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Comunicação apresentada por João Benvindo de Moura no I COGITE - Colóquio de estudos sobre gêneros & textos - realizado pelo Grupo Cataphora
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O gênero editorial e a “virgindade emocional”: mito
ou realidade?
João Benvindo de Moura
UFPI/UFMG
Piauí: berço das emoções
Por que pesquisar sobre editorial?
• Um editorial não é meramente um artigo que exprime a opinião de um órgão de imprensa, em geral escrito pelo redator-chefe, e publicado com destaque. Muito mais que isso, um editorial é um discurso, sendo capaz de orientar retoricamente pontos de vista, estados emocionais e até atitudes.
Por que pesquisar sobre editoriais da imprensa piauiense?
• Apesar de o primeiro jornal do Piauí (O Piauiense) ter circulado em 1832, as pesquisas sobre a atuação da imprensa no estado são raras. No campo da Análise do Discurso elas são ainda mais escassas. Há, portanto, a necessidade de observação das peculiaridades da mesma, bem como, das influências regionais na produção do sentido.
Qual a relação entre as emoções e o gênero editorial?
• Aristóteles, há muito tempo atrás, já falava que a arte de convencer se utiliza de três elementos básicos: logos, ethos e pathos:
• Logos – o próprio discurso em si, produto da faculdade da linguagem, da razão;
• Ethos – As imagens de si produzidas pelo sujeito enquanto enuncia;
• Pathos – As emoções suscitadas no auditório;
Qual a relação entre as emoções e o gênero editorial?
O editorial tem o poder ou a intenção de emocionar alguém?
Existe alguma diferença valorativa entre razão e emoção na história da sociedade?
Descartes: “As paixões são um signo de doença e, somente no momento em que forem totalmente alijadas, a mente estará em perfeita saúde.”
O editorial se assemelha ao discurso científico?
• A suposta “virgindade emocional” da ciência não constitui uma descrição da prática científica efetiva. (Doury, 2002)
A argumentação é vista como um “ato”, a saber, o de “provocar ou aumentar a adesão dos espíritos às teses que se apresentam a seu assentimento”. (Perelman, 2005)
O editorial se assemelha ao discurso científico?
• A suposta “virgindade emocional” da ciência não constitui uma descrição da prática científica efetiva. (Doury, 2002)
A argumentação é vista como um “ato”, a saber, o de “provocar ou aumentar a adesão dos espíritos às teses que se apresentam a seu assentimento”. (Perelman, 2005)
Charaudeau e as emoções
• As emoções são de ordem intencional, estão ligadas a saberes de crença e se inscrevem em uma problemática da representação psicossocial.
• As quatro grande tópicas: dor/alegria; angústia/esperança; antipatia/simpatia; repulsa/atração.
O editorial analisado
Análise
• O texto remete, logo no primeiro parágrafo, a uma situação altamente patêmica: o choro do governador durante a cerimônia de passagem do cargo para o seu sucessor. Através da seleção lexical, o vocábulo “chorou” está entre aqueles apontados por Charaudeau como sendo capazes de descrever de maneira transparente, determinadas emoções.
Análise
O enunciador passa a apontar sequencialmente uma série de fatos e argumentos pragmáticos para justificar toda a cena enunciativa, a saber:
1. A fala do governador externando a sensação de dever cumprido, revelando um sentimento de completude, seguida de um exemplo de sensatez:“Disse que deixava o Palácio de Karnak com a sensação do dever cumprido, mas, como é de praxe e sensato, informou também que muito está para ser feito.”
Análise
2. A referência à situação de pobreza histórica imputada ao Piauí:
“Desafios e problemas sobram em um estado pobre que precisa se esforçar para manter serviços públicos funcionando, expandir os investimentos públicos que favorecem o crescimento econômico, bem assim fazer frente às demandas crescentes.”
