mercado de trabalho, e são mais facilmente
atraídos pelo caminho da delinquência, vislumbrando nesta uma fuga ou alternativa para
obter aceitação em gangues ou outros subgrupos de semelhantes, bem como maior
conforto e a ascensão social desejada.
Na fase da adolescência, o corpo assume importância de identificação social. O
adolescente oferece o corpo como objeto desejável aos outros. Surge a possibilidade de
enfatizar os relacionamentos e de ser reconhecido, e visto, socialmente. Com este
objetivo em mente, o adolescente se esforça na busca de identificação com os grupos
com os quais se relaciona. A aparência, a sexualidade, o poder, iniciam o processo de
situação no meio social. Também a possibilidade de conquistas de grupos sociais ainda
não compartilhados. A influência capitalista torna-se mais forte. A necessidade de
trabalhar, estudar, ganhar dinheiro, frequentar lugares desejados, comprar, conquistar o
sexo oposto pela exibição do poder financeiro são instrumentos capitalistas
influenciadores do comportamento individual. Sobre adolescentes e dinheiro, Spitz
afirma:
xviii
Neste mundo materialista e capitalista em que vivemos, o dinheiro é citado a cada instante e por todos os meios de comunicação. O indivíduo é valorizado pelo que possui, o destaque vai para as pessoas que conseguiram ganhar dinheiro e ostentam sua riqueza. Em uma idade em que não temos dinheiro, mas muitos desejos materiais, isto se torna um verdadeiro problema. (SPITZ, 1994, p.206)
Para a inserção nos grupos sociais, o adolescente precisa seguir as regras impostas por
esses grupos. Emprego público requer concurso, estudo, disciplina, vida escolar intensa
e habitual. Classe média, carro, casa, moto, lazer, são alvos que requerem esforço para
ser alcançados. As posições no topo da pirâmide de estrato econômico que a sociedade
oferece requerem um preço: esforço pessoal somado à condições propícias de boa
educação e finanças confortáveis para investimento em negócios promissores. Todas
essas expectativas podem ser desalentadoras para quem não tem “capacidade
monetária” para acompanhar e auxiliar o indivíduo em formação na escalada biossocial.
(CASTRO, 2011). Para quem não foi treinado a cumprir regras e desenvolver disciplina,
ou deixou-se pressionar em demasia pelo desejo do consumo, torna-se o adolescente
desestruturado socialmente, que adere aos métodos antissociais de aquisição destes
bens, acompanhando grupos marginais estabelecidos.
O pressuposto acima se dá de tal maneira que, mesmo reconhecendo que não se vive em
sociedade estática ou sem possibilidades de mudança não estrato social, presencia-se,
ainda, uma educação dual: de escolas particulares para os mais abastados que podem
custeá-las e obter melhor qualidade no ensino e escolas públicas para os mais
desfavorecidos economicamente, que devem se contentar com a educação muitas vezes
de qualidade inferior a ministrada nas instituições privadas. Comungando com o
exposto Gauer afirma:
Os adolescentes de classes mais favorecidas permaneçam apoiados pelo núcleo familiar para ampliar seu conhecimento intelectual, prolongando a adolescência. Quando não há recursos na família para aprimoramento laboral, atribui-se a responsabilidade ao Estado. (GAUER, 2004, p.69).
O meio social, os grupos dos quais o adolescente participa e se identifica, exercem forte
influência na confirmação de sua identidade social. Notadamente durante a puberdade,
quando o adolescente, por diversas razões (afetivas, familiares, econômicas, ou sociais)
xix
é forçado a abrir mão de seus referenciais infantis e assumir obrigações, deveres, e
enfrentar problemas que, em princípio, não deveriam fazer parte de sua realidade. Seja
por não estar preparado ou por não ter, ainda, maturidade para resolvê-los. Esse fato é
normalmente verificado com os jovens de classes econômicas mais baixas, que são
incumbidos de auxiliar, ou mesmo de prover sozinho, de alguma forma o sustento da
família.
Os jovens abandonados afetiva e economicamente, que inicia o processo de busca de
inserção social, lida com dificuldades de acesso aos grupos que desfilam à sua frente
todos os dias sem poder acompanhá-los (Uma das características do capitalismo é a
ostentação das consecuções materiais – sucesso e exibição se associam como respiração
e vida).
Salienta-se que aspectos culturais, afetivos e econômicos definem a afirmação da
identidade do sujeito. O meio social absorve as referências parentais e infantis que o
adolescente possui e oferece outras possibilidades de identificação.
Fator altamente preponderante que se destaca como causa da infração juvenil é a
desigualdade no poder aquisitivo. E ainda as contradições entre as possibilidades de
consumo e a impossibilidade de sua concretização. O regime capitalista fundamenta-se
em produzir e vender. Para isso, os consumidores são estimulados ao consumo
desenfreado. Este sistema apresenta um número infindável de possibilidades de
consumo, e bombardeia toda a população com propaganda. Incluídos aqueles que não
têm condições efetivas de realizar o desejo arquitetado pela propaganda. Nestas
circunstâncias, instala-se uma atitude reivindicatória por parte do adolescente: seja de
uma posição, de um bem, de uma visibilidade social, de um lugar nesse mundo de
infinitas possibilidades e que “todos” estão usufruindo (a propaganda impõe a ideia de
que todos podem usufruir de suas delícias). Os que não conseguem acesso aos bens são
deixados de lado pelos próprios costumes sociais, em um fenômeno denominado de
subcultura adolescente (SILVA, 2010). Dessa subcultura decorrem e se expandem as
reações desses adolescentes, tidas muitas vezes como sinal de rebelião, mas que dizem
respeito a uma maneira de demonstrar que não aceitam passivamente a situação em que
vivem.
xx
Em uma sociedade de massificada que leva à supervalorização do poder aquisitivo, o
jovem tem necessidade de ser educado para se adaptar. À medida que a sociedade
brasileira definiu seu estilo de vida capitalista, à base de tecnologia, industrialização e
urbanização, com decorrente recompensa monetária (salários), percebe-se a importância
de uma reformulação na educação, que combata a alienação e propicie uma visão crítica
acerca das propagandas publicitárias. Segundo Dominguez:
Na ocasião em que recebe o diploma de ensino médio, o adolescente típico já foi exposto a bem mais de cem mil anúncios, o que equivale a uma taxa de três a quatro horas por semana. A intenção da tecnologia da propaganda, equipada com a pesquisa de mercado e uma sofisticada psicologia, é desequilibrar-nos emocionalmente — prometendo em seguida resolver o nosso problema com um produto. (DOMINGUEZ, 2007, p.63)
No âmbito pessoal, prevalecem as características de globalização econômica com
efeitos significativos no âmbito social. O adolescente quer fazer parte desse mundo. E a
propaganda adotou o adolescente como um dos pilares de seu edifício financeiro. Um
dos alvos da máquina geradora de dinheiro. Revistas, filmes, discos, livros, jogos,
computadores, roupas, produtos de consumo que, antes, eram de adultos, passaram a
compor a demanda de adolescentes. A música pop e a indústria do entretenimento,
componentes importantes do capitalismo, oferecem variados produtos. O adolescente
deseja adquirir esses produtos. A busca por obtê-los, influenciam seu comportamento e
inserção na sociedade.
2. ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI: APORTES LEGAIS E CONCEITUAIS
2.1 VIOLÊNCIA E ABANDONO: O ATO INFRACIONAL EM DEBATE
A expressão “menor infrator” refere-se ao indivíduo com idade situada abaixo da idade
penal, 18 anos, geralmente criança ou adolescente, que pratica algum ato classificado
pela lei como infração.
xxi
No Brasil, o termo “menor infrator” foi inicialmente utilizado no setor jurídico, depois
acabou ganhando amplo uso nos meios de comunicação. De acordo com o Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA) brasileiro, as contravenções praticadas por tais
adolescentes são chamadas de infrações ou “atos infracionais”, e as penalidades são
chamadas de “medidas socioeducativas”. Os adolescentes infratores estão sujeitos às
medidas socioeducativas listadas no Capítulo IV do ECA, entre as quais está a
internação forçada (detenção física) por um período de no máximo três anos, conforme
artigo 121, § 3º, do referido Estatuto.
Quando se assiste a um programa de televisão sobre violência, é inevitável a exposição
de roubos à mão armada e assassinatos, muitos deles praticados por jovens. Mas,
invariavelmente as reportagens se referem aos atos isolados dos indivíduos que
amedrontam a comunidade e suas famílias, relevando a terceiro plano a reflexão sobre
as causas do ato ilegal e da formação do menor infrator. Aparenta ao espectador que o
menor infrator surge dentro da sociedade já no estado predador. Oriundo de um mundo
paralelo, ou de um submundo, e que é invasor do “nosso” mundo. Transparece que a
situação do menor não pode ser mudada, mas que é somente passível de amputação
como gangrena social. Configurando-se em um mal que se resolve com extirpação cada
vez que for gerado sem que seja necessário sondar a causa que promove a geração de
indivíduos com esse perfil.
Diante do crime, a sociedade se sente incomodada e vigilante, pois estão em risco a
propriedade, a segurança e o bem-estar. Decorre, em seguida, o clamor por aparato
policial, segurança nas ruas e repressão ao infrator. Porém, o que não é aparente na
mídia são as causas do fenômeno da violência. Aquilo que se vê na tela da televisão tem
origem em âmbitos mais recônditos da sociedade.
