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Razões para se buscar o desenvolvimento do Brasil sem a eliminação de direitos trabalhistasAutor: Rafael de Araújo Gomes, Procurador do Trabalho em Araraquara/SP
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PRECARIZAR
PARA
CRESCER?
Razões para se buscar o
desenvolvimento do Brasil
sem a eliminação de direitos
trabalhistas
Rafael de Araújo Gomes
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 1: A retomada da agenda neoliberal e o projeto do
Código do Trabalho
1.1) Origem do projeto do Código do Trabalho
1.2) Justificativa do projeto
1.3) Alguns pontos de destaque do projeto do Código
1.4) Principais alterações contidas no projeto: prevalência
do negociado sobre o legislado, terceirização e abolição
da anotação de CTPS.
1.4.1) Prevalência do negociado sobre o legislado
1.4.2) Terceirização
1.4.3) Abolição da anotação da Carteira de
Trabalho
CAPÍTULO 2: Flexibilização, o que é?
2.1) Velhos projetos, novas palavras
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2.2) Flexibilizar “para cima” ou “para baixo”?
2.3) Promessas não cumpridas
2.4) Flexibilizar o quê?
CAPÍTULO 3: Corrida global ao fundo do poço
3.1) E que vença o pior...
3.2) Reformas na Espanha
3.3) Exemplos concretos de acentuada “competitividade”
3.4) Comparação internacional do custo do trabalho na
indústria
3.5) Sociedade X Mercado
CAPÍTULO 4: Direito trabalhista, alicerce para a paz
4.1) OIT, internacionalização de direitos e as duas guerras
mundiais
4.2) As guerras da perspectiva da elite econômica
4.3) Preparando as guerras de amanhã
CAPÍTULO 5: Mais bilionários, menos direitos trabalhistas
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5.1) O mais rico dos mundos, mas não para todos
5.2) Bilionários em profusão
5.3) A apropriação do estado e a gestação de grandes
fortunas
5.4) Sem compensações à sociedade
5.5) A bomba relógio do descontrole financeiro
5.6) Trabalhadores ficando para trás
5.7) O desafio atual dos trabalhadores brasileiros
CAPÍTULO 6: Direito do trabalho, alavanca para o
desenvolvimento
6.1) Crescer sem eliminar direitos: o “mau exemplo”
brasileiro dos últimos oito anos
6.2) Contribuição empresarial ao “Custo Brasil” e à perda
de competitividade
6.3) Favorecendo o desenvolvimento através dos direitos
trabalhistas
CONCLUSÃO
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ÚLTIMAS PALAVRAS
BIBLIOGRAFIA
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Este trabalho foi licenciado com a Licença Creative Commons
Atribuição - Uso Não Comercial 3.0 Não Adaptada. Para ver uma cópia desta
licença, visite http://creativecommons.org/licenses/by-nc/3.0/ ou envie um
pedido por carta para Creative Commons, 444 Castro Street, Suite 900,
Mountain View, California, 94041, USA.
01 de novembro de 2011
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INTRODUÇÃO
Em maio de 2011, foi apresentado pelo deputado federal Sílvio
Costa, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), atual presidente da Comissão
de Trabalho, Administração e Serviço Público da Câmara dos deputados, o
projeto de lei n° 1.463/2011, que propõe a criação de um Código do
Trabalho. O Código substituiria a atual Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT) e inúmeras leis trabalhistas esparsas.
O projeto possui 280 artigos, e formalmente mostra-se
razoavelmente bem escrito, formando um todo coeso e articulado.
Materialmente, como será demonstrado no capítulo 1, sua incompatibilidade
com o direito do trabalho é total. Não haverá qualquer exagero ou ironia em
se afirmar que a proposta, a bem da verdade, poderia ser denominada, ao
invés de “Código do Trabalho”, “Código (do Fim do Direito) do Trabalho”.
Tal afirmação, lançada em uma introdução, provavelmente
parecerá exagerada ou demasiadamente polêmica, mas os fatos e as ideias
falarão por si, como veremos.
A análise do projeto do Código, entretanto, será neste estudo
apenas o ponto de partida para uma discussão mais ampla, focada no
contexto e espírito nos quais se insere a proposta, que é o da retomada do
discurso “flexibilizador” (leia-se: eliminador) de direitos sociais, aí incluídos os
direitos trabalhistas e previdenciários.
De fato, o que tem sido observado, desde o início de 2011, é um
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significativo avanço e fortalecimento do discurso e de iniciativas de cunho
conservador, claramente afinados com os interesses da elite econômica
nacional.
Trata-se de um discurso que se encontrava em grande voga na
década de 1990, particularmente durante o mandato do presidente Fernando
Henrique Cardoso, com a defesa e efetiva implementação de reformas que
se convencionou denominar de neoliberais1, incluindo privatizações de
empresas estatais, redução de gastos sociais, “flexibilização” (expressão
cujo sentido será melhor aclarado no capítulo 2) de direitos trabalhistas e
previdenciários, relaxamento das regras a serem observadas pelo sistema
financeiro, criação de obstáculos à atuação fiscalizadora do Ministério
Público e do Judiciário, entre outras medidas.
O resultado de tal “década neoliberal” pode ser resumido – para
os fins desta introdução – no seguinte: o PIB (produto interno bruto) do Brasil
passou, no ranking mundial de países, da 10ª colocação, em 1990, para a
13ª, em 1999, com crescente diminuição da participação dos salários no PIB,
durante o período.
Na década seguinte, já durante o Governo Lula, tal discurso,
embora sempre repetido, particularmente pelas publicações mais
conservadoras, como a revista Veja, perdeu parte de sua força, e não
encontrou o espaço que esperava.
Percebe-se que o presidente Lula manteve, durante todo o seu
governo, uma proximidade bastante grande com a elite econômica nacional,
1 “Neoliberalismo é uma nova etapa do capitalismo que surgiu na esteira da crise estrutural da década de1970. Ela expressa a estratégia das classes capitalistas em aliança com a alta gerência [inclusivepolítica], e particularmente com a alta gerência financeira, com a intenção de fortalecer sua hegemonia ede expandi-la globalmente.” Em “The crisis of neoliberalism”, Gérard Duménil e Dominique Lévy, livretradução.
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incluindo grandes bancos e grandes empresas do agronegócio, beneficiados,
por exemplo, com bilionárias operações de salvamento, com aproveitamento
de dinheiro público via Banco Central ou BNDES. O Governo Lula foi,
inegavelmente, um bom período para os grandes negócios.
Ao mesmo tempo, entretanto, Lula não se deixou seduzir por
completo com tal proximidade, e não implementou a agenda de reformas
pretendidas pelas mesmas elites. Evitou comprometer-se com um
peremptório “não” a certas pretensões conservadoras, mas não as
consumou em seus dois mandatos.
Com isso, se em seu governo não foram registrados avanços na
legislação trabalhista, tampouco se verificou sensível retrocesso. De um
modo geral, o patamar de direitos foi mantido, e a condição de vida dos
trabalhadores melhorou graças ao cenário econômico positivo. Além disso,
foram implementadas medidas, através de políticas de assistência social, de
combate à miséria, com considerável sucesso.
O corrente ano – 2011 – marca uma retomada do ímpeto das
propostas neoliberais, das quais o projeto do Código do Trabalho constitui
um dos exemplos. Vários outros podem ser elencados, como: 1) a retomada
das privatizações (aeroportos); 2) o inédito acordo celebrado pela Advocacia-
Geral da União com a Cosan (hoje Raizen), maior produtora de etanol do
país, para livrá-la da “lista suja” do trabalho escravo; 3) o avanço, no
Congresso, do projeto de lei n° 4330/2004, de Sandro Mabel, que prevê a
admissão quase que irrestrita da terceirização de mão de obra, projeto que
há seis anos encontrava-se parado, e conseguiu ser recentemente aprovado
na Comissão do Trabalho da Câmara; 4) a edição da Portaria nº 373, de 25
de fevereiro de 2011, do Ministério do Trabalho e Emprego, que pretenderespaldar a implantação de sistemas de controle de jornada de trabalho não
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autorizados por lei (como, por exemplo, o “ponto por exceção”), mediante
celebração de convenções ou acordos coletivos (permitindo-se a supressão,
na prática, do registro fidedigno da jornada).
Um dos maiores exemplos do novo ímpeto conservador, fora da
esfera trabalhista, é sem dúvida o Código Florestal, que propõe sem meias
palavras, e à revelia das evidências científicas e apelos internacionais, que a
preservação ambiental desapareça como obstáculo ao avanço do
agronegócio. Entre outras lamentáveis novidades, já aprovadas na Câmara,
está o perdão a bilhões de reais em multas aplicadas por infrações
ambientais que foram cometidas, representando fabuloso estímulo a novos
ilícitos, pela expectativa de novos perdões futuros.
É de fato surpreendente que, enquanto a comunidade
internacional se conscientiza do fato que a degradação ambiental está
prestes a tornar a vida humana no planeta insustentável, enquanto se assiste
à extinção em massa de espécies animais, e enquanto avança a
desertificação em centenas de municípios brasileiros, conseguem os
defensores mais intransigentes do agronegócio encontrar espaço político
para defender e aprovar o indefensável, em nome de nenhum outro interesse
senão o econômico de curto prazo, condenando as futuras gerações a
buscar sua sobrevivência em uma terra arrasada.
Percebe-se que as elites tomaram a iniciativa de avançar com
sua agenda conservadora, aproveitando o período de incerteza política que
surge quando da troca de governantes. Existe um volume muito grande de
expectativas conservadores represadas, e a percepção, por parte das elites,
de que o momento político é capaz de favorecê-las.
Tenta-se, claramente, engolfar o governo que se inicia, tal como
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já ocorreu em países como Grécia, Espanha e Portugal, onde partidos em
tese (ou que se diziam) socialistas, uma vez no poder, implementaram a
cartilha neoliberal, sendo tanto melhor às elites locais que, no processo, tais
partidos tenham destruído a base popular e capacidade eleitoral que tinham.
Sob outro viés, naturalmente, tal momento de mobilização das
elites econômicas foi revelado pelo atual presidente da Confederação
Nacional da Indústria, Robson Braga de Andrade, em artigo publicado no
jornal Valor Econômico: “Competitividade, já! (…) O momento é favorável,
visto que, renovado pelas últimas eleições, o poder Legislativo dispõe de
capital político para decidir sobre questões estratégicas para o país. (…)
Num mundo competitivo, flexibilidade é essencial para a sobrevivência das
empresas. O Congresso tem a grave responsabilidade de refletir sobre
essas iniciativas que, imersas numa aparência de boas intenções, estão em
contradição com as necessidades do mundo econômico contemporâneo.2 ”
Precisará a nova Presidente, para que seu mandato não seja
caracterizado como um retorno às políticas neoliberais da década de 1990,
de pulso firme e coragem para resistir às pretensões conservadoras,
sabendo que parte delas parte de sua própria base aliada.
A questão trabalhista mostra-se absolutamente central à agenda
conservadora, estando em jogo nada menos que a reversão de direitos
sociais reconhecidos há décadas, e a reconquista de parcelas de poder
econômico e político então perdidas pelas elites econômicas aos
trabalhadores e aos mais pobres.
A palavra de ordem é uma só: FLEXIBILIZAR. Tal palavra é
utilizada, como veremos, para ocultar seu verdadeiro sentido, que é também2 Acessível em http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/selecao-diaria-de-noticias/midias-
nacionais/brasil/valor-economico/2011/04/06/competitividade-ja
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um só: ELIMINAR DIREITOS SOCIAIS. As justificativas são as mesmas do
passado: modernidade, competitividade e globalização. O discurso é idêntico
ao da década de 1990 (por sua vez uma repetição do discurso estrangeiro,
procedente de Estados Unidos e Reino Unido, em circulação desde meados
da década de 1970), com a reedição dos mesmos e velhos preconceitos,
contando-se, basicamente, com a desmobilização e a capacidade de
esquecimento da população, particularmente dos trabalhadores. Espera-se
que estes não reajam ao desaparecimento de seus direitos.
É nesse contexto que se insere e que se explica o projeto do
Código do Trabalho, que será discutido no primeiro capítulo.
Será demonstrado nos capítulos seguintes em que medida a
agenda neoliberal é prejudicial não apenas aos trabalhadores, mas ao país
como um todo, por conduzir ao aumento da desigualdade social em um
momento em que as grandes fortunas crescem como nunca, com a
multiplicação do número de bilionários brasileiros.
Será visto, por fim, como a manutenção e a ampliação dos
direitos sociais são medidas que contribuem, decisivamente, ao
desenvolvimento econômico e social do país, ao passo que o projeto
conservador traduz-se em obstáculo até mesmo à continuidade do
crescimento econômico.
ESCLARECIMENTO AO LEITOR:
A presente obra contém inúmeras transcrições, especialmente de
notícias jornalísticas, por vezes extensas. Tal característica faz com que o
ritmo da narrativa seja por vezes, após transcrições mais longas,interrompido além do que seria desejável em termos de estilo. Optei,
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entretanto, por manter tais transcrições, apesar da quebra que imprimem ao
fluxo narrativo, dado o interesse de aumentar o valor da obra como um
compêndio de informações relacionadas à defesa do trabalhador, reunindo
textos que estão originalmente bastante dispersos na internet, em jornais e
revistas.
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CAPÍTULO 1: A retomada da agenda neoliberal e o projeto do
Código do Trabalho
1.1) Origem do projeto do Código do Trabalho
Códigos são leis de enorme complexidade, já que reúnem grande
número de regras jurídicas que precisam ser organizadas de forma
sistemática e técnica, de modo a formar um todo coeso. Além disso,
precisam ser levadas em consideração, sempre, as repercussões que a
inovação irá representar à disciplina jurídica na qual se insere o código, e ao
ordenamento como um todo.
Por tais motivos, projetos de códigos não costumam ser
elaborados por uma única pessoa, mas sim por uma comissão de
especialistas, profundos conhecedores da matéria em questão. Quando, em
casos excepcionais, o rascunho inicial de um código parte de um grande
especialista, o texto costuma passar, antes de ser transformado em projeto,
pelo crivo de outros peritos. Em quaisquer das hipóteses, o trabalho se
desenvolve ao longo de vários meses ou anos, passando o texto em
elaboração por inúmeras mudanças.
Por tais razões é que se tem a gênese do projeto de lei n°
1.463/2011, apresentado pelo deputado federal Sílvio Costa, como muito
surpreendente. A sua justificativa, assim como o discurso de apresentação
do projeto pelo parlamentar, não mencionam o envolvimento de qualquer
grupo de pessoas, especialistas ou não, em sua elaboração. Nenhumanotícia jornalística, dentre as várias que circularam acerca da propositura do
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projeto do Código, menciona a origem do texto.
Ou seja, o projeto de lei foi apresentado com a sugestão implícita
de que sua elaboração teria envolvido exclusivamente o seu autor, deputado
Sílvio Costa.
Relembre-se aqui o que se mencionou na introdução, quanto ao
fato da proposta, do ponto de vista formal, estar bem redigida, envolvendo
um trabalho complexo de sistematização de matérias que estão contidas na
CLT e em grande número de leis esparsas, além de súmulas de tribunais.
Trata-se, sem sombra de dúvida, do trabalho de uma ou várias pessoas bem
familiarizadas com o direito laboral.
Ora, sabe-se que o deputado Sílvio Costa não é em absoluto um
expert da área trabalhista. O deputado é proprietário, em Pernambuco, de
uma rede de colégios (Grupo Decisão). Em sua biografia constante na
página da Câmara na internet, figura como sendo sua atividade profissional
“empresário da educação”, e no campo “estudos e cursos diversos”,
Graduação em Técnicas Agrícolas. Foi vereador, deputado estadual, e está
em seu segundo mandato como deputado federal. Em nenhum desses
momentos notabilizou-se ou mesmo demonstrou especial interesse por
questões trabalhistas. De fato, em seu primeiro mandato na Câmara de
deputados (legislatura 2007-2011), estando à época filiado ao Partido da
Mobilização Nacional (PMN), não apresentou qualquer projeto de lei
relacionado a questões trabalhistas, mas apresentou projetos relacionados
com a área da educação, de forma coerente com sua história profissional.
Notabilizou-se, naquela legislatura, pela defesa da legalização dos jogos de
bingo no Brasil, envolveu-se em questões vinculadas ao direito do
consumidor, e não participou, sequer como suplente, da Comissão deTrabalho (CTASP) que hoje preside.
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Diante disso, parece razoável concluir que o deputado Sílvio
Costa não teria condições de, sozinho, redigir o texto do Código do Trabalho
por ele apresentado, e não poderia ser o autor intelectual da proposta. A
origem do longo texto precisa ser procurada alhures.
O mistério parece começar a ser explicado quando se leva em
consideração que o deputado Sílvio Costa ingressou no Partido Trabalhista
Brasileiro (PTB), em 2009, pelas mãos de Armando Monteiro Neto, à época
Presidente do PTB em Pernambuco e Presidente da Confederação Nacional
da Indústria (CNI). A proximidade do deputado ao grupo do hoje Senador
Monteiro Neto é tanta que, quando do término do mandato de oito anos de
Armando Monteiro à frente da CNI, em 2010, foi ele agraciado com uma
homenagem pela Assembleia Legislativa de Pernambuco, através de
requerimento do deputado estadual Sílvio Costa Filho, também do PTB e
filho do deputado federal Sílvio Costa.
É revelador, outrossim, que os termos da justificação do projeto
n° 1.463/2011, que serão transcritos a seguir, praticamente espelham os
argumentos contidos no documento Agenda Legislativa da Indústria, que
vem sendo reeditada anualmente, tendo sido sua versão 2011 lançada pela
CNI em março deste ano.
Compare o leitor a justificativa do projeto de lei, reproduzida mais
à frente neste capítulo, com os seguintes trechos da Agenda Legislativa 2011
da CNI: “ A extensa e rígida legislação trabalhista compromete a
competitividade e desestimula o mercado formal - A modernização da
legislação do trabalho é fundamental para a expansão dos empregos
formais, o aumento da produtividade e da qualidade da indústria brasileira eo crescimento de sua participação no mercado global. A moderna concepção
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das relações de trabalho pressupõe: * sistema regulatório flexível, que
permita modalidades de contratos mais adequadas à realidade produtiva e
às necessidades do mercado de trabalho; * maior liberdade e legitimidade
para o estabelecimento de normas coletivas de trabalho, que reflitam a
efetiva necessidade e interesse das partes; * ágeis mecanismos autônomos
de solução de conflitos, com garantia de segurança jurídica; * normatização
clara e concisa que estabeleça segurança jurídica às empresas e
trabalhadores.”
Parece razoável concluir – sem qualquer pretensão de
onisciência –, com base nos elementos disponíveis, que o texto do projeto de
lei apresentado pelo deputado Sílvio Costa pode ter sido redigido no âmbito
da Confederação Nacional da Indústria, provavelmente em seu Conselho
Temático de Assuntos Legislativos (que era até pouco tempo coordenado
pelo atual presidente da Confederação, Robson Braga de Andrade), sob os
auspícios de seu então presidente Armando Monteiro Neto, hoje senador e
padrinho político de Sílvio Costa no PTB.
De modo que – novamente, sem pretensões de onisciência, e
levando em conta que o próprio deputado não se encarregou de esclarecer a
origem do texto – mostra-se razoável concluir que o projeto é o Código do
Trabalho da CNI. A partir disso, a ninguém causará grande surpresa o fato da
proposta apresentar acentuada incompatibilidade com os princípios que
regem o direito do trabalho, entre eles o princípio da proteção.
Quanto à filiação partidária do proponente do projeto, tem-se que,
em uma época na qual um parlamentar, como parece ser o caso do
deputado (agora ministro) Aldo Rebelo, pode continuar sendo designado
como “comunista”, não obstante sua conversão a defensor do agronegócio,não mais chamará atenção o fato de um deputado supostamente
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“trabalhista” (filiado ao Partido Trabalhista Brasileiro) defender,
explicitamente, o fim da Justiça do Trabalho. Não obstante, chama sim a
atenção o fato de constar atualmente como preâmbulo do Programa e
Estatuto do PTB o que segue3:
“O PTB NÃO VAI DEIXAR MEXER NOS DIREITOS DO
TRABALHADOR”
1- CONTEXTO NACIONAL
O segundo mandato do governo Lula se inicia sob o desafio de
fazer o Brasil crescer a taxas mais robustas, no mínimo próximas
de 5%, depois de cerca de 25 anos de baixo crescimento
econômico - a despeito de cenário econômico internacional
extremamente favorável no período recente. O debate público
gira em torno de como atingir esse objetivo.
A Reforma da Previdência Social e da CLT retornam ao centro
das discussões como instrumento de ajuste econômico. Do ponto
de vista do governo, a Reforma da Previdência é considerada
peça fundamental para o ajuste fiscal. Para o setor privado, a
redução dos custos do trabalho é encarada como condição para
o alcance de maior competitividade e a livre negociação
fundamental para liberar o estabelecimento de relações
capital/trabalho próprias a cada empresa.
2 – POSICIONAMENTO DO PTB
Os trabalhos desenvolvidos no âmbito do I Congresso Trabalhista
Brasileiro – durante os dias 07 e 08 de fevereiro de 2007 em
Brasília – produziram duas agendas referentes à posição
partidária no debate sobre as reformas em questão.
Chegou-se ao consenso de que há necessidade de manutenção3 Disponível em http://www.ptb.org.br/?page=ConteudoPage&cod=22081, conforme acesso
realizado em 09/08/11.
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da rede vigente de proteção social. Reiteraram-se os princípios
da defesa das conquistas trabalhistas – traço histórico do PTB –
no momento em que o governo discute, mais uma vez, a redução
dos direitos sociais como mecanismo para o ajuste das contas
públicas e o setor privado propõe maior desoneração dos custos
do trabalho para enfrentar a globalização.
Na visão trabalhista, os ajustes macroeconômicos devem se
concentrar na diminuição do pagamento dos juros da dívida
pública e no estabelecimento de menor nível de superávit fiscal.
Assim como, dar andamento urgente a Reforma Tributária como
meio de diminuir custos de produção, aumentando a
competitividade do setor privado.
3 - PRINCÍPIO INALIENÁVEL
Quaisquer alterações propostas na Reforma da Previdência
Social e na CLT devem ser submetidas, obrigatoriamente, ao
Referendo Popular.
Neste diapasão, considerando cumprida esta formalidade legal,
Os órgãos de ação parlamentar, ou seja: as bancadas do PTB no
Senado da República e na Câmara Federal deverão adotar o
seguinte posicionamento, determinado pelo diretório nacional, por
unanimidade de votos como Diretriz na forma do disposto nos
artigos 73 e 74 inciso I do estatuto partidário, sendo as seguintes
as novas diretrizes eleitas neste evento.
(...)
5 -REFORMA TRABALHISTA
1 Ser contrário às alterações na CLT que subtraiam direitos
conquistados pelos trabalhadores;
2 Propor que possíveis ajustes trabalhistas só se façam por
meio de reforma fiscal e tributária objetivando a geração deemprego e renda;
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3 Propor a modernização da gestão das instituições
responsáveis pelas conquistas trabalhistas (ex: FGTS; Seguro de
Acidente do Trabalhador – SAT);
4 Defender o princípio da liberdade sindical com vistas a
assinatura da Convenção 87 da OIT;
5 Propor a CO-responsabilidade onerosa, sindical e
governamental, no amparo ao desempregado.
Resta saber se o deputado Sílvio Costa, ao propor o contrário do
que exige o programa partidário do PTB, será em algum momento
questionado no âmbito de seu partido, ou se o “princípio inalienável” acima
referido já foi, na prática, alienado.
1.2) Justificativa do projeto
Como é habitual em projetos de lei, a proposta do deputado Sílvio
Costa traz, ao seu fim, um texto de justificativa, com a apresentação das
razões de ser do que está sendo proposto.
Merecem ser aqui transcritos alguns trechos de tal justificativa,
bastante reveladora das intenções por trás da proposta:
“... embora a grande maioria dos dispositivos da Consolidação
das Leis do Trabalho (CLT), aprovada em 1943, ainda esteja em vigor,
muitos deles já estão claramente ultrapassados”;
“As mudanças frequentes promovidas por este mundo
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globalizado nas relações de trabalho não foram acompanhadas, no Brasil, da
necessária alteração legislativa.”
“a inflexibilidade para se contratar é, sem dúvida, o mais grave
problema da legislação trabalhista, pois impede a competitividade das
empresas. Como a concorrência nos mercados internos e externos é cada
vez mais acirrada, e só vence quem oferece o menor preço, as empresas
não hesitam em transferir fábricas para países onde o custo de produção é
baixo”.
“há que se permitir que o empregado, sabedor dos termos mais
vantajosos de seu contrato de trabalho possa abrir mão de alguns direitos
em benefício de um conjunto de benefícios”;
“O protecionismo exagerado da legislação laboral brasileira é,
hoje, um óbice ao dinamismo do mercado de trabalho”;
“Nosso objetivo maior não é propor uma revolução na legislação
trabalhista, mas reduzir a complexidade e o anacronismo da legislação atual
e permitir que empregados e empregadores possam negociar condições de
trabalho diferentes da lei”;
“Flexibilizar, garantindo-se direitos mínimos, vem ao encontro da
tendência mundial de afastamento do intervencionismo e protecionismo
exacerbado do Estado, dando força à composição entre as partes como
forma reguladora das relações laborais.”
“Por isso, a necessidade de a cooperação substituir o confronto
nas relações trabalhistas, e de fazer prevalecer o negociado sobre olegislado.”
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Em suma: a legislação trabalhista brasileira é velha e
ultrapassada, prevê direitos e garantias demais, devendo os trabalhadores e
os empregadores serem livres para, sem a interferência do estado, ajustar as
condições do contrato de trabalho que bem quiserem.
A proposta portanto é simples, simplíssima: trata-se de fazer
retroceder as práticas trabalhistas ao modelo em voga no século XIX e antes
disso. Afinal, nessa época prevalecia exatamente o que agora se propõe:
menos interferência do estado, menos direitos e garantias legais, liberdade
para as partes negociarem as condições dos contratos.
São essas também as condições laborais que contribuíram, no
século XX, graças à instabilidade social e tensão internacional criadas (dado
que todos os países seguiam tal modelo, à época chamado, naturalmente,
apenas de liberal, e não de neoliberal), a duas guerras mundiais e a um
nunca antes visto período de colapso econômico global, do qual a parte mais
visível foi o crash da bolsa de valores de 1929, sobre o que se falará mais no
capítulo 4.
A antinomia do projeto de lei ao direito do trabalho e, na verdade,
aos interesses de toda a sociedade, não poderia ser maior.
Afinal, o que significa reconhecer a livre composição entre as
partes, em um contrato de trabalho? De que partes estamos falando? Ora,
de um lado temos o trabalhador, que precisa assegurar alguma fonte de
renda sob pena de morrerem, ele e seus filhos, de fome. De outro temos o
capitalista, dono dos meios de produção, que necessita da mão de obra do
trabalhador.
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No passado, por força da tradição – ou ficção – liberal, essas
duas partes – o trabalhador faminto e o capitalista rico – foram consideradas
iguais, não sendo reconhecida aos olhos da lei qualquer vantagem de um
sobre o outro, estando os dois em pé de igualdade, de modo que qualquer
coisa que ajustassem de livre e espontânea vontade seria justo e apropriado.
Séculos de misérias, guerras, convulsões sociais e sofrimento
levaram a humanidade, no século XX, a concluir que as coisas não se davam
exatamente assim. Trabalhadores e capitalistas não estão em pé de
igualdade, e na ausência da intervenção do estado, a tendência natural é a
exploração sem limites do economicamente mais fraco pelo mais forte.
Trata-se da tendência que levou à utilização do trabalho de
crianças de seis anos de idade em minas de carvão, e à imposição de
jornadas de trabalho diárias de dezoito horas ou mais, até que se viu a
necessidade do estado intervir, não por bondade, mas para evitar novas
guerras e calamidades, além do risco (para o capitalista) de que o povo
tomasse o poder pela força, como ocorreu na Rússia.