Análise
3. A avaliação positiva do governo e seu legado:
“Pode-se afirmar que a administração encerrada na quinta-feira foi, sim, bastante positiva para o Piauí. Wellington Dias legou ao estado uma obra não física que certamente é fundamental: a organização da sua estrutura administrativa e funcional.”
Análise
4. E, principalmente, no último parágrafo, a alusão à origem humilde do governador, ressaltando o seu distanciamento das elites o que possibilitou, na visão do enunciador, uma maior proximidade com o povo e, consequentemente, com seus anseios e necessidades:“O estado do Piauí certamente vai ter bastante tempo doravante para discutir o legado que fica de um governador com perfil político distanciado das elites políticas e que se valeu disso para estabelecer também outra construção definitiva: o governante tem que ouvir mais a sociedade e tirar dela práticas positivas para a gestão pública.”
Análise
• Não basta, por exemplo, que o leitor do jornal perceba a existência do editorial ou que ele saiba que o editorial carrega dentro de si um saber. É necessário também que esse leitor tenha condições de avaliar esse saber, posicionando-se em relação ao mesmo, para, a partir de então, vivenciar ou exprimir uma emoção. Trata-se, portanto, de um saber de crença que se opõe a um saber de conhecimento, o qual se baseia em critérios de verdade externos ao sujeito.
Análise
• Dizer: “o governador transferiu o cargo ao vice em função de sua candidatura ao senado” advém de um saber de conhecimento; mas dizer “o governador chorou” advém de um saber de crença que descreve propriedades qualitativas e essencialistas de um indivíduo. Esses enunciados circulam na comunidade social constituindo o chamado “imaginário sociodiscursivo”.
Análise
• O editorial pode fazer suscitar a tópica da angústia, no momento em que apresenta o choro do governador. Traduz a incerteza pelos dias que virão, um estado de espera desencadeado pela cena enunciativa podendo representar um perigo para o estado. Ao mesmo tempo suaviza a tensão mobilizando a imagem do dever cumprido, do estado organizado financeiramente, da democracia implantada. Tais recursos remetem à esperança por tempos melhores e justificam o choro.
Análise
• Ao explicitar o fato de que o governador não pertence às elites, o texto induz a uma repulsa aos diversos outros governadores piauienses ligados à famílias oligárquicas, oriundos da casta privilegiada com o poder econômico. Em seguida, ao expor a proximidade do governador com a sociedade ouvindo seus desejos e anseios, e, atribuindo a esta atitude um valor positivo, desencadeia a atração, ou em outras palavras, a “adesão dos espíritos”.
Conclusões
• O editorial analisado possui uma intencionalidade. Mobiliza uma série de saberes de crença: a situação de pobreza do estado do Piauí, a existência de sucessivos governos ligados à elite dominante e a ascensão de um jovem bancário ao posto de governador, destoando da lógica até então estabelecida. Verifica-se, portanto, que essas crenças são mobilizadas por um saber polarizado em torno de valores socialmente compartilhados.
Conclusões
• O desencadeamento das emoções suscitadas coloca então o sujeito enunciador numa situação de sanção social que culminará em julgamentos diversos de ordem psicológica ou moral, pelos vários tipos de leitores do jornal.
Conclusões
• Por fim, a análise demonstra que quanto maior for o conhecimento do orador acerca do auditório, compreendendo as características e inclinações afetivas deste, maiores serão as suas chances de produzir a emoção-adesão.
Bibliografia
AMOSSY, Ruth. O Ethos na Intersecção das Disciplinas: Retórica, Pragmática, Sociologia dos Campos. In: Amossy, Ruth (Org.). Imagens de si no Discurso: a Construção do Ethos. São Paulo: Contexto, 2005
CHARAUDEAU, Pathos e discurso político. In: Machado, Ida Lúcia et alli (Orgs.). As emoções no discurso. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007.
______ . Discurso das mídias. São Paulo: Contexto, 2007.
PERELMAN, C. & OLBRECHTS-TYTECA, L. Tratado da argumentação: a nova retórica. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
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