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8/11/2019 Nepomuceno - Inveno Da Cano Brasileira
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UNIVERSIDADE DE SO PAULOFACULDADE DE FILOSOFIA,LETRAS E CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS CLSSICAS E VERNCULAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LITERATURA BRASILEIRA
Dante Pignatari
CANTO DA LNGUA:ALBERTO NEPOMUCENO E A
INVENO DA CANO BRASILEIRA
So Paulo2009
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UNIVERSIDADE DE SO PAULOFACULDADE DE FILOSOFIA,LETRAS E CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS CLSSICAS E VERNCULAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LITERATURA BRASILEIRA
CANTO DA LNGUA:ALBERTO NEPOMUCENO E AINVENO DA CANO BRASILEIRA
Dante Pignatari
Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Literatura Brasileira doDepartamento de Letras Clssicas eVernculas da Faculdade de Filosofia,Letras e Cincias Humanas da Universidadede So Paulo, como requisito parcial paraobteno do ttulo de Doutor em Letras.
Orientador: Prof. Dr. Jos Miguel Wisnik
So Paulo2009
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So Paulo, ___ de______________ de 200__.
CANTO DA LNGUA:ALBERTO NEPOMUCENO E AINVENO DA CANO BRASILEIRA
Dante Pignatari
Esta tese foi submetida ao processo de avaliao pela Banca Examinadora para a obteno dottulo de
Doutor em Letras
E aprovada na sua verso final, em __________________________, atendendo s normas dalegislao vigente da Universidade de So Paulo, Programa de Ps-Graduao em LiteraturaBrasileira.
______________________________________Prof. Dr. Cilaine Alves Cunha
Coordenadora do Programa de Ps-Graduao em Literatura Brasileira
Banca Examinadora:
________________________________ _________________________________Prof. Dra. Flvia Camargo Toni Prof. Dra. Lia Vera Toms
________________________________ _________________________________Prof. Dr. Marcos Branda Lacerda Prof. Dr. Lorenzo Mamm
________________________________
Prof. Dr. Jos Miguel Wisnik
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AGRADECIMENTOS
Ao Srgio Alvim Corra, pela generosidade.
s sopranos Katia Guedes, Cludia Riccitelli e Patrcia Endo, com quem sigo
aprendendo.
Ao Carlos Fernando, que se deixou contagiar por meu entusiasmo com as canes de
Nepomuceno e, acompanhado por mim ao piano, as cantou com elegncia e verve no
espetculo Canto da Lngua, ttulo de sua criao que tomei emprestado para este trabalho.
Ao Jos Miguel Wisnik, que me acolheu na hora da necessidade, pela confiana.
Ao Carlos Siffert, meu saudoso colega de rdio, pelo incentivo e pelas muitas horas de
alegria e msica.
Ao Marcos Branda Lacerda, que orientou a primeira etapa de minhas pesquisas e me
fez ver a importncia da harmonia na constituio da forma e do significado da msica.
Ao Claudio Mubarac, que se desviou do caminho para socorrer um amigo aflito.
Ao Paulo Pasta, pela amizade ininterrupta.
Liana Virdis, Mrcia Pastore, Tania Rivitti e Incio Araujo, pela pacincia.
Bruno Pantalena Piazza digitou e editou em Finale, com competncia e disposio,
todos os exemplos em notao musical.
A formatao da tese de acordo com as normas da ABNT eu devo querida Maria Jos
Falkemberg Retamal.
Aos meus pais, Lilla e Dcio, em contrapartida pelo apoio de toda a vida.
Ao Alexandre Meireles, e Casa de So Lzaro, pelo alicerce.
E, com devoo, memria de Alberto Nepomuceno.
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Nenhum poema lrico est completo at serposto em msica. Ento, algo nico acontece.S ento a inspirao potica sublimada, oumelhor, fundida no elemento belo e livre daexperincia sensorial. Ento, pensamos e
sentimos ao mesmo tempo e somos, assim,arrebatados."
(Goethe).
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RESUMOA partir da relao ntima e primordial existente entre palavra e msica, este trabalho procuramostrar como o cearense Alberto Nepomuceno (1864-1920), em seu cancioneiro, tenta pela
primeira vez, de forma sistemtica, criar uma msica nacional alinhada vanguarda de seu
tempo.Palavras-chave: Msica Brasileir;, Cano para Voz e Piano; Letra e Msica; Nacionalismo;Romantismo.
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ABSTRACTTaking as its starting-point the intimate and primordial relationship between words and music,this thesis sets out to show how Alberto Nepomuceno (1864-1920), Brazilian composer fromthe north-eastern state of Cear, tried for the first time, in a systematic manner, to create a
body of Brazilian music aligned with the vanguard of his time.Keywords: Brazilian Music; Songs for Voice and Piano; Lyrics and Music; Nationalism;Romanticism.
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LISTA DEEXEMPLOS
Exemplo 01: F. Schubert. Gretchen am Spinnrade, c. 1-9 20Exemplo 02: R. Schumann.Mondnacht, Op. 39 n 5, c. 1-13........................................... 21Exemplo 03: A. Nepomuceno.Ave Maria, c. 3-6............................................................. 31Exemplo 04: A. Nepomuceno.Ave Maria, c. 1-2............................................................. 32Exemplo 05: A. Nepomuceno.Ave Maria,c. 22-26......................................................... 33Exemplo 06: A. Nepomuceno.Ave Maria,c. 32-36......................................................... 33Exemplo 07: A. Nepomuceno.Ave Maria, c. 37-40......................................................... 34Exemplo 08: A. Nepomuceno.Ave Maria, c. 45-51......................................................... 34Exemplo 09: Annimo. Corao Santo(transposto para o modo maior)......................... 36Exemplo 10: A. Nepomuceno.Ave Maria, c. 3-10........................................................... 36Exemplo 11: A. Nepomuceno. Cano do rio, c. 3-10..................................................... 36Exemplo 12: A. Nepomuceno.Perch?, c. 1-5................................................................. 39
Exemplo 13: A. Nepomuceno.Perch?, c. 6-11............................................................... 40Exemplo 14: A. Nepomuceno.Perch?, c. 13-17............................................................. 40Exemplo 15: A. Nepomuceno.Perch?, c. 18-23............................................................. 41Exemplo 16: A. Nepomuceno.Perch?, c. 23-26............................................................. 41Exemplo 17: A. Nepomuceno.Perch?, c. 27-31............................................................. 42Exemplo 18: A. Nepomuceno. Un Soneto del Dante,c. 1-11........................................... 44Exemplo 19: A. Nepomuceno. Un Soneto del Dante, c. 43-52......................................... 45Exemplo 20: A. Nepomuceno. Serenata di un moro, c. 1-10........................................... 46Exemplo 21: A. Nepomuceno. Serenata di un moro, c. 10-14......................................... 47Exemplo 22: A. Nepomuceno. Serenata di un moro, c. 36-41......................................... 47Exemplo 23: E. Granados.Danzas Espaolas: Villanesca, c. 83-90 .............................. 48
Exemplo 24:A. Nepomuceno. Serenata di un moro, c. 12............................................... 48Exemplo 25:A. Nepomuceno. Serenata di un moro, c. 38-39......................................... 49Exemplo 26:A. Nepomuceno.Der wunde Ritter, c. 1-6.................................................. 50Exemplo 27: A. Nepomuceno.Drmd lycka, c. 1-3.......................................................... 51Exemplo 28: A. Nepomuceno.Einklang, c. 1-7................................................................ 53Exemplo 29: A. Nepomuceno.Einklang, c. 14-16............................................................ 53Exemplo 30: A. Nepomuceno.Herbst, c. 1-9................................................................... 54Exemplo 31: R. Wagner.A Valquria, Ato I, p. 104, c. 2-3.............................................. 54Exemplo32: A. Nepomuceno.Herbst, c. 28-32............................................................... 55Exemplo 33: A. Nepomuceno.Einklang, c. 22-23............................................................ 55Exemplo 34: A. Nepomuceno. O wag'es nicht, c. 1-7....................................................... 56
Exemplo 35: A. Nepomuceno. O wag'es nicht, c. 21-26................................................... 56Exemplo 36: A. Nepomuceno. Wiege sie sanft, o Schlaf, c. 3-6 e c. 54-57 ..................... 57Exemplo 37: A. Nepomuceno. Sehnsucht nach Vergessen, c. 1-14.................................. 58Exemplo 38: F. Schubert.Der Atlas, c. 1-17..................................................................... 59Exemplo 39: A. Nepomuceno. Oraison, c. 1-2................................................................. 64Exemplo 40: A. Nepomuceno. Sehnsucht nach Vergessen, c. 7-9.................................... 64Exemplo 41: A. Nepomuceno. Oraison, c. 1-5................................................................. 64Exemplo 42: A. Nepomuceno. Oraison, c. 6-7................................................................. 65Exemplo 43: A. Nepomuceno. Oraison, c. 8-11............................................................... 65Exemplo 44: A. Nepomuceno. Oraison, c. 16-21............................................................. 66Exemplo 45: A. Nepomuceno. Oraison, c. 21-33............................................................. 67Exemplo 46: A. Nepomuceno.Desterro, c. 6-11 e c. 23-24............................................. 71Exemplo 47: A. Nepomuceno.Amo-te muito, c. 1-9........................................................ 72Exemplo 48: F. Mendelssohn. Cano sem palavrasOp. 53 n 2, c. 1-9......................... 73
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Exemplo 49: A. Nepomuceno. Ora dize-me a verdade, c. 8-11........................................ 74Exemplo 50: A. Nepomuceno. Ora dize-me a verdade, c. 1-8.......................................... 75Exemplo 51: A. Nepomuceno. Ora dize-me a verdade, c. 8-11........................................ 76Exemplo 52: A. Nepomuceno.Mater dolorosa, c. 1-4..................................................... 77
Exemplo 53: A. Nepomuceno.Mater dolorosa, c. 9-12................................................... 77Exemplo 54: A. Nepomuceno.Mater dolorosa, c. 17-20................................................. 78Exemplo 55: A. Nepomuceno. Tu s o sol!, c. 1-5............................................................ 79Exemplo 56: F. Chopin.Estudo Op. 10 n 1, c. 1-6.......................................................... 80Exemplo 57: F. Chopin.Estudo Op. 25 n 12, c. 1-6........................................................ 81Exemplo 58: A. Nepomuceno. Tu s o sol!, c. 21-29 ....................................................... 82Exemplo 59: A. Nepomuceno. Ora dize-me a verdade, c. 1-2, eAmo-te muito, c. 1-2.... 83Exemplo 60: A. Nepomuceno. Tu s o sol!, c. 1-2, eMater dolorosa, c. 1-2................... 83Exemplo 61: A. Nepomuceno.Medroso de amor, c. 1-7.................................................. 86Exemplo 62: A. Nepomuceno.Medroso de amor, c. 10-15.............................................. 87Exemplo 63: A. Nepomuceno.Medroso de amor, c. 10-11.............................................. 88
