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INTERVENÇÃO DE ENFERMAGEM DE SAÚDE MENTAL
COM CRIANÇAS PÓS – CATÁSTROFE
António Jorge Soares Antunes Nabais
Orientador: Prof.ª Doutora Lucília Rosa Mateus Nunes
Tese especialmente elaborada para obtenção do grau de Doutor em Enfermagem
2019
1
com a colaboração da
INTERVENÇÃO DE ENFERMAGEM DE SAÚDE MENTAL
COM CRIANÇAS
PÓS – CATÁSTROFE António Jorge Soares Antunes Nabais
Orientador: Prof.ª Doutora Lucília Rosa Mateus Nunes
Tese especialmente elaborada para obtenção do grau de Doutor em Enfermagem
Júri:
Presidente: Doutor Óscar Proença Dias, Professor Catedrático da Faculdade de Medicina e
Presidente da Comissão Científica de Enfermagem da Universidade de Lisboa;
Vogais:
- Doutora Zaida Borges Charepe, Professora Auxiliar Instituto de Ciências da Saúde da
Universidade Católica Portuguesa;
- Doutora Lucília Rosa Mateus Nunes, Professora Coordenadora da Escola Superior de Saúde do
Instituto Politécnico de Setúbal, orientadora;
- Doutora Aida Maria de Oliveira Cruz Mendes, Professora Coordenadora da Escola Superior de
Enfermagem de Coimbra;
- José Manuel Queirós Teixeira de Sousa, Médico Psiquiatra e Presidente da Comissão de Ensino da
Sociedade Portuguesa de Psicodrama, na qualidade de especialista de reconhecido mérito;
- Doutora Maria Margarida Nunes Gaspar de Matos, Professora Catedrática da Faculdade de
Motricidade Humana da Universidade de Lisboa;
- Doutora Maria Luísa Torres Queiroz de Barros, Professora Catedrática da Faculdade de Psicologia
da Universidade de Lisboa;
- Doutora Maria Antónia Miranda Rebelo Botelho Alfaro Velez, Professora Coordenadora da Escola
Superior de Enfermagem de Lisboa.
2019
2
Aos meus filhos
Mariana e João
3
Aos meus pais
António e Georgete
4
Agradecimentos,
Crianças da escola em Tomar e Pais das crianças
Educadoras de infância, Professores e pessoal não docente da escola em Tomar
Alzira Peralta
Cláudia Calças
Lurdes Simeão
Ricardo Rodrigues
Lucília Nunes
Carla Damásio
Rui Inês
Armandina Antunes,
Sandra Xavier, Lino Ramos, Ana Barros Pires, Andreia Cerqueira
Luciana Lima
Enfermeiros da Área de Pedopsiquiatria do Hospital D. Estefânia(CHLC)
Equipa multidisciplinar da Área de Pedopsiquiatria do Hospital D. Estefânia(CHLC)
Ana Soares, Palmira Silva
Daniel Virella, Marta Alves
Luís Simões Ferreira
Manuela Almeida
Augusto Carreira
Lúcia Vaz-‐Velho, Arlete Amaro
Pires Madeira
Docentes do Dep. de Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria da ESEL
Direção da Escola Superior de Enfermagem de Lisboa (ESEL)
Direção da Escola Superior de Enfermagem Calouste Gulbenkian de Lisboa
Maria José Rosa, José Rosa
5
Imaginava eu que havia tratados da vida das pessoas, como há tratados da vida
das plantas, com tudo tão bem explicado, assim parecidos com o tratamento que há
para os animais domésticos, não é? Como os cavalos tão bem feitos que há!
Imaginava eu que havia um livro para as pessoas, como há hóstias para cuidar
da febre. Um livro com tanta certeza como uma hóstia. Um livro pequenino, com
duas páginas, como uma hóstia. Um livro que dissesse tudo, claro e depressa,
como um cartaz, com a morada e o dia.
Não achas, Mãe? Por exemplo. Há um cão vadio, sujo e com fome,
cuida-‐se deste cão e ele deixa de ser vadio,
deixa de estar sujo e deixa de ter fome.
Até as crianças já lhe fazem festas
Cuidaram do cão porque o cão não sabe cuidar de si,
não saber cuidar de si é ser cão.
Ora eu não queria que cuidassem de mim, mas gostava que me ajudassem,
para eu não estar assim, para que fosse eu o dono de mim,
para que os que me vissem dissessem: Que bem que aquele soube cuidar de si!
Quando eu nasci, as frases que hão-‐de salvar a humanidade já estavam todas
escritas, só faltava uma coisa -‐ salvar a humanidade.
-‐ O pequeno é como o grande.
-‐ O que está em cima é análogo ao que está em baixo.
-‐ O interior é como o exterior das coisas.
-‐ Tudo está em tudo.
José de Almada Negreiros
6
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1 -‐ Projeto de investigação–ação_______________________________________________35
ÍNDICE DE QUADROS
Quadro I -‐ Etapas, objetivos e métodos do projeto de investigação-‐ação___________18
Quadro II -‐ Distribuição da amostra por turmas do pré-‐escolar e do 1º ciclo.______73
Quadro III -‐Distribuição da amostra por ocorrência de eventos de vida
Significativos_____________________________________________________________________________74
Quadro IV -‐ Resultados das cinco escalas e pontuação total de dificuldades
do SDQ – Versão de Pais com Suplemento de Impacto. ______________________________76
Quadro V – Cronicidade das dificuldades avaliadas pelo SDQ – Versão de Pais
com Suplemento de Impacto. __________________________________________________________77
Quadro VI -‐ Resultados da pontuação de impacto. SDQ – Versão de Pais com
Suplemento de Impacto.________________________________________________________________78
Quadro VII -‐ Resultados das cinco escalas e pontuação total de dificuldades do SDQ
– Versão de Professores com Suplemento de Impacto. ______________________________79
Quadro VIII -‐ Resultados da pontuação de impacto. SDQ – Versão de Professores
com Suplemento de Impacto.___________________________________________________________81
Quadro IX -‐ Diagnóstico de Perturbação Psiquiátrica, previsto pelo algoritmo do
SDQ. As categorias “possível” e “provável” são consideradas como casos. _________82
Quadro X – Distribuição dos resultados do SDQ, por género. _______________________82
Quadro XI – Distribuição dos resultados do SDQ, por turmas do pré-‐escolar e do 1º
ciclo.______________________________________________________________________________________83
Quadro XII – Distribuição dos resultados do SDQ, pela cronicidade das dificuldades
(conforme avaliado pelos pais).________________________________________________________84
Quadro XIII – Distribuição dos resultados do SDQ, pelo grau de sofrimento global
(conforme avaliado pelos pais).________________________________________________________85
Quadro XIV – Distribuição dos resultados do SDQ, pela interferência das
dificuldades no dia-‐a-‐dia da criança, em casa (conforme avaliado pelos pais).____85
Quadro XV – Distribuição dos resultados do SDQ, pela interferência das
dificuldades no dia-‐a-‐dia da criança, na relação com os amigos (conforme avaliado
pelos pais)._______________________________________________________________________________86
7
Quadro XVI – Distribuição dos resultados do SDQ, pela interferência das
dificuldades no dia-‐a-‐dia da criança, na aprendizagem na escola (conforme
avaliado pelos pais)._____________________________________________________________________87
Quadro XVII – Distribuição dos resultados do SDQ, pela interferência das
dificuldades no dia-‐a-‐dia da criança, nas brincadeiras/tempos livres (conforme
avaliado pelos pais)._____________________________________________________________________87
Quadro XVIII – Distribuição dos resultados do SDQ, pela sobrecarga para
pais/família das dificuldades (conforme avaliado pelos pais).______________________88
Quadro XIX – Distribuição dos resultados do SDQ, pelo impacto de dificuldades
(conforme avaliado pelos pais).________________________________________________________89
Quadro XX – Distribuição dos resultados do SDQ, pela cronicidade das dificuldades
(conforme avaliado pelos professores). ______________________________________________89
Quadro XXI – Distribuição dos resultados do SDQ, pela sobrecarga para
professores/classe/turma das dificuldades
(conforme avaliado pelos professores)._______________________________________________91
Quadro XXII – Distribuição dos resultados do SDQ, pelo impacto de dificuldades
(conforme avaliado pelos professores)._______________________________________________91
8
ÍNDICE DE IMAGENS
Imagem 1. Danos provocados pelo tornado___________________________________________21
Imagem 2. Danos provocados pelo tornado___________________________________________21
Imagem 3 – Sala e Cenário_____________________________________________________________109
Imagem 4 – Protagonista, o Grupo____________________________________________________110
Imagem 5 – Terapeuta e Coterapeuta ________________________________________________111
Imagem 6 – Aquecimento Inespecífico_______________________________________________112
Imagem 7 – Aquecimento _____________________________________________________________113
Imagem 8 – Dinâmicas e Jogos de Grupo_____________________________________________113
Imagem 9 – Aquecimento específico _________________________________________________114
Imagem 10 – Assumir outro papel____________________________________________________117
Imagem 11 – Papel social e da fantasia ______________________________________________118
Imagem 12 – Dramatização da queda________________________________________________119
Imagem 13 – Dramatização do transporte de ambulância _________________________119
Imagem 14 – Leitura de histórias_____________________________________________________120
Imagem 15 – Dramatização da história ______________________________________________120
Imagem 16 – Crianças a viverem os papéis da fantasia_____________________________121
Imagem 17 – Interpolação de resistências___________________________________________122
Imagem 18 – Representação simbólica ______________________________________________124
Imagem 19 – Papel psicossomático -‐ o dormir ______________________________________125
Imagem 20 – O lençol como objecto de transição ___________________________________125
Imagem 21 – Criar o personagem ____________________________________________________126
Imagem 22 – Viver o papel____________________________________________________________126
Imagem 23 – A cicatriz e a história___________________________________________________127
Imagem 24 – Criação da história _____________________________________________________127
Imagem 25 – Utilização de materiais no assumir do papel_________________________128
Imagem 26 – Dramatização da história______________________________________________128
Imagem 27 – Domínio do papel expandido__________________________________________129
Imagem 28 – Domínio do papel expandido__________________________________________129
Imagem 29 – Comentários ____________________________________________________________130
9
ÍNDICE
0-‐ INTRODUÇÃO_______________________________________________________________________13
1-‐ O DESASTRE NATURAL NUMA ESCOLA EM TOMAR___________________________20
2-‐ A CONCEÇÃO DE AJUDA ___________________________________________________________22
3-‐ CONSTRUÇÃO DE UM MODELO DE AJUDA _____________________________________26
3.1. Pressupostos epistemológicos e metodológicos_________________________27
3.2. Projeto de investigação – ação______________________________________________29
3.2.1. 1ª Etapa: Conhecer a dimensão do desastre e triagem ______________29
3.2.2. 2ª Etapa: Intervenção terapêutica de prevenção_____________________33
3.2.3. 3ª Etapa: Follow –up____________________________________________________33
3.3. Definição de situação_________________________________________________________36
3.3.1. A infância e as crianças como população alvo ________________________36
3.3.2. Modelo de transições de Afaf Meleis na construção do objeto ______40
3.3.3. Modelo de psicodrama e sociodrama de J. L. Moreno na
construção da intervenção terapêutico de prevenção__________________43
3.4. O encontro de modelos na construção da intervenção terapêutica
de prevenção em grupo______________________________________________________54
4-‐ PERCURSO METODOLÓGICO E EMPÍRICO______________________________________63
4.1. Entrevistas de Grupo_________________________________________________________63
4.2. Triagem – SDQ_________________________________________________________________66
4.2.1. Estudo transversal com estudo caso -‐ controlo aninhado ___________69
4.3. População e Amostra_________________________________________________________70
4.4. Colheita de dados_____________________________________________________________71
4.5. Descrição sociodemográfica e familiar ___________________________________72 4.6. Análise dos dados – SDQ_____________________________________________________75
4.7. Resultados SDQ – Pais com suplemento de impacto ____________________75
4.8. Resultados SDQ – Professores com suplemento de impacto___________79
4.9. Construção dos grupos terapêuticos de prevenção _____________________81
4.10. O que conhecemos das crianças “caso”_____________________________82
4.11. Discussão dos dados das crianças “caso” __________________________93
4.12. Conhecer a dimensão do desastre -‐
Desenhos das crianças_______________________________________________________94
4.12.1. Desenhos e narrativas das crianças em pré-‐escolar _________________99
10
4.12.2. Desenhos e narrativas das crianças do 1º ciclo_____________________100
4.13. Construção das sessões de intervenção terapêutica
de prevenção em grupo ____________________________________________________103
4.14. Construção dos grupos______________________________________________107
4.15. As sessões de intervenção terapêutica de
prevenção em grupo________________________________________________________109
4.16. Validação cultural do SDQ – Follow – up _________________________131
4.17. Avaliação Follow – up _______________________________________________133
4.17.1. Avaliação da intervenção terapêutica de
prevenção em grupo_____________________________________________________136
4.18. Síntese dos resultados finais_______________________________________137
5-‐ CONCLUSÃO_______________________________________________________________________142
BIBLIOGRAFIA________________________________________________________________________148
ANEXOS________________________________________________________________________________162
Anexo 1 – Procedimento Multissectorial – Consentimento Informado
e Esclarecido para Investigação do CHLC ___________________________________________163
Anexo 2 – SDQ – Versão Pais com Suplemento de Impacto ________________________164
Anexo 3 – SDQ – Versão Professores com Suplemento de Impacto________________165
Anexo 4 – Cotação do SDQ com suplemento de impacto – Versão Pais/ Professores_166
Anexo 5 – Translation of the original items to Portuguese_________________________167
Anexo 6 – Final version of the instrument in Portuguese __________________________168
Anexo 7 -‐ Translation to English of final version of the instrument
in Portuguese produced from the input of these focus groups ____________________169
APÊNDICE _____________________________________________________________________________170
11
RESUMO
Introdução: Ocorreu em Tomar um tornado que destruiu uma escola,
encontravam-‐se no interior 136 crianças, educadoras de infância, professoras e
pessoal não docente. Os adultos levantaram a possibilidade das crianças poderem
vir a desenvolver problemas de saúde mental.
Pertinência e Relevância do Estudo: Sabendo que na Região Europeia uma em
cada cinco crianças apresenta evidência de problemas de saúde mental e a maioria
não recebe tratamento especializado, foi elaborado um plano de investigação-‐ação
personalizado para identificar junto das 136 crianças, o risco de desenvolver
problemas de saúde mental.
Objetivos do estudo: Implementar um plano de prevenção em saúde mental,
constituído por três etapas distintas. A primeira etapa tem como objetivo
conhecer a dimensão do desastre e realizar triagem. A segunda etapa tem como
objetivo desenvolver uma intervenção terapêutica de prevenção. A terceira etapa é
de follow-‐up.
Métodos: Entrevistas de grupo; triagem e follow-‐up com instrumento Strengths
and Difficulties Questionnaire (SDQ); adaptação cultural para Portugal do
questionário de seguimento SDQ – follow-‐up; desenhos e narrativas sobre
desenhos, sujeitos a análise de conteúdo; intervenção terapêutica de prevenção.
Resultados: Das 103 crianças, 43 (41,7%) apresentavam risco de possível ou
provável perturbação mental, 42 integraram a intervenção terapêutica de
prevenção. Das 38 crianças que realizaram follow-‐up, 17 diminuíram o risco de
possível ou provável perturbação mental. Da avaliação, a maioria significativa dos
pais e professores consideraram que as crianças melhoraram, diminuindo o risco.
Conclusões: O SDQ mostrou ser útil na triagem e follow-‐up. Foi possível realizar
triagem em contexto escolar. A prevenção em contexto escolar é viável e com boa
adesão. A intervenção terapêutica de prevenção parece ser mais benéfica para
crianças com possível ou provável evolução para perturbação da conduta.
Palavras-‐chave: Crianças; SDQ; Desastre; Suplementação do papel; Psicodrama e
Sociodrama; Transições; Intervenção terapêutica de prevenção.
12
ABSTRACT
Introduction: Happened in Tomar a tornado that destroyed a school, where 136
children, kindergarten teachers, non-‐teaching staff and teachers were inside.
Adults have raised the possibility that children may develop mental health
problems.
Pertinence and relevance of the study: Knowing that in the European Region
one in five children has evidence of mental health problems and most do not
receive specialized treatment, a personalized research-‐action plan has been
developed to identify the risk of developing mental health problems among 136
children.
Study Objectives: Implement a mental health prevention plan consisting in three
distinct phases. The first step aims to know the dimension of the disaster and carry
out screening. The second stage aims to develop a therapeutic prevention
intervention. The third step is follow-‐up. The third phase is follow-‐up.
Methods: Group interviews; screening and follow-‐up with SDQ; cultural
adaptation of follow-‐up questionnaire SDQ to Portugal; drawings and narratives of
these drawings were done, subject to content analysis, therapeutic prevention
intervention.
Results: Of these 103 children, 43 (41.7%) present risk of possible or probable
mental disorder, 42 included the therapeutic intervention of prevention. Of the 38
children who performed follow-‐up, 17 lessened the risk of possible or probable
mental disturbance. From the evaluation, a significant majority of parents and
teachers found that children improved, reducing the risk.
Conclusions: The SDQ was shown to be useful in screening and follow-‐up. It was
possible to carry out screening in a school context. Prevention in the school context
is feasible and with good adherence. The therapeutic intervention of prevention
seems to be more beneficial for children with possible or probable evolution to
conduct disorder.
Keywords: Children; SDQ; Disaster; Supplementation of the role; Psychodrama
and Sociodrama; Transitions; Therapeutic intervention of prevention
13
INTRODUÇÃO
O aqui-‐e-‐agora presente na redação e entrega desta tese para discussão,
consubstancia um projeto de investigação-‐ação de triagem e prevenção da doença
mental na infância, junto de crianças que se encontram em risco, após viverem um
desastre natural na escola.
A Área de Pedopsiquiatria do Hospital D. Estefânia (HDE), no Centro Hospitalar
Lisboa Central (CHLC), recebeu um pedido da Proteção Civil de Tomar a solicitar
uma “intervenção pós – catástrofe”, após um Tornado ter destruído por completo
uma escola onde se encontravam presentes crianças, pessoal docente e não
docente. A solicitação a serviços regionais teve, pela direção de Pedopsiquiatria,
uma compreensão dialética entre a saúde e o social, não se fixando em exclusivo no
modelo médico, enquanto problema pessoal, diretamente causado por doença ou
trauma que requer um tratamento individual, mas integrando a compreensão
social do problema, que tem presente um conjunto complexo de condições, muitas
das quais originadas pelo meio, sendo a gestão do problema da responsabilidade
coletiva da sociedade, numa abordagem “biopsicossocial”1.
A singularidade do pedido conduziu uma resposta ideológica e atitudinal
particular para o caso, quer na triagem a efetuar quer nas medidas preventivas a
implementar em saúde mental e psiquiatria na infância.
Desastres naturais provocados por Tornado em Portugal são raros, os mais
frequentes são originados por temperaturas extremas, incêndios e inundações,
segundo a classificação do Centre for Research on the Epidemiology of Disasters, não
existindo registo de desastres que tenham ocorrido em escolas (CRED, 2012).
1 Proporcionar uma visão coerente das diferentes perspectivas de saúde a partir de uma perspectiva biológica, individual e social (WHO, 2007).
14
A direção clínica de Pedopsiquiatria, em colaboração com o Centro de
Investigação do CHLC, construiu uma resposta que permitiu realizar uma triagem
em saúde mental às crianças que viveram o Tornado e uma intervenção de
prevenção2 junto das crianças que se encontravam em risco de desenvolver uma
perturbação mental.
Assim, a finalidade da “intervenção pós-‐catástrofe” foi inserida no âmbito da
prevenção da doença mental na infância, decorrendo a triagem e intervenção3 de
prevenção em contexto escolar.
A resposta à solicitação da Proteção Civil teve presente os recursos regionais
em saúde mental e psiquiatria na infância, que se encontravam a cerca de 150 km
de distância, e a dimensão da população afetada, 136 crianças.
As intervenções de prevenção em saúde mental a implementar com crianças e
adolescentes têm indicação para decorrer em contexto escolar (WHO, 2017) (Joint
Action on Mental Health and Well-‐being, 2017), apresentando um papel
importante na melhoria da saúde mental e bem-‐estar de crianças e adolescentes,
com programas de prevenção e promoção eficazes (Almeida, 2015).
O Programa Nacional de Saúde Mental (2017) em 2017 – 2018, que tem como
meta de saúde a 2020 aumentar em 30% programas de promoção da saúde mental
e de prevenção das doenças mentais, na população da infância e adolescência,
apresentou como uma atividade relevante, que se desenvolve desde 2013, o
projeto “+ Contigo”. Este projeto tem financiamento da Direção Geral de Saúde e
intervém em meio escolar no âmbito do Plano Nacional de Prevenção do Suicídio
2 A WHO (2004a;17) define “Mental disorder prevention aims at “reducing incidence, prevalence, recurrence of mental disorders, the time spent with symptoms, or the risk condition for a mental illness, preventing or delaying recurrences and also decreasing the impact of illness in the affected person, their families and the society” (Mrazek & Haggerty, 1994).” 3 Por intervenção entendeu-‐se “uma atividade ou conjunto de atividades destinadas a modificar um processo, curso de ação ou sequência de eventos, a fim de alterar uma ou várias das suas características” (WHO, 2004:36).
15
2013-‐2017, tendo em 2016 abrangido 6151 alunos das regiões do Centro, Lisboa e
Vale do Tejo, Alentejo, Algarve e Açores.
Das entrevistas de grupo realizadas aos educadores de infância, professores,
pessoal não docente e pais das crianças, foi descrita sintomatologia como medo,
dificuldade na separação, comportamentos agressivos, enurese, ansiedade,
dificuldade em adormecer. Parte desta sintomatologia é sobreponível com
sintomas comuns que as crianças apresentam ao experienciar uma catástrofe
natural: medo, depressão, culpa, dificuldades de aprendizagem na escola e
diminuição do interesse por outras atividades, comportamento regredido,
perturbações do sono, perda de apetite, pesadelos, agressividade, dificuldades de
concentração e ansiedade de separação (ZOTTI et al, 2006; BAGGERLY e EXUM,
2008).
As catástrofes naturais na atualidade cobram um pesado tributo à saúde
mental4 das pessoas afetadas. A ansiedade é referida entre um terço e metade das
pessoas afetadas. Estudos com vítimas de catástrofes naturais indicam uma taxa
elevada de perturbações mentais (OMS, 2001).
Sabemos ainda que, além das crianças que apresentam uma perturbação
diagnosticável, muitas têm problemas de saúde mental que podem ser
considerados subliminares, não preenchendo os critérios de diagnóstico para
perturbação psiquiátrica, estão igualmente em sofrimento e beneficiariam de
tratamento especializado (CNSM, 2008).
A intervenção de prevenção neste contexto é indicada, visto as crianças
apresentarem sintomas detetáveis, que embora não constituam critérios para
diagnóstico psiquiátrico, apresentam um alto risco de vir a desenvolver uma
doença mental (WHO, 2004a).
4 A saúde mental é parte integrante da saúde, não existe saúde sem saúde mental. A saúde mental é determinada por fatores socioeconómicos, biológicos e ambientais. Os pilares para uma vida com saúde mental, assentam nos primeiros anos de vida (OMS, 2010).
16
Quer no Plano Nacional de Saúde Mental 2007-‐2016, quer nas recomendações
para a prática clínica em saúde mental infantil e juvenil nos cuidados de saúde
primários, o Ministério da Saúde, o Alto Comissariado da Saúde e a Coordenação
Nacional para a Saúde Mental (2008; 2009) identificam as experiências
traumáticas e as situações de vulnerabilidade somática da criança como fatores de
risco que poderão predizer o aparecimento de alterações na saúde mental das
crianças e jovens. Na Região Europeia, uma em cada cinco crianças apresenta
evidência de problemas de saúde mental e esta proporção tende a aumentar sendo
que os estudos epidemiológicos mais recentes demonstram que as perturbações
psiquiátricas e os problemas de saúde mental se tornaram a principal causa de
incapacidade e uma das principais causas de morbilidade, nas sociedades atuais.
O Plano Nacional de Saúde Mental 2007-‐2016, assumiu como objetivo
fundamental, o diagnóstico precoce de situações psicopatológicas e de risco e a
implementação atempada de estratégias terapêuticas, como uma prioridade a nível
nacional, no contexto da promoção da saúde global da população.
Perante este contexto apresentou-‐se como essencial realizar uma triagem que
permitisse evitar fenómenos de undertiage5 ou overtriage6, adequando os cuidados
às necessidades das crianças e à capacidade de resposta dos serviços.
Na prática clínica desenvolvida pelo CHLC na especialidade de Psiquiatria da
Infância e Adolescência o uso do Extended Strengths and Difficulties Questionnaire
(SDQ), é recomendado para triagem na comunidade a crianças que se encontrem
em risco, visto permitir uma boa discriminação entre crianças com e sem sintomas
psiquiátricos (Moura, M; Encarnação, R.; Gomes, Fátima, 2010). A nível
internacional o SDQ foi igualmente selecionado para desenvolver uma metodologia
5Undertriage representa a não identificação de crianças que poderiam beneficiar de cuidados mais precoces ou diferenciados. A questão da somatização é igualmente relevante, um terço dos sintomas somáticos não têm explicação clínica. Alguns ensaios clínicos indicam que um acompanhamento adequado, com prestação de cuidados de saúde mental, pode reduzir os custos com recursos de saúde em cerca de um terço. (Miguel, Luís S.; Brito de Sá, Armando, 2010) 6 Overtriage, significa a sobrevalorização da necessidade real da atribuição de prioridade ou a disponibilização de recursos superior aos necessários para responder ás necessidades da criança. Esta situação pode levar á realização de exames auxiliares de diagnostico desnecessários e ao aumento da prescrição farmacológica. (Miguel, Luís S.; Brito de Sá, Armando, 2010)
17
eficaz e comparável no projeto The School Children Mental Health in Europe
(SCMHE), que tem como finalidade criar um conjunto de indicadores que permita
recolher e monitorizar a saúde mental das crianças de forma eficiente e
comparável entre os países da União Europeia (Kovess, V. et al, 2015).
O projeto de investigação-‐ação foi constituído por três etapas, com objetivos
distintos em cada etapa. A primeira etapa teve como objetivo conhecer a dimensão
do desastre, pela voz dos pais, professores, pessoal não docente e crianças; realizar
triagem que permitisse identificar as crianças em risco de uma possível ou
provável perturbação mental. A segunda etapa teve como objetivo desenvolver
uma intervenção terapêutica de prevenção junto das crianças que se encontravam
em risco. A terceira etapa teve como objetivo avaliar a intervenção terapêutica de
prevenção, reavaliando após a intervenção de prevenção, as crianças que
diminuíram, mantiveram ou aumentaram o risco, encaminhando posteriormente
para a consulta de pedopsiquiatria, quando os pais solicitam ou aceitam o
encaminhamento proposto pela equipa, por a criança se encontrar em risco.
Em cada etapa foi desenvolvida uma metodologia distinta para atingir os
objetivos. Na primeira etapa, as entrevistas de grupo com pais, educadoras de
infância e professoras permitiram conhecer a realidade, apresentar o projeto de
investigação-‐ação, clarificar questões, garantir a confidencialidade e a exclusiva
intervenção junto das crianças em que os pais concordando, assinaram o
consentimento informado e esclarecido do CHLC. Foi realizada triagem recorrendo
ao instrumento SDQ que foi preenchido por pais e professores. Para aceder às
crianças, recolher a sua aprovação em participar e conhecer a presença do desastre,
foram realizados desenhos e narrativas sobre esses desenhos, sujeitos a análise de
conteúdo.
Na segunda etapa foi desenvolvida a intervenção terapêutica de prevenção, que
decorreu em contexto grupal, locus adequado para a transição e suplementação do
papel, através de processos de comunicação e interação desenvolvidos nas sessões,
recorrendo ao Psicodrama e Sociodrama (Moreno, 1992; 1992a; 2013) como
18
ferramenta, mobilizando as técnicas para clarificar o papel, assumir o papel, criar o
papel e apresentar o domínio do papel expandido (Melleis, 2010).
Na terceira etapa foi realizada a adaptação cultural para Portugal do
questionário de seguimento SDQ – follow-‐up, que permitiu reavaliar as crianças e
avaliar a intervenção terapêutica de prevenção.
Quadro I – Etapas, objetivos e métodos do projeto de investigação-‐ação
Etapas Objetivos Métodos/ Técnicas
1ª . Conhecer a dimensão do desastre.
. Realizar Triagem.
. Entrevistas de grupo a pais,
professores e pessoal não docente.
. Desenhos e narrativas das crianças.
. Extended Strengths and Difficulties
Questionnaire. (SDQ)
2ª . Desenvolver uma intervenção
terapêutica de prevenção com
crianças em risco de uma possível ou
provável perturbação mental.
. Contexto grupal, através de processos
de comunicação e interação
desenvolvidos com recurso ao
Psicodrama e Sociodrama como
ferramenta, mobilizando as técnicas
para clarificar o papel, assumir o papel,
criar o papel e apresentar o domínio do
papel expandido, segundo a teoria de
Afaf Meleis.
3ª . Realizar Follow-‐up.
. Avaliar a intervenção terapêutica de
prevenção.
. Adaptação cultural do Extended
Strengths and Difficulties
Questionnaire (SDQ) – Follow-‐up
. Aplicação do Extended Strengths and
Difficulties Questionnaire (SDQ) –
Follow-‐up
19
Esta tese de doutoramento estrutura-‐se em introdução, quatro capítulos e
conclusão. Consideramos no primeiro capítulo o desastre vivido pelas crianças,
pais, docentes/ educadoras e pessoal não docente, o segundo e terceiro capítulos
sobre como se construiu a ajuda em saúde mental e psiquiatria, apresentando os
pressupostos metodológicos que estiveram na origem do projeto de investigação-‐
ação. A apresentação do modelo de transições de Afaf Melleis e do modelo de
Psicodrama e Sociodrama de J. L. Moreno, permitiu concetualizar a intervenção
terapêutica de prevenção em saúde mental na infância. O quarto capítulo
apresenta o percurso metodológico da triagem, intervenção e follow-‐up,
finalizando com a conclusão.
20
1. O DESASTRE NATURAL NUMA ESCOLA EM TOMAR
A sete de Dezembro de 2010 ocorreu em Tomar7 um tornado8, classificado
como de nível 3 na escala de Fujita melhorada, com rajadas de vento entre os 218 e
266 km/h. Os desastres9 naturais mais frequentes em Portugal são originados por
temperaturas extremas, incêndios e inundações, segundo a classificação do Centre
for Research on the Epidemiology of Disasters (CRED, 2012), onde se encontram
inseridos os desastres ocorridos em Portugal de 1900 a 2013. Para um desastre ser
inserido no banco de dados da CRED tem de apresentar um dos seguintes critérios:
10 ou mais pessoas mortas; 100 ou mais pessoas afetadas; declaração do estado de
emergência; pedido de ajuda internacional. Este tornado de 2010 não se encontra
inserido no banco de dados da CRED -‐ não ocorreram mortos, não foi declarado
estado de emergência nem pedida ajuda internacional, contudo foram afetadas 136
crianças, cinco professores, duas educadoras de infância e quatro assistentes
operacionais.
No momento do desastre as intervenções da Proteção Civil e unidades de
saúde locais foram as necessárias no socorro imediatos, todas as crianças e
profissionais afetados tiveram os cuidados de saúde necessários decorrentes do
desastre. Tendo a escola ficado totalmente destruída, como se observa na imagem
1 e 2, foram colocados contentores em outra escola do conselho, que permitiu
manter o ano letivo a decorrer. Foram realizadas obras na escola com o objetivo de
iniciar o ano letivo seguinte. No decorrer do segundo e terceiro períodos do ano
escolar as crianças apresentaram comportamentos na escola e em casa que os 7 Tomar é uma cidade portuguesa, com 40 677 habitantes numa área de 351.2 Km2 situada no centro geográfico do pais, pertencente ao Distrito de Santarém, região Centro e sub-‐região do Médio Tejo. http://www.cm-‐tomar.pt/index.php/pt/municipio/concelho/caracterizacao
8 Um tornado é uma coluna de ar rotativa (Vortex) que emerge da base de uma nuvem cumulonimbus e tem contato com a superfície da Terra. Tipicamente forma-‐se durante uma tempestade de convecção severa nas chamadas super-‐células e muitas vezes é visível como uma nuvem em forma de funil. Os tornados são geralmente de curta duração, durando, em média, não mais que 10 minutos. Eles podem gerar velocidades de vento acima dos 400 km/h são considerados o fenômeno meteorológico mais destrutivo. A intensidade dos tornados é avaliada através da Escala de Fujita melhorada (CRED, 2012).
