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8/8/2019 O Processo de Fortalecimento do MPF na ANC/1987 e sua atuao no Art 68 ADCT/CF-88
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80 O Processo de Fortalecimento do Ministrio Pblico Rebeca A. A. Campos Ferreira_____________________________________________________________________________
______________________________________________________________________INTRATEXTOS, Rio de Janeiro, vol.1, no.1, pp. 80 - 103, 2009.
O Processo de Fortalecimento do Ministrio Pblico na ANC/1987e sua atuao no Artigo 68 do ADCT/CF-88
Rebeca A. A. Campos Ferreira*
Resumo:O presente artigo se prope a discorrer sobre o novo Ministrio Pblico, que surge a
partir das decises da Assembleia Nacional Constituinte de 1987, e refletir acerca de suaatuao em um direito coletivo especfico o garantido pelo Art. 68 do ADCT/CF-88. Paratanto so tomadas as discusses da Subcomisso 3C, do Judicirio e do Ministrio Pblico na
ANC, salientando o papel realizado pela Confederao Nacional do Ministrio Pblico, lobby
significativo concretizado atravs da Carta de Curitiba. Sero realizadas ainda consideraes
sobre os debates da Subcomisso 7C, dos Negros, Populaes Indgenas, Pessoas Deficientes e
Minorias, vinculada Comisso da Ordem Social; o objeto volta-se especificamente s
discusses referentes ao tema que ser contemplado no Artigo 68 do Ato das Disposies
Constitucionais Transitrias: o direito propriedade de grupos remanescentes de quilombos,
tendo como quadro de referncia a expanso dos direitos coletivos na Carta Magnarea estade significativa atuao do MPF. Os Anais das Subcomisses 3C e 7C foram, portanto, objetos
de estudo, bem como o Dirio da Assembleia Nacional Constituinte, no intuito de demonstrar
as presses que incidiram sobre ambas as Subcomisses e ecoaram na atuao do MinistrioPblico, inclusive nos dias atuais; Instituio esta que passa a contar com respaldo
constitucional significativo, fortalecida e com a prerrogativa da defesa de ampla gama de
interesses sociais.
Palavras-chave: Ministrio Pblico, Comunidades Remanescentes de Quilombo, Assembleia
Nacional Constituinte, Teoria Constitucional, Direitos Coletivos.
Abstract: The article discusses the Brazilian Public Ministry, which strengthens the basis of
decisions of the Brazilian National Constituent Assembly of 1987, and reflects on their actions
in a collective right, guaranteed by Article 68 of ADCT/CF-88. It deals with the discussions of
the Subcommittee 3C, the Judiciary and the Prosecutors in the ANC, highlighting significant
lobbying done by the National Confederation of the Public Ministry, through the 'Carta de
Curitiba'. The discussions of the Subcommittee 7C, the Blacks, Indigenous Peoples, Minorities
and Peoples with Disabilities, linked to the Social Order of the Commission, are considered,
specifically the discussion on the subject as reflected in Article 68 of the Transitional
Constitutional Provisions Act: the right to ownership remainder of quilombo community in the
context of the expansion of collective rights in the Magna Carta, field of action of MPF. The
Annals of Subcommittees 3C and 7C and Diary of the National Constituent Assembly were
objects of study to demonstrate the pressures that focus on both Subcommittees and echoed in
* Graduanda em Cincias Sociais pela Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas,FFLCH, Universidade de So Paulo, USP. Estagiria do Setor Pericial em Antropologia da
Procuradoria Geral da Repblica no Estado de So Paulo - PRSP, Ministrio Pblico Federal.
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the actions of the prosecutors; the MPF has gained support of constitutional importance and
has strengthened with the prerogative of defense of many social interests.
Key words: Brazilian Public Ministry, Remainder of Quilombo Community, Brazilian National
Constituent Assembly, Social Rights, Constitutional Theory
Rsum: L'article aborde le Ministre public,qui apparat partir des dcisions de l'Assemble Nationale Constituante brsilienne de 1987, et une rflexion sur leurs actions dans un droitcollectif especifique, garanti par l'article 68 de ADCT/CF-88. Notre regard se tourne vers les
discussions de la Sous-3C, la magistrature et les Ministre Public dans l'ANC, en faisant
ressortir le rle ralis par la Confdration Nationale du Ministre Public, lobby significatif
concrtis travers la 'Carta de Curitiba'. Encore, on fait des considerations sur les dbats de
la Sous-commission 7C, des Noirs, des Populations Indignes, des Personnes Handicapes et
Minorits, attache la Commission de l'Ordre Social; l'objet se tourne spcifiquement aux
discussions affrentes au sujet qui sera envisag dans l'Article 68 de l'Acte des Dispositions
Constitutionnelles Transitoires : le droit la proprit de groupes restants de quilombos, dans
le contexte de l'expansion des droits collectifs dans la Magna Carta, le domaine d'action du
MPF. Les Annales de la Sous-3C et 7C etlAgenda de l'Assemble Nationale Constituante ont
t des objets d'tude, afin de dmontrer les pressions sur les deux sous-comits et son chodans les actions du Ministre Public; cette institution, fortifie, a gagndimportantsoutienconstitutionnel et la prerogative de la dfense des intrts sociaux varis.
Mots-cls: Ministre Public du Brsil, vestiges de communauts quilombos, Assemble
Nationale Constituante au Brsil, la thorie constitutionnelle, droits sociaux.
____________________________________
Introduo
O Ministrio Pblico que se consolidara aps a promulgao da Constituio de
1988 destaca-se por sua autonomia, sua independncia dos demais poderes de Estado e
por suas atribuies que extrapolam a persecuo penal, conforme elenca o Art. 129 da
CF-88. considerada, do ponto de vista institucional, a maior novidade trazida pela
Constituio de 1988 (Kerche, 1999). Ou ainda, como considera Sadek (1999:34):
No nascente arranjo institucional resplandece o Ministrio
Pblico,(...), nenhuma outra instituio ganhou ou conquistou to
nova configurao. Nenhum outro momento da histria nacional
registrou tal extenso dos direitos constitutivos da cidadania. A nova
instituio e o vasto rol de direitos aparecem estreitamente
relacionados.
O presente artigo se prope, primeiramente, a discorrer sobre o Ministrio
Pblico que surge a partir das decises da ANC 1987, para posteriormente relacionar
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sua atuao em um direito coletivo especficoo garantido pelo Art. 68 do ADCT/CF-
88, questo esta que serve atuao do MP relativa aos direitos sociais como um todo.