Exemplo 64: A. Nepomuceno.Madrigal, c. 5-13............................................................. 89Exemplo 65: A. Nepomuceno.Madrigal, c. 33-37........................................................... 90Exemplo 66: A. Nepomuceno.Madrigal, c. 62-66........................................................... 91Exemplo 67: A. Nepomuceno.Morta, c. 5-9.................................................................... 93Exemplo 68: A. Nepomuceno.Morta, c. 12-15................................................................ 93Exemplo 69: A. Nepomuceno.Morta, c. 24-28................................................................ 93Exemplo 70: A. Nepomuceno.Morta, c. 17-18................................................................ 94Exemplo 71: A. Nepomuceno. Cantos da Sulamita, c. 5-8............................................... 94Exemplo 72: A. Nepomuceno. Sonhei, c. 11-18............................................................... 95Exemplo73: A. Nepomuceno. Cano de amor, c. 3-8.................................................... 96Exemplo 74: A. Nepomuceno.Xcara, c. 1-8.................................................................. 97Exemplo 75: Nitinho Pintor. Toada de violeiro................................................................ 97Exemplo 76: A. Nepomuceno. Orao ao diabo, c. 1-16................................................. 99Exemplo 77: A. Nepomuceno. Orao ao diabo, c. 17-22............................................... 100Exemplo 78: A. Nepomuceno. Orao ao diabo, c. 23-25............................................... 101Exemplo 79: A. Nepomuceno. Orao ao diabo, c. 33-36............................................... 101Exemplo 80: A. Nepomuceno. Orao ao diabo, c. 38-43............................................... 102Exemplo 81: A. Nepomuceno. Orao ao diabo, c. 26-37 .............................................. 102Exemplo 82: A. Nepomuceno. O sono, c. 1-2 .................................................................. 103Exemplo 83: A. Nepomuceno.Dolor supremus, c. 1-5.................................................... 104Exemplo 84: A. Nepomuceno. Corao triste, c. 3-6....................................................... 104
Exemplo 85: A. Nepomuceno. Soneto, c. 1-8................................................................... 105Exemplo 86: A. Nepomuceno. Turquesa, c. 1-6............................................................... 106Exemplo 87: A. Nepomuceno.Hidrfana, c. 1-3............................................................. 106Exemplo 88: Annimo.Rochedo, Sinh (Coco) ePae Caju(Toada)............................ 107Exemplo 89: A. Nepomuceno. Trovas I, c. 1-8................................................................. 108Exemplo 90: A. Nepomuceno. Trovas I, c. 12-21............................................................. 109Exemplo 91: A. Nepomuceno. TrovasI, c. 15-16............................................................. 109Exemplo 92: A. Nepomuceno. TrovasI, c. 29-32............................................................. 110Exemplo 93: Annimo.Hei de amar-te at morrer, c. 16-20........................................... 110Exemplo 94: I. Albniz.Cdiz, c. 1-8............................................................................... 111Exemplo 95: A. Nepomuceno. Trovas II, c. 1-6.............................................................. 112
Exemplo 96: A. Nepomuceno. Trovas II, c. 38-40........................................................... 112Exemplo 97: A. Nepomuceno. Cantigas, c. 1-8................................................................ 114Exemplo 98: A. Nepomuceno. Cantilena, c. 1-7.............................................................. 115
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Exemplo 99: Annimo. Corao Santo............................................................................ 115Exemplo 100: A. Nepomuceno. Cantilena, c. 1-5............................................................ 116Exemplo 101: A. Nepomuceno. Corao indeciso, Op. 30 n 1, c. 1-7............................ 116Exemplo 102: A. Nepomuceno. Corao indeciso, Op. 30 n 1, c. 13-17........................ 117
Exemplo 103: A. Nepomuceno. Cano, Op. 30 n 2, c. 1-4, 15-18, 29-32 e 41-44........ 118Exemplo 104: A. Nepomuceno.A grinalda, Op. 31 n 1, c. 1-3....................................... 119Exemplo 105: F. Chopin.Polonaise-Fantaisie, Op. 61, c. 254-255................................. 119Exemplo 106: A. Nepomuceno. Sempre!, Op. 32 n 1, c. 1-2........................................... 120Exemplo 107: F. Chopin.EstudoOp. 10 n 9, c. 1-4........................................................ 120Exemplo 108: R. Schumann.An meinem Herzen, an meiner Brust, Op. 42 n 7, c. 1-3... 120Exemplo 109: A. Nepomuceno.Despedida, Op. 31 n 2, c. 1-3....................................... 121Exemplo 110: A. Nepomuceno.Dor sem consolo, Op. 32 n 2, c. 1-5............................. 121Exemplo 111: R. Schumann.Intermezzo, Op. 39 n 2, c. 1-3........................................... 122Exemplo 112: F. Schubert.Der Knig von Thule, c. 1-8.................................................. 122Exemplo 113: R. Schumann.Jemand, Op. 25 n 4, c. 1-6................................................ 122
Exemplo 114: A. Nepomuceno. Canto nupcial, c. 5-13................................................... 125Exemplo 115: A. Nepomuceno. Canto nupcial, c. 33-36................................................. 125Exemplo 116: A. Nepomuceno. Candura, c. 1-6.............................................................. 126Exemplo 117: A. Nepomuceno.Flores, c. 1-8.................................................................. 126Exemplo 118: A. Nepomuceno.Nossa velhice, c. 27-38.................................................. 128Exemplo 119: A. Nepomuceno.Aime-moi, c. 1-8............................................................. 129Exemplo 120: A. Nepomuceno.Drmd lycka, c. 1-3........................................................ 129Exemplo 121: A. Nepomuceno.Razo e amor, c. 8 e 9.................................................... 130Exemplo 122: A. Nepomuceno. Ocaso, c. 13-18.............................................................. 131Exemplo 123: F. Chopin.Polonaise-Fantaisie, Op. 61, c. 254-255................................. 131Exemplo 124: A. Nepomuceno.Mater dolorosa, c. 20-24............................................... 132Exemplo 125: A. Nepomuceno.Morta, c. 26-28.............................................................. 132Exemplo 126: A. Nepomuceno. Cano, c. 29-36............................................................ 133Exemplo 127: A. Nepomuceno. Ocaso, c. 28-30.............................................................. 133Exemplo 128: A. Nepomuceno.Numa concha, c. 1-3...................................................... 134Exemplo 129: A. Nepomuceno. Olha-me, c. 1-5.............................................................. 134Exemplo 130: A. Nepomuceno. Cano da ausncia, c. 1-4............................................ 135Exemplo 131: A. Nepomuceno.Luz e nvoa, c. 1-3......................................................... 135Exemplo 132: A. Nepomuceno. Cano da ausncia, c. 16-27........................................ 136Exemplo 133: A. Nepomuceno.Luz e nvoa, c. 24-31..................................................... 137Exemplo 134: A. Nepomuceno. Cano do rio, c. 1-8..................................................... 138
Exemplo 135: A. Nepomuceno.A jangada, c. 5-8............................................................ 141Exemplo 136: F. Schubert.Ave Maria, c. 3-4................................................................... 141Exemplo 137: C. Debussy.En bateau (Petite Suite n 1), c. 1-5...................................... 142Exemplo 138: A. Nepomuceno.A jangada, c. 25-28........................................................ 142Exemplo 139: A. Nepomuceno.A jangada, c. 1-4............................................................ 143Exemplo 140: A. Nepomuceno.A jangada, c. 13-17........................................................ 143
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SUMRIO
REMINISCNCIA ..........................................................................................................................12
INTRODUO .............................................................................................................................13
CAPTULO 1-NEPOMUCENO E A CANO PARA VOZ EPIANO.....................................................16
CAPTULO 2-ACANO PARA VOZ EPIANO...............................................................................192.1-PIANO COMO PAISAGEM:O ACOMPANHAMENTO DAS CANES......................................... 212.2-ACANO BRASILEIRA ..................................................................................................... 23
CAPTULO 3-FORMAO ...........................................................................................................27
CAPTULO 4-AVEMARIA ...........................................................................................................31
CAPTULO 5-AS CANESITALIANAS........................................................................................38
CAPTULO 6-AS CANESALEMS...........................................................................................50
CAPTULO 7-AS CANESFRANCESAS......................................................................................61
CAPTULO 8-AS CANESBRASILEIRASI(1894) .......................................................................69
CAPTULO 9-AS CANESBRASILEIRASII(AINDA 1894) ............................................................85
CAPTULO 10-AS CANESBRASILEIRASIII(1896-1897) .........................................................92
CAPTULO 11-AS CANESBRASILEIRASIV(1899) ................................................................... 95
CAPTULO 12-AS CANESBRASILEIRAS V(1901) .................................................................. 103
CAPTULO 13-AS CANESBRASILEIRAS VI(1902-1904) .......................................................113
CAPTULO 14-AS CANESBRASILEIRAS VII(1907-1915) ......................................................124
CAPTULO 15-AJANGADA (1920) ........................................................................................... 139
CONSIDERAESFINAIS ...........................................................................................................145
REFERNCIAS ...........................................................................................................................148
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REMINISCNCIA
Em 1997 tive a oportunidade de apresentar um programa de canes brasileiras em
Berlim acompanhando a soprano Katia Guedes, minha colega de faculdade em tempos idos e
companheira querida e entusiasmada nas aventuras musicais desde a juventude. Tratava-se de
um panorama da cano brasileira que ia de uma modinha do Padre Jos Maurcio Nunes
Garcia, Beijo a mo que me condena, ao rock Astronauta Perdidodo Arrigo Barnab, em
arranjo feito pelo prprio especialmente para ns. Na capital da Prssia, antes de uma
apresentao importante, tocamos algumas das peas do programa para a professora de Katia
na Hochschule der Knste, Inge Uibel. Entre essas canes figuravam duas de Alberto
Nepomuceno, Cantigas, obviamente brasileira, e Trovas I. Aps os comentrios tcnicos
pertinentes, lembro-me que Katia, um pouco sem graa e quase se desculpando, mencionou
ilustre professora que Trovas, se bem que em portugus, era msica europia. Frau Uibel
reagiu prontamente, afirmando que de forma alguma aquilo era msica europia. Era msica
brasileira!
Quando pela primeira vez me debrucei deslumbrado sobre as canes de
Nepomuceno, as palavras da mestra alem me vieram de sbito mente, com a questo: porque, aos nossos ouvidos brasileiros, aquela msica soava europia, enquanto para
experimentados ouvidos europeus ela soava brasileira?
Este trabalho uma tentativa de resposta.
