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Poesia no ensino fundamental
SERRATO, Andrea Alessandra – SEED PRandreaserrato@seed.pr.gov.br¹
ZAPONNE, Mirian Yaegashi Hisae- UEM²
Resumo
Este artigo apresenta resultados da implementação pedagógica realizada no Colégio Estadual Branca da Mota Fernandes, localizado na cidade de Maringá – Paraná, com alunos do sexto ano e aborda questões que envolvem a prática da leitura de poesia, uma vez que este gênero precisa ser resgatado em sala de aula. Propõe o estudo da poesia e a leitura do texto literário como objeto de entretenimento e de arte, distinguindo-se pela forma como este utiliza a linguagem, além de incentivar o aluno a ver o mundo como cidadão capaz de refletir e questionar sobre as diferentes formas de leitura. Para tanto, foram utilizados vários poemas da literatura infantil bem como algumas músicas destinadas às crianças que fizeram a leitura e identificaram as convenções do texto poético presentes nas obras propostas.
Palavras Chaves: Leitura. Texto poético. Literatura
AbstractThis article presents results of implementing pedagogical held in State College Branca Fernandes da Mota, with students in their sixth year and addresses issues involving the practice of reading poetry, since this genre needs to be rescued in the classroom, Suggests the study of poetry and the reading of literary texts as objects of entertainment and art, distinguished by how it uses the language and encourage the student to see you and the world as citizens able to reflect and inquire about the different forms of reading. For this purpose, we used several poems of children's literature as well as some songs for children who have reading and identified the conventions of poetry in the works proposed.
Keywords: Reading. poetic text. Literature
¹ Profª do Colégio Estadual Branca da Mota Fernandes- participante do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE- 2010
² Professora do Departamento de Letras da Universidade Estadual de Maringá e do Programa de Pós-Graduação em Letras.
INTRODUÇÃO
Considerando a visão pragmática do ensino que parece privilegiar
conteúdos que tenham aplicação prática na vida dos estudantes, o ensino da
poesia enquanto arte da palavra e seus desdobramentos lúdicos pouco têm
sido trabalhados no ensino fundamental. Os professores questionam o ensino
deste gênero textual devido à dificuldade de ensinar poesia e de incentivar
sua leitura e criação junto aos alunos. Ouve-se, com frequência, os seguintes
questionamentos: Como ensinar poesia? Quais conteúdos podem se ensinar
associados à leitura de poesia? Como fazer nossos alunos a lerem e
escreverem poemas? Entretanto, não basta questionar, é preciso buscar
recursos e apoio para que os alunos tenham acesso a esse fascinante
conhecimento, por meio de análise, produção textual, desenhos, pinturas,
declamações e assim, alimentar o hábito pela leitura, sobretudo a literária.
Tendo em vista esses pontos de vista, desenvolveu-se no Colégio Estadual
Branca da Mota Fernandes, localizado na cidade de Maringá-Paraná, o
projeto A poesia infantil como estímulo para aprendizagem de literatura,
visando o estudo de poemas e de sua forma artística particular, a fim de
colaborar com a formação de leitores literários.
DESENVOLVIMENTO
Todas as reportagens e mídias nos levam a crer que temos um ponto
comum sobre a leitura: é muito importante ler. Pais, professores, televisão,
todos nos falam o quão fundamental é a leitura para o desenvolvimento do
aluno. Pesquisas mostram que os alunos estão lendo, mas quais são essas
leituras? De acordo com Zappone (2007) a leitura tem sido feita para
aquisição de conhecimento ou informação, para entretenimento e fruição. A
leitura do texto literário, principalmente da poesia, tem sido deixada de lado
mesmo sendo este fundamental na formação do indivíduo, visto que o valor
da poesia enfocando a imitação (mimesis) fornece uma saída segura para a
libertação de emoções intensas favorecendo uma valiosa experiência lúdica
e cognitiva. As figuras de linguagem usadas na poesia são fundamentais
para a construção desse conhecimento. Culler (1999) nos fala da
importância do uso dessas figuras:
A metáfora e a metonímia são as duas estruturas fundamentais da linguagem: se a metáfora se liga por meio da semelhança, a metonímia se liga por meio da contiguidade”. A metonímia se move de uma coisa para outra que lhe é contígua como quando dizemos “a Coroa” em lugar de “a Rainha”. A metonímia produz ordem ligando coisas em séries espaciais e temporais, se movendo de uma coisa para outra no interior de um dado domínio, ao invés de ligar um domínio ao outro, como faz a metáfora. Outros teóricos acrescentam a sinédoque e a ironia para completar a lista dos “quatro tropos principais. (CULLER,1999, p.74)
Quando o aluno é capaz de perceber esse uso amplo da linguagem e
suas estruturas, ele se torna capaz de compreender os sentidos produzidos
numa grande variedade de discursos.