A primeira parte do trabalho, portanto, volta-se s discusses da Subcomisso do
Judicirio e do Ministrio Pblico na Constituinte, salientando o fortalecimento destaInstituio e o intenso papel realizado pela Confederao Nacional do Ministrio
Pblico, lobby significativo concretizado na Carta de Curitiba.
Na sequncia, sero realizadas consideraes acerca de debates da Subcomisso
dos Negros, Populaes Indgenas, Pessoas Deficientes e Minorias, vinculada
Comisso da Ordem Social; o objeto volta-se especificamente s discusses referentes
ao tema que ser contemplado no Artigo 68 do Ato das Disposies Constitucionais
Transitrias: o direito propriedade de grupos remanescentes de quilombos, tendo
como quadro de referncia a expanso dos direitos coletivos na Carta Magna, locus da
atuao do Ministrio Pblico. So ainda realizadas ressalvas quanto ao fato de o
presente artigo ser parte do ADCT, ou seja, estar contido no corpo transitrio da
Constituio Brasileira.
Deve-se considerar que o Artigo 68 no fora algo previsto pelo lobby do
Ministrio Pblico durante os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, no
estivera em momento algum referido na Carta de Curitiba e, entretanto, mostra-se hoje
uma das reas de maior atuao do Ministrio Pblico Federal por meio da 6 Cmara
de Coordenao e Reviso da Procuradoria Geral da Repblica, objeto da parte final do
presente artigo.
1 - O Fortalecimento do Ministrio Pblico1
Artigo 127, CF-88: O Ministrio Pblico instituio permanente, essencial funo
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurdica, do Regime
Democrtico e dos Interesses Sociais e Individuais Indisponveis.
A potencialidade do Ministrio Pblico em defender direitos, atuando como
1 A base foram os Anais da Subcomisso 3C, a Subcomisso do Judicirio e do Ministrio Pblico naAssemblia Nacional Constituinte, 1987.
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distintas do padro visto por essa Instituio na maioria dos pases democrticos, so
fruto da promulgao da Constituio de 1988; um dos pontos que podem colaborar na
compreenso do fato exposto a abertura participao de vrios grupos de interesse
durantes os trabalhos das subcomisses na ANC e, desse modo, inmeros grupos depresso e diversos segmentos sociais puderam intervir nos trabalhos.
Na Subcomisso do Judicirio e do Ministrio Pblico fizeram-se presentes
membros da Confederao Nacional do Ministrio Pblico (Conamp) e representantes
dos Defensores Pblicos e dos Delegados de Polcia. Esses grupos representam
importncia no tocante s decises tomadas e o lobby exercido que mais apresentara
resultados fora da Conamp, fato este concretizado na ampliao das atribuies do
Ministrio Pblico. A Confederao obtivera sucesso na aprovao de inmeros pontos
de sua proposta6.
Vale ressaltar que a Conamp fora um grupo bem organizado e eficiente,
oferecera aos constituintes da Subcomisso em questo um texto constitucional, a Carta
de Curitiba, alm de haver desenvolvido acompanhamento dos trabalhos dos
parlamentares e suas discusses7.
A Carta de Curitiba consolida, portanto, o intenso lobby do Ministrio Pblico.
Est organizada da seguinte forma: Seo I, Das Disposies Gerais; Seo II, Do
Ministrio Pblico da Unio; Seo III, Do Ministrio Pblico dos Estados e do
Ministrio Pblico do Distrito Federal e Territrios; Seo IV, Garantias e Dispositivos
colocados fora do Captulo Ministrio Pblico; Seo V, Da Ordem Social; Disposies
Constitucionais Transitrias. H ainda na Carta de Curitiba a Mono de Curitiba,
aprovada no 1 Encontro Nacional de Procuradores, em 1986:
As Associaes integrantes da Confederao Nacional do Ministrio
Pblico - Conamp e as Procuradorias-Gerais de Justia vinculadas aoConselho Nacional de Procuradores Gerais, em face da instalao da
6 A Conamp pode se sentir vitoriosa (...) porque apresentou uma proposta que no era contrria aoselementos balizadores dos debates, que ia positivamente ao encontro de aspectos conjunturais e de
cultura poltica presentes na Assembleia Nacional Constituinte. (Kerche, 1999:61)7 Em 1986, reuniram-se membros do MPF em um Encontro de Estudos em So Lus do Maranho, emuma comisso formada pelos procuradores lvaro Augusto Ribeiro da Costa, Edylca Tavares Nogueirade Paula, Jos Rodrigues Ferreira, Milton Menezes e Paulo Fontes, Joo Pedro Ferraz dos Passos, Mariade Lourdes Abreu Monteiro e pelo Presidente da Associao Nacional dos Procuradores da Repblica,Roberto Gurgel Santos. Desse encontro saram as diretrizes de atuao da Conamp junto Subcomisso
do Ministrio Pblico na ANC.
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Assembleia Nacional Constituinte e ante a necessidade de unir
esforos em busca do objetivo comum, que o fortalecimento da
Instituio do Ministrio Pblico em benefcio da prpria
comunidade, assumem formalmente os seguintes compromissos: I -
apoiar junto Assembleia Nacional Constituinte o texto ora aprovado;
II - abster-se de apresentar diretamente emendas ao texto,
encaminhando-as direo da Conamp e do Conselho; III - delegar
Direo da Conamp e do Conselho a adequao do texto s
peculiaridades dos trabalhos da Constituinte, desde que
obrigatoriamente observados seus princpios. (Carta de Curitiba,
1986)
V-se, no excerto citado, as propores e direes do lobby deste grupo. Sua
temtica recorrente fora a relevncia de um rgo no poltico que atuasse junto aos
interesses da sociedade. Nesse ponto vale ressaltar as consideraes de Kerche (1999)
acerca do aspecto conjuntural do perodo da ANC, aps duas dcadas do Regime
Militar, restries s liberdades e problemas econmicos, em especial a questo da
inflao. Em pauta estava a redemocratizao do Brasil, contexto no qual a
implementao efetiva de direitos e a garantia dos mesmos ocupam posio
fundamental. A ampliao dos direitos coletivos fora ponto central nos trabalhos da
ANC, buscando mecanismos que engendrassem e garantissem a participao e as
liberdades.
