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capa da revista aplauso.
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FAMA, ARTE E RECONHECIMENTO: QUE FENÔMENO LEVA BANDAS GAÚCHAS À PAULICEIA EM BUSCA
DO DESVAIRADO SONHO ROCK-AND-ROLL?POR CRISTIANO BASTOS (DE SÃO PAULO, GOIÂNIA E BRASÍLIA – MENOS DE PORTO ALEGRE)
JORNALISTA, COAUTOR DE GAULESES IRREDUTÍVEIS – CAUSOS E ATITUDES DO ROCK GAÚCHO
música
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Imagem cedida por Nelio Rodrigues
POR FAVOR, SUCESSO!
POR FAVOR, SUCESSO!
POR FAVOR, SUCESSO!
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mais de 3 mil léguas submarinas, o telefone ringe:
de Brasília, capital federal, a ligação soa em algum
endereço incerto de Tapes, bucólico recanto irrigado
pela Lagoa dos Patos. Peço por Marco Antônio Figueiredo, vulgo
“Fughetti Luz”. Trata-se do pioneiro homem, que, pode-se pon-
tificar, desferiu para o Brasil a “palhetada fundamental” de um
cancioneiro pop sul-rio-grandense. Dos versos “Ouça menina,
essa nova música/ Que será sucesso durante um mês”, Por
Favor, Sucesso virou fenômeno entre a magrinhagem setentista
gaúcha. Composto em 1969, o hino do Liverpool leva assinatura
do poeta Carlinhos Hartlieb, jovem agitador das concorridas
Rodas de Som daquele tempo. Presentemente, Luz – cuja idade
é mistério maior do que ele próprio – faz outro tipo de súplica:
“Por favor, me deixem em paz!”. Calejado, antes mesmo que
eu me identifique como repórter, o cantor adivinha o mote da
prosa. Malfadado, o bate-papo deveria ser a respeito da profusão
de bandas gaúchas que batem em retirada para tentar a sorte
em São Paulo, centro econômico-cultural do país. Tal como o
Liverpool fez ao pôr o pé na estrada rumo ao Rio de Janeiro 40
anos atrás – quando a fuga tinha no eixo Rio-São Paulo o des-
tino mais cobiçado. Majestade que, de certa forma, os cariocas
perderam. A Meca do rock, hoje, é São Paulo. Em seu intratável,
mas divertido, azedume, Fughetti Luz reina ao telefone: “Não
quero mais falar sobre o Liverpool, não”. A negativa só faz miti-
ficar a reputação de punk por natureza do autor de hits como
Olhai os Lírios do Campo, Bixo da Seda e Trem.
Em 1964, ainda crooner do conjunto Flamboyant, Elis Re-
gina também deu no pé. Do IAPI, em Porto Alegre, direto para
o Rio de Janeiro. Atitude rock, sem dúvida. Ainda mais para
uma mulher cuja arte estava recém começando a amadurecer
naquele primeiro ano de chumbo. Bandas e artistas pop (Os
Cleans, Os Brasas, Almôndegas, Hermes Aquino, Rosa Tattooada,
Garotos da Rua – e muitos outros), em suas respectivas épocas,
nem pestanejaram quando convidados a sair de Porto Alegre.
E, nesse segundo decênio, nossos artesãos do pop, outra vez,
estão na crista da onda. Na eleição dos melhores de 2010 feita
pela revista Rolling Stone, três álbuns gaúchos aparecem no top
25: Fresno, Superguidis e – ora, veja só – Vitor Ramil. Afundado
num sofá da casa da Pública, a conversa que levo com Pedro
Metz, cantor e letrista, versa justamente sobre este ir ou não ir.
Na capital paulista, o casarão onde os guris da banda residem,
ensaiam e compõem, fica em meio à boemia da Vila Madalena.
