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SALVADOR QUARTA-FEIRA 20/11/2013 7FIM DE JOGO PARA O RACISMO ESPECIAL CONSCIÊNCIA NEGRA

ATACANTEAUTODEFINE-SE PARDO

Novo xodó da torcida doVitória, o atacante WilliamHenrique é paulista.Ele diz que desconhece,até agora, práticas deracismo, tanto nosgramados como fora deles.William autodefine-se comode cor parda

40 mil réis à acusadora para re-tirar a denúncia. Foi uma ten-tativa frustradadeabafaro caso.O jogador deixou o campo inú-meras vezes acompanhado pe-las injúrias de cunho racista.

BatalhaO cenário mudou para Leônidasem 1939. Já no Flamengo, econsagrado pela Seleção Brasi-leira, passouagozardeprestígioe fama como jogador.

O futebol vivia os primeirosanosdeprofissionalismocomjo-gadores contratados e receben-do salários em vez de prêmios ebichos. E o inventor do “gol debicicleta” transformou-se no ga-roto-propaganda do chocolateDiamante Negro.

A trajetória inaugurada porLeônidas, de romper o colar depreconceito até provar o docesabor do reconhecimento, virourealidade para atletas negros,como Pelé, que, inclusive, é oexpoente da excelência.

“O futebol é uma das únicasáreas em que a cor da pele nãoinfluencia na escolha dos me-lhoresdeumapartida. Emváriasoutras áreas, o racismo torna-seelemento para definir candida-tos que disputam um mesmocargo”, diz Lidivaldo Britto, pro-curador de justiça e membro doMinistério Público da Bahia.

Britto comandou a primeirapromotoria especializada emcombate ao racismo e intolerân-cia religiosa do País, sediada em

Salvador e criada em 1997.Masse,emcampo,apresença

negra é constante, em outrasáreas do futebol a ausência delatraduz um vazio representativo.Contabilizando as funções detécnico e dirigente, há uma drás-tica redução de negros nas po-sições de comando.

“Isso é uma prova de que,apesar de o negro ser reconhe-cidamente bom no futebol, o ra-cismo continua existindo. Ele éretirado da função de comandopor uma falsa compreensão deque não é apto para ocupá-la”,completa Lidivaldo Britto.

Dos 20 clubes da Série A doCampeonato Brasileiro em2013, apenas dois têm técnicosnegros: o Bahia, com Cristóvão

Borges, e o Flamengo que pro-moveu o auxiliar Jayme de Al-meida.Entrepresidentesdosclu-bes não há negros.

Em entrevista concedida aojornal A TARDE, em agosto desteano, Cristóvão atrelou seu su-cesso na profissão à luta pelaigualdade racial.

“Minha bandeira como negroé dar certo no futebol. Sei queisso possibilita uma mudança dementalidade, de conceitos e cos-tumes. É um desafio que me es-timula”, disse na ocasião.

Sem rodeios, o técnico JorgeLuís Andrade da Silva, mais co-nhecido como Andrade, diz queracismo é o motivo da sua atualcondição de desempregado (Verentrevista).

De acordo com Carlos Moore,doutor em ciências humanas pe-la Universidade de Paris VII, aausênciadenegrosemcargosdecomando no futebol é um re-flexo da própria sociedade.

“O negro não ocupa cargo decomando no Brasil. Não detémpodereconômicoenempolítico.Quando um negro ascende so-cialmente, seja como presidenteda Corte Suprema do país ou nofutebol, ele faz isso individual-mente. Não como parte de umcoletivo”, diz.

Cadê as raízes?OantropólogoCarlosMoore res-salta ainda que, em muitos ca-sos,aascensãodonegroéacom-panhada pela apropriação de

JOGADOR EVITALEMBRAR DE RACISMO

Ídolo do Vitória,Marquinhos conta que já foivítima de um caso deracismo. A experiênciadeixou marcas tãoprofundas que, ainda hoje,o jogador evita contaros detalhes do episódio

símbolos que negam a própriacultura afro-brasileira.