A Conamp comeara a ser desenhada no final dos anos 60, sob o Regime
Militar, sendo formada justamente para fazer frente s decises que seriam previstas na
Carta de 19678. Em 1971, foi finalmente fundada e partir da comeou a exercer
influncia junto ao Governo. Em 1981, obteve vitria significativa com a Lei Orgnica
Nacional do Ministrio Pblico (Lei Complementar n 40) e, em 1985, conseguiu acomplementao da Ao Civil Pblica, por meio da Lei 7.347, que legitima a atuao
8 Em um perodo de censura, corria-se o risco de que se centralizasse o modelo do Ministrio Pblico,e que se tivesse o padro do Ministrio Pblico Federal o que no convinha aos Estados. Na poca,no existia a concepo de que o Ministrio Pblico se dedicasse exclusivamente defesa da sociedade,
o que acabava induzindo o legislador a seguir o modelo federal: o Procurador da Repblica era, ao
mesmo tempo, membro do MP e Advogado da Unio. Um modelo prejudicial, pois o advogado
representa o cliente. E o Ministrio Pblico no poderia representar a vontade do Governo e, ao mesmo
tempo, defender interesses sociais colidentes com as pretenses do governante. Promotores de Justia
no concordavam com isso (Conamp, disponvel em:http://www.conamp.org.br/index.php?a=conamp_historico.php, acesso em 03/12/2008.)
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do Ministrio Pblico na defesa de interesses difusos e coletivos. Portanto, algumas
prerrogativas contempladas na Carta Magna de 1988 tidas como novidades tiveram
sua origem no Perodo de Exceo Brasileiro. A grande novidade sobrevinda com a
Carta fora sua independncia e a expanso da abrangncia de seus atos.At 1988 o Ministrio Pblico fora ligado ao Executivo e, entre suas atribuies,
destacava-se j a ao penal pblica junto aos tribunais. Com a nova Constituio, esta
instituio se fortalecera, passando a ser independente dos demais poderes. Ao tomar o
posto de representante da sociedade, ganhara atribuies reforadas, inclusive
abarcando questes coletivas de fundo civil, por meio da ao civil pblica.
Vale considerar que em 1993 sobrevieram a Nova Lei Orgnica Nacional do
Ministrio Pblico (Lei 8.625), dispondo sobre normas gerais de organizao do MP
nos Estados, e a Lei Complementar 75, sobre a organizao, as atribuies e o Estatuto
do Ministrio Pblico da Unio. Ambas regulamentam os avanos obtidos com a
Constituio de 1988.
O Judicirio tambm teve seu papel institucional ampliado aps a CF/88, na
medida em que passara a atuar em um maior nmero de casos que extrapolam questes
de interesses individuais. Isto provoca alteraes no sistema poltico tomado em sua
totalidade, tendo em vista que rbitro de conflitos entre o Executivo e o Legislativo. A
estrutura descentralizada e federativa que ganhara com a Constituio lhe permite
interferir nas prprias polticas, paralisando-as e podendo suspender medidas, mesmo de
impacto nacional (Sadek & Arantes, 1994). Todavia, ao contrrio do Ministrio Pblico,
o Judicirio poder inerte, que s age quando provocado por terceiro a o Ministrio
Pblico faz-se agente e contribui na seleo das questes que iro apreciao judicial.
Ainda tomando como referncia o Poder Judicirio, observa-se que agentes
coletivos foram legitimados, o que contraria a tradio liberal voltada ao
individualismo. Segundo Kerche (1999), a Confederao Nacional do Ministrio
Pblico doara seu projeto ANC, com base em pontos relevantes do discurso e da
funo a saber, o MP surge como defensor dos interesses da sociedade, sendo
instrumento de reforo da cidadania, colaborando para efetiv-la, em um contexto de
redemocratizao. Apresenta, portanto, modelo diferenciado e novo, justificvel diante
da conjuntura nacional e ideal aos fins propostos na Constituinte: a efetivao dos
direitos, a realizao da cidadania e o rompimento com o passado autoritrio . O
Ministrio Pblico, deste ponto de vista, uma espcie de sntese dos vrios aspectos
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que marcaram a feitura da Constituio de 1988 (Kerche, 1999: 69).
A ao civil pblica o meio jurdico que permite a representao de interesses
junto ao Judicirio. O mecanismo no exclusivo ao Ministrio Pblico, tal como a
ao penal, porm 90% das aes civis pblicas so realizadas por esta instituio(Sadek, 1997). A criao deste mecanismo remete a 1981, durante o perodo Militar,
como anteriormente considerado, sendo complementada pela Lei 7.347 de 1985, onde
foram definidos objeto, foro e legitimao do uso, entre outras questes. A CF/88
ampliara a abrangncia de situaes abarcadas pela ao civil pblica quanto proteo
da sociedade civil no que se refere aos interesses difusos, coletivos, individuais
homogneos e indisponveis. A questo que aes civis so engendradas contra o
governo, visto que o MP autnomo, e assim esta Instituio surge como agente
detentor do veto e, portanto, fundamental no jogo poltico. Sua atuao voltada a itens
de polticas pblicas, que deixam o campo meramente jurdico, e assim o MP enquadra-
se no sistema de multivetos que pode paralisar a ao dos demais poderes.
Desse modo, v-se que a ao do Ministrio Pblico fora ampliada e fortalecida
aps 1988, passando a abarcar direitos coletivos, difusos e homogneos. A concepo
destes direitos ampla e no h uma legislao infraconstitucional que regule seus
aspectos. Este fato permite que o MP aja em pontos que so de atuao de agentes
polticos, o que engendra a politizao da justia ou a judicializao da poltica9
(Kerche, 1999:62).
O Ministrio Pblico faz-se ento como o elo entre Estado e Sociedade Civil,
embora no seja possuidor da legitimidade tradicional do voto. Nesse sentido, tomando
o modelo clssico de liberalismo, o Ministrio Pblico faz as vias dos partidos polticos,
responsveis por ligar as demandas da sociedade, input, ao Estado, que procura meios
de respond-las, o output (Bobbio, 1995). O Ministrio Pblico, desta forma, no se
enquadra como tpico do modelo liberal em sua concepo clssica, pois atua no sentido
do paradoxo do liberalismo, embora faa uso da tcnica liberal na defesa dos direitos
(Reis, 1988).