CARA, CORAGEM E ERVA DE CHIMARRÃOMas o papo, assim como o rock de agora, muito pouco tem
de novo. No gaulês Rio Grande do Sul, historicamente afeito
a pelejas de toda sorte, o debate existe desde o dia em que
cunharam a alquebrada insígnia “rock gaúcho”. Nos áureos anos
1980/1990 (boom do rock brasileiro, como gostam de chamar),
muitas bandas gaúchas dançaram embaladas pelo suingado
esquemão bancado pelas grandes gravadoras. Como destino, as
selváticas plagas cariocas e paulistas. Cara, coragem e, no alforje,
A
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a erva de chimarrão. Grande parte dos retirantes, porém, como
bons filhos à casa retornaram. Em 2001, confessa o frontmen
da Bidê ou Balde, Carlinhos Carneiro, o conjunto passou por altos
e baixos em sua estadia paulista. Dos mais aplaudidos da cena
contemporânea do rock nacional, os guaibenses do Superguidis
se apoderam da famosa frase de Dom Pedro II: “Se é para o bem
de todos e felicidade geral da nação, diga ao povo que ficamos!”,
diz o guitarrista Lucas Pocamacha, parafraseando a História para
justificar permanência em terra pampeana. Ainda.
Em solo bandeirante, Pedro Metz ajeita um carreteiro – “só
para não perder o costume”. Conta que a escolha por São Paulo
foi, acima de tudo, profissional. O perfil macro da cidade pareceu
ideal para as ambições criativas da Pública. Louros, inclusive, re-
pousam na “estante de prêmios” dessa (Re)Pública, onde com alta
rotatividade recebem visitas de congêneres paulistanos. Como
os músicos das bandas Biônica e Rock Rocket. Entre os troféus, a
estatueta arrebatada com o videoclipe de Casa Abandonada na
edição de 2007 do Video Music Brasil. “Nos sentimos desafiados
a tentar”, ressalta Metz, que arremata: “Não curtimos a situação
cômoda que ficar no Rio Grande do Sul representa”. E logo se
reconcilia: “Amamos Porto Alegre”. Parceiro de empreitada, o
baixista Guilherme Almeida (filho do nativista Iraci Rocha) tam-
bém discorre sobre o autoexílio. E fala por todos: “A escolha foi
importantíssima em nossas vidas”. No caso dele, a brincadeira
ainda tem rendido novos sons: além da Pública, Almeida anda
enredado em projetos com Martin (guitarrista da banda de Pitty)
e com Tita Lima – cantora paulistana que é acompanhada pelo
guitarrista Guri Assis Brasil, outro integrante da Pública.
Agora façamos o favor: o caso desfraldado pela banda
porto-alegrense Fresno, estampado em todas as possíveis mídias,
merece ser narrado. Em tempos que a indústria fonográfica
agoniza em mortal concordata, a façanha conseguida por esses
nativos da capital é um admirável triunfo. Autodefinida como
“powerpop-rock-shoegaze” (decerto para espantar a alcunha
À FRENTE DA MODA Em 1969, guiados por Mimi
Lessa (E) e Fughetti Luz (D), o Liverpool pavimentou a estrada
dos retirantes gaúchos
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música
“QUANTAS BANDAS TENTARAM VIR PARA SÃO PAULO E QUEBRARAM A CARA? NA BOA, O SOM DA MAIORIA SERVE APENAS PARA TOCAR EM SEU PRÓPRIO ESTADO. E OLHE LÁ!”GORDO MIRANDA
REPUBLICANOS A Pública foi esquadrinhar seu
lugar ao sol na capital paulista. Louros são colhidos no jardim de
casa. Lema: profissionalismo
HITS EM CASCATA O sucesso nacional da Fresno
não foi pedido a ninguém. Fórmula: imaginação, cortes
de cabelo e profusão de êxitos radiofônicos
Guilherme Thiesen Netto
Divulgação
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de “emo”), a Fresno soube elevar seu cartaz para muito além
dos estertores do underground. Para “além das capitais”, como
cantou Humberto Gessinger. A partir do álbum Ciano, de 2006,
foram incontáveis as aparições da Fresno no meio televisivo.