A literatura pode ser divida em gêneros, ou seja, conjuntos de
convenções e expectativas que podem nos oferecer importantes indícios
para perceber os significados dos textos. Culler (1999) nos diz que as obras
literárias podem ser divididas em gêneros de acordo com quem fala. O
gênero poético ou lírico caracteriza-se como aquele em que o narrador fala
em 1° pessoa, épico ou narrativo em que o narrador fala em sua própria voz,
mas permite aos personagens falarem, e o dramático em que só as
personagens falam. É no gênero lírico, na poesia, que se focalizou a maior
atenção deste projeto, visto que este é um tipo de texto na qual, como afirma
Zappone:
(...) todas as características do texto literário encontram-se potencializadas e no qual a percepção do mundo do leitor é colocada em suspenso pela percepção do mundo, da vida e dos seres criados pelo poeta. Por essas razões, a leitura da poesia na escola tem uma função significativa da qual, pais, professores e alunos não podem prescindir, sob pena de se formar leitores incapazes de ler e perceber além do que os olhos não veem, como se a leitura fosse apenas exercício mecânico de decodificação.(ZAPPONE, 2007, p.84).
O gênero lírico ou a poesia é uma das artes tradicionais pela qual a
linguagem humana é utilizada com fins estéticos. Ela pode retratar tudo
dependendo da imaginação do autor e do leitor. Esse gênero textual leva em
conta o sentimento e a subjetividade no tratamento dos temas escolhidos pelos
autores. Os poemas não possuem restrições temáticas, podendo abordar todos
os assuntos, inclusive os problemas e desequilíbrios sociais, demonstrando
uma atitude reflexiva sobre o nosso cotidiano e a realidade que nos cerca.
Associando, portanto, sua forma esteticamente elaborada e seus conteúdos
amplos, a poesia torna-se fundamental na sala de aula e na formação dos
leitores mirins. Entretanto, um aspecto se revela fundamental quando se trata
do ensino deste gênero literário: o que é preciso fazer para ensinar poesia?