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INTRODUO
A gnese deste trabalho se deu em 1997. Celebrava-se ento o bicentenrio de
nascimento de Franz Schubert e a Rdio Cultura FM de So Paulo, onde eu tinha comeado a
trabalhar no final do ano anterior, deu grande destaque efemride. Eu, como produtor, fui
responsvel pela apresentao da obra completa do compositor austraco, ou pelo menos boa
parte dela, alm de uma srie mais elaborada intitulada Lied: a cano romntica alem, que
era apresentada por Carlos Siffert e que rendeu mais de quarenta programas.
Meu interesse pela cano de arte vinha de longa data (o gnero me atraa desde os
tempos de estudante), e aps essa verdadeira imerso em Schubert em particular e no liedemgeral, era natural que me voltasse para o universo da cano em minhas pesquisas. Eu
pretendia escrever sobre a relao entre msica e palavra ou, mais especificamente, sobre o
acompanhamento pianstico das canes. Sendo brasileiro e estando no Brasil, fazia-se
necessrio pelo menos um captulo sobre a cano brasileira, universo que eu ento
praticamente desconhecia. Ao pesquisar sobre cano brasileira, o nome de Alberto
Nepomuceno emergiu quase de imediato. Em seguida entrei em contato com Srgio Alvim
Corra, neto do compositor e autor do Catlogo Geral de suas obras. Ele respondeuprontamente, e em questo de dias chegavam-me pelo correio pacotes com cpias das
partituras das canes. Quando me dei conta da magnitude e sobretudo da qualidade daquele
material, decidi nele concentrar-me. Em 2004, um patrocnio da Petrobras me permitiu editar
as canes para voz e piano de Nepomuceno, o que me forou a estudar essas partituras
literalmente nota a nota.
O meu campo de pesquisa, portanto, foram fundamentalmente os textos musicais dasprprias canes. Comecei pela ltima, A Jangada, quando, ouvindo uma gravao, um
lampejo me fez ver a representao quase grfica, a laSchubert, de uma jangada singrando o
mar nordestino. Em seguida veio Perch?, cuja aparente simplicidade me enganou por um
bom tempo. A partir da, passei a analisar essas canes de maneira sistemtica,
aperfeioando a tcnica e adquirindo ferramentas mais precisas ao longo do caminho. Como
base terica para essas anlises, tomei por modelo sobretudo o ecletismo pragmtico de
Charles Rosen e a idia de janelas hermenuticas desenvolvida por Lawrence Kramer. A
atividade simultnea como pianista, professor de histria da msica e criador de programas de
rdio me levou a estudar um grande nmero de partituras e gravaes de todos os gneros e
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pocas e determinou uma viso evolutiva da msica, uma espcie de geologia de camadas
superpostas de significado.
A idia principal, minha tese fundamental, de que Nepomuceno valeu-se da
musicalidade inerente ao idioma para flexionar a linguagem musical europia e assim criar
msica brasileira surgiu em primeiro lugar, ainda de forma nebulosa, do episdio descrito na
Reminiscncia, que se confirmaria mais tarde quando me deparei com o lema atribudo a
Nepomuceno, No tem ptria o povo que no canta em sua lngua.
Esse processo de "abrasileiramento" da linguagem musical por meio do idioma falado
e cantado ao mesmo tempo evidente audio e extremamente elusivo quando tentamosapontar com preciso para o mecanismo operando em um trecho de msica determinado. De
alguma maneira, essa musicalidade "nacional" foi absorvida pelo compositor durante a
infncia e a juventude e vertida de forma difusa e generalizada nas ambientaes de textos
em portugus. Nas anlises, que formam o corpo central deste trabalho, tentei em cada caso
isolar e mostrar os elementos a meu ver mais importantes que se integram na composio, e
a interao desses elementos com essa brasilidade musical inerente lngua e ao
entendimento musical do compositor que configura, no cancioneiro, o que chamo de estilopessoal de Alberto Nepomuceno.
Este trabalho est dividido em trs partes.
Trs captulos formam a primeira delas. No primeiro, tento mostrar como o
compositor buscou criar msica brasileira a partir da lngua falada e cantada no Brasil,
colocando o foco dessa criao nas relaes entre texto e msica. Ao faz-lo, comparo aposio que Nepomuceno ocupa nos estudos de musicologia de Mrio de Andrade e nos de
Avelino Romero Pereira, que deu incio a uma reviso do significado da obra do compositor
cearense e da posio que ocupa na histria da msica brasileira.
O segundo captulo uma histria resumida da cano erudita, onde procuro mostrar
sua definio enquanto gnero. Aqui tentei situar as canes de Nepomuceno em um painel
que comea com a ecloso do lied romntico, passa pelo surgimento da mlodie francesa e
culmina com a gnese da cano brasileira a partir da modinha.
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O terceiro captulo est dedicado formao intelectual e ideolgica do compositor,
destacando-se sua vinculao chamada Escola do Recife e as consequncias dessa
vinculao para sua atividade criadora.
A segunda parte consiste de quatro captulos. Aqui so analisadas Ave Maria, a
primeira composio para voz e piano de Nepomuceno, e as canes em idioma estrangeiro
realizadas durante sua estadia na Europa.
No primeiro desses captulos analiso a primeira cano publicada por Nepomuceno.
Extensa e detalhada, essa anlise est centrada principalmente nos aspectos harmnicos e
formais e procura revelar a bagagem musical levada pelo compositor em sua viagem deestudos Europa e tambm como, j nessa primeira ambientao de um texto em portugus,
elementos formais e rtmico-meldicos europeus e nacionais se mesclam, compondo um
exemplo juvenil do estilo pessoal do compositor. Nos captulos seguintes eu analiso as
canes em italiano, alemo e francs, respectivamente.
Na terceira parte do trabalho, a mais extensa, com oito captulos, so estudadas as
canes em portugus, apresentadas em ordem cronolgica, como de resto tambm o so asque integram a seo anterior. Dados biogrficos interligam os captulos e ajudam a esclarecer
a gnese das canes e tambm seu significado.
Minhas concluses esto resumidas no captulo final.
Todas as tradues de idiomas estrangeiros so de minha autoria e de minha exclusiva
responsabilidade.
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CAPTULO 1-NEPOMUCENO E A CANO PARA VOZ EPIANO
Nepomuceno comps canes com acompanhamento de piano ao longo de toda a
vida, totalizando cerca de 70 peas. A primeira, Ave Maria, de 1887, e encontra-se entre as
primeiras obras que publicou; a ltima, A Jangada, foi escrita no leito de morte, em 1920.
Uma trajetria traada por estas canes, e seu estudo revela um projeto claramente
definido: a criao de uma msica brasileira.
O nacionalismo musical de Nepomuceno de ordem diversa daquele que seria
defendido posteriormente pelos modernistas. O grito de guerra a ele atribudo, No tem
ptria o povo que no canta em sua lngua, d a medida da importncia que o cancioneirotem em sua obra, como salienta Avelino Pereira:
Nepomuceno conheceu altos e baixos. Foi vaiado em Roma, na estria de uma pera,e aplaudido por estudantes em greve em solidariedade ao diretor demissionrio. Foifestejado por seus pares e achincalhado por seus crticos. Viveu sucessos e fracassos.Talvez, o maior sucesso de sua vida tenha sido a opo consciente que fez na defesado canto em lngua portuguesa, abrindo os ouvidos para a afirmao da canoacadmica em portugus e marcando definitivamente a histria da msica brasileira.Dizem os bigrafos de Alberto Nepomuceno que ele teria cunhado um lema: notem ptria um povo que no canta em sua lngua . Nepomuceno, provavelmente,nunca disse isso, mas bem provvel que pensasse assim. Assim pensavam ascorrentes nacionalistas de origem ou inspirao alem, s quais Nepomuceno, comotantos intelectuais de sua gerao, devia sua formao poltica e cultural.Para essa espcie de nacionalismo [...] a nao era um fenmeno natural,condicionado pelo local de nascimento, a raa, a tradio e a lngua. Natureza ecultura formando uma coisa s.[...] no se pode negar o papel que a afirmao da lngua exerce sobre a constituioda identidade cultural e social das coletividades humanas. E, nesse sentido, pode-seafirmar que de fato Nepomuceno assumiu a composio de canes e obras corais edramticas em portugus como um projeto esttico - e poltico, claro. (PEREIRA,2000, p. XVIII-XIX).
Para nosso compositor, a via para a constituio de uma msica brasileira no era a da
apropriao do folclore nacional, ou no apenas isso. Nepomuceno acreditava que a msica
brasileira deveria ser extrada do idioma portugus falado e cantado no Brasil, uma
abordagem sutil, sofisticada e, provavelmente, em grande parte instintiva e inconsciente.
Mrio de Andrade sabia da ntima relao que existe entre texto falado e cantado:
Me parece sistemtico. H uma tal ou qual relao entre a beleza das canes e suaperfeio fontica, e sobre isto os compositores deveriam matutar mais. Os seus
cantos mais inspirados, mais bonitos e [...] mais cantados so os que derivam maisimediatamente do texto falado. Parece haver uma conexo lgica entre a resultantebeleza da melodia e a resultadora perfeio fontica do texto quando falado.(ANDRADE, 1991, p. 64).
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Tal relao entre texto e msica faz com que o idioma inevitavelmente molde a
melodia1. Nepomuceno nacionaliza a msica utilizando sistematicamente textos em portugus
em suas canes, e nesse exerccio vai flexionando as tradies musicais europias e cria o
primeiro cancioneiro erudito brasileiro. Nas criaes para voz e piano de Nepomuceno
observamos uma mescla nica de msica popular urbana e tambm folclrica, recitativo
wagneriano, modinha, lied, pera italiana, mlodie... Esse amlgama de elementos
aparentemente dspares, catalizado pelo idioma, resulta num estilo nico e inequivocamente
brasileiro (ver Introduo).
Mrio reconhece a importncia de Nepomuceno e conhecia bem seu cancioneiro,
como demonstram as anlises que faz em Os Compositores e a Lngua Nacional(ANDRADE, 1991). Em Evoluo Social da Msica no Brasil, Mrio musiclogo insere o
esforo de Nepomuceno no contexto internacional da poca:
Pois era na prpria lio europia da fase internacionalista que Alexandre Levy eAlberto Nepomuceno iam colher o processo de como nacionalizar rpida econscientemente, por meio da msica popular, a msica erudita de umanacionalidade. J ento o Grupo dos Cinco na Rssia, criando sistematicamentesobre as manifestaes musicais populares do seu espantoso pas, tinhamconseguido nacionalizar e tornar independente a msica russa. A msica espanhola,
por seu lado, j criara e definira nacionalmente a zarzuela, mas sempre certo queAlbniz e Granados ainda eram apenas contemporneos dos nossos doiscompositores. Mas, em compensao, o exemplo da Alemanha pesava enormementeao lado do russo; e j ento, alm da nacionalizao definitiva do lied com Schuberte Schumann, a msica sistematicamente tradicionalista e mesmo voluntariamentenacionalista de Brahms e especialmente de Wagner, estava quase agressivamente,quase hitleristamente firmando a conscincia musical germnica, sempre tendo por
base o lied nacional. Esta nacionalizao por meio da temtica popular foi o quetentaramAlexandre Levy e Alberto Nepomuceno. E neste sentido, embora aindadeficientemente, eles no so apenas profetizadores da nossa brilhante e inquietaatualidade, mas a ela se incorporam, formando o tronco tradicional da rvoregenealgica da nacionalidade musical brasileira. (ANDRADE, 1991, p. 24, grifonosso).