A sociedade não oferece ao indivíduo possibilidades para que ele seja feliz, mas o coloca a todo instante sob tensão, insegurança e medo, e prega, em nome da auto-conservação, a capacidade para suportar as adversidades, a resistência ao sofrimento... ao valorizar essa lógica, instiga a violência. (CHAVES, 2007, p. 38)
Desse modo, cabem os seguintes questionamentos: Como surge esse menor e seu ato
infrator? Que forças contribuíram para sua formação? Qual a responsabilidade do
xxii
cidadão e do Estado? Estas questões são pertinentes visto que ninguém nasce médico,
engenheiro ou assaltante, mas cada um é formado em um ambiente de convívio
chamado sociedade. A partir de uma visão mais abrangente pode-se chegar à matriz da
violência das ruas protagonizada pelo menor.
Toda vez que direitos humanos básicos são suprimidos, pratica-se um ato de violência
com consequentes males sociais. Tal supressão de direitos pode ser perpetrada por ações
diretas do cidadão ou pelo Estado por meio de seus representantes ou pela passividade
de ambos em não encarar a causa do problema, limitando-se a clamar por ação policial.
Cabe ao cidadão exigir ação efetiva do Estado para que cesse de alimentar, com o
descaso e a inoperância, o celeiro que armazena o número crescente de miseráveis à
mercê da inadequação cidadã e, consequentemente, da infração. Assim como o cidadão
vai às ruas em passeata pedir mais segurança, devia também pedir socorro para as
famílias abandonadas que estão à margem da sociedade. É dessas famílias
desestruturadas, ou que sequer foram formadas, que podem surgir as crianças que mais
tarde se tornam infratores.
A miséria que leva ao crime não é apenas de alimento, mas inclui a falta de moradia, de
família, da cidadania, de educação e saúde. Se o cidadão não exige a garantia de direitos
humanos básicos para todos os membros de sua sociedade terá como resposta a ação
prejudicial do infrator, indivíduo que não consegue se inserir no conjunto de normas
estabelecido e seguido pela sociedade. A violência do menor infrator nas ruas é a ponta
do iceberg. Sob a superfície encontra-se a violência da desigualdade social decorrente
da injusta repartição das tarefas e dos privilégios individuais. Esta injustiça leva ao
irregular aproveitamento dos bens produzidos pela comunidade. O fato de crianças
permanecerem fora das escolas, cerceadas de direitos que lhe são inerentes e
constitucionalmente consagrados, também configura uma violência que não é divulgada
na mídia. Esta forma de violência é tão cruel e abominável quanto as outras formas de
violência.
Acima de tudo, existe uma espécie de violência que poucos se atrevem a questionar que
é a violência institucional. O Estado, como gestor da sociedade politicamente
organizada, preocupa-se em não deixar nenhuma sombra, por menor que seja, sobre a
ordem estabelecida. Daí, imputa sistematicamente os problemas sociais aos próprios
xxiii
infratores que ele deixa ao desalento e, por isso, inadaptados para agir construtivamente
na sociedade. A falta de seriedade do Estado em acolher e inserir o membro da
sociedade que está abandonado (sem emprego, sem educação, sem serviços de saúde,
sem pagar impostos, sem teto, desorientado e desprotegido) é um tipo de violência
porque causa a situação de pessoas que não aprenderam a conquistar pelo mérito e como
bichos coletam o que está disponível a fim de satisfazer suas necessidades. Além disso,
a situação de um indivíduo abandonado é perpetuada em seus descendentes. O menor
abandonado cresce e logo tem seus próprios filhos que também se tornam abandonados
pelo Estado. Roberti (2000) comunga com essa ideia quando afirma:
O caminho que leva à marginalidade não é traçado por uma categoria particular de crianças e adolescentes, mas sim por todo um conjunto de problemas estreitamente relacionados com condições de habitação subumanas, crises entre os pais, sentimento generalizado de alienação e de isolamento no seio da família e na escola e, acima de tudo, pela discriminação por parte de pessoas do seu meio, que representam a sociedade dita “normal” (p. 317).
Este caminho é construído por um conjunto de condições estreitamente relacionadas:
condições de habitação subumanas (falta de saneamento e higiene mínima), pobreza
extrema, crise e violência na família, alcoolismo e toxicomania, sentimento
generalizado de alienação e de isolamento no seio da família e da comunidade, fracasso
escolar, ações violentas praticadas por pessoas próximas ao menor, e discriminação dos
que compõem o grupo que forma a sociedade. Crianças que nascem nestas condições de
desvantagem têm o processo de desenvolvimento mental, emocional e social
dificultado, de modo que sua formação como cidadão é comprometida a ponto de
prejudicar a inserção salutar no meio social.
Formar cidadãos é tarefa que leva tempo e requer esforços da família e do Estado. Sem
a força desses dois elementos, o indivíduo transita dentro da sociedade sem possuir o
sentimento de pertencer a tal sociedade, sem participar, sem exercer as tarefas que lhe
cabem individualmente, sem compreender seu eu social ou como a sociedade funciona
como mecanismo que visa o bem coletivo. O indivíduo e suas carências tornam-se o
centro de suas percepções possibilitando a marginalização. Em consequência, seus atos
são desaprovados pela sociedade que não o acolheu nem o inseriu em suas partes
dinâmicas e interdependentes.
xxiv
Não é possível formar cidadãos, nem falar em direitos humanos sem antes atentar para o
universo de pessoas que estão destituídas dos direitos básicos de humanidade. O que se
verifica hodiernamente é que se atacam os efeitos e não as causas. A problemática do
menor infrator merece uma reflexão profunda sobre diversos conceitos humanísticos
que servem de base às aspirações do homem na construção de um mundo melhor.
Amparar a família brasileira, a partir da mais pobre, socorrendo, em primeiro, aquelas
miseráveis e esfomeadas, procurando trazer ao seu seio os filhos menores distribuídos
pelas ruas, bem como amparando com cuidados relacionados à saúde, alimentação,
moradia, educação, emprego, dentre outros, é uma solução exequível para combater a
causa das infrações cometidas pelo menor. Há estudiosos que apontam a desestruturação
familiar como causa da iniciação em atos infracionais.
Crianças vitimizadas, coisificadas, submetidas ao abuso de quem rompeu os laços de confiança existentes ou transgrediu seu poder/dever de proteção, evidenciarão diversas sequelas, a curto, médio e longo prazo, tais como: problemas mentais, autoculpa, hiperagressividade, pesadelos, desenvolvimento inadequado da capacidade cognitiva, dificuldades na escola, síndrome do pânico ou comportamento autodestrutivo. (LEAL, 2001, p. 46)
Alguns indivíduos sequer constituíram uma família. A partir de uma gravidez não
planejada, um novo ser chega ao mundo sem o amparo necessário ao desenvolvimento
físico, cognitivo e psicossocial salutar. Pai e, ou, mãe não assumem a responsabilidade
de educar e proteger a criança, mesmo porque, em alguns casos, os mesmos já não
gozaram de proteção familiar. O estado de abandono parece ser transmitido por herança
aos descendentes. Sem a proteção da família, crianças ficam expostas à violência de
variadas formas. Os males advindos dessa condição tornam-se visíveis à sociedade
quando a criança adquire força física para lutar pela sobrevivência do modo como ela
acha que deve. Para satisfazer suas carências, não apenas físicas, mas de consumo,
geradas pela força da mídia aliada à falta de criticidade, são absorvidas por grupos
marginais1 que vivem na forma de sobreviventes da sociedade que os repeliu por não
conseguir integrá-los ao modo comportamental aceito.
Ante a impossibilidade de se manter a criança, ou adolescente, menor no seio de uma
família estruturada, instituições governamentais assumem a tarefa de amparar menores
1 Marginais nesse contexto: indivíduos excluídos por seus pares por não se adequarem aos padrões de normalidade determinados pela construção sócio-histórica da sociedade em que está inserido.
xxv
abandonados com o objetivo de fornecer a estes um ambiente propício ao seu
desenvolvimento social. Qual a eficácia dessas instituições em cumprir esse objetivo?
Muito pouco vem sendo realizado. O ambiente familiar interliga as pessoas pelo amor e
fortes laços afetivos. Portanto, não pode ser simulado profissionalmente. Mesmo os
mais competentes e motivados profissionais não seriam capazes de substituir os pais de
um menor abandonado. Não é possível expressar amor genuíno usando técnicas de
relacionamento. Um casal "substitutivo" para os pais de uma criança abandonada em
alguns casos é uma solução viável, mas pode revelar-se um ambiente familiar artificial.
Ao viver de um modo particular, pessoal, que não reconhece os valores defendidos e
seguidos pela maioria, regras como “primeiro eu” e “o mundo é dos mais fortes” soam
como lógicas predominantes e irrefutáveis, pois que a criança não aprendeu a valorizar e
agir com afetividade nos primeiros anos de vida a partir de vivências familiares com
pais e parentes, seus pares, que deviam ter lhe transmitido esse valor para agregar a sua
personalidade. Respeitar os outros, considerar a vontade e o direito alheio, parecem soar
como lances de um jogo que deve resultar em se conseguir a satisfação de suas próprias
carências. A criança abandonada aprende muito cedo a sobreviver, a escapar de perigos
e superar restrições à sua maneira, por vezes não respeitando as regras da sociedade.
Surge então a desorientação. Por não ter como referência um ideal de vida, o menor
sozinho, sem dúvidas, sem questionamentos, sem afetividade e equilíbrio emocional,
fica desorientado iniciando um lamentável processo de desarticulação individual, a
partir do abandono. A desorientação o conduz a não compreensão de seu papel no grupo
humano de que inevitavelmente fará parte, ou a compreender de forma distorcida, como
uma fera que faminta concentra todos os sentidos em se alimentar.