Incalculável, também, é a miríade de downloads já realizados
de suas músicas. Filho de Camaquã, o baixista Rodrigo Tavares
revela que, no álbum seguinte, Redenção, abraçaram o pop
propositalmente. A jogada arrebatou uma fervorosa turba de
novos fãs, ainda mais ensandecidos. E, como sempre rezou a
missa do rock-and-roll, groupies, muitas groupies.
Simbolicamente, é possível orçar o sucesso da Fresno pelas
láureas que acabam empilhando a cada nova investida. Editado
pela Universal Music, Redenção foi Disco de Ouro. Ou seja: ven-
deu, pelo menos, 50 mil cópias. Para crescer o mito da fama, o
dourado prêmio foi pessoalmente entregue pelo produtor Rick
Bonadio – considerado uma espécie de Midas da manufatura
de rock no Brasil. A notoriedade rendeu à Fresno frutos como,
por exemplo, a participação no programa Estúdio Coca-Cola
Zero, lado a lado com Chitãozinho e Xororó, astros oriundos da
dimensão nem tão paralela assim do gênero “popnejo”. O que
pode ser considerado, no mínimo, psicodélico. A cartada, cabe
lembrar, foi costurada pelo gaúcho Carlos Eduardo Miranda, o
popular “Gordo Miranda”. Miranda é outro mago do pop verde-
amarelo. No pretérito do sucesso, não esqueçamos, o produtor
também curtiu seus tempos de chinelagem. Em Porto Alegre,
integrou formações do Taranatiriça e do Urubu Rei, dirigiu o selo
Banguela (juntamente com os Titãs, e que revelou gente como
Os Raimundos) e fez fama nacional como jurado do programa
Ídolos, quando ainda era exibido pelo SBT. Tal como fazia em
Ídolos, Gordo Miranda não é de poupar neófitos, como deixou
bem claro em depoimento ao livro-reportagem Gauleses Ir-
redutíveis – Causos e Atitudes do Rock Gaúcho, publicado em
2001. “Quantas bandas tentaram vir para São Paulo e quebraram
a cara? Na boa, o som da maioria serve apenas para tocar em
É PRECISO DAR VAZÃO AOS SENTIMENTOS A Bidê pode até “desafinar”, mas o lema da banda justifica “falhas”: “Ame o rock”. Em 2011, os baldes derramarão outro grande álbum no mercado
Andr
é Ca
valh
eiro
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música
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seu próprio Estado. E olhe lá!”. No caso da Fresno, nada mau para
uma gurizada que, em 1999, se juntou para fazer suas versões
de hits do hardcore californiano no esquema “só por diversão”.
Há 12 anos, até o nome era outro: Democratas. Em verdade, o
pulo do gato da Fresno começou, mesmo, com os amadores
Democratas. Ou nem tão amadores assim, já que as canções
gravadas caseiramente se espalhavam (como nunca antes havia
acontecido na história do pop nacional) pelo infindável universo
da internet. O recurso: enviar mensagem. O meio: e-mail.
SOBRE CACHORROS E ELEFANTES A festa de lançamento de Gauleses..., em 2001, rolou no Café
Uranus, em São Paulo. As atrações roqueiras foram Cachorro
Grande e Bidê ou Balde. Maior que a curiosidade despertada
pela obra jornalística, o esperado frisson da noite era o show da
Cachorro Grande. A Bidê ou Balde, que não era marinheira de
primeira viagem na cidade, lançava o disco Outubro ou Nada!.
A performance da cachorrada assinalava o debute dos guris no
grandioso – e, então desconhecido – “campinho” que São Paulo
representava. “A Cachorro”, afiança o guitarrista Marcelo Gross,
“sempre lutou para ser uma banda nacional”. Há dez anos, a
jornalista paulistana Flavia Durante, editora do Blah Blah Blog,
resenhou em seu blog: “Estou ouvindo o MP3 deles [Cachorro
Grande] há um mês, sem parar. O mundo está precisando de
mais bandas assim”.