Vários autores, ao discutirem a leitura literária, postulam que se trata de uma
prática específica de leitura, pois esta depende de uma formação particular do
leitor, ou seja, para ler um texto literário, seja uma poesia, um conto, uma
narrativa, uma epopéia ou outro, o leitor precisa conhecer o modo de
funcionamento de cada uma dessas formas literárias, denominadas por
Hansen (2005) como convenções da escrita ficcional. Ao abordar a questão da
leitura literária, o autor afirma a necessidade do conhecimento dos códigos que
regem a escrita literária:
Para que uma leitura se especifique como leitura literária, é consensual que o leitor deva ser capaz de ocupar a posição semiótica do destinatário do texto, refazendo os processos autorais de invenção que produzem o efeito de fingimento. Idealmente, o leitor deve coincidir com o destinatário para receber a informação de modo adequado. Essa coincidência é prescrita pelos modelos dos gêneros e pelos estilos, que funcionam como reguladores sociais da recepção, compondo destinatários específicos dotados de competências diversificadas; mas a coincidência é apenas teórica, quando observamos o intervalo temporal e semântico existente entre0 destinatário e leitor. Assim, a leitura literária é uma poética parcial ou uma produção assimétrica de sentido. (HASEN, 2005, p.20)
A leitura literária é uma experiência do imaginário figurado nos textos feita em liberdade condicional. Para fazê-la, o leitor deve refazer – e insisto no “deve” – as convenções simbólicas do texto, entendendo-as como procedimentos técnicos de um ato de fingir. (Idem, p.26)
Aguiar (2000) também defende posição semelhante, ao afirmar que a
leitura do texto literário e, conseqüentemente, a leitura efetuada pela crítica
necessitam observar o decoro particular dos textos literários, ou seja, a leitura
literária tem como condição básica o conhecimento das normativas que regem
o decoro particular das composições literária. Assim, ler literariamente implica
conhecer tais regras e interpretá-las:
Toda obra de arte impõe um decoro particular. No nível mais simples, diríamos: de personagens cômicos, esperamos gestos cômicos; de trágicos, trágicos; e assim por diante. Mas há questões mais complexas. Ao lermos um romance, veremos seres – (...) – os personagens – muito parecidos conosco, as pessoas, digamos, reais. Mas eles não são nós. Não agem, no fundo, como nós. Pode-se dizer que são melhores do que nós. Não padecem da incoerência do nosso cotidiano. (...) Na arte, o vilão mais vilão será sempre mais virtuoso do que o mais virtuoso santo na vida real. Há um comportamento, portanto, que é próprio desse mundo, e que só a ele pertence. A esse conjunto de expectativas geradas e de gestos que com elas estejam de acordo, chamamos decoro. Um conceito fundamental para entender o valor de uma obra literária, até porque hoje muitos efeitos surpreendentes derivam de quebras pertinentes do decoro, que geram ironias e despertam a reflexão. (AGUIAR, 2000, pp. 20-21).
Assim, portanto, um leitor sem uma formação sobre as
particularidades do discurso literário, poderia, inicialmente, ao ler um poema,
pensar que é o poeta o dono daqueles sentimentos; mas isso não é
necessariamente verdade, pois não podemos confundir tais elementos, haja
vista que o autor é quem cria e o eu-lírico representa um ser criado para
expressar as emoções intuídas pela autoria do poema. Em cada obra literária
com a qual o leitor se depara existe um sistema de composição específico,
características que lhe são próprias e que precisam ser conhecidas do leitor.
Um leitor literário só é formado a partir da apropriação dessas convenções que
oferecem chave para a compreensão do texto, como afirma Zappone:
[...] sem o conhecimento dessas regras e convenções, entretanto, a leitura literária fica sendo um grande faz de conta, pois os alunos raramente compreendem o texto, raramente produzem para eles sentidos pertinentes, e terminam por acatar vozes do professor, da crítica do livro didático, que dizem que o texto significa isso ou aquilo, pois
lhe faltam as chaves da compreensão (ZAPPONE, 2007, p.11).
O ensinar poesia, portanto, exige o ensino dos conhecimentos
necessários para que realmente ocorra a leitura dos textos poéticos por parte
dos alunos. Estudos de Culler (1999) enfatizam que na leitura dos textos
poéticos devem ser observadas as convenções que se estabeleçam e
merecem atenção: a ficcionalidade, a organização da linguagem e a função
estética.
Os aspectos de ficcionalidade manifestam-se mediante a criação de um
mundo imaginário, no qual acontecimentos e indivíduos são inventados pelo
poeta e parecem reais, porém não o são. Todas as emoções, sentimentos e
ideias presentes nos poemas, embora possam parecer reais, podem não
encontram existência real fora do discurso literário, pois são ficcionais,
imitações de sentimentos, idéias e emoções reais, característica conhecida
como o caráter de ficcionalidade do discurso literário. Ela se manifesta num
texto quando é possível lê-lo como sendo o resultado de um ato de fingir
(Hansen, 2004, p.16). Ao mesmo tempo, é importante ressaltar, este texto que
operacionaliza este fingimento do possível é, também, imotivado, pois:
(...) suas asserções [do discurso literário] não implicam a identidade entre o discurso e a materialidade das coisas e dos estados de coisas figurados nele. A materialidade das coisas é posicionada, situada, perspectivada ou dramatizada: o texto efetua uma materialidade auto-referencial ou pseudo-referencial, pois a existência real das coisas ou eventos representado nele não é pertinente para sua significação. (HANSEN, 2005, p.19).