Avelino Pereira situa Nepomuceno na tradio musicolgica brasileira e procura
retificar a viso que ainda se tem de sua obra:
Na tradio de estudos sobre a msica brasileira, Alberto Nepomuceno aparece comoum precursor do nacionalismo musical, escrevendo msica de carter nacional.Segundo essa tradio, a parte interessante de sua obra so as peas em que o
1Ao estudar relao entre fala e msica, Luiz Tatit vincula a cano popular dico e mostra com proficuidadetcnica as maneiras em que a cano popular se origina da dico, ou melhor, nela se molda (TATIT, 2002). Dolado erudito, Lawrence Kramer considera a relao entre poesia e msica to ntima a ponto de propor a criaode uma disciplina nica que permita abordar ambas as artes indistintamente. (KRAMER, 1984).
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cearense exercitou o ofcio de compor a partir das tradies musicais rurais ouurbanas do pas. A conseqncia a desqualificao e o esquecimento da maior partede sua obra e tambm a dificuldade em se compreender seu papel no contextohistrico-cultural em que viveu.[...]
A questo orientadora entender por que Nepomuceno visto como precursor,expresso que, se por um lado parece valoriz-lo, por outro, compromete acompreenso de seu papel, ao retirar dele seu sentido prprio, deslocando estesentido para um momento posterior quele em que viveu e comps. Precursordequ? Do nacionalismo modernista que se desenvolveu e se tornou hegemnico namsica brasileira entre as dcadas de 1920 e 1950 e que teve em Heitor Villa-Lobosseu expoente mximo. O resultado disso que Nepomuceno passou a ser ouvidocom os ouvidos de quem ouve Villa-Lobos e deseja ouvir de Nepomuceno o que eleno quis, no soube ou no pde cantar. (PEREIRA, 2007, p. 21-22).
De fato, para Mrio a nacionalizao da msica somente foi lograda no Brasil por
Heitor Villa-Lobos:
Com a nacionalizao do lied brasileiro, Villa-Lobos, seus pares e sucessores setornaram imediatamente muito mais plsticos ritmicamente, na lngua de suascanes. A dico botou corpo, unida, cheia, ao mesmo tempo que se enriqueceumuito de sutilezas e carcias de ritmo. (ANDRADE, 1991, p. 91)2.
A abordagem de Nepomuceno no se alinha a esse folclorismo; somente algumas
poucas canes distribudas de forma espordica no conjunto de sua obra utilizam elementos
explicitamente brasileiros. Por outro lado, certo que a atitude de Nepomuceno alinha-se
onda nacionalista que impulsionou o romantismo europeu no sculo 19. Abordar as canes
de Nepomuceno tambm adentrar a questo da criao de uma msica nacional a partir das
tradies da msica erudita europia e ir de encontro s razes romnticas da msica
brasileira.
2 Mrio matizaria sua posio mais tarde. Em ensaio indito de 1944 sobre as 13 Canes de Amor de M.Camargo Guarnieri, ele escreve: Nisto talvez esteja uma das grandes foras que tornam to ntegra e excepcional alrica de G. dentro da lrica contempornea nacional. que os outros, o prprio Vila e tambm F. Mignone, quando noesto popularescos, lembram o estrangeiro, Debussy, a meldica moderna da lrica italiana e francesa em principal. G. aocontrrio lembra a nossa meldica erudita em lngua nacional, Braga, Barroso Neto, Nepomuceno, e mais raro oestrangeirizante Oswald. Que querer isto dizer? A meu ver tem uma significao profunda. Talvez, com efeito, sedissermos a C. G. que ele se parece com Braga, Nepom. e Barroso ele fique muito chocado, decepcionado e revoltado,porque se sente, e com razo, a dez lguas adiante dessa gerao e mesmo a conhece pouco e a estudou quase nada. que asemelhana, a quase imitao nas 13 Canes, no deriva seno de uma coincidncia linda. Tanto aqueles como G. sepuseram a melodizar, no na inexpressividade de assunto da melodia popular (o que no quer dizer que o folclore seja
inexpressivo), mas na expressividade erudita da cano, j muito mais prximos (nisso) de um Schumann e de um HugoWolf, que de um Schubert e mesmo de um Brahms. Ora essa expressividade musical estava obrigada a se condicionar lngua nacional, aos seus valores sonoros e ritmos naturais. E foi pois desse condicionamento bem realizado, dessaadequao melo-verbal que derivou um parentesco muito ntimo e sutil. O que reverte em grande elogio para os BarrosoNeto, Bragas e Nepomucenos, iniciadores da meldica cancioneira erudita nacional. (In: BARONGENO, 2007, p. 88-89).
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CAPTULO 2-ACANO PARA VOZ EPIANO
A relao ntima entre poesia e msica no Ocidente vem se consumando desde a
Grcia clssica, onde a pica (Homero, por exemplo) era cantada por um solista, enquanto os
versos lricos (as odes de Pndaro, por exemplo) eram entoadas pelo coro (CANISIUS, 1998,
p. 36). Entretanto, na segunda metade do sculo 18 e especialmente nas primeiras dcadas do
19 eclode, na Alemanha e na ustria, um fenmeno nico: o liedromntico.
Embora tenhamos exemplos anteriores, dentre os quais se destacam algumas canes
de Mozart, a partir de Schubert e da maior importncia conferida ao acompanhamento
pianstico que o liedganha importncia como gnero e se difunde por toda a Europa. Nosomente a parte do piano se torna mais complexa; o mesmo acontece com as mltiplas
interrelaes entre piano e voz e entre msica e poesia. Guardadas as caractersticas culturais
peculiares s respectivas naes, esse processo de sofisticao crescente que paulatinamente
transforma gneros estrficos mais populares em cano de arte se repete tanto na Frana
como no Brasil.
O lied romntico reflete diretamente o renascimento da poesia lrica alem,combinando os estilos e temas de outros gneros vocais tais como a cantata e a pera com os
da cano folclrica ou tradicional, para ento reduzi-los em termos de voz e teclado (SAMS,
1980, p. 838). Os recursos plsticos utilizados pelos compositores so variados, indo da
representao quase pictrica de uma roca de fiar em movimento (pedal includo) em
Gretchen am Spinnrade, de Schubert...
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EXEMPLO 1:F.SCHUBERT. Gretchen am Spinnrade, c. 1-9
FISCHER-DIESKAU/BUDDE (Ed.). Schubert: Lieder, vol. II. Frankfurt: C. F. Peters, 1986, p. 10.
... encenao metafsica do casamento mstico da Terra e do Cu feita por Schumann em
Mondnacht(op. 39 n 5), onde nas duas primeiras notas o piano define os dois protagonistas
para, um pouco adiante (compassos310-11), sublinhar com as notas mi - si - mi (em alemo:
e-h-e) as palavras cue terra(HimmeleErde) na segunda metade do primeiro verso, Es war
als htt' der Himmel die Erde still gekt (= como se o cu a terra calmamente beijasse),
escreverEhe(= casamento) descendentemente na parte do baixo do piano e, assim, expressar
tambm seu desejo de unir-se em matrimnio a Clara Wieck4:
3A partir daqui, ser usada sempre a abreviatura c. para a palavra compasso, no singular ou no plural. 4 poca da composio deMondnacht(1840), Schumann aguardava uma deciso judicial para poder casar-secom Clara Wieck. As canes que compem o Liederkreis Op. 39, em rica encadernao, foram entregues porSchumann a Clara como presente de casamento.
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EXEMPLO 2:R. Schumann.Mondnacht, Op. 39 n 5, c. 1-13
FRIEDLAENDER, Max (Ed.). Smtliche Lieder. Leipzig: C. F. Peters, ano (?), p. 68.
Com o lied, a cano torna-se um gnero quase cnico em que a voz personagem de
uma seqncia narrativa encenada em uma paisagem pianstica.
2.1PIANO COMO PAISAGEM:O ACOMPANHAMENTO DAS CANES
Uma cano necessariamente uma interpretao da palavra pela msica. Ainda que
no modifique o texto potico - e isso foi feito em diversas ocasies - o compositor termina
privilegiando determinados aspectos do poema. Essa interpretao se expressa sobretudo na
ambientao proporcionada pelo acompanhamento pianstico.
O surgimento do lied, por um lado, est diretamente relacionado a Goethe e ao
processo de reciclagem da poesia folclrica que empreende, incentivado por seu mentor,
Herder, que cunhou o termo Volkslied(cano popular); por outro, ele acontece paralelamente
ao processo de aperfeioamento do piano e a conseqente superao do cravo e do
clavicrdio, que passa a dar-se com maior intensidade a partir de 1770. A superioridade das
possibilidades expressivas do novo instrumento (PIGNATARI, 1992) permite a elevao do
acompanhamento das canes a um nvel de paridade com a poesia:
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No sculo XIX, a cano vernacular alem torna-se uma forma de arte em que asidias musicais sugeridas pelas palavras materializam-se na adaptao dessas
palavras para voz e piano, tanto para obter unidade formal quanto para realar osdetalhes. [...] O gnero pressupe um renascimento da poesia lrica alem, a
popularidade dessa poesia entre compositores e pblico, um consenso de que a
msica pode derivar das palavrase um acervo abundante de tcnicas e recursospara expressar essa inter-relao. (SAMS, 1980, vol. 10, p. 838, grifo nosso).
Um recurso muito utilizado nas etapas iniciais do desenvolvimento do lied como
gnero est caracterizado na literatura especializada como pintura tonal5e definido como a
descrio ou imitao de eventos ticos ou auditivos, impresses, sensaes etc,
particularmente os que so encontrados na natureza ou na vida cotidiana. (SADIE, 1980, vol.
19, p. 66).