9 CRED (2012) define um desastre como "uma situação ou evento que supera a capacidade local, necessitando de um pedido a um nível nacional ou internacional para a ajuda externa, um acontecimento imprevisto e, muitas vezes súbita que causa grande dano, destruição e sofrimento humano."
21
educadores, professores e pais associaram ao risco acrescido de poderem vir a
desenvolver problemas de saúde mental.
Sala comum onde se encontravam as crianças Escola destruída pelo tornado, sem tecto, portas e janelas Imagem 1 e 2 -‐ Danos provocados pelo tornado -‐ www.sabado.pt
Segundo os pais e equipa docente, a Proteção Civil e o Centro Hospitalar
Médio Tejo, deram uma resposta eficaz e de qualidade às necessidades decorrentes
do trauma físico vivido, mas durante o ano letivo, sentiram a necessidade de uma
resposta para a possibilidade das crianças poderem vir a desenvolver problemas
de saúde mental.
Os danos que as crianças apresentavam decorrentes do desastre foram,
equimoses, hematomas, feridas contusas e perfurantes, esfacelos e fraturas.
Nenhuma criança morreu, mas a quase totalidade apresentava, quatro meses
depois, cicatrizes em várias zonas do corpo, resultantes do desastre. Se as
cicatrizes evidenciavam o fim de um processo de cicatrização, quando associadas a
outras manifestações como agitação, angústia de separação, comportamento
agressivo, enurese, alterações no padrão de sono e repouso com insónia,
hipersónia e pesadelos, insegurança, labilidade emocional, medo10, gerou nos pais
e na equipa docente uma incapacidade em ler e interpretar estes comportamentos
nas crianças.
10 Agitação: hiperatividade, condição de excitação psicomotora sem objetivo, atividade incessante, andar sem parar, descarga de tensão nervosa associada com ansiedade, medo ou stress mental; angustia de separação: sentimento de medo e apreensão causados pela separação; comportamento agressivo: ação ou atitude energética de auto-‐assertividade imposta a outro, expressa física, verbal ou simbolicamente; enurese: Incontinência Urinária, perda involuntária de urina; hipersónia: duração anormalmente longa de um sono, letargia, associado a fatores mais psicológicos que físicos; insónia: incapacidade de dormir ou manter-‐se a dormir a noite toda, normalmente associado a fatores psicológicos; pesadelo: sonhar durante o sono de movimento rápido dos olhos, sentimento crescente de medo que é impossível fugir; insegurança: emoção negativa, sentimento de incerteza, falta de confiança; medo: sentir-‐se ameaçado, em perigo, perturbado devido a causas conhecidas ou desconhecidas; emoção: sentimentos conscientes ou subconscientes, agradáveis ou dolorosos, expressos ou não expressos, podem aumentar com o stress ou com a doença (CIPE, 2011).
22
2. A CONCEÇÃO DE AJUDA
A solicitação de ajuda foi encaminhada para o Centro Hospitalar Lisboa
Central (CHLC), Área de Pedopsiquiatria do Hospital D. Estefânia (HDE) em Março
de 2011, após a escola e pais das crianças não terem consigo ajuda local. De início,
solicitaram ajuda ao agrupamento de Centros de Saúde (ACeS) Médio Tejo II, ao
Centro Hospitalar Médio Tejo e ao Hospital de Santarém. Nos centros de saúde não
existem equipas especializadas para desenvolver uma intervenção em saúde
mental na infância e o Centro Hospitalar Médio Tejo tinha uma Pedopsiquiatra a
meio tempo (20h/ semana), não existindo mais profissionais nessa área.
Segundo a Rede de Referenciação Hospitalar de Psiquiatria da Infância e
Adolescência (RRHPIA)11 (ACSS, 2010), quando as instituições locais da Região de
Saúde de Lisboa e Vale do Tejo não conseguem dar resposta, referenciam para o
CHLC. A Proteção Civil de Tomar, dando resposta ao sentimento de insegurança
dos pais e docentes perante o comportamento que as crianças apresentavam após
a experiência do acidente, e na ausência de resposta local, solicitaram a nível
regional uma “intervenção pós – catástrofe” junto de crianças do pré – escolar e
primeiro ciclo que se encontravam no interior da escola quando esta foi destruída
por um tornado, de acordo com a RRHPIA.
Após o pedido chegar à Área de Pedopsiquiatria12, a Direção da Área com o
apoio do Centro de Investigação do CHLC conceberam a intervenção, planeando a
triagem e a intervenção terapêutica de prevenção junto das 136 crianças do pré-‐
escolar e primeiro ciclo do ensino básico em Tomar. Era inviável a resposta
habitual em pedopsiquiatria, realizando a triagem e intervenção terapêutica à
criança e família em ambiente hospital. Deslocar 136 crianças, famílias,
professores, educadores a 150 Km, com uma periodicidade semanal, tinha um
11 Administração Central do Sistema de Saúde e Coordenação Nacional para a Saúde Mental. Rede de Referenciação Hospitalar de Psiquiatria da Infância e da Adolescência. Disponível em http://www.acss.min-‐saude.pt/Portals/0/DOCUMENTO%20T%C3%89CNICO%20DE%20SUPORTE_RRH_PSIQ%20IA_VERS%C3%83O_%2023%20NOV.pdf .
12 Centro Hospitalar Lisboa Central. http://www.chlc.min-‐saude.pt/content.aspx?menuid=214&eid=2325&returnUrl=%2fcontentlist.aspx%3fmenuid%3d214
23
impacto danoso quer no absentismo laboral dos pais quer no normal
funcionamento da escola, por um período que se previa longo. Existia de igual
forma o risco de Overtriage, a empatia exclusivamente humanitária com as
crianças que experienciaram o desastre, sem a avaliação clínica realizada em
triagem, que identificasse as crianças em risco, inviabilizava a intervenção por
sobrevalorização das necessidades reais. Considerar a intervenção irrealizável por
falta de recursos humanos, materiais ou financeiros, colocaria um conjunto de
crianças em risco acrescido, numa situação de Undertriage, com a dupla
desvantagem de terem experienciado o desastre e não beneficiarem de cuidados
precoces e diferenciados.
A conceção da intervenção teve presente a revisão da literatura em estudos
publicados em artigos científicos13, que mobilizámos ao longo do trabalho, e
recomendações internacionais14, sendo enquadrada na regulação nacional em
saúde mental e psiquiatria15 e regulação institucional, uma vez que se desenvolve
no HDE do CHLC, instituição certificada pelo CHKS.16
13 Publicados em texto integral, escritos em inglês na base de dados electrónica EBSCO -‐ EBSCOhost Search Screen -‐ Advanced Search Database -‐ CINAHL Plus with Full Text; MEDLINE with Full Text; Psychology and Behavioral Sciences Collection; MedicLatina; Health Technology Assessments; Cochrane Central Register of Controlled Trials; Cochrane Database of Systematic Reviews; Database of Abstracts of Reviews of Effects; Cochrane Methodology Register; Academic Search Complete; Fuente Académica; E-‐Journals; Library, Information Science & Technology Abstracts. Os artigos foram selecionados considerando os critérios de inclusão: Crianças; SDQ; Desastre; Intervenção terapêutica de prevenção e método de investigação indutivo ou dedutivo. Como critério de exclusão: Estudos não empíricos e sem relação com o objeto de estudo. 14Instituições e documentos internacionais -‐ WHO (2005) Mental Health Declaration for Europe; European Comission (2005) Mental Health Promotion and Mental Disorder Prevention. A policy for Europe; European Comission (2008) European Pact for Mental Health and Well-‐being 2008; WHO (2013) Mental Health Action Plan 2013-‐2020. WHO/ICN (2007) Atlas Nurses in Mental Health; Braddick, F., Carral, V., Jenkins, R., & Jané-‐Llopis, E. (2009). Child and Adolescent Mental Health in Europe: Infrastructures, Policy and Programmes. Luxembourg: European Communities; COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (2005) -‐ Livro Verde – Melhorar a saúde mental da população rumo a uma estratégia de saúde mental para a união europeia. Bruxelas.; ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (2010) -‐ Mental health: strengthening our response. Fact sheet N°220.
15 Coordenação Nacional para a Saúde Mental . Plano Nacional de Saúde Mental (2007-‐2016); Direção Geral de Saúde (2017). Programa Nacional para a Saúde Mental -‐ 2017.
16 O Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE conseguiu obter o reputado galardão da Acreditação Total pelo Caspe Healthcare Knowledge System (CHKS) para duas das suas unidades hospitalares: o Hospital de Santa Marta e o Hospital Dona Estefânia. http://www.chlc.min-‐saude.pt/content.aspx?menuid=147&eid=2395&returnUrl=%2Fcontentlist.aspx%3Fmenuid%3D147%26search%3D%26page%3D2
24
Foram consultados peritos em Enfermagem, Psiquiatria da Infância e
Adolescência e Investigação, emergindo o desafio de associar a intervenção a uma
investigação clínica. No curso de Doutoramento em Enfermagem, na Escola
Superior de Enfermagem de Lisboa em parceria com a Universidade de Lisboa, o
desafio foi aceite, enquadrando-‐nos num posicionamento epistemológico na
perspectiva de desenvolvimento da enfermagem que aumenta o potencial do
exercício profissional, acreditámos que na atualidade a disciplina de enfermagem
deverá surgir em paralelo com o desenvolvimento do exercício profissional dos
enfermeiros, diminuindo o fosso entre a formação e a prática clínica (Paiva, 2006,
40).
Dos peritos consultados em Enfermagem a Professora Doutora Lucília
Nunes17 aceitou o desafio de orientar o estudo, o Doutor Daniel Virella18 assegurar
suporte à investigação, o Dr. Luís Simões Ferreira, Diretor da Área de
Pedopsiquiatria, do suporte clínico assim como a Dr.ª Maria João Brito, Presidente
da Sociedade Portuguesa de Psicodrama, quando o modelo de intervenção em
grupo se apresentou como uma possibilidade da intervenção.
Justificando o posicionamento epistemológico de desenvolvimento da
enfermagem, não nos colocámos na compreensão tradicional da cultura ocidental,
de afastamento entre prática e teoria, distinguindo o conhecimento de produção
(Nunes, 2017), integramos de forma coexistente a prática clínica e a prática teórica,
a clínica de Enfermagem não se poderia desenvolver sem os conceitos, a ciência
que a suporta19.
17 Lucília Rosa Mateus Nunes, Professora Doutora, Professora Coordenadora – Departamento de Enfermagem– Escola Superior de Saúde – Instituto Politécnico de Setúbal, Campus do IPS, Estefanilha, Edifício da ESCE, 2914 -‐ 503 Setúbal http://www.si.ips.pt/ess_si/FUNCIONARIOS_GERAL.FORMVIEW?P_CODIGO=8471
18 Daniel Virella Gomes, Mestre, Assistente Hospitalar Graduado de Pediatria Médica -‐ Centro Hospitalar Lisboa Central – Hospital D. Estefânia – Centro de Investigação: Rua Jacinta Marto 1169 -‐045 Lisboa http://www.chlc.min-‐saude.pt/content.aspx?menuid=469&eid=2345&returnUrl=%2Fcontentlist.aspx%3Fmenuid%3D469
19 “O ideal de saber científico pode ser, hoje, considerado como um ideal histórico, mutável, que impõe os próprios critérios de racionalidade, suscita a formação de paradigmas nas diversas ciências, afeta a época em que existe, opera sincronicamente, permite distinguir revoluções locais e globais da ciência, separa as várias disciplinas e separa metodologia da ciência de sociologia do conhecimento.”(Nunes, 2017, 77)
25
A classificação de determinados conceitos é negativa se autoritária, fechada,
não permitindo o seu questionamento, terminando com a investigação conceptual.
“Todo o conceito que, pelo contrário, possibilita discórdia, rejeição – isto é, que
admite diálogo e que não impõe o fim da conversa, este tipo de conceito então, pelo
contrário, é benéfico; mais: é indispensável (Tavares, 2013, 29).
A necessidade de cuidados das crianças divergiam de uma clínica tradicional,
médico-‐científica20 onde predomina o modelo biomédico (Cabral et al, 2002) que
privilegia a intervenção curativa em detrimento de medidas preventivas. A
compreensão desenvolvida a partir dos artigos científicos, das recomendações
internacionais, dos textos consultados e das ideias dos peritos foram relevantes; a
contemporaneidade de textos originais, em detrimento de um lugar histórico fixo
na cronologia, de uma data, têm influência pela força da emissão, cruzada com o
momento reflexivo do receptor21 (Tavares, 2013).
Na constituição da equipa que iria realizar a triagem e intervenção, foram
integrados, o Enfermeiro Ricardo Rodrigues, Especialista em Enfermagem de
Saúde Mental e Psiquiatria e Diretor de Sociodrama pela Sociedade Portuguesa de
Psicodrama, a Enfermeira Cláudia Calças e Enfermeira Lurdes Simeão que se
encontravam a realizar o Curso de Pós–Licenciatura de Especialização em
Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica e o Mestrado em Enfermagem de
Saúde Mental na Escola Superior de Enfermagem de Lisboa22.
20 “…a melhoria dos cuidados de saúde e os avanços no campo da medicina e da farmacologia levaram a uma desvalorização dos factores ambientais, sociais e psicossociais na explicação e prevenção das doenças. Como consequência desta situação de domínio do modelo biomédico, que privilegia uma concepção de doença e das suas causas em termos microbiológicos e fisiológicos, a estratégia política de melhoria da saúde pública e individual reduz-‐se, basicamente, ao aumento da oferta e/ou da qualidade dos serviços de saúde e ao acesso aos medicamentos.” (Cabral et al; 2002, 30) 21 Gonçalo M. Tavares (2013) desenvolve: conhecer é tornar presente; conhecer algo do passado é resgatá-‐lo desse tempo, é puxá-‐lo para aqui e para hoje, é este o processo de tornar contemporâneo correntes de pensamento. 22 Concluíram sob minha orientação os relatórios, respetivamente: “O Desenho e a Narrativa como mediadores – da Avaliação à Intervenção em Enfermagem de Saúde Mental” e “Avaliação Clínica em Enfermagem de Saúde Mental em Crianças do Pré – Escolar e 1º Ciclo após a experiencia de um Tornado”.
26
3. CONSTRUÇÃO DE UM MODELO DE AJUDA
A decisão tomada pela direção da área de Pedopsiquiatria em ser o
profissional de saúde integrado na profissão de Enfermagem23 a planear a triagem
e intervenção, congrega uma pluralidade de justificações24 sobre os regimes de
ação25 desenvolvidos como Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Saúde
Mental e Psiquiatria26 vinculado à disciplina de Enfermagem27.
Da revisão da literatura, da prática clínica desenvolvida na área e do parecer
de peritos, foi consensual na etapa inicial a necessidade de realizar entrevistas de
grupo não estruturadas aos educadores de infância e professores, pais e pessoal
não docente. Foi necessário conhecer a perspetiva de quem viveu o desastre, criar
um contexto onde os diferentes atores se pudessem expressar livremente, tendo o
entrevistador/investigador a função de estimular a partilha, solicitar relatos e
opinião sobre o experienciado, perceção sobre possível repercussão no presente,
facilitando o meio onde possam ser expressas emoções e sentimentos (Fortin,
2000).
Tendo a população alvo uma dimensão significativa, 136 crianças, pais ou
23 Enfermagem é a profissão que, na área da saúde, tem como objectivo prestar cuidados de enfermagem ao ser humano, são ou doente, ao longo do ciclo vital, e aos grupos sociais em que ele está integrado, de forma que mantenham, melhorem e recuperem a saúde, ajudando-‐os a atingir a sua máxima capacidade funcional tão rapidamente quanto possível. (Artigo 4º; nº1 do Decreto-‐Lei nº 161/96, de 4 de Setembro com alterações introduzidas pelo decreto-‐Lei nº 104/98 de 21 de Abril – Regulamento do Exercício Profissional do Enfermeiro – REPE)
24 “O modelo de ação justificadora não é construído em nenhum vazio. A sua coerência interpretativa baseia-‐se nas propriedades contidas nas situações experimentadas pelos indivíduos ao longo de todos os dias das nossas vidas.” (Resende, 2003, 204)
25 Em Diário da República, 2.ª série — N.º 35 — 18 de Fevereiro de 2011, foi publicado o Regulamento n.º 129/2011, das Competências Específicas do Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Saúde Mental, que suporta os regimes de ação dos Enfermeiros Especialistas em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria.
26 Enfermeiro especialista é o enfermeiro habilitado com um curso de especialização em enfermagem ou com um curso de estudos superiores especializados em enfermagem, a quem foi atribuído um título profissional que lhe reconhece competência científica, técnica e humana para prestar, além de cuidados de enfermagem gerais, cuidados de enfermagem especializados na área da sua especialidade. (Artigo 4º; nº3 do Decreto-‐Lei nº 161/96, de 4 de Setembro com alterações introduzidas pelo decreto-‐Lei nº 104/98 de 21 de Abril – Regulamento do Exercício Profissional do Enfermeiro – REPE);
27 Na disciplina de Enfermagem a teoria das transições de Afaf Meleis apresenta uma possibilidade de compreensão sobre o impacto na saúde das crianças que vivem um desastre, assim como nos familiares e pessoal docente, assim como na leitura da superação.
27
tutores legais, cinco professores, duas educadoras de infância e quatro assistentes
operacionais, elaboramos previamente o projeto de investigação – ação, de forma a
apresentar aos pais, tendo sido previamente acordado com estes e profissionais da
escola a opção por entrevistas de grupo, evitando assim múltiplas deslocações à
escola, diminuindo o risco de abandono do projeto ("drop out"), e potenciando a
partilha de experiências semelhantes.
3.1. Pressupostos epistemológicos e metodológicos
Foi em Maio de 2011, durante o debate desenvolvido na discussão pública do
projeto de tese, que se afirmou a adequação da metodologia de investigação–ação.
Entendendo a necessidade de desenvolver uma metodologia indutiva, próxima da
ação, adoptou-‐se a partir do objeto de estudo, que a realidade emerge
anteriormente à teoria, e os seus questionamentos não são deduzidos à posteriori
de um quadro conceptual, mas induzidos à priori por uma realidade interpelante.
(Guerra, 2002, 44)
Afastando-‐nos do paradigma empírico, do que se conhece pode ser verificado,
vinculamo-‐nos ao paradigma interpretativo, posicionando-‐nos numa compreensão
da realidade complexa onde o contexto ganha importância e os atores atuam
reciprocamente. As metodologias de investigação–ação apresentam como
elemento fulcral da estratégia de conhecimento a relação entre o cientista e o seu
objeto de estudo. (Guerra, 2002, 43)
Tomando por foco a experiência humana, a subjetividade é enfatizada em
detrimento da objetividade, ambicionando aproximar a teoria da prática, de uma
prática centrada na pessoa, enquanto cliente dos cuidados de enfermagem. Dando
resposta às necessidades de uma população de crianças que experienciou um
desastre, posicionámo-‐nos epistemologicamente na perspetiva de um
desenvolvimento da enfermagem que aumente o potencial do exercício
profissional dos enfermeiros, mobilizando a disciplina de enfermagem na
conceptualização do problema experienciado pela população e no suporte ao
28
desenvolvimento clínico da profissão de enfermagem, tanto na triagem, como na
intervenção terapêutica de prevenção e reavaliação.
A complexidade em definir investigação–ação materializa-‐se nas diferentes
formas de ligar a prática à pesquisa. Alcides Monteiro (1988) apresenta várias
definições de investigação–ação (Guerra, 2002), apresentando enquanto um
processo no qual os investigadores e os atores conjuntamente investigam
sistematicamente um dado e põem questões com vista a solucionar um problema
imediato, experienciado pelos atores e a enriquecer o saber cognitivo, o saber–
fazer e o saber–ser, num quadro ético mutuamente aceite, onde o investigador já
não realiza a rutura (epistemológica) através da não–implicação no terreno,
através do seu distanciamento das produções ideológicas dos grupos implicados e
dos seus interesses. Ao contrário, o investigador procura a rutura através da sua
intervenção ativa desde o primeiro momento da constituição do grupo.
Guerra (2002) refere-‐nos a pluralidade dos campos de aplicação da
investigação–ação, desde a intervenção psicossociológica (Kurt Lewin, Moreno
Touraine), que tem como objetivo a produção de conhecimento, compreendendo o
que se passa mas, ao mesmo tempo, implicando a participação de todos os que
intervêm na produção de conhecimento com vista à mudança, à intervenção pela
informação do grupo (Floyd Mann, Michel Crozier), centrada na capacidade dos
grupos para a mudança a partir de um melhor conhecimento de cada um dos
elementos do grupo, dos seus contextos e objetivos, na intervenção clínica,
apelidada na Europa de “intervenção–ação”, que se situa numa grande diversidade
de métodos e de campos de intervenção: desde a análise institucional de
Lapassade e de Lourau (em terapia ou em pedagogia), à inspiração Lewiniana dos
training groups em laboratório nos EUA e à inspiração Rogeriana em França.
Na atualidade, a intervenção é sobretudo utilizada em formação e em terapia.
Grupos de encontro, grupos terapêuticos, grupos–maratonas, gestalt–terapie,
grupos bioenergéticos, entre outros, geram-‐se na procura de satisfação das
necessidades emocionais dos indivíduos e dos grupos e na tentativa de os
29
reconciliar, incorporando técnicas de descontração, de formas de comunicação
afetiva e corporal. (Guerra, 2002)
3.2. Projeto de investigação – ação
O projeto foi construído com três etapas distintas, tendo objetivos distintos
em cada etapa.
A primeira etapa teve como objetivo conhecer a dimensão do desastre, pela
voz dos pais, professores, pessoal não docente e crianças, e realizar triagem,
identificando as crianças em risco.
A segunda etapa teve como objetivo desenvolver uma intervenção
terapêutica de prevenção com as crianças em risco de desenvolver uma possível ou
provável perturbação mental.
A terceira etapa teve como objetivo realizar follow-‐up e avaliar a intervenção
terapêutica de prevenção.
3.2.1. 1ª Etapa: Conhecer a dimensão do desastre e triagem
Para conhecer a dimensão do desastre foi previamente planeada com os pais
e profissionais da escola a realização de entrevistas, tendo sido realizadas
entrevistas de grupo não estruturadas, onde o tema sobre o desastre foi
introduzido, disponibilizando-‐nos para escutar as experiências narradas, surgindo
a expressão emocional e partilha de sentimentos. Foi igualmente introduzido o
tema sobre as manifestações das crianças na atualidade. As entrevistas foram
realizadas durante os meses de Setembro e Outubro de 2011, realizando-‐se
também uma entrevista de grupo com o pessoal não docente e outra com as
professoras e educadoras de infância.
As entrevistas de grupo com os pais e representantes legais foram divididas
em grupos de crianças com 4, 5 e 6 anos de idade, crianças com 7 e 8 anos de idade,
e crianças com 9 e 10 anos. Esta distribuição está associada ao desenvolvimento
30
das crianças e organização de grupos em número que fosse viável dinamizar. As
entrevistas foram registadas em diário de bordo. Na área de pedopsiquiatria, os
enfermeiros28 e outros profissionais de saúde, utilizam com frequência o SDQ29,
por ser um instrumento viável para a triagem, ter boa especificidade e moderada
sensibilidade, é igualmente sensível para avaliar o efeito da intervenção, quando
aplicado antes e depois, sendo sistematicamente utilizado em todo o mundo30 em
estudos de investigação clínica.
A aplicação do SDQ na triagem foi previamente validade com a equipa
coordenadora do instrumento31. Sendo um instrumento sensível para avaliar a
intervenção, permitiu igualmente ser mobilizado na terceira etapa do projeto,
follow–up. O SDQ inclui um algoritmo computorizado, que foi fornecido pela equipa
que coordena o instrumento, após apresentação do projeto. O risco é avaliado
através das pontuações da escala de sintomas emocionais, problemas do
comportamento e de hiperatividade, e através da pontuação de impacto, dos
questionários com suplemento de impacto preenchidos por pais e professores. O
algoritmo gera as classificações “improvável”, “possível” ou “provável” para quatro
categorias de perturbação em risco: perturbação emocional (incluindo ansiedade,
depressão, perturbação obsessivo-‐compulsiva, fobias), perturbação da conduta
(incluindo perturbação de oposição), perturbação de hiperatividade e perturbação
psiquiátrica (Goodman, Renfrew e Mukkick, 2000b).
Na primeira etapa do projeto, após as entrevistas de grupo, foi apresentado o
projeto de investigação–ação, na globalidade. Esclarecidas dúvidas, foi solicitado
aos pais ou representantes legais a leitura do consentimento esclarecido para
28 “Sendo o enfermeiro responsável pela conceção, planeamento, execução e avaliação dos cuidados de Enfermagem, a tomada de decisão na sua prática clínica assenta numa abordagem sistémica e sistemática da avaliação realizada em determinada situação/problema, suportando essa decisão através da observação direta e indireta, com recurso a escalas, instrumentos, equipamentos ou outros meios e métodos”. http://www.ordemenfermeiros.pt/documentos/Documents/Parecer_CE-‐72-‐2008.pdf
29 http://www.sdqinfo.com/d0.html
30 O SDQ encontra-‐se traduzido para mais de 40 idiomas (GOODMAN, 2001). Este questionário foi traduzido e validado para a população portuguesa por Bacy Fleitlich, Mário Jorge Loureiro, António Fonseca e Filomena Gaspar.
31 Equipa que coordena este instrumento (Helena Hamilton da Youthinmind Ltd) (http://www.youthinmind.com/)
31
participação no estudo de investigação, reforçando a salvaguarda dos direitos de
confidencialidade e privacidade, bem como o direito, a qualquer momento da
investigação, se poderem retirar, sem necessitar dar qualquer justificação para
essa decisão ou sofrer qualquer penalização. Após a leitura e esclarecimento das
questões colocadas, foram assinados os consentimentos de quem optou por
participar, encontrando-‐se em nossa posse no arquivo da direção de área.
Foi cumprido o Procedimento Multissectorial -‐ Consentimento Informado e
Esclarecido para Investigação do CHLC (Anexo 1). Após pais ou representantes
legais das crianças manifestarem o interesse em participar, foi pedido que
preenchessem o SDQ -‐ versão de pais com suplemento de impacto. Os
questionários incluem as instruções do instrumento e sempre que solicitado foi
fornecida explicação complementar. Os pais cuja disponibilidade não permitiu
estarem presentes nos dias agendados, foram informados sobre os objetivos e
metodologia do estudo pela diretora da escola. Esses pais e os pais que desejaram
partilhar em casal ou família a tomada de decisão para participar, preencheram
posteriormente o instrumento em casa ou na escola, depois de terem consentido
participar no estudo e assinado o formulário de consentimento esclarecido. Foram
disponibilizados outros momentos de atendimento a estes pais, para
esclarecimento de dúvidas.
O SDQ – versão professores com suplemento de impacto foi preenchido pelas
professoras e educadoras de infância após os pais consentirem a participação das
crianças no estudo. Tal como no SDQ–versão pais com suplemento de impacto, as
instruções do questionário estão descritas no início da folha de registo do
instrumento. Quando solicitado pelos professores foi fornecido esclarecimento
complementar.
Para desenvolver a interação com as crianças, dos 4 aos 10 anos de idade,
aceder ao seu mundo e conhecer a sua realidade sobre o experienciado, o desenho
apresentou-‐se como o mediador de melhor qualidade na infância. A narrativa
verbal apenas foi mobilizada, nesta etapa inicial, para solicitar o desenho às
crianças, não se realizando questionamento diretivo sobre o desastre, sendo a
32
interação desenvolvida com as crianças centrada no desenho, na sua reprodução,
na narrativa livre que desenvolveram sobre o desenho.
Conhecer a perceção das crianças sobre o desastre é reconhecê-‐las como
atores sociais, é escutando a criança que podemos perceber a verdadeira dimensão
atribuída a esta experiência (Sarmento, 2000), necessitando recorrer e mobilizar o
mundo da infância e não o mundo dos adultos. É na segunda infância que a criança
é capaz de delimitar e definir figuras compreensíveis para outros, passando o
desenho e a pintura a poder integrar emoções mais complexas, sentimentos e
interpretações racionalizantes, a criança representa cenas de luta, bons e maus,
percebendo-‐se que tal como o comportamento humano, o desenho e a pintura
infantil têm na sua base uma motivação emocional (Santos, 2009).
Foram solicitados vários desenhos às crianças e em seguida a criança falou
sobre eles; a narrativa oral da criança foi livre e realizado registo escrito pelos
investigadores. Na totalidade, foram sugeridos a cada criança quatro desenhos,
durante Novembro e Dezembro de 2012, três desenhos livres e um temático, sobre
a escola. Pretendeu-‐se a interação com a criança e a identificação da forma e
frequência com que o desastre era representado nos desenhos, assim como a sua
presença na narrativa oral, não sendo objetivo deste estudo realizar qualquer
análise aos desenhos, porém estes foram a ferramenta preferida nesta fase para
mediar a interação com as crianças.
Foram planeados com os pais e tutores legais novas entrevista de grupo, após
terem sido avaliados os resultados do SDQ, com a finalidade de apresentar o
resultado da triagem e validar a vontade de se manterem na segunda etapa do
projeto. Foi igualmente realizada uma entrevista de grupo com as educadoras e
professoras após a avaliação do SDQ, com a finalidade de apresentar os resultados,
previamente autorizado pelos pais. Foi também planeada uma entrevista de grupo
com pais e tutores legais a meio da intervenção, assim como com as educadoras e
professoras, para conhecermos a sua perceção sobre a intervenção e clarificar
questões que pudessem emergir.
33
3.2.2. 2ª Etapa: Intervenção terapêutica de prevenção
Após os resultados serem apresentados e validados com os pais, foram
identificadas as crianças em risco, constituindo-‐se os grupos. Foram realizadas
quatro sessões de grupo até à entrevista de grupo realizada com os pais, tutores
legais, educadoras de infância e professoras, para conhecer a perceção sobre a
intervenção e clarificar questões que tenham emergido. Desenvolveram-‐se em
seguida mais cinco sessões de grupo, totalizando nove sessões. Integrando a festa
final de ano na escola, a décima sessão constituiu uma apresentação à comunidade
escolar e o encerramento desta etapa.
A festa integra a cultura da área de Pedopsiquiatria do HDE desde o seu
fundador, João dos Santos (2009), significando um tempo e um espaço de vivência
emocional positiva. Desde o início da intervenção que perspetivámos a nossa
presença na festa de final de ano, vivendo-‐a no tempo presente, em todas as
sessões de grupo, até à sua concretização. Construir em grupo, uma representação,
com recurso à espontaneidade das crianças e à sua excelência dramática,
partilhando com a comunidade escolar a última sessão, foi a estratégia encontrada
para desocultar a associação que poderia estar latente, de estigma em saúde
mental.
3.2.3. 3ª Etapa: Follow – Up
Para avaliar a intervenção terapêutica de prevenção e o impacto no risco que as
crianças apresentavam, foi mobilizada a versão Follow-‐up do SDQ, aplicada a pais,
professores e crianças, que acresce aos 25 itens e suplemento de impacto, duas
questões32 que permitem avaliar a intervenção terapêutica de prevenção. As
32 A primeira questão é similar para a pais, professores e crianças ou adolescentes, variando o grau da pessoa a que se dirige:
Versão Follow-‐up do SDQ aplicada a pais – “Since coming to the clinic, are your child's problems:”
Versão Follow-‐up do SDQ aplicada a professores – “Since coming to the clinic, are the child's problems:”
Versão Follow-‐up do SDQ aplicada a crianças ou adolescentes – “Since coming to the clinic, are your problems:”
As opções de resposta para esta questão são: “much worse; a bit worse; about the same; a bit better; much better”.
34
versões Follow-‐up do SDQ não se encontravam traduzidas e validadas para a
população portuguesa, passando a ser nosso objetivo realizar a adaptação cultural
para Portugal do questionário de seguimento SDQ (versão Follow-‐up do SDQ), para
a aplicar posteriormente.