Outro aspecto importante na leitura de poemas é a organização da
linguagem que difere do uso habitual, por isso é necessário especial atenção
à estrutura e à relação das palavras, pois palavras e estrutura sonora se
relacionam para produzir um sentido global para o texto e um sentido para o
leitor. Culler (1999) também fala sobre a função estética da linguagem
poética, ou seja, utilizada para proporcionar a fruição, gratuidade. A função
estética é demarcada pela gratuidade, ou seja, a criação do texto poético é
espontânea e desinteressada e não possui finalidade específica como
discussão, convencimento ou informação. A poesia faz recordar, funde o
mundo interior e exterior onde não há uma lógica precisa e misturam-se o
mundo, o eu e a estrutura da língua, como salienta Cunha (1976):
É indiscutível a afetividade e a emotividade do clima lírico, sempre ligado ao íntimo e ao sentimento, tornando fluida e inconsistente a relação entre o sujeito e o objeto, isto é, entre o eu e o mundo. [...] a atitude fundamental lírica é o não distanciamento, a fusão do sujeito e do objeto, pois o estado anímico envolve tudo, mundo interior e exterior, passado, presente e futuro. (CUNHA, 1975, p.98)
Tendo isso em vista, para ler os textos poéticos é necessário
considerar as características do gênero e sua construção estilística. São
características principais do gênero lírico a criação por parte do autor, de um
eu-lírico (voz criada pelo poeta que fala dentro do texto) e que mimetiza uma
existência no poema. Como salienta, Cunha, entre este “Eu” e o mundo,
estabelece-se uma relação fluida e inconsistente que se estabelece entre o
mundo interior, o exterior e o tempo, numa explosão de sensações e
emoções centradas no emissor. Ao mesmo tempo e em função disso, aflora
no texto uma linguagem que nos parece ser analógica e a utilização de
recursos estilísticos como a musicalidade, as repetições, o desvio da norma
gramatical.
Conhecer as particularidades da construção do texto poético é um
pré-requisito fundamental para pensar os seus modos de leitura. De acordo
com Goldstein (1989), na leitura mais aprofundada dos textos poéticos uma
visada nos chamados níveis do poema podem auxiliar muito na
compreensão dos sentidos presentes nos textos poéticos. Tais níveis são
apresentados a seguir.
O nível sonoro refere-se a uma das características marcantes da
composição poética que é a musicalidade da linguagem, obtida através de
uma elaboração especial do ritmo e dos meios sonoros da língua, criados a
partir do uso de rimas, ritmos ou alternâncias de sílabas tônicas e átonas, de
a assonância, aliteração e outros recursos sonoros. A camada fônica do
poema se faz de tal forma que é possível estabelecer uma identificação
entre o sentido das palavras e sua sonoridade, de forma que, na
interpretação de um poema tornam-se importantes tanto os traços
semânticos quanto os não-semânticos, como salienta Culler, quando se
concebe um poema como uma construção verbal:
Para o poema concebido como construção verbal, uma questão importante é a relação entre o sentido e os traços não-semânticos da linguagem, tais como som e ritmo. Como funcionam os traços não-semânticos da linguagem? Que efeitos, conscientes e inconscientes, tem? Que tipos de interação entre os traços semânticos e nâo-semânticos podem ser esperados? (Culler, 1999, p. 76)
A repetição de versos, palavras ou estrofes inteiras também se
relaciona diretamente à musicalidade. Os sons e efeitos sonoros só
adquirem sentido quando apoiados em outros elementos do texto. A análise
do ritmo do poema abarca, também, a metrificação ou versificação que
consiste em medir o tamanho dos versos, separando-os em sílabas
poéticas. A forma como o poema é composto dá-lhe uma conformação
musical. A rima, que ocorre pela igualdade de sons presente, geralmente no
final dos versos também caracteriza a sonoridade e musicalidade ao poema.