Talli (2003), abordando o problema da infância desvalida e do menor carente, em
poucas palavras explicita a forma como se pode alcançar uma sociedade responsável por
seus membros. Diz esse notável Desembargador que: "Todos nós somos um pouco
culpados" - referindo-se à iníqua desigualdade de tratamento dado ao menor
desamparado - "O passado é irrecuperável, o presente é que vale e o futuro será o que
tivermos a coragem e o destemor de fazer hoje sem procrastinações." O autor mostra a
necessidade de ação da parte dos representantes da sociedade em cuidar de seus
membros desvalidos.
xxvi
2.2 As medidas socioeducativas
Ao ser apanhado em flagrante em ato infracional, o adolescente é acusado e
encaminhado à Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA) mais próxima do local
em que ocorreu a infração. Depois de registrada a infração, cabe ao juiz responsável,
aplicar uma das determinações legais intituladas de medidas socioeducativas.
A medida socioeducativa é uma determinação legal imposta pelo juiz da infância e da
juventude ao adolescente que comprovadamente comete um ato infracional. O objetivo
é reconduzi-lo à sociedade dado sua conduta antissocial. A medida socioeducativa tem
dimensão punitiva e educativa, buscando prioritariamente o caráter educativo e, depois,
o sancionatório. Tais medidas são determinadas considerando a gravidade da infração,
as circunstâncias em que foi praticada e a capacidade do adolescente de cumpri-las. As
medidas que mantêm o jovem no convívio familiar e social no qual está inserido são
priorizadas.
Destaca-se que o adolescente tem direito ao respeito, durante o processo penal e em
todos os momentos subsequentes, que “consiste na inviolabilidade da integridade física,
psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da
identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais”
(Art. 17 do ECA). Esses direitos são universais, pois não se aplicam especificamente
aos considerados menores de idade e, por consequência, inimputáveis.
Existem seis medidas socioeducativas que a autoridade judiciária pode aplicar ao
adolescente, autor do ato infracional:
1. Advertência (Art. 115);
2. Obrigação de reparar o dano (Art. 116);
3. Prestação de serviço à comunidade (Art. 117);
4. Liberdade assistida (Art. 118);
5. Inserção em regime de semiliberdade (Art. 120); e
6. Internação em estabelecimento educacional (Art. 121).
xxvii
Cada uma dessas medidas tem características peculiares na aplicabilidade expressas em
artigos específicos do ECA:
1- Advertência; É a primeira das medidas aplicável ao adolescente infrator primário
que comete um ato infracional de pouca gravidade, como pequenos furtos,
agressões leves, dentre outros. Consiste em “admoestação verbal, que será reduzida
a termo e assinada, sendo, logo após, o menor entregue aos pais ou responsável”
(Lei N° 8.069). A advertência é oral e registrada em documento escrito, que deve
ser assinado no intuito de registrar a ciência, tanto do jovem como de seu
responsável legal, do ato incorreto e firmar o compromisso de não reincidir na
ilegalidade. Como se trata de uma medida singela, que visa repreender os “impulsos
da juventude”, basta a prova da materialidade2 e indícios de autoria.
2- Obrigação de reparar o dano; Consiste em restituição, ressarcimento ou
compensação do dano ou do prejuízo causado à vítima. Dessa maneira, o jovem
infrator ficaria obrigado a reparar o prejuízo que ocasionou, mas como geralmente
não possui trabalho e sua renda é proveniente dos pais, são justamente os
responsáveis que ressarcem a vítima ou custeiam o reparo do bem. Quando não há
condições materiais para compensação, inviabilizando a aplicabilidade dessa
medida, ela deverá ser substituída por outra de mesma adequação. Objetiva-se
despertar no menor a consciência das consequências do seu ato ilícito, visando
educação e ressocialização. Salienta-se que a obrigação de reparação do dano pelo
jovem deve ser efetuada com cautela para não submetê-lo à humilhação pública.
3- Prestação de serviço à comunidade; Foi uma inovação ao Estatuto introduzida
após quatro anos de sua publicação, como alternativa à privação de liberdade.
Consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse social, por período inferior a
seis meses, em entidades assistenciais: escolas, hospitais, programas comunitários,
dentre outros. As atividades são atribuídas conforme aptidão do jovem e visam
ressocializá-lo, despertando o prazer pela ajuda humanitária e favorecendo o
desenvolvimento da consciência ética de respeito a si e aos direitos dos outros,
2 Materialidade é a existência do fato. Prova da materialidade consiste em elementos que afirmam a certeza que o fato efetivamente ocorreu. No direito penal, a materialidade do fato é insuficiente para a condenação criminal, pois esta depende de outros fatores, como, por exemplo, a prova da autoria, a inexistência de alguma circunstância que exclua o crime ou a penalidade, a tipicidade da conduta (o enquadramento do fato em alguma norma que constitua crime), dentre outros. Nos casos de advertência, considera-se suficiente a prova da materialidade e apenas os indícios da autoria (Artigo 386, II do Código de Processo Penal).
xxviii
necessita de cautela na aplicação para não prejudicar a frequência escolar ou a
jornada de trabalho do jovem, no caso deste possuir uma profissão. Logo, a carga
horária máxima destinada à prestação do serviço à comunidade não deverá
ultrapassar oito horas semanais, poderá ser realizada em feriados e final de semana
e será acompanhada por um profissional de nível superior responsável pela
coordenação do serviço e por um orientador socioeducativo diretamente ligado ao
exercício da atividade realizada.
4- Liberdade assistida; Esta medida se destina aos jovens que aparentemente são
passíveis de recuperação em meio livre e que estão se iniciando no processo
infracional. Ela restringe o direito de liberdade, apesar de possibilitar seu
cumprimento no convívio social, junto à família e sob o controle sistemático do
juizado e da comunidade. Consiste no acompanhamento, auxílio e orientação ao
adolescente em liberdade por um período mínimo de seis meses, visando promover
sua inclusão social e familiar mediante construção de um novo projeto de vida
orientado por um técnico designado oficialmente pelo magistrado. Vale mencionar
que essa medida pode ser realizada na comunidade (Liberdade Assistida
Comunitária - LAC) ou em uma instituição específica (Liberdade Assistida
Institucional - LAI), mas em ambos os casos a vigília e orientação são
características preponderantes.
5- Regime de semiliberdade; Legalmente pode ser aplicado como tratamento tutelar
designado desde o início, como medida socioeducativa, pela autoridade; ou como
progressão de medida da internação à liberdade, sendo esta última mais frequente.
Essa medida não comporta prazo determinado, propicia a participação do jovem em
atividades externas no meio aberto, como: escolarização e relações de emprego e
estabelece vínculo do adolescente com uma instituição, pois no decorrer do dia, ele
desenvolve atividades em “liberdade” e retorna à instituição no período da noite.
6- Internação; Consiste na privação de liberdade e no controle de ir e vir do
adolescente, vinculando-o a um estabelecimento especializado, próprio para essa
finalidade, e exclusivo para adolescentes, observando os critérios de idade,
compleição física e gravidade da infração. Não comporta prazo determinado, mas
deve ser aplicada em um período mínimo de seis meses e máximo de três anos,
podendo ser reavaliada a cada seis meses mediante decisão fundamentada. É
xxix
norteada por três princípios básicos: o da brevidade, da excepcionalidade e do
respeito à condição peculiar da pessoa em desenvolvimento.
Faz-se necessário conhecer todas as medidas socioeducativas com suas características,
bem como perceber as situações em que elas se aplicam para facilitar a compreensão do
atual sistema de punição direcionado aos indivíduos menores de dezoito anos de idade.
Todavia, como este estudo focaliza o processo educativo das instituições de internação,
na percepção dos jovens cearenses em conflito com a lei, a pesquisa limita-se a discutir
a medida “internação”.
INSTITUIÇÕES SOCIOEDUCATIVAS
Até outubro de 2010, o estado do Ceará contava com doze unidades de atendimento
para jovens em conflito com a lei, quatro destas se situavam no interior do estado e oito
na capital, Fortaleza.
As cidades interioranas contavam apenas com instituições de semiliberdade que
atendiam jovens do sexo masculino ou feminino, com idades entre doze e vinte e um
anos, e tinham capacidade para receber o máximo de vinte e cinco infratores.
Denominadas de acordo com a natureza do atendimento e município em que se
localizam, intitulavam-se:
Unidade da Semiliberdade de Crateús;
Unidade da Semiliberdade de Juazeiro do Norte;
Unidade da Semiliberdade de Sobral; e
Unidade da Semiliberdade de Iguatu.
Não havia unidade de internação no interior logo, quando um jovem era sentenciado à
internação provisoriamente ou por tempo decidido pelo juiz, ele teria necessariamente
que ser transferido para uma unidade da capital por falta de instituições instaladas em
seu município de origem. Esse fato gerou diversos transtornos ao sistema, dentre os
quais podemos citar:
A superlotação das unidades de Fortaleza, ocasionando piora na qualidade do
atendimento;
xxx
O distanciamento do jovem de sua família, dificultando visitas e
acompanhamentos; e
Aumento na incidência de transtornos psicológicos ocasionadas pela
vulnerabilidade e carência dos jovens deslocados.
Em 2010, o Governo do Estado planejava inaugurar mais cinco unidades de
atendimento, sendo duas em Fortaleza, destinadas ao atendimento de internação e outra
de semiliberdade que seriam denominadas Canidezinho e Mártir Francisca. E outras três
unidades no interior, das quais duas iriam se localizar em Sobral, uma destinada ao
regime de internação e outra para internação provisória; e uma em Juazeiro, com regime
de internação, pois este município já conta com uma unidade de semiliberdade.
Também estão programadas duas reformas, uma na unidade provisória de Juazeiro e
outra em Fortaleza no Passaré.
A Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS) tem como objetivo realizar
novas construções de unidades de atendimento, a fim de descentralizar o atendimento
socioeducativo, possibilitando uma regionalização, para que os jovens possam
permanecer mais próximos de seu domicílio e “descongestionar” as instituições da
capital. Dessa maneira, as novas unidades de Sobral ficariam responsáveis pelo público
residente nesse município, na região da Zona Norte e na região dos Inhamuns; e as
unidades de Juazeiro atenderiam aos jovens daquele município, da região do Centro Sul
e do Cariri. Afinal, o ECA determina que o adolescente deva “permanecer internado na
mesma localidade ou naquela mais próxima ao domicílio de seus pais ou responsável”.
Em dezembro de 2010, as medidas mencionadas pela STDS começaram a ser
implementadas, pois foi inaugurada a instituição de internação de Juazeiro, mas os
demais centros mencionados, bem como as reformas, ainda não se concretizaram.
Fortaleza conta com oito instituições destinadas a atender jovens em conflito com a lei
que diferem quanto à natureza e público de atendimento:
1- Unidade de Recepção Luís Barros Montenegro (URLBM); atende jovens dos sexos
femininos e masculinos, no intervalo de doze a dezoito anos e possui caráter
transitório. Pois, o acusado de ato infracional permanece na instituição somente
xxxi
enquanto aguarda decisão da autoridade judiciária, num período máximo de 24
horas.
2- Centro Educacional Aldaci Barbosa Mota (CEABM); único no município que
atende o sexo feminino, recebendo garotas de doze a vinte e um anos, autoras de
ato infracional e encaminhadas por ordem judicial para cumprimento de medida
socioeducativa de internação ou semiliberdade.
3- Centro de Semiliberdade Mártir Francisca (CSMF); atende público masculino, com
idade entre doze e vinte e um anos, cumprindo medida socioeducativa de
semiliberdade, geralmente por progressão de medida.
4- Centro Educacional Dom Bosco (CEDB); atende garotos do sexo masculino, com
idade entre doze e quinze anos, cumprindo medida socioeducativa de internação
sanção ou internação.
5- Centro Educacional Patativa do Assaré (CEPA); atende jovens do sexo masculino,
com idade entre dezesseis e dezessete anos, cumprindo medida socioeducativa de
internação.
6- Centro Educacional Aluísio Lorscheider (CECAL); atende homens maiores de
idade, entre dezoito e vinte e um anos, que foram condenados a cumprir medida
socioeducativa de privação de liberdade quando ainda eram menores, sendo
transferidos do CEPA para o CECAL após completarem a maioridade (18 anos).
7- Centro Educacional São Miguel (CESM); atende jovens do sexo masculino, com
idade entre doze e dezoito anos, que cumprem medida socioeducativa de internação
provisória.
8- Centro Educacional São Francisco (CESF); atende a mesma clientela do CESM,
rapazes com idade entre doze e dezoito anos em regime de internação provisória.
2.3 A escolarização do adolescente infrator na legislação
O Capítulo IV do Estatuto da Criança e do adolescente (ECA) trata “Do Direito à
Educação, à Cultura, ao Esporte e ao Lazer”. Neste Capítulo, no Art. 53, afirma-se que
“A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento
xxxii
de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho”.
Nesse Capítulo, asseguram-se-lhes direitos a:
Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
Direito de ser respeitado por seus educadores;
Direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias
escolares superiores;
Direito de organização e participação em entidades estudantis;
Acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência.
Neste contexto, a legislação garante ao jovem infrator condições de continuar, ou
retomar, seus estudos para que possa desenvolver-se a fim de alcançar a fase adulta
inserido no fluxo social útil. Uma vez que esses direitos são estabelecidos legalmente, o
poder público passa a responder diante da sociedade pela execução dos serviços
correspondentes à garantia desses direitos, podendo ser cobrado pela sociedade civil,
caso negligencie sua responsabilidade.
O Art. 124 do ECA, mencionando os direitos ao conhecimento relativos a sua situação
processual inclui o direito de receber escolarização, profissionalização e de ter
condições dignas para a sua permanência no internato.
Art. 124. São direitos do adolescente privado de liberdade, entre outros, os seguintes:
XI - receber escolarização e profissionalização;
No texto do ECA, a função educativa é privilegiada no conjunto das práticas judiciais.
Preconiza que todas as medidas a serem aplicadas aos adolescentes infratores devem ter
por objetivo sua reeducação, visando ao “preparo para o exercício da cidadania e
qualificação para o trabalho”.
Dessa forma, os agentes das unidades de internação (assistente social, psicólogo,
educadores) tornam-se responsáveis pela aplicação das medidas socioeducativas e pela
avaliação de seus resultados. Assumem a função de controlar, gerenciar e avaliar a
aplicação das medidas informando ao juiz os progressos educacionais desenvolvidos.xxxiii
O texto do ECA serve para nortear o trabalho nas unidades de atendimento, visto que o
trabalho desenvolvido em tais unidades deve garantir os direitos nele garantidos,
incluindo a escolarização de adolescentes em regime de semiliberdade.
Com a publicação e a implementação de normas nacionais sobre o direito à educação,
exigiu-se das escolas públicas a abertura incondicional de matrícula para crianças e
adolescentes, o que significou a inclusão escolar de uma população infanto-juvenil com
perfil pessoal, social, cultural e econômico diversificado. Parte desse público é
constituída por crianças e adolescentes que evadem da sala de aula ou frequentam-na
com irregularidade, apresentam histórico escolar instável ou são rejeitados pela escola
por indisciplina ou deficiências graves na aprendizagem (PEREIRA, 2009). Entre estes,
os adolescentes dos programas socioeducativos em meio aberto, semiliberdade, ou
egressos de unidades de internação, figuram como o grupo que tem maior dificuldade de
aceitação e interesse por parte da escola.
O esforço interinstitucional busca garantir a cidadania de crianças e adolescentes em
conflito com a lei. Ministério Público, governo estadual e conselho tutelar devem
colaborar para atingir o “Direito à Educação” expresso no ECA Cap. 4. Trata-se de um
olhar multifocal na direção dos adolescentes que cumprem medidas socioeducativas de
internação ou de semiliberdade.
Esta ação interinstitucional representa o compromisso de garantir aos adolescentes
autores de atos infracionais o direito à educação, como determina o Estatuto da Criança
e do Adolescente (ECA), que prevê ainda a aplicação de “medidas protetivas sempre
que os direitos nele previstos forem ameaçados ou violados.” O promotor de Justiça
Evandro Santos de Jesus exemplificou: “Hoje, os adolescentes em cumprimento de
medida socioeducativa, quer estejam no regime aberto quer no fechado, enfrentam
dificuldades para estudar. Eles resistem a retomar aos estudos e às instituições
educacionais, chegam a alegar falta de vagas para estes jovens”. Tal situação ressalta o
desafio que se constitui inserir esses adolescentes, ou mesmo garantir a sua
permanência, no ambiente educacional. A despeito dos desafios impostos à garantia
desses direitos, as instituições têm o dever de oferecer tais direitos aos adolescentes:
xxxiv
Por se tratar de direito fundamental, com embasamento na Constituição Federal de
1988, a escolarização do adolescente infrator em cumprimento de medida
socioeducativa encontra respaldo no ECA, que determina ainda que as instituições
responsáveis pela execução da medida têm por obrigação adicional acompanhar o
processo de escolarização. No entanto, não é bastante que os operadores do direito
estejam engajados no projeto. Conforme afirma a promotora de Justiça Maria Pilar
Maquieira Menezes:
As escolas têm que adotar uma visão receptiva sobre esses jovens. É preciso, também, que sejam criados projetos pedagógicos específicos para que eles se sintam atraídos ao ambiente escolar, destacou a promotora, frisando que, dentre os jovens em cumprimento de medida socioeducativa, aqueles que estudam têm um nível de reincidência muito menor que o daqueles que não frequentam o ambiente escolar. (PINHEIRO, 2011, p.1)
A aprovação de leis que asseguram o direito à educação, da criança e do adolescente,
levou a uma interpretação equivocada do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
por parte de alguns operadores do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do
Adolescentes (SGDCA) e do Sistema de Ensino. A palavra ‘direito’ foi assimilada
como a ausência de responsabilidades e de deveres. Essa corrupção do entendimento fez
com que parte dos profissionais que atuam no espaço escolar destinado ao adolescente
infrator considerasse o direito da criança e do adolescente como o culpado pela
diminuição da autoridade do professor, causa de indisciplina e violência nas escolas.
Isto ajudou a gerar a alegação de indisponibilidade e de aceitação do adolescente na
escola.
A Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), promulgada em sete de dezembro de
1993, dispõe sobre a organização da Assistência Social, cria um tipo de seguridade
social não contributiva, para proteger a família, a maternidade, a infância, a
adolescência e a velhice, buscando a integração ao mercado de trabalho, habilitando e
reabilitando pessoas portadoras de necessidades especiais, promovendo-as no que
denomina de vida comunitária. Em seu Art.2º. reza:
A assistência social tem por objetivos:
II - o amparo às crianças e adolescentes carentes;xxxv
Em 20 de dezembro de 1996, foi aprovada a Lei No 9.394 – a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (LDB), que tem como princípios em seu artigo 3º.
Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a
arte e o saber;
III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas;
IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância;
V - coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
VII - valorização do profissional da educação escolar;
VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos
sistemas de ensino;
IX - garantia de padrão de qualidade;
X - valorização da experiência extra-escolar;
XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.
Destaca-se o inciso I que garante “igualdade de condições para o acesso e permanência
na escola”. O princípio não exclui quem está à margem do processo educacional
regular. Isto valida o acesso à educação formal em escola que lhe seja acessível, aos
adolescentes que cometem atos infracionais.