Pode alguém imaginar, agora, que empregadores do século 19
que utilizavam mão de obra de crianças de seis anos em uma atividade
acentuadamente perigosa e insalubre, ou exigiam jornadas de trabalho
brutais, eram pessoas perversas, desumanas. Na verdade, provavelmente
na maioria dos casos não o eram, e ao menos à época eram considerados
membros exemplares da sociedade. A degeneração sem limites das
condições de vida dos trabalhadores correspondia, normalmente, não a um
propósito doloso de infligir dor a milhões de pessoas (como o foi o projeto
nazista), mas à mera prevalência das regras do jogo capitalista (aliada à
indiferença quanto à geração ou não de dor aos mais pobres), na ausênciade qualquer intervenção protetiva do estado, com a busca do maior lucro e
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da maior redução de custos possíveis, incluindo os custos trabalhistas.
Propõe-se agora, entretanto, que o “longo século XX” seja
esquecido, e que voltemos ao modelo anterior, que era muito bom.
E de fato o modelo antigo era muito bom... mas bom para quem?
Para a esmagadora maioria da população? Para a sociedade? Ou para os
mais ricos?
Ao propor, em pleno século 21, a substituição de direitos e
garantias legais, impostos pelo estado, pela “livre negociação entre as
partes”, o que está sendo efetivamente defendido é o retorno à antiga prática
da mercantilização do trabalho, com o reconhecimento de que trabalhadores
e empregadores devem ser “livres” para pactuar o preço da venda da força
de trabalho, sob as regras do mercado.
Ignora-se que toda a luta dos trabalhadores, desde o alvorecer da
era moderna, e toda a razão de ser da disciplina direito do trabalho está na
intenção de se impor limites à conversão da força de trabalho em
mercadoria, que transforma seres humanos em coisas.
O autor das palavras contidas na justificativa do projeto, quem
quer que seja, certamente não desconhece, já que o texto revela
familiaridade com a questão trabalhista, mas parece nutrir completo
menosprezo pelo princípio da proteção, sobre o qual se estrutura o direito do
trabalho.
Tal princípio, há décadas reconhecido como universal, parte do
pressuposto que entre trabalhadores e capitalistas há uma desigualdadefática (econômica, social e política) essencial, que justifica o abandono das
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regras que regem os contratos comerciais e civis em geral – baseadas na
plena liberdade contratual e igualdade formal entre as partes – em favor de
regras capazes de proteger o mais fraco dos abusos do mais forte.
Não há direito do trabalho sem a disposição de proteger o mais
fraco, e de assegurar ao mais fraco um patamar mínimo existencial,
traduzido em direitos que não podem ser eliminados e que precisam ser
respeitados.
Tampouco há direito do trabalho sem o reconhecimento de que as
partes de um contrato do trabalho são desiguais, e merecem tratamento
desigual, justamente para compensar tal desigualdade, não criada pelo
direito pois decorre dos fatos, das condições sociais, econômicas e políticas
existentes.
Sem o princípio da proteção, nenhuma lei trabalhista faz sentido.
Sem o princípio da proteção, a rigor cessa a existência de leis ou
de direitos de natureza trabalhista, e passa-se a ter apenas direitos civis ou
comerciais.
Não obstante, o que a justificativa do projeto do Código do
Trabalho sustenta em nome da “modernização” e da “competitividade” é
justamente isso: a virtual eliminação do princípio da proteção do direito
brasileiro, a mercantilização das relações de trabalho, a transformação do
direito do trabalho em um capítulo dos direitos civil e comercial.
Veja-se que poderia ser proposta, sem agressão ao princípio da
proteção, a pontual alteração de regras trabalhistas, como a diminuição daamplitude de um direito específico.
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Por exemplo, quando se propõe que o intervalo mínimo para
repouso e alimentação (intervalo intrajornada) seja reduzido de uma hora
para quarenta e cinco minutos, por exemplo, não há aí incompatibilidade com
o principio da proteção, embora possa se falar em retrocesso social e na
indesejabilidade da mudança.
De fato, não decorre dos princípios trabalhistas que o intervalo
para almoço seja necessariamente de uma hora, ou de meia hora, ou de
duas horas, mas sim que exista algum intervalo, e que ele seja suficiente
para a recomposição das forças do trabalhador. Em certo momento,
prevalecerá um critério fixado em lei, mas em outra época o critério pode vir
a ser mudado, sem incompatibilidade com os princípios.
As alterações propostas no projeto do Código do Trabalho,
entretanto, não são apenas dessa natureza – embora essas também
existam, inclusive a diminuição do intervalo, como veremos – havendo outras
mais importantes, de cunho fundamental, que são justamente aquelas que a
justificativa do projeto procura defender.
A defesa da prevalência do negociado sobre o legislado e da
“cooperação” entre trabalhadores e capitalistas, os apelos à cessação da
intervenção estatal, a denúncia à “exagerada” manutenção de direitos
“excessivos”, não são intervenções pontuais à legislação, mas um ataque
direto aos princípios e aos valores que informam o direito do trabalho.
Sem a intervenção estatal, e com a transformação de normas
trabalhistas em civis e comerciais, não se altera apenas a amplitude de
determinados direitos, mas a própria existência de uma ampla gama dedireitos, inclusive direitos fundamentais da pessoa humana, como os direitos
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à saúde e à dignidade, por exemplo.
Como mencionado na introdução, trata-se – não havendo na
afirmação qualquer exagero – de um “Código (pelo Fim do Direito) do
Trabalho”, cujos propósitos – inversão da atuação do estado, deslocando-se
da proteção do mais fraco para a adesão aos interesses econômicos do mais
rico – estão bem claros.
Aliás, em seu discurso na Câmara para apresentação do projeto
de lei, no dia 26/05/2011, o deputado Sílvio Costa conseguiu ser ainda mais
claro quanto aos valores e pretensões por ele representados:
“Quero dizer a V. Exas. que, entre as economias mais modernas
do mundo, o Brasil é a única na qual ainda existe a Justiça do Trabalho. Para
mim, acabaria a Justiça do Trabalho. Não faz sentido, num país que é a
sétima economia do mundo, ainda haver uma Justiça paternalista, uma
Justiça getulista.4”
Como veremos a seguir, tais valores e pretensões não ficam
contidos apenas na justificativa do projeto. O Código é coerente nesse
sentido, pois o propósito de eliminar, tanto quanto possível, o princípio da
proteção do ordenamento pátrio traduz-se, no bojo do texto, em propostas de
inovação legislativa concretas.
1.3) Alguns pontos de destaque do projeto do Código
O projeto do Código do Trabalho é bastante extenso, possui 280
4 Conforme nota taquigráfica disponível no site da Câmara dos Deputados.
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artigos, fugindo ao escopo deste estudo a discussão de cada um de seus
elementos.
Em várias questões o projeto não inova a legislação atual,
limitando-se a realizar uma sistematização de regras já existentes.
Em outros pontos são apresentadas inovações, muitas vezes –
mas não sempre – de cunho adverso aos trabalhadores, envolvendo redução
do patamar de proteção atual.
Destaco as seguintes mudanças propostas:
a) Suprime-se o intervalo intrajornada de 01 hora para descanso
e alimentação, não sendo fixado qualquer patamar mínimo. Ao invés disso,
prevê-se intervalos “cuja duração será estabelecida em acordo escrito ou
convenção ou acordo coletivo de trabalho, observando-se os usos e
costumes da atividade e da região” (art. 22, caput).
Pode-se prever com facilidade que empregadores rurais
alegarão, em reclamatórias trabalhistas, que os “usos e costumes” no interior
de Mato Grosso, Pará e Minas Gerais, por exemplo, implicam em descansos
de apenas 20 minutos ou menos. Os trabalhadores rurais limitar-se-ão a
assinar o documento que lhes for apresentado quando da contratação, sob
pena de não obter emprego, no qual constará tal reconhecimento. E não
estarão os empregadores faltando de todo com a verdade, pois em várias
regiões o costume (não no sentido de “direito costumeiro” mas de “prática
ilícita habitual”, como pude constatar ao atuar no norte de Mato Grosso e
norte e oeste de Minas Gerais, na condição de Procurador do Trabalho) é
descumprir sem cerimônia a legislação atual.
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b) Incentiva-se o descumprimento de embargos e interdições
administrativas determinados pela inspeção do trabalho, em situações
envolvendo a existência de grave e iminente risco à vida e à saúde do
trabalhador, pois se prevê que qualquer punição, em caso de violação do
embargo ou interdição, dependerá da comprovação de prejuízo a terceiros.
Nesse sentido: “Responderá por desobediência, além das medidas penais
cabíveis, quem, após determinada a interdição ou o embargo, ordenar ou
permitir o funcionamento do estabelecimento ou de um dos seus setores, a
utilização de máquina ou de equipamento, ou o prosseguimento de obra, se,
em consequência, resultarem danos a terceiros” (art. 50, § 1º).
Trata-se na verdade de regra de assustadora irresponsabilidade,
revelando verdadeiro descaso do autor do projeto para com a vida dos
trabalhadores.
Exemplifiquemos com a seguinte situação: digamos que em
determinada obra da construção civil não há qualquer tipo de proteção contra
quedas no trabalho executado em alturas, embora os trabalhadores estejam
laborando a treze andares do solo. Diante disso, a inspeção do trabalho,
tendo flagrado a infração, determina a interdição das atividades
desenvolvidas em altura.
O empregador, então, desconsidera por completo a ordem da
autoridade, e continua a exigir de seus operários trabalho em alturas sem
proteção, sendo que, por sorte ou milagre, até o final da obra não ocorrem
óbitos.
Pelo projeto de Código, tal empregador não poderia ser punido.
Só poderá ser punido se alguém cair e morrer!
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Previsivelmente, o empregador do exemplo dado continuará,
depois disso, a descumprir todas as futuras interdições decretadas
(provavelmente dará boas gargalhadas ao receber novas ordens
administrativas, antes de jogar o papel no lixo), tão convicto estará de que
nunca enfrentará problemas (pois é sempre essa a convicção, em se
tratando de violações a normas de segurança no trabalho: despreza-se o
risco), até que certo dia, um ou mais trabalhadores cairão e morrerão, o que
inevitavelmente ocorrerá, mais cedo ou mais tarde. Só então, a teor do
projeto do Código do Trabalho, é que se poderia cogitar de alguma punição
ao empregador.
Vejamos um exemplo recente, de agosto de 2011, dessa espécie
de situação: “Elevador despenca do 20º andar e mata nove em canteiro de
obras na Bahia. Funcionários relataram problemas em equipamento. Falha
mecânica e excesso de peso são possíveis causas5”.
É esse tipo de comportamento irresponsável (melhor dizendo,
homicida) que o estado deseja encorajar, com o total menosprezo à vida
humana?
c) Elimina a regra, hoje contida no art. 468 da CLT, de que as
alterações das condições inicialmente pactuadas do contrato individual só
poderão ocorrer “desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos
ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia”.
O projeto preserva apenas a necessidade de mútuo consentimento,
autorizando alterações contratuais lesivas: “ Art. 125. Nos contratos
individuais de trabalho, só é lícita a alteração das respectivas condições por
mútuo consentimento”. Como a liberdade do trabalhador, em situações tais,
5 Emhttp://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/ba/elevador+despenca+do+20+andar+e+mata+nove+em+canteiro+de+obras+na+bahia/n1597125985901.html
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resume-se a duas opções, acatar o que o empregador lhe exige ou ser
demitido, pode-se imaginar o que significaria na prática tal inovação
legislativa.
d) Suprime-se a vedação hoje existente, salvo exceções legais,
de trabalho em dias de feriado, autorizando-se que a folga seja concedida
em outro dia ou que o dia trabalhado seja remunerado em dobro (art. 28).
e) Institui multa administrativa ínfima, fixada em R$ 400,00
(quatrocentos reais) para a esmagadora maioria das infrações
administrativas passiveis de cometimento. Apenas o descumprimento de 07
dos 280 artigos do Código conduziriam a multa em valor diverso.
Essa seria a única multa exigível, por exemplo, para a hipótese
de violação do dever de formalizar o contrato de trabalho, previsto no art. 81
do projeto. Assim, caso o empregador deixe de registrar o contrato de 1, 10,
100 ou 1.000 empregados, a punição será a mesma, multa de R$ 400,00.
Da mesma forma, se um empregador for flagrado expondo a vida
de seus 100 empregados ao risco de morte, pela inexistência de quaisquer
medidas de proteção individuais ou coletivas em atividade de risco, será
“punido” com uma multa de R$ 400,00.
Em casos de “fraude, simulação, artifício, ardil, resistência,
embaraço ou desacato à fiscalização, assim como na reincidência”, o valor
da multa dobraria, atingindo R$ 800,00, quantia máxima exigível de um
empregador que, por exemplo, seja flagrado pela vigésima vez suprimindo a
formalização do contrato de seus 500 empregados, com o cometimento de
embaraço e desacato ao auditor-fiscal (por exemplo, por ameaçar o fiscal deagressão física).
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Nessas condições, não se trata tal multa de uma punição, mas de
um prêmio ao empregador que mais descumprir a lei. O encorajamento à
prática de violações ao próprio Código é enfático, evidente e incondicional. A
proposta é clara: tornar irrelevante a função da inspeção do trabalho no
Brasil, privando-a de qualquer efetividade.
A previsão é tão absurda, tão assustadoramente irresponsável
que, a bem da verdade, causa espanto que alguém tenha a coragem de
apresentá-la e defendê-la de público, sem constrangimento.
Não se deve, entretanto, perder de vista que os pontos acima
destacados do projeto de lei, embora preocupantes, não constituem as
maiores ameças por ele criadas, relativamente à preservação de alguma
proteção a ser proporcionada aos trabalhadores. O cerne da proposta não
está aí, mas em outras três medidas, analisadas a seguir.
1.4) Principais alterações contidas no projeto: prevalência
do negociado sobre o legislado, terceirização e abolição da anotação de
CTPS.
Como mencionado, o projeto de lei do Código do Trabalho
contém muitos dispositivos e propõe diversas inovações legislativas, a
maioria das quais contrárias aos interesses dos trabalhadores.
Do ponto de vista da concretização daquilo a que se propõe a
justificativa do projeto – abolição, tanto quanto possível, do princípio daproteção e da intervenção do estado em favor do trabalhador, parte mais
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fraca da relação de trabalho –, a maior parte das mudanças possui caráter
secundário se comparadas a três outras alterações, que constituem sem
dúvida o cerno do projeto, eis que capazes de gerar consequências
consideravelmente mais profundas e drásticas.
Tais três alterações são:
* prevalência do negociado sobre o legislado (abolição do
caráter cogente de todas as normas trabalhistas não contidas na
Constituição Federal);
* terceirização, autorizada de forma amplíssima;
* abolição, na prática, da anotação na Carteira de Trabalho.
A aprovação de apenas uma dessas três medidas redundaria,
seguramente, em um “ferimento de morte” ao princípio da proteção. A
aprovação de duas delas ou mais, simultaneamente, tornaria sem sentido a
manutenção da Justiça do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho, da
inspeção do trabalho e de todo corpo estatal voltado à implementação de
normas trabalhistas, eis que nada sobraria do princípio da proteção a ser
acompanhado pelo estado. Voltaríamos à época de império da
mercantilização da força de trabalho, não obstante a condenação a isso
contida na Constituição Federal (dado o reconhecimento do valor social do
trabalho) e, explicitamente, na Constituição da Organização Internacional do
Trabalho.
Aprovada uma só das medidas acima, tem-se que as condições
de vida e de trabalho dos trabalhadores brasileiros sofrerão considerável
mudança para pior. Aprovadas duas ou mais dessas medidas, deixa de
existir, para efeitos práticos, algo que mereça ser chamado direito dotrabalho no Brasil.
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Demonstrar que tal conclusão não possui o caráter espetacular
ou provocativo que pode parecer à primeira vista, correspondendo isto sim a
uma visão realista do significado das alterações legislativas propostas, será o
foco de toda a discussão que se desenvolverá a seguir.
1.4.1) Prevalência do negociado sobre o legislado
Prevê o art. 2º do projeto do Código:
Art. 2º O contrato individual de trabalho rege-se pelas normas
estabelecidas entre as partes, respeitados os direitos mínimos
assegurados neste Código e na Constituição Federal.
Parágrafo único. As condições de trabalho previstas neste
Código podem ser alteradas por meio de:
I – convenção ou acordo coletivo de trabalho; ou
II – acordo individual, desde que o trabalhador perceba salário
mensal igual ou superior a dez vezes o limite máximo do salário
de contribuição da previdência social.
A previsão contida no inciso II do parágrafo único, acima
transcrito, atingiria quantidade ínfima de trabalhadores brasileiros (em
valores de agosto de 2011, apenas empregados que percebam salário
mensal superior a trinta mil reais), de modo que não será aqui discutida.
Muito mais significativo é o impacto do estabelecido no inciso I, capaz deremover da proteção proporcionada pela legislação dezenas de milhões de
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trabalhadores.
De acordo com o inc. I, todos os direitos trabalhistas, à exceção
daqueles previstos na Constituição Federal, poderiam ser afastados ou
limitados através de negociação coletiva, seja por convenção, seja por
acordo coletivo, portanto com a participação do sindicato de trabalhadores.
Tal regra implica no afastamento do caráter cogente (obrigatório,
impositivo) de normas trabalhistas que dispõem sobre direitos indisponíveis,
como o são muitos dos direitos trabalhistas (dado que se relacionam com a
manutenção de um mínimo existencial), entre os quais os direitos à saúde e
à dignidade. Tal tipo de norma, cogente, proibitiva, constitui um limite à
edição de normas autônomas privadas, como aquelas decorrentes de
negociação coletiva. Onde se faz presente a norma cogente, é permitida a
ampliação, mas não a diminuição do direito que ela institui.
Exemplo evidente de normas trabalhistas proibitivas são aquelas
relacionadas ao meio ambiente do trabalho, à segurança e à medicina do
trabalho, entre as quais se inserem as limitações à jornada de trabalho.
Entende-se que tal tipo de norma não pode ter sua aplicação limitada, ainda
que com a concordância do sindicato de trabalhadores, eis que não há, aí,
poder ou legitimidade da entidade sindical para dispor (leia-se: abrir mão) do
direito do trabalhador.
O que hoje prevalece, portanto, é algo mais ou menos óbvio: não
se pode dispor do que é, por sua própria natureza, indisponível.
O projeto do Código propõe, na esteira da reforma neoliberal,
uma solução singela ao “problema” da “rigidez” de direitos trabalhistas: nãohaverá mais direitos indisponíveis. Tudo poderá ser negociado, e portanto
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limitado e eliminado, desde que não se encontre previsto na Constituição
Federal.
A proposta na verdade não é nova. Trata-se da reedição do
projeto de lei n. 5.483, de 2001, apresentado pelo então Presidente da
República Fernando Henrique Cardoso, só que em uma versão piorada.
O Projeto de Lei n. 5.483, que chegou a ser aprovado na Câmara
dos Deputados, previa:
“O art. 618 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo
Decreto-Lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943, passa a vigorar com a seguinte
redação: 'Art. 618. As condições de trabalho ajustadas mediante convenção
ou acordo coletivo prevalecem sobre o disposto em lei, desde que não
contrariem a Constituição Federal e as normas de segurança e saúde do
trabalho'”.
A parte final do texto é o que justifica a afirmação de que o atual
projeto do Código do Trabalho constitui uma versão piorada do projeto de lei
de FHC: a nova proposta sequer excepciona normas de segurança e saúde
do trabalho, tamanho o afã atual de tudo tornar passível de “flexibilização”.
Na exposição de motivos do projeto de 2001, encontramos a
origem das justificativas que ecoaram no projeto de 2011: “ A economia corre
em tempo real, pede direitos negociáveis e contratualizados. E não, apenas,
direitos inegociáveis e legislados”.
Tanto em 2001 quanto em 2011 sustentou-se que a
“modernidade” está a exigir a criação de um mecanismo capaz de permitir asupressão total ou parcial de direitos trabalhistas, quaisquer que sejam.
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O projeto n. 5.483/2001, não obstante sua aprovação na Câmara,
teve a tramitação conturbada e envolvida em intenso conflito, sendo a
resistência a ele capitaneada na época pela Central Única dos Trabalhadores
(CUT) e pelo Partido dos Trabalhadores (PT), com a participação de grande
número de outras entidades e especialistas em matéria trabalhista, que
defenderam inclusive a inconstitucionalidade do projeto.
Basta ver que, à época, queixava-se José Pastore, expoente do
ideário neoliberal na seara trabalhista brasileira, quanto às dificuldades para
a célere aprovação do projeto nos seguintes termos6:
“O PT e a CUT fizeram um estrondoso alarde durante a
discussão do projeto de lei 5.483 que alterou o art. 618 da CLT. Pelos
decibéis do alarido, estávamos próximos do fim do mundo. Isso criou no
povo um sentimento de grande apreensão. Dizia-se que a nova lei iria
revogar toda a CLT; que acabaria com o 13º salário, férias, licença à
gestante; que os empregadores imporiam aos empregados condições
selvagens; que sindicatos fracos fariam acordos em favor das empresas.”
A tramitação chegou ao fim quando, em 2003, o Presidente Luiz
Inácio Lula da Silva requereu, através da Mensagem n. 78, a retirada do
projeto, que então se encontrava no Senado (sob o n. 134/2001)
Na Mensagem Presidencial era mencionado:
“3. Sem embargo dos argumentos em prol da modernização
laboral e da flexibilização legislativa em um mundo em constante câmbio
pela globalização, ao se buscar identificar um conjunto de efeitos
6 Publicado em O Estado de São Paulo, 12/02/2002.
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subjacentes a uma alteração assim levada a cabo, encontra-se a obscura e
temida precarização dos direitos trabalhistas. Na realidade concreta, o objeto
da negociação pode vir a ser o que a lei assegura como mínimo: os próprios
direitos dos trabalhadores.
4. Outra ordem de questões ressurge, nesta oportunidade,
com vigor suficiente para sugerir a mudança de rumos no debate que
envolve a chamada Reforma Trabalhista. Trata-se daquele conjunto de
medidas voltadas à superação da atual estrutura sindical, marcadamente
corporativista, tutelar e pouco afeta ao controle social, onde, ao lado de
honrosas e combativa agremiações, cada vez mais proliferam sindicatos
carentes de legitimidade ou representatividade.”
Os argumentos contidos na Mensagem continuam, a rigor,
plenamente válidos. A estrutura sindical permanece a mesma de 2003, se
não estiver pior, já que não foi levada a termo até hoje a referida reforma
sindical. Em especial, continuam proliferando sindicatos carentes de
legitimidade ou representatividade (ao lado, naturalmente, de sindicatos
atuantes e firmes na defesa dos interesses dos trabalhadores). E a
identificação dos efeitos subjacentes ao que estava sendo proposto, que
agora volta a ser pretendido, como a “obscura e temida precarização dos
direitos trabalhistas”, tampouco mudou, sendo na verdade atemporal.
Nesse sentido, cabe menção ao estudo “Diagnóstico das relações
de trabalho no Brasil”, elaborado pelo Fórum Nacional do Trabalho, criado
pelo Governo Lula justamente para discutir a reforma sindical7:
“Entre 2002 e 2004, foram emitidas, pelo MTE, 1.013 novas
certidões de registro sindical, e até dezembro de 2004 existiam em
7 Em http://www.mte.gov.br/fnt/DIAGNOSTICO_DAS_RELACOES_DE_TRABALHO_NO_BRASIL.pdf
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tramitação na Coordenação-Geral de Registro Sindical-CGRS 4.547 pedidos
de registro. Nesse período, foi criado, em média, um sindicato por dia. A
atual situação do sistema sindical brasileiro fica mais evidente quando se
analisa o levantamento realizado entre junho e julho de 2005 pela Secretaria
de Relações do Trabalho – SRT do MTE, onde foi identificada a existência
de 23.726 entidades sindicais com registro no MTE, sendo 23.077
sindicatos, 620 federações e 29 confederações. Além disso, existem outros
8.405 processo em tramitação, dentre estes, 5.529 são novos pedidos de
registro e 2.876 pedidos de alteração estatutária em tramitação no MTE.
No entanto, o dado mais impressionante é a existência de cerca
de 1950 categorias profissionais e 1.070 categorias econômicas que se
organizaram em sindicatos após 1990. Esse dado mostra que o processo de
criação de um sindicato hoje no país acaba tendo como único limite a
criatividade dos interessados para a denominação das categorias, muitas
vezes sem nenhum compromisso com a real segmentação da atividade
econômica e profissional.
(…)
Como pode ser constatado a partir dos dados mencionados, o
aumento do número de sindicatos resultou menos do avanço na organização
sindical e bem mais da fragmentação de entidades já existentes. A
pulverização trouxe consigo o enfraquecimento da representação de
trabalhadores e de empregadores.”
Pude constatar em primeira mão, através de minha atuação como
procurador do trabalho, evidências de tal desolador enfraquecimento da
atuação sindical, e abandono da defesa aguerrida dos interesses dos
trabalhadores.
Em 2008, por exemplo, realizei em conjunto com a colega Larissa
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Lima uma audiência pública, com a presença de dezenas de sindicatos de
trabalhadores e de empregadores rurais da região abrangida pela
Procuradoria do Trabalho no Município de Patos de Minas (oeste de Minas
Gerais, com forte presença de lavouras de café e feijão, entre outras), que
foram alertados quanto a cláusulas que não deveriam ser incluídas em
convenções e acordos coletivos.
O necessidade de tal audiência pública se fez óbvia ante a
descoberta da proliferação, em toda a região, de acordos coletivos firmados
com grandes fazendeiros que previam, entre outras coisas, que: a) o custo
das ferramentas de trabalho (enxada e rastelo, por exemplo) seria suportado
pelos trabalhadores rurais; b) o empregador era dispensado de fornecer na
fazenda água potável e fresca; c) seria considerado como falta o dia em que
o empregado não apresentasse a produtividade esperada pelo empregador,
d) não haveria limitação ao número de horas extras diárias durante a
colheita; entre outros absurdos.
Todos os sindicatos que foram flagrados celebrando acordos
assim terminaram assinando com o Ministério Público termos de ajuste de
conduta, comprometendo-se a não mais pactuar tais cláusulas, sob pena de
multa.
Por justiça, registro que tal tipo de postura não era verificada
relativamente a todos os sindicatos de trabalhadores rurais – embora fossem
muitos os que celebravam acordos espúrios dessa forma -, sendo um óbvio
exemplo de atuação valorosa e corajosa na defesa dos rurícolas o Sindicato
dos Trabalhadores Rurais de Araxá e Região.
Mais recentemente, em 2011, ouvi de dirigente sindical emAraraquara, interior de São Paulo, reclamações sobre as dificuldades
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financeiras experimentadas pelo seu sindicato de trabalhadores. Indaguei,
então, sobre a quantia arrecadada a título de mensalidades dos filiados. A
resposta foi surpreendente: “nós não temos filiados”. E por que não são
organizadas campanhas de sindicalização, perguntei. “ Ah, doutor, eles não
colaboram, o sindicato tem uns dez convênios com lanchonetes, farmácias,
e ainda assim eles não se filiam”.
Por outro procurador do trabalho foi ouvido também neste ano de
2011, em situação envolvendo obstáculos criados à filiação de trabalhadores
no sindicato, a seguinte declaração de seu presidente: “mas eu preciso
impedir mesmo que entrem, doutor, senão eles formam uma chapa para
concorrer contra mim! ”
Imagine o leitor, então, o que sindicatos com esse perfil,
absolutamente subservientes aos interesses patronais, e avessos à liberdade
e à democracia sindicais, serão capazes de fazer se acaso lhes for dado,
como pretende o projeto do Código do Trabalho, o poder de vida e de morte
sobre quase todos os direitos trabalhistas?
Ora, no primeiro exemplo dado, aquilo que foi revertido graças à
atuação do Ministério Público tornar-se-ia norma autônoma plenamente
válida, e os trabalhadores rurais do interior de Minas Gerais, já premidos
pelos baixos salários (pois mesmo trabalhando não ultrapassam a linha da
pobreza), seriam obrigados a pagar para trabalhar (teriam que adquirir as
ferramentas de trabalho com o dinheiro do próprio bolso), a beber água
quente (trazida de casa ou do alojamento pela manhã, submetida a sol
inclemente durante todo o dia), e a ser privado de salário por um dia inteiro
de trabalho, por não ter atingido as metas de produção impostas
unilateralmente pelo empregador.
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Pergunta-se: isso é moderno e avançado? É isso o que se deseja
para as relações trabalhistas no Brasil?
Pois é exatamente isso o que ocorrerá, ou coisas ainda piores, na
eventualidade de ser aprovada a alteração proposta, dado o cenário sindical
existente.
Alavancaremos, sem sombra de dúvida, a “competitividade” das
empresas e empregadores brasileiros, mediante formidável redução de seus
custos financeiros. Mas qual o custo humano implicado?