Quanto ao nível lexical, trata-se da composição das palavras, do
léxico que compõe o poema, o vocabulário, revela se o nível é culto ou
coloquial, a identificação da categoria gramatical à qual pertencem as
palavras e que também estão associadas ao sentido do texto, por exemplo,
verbos de ação indicam movimento, dinamismo; verbos de estado,
estaticidade, o uso da 1º pessoa verbal implica em maior subjetividade;
ausência verbal mostra uma expectativa incerta e outras correlações que
podem ser feitas caso a caso.
O nível gráfico manifesta-se por meio do espaço que o poema ocupa
na página configurando o seu aspecto visual - versos e estrofes - e que
produzem efeitos particulares para o leitor sobretudo quando correlacionado
aos aspectos semânticos do texto.
O nível sintático, por sua vez, refere-se à organização sintática do
texto que se articulação em função das idéias. Assim, o nível sintático
abarca o modo como as palavras se organizam em sintagmas, frases,
períodos e orações, produzindo sentidos e articulações entre eles dentro do
texto. O leitor pode acessar a organização sintática do texto através da sua
pontuação, dos tipos de períodos do texto (longos ou curtos) e até mesmo
através da omissão de determinados termos: elipses, interrogações,
reticências, inversões sintáticas podem apontar o caminho para a
interpretação de um poema.
O nível semântico, finalmente, relaciona-se ao sentido particular das
palavras e ao sentido global do poema, sendo, por esta razão, um dos níveis
mais importantes de estudo e atenção por parte do leitor. Sendo o nível
semântico aquele relacionado aos sentidos, a ele pertence o estudo das
figuras de linguagem. Segue-se entre elas a comparação, a metáfora, estas
figuras de grande efeito; a alegoria; a sinestesia; que sugere impressões
ligadas aos cinco sentidos; a metonímia; o emprego de um termo por outro;
a antítese aproximação de ideias contrárias; o paradoxo, a ironia entre
outros
Ao associar todas essas estruturas ou níveis durante a leitura dos
poemas, o aluno será capaz de reconhecer no processo o sentido global do
texto sem esquecer também que cada um lê a partir do seu contexto, do seu
conhecimento de mundo e aos poucos o leitor vai se apropriando da poesia
e enriquecendo a sua vida através do olhar do poeta.
A escola, agência disseminadora do saber científico, deve ser capaz
de propiciar ao aluno o letramento literário, compreendido neste texto como
o conjunto de práticas sociais que utilizam a escrita literária, ou seja, a
escrita ficcional. Assim, são práticas de leitura literária tanto a leitura de
textos escritos quanto de textos construídos a partir de outros sistemas
semióticos (telenovelas, teatro, séries televisivas, cordel, cinema e outros).
Neste sentido, o texto poético, já consagrado e canonizado nas instituições
de ensino, são fundamentais para a ampliação do grau de letramento
literário dos alunos. E a escola, lugar privilegiado para o seu ensino, deve
capacitá-lo para entender as convenções do texto poético a fim de que o
aluno possa interagir com ele de forma mais completa e rica, ao promover
um letramento que faça sentido na vida do aluno.
Tendo em vista os problemas apresentados e os estudos realizados
sobre a poesia, o projeto A poesia infantil como estímulo para aprendizagem
de literatura buscou alternativas de ensino para a leitura de textos poéticos,
pressupondo que para esta se efetive, é fundamental o conhecimento das
convenções do texto poético, tal como se apresentou anteriormente.