Planeámos com a equipa do Centro de investigação do CHLC e equipa que
coordena o instrumento33 a metodologia a realizar na adaptação das versões
Follow-‐up do SDQ para a língua e cultura Portuguesa.
Seis meses depois da intervenção, pais ou tutores legais, educadoras de
infância e professoras preencheram o SDQ Follow–Up. Após reavaliação, as
crianças que se encontravam em risco foram encaminhadas para consulta de
especialidade, por solicitação da equipa e aceitação dos pais.
A segunda questão é igual nas versões Follow-‐up do SDQ aplicado a pais, professores e crianças ou adolescentes: “Has coming to the clinic been helpful in other ways, e.g. providing information or making the problems more bearable?”
As opções de resposta para esta questão são: “not at all; only a little; quite a lot; a great deal”.
33 (Helena Hamilton da Youthinmind Ltd (http://www.youthinmind.com/)
35
Figura 1: Projeto de investigação – ação
1ª Etapa
• Realizar entrevistas de grupo com pais, tutores legais, educadoras de infância e professoras para conhecer a dimensão do desastre. • Apresentar o projeto de investigação -‐ ação. • Solicitar a leitura, preenchimento e assinatura do consentimento informado e esclarecido aos pais e tutores legais que aceitem participar. • Apresentar o instrumento SDQ aos pais, tutores legais, educadoras de infância e professoras. • Solicitar a leitura e preenchimento do instrumento SDQ. • Solicitar às crianças desenhos e escutar e registar a narrativa produzida. • Realizar entrevista com os pais e tutores legais para apresentar resultados da triagem e con�irmar disposição de se manter no projeto. • Realizar entrevista com educadoras de infância e professoras para apresentar resultados.
2ª Etapa
• Constituir grupos terapêuticos de prevenção com as crianças em risco. • Realizar quatro sessões em cada grupo. • Realizar entrevistas de grupo com pais, tutores legais, educadoras de infância e professoras, para conhecer a percepção sobre a intervenção e clari�icar dúvidas. • Realizar cinco sessões em cada grupo. • Realizar a ultima sessão integrada na festa de �inal de ano (décima sessão).
3ª Etapa
• Realizar a adaptação cultural do SDQ Follow -‐ Up. • Apresentar o instrumento SDQ Follow-‐up aos pais, tutores legais, educadoras de infância e professoras. • Solicitar a leitura e preenchimento do instrumento SDQ Follow-‐up. • Realizar entrevista com os pais e tutores legais para apresentar os resultados do Follow-‐up. • Realizar entrevista com educadoras de infância e professoras para apresentar resultados do Follow-‐up. • Encaminhar para consulta de especialidade, quando solicitado pelos pais ou tutores legais.
36
3.3. Definição de situação
A situação em que nós encontramos é de um grupo de crianças, de uma
escola em Tomar, saudáveis, sem patologia mental diagnosticada e sem qualquer
referenciação em saúde mental, prévia à experiência do desastre natural (tornado),
apresentando comportamentos em casa e na escola, após a experiência do desastre,
que pais, educadoras e professoras, têm dificuldade em interpretar e compreender,
levantando como hipótese, o risco acrescido das crianças terem um problema em
saúde mental, por terem experienciado o desastre natural.
3.3.1. A Infância e as crianças como população alvo
Estamos perante crianças que se encontram vulneráveis34, pelo fato de terem
vivido um desastre, crianças que até esse momento não tinham sido referenciadas
a qualquer consulta de saúde mental, quer a pedopsiquiatra, psicologia,
enfermagem ou outro profissional de saúde mental. Não possuindo nenhuma
destas crianças qualquer diagnóstico de doença mental, nem acompanhamento
prévio em saúde mental, estamos perante uma população não clínica.
Goffman deixa claro os riscos presentes numa interação cuja definição de
situação fora erradamente definida, as suposições na base das quais eram
previstas respostas dos participantes tornam-‐se insustentáveis, e os participantes
descobrem-‐se implicados numa interação desacreditada, podendo sentir-‐se
envergonhados, com sentimentos de hostilidade e todos passarão a ficar pouco à
vontade, perdendo o autodomínio, confusos, embaraçados, confrontados com uma
experiência do tipo anomia que emerge num pequeno sistema social da interação
cara a cara. (Goffman, 1993, 23)
34 "Vulnerability may be conceptualized as a quality of daily lives uncovered through an understanding of clients’ experiences and responses during times of transition. In this sense, vulnerability is related to transition experiences, interactions, and environmental conditions that expose individuals to potential damage, problematic or extended recovery, or delayed or unhealthy coping. Clients’ daily lives, environments, and interactions are shaped by the nature, conditions, meanings, and processes of transition experiences. Transitions are both a result of, and result in, change in lives, health, relationships, and environments. "(Meleis, 2010, 75)
37
A definição de situação neste estudo necessita estar estabelecida, pois é
distinta entre os pais, educadoras e professoras, e crianças. A distinção está
associada ao adulto e à criança, o mundo do adulto é distinto do mundo da infância,
os diferentes contextos de vida requerem uma atenção singular na interação, mas é
particular igualmente por as crianças integrarem uma intervenção terapêutica de
prevenção, situação distinta dos adultos.
Com os pais, educadoras e professoras as interações não estão sujeitos a uma
intervenção terapêutica de prevenção, e as crianças não estão presentes no
momento da interação com os adultos, assim a situação pode ser definida neste
contexto pela suspensão da ação, na medida em que os pais, educadoras e
professores quando são convocados para falar das crianças, aquando das
entrevistas, não estão em contexto de intervenção terapêutica de grupo nem face
às crianças. O mesmo não acontece em relação às crianças, a definição de situação
quando a criança acede à presença dos profissionais de saúde, a criança está em
interação com os enfermeiros em contexto clínico, é necessário ser projetado com
as crianças, na fase inicial da interação, e de forma clara na infância, como vão
decorrer as interações entre enfermeiros e criança em contexto de grupo,
diferenciando das interações desenvolvidas nos grupos que emergem em contexto
escolar. A diferenciação das interações que decorrem nos diferentes grupos em
que a criança se insere, evita contradições, constrangimentos e desmentidos,
associados à projeção inicial, garante a qualidade da interação, prevenindo que
esta se torne confusa, imposta ou hostil.
Nesta situação, na interação enfermeiro–criança, permitem-‐se atribuir
diferentes significados aos comportamentos e narrativas presentes. Em situação de
sessão de grupo, são convocados o mundo da infância, por se realizar com crianças,
o modelo de transições de Afaf Meleis e o Modelo de Sociodrama e Psicodrama de
J.L. Moreno. Ao atribuirmos significados distintos aos comportamentos e
narrativas das crianças, convocamos o foco que Meleis confere aos problemas de
enfermagem e as ferramentas que Moreno desenvolveu para atribuir uma
intencionalidade a essas interações.
38
A regra presente na interação em grupo apenas impede que qualquer
comportamento ou narrativa seja exercido de forma violenta, com a
intencionalidade de controlar ou dominar o outro, subjugando-‐o ou causando-‐lhe
sofrimento. A presença de comportamentos que podem ser interpretados de forma
inapropriada em situação social, como agressividade expressa de forma física ou
verbal, é atribuída a uma compreensão dos diferentes papéis vividos em interação
que não impede a sua presença nesta situação. É indispensável nesta fase inicial
definir esta situação com as crianças, entender esta diferença de todas as situações
vividas até aqui nas suas vidas, pois estamos perante uma população não clínica,
que nunca viveu uma intervenção terapêutica de prevenção, ou outra.
Distinguir esta situação de grupo da situação escolar, quer em sala de aula
quer no recreio, da situação familiar, quer com pais quer com outros familiares, da
situação de amizade e companheirismo com outras crianças, é essencial para que a
interação não se torne confusa. Podendo os papéis vividos nesta situação clínica
serem sujeitos a crítica em outras situações que não clínicas, a criança desenvolve
a capacidade de clarificar os papéis, assumir os papéis em situações distintas,
criando e dominando os múltiplos papéis em função da situação.
Atribuir esta capacidade reflexiva à criança é reconhecê-‐la como ator social
capaz de agir reflexivamente na interação com os adultos (Sarmento, 2000, 33-‐47),
é atribuir-‐lhe uma identidade própria, que se constrói desde a infância (Lapassade,
G.; Schérer, R., 1982). É retirá-‐la do papel passivo que na modernidade múltiplas
disciplinas lhe atribuíram, por exemplos pela imposição de regras socializadoras35,
e que na atualidade ainda observamos em algumas escolas.
A escola, enquanto conquista das sociedades modernas como o espaço
privilegiado da infância, fundada num conjunto de teorias pedagógicas construídas
por adultos, coloca a criança como principal ator desse mundo, uma vez que é para
ela que a escola se destina, mas por vezes não a compreende como ator social
35 Para Durkheim é através dos códigos jurídicos e dos laços de solidariedade orgânica que se encontra a objectivação destes ideais de moral laica, competindo primeiro à escola e depois ao mercado de trabalho estabelecer regras socializadoras (Durkheim, 2001)
39
pleno, ao se inibir de escutar a sua “voz” na organização da escola36. A situação de
intervenção terapêutica de prevenção em grupo, não se inscreve na incorporação
de regras, normas e valores, sociais e morais, ou na explicação de sinais e sintomas
que se relacionam com a experiência do tornado. A crítica sobre a experiência de
um desastre não se desenvolve de forma direta, no sentido de questionar as
crianças sobre os seus pensamentos, comportamentos ou emoções e sentimentos,
mas de acordo com a infância, com o desenho, o jogo e a dramatização como
formas naturais e espontâneas de interação. O desenho reflete o auto–conceito,
atitudes e conflitos de uma criança, e representa emoções ou pensamentos que as
crianças são incapazes ou não de verbalizar (Ryan-‐Wenger, 1998, 109).
No desenho surgem acontecimentos importantes que podem ser momentos
de alegria e felicidade, mas em seguida momentos desagradáveis podem surgir
repetidamente, sendo importante não realizar apenas um mas vários desenhos,
para facilitar a expressão do experienciado (Bédard, 2005).
O desenho não é sujeito a uma análise interpretativa mas a uma
representação que possibilita à criança comunicar, falar livremente, sem reparos
sobre o tema, traços ou cores, o discurso deve ser espontâneo sem ser associado às
experiências (Santos, 2009, 151).
O jogo e a dramatização são igualmente formas naturais e espontâneas na
infância, onde a narrativa não surge de forma isolada ou pensada, com possível
probabilidade de manipulação, mas através de comportamentos não verbais,
considerados os aspetos não controláveis do comportamento (Goffman, 1993).
A definição da situação é sempre relacional e tudo o que caracteriza a interação
face a face encontra-‐se presente no espaço e no tempo. Na presença um do outro,
os atores partilham um centro de atenção comum que lhes permite uma
coordenação estreita e continuada da ação (Goffman, 1993, 1999). Como nos diz
Goffmen, na génese do interacionismo simbólico que construiu, a vida quotidiana 36 As crianças falam sempre através dos adultos, têm palavra mas não têm voz. A criança é um elemento de representação, não é ele mesmo representável no sistema que contribuiu para determinar. (Garnier, P., 1995)
40
implica a presença de outros, logo a situação existe independentemente da nossa
ação. Com crianças, estarem ao mesmo tempo no mesmo espaço emerge ação, o
jogo e a dramatização são a forma natural e espontânea da ação na infância. Jogo e
dramatização na infância são meios naturais de viver a imaginação37.
3.3.2. O Modelo de transições de Afaf Meleis na construção do objeto
As crianças até ao momento em que viveram o Tornado nunca tinham sido
clientes de cuidados em saúde mental, nem em enfermagem de saúde mental. Afaf
Meleis identifica os desastres naturais e os desastres provocados pelo homem
como uma transição38 que exige o envolvimento imediato dos enfermeiros, quer
na ajuda imediata quer nas consequências que essas situações requerem em
cuidados nos processos de recuperação (Meleis, 2010,1).
Os desastres podem deixar danos ocultos nas pessoas que sobrevivem, a
ansiedade e medo podem durar muito tempo após a experiência do desastre,
contagiando amigos e familiares. Sendo um evento de vida anormal, por ser muito
ameaçador ou pôr em risco a vida, surge após um período normal, e requer
cuidados diferenciados para ultrapassar o evento traumático (Meleis, 2010, 613).
No nosso estudo estamos perante uma transição situacional, uma população
não clínica, constituída por crianças que viveu um evento anormal. Para Meleis, as
transições quando ineficazes levam à insuficiência do papel. Define insuficiência do
papel como qualquer dificuldade no conhecimento e/ou no desempenho do papel,
ou quando estamos perante sentimentos e objetivos associados ao comportamento
do papel, que é percebido pelo próprio ou por pessoas significativas como
insuficiente. Caracteriza-‐se por comportamentos e sentimentos associados a uma
37 A imaginação vista, não como ignorância ou um improviso mas uma racionalidade livre que constrói para si própria uma lógica, uma metodologia (Tavares, 2013, 33) 38 Transição é um conceito familiar nas teorias de desenvolvimento e nas teorias de stress e adaptação. Ela acomoda as continuidades e descontinuidades nos processos de vida dos seres humanos. As transições são invariavelmente relacionado à mudança e desenvolvimento, sendo que ambos são temas altamente relevantes para a enfermagem. Ás transições de desenvolvimento associam-‐se outras transições, as que estão ligados mais diretamente aos eventos situacionais e outras a processos de saúde-‐doença (Meleis, 2010, 25).
41
perceção de desarmonia em função ao desempenho esperado (Meleis de 1975,
2010,2, 16).
Os pais e professores sentiram essa desarmonia no comportamento das
crianças, associando os comportamentos e sintomas à experiência do Tornado.
A Enfermagem deve identificar as transições como o seu foco central, e
realizar estudos que permitam conhecer como as pessoas vivem essas transições,
assim como as terapias de enfermagem que aumentam a capacidade das pessoas
suportarem de forma saudável ou a resolver os problemas de saúde que advêm
(Meleis, 2010,7).
Transição é a passagem de um estado relativamente estável para um outro
estado relativamente estável, e é um processo desencadeado por uma mudança. As
transições são caracterizadas por diferentes fases, etapas e pontos de viragem
dinâmicos, podem ainda ser definidos por meio de processos e/ou resultados
finais (Meleis, 2010,11).
A finalidade no nosso estudo, é realizar uma triagem às crianças que
experienciaram um Tornado, identificando as que não se encontram num
estado estável, por risco de uma possível ou provável perturbação mental
(caso), desencadeando uma mudança por intervenção terapêutica de
prevenção em grupo com as crianças, reavaliando e identificando as crianças
que apresentam um estado estável, e as crianças que não apresentam um
estado estável.
Pretendemos ainda conhecer como as pessoas significativas, pais e
professores, perceberam o processo de mudança nas crianças, por
intervenção terapêutica de prevenção em grupo.
O papel em Meleis reporta-‐se ao uso interacionista simbólica do conceito,
como uma maneira de lidar com um outro papel imputada, decorrente da interação
com os atores em um sistema social, numa reciprocidade em que uma interação ou
42
uma troca social ocorre e é visto em termos de outros papéis relevantes. O papel
assumido por um ator em interação numa dada situação é validado, quando os
outros o aceitam e o reconhecem. Por exemplo, os papéis escolhidos pelo paciente
são validados pela aceitação de seus outros significativos, como a enfermeira ou os
membros da família (Meleis, 2010,14).
A insuficiência de papel pode apresentar-‐se por manifestações de forma
involuntária, como ansiedade, depressão, apatia, frustrações, tristeza, impotência,
infelicidade, agressividade e hostilidade. Estas manifestações necessitam ser
sujeitas a estudos empíricos sobre a transição de papel e transição para a saúde
(Meleis, 2010,16).
Suplementação de papel é definido como qualquer processo deliberativo
em que a insuficiência papel ou potencial insuficiência é identificado pelo titular do
papel ou pessoas significativas, e as condições e estratégias para clarificar o papel e
assumir o papel, são usados para desenvolver uma intervenção preventiva ou
terapêutica para diminuir, melhorar, ou prevenir a insuficiência papel.
Suplementação de papel está ainda definido como a transmissão de informações
ou conhecimentos necessários para trazer o titular do papel e outras pessoas
significativas para a plena consciência dos padrões de comportamento esperados,
unidades, sentimentos, sensações e objetivos envolvidos em cada função e seu
complemento (Meleis, 2010,17).
A suplementação de papel pode ser tanto preventiva como terapêutica.
Quando a suplementação de papel é usada como uma forma de esclarecimento dos
papéis para pessoas, antecipando a transição, ele age como preventiva. A
suplementação do papel como terapêutica, por outro lado, é utilizada quando a
insuficiência do papel se apresenta (Meleis, 2010,17).
A conceção da suplementação de papel necessita ser mobilizada e
estudadas as componentes, estratégias e processos no uso clínico. Mobilizar
ferramentas adequadas de investigação como na área do psicodrama, que contém
43
ferramentas para a prática e investigação relacionado com a comunicação e
assumir o papel (Meleis, 2010,18).
3.3.3. O Modelo de psicodrama e sociodrama de J. L. Moreno na construção da
intervenção em grupo
No nosso estudo a definição da situação é sempre relacional e tudo o que
caracteriza a interação face a face encontra-‐se presente no espaço e tempo, vivido
em grupo, numa intervenção terapêutica de prevenção. Terapia em J L Moreno é
um espaço e tempo em construção, construção de um homem que tem a
capacidade de criar, possuidor de capacidades criadoras que se desenvolvem num
esforço contínuo, com a ajuda de técnicas de improvisação (Moreno, 2013, 80).
Não é mais emocional do que intelectual, nem mais natural que espiritual, pois as
qualidades criadoras que o homem tem para se construir, estão à sua disposição e
convertem-‐se através da espontânea confluência de elementos inconsciente,
conscientes, emocionais, intelectuais e espirituais (Moreno, 2013, 80).
Em Moreno (2013) a terapia não está dependente de competências intelectuais,
as crianças criam-‐se em contexto de ação, com os elementos presentes do SI39, no
espaço e tempo do aqui-‐e-‐agora, no momento. A terapia não se desenvolve depois
do homem estar construído, finalizado num tempo distante, na idade adulta,
através de processos conscientes e corretivos.
Para Moreno, a ciência e a nova psicologia, precedidas pelas grandes religiões,
estabeleceram em nossas civilizações o ideal do sábio como sendo aquele homem
que atingiu um equilíbrio de perfeição através da supremacia intelectual. O seu
aspeto visível é o rosto de um velho, do produto acabado, a representação humana
da imagem de Deus depois de ter finalizado o Universo (Moreno, 2013, 81).
39 Neste contexto SI é mobilizado pela compreensão que António Damásio desenvolve, a que chama EU como testemunho, enquanto elemento adicional que revela a presença, em cada um de nós dos acontecimentos a que chamamos mentais. O EU na mente assume uma vasta gama de papéis, e sendo o EU a única forma natural de apreender a mente, estamos inteiramente dependentes da presença, capacidade e limites do EU. Embora saibamos que os processos mentais simples antecedem os processos do EU, torna-‐se extremamente difícil imaginar de forma independente a natureza do processo mental (Damásio, 2010, 30).
44
Em Moreno, Deus está mais próximo da humanidade antes do Sabath, a partir
do momento da conceção, durante o processo de criação e desenvolvimento dos
mundos e de “Ele Mesmo”, antes da obra concluída, porque não é a existência
perfeita e inatingível que é pintada ante nossos olhos mas um ser em crescimento,
em fermentação, em ativa formação, imperfeito, que se esforça por chegar à
perfeição e à completação (Moreno, 2013, 81).
Moreno nesta analogia bíblica, entre o Deus idolatrado, que criou o Universo e
o Deus que simbolicamente é negligenciado durante o momento da criação, associa
a atitude do homem para consigo mesmo, suas artes, sua moral, suas formas de
cultura, sociedade e governo. O homem, uma vez terminado o seu processo de
criação, tinha estabelecido não só a obra mas ele próprio, tinha-‐se estabelecido na
sua personalidade, nome, crédito, poder e retidão, e em virtude desse próspero
estado: o pintor, o escultor, o legislador de culturas e civilizações, esqueceram,
uma vez terminados os dias de criação, que tinham sido escravos no Egito,
esqueceram os dias magros de contínuos esforços de produção, esqueceram os
silêncios, desertos, imperfeições, desesperos e inferioridades dos dias da criação
(Moreno, 2013, 82).
Moreno desenvolve, nesta compreensão de em cada momento o homem ter a
capacidade de se criar, um modelo, a que denomina de “arte do momento”, onde
mobiliza um conjunto de técnicas da improvisação e do teatro, para o ato criador.
O ato criador tem características que Moreno associa com o processo de terapia.
O homem cria-‐se a ele próprio, e a espontaneidade; a sensação de surpresa e
inesperado; a irrealidade, no sentido em que transforma a realidade, como se o
nexo causal tivesse sido alterado ou eliminado; significa um atuar sui generis, pois
durante o processo de viver, atua-‐se mais sobre nós do que atuamos, dramatizar é
atuar, é criar; a dramatização tem um efeito mimético, a representação criadora
espontânea de pensamentos, emoções, frases, processos leva à consubstanciação
mimética (Moreno, 2013, 82).
45
Damásio refere a capacidade de reconstrução e reapresentação das
experiências vividas, não só por processos reflexivos conscientes, mas por
processos não-‐conscientes, a essência do que vivemos é reavaliado e
inevitavelmente reagrupado, memorizado com outras representações, modificado
ao de leve ou em profundidade, no que respeita à sua composição factual e ao
acompanhamento emocional presente. A nossa história pessoal vai sendo reescrita
durante todos os anos da nossa vida, podendo os factos adquirir novos significados,
sendo esta tarefa em grande medida um processo não-‐consciente (Damásio, 2010,
264).
Viver múltiplos papéis e contra papéis com quem nos encontramos em
interação, numa realidade suplementar, onde podemos trocar de papel, inverter os
papéis, não retira o valor vivencial e o potencial na construção do EU. Viver muitos
papéis aumenta a vasta gama de papéis que o EU assume na mente, e o potencial
de comportamentos e emoções que mobilizamos para a interação, promovendo
novas respostas e novas leituras ao que compreendemos como problema.
Conceitos como protagonista, diretor, egos auxiliares, auditório e cenário,
fazem parte de um léxico que permite demarcar a interação terapêutica da
interação social, sendo estes considerados, os “cinco instrumentos” do psicodrama
e sociodrama.
Importa clarificar a diferença entre psicodrama e sociodrama. Os
instrumentos a mobilizar em ambos são os mesmos, diferindo o protagonista, uma
vez que o psicodrama é uma terapia individual em grupo, logo cada dramatização
tem um protagonista e todo o auditório dramatiza a cena do protagonista. Sendo o
sociodrama uma terapia de grupo, o protagonista é o grupo, o auditório dramatiza
a mesma cena, pois é comum a todos. Um exemplo percetível desta distinção são
grupos homogéneos em relação à problemática, comportamentos aditivos por
exemplo, todos estão a viver a mesma situação. Outra clarificação prende-‐se com o
psicodrama de casal, que embora seja frequentemente denominado desta forma,
na realidade é sociodrama de casal, pois o foco é a família, não a terapia de um
elemento da família.
46
A sala de psicodrama é constituída por um cenário, onde existe um espaço
que demarca o contexto na sala onde decorre a dramatização, habitualmente um
estrado baixo no centro da sala. Simbolicamente no Psicodrama sobre o estrado
estão colocadas duas cadeiras vazias encostadas pelas pernas da frente, significa
esta posição o encontro que se vai processar. Quando as cadeiras são retiradas
inicia-‐se a dramatização, estamos em contexto dramático, onde o tempo e espaço
são suspensos, tudo pode ser vivido “aqui e agora”, numa realidade suplementar.
O diretor e ego auxiliar (equivalente ao terapeuta e coterapeuta) colocam-‐se
por detrás das cadeiras. A restante periferia da sala é ocupada pelos restantes
elementos do grupo, sentados, constituindo o auditório. O protagonista é o
elemento que vai estar em foco, trazendo as questões que são dramatizadas (Abreu,
1992, 13-‐14). Em sociodrama o protagonista é o grupo.
O cenário é equivalente ao palco teatral, é nesse espaço que se vai
processar a ação, a dramatização terapêutica, dinamizada pelo diretor e
protagonista, que convoca para a cena o que considerar necessário. O protagonista
solicita a outros elementos do grupo que participem representando as pessoas
presentes na sua situação a dramatizar. O diretor colabora na forma como a cena
decorre, dirige a cena, mobilizando as técnicas do psicodrama e recorre á
dimensão simbólica sempre que necessário, com objetos presentes na sala (Abreu,
1992, 14-‐15).
Desde experiências aparentemente banais, às fantasias mais escondidas
tudo se pode representar, e em contexto dramático tudo é reversível. São
convocados os papéis sociais, papéis psicossomáticos e papéis psicodramáticos. O
cenário, enquanto contexto dramático é um espaço de liberdade. Uma ação pode
ser repetida e modificada conforme as suas consequências, sendo que o diretor
pode sempre alterar a cena, cortar ou intervir de uma outra forma.
O protagonista no psicodrama é o elemento que se destaca do grupo pela
importância ou oportunidade das experiências que trás à discussão, sendo
47
convidado a representá-‐las no espaço do cenário, contando com a dinamização do
diretor (Abreu, 1992, 15-‐16).
Ao longo da dramatização, o protagonista e os elementos do grupo que
fazem de egos auxiliares, escolhidos por si, estabelecem interações, numa
realidade suplementar, alicerçada em fatos da vida real ou da sua fantasia.
Qualquer elemento do grupo pode ser ego auxiliar, mas depois de iniciada a
dramatização o diretor pode sempre substituir ou pedir para entrarem outros, os
quais passam a atuar segundo as suas diretivas, para porem em ação as técnicas
que o diretor mobilizar.
É indispensável que a equipa terapêutica inclua, para além do diretor, um
ou mais egos auxiliares com treino em psicodrama a fim de colaborar com o
diretor ao longo de toda a sessão. O conceito de ego auxiliar em psicodrama
reveste-‐se de uma grande importância. Uma personalidade em ação interage com
outras pessoas cuja imagem acaba por se incorporar nessa personalidade. O
recurso ao ego auxiliar repõe a ocorrência na verdadeira dimensão, com a sua
complexidade e espaço próprio, liberta o protagonista do sucessivo
desdobramento nos outros (Abreu,1992, 16).
A memória não precisa de recorrer apenas à situação original, mas a uma
duplicação não tensa e mais claramente reapreciada dessa situação. Ser ego
auxiliar também é terapêutico, apesar de representar indicações do protagonista,
compara frequentemente a sua representação a papéis idênticos desempenhados
na sua vida, tirando proveito de viver múltiplos papéis, aumentando o
autoconhecimento (Abreu,1992, 17).
Assim como o teatro não existe sem o público, a dramatização não tinha
sentido sem o seu próprio público, o auditório. Em psicodrama os elementos do
grupo que permanecem sentados durante a dramatização constituem o auditório.
Em sociodrama todo o auditório entra sempre na dramatização, todos são
protagonistas, embora durante a sessão possam não estar todos em cena.
48
O diretor corresponde ao terapeuta e é responsável por todo o processo do
psicodrama ou sociodrama. Em psicodrama durante a dramatização, o diretor não
entra em cena, colocar-‐se na periferia da sala, de forma a não perder o contacto
visual com o ego auxiliar, a quem dará instruções, e através do qual vai lidar com o
protagonista. Todas as decisões importantes são da competência do diretor, apesar
de contar com a colaboração do ego auxiliar, coterapeuta. Em sociodrama o diretor
entra em cena e dramatiza sempre que considere pertinente.
É o diretor que inicia e finda as sessões e dramatizações, analisa o material
importante e elabora estratégias terapêuticas, controla o aquecimento, escolhe o
protagonista e finaliza os comentários. O êxito do tratamento, como em qualquer
psicoterapia, depende muito da arte e competência do diretor (Abreu, 1992, 18).
Normalmente, as sessões de psicodrama são semanais, com a duração de
uma a duas horas. O tratamento pode requerer de um a dois anos, embora em
determinadas situações específicas, pode demorar muito menos tempo. O início de
cada sessão começa logo que se encontre presente a maioria do grupo, e processa-‐
se em três fases sequenciais: aquecimento, dramatização e comentários (Abreu,
1992, 21).
O aquecimento inespecífico é a primeira fase da sessão, pois é durante a
discussão inicial que se criam as tensões que irão dar azo à dramatização. Tem a
finalidade do grupo interagir, para um tema que interesse ao auditório. O diretor
deve estar atento aos sinais que o auditório fornece, como os silêncios, a atitude
expectante e o olhar atento. Também é importante saber se quem relata a
experiência está emocionalmente envolvido, o que dá conta da sua autenticidade.
Se isto ocorre, pode então estar encontrado o protagonista, podendo o
diretor passar ao aquecimento específico, inquirindo pormenores de modo a
tornar a questão mais clara, tendo em vista a dramatização (Abreu, 1992, 22).
Após o aquecimento específico inicia-‐se a dramatização. O diretor pode
ajudar a selecionar as cenas e preparar o cenário deixando o protagonista com a
49
iniciativa. Quando se inicia a dramatização cessa a descrição verbal, os factos são
mostrados e não mais descritos. Recria-‐se o ambiente no espaço do cenário, onde
os objetos são denominados pelo protagonista, para os poder mobilizar de forma
simbólica, assim como as pessoas do grupo representam pessoas da vida real,
como se estivesse a vivenciar a situação recriada (Abreu, 1992, 25).
Os comentários que se seguem após a dramatização cumprem uma ordem,
em primeiro lugar o protagonista verbaliza o que sentiu, pensou, ou que supõe que
os outros pensam acerca do seu desempenho, em seguida é a vez dos elementos do
auditório comentarem. Os elementos que desempenharam função de ego auxiliar
dizem também o que sentiram e como sentiram a relação com o protagonista ao
longo da dramatização. No final de todos os comentários o protagonista poderá
verbalizar como encarou o que foi verbalizado. É de maior relevância, salientar a
importância de haver comentários centrados no “aqui e agora”, de modo a que não
haja interferência de possíveis preconceitos ou discussões inúteis. A sessão
encerra com o comentário do ego auxiliar da equipa terapêutica e por último do
diretor.
A inversão de papéis, ou troca de papéis é a técnica mais frequente e
mais importante no psicodrama e sociodrama. Existe uma “troca” ou “inversão” de
papéis, entre o protagonista e ego auxiliar. O ego auxiliar repete as últimas
palavras do protagonista, e este continua a ação como se fosse o personagem, e
posteriormente troca, e assim sucessivamente. Esta técnica tem como função
imediata permitir que o ego auxiliar aprenda o papel que lhe foi destinado,
obrigando desta forma o protagonista a colocar-‐se, no lugar da pessoa com quem
interagiu (Abreu, 1992, 29).
A mudança repentina e inesperada do comportamento, denomina-‐se
interpolação de resistências. Permite que o diretor teste a espontaneidade do
protagonista, pois este encontra-‐se desprevenido, e ao sentir-‐se desarmado, toma
consciência do jogo de ações e reações estereotipadas que muitas vezes é a vida de
relação (Abreu, 1992, 31). Solicitar um comportamento inesperado na interação,
50
aparentemente paradoxal, leva a alterar o comportamento em quem desempenha
o papel complementar.
O diretor pode solicitar a um dos egos auxiliares que se coloque diante do
protagonista e o imite em espelho. Esta técnica, espelho, é um tipo de auto-‐
observação, que pode ser incómoda para o protagonista, por ser uma técnica
“provocatória”, pode suscitar reações emocionais, devendo ser realizada por egos
auxiliares com experiência clínica e boa relação com o protagonista (Abreu, 1992,
31). Se a expressão dramática em espelho não for concordante com a situação,
pode ser interpretada como humilhante pelo protagonista.
O duplo, ou desdobramento do eu, decorre durante a ação, quando o ego
auxiliar se coloca ao lado ou por detrás do protagonista, revelando por seu
discurso o significado implícito na ação, que não emerge de forma explícita ou não
é consentâneo com a ação.
A representação simbólica permite construir um cenário que possibilite
representar situações que não possam ser dramatizadas, frequentemente
associadas à intimidade dos protagonistas.
No solilóquio, o diretor solicita ao protagonista para “pensar em voz alta”.