Frise-se que não se deseja, de modo algum, lançar mácula sobre
o movimento sindical obreiro como um todo. Pelo contrário, os sindicatos são
os mais legítimos representantes dos interesses da classe trabalhadora que
há, e não fosse a luta dos movimentos operários, sequer existiriam direitos
trabalhistas. Além do que, existe no Brasil considerável número de sindicatos
(vale dizer, de dirigentes sindicais) que honram seu nome, que respeitam a
liberdade sindical e que não se furtam ao papel de efetivamente defender os
trabalhadores. Mas, pelo que já se expôs, pode-se dizer que sindicatos com
tal perfil não constituem a maioria.
Grande número dos sindicatos são, ao revés, entidades débeis,
sem qualquer representatividade, mantidas por número reduzido de pessoas
que agem como se o sindicato fosse propriedade particular sua,
interessadas apenas na arrecadação de contribuições sindicais, ativas em
impedir a democracia interna e despreocupadas em beneficiar os
trabalhadores da categoria, ficando o sindicato sem força para resistir a
qualquer avanço patronal.
Registre-se ainda a profundamente lamentável situação de
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sindicatos de trabalhadores que pecam não por uma atuação deficiente em
favor dos trabalhadores, mas por uma atuação firme e consistente, só que
em favor dos empregadores. Trata-se de sindicatos, a rigor, de mentira,
coaptados pelos interesses empresariais aos quais servem, sem que os
trabalhadores da categoria consigam reverter a situação.
Exemplo disso é mencionado em brilhante ação civil pública
ajuizada, em 2009, pela Procuradoria Regional do Trabalho da 21ª Região
(Rio Grande do Norte), de cuja inicial é extraído o seguinte trecho:
“A criação do [sindicato], consoante já se demonstrou,
caracterizou-se como uma fraude perpetrada por um grupo de pessoas,
proprietárias de empresas do ramo econômico, ou a elas vinculadas,
capitaneadas por (...).
A existência do ente sindical refletiu, desde o seu início, o
objetivo almejado pelos seus principais idealizadores e criadores: servir de
instrumento de sonegação e burla aos direitos dos trabalhadores da
categoria, em favorecimento de empresas do ramo da prestação de serviços
e locação de mão de obra, geridas e administradas pelos próprios
empresários e empregadores, igualmente beneficiados pelas práticas ilícitas.
Evidencia-se que o sindicato, sob a vestimenta e aparência
formal de uma entidade classista, sempre atuou como um vigoroso 'braço'
empresarial, a chancelar arranjos espúrios em acordos trabalhistas, a iludir
os trabalhadores, a subtrair os seus direitos irrenunciáveis, a coagi-los a
aceitar transações prejudiciais, a privá-los da proteção de direitos
fundamentais e a extorqui-los por meio de contribuições sindicais abusivas,
para se dizer o mínimo.”
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Nessas condições, não poderia causar qualquer surpresa que a
Confederação Nacional da Indústria e José Pastore, dentre outros, mostrem-
se intransigentes defensores da proposta, apresentada como “moderna” e
“benéfica” aos trabalhadores.
De fato, na eventualidade de ser consagrada a prevalência do
negociado sobre o legislado, assistiremos à proliferação de acordos e
convenções espúrios em todo o país, com a supressão pura e simples de
direitos trabalhistas. Tais negociações não poderão ser questionadas
judicialmente (salvo reconhecimento da inconstitucionalidade da própria
alteração legislativa que vier a respaldá-las), ao mesmo tempo em que
teremos, além do avanço do patrimônio particular de alguns sindicalistas,
quiçá um punhado de acordos e convenções contemplando conquistas aos
trabalhadores, celebrados por sindicatos dotados de grande
representatividade.
Além disso, tem-se por certo que o direito objeto de desistência,
em um acordo ou convenção, jamais retornaria aos trabalhadores
posteriormente, pois o patamar mais vantajoso obtido pelo empregador, em
um ano, será para ele o piso a partir do qual novas negociações se
desenrolarão. Como regra, aquilo que se perde porque se abriu mão não
retorna jamais, senão após novo, demorado e penoso processo de luta.
Por exemplo, digamos que no primeiro ano um sindicato aceite
aumentar o número máximo de horas extras por dia, de duas para três ou
quatro, como forma de obter maior reajuste salarial. No ano seguinte, o
reajuste obtido já terá sido em parte ou totalmente consumido pela inflação,
mas a ampliação do número de horas extras será, para o empregador, ponto
fora da pauta de discussões. Entre outras coisas, insistirá o empregador,previsivelmente, que o processo produtivo já se organizou em torno da
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mudança, e que a reversão causará graves prejuízos, inviabilizando a
empresa. Caso o sindicato de trabalhadores insista no retorno ao teto de
horas extras previsto em lei, descobrirá que sua capacidade de reivindicação
se esgotará nisso, e não obterá o reajuste salarial pretendido pelos
trabalhadores e cobrado pelos filiados. De modo que, para assegurar o
reajuste, deixará de lado o que foi objeto de desistência anterior. Com o
passar dos anos, a elevação do número de horas extras se tornará prática
usual, com a qual se conformarão tanto os trabalhadores (cujos índices de
adoecimento aumentarão) quanto o empregador. E novas negociações, em
termos um pouco mais vantajosos aos trabalhadores (como, por exemplo,
um aumento salarial levemente acima dos índices de inflação, ou a
concessão de uma cesta básica) se darão apenas com nova contrapartida
em termos de supressão de direitos.
Vale repetir a lição, que é universal e não específica às relações
trabalhistas: aquilo que eu entrego “de mão beijada” a outrem, aquilo a que
eu renuncio em favor de outrem, torna-se patrimônio dessa outra pessoa, e o
mais provável é que ela não será tão displicente quanto fui na defesa de seu
patrimônio.
Trata-se de um caminho sem volta, que segue em uma só
direção: a remoção progressiva do mínimo existencial garantido pela
legislação aos trabalhadores.
Saibam os trabalhadores brasileiros, portanto, isto: uma vez
aprovada a prevalência do negociado sobre o legislado, todos os direitos
trabalhistas, à exceção daqueles previstos na Constituição Federal (até que
apareçam propostas conservadoras de reforma constitucional para
supressão também destes direitos), estarão sob risco.
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A longo prazo a maioria dos direitos (30 dias de férias anuais,
limite de 2 horas extras por dia, indenização na dispensa sem justa causa de
40% sobre depósitos do FGTS, vale transporte, horas in itinere, prazo para
pagamento do salário – que hoje é até o quinto dia útil –, prazos para
pagamento das verbas rescisórias, intervalos para descanso e alimentação,
redução de tempo da hora noturna, registro de jornada, etc.) efetivamente
perecerá, pois não há no Brasil estrutura sindical capaz de defender tais
direitos à voracidade patronal, à exceção, talvez, de um punhado de
categorias profissionais mais organizadas.
O risco de restrição às normas de saúde e segurança no trabalho
mostra-se ainda maior. Afinal, sabe-se que o cumprimento de tais normas
significa, em muitos casos, elevados investimentos pelo empregador,
necessários à salvaguarda da vida de seus empregados. Em razão de tal
custo, esse tipo de norma está entre as mais comumente violadas no dia a
dia, e são objeto de permanentes críticas e contestações pela classe
empresarial.
De fato, há casos de sindicatos e federações patronais que
ingressaram com mandados de segurança coletivos com o propósito de
obter manifestação judicial eximindo todas as empresas do setor de cumprir
as Normas Regulamentadoras expedidas pelo MTE, ao fundamento de que
não seriam autorizados por lei.
A pretensão de eliminar direitos assegurados em normas de
saúde e segurança do trabalho encontra-se, aliás, expressamente
mencionada no documento Agenda Legislativa da Indústria 2011, nos
seguintes termos: “Segurança e Saúde do Trabalho - A Lei deve privilegiar a
cooperação entre empregados e empregadores e adotar fiscalização maisorientadora que punitiva (…) É também necessário restringir a extensa
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regulação existente a normas essenciais, privilegiando a negociação
coletiva, capaz de atender com eficácia as questões específicas de cada
setor.”
Então, nenhuma norma de saúde e segurança estaria a salvo em
sendo aprovada a alteração legislativa proposta. A matéria não estaria
indisponível à negociação espúria, eis que a Constituição Federal, em seu
art. 7º, inc. XXXII, prevê como direito tão somente a “redução dos riscos
inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”.
Ora, as “normas de saúde, higiene e segurança”, hoje previstas em leis e
portarias que as regulamentam, poderiam ser substituídas por normas
contidas em acordos ou convenções coletivos (normas autônomas, não
heterônomas), sem ofensa à Lei Maior, com a redução do patamar de
cuidados e de investimentos por parte dos empregadores.
Ocorre que “flexibilizar” (leia-se eliminar) o cumprimento de
normas legais de saúde e segurança significa sempre “flexibilizar” o direito à
vida e à integridade física do trabalhador, o que é não apenas inaceitável
mas abominável, particularmente em um país onde o número de acidentes
do trabalho tem crescido nos últimos anos.
Basta aqui ser mencionado um dado particularmente assustador:
o número de acidentes de trabalho notificados (que constituem uma pequena
porção do total) tendo como vítimas crianças e adolescentes trabalhadores,
em 2010, foi de 2.101 ocorrências, incluindo casos de acidentes fatais (fonte:
Sinan/MS).
Exemplo de norma de saúde e segurança que seria
instantaneamente removida através de convenções e acordos coletivosespúrios seria, é óbvio, a Norma Regulamentadora n. 31 do MTE, que dispõe
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sobre a segurança e saúde no trabalho na agricultura e pecuária, e que é
alvo de permanentes ataques pelos empregadores rurais. Veja-se como
exemplo as declarações da Senadora Kátia Abreu, presidente da
Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária, na seguinte entrevista8:
“Ocorre que a norma que rege o trabalho no campo, a NR-31,
tem 252 itens. Em qualquer atividade, cumprir 252 critérios é muito difícil.
Nas fazendas, isso é uma exorbitância. Até em uma fazenda-modelo um
fiscal vai encontrar pelo menos um item dos 252 que não está de acordo
com a norma.
(…)
Quero fazer um desafio aos ministros: administrar uma fazenda
de qualquer tamanho em uma nova fronteira agrícola e aplicar as leis
trabalhistas, ambientais e agrárias completas na propriedade.
(…)
A NR-31 é uma punição à existência em si da propriedade
privada no campo.”
Logo, levando em conta que os sindicatos de trabalhadores rurais
estão entre os mais fracos que existem, ressalvadas nobres exceções,
teríamos em breve acordos autorizando, nos estados de Mato Grosso e Pará
dentre outros, “alojamentos” de trabalhadores constituídos por barracos de
lona plástica, que praticamente nenhuma proteção oferecem contra as
intempéries, desprovidos de sanitários ou de água potável, e que ainda hoje
são muito comuns, não obstante a condição degradante em que são
mantidos os trabalhadores.
Recordo-me, da época em que atuei como procurador em Alta
Floresta/MT (2007/2008), de conversa mantida em audiência administrativa
8 Disponível em http://www.faepapb.com.br/noticias.php?id=538, acessado em 09/08/2011.
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com um grande fazendeiro, dono de várias propriedades rurais, nas quais
criava dezenas de milhares de cabeças de gado, sendo que em uma delas
localizei, em diligência realizada com o apoio da Polícia Militar, trabalhadores
mantidos em barraco de lona (no período de chuvas, de modo que o solo do
“alojamento” era apenas barro), sem banheiros e sem água potável (a água
consumida, para todos os fins, provinha de córrego vizinho, dentro do qual foi
achado, há poucas dezenas de metros do “alojamento”, um boi morto em
decomposição). Procurou o fazendeiro justificar a condição em que eram
mantidos os empregados dizendo-me, com invulgar sinceridade: “doutor, a
vida de 'peão' é essa mesmo, eles já estão acostumados. Não adianta pagar
mais para eles, eles vão gastar tudo em bebida”.
Tais barracos de lona, de degradantes aos olhos da lei passariam
a ser lícitos, inquestionáveis, autorizados mediante acordos coletivos sob o
fundamento de que correspondem às “práticas locais”, em regiões pouco
acostumadas a reconhecer o direito dos rurícolas à dignidade.
Em acréscimo, a alteração legislativa permitiria o
descumprimento de convenções internacionais, entre elas as emanadas da
Organização Internacional do Trabalho (OIT), já ratificadas pelo Brasil, na
medida em que tais normas, no entender atual do STF, ingressam no
ordenamento pátrio com o status de lei ordinária e não de regra
constitucional.
Como resultado, através da prevalência do negociado sobre o
legislado, e admitindo-se como exceção apenas o contido na Constituição
Federal, poderia ser no Brasil afastada por negociação coletiva a incidência
de normas internacionais trabalhistas.
Vejamos um exemplo: um dos primeiros direitos que se tornariam
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objeto de limitação, através de convenções e acordos coletivos, seria sem
dúvida o gozo de 30 dias de férias anuais, alvo frequente de reclamações
empresariais. Nesse sentido a Nota Técnica n. 4, de janeiro de 2005, da CNI:
“ A regulação das relações de trabalho no Brasil é antiga, extensa e
paternalista. A maioria das normas é ainda oriunda do Governo Vargas, na
década de 40, e pressupõe que cabe ao Estado suprimir o conflito entre
capital e trabalho. (…) Trabalhadores e empregadores não podem negociar,
por exemplo, tempo de férias, aviso prévio ou o pagamento do 13º salário,
mesmo que isso interesse a ambas as partes para evitar alternativa pior.”
A redução do número de dias de férias seria possível, já que a
Constituição Federal assegura o direito ao gozo de férias, sem definir seu
prazo mínimo. Então, em algum momento seriam celebrados acordos
coletivos (talvez pelos mesmos sindicatos que consideraram muito
apropriado que o próprio empregado pague pelas ferramentas de trabalho)
instituindo o gozo de apenas 10 dias de férias. Tal acordo não agrediria a
Constituição e, na forma do Código do Trabalho, seria válido.
Ocorre que o Brasil é também signatário da Convenção n° 132 da
OIT, de 1970, que dispõe sobre férias anuais remuneradas, e que prevê o
patamar mínimo de três semanas (21 dias) de férias para cada ano de
serviço prestado (artigo 3º, § 1º a § 4º), sem contar os dias de feriados.
Diante disso, eventual acordo coletivo limitando o número de
férias para aquém de 21 dias representará, fatalmente, ofensa à convenção
internacional ratificada pelo Brasil.
Esse, é claro, é apenas um exemplo, e dezenas de outros
poderiam ser apresentados, já que o Brasil é signatário de grande parte das189 convenções da OIT.
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Tais acordos coletivos não seriam passíveis de impugnação
interna perante tribunais brasileiros (salvo se a própria reforma legislativa,
que os autorizou, vier a ser reconhecida como inconstitucional), mas ao
permiti-los estaria a República Federativa do Brasil violando compromissos
que assumiu formalmente perante a comunidade internacional, e tornar-se-ia
alvo de questionamento e até mesmo de sanções perante a OIT e outros
organismos internacionais, com desgaste político e diplomático considerável,
comprometendo as pretensões nacionais de se firmar como uma liderança
geopolítica mundial e referência a outros países em desenvolvimento.
Além disso, experimentaria o Brasil consideráveis prejuízos
comerciais, já que seguramente a violação de normas internacionais
ratificadas, seguida de condenação pela OIT, seria um precedente utilizado
como justificativa – plenamente fundamentada, aliás – para a criação de
restrições à inserção de produtos brasileiros em mercados estrangeiros.
Mercados interessados em obstaculizar, por exemplo, o ingresso da carne
brasileira teriam no descumprimento de normas da OIT a prova da prática de
dumping social pelo Brasil, ficando autorizada a retaliação comercial.
Registre-se que em 2001, por ocasião das discussões em torno
do projeto de lei encaminhado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso,
o mesmo problema – contrariedade às normas internacionais – foi
amplamente reconhecido, merecendo transcrição o seguinte artigo,
elaborado à época pela assessoria parlamentar do Partido dos
Trabalhadores9:
“Respondendo a consulta apresentada pela CUT, a OIT, através
9 “O desrespeito do governo FHC às normas internacionais do trabalho - Condenação da OIT ao projeto de flexibilização da CLT ”, autor Maximiliano Nagl Garcez. Emwww.assessoriadopt.org/CondenacaoOIT.doc
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do diretor do departamento de Normas Internacionais do Trabalho, Jean-
Claude Javillier, condenou formalmente o projeto de flexibilização do artigo
618 da Consolidação das Leis do Trabalho (P.L n. 5.483/01, na Câmara, e
agora sob o n. 134/01, no Senado).
A Organização Internacional do Trabalho considera que o projeto,
caso transformado em lei, afrontará diversas convenções da OIT
reconhecidas pelo Brasil, eis que as convenções e acordos coletivos de
trabalho teriam força superior às convenções internacionais ratificadas por
nosso país.
O documento da OIT foi encaminhado ao governo brasileiro e às
centrais sindicais, e condena a possibilidade de que os acordos coletivos
contenham 'disposições que impliquem menor nível de proteção do que
prevêem as convenções da OIT ratificadas pelo Brasil'” .
Preocupantemente, o mesmo tipo de reação à reforma neoliberal
de 2001 não está sendo reeditada em 2011, muito embora as propostas
precarizantes sejam agora as mesmas do passado, e os riscos aos
trabalhadores, maiores.
1.4.2) Terceirização
A segunda proposta fundamental contida no projeto do Código do
Trabalho consiste na completa abertura do instituto da terceirização no
Brasil, hoje disciplinada precipuamente não por lei específica, mas por
jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (com destaque para asúmula 331).
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De acordo com Godinho Delgado10, “ para o Direito do Trabalho
terceirização é o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de
trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente. Por tal
fenômeno insere-se o trabalhador no processo produtivo do tomador de
serviços sem que se estendam a este os laços justrabalhistas, que se
preservam fixados com um entidade interveniente”.
A matéria é tratada em diversos dispositivos do projeto, mas seu
cerne está nos seguintes artigos:
Art. 186. Contratante é a pessoa física ou jurídica que celebra
contrato de prestação de serviços determinados e específicos
com empresa prestadora de serviços a terceiros.
§ 1º É vedada à contratante a utilização dos trabalhadores em
atividades distintas daquelas que foram objeto do contrato com a
empresa prestadora de serviços.
§ 2º O contrato de prestação de serviços pode versar sobre o
desenvolvimento de atividades meio e atividades fim da
contratante.
Art. 187. São permitidas sucessivas contratações do trabalhador
por diferentes empresas prestadoras de serviços a terceiros, que
prestem serviços à mesma contratante de forma consecutiva.
Art. 188. Os serviços contratados podem ser executados no
estabelecimento da empresa contratante ou em outro local, de
10 Em Curso de Direito do Trabalho, 7ª edição, LTr, p. 430.
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comum acordo entre as partes.
Art. 189. É responsabilidade subsidiária da contratante garantir
as condições de segurança, higiene e salubridade dos
trabalhadores, quando o trabalho é realizado em suas
dependências.
A proposta quase que se limita a repetir o projeto de lei n.
4330/2004, de autoria do deputado Sandro Mabel (presidente do grupo
empresarial Mabel, segundo maior produtor de biscoitos da América Latina),
que dispõe especificamente sobre a terceirização, de modo que os
comentários que aqui se fará dizem respeito a ambos os projetos. Compare-
se, por exemplo, o art. 186 do projeto do Código com o art. 4° da proposta
original contida no projeto 4330/2004:
Art. 4º Contratante é a pessoa física ou jurídica que celebra
contrato de prestação de serviços determinados e específicos
com empresa prestadora de serviços a terceiros.
§ 1º É vedada à contratante a utilização dos trabalhadores em
atividades distintas daquelas que foram objeto do contrato com a
empresa prestadora de serviços.
§ 2º O contrato de prestação de serviços pode versar sobre o
desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou
complementares à atividade econômica da contratante.
As diferenças existentes entre os dois projetos são pontuais, mas
o Código do Trabalho consegue ser um pouco pior, como pode ser visto pelacomparação dos seguintes dispositivos:
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Do Código: Art. 189. É responsabilidade subsidiária da
contratante garantir as condições de segurança, higiene e
salubridade dos trabalhadores, quando o trabalho é realizado em
suas dependências.
Do projeto Mabel: Art. 7º É responsabilidade da contratante
garantir as condições de segurança e saúde dos trabalhadores,
enquanto estes estiverem a seu serviço e em suas
dependências, ou em local por ela designado.
O proposta do Código não tem pudores, portanto, em atentar até
mesmo contra a realidade dos fatos, pois se o trabalho é prestado no
estabelecimento da tomadora, é óbvio que a prestadora de serviços não terá
poder ou liberdade para alterar, a seu bel prazer, o espaço físico, o prédio, o
maquinário, etc., que sequer lhe pertencem, para garantir a adequação do
meio ambiente de trabalho.
O projeto Mabel aguardava desde novembro de 2004 para ser
submetido a votação na Comissão do Trabalho da Câmara. Em uma
surpreendente manobra regimental, entretanto, o projeto foi aprovado pela
Comissão em 08/06/2011, mediante parecer favorável do deputado Sílvio
Costa, também autor do projeto do Código do Trabalho, presidente da
referida Comissão.
Diz-se surpreendente porque, poucos dias antes, a Câmara dos
Deputados havia constituído uma Comissão Especial “destinada a promover
estudos e proposições voltadas à regulamentação do trabalho terceirizado
no Brasil ”, tendo sido combinado pelas lideranças partidárias que até aconclusão dos trabalhos da Comissão seriam suspensos todos os projetos
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em tramitação sobre o tema. De alguma forma, o projeto Mabel conseguiu
escapar de tal suspensão, para a surpresa, real ou simulada de muitos
parlamentares.
Mais recentemente, em outubro de 2011, através de nova
manobra regimental deu-se início à votação de um substitutivo ao projeto
Mabel - texto que mantém toda a essência do projeto -, sem prévia inclusão
em pauta. Tenta-se, em suma, aprovar esse projeto o mais rapidamente
possível, enquanto ninguém estiver olhando.
Em seu parecer, mencionava o deputado Sílvio Costa em defesa
do projeto Mabel:
“O mundo empresarial de hoje exige, cada vez mais, perfeição e
especialização técnica. As novidades tecnológicas, a complexidade das
máquinas e equipamentos e a especialidade de serviços fazem com que, a
cada dia, seja mais difícil para as empresas dominarem todos os serviços
direta ou indiretamente necessários à consecução de seus objetivos.
A terceirização é, frequentemente, o melhor meio encontrado
pelas empresas para ter, à sua disposição, os serviços especializados que
sua produção exige.
A opção pela terceirização costuma gerar, porém, enorme
insegurança jurídica para os tomadores de serviços, para as empresas
prestadoras de serviços e também para os trabalhadores. Isso se deve à
inexistência, no ordenamento jurídico brasileiro, de uma legislação que
regule a matéria, deixando claras as responsabilidades de cada parte desse
tipo de contrato.
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A transformação da proposta sob exame em norma jurídica
certamente virá em benefício de todos. Entendemos que, para a proteção do
trabalhador, o mais importante não é o tipo de contratação – equívoco em
que muitos caem – mas a sua efetiva proteção jurídica seja qual for a
modalidade do contrato.”
Verifica-se aí uma clara contradição entre os argumentos e
razões invocados para a aprovação, e o real conteúdo da proposta
efetivamente aprovada. Fala-se em “serviços especializados”, em
necessidade de “especialização”, quando na verdade a proposta não exige
em momento algum que a terceirização se dê apenas com relação a serviços
especializados. Pelo contrário, tanto o projeto Mabel quanto o projeto do
Código são cuidadosos em assegurar a possibilidade de que todo e qualquer
tipo de atividade desenvolvida pela empresa contratante possa ser
terceirizado, sem quaisquer restrições.
A mesma contradição era cometida pelo deputado Sandro Mabel,
em 2004, no texto de justificativa de seu projeto:
“O mundo assistiu, nos últimos 20 anos, a uma verdadeira
revolução na organização da produção. Como consequência, observamos
também profundas reformulações na organização do trabalho. Novas formas
de contratação foram adotadas para atender à nova empresa.
Nesse contexto, a terceirização é uma das técnicas de
administração do trabalho que têm maior crescimento, tendo em vista a
necessidade que a empresa moderna tem de concentrar-se em seu negócio
principal e na melhoria da qualidade do produto ou da prestação de serviço” .
Não obstante tais razões, o que se observa é que o projeto em
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momento algum obstaculiza a terceirização de atividades relacionadas ao
negocio principal da empresa, nas quais ela deveria se concentrar. Admite-se
que toda e qualquer atividade, mesmo que não especializada, e mesmo que
relacionada ao negócio principal da empresa, possa ter terceirizada, e em
qualquer amplitude.
O motivo da contradição está na circunstância de ambos os
deputados terem evitado mencionar o óbvio: a principal razão pela qual
recorrem as empresas, na maioria dos casos, à terceirização,
particularmente quando praticada na atividade-fim (nas atividades
relacionadas diretamente ao negócio desenvolvido pela empresa), é a
intenção de reduzir custos, pura e simplesmente.
De fato, que atividades altamente especializadas – aquelas que
demandam a intervenção de profissionais muito qualificados, em atividades
não relacionadas com o negócio principal e diário da empresa tomadora –
possam ser terceirizadas é ponto que raramente se questiona no país, e que
dificilmente costuma ser objeto de qualquer manifestação contrária pelo
Poder Judiciário ou pelo Ministério Público do Trabalho. Se a pretensão fosse
garantir a possibilidade legal de se implementar tal tipo de terceirização,
jamais se justificaria a aprovação de uma lei específica, eis que
desnecessária.
A inovação legislativa faz-se sim necessária, sob a ótica da
reforma conservadora, na medida em que a terceirização que se quer
assegurar não é essa, que é excepcional e rara. O que se pretende é
permitir, sem quaisquer limites, terceirizações constituídas como forma de
reduzir e repassar adiante encargos trabalhistas, como o são a maioria das
terceirizações realizadas no Brasil.
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Observe-se que no caso de serviços altamente especializados,
prestados por profissionais muito qualificados, é costumeiro que estes
cobrem mais, e não menos, pelo seu trabalho. O preço é elevado porque o
investimento na obtenção do “saber como” (know-how) é grande, e o espaço
para sua utilização é muito específico, de modo que só haverá demanda por
um mesmo cliente de forma esporádica. Ao mesmo tempo, há pouca oferta
de serviços assim no mercado, de modo que a empresa prestadora de
serviços está na posição de exigir preços que lhe asseguram maior margem
de lucro.
O oposto exato disso se dá na maioria das terceirizações levadas
a termo hoje. A empresa prestadora de serviço recebe como pagamento
menos dinheiro do que a empresa tomadora gastaria acaso desenvolvesse a
atividade por conta própria. Os salários e benefícios pagos aos trabalhadores
terceirizados, não dotados de qualquer formação especial ou diferenciada,
não são maiores mas sim bem inferiores que os pagos pela empresa
tomadora. E a empresa prestadora costuma depender economicamente da
tomadora, sem a qual não sobrevive, não possuindo a autonomia e o poder
de escolha que possui uma verdadeira prestadora de serviços
especializados.
Do ponto de vista da produtividade e da qualidade do produto ou
serviço final, tal arranjo revela-se, via de regra, uma péssima opção. O
resultado do trabalho terceirizado só pode ser de pior qualidade, pois o
investimento nele – inclusive em termos de investimento em recursos
humanos – é inferior àquele que ocorreria se a própria empresa tomadora
realizasse o serviço por sua conta.
Ora, para que a empresa terceirizada, recebendo menos dinheiro,consiga obter algum lucro precisará necessariamente pagar salários
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inferiores e utilizar insumos de qualidade inferior, de modo que não terá
condições de garantir grande qualidade.
Essa é uma premissa básica dos serviços terceirizados, no Brasil
e no mundo, salvo em casos de terceirização plenamente justificada (e muito
bem paga) pela especialização: a qualidade será inferior.
Não é por outro motivo, aliás, que a terceirização de serviços de
vigilância e de limpeza se tornou tão costumeira, a ponto de ser
expressamente admitida (em uma primeira “flexibilização” introduzida no
Brasil quanto ao tema), através de súmula do TST. A razão econômica de tal
popularidade não está, por óbvio, no fato de serem limpeza e vigilância
relacionadas à atividade-meio e não à atividade-fim da maioria dos
empreendimentos. Essa é a explicação jurídica, que vem na esteira do
fenômeno econômico pré-existente. O motivo é que, como regra, supõem os
administradores e empresários que tais atividades não precisam ser
desenvolvidas com excelência para que o resultado final do negócio principal
da tomadora seja bem sucedido.