Outros artigos desta Lei privilegiam a questão do atendimento educacional ao
adolescente infrator, considerando que o mesmo está inserido na demanda educacional,
cabendo ao Estado, à família e à sociedade, proporcionar condições para que este
adolescente seja escolarizado. O Título III da LDB in verbis:
DO DIREITO À EDUCAÇÃO E DO DEVER DE EDUCAR
Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a
garantia de:
xxxvi
I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram
acesso na idade própria;
II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio;
De onde se entende que a obrigatoriedade do ensino fundamental e médio é dever do
Estado. No parágrafo 4º. impõe ao governante a obrigação de cumprir a Lei sob pena de
responder por “crime de responsabilidade”.
§ 4º Comprovada a negligência da autoridade competente para garantir o oferecimento
do ensino obrigatório, poderá ela ser imputada por crime de responsabilidade.
O Poder Judiciário, mais especificamente o Juiz da Infância e da Juventude, é o
legitimado maior para o exercício do poder em, e do dever de, garantir os direitos da
criança e do adolescente dentre os quais está o Direito à Educação. Assim, seja a oferta
de matrícula escassa ou irregular, situando-se o interesse por ela no campo individual,
difuso ou coletivo, o Poder Judiciário se torna o destinatário natural da reivindicação
desses direitos.
Embora a lei garanta escolarização aos adolescentes infratores, as unidades de
atendimento a esses jovens lidam com desafios pedagógicos. A trajetória escolar desses
jovens é marcada pelo conflito com professores, diretores e colegas. São comuns os
históricos de repetência, desistência e de repetidas tentativas de retorno à escola. Após
as “idas e vindas” ao espaço escolar, a opção muitas vezes é interromper os estudos.
A falta de contexto familiar, escolar, de trabalho e de outros espaços sociais salutares
(comunidade religiosa), etc, com regras e normas sociais rígidas, possibilitou ao
adolescente processos de desterritorializações (saída dos espaços institucionais, falta
de convivência em um núcleo de experiências comuns a um grupo) e novas
reterritorializações em outros microterritórios, que podem ter descortinado a vida em
aventuras, fortes emoções, liberdade e gerenciamento do próprio tempo, com o
estabelecimento de regras pessoais próprias, além de normas e relações sociais
peculiares a esses territórios.
xxxvii
Além disso, a instituição lida com graves deficiências estruturais: a ausência de salas de
aulas adequadas, de bibliotecas e de materiais didáticos, bem como projetos de
capacitação e formação continuada dos professores, em relação ao emprego de
metodologia de ensino adequada ao público tão específico, de projetos e propostas
escolares para os jovens em privação de liberdade.
Pode-se entender que, entre continuar em espaços de tensões e conflitos ou constituir
novas formas de sociabilidade e experiências em outros espaços exteriores à escola, os
adolescentes optaram em aventurar-se em outros microterritórios (a rua, o grupo de
dependentes químicos, o grupo de delinquentes, etc).
Para os adolescentes autores de atos infracionais, a escola, aos poucos, perdeu a sua
importância e atratividade e se transformou em uma atividade igual a outras, sem
importância para o adolescente infrator. Com a inserção em outros microterritórios, a
escola deixa de ser vista como possibilidade de presença no mundo para além da
família. A incursão em outros espaços contribuiu para a constituição de novos laços de
amizade e companheirismo, a criação de novos grupos sociais, constituindo novos
contextos de sociabilidade.
Neste contexto, a escolarização assume nova dimensão, como parte do cumprimento de
uma medida jurídica. A escola passa a utilizar, obrigatoriamente, mecanismos e
dispositivos para fazer com que os adolescentes permaneçam nas salas de aulas, com a
obrigatoriedade de estudar e a vigilância constante a que estão submetidos.
Além dos pais ou do responsável, a principal instituição legitimada para a tomada das
providências de natureza judicial em defesa do Direito à Educação da criança e do
adolescente é, sem dúvida, o Ministério Público. Estão legitimados igualmente a União,
os Estados, os Municípios, o Distrito Federal, os Territórios e as associações legalmente
constituídas que tenham em seus objetivos institucionais a defesa dos interesses e
direitos da criança e do adolescente. O instrumento legal utilizado na exigibilidade dos
direitos é a ação civil pública, nos termos exarados pelo Art. 208 e seguintes do Estatuto
da Criança e do Adolescente. A possibilidade de ação legal reclamando o não
oferecimento, ou a oferta insuficiente da educação escolar, de fato não constitui solução
xxxviii
para as demandas sociais do problema “adolescente infrator”. No entanto, a sociedade
passa a contar com significativo instrumento de coerção, que acionado pode impulsionar
mudanças necessárias e desejadas na aplicação das medidas socioeducativas de
ressocialização do adolescente. A legislação brasileira pode contribuir para a mudança
da mentalidade na sociedade, habituada a se omitir diante das injustiças de que são
vítimas as crianças e adolescentes.
2.4 METODOLOGIA DA INVESTIGAÇÃO
Tipo de Estudo
Este estudo é exploratório, descritivo e de natureza qualitativa. A escolha da abordagem
qualitativa “partilha a premissa epistêmica de que o conhecimento é produzido numa
interação dinâmica entre o sujeito e objeto do conhecimento e que há um vínculo
indissociável entre o mundo objetivo e (inter)subjetivo dos sujeitos” (DESLANDES,
2002, p. 199).
A metodologia adotada na investigação possibilitou uma abordagem qualitativa,
do campo de estudo (MINAYO, 2003), uma vez que se adotou como procedimentos de
investigação o estudo bibliográfico acerca da temática; questionários, entrevistas e
diário de campo permitindo observar e analisar minuciosamente a educação formal
ministrada na instituição socioeducativa pesquisada, a partir da escuta das percepções
não apenas da diretora, mas de vários membros envolvidos no processo da educação
formal. Além disso, de acordo com André e Lüdke (1986, p. 03) “como atividade
humana e social, a pesquisa traz consigo, inevitavelmente, a carga de valores,
preferências, interesses e princípios que orientam o pesquisador”.
Minayo (2005, p.27), quando escreve acerca da abordagem qualitativa, confirma a ideia
supracitada relatando:
Embora apresentadas de várias formas, as abordagens qualitativas têm características comuns. Em primeiro lugar, referem-se à necessidade de levar em conta a participação e as percepções dos sujeitos envolvidos na criação e na implementação dos programas
xxxix
sociais. Em segundo lugar, consideram as relações e as percepções como parte fundamental dos eixos e limites das ações [...].
No tocante ao critério de classificação, proposto por Vergara (2003), a presente pesquisa
pode ser classificada, quanto aos fins, como estudo de caso, uma vez que fica
circunscrita à análise dos canais participativos introduzidos pelos sujeitos do estudo,
jovens em regime de semiliberdade.
É oportuno salientar que o estudo teve início com a pesquisa bibliográfica de livros,
teses, dissertações e artigos publicados em revistas ou periódicos que tratassem da
temática para que, de posse dos trabalhos previamente desenvolvidos, houvesse uma
seleção de produções científicas nacionais e internacionais relevantes para fundamentar
esse estudo.
Local da Pesquisa
Para o desenvolvimento da pesquisa, optou-se pela escolha de uma instituição, sob
administração do governo do Estado do Ceará, localizada no município de Fortaleza-
CE, única que trabalha com semiliberdade na referida cidade. Motivo este que justifica
a opção pelo Centro de Semiliberdade Mártir Francisca.
Dessa maneira, o cenário da realização da pesquisa de campo foi o Centro de
Semiliberdade Mártir Francisca (CSMF), localizado na Rua Papi Junior, nº 1717, Bairro
Bela Vista, em Fortaleza-CE. Uma Instituição Governamental que atende adolescentes e
jovens, do sexo masculino, com faixa etária entre doze e vinte e um anos incompletos,
autores de atos infracionais, em cumprimento de medida socioeducativa de
semiliberdade, prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (Cap. IV, Seção VI,
Art. 120); encaminhados por ordem judicial das Comarcas de Fortaleza e do interior do
Estado.
O CSMF é uma unidade masculina com capacidade para quarenta adolescentes, que em
sua grande maioria estão no regime de semiliberdade como progressão de medida.
Participantes
Participaram da pesquisa oito jovens, do sexo masculino, que cumpriam medida de
semiliberdade no CSMF. A escolha dos participantes foi aleatória, ficando excluídos da
xl
pesquisa aqueles que não concordassem em participar voluntariamente ou não possuísse
escolaridade mínima para responder o questionário, mas não houve entre os escolhidos
nenhum desses casos. Os adolescentes apresentavam idades variando entre quinze e
dezoito anos, com média de idade de dezesseis anos e nove meses (Tabela 1).
Tabela 01 – Idade dos adolescentes
Idade Quantidade de jovens
15 anos 1
16 anos 2
17 anos 3
18 anos 2
Fonte: Ficha de registro do CSMF
Vale salientar que dentre os adolescentes não havia nenhum com necessidade
educacional especial diagnosticada.
Coleta de Dados
Os dados da pesquisa foram coletados no intervalo de agosto de 2011 a março de 2012,
por intermédio da observação sistemática registrada em diário de campo, do
questionário aberto (apêndice A) aplicado aos jovens sujeitos da pesquisa e da entrevista
temática com a direção.
Análise dos dados
As respostas das cinco perguntas abertas do questionário foram processadas mediante
“Análise de Conteúdo”, segundo Bardin (2002), para a identificação dos temas
principais.