Editor do magazine eletrônico Urbanaque (urbanaque.com.
br), também colunista da revista Rolling Stone, Leonardo Dias
Pereira fala do cimo de sua experiência como produtor de shows.
A marca Urbanaque divulga e promove bandas de todo o Brasil.
Não há preconceito estético, muito menos territorial na proposta.
Na ótica de Leo, São Paulo possui a grande conveniência de ser “o”
polo cultural do Brasil. Que abarca nichos musicais com distintos
alcances de público. Mas, de fato, São Paulo é mesmo a mãe do
rock brasileiro? Se a banda atrai público fora de sua cidade ou
região, a mudança não é necessária, aposta ele. Interessante é
investir no que se pode chamar de temporadas paulistanas. “Pode
ser um fim de semana, uma semana, um mês: o legal é dar as
caras pro público paulistano”, sustenta Leo. Dos destaques do pop
2010, ele menciona os também sulistas do Nevilton. Naturais da
pequena Umuarama, no Paraná, o grupo ganhou recentemente
exposição privilegiada em importantes veículos da cena musical,
como Rolling Stones e MTV. “Rolam coisas muito legais ligadas
à cultura rock na metrópole paulista: casas de shows, revistas,
lojas de roupas. Um mundaréu de atrações. E a tendência é só
crescer”, reforça o editor-produtor.
CACHORRADA MEDONHA Desde sempre, a Cachorro Grande
lutou para ser uma banda nacional. Em São Paulo, a estreia foi em
2001: sucesso logo de cara
“SERÁ QUE OS CARAS DE RECIFE PENSAM NESSE TIPO DE QUESTÃO? NÃO DÁ PARA FUGIR: É UMA PROBLEMÁTICA BEM GAÚCHA” CARLOS MALTZ
Divulgação
1919
ROMANTISMO & SARCASMO Para os Volantes, suas canções fazem sentido para o grande público. Em Porto Alegre, o jogo está praticamente ganho
ELEFANTISMO Para cuidar dos negócios da Pata de Elefante, o power trio montou QG em São Paulo, de onde Prego (D) governa o futuro de sua bem encaminhada carreira solo
Em Porto Alegre, pelo menos, o jogo da banda Volantes
está praticamente ganho. No ano passado, arremataram três
importantes categorias do Prêmio Açorianos de Música: melhor
disco, compositor (Arthur Teixeira) e revelação. Mas Arthur, que
também é o vocalista, assume: a banda nasceu com pretensões
nacionais. “Nossas canções podem fazer sentido para grandes
públicos”, aposta. O teste em São Paulo tem se revelado, no
mínimo, promissor. O single Ouça!, por exemplo, chegou à oitava
colocação no Top 10 da tradicional rádio Brasil2000. A estadia
rendeu, também, o clássico-e-obrigatório “rolê” de shows que
as bandas cumprem pelos inferninhos da cidade, como Studio
SP, Outs e Fun House. Gustavo “Prego” Telles, baterista do power
trio Pata de Elefante, está morando em São Paulo, desde 2004.
É lá que está montado o quartel-general de onde, além de gerir
os negócios da Pata, Prego governa o destino de sua bem en-
caminhada carreira solo. Com o álbum Do Seu Amor, Primeiro É
Você Quem Precisa, rebento romântico no qual canta e compõe,
Prego se anuncia como grata surpresa. Daniel Mossman e Gabriel
Guedes, seus elefânticos comparsas na Pata de Elefante, por sua
vez, estão constantemente no ir-e-vir dos aeroportos. Gustavo
Prego define a mudança para São Paulo como imperativa. “Foi
aqui que as coisas começaram a dar certo para nós. Fora o in-
egável: aqui é o centro econômico-cultural do país”.
NA ESTRADA, MUITO ALÉM DE SÃO PAULOSalto para a capital goiana, centro-oeste do Brasil. Vou
acompanhar a 16ª edição do Goiânia Noise Festival – o mais
importante encontro de rock independente do Brasil, ao lado
Divulgação
Danilo Christidis
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do Abril por Rock, de Recife. Para variar, a Superguidis é a
festejada atração deste evento, cuja tônica não é outra
senão o som de guitarras em volume excruciante. Por aqui,
na terra do sertanejo, os Guidis não são novatos. Já pisaram
no chão vermelho-escarlate de Goiânia uma dúzia de vezes.