O projeto foi implementado no 6º ano do Ensino Fundamental do
Colégio Estadual Branca da Mota Fernandes, tendo como objetivo incentivar o
aluno a ver o mundo como cidadão capaz de refletir e questionar sobre as
diferentes formas de literatura, principalmente do texto poético, vendo-o como
um objeto de entretenimento e arte, distinguindo-se pela forma como este usa
a linguagem. Nessa perspectiva, foram propostas várias estratégias de leitura
com os alunos a fim de que se divertissem e, ao mesmo tempo, ampliassem
seu repertório de leituras, pois se percebe que a leitura do texto poético na
escola tem sido relegada a um segundo plano e, muitas vezes, até esquecida.
Existe também uma grande falta de material apropriado e de qualidade para
que professores se preparem e organizem suas aulas. Por isso, esse trabalho
se propôs a suprir um pouco essa falta e estimular a criatividade do professor
para que ele possa trazer ao educando o desejo de ler poemas de uma forma
agradável e interessante.
Visto ser o texto poético extremamente importante para despertar a
sensibilidade e o gosto literário dos alunos, é necessário que eles saibam
compreendê-lo em todos os seus aspectos e especificidades e para isso é
necessário que compreendam algumas características fundamentais da poesia
a fim de absorvê-la em toda a sua plenitude. A poesia enquanto texto literário
apresenta elementos relacionados à valorização da linguagem, por isso,
durante a leitura de um texto poético, o aluno deve atentar para o desenho
sonoro, para a forma de relação entre as palavras, estruturas e sons se
apresentam em relação complexa, sobre o qual é preciso refletir a fim de se
produzir um sentido para o todo e para conseguir esses objetivos foram
desenvolvidas as atividades que serão apresentadas a seguir
No primeiro momento foi apresentado o projeto aos alunos e
questionado se gostavam de poesia e se ela fazia parte do seu dia a dia. As
opiniões na sala ficaram divididas, as meninas, principalmente, disseram que
gostavam e que tinham poemas em seus cadernos,pois falavam de
sentimentos e amor. Os meninos até fizeram brincadeiras falando que eram
textos mais curtos, portanto mais fáceis de ler.
Na primeira aula foi realizada a leitura do poema Pé de nabo, de Sandra
Peres e Paulo Tatit na qual se buscou trabalhar o conceito de “eu-lírico” , pois
o poema era propício para esclarecer esse conceito além de possibilitar que os
alunos também falassem de como se sentiam perante a vida. Ao final, os
alunos puderam ouvir e cantar o poema musicalizado, enfocando também o
ritmo.
Para uma maior compreensão da leitura de poemas foram abordados os
níveis estruturais do poema, objetivando refletir sobre as características de
cada um deles, embora não se enfocasse nas aulas questões teóricas e nem
mesmo se fizesse utilização de nomenclatura teórica. Assim, trabalhou-se o
poema Convite, de José Paulo Paes, no qual os alunos identificaram versos e
estrofes. Através de leitura e pesquisa sobre o nível estrutural do poema, os
alunos trouxeram diversos poemas para leitura onde construíram seus
conceitos sobre versos e estrofes. Para tanto, foram usadas três aulas.
Um dos campos mais importantes da análise de poesia é o nível
semântico, pois é através da semântica que as palavras estabelecem relações
de significados. Nesta perspectiva foram trabalhados, em três aulas, conceitos
de metáforas e comparações no poema. Para fixar esse conceito, foi
trabalhado O leão, de Vinícius de Moraes. Os alunos leram o poema,
assistiram ao vídeo e aprenderam noções de rimas destacando-as no texto.
Depois produziram poemas em que metáforas e comparações estivessem
presentes. Os textos poéticos produzidos pelos alunos foram fixados em um
mural literário.
Por meio de questionamentos orais sobre o poema Baile do Sereno, de
Ruth Rocha, os alunos identificaram a repetição da consoante T. Assim,
perceberam como a sonoridade contribuiu para os efeitos de sentido no texto.
Este poema também foi analisado no nível semântico através dos versos
“Cantador canta a tristeza/,Canta alegria também” nos quais os alunos
observaram palavras com sentido contrário, identificando assim, as antíteses. A
seguir, por meio de produção coletiva, os alunos fizeram textos onde essas
convenções estariam presentes. Para tanto, foram utilizadas três aulas.