Um vocabulrio musical de recursos plsticos, limitado e algo estereotipado, j era
empregado nos tempos da Empfindsamkeite de Carl Philipp Emanuel Bach, em meados do
sculo 18, e at antes, sendo na verdade uma herana do Barroco, mais especificamente da
pera barroca; um exemplo bvio so trmolos nos baixos (do instrumento de teclado ou da
orquestra) representando uma tempestade, ou o uso de certos instrumentos de percusso e
determinados ritmos para dar msica um carter militar; a msica turca, que chega at
Beethoven, outro desses exemplos. Johann Peter Milchmeyer, no captulo V de Die wahre
Art das Pianoforte zu spielen (1797), descreve uma grande variedade de efeitos plsticos que
podem ser obtidos pela combinao de determinadas figuraes do piano com efeitos de pedal
(MILCHMEYER, 1992, p. 96-113).
Nas mos de Schubert a pintura tonal, um recurso at ento marginal e de gosto algo
duvidoso, transforma-se em um material infinitamente malevel que passa a integrar a
estrutura mesma das canes, constituindo atravs do acompanhamento de piano um cenrio,
uma paisagem mental a ser habitada pela poesia veiculada pela voz.
O processo antecipado por Mozart em Das Veilchen (Goethe) eAbendempfindung (ann.). [...] Cada uma das ambientaes musicalmentevariada mas ainda assim unificada, em resposta ao clima potico, pelo uso dorecitativo vocal e do simbolismo do teclado (um leve staccato para a pastora que
passeia, sextas suspirantes para os ventos da noite). (SAMS,1980, vol. 10,p. 839).
5Pintura tonal: em ingls, tonal painting; em alemo, Tonmalerei.
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A partir de Schubert, recursos de pintura tonal tais como os mencionados acima
multiplicam-se, diversificam-se e passam a impregnar a concepo mesma da ambientao de
poemas, ou seja, da composio de canes. o acompanhamento das canes de Schubert
que impressiona os franceses e contribui para o surgimento da mlodie:
Reichardt foi o primero a dar a este tipo de msica aquela variedade, aquelariqueza de harmonia no acompanhamento, que a distingue do romance francs. ...O grande mrito da obra de Schubert reside na concepo profundamente poticadas palavras, na originalidade das melodias, na novidade e beleza das harmonias e,sobretudo, na estreita relao entre a cano e seu acompanhamento. As muitas
pessoas para quem esta ltima qualidade somente um defeito alegam que umamelodia escrita para uma voz solista deveria ser capaz de sustentar-se at mesmosem um acompanhamento. Este princpio nos parece ser inteiramente falso.Estamos longe de acreditar, no entanto, que o acompanhamento deva dar o
significado de cada palavra, que um trmolo absolutamente necessrio para apalavra trovo, que a beira do rio no pode ser apresentada de maneiraapropriada sem um movimento ondulante, e que a palavra trompetejamais deveser encontrada sem a imitao daquele instrumento; est longe de nossa intenotransformar oLiedem msica descritiva e assim materializar a arte. Mas devemosdefender o princpio que a base dos acompanhamentos de Schubert: que umsumrio do poema, seu carter, seus vrios sentimentos, em uma palavra, a cordo
pensamento potico, deve ser representada tanto pelo acompanhamento como pelavoz. As mlodiesde Schubert so dramticas; elas no so de modo algum canes
para ser cantadas por grisettes ou na caserna, para as quais elas so to imprpriascomo o seriam os belos poemas de Lamartine. (PANOFKA, Heinrich, in NOSKE,1970, p. 33).
2.2ACANO BRASILEIRA
As razes da cano brasileira com acompanhamento de piano esto sem dvida na
modinha. Ela se apresenta
[...] como a cano sentimental mais divulgada na vida social portuguesa ebrasileira dos sculo 18 e 19, tendo sido praticada no Brasil at bem entrado osculo 20.Desligadas de qualquer esquema predeterminado, as modinhas, formadasusualmente por versos de oito ou de cinco slabas, aparecem em vrias formasliterrias intituladas como Romance, ria, Arietta, Lira, Hino, etc.; como lgico,os esquemas literrios variam consoante a forma a que pertencem. Sob o ponto devista formal, no h um critrio nico: encontramos canes com vrias estrofes eestribilho, canes bipartidas, canes contnuas e at canes com a forma da-capo. Entretanto, h um aspecto caracterstico no que se refere ao contedo, queapresenta constantemente desgostos de amor, saudades e cuidados volta da
pessoa amada. (DODERER, 1984, p. VII).
Ou nas palavras de Mrio de Andrade:
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Porque a modinha nossa, da mesma forma que a portuguesa, um quaseininterrupto suspiro de amor. Queixume inofensivo, est claro, s com rarssimaexceo denunciando alguma dor pelo menos mais musicalmente verdadeira. Rojode lgrimas, de ais, lamentos e saudades, com a nica funo de divertir a gente. mesmo o que diz um texto, j popular, que se cantava com a msica da celebrrima
Chiquinha sieu te pedisse...O pinho no se consome,O que um dia de fome?Uma modinha num ai,Distrai.(ANDRADE, 1930, p. 5).
O uso caracteristicamente impreciso dos modos maior e menor colabora para formar o
carter sentimental agridoce tpico das modinhas brasileiras.
Sua origem controversa. Jos Ramos Tinhoro defende uma origem popular da
modinha. J Mrio de Andrade, e tambm Luiz Heitor Correia de Azevedo, defendem uma
derivao mais ou menos direta da pera italiana. Aparentemente, a modinha produto da
conjuno de elementos da arte do canto erudito europeu e dos folclores portugus e
brasileiro. De qualquer modo, as prticas da msica vocal europia se infiltram nas modinhas
escritas pelos compositores eruditos.
At ento os compositores que produziam modinhas e lundus eram os mesmo quefaziam Missas para a Capela Imperial ou peras para o Teatro Lrico Fluminense:Jos Maurcio Nunes Garcia, Francisco Manuel da Silva, Cndido Incio da Silva,J. S. Arvelos, Elias lvares Lobo, Carlos Gomes [...] (AZEVEDO, 1956, p. 138).
O prprio Luiz Heitor descreve o processo de aburguesamento da modinha popular:
[...] o gosto pela msica teatral se havia tornado exclusivo, em meados do sculo
19 e [...] a prpria cano nacional, a modinha, que por essa poca no passa,muitas vezes, de uma simples melodia favorita, do repertrio operstico, revestidade texto potico nacional. (AZEVEDO, 1956, p. 59).
Por outro lado, uma pliade de compositores populares dedicava-se ao gnero. A
modinha, a princpio, tinha acompanhamento de viola, que no sculo 19 ser suplantada pelo
violo. Este, por sua vez, a partir de meados do sculo perder para o piano a preferncia das
famlias burguesas, permanecendo como o instrumento por excelncia das prticas musicais
populares urbanas.
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O que h, da mencionada poca (a partir de 1870) em diante, a conscincia doforte sabor nacionalizante de algumas frmulas, que antes apenas se insinuavam eque passam a ser diligentemente procuradas, observadas e empregadassistematicamente nas peas danantes dos compositores populares.Observa-se ento um curioso fenmeno de divergncia entre a orientao dos
compositores de escola, com obras cantadas ou executadas nos sales da boasociedade, e as desses compositores populares, autores dos sucessos da moda, cujamusa velada tinha a irresistvel atrao das coisas proibidas. So eles queaprofundam o carter brasileiro da msica que produzem, dedicando-se intuitivaou conscientemente pesquisa de modalidades rtmico-meldicas ainda noempregadas por seus antecessores; modalidades que eram simplesmente atransposio, para o domnio da msica alfabetizada, que se escreve e se imprime,das peculiaridades e jeitos de cantar, tocar ou bater o ritmo, usuais entre a gente do
povo, especialmente entre os negros. [...]A cano brasileira - modinha ou lundu - marchava, ento, lado a lado, com asformas mais srias da msica religiosa, dramtica ou de concerto. Na realidade
pouco diferia, tecnicamente ou sentimentalmente, dessa msica concebida europia. De vez em quando, elementos mais condizentes com a sensibilidade
nacional introduziam-se em seus compassos; ou caracterizava-a a insistncia comque empregava as mesmas frmulas andinas, nacionalizadas justamente emvirtude de sua freqncia. (AZEVEDO, 1956, p. 137-138).
Luiz Heitor Correia de Azevedo volta a descrever a cano de arte como gnero,
inserindo o conceito no contexto brasileiro:
A Cano sempre dominou a obra dos compositores brasileiros. Nos velhostempos eles no se pejavam de escrever modinhas singelas, de sabor popular. ComAlberto Nepomuceno nasceu a cano de arte, em que as intenes sentimentais do
poema se refletem no comentrio musical e o acompanhamento pianstico torna-semais complexo, deixando de ser uma simples moldura harmnica do canto paraintervir diretamente na formao do ambiente sonoro sugerido pela poesia.(AZEVEDO, 1956, p. 228).
A cano de arte brasileira surge, portanto, com um compositor determinado, Alberto
Nepomuceno. Ele foi o primeiro a compor canes eruditas a partir de textos em portugus:
J em seu primeiro concerto, em 1895, ele apresentara quatro canes emvernculo. Continuou levando para a msica textos de grandes poetas brasileiros.E pouco a pouco foi levantando o respeitvel monumento de suas canes, quecontinua sendo, na msica brasileira, um dos mais expressivos de nossasensibilidade e um dos mais altos, como significao universal. (AZEVEDO,1956, p. 165).
Ainda referindo-se s canes de Nepomuceno, Luiz Heitor diz que [...] situam-se,
sem sombra de dvida, entre o que h de melhor e de mais sentidamente brasileiro, no canto
em portugus.(AZEVEDO, 1956, p. 165-166).
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As canes de Nepomuceno so axiais no conjunto de sua obra. Cearense que
completou seus estudos de msica na Itlia, Alemanha e Frana, ele empreendeu uma
verdadeira cruzada em favor do canto lrico em portugus. Em suas obras vocais com
acompanhamento de piano, ao fundir elementos caractersticos da msica nacional e do
idioma portugus vertido em poesia por autores brasileiros com a linguagem musical do
romantismo alemo tardio e da vanguarda francesa, Alberto Nepomuceno tornou-se o
primeiro grande compositor de canes do pas.
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CAPTULO 3-FORMAO
Alberto Nepomuceno nasceu em Fortaleza, Cear, em 6 de julho de 1864, mas seus
anos de formao decorreram em Recife, para onde sua famlia se mudou em 1872. O jovem
msico permaneceu na capital pernambucana at 1884 quando, aps retornar a Fortaleza e ver
indeferida a petio encaminhada ao Governo Imperial pela Assemblia Legislativa Cearense,
onde se solicitava uma penso para que ele pudesse dar continuidade aos seus estudos na
Europa, transferiu-se para o Rio de Janeiro.