A ação fica suspensa, e o protagonista verbaliza o que estava a pensar aquando a
cena, permitindo a adequação do ego auxiliar e orientação do diretor, assim como a
expressão de sentimentos e intenções que entram em contradição com a ação, o
que pode, se a dramatização terminar, levar ao insight do protagonista (Abreu,
1992, 30).
O objeto intermediário, utiliza-‐se quando o diálogo ou interação com o
protagonista se torna difícil, pela presença de comportamentos de marcada
confrontação, onde a agressividade pode ser uma ameaça real, ou pela presença de
alterações da percepção, onde a crítica a conteúdos percebidos como ameaçadores
está diminuída.
51
A estátua é um dos recursos frequentemente utilizados na dramatização. O
diretor pede ao protagonista, para utilizar os egos auxiliares ou objetos para
representar determinada situação, como por exemplo, a família. Posiciona os egos
auxiliares ou objetos de forma estática, mantendo as posições. Este é o campo de
excelência do psicodrama, alia o arrojo da comunicação franca e criativa, com a
liberdade de interpretação (Abreu, 1992, 34).
Em Moreno, os instrumentos, processos e técnicas no psicodrama e
sociodrama adquirem relevância pelo conceito de papel. Este não é um conceito
ligado apenas a um ramo das ciências, nas ciências sociais tem sido amplamente
desenvolvido, entre outros por G.H. Mead, T. Parsons, E. Goffman. J. L. Moreno
amplia o conceito de papel, não o restringido ao papel social, mas desenvolvendo
os conceitos de papel psicossomático e papel psicodramático. Entende o papel, ou
“role”, como a unidade cultural de conduta, que engloba os padrões que a
sociedade fornece para a vida de relação, com os papéis sociais de pai, estudante,
professor, entre outros, os papéis psicossomáticos para a satisfação das funções
fisiológicas, e os papéis psicodramáticos do mundo da fantasia, do sonho e da
criatividade (Moreno, 2013, 206-‐10).
Existe um variado leque de papéis sociais para que a sociedade possa
funcionar, sendo estes preenchidos por vários indivíduos, que podem
corresponder tanto a nível familiar ou a nível do trabalho. Estes papéis podem ser
treinados direta ou indiretamente, nas brincadeiras infantis, o brincar de pai pode
mais tarde criar aptidões para o papel de professor, e mais tarde durante a
escolaridade diferenciada, será desenvolvido um treino mais específico (Abreu,
1992, 45).
Os papéis psicodramáticos estão presentes nas histórias e brincadeiras
infantis, no cinema, na criação artística, estando desta forma inseridos na
sociedade, mas com contornos indefinidos, fazem parte da nossa personalidade.
Estão presentes no nosso imaginário e nunca deixam de ser treinados, tanto no
jogo lúdico, como nas fantasias de um modo mais secreto. Na formação da
personalidade o brincar aos polícias e ladrões ou imaginar-‐se omnipotente como
52
Deus, são treinos que não passam despercebidos na formação da mesma. Estes
papéis nem sempre são assumidos, passando muitas vezes ocultos, mas não à
observação atenta ao comportamento habitual. Estes papéis vão dar
espontaneidade, segundo Moreno à realização das suas atividades, no desempenho
de outros papéis. Os papéis psicodramáticos, apesar de escondidos, estão prontos a
serem assumidos quando emerge um papel complementar. Alguns vínculos
pessoais que se foram formando ao longo da vida têm a ver com a busca de papéis
complementares. Quando se assume um destes papéis podem ocorrer decisões e
mudanças de rumo na vida do indivíduo, ou então, num período de maior
indecisão, inibir esse papel psicodramático mal adaptativo. Os papéis
psicodramáticos funcionam no espaço do psicodrama, de forma a assumi-‐los, inibi-‐
los ou recriá-‐los (Abreu, 1992, 47-‐48).
Em Moreno as atividades da criança de satisfazer as suas necessidades
fisiológicas correspondem aos papéis psicossomáticos, emergem muito antes dos
papéis sociais e psicodramáticos. São papéis treinados e assumidos quando a
criança os consegue executar corretamente com “aplausos” de toda a família, como
o exemplo de urinar sem ser na fralda, sendo considerados marcos importantes na
vida da criança. A (re)criação dos papéis psicossomáticos, dá origem a algumas
alcunhas como “o chorão” ou “o comilão”. O modo de exercer estas atividades tem
algo a ver com a personalidade. Estas atividades, na vida adulta, são secretas,
conhecidas pelo indivíduo, mas não pela sociedade, definindo o espaço íntimo,
distinguindo-‐se assim dos papéis psicodramáticos (Abreu, 1992, 50-‐51).
Soeiro, fundador do psicodrama em Portugal afirma que o psicodrama
infantil pode incluir crianças desde os cincos anos de idade até à puberdade, e o
grupo não deve ser constituído por crianças com diferença de idades superior a
dois anos. A atitude do terapeuta pode necessitar em determinados momentos ser
mais diretiva no psicodrama infantil, pois as crianças têm uma expressão
dramática por excelência, e quando se inicia a sessão, assumem desde logo atitudes
dramáticas. Contudo as regras não devem ser muito rígidas, pois as crianças
facilmente se dispersam do palco, assim como uma pode sair, outra do auditório
pode entrar. Ao contrário dos adultos, onde o verbal rege o início de uma sessão, o
53
aquecimento com crianças pode ser necessário iniciar-‐se com uma história, jogos
ou situações dramatizadas (Soeiro, 1991, 101).
Como a criança vive no mundo da fantasia e vivencia muito a cena
dramática, podem confundir-‐se os contextos dramáticos com os de grupo. O
diretor é frequentemente convidado a participar nas cenas, o que pode fazê-‐lo, pois
o seu papel não deve ser rígido, fazendo o papel complementar a pedido do
protagonista. A tendência do psicodrama com crianças, é mais de carácter
sociodramático, pois não surge frequentemente o problema de uma criança, mas
sim do grupo (Soeiro, 1991, 102).
Durante as cenas podem surgir situações de agressão, ao qual o diretor
necessita ser muito ativo e resolver rapidamente a situação com uma cena
complementar. Podem ser utilizadas histórias conhecidas universalmente, ou
histórias criadas pelo grupo. No decorrer das histórias criadas, deve-‐se estar
atento aos papéis desempenhados e na fase dos comentários, não se deve fazer
análise simbólica ou interpretações, mas sim observar como os papéis foram
desempenhados (Soeiro, 1991, 103).
As dramatizações podem e devem ser intercaladas com histórias reais,
dando a possibilidade da dramatização, caso a criança relate algum problema. É
sempre mais difícil de o conseguir, no entanto o diretor deve estar atento para que
a história real possa emergir. Ao contrário do que acontece com os adultos, a
avaliação dos resultados torna-‐se mais difícil. Ao passo que o adulto relata como
correu a sua semana, a criança pode não falar de forma direta. Em relação às
técnicas utilizadas, são frequentemente as mesmas, a Interpolação de Resistências,
a Realização Simbólica e a Inversão de Papéis (Soeiro, 1991, 104).
54
3.4. O encontro de modelos na construção da intervenção terapêutica de
prevenção em grupo
A população alvo de cuidados em Saúde Mental na Infância e Adolescência
começa antes do nascimento da criança e termina habitualmente aos 18 anos de
idade, contudo existem serviços que dão respostas a problemas de saúde mental
em adolescentes e jovens adultos, aumentando a idade até aos 25 anos ou
enquanto o jovem se mantiver a estudar40.
Organizar os cuidados exclusivamente em função da idade nem sempre se
apresenta como a forma mais indicada de criar respostas em saúde e
especificamente em saúde mental, quer porque os problemas em adolescentes e
jovens adultos são idênticos, não se justificando protocolos terapêuticos distintos
em situações como primeiros surtos psicóticos, alterações do humor,
comportamentos suicidários, perturbação do comportamento alimentar, entre
outros, quer para garantir a continuidade de cuidados nos projetos terapêuticos
que se iniciaram antes dos 18 anos de idade e o vinculo terapêutico justifica que se
prolongue para lá dessa idade.
Assim, os cuidados em saúde mental começam no apoio ao casal desde o
momento em que imagina e torna consciente o ideal de criança ou crianças que
pretende descender, sendo expectável na atualidade que os adultos se afastem do
destino biológico e controlem a fecundidade e natalidade, escolhendo para quando
o nascimento ou adoção de um filho ou filhos.
A transição para a parentalidade é então assumida como um evento de vida
significativo que planeado, beneficia de uma intervenção de promoção da saúde
mental, sendo o objetivo, antecipar o impacto do papel parental no EU de cada
elemento do casal e sua dinâmica, e de uma intervenção de prevenção das
40 A área de Pedopsiquiatria do Centro Hospitalar Lisboa Central está a implantar um serviço dos 15 aos 25 anos de idade em parceria com o Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa, à semelhança de outros serviços tais como, Early Psychosis Prevention and Intervention Centre (EPPIC)-‐ Melbourne, Australia; SEPT-‐ Hospital Universitário-‐ Oslo, Noruega; Réseau Epsylon-‐ Unidade La Ramée 2– Bruxelas, Bélgica; Whirinaki Child, Family & Youth Mental Health Services – Auckland, Nova Zelândia
55
principais alterações em saúde mental durante o puerpério, classificadas como
depressão pós parto e psicose puerperal.
A preparação para a parentalidade é o momento indicado para desenvolver de
forma planeada abordagens de promoção e prevenção em saúde mental. Outros
contextos são igualmente indicados para desenvolver ações de promoção e
prevenção, como o aconselhamento genético, a terapia de casal ou intervenção em
contexto escolar.
Embora se desenvolvam cada vez mais intervenções de promoção e prevenção,
a maioria das famílias atendidas pelas equipas de saúde mental durante a primeira
infância surge por iniciativa dos pais ou por encaminhamento do médico ou
enfermeiro de família, estando o pedido de ajuda associado à dificuldade dos pais
desempenharem o papel parental.
O pedido de ajuda após o nascimento da criança, por dificuldade em
assumir o papel parental, ou anterior a esta etapa, durante o processo de
aconselhamento que os pais procuram numa parentalidade inaugural, é um
momento relevante na promoção da saúde mental e prevenção das perturbações
mentais que se iniciam na infância, quer pelas alterações presentes na dinâmica do
casal após o nascimento ou adoção de uma criança, quer pelo desempenho do
papel parental esperado.
A transição para a parentalidade é facilitada pela capacidade dos pais
imaginarem o papel parental, mesmo sem nunca o terem vivido, construindo um
bebé imaginário antecipam o papel e contra papel parental, clarificando o domínio
desse papel no EU.
Este é o primeiro objetivo da atividade clínica de prevenção em
enfermagem de saúde mental na infância e adolescência, clarificar os
múltiplos papéis no adulto para assumir o papel parental.
56
Planear a intervenção nesta etapa da vida requer cuidados que respeitem a
natureza eminentemente privada da família e dos comportamentos familiares,
estando a criança nos primeiros anos de vida, para o melhor e para o pior,
entregue quase exclusivamente ao cuidado dos pais.
Quando os pais solicitam ajuda é possível intervir na interação e
comunicação do casal e destes com o bebé, harmonizando a interação e
capacitando os pais a interpretar e significar o comportamento do bebé. Realizar
aconselhamento e disponibilizar ajuda na transição para a parentalidade é um
cuidado que deve ser disponibilizado de forma célere a todos os pais que solicitem
ajuda, pois este período é estruturante na construção da matriz de identidade da
criança e desenvolve-‐se de forma predominante na interação com os pais.
A segurança e o conforto que facilita assumir o papel parental com prazer
requer suporte e aconselhamento em múltiplas áreas, tais como nos cuidados a
prestar durante o sono, vigília, repouso, amamentação, alimentação, eliminação,
cólicas, birras, choro, mimo, transição para quarto, integração em infantário e na
escola, brincar, desporto, jogos, televisão, entre muitas outras questões que na
atualidade têm múltiplas abordagens por peritos de várias disciplinas.
Gerir esta informação e adequar o melhor cuidado em resposta ao
comportamento da criança, permite capacitar os pais na assunção do papel
parental e expandir este papel na construção de um vínculo seguro de suporte ao
desenvolvimento harmonioso da criança.
O segundo objetivo da atividade clínica de prevenção em enfermagem
de saúde mental na infância e adolescência, é proporcionar aos pais suporte
para criar o papel parental e expandir este papel em harmonia com os outros
papéis.
Os primeiros objetivos da intervenção em enfermagem de saúde mental na
infância e adolescência estão focados na família. A família é sempre cliente de
cuidados, nunca é entendida apenas como parceiro ou garante da continuidade de
57
cuidados, enquanto cuidador informal. A assunção e expansão do papel parental
coloca cada indivíduo do casal e a família enquanto grupo, como cliente de
cuidados, alvo dos cuidados de enfermagem.
O trabalho clínico em equipa multidisciplinar permite mobilizar terapeutas
de referência distintos para a criança e família, sempre que exista indicação de que
a criança ou os pais beneficiem dessa diferenciação. O acompanhamento à criança
nunca pode ser entendido de forma isolada pela sua falta de autonomia e
dependência de cuidados desde a vida extrauterina e durante os primeiros anos de
vida, cabendo aos pais a responsabilidade em organizar o mundo da criança.
É importante conhecer o conjunto de “à prioris” que os pais têm construído
sobre o desempenho que esperam que a criança apresente, frequentemente em
função da idade, evitando que a criança fique num contexto restritivo, previamente
construído e fundamentado, anulando a sua individualidade.
Promover que os pais estabeleçam uma interação espontânea41 com a
criança, estimulando a criatividade, originalidade e adequação das respostas aos
contextos, requer o domínio do papel parental. Quando os pais apresentam
insuficiência no papel parental tendem a ter um desempenho que diminua a
imprevisibilidade do comportamento e das respostas da criança. Para aumentar o
sentimento de segurança, os pais recorrem com frequência a classificações
médicas e psicológicas que orientam e organizam o desempenho do papel.
Estas classificações previamente construídas devem ser orientadoras e não
constrangedoras do papel parental, isto é, os pais devem ter presente que a
interação com a criança se constrói com base nunca critica sobre a situação, não
devendo a interação ficar limitada à verificação de uma “checklist” que classifique o
41 A espontaneidade é definida como o grau de adequação da resposta que um indivíduo apresenta a uma nova situação, ou uma nova resposta a uma situação antiga. Corresponde a um tipo de inteligência que atua no "aqui e agora". Espontaneidade é manifestada em palavra, em ação, interação, bem como em canto, dança ou desenho. No entanto, sabemos que há espontaneidade patológica, distorcendo as percepções ou dissociar a representação de papéis, é sempre importante para avaliar o grau de adequação da resposta à situação (Moreno, 2013, 36).
58
sucesso ou insucesso da criança ou dos pais em ultrapassar diversas etapas do
desenvolvimento.
A critica que se solicita aos pais adultos no desempenho do papel parental
necessita ser igualmente reconhecida à criança, pois é no reconhecimento e
valorização da criança enquanto indivíduo a viver a infância ou adolescência que
lhe é atribuído o direito à opinião sobre os seus atos ou cuidados de que é alvo,
participando de forma ativa, como ator social de pleno direito na construção do
seu mundo e reconhecendo que a cidadania das crianças altera profundamente a
representação dos adultos sobre o que é desejável para o seu bem-‐estar.
Após o fim da primeira infância, em contexto da segunda infância (durante
o pré-‐escolar e primeiro ciclo de ensino), a criança habita simultaneamente em
“dois mundos”, o mundo da realidade e o mundo da fantasia, assumindo em
simultâneo papéis da fantasia expressos no brincar (princesa, super – herói,
animal ou outro) e papéis sociais (filho, amigo, aluno, irmão).
Esta condição “normal”, diria, salutogénica da infância, de assumir em
simultâneo os papéis da fantasia e os papéis sociais, altera-‐se na transição para a
adolescência, fortalecendo-‐se a brecha entre fantasia e realidade. Na adolescência
emerge com maior predomínio na interação os papéis sociais, expandindo-‐se os
papéis da fantasia para contextos de interação de maior privacidade, intimidade e
criativos.
Fortalecer a brecha entre fantasia e realidade, clarificar, assumir e
criar os papéis sociais, papéis da fantasia e papéis psicossomáticos é a
finalidade da atividade clínica de prevenção em enfermagem de saúde
mental na infância e adolescência com a criança e adolescente.
Suplementação do papel através da transição entre os papéis sociais,
papéis da fantasia e papéis psicossomáticos, por processos de comunicação e
interação desenvolvidos por ferramentas, que permitam clarificar o papel,
assumir o papel, criar o papel e apresentar o domínio do papel expandido,
59
são os componentes da clínica de enfermagem para a insuficiência do papel,
quando esta se manifesta por comportamentos e sintomas de uma possível
perturbação mental.
Nos múltiplos contextos onde se desenvolve a atividade clínica, o
planeamento e prestação de cuidados deve ter presente esta finalidade. Em
contexto de risco ou em crise, a criança apresenta maior dificuldade em tornar
consciente a presença dos papéis da fantasia, sociais e psicossomáticos, podendo
gerar respostas humanas desadaptadas à situação ou contexto, comportamentos e
sintomas que podem ser classificados como uma possível perturbação mental. A
criança pode apresentar manifestações psicossomáticas como enurese, encoprese,
vómitos, anorexia, dor abdominal, insónia ou manifestações de fantasia em
discurso incoerente ou em comportamentos de agressividade, apatia ou
evitamento.
Se na infância a perceção da criança necessita ser entendida à luz da brecha
entre fantasia e realidade, onde a fantasia está presente no discurso e
comportamento da criança em simultâneo com os restantes papéis, na
adolescência o predomínio dos papéis sociais e o fortalecimento da brecha entre a
fantasia e a realidade, poderá atribuir ao discurso e pensamento mágico ou
fantasmático do adolescente a possível presença de delírios ou alucinações.
Mesmo não sendo expresso ou claro que o pensamento ou discurso do
adolescente evidencie atividade delirante ou alucinatória a presença dos papéis da
fantasia em simultâneo com os papéis sociais podem evidenciar os pródromos de
um possível quadro classificado como psicótico, sendo importante estimular a
crítica e reforçar a brecha entre fantasia e realidade.
A avaliação de uma criança em saúde mental inicia-‐se com a construção da
sua história, pessoal e familiar, e do motivo de encaminhamento para a unidade de
saúde. A construção da história assim como a avaliação clínica a realizar, deve ser
enquadrada na situação em que pensamentos, discurso ou comportamentos da
criança se manifestam, visto a criança ter desempenhos distintos quando assume o
60
papel de aluno e se encontra na escola, no papel de filho ou irmão em casa ou no
papel de colega, amigo ou namorado com os pares. Esta insuficiência dos papéis
sociais que apresenta nas diferentes situações tem presente a insuficiência dos
papéis de fantasia e psicossomáticos, manifestando-‐se os papéis da fantasia
através das alterações do pensamento, perceção, orientação, memória, humor,
emoção, discurso, comportamento e juízo crítico (Insight) e os papéis
psicossomáticos em alterações da frequência cardíaca, respiração, pressão arterial,
dor, alimentação, eliminação, sono.
Tendo clara a situação onde e como se manifesta a insuficiência dos papéis
sociais, em casa, na escola ou com os pares, a presença e o significado atribuído à
insuficiência dos papéis psicossomáticos e de fantasia é distinto na infância e na
adolescência. Na infância as crianças apresentam frequentemente insuficiência dos
papéis psicossomáticos através de sintomatologia como enurese, encoprese,
perturbações do comportamento alimentar, alterações no padrão de sono e
repouso, com insónia, hipersónia, pesadelos ou sonambulismo.
As alterações da perceção como alucinações ou do pensamento como delírio
são raras na infância, uma vez que é ténue a brecha entre fantasia e realidade; a
insuficiência dos papéis da fantasia manifesta-‐se predominantemente em
alterações do comportamento com perturbações graves do comportamento, onde a
agressividade é expressa de forma desadaptada à situação, podendo surgir
agitação psicomotora ou inquietação. As alterações do humor podem estar
presentes com depressão, euforia ou irritabilidade em associação com perturbação
do comportamento agido e agressivo ou lentificado e inibido. As emoções podem
ser incongruentes com o humor, apresentar labilidade ou embotamento afetivo. A
capacidade de adequação permite identificar a capacidade de insight da criança à
situação, tendo presente que a interação se estabelece preferencialmente por
expressão dramática com histórias e jogos de fantasia, em detrimento da interação
verbal similar à do adolescente ou adulto. Na infância não é frequente a criança
apresentar alterações do comportamento associado a adição ou de cariz sexual.
61
Na adolescência com a consolidação da brecha entre fantasia e realidade a
insuficiência dos papéis da fantasia manifestam-‐se frequentemente com
comportamentos aditas a tabaco, álcool e drogas e com comportamentos de risco,
de cariz sexual ou outro. As alterações do pensamento com delírio, ideação
paranoide, desconfiança ou ruminação e alterações da perceção, como alucinações,
despersonalização, desrealização ou alteração da imagem corporal podem estar
associados a situações transitórias ou persistirem como manifestações presentes
de possíveis quadros psicóticos, assim como alterações do humor, euforia e mania.
A insuficiência do papel psicossomático na adolescência manifesta-‐se
predominantemente a nível alimentar, de forma restritiva ou compulsiva e
purgativa. Não sendo frequentes alterações na eliminação, como na infância,
mantêm-‐se as alterações no padrão de sono e alterações da frequência cardíaca,
respiração, pressão arterial e dor associado a quadros de ansiedade ou outros. A
interação e relação terapêutica que se estabelece com os pais e criança ou
adolescente, na avaliação inicial e durante o processo terapêutico, é desenvolvida
com o casal e criança ou adolescente. Nos momentos de intervenção familiar
emergem predominantemente os papéis sociais associados à parentalidade no
casal e ao papel de filho, na criança ou adolescente.
É necessário criar em simultâneo com a intervenção familiar uma
intervenção individual com a criança ou adolescente e uma intervenção de casal,
permitindo que sejam convocados outros papéis para a compreensão e resolução
da situação. Em casal, a intervenção centra-‐se no papel parental e conjugal, não
sendo frequente a equipa focar-‐se em terapia individual a um dos elementos do
casal, contudo pode ser necessário desenvolver uma terapia individual se for
percebido como benéfico mobilizar papéis do EU, que não emergem no casal nem
na família e têm impacto na situação, como vivencias de um elemento do casal que
percebe ter impacto no seu papel parental e necessita suplementar em contexto
individual. Com a criança ou adolescente, a terapia desenvolvida em contexto
individual ou de grupo permite mobilizar todos os papéis.
62
O terapeuta da criança ou adolescente, preferencialmente, não é terapeuta
de outro membro da família, diminuindo assim o risco de “contaminar” a relação
terapêutica, com questões de confidencialidade e aceitação incondicional. Caso não
seja possível a equipa dar esta resposta individualizada o terapeuta pode criar
momentos com o casal, previamente planeado e debatido com a criança ou
adolescente, facilitando a compreensão da situação e os cuidados a desenvolver em
ambulatório, dando suporte à suplementação do papel parental.
Na infância emergem de forma “natural” os papéis sociais, da fantasia e
psicossomáticos sendo a atitude dramática na criança a sua principal singularidade.
A interação predominantemente verbal pode dificultar a relação e inibir a criança,
é essencial nesta etapa o recurso a histórias e jogos de fantasia, quer
universalmente conhecidos, como a branca de neve ou o lobo mau e os três
porquinhos, quer histórias originais criadas no momento.
A emergência dos múltiplos papéis durante a infância cria uma interação
singular, o grande predomínio da fantasia na relação terapêutica, apela
frequentemente à dimensão simbólica e ao recurso a metáforas durante a
interação.
O local em que decorre a interação com a criança é essencial, pois os papéis
da fantasia estão presentes no desempenho dos papéis sociais e papéis
psicossomáticos. A interação decorre desde o momento em que a criança entra em
interação com o terapeuta até ao momento em que termina a interação, o
acolhimento e a despedida são momentos de transição importantes a incorporar
na intervenção.
63
4. PERCURSO METODOLÓGICO E EMPÍRICO
O percurso metodológico iniciou-‐se na primeira etapa com a realização das
entrevistas de grupo, avaliação realizada com SDQ e desenhos das crianças.
4.1. Entrevistas de Grupo
As entrevistas foram realizadas como planeado em Setembro e Outubro de
2011. O início das entrevistas começou em todos os grupos com a apresentação e
definição da situação em que nos encontramos na escola. Foi solicitado aos
presentes que antes de falar se apresentassem de igual forma. Os relatos foram
espontâneos, quer com o pessoal não docente quer com as educadoras de infância
e professoras. Começaram no início da entrevista a descrever relatos precisos,
classificando frequentemente como “horror” o que aconteceu. Os vidros a partir, as
portas a abrir, o ruído do tornado, a força do vento, os móveis a voar dentro da
sala, o telhado a voar, todos os relatos eram “devastadores”. As emoções surgem
quando se começa a falar das crianças, de “andar a apanhar crianças pela sala” que
foram projetadas contra os móveis, parede; “não conseguíamos agarrar todas“;
“não tínhamos mãos suficientes para as agarrar a todas”; “uma quando o telhado
voou, eu sabia que estava na casa de banho, fui buscar e agarrei-‐a mesmo a tempo,
parecia um filme, segurei-‐a pelo pé e não foi com o telhado”. Nestes múltiplos
relatos dos profissionais a emoção emerge, o choro é frequente, entre todos os
profissionais, a memória ainda é muito viva e dizem “ainda não tivemos tempo
para falar, é a primeira vez que estamos todas juntas a falar disto”.
Foi um momento importante para conhecer o forte impacto que teve em
todos os profissionais, o “medo” e “terror” que viveram, a presença da emoção, o
choro fácil e constante, são sinais que igualmente emocionaram os entrevistadores,
participaram pouco verbalmente, e não foi necessário muito estimulo para que os
profissionais falassem livremente, tendo os entrevistadores um discurso e postura
de aceitação, reconhecimento e valorização do desempenho durante o desastre.
64
Falam da aflição de não conseguirem controlar o que está a suceder, “de
repente chegam bombeiros, eles estavam perto e viram a escola sem telhado,
pensaram que se tinha abatido e que haveria mortos, chegam muitas ambulâncias,
saem com sacos pretos, começam a agarrar as crianças, a apanhar as crianças do
meio dos destroços, não conseguíamos controlar nada, prestam os primeiros
socorros, levam crianças para o hospital, não conseguia-‐mos controlar quem ia e
quem ficava, não controlávamos nada, e depois, não conseguíamos largar as
crianças que tínhamos na mão.”
Outro momento de grande angústia vivido pelos profissionais foi a chegada
dos pais, relatam “os pais aparecem e começam a perguntar-‐nos pelos filhos e nós
não sabíamos de nada, senti-‐me culpada, profundamente incompetente, nunca me
senti tão mal”. Este é um relato partilhado de alguns profissionais, a culpa por não
conseguirem saber de todas as crianças. Não houve um registo das crianças que
foram transportadas para o hospital, os bombeiros faziam a triagem de quem
necessitava de cuidados hospitalares, e após os primeiros socorros, transportavam
as crianças.
Este foi, para os pais, o momento mais emocionante relatado. Muitos pais se
emocionaram e choraram durante as entrevistas ao relatarem ter chegado à escola,
verem tudo destruído e não saberem dos seus filhos. Falaram destes momentos
com muita emoção, são vários os relatos em que os pais se emocionaram, muitos
pais falam das educadoras e professoras como “heroínas”, pelo facto de nenhuma
criança ter morrido, associando também a um “milagre”.
Os profissionais falaram igualmente de um “milagre”, e emocionaram-‐se
quando os pais valorizaram o seu desempenho, foi percebido como um momento
importante para auxiliar a reparar a “culpa”, que estava tão presente nos
professores.
Após cerca de 60 minutos a escutar e elaborar registos dos relatos sobre o
experienciado no dia do acidente, emergem os relatos sobre a atualidade. Na escola
os profissionais falam “do medo das crianças quando chove ou faz trovoada,
65
algumas crianças choram, outras gritam, outras levantam-‐se e vão ter com a
professora”. Receiam que tenham ficado “traumatizadas” e não sabem “se isto
passa ou se pode dar um problema”, “não sabemos que fazer, parar o que estamos
a fazer e acalmar, ou não ligar e continuar”, “isto também vai passar”, dizem alguns
professores.
Com os pais em casa, têm manifestações relatadas como, “agora faz xixi na
cama”; “não é todos os dias mas faz xixi na cama”; “quer ir dormir para a nossa
cama, e se está mau tempo, é logo”; “vê o boletim meteorológico com muita
atenção”; “se chove chora”; “quer ter o estore corrido e já fui dar com ele debaixo
da cama”; “ele agora está mais irrequieto”; “quando está mau tempo fica irrequieto,
nem quer ficar na escola”; “já era uma peste, mas agora está pior”.
As questões que frequentemente emergem são: “o que fazer quando têm
estas manifestações?”; “é normal estes comportamentos depois do tornado?”;
“estes comportamentos passam”?; “as crianças vão ficar com alguma perturbação
mental?”
A intervenção foi de escuta, reconhecimento empático da experiência, breve
aconselhamento sobre a proteção que as crianças sentem nos pais e professores,
aceitação do medo nas crianças, clarificar a somatização das crianças sem associar
a sintomatologia psiquiátrica, associando a transições no desenvolvimento que
necessitam ser acompanhadas no tempo e poderão ou não manifestarem-‐se em
associação com a experiência do desastre.
Foi apresentado o projeto e sete dos pais decidiram não integrar o projeto.
Após os resultados do SDQ, realizou-‐se outra entrevista onde foram
apresentados os resultados aos pais. Após apresentados os dados gerais, sem
identificar as crianças, foram apresentados os dados individualmente, clarificando
as questões colocadas pelos pais, no sentido de associar os resultados ao
comportamento da criança. Os resultados foram validados pelos pais assim como a
vontade em integrar o projeto na 2ª etapa.
66
Foi realizada entrevista a meio das sessões, como planeado, tendo as
crianças sido previamente informadas e escutada a sua opinião, que foi favorável,
ficando explícito que na entrevista com os pais não iriamos falar o que se estava a
realizar em grupo, no sentido de não revelar o que iria ser a apresentação final,
nem avaliar o desempenho das crianças, pois esse estava a ser “bom” para todas.
Nesta entrevista só estiveram presentes os pais das crianças que
integraram os grupos. Colocaram questões sobre o comportamento das crianças,
foi reforçado a importância de todas as crianças estarem sempre presentes,
valorizado o esforço dos pais neste sentido, assim como o facto das crianças
estarem “felizes” em grupo, nenhuma ter solicitado para sair durante a sessão nem
recusar entrar na sala no início da sessão. Reforçada a importância do efeito
surpresa da última sessão durante a festa fim de ano. Os pais reforçaram a
satisfação que as crianças manifestavam em integrar os grupos.
4.2. Triagem – SDQ
O SDQ é um instrumento constituído por 25 itens que se dividem em cinco
escalas 42 , com cinco itens cada. Goodman em 1997, elaborou este breve
questionário sobre comportamentos e sintomas das crianças e adolescentes
(Goodman, 1999, 791), onde numa escala de Likert os pais e professores das
crianças respondem em cada item, consoante a sua opinião: “Não é verdade”, “É um
pouco verdade” e “É muito verdade”. A pontuação de cada escala varia entre 0 e 10,
uma vez que a escala de Likert varia de 0 a 2. (Goodman, 1997, 1999, 2001)
As crianças são categorizadas pelas dificuldades identificadas, com pontes
de corte ou intervalos em: “Normal”, “Limítrofe” e “Anormal”, distinguindo os casos
(“Limítrofe” e “Anormal”) dos não casos (“Normal”) (Goodman, 1999, 792). O SDQ
é preenchido de forma rápida por pais e professores das crianças e adolescentes
entre os 4 e os 16 anos de idade, sendo a sua aplicação entre 5 e 10 minutos, 42 escala de sintomas emocionais, escala de problemas de comportamento, escala de hiperatividade, escala de problemas de relacionamento com os colegas, escala de comportamento pró-‐social.
67
reportando-‐se ao comportamento ou sintomas nos últimos 6 meses (Goodman,
1999).
Utilizamos a versão extensa do SDQ que inclui um suplemento de impacto
que permite avaliar a dificuldade da criança ou adolescente em áreas como
“emoções, concentração, comportamento e dar-‐se com outras pessoas”. Avalia
ainda a cronicidade, dado importante para o nosso estudo, ao permitir conhecer há
quanto tempo a criança apresenta o comportamento, e associar com a experiência
do desastre. Dá ainda informações sobre o sofrimento global, aspeto importante
mencionado pelos pais e professores, dificuldades sociais e a sobrecarga para os
pais, professores e outras crianças (Goodman, 1999, 2001).