Eu mesmo, em três ou quatro oportunidades, presenciei a
catarse que é vê-los vazando suas agridoces microfonias
para deleite da juventude goiana, sempre faminta por rock.
Entre uma cerveja e outra, interpelo o guitarrista Andrio
Maquenzi no senegalês mormaço goiano. Com tamanho
reconhecimento, por que insistir com a capital gaúcha? “Eu
tenho uma vida plena em Porto Alegre, ainda que São Paulo
seja uma cidade legal. Há tanta gente lá que, certamente,
haverá nicho para a música de todo mundo.” Maquenzi
acredita que o fluxo do cenário independente está tão
descentralizado que não vale a pena mudar de mala e
cuia. Lucas Pocamacha, o outro guitarrista, explica-se: “Eu
tenho um assunto inacabado em Porto Alegre. Chama-se
Engenharia Elétrica. Se é para passar trabalho, prefiro ser
engenheiro”. Naquela noite, antes de subir ao palco (para
tocar acompanhado do Plebe Rude Phillipe Seabra, produtor
dos aclamados álbuns dos Guidis), Andrio Maquenzi sorri
LONGE DEMAIS DAS CAPITAIS Primeiro álbum dos Engenheiros do Hawaii foi Disco de Ouro. “Na época, nem Caetano Veloso tinha um”, conta Carlos Maltz
ante as atuais vitórias: “Está mais do que bom”.
Falando em engenharia, “essa é uma questão bem
gaúcha”, filosofa o ex, porém eterno, Engenheiro do Hawaii
Carlos Maltz. Ao inverso de Pocamacha, Maltz abandonou
a engenharia duas vezes: saiu da faculdade de Engenharia
para formar... os Engenheiros. Tempos depois, largou a
banda e se converteu em psicólogo junguiano e renomado
astrólogo em Brasília. Abancado à sua frente – como fosse
eu o entrevistado –, Maltz se sai com um sofisma pop-
gaudério da maior legitimidade: “Será que os caras de
Recife pensam nesse tipo de questão? Não dá pra fugir:
está encilhado em nossa história”. Os Engenheiros do Hawaii
tiveram – ainda tem – grande protagonismo na concepção
do modelo vigente. Nos anos 1990, é bom lembrar, eram,
de fato, a maior banda brasileira. É irônico pensar que a
estreia fonográfica do grupo foi seu eterno e hour concours
recalque: Longe Demais das Capitais. “Adorávamos dizer
que ficaríamos em Porto Alegre... Quando nos demos conta,
éramos uma banda do Brasil e nem sabíamos.” Mais insano
ainda é o fato de que ninguém avisou para todo o Brasil que
existia a tal questão gauchesca. “Eles nunca entenderiam,
mesmo”, completa o baterista-astrólogo.
“OS ARTISTAS GAÚCHOS NÃO SE EMPENHAM PARA AVANÇAR SOBRE O MERCADO NACIONAL. E NEM DEVERIAM: O RIO GRANDE DO SUL É GRANDE O SUFICIENTE” RICARDO ALEXANDRE
música
Ana Volpe
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POP OU POP Carneiro, da Bidê ou Balde: “Somos uma banda pop. Que se alimenta até de coisas nada pop, mas que enxerga viabilidade pop em tudo que gosta”.