A partir de 1881, Nepomuceno desenvolve amizade com alunos e professores daFaculdade de Direito do Recife. Por essa poca, florescia nessa faculdade a chamada
Escola do Recife, grupo de professores e estudantes agrupados em torno da figurade Tobias Barreto (1839-1889). O grupo consistiu em um movimento cultural decunho germanista, que abraava, entre outros setores, a Poesia, a Filosofia, oDireito, o Folclore, a crtica literria e musical. Barreto, alm de suas atividades narea do Direito e da Filosofia, dedicava-se tambm crtica musical, alm de gostarde cantar, acompanhando-se ao violo, e teria sido responsvel pela iniciao de
Nepomuceno no estudo de filosofia e do alemo. Consideramos que esse contatocom Barreto tenha sido determinante para dirigir o interesse de Nepomuceno pelacultura alem. A crtica musical de Barreto, por exemplo, faz a apologia da pera deWagner, cuja esttica mais tarde viria a ser a grande inspirao para o grupo decompositores e crticos musicais de que Nepomuceno fez parte. (VERMES, 1996, p.23).
Essa vinculao de Nepomuceno Escola do Recife ilumina a formao ideolgica do
compositor, as idias que nortearam seus esforos para criar uma msica brasileira.
Tobias Barreto e seu grupo dedicaram-se com especial afinco observao e ao estudo
da realidade brasileira, e a refletir sobre as questes por ela suscitadas. Essa reflexo
filosfica levou alunos e professores a assumirem uma postura crtica em relao s correntes
de pensamento predominantes no Imprio. Eles ento se voltaram para as idias novas que
surgiam na Europa em busca de ferramentas que lhes permitissem atuar criticamente nessa
nova viso da realidade brasileira que vislumbravam. Avelino Romero Pereira expe as idias
defendidas por um dos mais destacados representantes da Escola do Recife, Slvio Romero:
Na virada do sculo XIX para o XX, diversos intelectuais, dentre os quais destaco osergipano Slvio Romero (1851-1914), empreenderam uma viagem rumo realidade
brasileira, em busca de traos generalizveis, sobre os quais pudessem elaborarfrmulas explicativas do Brasil, sintetizadas na afirmao do carter nacional
brasileiro. Baseando-se no romantismo germnico e nas correntes evolucionistas eracistas em voga na Europa, esses estudos visavam solucionar, no plano intelectual,a problemtica integrao do negro e do imigrante na sociedade brasileira,
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revelando tenses e conflitos sociais e raciais, que marcaram o fim das relaesescravistas e a expanso do capitalismo no Brasil. Nessa linha, num vissimultaneamente cientfico e ideolgico, acabaram formulando uma noo deidentidade nacional, que procurava indicar o lugar do Brasil entre as naescivilizadas, brancase modernasda Europa.
Slvio Romero escolheu como objeto de estudo a produo literria do Brasil,publicando, em 1888, a sua Histria da literatura brasileira, cuja segunda edioveio a lume em 1902. Partindo do evolucionismo de Herbert Spencer e doromantismo de Johann Gottfried Herder, props que se procedesse coleta e aoestudo dos documentos - costumes e tendncias populares - que levassem identificao do esprito nacional - o Volksgeist de Herder. Ao defender um
programa de investigao sobre as tradies populares do Brasil, queixava-se de queos documentos no se achassem coligidos, nem utilizados. E conclua,
proclamando: Ns desconhecemo-nos a ns mesmos. Para o sergipano, aidentificao do esprito nacional era a chave que levaria a explicar tanto a literatura
brasileira quanto o atraso do Brasil em relao ao modelo civilizado europeu. Estabusca dava continuidade preocupao com o folclore brasileiro, j denotada emobras anteriores. (PEREIRA, 2007, p. 25-26).
Essa vinculao Escola do Recife lana uma luz esclarecedora ao epteto Schubert
brasileiro j aplicado a Nepomuceno. Com cerca de 600 canes, o compositor vienense
praticamente inventou o liedenquanto gnero, colocando msica na nova poesia surgida com
o movimento de renovao capitaneado por Goethe e que tinha na cano popular sua fonte
principal. O movimento romntico germnico era essencialmente um movimento nacionalista,
e as idias e pesquisas de Herder so um de seus mais importantes fundamentos. Quando
analisamos o cancioneiro de Nepomuceno, fica claro que o cearense procurou reproduzir
intencionalmente no Brasil o processo que permitiu o surgimento do liede seu florescimento
com Schubert.
Dois vetores norteiam a criao de uma msica brasileira a que se props
Nepomuceno: um a lngua e sua musicalidade instrnseca, sem dvida o vetor mais
importante e que determinou que a cano fosse seu laboratrio, onde a msica europia seria
flexionada pela poesia nacional, abrasileirando-se no processo; o outro a idia de raa, em
que o elemento nativo, ndio ou negro, sofre um processo de branqueamento ao ser adaptado
msica da cultura dominante. As peas que seguem este aspecto, ou seja, que incorporam
elementos folclricos, so as que os modernistas identificaram como nacionalistas, em que
o elemento nacional explcito. Nepomuceno tem dois exemplos logo no incio da sua
carreira, um de inspirao negra e outro indianista, que mostram a busca de um caminho que
levasse criao da msica nacional. Uma a Dana de Negros, apresentada pela primeira
vez em Fortaleza, ao piano, em um concerto realizado em 8 de maio de 1888, portanto s
vsperas da Abolio. Esta pea seria orquestrada mais tarde e inserida como quarto e ltimo
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movimento da Srie Brasileira, com o ttulo de Batuque. O outro exemplo o drama lrico
Porangaba, baseado em um poema de seu conterrneo Juvenal Galeno. A pea ficou
inacabada, mas um documento em que o compositor traou um plano geral da obra permite
entrever uma aproximao do trabalho de Nepomuceno com as idias de Slvio Romero:
O que o compositor faz, casando meio e raa, descrever os dois elementos dalenda, o conquistador e o conquistado, separadamente, para, no terceiro tema,apresentar a unio dos dois, a aliana das raas, atravs dos seguintes aspectos: Aconquista da raa vermelha inferior realizada pela raa branca atravs da mulher -Iracema - Tema do amor - O elemento varonil, Martim, sucumbindo, pela leiinversa, diante do feminino. (PEREIRA, 2007, p. 57).
Nepomuceno no voltar a utilizar de forma to explcita como na Dana de Negroselementos do folclore, seja indgena ou afro-brasileiro, o que uma forte indicao de que ele
no considerava ser esse o caminho que conduziria criao de uma msica culta brasileira,
ou ao menos de que no era ele o compositor que guiaria a msica nacional por esse rumo.
Com uma importantssima exceo, A Jangada, ltima composio sua e seu
testamento musical, nas poucas canes em que Nepomuceno se inclina para o universo
popular em busca de inspirao, a msica popular urbana que se faz ouvir. Esta era vtimade forte preconceito por parte das classes dominantes, preconceito no compartilhado por
Nepomuceno e que ele tentou superar, estendendo uma ponte entre as polcas, maxixes e
tangos brasileiros e a burguesia fluminense do incio do sculo.
Em 1908, o compositor (e regente) organizou as apresentaes musicais da Exposio
Nacional realizada na Praia Vermelha. Nessa ocasio, corajosamente convidou Catulo da
Paixo Cearense para realizar o primeiro concerto de violo apresentado por um msicopopular em uma sala nobre de concertos, neste caso a do Instituto Nacional de Msica
(CORRA, 1996, p. 9). A elite republicana via no instrumento um caso de polcia, sinnimo
de vadiagem (MACHADO, 2007, p. 87). Alm disso, nesses mesmos concertos da Praia
Vermelha tambm engajou o pianista Ernesto Nazareth em duas ocasies (MACHADO,
2007, p. 91). preciso dizer que tanto a msica de Nazareth como a de Catulo j tinham
passado por um profundo branqueamento, conservando de suas fontes tnicas originais pouco
mais que os ritmos sincopados e o contraponto rtmico complexo. Luiz Tatit chama o estilo
desses compositores de semi-erudito (TATIT, 2002, p. 32).
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Os elementos folclricos e populares aparecem de forma espordica na msica de
Nepomuceno. Sua grandeza est em ter fincado as razes da msica brasileira na vanguarda
europia, de um lado, e, de outro, na musicalidade da lngua portuguesa. O compositor
Rodolfo Coelho de Souza conclui assim o prefcio edio das canes de Nepomuceno:
H que se rever o papel de Nepomuceno na gnese do nacionalismo. No foi, demodo algum, contribuio original de Nepomuceno a idia de buscar nas fontes
populares e folclricas brasileiras material para o desenvolvimento de uma msicaculta brasileira. [...] Sua contribuio efetiva foi ter incorporado organicamente msica brasileira as novas linguagens da vanguarda europia: o abundantecromatismo ps-wagneriano, o gosto francs pelo modalismo extico, a tonalidadesuspensa ultra-romntica, as escalas simtricas de tons inteiros e pentatnicas.Foram esses elementos estilsticos, logo assimilados pela gerao modernista ecruzados com a idia de apropriao de fontes populares, que fizeram surgir o
projeto do nacionalismo musical modernista. Mas Nepomuceno no fez essa sntese.Na sua obra esses elementos aparecem desconectados. S no final da vida, em peascomo aBrasilianapara piano e emA jangada , sua ltima cano, ele aponta nessadireo. Outros, ento, j trilhavam essa senda, inclusive Villa-Lobos, que escreveraem 1917 [6]o seu Uirapuru. (NEPOMUCENO, 2004, p. 17-18).
significativo que entre as primeirssimas obras publicadas a guisa de balo de ensaio
pelo jovem Nepomuceno figure uma cano sobre texto de poeta brasileiro. Em seguida viro
os anos dedicados aos estudos na Europa e as canes em idioma estrangeiro: italianas,
alems e francesas. A retomada da composio de canes sobre textos de poetas brasileiros,
em 1894, no ter volta: a partir de ento, temos somente uma pea de ocasio em francs,
Aime-moi, e o ciclo Le miracle de la semence, na verdade uma cantata, encomenda do autor
dos textos, Jos de Freitas Valle, que os assinou com o pseudnimo de Jacques d'Avray.
6Aqui Rodolfo Coelho de Souza deixou-se enganar por Villa-Lobos: o Uirapuru de 1934, tendo sido estreadoem Buenos Aires no ano seguinte, 1935 (ver COLI, 1998, p. 384-385). Em 1920, ningum ainda trilhava essasenda. Nepomuceno a abriu.
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CAPTULO 4-AVEMARIA
Nepomuceno publicou suas primeiras obras em 1887, dois anos aps ter chegado ao
Rio de Janeiro. Entre essas peas inaugurais figura uma cano, Ave Maria, sobre texto de
Xavier da Silveira Junior7.