Sendo similares, o suplemento de impacto do SDQ – Pais reporta-‐se às
dificuldades sociais da criança no dia-‐a-‐dia em casa, com os amigos, na
aprendizagem na escola e nas brincadeiras ou tempos livres. O suplemento de
impacto do SDQ – Professores reporta-‐se às dificuldades sociais no dia–a–dia do
aluno na relação com os colegas e aprendizagem na escola (Goodman, 1999).
A pontuação do suplemento de impacto é obtida pelo somatório dos itens
relativos ao sofrimento global e dificuldades sociais, variando entre 0 e 10 no SDQ
– Pais e 0 e 6 no SDQ – Professores. Uma pontuação igual ou superior a 2 é
“anormal”, uma pontuação 1 é “limítrofe” e uma pontuação de 0 é “normal”
(Goodman, 1999).
Utilizamos na triagem o SDQ – Pais, com suplemento de impacto (Anexo 2)
e o SDQ – Professores, com suplemento de impacto (Anexo 3). Apresentamos a
cotação do SDQ com suplemento de impacto, versão pais e versão professores
(Anexo 4).
As crianças com classificação “limítrofe” ou “anormal” encontram-‐se em
risco, por a possibilidade ou probabilidade de desenvolver uma perturbação
mental.
68
Na triagem tivemos como objetivos:
Objetivo geral:
1 – Avaliar o risco em saúde mental na infância, através da possibilidade e
probabilidade de crianças do pré–escolar e primeiro ciclo que
experienciaram um desastre, poderem vir a ter uma perturbação mental.
Objetivos específicos:
1 – Identificar a possibilidade e probabilidade de crianças do pré–escolar e
1º ciclo poderem vir a ter uma perturbação mental.
2 – Identificar a relação entre a possibilidade e probabilidade de crianças do
pré–escolar e 1º ciclo, poderem vir a ter uma perturbação mental após a
experiência de um desastre.
A maior inquietação dos pais, educadoras de infância e professoras era o
impacto que esta experiência poderia ter na saúde mental das crianças. Assim, a
nossa principal questão na triagem, para dar resposta a esta insegurança, é se a
experiência de um desastre (tornado) por crianças do pré–escolar e primeiro ciclo
pode estar relacionada com a possibilidade e probabilidade de virem a ter uma
perturbação mental.
Pelo risco que crianças que viveram um desastre têm de poderem vir a
desenvolver perturbações mentais, e sendo esta a principal preocupação dos pais e
professores, levantamos como hipóteses:
1 – A prevalência do risco de desenvolver perturbações mentais nas crianças
que experienciaram um desastre em Tomar é superior à esperada.
2 – A prevalência do risco de perturbações mentais é maior nos rapazes.
3 – As prevalências associam-‐se a “muito” sofrimento nas crianças.
4 – As crianças em risco de perturbação sobrecarregam “muito” as famílias e
a comunidade escolar.
69
4.2.1. Estudo transversal com estudo caso -‐ controlo aninhado
Os estudos transversais, podem ser igualmente denominados de estudo de
prevalência por medirem a presença de uma doença numa população (Bonita,
Beaglehole, Kjellstrom, 2010), sendo que no nosso estudo, a etapa de triagem,
permitiu identificar as crianças que se encontravam em risco de poderem vir a
desenvolver uma perturbação mental.
O estudo de caso–controlo aninhado é composta por uma amostra de
indivíduos, a partir de um corte epidemiológico43, em que a amostra depende do
estado da doença (Langholz, 2005). No nosso estudo, o corte associa-‐se ao risco de
crianças que experienciaram um desastre poderem vir a desenvolver uma
perturbação mental. Com a identificação das crianças em risco, implementamos
neste grupo uma intervenção terapêutica de prevenção, com o propósito de
controlar o risco.
A essência de um estudo de caso-‐controle aninhado, prende-‐se com os casos
que se encontram em condições de estudo surgirem de uma população, e os
controles são uma amostra representativa dessa mesma população de origem
(Biesheuvel et al, 2008).
Esta metodologia apresentou-‐se como a mais indicada para desenvolver o
estudo junto das crianças que se encontravam em risco, visto não ter sido
exequível desenvolver esta intervenção terapêutica de prevenção com todas as
crianças que experienciaram o desastre, pela alocação de um número de recursos
que não possuíamos e custos inerentes.
Assim foi opção identificar as crianças que tinham a possibilidade ou
probabilidade de vir a desenvolver uma perturbação mental, eliminando da
intervenção terapêutica de prevenção as crianças em que era improvável virem a
desenvolver uma perturbação mental. Os casos, crianças que integraram a
43 “the study of the occurrence and distribution of health-‐related states or events in specified populations, and the application of this knowledge to control the health problems.” (LAST, 2001, 62).
70
intervenção terapêutica de prevenção, são constituídos pelas crianças que no corte
transversal estão em risco por apresentarem possível ou provável perturbação
mental e o controlo são as crianças que não apresentavam possível ou provável
perturbação mental, sendo improvável virem a desenvolver. As vantagens de
nidificação num estudo de caso–controle em um corte, incluem a conveniência, o
custo–eficiência, a alta validade e a flexibilidade analítica. (Langholz, 2005, 1)
Realizamos cinco estudos de caso – controlo aninhado:
1 – Estudo de caso–controlo aninhado em que os casos são as crianças que se
encontram em risco de possível ou provável perturbação emocional
(diagnóstico previsto pelo SDQ);
2 – Estudo de caso-‐controlo aninhado em que os casos são as crianças que se
encontram em risco de possível ou provável perturbação da conduta
(diagnóstico previsto pelo SDQ);
3 – Estudo de caso-‐controlo aninhado em que os casos são as crianças que se
encontram em risco de possível ou provável perturbação da hiperatividade
(diagnóstico previsto pelo SDQ);
4 – Estudo de caso-‐controlo aninhado em que os casos são as crianças que se
encontram em risco de possível ou provável perturbação psiquiátrica
(diagnóstico previsto pelo SDQ);
5 – Estudo de caso-‐controlo aninhado em que os casos são todas as crianças em
risco de perturbação (total de crianças que apresentam possíveis alterações do
estado de saúde mental pelo SDQ);
4.3. População e Amostra
Quando ocorreu o Tornado estavam na escola 136 crianças, educadoras de
infância, professoras e assistentes operacionais.
Para o nosso estudo, em resposta ao solicitado e de acordo com as nossas
competências para a área da infância e adolescência, a população alvo foram as
136 crianças que se encontravam na escola no momento do desastre.
71
Sendo a amostra um sub–conjunto da população, isto é, um grupo de
sujeitos representativo com as características da população (Fortin, 2000),
integram a amostra todas as crianças que os pais aceitaram que participassem e
assinaram o consentimento informado.
Existiam no pré–escolar seis crianças com 3 anos de idade, essas crianças
foram excluídas do estudo por o questionário SDQ mobilizado se aplicar a crianças
dos 4 aos 16 anos de idade. Foi disponibilizado a estes pais a possibilidade das
crianças serem avaliadas pela Unidade da Primeira Infância, equipa do HDE que dá
resposta a crianças dos 0 aos 3 anos de idade, os pais de uma criança manifestaram
interesse na avaliação, tendo sido referenciada. As crianças do quarto ano de
escolaridade que transitaram para a escola no segundo ciclo, também foram
excluídas do estudo, uma vez que a avaliação se realizou cerca de nove meses após
o tornado e já não se encontravam na escola. Os pais destas crianças foram
contactados, nenhum dos pais manifestou interesse em que a criança fosse
referenciada para avaliação em consulta de especialidade.
Das 136 crianças que vivenciaram o tornado, cumpriam os critérios de
inclusão e de exclusão 110 crianças, das quais 7 pais não deram o consentimento
para a participação no estudo. Obteve-‐se uma amostra de conveniência constituída
por 103 crianças. Os pais, tutores legais, educadoras de infância (duas) e
professores (cinco) também participaram no estudo, respondendo ao SDQ.
4.4. Colheita de dados
Conforme planeado foram realizadas as entrevistas de grupo em Setembro
de 2011, uma com assistentes operacionais e outra com professoras e educadoras
de infância.
Com os pais e tutores legais foram realizadas entrevistas de grupo,
apresentado as três etapas do projeto de investigação–ação e preenchidos os
questionários por alguns pais, após assinado o consentimento informado, em
Setembro de 2011 com os pais e tutores legais das crianças com 4, 5 e 6 anos de
72
idade, em Outubro de 2011 com os pais e tutores legais das crianças com 7 e 8
anos de idade, e pais e tutores legais das crianças com 9 e 10 anos. Os pais e
tutores legais que não estiveram presentes e aceitaram participar no estudo
preencheram o questionário até ao fim do mês de Outubro de 2011.
Foi solicitada informação adicional aos pais que participaram no estudo
sobre a sua profissão; escalão de rendimento do agregado familiar (com base nos
escalões de 1 a 8, sendo que 1 corresponde a menor rendimento per capita por
agregado familiar e 8 corresponde ao maior rendimento per capita por agregado
familiar); família com quem habita a criança; antecedentes familiares de patologia
psiquiátrica; eventos de vida significativos pré-‐tornado e pós-‐tornado na criança
no último ano.
Nas entrevistas de grupo com as professoras e educadoras emergiu a
preocupação das crianças que tinham irmãos na escola, em ter informação sobre
os irmãos no dia em que decorreu o tornado. Foi um relato muito emocionado por
algumas professoras e tentamos identificar se existia algum significado estatístico
neste relato, recolhendo o número de crianças que tinham irmãos na escola.
4.5. Descrição sociodemográfica e familiar
Das 103 crianças que constituem a amostra, 56 são raparigas (54,4%),
26,2% frequentam o ensino pré-‐escolar e 73,7% frequentam o 1º ciclo do ensino
básico
73
Quadro II – Distribuição da amostra por turmas do pré-‐escolar e do 1º ciclo.
Turmas N %
Bibe vermelho 11 10,7
Bibe azul 16 15,5
1.º Ano 16 15,5
2.º Ano 23 22,3
3.º Ano 17 16,5
4.º Ano 20 19,4
Total 103 100,0
À altura do desastre a média de idade das crianças era 6,21 anos (mínimo
3,26 e máximo 9,81). Na aplicação do SDQ a pais, tutores legais, educadoras de
infância e professoras, a idade média das crianças era 7 anos (mínimo 4,1 e
máximo 10,7). Em média, as crianças foram avaliadas 305 ± 14,49 dias após o
tornado.
Habitam com ambos os pais (65) 63,1% das crianças, (36) 35% habitam
com o pai ou a mãe e (2) 1,9% não habitam com os pais.
Constatou-‐se que em 23,3% das crianças o pai integra as “Especialidades
das Profissões intelectuais e científicas”, em 20,4% das crianças o pai integra
“Operários, artífices e trabalhadores similares” e em 12,6% das crianças o pai
integra profissões relacionadas com “Pessoal dos serviços e vendedores”.
Das profissões da mãe, as “Especialidades das Profissões intelectuais e
científicas” representam 23,3% e as profissões relacionadas com “Pessoal dos
serviços e vendedores” 19,4%. Existem mães desempregadas ou domésticas em
19,4% das crianças.
74
Tendo por base os escalões de rendimento do agregado familiar, verificou-‐
se que 66,1% das crianças encontra-‐se entre o escalão 2-‐4, e 5,8% estão nos
escalões mais altos (7 e 8), cujos rendimentos per capita por agregado familiar são
os mais elevados.
Foi notificada existência de antecedentes familiares de perturbação
psiquiátrica em 1% das crianças.
Quanto aos eventos de vida significativos apurou-‐se que 26,2% das crianças
tinham eventos de vida significativos, dos quais 16,5% são pré-‐tornado (10,7%
divórcio dos pais; 5,8% o nascimento de um irmão).
As crianças que apresentam eventos de vida significativos pós-‐tornado
representam 7,8% da amostra (1% divórcio; 4,9% o nascimento de um irmão;
1,9% gravidez atual da progenitora). Verificou-‐se que 2 crianças tiveram a sua
habitação destruída pelo tornado.
Quadro III -‐ Distribuição da amostra por ocorrência de eventos de vida significativos.
N %
Pré-‐tornado Divórcio 11 10,7
Nascimento de irmão 6 5,8 Durante o tornado Habitação destruída 2 1,9
Pós-‐tornado
Divórcio 1 1,0
Nascimento de irmão 5 4,9
Gravidez Atual 2 1,9
Total 27 26,2
Não refere 76 73,8
Total 103 100,0
Uma criança teve uma perda significativa pré-‐tornado e outra criança uma
perda significativa pós-‐tornado, por morte de um familiar ou pessoa significativa.
75
No momento do tornado verificou-‐se que 21,4% das crianças tinham irmãos
no interior da escola.
4.6. Análise dos dados – SDQ
Foi utilizado o programa de pontuação do SDQ 2.03 -‐ YouthinMind© Ltd
2007, que integra os algoritmos e emite um relatório com os resultados das
pontuações das cinco escalas, com a pontuação total de dificuldades, pontuação de
impacto e interpretação dos resultados, categorizando em “normal”, “limítrofe” e
“anormal” e especificando quais os diagnósticos previstos, gerando as
classificações “improvável”, “possível” ou “provável” para todas as perturbações. O
programa é executado usando o Microsoft Office Access e tem a capacidade de
exportar dados para o programa SPSS© (SPSS for Windows, Rel. 11.0.1. 2001.
Chicago, Il: SPSS Inc.).
Foi efetuada a análise descritiva dos dados. Na análise univariável para
explorar a existência de associações entre variáveis utilizou-‐se o teste Qui-‐
Quadrado ou teste exato de Fisher, conforme adequado.
Recorreu-‐se à regressão logística para testar vários modelos, de modo a
avaliar os fatores associados a maior risco de perturbação identificada pelo SDQ,
expressos pelo Odds Ratio (OR). Foi considerado um nível de significância a = 0,05
(p <0,05)44.
4.7. Resultados SDQ – Pais com suplemento de impacto
Na pontuação total de dificuldades 68,9% das crianças apresentaram
valores “normais”, 19,4% das crianças apresentaram valores “limítrofes” e 11,7%
valores “anormais”.
44 A análise e o tratamento de dados foram realizados com o apoio do gabinete de análise epidemiológica e estatística do Centro de Investigação do CHLC.
76
Nas escalas de sintomas emocionais, problemas de comportamento e de
hiperatividade, apesar da maioria das crianças ter apresentado resultados dentro
dos valores “normais”, obteve-‐se uma percentagem de valores “limítrofes” e
“anormais” significativamente mais elevada, em comparação com os resultados das
escalas de problemas de relacionamento com os colegas e de comportamento pró-‐
social. Na escala de comportamento pró-‐social, nenhuma criança apresentou
resultados dentro dos valores “anormais”
Quadro IV -‐ Resultados das cinco escalas e pontuação total de dificuldades do SDQ
– Versão de Pais com Suplemento de Impacto.
Normal Limítrofe Anormal
Escala de Sintomas Emocionais 61 (59,2%)
17 (16,5%)
25 (24,3%)
Escala de Problemas de Comportamento 68 (66%)
18 (17,5%)
17 (16,5%)
Escala de Hiperatividade 71 (68,9%)
12 (11,7%)
20 (19,4%)
Escala de Problemas de Relacionamento com os colegas 87 (84,5%)
9 (8,7%)
7 (6,8%)
Escala de Comportamento Pró-‐social 99 (96%)
4 (3,9%)
0 (0%)
Pontuação Total de Dificuldades 71 (68,9%)
20 (19,4%)
12 (11,7%)
À primeira questão do suplemento de impacto, (61) 59,3% dos pais referem
que as crianças apresentam dificuldades, sendo que 46,6% dificuldades
“pequenas”, e 12,7% apresentam dificuldades “grandes” ou “muito grandes”.
À segunda questão do suplemento de impacto que avalia a cronicidade, dos
61 pais que responderam à primeira questão, 4 não responderam há quanto tempo
a criança apresentava dificuldades nas referidas áreas. Dos 57 pais que
responderam, 70,2% dos pais referiram que a criança apresentava dificuldades há
mais de 12 meses (pré-‐tornado), e 29,9% referiram que a criança apresentava
dificuldades há menos de 12 meses, ou seja, após o desastre.
77
Quadro V – Cronicidade das dificuldades avaliadas pelo SDQ – Versão de Pais com
Suplemento de Impacto.
N %
<1 mês 1 1,8
1-‐5 meses 3 5,3
6-‐12 meses 13 22,8
> 12 meses 40 70,2
Total 57 100,0
Não respondeu 4 6,6
Total 61
À terceira questão do suplemento de impacto, que avaliava o sofrimento
global, dos 61 pais responderam 58, dos quais 53,4% referiram que as dificuldades
fazem sofrer ou incomodam “pouco” a criança, 22,4% referiram que fazem sofrer
ou incomodam “muito”; 24,1% dos pais referiram que as dificuldades não fazem
sofrer ou incomodam a criança.
À quarta questão do suplemento de impacto que avalia as dificuldades
sociais, dos 61 pais que referiram que as crianças apresentavam dificuldades, 7
não responderam. Dos 54 pais que responderam, 66,7% referiram que as
dificuldades perturbam o dia–a–dia da criança em casa e 33,3% referiram que não
perturba.
Não responderam 8 dos 61 pais, sobre se as dificuldades perturbavam o
dia–a–dia da criança na relação com os amigos, dos 53 pais que responderam,
58,5% referiram que perturbava e 41,5% referiram que não perturbava.
Dos 61 pais, 5 não responderam se as dificuldades que a criança
apresentava perturbava o dia–a–dia, no que se refere à aprendizagem na escola.
Responderam 56 pais, dos quais 85,8% referiram que as dificuldades perturbavam,
sendo que em 32,2% das crianças perturbavam “muito” ou “muitíssimo”. Verificou-‐
78
se que em 14,3% das crianças, as dificuldades não interferiam na aprendizagem na
escola.
Dos 61 pais, 7 não responderam se as dificuldades que a criança apresenta
perturbava o dia–a–dia no que se refere às brincadeiras ou tempos livres. Dos 54
pais que responderam, 59,3% referiram que perturbava e 40,7% referiram que
não perturbava.
No suplemento de impacto a questão sobre a sobrecarga para os pais e
família, 2 dos 61 pais não responderam. Dos 59 pais que responderam, 47,5%
referiram que não eram uma sobrecarga e 52,5% referiram que eram uma
sobrecarga. Sendo que a maioria considera uma sobrecarga, deste, 16,9%
consideraram que sobrecarregava “muito”.
No resultado da pontuação de impacto (obtida pelo somatório dos itens
relativos ao sofrimento global e dificuldades sociais), verificou-‐se que o impacto
das dificuldades é “normal” em 75,7% crianças, “limítrofe” em 10,7% das crianças
e “anormal” em 13,6% das crianças.
Quadro VI -‐ Resultados da pontuação de impacto. SDQ – Versão de Pais com
Suplemento de Impacto.
N %
“Normal” 78 75,7
“Limítrofe” 11 10,7
“Anormal” 14 13,6
Total 103 100,0
79
4.8. Resultados SDQ – Professores com suplemento de impacto
Na pontuação total de dificuldades 94,2% das crianças apresentavam
valores “normais”, 3,8% valores considerados “limítrofes” e 1,9% valores
“anormais”. Na escala de sintomas emocionais nenhuma criança apresentava
valores “anormais” e 2,9% das crianças apresentavam valores “limítrofes”. Na
escala de hiperatividade apesar da maioria das crianças apresentar resultados
dentro dos valores “normais” (87,4%), obteve-‐se uma maior percentagem de
valores “limítrofes” (4,9%), igual na escala de problemas do comportamento, e
“anormais” (7,8%).
Na escala de problemas de relacionamento com os colegas nenhuma criança
apresentou valores “limítrofes” ou “anormais”.
Na escala de comportamento pró-‐social, 4,9% das crianças apresentaram
valores “limítrofes” e 1% das crianças valores considerados “anormais”.
Quadro VII -‐ Resultados das cinco escalas e pontuação total de dificuldades do
SDQ – Versão de Professores com Suplemento de Impacto.
Normal Limítrofe Anormal
Escala de Sintomas Emocionais 100 (97,1%)
3 (2,9%)
0 (0%)
Escala de Problemas de Comportamento 97 (94,2%)
5 (4,9%)
1 (1%)
Escala de Hiperatividade 90 (87,4%)
5 (4,9%)
8 (7,8%)
Escala de Problemas de Relacionamento com os colegas 103 (100%)
0 (0%)
0 (0%)
Escala de Comportamento Pró-‐social 97 (94,2%)
5 (4,9%)
1 (1%)
Pontuação Total de Dificuldades 97 (94,2%)
4 (3,8%)
2 (1,9%)
80
À primeira questão do suplemento de impacto, (40) 61,2% das crianças
apresentaram dificuldades, destas, 30,1% apresentaram dificuldades “pequenas”,
8,8% dificuldades “grandes” e “muito grandes”.
À segunda questão que avalia a cronicidade, das 40 crianças que os
professores referiram que apresentavam dificuldades: 57,5% apresentavam
dificuldades há mais de 12 meses (pré-‐tornado), e 42,5% há menos de 12 meses,
ou seja, após o desastre.
À terceira questão do suplemento de impacto, que avaliou o sofrimento
global, das 40 crianças que os professores referiram ter dificuldades, em 35% das
crianças essas dificuldades faziam sofrer ou incomodavam “pouco”, em 20%
faziam sofrer ou incomodavam “muito” e “muitíssimo”; em 45% das crianças não
provocava sofrimento ou incomodava.
À quarta questão do suplemento de impacto que avaliava as dificuldades
sociais, os professores referiram que nas 40 crianças as dificuldades interferiam na
relação com os colegas em 22,5% das crianças.
Das 40 crianças, as dificuldades apresentadas interferiam na aprendizagem
na escola em 77,5% das crianças, sendo que em 25% perturbavam “muito” ou
“muitíssimo”.
Sobre a sobrecarga para professores/classe/turma, das 40 crianças que
apresentavam dificuldades, são uma sobrecarga 50% das crianças, sendo que em
22,5% das crianças sobrecarregavam “muito” ou “muitíssimo” os
professores/classe/turma.
Quanto à pontuação de impacto, o impacto que as dificuldades apresentadas
têm na criança é “normal” em 84,5% crianças, “limítrofe” em 9,7% crianças e
“anormal” em 5,8% das crianças.
81
Quadro VIII -‐ Resultados da pontuação de impacto. SDQ – Versão de Professores
com Suplemento de Impacto.
N %
“Normal” 87 84,5
“Limítrofe” 10 9,7
“Anormal” 6 5,8
Total 103 100,0
4.9. Construção dos grupos terapêuticos de prevenção
Goodman (1999) refere que os pontes de corte ou intervalos, que
categorizam as crianças no que diz respeito às dificuldades identificadas em
“normal”, “limítrofe” ou “anormal”, para a pontuação total das dificuldades permite
distinguir possíveis “casos” de “não casos”. Desta forma, considerámos casos, todas
as crianças que apresentavam risco de possíveis alterações do estado de saúde
mental, sempre que o algoritmo gerou as classificações “possível” e “provável”,
para as quatro categorias de perturbação e ainda as crianças que apresentavam
pontuações totais de dificuldades para o SDQ -‐ Pais com suplemento de impacto ou
SDQ – Professores com suplemento de impacto dentro dos valores “limítrofes” ou
valores “anormais”, embora não apresentassem qualquer diagnóstico previsto pelo
algoritmo.
A categoria possível ou provável Perturbação Psiquiátrica integra uma ou
mais das outras três categorias de possível ou provável perturbação (Emocional,
Conduta, Hiperatividade).
Da amostra, 12 (11,7%) crianças apresentavam uma possível ou provável
perturbação emocional, 20 (19,4%) crianças apresentavam uma possível ou
provável perturbação da conduta, 12 (11,7%) crianças apresentavam uma possível
ou provável perturbação de hiperatividade e 34 (33%) crianças apresentavam
uma possível ou provável perturbação psiquiátrica.
82
Quadro IX -‐ Diagnóstico de Perturbação Psiquiátrica, previsto pelo algoritmo do
SDQ. As categorias “possível” e “provável” são consideradas como casos.
N %
“Improvável” 69 67,0
“Possível” 27 26,2
“Provável” 7 6,8
Total 103 100,0
Da análise dos resultados referentes às quatro categorias de possível ou
provável perturbação, verificamos que 10 crianças apresentavam,
simultaneamente, duas possíveis ou prováveis perturbações.
Das 103 crianças, (43) 41,7% apresentavam risco de possível ou provável
perturbação mental (total de crianças caso): (34) 33% das crianças apresentavam
possíveis ou prováveis perturbações previstas pelo algoritmo do SDQ e (9) 8,7%
crianças apresentavam pontuações totais de dificuldades para o SDQ -‐ Pais ou SDQ
– Professores dentro dos valores “limítrofes” ou valores “anormais”.
4.10. O que conhecemos das crianças “caso”
As prevalências de risco de possível ou provável perturbação psiquiátrica e
de perturbação da conduta são significativamente superior nos rapazes.
Quadro X – Distribuição dos resultados do SDQ, por género.
Perturbação Emocional
Perturbação da Conduta
Þ
Perturbação de Hiperatividade
Perturbação Psiquiátrica
ÞÞ
Total de crianças em risco de
perturbação
Feminino 6/56 (10,7%)
3/56 (5,4%)
7/56 (12,5%)
13/56 (23,2%)
22/56 (39,3%)
Masculino 6/47 (12,8%)
17/47 (36,2%)
5/47 (10,6%)
21/47 (44,7%)
21/47 (44,7%)
Total 12/103 (11,7%)
20/103 (19,4%)
12/103 (11,7%)
34/103 (33%)
43/103 (41,7%)
Þ (Qui-‐Quadrado, p <0,001) ÞÞ (Qui-‐Quadrado, p <0,05)
83
A possibilidade de perturbação psiquiátrica é 2,7 vezes superior no género
masculino. [OR 2,672 (IC 95% 1,147 – 6,225)]
A possibilidade de perturbação da conduta é 10 vezes superior no género
masculino. [OR 10,011 (IC 95% 2,71 – 36,97)]
A prevalência de risco de possível ou provável perturbação da conduta é
significativamente superior nas crianças do pré-‐escolar do que nas crianças do 1.º
ciclo.
Quadro XI – Distribuição dos resultados do SDQ, por turmas do pré-‐escolar e do 1º
ciclo.
Perturbação Emocional
Perturbação da Conduta
Þ
Perturbação de Hiperatividade
Perturbação Psiquiátrica
Total de crianças em risco de
perturbação Bibe
Vermelho 2/11
(18,2%) 6/11
(54,5%) 2/11
(18,2%) 7/11
(63,6%) 7/11
(63,6%)
Bibe Azul
1/16 (6,3%)
6/16 (37,5%)
0/16 (0%)
6/16 (37,5%)
7/16 (43,8%)
1.º Ano 3/16 (18,8%)
2/16 (12,5%)
3/16 (18,8%)
6/16 (37,5%)
8/16 (50%)
2.º Ano 2/23 (8,7%)
3/23 (13%)
4/23 (17,4%)
7/23 (30,4%)
10/23 (43,5%)
3.º Ano 2/17 (11,8%)
0/17 (0%)
1/17 (5,9%)
3/17 (17,6%)
5/17 (29,4%)
4.º Ano 2/20 (10%)
3/20 (15%)
2/20 (10%)
5/20 (25%)
6/20 (30%)
Total 12/103 (11,7%)
20/103 (19,4%)
12/103 (11,7%)
34/103 (33%)
43/103 (41,7%)
Þ (teste exato de Fisher, p <0,05)
Por cada ano de idade a mais, no momento do tornado, a possibilidade de
ter uma perturbação da conduta reduz em 37,4%. [OR 0,626 (IC 95% 0,45 – 0,87)]
84
Por cada ano de idade a mais, no momento do tornado, a possibilidade de
ter uma perturbação psiquiátrica reduz em 22%. [OR 0,78 (IC 95% 0,607 – 1,003)]
Por cada ano de idade a mais, no momento do tornado, a possibilidade de
ter alteração do estado de saúde mental reduz em 19,9%. [OR 0,801 (IC 95% 0,632
– 1,016)]
Segundo os pais, a maioria das crianças com possível ou provável
perturbação mental, apresentava há mais de um ano, ou seja, anterior ao tornado.
Destacam-‐se os casos de possível ou provável perturbação da conduta, são todos
prévios ao tornado. No entanto, uma parte significativa dos casos de possível ou
provável perturbação emocional e de perturbação de hiperatividade são referidos
pelos pais como existindo desde há 6-‐12 meses (coincidindo com o período
imediato após o tornado), embora não apresentem significado estatístico.
Quadro XII – Distribuição dos resultados do SDQ, pela cronicidade das
dificuldades (conforme avaliado pelos pais).
Perturbação Emocional
Perturbação da Conduta
Þ
Perturbação de Hiperatividade
Perturbação Psiquiátrica
Total de crianças em risco de
perturbação
Cronicidade (Av. Pais)
Menos 1 mês
0/1 (0%)
0/1 (0%)
0/1 (0%)
0/1 (0%)
0/1 (0%)
1-‐5 Meses
0/3 (0%)
0/3 (0%)
0/3 (0%)
0/3 (0%)
2/3 (66,7%)
6-‐12 Meses
5/13 (38,5%)
0/13 (0%)
4/13 (30,8%)
7/13 (53,8%)
9/13 (69,2%)
Mais 12
Meses
7/40 (17,5%)
13/40 (32,5%)
8/40 (20%)
20/40 (50%)
23/40 (57,5%)
Total 12/57 (21,1%)
13/57 (22,8%)
12/57 (21,1%)
27/57 (47,4%)
34/57 (59,6%)
Þ (teste exato de Fisher, p <0,05)
A possibilidade de ter uma perturbação da conduta após o tornado é 89,6%
menor nas crianças que antes do tornado não tinham possibilidade de perturbação
da conduta do que nas que já tinham. [OR 0,104 (IC 95% 0,013 – 0,860)]
85
Segundo a avaliação dos pais, todas as crianças com possível ou provável
perturbação do estado de saúde mental se associavam a “muito” sofrimento exceto
nas crianças com possível ou provável perturbação da conduta.
Quadro XIII – Distribuição dos resultados do SDQ, pelo grau de sofrimento global
(conforme avaliado pelos pais).
Perturbação Emocional
Þ
Perturbação da Conduta
Perturbação de Hiperatividade
Þ
Perturbação Psiquiátrica
Þ
Total de crianças em risco de
perturbação Þ
Sofrimento Global Av. Pais
Nada 0/14 (0%)
5/14 (35,7%)
1/14 (7,1%)
5/14 (35,7%)
7/14 (50%)
Pouco 5/31 (16,1%)
7/31 (22,6%)
5/31 (16,1%)
12/31 (38,7%)
16/31 (51,6%)
Muito 7/13 (53,8%)
2/13 (15,4%)
6/13 (46,2%)
11/13 (84,6%)
12/13 (92,3%)
Total 12/58 (20,7%)
14/58 (24,1%)
12/58 (20,7%)
28/58 (48,3%)
35/58 (60,3%)
Þ (Qui-‐Quadrado ou teste exato de Fisher, p <0.05)
A apreciação pelos pais acerca da interferência das dificuldades das
crianças no dia-‐a-‐dia em casa, é com maior frequência mais grave nas crianças que
apresentavam possíveis alterações do estado de saúde mental (crianças em risco
de perturbação), mais especificamente nas crianças em que se identificou possível
ou provável perturbação psiquiátrica e emocional.
Quadro XIV – Distribuição dos resultados do SDQ, pela interferência das
dificuldades no dia-‐a-‐dia da criança, em casa (conforme avaliado pelos pais).