No tocante aos mecanismos de accountability discutidos na ANC destacam-se,
em suma: o papel do prprio Judicirio, tendo em vista que esta instituio julga aes
9A judicializao da poltica engendra um novo ativismo judicial e procedimentos semelhantes aosprocessos judiciais passam a ser adotados por polticos, que tomam ainda parmetros jurisprudenciais emdeliberaes. O fenmeno consequncia da ampliao dos direitos aps a II Guerra Mundial, somada ao
enfraquecimento da eficcia de polticas macroeconmicas no final da dcada de 1960. (Castro, 1997)
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propostas pelo MP; a indicao do Procurador-Geral da Repblica e Procuradores-
Gerais de Justia no nvel dos Estados, sendo esta indicao realizada, no primeiro caso,
pelo Presidente da Repblica (com necessria aprovao do Senado) e pelos
Governadores, no caso dos Estados; em terceiro, destacam-se os mecanismos referentess promoes, que se do no Brasil por merecimento ou por antiguidade. Todavia,
esses meios apresentam-se relevantes no debate acerca de sua efetividade, o que remete
relevncia do poder detido pelo Ministrio Pblico:
Ou seja, se os mecanismos de accountability em relao ao Ministrio
Pblico so frgeis e insuficientes10, a instituio detm importante
papel na rede de accountability relativa a outras instituies. A
pergunta, portanto, permanece pertinente: quem controla os
controladores? (Kerche, 1999:67)
Vale lembrar que o Ministrio Pblico goza da prerrogativa da tutela de probidade
administrativa, pela Lei 8.429/92, que regulamenta o Artigo 37 da CF/88, sendo este um
poderoso instrumento para fiscalizao dos demais poderes, em especial em relao
corrupo.
Foram postos em discusso no plenrio, tomando como fonte o Senado Federal,
oito anteprojetos da Relatoria Geral da ANC, a saber: Anteprojeto de junho de 1987,
Projeto de julho de 1987, Substitutivo do relator de agosto de 1987, 2 Substitutivo derelator de setembro de 1987, Projeto A de novembro de 1987, Projeto A de dezembro de
1987, Projeto 2 turno de julho de 1988, Projeto B 2 turno de agosto de 1988 e por fim
o Projeto C de setembro de 1988 que fora aprovado por 474 votos a favor, 15 contra e
seis abstenes e transformou-se na Constituio. Houve ainda o anteprojeto da
Comisso da Organizao dos Poderes e Sistemas de Governo, a proposta do Centro, e
a proposta apresentada pela Conamp, via Carta de Curitiba.
Segundo a anlise de Kerche sobre estes oito anteprojetos e projetos da Relatoriada Assembleia, pode-se ressaltar que a tendncia em separar o MP dos demais poderes
foi uma constante em todas as propostas; a diferena consistiu no fato de que, nos
anteprojetos de junho e julho de 1987, bem como na Carta de Curitiba, o Ministrio
Pblico constava em um captulo parte, enquanto aparece como Seo de um Captulo
10 O mecanismo de accountability horizontal quase no existe e o vertical mostra-se incapaz de limitar econtrolar a atuao de promotores e procuradores. Somada a este fato, h a questo do monoplio da aopenal e o papel do MP frente ao Judicirio, no tocante ao civil pblica, e ao Executivo, responsvel
pela sua fiscalizao. (Kerche, 1999)
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nas demais propostas11. A proposta do Centro deixara o MP includo no captulo Das
funes essenciais Administrao da Justia, porm como Seo parte, tal como a
proposta da Comisso e da Carta de Curitiba. Na Constituio de 1988 o Ministrio
Pblico aparece como Seo I do captulo Das Funes Essenciais Justia.Contrapondo diferentes definies do Ministrio Pblico, pode-se ressaltar que
as propostas de junho e julho de 1987 da Relatoria da Assembleia o tomam como
instituio permanente, essencial funo jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a
defesa do regime democrtico, da ordem jurdica e dos interesses sociais e individuais
indisponveis, definio esta idntica dada pela proposta da Comisso. A proposta de
agosto do mesmo ano define O Ministrio Pblico como instituio permanente,
essencial funo jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurdica
e da legalidade democrtica e dos interesses sociais e individuais indisponveis. O
projeto de setembro de 1987 apresenta o MP como instituio permanente, essencial
funo jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da Ordem Jurdica e do
Regime Democrtico e dos interesses sociais e individuais indisponveis.
A proposta de novembro de 1987, bem como as que lhe sucedem e a do Centro,
o tomam da forma pela qual ser definido na Constituio de 1988: O Ministrio
Pblico instituio permanente, essencial funo jurisdicional do Estado,
incumbindo-lhe a defesa da ordem jurdica, do regime democrtico e dos interesses
sociais e individuais indisponveis. A definio dada pela Carta de Curitiba, da
Conamp, a mais divergente, tomando o MP como instituio permanente do Estado,
responsvel pela defesa do regime democrtico e do interesse pblico, velando pela
observncia da Constituio e da Ordem Jurdica.
Vale considerar que a Carta de Curitiba fora modificada em maior significncia
no que diz respeito indicao e restituio do Procurador-Geral da Repblica; fora
nesse ponto que constituintes introduziram mecanismos de controle. A proposta inicial
da Conamp voltava-se escolha do ocupante do cargo pelo Presidente, com aprovao
do Senado, e sua destituio se daria em caso de abuso de poder ou omisso grave,
somente. Isto excluiria quaisquer intervenes de cunho poltico. Todavia, fora
promulgado que o Procurador-Geral seria nomeado pelo Presidente com aprovao do
11Na proposta de agosto de 1987 o MP est includo como Seo II no Captulo Das funes essenciaisao exerccio dos poderes, enquanto est como Seo II no Captulo Das funes essenciais administrao da justia na proposta de setembro, novembro e dezembro de 1987, sendo ainda Seo Idesse mesmo captulo na proposta de julho e agosto de 1988.
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Senado no mbito federal, e no nvel dos estados pelo governador; a destituio, por sua
vez, seria realizada pelo Presidente, com aprovao da maioria absoluta do senado, e,
nos estados, pela maioria absoluta da Assembleia Legislativa, no sendo necessria a
apresentao dos motivos em ambos os planos. A atividade poltico-partidria dosprocuradores fora ainda vedada no Artigo 128 da CF/8812.
Quanto ao civil pblica, embora no seja monoplio do MP, como
anteriormente considerado, trata-se de instrumento jurdico que consta na Seo
destinada ao Ministrio Pblico na Constituio, sendo essa instituio a nica
responsvel pela instaurao do inqurito civil13. Portanto, o lobby empreendido pela
Conamp fora constante durante os trabalhos da ANC e, embora no tivesse suas
propostas aceitas em totalidade, tido como o grupo de presso mais bem-sucedido:
O trabalho dos membros da Comisso (Conamp) junto aos
Constituintes foi incansvel e interminvel, durava noite e dia para se
conseguir a aprovao da ideia central; muitos parlamentares
ofereceram algumas pequenas modificaes, mas a base ficou intacta,
salvo observaes j feitas e mais uma, a final praticamente, no
Relatrio do eminente Senador Bernardo Cabral (De Paula, 2008).