Ao retomar o poema Pé de nabo, de Sandra Peres e Paulo Tatit, foi
trabalhado em duas aulas, o hipérbato, onde o desvio da norma gramatical é
empregado para dar maior expressividade ao ritmo, métrica e rima. A seguir, os
alunos leram e ouviram a música Trilhares, de Paulo Tatit e Edith Derdyk, no
qual identificaram outro exemplo de hipérbato. Ao ler o poema Trilhares os
alunos revisaram as convenções estudadas até aquele momento e assimilaram
outra convenção do nível semântico: a prosopopeia. A partir de palavras
isoladas como sorvete, caneta, flores, atribuíram características humanas a
esses seres e produziram quadras, onde foram expostas no mural literário.
Podendo ocorrer em vários níveis (semântico/sintático) a repetição e
onomatopeia usadas no poema O Rato Roque, de Sérgio Caparelli, fez com
que os alunos percebessem a musicalidade presente no texto poético. Neste
mesmo sentido, foi lido o poema narrativo do grupo Palavra cantada, O Rato,
onde a repetição é evidente nos versos: Todo rato tem rabo longo/, todo rato
tem faro esperto/ todo rabo curte escuro, lambe restos/,todo rato deixa
rastro/,atribuindo assim o conceito de anáfora. Nesta etapa, foram utilizadas
três aulas.
Para continuar o trabalho sobre musicalidade, foi pedido aos alunos que
fizessem uma pesquisa sobre parlendas. Muitos alunos trouxeram parlendas,
as quais foram fixadas no mural literário. Por ser um gênero de fácil
compreensão e possuír sonoridade, rimas e versos foi feito uma revisão das
convenções relacionadas à musicalidade e que tinha sido apresentadas até
então.
Da mesma forma que as parlendas, foi trabalhada a cantiga de roda
“Atirei o pau no gato” que, contextualizando com o poema História Embrulhada,
de Elias José, permitiu um trabalho interessante com ritmo, métrica e o resgate
da tradição oral.
A análise do ritmo do poema recorre à metrificação ou versificação.
Quando se lê um poema, além do sentido das palavras, ouve-se também uma
espécie de música. Além do verso, outro traço que se costuma associar ao
poema é a rima, a qual ocorre pela semelhança ou igualdade de sons,
geralmente no final dos versos. Para que os alunos percebessem o ritmo, foi
trabalhada a música Criança não trabalha, do grupo musical Palavra Cantada,
onde o ritmo foi identificado por meio da pronúncia da sílaba tônica e das
rimas. Neste mesmo poema, foi trabalhado outro recurso de nível semântico, o
assíndeto, onde a omissão de conectivos criou um efeito de nivelamento e
simultaneidade entre os detalhes apreendidos, como se percebe nos versos:
lápis, caderno, chiclete, peão/sol,bicicleta, skate, calção/esconderijo,
avião,correria,tambor,gritaria,jardim,confusão. Para finalizar, os alunos
produziram poemas sem conectivos retratando a sua vida escolar.
O último poema analisado foi Balõezinhos, de Manuel Bandeira, onde se
trabalhou o polissíndeto, presente nos seguintes versos: “Vão chegando as
burguesinhas pobres / e as crianças das burguesinhas ricas/ e as mulheres do
povo, e as lavadeiras da redondeza”. Nestes versos, as crianças observaram a
repetição da palavra “e” e concluíram que polissíndeto referia-se à repetição de
conectivos que ligam dois termos.
Em cada um dos poemas usados para atividades desenvolvidas sempre
se procurou dar atenção para o texto e para os seus sentidos, procurando
evitar o que Soares (2001) chama de escolarização inadequada da poesia. Os
poemas foram resgatados pelo seu valor estético pela sua ficcionalidade, pela
linguagem empregada e a leitura do próprio texto visando à apreciação e a
empatia do leitor. Cada um dos textos foi explorado na convencionalidade
poética que mais se sobressaia: aliterações, antíteses, hipérbatos,
personificação, onomatopeia, anáfora, assíndeto, polissíndeto etc.