Perturbação Emocional
Þ
Perturbação da Conduta
Perturbação de Hiperatividade
Perturbação Psiquiátrica
ÞÞ
Total de crianças em risco de
perturbação ÞÞ
Dificuldades perturbam o dia-‐a-‐dia em casa (Av. Pais)
Nada 1/18 (5,6%)
4/18 (22,2%)
2/18 (11,1%)
5/18 (27,8%)
7/18 (38,9%)
Pouco 4/29 (13,8%)
9/29 (31%)
8/29 (27,6%)
16/29 (55,2%)
19/29 (65,5%)
Muito 7/7 (100%)
1/7 (14,3%)
2/7 (28,6%)
7/7 (100%)
7/7 (100%)
Total 12/54 (22,2%)
14/54 (25,9%)
12/54 (22,2%)
28/54 (51,9%)
33/54 (61,1%)
Þ (teste exato de Fisher, p <0,001) ÞÞ (teste exato de Fisher, p <0,05)
86
A apreciação pelos pais referente à interferência das dificuldades das
crianças na relação com os amigos é com maior frequência mais grave nas crianças
em que se identificou possível ou provável perturbação emocional.
Quadro XV – Distribuição dos resultados do SDQ, pela interferência das
dificuldades no dia-‐a-‐dia da criança, na relação com os amigos (conforme
avaliado pelos pais).
Perturbação Emocional
Þ
Perturbação da Conduta
Perturbação de Hiperatividade
Perturbação Psiquiátrica
Total de crianças em risco de
perturbação
Dificuldades perturbam o dia-‐a-‐dia na relação com os amigos Av. Pais
Nada 2/22 (9,1%)
5/22 (22,7%)
3/22 (13,6%)
9/22 (40,9%)
12/22 (54,5%)
Pouco 5/26 (19,2%)
8/26 (30,8%)
6/26 (23,1%)
13/26 (50%)
15/26 (57,7%)
Muito 4/5 (80%)
1/5 (20%)
2/5 (40%)
5/5 (100%)
5/5 (100%)
Total 11/53 (20,8%)
14/53 (26,4%)
11/53 (20,8%)
27/53 (50,9%)
32/53 (60,4%)
Þ (teste exato de Fisher, p <0,05)
A apreciação pelos pais sobre a interferência das dificuldades das crianças
na aprendizagem escolar foi com maior frequência mais grave nas crianças em que
se identificou possível ou provável perturbação psiquiátrica, especificamente nas
crianças com possível ou provável perturbação emocional e de hiperatividade.
87
Quadro XVI – Distribuição dos resultados do SDQ, pela interferência das
dificuldades no dia-‐a-‐dia da criança, na aprendizagem na escola (conforme
avaliado pelos pais).
Perturbação Emocional
Þ
Perturbação da Conduta
Perturbação de Hiperatividade
ÞÞ
Perturbação Psiquiátrica
Þ
Total de crianças em risco de
perturbação ÞÞÞ
Dificuldades perturbam o dia-‐a-‐dia na aprendizagem na escola Av. Pais
Nada 0/8 (0%)
2/8 (25%)
1/8 (12,5%)
3/8 (37,5%)
3/8 (37,5%)
Pouco 3/30 (10%)
7/30 (23,3%)
1/30 (3,3%)
9/30 (30%)
15/30 (50%)
Muito 8/16 (50%)
3/16 (18,8%)
8/16 (50%)
13/16 (81,3%)
13/16 (81,3%)
Muitíssimo 1/2 (50%)
1/2 (50%)
1/2 (50%)
2/2 (100%)
2/2 (100%)
Total 12/56 (21,4%)
13/56 (23,2%)
11/56 (19,6%)
27/56 (48,2%)
33/56 (58,9%)
Þ (teste exato de Fisher, p <0,05) ÞÞ (teste exato de Fisher, p <0,001) ÞÞÞ (teste exato de Fisher, p = 0,058)
A apreciação pelos pais referente à interferência das dificuldades das
crianças nas brincadeiras/tempos livres foi com maior frequência mais grave nas
crianças em que se identificou possível ou provável perturbação emocional.
Quadro XVII – Distribuição dos resultados do SDQ, pela interferência das
dificuldades no dia-‐a-‐dia da criança, nas brincadeiras/tempos livres (conforme
avaliado pelos pais).
Perturbação Emocional
Þ
Perturbação da Conduta
Perturbação de Hiperatividade
Perturbação Psiquiátrica
Total de crianças em risco de
perturbação
Dificuldades perturbam o dia-‐a-‐dia nas
brincadeiras Av. Pais
Nada 2/22 (9,1%)
6/22 (27,3%)
4/22 (18,2%)
10/22 (45,5%)
11/22 (50%)
Pouco 6/27 (22,2%)
8/27 (29,6%)
5/27 (18,5%)
13/27 (48,1%)
18/27 (66,7%)
Muito 3/5 (60%)
0/5 (0%)
2/5 (40%)
4/5 (80%)
4/5 (80%)
Total 11/54 (20,4%)
14/54 (25,9%)
11/54 (20,4%)
27/54 (50%)
33/54 (61,1%)
Þ (teste exato de Fisher, p <0,05)
88
A referência à “muita” sobrecarga para pais/família é significativamente
mais frequente nas crianças da amostra que apresentavam possíveis alterações do
estado de saúde mental (crianças em risco de perturbação), parecendo estar mais
associada às possíveis ou prováveis perturbações psiquiátricas e emocionais.
Quadro XVIII – Distribuição dos resultados do SDQ, pela sobrecarga para
pais/família das dificuldades (conforme avaliado pelos pais).
Perturbação Emocional
Þ
Perturbação da Conduta
Perturbação de Hiperatividade
Perturbação Psiquiátrica
ÞÞ
Total de crianças em risco de
perturbação ÞÞ
Sobrecarga pais/famíli
a Av. Pais
Nada 3/28 (10,7%)
6/28 (21,4%)
3/28 (10,7%)
9/28 (32,1%)
14/28 (50%)
Pouco 2/21 (9,5%)
5/21 (23,8%)
5/21 (23,8%)
9/21 (42,9%)
10/21 (47,6%)
Muito 6/10 (60%)
3/10 (30%)
3/10 (30%)
9/10 (90%)
10/10 (100%)
Total 11/59 (18,6%)
14/59 (23,7%)
11/59 (18,6%)
27/59 (45,5%)
34/59 (57,6%)
Þ (teste exato de Fisher, p <0,05) Þ Þ (Qui-‐Quadrado, p <0,05)
A perceção pelos pais de impacto de dificuldades “anormal” é superior nas
crianças da amostra que apresentavam possíveis alterações do estado de saúde
mental (crianças em risco de perturbação) e com possível ou provável perturbação
psiquiátrica, mais especificamente com possível ou provável perturbação
emocional e de hiperatividade.
89
Quadro XIX – Distribuição dos resultados do SDQ, pelo impacto de dificuldades
(conforme avaliado pelos pais).
Casos/total
Perturbação Emocional
Þ
Perturbação da Conduta
Perturbação de Hiperatividade
Þ
Perturbação Psiquiátrica
Þ
Total de crianças em risco de
perturbação Þ
Impacto Av. Pais
“Normal” 0/78 (0%)
14/78 (17,9%)
1/78 (1,3%)
15/78 (19,2%)
23/78 (29,5%)
“Limítrofe” 3/11 (27,3%)
3/11 (27,3%)
3/11 (27,3%)
5/11 (45,5%)
6/11 (54,5%)
“Anormal” 9/14 (64,3%)
3/14 (21,4%)
8/14 (57,1%)
14/14 (100%)
14/14 (100%)
Total 12/103 (11,7%)
20/103 (19,4%)
12/103 (11,7%)
34/103 (33%)
43/103 (41,7%)
Þ (teste exato de Fisher, p <0,001)
Segundo a apreciação dos professores, a prevalência de possível ou
provável perturbação psiquiátrica há mais de 12 meses (pré-‐tornado) é
significativamente superior. Destaca-‐se que a maioria das perturbações existe há
mais de um ano, ou seja são anteriores à experiência do desastre, particularmente
a possível ou provável perturbação da conduta.
Quadro XX – Distribuição dos resultados do SDQ, pela cronicidade das
dificuldades (conforme avaliado pelos professores).
Perturbação Emocional
Perturbação da Conduta
Þ
Perturbação de Hiperatividade
Perturbação Psiquiátrica
ÞÞ
Total de crianças em risco de
perturbação
Cronicidade Av.
Professores
6-‐12 Meses
2/17 (11,8%)
1/17 (5,9%)
2/17 (11,8%)
5/17 (29,4%)
8/17 (47,1%)
Mais 12 Meses
6/23 (26,1%)
8/23 (34,8%)
6/23 (26,1%)
14/23 (60,9%)
14/23 (60,9%)
Total 8/40 (20%)
9/40 (22,5%)
8/40 (20%)
19/40 (47,5%)
22/40 (55%)
Þ (teste exato de Fisher, p = 0,054) ÞÞ (Qui-‐Quadrado, p <0,05)
90
A possibilidade de ter uma perturbação psiquiátrica após o tornado é 73,2%
menor nas crianças que antes do tornado não tinham possível ou provável
perturbação psiquiátrica do que nas crianças que já tinham perturbação. [OR 0,268
(IC 95% 0,070 – 1,021)]
A possibilidade de ter uma perturbação da conduta após o tornado é 88,3%
menor nas crianças que antes do tornado não tinham possível ou provável
perturbação da conduta do que nas que já tinham possível ou provável
perturbação. [OR 0,117 (IC 95% 0,013 – 1,052)]
Não existe diferença estatisticamente significativa na prevalência de “muito”
ou “muitíssimo” sofrimento, pela apreciação dos professores, entre as diferentes
possíveis ou prováveis perturbações identificadas (Quadro XLVII -‐ Anexo 6).
A apreciação pelos professores referente à interferência das dificuldades
das crianças na relação com os colegas e na aprendizagem na escola não é
significativa nas possíveis ou prováveis perturbações identificadas.
A referência à “pouca” sobrecarga para os professores/classe/turma é
significativamente mais frequente nas crianças com possível ou provável
perturbação da conduta.
91
Quadro XXI – Distribuição dos resultados do SDQ, pela sobrecarga para
professores/classe/turma das dificuldades (conforme avaliado pelos professores).
Perturbação Emocional
Perturbação da Conduta
Þ
Perturbação de Hiperatividade
Perturbação Psiquiátrica
Total de crianças em risco de
perturbação
Sobrecarga professores/ classe/turma
Av. Professores
Nada 4/20 (20%)
2/20 (10%)
4/20 (20%)
7/20 (35%)
10/20 (50%)
Pouco 1/11 (9,1%)
6/11 (54,5%)
1/11 (9,1%)
7/11 (63,6%)
7/11 (63,6%)
Muito 2/8 (25%)
1/8 (12,5%)
3/8 (37,5%)
4/8 (50%)
4/8 (50%)
Muitíssimo 1/1 (100%)
0/1 (0%)
0/1 (0%)
1/1 (100%)
1/1 (100%)
Total 8/40 (20%)
9/40 (22,5%)
8/40 (20%)
19/40 (47,5%)
22/40 (55%)
Þ (teste exato de Fisher, p <0,05)
A percepção dos professores de um impacto de dificuldades “anormal” é
superior nas crianças com possível ou provável perturbação emocional.
Quadro XXII – Distribuição dos resultados do SDQ, pelo impacto de dificuldades
(conforme avaliado pelos professores).
Casos/total Perturbação Emocional
Þ
Perturbação da Conduta
Perturbação de Hiperatividade
Perturbação Psiquiátrica
Total de crianças em risco de
perturbação
Impacto Av.
Professores
“Normal” 8/87 (9,2%)
18/87 (20,7%)
8/87 (9,2%)
27/87 (31%)
34/87 (39,1%)
“Limítrofe” 1/10 (10%)
2/10 (20%)
2/10 (20%)
3/10 (30%)
5/10 (50%)
“Anormal” 3/6 (50%)
0/6 (0%)
2/6 (33,3%)
4/6 (66,7%)
4/6 (66,7%)
Total 12/103 (11,7%)
20/103 (19,4%)
12/103 (11,7%)
34/103 (33%)
43/103 (41,7%)
Þ (teste exato de Fisher, p <0,05)
Foram testados vários modelos multivariáveis de associações para avaliar
os factores associados a maior risco de perturbações/alterações do estado de
saúde mental.
92
Para a ocorrência de perturbação da conduta foi testado um modelo
multivariável, controlando o género, idade das crianças aquando do
preenchimento do SDQ pelos pais, irmãos no interior da escola no momento do
tornado, família e cronicidade (avaliação pais). A possibilidade de ocorrência de
possível ou provável perturbação da conduta é 12,03 vezes superior nos rapazes
do que nas raparigas (OR 12,045; IC95% 1,959-‐74,045; p= 0,007) e diminui 39,8%
por cada ano de idade a mais (OR 0,602; IC95% 0,368-‐0,985; p=0,044), tem
tendência para aumentar se as dificuldades existirem desde há mais de 12 meses
(OR 10,000; IC95% 0,762-‐131,282; p=0,080), e não aparece relação com a
coabitação com os pais ou com a existência de irmão na escola na altura do tornado.
Para a ocorrência de possível ou provável perturbação psiquiátrica foi
testado um modelo multivariável, controlando o género, a idade das crianças
aquando do preenchimento do SDQ pelos pais, irmãos no interior da escola no
momento do tornado e família. A possibilidade de ocorrência de perturbações
psiquiátricas, foi 2,6 vezes superior nos rapazes do que nas raparigas (OR 2,603;
IC95% 1,052-‐6,438; p=0,038) e diminuiu 28% por cada ano de idade a mais (OR
0,720; IC95% 0,548-‐0,946; p=0,018); não parece haver relação com a coabitação
com os pais ou com a existência de irmão na escola na altura do tornado.
Foi aplicado um modelo multivariável para a ocorrência de possíveis
alterações do estado de saúde mental (definido pelo total de crianças em risco de
perturbação) controlando o género, idade das crianças aquando do preenchimento
do SDQ pelos pais, irmãos no interior da escola no momento do tornado e família.
A possibilidade de classificação como “criança em risco de perturbação” diminui
24,8% por cada ano de idade a mais (OR 0,752; IC95% 0,583-‐0,970; p=0,028) e
não há evidencia de relação com o género, a coabitação com os pais ou com a
existência de irmão na escola na altura do tornado.
Para a possível ou provável perturbação emocional e de hiperatividade, não
foram testados modelos explicativos, uma vez que na análise univariável nenhuma
variável revelou significado estatístico.
93
4.11. Discussão dos dados das crianças “caso”
Não existe a intencionalidade de extrapolar os resultados do presente
estudo para a população pois estamos perante uma amostra não aleatória, tendo
sido o processo de amostragem por conveniência, dependente dos critérios de
exclusão e da obtenção do consentimento parental (HillI e Hill, 2009).
Existem poucos estudos sobre prevalência de possíveis ou prováveis
perturbações psiquiátricas na infância, que mantenham a mesma faixa etária e
metodologia de avaliação, podendo os resultados mobilizados para a nossa
discussão variar em função destas características.
Linna e Moilanen (1994) na Finlândia, num estudo com 1 100 crianças de
oito anos de idade tiveram uma prevalência de possível ou provável perturbação
psiquiátrica semelhante ao nosso estudo, 25.2%. Ainda na Finlândia, Almqvist et al
(1999) numa amostra de 5 813 crianças, mas com idades entre oito e nove anos a
prevalência de possível ou provável perturbação psiquiátrica ainda se manteve
próxima dos nossos valores, 21,8%.
Ford, Goodman e Meltzer (2003), numa amostra de 10 438 crianças e
adolescentes britânicos, entre os 5 e 15 anos de idade, a prevalência de possível ou
provável perturbação psiquiátrica foi de 9,5%; em crianças entre os 5 e 7 anos de
idade (2964) a prevalência foi de 7,8% e em crianças entre os 8 e 10 anos de idade
(2949) a prevalência foi de 8,6%.
Sendo idades diferentes a prevalência da possível ou provável perturbação
psiquiátrica varia igualmente na Dinamarca, onde Peterson et al (2006) refere
numa amostra de 751 crianças de oito e nove anos de idade uma prevalência de
11,8% de possível ou provável perturbação psiquiátrica.
A prevalência foi semelhante ao nosso estudo quando a metodologia foi
idêntica. Quando utilizado o SDQ – Pais com suplemento de impacto, o SDQ -‐
Professores com suplemento de impacto e o SDQ – Versão de Auto – Avaliação com
94
suplemento de impacto (aplicado a crianças com mais de 11 anos) como
instrumentos de colheita de dados, Goodman et al (2000a) numa amostra de 7 984
crianças e adolescentes britânicos entre os 5 e 15 anos de idade, tiveram uma prevalência de possível ou provável perturbação psiquiátrica de 29,9%, resultado
semelhante ao obtido no nosso estudo, onde a prevalência da possível ou provável
perturbação psiquiátrica é de 33%.
Confirmou-‐se a hipótese da prevalência da possível ou provável
perturbação ser maior nos rapazes, sendo 2,7 vezes superior que nas raparigas.
Este resultado foi consistente em vários estudos. (Fombonne, 1994; Linna e
Moilanen, 1994; Almqvist et al, 1999; Goodman et al, 2000a; Ford, Goodman e
Meltzer, 2003; Fleitlich-‐Bilyk e Goodman, 2004; Peterson et al, 2006)
A possível ou provável Perturbação da Conduta foi significativamente
superior nos rapazes, sendo 10 vezes superior. Este dado está de acordo com o ICD
10 (International Classification of Diseases, 209) “conduct disorder (...) is more
commonly noted in boys.”
A hipótese das possíveis ou prováveis perturbações se associarem a “muito”
sofrimento na criança, confirmou-‐se na apreciação realizada pelos pais, com
exceção das crianças com possível ou provável perturbação da conduta. É uma
hipótese já colocada em vários contextos clínicos, a dificuldade dos pais
associarem possíveis ou prováveis perturbações onde o comportamento da criança
é mais agido e agressivo, com o sofrimento que a criança está a viver.
Possivelmente, a dificuldade em diferenciar estes comportamentos de problemas
de educação, onde a criança é classificada como “mal educada”, é percebida como
geradora de sofrimento no outro e não detentora de sofrimento.
Com os professores os resultados são inconsistentes, não existiu diferença
estatisticamente significativa na prevalência de “muito” ou “muitíssimo”
sofrimento entre as diferentes perturbações.
95
A hipótese das perturbações sobrecarregarem “muito” as família e
comunidade escolar confirmou-‐se, na apreciação dos pais, em particular as
crianças com possível ou provável Perturbação Emocional.
Nos dados dos professores, surpreendentemente os dados são
inconsistentes, não sendo estatisticamente significativa a sobrecarga para
professores/classe/turma as crianças com perturbação, nem mesmo as crianças
com perturbação da conduta. Não sendo estatisticamente significativo, no discurso
das professoras e educadores, estas crianças são referidas frequentemente como
causadoras de sobrecarga.
A hipótese da prevalência de possíveis ou prováveis perturbações mentais
nas crianças que viveram um desastre (tornado) em Tomar ser superior à
esperada não se confirmou, uma vez que através da apreciação dos pais e
apreciação dos professores em relação à cronicidade, verificou-‐se que a maioria
das crianças com possível ou provável perturbação mental apresenta o
comportamento e sintomas há mais de um ano, ou seja, anterior à experiência do
tornado, sendo particularmente evidente nas perturbações da conduta. A
possibilidade de ter uma perturbação da conduta após o tornado foi 89,6% menor
nas crianças que antes do tornado não tiveram possível ou provável perturbação
da conduta do que nas crianças que já tinham possível ou provável perturbação,
pela avaliação dos pais, e de 88,3% pela avaliação dos professores, estando estas
crianças menos vulneráveis a desencadearem uma possível ou provável
perturbação de conduta quando experienciam um desastre.
Constatou-‐se pela apreciação dos professores que a possibilidade de terem
uma possível ou provável perturbação psiquiátrica após o tornado foi 73,2%
menor nas crianças que antes do tornado não tinham perturbação psiquiátrica do
que nas crianças que já tinham perturbação.
Segundo a apreciação dos pais uma parte significativa dos casos de possível
ou provável perturbação emocional e de hiperatividade existem há 6-‐12 meses
96
(coincidindo com o período imediato após o tornado), embora sem diferença
estatisticamente significativa.
Embora os estudos com vítimas de catástrofes naturais revelem uma taxa
elevada de perturbações mentais pós-‐catástrofe (OMS, 2001), na amostra estudada
tal não se verificou, possivelmente justificado por fatores importantes no
desenvolvimento e intensidade dos sintomas após um acontecimento traumático: a
natureza do trauma, o grau em que a integridade corporal é ameaçada, a ameaça
representada pelo acontecimento para o sistema de self, experiências pessoais, as
respostas dos pais ao acontecimento traumático e a natureza do apoio da família
(Zotti et al, 2006; Baggerly e Exum, 2008).
Os dados estão de acordo com os dados da Coordenação Nacional para a
Saúde Mental (2009) quando referem que apenas 1/5 das crianças com
perturbação recebe tratamento apropriado, pois, nenhuma criança tinha patologia
diagnosticada ou era acompanhada em pedopsiquiatria à data do tornado, embora
41,7% (43) das crianças, apresentem possível ou provável perturbação mental,
sendo a maioria prévia ao tornado.
Estão igualmente de acordo com a Comissão Nacional para a
Reestruturação dos Serviços de Saúde Mental (2007), quando referem que nos
últimos anos se verifica um aumento da frequência de perturbações do
comportamento em crianças cada vez mais novas, ao constatarmos que a
prevalência de possível ou provável perturbação da conduta foi significativamente
superior nas crianças do pré-‐escolar do que nas crianças do 1º ciclo. Por cada ano
de idade a mais, no momento do tornado, a possibilidade de terem uma
perturbação da conduta reduz em 37,4%. As crianças, provavelmente têm maior
capacidade em assumir e dominar os diferentes papéis ao longo dos anos, quanto
mais papéis vivem e mais os experimentam, maior o seu domínio.
Verificamos ainda que na perceção dos pais e dos professores as
dificuldades das crianças que apresentavam perturbações da conduta
97
sobrecarregam “pouco” ou “nada”, o que pode justificar eventualmente à não
referenciação das crianças.
Verificamos uma inconsistência na apreciação dos pais e professores, sobre
a perceção do impacto da possível ou provável perturbação no dia-‐a-‐dia da criança.
Os pais consideraram que a interferência das dificuldades das crianças na relação
com os colegas foi particularmente mais grave nas crianças com possível ou
provável perturbação emocional; a interferência na aprendizagem escolar foi
principalmente mais grave nas crianças com possível ou provável perturbação
psiquiátrica, especificamente com possível ou provável perturbação emocional e
da hiperatividade. Pelo contrário, a apreciação pelos professores referente à
interferência das dificuldades das crianças na relação com os colegas e na
aprendizagem na escola não foi significativa nas possíveis ou prováveis
perturbações identificadas.
Goodman et al (2000a, 538) já tinham identificado estas inconsistências,
referindo que a informação dos pais é um pouco mais útil para detectar distúrbios
emocionais enquanto a informação dos professores é um pouco mais útil para
detectar possíveis ou prováveis perturbações da conduta e hiperatividade. As
crianças têm interações diferentes em contextos diferentes, na escola emergem
predominantemente os papéis de aluno, amigo, enquanto em casa emergem os
papéis de filho e de irmão.
Nesta amostra não se confirmou que a experiência do desastre tenha uma
relação direta, causa-‐efeito, com a possibilidade ou probabilidade de ter uma
perturbação mental. Mas a presença do Tornado na memória das crianças, pais e
comunidade escolar é real, está presente e certamente irá manifestar-‐se no
emergente grupal, nas sessões de intervenção terapêutica de prevenção em grupo.
98
4.12. Conhecer a dimensão do desastre – Desenhos das crianças
Entendendo a criança como ator social, a sua participação no estudo foi
ativa, tendo presente as formas de comunicar que predominam na infância. Foi
solicitada à criança a disposição e vontade em participar, realizando quatro
desenhos, durante Novembro e Dezembro de 2011, três de tema “livre” e um tema
“escola”. No final de cada desenho colheu-‐se a narrativa da criança. Todas as
crianças que os pais autorizaram participar no estudo aceitaram realizar os
desenhos.
Para realizar a análise dos dados, desde a criação das categorias, foi
utilizada a triangulação dos investigadores, de forma a colocar em comparação
dados obtidos com a ajuda de dois ou vários processos distintos de observação,
seguidos de forma independente no seio do mesmo estudo, para aumentar a
fiabilidade. (Fortin, 2000, p. 322, citando Lefrançois, 1995)
Ordenando em categorias previamente construídas, com base na
experiência do desastre e no mundo da infância, e categorias construídas após a
análise dos desenhos e narrativas, foi realizada uma análise sistemática dos dados.
Recorremos à análise de conteúdo, que permitiu um conjunto de técnicas de
análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e
objectivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores que permitissem
a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção
(variáveis inferidas) destas mensagens. (Bardin, 2004, p. 37)
As tabelas de análise de conteúdo encontram-‐se em Apêndice.
Como observamos nas tabelas, no final agrupadas e integradas somente
duas categorias, uma com “elementos associados ao desastre” e outra sem
“elementos associados ao desastre”.
As crianças representaram-‐se a si, aos amigos e adultos com quem têm
laços afectivos, narraram acontecimentos sociais e culturais, construíram cenários
99
idênticos à realidade e ao meio em que estavam inseridas. Para além destas
temáticas, Gomes (2009) ainda nos refere as representações que as crianças fazem
de animais que conhecem da sua realidade e da cultura escolar ou dos media. Os
elementos da natureza são também uma temática de eleição das crianças aos quais,
muitas vezes, são atribuídas características humanas.
Neste quadro de referência, foram analisados os desenhos e narrativas das
crianças identificando os desenhos que possuíam elementos associados a um
desastre, a eventos de vida com situações climatéricas extremas, destruição,
cuidados hospitalares, ou desenhos em que o relato da criança fosse percebido
como algo sentido como ameaçador. No desenho temático “escola” identificamos se
a escola aparece representada reconstruída ou destruída, valorizando o facto de
nos encontramos na escola já reconstruída, e segundo relato da totalidade das
pessoas, muito melhorada em relação ao que era antes do desastre.
Sendo quatro desenhos, consideramos significativo as crianças que
representaram pelo menos metade, dois ou mais desenhos com estes temas, na
medida em que a representação repetida de uma temática, sentida como
desagradável ou ameaçadora, pode ser percebida como desconfortável para a
criança.
4.12.1. Desenhos e narrativas das crianças em pré-‐escolar
O Pré-‐escolar é categorizado como Bibe Vermelho (crianças de quatro anos)
e o Bibe Azul (crianças de cinco anos).
Do Bibe Vermelho foram 11 as crianças que participaram no estudo. No
primeiro desenho de tema livre, sete dos desenhos apresentaram “elementos
associados ao desastre” tendo esse número descido no segundo e aumentado no
último desenho. No total foram 18 os desenhos considerados com “elementos
associados ao desastre”. Relativamente aos desenhos do tema escola, um
representava a “Escola Destruída /com tornado ou mau tempo” e quatro desenhos
“não representam a escola quando solicitado”. Os desenhos que não apresentam a
100
representação da escola, quando solicitado expressamente, foram também
associados a elemento do desastre, tendo em conta a importância da representação
de ações como parte da relação dialética entre a criança e o meio. Não representar
a escola quando solicitado foi entendido como dificuldade em representar
mentalmente a escola, em falar da escola, pois também não surge na narrativa, não
tendo sido questionada a criança porque não o fez. Das 11 crianças, seis
representaram dois ou mais desenhos associados ao desastre, sendo cinco rapazes
e uma rapariga. Uma rapariga e um rapaz não são “caso” pelo SDQ, estando os
restantes quatro.
Do Bibe Azul foram 16 crianças que participaram no estudo. Verificou-‐se
que o número de desenhos com “elementos associados ao desastre” foram
decrescendo ao longo dos quatro desenhos, sendo que no primeiro desenho tema
“livre” surgiram quatro desenhos com “elementos associados ao desastre” e no
último desenho tema “livre” só uma criança é que se incluiu nessa categoria. No
total foram nove os desenhos com “elementos associados ao desastre”. Todas as
crianças desenharam a escola quando solicitado. Das 16 crianças, duas, uma
rapariga e um rapaz, representaram três desenhos com “elementos associados ao
desastre”. A rapariga não está classificada como “caso” pelo SDQ.
Das 27 crianças do pré-‐escolar, 27 desenhos apresentaram “elementos
associados ao desastre”, tendo 30% (oito crianças), realizado dois ou mais
desenhos com “elementos associados ao desastre”, destas, três não são
considerados “caso” pelo SDQ.
4.12.2. Desenhos e narrativas das crianças do 1º ciclo
No 1º ciclo participaram no estudo 76 crianças. Do 1º ano participaram 16
crianças. Nesta turma foram realizados 12 desenhos com “elementos associados ao
desastre”, tendo aumentado ao longo dos quatro desenhos, um no primeiro e cinco
no último. Quatro desenhos apresentaram a “Escola Destruída /com tornado ou
mau tempo”, tendo todas as crianças desenhado a escola quando solicitado. Três
101
crianças desenharam dois desenhos com “elementos associados ao desastre”, duas
raparigas e um rapaz, todos classificados “caso” pelo SDQ.
Do 2º ano participaram no estudo 23 crianças com idades compreendidas
entre os sete e oito anos de idade. O número de desenhos com “elementos
associados ao desastre” decresceu do primeiro desenho para o seguinte,
mantendo-‐se constante até ao último desenho, sendo que no primeiro desenho
surgiram seis, e nos restantes diminuiu para quatro desenhos com “elementos
associados ao desastre”. Foram 18 os desenhos que apresentaram “elementos
associados ao desastre”. No desenho tema escola todas as crianças representaram
a escola, sendo que quatro desenhos apresentaram a “Escola Destruída /com
tornado ou mau tempo”. Neste ano foram quatro crianças que apresentam dois
desenhos com “elementos associados ao desastre”, três raparigas e um rapaz,
estando duas raparigas classificadas como “caso” pelo SDQ.
Do 3º ano participaram 17 crianças com idades compreendidas entre os
oito e nove anos de idade. O número de desenhos com “elementos associados à
catástrofe” foi decrescendo ao longo dos 4 desenhos, sendo que no primeiro
surgiram cinco desenhos que apresentavam “elementos associados ao desastre” e
no último quatro desenhos, num total 16 desenhos. No desenho tema escola todas
as crianças desenharam a escola quando solicitado, e dois desenhos apresentaram
a “Escola Destruída /com tornado ou mau tempo”. Foram três crianças que
apresentaram dois desenhos com “elementos associados ao desastre”, todas do
género feminino, não estando uma classificada como “caso” pelo SDQ.
Do 4º ano participaram no estudo 20 crianças, sendo apenas sete os
desenhos que apresentaram “elementos associados ao desastre”. No tema escola
duas crianças representaram a escola “destruída ou com tornado/mau tempo” e
todas desenharam a escola quando solicitado. Nenhuma criança no 4º ano realizou
dois ou mais desenhos com “elementos associados ao desastre”.
Tendo em conta a totalidade das crianças do 1º ciclo, 84% (64) das crianças
tinham uma representação da escola como íntegra, 15,7% (12) tinham a
102
representação de uma “escola destruída com tornado/mau tempo”, tendo todos
representado a escola quando solicitado.
No total do 1º ciclo foram 53 os desenhos que apresentaram “elementos
associados ao desastre”, e 13,1% (10) das crianças realizaram dois ou mais
desenhos com “elementos associados ao desastre”.
No total das 103 crianças do estudo 81,5% (84) das crianças apresentaram
uma representação da escola como íntegra, estando dois ou mais desenhos com
“elementos associados ao desastre” presente em 17,4% (18) das crianças. Este
número foi inferior ao número de crianças “caso” classificadas pelo SDQ, 41,7%
(43) crianças. Das 18 crianças que realizaram dois ou mais desenhos com
“elementos associados ao desastre”, 1/3 (6) das crianças, três do pré-‐escolar e três
do primeiro ciclo, não estão classificadas como “caso” pelo SDQ.
Analisando o número de desenhos com “elementos associados ao desastre”
que emergiu ao longo da sequência de desenhos solicitados, constatamos que tanto
no pré-‐escolar como no 1º ciclo (exceção do 1º ano), o primeiro desenho solicitado
apresentou maior número de elementos, diminuindo nos desenhos seguintes. Este
facto poderá estar relacionado com o início da pesquisa, tendo as crianças sido
informadas da importância da sua participação para o estudo, assim como, os
desenhos terem sido realizados em contexto escolar, local onde as crianças
experienciaram o desastre, que segundo Gomes (2009) condiciona a ação de
produção do desenho infantil. Para além disso, o facto de terem sido sempre
realizados na presença de um adulto poderá também ter sido um factor
condicionante, pois segundo o mesmo autor, o poder do adulto está sempre
implícito.