No captulo referente ao Ministrio Pblico tenho a impresso de que
demos um passoe, se isso for aceito pela Casa, histrico. Trata-se
de um passo histrico e at de repercusses tericas muito importantes
porque estamos criando outro rgo no esquema dos trs poderes.
um rgo fiscalizador que no se pendura em qualquer dos ramos do
esquema de Montesquieu. Por que propormos a autonomia financeira,
poltica e administrativa do rgo? Porque queremos um fiscal forte
da Lei. (Plnio de Arruda Sampaio, PT-SP, na Stima ReunioOrdinria da Subcomisso do Poder Judicirio e do Ministrio Pblico
12 Artigo 128 (o Ministrio Pblico abrange), 5, IIc (das vedaes) Exercer atividade poltico-partidria, salvo excees previstas por lei. Captulo IV, Das funes essenciais Justia, Seo I, doMinistrio Pblico, Constituio da Repblica Federativa do Brasil, 1988.13 Artigo 129 (Funes Institucionais do Ministrio Pblico), III Promover o inqurito civil e a aocivil pblica, para proteo do patrimnio pblico e social, do meio ambiente e de outros interessesdifusos e coletivos. Ainda no Artigo 129: 1 A legi timao do Ministrio Pblico para as aes civisprevistas neste artigo no impede a de terceiros, nas mesmas hipteses, segundo o disposto nestaConstituio e na lei. Captulo IV, Das funes essenciais Justia, Seo I, do Ministrio Pblico,Constituio da Repblica Federativa do Brasil, 1988.
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na ANC 1987/88).
2 - Direitos Coletivos e o Artigo 68 do ADCT/ CF-88 14
A noo de direitos coletivos vem tona na Carta Magna. Da a relevncia de combinar
ao estudo da Subcomisso do Judicirio e Ministrio Pblico as consideraes acerca
das discusses na Subcomisso das Minorias, presidida pelo constituinte Ivo Lech, cujo
relator fora Alcenir Guerra.
A novidade maior a introduo da noo de direitos coletivos,
embora no mesmo captulo dos individuais. Esta diferenciao, se
bem interpretada e desenvolvida, rompe uma tradio de ver o direito
exclusivamente atravs do indivduo e gera o das coletividades,
autnomo, prprio e diferente. A compreenso desta nova categoria
levar reviso de cdigos, legislaes, procedimentos jurdicos e
institucionais (Coelho, 1989: 27).
Os direitos supraindividuais ou sociais foram, portanto, incorporados aos
tradicionais direitos de natureza individual e desse modo tem-se o alargamento dos
direitos de cidadania (Stucchi, 2005). Direitos coletivos tomam o cenrio; no presente
artigo ser considerado o Artigo 68 do Ato das Disposies Constitucionais
Transitrias, no qual o Ministrio Pblico exerce hoje destacado papel, por meio da 6
Cmara de Coordenao e Reviso.
Art.68. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando
suas terras, reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes
ttulos respectivos.
O primeiro ponto a ser brevemente destacado a criao de um novo sujeito
poltico e social a partir do artigo em questo, que cria a categoria remanescente de
quilombo. Desse modo, faz-se necessrio a ressemantizao do conceito, o que gera
ampla discusso no plano acadmico e jurdico.
Em suma, como conceito jurdico de quilombo, segundo a definio da 6
14 Na elaborao da parte que segue foram utilizados os Anais da Subcomisso 7C, referente
Subcomisso dos Negros, Populaes Indgenas, Pessoas Deficientes e Minorias, da ANC, 1987.
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Cmara de Coordenao e Reviso da Procuradoria-Geral da Repblica, Ministrio
Pblico Federal:
Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos os
grupos tnicos-raciais, segundo critrios de autoatribuio, com
trajetria prpria, dotados de relaes territoriais especficas, com
presuno de ancestralidade negra relacionada com a resistncia
opresso histrica sofrida, conceito construdo com base em
conhecimento cientfico antropolgico e sociolgico, e fruto de ampla
discusso tcnica, reconhecido pelo Decreto n 4.887/03 em seu Art.
2.
Houve intenso debate acerca da aplicabilidade do Artigo em questo na dcadade 1990, cujo cenrio fora marcado por duas correntes: uma, voltada
autoaplicabilidade do dispositivo constitucional, partindo de que sua publicao seria
suficiente para garantir emisso dos ttulos de propriedade prescritos; outra, que
voltava-se regulamentao do Artigo por meio de legislao especfica que
determinasse os meios da aplicabilidade e definies quanto a procedimentos
administrativos e prazos. A segunda corrente remetia-se Legislao Federal para que
regulamentasse beneficirios e critrios de legitimao, bem como a definio
conceitual. Todavia, no houve resposta da Legislao Federal. O Art. 68 permaneceu
no ADCT sem quaisquer emendas (Stucchi, 2005).
O Art. 68 do ADCT , na aplicao, combinado ao Art. 215 e Art. 216, do corpo
permanente da CF/88, a Seo da Cultura15. A Carta Magna adotara, portanto, medidas de
reparao histrica e cultural dirigidas populao negra. Todavia, controvrsias circundam
o Artigo 68 aqui em questo, no tocante ao conceito de quilombo e categoria remanescente,
bem como h dissenso quanto aplicabilidade do conceito no que diz respeito ao
reconhecimento pela autoatribuio, que dispensaria a produo de laudos periciais
comprobatrios, exceto se houver interesses conflitantes e estes apresentem contestao
explcita (Arruti, 2003).
15 Os artigos 215 e 216 da Constituio Federal garantem a proteo s manifestaes das culturaspopulares, indgenas e afro-brasileiras e definem como patrimnio cultural brasileiro os bens de naturezamaterial e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referncias identidade, ao e memria dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. No campoinfraconstitucional, o Decreto n 4.887, de 2003, que regulamenta o processo administrativo dedelimitao e titulao das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades de quilombos.
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A autoatribuio exclui quaisquer mecanismos majoritrios e sociais; os princpios
da autoidentificao por parte dos grupos esto regulamentados nos artigos 1 e 2 da
Conveno n 169 sobre povos indgenas e tribais em pases independentes, aprovados
pela Organizao Internacional do Trabalho. V-se que o ato cabe ao grupo, o quemostra que no h classificador da sociedade que possa se impor. Vale ainda ressaltar
que os direitos de minorias, em especial minorias tnicas, tm particularidade de
aplicao, tendo em vista que nesses casos o princpio democrtico da maioria no pode
prevalecer, pois no cabe maioria determinar quais direitos assistem minoria
(Almeida & Pereira, 2007).