Bardin (2002) explica que análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de análise de
comunicação que visa obter, mediante procedimentos sistemáticos e objetivos de
xli
descrição do conteúdo das mensagens, indicadores que permitam inferências de
conhecimentos relativos às condições de produção e recepção destas mensagens. Logo:
Classificar os elementos em categorias impõe investigação do que cada um deles tem em comum com os outros. O que vai permitir o seu agrupamento é a parte comum existente entre eles. A categorização é comum em nossa vida (p. 118).
De acordo com esse referencial, os dados foram estruturados de maneira organizada
para viabilizar uma análise mais consistente, sem perder a visão do todo, possibilitando
conclusões baseadas na subjetividade de cada adolescente.
Nesse sentido, as respostas foram assim agrupadas:
1º Juntar todas as respostas iguais;
2º Agrupar as respostas que, mesmo não sendo iguais, continham evidente
semelhança;
3º Dividir as respostas em dois grandes grupos: 1- relacionadas à satisfação com
a educação formal, 2- relacionadas à insatisfação com a educação formal;
4º Agrupar, finalmente, as respostas em categorias definidas pela frequência com
que apareciam os tipos de resposta.
Posteriormente, realizou-se uma triangulação metodológica com as informações
oriundas do diário de campo, dos questionários e da entrevista visando compreender as
possíveis congruências e divergências emergidas no tocante a educação formal no
CSMF.
Aspectos Éticos
Antes do início da coleta de dados, os objetivos da pesquisa foram explicitados para a
direção, coordenação e alunos, esclarecendo que a participação seria voluntária e que o
sigilo seria assegurado quanto às identidades dos adolescentes.
xlii
Posteriormente, foram apresentados os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido
(Apêndice C), que foram assinados pelos adolescentes. Os adolescentes foram
orientados que sua participação ou recusa não produziria perda ou ganho diante da
instituição.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO: O PROCESSO EDUCATIVO NO CENTRO DE SEMILIBERDADE MÁRTIR FRANCISCA
3.1 LOCUS DA PESQUISA: CENTRO DE SEMILIBERDADE MÁRTIR FRANCISCA
O CSMF compõe a Célula de Medidas Socioeducativas que está diretamente vinculada
à Coordenadoria de Proteção Social Especial da Secretaria do Trabalho e
Desenvolvimento Social (STDS). Esta Secretaria coordena todas as ações da área social
no Estado do Ceará, objetivando desenvolver e coordenar a política de assistência
social, através de duas linhas de atuação: proteção social básica e proteção social
especial.
São integrados à STDS, dentro da proteção social especial, abrigos e centros
educacionais (unidades educacionais que se destinam a manter jovens cuja liberdade
esteja sob restrição parcial ou total, em razão do cometimento de atos infracionais).
Existem oito centros educacionais em Fortaleza. Entre eles está o Centro de
Semiliberdade Mártir Francisca, único na cidade, destinado a atender em regime de
semiliberdade, que pode ser determinado desde o início como medida socioeducativa
determinada em decorrência do cometimento de ato infracional, ou como forma de
transição do regime de internação para o meio aberto, sendo possibilitada a realização
de atividades externas, independente de autorização do juiz (ECA, cap. IV, Seção VI,
art. 120).
Além desses oito centros, existe a Unidade de Recepção Luís Barros Montenegro, uma
espécie de centro de triagem, onde o adolescente permanece inserido, encaminhado pela
xliii
Delegacia da Criança e do Adolescente, até que sua medida socioeducativa seja
estabelecida, dentro do prazo de um dia.
Dos oito centros educacionais existentes em Fortaleza, apenas um é destinado ao
cumprimento de medidas socioeducativas para jovens do sexo feminino,
compreendendo os regimes de internação provisória, semiliberdade e internação (Centro
Educacional Aldaci Barbosa Mota). Os demais são para o atendimento de jovens do
sexo masculino, sendo dois para o regime de internação provisória (Centro Educacional
São Miguel e Centro Educacional São Francisco), um para internação sanção e
internação (Centro Educacional Dom Bosco), dois para o regime de internação (Centro
Educacional Patativa do Assaré e Centro Educacional Cardeal Aloísio Loscheider) e,
como dito, um para o regime de semiliberdade. O Ceará possui cinco Centros de
Semiliberdade Regionais que se localizam em Fortaleza, Sobral, Crateús, Iguatu e
Juazeiro do Norte.
O CSMF foi inaugurado no dia 31 de julho de 2001, tendo como sede uma estrutura
alugada, uma antiga clínica para idosos, localizada na Avenida Washington Soares, em
Messejana. Anteriormente, no período de julho de 1990 a julho de 2001, o cumprimento
de medida de semiliberdade, juntamente com a medida provisória e de internação, eram
cumpridas no Centro Educacional Dom Bosco. Atualmente, o CSMF está instalado,
desde fevereiro de 2009, em um prédio alugado, onde funcionava o antigo Colégio La
Salet, localizado na Rua Papi Junior, nº 1717, Bairro Bela Vista, em Fortaleza-CE.
Esse Centro foi inaugurado com a pretensão de modificar a metodologia até então
utilizada pelo regime de semiliberdade executado em Fortaleza. A priori seu
funcionamento contrariava demasiadamente os preceitos do ECA, uma vez que não era
permitido aos jovens passar os fins de semana em casa, pouco ou quase nunca
frequentavam os equipamentos sociais comunitários e não eram envolvidos em uma
proposta pedagógica consistente. Uma vez que o objetivo primordial deveria ser
oportunizar ao jovem a retomada do convívio sócio- familiar e comunitário, com
responsabilidades e consciência de suas ações e a elaboração de um novo projeto de
vida, através do acompanhamento interdisciplinar do jovem e sua família, pautando-se
pelo referencial teórico do protagonismo juvenil e da pedagogia da presença; seguindo,
os dispositivos constitucionais, o Estatuto da Criança e do Adolescente e os
xliv
pressupostos pedagógicos do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
(SINASE).
Dessa maneira, o CSMF passou a possibilitar aos socioeducandos educação formal,
sala de reforço escolar, oficinas de iniciação profissional (textura e serigrafia) e
atendimento e acompanhamento multidisciplinar visando oportunizar aos adolescentes a
construção de novas atitudes e conhecimentos a partir de uma vivência cidadã.
Os socioeducandos vinculados a referida instituição, também, possuem a possibilidade
de realizar atividades externas, independentemente de autorização judicial (Art. 120,
ECA), podendo, assim, estudar em escolas da comunidade, participar de cursos
profissionalizantes, trabalhar mediante registro na Carteira de Trabalho e Previdência
Social, usufruir de atendimentos ofertados por equipamentos sociais comunitários, bem
como gozam do direito de passar os finais de semana junto à família.
Quanto à estrutura física, o Centro é composto pelo térreo (onde funciona a secretaria),
a sala dos policiais, o refeitório, a cozinha, a monitoria, o banheiro dos jovens, a
gerência, uma pequena lavanderia, uma quadra poliesportiva coberta, uma área de
convivência, uma sala com banheiro para os funcionários de serviços gerais e as
cozinheiras, uma sala onde ficam guardados os quadros produzidos pelos
socioeducandos e uma sala de TV. No primeiro andar é instalada a direção, a equipe
técnica (Serviço Social, Psicologia, Setor Jurídico e Pedagogia), três salas de aulas, duas
salas para a realização de oficinas (textura e serigrafia) e um auditório.
3.2 O CORPO PROFISSIONAL
Com relação à estrutura organizacional tem-se: a direção da unidade ocupada por uma
servidora pública com formação acadêmica em Serviço Social; a equipe técnica
composta por profissionais do Serviço Social, da Pedagogia, da Psicologia e do Direito.
Há, também, a equipe de administração que é composta por um gerente e uma agente
administrativa; a equipe gerencial de apoio, formada por cinco cozinheiras, quatro
profissionais de serviços gerais, dois porteiros e um motorista; e a equipe de educadores
sociais composta por trinta e cinco profissionais, responsáveis pelo acompanhamento
xlv
das atividades realizadas pelos jovens no interior da Unidade e, quando necessário, nas
atividades externas.
O Serviço Social, existente desde a inauguração, atua no sentido de fortalecer os
vínculos familiares fragilizados ou resgatá-los, buscando a participação efetiva da
família na vida institucional através de atendimentos e encontros realizados na Unidade
com o intuito de preparar a família para receber o adolescente quando for liberado e
propiciar a este condições de gozar sua liberdade irrestrita com responsabilidade. Assim,
na realização dos atendimentos e acompanhamentos aos adolescentes, tenta-se
proporcionar aos socioeducandos uma reflexão crítica sobre os atos ilícitos cometidos e
uma ressignificação de valores, para que seja elaborado um novo projeto de vida.
O setor pedagógico é formado por uma pedagoga, dois instrutores de ofícios e
professoras contratadas por instituições terceirizadas para a realização das oficinas,
textura e serigrafia, e pela educação formal dos jovens, respectivamente.
O setor de psicologia é composto por uma psicóloga e uma estagiária universitária.
Responsável pelo acompanhamento psicológico individual do adolescente.
O setor jurídico é composto de uma advogada e uma assistente jurídica. Responsável
pelo esclarecimento acerca do delito cometido pelo adolescente e do agendamento das
audiências que serão cumpridas pelo adolescente.
De acordo com o Art.12 do SINASE (2012): “A composição da equipe técnica do
programa de atendimento deverá ser interdisciplinar, compreendendo, no mínimo,
profissionais das áreas de saúde, educação e assistência social, de acordo com as normas
de referência”. O CSMF conta com o trabalho de uma técnica em enfermagem que se
responsabiliza pelo controle de medicamentos, agendamento de consultas médicas e
acompanhamento do adolescente à consulta médica.