Das 18 crianças identificadas, com dois ou mais desenhos com “elementos
associados ao desastre”, oito foram identificadas no pré-‐escolar e dez no 1º ciclo.
Analisando estes valores podemos afirmar que em relação ao número de crianças
da amostra no pré-‐escolar, 27 crianças, e crianças no 1º ciclo, 76 crianças,
encontramos uma maior prevalência de crianças com dois ou mais desenhos com
103
“elementos associados ao desastre” no pré-‐escolar (30%), em relação ao 1º ciclo
(13%).
4.13. Construção das sessões de intervenção terapêutica de prevenção
em grupo
A intervenção terapêutica de prevenção em grupo neste estudo,
desenvolveu-‐se com um conjunto de crianças que viveram a mesma experiência e
se encontram na mesma situação, apresentam comportamentos que pais, tutores
legais, educadoras de infância e professoras associam ao risco de uma possível ou
provável perturbação mental, que poderá ser associada à experiência de um
desastre.
Realizada a triagem, as crianças com possível ou provável perturbação
mental, na sua maioria, apresentavam esses comportamentos há mais de um ano,
isto é, prévios à experiência do Tornado. Percebemos que a experiência de um
desastre poderá ter aumentado nos adultos que cuidam das crianças em casa e na
escola, a perceção sobre o sofrimento mental, associando esta experiência aos seus
comportamentos.
Em saúde, identificar o que poderá ser a causa de uma doença, a sua
etiologia, é pesquisa que implica várias compreensões, dependendo da área em
que nos encontramos. Em saúde mental, identificar o que está na origem de um
conjunto de comportamentos que as crianças apresentam, mesmo quando não
percebidos pelo adulto, são inicialmente incluídos na compreensão do
desenvolvimento infantil. Apresentar de em determinado momento um quadro de
agitação, de dificuldade em dormir, de medo, de enurese ou maior agressividade
no comportamento, não é numa primeira etapa associado a uma perturbação
mental. Por vezes estes comportamentos, diluem-‐se no tempo até se identificar
uma potencial causa que os justifique, o sofrimento mental na criança nem sempre
é perceptível nem a presença ou ausência de intencionalidade na criança quando
apresenta esses comportamentos. O Tornado, nesta situação foi identificado como
o foco, uma experiência que poderia justificar uma possível perturbação mental.
104
Em saúde mental e psiquiatria as perturbações são multifocais. Mesmo
quando existe um foco, como uma experiência traumática, percebemos pelos
resultados do SDQ, que a possibilidade ou probabilidade de ter uma perturbação
mental, é menor em crianças que antes do tornado não apresentavam qualquer
manifestação.
Percebendo a etiologia da perturbação mental como multifocal, neste
estudo não se associa de forma direta, numa relação causa-‐efeito, os
comportamentos das crianças à experiência do Tornado, e a compreensão que
desenvolvemos para a intervenção terapêutica de prevenção em grupo, não se
centra na possível ou provável perturbação mental, mas não os desconsideramos
quando concretizamos o foco da nossa intervenção na capacidade que a criança
tem de criar, de suplementar a insuficiência de papéis. Esta é a finalidade da
intervenção terapêutica de prevenção em grupo, a suplementação do papel
insuficiente, desenvolvido por processos de interação, recorrendo a
ferramentas do psicodrama e sociodrama.
Nesta intervenção terapêutica de prevenção em grupo o foco é o emergente
grupal, o que emerge de comum na experiencia das crianças, não a história ou
percurso individual de cada criança, associando-‐se a uma terapia individual em
grupo, mas o que é comum e semelhante, vivido por todas as crianças, uma terapia
de grupo. Na abordagem do Psicodrama e Psicoterapia, Soeiro (1991) fala-‐nos que
com crianças estamos perante uma intervenção em grupo de natureza
Sociodramática, o protagonista não é uma criança com um determinado problema,
mas sim um grupo de crianças que partilham problemas comuns, semelhantes,
habitualmente nas tensões presentes no desempenho de papéis, onde predominam
os papéis complementares parentais, de professor e com os pares (Wiener et all,
2011). No nosso estudo as crianças partilham igualmente terem experienciado um
tornado.
A suplementação do papel, como intervenção neste estudo, é
operacionalizada em componentes, estratégias e processos. Afaf Meleis, identifica
105
como construtos ou componentes para a intervenção de suplementação do papel, o
esclarecimento ou clarificação do papel, tomar ou assumir o papel. Identifica como
ferramentas adequadas para mobilizar na investigação e nas intervenções de
enfermagem em áreas como na psiquiatria, as ferramentas do psicodrama.
Considera a comunicação e a interação como os processo que facilitam a
implementação das estratégias a desenvolver para a suplementação do papel
(Meleis, 2010, 17).
Assim, operacionalizamos a Intervenção terapêutica de prevenção em
Grupo como intervenção para a suplementação do papel, conforme propõe
Meleis (2010, 17-‐20), tendo como estratégia a terapia em grupo, uma vez que o
grupo de pares é a estratégia essencial para a suplementação do papel, fornecendo
o locus adequado para a transição de papéis. Os processos são a comunicação e
interação, que emergem durante a sessão de grupo, com maior predomínio da
interação na fase inicial, de aquecimento e na segunda fase, de dramatização, sendo
a comunicação predominante na terceira fase da sessão, a partilha. As
ferramentas a mobilizar são todas as técnicas que o psicodrama e
sociodrama de J. L. Moreno nos fornece. As componentes presentes nas
sessões que decorreram durante as sessões, são clarificar o papel; assumir o
papel; criar o papel; domínio do papel expandido.
As componentes clarificar o papel e assumir o papel foram criadas
previamente às sessões, com base na compreensão de Meleis, criar o papel e
domínio do papel expandido emergiu durante as sessões, na mobilização dos
conceitos inerentes a Moreno e dos registos em diário de bordo realizados e
debatidos semanalmente no decorrer das sessões, entre os enfermeiros e com os
peritos.
Este modelo de intervenção terapêutica de prevenção em grupo
decorreu em 10 sessões. As primeiras três sessões tiveram como objetivo a
clarificação do papel, as crianças apresentam-‐se, mobilizando os papéis sociais e
da fantasia, conhecem os papéis do Outro, de início numa interação dual depois em
grupos maiores até ao grupo na sua totalidade, e conhecem os seus papéis vistos
106
pelo grupo. A clarificação do papel reduz as ambiguidades e tensões ao possibilitar
que se identifiquem e sejam identificados pelos pares, numa interação dual, em
subgrupos e no grupo a que pertencem, quer mobilizando os papéis sociais assim
como os papéis da fantasia.
Nas três sessões seguintes, da quarta à sexta sessão, o objetivo foi
assumir o papel, poder viver múltiplos papéis e papéis complementares, sociais e
da fantasia, mobilizando contos, fábulas, histórias reais, pessoais ou imaginárias.
Permitir que todas as crianças possam viver todos os papéis, sociais e de fantasia,
de professor e aluno, pai e filho, agressor e vítima, vencido e derrotado, super-‐
herói bom e vilão. Viver todos os papéis permite expandir a alteridade, reconhecer
e refletir o seu papel e o papel complementar, desenvolver a primeira proposição
de que nos fala Meleis, onde a transição de papel é menos difícil para o ego, que
aprendeu a promulgar um papel e contra papel imaginário. Estas três sessões
permitiram de igual modo, desenvolver a segunda proposição, pois ao conhecer e
dominar os comportamento e sentimentos associados aos papéis em transição,
podemos nas sessões seguintes criar e dominar o papel, e assim, diminuir
manifestações de insuficiência do papel. (Meleis, 2010, 19)
As três sessões seguintes, entre a sétima e nona sessão, o objetivo foi
criar o papel. Moreno fala-‐nos da capacidade que o homem tem de criar, as
capacidades criadoras (Moreno, 2013, 80), que na infância emergem de forma
espontânea e transformam com criatividade e improvisação o olhar sobre o mundo,
criando e recriando novos papéis. Criar e recriar papéis, amplia os papéis
existentes, facilita a segunda e terceira proposição em Meleis, pois ao criar o papel
reconhece-‐se os comportamentos e sentimentos desse papel e por
complementaridade, aumenta a capacidade em reconhecer os comportamentos e
sentimentos dos outros papéis, e papéis complementares, sendo o grupo o locus
adequado para criar os papéis adotados (Meleis, 2010, 20), sejam eles sociais ou da
fantasia. Esta proposição nasceu da possibilidade dos papéis serem construídos de
forma original, o papel de cavaleiro e princesa é diferente entre as crianças, e das
histórias conhecidas, como por exemplo da “barbie rapunzel” para as princesas ou
107
o “Don Quixote” para os cavaleiros. O papel criado em grupo é o seu papel, não a
representação de um papel conhecido, em fantasia ou por outro membro do grupo.
A última sessão, décima, decorreu da apresentação à comunidade
escolar o domínio do papel expandido. Dominar o papel criado e apresentar à
comunidade promove o reconhecimento do domínio do papel, perante uma plateia
com as pessoas com quem interage predominantemente, com quem desenvolve
uma interação em outros papéis, como filho, irmão, aluno ou amigo. Esta
proposição nasceu ao considerar que os atores com quem a criança interage em
papéis complementares, ao assistirem e aplaudirem o domínio do papel expandido,
aumentam a capacidade da criança em criar e dominar novos papéis.
4.14. Construção dos grupos
As 43 crianças com possível ou provável perturbação mental, integraram a
intervenção terapêutica em grupo. A intervenção desenvolveu-‐se na escola, tendo-‐
se organizado num dia fixo por semana, para facilitar a organização da escola e da
equipa de enfermagem que se deslocou à escola. Os grupos foram organizados por
idade/ ano escolar, visto na infância a idade entre os elementos do grupo
beneficiar se não for superior a dois anos (Soeiro, 1991, 101).
Tendo em conta o número de crianças por turma, foi opção constituir um
grupo com as crianças do bibe vermelho (7 crianças), um grupo com crianças do
bibe azul (7 crianças), um grupo com crianças do 1º ano (8 crianças), um grupo
com crianças do 2º ano (10 crianças) e um grupo com crianças do 3º e 4º anos (10
crianças), numa totalidade de 5 grupos.
A intervenção com cada grupo teve uma duração de 60 minutos e
decorreram às quintas feiras, de 19/04/2012 a 28/06/2012, com a participação na
festa final de ano a 29/06/2012. A periodicidade foi semanal, com pausa em duas
semanas, uma por feriado e outra por estar agendada uma visita das crianças fora
da escola. Foi entre a quarta e quinta sessão e entre a sexta e sétima sessão que a
108
pausa entre as sessões foi de duas semanas. Não se observou alteração no vínculo
estabelecido com as crianças, as sessões decorreram como planeado.
As entrevistas de grupo permitiram conhecer os profissionais docentes e
não docentes da escola, assim como os pais das crianças, tendo favorecido a
integração em contexto escolar. O acolhimento à equipa de enfermagem foi muito
agradável, todas as quintas-‐feiras durante este período passávamos todo o dia na
escola, desenvolvíamos três grupos de manhã, entre as 9h e as 13h e dois grupos
de tarde, entre as 14h30m e 17h. A equipa que se deslocou à escola era constituída
por quatro enfermeiros, foram constituídas duas equipas terapêuticas, cada uma
com um enfermeiro especialista em enfermagem de saúde mental e psiquiatria e
diretor de sociodrama, e uma enfermeira com experiência clinica em enfermagem
de saúde mental e psiquiatria na infância e adolescência, na unidade de
internamento há mais de cinco anos e que se encontravam a realizar o curso de
pós-‐licenciatura de especialização em enfermagem de saúde mental e psiquiatria.
Cada equipa, constituída por terapeuta e coterapeuta, diretor e ego-‐auxiliar
na linguagem do sociodrama, dinamizava os grupos terapêuticos intercalados,
dinamizando sempre os mesmos grupos. Enquanto estava a decorrer a sessão a
equipa que não estava a intervir realizava registos, servindo os diários de bordo
para rever as sessões anteriores e construir as sessões seguintes. A construção era
flexível em relação aos jogos e brincadeiras mobilizados, uma vez que foi solicitado
sempre a participação das crianças, sendo esta uma condição central em grupo, a
participação ativa das crianças. As sessões decorreram de acordo com a
circunstância mobilizada pelas crianças no momento, os jogos e brincadeira
emergiam no momento, a espontaneidade e improvisação não criaram uma
anomia nas sessões, pois estavam constituídas em três momentos distintos, com
objetivos definidos em cada momento e com os componentes das sessões que se
foram construindo no decorrer da intervenção.
Tomar fica a cerca de 150 km de distância do HDE, o caminho percorrido
permitia cerca de 90 minutos de debate antes das sessões, dinamizado pela leitura
dos diários de bordo durante a semana, entre as sessões, e por apreciação dos
109
peritos consultados durante esse período. Mantiveram-‐se as fases do sociodrama e
psicodrama da terapia de grupo, a fase de aquecimento, a dramatização e a partilha.
4.15 As sessões de intervenção terapêutica de prevenção em grupo
A sala e o cenário onde decorreram as sessões foram equivalentes ao
protagonizado em Psicodrama. A sala foi o ginásio, por ser o espaço na escola
disponível todo o dia e com dimensão para desenvolver as sessões com cerca de 10
crianças. Foi construído, delimitado um espaço, equivalente ao palco, demarcando
o espaço de dramatização, contudo com crianças dificilmente nos podemos
restringir apenas ao palco, como espaço de dramatização, uma vez que entram e
saem de cena com grande facilidade, “as regras de utilização exclusiva do espaço
de dramatização com crianças não deve ser muito rígido” (Soeiro, 1991, 102).
Imagem 3 – Sala e Cenário
O Psicodrama, sendo uma terapia individual em grupo, o protagonista é um
elemento do grupo que convoca para o palco outros elementos, egos auxiliares,
para dramatizarem uma cena da sua vida real. Com crianças, sendo a abordagem
110
de caráter Sociodramática, o protagonista é o grupo, todas as crianças são
convocadas para todos os momentos, aquecimento, dramatização e partilha. Não
existe neste contexto o auditório, os elementos do grupo que ficam a assistir à
dramatização, todas as crianças dramatizam. Como vemos na fotografia seguinte,
todas as crianças entraram em cena, assumindo diferentes papéis.
Imagem 4 – Protagonista, o Grupo
O terapeuta, correspondente ao diretor no Psicodrama, onde nunca entra
em cena; todavia, no nosso contexto com crianças, o terapeuta é frequentemente
convocado para fazer o papel complementar, não o devendo recusar. Quando
solicitado e sempre que indicado para a cena que está a decorrer, o diretor pode
entrar em cena, “não fica rigidamente definido o seu papel como aquele que não
entra em cena” (Soeiro, 1991, 102).
111
Vemos na fotografia seguinte, o terapeuta e coterapeuta em cena a construir
casas com as crianças.
Imagem 5 – Terapeuta e Coterapeuta
Como nos diz Alfredo Soeiro, “com crianças não é indicado que o
aquecimento decorra recorrendo muito ao verbal, as crianças quando entram
para o espaço, colocam-‐se logo numa atitude dramática, pois têm uma expressão
dramática por excelência” (Soeiro,1991, 101). Esta atitude dramática, associada à
criança viver em simultâneo o mundo da fantasia e da realidade, desempenhando
em simultâneo os papéis da fantasia e papéis sociais, pode criar nos terapeutas
uma confusão sobre os contextos presentes em cada momento da sessão, podendo
o contexto de grupo ser confundido com o contexto dramático. No aquecimento
com crianças, a presença da expressão dramática não nos retira do contexto de
grupo, pois as componentes desenvolvidas pelos terapeutas para cada sessão não
se encontravam presentes no aquecimento.
112
Vemos na fotografia seguinte o aquecimento inespecífico, onde o
terapeuta e as crianças imitavam vários animais selvagens. A expressão dramática
esteve presente no momento do aquecimento, e não se confundiu com o momento
da dramatização.
Imagem 6 – Aquecimento Inespecífico
No aquecimento o objetivo é que a interação se desenvolva entre as
crianças e destas com os terapeutas. Esta interação com crianças recorreu
predominantemente a jogos e brincadeiras, onde estavam presentes com maior
predomínio a expressão dramática e a ação, recorrendo menos à palavra, quando
comparado com os adultos. O aquecimento é inespecífico quando mobilizamos
jogos e brincadeiras que não estavam associadas à dramatização que iriamos
mobilizar nesse dia, como na fotografia anterior onde se estão a imitar animais
selvagens e na fotografia seguinte onde se imitam aviões ou outros veículos.
113
Imagem 7 -‐ Aquecimento
Com as crianças do pré-‐escolar e do 1º ano o aquecimento recorreu
frequentemente a brincadeiras de imitação, com crianças do 2º, 3º e 4º ano o
aquecimento recorreu menos a estas brincadeiras e predominou dinâmicas e jogos
em grupo.
Imagem 8 – Dinâmicas e Jogos de Grupo
114
O aquecimento é específico quando associado a uma componente que
iríamos desenvolver nessa sessão, como por exemplo no dia em que dramatizamos
o papel de lobo mau e três porquinhos, no aquecimento emergiram brincadeiras
em que um vilão poderia andar a correr e apanhar personagens desprotegidas. O
terapeuta ou coterapeuta, integraram durante o aquecimento técnicas do
psicodrama e sociodrama, como a interposição de resistências que observamos
neste aquecimento específico, ao solicitarmos às crianças que desempenham um
papel desprotegido perante um vilão, que se juntem e vão atacar o vilão, sendo esta
uma resposta paradoxal, coloca a personagem desprotegida a atacar o vilão. Aqui, a
associação do lobo mau ao vilão e dos três porquinhos aos personagens
desprotegidos, circunscreveu um aquecimento específico.
Vemos na fotografia seguinte o terapeuta no papel de vilão a ser perseguido
pelas crianças, no papel de personagens desprotegidas.
Imagem 9 – Aquecimento específico
O aquecimento decorria entre 15 a 20 minutos e tinha uma componente
motora intensa, sendo importante controlar o tempo e mediar as brincadeiras a
115
desenvolver, recorrendo a sociometrias se surgisse a necessidade de escolher
entre dois jogos. Realizávamos o jogo que tinha mais adeptos e se não fosse
possível, realizar o outro jogo no mesmo dia, ficava registado que seria mobilizado
no aquecimento de sessões seguintes. Estes momentos onde emergiam tensão
entre as crianças, necessitavam ser mediados recorrendo a sociometrias ou
introduzindo personagens, papéis complementares em cenas de maior tensão, pois,
estar no mundo da fantasia permitia mobilizar por exemplo um árbitro ou policia
facilmente. Este papel poderia ser vivido pelo coterapeuta ou por outra criança que
os terapeutas solicitassem.
Troca de papéis ou inversão de papéis sendo a técnica mais utilizada no
psicodrama e sociodrama é igualmente a mais importante, pois permite à criança
aprender vários papéis e colocar-‐se no lugar do Outro com quem está em interação,
no papel complementar, foi igualmente mobilizada no aquecimento.
As crianças viveram todos os papéis que emergiam nas sessões, desde o
aquecimento, sendo esta, uma condição importante no grupo, aumentar e ampliar
os papéis. Quantos mais papéis fossem vividos e quanto mais desenvolvidos os
papéis estivessem, maior a capacidade de enfrentar novas situações ou
desenvolver novas respostas a situações antigas. Corresponde à quarta
preposição de que Afaf Meleis nos refere, quando temos a possibilidade de
viver de forma preventiva a suplementação do papel, menor é a
possibilidade de insuficiência do papel. Viver múltiplos papéis permite
incorporar os comportamentos dos papéis, dos papéis complementares,
conhecer e atribuir-‐lhes significado. (Meleis, 2010)
Na dramatização o objetivo é vivermos em contexto simulado, os múltiplos
papéis sociais e da fantasia que a realidade suplementar nos disponibiliza. Se em
Psicodrama, no contexto de terapia individual em grupo, dramatizamos o que o
protagonista apresenta como significativo para a sua vida, desenvolvendo os
papéis presentes nessa situação de vida, em Sociodrama trabalhamos o emergente
grupal, o que é comum a todos os elementos do grupo. O nosso grupo é de carácter
116
Sociodramático, por ser com crianças (Soeiro, 1991) e por todos os elementos do
grupo terem vivido a mesma situação, o desastre.
Numa fase inicial do grupo, nas três primeiras sessões em que a
componente da dramatização foi clarificar o papel, o objetivo foi que as crianças
se apresentassem, não porque não se conheciam previamente, pois frequentavam
a mesma escola e turma, mas porque a apresentação num novo contexto de grupo,
nunca antes experienciado pelas crianças, requeria construir um novo papel,
mobilizando papéis que já dominava, como o de colega de turma e de aluno.
Integrar este novo papel, colega de um grupo em intervenção terapêutica de
prevenção, implica a assunção de características que não se encontram presentes
no papel de colega de turma, como a reserva sobre o que é vivido neste grupo ou
maior aceitação de comportamentos quem em outros contextos podem estar
sujeitos a reprimenda. Nesse novo papel, a reserva foi muito importante, não
partilhando fora do contexto de grupo o que ali era experienciado, necessitando
ser reforçado com as crianças a importância de “guardar segredo”, para quem não
pertence ao grupo, o que escolhêssemos fazer em grupo, o que escolhêssemos ser,
as personagens que assumíamos, seria uma surpresa para todos, no último dia na
festa. Associar à festa, no último dia, o desvendar do que fazemos em grupo,
convoca para o grupo a magia e alegria da festa e liberta o desvendar do que se
viveu nas sessões, do que aconteceu durante cada sessão, quer quando
questionado pela família, amigos ou profissionais.
Solicitámos que as crianças se apresentassem de forma distinta do papel
social, que nesta apresentação assumissem um novo papel que até este momento
não existia. Que não se apresentassem unicamente com recurso aos papéis sociais,
nome, turma, idade, mas integrassem parte desse papel. O nome, foi solicitado que
o fizessem juntando uma expressão dramática, recorrendo à fantasia, com um
gesto, ação, palavra ou grito. Apelámos que recorressem ao imaginário e que
integrassem o que desejarem, tudo é possível, desde um animal a um super herói
ou ídolo. Convocamos não só os papéis sociais, mas em simultâneo o papel da
fantasia.
117
Iniciávamos a apresentação, como vemos na fotografia seguinte,
simbolicamente retirando a bata, despindo o papel de aluno, para livremente
assumir outro papel.
Imagem 10 – Assumir outro papel
As crianças apresentavam um novo papel e tomavam conhecimento do
papel do outro, quando o outro se apresentava, associando nesse papel os papéis
sociais e de fantasia. Foi se tornando clara a presença dos dois papéis e a sua
diferenciação, emergindo de mundos diferentes. Durante as sessões, na interação
emergia o nome social, mas também o nome ou ação da fantasia, permitindo
associar o nome social a quando se encontravam em sala de aula, e o nome da
fantasia, a quando se encontram nas brincadeiras. No contexto em que nos
encontrávamos, convocávamos ambos os papéis, pois não é sala de aula nem é
brincadeira, é um outro espaço, outro contexto, onde podem emergir todos os
papéis que desejarmos. Esse papel, que integra e distingue os papéis sociais e
papéis da fantasia, fortalece a brecha entre realidade e fantasia, e clarifica a sua
adequabilidade ao contexto onde se manifesta.
118
Conhecer o papel complementar das outras crianças permitiu realizar
associações dois a dois, em que uma criança anda ou dança e outra acompanha-‐a,
solicitando que complementasse ou impedisse a ação. Esta interação que surgiu
dois a dois, permitia experienciar interações de imitação, cooperação ou oposição.
Essa interação também poderia surgir por imitação de animais e de igual forma
estabelecer uma interação por imitação, complementaridade ou oposição.
Dramatizar diferentes papéis e papéis complementares, com estímulos concretos
ou mais abstratos, integrando música ou dança, possibilitou interações que
proporcionaram viver e clarificar diversos papéis.
Imagem 11 – Papel social e da fantasia
Nas três sessões seguintes, com o objetivo de assumir o papel, foi possível
vivermos múltiplos papéis, pela dramatização de histórias, reais ou fictícias, contos
ou fábulas, que emergiram das crianças ou propostos por nós. Todas as crianças
viveram todos os papéis presentes nessas histórias. Se em Psicodrama temos um
protagonista e a dramatização está centrada na história do protagonista, sendo os
papéis e contra papéis experienciados com essa finalidade, no sociodrama o
objetivo foi que todos os elementos do grupo experienciassem todos os papéis,
visto terem passado por situações idênticas. Neste grupo, acresce ainda o facto de
119
todos terem experienciado a mesma situação, sendo nossa intencionalidade,
aumentar e ampliar os papéis na infância ao assumirem múltiplos papéis.
Foi solicitados às crianças a partilha de acidentes que tenham
experienciado, foram relatados acidentes no jardim, no escorrega, a correr, uns
que implicaram chamar bombeiros e cuidados hospitalares, outros em que não
foram necessários cuidados diferenciados. O tornado não foi relatado por
nenhuma criança. Dramatizamos os papéis de histórias de acidentes que as
crianças tinham vivido, assumindo o papel de acidentado, bombeiro, enfermeiro,
entre outros. Nas fotografias seguintes vemos a dramatização de uma criança que
caiu no jardim, e de uma criança a ser transportada na ambulância para o hospital.
Imagem 12 – Dramatização da queda
Imagem 13 – Dramatização do transporte de ambulância
120
Foram lidas e dramatizadas histórias e contos com princesas, cavaleiros, e
fábulas.
Imagem 14 – Leitura de histórias
Imagem 15 – Dramatização da história
Após as crianças terem assumido diferentes papéis foi solicitado nas
dramatizações seguintes, da sétima à nona sessão, criar o papel.
Atingir a componente criar o papel foi distinto entre as crianças do pré-‐
escolar e 1º ano e as crianças do 2º, 3º e 4º ano.
121
No pré-‐escolar e no 1ºano as crianças assumiam papéis da fantasia que
conheciam, de animais selvagens ou super-‐heróis. Nestes grupos, emergiu de
forma espontânea a construção de casas, tocas, espaços onde as crianças se
escondiam a viver esses papéis. Ao tomarmos consciência desta repetição nas
dramatizações, mobilizamos a história dos três porquinhos e do lobo mau, onde
todas as crianças tiveram a oportunidade de viver todos os papéis, nos três tipos
de casa presentes na história.
Viver e reviver esses papéis da fantasia, quer no papel de lobo mau que
destrói as casas e persegue os porquinhos, quer no papel dos três porquinhos, que
tinham de fugir para não serem capturados pelo lobo mau, e construir casas cada
vez mais fortes, permitiu criar e recriar o papel, construir e reconstruir os espaços.
Na fotografia seguinte vemos a construção de um desses espaços onde as
crianças estavam no seu interior.
Imagem 16 – Crianças a viverem os papéis da fantasia
122
Colchões, lençóis, vários tecidos e máscaras foram os materiais mobilizados
para viver esses papéis. Viver papéis da fantasia nas sessões que tinham a
finalidade de criar o papel, na história dos três porquinhos e lobo mau, foi a
estratégia adotada com as crianças até aos seis e sete anos de idade, ao
constatarmos que a multiplicidade de papéis nestas idades é menor, quando
comparado com as crianças de 8, 9 e 10 anos, assim como a sua originalidade. As
crianças nesta idade não criaram tantos papéis originais, a colagem ao papel
original da história encontra-‐se mais presente, não emergindo muitos papéis da
fantasia, e os papéis que emergiram, predominantemente estavam associados a
animais, sendo mais viável recorrer a uma história conhecida. Assim, a opção com
estes três grupos, foi manter o vínculo à história e viver esses papéis.
Na fotografia seguinte vemos as crianças a perseguir, apanhar e destruir o
lobo mau. A interpolação de resistências foi uma técnica mobilizada
predominantemente, assim como a inversão de papéis.
Imagem 17 – Interpolação de resistências
Com o objetivo de na última sessão apresentar o domínio do papel
expandido, estava planeada a apresentação à comunidade escolar, a dramatização
de uma história, que nestas crianças seria dos três porquinhos e do lobo mau.
123
Durante as sessões, levantaram-‐se questões em relação à segurança da
dramatização dessa história em palco, e o facto de estarem três grupos a partilhar
a mesma história, seria menos interessante, tendo em conta a originalidade. Ainda
assim mantivemos até à oitava sessão esta estratégia, como planeado para atingir o
objetivo. Mas a criação da apresentação começou a condicionar as sessões e
apercebemo-‐nos no decorrer dessas sessões que nos estaríamos a aproximar de
uma representação teatral, com treino de um papel conhecido por todos em que se
poderia valorizar mais a capacidade da criança na representação, em detrimento
da experiência, que para nós poderá ser sentida como menos original quando
comparado com outras crianças, mas que era vivida com o mesmo prazer e
satisfação dos outros grupos. A opção foi não condicionar as sessões ao treino de
um papel com a finalidade de o representar mas livremente, viver os papéis da
história.
Abandonada a preocupação em preparar a última sessão, por sentirmos que
estaríamos a condicionar as sessões precedentes, aproximando-‐as mais do mundo
das artes que do mundo do cuidar, a opção foi solicitar às crianças a realização de
fotografias e a sua compilação num filme, que seria apresentado aos pais e amigos
durante a festa. Esta solicitação foi aceite e foram realizados três filmes, um de
cada grupo, que no último dia foram apresentados no intervalo entre os diversos
espetáculos de final de ano. Foi um sucesso, ao nível do impacto que gerou na
comunidade escolar, com pais e professores a emocionarem-‐se ao ver essa
sequência de fotografias expostas durante a festa. Consideramos que atingiu a
finalidade de apresentar o domínio do papel expandido.
A singularidade da dimensão sensorial nestas idades manifestou-‐se nas
sessões de forma surpreendente para os terapeutas quando integramos o lençol.
As sessões com as crianças nesta idade foram sempre com muita ação, e a
transição para a fase da partilha foi difícil nas primeiras sessões, as crianças
apresentavam-‐se inquietas e com dificuldade em parar. A partir da quinta sessão,
quando integramos os lençóis, de início para simular o vento, ao ser seguro pelos
terapeutas e abanado com força provocava vento, e o vento estava presente na
história quando o lobo mau destruía as casas ao soprar, mas também tinha sido
124
relatado pelos pais, educadoras e professoras como assustador na atualidade para
algumas crianças, por terem experienciado no tornado, onde o vento atinge grande
velocidade. Algo de surpreendente aconteceu quando as crianças, na simulação do
vento, entravam em contacto com os lençóis. A representação assustadora do
vento e do elemento que naquele contexto o simulava, transformou-‐se num
elemento apaziguador quando as crianças caíram em alguns lençóis, enquanto
fugiam.
Na fotografia seguinte vemos uma criança a fugir do vento, simbolicamente
representada pelo lençol.
Imagem 18 – Representação simbólica
O papel psicossomático de dormir emergiu assim que as crianças entraram
em contato com os lenções. A dimensão sensorial que estimulou a emergência
desse papel desencadeou os comportamentos, emoções e sentimentos associados
ao sono e repouso, envolvendo-‐se as crianças nos lençóis, ficando mais tranquilas,
125
algumas chegando mesmo a colocar o dedo na boca e chuchar, como vemos na
fotografia seguinte.
Imagem 19 – Papel psicossomático -‐ o dormir
O lençol, elemento que envolve e está presente como tranquilizador no
papel psicossomático do sono, convoca os comportamentos e emoções que
permitem uma interação mais próxima e tranquila nas sessões seguintes. Em todas
as sessões onde o papel psicossomático de dormir emergiu, estimulado pelo
contacto com o lençol, permitiu tranquilizar a criança, sendo reforçada a
capacidade que a criança apresenta em se tranquilizar sozinha.
Imagem 20 – O lençol como objecto de transição
126
No 2º, 3º e 4º anos as crianças nos dois grupos, com o objetivo de criar o
papel, criaram uma personagem e escreveram sobre as características dessa
personagem, apresentando a personagem ao grupo. Vemos na fotografia seguinte
as crianças a criar a sua personagem.
Imagem 21 – Criar o personagem
Após criarem a personagem, as crianças experienciaram esse papel,
assumindo essas características, vemos na fotografia seguinte um exercício em que
internalizam o papel criado, reduzindo os estímulos externos.