O direito garantido pelo Art.68 insere-se ainda no Art.5, pargrafo 2, relativo
aos direitos e garantias fundamentais, por ser o direito propriedade indispensvel
pessoa humana e necessrio para assegurar existncia digna, livre e igual. Todavia vale
lembrar que o direito propriedade garantido pelo Art.68 direito de segunda gerao,
tem fulcro na igualdade e direito coletivo, e desse modo remete sua aplicao ao
Ministrio Pblico.
Antes de se ater atuao efetiva do MP na questo proposta, valem
consideraes acerca da Subcomisso das Minorias, tendo em vista que esta foi a que
mais recebera inferncias pblicas, e nela discutiu-se e definiu-se grande parte da linha
de atuao do Ministrio Pblico. O Movimento Negro16 organizara-se e exercera seu
lobby junto aos constituintes da Subcomisso das Minorias, encaminhando uma
proposta de Norma que garantisse direitos comunidades negras rurais
posteriormente consideradas como remanescentes de quilombo; esta proposta foi
encaminhada deputada Benedita da Silva, em maio de 1987.
Foi considerado no Substitutivo da Subcomisso em questo, ainda em maio de
1987, em seu Artigo 7: O Estado garantir o ttulo de propriedade definitiva das
terras ocupadas pelas comunidades negras remanescentes dos Quilombos. Assim
consta no Anexo Ata da 16 Reunio da Subcomisso dos Negros, Populaes
Indgenas, Pessoas Deficientes e Minorias, realizada em 25 de maio de 1987, lida pelo
presidente da Subcomisso, o Constituinte Ivo LechAnais da Subcomisso 7C.
Em 20 de agosto de 1987, o Deputado Carlos Alberto Co (PDT-RJ) apresentou
16 Vale lembrar que 1988 fora o ano de comemorao do centenrio da abolio do regime escravocrata,fato este que, segundo autores do tema, teria influenciado decises parlamentares em prol das propostasdo Movimento Negro, tendo em vista que qualquer negao seria acusada de preconceito. Somam-se ao
fato as noes de reparao histrica, escravido inacabada e dvidas com afrodescendentes
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emenda popular para que fosse inserido no Ttulo X do ADCT o texto: Fica declarada
a propriedade definitiva das terras ocupadas pelas comunidades negras remanescentes
de quilombos, devendo o Estado emitir-lhes os ttulos respectivos. Ficam tombadas
essas terras bem como documentos referentes histria dos quilombos no Brasil. Valeressaltar que o presente texto transitara pela Comisso de Sistematizao sem
alteraes.
Em 22 de junho de 1988, foi votado em primeiro turno o Art. 24 do ADCT:
Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando as suas
terras, reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os ttulos
respectivos. Ficam tombados os stios detentores de reminiscncias histricas, bem
como todos os documentos dos antigos quilombos17
.
Com a promulgao da Constituio em 1988, o Art. 68 do ADCT passou a ter a
seguinte escrita: Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam
ocupando suas terras reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-
lhes os ttulos respectivos.
, portanto, este o ponto de contato no interior da proposta geral do presente
trabalho, cujo enfoque o fortalecimento do MP e a ampliao de suas atribuies, em
contraponto s consideraes acerca da Subcomisso das Minorias, tendo em vista quedeliberaes desta determinam linhas de ao do MP; dentre as variadas aes, o
presente trabalho estabeleceu como recorte os direitos dos remanescentes de quilombos
categoria criada pelo Artigo 68 da ADCT da CF/88.A questo da tutela dos interesses
coletivos ponto chave nas inovaes da Carta Magna, questo esta que se interliga
com a atuao do Ministrio Pblico, na medida em que parte de suas atribuies
fundamentais18. Grupos de remanescentes emergem no contexto da redemocratizao,
como anteriormente referido, e com a criao de novos direitos e novos sujeitos pelo
17 Dirio da Assembleia Nacional Constituinte, 1988.18 Cabe ressaltar que os direitos indgenas so mais evidentes nas atribuies e aes do MinistrioPblico do que os direitos de remanescentes de quilombo, sendo ambos direitos coletivos. Embora nosejam esses direitos o foco do trabalho, pode-se destacar o lobby que grupos indgenas empenharam naSubcomisso das Minorias, sendo ainda que indgenas possuem Estatuto especfico e prprio, emboraobsoleto, ainda da dcada de 1970. A defesa de direitos e deveres das populaes indgenas aindadeterminada pela Constituio, no Art. 129, V, sendo assim parte das atribuies fundamentais doMinistrio Pblico. Ou seja, embora ndios e remanescentes de quilombos possuam os mesmos direitoscoletivos quanto terra, havendo distino quanto titulao somente, os grupos indgenas estoexplicitamente citados no corpo permanente da CF/88 Artigo 231, pargrafo 4 e sua defesaclaramente cabe ao MP, enquanto os direitos de quilombolas parte do ADCT, o corpo transitrio da
Constituio.
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Art.68 o que se v o direcionamento para reflexes acerca da configurao fundiria e
dos critrios de acesso e legitimao da propriedade direitos que remetem atuao
do MP.
3 - Ato das disposies Constitucionais Transitrias
Merece destaque o fato de o Artigo 68 estar contido no Ato das Disposies
Constitucionais Transitrias. Conforme considerado, o direito aos remanescentes de
quilombo no estavam presentes no lobby do MP, que estava voltado ao seu
fortalecimento e aos interesses tomados em sua generalidade. O Artigo 68 prescreve umdireito coletivo especfico, que fugiu aos debates da Conamp. Por outro lado, houve
forte lobby dos movimentos negros na Subcomisso das Minorias, mas, por razes no
citadas na bibliografia especfica, o direito dos quilombolas foi parar no corpo
transitrio da Constituio.
Os 70 artigos do ADCT so considerados, na literatura, como o depsito de
questes para as quais no havia acordo, nem havia mais tempo ou disposio de
negociar. Desse modo, essas questes controversas seriam deixadas no corpo transitrioda Carta Magna, espera de novos debates, possveis modificaes e incluses no corpo
permanente da CF. A noo de que formuladores da lei no previam os efeitos criadores
da mesma majoritria na literatura especfica ao tema, visto que no momento da
discusso o pensamento se voltava ao passado, e no ao futuro. Assim, o objeto da lei
no antecede o seu projeto; o direito cria seu prprio sujeito e o artigo em questo acaba
por criar, portanto, categoria poltica e sociolgica (Arruti, 2003). E o Artigo 68 se
tornara, aps um cochilo da elite no momento de sua elaborao, um dos maioresinstrumentos da luta fundiria dos anos 90 (Almeida, 2004).