A estrutura formal deAve Maria um AB assimtrico em que a primeira parte duas
vezes mais extensa que a segunda. O compasso 6/4 e a melodia acompanha com
simplicidade silbica a mtrica dos versos; por duas vezes (c. 7 e 31) Nepomuceno responde
ao meio verso que precede o ltimo verso da estrofe interpolando um compasso de 3/4. Nos
outros momentos em que isso acontece, o compositor opta por conceder valores mais longoss slabas. Como o ritmo pouco marcado, a irregularidade mtrica absorvida com
naturalidade. Para ambientar o texto religioso, Nepomuceno opta pela melodia coral
harmonizada, a exemplo dos corais de Bach, em que as palavras ditam o ritmo, assim como
no estilo silbico do canto gregoriano. As paradas, quase fermatas no final de cada verso,
enfatizam a opo de gnero:
EXEMPLO 3:A. Nepomuceno.Ave Maria, c. 3-6
PIGNATARI, Dante (Ed.). Canes para voz e piano. So Paulo: EDUSP, 2004, p. 49.
7Segundo a Cronologia do Catlogo Geral(Corra. 1996, p. 11), em 1887 foram publicadas a Mazurca opus 1para violoncelo e piano, Une fleure aPrimeira Mazurcapara piano,Ave Mariapara canto, e Marcha fnebre
para orquestra. J na relao das canes, a Ave Maria aparece como indatada. Consultado, Srgio AlvimCorra disse no poder afirmar que a cano em questo e a mencionada na Cronologia eram a mesma.Entretanto, a anlise estilstica da pea permite concluir com bastante segurana que esta Ave Maria de fato a
primeira cano composta por Nepomuceno.
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O acompanhamento um coral a cinco vozes em que a voz superior dobra a melodia
cantada; quase um exerccio de harmonia em que se nota a preocupao com as regras
acadmicas8, destacando-se a cuidadosa conduo das vozes.
A introduo pianstica apresenta o motivo meldico inicial e a tonalidade, l maior,
com uma cadncia de tnica-subdominante-tnica; no retorno tnica, esta fica suspensa em
umafermatasobre a segunda inverso do acorde:
EXEMPLO 4:A. Nepomuceno.Ave Maria, c. 1-2
PIGNATARI, Dante (Ed.). Canes para voz e piano. So Paulo: EDUSP, 2004, p. 49.
H ao longo de toda a pea a busca de uma atenuao da tonalidade, sendo evitada
qualquer veemncia em sua afirmao; trata-se de uma certa modalizaoda tonalidade que
se adequa especialmente bem ao gnero escolhido, dada a proximidade com o cantocho. A
cadncia plagal da introduo um recurso para tal, e os acordes de dominante quase sempre
tm sua tenso rebaixada pelo acrscimo de sextas e stimas maiores, s vezes nonas. So
raras as aparies de acordes no alterados ao longo de toda a primeira parte.
No compasso 10 h uma modulao para a relativa menor, mas a colorao harmnica
permanece luminosa devido tendncia harmnica favorvel aos graus maiores da tonalidade
(pendendo para r maior) e aos intervalos maiores formados pelas notas acrescentadas aos
acordes. A expresso se torna mais intensa a partir do compasso 19 e atinge seu ponto
culminante no compasso 23, com as palavras Astro sem jaa, a partir de onde a msica
retorna conteno predominante em toda a cano e tambm ao l maior inicial:
8No ano anterior publicao da Ave Maria, que coincide com sua chegada ao Rio de Janeiro, Nepomucenoestudou harmonia com Miguel Cardoso (VERMES, 1996, p. 27), o que refora a suposio de que a cano setrate de fato de um exerccio considerado suficientemente bem sucedido para merecer a publicao.
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EXEMPLO 5:A. Nepomuceno.Ave Maria, c. 22-26
PIGNATARI, Dante (Ed.). Canes para voz e piano. So Paulo: EDUSP, 2004, p. 50.
A preparao para o ataque da nota mais aguda de toda a pea, na primeira slaba doverso citado, feita somente pelo piano, aumentando o impacto da entrada da voz num f #.
Trata-se do nico compasso (com exceo da breve introduo e da coda, que so idnticas)
em que a voz est ausente da msica.
A primeira parte conclui com uma cadncia sobre as palavras Me de Jesus!onde,
pela primeira e nica vez em toda a cano, a tonalidade de l maior afirmada sem
relutncia:
EXEMPLO 6:A. Nepomuceno.Ave Maria, c. 32-36
PIGNATARI, Dante (Ed.). Canes para voz e piano. So Paulo: EDUSP, 2004, p. 50.
O motivo inicial da segunda parte9, que est em l menor, cantado primeiro sobre o
acorde de tnica na posio fundamental e em seguida repetido sobre o mesmo acorde com a
stima maior acrescentada ao baixo:
9 Este motivo, curiosamente, reproduz o primeiro tema do primeiro movimento do Concerto para piano eorquestra em l menorde Edvard Grieg, composto em 1868. A coincidncia to mais surpreendente quandosabemos das relaes de Nepomuceno com o compositor noruegus, que s aconteceriam muito mais tarde,durante a estadia do cearense na Alemanha.
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EXEMPLO 7:A. Nepomuceno.Ave Maria, c. 37-40
PIGNATARI, Dante (Ed.). Canes para voz e piano. So Paulo: EDUSP, 2004, p. 51.
No compasso 45 h uma mudana de frmula de compasso, que passa a ser 2/2,
coincidindo com o momento em que o poeta se refere a si mesmo, e no Virgem. O estilo
passa a ser recitativo, com notas repetidas, e o ritmo harmnico torna-se mais lento. Nos
compassos 50 e 51 ocorre um momento de pintura tonal mais explcita: a palavra ns
cantada sobre um acorde de mediante (d maior) na posio fundamental, ao qual
acrescentada a stima maior no baixo, criando a dolorosa dissonncia de 2 menor sob a slaba
doda palavra pecadores:
EXEMPLO 8:A. Nepomuceno.Ave Maria, c. 45-51
PIGNATARI, Dante (Ed.). Canes para voz e piano. So Paulo: EDUSP, 2004, p. 51.
O retorno ao l maior inicial se d somente no penltimo compasso, e a pea conclui,
de resto de maneira de maneira bastante inconclusiva10, com uma repetio literal da
introduo instrumental inicial.
10 A segunda inverso do acorde instvel, da a sensao de inconcluso. O acorde 6/4 da cadncia considerado freqentemente como uma dissonncia preparada ou no preparada a ser resolvida em V. Porconveno, essa funo do acorde 6/4 adquiriu tal proeminncia a ponto de muitas vezes tornar-se enganosoquando aparece em outro contexto, especialmente em outro grau que no I.(SCHOENBERG, 1969, p. 14).
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Ave Maria de 1887. Dessa cano, e das outras peas que foram publicadas no
mesmo ano, podemos deduzir qual era a bagagem musical que Nepomuceno levaria em sua
viagem de estudos pela Europa, o ponto de partida, no que linguagem musical se refere, de
sua trajetria como compositor. E o que se revela a forte influncia francesa, identificvel
sobretudo pela anlise harmnica. Essa modalizao da tonalidade foi empreendida por uma
escola francesa em que se destaca a figura de Gabriel Faur, e que culminar na obra de
Claude Debussy:
Em sua tese de 1954 sobre as prticas harmnicas de Debussy e Faur, FranoiseGervais elaborou um longo e bem pesquisado catlogo dos hbitos harmnicoscaractersticos que podem ser encontrados na msica de Faur. Ela tambm chamoua ateno para o Trait dharmonie de Gustave Lefvre, um resumo da teoriamusical ensinada na Ecole Niedermeyer. Lefvre se refere em sua introduo aosensinamentos que ele recebeu de Pierre de Maledan, que transmitiu-lhe, assim comoa Saint-Sans, uma concepo muito flexvel da harmonia derivada do Abb Vogler,a partir de quem ela se espalhou e influenciou toda uma galxia de compositores,incluindo Weber e Meyerbeer. De fato, Lefvre adota explicitamente o sistema decifras de Vogler, que no lida com os intervalos de acordo com a maneira em queestes se relacionam com as notas do baixo, mas com o grau da escala em que oacorde est colocado; isso introduz de imediato uma concepo da harmonia que linear e modal em esprito.[...]O uso que Faur faz da modalidade tem sido amplamente discutido e a sensaogeral que h uma relao direta entre este aspecto de sua linguagem e seu treinocomo msico de igreja. Ele certamente tinha em Louis Niedermeyer um professorespecialista que insistia em um acompanhamento estritamente modal para ocantocho e deplorava a maneira como os modos eclesisticos estavam sendocontaminados pelo sistema tonal; e ns, talvez, tenhamos um prazer levemente
perverso ao observar que a obra reformadora de seu aluno foi precisamente abrir osistema tonal para a contaminao da modalidade... (NECTOUX, 1991, p. 227-229).
Ao escolher a forma de um coral a 5 vozes para ambientar o texto de Ave Maria,
Nepomuceno d provas de ser versado tambm na tradio germnica, Bach neste caso. De
resto, sua formao como pianista e organista no lhe permitiria ignor-la, ao menos a que vai
de Bach a Liszt. Aparentemente, o contato com Brahms e Wagner somente se deu na prpria
Alemanha, em sua temporada de estudos na terra de Beethoven.
Por outro lado, no possvel deixar de notar a ligao visceral que existe entre a
melodia singela da Ave Maria e os cnticos populares, sacros e profanos, que certamente
povoaram a infncia e a adolescncia de Nepomuceno. Aqui, o elemento brasileiromais
facilmente identificvel o balano caracterstico do compasso composto binrio com
subdiviso ternria. Quanto melodia, o exemplo 99, Corao Santo, que compartilha com a
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Ave Maria o mesmo tipo de compasso11, lembra muito esse carter singelo da Ave Maria
quando transposto para o modo maior:
EXEMPLO 9:ANNIMO.Corao Santo(transposto para o modo maior)
(ANDRADE, 1962, p. 103)
EXEMPLO 10:A. Nepomuceno.Ave Maria, c. 3-10
PIGNATARI, Dante (Ed.). Canes para voz e piano. So Paulo: EDUSP, 2004, p. 49.
Este mesmo balano e essa mesma singeleza aparecem novamente na penltima
cano escrita por Nepomuceno, Cano do rio, a sim em tom explicitamente popular:
EXEMPLO 11:A. Nepomuceno. Cano do rio, c. 3-10
PIGNATARI, Dante (Ed.). Canes para voz e piano. So Paulo: EDUSP, 2004, p. 271.
11A indicao de compasso ternrio est equivocada, impossvel cantar a melodia no compasso indicado; ocorreto 6/8. Trata-se certamente de alguma desateno, j que Mrio jamais cometeria um erro to bobo.