Imagem 22 – Viver o papel
127
Na fotografia seguinte, simbolicamente vemos uma criança a cobrir uma
cicatriz provocada pelo desastre, onde está escrita a sua personagem e o papel
criado, enquanto assistia a outras crianças a apresentar o papel.
Imagem 23 – A cicatriz e a história
Depois de criar o papel, as crianças construíram uma história com os papéis
que tinham criado. Vemos na fotografia seguinte a criação em conjunto dessa
história.
Imagem 24 – Criação da história
128
Em ambos os grupos foram criados papéis de princesa, fadas, dragões,
cavaleiros, tornado, super heróis e alguns animais, como cães e rato. Após a
construção da história, que consistiu num castelo onde habitavam as princesas,
fadas e os animais, o castelo era destruído por tornados e dragões e era
reconstruído por cavaleiros e super heróis. Vemos nas fotografias seguintes as
crianças a criarem o seu papel com tecidos.
Imagem 25 – Utilização de materiais no assumir do papel
Imagem 26 – Dramatização da história
129
Após a criação do papel as crianças dramatizaram esse papel na sala para
posteriormente na última sessão de domínio do papel expandido o apresentar à
comunidade escolar. Vemos nas fotografias seguintes a dramatização e
apresentação do papel criado.
Imagem 27 – Domínio do papel expandido
Imagem 28 – Domínio do papel expandido
130
A partilha ou comentários, enquanto última fase das sessões surgiu como
um momento onde as crianças falavam livremente sobre o que experienciaram. No
psicodrama existe uma ordem, onde o protagonista comenta em primeiro lugar,
em seguida ouve os comentários da plateia e no final dos comentários pode
expressar-‐se sobre o que ouviu, finalizando os comentários o ego-‐auxiliar e diretor.
No Sociodrama, percebendo o grupo como protagonista não existe uma ordem
para os elementos do grupo falarem, sendo esta a forma como os comentários se
desenrolaram nos grupos. Depois de todas as crianças comentarem, o coterapeuta
e terapeuta comentam o que aconteceu, o que experienciaram, não apresentando
uma atitude de interpretativa, mas centrado no “aqui e agora”, valorizando a
capacidade das crianças em partilhar, cooperar e mesmo rivalizando em jogos ou
brincadeiras, percebemos que foi nesse contexto que a rivalidade surgiu e foi agida,
mantendo na interação e desempenho dos papéis sociais uma relação salutar. No
pré escolar e no 1º ano, estando a ação muito presente, o cansaço no final das
sessões permitia a partilha ainda no meio dos materiais mobilizados como vemos
na fotografia seguinte.
Imagem 29 -‐ Comentários
131
Embora o tornado não emergisse de forma expressa nos comentários do
pré escolar e 1º ano, a associação estava presente quando comentavam a
destruição e reconstrução das casas e a capacidade em ultrapassar essas
experiências.
A associação a espaços e contextos onde podemos viver comportamentos
do mundo da fantasia e outros onde o desempenho se associa ao papel social, foi
uma constante nos nossos comentários, enquadrado no final da sessão, quando as
crianças iriam regressar para a sala de aula ou para o recreio. Perspetivarmos o
próximo encontro era igualmente uma missão do final da sessão.
Com as crianças do 2º, 3º e 4º anos, nos comentários emergia com
frequência a associação ao tornado, quer ao comentarem o papel que tinham
assumido, algumas crianças de tornado, quer nas sessões onde foram
dramatizados acidentes e o tornado não emergiu, esse facto foi igualmente
comentado pelas crianças.
4.16. Validação cultural do SDQ – Follow -‐ up
Conforme planeado no início do estudo, realizamos a adaptação cultural
para Portugal do questionário de seguimento SDQ (versão Follow-‐Up), com a
finalidade de avaliar a intervenção terapêutica de prevenção realizada. Foi
elaborado protocolo de investigação para a adaptação cultural, aferindo-‐se a
metodologia com a equipa que coordena o instrumento.
As duas questões que permitiram avaliar as intervenções realizadas e que
integram as versões Follow-‐up do SDQ foram validadas seguindo a sequência
metodológica de tradução para português – discussão em grupos focais – tradução
retrógrada para inglês – validação pela equipa responsável pelo instrumento
original.
132
No que se refere à tradução para português, duas professoras de inglês do
Ensino Secundário45, portuguesas, traduziram de forma independente as duas
questões originais para português; destas duas traduções surgiu uma versão de
consenso (Anexo 5).
Foram realizados quatro grupos focais para avaliar a preservação do
constructo e a correta compreensão de frases e expressões.
O primeiro grupo focal foi constituído por profissionais da área clínica,
psiquiatra da infância e adolescência46, enfermeiro especialistas em enfermagem
de saúde mental e psiquiátrica47 e psicóloga clínica48; o segundo grupo focal foi
constituído por seis educadores de infância e professores do Ensino Básico e
Secundário do HDE; o terceiro grupo focal foi constituído por quatro pais de
crianças e adolescentes internadas; e o quarto grupo focal foi constituído por
quatro adolescentes internados, com idades entre os 13 e 17 anos.
No decorrer dos grupos focais as palavras cuja tradução gerou maior
discussão foram “clinic” -‐ clínica e “bearable” – suportáveis. Durante o debate
gerado em todos os grupos, quando nos reportamos a “… frequentar a clínica …”,
tradução de “… coming to the clinic… “, foi consensual que era pouco perceptível a
associação com o tratamento, sendo a representação de “frequenta a clínica”,
associada frequentemente a clinica privada, não ao tratamento hospitalar, em
centro de saúde ou outro contexto, como o do estudo que decorre numa escola.
Assim a palavra que gerou consenso em todos os grupos focais, melhorando a
compreensão da questão, foi “… frequenta o tratamento …”.
O termo “suportáveis”, tradução de “bearable”, foi frequentemente associado
nos grupos focais a uma representação negativa e de sofrimento, associado ao
termo “suportável”. Contudo, não foi sugerido nenhum outro termo em alternativa, 45 Paula Maria de Carvalho Rocha (Faculdade de Letras de Lisboa, Licenciatura em Línguas e Literatura Moderna, Português -‐ Inglês) e Maria Manuela Alves Martins Marques (Universidade Nova de Lisboa, Licenciatura em Literatura e Línguas Modernas, Português -‐ Inglês).
46 Dr. Ricardo Encarnação
47 Enfermeira Fátima Gomes
48 Dr.ª Joana Pombo
133
sendo consensual que “suportáveis” era perceptível e não causava qualquer dúvida
sobre a questão colocada.
Das aportações destes grupos, surgiram as versões finais em português das
duas questões das versões Follow-‐up do SDQ para pais, professores e adolescentes
(Anexo 6).
Foi solicitado aos participantes o consentimento esclarecido para
participação no projeto de investigação e, no caso dos adolescentes, também aos
seus representantes legais. Reforçando que seriam salvaguardados os direitos à
confidencialidade e privacidade e que os sujeitos tinham o direito de se retirar em
qualquer momento.
A tradução retrógrada para inglês foi realizada por dois professores de
inglês do Ensino Secundário49, portugueses, que não participaram na tradução
para português. Estes traduziram de forma independente para inglês as propostas
de versões adaptadas para Portugal; das duas traduções realizadas surgiu uma
versão final.(Anexo 7)
As traduções retrogradas finais das duas questões do SDQ Follow-‐up para
pais, professores e adolescentes foram enviadas para a equipa que coordena o
questionário SDQ, a qual aprovou as traduções retrogradas finais e disponibilizou a
sua utilização no site www.sdqinfo.com.
4.17. Avaliação Follow – up
Das 43 crianças que apresentavam possíveis alterações do estado de saúde
mental, 42 integraram a intervenção terapêutica de prevenção em grupo, (uma
criança imigrou aquando da intervenção).
Foi aplicado o SDQ Follow-‐up – Pais com suplemento de impacto e o SDQ
Follow-‐up -‐ Professores com suplemento de impacto. Das 42 crianças, em 4 não foi
49 Florbela Santa Bárbara Costa Santiago (Licenciatura em Literatura Moderna e Línguas, Português -‐ Inglês, pela Universidade Autónoma de Lisboa) e Isabel Maria de Brito Nunes (Licenciatura em Literatura Moderna e Idiomas, Inglês -‐ Alemão, pela Faculdade de Letras de Lisboa).
134
aplicado o SDQ Follow-‐up –Pais com suplemento de impacto e em 11 não foi
aplicado o SDQ Follow-‐up -‐ Professores com suplemento de impacto (crianças que
aquando da avaliação já não frequentavam o Jardim Escola). No universo das 42
crianças, em 4 crianças (10%) não foi aplicado SDQ Follow-‐up.
Segundo a apreciação dos pais, no que se refere à pontuação total de
dificuldades verificou-‐se que 50% das crianças apresentaram melhoria na
pontuação, 13,2% das crianças mantiveram a pontuação e em 36,8% das crianças
piorou a pontuação.
Segundo a apreciação dos professores, no que se refere à pontuação total de
dificuldades verificou-‐se que 35,5% das crianças apresentaram melhoria na
pontuação, 3,2% das crianças mantiveram a pontuação e em 61,3% das crianças
piorou a pontuação.
Segundo a apreciação dos pais, no que se refere à escala de sintomas
emocionais verificou-‐se que 44,7% das crianças apresentaram melhoria na
pontuação, 15,8% das crianças mantiveram a pontuação e em 39,5% das crianças
piorou a pontuação.
Segundo a apreciação dos professores, no que se refere à escala de sintomas
emocionais verificou-‐se que 25,8% das crianças apresentaram melhoria na
pontuação, 19,4% das crianças mantiveram a pontuação e em 54,8% das crianças
piorou a pontuação.
Segundo a apreciação dos pais, no que se refere à escala de problemas de
comportamento verificou-‐se que 44,7% das crianças apresentaram melhoria na
pontuação, 23,7% das crianças mantiveram a pontuação e em 28,9 % das crianças
piorou a pontuação.
Segundo a apreciação dos professores, no que se refere à escala de
problemas de comportamento verificou-‐se que 16,1% das crianças apresentaram
135
melhoria na pontuação, 45,2% das crianças mantiveram a pontuação e em 38,7%
das crianças piorou a pontuação.
Segundo a apreciação dos pais, no que se refere à escala de hiperatividade
verificou-‐se que 42,1% das crianças apresentaram melhoria na pontuação e 23,7%
das crianças mantiveram a mesma pontuação e em 34,2% das crianças piorou a
pontuação.
Segundo a apreciação dos professores, no que se refere à escala de
hiperatividade verificou-‐se que 32,3% das crianças apresentaram melhoria na
pontuação, 12,9% das crianças mantiveram a pontuação e em 54,8% das crianças
piorou a pontuação.
Segundo a apreciação dos pais, no que se refere à escala de problemas de
relacionamento com os colegas verificou-‐se que 36,8% das crianças apresentaram
melhoria na pontuação, 26,3% das crianças mantiveram a pontuação e em 36,8%
das crianças piorou a pontuação.
Segundo a apreciação dos professores, no que se refere à escala de
problemas de relacionamento com os colegas verificou-‐se que 12,9% das crianças
apresentaram melhoria na pontuação, 54,8% das crianças mantiveram a
pontuação e em 32,3% das crianças piorou a pontuação.
Segundo a apreciação dos pais, no que se refere à pontuação de impacto
verificou-‐se que 34,2% das crianças apresentaram melhoria na pontuação, 36,8%
das crianças mantiveram a pontuação e em 28,9% das crianças piorou a pontuação.
Segundo a apreciação dos professores, no que se refere à pontuação de
impacto verificou-‐se que 6,5% das crianças apresentaram melhoria na pontuação,
41,9% das crianças mantiveram a pontuação e em 51,6% das crianças piorou a
pontuação.
136
Das 38 crianças, 17 melhoraram (44,7%), das quais, 15 (39,5%) deixaram
de apresentar possível ou provável perturbação mental.
Em 10 crianças (26,3%) manteve-‐se a classificação de possível alteração do
estado de saúde mental.
Em 11 crianças (28,9%) registou-‐se agravamento.
Das 31 crianças com possível ou provável Perturbação Psiquiátrica, 15
(48,4 %) melhoraram (13 não apresentam perturbação e 2 passaram de
classificação “provável” para “possível”).
Das 10 crianças com possível ou provável Perturbação Emocional, 8 (80%)
melhoraram (nenhuma apresenta risco de perturbação).
Das 20 crianças com possível ou provável Perturbação da Conduta, 12
(60%) melhoraram (11 não apresentam risco de perturbação e 1 passou de
“provável” para “possível”).
Das 10 crianças com possível ou provável Perturbação de Hiperatividade, 5
(50%) melhoraram (4 não apresentam risco de perturbação e 1 passou de
“provável” para “possível”).
Das 7 crianças que apresentavam pontuações totais de dificuldades no valor
“limítrofes” ou “anormais”: 2 passaram a valor “normal”, 1 mantém a pontuação e 4
passaram a apresentar possível ou provável perturbação psiquiátrica ( risco de
perturbação emocional e/ou da conduta).
4.17.1 Avaliação da intervenção terapêutica de prevenção em grupo:
Quanto à questão do SDQ Follow-‐up "Desde que frequenta o tratamento, os
problemas do seu filho/aluno..."
137
Os Pais consideraram que 66,6 % das crianças “melhoraram” ou “melhoram
muito” após a intervenção.
Os Professores consideraram que 64,3 % das crianças “melhoraram” ou
“melhoram muito” após a intervenção.
Quanto à questão do SDQ Follow-‐up "Estes tratamentos têm sido úteis
noutros aspectos, como por exemplo, proporcionando informação ou tornando os
problemas mais suportáveis?"
66,7% dos pais consideraram que ajudaram “muito” ou “muitíssimo”.
64,3% dos professores consideraram que ajudaram “muito” ou
“muitíssimo”.
A percepção do benefício da intervenção pelos pais associa-‐se
significativamente à melhoria da possível ou provável perturbação da conduta.
A possibilidade de melhoria da perturbação da conduta foi 6,8 vezes maior
nos rapazes (6,8 vezes).
4.18. Síntese dos resultados finais
Da amostra, 12 (11,7%) crianças apresentaram risco de perturbação
emocional, 20 (19,4%) crianças apresentaram risco de perturbação da conduta, 12
(11,7%) crianças apresentaram risco de perturbação de hiperatividade e 34 (33%)
crianças apresentaram risco de perturbação psiquiátrica.
A categoria possível ou provável Perturbação Psiquiátrica integra uma ou
mais das outras três categorias de possível ou provável perturbação (Emocional,
da Conduta, e de Hiperatividade).
138
Da análise dos resultados referentes às quatro categorias de possível ou
provável perturbação, verificamos que 10 crianças apresentam, simultaneamente,
duas possíveis ou prováveis perturbações.
Das 103 crianças, (43) 41,7% apresentavam risco de possível ou provável
perturbação mental (total de crianças caso): (34) 33% crianças apresentavam
possíveis ou prováveis perturbações previstas pelo algoritmo do SDQ e (9) 8,7%
crianças apresentavam pontuações totais de dificuldades para o SDQ -‐ Pais ou SDQ
– Professores dentro dos valores “limítrofes” ou valores “anormais”. Por estas
crianças, com pontuações totais de dificuldades “limítrofes” ou “anormais”, se
encontrarem igualmente em risco de ter uma perturbação psiquiatria, embora o
algoritmo não consiga prever qual, foram igualmente consideradas crianças “caso”.
Das 43 crianças que apresentavam possíveis alterações do estado de saúde
mental, 42 integraram a terapia de enfermagem em grupo, (uma criança imigrou
aquando da intervenção).
Foi aplicado o SDQ Follow-‐up – Pais com suplemento de impacto e o SDQ
Follow-‐up -‐ Professores com suplemento de impacto. Das 42 crianças, em 4 não foi
aplicado o SDQ Follow-‐up –Pais com suplemento de impacto e em 11 não foi
aplicado o SDQ Follow-‐up -‐ Professores com suplemento de impacto (crianças que
aquando da avaliação já não frequentavam o Jardim Escola). No universo das 42
crianças, em 4 crianças (10%) não foi aplicado SDQ Follow-‐up.
O género foi uma variável importante na atividade clínica em saúde mental
na infância e adolescência. O género masculino apresentou uma prevalência
significativamente superior de possíveis ou prováveis perturbações psiquiátricas e
da conduta, sendo as possíveis ou prováveis perturbação psiquiátrica 2,7 vezes
superior e uma possível ou provável perturbação da conduta 10 vezes superior.
A idade foi igualmente uma variável importante na clínica em saúde mental
na infância e adolescência, sendo a prevalência de possível ou provável
perturbação da conduta significativamente superior nas crianças do pré-‐escolar do
139
que nas crianças do 1.º ciclo, reduzindo significativamente por cada ano a mais,
37,4% para a possível ou provável perturbação da conduta, 22% para a possível ou
provável perturbação psiquiátrica e 19,9% para as possíveis ou prováveis
perturbações psiquiátricas avaliadas.
Nos desenhos, o número de criança que no pré-‐escolar realizou dois ou
mais desenhos com elementos associados ao desastre (30%) foi superior em
relação a crianças no 1º ciclo (13%), sendo que as crianças com mais anos de idade,
no 4º ano, nenhuma realizou mais de um desenho com elementos associados ao
desastres.
As crianças que não realizaram desenhos temáticos da escola quando
solicitado, foram apenas no pré-‐escolar.
Segundo os pais e professores a maioria das crianças com possível ou
provável perturbação mental apresentava os comportamentos e sintomatologia há
mais de um ano, ou seja, anteriores ao tornado. Não existiram dados significativos
que permitisse associar a experiência deste desastre à possibilidade ou
probabilidade das crianças virem a ter uma perturbação mental, embora uma
parte considerável dos casos de possível ou provável perturbação emocional e de
hiperatividade terem sido referidos pelos pais como existindo desde há 6-‐12
meses (coincidindo com o período imediato após o tornado), mas não
apresentaram significado estatístico.
Destaca-‐se que todos os casos de possível ou provável perturbação da
conduta, são prévios ao tornado, sabendo que são significativamente do género
masculino e crianças mais novas.
A possível ou provável perturbação da conduta deixou as crianças mais
vulneráveis, pois as crianças que antes de viverem o desastre não tinham uma
possível ou provável perturbação da conduta apresentaram 89,6% menos
possibilidade de vir a ter.
140
A possível ou provável perturbação psiquiátrica aumentou a
vulnerabilidade nas crianças, pois a possibilidade de vir a ter uma possível ou
provável perturbação psiquiátrica após o tornado é 73,2% menor nas crianças que
antes do tornado não apresentavam possível ou provável perturbação psiquiátrica,
em relação às que já apresentavam uma possível ou provável perturbação.
Pais e professoras tiveram precessões distintas sobre o impacto da possível
ou provável perturbação mental na criança, quer em relação ao “sofrimento na
criança”, á “sobrecarga na família e escola”, “desempenho em casa e na escola” e na
“relação com os outros”.
A possível ou provável perturbação da conduta foi a única possível ou
provável perturbação psiquiatria que os pais não associaram como causando
“sofrimento na criança”, sendo todas as outras possíveis ou prováveis
perturbações identificadas, associadas a “muito” “sofrimento nas crianças”. Com os
professores os resultados foram inconsistentes, não existiram diferenças
estatisticamente significativas na prevalência de “muito” ou “muitíssimo”
sofrimento entre as diferentes possíveis ou prováveis perturbações.
As possíveis ou prováveis perturbações “sobrecarregarem” “muito” as
família e comunidade escolar segundo a apreciação dos pais, em particular as
crianças com possível ou provável Perturbação Emocional. Nos dados dos
professores, surpreendentemente os dados foram inconsistentes, não sendo
estatisticamente significativa a “sobrecarga” para professores/classe/turma das
crianças com possível ou provável perturbação, nem mesmo as crianças com
possível ou provável perturbação da conduta.
Segundo a apreciação dos pais, no que se referiu à pontuação total de
dificuldades verificou-‐se que 50% das crianças apresentaram melhoria na
pontuação, 13,2% das crianças mantiveram a pontuação e em 36,8% das crianças
piorou a pontuação.
141
Segundo a apreciação dos professores, no que se referiu à pontuação total
de dificuldades verificou-‐se que 35,5% das crianças apresentaram melhoria na
pontuação, 3,2% das crianças mantiveram a pontuação e em 61,3% das crianças
piorou a pontuação.
Das 38 crianças que realizaram follow-‐up, 17 melhoraram (44,7%), das
quais, 15 (39,5%) deixaram de apresentar possível ou provável perturbação
mental, tendo por suplementação do papel em terapia de enfermagem em grupo,
regressado a um estado de saúde relativamente estável.
Da avaliação da intervenção terapêutica de prevenção em grupo, os pais
consideram que 66,6 % das crianças “melhoraram” ou “melhoram muito” após a
intervenção, e os professores consideram que 64,3 % das crianças “melhoraram”
ou “melhoram muito” após a intervenção.
Da avaliação se a intervenção foi útil noutros aspetos, como por exemplo,
“proporcionar informação ou tornar os problemas mais suportáveis”, 66,7% dos
pais consideraram que ajudaram “muito” ou “muitíssimo” e 64,3% dos professores
consideram que ajudaram “muito” ou “muitíssimo”.
O desempenho do papel de filho e do papel de aluno foi distinto na criança
quando se encontra em interação com o papel complementar parental ou
professor, percebendo-‐se essa distinção pela diferença na avaliação realizada pelo
pais e avaliação realizada pelos professores com o SDQ.
142
5. CONCLUSÃO
A necessidade de criar respostas em saúde mental a crianças e desenvolver
uma intervenção em contexto escolar, encontra-‐se presente na cultura
institucional da área de pedopsiquiatria desde o seu fundador, Dr. João dos Santos
que em 1970 apresentou uma comunicação sobre higiene mental na escola, com a
intencionalidade de integrar nas equipas de saúde escolar, profissionais de saúde
mental, propondo o desenvolvimento deste conhecimento a partir do estudo
sistemático de casos concretos (Vidigal, et. al., 1999).
Essa cultura foi particularmente importante quando nos confrontamos com o
pedido de ajuda da proteção civil, que identificou um conjunto de crianças que
poderiam estar em risco e se encontravam a 150 Km de distância, dificultando a
acessibilidade para os cuidados em contexto hospitalar. Percebemos que a
integração dos profissionais de saúde mental na saúde escolar não foi uma
realidade, como idealizava João dos Santos, mas identificamos intervenções
internacionais e uma nacional, “+ contigo”, que desde 2013 tem sido financiada
para combater o estigma e a prevenção do suicídio nas escola.
O entendimento dos profissionais da Área de Pedopsiquiatria sobre o seu
exercício profissional comprometeu-‐os com o dever de dar uma resposta às
necessidades de cuidados da comunidade escolar, adequando a melhor prática à
dimensão e diferenciação da equipa.
O Hospital está aberto à comunidade e a elevada diferenciação e especialização
dos seus profissionais permitem dar respostas eficazes a situações consideradas
comuns e desenvolver respostas singulares em situações excecionais.
Na equipa multidisciplinar de saúde mental os enfermeiros são os profissionais
que desenvolvem na sua atividade clínica uma atenção particular ao papel
psicossomático. A insuficiência do papel psicossomático da marcha, da alimentação,
da eliminação, da gestão da medicação, entre outros cuidados de enfermagem
diferenciados, também em saúde mental têm um reconhecimento imediato da
143
equipa multidisciplinar. Cuidar em casa, ou cuidar na escola, enquanto espaços
privilegiados da infância, quer do papel psicossomático ou outro, foi um
reconhecimento imediato da direção da área de pedopsiquiatria.
Os contextos de formação pós-‐graduada em que se encontravam duas
enfermeiras, com experiência clínica na área, criou uma motivação acrescida para
integrarem esta intervenção. O compromisso assumido pela equipa em
desenvolver este projeto de investigação-‐ação, potenciou uma resposta em saúde
diferenciada, permitiu implementar politicas saudáveis na população, ao
identificar de forma precoce o risco que crianças, relativamente estáveis, sem
patologia diagnosticada, tinham em poderem vir a desenvolver uma perturbação
mental, após terem vivido um desastre.
Acresce a esta intervenção de prevenção, o reconhecimento expresso
pessoalmente e verificado na avaliação de follow-‐up, onde 66,7% dos pais e 64,3%
dos professores consideraram que a intervenção proporcionou informação e
tornou os problemas mais suportáveis. A suplementação do papel vivida pelos pais
no papel parental e pelos professores no papel de professor foi atingida, de acordo
com a informação prestada nas entrevistas e sempre que solicitado, quer na escola
quer por telefone.
O SDQ mostrou ser útil na triagem das crianças que apresentavam uma possível
ou provável perturbação mental, identificando entre as 103 crianças as que se
encontravam em risco.
Ponderámos a possibilidade de realizar uma intervenção terapêutica de
prevenção a todas as crianças, independentemente da triagem realizada, uma vez
que todas as crianças viveram o Tornado, contudo, foi inviável pelos recursos
disponíveis, e tempo de intervenção necessário em contexto escolar. Aceitamos
esta limitação e assumimos o compromisso de intervir exclusivamente com as
crianças em risco.
144
Assumimos de igual forma o compromisso junto dos pais, que em caso de na
triagem não se identificassem crianças em risco, se os pais desejassem, seriam
igualmente encaminhados para uma consulta da especialidade. Apenas os pais de
uma criança solicitaram essa referenciação.
O SDQ mostrou ser fácil de aplicar em contexto escolar, apresentando-‐se como
um recurso clínico válido, a mobilizar em contexto de triagem e follow-‐up.
A adesão à intervenção terapêutica de prevenção, por parte dos pais que
consentiram, foi de 100%, situação rara em saúde, devendo-‐se ao facto da
intervenção ter decorrido em contexto escolar. As crianças sendo da mesma turma,
retiravam-‐se da sala de aula por uma hora, estando este momento previamente
planeado com a professora. O impacto negativo na aprendizagem em sala de aula
foi mínimo e a adesão à intervenção foi excelente.
A partilha de informação referente a cada criança, associado à triagem,
intervenção terapêutica de prevenção e follow-‐up, foi sempre realizada
individualmente com os pais, quando planeada e sempre que os pais solicitaram.
O género e a idade são informação significativa que ficamos a conhecer
nesta população, e está de acordo com estudos já realizados. O género masculino
apresenta uma prevalência significativamente superior de possíveis ou prováveis
perturbações psiquiátricas e da conduta, em particular em idade mais precoce, no
pré-‐escolar. Esta informação foi importante durante a intervenção, tendo estas
sessões um maior predomínio de ação. Embora a diversidade de papéis vividos
seja menor, a repetição das experiências desses papéis revelou no follow-‐up, serem
estas as crianças que mais beneficiam com a intervenção.
As entrevistas de grupo foram uma metodologia eficaz para conhecer o
fenómeno, aproximar os professores dos pais e dos profissionais, através da
partilha de experiências. Foi significativa a mediação no reconhecimento ao
empenho dos profissionais da escola durante o desastre, e no período “pós-‐
catástrofe”.
145
A insuficiência do papel vivido por pais e professores, após a transição
situacional, transformou o “aqui-‐e-‐agora”, criando uma situação de incerteza no
futuro. O comportamento das crianças, olhado no “aqui-‐e-‐agora”, acrescentou a
insegurança à incerteza, tendo pais e professores, lido os comportamentos das
crianças com um passado transformado. Com o resultado do SDQ, ficamos a
conhecer que a maioria das crianças apresentava possível ou provável perturbação
psiquiátrica há mais de um ano, anterior ao tornado. As possíveis ou prováveis
perturbações da conduta eram todas anteriores ao tornado, enquanto as possíveis
ou prováveis perturbações emocionais, foram identificadas antes e depois do
tornado.
Os pais identificaram que as crianças apresentavam muito sofrimento com
as possíveis e prováveis perturbações, com exceção das crianças com possível ou
provável perturbação da conduta. A possível ou provável perturbação da conduta
foi uma alteração do comportamento que os pais não identificaram sofrimento na
criança, possivelmente por não se associar a um papel da fantasia mas a um papel
social. Os papéis sociais têm uma intencionalidade e consciência que quando
associada à possível ou provável perturbação da conduta, não é percebida como
causadora de sofrimento na criança, a criança simplesmente “portou-‐se mal”. Por
vezes, a possível ou provável perturbação da conduta na criança, surge associada
ao sofrimento de quem desempenha o papel complementar.
Com os professores não existiu uma diferença estatisticamente significativa
na prevalência de “muito” ou “muitíssimo” sofrimento entre as possíveis ou
prováveis perturbações.
Segundo a apreciação dos pais, as possíveis ou prováveis perturbações
sobrecarregam “muito” a família e a comunidade escolar, em particular as crianças
com possível ou provável perturbação emocional. Na informação dos professores,
a sobrecarga para a comunidade escolar, nas crianças com possível ou provável
perturbação não foram estatisticamente significativas, nem mesmo as crianças
com possível ou provável perturbação da conduta. Este é um resultado
146
surpreendente, pois nos relatos de alguns professores, as crianças com estes
comportamentos, perturbam a sala de aula.
A incongruência de resultados na avaliação das crianças entre pais e
professores associa-‐se possivelmente ao papel distinto das crianças, papel de filho
e papel de aluno. Sendo o desempenho dos papéis diferente na criança assim como
o desempenho dos papéis complementares, a avaliação dos pais e professores
também diverge.
Os desenhos e as narrativas foram um método adequado à infância para
conhecer o fenómeno com as crianças, tendo sido a avaliação congruente com os
dados do SDQ, em relação à idade. As crianças mais novas, no pré-‐escolar,
apresentaram desenhos com elementos associados ao desastre superior, em
relação às crianças no 1º ciclo. Foram também entre as crianças mais novas do pré-‐
escolar, que quando solicitado o desenho da escola, não o fizeram, o que aparenta
maior vulnerabilidade nesta idade.
A validação para Portugal do SDQ follow-‐up permitiu avaliar as crianças
após a intervenção, ficando a conhecer-‐se que das 38 crianças que realizaram
follow-‐up, 17 melhoraram (44,7%), das quais, 15 (39,5%) deixaram de apresentar
possível ou provável perturbação mental, regressando a um estado de saúde
relativamente estável.
As técnicas do psicodrama e sociodrama apresentaram-‐se como uma
ferramenta influente para viver múltiplos papéis e papéis complementares, ao
serem mobilizadas numa realidade suplementar, em dramatização, onde todos os
papéis podem ser criados, vividos e recreados. A intervenção terapêutica de
prevenção para crianças, identificou o grupo como o locus indicado para a
suplementação do papel, pois é com os pares que a criança por processos de
comunicação e interação, vive os papéis que elegem.
147
O percurso e os dados da investigação pressupõem mobilizar esta
metodologia em contextos onde não se tenha vivido um desastre, pois a maioria
das crianças que apresentaram possível ou provável perturbação psiquiátrica e de
oposição, é anterior ao tornado, em particular as crianças mais novas. Foram
igualmente estas crianças as que melhor responderam à intervenção terapêutica
de prevenção.
Esta intervenção teve validade exclusivamente para o contexto onde se
desenvolveu, não tendo tido presente o estudo de sua eficiência na investigação-‐
ação, o que permitiria perceber o impacto na gestão e governação clínica,
influenciando as políticas de saúde pública.
Incrementar a atividade de investigação na prática clínica em Enfermagem,
de forma sistemática, é o suporte da melhoria contínua da qualidade, na gestão do
risco e na produção de evidência que sustente uma clínica inovadora, capaz de
influenciar a governação clínica e garantir a segurança e qualidade dos cuidados.
“No final de cada raciocínio o objetivo é que as possibilidades de continuação desse
raciocínio aumentem, nunca que diminuam. Depois de tu pensares eu tenho mais
armas para continuar a pensar, eis um facto que deve merecer agradecimento. Se o
pensamento vai até ao fim, acaba, impõe a sua autoridade, não deixa espaço para
contradições, para discussões, para insultos inteligentes, então estamos no
ambiente dos métodos definitivos, aqueles que impõem a última palavra (fini)
sobre o assunto.” (Tavares, 2013,32)
148
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162
ANEXOS
163
ANEXO I
164
ANEXO II
165
ANEXOIII
166
ANEXOIV
167
ANEXO V
168
ANEXOVI
169
ANEXOVII
170
APÊNDICE
Tabelas de Análise -‐ desenhos
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