Carlinhos Carneiro conta que, na estrada de dez anos
da Bidê ou Balde, morar em São Paulo representou “vários
lances”. Em 2001, a banda rumou para o sudeste com tudo
financiado pela gravadora (a extinta Abril) e pelo produtor,
o faraó Manoel Poladian. Durante um ano, desfrutaram
benesses que geralmente são concedidas às bandas que
assinam com grandes gravadoras: casa, comida e assesso-
ria de imprensa pagas, por exemplo. Mas nem tudo eram
flores. Na época, discorre Carneiro, pintaram dificuldades
para transpor o jeito como a Bidê “fazia as coisas”. Poladian
até queria que os bidezes ficassem por mais tempo em
São Paulo. “Mas temíamos a tal da geladeira. Voltamos
praticamente fugidos.” Nesse aspecto, em especial, Carneiro
sempre se encantou com o jeito mineiro de ser. Ou seja:
“Entre estar ou não no eixo Rio-São Paulo, eles geralmente
preferem ficar em Minas”, lembra. Para o compositor Mar-
celo Birck (Graforréia, Prisão de Ventre), em qualquer lugar
do planeta a matemática que rege o mercado musical
é simples. Obrigatoriamente, quem quer trabalhar com
música autoral deve saber: “O mercado carece ser criado a
cada nova circunstância”. Não há regras, atalhos ou estra-
tégias. Gestão, no entanto, é fundamental. Em relação ao
Divulgação / Monstro Discos
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RIFFS E MICROFONIAS Os guaibenses Superguidis estão léguas distantes de serem chamados “indies de apartamento”. Eles têm a cara da “juventude suburbana emergente”.
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centro do país, o Rio Grande do Sul, pondera Birck, ainda
oferece oportunidades muito embrionárias: “Para vencer o
amadorismo, há muito que se trilhar”.
VALOR DE PERMANECER À MARGEME São Paulo? Será que a megalópole deseja os artistas
gaúchos tal como eles a cobiçam? Na crítica do diretor de
redação da revista Época São Paulo, Ricardo Alexandre, o
mercado gaúcho é autossustentável. Alexandre (também
autor do hit literário Nem Vem Que não Tem – A Vida e o
Veneno de Wilson Simonal, Prêmio Jabuti de melhor biogra-
fia) não crê numa teoria de resistência paulista. O jornalista,
que já editou a revista Bizz, elenca algumas bandas que se
deram bem com o movimento vai-e-volta: Engenheiros, Ne-
nhum de Nós, Cachorro Grande, Júpiter Maçã, Wander. Para
ele, o “grande lance” é que, via de regra, os artistas gaúchos
não se empenham suficientemente para avançar sobre o
disparatado mercado nacional. “E nem deveriam”, apregoa,
para depois completar: “O mercado do Rio Grande do Sul é
grande o suficiente. Muito profissional e interessante. Falei
isso para o Julio Porto [ex-Ultramen] num show deles, no Bar
Opinião: ‘Tá vendo essa gatinha que veio te pedir autógrafo?
Se a gente estivesse em São Paulo, ela estaria num show
do Daniel!’. Por que uma Ultramen deixaria de tocar num
Opinião lotado para tocar num bar vazio em São Paulo? Por
que deixaria de prestigiar a Rádio Atlântida para ter de pagar
jabá para não (!) tocar na Mix FM? Sem chance”. “Sem tirar
nem pôr: é o que sempre pensei”, referenda Gustavo “Mini”
Bitencourt, guitarrista dos Walverdes. Encontro Mini, Patrick e
Marcos – a poderosa tríade que forma os Walverdes – no bar
Outs, endereçado na Augusta, uma espécie de Osvaldo Aranha
em Porto Alegre, só que bem mais trash. A banda lança na
casa o recente Breakdance. Mini e eu discorremos sobre a
ponte, bem sólida, que musicalmente conecta Porto Alegre a
São Paulo. “Em Porto Alegre, o ‘mainstream local’ conta com
uma rede de rádios fortes, a RBS, e um consistente circuito
de shows no interior”. São equações assim que seguram as
bandas em sua cidade natal: sem abandonar suas vidas,
elas conseguem se estabelecer profissionalmente. “Parte do
sucesso do manguebeat”, considera Mini, “calhou porque os
caras precisavam vir para cá”, assinala. Caso contrário, a turma
de Chico Science e Fred04 minguaria em Recife.