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O modalismo, essencial para se entender a gnese da msica brasileira, tanto francs
como nordestino. Sua vertente europia est presente, em maior ou menor grau, de forma
difusa, em todo o cancioneiro de Nepomuceno. J a transmutao sofrida pelos modos
gregorianos no Nordeste brasileiro somente comparece explicitamente na ltima cano
composta por ele,A Jangada.
De resto, essa harmonia modalizada foi incorporada tambm por Villa-Lobos,
especialmente via Debussy, e por seu intermdio se estende at a bossa-nova de Tom Jobim.
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CAPTULO 5-AS CANESITALIANAS
Em 1888 Nepomuceno partiu para a Europa em viagem de estudos; sua primeira
escala foi Roma. Ele a princpio seguiu a rota dos que o precederam (lembramos
especialmente Carlos Gomes e Henrique Oswald). Talvez razes materiais o tenham guiado
nesta primeira etapa, j que a viagem foi empreendida em companhia dos irmos Bernardelli,
cuja famlia o apoiava e colaborava no financiamento de seus estudos europeus. L,
matricula-se no Liceo Musicale Santa Cecilia, na classe de harmonia de Eugenio Terziani
(1824-1889) e com a morte deste, prossegue os estudos com Cesare de Sanctis (1830-1915).
(VERMES, 1996, p. 30).
Do perodo italiano resultam quatro canes12. Todas compartilham o dialeto
harmnico de Ave Maria, especialmente pelo acrscimo da stima maior s trades. A que
mais nos chama a ateno sem dvida Perch?, de 1888, sobre texto de Aleardo Aleardi,
uma obra-prima de conciso.
A cano foi estruturada com grande economia de recursos. O acompanhamento
simples: em compasso quaternrio, acordes em semnimas se encadeiam sobre um baixo emoitavas que, por sua vez, move-se em mnimas ou se detm em semibreves. A introduo
instrumental comea com uma cadncia I6-V4/3-I7, configurando uma harmonia em que a
tonalidade atenuada por acordes alterados, neste caso pela stima maior acrescentada ao
acorde de si bemol maior que confirma a tonalidade da cano no segundo compasso. J nesta
primeira cadncia surge o intervalo de semitom que, como veremos, ocorre com insistncia
crescente e vai se revelando elemento estrutural fundamental na formao do significado da
cano. Aqui ele descendente, e ocorre na passagem do acorde de dominante para o detnica no primeiro tempo do segundo compasso (mi bemol - r), perdurando ainda
harmonicamente, invertido, na stima maior que o l acrescentado ao acorde de tnica forma
com o baixo. Os dois compassos seguintes formam outro movimento cadencial que leva ao
segundo grau da tonalidade, tambm com a stima maior acrescentada. O movimento
meldico descrito acima, de um semitom, ocorre exatamente na mesma voz e no mesmo
ponto (quarto tempo do c. 3 - primeiro tempo do c. 4), agora cobrindo o intervalo de um tom,
12Uma delas, Rispondi, sobre texto de Aleardo Aleardi, o mesmo poeta de Perch, est extraviada. O neto docompositor e autor do Catlogo Geral, Srgio Alvim Corra, lembra-se do manuscrito e at mesmo de hav-lacopiado, mas no nos foi possvel encontrar nem o original, nem a cpia.
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levando a harmonia de VI4/3 para II7. Este movimento de um tom descendente para II e que
dura apenas um tempo, em uma perspectiva ampliada contrape-se a outro de um tom
ascendente nos acordes da mo direita do acompanhamento, entre a oitava de f dos dois
primeiros compassos e a de sol dos dois compassos seguintes:
EXEMPLO 12:A. Nepomuceno.Perch?, c. 1-5
PIGNATARI, Dante (Ed.). Canes para voz e piano. So Paulo: EDUSP, 2004, p. 52.
Estes movimentos diatnicos, predominantes, formam um dos plos estruturais da
cano, que na verdade constitui seu significado com base no jogo de movimentos cromticos
e diatnicos, que ocorrem no baixo, nos acordes da mo direita do piano (internamente e
tambm se tomamos esses acordes como uma nica linha) e na parte cantada.
No compasso 5 h uma mudana aggica no baixo, que omitido na primeira metade
do compasso e retoma o movimento feito no segundo compasso, em anacruse e delineando
um gesto igualmente descendente e diatnico, agora mais amplo, de quatro compassos. A voz
entra no compasso seguinte, tambm em anacruse, sobre uma cadncia que reproduz a que
leva do compasso 1 ao 2 e que confirma a tonalidade, V4/3 - I7. Permanecendo sobre a nota
f por dois compassos e meio, a voz se eleva um tom no compasso 9, permanecendo sobre osol por dois compassos para ento, num gesto diatnico ascendente, elevar-se at si natural
que, sendo a sensvel de II (o gesto sol - l - si bequadro est sobre V do II) e tendo sido
atingido a partir de f, com o qual forma um trtono, produz um efeito de suspenso e formula
de forma convincente a interrogao do texto:
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EXEMPLO 13:A. Nepomuceno.Perch?, c. 6-11
PIGNATARI, Dante (Ed.). Canes para voz e piano. So Paulo: EDUSP, 2004, p. 52.
A segunda estrofe (nesta cano, a uma estrofe potica corresponde uma frase musical)
retoma a recitao sobre uma nota s um tom abaixo em relao frase inicial, enquanto os
acordes da mo direita tm a fundamental um tom acima. Nesta segunda frase as slabas so
comprimidas em um espao menor, o que gera uma acelerao. O meio compasso suprimido
corresponde exatamente anacruse da primeira frase, o que confere a esta maior nfase e
impulso para o gesto seguinte: em contraste com o gradual movimento diatnico ascendente
da primeira frase, a voz vai diretamente das notas repetidas para um salto de sexta maior. Este
primeiro ponto culminante, um d, meio tom mais agudo que a nota que encerra a primeirafrase, ilustra a palavra firmamento, de onde desce lentamente em cadncia de tnica-
dominante que uma ampliao da cadncia de abertura da pea. Mas ao chegar ao mi bemol
de onde partira, sobre V4/3, a frase se flexiona ascendentemente por graus cromticos sobre a
palavrapresente, enquanto a harmonia comea a modular para a supertnica, d maior:
EXEMPLO 14:A. Nepomuceno.Perch?, c. 13-17
PIGNATARI, Dante (Ed.). Canes para voz e piano. So Paulo: EDUSP, 2004, p. 52-53.
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H uma nova compresso e acelerao da frase anterior: meio compasso de anacruse
sobre sol, e novo salto de sexta maior, atingindo outro ponto culminante, um mi, agora em d
maior, sem notas acrescentadas. Esta maior nitidez da tonalidade refora o momento de
grande intensidade de expresso. A frase ento retorna, mas ao chegar nota l abaixo, onde
se detm ao completar metade do percurso, nela insiste, com um tempo de anacruse e todo um
compasso de colcheias repetidas, para lanar-se a novo salto de sexta, agora menor, atingindo
a nota mais aguda de toda a pea, um f, uma oitava acima do incio da melodia cantada e um
semitom mais agudo que o ponto culminante anterior, reproduzindo assim nesta terceira frase-
estrofe a relao intervalar entre os pontos culminantes da primeira parte da cano:
EXEMPLO 15:A. Nepomuceno.Perch?, c. 18-23
PIGNATARI, Dante (Ed.). Canes para voz e piano. So Paulo: EDUSP, 2004, p. 53.
A estrofe final confere significado ao intervalo meldico cromtico. O movimento
ascendente primeiro diatnico, desenhando em seguida um intervalo de meio tom, e ento
dois, em que a presena da amada, identificada anteriormente pelo intervalo cromtico
ascendente sobre a palavrapresente, se generaliza na paisagem (tu nei fior, tu nel ciel, tu nel
mare) assim como o intervalo cromtico ascendente invade a linha meldica:
EXEMPLO 16:A. Nepomuceno.Perch?, c. 23-26
PIGNATARI, Dante (Ed.). Canes para voz e piano. So Paulo: EDUSP, 2004, p. 53.
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Uma pausa determina um momento de reao, uma mudana de atitude por parte do
narrador, j que o que se segue agora uma constatao, apesar do ponto de interrogao:
Sorridi?, cantada sobre uma reiterao intensificada do intervalo de meio tom, que novamente
ocorre tanto meldica como harmonicamente. A passagem para a coda (Lento) feita por
novo movimento cromtico ascendente, desta vez nas oitavas do baixo, reflexo do
cromatismo da frase recm cantada. O ltimo verso recitado sobre o f com que a voz
iniciara a cano, sobre uma harmonia que reproduz de forma ampliada a cadncia
introdutria do primeiro compasso, concluindo com um movimento ascendente final de meio
tom que, no primeiro compasso, descendente (mi bemol no acorde de V7 para r de I7). No
final, de sensvel para tnica, levando ao acorde de tnica, finalmente e pela primeira vez
sem notas acrescentadas e na posio fundamental:
EXEMPLO 17:A. Nepomuceno.Perch?, c. 27-31
PIGNATARI, Dante (Ed.). Canes para voz e piano. So Paulo: EDUSP, 2004, p. 53.
A trs primeiras frases-estrofes que compem a cano tm todas 5 compassos. A
pausa que as separa vai diminuindo progressivamente, de seis tempos da primeira para a
segunda a apenas um da terceira para a quarta. Esta estrofe final se espalha por oito
compassos, includos os quase seis tempos de pausa que separam a primeira parte do ltimoverso que compe a coda. Metricamente, as frases vo se comprimindo at o ponto
culminante, onde tambm se constitui musicalmente o significado do texto. A coda na
verdade uma descompresso que reequilibra metricamente a pea como um todo.
A relao dos deslocamentos da parte cantada e dos acordes do acompanhamento de
grande equilbrio, conferindo estabilidade estrutura da cano: A voz parte de f e tem seu
ponto culminante uma oitava acima (c. 23), para terminar novamente no f inicial. J osacordes vo se deslocando a partir do mesmo f, se considerarmos a nota fundamental,
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afastando-se gradualmente das oitavas do baixo e ascendendo por graus diatnicos at
percorrer o intervalo de oitava, o mesmo percorrido pela voz.
O texto uma srie de perguntas, e todas as frases cantadas terminam com um gesto
ascendente, com exceo da ltima que, como vimos, uma recitao sobre a nota f; aqui o
movimento ascendente ocorre no acorde do acompanhamento, de l para si bemol. O mesmo
intervalo de semitom que faz as perguntas contm em si, implcita, a resposta, que a prpria
presena da amada, tambm sempre implcita, na paisagem, e portanto nos pensamentos do
narrador.
Nas canes italianas, assim como naAve Maria, Nepomuceno se vale principalmentede recursos meldicos para interrelacionar msica e poesia, mas a fluncia harmnica
adquirida na Itlia se faz notar. Chama a ateno tambm a adaptao da linguagem musical
ao
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