3.3 A PROPOSTA INSTITUCIONAL
Os procedimentos realizados quando o adolescente ingressa à unidade são:
1º - Recepcionar o jovem pela direção, quando se explica como será a execução da
medida, os seus direitos e as normas institucionais; xlvi
2º - Encaminhar o jovem ao Serviço Social para ser realizada a acolhida, um primeiro
contato, com a captação de alguns dados pertinentes acerca da história de vida e
posteriormente poder efetivar contato com os familiares, a fim de dar ciência do local
em que se encontra o jovem e repassar todas as informações necessárias.
3º - Realizar o atendimento no setor pedagógico, onde é feita uma sondagem de
conhecimentos e habilidades, para serem definidos os aspectos relacionados ao ensino
formal e às atividades pedagógicas não formais como: o ano que deverá cursar, se deve
ser matriculado em colégio da comunidade e a oficina na qual pode ser engajado;
4º - Comunicar ao setor de Psicologia sobre o ingresso do jovem para que esse agende
atendimento personalizado no decorrer da semana;
5º - Encaminhar ao setor Jurídico o processo referente ao jovem, bem como sua
documentação, quando se faz necessário, para o devido acompanhamento legal.
Em 2009, foi estabelecido que o socioeducando tivesse o direito de passar o final de
semana em casa de quinze em quinze dias. Esse tempo foi imposto sob a afirmação da
necessidade do jovem construir um vínculo institucional para que pudesse retornar à
unidade após o fim de semana, sem perder a referência e contato familiar. Havia, ainda,
uma diferenciação no referido direito em relação aos jovens advindos da progressão de
medida e os que estavam cumprindo a primeira medida. No primeiro caso, regime de
progressão, os jovens poderiam gozar do direito de desfrutar um final de semana com a
família após quinze dias de ingresso na unidade, e no segundo caso, primeira medida,
essa concessão seria somente após trinta dias de permanência na instituição. Vale
mencionar ainda que tais critérios não constam em nenhum instrumento normativo, pois
inexistem documentos regulamentadores do funcionamento da Unidade de
Semiliberdade, ficando as regras a critério do gestor.
Desse modo, somente a partir de setembro de 2009, fica garantido aos socioeducando o
direito de passar os finais de semana com a família, desde que não desrespeitem as
regras institucionais. Caso isso ocorra, ele pode sofrer como sanção a perda do final de
semana com a família. Essa dinâmica efetivou-se motivada por conflitos que ocorreram
dentro da unidade entre os socioeducandos e por reclamações da vizinhança sobre o
xlvii
descumprimento da medida pelos adolescentes que pulavam o muro da instituição
adentrando nas dependências das residências vizinhas, gerando medo e insegurança.
Os cursos profissionalizantes externos à Unidade que os socioeducandos podem ser
engajados são realizados em parceria com alguns projetos da STDS, como o Projeto
Transformando Vidas, Primeiro Passo e com outras entidades, como o Centro de Ensino
Tecnológico (CENTEC) da cidade de Maracanaú.
No entanto, enfrentam-se dificuldades em engajar os jovens nos cursos
profissionalizantes para aumentar suas chances de inserção no mercado de trabalho, pois
além do reduzido número de cursos e de vagas que visem à iniciação profissional,
depara-se com a baixa escolaridade dos socioeducandos; pois pré-requisitos básicos são
exigidos, como: ler e escrever, cursar a partir do 9º ano do ensino fundamental, dentre
outros. E são poucos os jovens que atendem a esse perfil. Entretanto, a Unidade sempre
tenta engajar o maior número de jovens nas turmas de iniciação profissional, solicitando
um maior número de vagas para eles.
Tanto a Constituição Federal quanto o ECA definem o direito à convivência familiar e
comunitária como sendo um direito fundamental de crianças e adolescentes, ao lado do
direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade; colocando tais questões com prioridade
absoluta e devendo ser assegurado pela família, sociedade em geral e o poder público
(Constituição Federal de 1988, artigo 227, e ECA, art. 4º).
É relevante ressaltar, por fim, que o modelo de gestão desenvolvido pelo CSMF foi
elaborado por critérios definidos a partir do entendimento da gestão, pois não há
documentos oficiais específicos que versem acerca da regulamentação do
funcionamento de uma unidade de semiliberdade. Por esse motivo foi elaborado um
regimento interno em julho de 2001 que nunca foi revisto desde a inauguração da
Unidade, apesar da realização de inúmeras mudanças organizacionais.
xlviii
3.4 O PROCESSO EDUCATIVO DE ADOLESCENTES NA CONCEPÇÃO DOS PESQUISADOS
3.4.1 Respostas do questionário
Após a explicação acerca dos objetivos da pesquisa e assinatura do termo de
consentimento livre esclarecido, foi realizada a distribuição do instrumento de coleta de
dados da pesquisa, o questionário, aos adolescentes, com o objetivo de analisar suas
percepções acerca do processo educativo de que fazem parte.
As respostas dos adolescentes foram agrupadas em categorias: interrupção na
escolarização, importância dos estudos, falta de estímulo para com a escolarização,
ensino regular e Educação de Jovens e adultos (EJA).
Pode constatar a partir das respostas que:
A totalidade dos adolescentes (100%) afirmou que já haviam interrompido os
estudos. Em média um ano e nove meses de tempo fora da escola regular;
Todos os adolescentes (100%) relataram que a escolarização é importante para
suas vidas, demonstrando reconhecimento da relevância de obter o
conhecimento formal;
Grande parte dos adolescentes (85%) expressou algum tipo de aversão às
atividades escolares, caracterizada pela falta de estímulo: “não gosto de fazer
muito dever”, “não gosto de acordar muito cedo”, “não gosto de ficar na sala de
aula o tempo todo”, “não gosto de muita regra”, “não gosto de ler em voz alta”;
A escolaridade dos adolescentes situa-se entre o 7º e o 9º ano, com apenas um
adolescente ainda no 5º ano;
Metade dos adolescentes pesquisados (50%) é favorável ao ensino na
modalidade EJA, mas parte considerável (37,5%) acredita que a escola regular é
a melhor opção para o bom aprendizado. O restante (12,5) afirmou que a
modalidade EJA é a melhor opção para eles, com a ressalva de que “o aluno não
aprende nada”;
Optou-se por expressar com gráfico a porcentagem de satisfação versus insatisfação dos
adolescentes com o processo educativo que lhes é oferecido visando facilitar a
xlix
compreensão do leitor (Gráfico 1);
Gráfico 1 – Percentual de satisfação e insatisfação com relação ao processo educativo.
Fonte: Questionário
A maioria dos jovens entrevistados relatou estar insatisfeito com seu processo
educativo. Com efeito, é mister perceber que os jovens apresentam distorção entre idade
e série ideal decorrente da interrupção nos estudos e repetência, logo, sua escolarização
no sistema regular de ensino encontra-se comprometida, restando como única opção o
sistema EJA.
Essa distorção idade versus série em curso dos adolescentes pesquisados pode ser mais
bem analisada através da comparação entre o perfil de um aluno na faixa etária regular
(sem interrupção de estudos e sem repetição) e os jovens entrevistados (gráfico 2).
Gráfico 2 – Comparativo para distorção idade versus série escolar.
l
Legenda1 Satisfeitos 12%2 - Insatisfeitos 88%
Idad
e (a
nos)
Série 5º. ano 6º. ano 7º. ano 8º. ano 9º. ano
Aluno na faixa etária média
Adolescente do CSMF
Fonte: questionário
A partir do gráfico acima pode-se perceber que os jovens participantes do estudo estão
atrasados nos estudos quando comparados aos alunos que não reprovaram alguma série
escolar ou pararam os estudos. O que pode ter acarretado maior insatisfação com o
processo educativo.
Salienta-se, também, que mesmo não havendo no questionário itens específicos para
mensurar o nível real de escolarização, por não constituir o foco principal da pesquisa,
foi possível perceber, através das respostas abertas, que capacidade de escrita dos
adolescentes é muito comprometida. Observa-se expressão de pensamentos pobre,
quase sem estrutura lógica, com poucas palavras e com muitos erros de grafia.
3.4.2 A visão dos adolescentes acerca da educação formal
Na concepção dos adolescentes atendidos pelo CSMF, o processo educativo a que estão
submetidos, carece de muitas melhorias. Estudar é importante, admitem, mas não
entendem bem os processos a que têm de atender em ambiente escolar. Horários de
aula, disciplina, concentração, exigências, autoridade institucional, regras de
convivência, são elementos com que têm de conviver e aceitar, e que deixa transparecer
em relatos não fazer parte do mundo ao qual estão habituados. Estão mais dispostos à li
atividade física praticada nos esportes (futebol de salão) e à atividade profissional
desenvolvida nas oficinas de serigrafia e pintura do que as aulas formais. A atividade
intelectual parece ser enfadonha e desestimulante, de forma que pensam sempre em
abandonar a escola. Admitem a importância da escolarização e do conhecimento formal
como um alvo que todos devem buscar, mas consideram um caminho muito difícil de
ser percorrido porque uma carreira de estudos consome muito tempo, que poderia ser
utilizado de forma mais gratificante.
3.4.3 A visão dos educadores
Os educadores, professores e pedagogos, que trabalham no CSMF lidam com muita
dificuldade ao aplicar os métodos de ensino em sua rotina de trabalho. A dificuldade
principal está em lidar com um aluno que não se enquadra em um percurso pedagógico
planejado, com início, meio e fim, previstos.
A temporariedade do aluno, às vezes com pouquíssimo tempo de permanência na
Unidade, faz do processo ensino-aprendizado uma tarefa, muitas vezes, improvisada. A
interrupção de estudos a que os adolescentes vêm sendo submetidos regularmente, faz
do adolescente um estudante irregular que não consegue ter um aprendizado
cumulativo. Dessa forma, o professor está sempre retomando o caminho inicial do
aprendizado, revendo fundamentos básicos, para que o estudante siga um rumo
posterior de apreensão do conhecimento.