Vale considerar a peculiaridade que orientara os trabalhos constituintes no
primeiro turno das votaes em Plenrio. Houve predomnio do consenso, dado o papel
dos lderes partidrios e aps mudanas no Regimento Interno, engendradas pelo
Centro. Tais mudanas foram no sentido da inverso do quorum (e consequente
necessidade de maioria para aprovao) e aumentaram a possibilidade de buraco
negro. Tendo em vista ainda que os trabalhos j extrapolavam o tempo definido
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inicialmente e adentravam o ano de 1988, uma das estratgias utilizadas pelos
parlamentares para acelerar o andamento, evitando discusses excessivas que atrasariam
ainda mais, fora a adoo da Emenda de Fuso, tendo como destino, principalmente,
o ADCT19
.Quanto ao Ato das Disposies Constitucionais Transitrias, este constitui-se em
partes constitucionais que tm por objetivo regulamentar o perodo de transio dos
regimes jurdicos da Constituio anterior nova Carta (Editorial Jurdico, 2006). Ou
seja, valeriam apenas no perodo transitrio entre a CF/67 e a efetivao da Carta de
1988. So, portanto, mecanismos de regulamentao, pois, salvo determinao expressa
em contrrio na nova Constituio, a partir do momento em que esta se tornar eficaz, a
eficcia da Carta anterior anulada. Como tal ab-rogao tem por consequncia a
mudana brusca do regime constitucional, faz-se necessrio que a realidade daquele
perodo seja regulamentada para que se adapte nova realidade constitucionalmente
imposta. Tem-se ainda que os ADCT so elaborados com a noo de que iro durar
pouco tempo (ideia de transitoriedade). Sua finalidade , portanto, a de preparar o
terreno para a eficcia plena da parte dogmtica da constituio:
O alcance de normas constitucionais transitrias h de ser demarcado
pela medida da estrita necessidade do perodo de transio que visem
a reger, de tal modo a que, to cedo quanto possvel, possa ter
aplicao a disciplina constitucional permanente da matria, ou seja, a
parte dogmtica da Constituio (Relatrio do Ministro Seplveda
Pertence, em 04 de dezembro de 1991).
A vigncia e a eficcia de uma nova Constituio implicam a
supresso da existncia, a perda da validade e a cessao de eficcia
da anterior Constituio por ela revogada, operando-se, em tal
situao, uma hiptese de revogao global ou sistmica do
ordenamento constitucional precedente, no cabendo, por isso mesmo,
indagar-se, por imprprio, da compatibilidade ou no, para efeito de
recepo, de quaisquer preceitos constantes da Carta Poltica anterior,
ainda que materialmente no-conflitantes com a ordem constitucional
19 As presentes consideraes foram elaboradas a partir dos textos de Jobim (1993), Pilatti (2008),
Mainwaring & Lian (1998) e Coelho (1989).
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ordinria superveniente. (...) Dada a impossibilidade de convvio entre
duas ordens constitucionais originriascada qual representando uma
ideia prpria de Direito e refletindo uma particular concepo
poltico-ideolgica exceto se a nova Constituio, mediante
processo de recepo material, conferir vigncia parcial e eficcia
temporal limitada a determinados preceitos constitucionais inscritos
na Lei Fundamental revogada, semelhana dos artigos contidos no
ADCT/88. (Relatrio do Ministro Celso de Mello, em 24 de junho de
2004).
Contudo, no caso do Art. 68, v-se que o que deveria ser transitrio se tornara
permanente e o preceito constitucional, h 20 anos no ADCT, fora aplicado
efetivamente por uma instituio que tida por muitos como o Quarto Poder. O
transitrio tornou-se duradouro, contrariando a legitimidade da parte da Constituio
que o abriga.
4 - A atuao do Ministrio Pblico no Artigo 68 ADCT A 6 Cmara de
Coordenao e Reviso
A 6 Cmara de Coordenao e Reviso do Ministrio Pblico Federal um rgosetorial de coordenao, de integrao e de reviso do exerccio funcional dos
Procuradores da Repblica, nos termos relativos aos povos indgenas e outras minorias
tnicas. Dentre essas minorias tm tido ateno os quilombolas, as comunidades
extrativistas, as comunidades ribeirinhas e os ciganos. Todos esses grupos tm em
comum um modo de vida tradicional distinto da sociedade nacional de grande formato.
De modo que o grande desafio para a 6 CCR e para os procuradores que militam em
sua rea temtica assegurar a pluralidade do Estado Brasileiro na perspectiva tnica
e cultural, tal como constitucionalmente determinada( 6 Cmara da Coordenao e
Reviso do Ministrio Pblico Federal)20
Por fim, a existncia e atuao da 6 Cmara de Coordenao e Reviso do
Ministrio Pblico Federal o exemplo concreto do intercmbio decisrio que se
dera entre a Subcomisso do Poder Judicirio e do Ministrio Pblico e a Subcomisso
das Minorias, ou seja, as demandas que entraram pela segunda impactaram nos
20 Fonte: 6 Cmara da Coordenao e Reviso do Ministrio Pblico Federal. Disponvel emhttp://ccr6.pgr.mpf.gov.br/institucional/apresentacao/apresentacao_txt, acesso em 03/12/2008.
http://ccr6.pgr.mpf.gov.br/institucional/apresentacao/apresentacao_txthttp://ccr6.pgr.mpf.gov.br/institucional/apresentacao/apresentacao_txt8/8/2019 O Processo de Fortalecimento do MPF na ANC/1987 e sua atuao no Art 68 ADCT/CF-88
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trabalhos do MP. Este, por sua vez, no discutira pontos de atuao em sua
Subcomisso, somente discutira a atuao em prol de interesses coletivos, difusos,
individuais homogneostermos gerais.