E o rock de hoje: ainda carece de uma sonoridade
brasileiro-tradicional-pop-contemporânea? “De certa forma,
o Júpiter Maçã fez isso. E, embora ele não tenha estourado, A
Sétima Efervescência Intergalactica [primeiro lugar no rank-
ing Melhores do Rock Gaúcho, feito por APLAUSO em 2007]
é das peças fonográficas mais influentes registradas no final
do milênio”, rememora Mini. No Outs, apenas meia dúzia
de gatos pingados apareceram para prestigiar os Walverdes.
Metade eram gaúchos. Mas não faz mal: como de costume,
o desempenho do trio é perfeito para o que se propõe fazer.
“Não adianta ser a banda certa na hora e no local errados”,
filosofa o guitarrista, na friorenta madrugada paulistana, meio
embriagado com apenas uma caipirinha. Outra vez, sente-se
feliz por estar no seleto rol dos afortunados que, apesar de
todas as intempéries e independentemente de lugares, man-
tém sua fé no imortal elixir da juventude: o rock-and-roll.
WALVERDES: CONCISO E EFICIENTE Mini: “Se há 15 anos a gente
pudesse fazer turnês por nordeste, sudeste e centro-
oeste, iriam rir. Mas aconteceu”
música
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Embora “invisível”, uma integração extremamente profissional
afirma-se a cada temporada no panorama do rock independente
sul-americano. Ou seja, São Paulo não é a única ”estrada” para
as bandas trilharem. A música latina, enfim, movimenta-se para
transpor a fissura geocultural que aparta países da América do
Sul. Cambiando experiências e sonoridades, roqueiros argentinos,
uruguaios, brasileiros, colombianos e de outras plagas, também
ganharam o trânsito das Américas. Essa é a aposta do produtor
do festival El Mapa de Todos, o gaúcho Fernando Rosa, cuja entrevista pode ser conferida com exclusividade no site de APLAUSO (aplauso.com.br). A primeira edição do festival
aconteceu em Brasília, em 2008. A próxima será em Porto Alegre,
em abril. Rosa, que também edita o portal Senhor F (senhorf.
com.br), anuncia a presença de artistas oriundos de variadas
correntes musicais: “Do Peru, por exemplo, estamos trazendo
a banda Bareto. Na edição porto-alegrense, avançaremos até a
Venezuela com o grupo de surf-rockabilly Los Mentas”, revela, em
primeiríssima mão.
A “Urbanaque Apresenta”, encontros roqueiros promovidos
pelo pessoal do site paulistano Urbanaque (urbanaque.com.br),
sempre procurou em suas edições trazer bandas e artistas de fora
de São Paulo – e também do próprio rock, como conta o produtor
Leonardo Dias Pereira (em outra entrevista no site de APLAUSO). Antes de tudo isso, o “rock gaúcho” gozou, também,
de seus momentos de “pré-sucesso”. Lançado em fita K-7, Último
Verão, álbum de estreia de Julio Reny, apresentava o petit hit Cine
Marabá. A canção tocou bem nos primórdios da Ipanema FM, em
Porto Alegre, e, tanto quanto, na extinta Fluminense, a “maldita”,
que irradiava os “venenos” de Niterói, Rio de Janeiro. Cine
Marabá, aliás, é um dos fonogramas cedidos por Reny que estão
reunidos na compilação “Gauleses Irredutíveis merecem Aplauso”, com a qual a revista presenteia seus leitores. Editada em dois volumes, a coletânea traz surpresas de artistas
e bandas como Rosa Tattooada, Almôndegas, Pupilas Dilatadas,
Loomer, Júpiter, Os Replicantes, Irmãos Rocha e Lovecraft. Me
Deixa Desafinar, novo single powerpop da Bidê ou Balde, é o hit
certeiro da coletânea. Mimi Lessa, lendário guitarrista do Liverpool
e do Bixo da Seda, hoje radicado no Rio, liberou duas gemas: uma
delas é Por Favor, Sucesso, hino que dá nome a esta reportagem.