Realmente, a suposição é que limpeza e vigilância não
interferem, no habitual das vezes, com a atividade fim da qual a empresa
tomadora extrai seu lucro. Nesse sentido, se os corredores da empresa que
produz motores, por exemplo, estiverem passavelmente limpos, ao invés de
muito limpos, isso em nada prejudica o negócio de construir e vender
motores. Bastará que os corredores não estejam imundos.
Da mesma forma, se o vigilante terceirizado não for muito
diligente mas só passavelmente diligente, tal circunstância como regra não
interferirá muito no negócio, pois a necessidade de sua efetiva atuação – naprevenção de assaltos, por exemplo – é esporádica, e o risco envolvido –
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prejuízo decorrente da ausência de excelência na vigilância patrimonial – é
desprezado na maioria dos casos (com ou sem razão). Acredita-se como
princípio geral que a simples presença física de uma pessoa armada inibirá a
maior parte dos problemas que se deseja inibir, mesmo que, em uma
situação de crise real, tal pessoa não possua treinamento para de forma
eficaz (quer dizer, com grande presença de espírito e capacidade de reação,
próprias de um agente de elite da Polícia Federal, por exemplo) repelir a
ameaça.
Entretanto, sempre que a necessidade de limpeza é vista pelo
administrador ou empresário como fundamental ao desenvolvimento e ao
resultado do próprio negócio, e que a ausência de boa limpeza possa vir a
comprometer os lucros, percebe-se que a opção pela terceirização torna-se
muito menos comum.
Imagine-se, por exemplo, a limpeza da cozinha de um restaurante
conceituado (bem cotado pela revista Quatro Rodas), cuja eventual
deficiência pode conduzir à interdição sanitária ou, pelo menos, à destruição
do bom nome da casa. Em tais casos, sendo necessário que a limpeza não
seja apenas feita, mas muito bem feita, a opção pela terceirização é pouco
usual, sendo a tarefa realizada por empregados próprios.
Da mesma forma, se a necessidade de segurança mostra-se vital
à própria preservação do negócio e dos lucros, os serviços de vigilância não
costumam ser terceirizados. O exemplo mais óbvio disso, embora não seja
familiar no Brasil, são os cassinos. Via de regra um cassino não opta pela
terceirização de sua segurança, pois isso acrescentaria um risco
(trabalhadores sem vínculo e sem compromisso com a empresa, em elevada
rotatividade) e diminuiria os lucros, que dependem da estrita vigilância contragolpistas, internos e externos à organização. Da mesma forma, grandes
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empresas multinacionais, preocupadas com a preservação do sigilo de suas
descobertas (dado que uma inovação tecnológica exclusiva pode se traduzir
em enorme vantagem competitiva e bilhões de dólares de lucro), também
costumam possuir corpo próprio de funcionários envolvidos com segurança e
proteção da privacidade, dado que o compromisso de funcionários
terceirizados, com rotatividade superior, jamais será o mesmo que o de
empregados próprios.
Por tais razões é que se chega à conclusão que terceirizar
funções relacionadas à atividade-fim, vale dizer, relacionadas ao próprio
negócio principal desenvolvido pela empresa, do qual ela extrai seu lucro, é
quase sempre uma opção pouco inteligente do ponto de vista da
manutenção da qualidade do produto ou serviço final. A opção inteligente e
estratégica seria a prestação de um serviço ou disponibilização no mercado
de um produto de boa qualidade, que agradará aos consumidores e clientes,
assegurando o sucesso futuro e a superação da concorrência.
A escolha pela terceirização em atividades-fins significa, quase
que invariavelmente, uma escolha pela redução de custos em prejuízo da
qualidade. A alternativa é pouco recomendável porque, para a garantia do
futuro da empresa, a redução de custos deveria ser buscada sem
comprometer a qualidade, compromisso este que é quase impossível de ser
assegurado na terceirização, tendo em vista que a empresa prestadora não
terá senão como prestar um serviço inferior, eis que recebe menos por ele.
Trata-se de uma regra que não se manifesta apenas nas relações
trabalhistas ou nas relações de mercado, mas na vida em geral: o tamanho
do resultado obtido depende do grau de investimento aplicado. Quanto
menor o investimento (de tempo, de energia e/ou de dinheiro), pior oresultado. Se eu não me preocupo em cuidar bem da planta que tenho em
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um vaso, e limito-me a regá-la de vez em quando, previsivelmente obterei
um resultado pior que meu vizinho, que tem o cuidado em adubar sua planta,
acrescentar nutrientes e realizar controle de pragas.
Da mesma forma, se o que se deseja é pagar salários piores aos
trabalhadores, removendo-os inclusive dos quadros da empresa (e
repassando-os aos quadros de uma empresa terceirizada) para obter o
mesmo serviço, pode-se ter certeza que o resultado será pior.
Necessariamente. Ninguém trabalha melhor recebendo salário pior. Sequer
se conseguirá manter os melhores funcionários, indispensáveis ao sucesso
futuro de qualquer empresa, dado que em pouco tempo eles procurarão
opções mais atraentes de emprego, sendo substituídos por funcionários
menos competentes.
Sobre o tema - qualidade dos produtos e serviços proporcionados
pela terceirização - realizei pesquisa (limitada, dado que esse não é o foco
principal deste estudo) na literatura especializada, sob a ótica da
administração empresarial. Causou-me surpresa descobrir que a maior parte
dos autores (devo ter analisado em torno de vinte artigos e teses) mostrou-se
claramente mais interessada em "vender" a ideia da terceirização do que em
analisar com objetividade o grau de eficiência atingida com relação à
qualidade. Em vários estudos, a variável mal era mencionada, e em outros,
confundia-se resultados quantitativos com qualitativos, por exemplo,
tomando-se sem qualquer crítica o aumento do volume de produção como
evidência de maior eficiência.
Chega-se ao ponto, em um estudo11, dos autores apresentarem
dados empíricos, colhidos com relação a uma empresa concreta, que
11 “Terceirização e parceirização de serviços em saneamento em Minas Gerais: um estudoteórico-empírico”, autores Magnus Luiz Emmendoerfer e Luiz Cláudio Andrade Silva,disponível em http://rbgdr.net/revista/index.php/rbgdr/article/viewArticle/240
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apontam inquestionavelmente para importante perda de qualidade, apenas
para ao final desmerecer essas constatações e concluir em sentido contrário.
Veja-se:
"Quadro 4: Resultados Alcançados com a Terceirização de
Serviços Operacionais
Qualidade dos serviços: em Belo Horizonte, redução; em
Ipatinga, redução;
Qualidade do atendimento aos clientes: em Belo Horizonte,
redução; em Ipatinga, redução;
(...)
Quadro 8: Diferenças Qualitativas Entre os Serviços
Terceirizados e Não Terceirizados
Serviços terceirizados: alta produtividade, serviços de menor
qualidade, Menor comprometimento com a qualidade dos serviços,
Qualidade inferior de atendimento aos clientes, Clientes menos satisfeitos
(...)
Frente aos resultados auferidos com a pesquisa na organização,
conclui-se ser perfeitamente justificável e benéfico para a gestão das
empresas de saneamento a prestação de serviços operacionais com equipes
próprias e com terceiros. Nota-se que as diferenças qualitativas entre os
serviços terceirizados e não terceirizados são complementares, podendo-se
transferir as qualidades de um como aprendizado às deficiências do outro.”
Pouco impressionou os autores, também, a circunstância da
empresa analisada estar proporcionando, em razão da terceirização,
serviços de pior qualidade em uma atividade diretamente relacionada à
saúde da população, dado que a empresa se dedica à "prestação de
serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário". Tremo aopensar o que significa, na prática, "serviços de menor qualidade" quando se
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está a falar em tratamento de água que será consumida pela população.
Um dos poucos estudos que fugiam a tal tipo de abordagem, de
autoria de Walmir Maia Rocha Lima Neto, discutia as razões que levaram
uma empresa a reverter um processo de terceirização, voltando a realizar a
atividade de forma direta (processo de "primeirização")12:
“O quadro 4.2 a seguir apresenta o quadro comparativo entre as
vantagens na contratação de pessoal terceirizado e 'primeirizado' elaborado
pela Caraíba Metais:
Pessoal terceirizado: baixa qualificação da mão-de-obra;
precários níveis de satisfação, motivação e comprometimento; baixo nível de
confiabilidade na entrega dos serviços (técnica e prazo); descontinuidade
técnica, administrativa e psicossocial de novos empregados terceirizados
com a mudança de empresa terceirizada (2 anos); (...) suscetibilidade a
acidentes de empregados das contratadas; retrabalho, perda ou extravio de
materiais; perda de referencial sobre contingente adequado de mão-de-obra;
quadro de pessoal superdimensionado; necessidades situadas nos fatores
de segurança, pertença e necessidades básicas, gerando reclamações e
reivindicações; grande quantidade de processos trabalhistas de empregados
de empresas terceirizadas (com maior quantidade por terceirizados do que
por pessoal próprio”.
(...)
A baixa qualificação dos trabalhadores em atividades ligadas à
produção e que necessitam de conhecimento técnico, é fator responsável
pela pouca qualidade na execução das atividades e perda de produtividade,
12 Trata-se de uma tese de mestrado defendida em uma universidade federal, o que talvezexplique a maior objetividade científica: “Quando a terceirização não funciona: a'primeirização' das atividades de manutenção industrial na Caraíba Metais”, UFBA, Escola deAdministração, 2008, disponível emhttp://www.bibliotecadigital.ufba.br/tde_arquivos/44/TDE-2008-07-18T080041Z-618/Publico/Dissertacao%20Walmir%20Maia%20seg.pdf
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segundo a empresa.
(...)
A prática da terceirização tem gerado a falta de investimento na
qualificação e no desenvolvimento profissional dos trabalhadores. Isto é
justificado pelas contratantes e contratadas em função da rotatividade de
funcionários e pela instabilidade causada pelas licitações no vencimento dos
contratos com as empresas, a cada dois anos, não havendo certeza de que
o funcionário ao qual a empresa está investindo permanecerá em seu
quadro.
(...)
'As terceiras contratam pessoas sem experiência e qualificação,
sem critério nenhum (...)' (relato em entrevista na empresa).
(...)
Esta desqualificação acarreta diversas consequências negativas
para a contratante o que, segundo a empresa, não estava previsto na
implantação do processo de terceirização. Uma das desvantagens
apontadas pela Caraíba Metais é o baixo nível de confiabilidade nos serviços
já que, uma equipe pouco qualificada não executará suas atividades com a
qualidade exigida pela contratante. Desta forma, a empresa concluiu que
suas equipes efetivas executavam as atividades de forma mais adequada.
(...)
Outro ponto considerado na avaliação da terceirização realizada
pela Caraíba Metais, é que os trabalhadores terceirizados são considerados
mais 'suscetíveis' a acidentes de trabalho e a afastamentos por doenças
ocupacionais. Essa informação foi confirmada em entrevistas com os
representantes da empresa, que buscavam a redução de acidentes de
trabalho na empresa com a reintegração.
(...)
As estatísticas da empresa sobre acidentes de trabalho revelamque o número de acidentes com os funcionários terceirizados tem sido
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consideravelmente superior aos acidentes com funcionários efetivos da
Caraíba Metais.
(...)
A estratégia da terceirização não foi apresentada de forma
planejada e estruturada, seu objetivo era os resultados focados
principalmente em perspectivas econômico-contábeis. Visualizaram na
terceirização uma oportunidade de reduzir custo e não se preocuparam com
os resultados em longo prazo. Não houve uma análise e um planejamento
para implantação, ela simplesmente foi acontecendo, conforme relato de um
dos entrevistados. O relato de outro entrevistado complementa esta
observação: 'O início da terceirização não teve uma preparação. Foi aquela
febre de terceirizar, basicamente as pessoas buscavam redução de custo'.
(...)
Quando a Caraíba Metais terceirizou todas as atividades de
manutenção, ela não perdeu diretamente o foco no seu negócio pois
continuou a produzir o cobre eletrolítico, mas perdeu o foco na eficiência do
seu processo e na qualidade do seu produto, que estão diretamente
associados ao seu negócio. (...)
Quando o foco está principalmente na redução de custos, as
empresas não se preocupam com quem ficará com a perda que acarretará
nesta redução. A partir do momento que uma empresa subcontrata uma
outra de forma pouco planejada para prestar-lhe algum serviço, o dono desta
empresa, também, buscará a sua parcela de lucro. Ou seja, recebendo uma
quantia menor que a gasta antes pela contratante, a contratada recruta sua
equipe e a coloca para trabalhar executando as mesmas tarefas, antes
executadas por funcionários da contratante. Sem qualquer esforço, é
possível perceber que o salário pago aos funcionários da contratada será
muito menor. Como a contratante está isenta de responsabilidade com estes'novos funcionários', ela não conhece os critérios adotados pela contratada
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para selecioná-los, e estes funcionários, certamente, serão menos
qualificados que os anteriores.
Além disso, há uma redução no vínculo e aumento na
rotatividade dos empregados, levando a um menor investimento em
treinamento e, portanto, um baixo nível de qualificação de mão-de-obra. As
consequências deste baixo nível de qualificação foram percebidas
diretamente na maior dificuldade em assegurar a qualidade do serviço
prestado, na redução da produtividade e no aumento do custo. (...)”
Em suma, a opção pela terceirização de atividades-fim é na
maioria dos casos uma escolha nada inteligente (sob uma perspectiva
estratégica, focada no futuro da empresa e não em resultados financeiros de
curto prazo), além de prejudicial aos trabalhadores. Então, por que é levada
a termo tão entusiasticamente?
Duas razões conspiram para tanto. A primeira é que os
empresários e administradores, com a notável exceção daqueles poucos que
enxergam mais longe, tomam suas decisões com base em uma perspectiva
de curto ou curtíssimo prazo. A prioridade é fechar o ano com o maior lucro
possível, mesmo que a médio e longo prazos a viabilidade da empresa seja
comprometida e os lucros despenquem. Tal ameaça futura sequer é
considerada. As pressões inerentes ao sistema capitalista nos dias atuais
predispõem a tal pensamento limitado ao curto prazo, pois a necessidade de
sobreviver à concorrência é imediata, os contratos são frequentemente de
curta duração e as expectativas dos donos – sócios ou acionistas – são
também imediatas. Fechar um único ano “no vermelho” já costuma ser a
senha para a troca de diretores e administradores.
Assim sendo, não obstante o discurso amplamente difundido no
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meio empresarial acerca da necessidade de “qualidade total”, “eficiência”,
“competitividade”, “excelência no atendimento ao cliente”, “planejamento
estratégico”, etc., na prática, no dia a dia da maioria das empresas, as
decisões passam a margem de tudo isso e resumem-se a: reduzir custos e
aumentar lucros, imediatamente.
A segunda razão está no fato de que, na prática, muitas
empresas acreditam que o consumidor irá aceitar qualquer coisa que lhe for
oferecida, mesmo que seja de qualidade ruim. Trata-se de uma tendência
especialmente sentida no Brasil, sobre a qual voltaremos a falar no último
capítulo. Os usuários dos serviços de telefonia móvel, por exemplo, que
alguma vez precisaram recorrer ao teleatendimento para resolver qualquer
tipo de problema, sabem exatamente do que estamos a falar.
Tal descaso com o consumidor apenas se sustenta na ausência
de verdadeira concorrência no mercado, pois onde de fato existe competição
entre fornecedores, o mais competente, que oferece melhores produtos e
serviços, e melhor atende o consumidor, prevalecerá.
Na prática, não obstante os universais elogios dispensados pelo
pensamento empresarial aos benefícios da competição e da concorrência,
mostra-se comum a implantação de concertação entre as empresas de um
mesmo setor, para excluir da concorrência um ou todos os aspectos do
negócio.. Cartéis são os exemplos mais visíveis, mas em absoluto os únicos,
desse tipo de acordo entre empresas em tese rivais, para prejuízo dos
consumidores.
Sobre isso, já advertia Adam Smith: "Pessoas do mesmo ofício
raramente se encontram, mesmo que em alegria ou diversão, mas se tiver lugar, a conversa acaba na conspiração contra o público, ou em qualquer
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artifício para fazer subir os preços."
Exemplo da “racionalidade” inerente ao pensamento capitalista de
curto prazo, que tive a oportunidade de conhecer, está na disposição de
muitos produtores rurais de devastar a maior quantidade de floresta possível,
transformando-a em pasto ou plantação. É exatamente a disposição que está
a inspirar a aprovação de um Código Florestal destinado a respaldar o
avanço do desmatamento e a transformação das últimas grandes florestas
do planeta em pastos. Em Mato Grosso, por ocasião de inspeções em
fazendas para apuração de denúncias – confirmadas, aliás – de trabalho
escravo, estive em uma propriedade rural na qual a desertificação avançava
a passos largos, já que o fazendeiro havia desmatado tudo o que pode, de
castanheiras centenárias a matas ciliares, no entorno de mananciais.
Resultado: os córregos secaram, permanecendo agora no local apenas leitos
empoeirados, e os pastos definham. Trata-se de um exemplo bastante claro
do pensamento de curto prazo – aumentar ao máximo o tamanho da minha
pastagem, para criar a maior quantidade de gado possível, e obter
imediatamente muito lucro – destruindo a própria continuidade do negócio, a
longo prazo.
No caso da terceirização de atividades-fim, um exemplo bastante
recente dos resultados que se obtém com tal estratégia é o da companhia
Light, na cidade do Rio de Janeiro, cuja população encontra-se assustada
com a explosão em série de bueiros, o que vem causando danos materiais e
lesões à integridade física dos transeuntes.
Veja-se, nesse sentido, as seguintes reportagens jornalísticas:
a) “Presidente da Light culpa terceirização de equipes técnicas pelos incidentes com bueiros no Rio
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RIO - O presidente da Light, Jerson Kellman, disse, em entrevista
à Rádio CBN, que a terceirização das equipes técnicas, responsáveis pela
manutenção das câmaras subterrâneas, pode ser a culpada pelos incidentes
que têm acontecido com bueiros na cidade. Na última terça-feira, chamas
que saíram de uma câmara assustaram moradores e pedestres que
passavam pela Rua Senador Vergueiro, no Flamengo, na Zona Sul do Rio .
Um telefone público foi queimado e os bairros de Laranjeiras e Botafogo,
além do Flamengo, ficaram sem luz.
- O sistema subterrâneo da Light foi instalado nos anos 1950 e
1960, e agora apresenta sinal de velhice. Durante muito tempo não deu
problema para os clientes e nem para a empresa, e acabou renegado a
segundo plano. Também houve terceirização das equipes técnicas e a Light
perdeu o controle da memória técnica - explicou, acrescentando que "a
frequência de eventos que assusta a população está como nunca antes
visto. É grave".
Como medidas mais urgentes para evitar outros acidentes,
Kellman disse que a empresa acabou com o serviço técnico terceirizado nas
galerias subterrâneas e está priorizando a reforma das instalações nas
câmaras onde existam transformadores.” 13
b) “Especialista: economia da Light está 'explodindo' sob cariocas
(…)
Para o coordenador do Gesel, os problemas na Light vêm desde
a privatização da empresa, em 1996, inicialmente controlada pelo grupo
francês EDF e atualmente sob comando da Companhia Elétrica de Minas
Gerais (Cemig). "A Light fez uma gestão administrativa centrada na
13 Publicada em 30/06/2011 às 13h10m, O Globo (granderio@oglobo.com.br) com CBN.
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performance financeira, maximizando os ganhos em detrimento da qualidade
no atendimento à população. O resultado disso é que em vez dela gastar em
manutenção de equipamento deixou os gastos se transformarem em lucro.
Agora, a atual diretoria está pagando esta conta, do acionista anterior, de
gastos que deveriam ter sido feitos no passado e que estão explodindo sob
os cariocas", afirmou.
Segundo Nivaldo de Castro, um dos erros cometidos pela
empresa foi prescindir dos quadros experientes em troca da contratação de
funcionários terceirizados. "São pessoas que não têm compromisso com a
empresa e que não vestem a camisa. Se economiza na equipe, a empresa
ganha, mas o consumidor perde", disse. A Light informou, por meio de nota
divulgada pela assessoria de imprensa, que aumentou os recursos aplicados
no sistema de distribuição em 2011, totalizando R$ 88 milhões para a
recuperação da rede subterrânea, representando mais de dez vezes o que
se gastava anualmente no período de 2004 a 2008 e mais de três vezes o
gasto do ano passado.
Sobre as críticas ao processo de terceirização de mão de obra, a
assessoria informou que a concessionária decidiu contratar diretamente 250
funcionários. "Até 2010, a mão de obra utilizada para executar as tarefas na
rede subterrânea era majoritariamente terceirizada. Hoje é o contrário:
apenas uma minoria de técnicos é terceirizada", diz a nota.” 14
Não se imagine que o caso da Light seja excepcional. Na verdade
ele é bastante emblemático dos efeitos normalmente proporcionados pela
terceirização. A diferença é que, na maioria das vezes, os problemas criados
não explodem, literalmente, na face da população, e costumam se manifestar
de formas menos visíveis, ainda que não menos gravosas.14 Em http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI5224665-EI306,00-
Especialista+economia+da+Light+esta+explodindo+sob+cariocas.html
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Outra consequência da terceirização, quando utilizada como
simples estratégia de redução de custos, é a deterioração das condições de
trabalho e de vida dos trabalhadores terceirizados. Trata-se de consequência
igualmente previsível: quanto menos se investe, menos se obtém de
resultado. Quando se opta por gastar menos com a manutenção das
condições de trabalho, elas necessariamente irão piorar. O efeito é direto e
imediato.
A matéria já foi objeto de inúmeros estudos, parte deles
resgatados por Carlos Roberto Miranda, médico do trabalho, mestre em
saúde comunitária e ex-Delegado Regional do Trabalho no Estado da
Bahia15:
“Estudo do DIEESE, realizado com 40 empresas de diversos
ramos econômicos e instaladas na região sudeste do país, revelou que em
67,5% das empresas os níveis salariais nas subcontratadas eram bem
inferiores aos da empresa contratante. Em 72,5% dos casos os benefícios
sociais eram também menores que os praticados pelas contratantes. Além
disso, em 32% das empresas, a terceirização estava associada à ausência
de equipamentos de proteção individual, menor segurança e maior
insalubridade.
O Sindicato dos Metalúrgicos realizou pesquisa em 12 empresas
da região do ABC e constatou que em todas elas (100%) tinha ocorrido
algum tipo de terceirização, sendo que os principais motivos declarados
pelas empresas foram redução de custos (75%), maior eficiência (50%) e
especialização (33%). Além disso, foi possível evidenciar que em 92% dos
casos a terceirização tinha resultado em redução dos salários, em 58% das15 Em http://www.saudeetrabalho.com.br/download/ataque-miranda.doc, acessado em
10/08/2011.
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empresas houve perda de benefícios e em 42% ocorreu deterioração das
condições de segurança e saúde no trabalho.
A precarização das condições de trabalho e de emprego
associada à terceirização foi também evidenciada em pesquisas realizadas
na indústria de confecções no Rio de Janeiro e na indústria de calçados no
Rio Grande do Sul.
As conseqüências da terceirização sobre o mercado de trabalho
no Complexo Petroquímico de Camaçari foram estudadas, em 1994/95, em
um projeto de pesquisa desenvolvido pela Delegacia Regional do Trabalho
na Bahia, em parceria com o PNUD e com o Centro de Recursos Humanos
da Universidade Federal da Bahia (CRH/UFBA). Os resultados apontaram
uma drástica redução do número de postos de trabalho, dos salários e dos
benefícios nas empresas químicas/petroquímicas. Os dados indicam que as
demissões ocorridas entre 1988 e 1994 situam-se em torno de 30% e 40%
do quadro de pessoal existente no início do período. A redução de pessoal
ocorreu em 92,1% das empresas. Além disso, em 63,6% dos casos houve
perda de benefícios. As áreas mais atingidas pela terceirização foram os
serviços de apoio (higiene/limpeza e vigilância e segurança patrimonial) e as
áreas de manutenção. Entre os motivos declarados para adotar a
terceirização, 97% das empresas destacaram a redução de custos, redução
de pessoal, maior produtividade e melhor qualidade. Todas as empresas
(100%) apontaram como motivo a maior especialização. A qualidade de vida
e a participação dos trabalhadores foram motivos apontados por apenas
12% das empresas. Entre os problemas indicados pelas empresas, 61%
declararam ter sofrido reclamação trabalhista por parte de empregados das
empresas subcontratadas. Em 78% dos casos, as reclamações
relacionavam-se ao reconhecimento de vínculo empregatício e em 65% ànecessidade de assumir compromissos trabalhistas da subcontratada.
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Druck, estudando a indústria química e petroquímica da Bahia,
assinalou que os achados empíricos demonstraram que a terceirização tem
levado a uma quádrupla precarização: do trabalho, da saúde dos
trabalhadores, do emprego e das ações coletivas. A autora destacou que a
terceirização tem implicado num processo de precarização intra e extrafabril.
No interior da fábrica, evidencia-se nas condições de trabalho e salariais e
na criação de duas categorias de trabalhadores: os efetivos (de primeira
classe) e os subcontratados (de segunda classe). No plano extrafabril, a
terceirização tem levado a um crescimento acelerado do mercado informal
de trabalho, com a precarização dos vínculos empregatícios e com o
aumento dos trabalhadores por conta própria.”
Em processo judicial recente, tive a oportunidade de constatar tal
precarização ocorrendo na prática. Abaixo trecho colhido das razões finais
apresentadas pelo Ministério Público:
“Veja-se, por exemplo, a foto de fl. 577, muito ilustrativa. O
funcionário da [prestadora] é aquele à esquerda da linha divisória amarela, e
está abastecendo o “ponto de uso” da linha de montagem. O trabalhador à
direita é o funcionário da [tomadora]. Entre os dois há três ou quatro passos
de distância! E os braços do funcionário da [prestadora] estão claramente
além da referida linha, sendo óbvio, pelas circunstâncias em que a atividade
se dá, que isso há de ocorrer sempre (pois a prateleira que é por ele
abastecida, localizada há dois passos da esteira de montagem, está do lado
direito da linha).
Tal foto demonstra, de forma inconfundível, a artificial construção,
meramente retórica, levada a termo pelos réus. A realidade do processo produtivo é só uma, e o meio ambiente de trabalho é apenas um. Para as
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demandadas, ao revés, o meio ambiente dos funcionários da [prestadora] é
um, e os dos funcionários da [tomadora] é outro completamente diverso, em
uma gritante deturpação do que efetivamente ocorre, na prática.
Veja-se que a proximidade não é apenas física, mas temporal: ao
mesmo tempo em que o funcionário da [prestadora] vai municiando a
prateleira, o funcionário da [tomadora] vai retirando dela as peças de que
necessita.
A foto de fl. 577 reproduz UMA LINHA DE PRODUÇÃO DE
MOTORES, e os dois trabalhadores vistos na foto estão obviamente
envolvidos NA MESMA LINHA DE PRODUÇÃO DE MOTORES, no mesmo
processo produtivo. Não há separação real do espaço laboral ou das
atividades desenvolvidas.
(…)
Para qualquer pessoa neste planeta, exceto para a defesa, os
dois trabalhadores da fl. 577 são COMPANHEIROS DA TRABALHO,
operários que laboram NO MESMO AMBIENTE DE TRABALHO, LADO A
LADO, QUASE OMBRO A OMBRO.”
Registre-se que, nesse caso concreto, os funcionários da
prestadora de serviços recebiam salários e benefícios em média 50%
inferiores que os pagos pela tomadora, além de serem privados – pela ficção
criada pelas empresas – da proteção proporcionada pela vinculação a um
sindicato mais forte, como o é o dos metalúrgicos.
A situação pode ser resumida da seguinte forma: se para manter
um ambiente de trabalho razoavelmente seguro, livre de riscos à vida e à
saúde dos trabalhadores, a empresa principal gastava 100, além de saláriose encargos trabalhistas da ordem de 300, e agora, graças à terceirização,
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todos esses ônus serão assumidos pela empresa prestadora, que receberá
como pagamento apenas 200, é evidente que haverá deterioração. Não se
pode fazer mais, ou o mesmo, com menos. E se fosse para pagar à empresa
prestadora de serviços 400 – que é o real custo implicado nesse exemplo –,
obviamente a tomadora não se daria ao trabalho de terceirizar. Só irá fazê-lo
porque espera obter mais por menos.