A 6 Cmara da Procuradoria Geral da Repblica responsvel pela defesa dosdireitos de minorias, no necessariamente tnicas. Por ela se d a defesa do direito de
propriedade de remanescentes de quilombo, prescrito no Artigo 68 e efetivado por meio
da elaborao de pareceres e participao em reunies e audincias pblicas sobre
conflitos, regularizao de territrios quilombolas, aes emergenciais nas comunidades
quilombolas, impactos de grandes projetos, proposta de Projeto Legislativo, discusses
e propostas de mudana da Instruo Normativa do Incra, alimentao do Banco de
Dados das Comunidades Quilombolas, entre outras atividades, complementadas por
Reunies regulares do GT-Quilombo da 6 CCR.
O Grupo de Trabalho Quilombos, Povos e Comunidades Tradicionais tem como
objetivos principais: assegurar que a comunidade se mantenha na posse do territrio
enquanto o Processo Judicial ou Administrativo est em curso; adotar procedimentos
necessrios titulao, quando da prvia autoidentificao do grupo; verificar a
exigncia de certificao pela Fundao Cultural Palmares de autoatribuio do grupo,
o Decreto 4.887/200321, bem como a aplicabilidade da Conveno 169 s Comunidades
Remanescentes de Quilombos.
A especificidade desses termos teve porta de entrada em outra subcomisso, a
das Minorias, e este fato fizera com o MP consolidasse suas diretrizes de atuao em
cima de decises de uma subcomisso diversa da sua.
Nesse contexto, retomando, est a 6 Cmara, brao do MPF que atua
exclusivamente em defesa de direitos de indgenas e minorias, assuntos especficos que
no fizeram parte dos debates na Subcomisso do Poder Judicirio e do Ministrio
Pblico. As discusses da Subcomisso do MP, ponto forte de seu lobby, foram acerca
de seu fortalecimento e expanso de suas atribuies, tomadas de forma
demasiadamente gerais. Direitos especficos, coletivos ou individuais, no tiveram
como porta de entrada a Subcomisso do MP, que hoje neles atua; esses direitos (tal o
21 Decreto n 4.887 de 20 de novembro de 2003, que regulamenta o procedimento para identificao,reconhecimento, delimitao, demarcao e titulao das terras ocupadas por remanescentes dascomunidades dos quilombos de que trata o Art. 68 do ADCT. Disponvel emhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2003/D4887.htm, acesso em 03/12/2008.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2003/D4887.htmhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2003/D4887.htm8/8/2019 O Processo de Fortalecimento do MPF na ANC/1987 e sua atuao no Art 68 ADCT/CF-88
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caso do Art. 68) so oriundos de outras Subcomisses da ANC e atualmente constituem
lcus de atuao e defesa pelo Ministrio Pblico.
Na Procuradoria da Repblica no Estado de So Paulo, a atuao do Ministrio
Pblico Federal no tocante s Aes Civis Pblicas se d por Ofcios, cada qualrelacionado a uma Cmara da Procuradoria Geral da Repblica. Desse modo, tem-se o
1 Ofcio Meio Ambiente, Patrimnio Histrico Cultural, ndios e Populaes
Tradicionais e o 4 Ofcio Famlia, Criana, Adolescente, Idoso, Portador de
Deficincia e Cidadania, vinculados 6 Cmara de Coordenao e Reviso. Ambos os
Ofcios atuam na defesa e efetivao do Art. 68 ADCT/CF-88.
Concluses
V-se que, embora o processo de elaborao constitucional tenha se dado de
forma descentralizada, atravs de 24 subcomisses autnomas, as questes por elas
tratadas em separado se intercruzam na prtica. Presses que incidiram na Subcomisso
de Negros e Minorias acabaram por ecoar na atuao do Ministrio Pblico, na medida
em que este tem como prerrogativa a defesa dos variados interesses socais interesses
coletivos, difusos e individuais homogneos. O Ministrio Pblico que surgira aps a
promulgao da Carta Constitucional mostra-se fortalecido, o Quarto Poder dentre os
Poderes de Estado.
Embora o direito prescrito no Art.68 do ADCT no se enquadrasse no lobby do
Ministrio Pblico, consolidado na Carta de Curitiba, ele atualmente foco da atuao
da Instituio. Veem-se reflexos dos interesses defendidos pela Conamp nas atribuies
atuais da instituio a qual representa, que resplandece fortalecida aps a promulgao
da Constituio enquanto representante dos fins aos quais se propunha durante o
processo constituinte. Fins estes que, pelas rachaduras hermenuticas do direito
positivo, passam por uma expanso: passam a abranger assuntos pontuais e questes
peculiares, tal como a questo quilombola.
A fora poltica de uma corporao de classe deu demonstraes efetivas no
caso considerado e faz-se presente na atuao do Ministrio Pblico nos dias de hoje.
Em paralelo, viu-se a fora de ideologias, do Movimento Negro Unificado e dos
partidos vinculados causa, que se concretizou na redao do Artigo 68 do ADCT/CF-
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88. Esse ponto da interseco: presses paralelas, que deram entrada atravs de
Subcomisses diversas e seguiram caminhos distintos, mas que chegam ento ao
cruzamento no momento da aplicao.
Indica-se, portanto, o processo de fortalecimento pelo qual passou o MinistrioPblico, este que ganhou prerrogativas que extrapolam seu prprio lobby, considerando
a ampliao dos direitos de cidadania e a incorporao dos direitos sociais,
supraindividuais, aos tradicionais direitos de natureza individual, civis e polticos, que
ampliaram o lcus de atuao da Instituio. O MP, ento, se fortalece e se consolida
como o defensor da ordem jurdica, do regime democrtico e dos interesses sociais e
individuais disponveis, ele (o Ministrio Pblico) chamado a agir em novas reas,
cabendo instituio salvaguardar e proteger interesses e direitos constitucionalmente
previstos (Sadek, 1999:5-6).
Bibliografia
Referncias a Documentos Oficiais e Sites
6. Cmara de Coordenao e Reviso. Cidadania, ndios e Minorias. Procuradoria daRepblica. Ministrio Pblico Federal. http://ccr6.pgr.mpf.gov.br/
ANAIS DA ASSEMBLIA NACIONAL CONSTITUINTE, 1987/1988.http://www.senado.gov.br/legislacao/BasesHist/asp; acesso em 09/11/2008.
ASSEMBLIA NACIONAL CONSTITUINTE, Atas de Comisses, Comisso daOrdem Social, Subcomisso dos Negros, Populaes Indgenas, Pessoas Deficientes eMinorias, 1987.
ASSEMBLIA NACIONAL CONSTITUINTE, Atas de Comisses, Comisso daOrganizao e Sistema de Governo, Subcomisso do Poder Judicirio e do MinistrioPblico, 1987.
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Recebido em 04 de junho de 2009
Aprovado em 17 de setembro de 2009
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