Ao associar essas estruturas durante a leitura dos poemas, os alunos
reconheceram no processo de formação o sentido global do texto e também
fizeram leitura a partir do seu contexto, do seu conhecimento do mundo e aos
poucos foram se apropriando da poesia e enriquecendo a sua vida através do
olhar do poeta. Para a finalização do projeto, com o objetivo de desenvolver as
habilidades psíquicas, motoras, sociais e lingüísticas dos alunos, foi realizado
um Sarau com a presença de pais, professores e comunidade escolar. Uma
aluna iniciou o sarau apresentando o poema Convite, de José Paulo Paes,
convidando todos os presentes a entrar no mundo do texto poético, . A seguir,
três alunos fizeram a dramatização do poema O leão de Vinícius de Moraes,
com auxílio de fantoches. O poema Baile no sereno, de Ruth Rocha, foi
declamado por outra aluna, os Balõezinhos, de Manuel Bandeira, por outra
aluna que encantou a todos por sua expressividade. Parlendas, Atirei o pau do
gato e o poema A Formiga, de Vinícius de Moraes, foram recitados por três
alunos, respectivamente. História Embrulhada foi recitado por outro aluno.
Todos os alunos do 6º ano B fizeram a apresentação teatral do poema
narrativo O Rato e, para finalizar, todos cantaram a música do grupo musical
Palavra Cantada, Criança não trabalha. Ao final do Sarau foi servido um
coquetel para todos os presentes no evento.
Conclusão
Através dessas atividades, percebeu-se a necessidade de a escola
trabalhar o poema infantil, uma vez que se trata de gênero cuja recepção é
bastante prazerosa por parte dos alunos. Ao mesmo tempo, observou-se a
necessidade de uma abordagem dos textos poéticos, atentando-se para suas
características composicionais, uma vez que sem o conhecimento das
mesmas, os alunos podem encontrar muitas dificuldades para a compreensão
de poemas. Este gênero, assim, como os demais, podem ser mais bem
interpretados quando suas convenções particulares de escrita forem
conhecidas dos leitores. No caso dos poemas, é fundamental que sejam
trabalhados com os alunos, ainda que não se trate teoricamente os conceitos
de ritmo, rima, figuras de linguagem. O trabalho com estes aspectos do
discurso poético permitiram que aos alunos pudessem se apropriar da essência
da poesia, que é um modo de ver as coisas, numa visão que vai além do visível
e do aparente, para captar algo que não se mostra de imediato, mas que pode
ser essencial e formador.
Os poemas foram ensinados como uma resposta a uma necessidade do
aluno, um modo de viver, ver, sentir e experimentar o mundo e a cada
composição poética puderam refletir sobre quem somos, o que pensamos,
sentimos ou buscamos.
O trabalho com estes textos poéticos recuperou a gratuidade de sua
presença na sala de aula, por que fazem parte de nossa cultura e são
experiências variadas que o aluno construiu pela interferência dessa presença,
a sua leitura interpretativa.
As atividades realizadas nos mostraram que é possível ensinar poesia
na escola, no entanto, é necessário que o professor se interesse e queira
trabalhar o novo com empenho e dedicação em prol o aluno, assumir esse
desafio para melhorar a sua prática pedagógica. É muito importante incentivar
o conhecimento da literatura e a prática da leitura, levando o aluno a mergulhar
nesse maravilhoso mundo do poema como forma de entendê-lo, senti-lo, e
também de se expressar falando ao mundo do mundo e do seu próprio
universo.
A interação pela poesia, dessa forma, seria responsável pelo
desenvolvimento da capacidade linguística da criança e do adolescente, por
meio do acesso e familiaridade com a linguagem conativa e refinamento da
sensibilidade para a compreensão de si própria e do mundo, o que faz deste
tipo de linguagem uma ponte entre o indivíduo e a vida, uma vez que a escola
é um espaço privilegiado para efetuar práticas de letramento.
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