A diferença de custo, que significa economia para a tomadora, é
paga por alguém, como tudo na vida. Sempre que há um preço, alguém o
acaba pagando. A diferença, na terceirização, é que quem o paga são os
trabalhadores.
Quando o trabalhador se submete a um ambiente de trabalho
ruim, pior do que aquele que existia anteriormente, e quando recebe menos,
pelo mesmo labor prestado, do que outro trabalhador percebia anteriormente
na mesma posição, o custo de tal piora é pago pelo operário, em termos de
desgaste adicional, físico e psíquico, de deterioração de sua qualidade de
vida, de prejuízos à sua família (que será privada de seu convívio por horas
adicionais, gastas no trabalho), etc. Apenas porque tais custos não
ingressam na contabilidade das empresas, seja da tomadora, seja da
prestadora, não significa que não existam.
De modo que concluo que a opção pela terceirização,
particularmente de atividades-fim (relacionadas ao negócio do qual extrai a
empresa tomadora seu lucro, atividades sem as quais não há lucro algum),
consiste em uma estratégia planejada a partir de uma perspectiva de curto
prazo, voltada à produção de produtos e serviços de pior qualidade (que
comprometerão o amanhã da empresa tomadora), com a transferência do
custo da redução de investimentos aos trabalhadores, que os suportarãosozinhos ou em conjunto com o restante da sociedade (como no caso da
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Light, em que a população como um todo vê-se privada do serviço público
indispensável, chegando-se ao ponto da lesão corporal e da criação de risco
de morte), ainda que tais custos não ingressem na contabilidade de qualquer
empresa.
Mas as agruras enfrentadas pelos trabalhadores terceirizados
não se limitam a ter que trabalhar em condições piores e mais inseguras,
recebendo de forma discriminatória salário menor, pois se tornou costumeiro
no Brasil que tais trabalhadores nem salário recebam. De fato, assiste a
sociedade brasileira há vários anos à proliferação incontrolável de empresas
terceirizadas que desaparecem, de um instante para o outro, deixando para
trás enorme passivo trabalhista descoberto, e centenas ou milhares de
empregados em situação desesperadora.
Veja-se, nesse sentido, a seguinte reportagem16, idêntica a
centenas de outras:
“Terceirizados são vítimas de calote
Prestadoras de serviço cometem um festival de irregularidades,
como o atraso de salários e a falta de recolhimento do FGTS
Sai Lula, entra Dilma Rousseff, mas os problemas para os
trabalhadores de empresas terceirizadas continuam. Na Esplanada dos
Ministérios, empregados convivem diariamente com o desrespeito aos
direitos trabalhistas, o atraso no pagamento dos salários, do 13º e das férias,
entre outras irregularidades. A administração pública paga as companhias,
mas elas não repassam o dinheiro aos trabalhadores. Muitas vezes, fecham
as portas e desaparecem. Uma das campeãs de reclamações é a Visual
Locação de Serviços e Construção Civil, que presta serviços de limpeza e
16 Em Correio Braziliense, 12-01-2010.
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conservação para o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT).
Contratada pela Visual, a auxiliar de serviços gerais Sônia P.*, 40
anos, ainda não recebeu o salário de dezembro. Há um ano e 11 meses no
cargo, não tirou férias e nem sequer consegue uma resposta satisfatória da
empresa. No fim do ano, ela foi a unidades do Instituto Nacional do Seguro
Social (INSS) e da Caixa Econômica Federal e descobriu que, embora seja
descontada todo mês no contracheque, a contribuição previdenciária não é
repassada ao governo. O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS)
nunca foi depositado. “Está tudo irregular. Temos problemas todos os meses
para receber o vale-alimentação e o vale-transporte. Minhas faturas do
cartão de crédito, contas de água e de luz estão atrasadas”, reclamou.
Indignada com a situação, Sônia e cerca de 30 colegas foram à
Delegacia Regional do Trabalho (DRT) na segunda-feira. “Eles prometeram
que mandariam um fiscal aqui, mas ainda não vimos movimento”, disse.
Atualmente, na Justiça do Trabalho da 10ª Região, que abrange o Distrito
Federal e Tocantins, há cerca de 410 processos contra a Visual, 3,5 mil
contra a Fiança e 5,4 mil contra a Conservo. A situação dos empregados
ficou mais complicada depois que, em novembro, o Supremo Tribunal
Federal (STF) desobrigou União, estados e municípios a arcar com os
custos trabalhistas que não são pagos pelas empresas terceirizadas.
Sem caixa
Na prática, a decisão do STF restringe as possibilidades de
conquista dos direitos trabalhistas por parte de empregados como a auxiliar
de serviços gerais Carlita T.*, 54 anos. Ela é contratada pela Visual há cinco
anos e foi transferida do Ministério da Fazenda para o MCT. “Estou há doisanos sem tirar férias. A empresa simplesmente diz que não tem dinheiro em
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caixa”, queixou-se. A auxiliar Renata S.* também foi conferir a situação do
depósito do FGTS e descobriu que ele está irregular. “Somos mais de 60
pessoas nessa situação”, denunciou.
(...)
Não apenas no MCT a Visual causou problemas. No Ministério da
Fazenda, onde era responsável pela conservação e limpeza até o ano
passado, funcionários reclamam que a empresa não repassou à Previdência
os valores relativos ao recolhimento do INSS, além de não ter pagado o
FGTS. Uma funcionária da área de limpeza, de 35 anos, que só aceitou falar
por telefone, relatou que os funcionários da Visual foram orientados a abrir
mão de 20% do valor devido pela empresa, mediante a promessa de
recontratação pela Condon, terceirizada que a substituiu no fim do ano
passado.
(...)
Funcionários terceirizados do Ministério da Saúde aguardam o
pagamento de dois meses de trabalho de 2010. No ano passado, a Ágape
Empreendimentos e Serviços, empresa contratada na época para prestar
serviços, não efetuou o depósito dos salários para 81 empregados que
atuam como recepcionistas na sede do órgão. A Procuradoria Regional do
Trabalho propôs o repasse direto dos vencimentos por parte do ministério.
Mas, até agora, nada saiu do papel.
“Não recebemos os salários de setembro e outubro. Agora, a
empresa responsável é a GVP Consultoria e Produção de Eventos, mas
continuamos sem receber o vale-alimentação. Estou com três aluguéis e três
mensalidades da faculdade atrasadas”, disse um recepcionista. “Estou
devendo contas de água, luz, telefone e aluguel. Tenho quase R$ 900 a
receber”, afirmou outra funcionária.”
Resta evidente, portanto, que as terceirizações estão criando
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situações de verdadeira comoção social, com a supressão diária e em larga
escala de direitos trabalhistas, e a solução proposta para enfrentamento
dessa crise, para os deputados autores dos projetos de lei referidos e para
as entidades patronais que eles representam, é facilitar ainda mais tais
terceirizações e restringir a responsabilização do tomador dos serviços. Em
outras palavras, para aplacar o incêndio, propõe-se usar gasolina.
Outro aspecto que merece ser destacado, contido tanto no
projeto do Código do Trabalho quanto no projeto Mabel, está na amplitude da
terceirização autorizada. Ambos os projetos, além de autorizarem a
terceirização de qualquer tipo de atividade, não impõem qualquer limite à
utilização do instituto por uma mesma empresa, em termos de setores
envolvidos ou número de funções terceirizadas.
A consequência disso é que, na eventualidade de ser aprovado
algum dos dois projetos (ou qualquer outro dentre os vários que tramitam no
Congresso com idêntico conteúdo), poderá uma empresa, se assim desejar,
terceirizar não apenas parte de suas atividades, mas todas elas, não
permanecendo com qualquer empregado. Teríamos então uma empresa em
funcionamento, com atividade econômica, mas sem nenhum funcionário.
Tomemos, para melhor visualização de tal disparate, autorizado
pelos projetos, o caso do banco Bradesco, empresa com capital social
superior a 30 bilhões de reais e mais de setenta mil empregados.
Aprovada a terceirização nos moldes pretendidos, nada haverá
na legislação que impeça o Bradesco de livrar-se de todos os seus
empregados, permanecendo com nenhum, mediante a terceirização de todas
as funções. Se tal opção for economicamente vantajosa ao banco, elapoderá ser adotada. Teremos então uma empresa com capital social,
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faturamento e lucro da ordem de vários bilhões de reais, e nenhum
empregado, ou seja, nenhum ônus trabalhista.
Parece o cenário com o qual sonharam os banqueiros de todas
as épocas em seus devaneios mais loucos, não? Todos os lucros, e
nenhuma responsabilidade. Pois tal sonho de qualquer capitalista poderá
enfim se transformar em realidade, em nome da “modernidade” e da
“competitividade”.
Podemos imaginar, então, a seguinte situação futura: o cliente do
Bradesco (ou de qualquer outro banco) irá a três agências diferentes, e após
aguardar em longas filas, perguntará ao caixa na primeira agência: “Você é
funcionário do Bradesco?”. A resposta será, “não, sou funcionário da Alfa
Finanças”. “E quanto você recebe de salário?”. “Mil e duzentos reais”. Na
segunda agência, não distante da primeira, perguntará a outro caixa: “e
você, é funcionário do Bradesco?”. “Não, sou empregado da Beta Serviços
Terceirizados, e recebo mil e quinhentos reais por mês”. O cliente
perguntará, então, ao caixa da terceira agência: “e você?” “Eu sou
funcionário da Gama & Gama, terceirizada da Alfa Finanças, que por sua vez
é contratada pelo Bradesco, e meu salário é de mil reais”.
Três funcionários, empregados de três empresas diferentes,
desempenhando a mesma função, prestando os mesmos serviços ao mesmo
banco multibilionário, percebendo salários diferentes, e não existindo nisso
qualquer tipo de ofensa à legislação trabalhista!
Que belo e maravilhoso mundo estará sendo construído então!
Belo e maravilhoso à elite econômica, bem entendido... e a mais ninguém,
nem a trabalhadores, nem a consumidores, nem à população em geral.
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Ou então poderá o Bradesco chegar à conclusão de que não lhe
é tão vantajoso terceirizar todos os pontos de trabalho em todas as suas
agências, mas apenas sessenta por cento deles, por exemplo. Nesse caso,
na situação hipotética acima, um dos três caixas seria empregado do banco,
e os outros dois não, recebendo cada qual um salário diferente, não existindo
aos olhos da “moderna” legislação trabalhista qualquer problema nisso.
Aos olhos do restante da humanidade, entretanto, haverá sim
problemas, pelos quais poderá o Brasil ser responsabilizado, e com toda
justiça, na esfera internacional (por exemplo, perante a Corte Interamericana
de Direitos Humanos), dado que tal forma de terceirização contraria o
disposto no art. XXIII da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Toda
pessoa, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual
trabalho.”
Ou seja, a terceirização proposta nos projetos Sílvio Costa e
Sandro Mabel não representa agressão, apenas, aos princípios
fundamentais do direito do trabalho e às normas trabalhistas internacionais
(no caso duas convenções da OIT, a 111, que proíbe medidas tendentes a
“destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em
matéria de emprego ou profissão”, e a 100, que prevê a “igualdade de
remuneração de homens e mulheres por trabalho de igual valor ”), mas
também a um direito humano universal, reconhecido por todas as nações.
É portanto desumano, além de injusto e precarizante, manter
trabalhadores laborando na mesma função, em proveito da mesma empresa,
recebendo remunerações diferentes.
Nenhuma proposta legislativa que conduza a tal arrematadoabsurdo, em direta contrariedade à Declaração Universal dos Direitos
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Humanos, deveria ser sequer considerada, que o diga aprovada.
Não obstante, hoje como no passado, o afã de se atender aos
interesses da elite econômica fala mais alto, mais até que os princípios, os
valores, a justiça e os direitos humanos.
1.4.3) Abolição da anotação da Carteira de Trabalho
A terceira proposta de inovação legislativa contida no projeto do
Código de Trabalho que considero fundamental está em seu artigo 81:
Art. 81. O contrato individual de trabalho poderá ser acordado por
prazo determinado ou indeterminado e deverá ser formalizado
mediante o registro do empregado e:
I – anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social
(CTPS); ou
II – contrato escrito, em duas vias, uma para cada parte, do qual
conste, no mínimo, a data da admissão, a natureza do trabalho, a
remuneração e a forma de seu pagamento.
Veja-se que, em tese, o projeto mantém a existência da Carteira
de Trabalho. Na prática, como resta evidente, o que ele propõe é a abolição
da anotação do contrato de trabalho na CTPS em favor da hipótese prevista
no inciso II, que permite e facilita a fraude generalizada.
Considero que, através deste artigo, os redatores do projeto
revelaram mais acerca de suas reais intenções do que, em retrospectiva, julgarão conveniente ter feito. Entretanto, reconheça-se que a proposta é
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coerente: para alguém interessado em eliminar o direito do trabalho
enquanto instrumento de proteção do trabalhador no Brasil, mostra-se em
tese necessário remover o símbolo máximo de tal disciplina jurídica e de tais
direitos, que é a Carteira de Trabalho.
Para destruir uma ideia (no caso, a de que “trabalhadores
merecem especial proteção do estado”), é preciso destruir o símbolo que a
corporifica, em torno do qual as pessoas se unem e se tornam capazes de
mobilização coletiva.
A Carteira do Trabalho está, para as relações do trabalho, assim
como a bandeira nacional está para a nação: é o símbolo que desperta
reações emocionais imediatas, bastante enraizadas no imaginário popular.
Está a Carteira firmemente associada à noção de cidadania e à afirmação
individual do trabalhador enquanto sujeito de direitos.
Da janela de meu gabinete, na Procuradoria do Trabalho, tenho
atualmente um exemplo de quão profundo e generalizado é tal
reconhecimento: para anunciar, em um outdoor, que no município de
Araraquara vem sendo criados muitos empregos, optou a Prefeitura
Municipal por usar a foto de vários trabalhadores sorridentes, cada qual
empunhando e mostrando com orgulho sua carteira de trabalho. Nenhuma
outra imagem, realmente, conseguiria transmitir a mesma ideia
(“trabalhadores satisfeitos com seus novos empregos”) de forma tão clara.
Ocorre que, além de ser um símbolo histórico das pretensões e
conquistas da classe trabalhadora, a Carteira também é um instrumento
bastante eficiente, apesar de simples, de inibição de ilícitos trabalhistas.
Dado que a Carteira precisa, por exigência legal, permanecer em poder doempregado, sendo entregue ao empregador apenas para anotação e pronta
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devolução, torna-se possível a qualquer momento verificar se o empregador
cumpriu ou não certas obrigações, sendo a primeira a de anotar a Carteira.
A formalização do contrato de trabalho na Carteira mostra-se
imperiosa porque é através dela que se garante o cumprimento de todos os
demais direitos contemplados em lei ou, pelo menos, obtém-se a punição
pelos descumprimentos. Já o trabalhador informal é, a princípio (vale dizer,
até que recorra ao Poder Judiciário e obtenha o reconhecimento da
existência da relação de trabalho, coisa que nem todos os trabalhadores
informais fazem ou conseguem fazer, por diversos motivos), um trabalhador
sem direitos, sejam trabalhistas, sejam previdenciários.
Não existe outro motivo que justifique a rejeição patronal à
Carteira de Trabalho senão este: ela dificulta a informalidade e a sonegação
de direitos trabalhistas e previdenciários. Obviamente não impede, mas
dificulta a prática dos ilícitos, pois é um meio de prova bastante direto.
Do ponto de vista dos custos administrativos arcados pelo
empregador que deseja contratar, a anotação da Carteira é procedimento
muito mais fácil, rápido e econômico do que qualquer outra alternativa,
inclusive a contida no inc. II acima transcrito (elaboração de “contrato escrito,
em duas vias”). A Carteira já existe, para formalização do contrato basta uma
caneta, e é fornecida sem qualquer custo, ao passo que a elaboração e a
impressão de instrumentos de contrato exigirão algum tempo e dinheiro.
A formalização através de “contrato escrito em duas vias”, ao
invés da Carteira, presta-se a apenas uma finalidade concebível: permitir que
os instrumentos de contrato sejam assinados em branco, e possam ser
completados – obviamente apenas na eventualidade de comparecer aoestabelecimento um fiscal do trabalho, ou de ser o empregador demandado
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em juízo – a qualquer tempo, com a indicação de data da contratação
diversa da real, ou de salário inferior ao verdadeiro, entre outras
discrepâncias.
É esperado, também, que aos trabalhadores não venham a ser
fornecidas cópias desses instrumentos de contrato avulsos, sendo muito
simples ao empregador alegar, depois, que o trabalhador a recebeu e
perdeu, ou, é claro, que o contrato nunca existiu, já que não houve relação
de emprego. Será simples, também, exigir do trabalhador, no ato da
contratação (e como condição a ela), a assinatura de documento informando
– em desconformidade com a realidade – que a ele está sendo entregue
cópia do contrato.
Consumidores são lesados há muitos anos dessa forma, com a
supressão da entrega do instrumento de contrato. Mas enquanto os
consumidores podem, via de regra, simplesmente não celebrar o contrato
oferecido nessas condições adversas, procurando outro fornecedor, o
trabalhador desempregado não pode recusar, premido pela necessidade (de
comer, de morar, de vestir-se, de assegurar a sobrevivência de seus filhos).
E assinará o que quer que lhe seja exigido como condição ao recebimento
de um salário, preocupando-se com as consequências depois.
Foi exatamente para evitar a disseminação de fraudes assim que
a Carteira foi criada, muitas décadas atrás. E agora propõe-se o retorno ao
passado, e sob o fundamento de que isso seria “moderno” e estaria em
sintonia com a “globalização”. Moderno, portanto, para os reformadores
neoliberais, seria facilitar fraudes e reimplantar práticas laborais de quase um
século atrás, mediante a permissão a contratos trabalhistas “de gaveta”.
A proposta sem dúvida insere-se na linha de medidas
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propugnadas pela CNI, Fiesp e outras entidades empresariais para resolver
o problema do mercado informal de trabalho no Brasil. A “solução” seria, bem
se vê, a seguinte: ao invés de se acabar com a informalidade, acaba-se com
a formalidade, e assim não há mais problema, já que todos os trabalhadores
estarão na mesma condição, em pé de igualdade. E sem direitos.
Acredito, entretanto, que os autores da proposta descobrirão que
o povo brasileiro não aceitará entregar sem luta uma de suas bandeiras mais
queridas, que é a Carteira de Trabalho.
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CAPÍTULO 2: Flexibilização, o que é?
2.1) Velhos projetos, novas palavras
Como se faz para convencer milhões de trabalhadores, e a
sociedade como um todo, que as medidas referidas no capítulo anterior são
boas, benéficas àqueles que serão penalizados por elas? Como convencer,
por exemplo, um trabalhador que irá perder seus 30 dias de férias, que
passarão a ser 10, ou um operário que hoje trabalha oito horas por dia, e
passará a trabalhar onze, ou um trabalhador da construção civil que terá que
continuar trabalhando em uma obra interditada, sem que o empregador seja
punido pelo risco de morte criado, que isso tudo é bom para o trabalhador e
não mau, péssimo, inaceitável? E como dizer, no cenário político brasileiro,
que se deseja abolir na prática a anotação de Carteira de Trabalho e facilitar
fraudes trabalhistas?
Não é um trabalho fácil.
Mesmo com a conivência de muitos veículos de comunicação,
que reproduzem sem qualquer crítica o discurso neoliberal (e não informam
quanto às consequências das medidas), ainda assim mostra-se dificílimo
defender as propostas precarizantes de forma aberta, dizendo: “olhe,
trabalhador, nós vamos diminuir os seus dias de férias, e eliminar o limite
diário de horas extras, e ampliar o prazo para pagamento de verbas
rescisórias, e dispensá-lo do seu atual emprego para recontratá-lo como
terceirizado pela metade do salário, mas você vai ver depois que tudo issoserá bom para você”. Não funciona.
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O discurso é direto demais, e ao invés de convencer os
trabalhadores de que aquilo que é ruim na verdade é bom, dessa forma o
que se obtém é alertá-los para o (real) perigo a que estão expostos, levando-
os à revolta. Afinal, por mais desmobilizados que estejam os trabalhadores
nos tempos atuais, qualquer porta-voz do ideário neoliberal sabe que
anunciar abertamente que o que se quer é eliminar parte dos salários e das
férias levará à ocupação espontânea de fábricas e a paralisações,
independentemente (e, às vezes, contrariamente) de qualquer convocação
de lideranças sindicais.
Ou seja, convencer os trabalhadores a abrir mão de seus parcos
direitos é mesmo uma tarefa dura. Mas já foram inventadas formas de torná-
la mais fácil, desviando a atenção dos trabalhadores até que seja tarde
demais.
A estratégia é a seguinte: você não usa as palavras certas,
correntes na língua falada. Se você deseja eliminar direitos, você não diz
“eliminar direitos”, você diz “flexibilizar”. Se você deseja promover demissões
em massa, você não diz “eu vou demitir em massa”, você diz “nós vamos
realizar um processo de reengenharia organizacional para maximizar a
eficiência” ou coisas do gênero. Até mesmo porque a consequência, por
vezes, diante de pessoas que estão desesperadas, pode ser esta:
“Executivo linchado após anunciar demissões - A empresa
chinesa Jianlong Steel Group desistiu dos planos de comprar a Tonghua
Iron, a maior produtora de aço da província de Jilin, no Nordeste da China,
depois que violentos protestos de operários culminaram na morte de um
executivo, na sexta-feira. Chen Guojun, da Jianlong, foi linchado por manifestantes depois de anunciar que a empresa, depois da aquisição,
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cortaria o número de funcionários de 30 mil para 5 mil. O jornal “China Daily”
informou que os protestos reuniram mais de 3 mil pessoas.17”
“Flexibilizar”, entretanto, é a palavra da moda, a que mais tem
dado certo, pois abrange um amplo leque de medidas e soa doce aos
ouvidos. “Flexível” é bom, é atual, é ágil e pós-moderno. Quem pode ser
contra o “flexível”? “Rígido”, ao revés, soa ruim, atrasado, pesado,
retrógrado. Quem pode ser a favor da “rigidez”?
Com os habituais bom humor e perspicácia, o escritor Luiz
Fernando Veríssimo18 descreveu essa estratégia linguística da seguinte
forma:
“Na recente reunião dos sete de ouro para tratar do custo social
da nova ordem econômica, os países mais ricos do mundo chegaram a uma
conclusão sobre como conter o desemprego. Surpresa! Deve-se continuar
·enfatizando e receitando aos pobres austeridade fiscal sobre qualquer
política de desenvolvimento e pedindo ao trabalhador que coopere, trocando
a proteção social que tem pela possibilidade de mais empregos. Algo como
continuar batendo no supercílio que já está sangrando. Chama-se isso não
de crueldade ou chantagem, mas de flexibilização do mercado de trabalho.
Podia se chamar de Maria Helena, não faria diferença - o neoliberalismo
triunfante conquistou o direito de pôr os rótulos que quiser nos seus bíceps.
Quem chama a volta ao capitalismo do século dezenove de modernidade e
consegue vendê-la merece o privilégio.”
Tal “flexibilização” constitui palavra que poderia ter saído, sem
17 Em http://www.clicrbs.com.br/anoticia/jsp/default2.jsp?uf=2&local=18&source=a2596947.xml&template=4187.dwt&edition=12804§ion=886
18 Citado por Salete Maria Polita Maccaloz, em Globalização e Flexibilização, Revista doInstituto de Pesquisas e Estudos, n. 18, disponível emhttp://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/20353/globalizacao_flexibilizacao.pdf?sequence=1
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dúvida, da Novalíngua (Newspeak) descrita pelo escritor George Orwell no
livro “1984” (uma das obras seminais do século XX), língua cujo objetivo é
impedir a capacidade de reflexão e o pensamento crítico, permitindo que
apenas sejam passíveis de expressão aquelas ideias compatíveis com a
visão de mundo da classe dominante.
Outro escritor que admiro, Ambrose Bierce, cujas críticas
mordazes ao poder e aos costumes eram muito temidas em sua época,
talvez incluísse se vivo estivesse um novo verbete na sua obra satírica “O
Dicionário do Diabo”:
Flexibilização, s. Processo através do qual se busca convencer
os trabalhadores que trabalhar mais horas, com menor remuneração, na
verdade é bom para eles.
Lembrando que no mesmo Dicionário já consta o seguinte
verbete:
LABOR, n. One of the processes by which A acquires property for
B. [Trabalho, s. Um dos processos pelos quais A adquire propriedade para
B].
“Flexibilização”, portanto, não é um novo fenômeno econômico,
social ou político. Reconhecê-la como tal é cair na ilusão que o uso da
palavra pretende criar. A novidade que existe em torno da “flexibilização” é
meramente linguística.
De fato, não existe uma nova tendência em voga no mundo que
mereça ser chamada de “flexibilizadora”, relacionada à globalização ou àcontemporaneidade, assim como não existe um inédito projeto “flexibilizador”
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em andamento, a novidade está no uso dessa palavra como máscara para
dificultar a identificação de um projeto bastante antigo, já chamado por outros
nomes no passado, que é o de eliminar direitos dos mais pobres.
Ou seja, o fenômeno subjacente (político e econômico) de fato
existe, mas não é novo e não está em uma necessidade contemporânea de
“flexibilização”, mas na pretensão por parte da elite econômica e de seus
vassalos, de extrair dos trabalhadores direitos hoje consagrados.
Sinteticamente, trata-se da mesma pretensão de sempre, mas com outro
nome.
2.2) Flexibilizar “para cima” ou “para baixo”?
Mas a invenção da “flexibilização” não foi uma grande descoberta
apenas por tornar possível a eliminação de direitos sem que precise ser dito,
pela elite e por seus veículos de comunicação, que direitos estão sendo
eliminados. Ela também possui a curiosa característica de fazer as pessoas,
e em particular os trabalhadores, esquecer um fato que deveria ser óbvio:
“flexibilizar” para mais, para cima, sempre foi possível. Não há qualquer
novidade aí. Sempre foi admitido que empregados e empregadores
chegassem a acordos para ampliar a quantidade de direitos trabalhistas
previstos em lei.
Portanto, a legislação trabalhista jamais constituiu obstáculo à
“flexibilização”, desde que esta significasse acrescentar e não retirar direitos.
É o que nos lembra Salete Maria Polita Maccaloz19:19 “Globalização e Flexibilização”, em Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos, n. 18,
ago/nov 1997.
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“O direito do trabalho para cumprir a sua finalidade de disciplina
jurídica tutelar, protegendo o trabalhador como o sujeito economicamente
fraco da relação contratual de trabalho, estabelece comandos mínimos e
inflexíveis, melhor dizendo, irrenunciáveis por parte dos empregados, mas
acima desses mínimos tudo é negociável, tudo será estabelecido segundo a
vontade das partes.”
Ora, se a “flexibilização” é apresentada como sendo boa aos
trabalhadores, é porque estes são seduzidos pela ilusão de que, através dela
e da reforma da legislação trabalhista, o seu número de direitos irá aumentar
com o tempo. A “flexibilização”, quando convence, convence por transmitir a
ideia de que a condição do trabalhador irá melhorar. Mas para aumentar
direitos nunca foi necessário alterar a lei. Direitos sempre puderam ser
acrescentados e ampliados. A legislação trabalhista sempre foi
irrestritamente “flexível” nesse sentido.
A qualquer instante os empregadores brasileiros podem, se
quiserem, ampliar a quantidade de dias de férias remuneradas, de 30 para
40 por exemplo, ou criar uma autolimitação ao número de horas extras, para
que jamais excedam a uma por dia, ou proporcionar condições de meio
ambiente do trabalho melhores do que o exige a legislação. Tal forma de
“flexibilização” pode ser feita já, sem alterar a lei.
De modo que o sentido dado à “flexibilização” atual mostra-se
bastante específico: não se trata de “flexibilizar” para cima, para alcançar a
ampliação de direitos, dado que isso sempre foi possível, e nunca se supôs
que houvesse a necessidade de se inventar uma nova palavra para designar
tal possibilidade. Quando se fala comumente em “flexibilizar”, o sentidoinequívoco é sempre “flexibilizar para baixo”, “flexibilizar para menos”.