A outra é uma faixa inédita da banda carioca de Mimi, Orquestra
de Guitarras: “São quatro destruidoras guitarras”, avisa, de
antemão. O leitor poderá fazer o download gratuito de “Gauleses Irredutíveis merecem Aplauso” no site da revista. Os álbuns virtuais serão encartados com texto de
apresentação e informações sobre os fonogramas, tais como ficha
técnica e curiosidades que circundam as gravações. Os extras, que
virão em anexo nos discos, serão uma floreada iconografia de
fotos, imagens e velhos flyers das bandas.
Mas, voltando ao eixo São Paulo-Porto Alegre/Porto Alegre-
São Paulo, há muitas outras histórias de sucesso. Ou, pode-se
dizer, quase sucesso. Algumas ficaram só na promessa. O caso
mais misterioso é o do publicitário e músico Hermes Aquino. Hoje,
ele vive em Porto Alegre, onde tem uma empresa especializada
em fazer jingles. Hermes foge das entrevistas, bem ao “estilo
João Gilberto”. Eu mesmo tentei falar com o homem umas tantas
vezes – sem sucesso. Hermes Aquino, para quem não sabe, é
autor do hit Nuvem Passageira. Em 1976, a canção bombou com
a novela global O Casarão. Você Gosta?, parceria sua com Tom Zé,
por exemplo, foi gravada pelo Liverpool, e Planador, pela banda
paulista Os Brazões. Na Capitol, que lançou seu segundo LP, Santa
Maria, Hermes desentendeu-se com a gravadora.
Editado em 1990, o primeiro álbum da Rosa Tattooada,
homônimo, foi lançado pela gravadora Nova Idéia e a produção foi
do nenhum de nós Thedy Corrêa. O disco emplacou nacionalmente
a balada O Inferno Vai Ter Que Esperar, que tocou como água nas
rádios gaúchas e, por muito tempo, foi primeiro lugar em vários
playlists. O êxito rendeu à banda o “sonho” de abrir, em duas
turnês diferentes, shows feitos pelo Guns N’ Roses no Brasil.
De todas essas histórias, uma das que mais renderam foi a do
ex-Os Brasas Franco Scornovacca. Depois que a banda terminou,
Franco, em São Paulo, virou produtor e empresário musical – além
de pai do conhecido trio de irmãos que atendem pela sigla KLB.
Existe um que pouco – ou nada – é lembrado no Rio Grande
do Sul. Ele atende pela alcunha de Luís Vagner, o “Guitarreiro”.
Também saído do Os Brasas, em 1971, o guitarrista tocou no
álbum Vida e Obra de Johnny McCartney, de Gileno Azevedo.
Outra parceria de sucesso foi com o samba-roqueiro Bebeto. Em
1973, Vagner escreveu Camisa 10, cantada pelo sambista santista
Luiz Américo, que se tornou um hino futebolístico. Mas voltemos
ao rock. Em parceria com Tom Gomes, Luís Vagner fez uma das
mais sublimes letras do gênero no Brasil: Sílvia 20 Horas Domingo,
canção que o “príncipe” Ronnie Von imortalizou em seu cultuado
álbum psicodélico Ronnie Von nº 3. De poético primor pop, os
versos cantam: “Que alegria! Você estará comigo/Domingo que
vem/Ficaremos sorrindo/ Eu darei com carinho uma flor pra você/
Pra lembrar marquei na agenda/ Silvia, não esquecerei”. Mas a
vinheta que antecede tais versos comprova o quanto Vagner tem
(assim como todos os gaúchos?) de “sangue paulistano”. O trecho,
na verdade, é um reclame comercial: “Bar Pires, Bar Pires/Um bar
pra frente/Um bar que é quente/A onda na Augusta é comer e
beber/Só no bar Pires/Entre você também na onda do Bar Pires/
Comes e bebes bem cafonas no coração da Augusta”. Em Porto
Alegre, aliás, assim como na Augusta, tais coisas continuam
quentes até hoje – ao menos para o rock.
GAULESES DE SUCESSO
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