“Para o jogador negro que as-cende na vida, ter um carro euma mulher branca o colocamem outro patamar de aceitação.Nesse caso, até a mulher brancaestá inserida no contexto de ra-cismo,pois ela se transformaemmercadoria com simbolismo”.

O jogador Anderson Talisca,19 anos, recém-puxado das di-visões de base do Bahia, pareceseguir o padrão estabelecido deuma ascensão social rápida,alheia aos signos de uma iden-tidade negra.

Joias, roupas de grife, carroimportado – avaliado em tornode R$ 70 mil – e o relaciona-mento estável com uma jovem ebela mulher loura fazem parte ocotidiano do meia, que autode-fine-se negro.

“É o crescimento da vida. Ascoisasaconteceramnaturalmen-te. Tinha acabado de ir para aSeleção Brasileira (sub-20)quando começamos a namorar.Na verdade, somos quase ca-sados. Moramos juntos. A AnnaPaula Ramos já é minha esposa.Ela é branca, mas está ficandopreta de tanto tomar sol”, diz ojogador, aos risos.

Ainda que tenha mudado depadrão de vida e já ostente bensconsideráveis, o volante Feijão,do Bahia, caminha na contra-mão de seus colegas.

Ele não abusa dos adornos esegue o relacionamento com agarota que namorava antes dafama. “Ela é como eu, negra. Omais importante é a pessoa gos-tar da outra, isso é o que conta.Mas eu gosto das negonas”.

OprofessorCarlosMoorepon-tua a tomada de consciência ra-cial como um fenômeno que po-derá alterar o modelo vigenteentre os relacionamentos afeti-vos no mundo do futebol.

“Não quer dizer que as pes-soas não tenham o livre direitode se relacionar com quem qui-serem, independentemente dacor. Mas a conscientização po-lítica e social e a ascensão daclasse média negra vão mudarmuita coisa”, afirma.

Enquanto isso, o racismo ain-da é um assunto com status detabu para alguns jogadores. Opaulista William Henrique, queganhou da torcida do Vitória–time que defende como atacan-te– o apelido de Pica-Pau, au-todefine-se pardo.

Ele diz nunca ter presenciadocenas de racismo no futebol, oumesmo fora dos campos. “Nun-ca aconteceu comigo e nem comalguém que eu conheça. Podeaté serqueexistao racismo,masnunca vi de perto. Para mim, écomplicado falar disso”.

Já Marquinhos, cria das divi-sõesdebasedoVitória, relatatersofrido preconceito racial, em-bora não revele detalhes. “Éuma situação muito chata. Difícilaté entender por que está acon-tecendo. Não consegui reagir.Hoje, prefiro nem falar sobre ocaso”, acrescenta.

O advogado, professor e ati-vista do movimento negro, Sa-muel Vida diz que é ilusão acharque ascensão econômica elimi-na o racismo.

“O jogador de futebol, mes-mo bem remunerado e famoso,não está livre do racismo. Esta éuma tragédia social com umgrau de refinamento que superaa mera questão econômica”.

O jogador Feijão diz ter cons-ciência de que o racismo existeno campo e fora dele.

“Quando eu estava na divisãode base, tinha os grupinhos dosgarotos brancos e ricos que meexcluíam. Espero que um dia aspessoas passem a ter mais res-peito com o nosso povo. Se al-guém falar mal de preto, eu meaborreço logo”, garante.

COLABOROU CLEIDIANA RAMOS

CENTENÁRIODO GÊNIO

Este ano foi ocentenário deLeônidas daSilva, oDiamanteNegro O REI E O

RACISMO

“Pelé: Estrelanegra em camposverdes”, deAngelica Basthi,analisa passos doRei do Futebol

A PERFEIÇÃODE GARRINCHA

Trajetória docraque estárelatada em“EstrelaSolitária”, deRuy Castro

Eduardo Martins/ Ag. A TARDE

Eduardo Martins / Ag. A TARDE

Raul Spinassé / Ag. A TARDE

ARMADO CONTRAO PRECONCEITO

Volante do tricolor baiano,Feijão afirma terconsciência da ocorrênciade racismo tanto dentro decampo como fora dele.Contudo, afirma queenfrenta o que for precisopara coibir este tipo deprática, que é crime

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