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Então, quando o presidente da CNI diz que “Num mundo
competitivo, flexibilidade é essencial para a sobrevivência das empresas”, ele
não está a dizer que “Num mundo competitivo, flexibilizar para cima, para
criar direitos, é essencial para a sobrevivência das empresas”, mas sim que
“Num mundo competitivo, flexibilizar para baixo, para eliminar direitos, é
essencial para a sobrevivência das empresas.”
Da mesma forma, quando o deputado Sílvio Costa afirma que
“Flexibilizar, garantindo-se direitos mínimos, vem ao encontro da tendência
mundial ”, ele não está a dizer “Flexibilizar para criar novos direitos, além dos
direitos mínimos, vem ao encontro da tendência mundial ”, mas sim que
“Flexibilizar para retirar direitos, mantendo-se apenas o mínimo, vem ao
encontro da tendência mundial ”.
Igualmente, quando o periódico inglês The Economist declarou
em março de 2011 que “Quando Luiz Inácio Lula da Silva, um ex-lider
sindical, tornou-se presidente em 2003, eles [os empresários] esperavam
que ele estivesse em melhor posição que seus predecessores para
convencer os trabalhadores que leis mais frouxas [ flexíveis ] seriam melhores
para eles20”, ele não estava a declarar que” eles [os empresários] esperavam
que ele estivesse em melhor posição que seus predecessores para
convencer os trabalhadores a ter seus direitos ampliados”, e sim que “eles
[os empresários] esperavam que ele estive em melhor posição que seus
predecessores para mentir aos trabalhadores que leis mais frouxas [ flexíveis ]
seriam melhores para eles”.
Percebe-se que as propostas de alteração legislativa
20 “When Luiz Inácio Lula da Silva, a former union leader, became Brazil’s president in 2003,they hoped he would be better placed than his predecessors to persuade workers that looserrules would be better for them.” Em http://www.economist.com/node/18332906
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apresentadas pelo deputado Silvio Costa, pelo deputado Sandro Mabel e
tantos outros, no sentido de “flexibilizar” a legislação trabalhista, não tem em
momento algum o sentido de “flexibilizar” para cima, para permitir a criação
de novos direitos e melhores condições de trabalho, dado que para isso não
é necessária qualquer mudança da legislação. O sentido de tais reformas só
pode ser, então, “flexibilizar” para baixo, para retirar direitos, para piorar as
condições de trabalho no Brasil.
Então que fique bem claro a todos os trabalhadores brasileiros
que, se acaso vier a ser dado espaço à “flexibilização” mediante as reformas
legislativas aqui discutidas, nenhum trabalhador irá adquirir qualquer direito
adicional. Não haverá qualquer ganho. Se a intenção do parlamentar,
proponente do projeto, fosse assegurar ganhos ao trabalhador, ele o faria
diretamente, mediante lei ampliativa. E se a intenção do patronato fosse
conceder ganhos ao trabalhador, ele o faria desde já, pois aumentar direitos
é possível sem mudar a lei, no contexto de negociações coletivas ou não.
Ou seja, se vier a ser implementada a “flexibilização” pretendida
em tais reformas, nenhum trabalhador irá ganhar dias de férias a mais, ou
receberá adicionais salariais a mais, ou horas de trabalho a menos, ou
salários melhores. O que ocorrerá é o exato oposto disso: perderão os
trabalhadores dias de férias, perderão os adicionais não previstos na
Constituição, trabalharão mais horas por pior remuneração. Pois esse é o
significado – o único significado – de “flexibilizar”.
Seria conveniente, por tudo isso, que cada trabalhador tivesse
gravada em sua mente a tradução para a língua portuguesa coloquial, falada
diariamente pelos brasileiros, da palavra “flexibilização”, da seguinte forma:
1) “flexibilização” quer dizer, em bom português, “eliminação de direitos”; 2)“Flexibilizar” significa eliminar, e nada mais; 3) trabalhador, a pessoa que vier
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lhe propor a “flexibilização” de direitos está pretendendo, nada mais nada
menos, tomar direitos seus. Tal pessoa não quer ajudá-lo, mas prejudicá-lo.
2.3) Promessas não cumpridas
Em acréscimo, a propalada “flexibilização” jamais resolve
quaisquer dos problemas que ela promete exterminar. Jamais se gerou
grande quantidade de empregos, por exemplo, eliminando-se direitos dos
trabalhadores.
Nesse sentido, Óscar Ermida Uriarte21, após relatar experiências
de flexibilização da legislação trabalhista ocorridas na Espanha (a partir de
1984), Argentina (a partir de 1991), Chile (1978/79) e Colômbia (1985 e
2002), todas acompanhadas do crescimento dos índices de desemprego nos
anos subsequentes, comenta:
“Si se trazara un gráfico com estos datos, señalando las fechas
de las reformas desreguladoras o flexibilizadoras y se las superpusiera com
la línea del desempleo, podría demostrarse que la flexibilización genera
desempleo. Problablemente no sea así, sino que el nivel de empleo sea
mucho más susceptible a las grandes variables macroeconómicas (tasa de
interés, tasa de cambio, inversión, ahorro) que a la firmeza o debilidad de la
legislación laboral.
(…)
Es que el verdadero problema del empleo no es el Derecho del
trabajo ni el sistema de relaciones laborales, cuya incidencia sobre aquél es
muy relativa. El verdadero problema es que tenemos un sistema económico21 Em “La flexibilidad laboral: perspectiva latinoamericana”, em Responsa iurisperitorum
digesta, Volume 5, Universidad de Salamanca, 2004.
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que destruye más puestos de trabajo que los que genera”.
A completa ineficácia da “flexibilização” em resolver problemas,
entretanto, não é um defeito dessa estratégia mas uma vantagem: já que os
problemas não são resolvidos, sentem-se muito à vontade os arautos do
neoliberalismo para continuar propondo novas doses da mesma
“flexibilização”. Simplesmente se defende que a dose anterior de eliminação
de direitos não foi o bastante, ou então ignora-se a experiência pregressa,
como se ela jamais tivesse existido, contando-se com a curta memória da
população.
Reconheça-se então a “flexibilização” pelo que ela realmente é:
não uma proposta ou estratégia econômica genuína, mas um projeto
linguístico de contornos ideológicos muito bem definidos, defendido por
pessoas que jamais se deixarão curvar pelos fatos e pelas evidências em
contrário, já que tais fatos pouco lhes interessam. O que sim interessa a tal
ideologia é reverter certas conquistas obtidas décadas atrás pela classe
trabalhadora, de modo a facilitar o processo de concentração da riqueza nas
mãos dos mais ricos.
2.4) Flexibilizar o quê?
Mas vejamos que direitos são esses que precisariam ser
“flexibilizados”. Fala-se muito em “flexibilizar” a legislação trabalhista sem
que se esclareça exatamente qual a “gordura” que se deseja eliminar, quais
os direitos inúteis e descartáveis que estariam incomodando tanto o
processo de geração de empregos, a melhoria da eficiência das empresas eo progresso da sociedade como um todo.
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Tomemos a CLT, na qual está contemplada a maior parte desses
direitos. Denuncia-se com frequência que a CLT contém regras demais,
artigos demais, mas na verdade grande parte deles não se relaciona
propriamente com a enunciação de direitos trabalhistas.
Em síntese, o que está contido na CLT sobre direitos
reconhecidos aos trabalhadores limita-se a:
1) registro do contrato de trabalho, para que os direitos não
sejam totalmente suprimidos mediante fraude;
2) limitação à jornada e intervalos mínimos de descanso, para
preservação da saúde do trabalhador;
3) férias, também necessárias à saúde do trabalhador;
4) normas de segurança e medicina do trabalho, para
preservação da vida e da integridade física e mental do
trabalhador;
5) proteção do trabalho da mulher (inclusive em função da
maternidade) e do menor de idade;
6) proteção do salário, para que a remuneração prometida seja
efetivamente paga e não suprimida sob a forma de descontos
ilegais, por exemplo;
7) aviso prévio e verbas rescisórias, para que o trabalhador possa assegurar a continuidade da sobrevivência própria e de
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sua família logo após a perda inesperada do emprego, e tenha
tempo para procurar nova colocação e fonte de renda.
Há ainda na CLT algumas peculiaridades relativas a um pequeno
número de profissões específicas, regulamentadas de forma especial, quase
todas relacionadas aos mesmos pontos acima (limite de jornada, saúde e
segurança, etc.).
De resto trata a CLT sobre direito coletivo do trabalho, normas
processuais, procedimentos administrativos, etc., ou seja, normas que não
se relacionam com a enunciação de direitos individuais passíveis de
“flexibilização” (eliminação) para fins de redução de custos.
Peço ao leitor que leia novamente a lista acima e diga: onde está
a “gordura”? Onde está o excesso?
Na verdade não há excesso algum. Não há nada ali que não
esteja diretamente relacionado ao mínimo necessário à preservação da
saúde, da vida e da dignidade dos trabalhadores e de suas famílias.
Todos os direitos enunciados na CLT guardam relação com
imperativos decorrentes da biologia, da medicina e da economia. Da biologia
extrai-se a existência de ritmos biológicos, que impõem respeito à alternância
entre períodos de vigilância e atividade com os de repouso. Da biologia
também provém a necessidade de cuidados com a prole, que inspiram as
medidas de proteção à maternidade e à infância. Da medicina extrai-se que o
excesso de trabalho conduz à fadiga crônica, a doenças conhecidas e ao
aumento do número de acidentes, em decorrência da menor capacidade de
concentração do trabalhador. Da economia extrai-se a óbvia constatação deque trabalhadores que foram dispensados, sem estar esperando por isso,
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precisarão de tempo para obter uma nova colocação, e de dinheiro para se
sustentar até lá, visto que os credores e o supermercado da esquina não se
importarão se o trabalhador tiver perdido o emprego sem justa causa e de
forma inesperada, imprevista.
O que é que se pretender, então, “flexibilizar”? A saúde do
trabalhador, mediante a ampliação da jornada? A garantia de sua
sobrevivência diante do desemprego, e da incerteza quanto à pronta
obtenção de novo emprego, mediante redução ou eliminação de verbas
rescisórias?
Portanto não existe na CLT “gordura” alguma, existe apenas e tão
somente o mínimo necessário para que o trabalhador possa viver com saúde
e com um pouco de dignidade.
Que fique então claro que remover esses poucos direitos
significa, necessariamente, isto: subtrair a saúde e a dignidade do
trabalhador e de seus filhos.
É isso o que propõem, por trás dos neologismos, os arautos da
“flexibilização”: menos dignidade e saúde à população.
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CAPÍTULO 3: Corrida global ao fundo do poço
3.1) E que vença o pior...
Como visto no capítulo 1, o projeto do Código do Trabalho, assim
como o projeto Mabel, representam mais um passo da tentativa de se
implementar no Brasil uma agenda de reformas neoliberais, em sintonia com
os interesses da elite econômica, mediante a eliminação de direitos
trabalhistas.
Frequentemente tal eliminação (termo evitado em prol do
neologismo “flexibilização”) de direitos (palavra que também se evita, em
favor de “encargos”) é defendida, em primeiro lugar, pela necessidade da
competição internacional, supostamente agravada pelo fenômeno de
globalização.
Nesse sentido, vale repetir, alerta-nos o texto da justificativa do
projeto do Código:
“A realidade de uma sociedade pósindustrial mostra que muitos
hábitos foram alterados pelo avanço tecnológico e pela globalização.
(…)
Hoje, a inflexibilidade para se contratar é, sem dúvida, o mais
grave problema da legislação trabalhista, pois impede a competitividade das
empresas. Como a concorrência nos mercados internos e externos é cada
vez mais acirrada, e só vence quem oferece o menor preço, as empresasnão hesitam em transferir fábricas para países onde o custo de produção é
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baixo.”
Na mesma linha adverte-nos a revista Exame, em março de
201122:
“A busca por um Brasil competitivo - Num mundo onde os
padrões de concorrência são dados pela China, o Brasil não tem outra saída
senão tornar sua economia competitiva. Há muito a fazer. É preciso começar
já.
São Paulo – A competição é uma das mais poderosas forças na
evolução do homem. Não conhecemos o futuro, mas uma coisa é certa: à
medida que a competição continue a evoluir, ela será a fonte de muito de
nossa prosperidade.
(…)
Os especialistas ouvidos por EXAME são unânimes em apontar
um cenário extremamente promissor caso o Brasil opte por se livrar de
amarras em quatro terrenos — o sistema tributário sufocante, a legislação
trabalhista esclerosada, a infraestrutura precária e uma taxa de juro única no
mundo.”
Tal tipo de advertência não é escutada, entretanto, apenas pelos
brasileiros. Trabalhadores e cidadãos de outras partes do mundo, entre eles
argentinos, norte-americanos, mexicanos e franceses, escutam tais avisos
há tempos: para continuar crescendo, para chegar ao desenvolvimento ou
para mantê-lo, em suma, para se construir um país melhor, mais forte e
poderoso, com pessoas mais felizes que aproveitam excelente qualidade de
vida, é preciso abrir mão de direitos, particularmente dos trabalhistas, pois
22 Em http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/0987/noticias/a-busca-por-um-brasil-competitivo?page=1&slug_name=a-busca-por-um-brasil-competitivo, acessado em11/08/2011.
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direitos são obstáculos à competitividade e ao crescimento em uma
economia globalizada.
Então, enquanto no Brasil o grande projeto destinado a
transformar o país em um paraíso econômico passa, como se alardeia, pela
supressão de direitos trabalhistas, projetos idênticos estão sendo defendidos
na Argentina, Estados Unidos, México e outros países, cujas populações são
também condicionadas, tanto quanto a brasileira, acerca da necessidade
imperiosa do país vencer, chegando-se ao primeiro lugar em uma verdadeira
guerra comercial permanente, um vale-tudo de todos (os países, as
empresas, os indivíduos) contra todos pela conquista de mais mercados, de
mais divisas, de mais lucros, enfim do maior crescimento econômico possível
ou mesmo imaginável, entendido muito naturalmente como condição
indispensável à felicidade humana.
Na Espanha, por exemplo, a população é alertada pela CEOE
(Confederação Espanhola de Organizações Empresariais) que23: “En una
economía globalizada, la competitividad debería ser una auténtica obsesión
nacional. La economía española lleva muchos años perdiendo
competitividad, y esta pérdida explica, em gran parte, nuestros abultados
déficits exteriores”; “el marco legal e institucional del mercado de trabajo está
desfasado. Las reglas que rigen la negociación colectiva son, prácticamente,
las mismas que existían hace treinta años. La multiplicidad de contratos
laborales no sólo carece de la flexibilidad necesaria, sin oque, además,
aumenta los costes administrativos y de gestión.”
Digamos, então, que a sociedade brasileira, convencida da
necessidade da medida para assegurar a vitória no cenário competitivo
internacional, aceite a redução de direitos trabalhistas. Isso assegurará ao23 Em http://www.ceoe.es/ceoe/contenidos.downloadatt.action?id=8077629, acesso em
12/08/2011.
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Brasil o sonhado “primeiro lugar”, garantindo maior competitividade de
empresas brasileiras?
Ora, pelo visto não, pois ao mesmo tempo os demais países, à
frente dos quais o Brasil quer permanecer em termos de “competitividade”,
também deverão ceder à necessidade de se manter competitivos, e estarão
ao mesmo tempo reduzindo seu patamar de direitos trabalhistas.
Isso levará, previsivelmente, a um novo “round” na guerra para se
manter competitivo e à frente dos demais, pois agora todos os países mais
uma vez se nivelaram (ou mantiveram suas posições relativas) em termos de
custos trabalhistas, não obstante a queda do nível de direitos em todos eles.
Haverá alguns países em que os custos permanecerão ainda menores, pois
já o eram antes, e foram reduzidos em sintonia com a tendência mundial, de
modo que, para permanecer “competitivo”, se fará necessário ao Brasil e a
todos os outros países novos cortes de direitos trabalhistas, e após isso
novos cortes, e novos cortes, e novos cortes.
Esse é o processo, lógico e necessário, ao qual se chega quando
se supõe que, para assegurar a competitividade, é necessário reduzir direitos
(ou como preferem alguns, reduzir “encargos”) trabalhistas: todos os países
terão que fazê-lo, e inicia-se uma corrida internacional para ver quem terá
menos direitos e será como resultado o mais “competitivo”. Como a
competição, em um sistema capitalista, nunca terá fim, jamais desaparecerá
a pressão para a realização de novos cortes de direitos.
O título deste capítulo é um bom nome para designar tal
processo, apregoado pela elite econômica brasileira ou de qualquer outro
país: corrida global ao fundo do poço, vale dizer, uma corrida internacionalrumo ao estabelecimento, em todo o planeta, das piores condições
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trabalhistas possíveis, competição que por sua própria lógica apenas
chegará ao fim quando, em todos os países, passarem a ganhar os
trabalhadores o suficiente para permanecerem vivos e nada mais, já que do
contrário, mortos, não fornecerão qualquer força de trabalho.
Ilustremos assim: a Espanha, para continuar competitiva,
eliminará os custos para a dispensa de empregados. O Brasil, para
acompanhar a Espanha, faz o mesmo, e para superar a Espanha (dado que
a intenção é vencer, e não apenas se igualar aos demais) elimina também o
direito às férias (reduzindo-a para quantidade ínfima de dias). A Alemanha,
estando a perder competitividade em relação à Espanha e ao Brasil, faz o
mesmo, e providencia a eliminação dos custos da dispensa, das férias e,
para continuar à frente como uma das economias mais competitivas, desfaz-
se também do repouso semanal. A China, assistindo a isso, e percebendo
que seus custos trabalhistas, que eram antes bastante baixos e
“competitivos”, tornaram-se após o “round” mundial de eliminação de direitos,
mais elevados que o desejado, acompanha tais mudanças e suprime,
também, o pagamento por horas extras. No que terá que ser acompanhada
pela Argentina, forçando novas mudanças por Espanha e Brasil. E assim por
diante.
Esse, grosso modo, é o mundo imaginado e desejado pelos
arautos da competitividade na perspectiva neoliberal: um mundo sem
direitos, em toda parte, mas com empresas extremamente competitivas, o
que é o mesmo que dizer lucrativas para os seus donos.
Percebe-se que o entendimento de que é necessário reduzir
direitos trabalhistas para tornar o país mais competitivo, relativamente a
outros países nos quais o custo trabalhista é menor, leva fatalmente àdegeneração das condições de trabalho no plano internacional. Sempre
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haverá algum país mais pobre no qual, em tese, o custo do trabalho será
menor, e para o qual empresas multinacionais ameaçarão remover suas
operações. Tal possibilidade, admitida como natural (e não denunciada como
viciosa), leva ao nivelamento por baixo das condições de vida e de trabalho
em todo o globo.
Veja-se que o entendimento de que reduzir direitos trabalhistas
leva à prosperidade econômica já vem sendo repetidamente testado há
décadas, e jamais produziu o resultado alardeado. Em todas as situações em
que foi posta em prática, após o reaparecimento dos mesmos problemas que
a “flexibilização” pretendia resolver, voltou-se a defender, com a total
desconsideração das lições do passado (contando-se com a elevada
capacidade dos cidadãos “pós-modernos” para esquecer, inclusive a história
recente), o mesmo “remédio amargo” de antes, reapresentado como grande
novidade.
3.2) Reformas na Espanha
O caso espanhol, nesse sentido, é paradigmático. Durante o
mandato do presidente José Maria Aznar, de 1996 a 2004, foram
implementadas inúmeras alterações à legislação trabalhista no sentido de
torná-la mais “flexível”. Dessa forma, foram eliminados direitos, facilitando-
se, em especial, a dispensa do empregado.
O resultado de tais reformas, com a redução dos elevados
índices de desemprego na Espanha nos anos imediatamente seguintes,
foram saudados como um grande sucesso, e exemplo a ser seguido peloresto do mundo.
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Em abril de 2006, por exemplo, noticiava-se na página do
Tribunal Superior do Trabalho na internet24:
“Reforma trabalhista na Espanha é tema de palestra no TST: (…)
A recente experiência espanhola no campo das reformas trabalhistas foi
apresentada aos Ministros do Tribunal Superior do Trabalho hoje (27) pelo
consultor da Fundação de Análises e Estudos Sociais de Madri, Jaime
García Legaz. O espanhol acompanhou diretamente as reformas trabalhistas
espanholas entre os anos de 1996 e 2000, quando foi assessor econômico
do presidente José María Aznar.
(…)
A redução da indenização – pagamento de 45 para 33 dias por
ano trabalhado – impulsionou as contratações, fazendo com que a Espanha
reduzisse a taxa de desemprego de 22,3%, em 1995, para 8,7%, em 2005.
Segundo García Legaz, o país ibérico caminha para uma situação de pleno
emprego”.
Também em 2006, José Pastore, como esperado, tecia rasgados
elogios à reforma espanhola, saudando-a como um exemplo a ser seguido
pelo Brasil25:
“Hoje em dia, a Espanha é uma referência em matéria econômica
e laboral em toda a Europa. Além da vigorosa criação de novos empregos, o
país reduziu drasticamente os gastos com seguro desemprego, o que ajudou
a equilibrar as contas públicas.
(…)
Esta é uma quarta lição importante. As mudanças trabalhistas,
24 Em http://ext02.tst.jus.br/pls/no01/NO_NOTICIASNOVO.Exibe_Noticia?p_cod_noticia=6446&p_cod_area_noticia=ASCS, acessado em 12/08/2011.
25 Em http://www.josepastore.com.br/artigos/rt/rt_136.htm, acessado em 12/08/2011.
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quando bem realizadas, contribuem para equilibrar as contas de Previdência
Social e, indiretamente, todas as contas públicas e, com isso, estimula os
investimentos e a geração de empregos.
(…)
Por meio das várias reformas, a Espanha criou instituições do
trabalho que (1) estimularam novas formas de contratar; (2) reduziram o
custo da admissão; (3) cortaram o custo da demissão; (4) estimularam um
aumento de horas trabalhadas; (5) diminuíram o custo unitário do trabalho; e
(6) tudo isso associado a uma força de trabalho bem preparada.”
Comparece-se as declarações acima com a seguinte notícia,
mais recente, da agência de notícias BBC Brasil, de abril de 2011:
“O índice de desemprego na Espanha atingiu seu nível mais alto
nos últimos 14 anos, chegando a 21,3% no primeiro trimestre de 2011” .
Que curioso! A Espanha, que estava prestes a atingir, em meados
de 2006, uma “situação de pleno emprego” graças à “flexibilização” (redução)
de direitos trabalhistas, implementada para reduzir o desemprego, enfrenta
poucos anos depois desemprego recorde.
E como a eliminação anterior de direitos não atingiu os propósitos
planejados, o que se fez na Espanha, então? Abandonou-se a tese, que
obviamente não vingou, de que eliminar direitos garante a redução do
desemprego?
Não. Fez-se o seguinte: já que o “remédio doloroso” de poucos
anos atrás não funcionou – embora quase ninguém lembre disso, nem se
considere desejável lembrar disso – aplicou-se uma nova dose do mesmoremédio. Claro! Já que algo não está dando certo, continuemos a fazer a
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mesma coisa. Nesse sentido dá conta a notícia de junho de 2010:
“Espanha: reforma trabalhista é aprovada no Congresso
“A Câmara dos Deputados da Espanha aprovou nesta terça-feira
o decreto-lei sobre a reforma trabalhista adotada na semana passada pelo
governo, uma das medidas do socialista José Luis Rodríguez Zapatero para
enfrentar a crise econômica e aliviar em 20% o desemprego existente entre
a população ativa.
A reforma, que foi aprovada pelo executivo de forma urgente com
um decreto-lei e já entrou em vigor, foi apoiada na Câmara por 168 votos a
favor dos deputados do governista Partido Socialista Operário Espanhol
(PSOE), 173 abstenções e oito votos contrários.
(…)
Corbacho negou que a nova legislação diminua a indenização
por demissão, o que foi reprovado por vários deputados. A reforma pretende
ampliar o uso do chamado contrato de fomento ao emprego, que tem uma
indenização menor que um contrato normal, de 33 dias em vez de 45, e na
demissão por causas econômicas, uma indenização de 20 dias.
'Esta não é a reforma trabalhista que a Espanha precisa. É a
reforma da demissão. Pretendemos melhorá-la com nossas emendas",
declarou a deputada Soraya Sáenz de Santamaría, do principal partido de
oposição, o Partido Popular (PP)26 .”
O resultado acumulado das duas reformas (a de ontem e a de
hoje) “flexibilizadoras” de direitos trabalhistas, na Espanha, foi até o
26 Ironicamente, o Partido Popular da referida deputada é o mesmo do ex-Presidente Aznar,durante cujo governo foi aprovada reforma trabalhista para facilitar demissões. Emhttp://www.istoedinheiro.com.br/noticias/26532_ESPANHA+REFORMA+TRABALHISTA+E+APROVADA+NO+CONGRESSO.
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momento o seguinte:
a) “Desemprego na Espanha é o maior dos últimos 35 anos
Taxa sobe para 21,3% no 1º tri; país já tem quase 5 milhões de
desempregados
O número de desempregados na Espanha chegou a 4.910.200
no primeiro trimestre deste ano, enquanto o índice de desemprego subiu
quase um ponto percentual, até 21,29%, segundo os dados oficiais
divulgados nesta sexta-feira.
Trata-se do índice de desemprego mais alto desde o segundo
trimestre de 1997, quando alcançou 20,72%, e também do número total de
pessoas sem emprego mais elevado desde o início dessa estatística, em
1976, de acordo com a Enquete de População Ativa (EPA), divulgada nesta
sexta-feira pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).27 ”
b) “Na Espanha, o mesmo trabalhador é contratado e demitido
várias vezes
No que vem sendo conhecido como ''rodízio à espanhola'',
empresas usam contratos de curtíssimo prazo para pagar menos encargos
Todo primeiro dia do mês tem sido igual na Espanha: dezenas de
milhares de pessoas assinam um novo contrato de trabalho. Mas, ignorando
o fato de a taxa de desemprego estar em 20,3%, poucos comemoram
porque a vaga só vale por algumas semanas. Além disso, boa parte dos
contratados já tem um emprego. Na verdade, é exatamente o mesmo que27 Em http://veja.abril.com.br/noticia/economia/desemprego-na-espanha-sobe-e-chega-a-21-3,
acessado em 12/08/2011.
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está no "novo contrato".
Essa situação, de cores paradoxais, acontece porque, sem
confiança no futuro, as empresas têm usado contratos de curtíssimo prazo
para manter funcionários precariamente e, assim, pagar menos encargos. O
resultado é que os mesmos empregados têm sido contratados e demitidos
mês após mês.
(...)
Hoje, trabalhadores temporários já compõem um terço da força
de trabalho na Espanha. Há 20 anos, a fatia era próxima de zero e,
recentemente, cresceu com a evolução da crise. Nesses contratos, o período
de trabalho pode ser desde poucas horas - para, por exemplo, um serviço
que durará apenas uma tarde - até meses. Em todos os casos, há uma data
certa para o fim do contrato e nenhuma certeza de que o cargo temporário
poderá ser transformado em permanente.28 ”
Como a última reforma trabalhista tampouco resolverá os
problemas que conduzem ao desemprego na Espanha, é previsível que em
breve os espanhóis serão convocados a “apertar mais uma vez o cinto” e a
aceitar novos sacrifícios, como a aprovação de uma terceira reforma
“flexibilizadora”, com a eliminação de adicionais direitos.
E o motivo é simples: em momento algum tais reformas atacam a
causa dos problemas. O “remédio amargo” proposto não possui quaisquer
das propriedades “terapêuticas” esperadas mas, pelo contrário, agrava o
problema, eis que torna mais difícil a recuperação econômica,
particularmente em momentos de crise, como veremos a seguir.
Mais recentemente, Portugal vem dando mostras de que28 Disponível em http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,na-espanha-o-mesmo-
trabalhador-e-contratado-e-demitido-varias vezes,704179,0.htm, acessado em 12/08/2011.
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pretende seguir de perto o exemplo espanhol. Nesse sentido, em outubro de
2011 anunciou o governo português medidas de “austeridade”, visando
melhorar a “competitividade” das empresas do país, como informam as
seguintes noticias:
a) “Sector privado obrigado a trabalhar mais sem receber
13/10/11 20:12
O Governo decidiu alargar em meia hora o horário diário de
trabalho do sector privado.
A proposta do Orçamento do Estado para 2012 prevê que o
horário de trabalho diário passe de 8 horas, para 8 horas e meia. São mais
duas horas e meia por semana.