A retenção do conhecimento por parte do aluno é muito prejudicada pelos períodos de
interrupção dos estudos. Esta pausa é considerada pelos profissionais a responsável pela
demolição do que é construído a cada período de permanência na escola. Os professores
relatam que estão andando em círculo sem avançar no aprendizado de conceitos mais
complexos; que os adolescentes estão sempre (re)iniciando os estudos. Em adição, a
formação dos professores não inclui o treinamento para o magistério no ensino
fundamental II ( do 6º ao 9º ano), principalmente em situação tão peculiar como a de
ministrar aulas para jovens que cumprem medida socioeducativa de semiliberdade. Em
lii
sua totalidade, os professores são formados em cursos de licenciatura, que preparam
apenas para a educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental (até o 5º ano).
Não seria inoportuno mencionar ainda que os professores lidam com questões
trabalhistas que os tornam também temporários em sua função. Há os estagiários, os que
não têm definida sua permanência na instituição e, por isso, não possuem vínculo com a
instituição e compromisso como a árdua tarefa de planejar o ensino que deveria
impulsionar um progresso no processo educativo em relação às diversas nuance em que
estão inseridos os jovens em conflito com a lei. Há professores que já estão concluindo
sua permanência na instituição, o que gera desmotivação e consequente procura de
trabalho em outro lugar.
Simão de Miranda, educador e psicólogo, acredita que um dos principais geradores de
desestímulo nos alunos é a falta de motivação no próprio professor:
É uma cadeia. O professor desmotivado não se mobiliza para encontrar iniciativas criativas e inovadoras dentro do contexto da Educação. Ele espera que as soluções para suas aulas apareçam prontas, como num toque de mágica, ou venham de autoridades públicas, sendo que também cabe ao professor buscar novos recursos pedagógicos e metodologias que estimulem seus alunos em seus aprendizados (MIRANDA, 2005, p.1).
Há necessidade de trabalhar também a motivação e o envolvimento do grupo do
magistério. Percebe-se a necessidade de treinamento para os profissionais e de
valorização do trabalhador da educação, incluindo ganho salarial, reconhecimento por
parte do governo e melhores condições de trabalho.
O processo educativo carece de propriedade organizacional. Cada professor age como
peça independente dos demais órgãos que compõem o processo. Não se percebe a
interdependência entre as ações dos vários setores educativos: magistério, pedagogia,
família. Falta um elemento aglutinador dessa granularidade para formar um corpo. Na
falta de força concentradora cada um procede dentro de sua concepção. Alguns
percebem que esta escola é diferente, mas não têm ideia do que fazer na sua rotina
escolar para se adequar a essa situação peculiar.
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Somando-se a todas essas questões, foi constatado que não há projeto pedagógico, pois
não foi observada a existência de um documento com o projeto, cada professor baseia-
se no que considerava pertinente, segundo experiência particular e pessoal, para
desenvolver seu trabalho, e afirmaram nunca ter tido acesso a qualquer documento para
nortear suas ações educativas, ou terem participado de qualquer capacitação para
ministrar aulas nas condições peculiares em que trabalham.
REFLEXÕES FINAIS
O processo educativo do adolescente que cumpre medida de semiliberdade em
Fortaleza-CE, no Centro de Semiliberdade Mártir Francisca (CSMF), carece de
melhoras em sua estrutura devido ao fato de que o projeto pedagógico não atende aos
objetivos registrados no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A instalação
física da unidade requer melhoras, o corpo de professores é formado por profissionais
com licenciatura, ao passo que, o que se requer para este caso são professores de ensino
básico. A respeito disso, vale ressaltar que a escolarização garantida por lei deve ser
dada em escola regular do estado e não na unidade CSMF.
Em face da dinâmica do capitalismo que se insere na sociedade brasileira, a escola deve
se ajustar para preparar os jovens a fim de desenvolver a criticidade para que entendam
essa dinâmica, e que venham a ser dotados das ferramentas intelectuais necessárias ao
enfrentamento diário da manipulação midiática pelo consumo desenfreado. Para que os
jovens em conflito com a lei possam vir a ter uma vida útil e produtiva, e que deixem o
mundo particular que gira muitas vezes somente em torno de suas necessidades
individuais e reconheçam a relevância da vida em comunidade de maneira respeitosa e
harmônica.
O ser humano precisa se sentir livre para ser educado. E a situação de semiliberdade cria
um tipo novo de atividade e rotina escolar. Um quadro de dificuldade específico se
liv
apresenta principalmente porque o adolescente não tem um tempo de permanência
suficiente na instituição, de modo que se possa planejar seu curso educacional em séries
de estudos. Devido a regimes de progressão da sentença, a qualquer momento o jovem
pode deixar a instituição. Outra dificuldade é a qualificação adequada dos profissionais
envolvidos no processo socioeducativo: a rede de atendimento especializado,
promotoria, juizado da infância e da juventude, conselhos tutelares, agentes de
programas governamentais de apoio e assistência, educador social, professores e
pedagogos.
Em termos de projeto pedagógico, não foi observada a existência de um documento,
logo, cada professor baseia-se no empirismo, segundo a experiência própria para
elaborar aulas. Falta uma ação conscientizadora por parte de um órgão central, do
governo ou da sociedade, que direcione e capacite a ação dos envolvidos no processo
educativo: professores, técnicos administrativos e pessoal de serviços, para que junto às
famílias possam empreender as ações preconizadas para a ressocialização do
adolescente em situação de conflito com alei. O trabalho junto às famílias é pouco
efetivado e extremamente superficial. Foram observadas tentativas tímidas de
aproximação entre esses dois grupos, sem notáveis resultados.
A insatisfação dos adolescentes com a escola é clara. Não faz parte de seus planos
escolarizarem-se, seguir o caminho incerto, longo e árduo do progresso mediante a
educação formal. O imediatismo é evidente e gera a impaciência, não se percebe
interesse no curso dos nove anos do ensino fundamental, mais três do ensino médio,
afora a educação tão longínqua educação superior.
A escola deveria ser específica para esse aluno em situação peculiar: com objetivos,
metodologias, ambientes e didáticas apropriadas. Bem como com professores treinados
para o trabalho com esse público peculiar. Diante desses desafios, a comunidade
pedagógica, muitas vezes se encontra estática, à espera que algo transformador aconteça
na esfera governamental. A implantação de um projeto pedagógico aplicável e eficiente
parte de dentro de cada escola, de suas necessidades eminentes.
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A comunidade de professores age de forma individualizada. A falta de uniformidade
pedagógica resulta na não disseminação dos bons resultados. Cada profissional aplica o
que sua experiência e bom senso indicam. Não há treinamento para os profissionais,
nem fóruns de discussão, nem avaliação da qualidade das aulas, nem acompanhamento
dos egressos da Unidade e isso resulta no retorno dos jovens que incidem na violação da
semiliberdade ou cometem outros atos infracionais.
lvi
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TORRES, Carlos Alberto. Diálogo com Paulo Freire. São Paulo: editora Loyola, 2003.
ANEXO A
QUESTIONÁRIO
NOME:_______________________________________________________________________
IDADE: __________ ESCOLARIDADE: _________________________________
01. VOCÊ JÁ INTERROMPEU OS ESTUDOS ALGUMA VEZ? CASO AFIRMATIVO INFORME O TEMPO AFASTADO.
_______________________________________________________________________
02. O QUE VOCÊ ACHA DA EDUCAÇÃO ESCOLAR NO CSMF?
_____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
03. O QUE VOCÊ ACHA DO ENSINO MODALIDADE EJA QUANDO COMPARADO AO ENSINO REGULAR?
_____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
04. APONTE O QUE VOCÊ GOSTA E O QUE VOCÊ NÃO GOSTA NA ESCOLARIZAÇÃO.
____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
ANEXO B
IMAGENS DO CENTRO DE SEMILIBERDADE MÁRTIR FRANCISCA
ANEXO C
Foto 2 – Exposição de quadros pintados por adolescentes do CSMF.
Foto 1 - Adolescentes do CSMF participando em atividade comunitária.
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Você está sendo convidado a participar de uma pesquisa sobre o processo
educativo de adolescentes que cumprem medida de semiliberdade. Os participantes da
pesquisa estão sendo escolhidos aleatoriamente. A qualquer momento você pode desistir
de participar e retirar o seu consentimento. Sua recusa não interferirá no
acompanhamento da instituição.
O objetivo da pesquisa é realizar um estudo avaliativo do processo educativo de
adolescentes que cumprem medida de semiliberdade no CSMF. A participação nesta
pesquisa será de responder algumas questões que serão solicitadas pelo entrevistador.
Não existindo riscos relacionados à participação de vocês e sim benefícios,
contribuindo assim para um aprendizado e reflexão sobre o tema. As informações
obtidas nestas entrevistas serão utilizadas apenas para atender os objetivos da pesquisa,
e a sua identidade será mantida em sigilo. Será usado um nome fictício para divulgação
destas informações impossibilitando assim a sua identificação.
Você receberá uma cópia deste termo no qual há meios de contatar a
pesquisadora, podendo tirar suas dúvidas a qualquer momento.
________________________________________
Entrevistadora / Pesquisadora
Helaine Cavalcante Portela Rua B, nº 55, Conj. Jardim Primavera, Parque dois
irmãos, Fortaleza-CE Tel. (85) 3291.2320.
Após ler estas informações e ter minhas dúvidas esclarecidas pelo pesquisador,
concordo em participar de forma voluntária neste estudo.
________________________________
Sujeito da pesquisa ___/___/___
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