Esta medida vai afectar todos os trabalhadores do sector privado
e estará em vigor durante dois anos. O alargamento do horário de trabalho
era uma reivindicação do patronato e nos últimos dias foram vários os
economistas a defender mais horas de trabalho e menos férias.29”
b) “Num discurso ao país, a partir do Palácio de São Bento,
Pedro Passos Coelho anunciou novas medidas de austeridade para o
próximo ano.
'Para contrariar o risco de deterioração económica, incluindo uma
contracção profunda e prolongada do nosso produto e do nosso tecido
empresarial, o Governo decidiu permitir a expansão do horário de trabalho
no sector privado em meia hora por dia durante os próximos dois anos, e29 Em http://economico.sapo.pt/noticias/sector-privado-obrigado-a-trabalhar-mais-sem-
receber_128965.html
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ajustar o calendário dos feriados', afirmou Passos Coelho.
O primeiro-ministro salientou que estas medidas respondem
directamente à necessidade de recuperar a competitividade da economia,
considerando tratar-se do 'modo mais eficaz e mais seguro de operar um
efeito de competitividade'.30 ”
Basicamente, está o governo português a assumir o papel de um
feitor de escravos, estalando o chicote para extrair dos “preguiçosos”
trabalhadores lusitanos mais trabalho sem qualquer pagamento. Dá-se o
nome a isso de “competitividade”.
Veja-se, entretanto, que o maior problema a afligir os portugueses
hoje em dia é o elevado índice de desemprego, o quarto maior de toda a
Europa. A ponto do ministro do trabalho português ser chamado pela mídia
local de “ministro do desemprego”.
Nessas condições, percebe-se que se trata de uma verdadeira
loucura a medida anunciada, de ampliação da jornada de trabalho diária. Ao
invés de se estimular as contratações e a atividade econômica, está o
governo a garantir que as empresas terão acesso ao mesmo número de
horas trabalhadas com menor quantidade de empregados, o que constitui
poderoso encorajamento a novas demissões.
Assim, se antes uma empresa portuguesa obtinha 800 horas de
trabalho por semana com 20 empregados, agora ela obterá 807,5 horas de
trabalho com apenas 19 empregados.
Parece claro que a elite econômica portuguesa, em conluio com a30 Em http://economico.sapo.pt/noticias/governo-permite-acumulacao-da-meia-hora-de-
trabalho-extra_130115.html
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classe política, está a utilizar a crise econômica que ronda a Europa como
desculpa para reverter conquistas dos trabalhadores e ampliar os lucros. As
reformas legislativas neoliberais não guardam qualquer relação com o
problema a ser enfrentado, pelo contrário, seguramente elas o agravarão, e
muito.
Mas a capacidade de governos minimamente democráticos
implementarem reformas supressoras de direitos, mesmo que diante da
adesão de todos os partidos políticos e do silêncio dos principais veículos de
comunicação, não é infinita. Como resultado do achatamento das condições
de vida e de trabalho, crescem as tensões sociais e a insatisfação popular,
sendo indício disso, no caso espanhol, o aumento em três vezes do número
de votos nulos nas últimas eleições municipais (de 2011), em comparação à
eleição anterior. Também é indício disso o surgimento naquele país do
movimento dos “indignados”, com dezenas de milhares de pessoas tomando
as ruas para protestar contra a classe política como um todo,
independentemente da filiação partidária.
De modo que a progressão da crise levará em algum momento
ou à interrupção da supressão de direitos, sob pena de convulsão social
violenta, ou ao desaparecimento do regime democrático, para que as
mesmas medidas continuem sendo impostas manu militari . Nesse último
caso, como tantas vezes se viu no século XX, contando-se com a
contribuição de pessoas que veem na perda de competitividade perigo maior
do que a perda da democracia.
3.3) Exemplos concretos de acentuada “competitividade”
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Enquanto não se atinge tal ponto, continua-se a defender a
“flexibilização” em nome da competitividade, particularmente no Brasil, sob o
pretexto, hoje bastante em voga, de que os custos trabalhistas na China são
inferiores, e que o Brasil acabará sendo “engolido” pela economia chinesa.
Mas o que significa exatamente essa maior “competitividade” do
mercado de trabalho chinês? O que há na China de tão “competitivo”, a
ponto de servir de modelo para o Brasil, merecendo ser transplantado para
cá?
Vejamos um exemplo fulgurante de sucesso econômico, a
Foxconn, maior fabricante de componentes eletrônicos e de computadores
do mundo, com sede em Taiwan e que possui suas maiores fábricas na
China continental. A seguir algumas notícias:
a) “26/05/2011 - Explosão em planta de fabricante de iPads
agrava crise de imagem da empresa
A maior fabricante terceirizada de eletrônicos do mundo, a
taiwanesa Foxconn, enfrenta o agravamento de sua crise de imagem após a
explosão que matou três funcionários e feriu outros 15 em sua fábrica em
Chengdu, no sul da China, na última sexta-feira.
A empresa, conhecida internacionalmente pela produção de
equipamentos para a Apple, como o iPhone e o iPad, já havia enfrentado no
ano passado uma onda de suicídios de trabalhadores, levantando
questionamentos sobre segurança e adequação das condições de trabalho.
A Foxconn, que além da Apple tem entre seus clientes empresascomo Sony, Dell, Nokia e HP, emprega um milhão de trabalhadores na China
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e tem uma receita anual estimada em US$ 80 bilhões.
(…)
"Os problemas com as condições de trabalho na empresa
voltaram à cabeça de todo mundo, refrescando a memória fresca dos
suicídios", observa.
Em um período de menos de um ano, até maio do ano passado,
11 funcionários da Foxconn se suicidaram saltando do alto de prédios da
fábrica, principalmente em Shenzhen, no sul do país, onde estão
concentrados metade de seus funcionários.
Os motivos dos suicídios estariam ligados à longa jornada de
trabalho, aos salários baixos, à falta de um ambiente social e à natureza
excessivamente repetitiva do trabalho nas linhas de produção31.”
b) “Foxconn cria termo contra suicídio para seus novos
empregados
Contratados, chineses não poderão responsabilizar a empresa,
caso cometam suicídio
A Foxconn, empresa tailandesa que fabrica o iPhone e o iPad,
passou a exigir que os novos funcionários contratados na China assinem um
termo de comprometimento. Segundo o documento, eles não poderão
responsabilizar a empresa, caso cometam suicídio.
De acordo com uma reportagem publicada no Daily Mail nesta
semana, 14 funcionários da Foxconn cometeram suicídio nos últimos 16
meses. A matéria também traz alguns casos de tratamento desumano da31 Em http://www1.folha.uol.com.br/bbc/921115-explosao-em-planta-de-fabricante-de-ipads-
agrava-crise-de-imagem-da-empresa.shtml.
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empresa para com os seus funcionários:
- Funcionários proibidos de falar. Todos devem trabalhar em
turnos de 12 horas;
- Durante o período de maior demanda para iPad, os empregados
tiveram apenas uma folga após 13 dias de trabalho;
- Excesso de horas extras. Apesar do limite de 36 horas por mês,
um holerite mostrou que um trabalhador tinha 98 horas acumuladas neste
mesmo período;
- Trabalhadores que cometem erros são humilhados na frente dos
colegas.
Um trecho do documento criado para evitar que os funcionários
da Foxconn cometam suicídios diz: "Em caso de ferimentos não acidentais
(incluindo suicídio, automutilação etc.), concordo que a companhia agiu de
acordo com as leis e as regulamentações aplicáveis. Eu não irei fazer
demandas excessivas, realizar ações drásticas que prejudicariam a
reputação da empresa32 ".
Realmente, tal nível de “competitividade” há de ser insuperável,
não se admitindo sequer que o trabalhador, levado ao suicídio pelas
péssimas condições de trabalho, venha a reclamar da empresa depois de
morto...
Algumas outras notícias:
a) “Trabalhadores vivem em banheiro público na China
32 Em http://www.superdownloads.com.br/materias/foxconn-cria-termo-contra-suicidio-seus-novos-
empregados.html#ixzz1PkZ1uIiz
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As autoridades de Hangzhou, no sudeste da China, descobriram
dez trabalhadores migrantes morando em um banheiro público da cidade,
informou a mídia local.
Acredita-se que o grupo estava vivendo no banheiro havia vários
meses. No local há uma cama, panelas e um fogareiro e uma televisão.
Uma das mulheres disse que não tem como pagar o aluguel de
um quarto e suas despesas, e ainda enviar dinheiro para a família.
A China tem cerca de 20 milhões de trabalhadores migrantes,
que saem de regiões pobres rurais para trabalhar nas cidades que crescem
rapidamente, ou nos polos industriais.
O caso, que foi amplamente noticiado pela mídia chinesa,
destaca as condições de pobreza e os baixos salários de muitos desses
migrantes.33”
b) “28 mineiros chineses soterrados
Vinte e oito mineiros ficaram hoje, domingo, soterrados devido a
uma inundação numa mina de carvão no sudoeste da China, indicou hoje,
domingo, a agência Nova China.
O acidente ocorreu ao fim da manhã, cerca das 11 horas (3 horas
em Portugal) perto da cidade de Neijiang, na província de Sichuan, precisou
a Nova China que cita responsáveis locais.
Quarenta e um mineiros estavam a trabalhar na mina de carvão33 Em http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2010/02/100202_banheiromigrantes_ba.shtml,
acessado em 12/08/2011.
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Batian quando ocorreu a inundação, mas 13 conseguiram subir.
A Nova China também informou que outros três mineiros estão
soterrados desde sábado devido a uma inundação na mina de ferro da
região autónoma Zhuang du Guangxi.
As minas chinesas são consideradas as mais perigosas do
Mundo devido a negligência em termos de segurança e à corrupção, bem
como a prioridade atribuída aos imperativos da produção.
No ano passado, 2631 pessoas morreram, segundo dados
oficiais.34”
Ora, se tais fatos forem indícios da acentuada “competitividade”
de um país, pela manutenção de um patamar trabalhista baixo, convidativo
às empresas, então precisaremos reconhecer, como certamente já é
reconhecido pelo restante do mundo, que os padrões de “competitividade”
brasileira não ficam muito a dever aos chineses. Vejamos apenas alguns
exemplos:
a) “Destilaria Araguaia explora trabalho escravo pela 4ª vez em 8
anos
Sob administração do Grupo Eduardo Queiroz Monteiro, a usina
(ex-Gameleira) mantinha 55 migrantes em condições análogas à escravidão.
Para auditores, ausência de salários cerceava empregados, que se
afundavam em dívidas
Três libertações nos últimos oito anos (em 2005, 1.003 foram34 Em http://www.jn.pt/PaginaInicial/Mundo/Interior.aspx?content_id=1716719, acessado em
12/08/2011.
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resgatados da escravidão; em 2003, 272 foram libertados; e, em 2001, 76)
não foram suficientes para que a Destilaria Araguaia - antiga Gameleira -,
situada no município de Confresa (MT), mudasse a sua conduta. Operação
ocorrida de 6 a 16 do mês passado flagrou 55 pessoas submetidas à
escravidão na usina sucroalcooleira, que já figurou na "lista suja" e está sob
a alçada do Grupo EQM (Eduardo Queiroz Monteiro) - conglomerado
econômico dotado de poderosos tentáculos na política, com sede em
Pernambuco.
Nesta última operação, 55 trabalhadores foram flagrados em
condições análogas à escravidão, segundo o grupo móvel. O auditor fiscal
do trabalho Leandro de Andrade Carvalho, coordenador da operação, afirma
que a empresa permanecia há três meses "sem pagar ninguém" - inclusive
na planta industrial - e alguns estavam há seis meses sem receber
vencimentos.
A inexistência de salários fazia com que os migrantes (vindos de
lugares distantes do Mato Grosso e de outros Estados como Tocantins,
Goiás, Pernambuco, Maranhão e Alagoas) tivessem o direito de ir e vir
cerceado. Sequer dinheiro para voltar eles possuíam. Também eram
pressionados pela escassez e se enradavam no sistema de servidão por
dívida por meio de empréstimos para o aluguel e compra de alimentos. Sem
recursos, muitos deles foram despejados. Impedidos de continuar nos
alojamentos da empresa, parte dos empregados acabou se juntando em
moradias precárias (em termos de conservação e higiene) no núcleo urbano
de Confresa (MT).
Os trabalhadores também eram submetidos a jornadas
exaustivas - sem descanso semanal garantido por lei e sob risco deacidentes. Havia larvas no recipiente que conservava, de modo inadequado,
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a água para beber. Um dos espaços de alojamento mantido pela empresa foi
definido pela fiscalização trabalhista como "sujo, povoado com insetos
possivelmente peçonhentos e com estrutura deteriorada". Para completar, o
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) não vinha sendo
devidamente recolhido e agrotóxicos eram armazenados sem nenhum tipo
de cuidado extra.
Mesmo sendo dono de vários empreendimentos, o Grupo EQM
se recusou a pagar as verbas rescisórias. Diante disso, o MPT - que compôs
o grupo móvel de fiscalização junto com auditores fiscais do Ministério do
Trabalho e Emprego (MTE) e agentes da Polícia Federal (PF) - ajuizou ação
civil pública (ACP) na Vara do Trabalho de São Félix do Araguaia (MT), no
dia 15 de outubro, a fim de garantir o direito dos trabalhadores.
(…)
Grupo EQM
Em junho de 2005, a Gameleira, hoje chamada de Destilaria
Araguaia, foi palco da segunda maior libertação de trabalhadores em
situação análoga à escravidão da história: 1.003 libertados [e um total de R$
800 mil em indenizações, independentemente do intenso lobby político
capitaneado pelo então presidente da Câmara Federal, Severino Cavalcanti
(PP-PE), para amenizar as punições], contra 1.064 da Fazenda e Usina
Pagrisa, em Ulianópolis (PA), no ano de 2007. Em 2006, o Grupo EQM optou
por mudar o nome da empresa. Segundo o MPT, a diretoria do grupo
prometeu na época que cerca de 240 trabalhadores fixos e 750 temporários
teriam acesso a alojamentos decentes, alimentação de qualidade e carteira
assinada.
(…)
Segundo o procurador, o grupo EQM controla, entre outros
empreendimentos, três usinas de açúcar e álcool nos estados dePernambuco (Usina Cucaú Açúcar e Álcool), Tocantins (Destilaria de Álcool
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Tocantins) e Maranhão (Destilaria de Álcool Tuntum), bem como uma
empresa no setor de agronegócio (Tupaciguara Agricultura e Pecuária). Além
disso, o conglomerado tem conexões com meios de comunicação: Jornal
Folha de Pernambuco, Rádio Folha de Pernambuco, Folha Digital de
Pernambuco e Agência Nordeste. Eduardo Queiroz Monteiro é irmão de
Armando Monteiro Neto, deputado federal (PTB/PE) e presidente da
Confederação Nacional da Indústria (CNI).35”
b) “Campinas instala CPI para investigar trabalho escravo na
construção civil
Foi instalada na Câmara dos Vereadores de Campinas, interior
do Estado de São Paulo, uma Comissão Parlamentar de Inquérito para
investigar ocorrências de trabalho escravo na construção civil. No primeiro
trimestre de 2010, 17 denúncias envolvendo empresas do setor foram
recebidas pela Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região enquanto
que, no mesmo período deste ano, foram 25 – um aumento de 50%. Desde
março, foram flagrados seis casos de trabalho escravo no entorno da cidade.
O quadro encontrado se repete: trabalhadores arregimentados
por empreiteiras subcontratadas são submetidos a condições precárias de
trabalho e moradia, com indícios de aliciamento.
'Não podemos aceitar que pessoas abandonem suas famílias e
venham de tão longe para serem exploradas por grandes construtoras dessa
forma', afirma Jairson Canário (PT), que preside a CPI. Os jornalistas Bianca
Pyl e Maurício Hashizume, da Repórter Brasil, informam em reportagem que
os integrantes da CPI realizarão visitas in loco em canteiros de obras e
alojamentos.
35 Em http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1666, acessado em 12/08/2011.
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(...)
Abaixo cinco casos de fiscalizações na região de Campinas (com
informações da PRT-15 e da Repórter Brasil):
Jardim Florence, Campinas (SP)
No início de março, a Polícia Federal (PF) chegou a prender em
flagrante três empreiteiros por crime de trabalho escravo. O alojamento
utilizado pelas vítimas estava em condições precárias de higiene e oferecia
risco à segurança dos trabalhadores. O grupo foi contratado por “gatos”
(aliciadores) no Maranhão para trabalhar em uma obra da Goldfarb e
Odebrecht. As construtoras se responsabilizaram pelos trabalhadores,
fizeram os pagamentos e regularizaram os alojamentos.
Escola Estadual, Hortolândia (SP)
Sob falsas promessas de salários e condições de trabalho, 40
pessoas foram trazidas de Pernambuco. A construtora Itajaí, responsável
pela obra da escola estadual, subcontratou a empreiteira Irmãos Moura, que
trouxe os migrantes encontrados em moradias precárias, alimentando-se
mal, com documentos retidos e sem receber salários. O MPT firmou Termo
de Ajustamento de Conduta (TAC) com a Itajaí, que rescindiu contrato com
23 trabalhadores e enviou o grupo de volta para a casa. Os demais foram
registrados diretamente pela empresa, que também se obrigou a adequar
alojamentos e condições de trabalho.
Jardim Chapadão, Campinas (SP)
Obra administrada pela construtora Norpal foi embargada por falta de segurança e condições ruins de moradia. O proprietário foi multado.
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Na ocasião, foram visitadas cinco moradias de empresas que prestavam
serviços para a Norpal. Todas estavam irregularidades [sic]. Os alojamentos
estavam superlotados e não havia ventilação suficiente. A fiação elétrica
ficava exposta, aumentando o risco de curto-circuito e até de incêndios. O
número de banheiros era insuficiente para a quantidade de pessoas. Parte
das moradias era improvisada em barracões industriais, e um deles era feito
de madeira compensada.
Nova Aparecida, Campinas (SP)
Foram encontrados problemas nas áreas de vivência dos
operários, com banheiros e refeitórios precários, além de falta de
fornecimento de equipamentos de proteção individual (EPIs) e uniformes aos
trabalhadores.
Beach Park, Americana (SP)
Duas empreiteiras subcontratadas (Maria Ilza de Souza Ferreira
Ltda. e Cardoso e Xavier Construção Civil Ltda.) pela MRV mantinham
trabalhadores oriundos do Maranhão e de Alagoas em condições precárias
no canteiro do empreendimento “Beach Park”. As vítimas viviam em
alojamentos superlotados, sem ventilação, com fiação exposta, problemas
de mobiliário e sem higienização. A locação das casas e o fornecimento de
camas, colchões e armários ficavam a encargo da MRV. A empresa chegou
a assinar um TAC com se comprometendo a providenciar o retorno dos 48
empregados envolvidos.36 ”
Acrescento um exemplo de minha atuação, extraído da petição
inicial de uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho36 Em http://envolverde.com.br/noticias/campinas-instala-cpi-para-investigar-trabalho-escravo-
na-construcao-civil/, acessado em 12/08/2011.
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em 2010:
“Segundo o mesmo Laudo, em 2004 a empresa auferiu lucro
líquido de quase 40 milhões de reais (R$ 39.575.000,00), e distribuiu aos
seus acionistas dividendos no valor de trinta milhões de reais. Nesse mesmo
ano, as despesas administrativas, que incluem despesas com pessoal,
chegaram a R$ 11.757.000,00, quase um terço, portanto, do total de
dividendos embolsados pelos acionistas.
(…)
Veja-se que era nada menos que esperado que a reclamada não
pagasse, por exemplo, as horas extras laboradas mas não consignadas nos
cartões-ponto, afinal, essa é justamente a razão primeira para tais cartões
serem adulterados pela empresa, diariamente.
Mas a [empresa] vai além disso: ela sonega aos empregados,
todos os meses, inclusive o pagamento devido pelas horas extras
incontroversas, consignadas nos cartões. Suprime o pagamento de salários,
ao mesmo tempo em que distribui milhões de reais aos donos da empresa.
(…)
Efetuaram os Auditores-Fiscais do Trabalho, então, laborioso
levantamento dos débitos trabalhistas da empresa, decorrentes do não
pagamento integral de horas extras, chegando, em valores de abril de 2008,
ao total de R$ 714.117,70 (setecentos e quatorze mil, cento e dezessete
reais e setenta centavos), compreendendo o período de 01/2003 a 01/2008.
(…) a empresa utiliza a eliminação habitual de direitos
trabalhistas, inclusive privação de salário, como procedimento-padrão,
estudado e rigorosamente implementado, de maximização dos lucros à custa
do trabalhador. Trata-se de uma lógica perversa, pois, comparado aomontante do lucro a ser distribuído, o pagamento devido aos empregados
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representa valor quase desprezível. Mas, infelizmente, os acionistas e
diretores da [empresa] ilustram com precisão a veracidade da antiga
máxima: “QUANTO MAIS SE TEM, MAIS SE QUER”.
Nesse caso concreto, a situação trabalhista envolvia, também,
jornadas de trabalho para motoristas de caminhão de 12 a 18 horas por dia,
entre muitos outros problemas.
É importante destacar que casos como esses, acima
mencionados, são investigados e comprovados pelo Ministério Público do
Trabalho, em todo o país, aos milhares. Todos os dias os procuradores do
trabalho lidam com situações assim, ao mesmo tempo em que percebem que
o número de ilícitos é muito maior do que a capacidade – inclusive em
termos de recursos humanos – do estado dar a resposta devida, com rapidez
e eficácia. O que me faz concluir que já há muita “flexibilização” ocorrendo no
Brasil, na prática, através da violação da lei.
Outra evidência contundente disso: “Os trabalhadores brasileiros
deixam de receber por ano R$ 20 bilhões em horas extras sonegada pelos
empregadores. O principal motivo, segundo a Associação Nacional dos
Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), seria a manipulação dos
registros da jornada pelas empresas. 'O brasileiro trabalha muito mais do
que 44 horas semanais e nem recebe por isso', disse o desembargador Luiz
Alberto de Vargas, diretor da entidade.37”
Merece destaque, também, a circunstância revelada pelas das
notícias de que não são apenas descapitalizados empresários individuais ou
pequenos produtores rurais que cometem ilícitos trabalhistas graves como
trabalho escravo, mas também, e principalmente, grandes e organizadas37 Em http://www.diap.org.br/index.php/noticias/agencia-diap/18664-patroes-sonegam-r-20-bi-
em-hora-extra-de-trabalhador-diz-anamatra
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empresas e empresários, que auferem por ano lucros da ordem de vários
milhões. Trata-se de violações cometidas por grande construtoras, grandes
frigoríficos, usinas, indústrias de porte, grandes proprietários rurais. Não são
circunstâncias marginais à economia brasileira, mas centrais, inseridas no
contexto de (em tese) modernas cadeias produtivas.
Ora, quão mais “competitivo” precisa se tornar um país
acostumado a situações de trabalho análogo ao de escravo, no meio rural e
também no urbano, inclusive pela manutenção de condições degradantes,
por responsabilidade de empresas de grande porte?
Parece mais razoável concluir que, aos olhos de boa parte do
mundo, o Brasil se encontra entre os “vilões”, e não entre as “vítimas”, da
pressão por “competitividade” mediante achatamento das condições
trabalhistas, com consequente redução de custos e nivelamento para baixo
dos padrões trabalhistas. Nesse sentido a Espanha, por exemplo, com todos
os seus problemas, é muito mais atingida por tal “pressão para baixo”, criada
pelas práticas que prevalecem no Brasil e na China, do que o Brasil o é pela
China.
Claro que as coisas não se dão, em absoluto, da forma alardeada
pela elite econômica e por seus porta-vozes, não havendo pertinência,
inclusive do ponto de vista econômico, na afirmação de que, para ser
competitivo, é necessário reduzir direitos trabalhistas. E mesmo que
houvesse pertinência econômica nessa conclusão, não haveria conveniência
política ou social em se seguir tal orientação, pelas consequências adversas
a toda a sociedade, e mesmo à humanidade.
Se os arautos da competitividade tivessem razão, Haiti e Somália,por exemplo, seriam paraísos de prosperidade e desenvoltura econômica, e
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estariam a atrair empresas e investidores de todo o planeta, já que os custos
trabalhistas neles são ínfimos, inferiores até aos da China.
Então, por que o paradigma de competitividade, mesmo para os
paladinos do neoliberalismo, é a China, e não o Haiti ou a Somália?
Pelo visto, há vários outros fatores que interferem na construção
da condição de um país como mais “competitivo”, inclusive do ponto de vista
estritamente econômico, como a manutenção de um mercado consumidor
forte e diversificado, ou o acesso dos trabalhadores a uma educação de
qualidade (que custa dinheiro, por sinal), capaz de proporcional superior
capacitação profissional.
Outrossim, não interessa à humanidade como um todo
universalizar as condições de trabalho prevalentes na China, muito menos no
Haiti ou Somália. A intenção é justamente o oposto disso: elevar a condição
de vida e de trabalho dos países onde é ela mais baixa ao patamar de,
digamos, Alemanha e Suécia (tanto quanto o permitam os condicionantes
ambientais, sendo este um outro debate, extremamente necessário e ainda
mais fundamental).
E em resposta à pergunta acima, o grande diferencial competitivo
da China é, notoriamente, sua enorme população, alçada à condição de
mercado consumidor de gigantescas proporções. Esse é o motor que a
impulsiona, cujo potencial está longe de se esgotar. Enquanto tal população
permaneceu alheia ao mercado de consumo, ninguém sonhava apresentar a
China como exemplo de competitividade econômica.
3.4) Comparação internacional do custo do trabalho na
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indústria
Tais fatos não impedem, é claro, que os defensores da reforma
conservadora sustentem justamente o contrário, e encontrem espaço para
dizer que o Brasil é um dos países menos “competitivos” do mundo, dado
que os custos aqui seriam “exorbitantes”, muito maiores que a média
mundial. Mas a tais conclusões só se chega mediante laborioso trabalho de
desinformação, quer dizer, de apresentação de falsidades que, pela
insistência com que são repetidas, passam a soar como verdades.
Exemplo recente de tal trabalho de desinformação – mediante
pura deturpação da fonte – é dado pela reportagem a seguir, publicada em
23 de julho pelo jornal O Estado de São Paulo 38, a partir de um “estudo” (o
sentido das aspas ficará claro a seguir) da Federação das Indústrias do
Estado de São Paulo:
“Brasil é nº 1 em encargos trabalhistas
Estudo da Fiesp confirma posição do País, onde indústrias
gastam com contribuições 32,4% dos custos da contratação de empregados
Confirmado: o Brasil é mesmo o campeão mundial dos encargos
trabalhistas. Levantamento inédito da Federação das Indústrias do Estado
de São Paulo (Fiesp), feito com base em dados compilados pelo
Departamento de Estatística do Trabalho dos Estados Unidos (BLS, sigla em
inglês de Bureau of Labor Statistics), mostra que os encargos já
correspondem a praticamente um terço (32,4%) dos custos com mão de
obra na indústria de transformação brasileira.38 Em http://economia.estadao.com.br/noticias/economia,brasil-e-n-1-em-encargos-
trabalhistas,77080,0.htm, acessado em 17/08/2011.
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Trata-se do valor mais alto de toda a amostra, 11 pontos
percentuais superior à média dos 34 países estudados pelo BLS (21,4%). Na
Europa, por exemplo, o peso dos encargos no custo da mão de obra é de
apenas 25%.
Quando comparado aos países em desenvolvimento, com os
quais o Brasil compete comercialmente em escala mundial, a posição do
País é ainda pior. Os encargos são 14,7% dos custos em Taiwan, 17% na
Argentina e Coreia do Sul e 27% no México.
(...)
Porém, como o custo em dólar da mão de obra no País ainda é
relativamente baixo em comparação com a maioria das economias
avaliadas, o valor dos encargos no Brasil, de US$ 2,70 a hora, é inferior à
média dos 34 países (US$ 5,80 a hora).
(...)
'O valor em dólares dos encargos incidentes em uma hora da
mão de obra industrial no País é inferior ao da maioria das economias
desenvolvidas, mas supera o de nações em desenvolvimento e mesmo de
algumas desenvolvidas, como Coreia do Sul', argumenta o diretor da Fiesp.”
O extraordinário da reportagem e do “estudo” da Fiesp é que a
leitura da fonte citada, de onde teriam sido extraídos os dados – o
Departamento de Estatística do Trabalho dos Estados Unidos (Bureau of
Labor Statistics) – revela justamente o contrário: segundo o BLS, o Brasil é
um dos países do mundo onde o custo do trabalho é mais baixo.
A fonte da informação está no relatório “International comparisons
of hourly compensantion costs in manufacturing, 2009” , divulgado em março
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de 201139. E o que se diz em tal relatório é que, dos 34 países analisados, o
custo da hora de trabalho no setor industrial no Brasil é o 30º menor,
correspondendo a 8,32 dólares, inferior ao da Irlanda, Espanha, Grécia,
Portugal, Eslováquia, Argentina e Estônia, entre tantos outros. O custo da
hora de trabalho industrial no Brasil só é maior que em Taiwan, Polônia,
México e Filipinas. Além disso, segundo a publicação, o custo do trabalho
industrial no Brasil corresponde a 25% do custo do trabalho nos Estados
Unidos.
Veja-se que o Bureau of Labor Statistics realmente identifica que
o tamanho dos benefícios que correspondem a despesas com encargos
sociais (social insurance) é maior no Brasil, em termos percentuais, que em
outros países. Conforme tabela contida no estudo, do custo de 8,32 dólares,
2,70 corresponderiam a encargos sociais, 1,18 a benefícios diretos, e 4,45 a
salário direto (observação: o erro de cálculo está no original, com a soma dos
três elementos correspondendo a 8,33, e não a 8,32). Já o número de
benefícios diretamente pagos ao empregado (descanso semanal, férias,
bônus, etc.) é significativamente menor que a média dos demais países. E o
custo de 2,70 dólares que corresponde a encargos sociais faz com que o
Brasil figure, em termos objetivos (que é o que realmente importa), em 23º
lugar dentre 34 países, muito longe da alardeada posição de “campeão de
encargos”. Já no quesito salário direto, por exemplo, o Brasil fica em 32º, na
frente apenas de Filipinas e México, ou seja, dentro do escopo do
levantamento, o Brasil possui um dos três piores salários do mundo.
Outra informação muito relevante, trazida pelo Bureau of Labor
Statistics, consiste na variação do custo da hora de trabalho industrial de
1997 a 2009. A partir da tabela apresentada foi possível descobrir que, dos
34 países analisados, o Brasil apresentou a segunda menor variação de
39 Disponível em http://www.bls.gov/news.release/pdf/ichcc.pdf, acessado em 17/08/2011.
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custo no período, passando de 7,11 dólares em 1997 para 8,32 em 2009,
uma variação de apenas 17,02%. Somente Taiwan apresentou, nesses doze
anos, variação menor, de 10,23%. O que mais chama a atenção, entretanto,
é que a elevação do custo do trabalho nos demais países foi muito superior à
ocorrida no Brasil e Taiwan. Alguns exemplos: México, 63%; Argentina,
36,47%; Polônia, 139,62%; Filipinas, 31,58%; Irlanda, 127,52%; Coréia,
50,74%; República Tcheca, 245%; Espanha, 99%; Portugal, 87,30%.
Portanto, os trabalhadores brasileiros na indústria foram, de 1997 a 2009,
nada menos que brutalmente penalizados com o segundo pior índice de
reajuste do custo do trabalho de todo o mundo.
Ou seja, o que o Bureau of Labor Statistics afirma, em seu
relatório, não é que o “Brasil é nº 1 em encargos trabalhistas”, mas
justamente o contrário disso: no Brasil o custo do trabalho é baixíssimo se
comparado à maioria dos demais países analisados. Não apenas isso:
nenhum outro país do mundo, à exceção de Taiwan, manteve tão baixos os
custos trabalhistas, de 1997 a 2009, quanto o Brasil.
E não se diga que tal fato pode ser explicado pela variação
cambial, já que o relatório do BLS apresenta também dados sobre a matéria,
sendo observado que a variação cambial experimentada no Brasil, com
relação ao dólar, foi no período menor que a registrada na Argentina, e
praticamente igual à verificada pelo México, para citarmos dois exemplos.
No que diz respeito à limitação de jornada, podemos chegar a
conclusão semelhante, a partir de consulta ao banco de dados de legislação
de duração do trabalho da Organização Internacional do Trabalho40.
Observa-se que o Brasil possui jornada de trabalho legal superior ao
Equador, Canadá, Espanha, Estados Unidos, Japão, Portugal, Camarões,
40 Em http://www.ilo.org.
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Senegal, China, Indonésia e Rússia, entre outros países.
O sentido do relatório do Bureau of Labor Statistics é um evidente
exemplo da “corrida ao fundo do poço” a que me referi anteriormente, pois
constitui um alerta oficial (voltado à população e ao governo norte-
americanos, claro) de uma suposta “perda de competitividade” dos Estados
Unidos relativamente ao Brasil (e ao México, Taiwan, etc.), dado que lá o
custo do trabalho é muito maior. O propósito do relatório, então, pode
relacionar-se a pretensões “flexibilizantes” em curso nos Estados Unidos, no
sentido de se promover a redução de direitos como forma do país
acompanhar a “superior competitividade” brasileira. Assim, buscar-se-á
convencer os trabalhadores norte-americanos de que eles precisam aceitar o
corte de direitos e garantias, sob pena das empresas de lá se transferirem
para o Brasil ou o México.
E quando o patamar de direitos nos Estados Unidos for reduzido
ao nível brasileiro, terão ambos os países, Estados Unidos e Brasil, que
promover adicionais reduções para acompanhar a China, e assim por diante
até que em toda a parte do mundo prevaleçam, quem sabe, salários de fome
e condições de trabalho incompatíveis com o direito à saúde.
Tal risco já foi identificado pela Organização Internacional do
Trabalho, que aprovou uma resolução chamando a atenção da comunidade
internacional para o perigo da globalização se transformar um mecanismo
para a precarização internacional do trabalho. Transcrevo, aqui, trechos da
“Declaração da OIT sobre justiça social para uma globalização justa41”:
“Considerando que o actual contexto de globalização,
caracterizado pela divulgação das novas tecnologias, circulação de ideias,
41 Em http://www.ilo.org/public/portugue/region/eurpro/lisbon/pdf/resolucao_justicasocial.pdf
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intercâmbio de bens e serviços, aumento dos fluxos de capitais e financeiros,
internacionalização do mundo dos negócios e dos seus processos, bem
como pelo aumento do diálogo e circulação de pessoas, em particular, das
trabalhadoras e trabalhadores, está a transformar profundamente o mundo
do trabalho:
– Por um lado, o processo de cooperação e integração
económicas tem ajudado vários países a atingir elevadas taxas de
crescimento económico e criação de emprego, a integrar muitos dos pobres
das zonas rurais na economia urbana moderna, bem como na prossecução,
das suas metas de desenvolvimento, promoção da inovação no
desenvolvimento de produtos e circulação de ideias;
– Por outro lado, a integração económica à escala mundial
colocou muitos países e sectores perante importantes desafios como as
desigualdades de rendimentos, persistência de elevados níveis de
desemprego e pobreza, vulnerabilidade das economias aos choques
externos e aumento do trabalho precário e da economia informal, os quais
têm um impacto na relação de trabalho e na protecção que a mesma pode
proporcionar;
Reconhecendo que, nestas circunstâncias, impõe-se mais do que
nunca alcançar melhores resultados, equitativamente repartidos entre todos,
para dar resposta à aspiração universal de justiça social, atingir o pleno
emprego, garantir a sustentabilidade de sociedades abertas e da economia
global, assegurar a coesão social e combater a pobreza e as crescentes
desigualdades;”
3.5) Sociedade X Mercado
Mas a corrida ao fundo do poço a nível planetário não se traduz,
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apenas, na deterioração das condições de trabalho em toda a parte, com o
aumento da insatisfação popular e das tensões sociais – que conduzirão,
muito claramente, ao recrudescimento da violência, entre os indivíduos e
entre os países –, mas também na criação de ciclos duradouros de profunda
recessão econômica em escala mundial.
O motivo disso é que salários e demais benefícios pagos aos
trabalhadores são, de um ponto de vista, custo para as empresas, mas sob
outra perspectiva, a principal fonte de renda das empresas, pois os
assalariados constituem a maior parte do mercado consumidor, e, além
disso, assalariados transformam em consumo a maior parte do que auferem.
De fato, mais da metade do mercado consumidor é formada por
trabalhadores assalariados e seus familiares. E tais famílias consomem
quase tudo o que recebem, sendo pequena a margem poupada ou investida
no sistema financeiro. Já a elite econômica converte em consumo, sob a
forma de produtos e serviços, apenas uma pequena parte do que aufere, de
modo que pouco movimentam a economia de um país, com a notável
exceção do sistema financeiro, e particularmente do setor especulativo.
Diante disso, temos que quanto menos direitos trabalhistas forem
garantidos, menor será o consumo. E se os salários e os direitos trabalhistas
forem muito baixos, não há consumo diversificado, mas apenas o consumo
de bens relacionados à sobrevivência física, de gêneros de primeira
necessidade. Não há, nessas condições, consumo de automóveis, por
exemplo, salvo o de modelos de luxo, cuja produção e demanda são
insuficientes para sustentar a indústria automobilística como um todo.
Ademais, menos direitos usufruídos pelos trabalhadores traduz-se também em menor chance de acesso, por seus filhos, a uma educação
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diferenciada, de maior qualidade, o que conduz à perpetuação da
desigualdade e à carência de profissionais qualificados que as empresas
modernas necessitam.
O prejuízo ao mercado consumidor e à economia nacional se dá
mesmo que a redução de direitos não atinja diretamente o salário. Nesse
sentido, a supressão de normas de saúde e segurança, por exemplo,
conduzem inevitavelmente a um aumento do número de mortes, acidentes e
doenças, que eliminam a fonte de renda de famílias inteiras (pela perda ou
redução da capacidade laboral do marido e/ou mulher), lançadas na miséria
e assim excluídas do mercado consumidor.
Já a “flexibilização” de limites de jornada e de férias conduz à
necessidade do trabalhador trabalhar mais horas por dia e por ano, ficando
mais tempo afastado de sua família. Tal sobrejornada acabará prejudicando
sua saúde, o que conduzirá a gastos com medicação e tratamento médico,
além do abalo às relações familiares. Por sua vez, relações familiares
desarmoniosas e pais ausentes também constituem significativo prejuízo ao
desempenho do estudante, e podem conduzir o adolescente ao uso de
drogas (com aumento dos índices de criminalidade) e ao abandono escolar,
com efeitos deletérios a toda a sociedade.
Os efeitos nocivos do excesso de trabalho sobre a saúde dos
trabalhadores, a propósito, já foram bem esclarecidos pela medicina. Por
exemplo, de acordo com estudo publicado na “ Annals of Internal Medicine”42
e divulgado pelo jornal New York Times, em 2011, quem trabalha mais do
que 11 horas por dia tem 66% maiores chances de sofrer ataque cardíaco.
De modo que um mundo no qual não prevaleçam quaisquer limites de
jornada, e no qual se considere normal trabalhar 12 horas ou mais por dia
42 Em http://www.annals.org/content/154/7/457.full
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será, também, um mundo em que os trabalhadores passarão a morrer mais
cedo, deixando em condição adversa suas famílias e, por consequência,
provocando abalo à sociedade.
Veja-se que empresários, nos dias atuais, também costumam
trabalhar muitas horas, por vezes mais que 11 horas por dia. Mas o resultado
disso (longas horas de trabalho, vida sedentária) está em que muitos
empresários efetivamente sofrem do coração e experimentam ataques
cardíacos. A diferença é que tais empresários terão acesso aos melhores
recursos de atendimento à saúde, melhores médicos e hospitais, e terão
dinheiro para comprar a medicação recomendada, ao passo que a massa de
trabalhadores não terá acesso a tal tipo de tratamento, que poderia lhes
salvar a vida.
Do ponto de vista estritamente econômico, um trabalhador morto
significa uma família empobrecida (primeiramente, pelas despesas médicas
durante a convalescença, depois pela perda da fonte de renda, que por
vezes era a única), com capacidade de consumo reduzida ou praticamente
eliminada (caso em que demandará algum gasto público sob a forma de
assistência social, isso se o país estiver comprometido em não permitir o
aumento da mortalidade infantil por desnutrição).
Percebe-se então que, embora a tentação do capitalista seja
pagar o salário mais baixo possível, para reduzir custos, ao fazê-lo ele
contribui para a retração do mercado consumidor, o que acabará por afetar
seu negócio.
De fato, a elite econômica quer pagar o menos possível aos
trabalhadores, em termos de salário e outros benefícios, mas ao mesmotempo deseja ter acesso a um pujante e diversificado mercado consumidor.
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Exemplo desse paradoxo pode ser visto no comportamento da CNI. A
Confederação, ao mesmo tempo em que defende uma agenda legislativa
focada na redução de direitos trabalhistas, mantém um “Índice Nacional de
Expectativa do Consumidor”, que avalia periodicamente a confiança dos
consumidores brasileiros, levando em conta os seguintes parâmetros de
pesquisa: preocupações com desemprego, com a renda própria, com o
endividamento e planejamento da aquisição de bens de maior valor.
Se tiver a CNI interesse, poderá ela acompanhar o impacto de
uma de suas pretensões sobre a outra, e provavelmente constatará que, a
cada direito trabalhista que conseguir eliminar, através de seu lobby no
Congresso, verá crescer a preocupação do consumidor com a renda própria
e com o endividamento, e verá cair a expectativa de adquirir bens de maior
valor. Pois com que outro dinheiro supõe a CNI que a maioria dos
consumidores irá adquirir bens mais caros, senão com o de seus salários?
Tal contradição, levada às últimas consequências em todos os
países desenvolvidos ou em desenvolvimento simultaneamente, conduz à
competição desenfreada, à recessão global e a guerras, pois, esgotado o
potencial de seu próprio mercado interno, as empresas de cada país
desejarão acesso ao mercado consumidor estrangeiro como forma de
preservar o nível de atividade econômica, sendo que as empresas desse
outro país repelirão tal pretensão como forma de autodefesa. De modo que a
retração dos mercados consumidores domésticos leva à exacerbação
internacional da luta pelo acesso a outros mercados, para escoamento da
produção.
Tal quadro é agravado pelo fenômeno da financeirização da
economia, em curso há várias décadas, com o sistema financeiro – incluindoseu inflado segmento especulativo – sobrepujando em importância o setor
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produtivo. Há em voga a ilusão de que o mercado financeiro especulativo
gera riqueza, faz ela jorrar onde antes nada existia. Trata-se de uma mentira,
pois toda a riqueza que de fato conta precisa ter uma base real, em termos
de capital e trabalho aplicados, embora a ilusão de fato proporcione, para
alguns e por certo tempo, grandes fortunas obtidas de forma muito rápida.
Há então a tentação de não se aplicar recursos em investimentos produtivos
(como construção de fábricas, modernização de máquinas, melhorias em
transportes, etc.), mas sim na ciranda financeira.
Ora, a economia proporcionada pela supressão de direitos
trabalhistas traduz-se na retenção de mais dinheiro pelos mais ricos, os
quais não fazem retornar a maior parte do que recebem ao setor produtivo,
através do consumo de produtos e serviços, mas sim ao sistema financeiro,
através de novas aplicações. De fato, quando as pessoas mais ricas do
planeta desejam investir em produção, solicitam financiamento e incentivos
públicos (pagos por toda a sociedade), já que o destino de seu próprio
patrimônio é normalmente o sistema financeiro, através do qual espera
multiplicar ainda mais seus ganhos.
De modo que o dinheiro retirado dos trabalhadores/consumidores
realmente não voltará, de outras formas, a movimentar o mercado de
consumo e o setor produtivo (vale dizer, a economia real), passando isto sim
a alimentar a crescente financeirização da economia. Tal fenômeno,
entretanto, é insustentável a longo prazo, sendo que a economia mundial
aparentemente já atingiu e mesmo ultrapassou o limite do suportável, tendo
em vista as crises financeiras que se sucedem com força crescente e
intervalos cada vez menores. Em algum momento, para a surpresa de
ninguém – exceto, talvez, de alguns veículos de comunicação de massa –
atingiremos uma crise superior à que estourou em 1929. O que será péssimopara os trabalhadores e a população em geral, mas também para os
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negócios.
Mas se as coisas realmente se dão de tal forma, se a supressão
de direitos trabalhistas contribui para a recessão mundial e para crises
financeiras, com prejuízos aos próprios capitalistas, por que estes defendem
tais medidas?
Mais uma vez, a resposta está no imediatismo a que se
circunscreve a maioria das decisões da elite em um sistema capitalista,
particularmente em sua fase atual, neoliberal. Não se leva de fato em
consideração as consequências de longo prazo daquilo que se pretende
fazer hoje. As decisões são tomadas visando o lucro que pode ser obtido nos
próximos meses ou, no máximo, nos próximos anos. Se a consequência
previsível de uma decisão assim levará, além de assegurar lucro no final do
ano, também a um desastre dentro de 10 anos, tal ameaça futura sequer é
considerada, e quem a menciona costuma ser rotulado de “catastrofista” ou
“agourento”.
Ocorre que capitalistas não são, a rigor, grandes estrategistas,
preocupados com cenários socioeconômicos futuros ou com a prevenção de
crises vindouras. E se porventura vierem a se preocupar com isso, não estão
dispostos a investir tempo e dinheiro (o seu, especialmente) no problema.
Capitalistas em geral preocupam-se com o lucro que pode ser obtido neste
instante, acima de tudo.
No que diz respeito ao custo do trabalho, a perspectiva é: “se eu
reduzir direitos trabalhistas dos meus empregados, eu sou diretamente
beneficiado, e meus lucros aumentarão imediatamente, mas se eu manter
um patamar de direitos mais alto, ampliando o poder de compra de meusempregados enquanto consumidores, eu não sou diretamente beneficiado na
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mesma medida, pois eles não irão consumir apenas os produtos e serviços
que eu produzo. Então, não é um bom negócio para mim.”
A falha de tal linha de raciocínio está em não levar em
consideração que todos os demais empregadores estarão pensando a
mesma coisa, e se todos fizerem o mesmo, todos os trabalhadores ganharão
menos, e então o mercado consumidor sofrerá retração, o que por sua vez
afetará todos os empregadores. De modo que o que é um bom negócio para
uma empresa, pode ser um péssimo negócio para todas as empresas.
Age-se como o dono da galinha (espero que os trabalhadores
perdoem a comparação) que põe ovos de ouro, mas contrário do
personagem da estória, que mata e abre a galinha esperando achar ouro
dentro, ficando sem nada, os capitalistas querem dar cada vez menos milho
à galinha, esperando receber em troca a mesma quantidade de ovos de
ouro, até que a galinha vem a morrer de inanição. A moral é a mesma: “quem
tudo quer, tudo perde”.
Tal perspectiva mais ampla, entretanto, é desprezada em favor de
considerações centradas tão somente no aqui e agora, com vista ao ganho
que se pode obter já.
Age-se, em suma, como se o amanhã não existisse, sendo essa
a marca dominante dos tempos contemporâneos.
E se a degradação ambiental colocar a sobrevivência humana em
perigo? E se o aquecimento global elevar o nível dos oceanos, fazendo
submergir os valiosos imóveis litorâneos? E se a “bolha” especulativa
estourar? E se retração do mercado consumidor comprometer os negócios?E se a deterioração das condições sociais conduzir a uma explosão da
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criminalidade, hoje já bastante elevada? E se a concorrência internacional,
aliada à retração de mercados consumidores, provocar novas guerras? Nada
disso é levado em conta, pois não vai acontecer hoje e sim amanhã, então
não é considerado tão importante quanto a necessidade de se obter maior
lucro, que é imediata e permanente.
O problema é que o futuro, mesmo aquele que se supunha
distante, um dia chega e cobra um preço, por vezes terrível. No que diz
respeito à degradação ambiental, aliás, tal preço talvez seja impagável.
A média das pessoas, com base em noções de bom senso,
imagina que tal tipo de situação limite jamais chegará a ocorrer. Creem que
“de alguma forma” os líderes e governantes, em algum momento, evitarão o
pior. E continuam a pensar assim mesmo diante de todas as evidências do
passado no sentido de que o pior não costuma ser evitado pela ação
preventiva de líderes e governantes, que atuam via de regra apenas por
reação depois do eclosão da crise. Sessenta milhões de mortos na segunda
guerra mundial, por exemplo, deveria ser motivo forte o bastante para
lembrar que situações hediondas podem ocorrer se não forem prevenidas a
tempo, com atenção às suas causas.
As expectativas nascidas do bom senso falham na medida em
que o sistema capitalista move-se a partir de regras econômicas muito
específicas, não estando entre elas o bom senso, ou mesmo a moral. Se o
bom senso exigir um coisa, e a segunda opção proporcionar mais lucro, tanto
pior para o bom senso.
Tal sistema não reconhece, em particular, limites calcados na
natureza humana, ou no respeito à dignidade humana, dado que todas asvariáveis cedem sempre à lógica de reduzir custos e aumentar lucros. O
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respeito à dignidade da pessoa humana, ou mesmo ao bom senso, precisa
ser imposto ao mercado pela sociedade, através de leis, pois não surgirá de
forma espontânea.
Insista-se que essa não é necessariamente a perspectiva pessoal
de todos os capitalistas, que obviamente podem ser pessoas éticas e
sensatas em suas vidas privadas, e até preocupadas com problemas sociais
e ambientais. Mas o sistema econômico como um todo não se move em
razão de considerações éticas. Seu mecanismo é frio e previsível, e impõe
sempre a busca do maior lucro possível. O empresário que não souber
reconhecer tal realidade não sobrevive à competição. Se os seus
concorrentes reduzirem direitos trabalhistas, passando a oferecer graças à
economia assim obtida produtos a um preço mais convidativo, ele também
terá que fazê-lo, mesmo que não ache bom, ou então acabará fechando as
portas.
Desse modo, qualquer obstáculo que se fizer necessário fixar a
partir de imperativos calcados na ética, na moral, no bom senso, no respeito
à dignidade humana, nos direitos fundamentais, na prevenção de recessões
econômicas e de guerras, e até mesmo – por espantoso que pareça – para a
preservação do próprio sistema capitalista, quando ameaçado de colapso por
seus próprios excessos, enfim, qualquer obstáculo desejável precisará ser
reconhecido pela sociedade e imposto ao mercado e a seus operadores,
através da lei, neste caso veículo para a expressão da vontade coletiva.
É uma marca de nossos tempos, lamentavelmente, que tal
perspectiva esteja sendo perdida, e que se pretenda agora fazer exatamente
o oposto, permitindo-se que o mercado, que nenhum outro imperativo
reconhece senão o de se obter o maior lucro possível, imponha à sociedadeo que será ou não será admitido, o que pode ou não ser feito, mediante
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reformas legislativas.
Ou seja, ao invés da sociedade manter o mercado sob suas
rédeas, com vista ao interesse coletivo, pretende-se que o mercado
mantenha a sociedade sob suas rédeas, com vista ao interesse privado, de
modo a livrá-lo do cumprimento de leis concebidas para a defesa da
dignidade da pessoa humana, da justiça, da prevenção de guerras e crises,
etc.
Tal redefinição de papéis vem sendo buscada desde a década de
1970, particularmente a partir dos governos Reagan e Tatcher (após a
experiência-piloto no Chile de Pinochet), e se tornou explícita na
administração de George W. Bush nos Estados Unidos, que logrou aprovar
leis expressamente dirigidas à redução de impostos pagos pelos mais ricos,
flagrante quase que “fotográfico” do sistema capitalista no instante em que
este se desprega das amarras criadas em nome do interesse público para a
defesa da sociedade.
Ocorre que tais amarras, entre as quais estão as garantias
trabalhistas, não estão na lei por acaso. Há excelentes motivos para que elas
existam, reconhecidos após amargas lições do passado (hoje cada vez mais
esquecidas), e um desses motivos será discutido no próximo capítulo. Pois a
verdade é que antes de se chegar, pelo prosseguimento da corrida ao fundo
do poço, ao desaparecimento de direitos trabalhistas em toda a parte (antes
de se chegar ao teórico “fundo do fundo do poço”), o mundo já se
transformaria em um barril de pólvora, e explodiria em guerras de
abominável violência. Outra vez.
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CAPÍTULO 4: Direito trabalhista, alicerce para a paz
4.1) OIT, internacionalização de direitos e as duas guerras
mundiais
Uma “estranha coincidência” cerca o processo de
internacionalização e universalização dos direitos trabalhistas, a respeito da
qual poucas pessoas refletem hoje em dia.
Durante todo o século XIX, na Europa e Estados Unidos
(tardiamente no Brasil, já no começo do século XX) foram sendo aprovadas
leis de natureza trabalhista, de forma lenta e tortuosa e sujeita a recuos,
avanço marcado por conflitos entre patrões e empregados que se
degeneravam por vezes em verdadeiras batalhas campais.
Greves, mobilizações sindicais e reivindicações operárias eram
reprimidas de forma violenta por forças policiais, pelo exército e por milícias
privadas contratadas pelos empregadores. Por muito tempo, a simples
participação em greves e a filiação a sindicatos eram condutas definidas
como delituosas, sendo punidas como uma forma de conspiração.
Exemplo representativo de tais frequentes conflitos é aquele
ocorrido em 1886 nos Estados Unidos, em memória do qual se comemora
hoje o Dia do Trabalho em 1º de maio. Naquele ano e dia, teve início em
Chicago uma greve cumulada com manifestação coletiva de milhares de
trabalhadores, que pretendiam a redução da jornada de trabalho para oitohoras diárias. Nos dias que se seguiram, tal mobilização foi alvo de violenta
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repressão, até que por fim as forças policiais abriram fogo contra a multidão,
matando doze trabalhadores e ferindo dezenas.
É nesse contexto que foram sendo aprovadas no século 19 leis
protetivas, instituindo-se a progressiva proibição do trabalho infantil e a
fixação de limites à jornada de trabalho, por exemplo. Na prática, entretanto,
durante todo o período tais leis não foram objeto de verdadeira imposição
pelo estado, e as violações dificilmente eram punidas. A maioria dessas leis
jamais “saiu do papel”, e onde as condições de trabalho foram efetivamente
melhoradas, isso se deu bem mais graças à luta dos próprios operários, a
um custo humano altíssimo (incluindo mortes, prisões e espancamentos43),
que à intervenção do estado.
Esse cenário começou a mudar com a internacionalização da
legislação trabalhista, através do reconhecimento de padrões mínimos
universais a serem seguidos por todas as nações do mundo, e de princípios
que deveriam inspirar a criação, a interpretação e a aplicação das leis.
Tal internacionalização, não obstante tentativas anteriores pouco
eficazes de se criar organismos supranacionais, ganhou verdadeira força
com o aparecimento da Organização Internacional do Trabalho (OIT), cuja
criação se tornou um marco histórico da consolidação do direito do trabalho e
dos direitos humanos em geral.
O Brasil é um bom exemplo da força disseminadora do
surgimento da OIT e da internacionalização do direito do trabalho, pois
43 A violência, a propósito, continua sendo hoje em dia a tônica do tratamento dispensado agrevistas, particularmente servidores públicos. Basta ver que em 2011, para ficarmosapenas com exemplos recentes, já foram no Brasil reprimidas com golpes de cassetete,sprays de pimenta, bombas de efeito moral e prisões arbitrárias as greves de bombeiros noRio de Janeiro e de professores em Minas Gerais e Ceará, servidores notoriamentesubmetidos a um vencimento de fome (o piso salarial dos professores mineiros, porexemplo, era por ocasião do início da greve de R$ 369,00, inferior ao salário mínimonacional).
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apenas depois disso (iniciando em 1923 com a Lei Eloy Chaves, que conferiu
direitos trabalhistas e previdenciários aos ferroviários) o país começou a se
preocupar com a fixação, pelo estado, de patamares mínimos de existência
aos trabalhadores.
A condição brasileira até então foi denunciada por Rui Barbosa
em 1919, meses antes da criação da OIT, nos seguintes termos44:
“A SORTE DO OPERÁRIO
Nada se construiu. Nada se adiantou, nada se fez. A sorte do
operário continua indefesa, desde que a lei, no pressuposto de uma
igualdade imaginária entre ele e o patrão e de uma liberdade não menos
imaginária nas relações contratuais, não estabeleceu, para este caso de
minoridade social, as providências tutelares, que uma tal condição exige.
As fábricas devoram a vida humana desde os sete anos de
idade. Sobre as mulheres pesam, de ordinário, trabalhos tão árduos quanto
os dos homens; não percebem senão salários reduzidos e, muitas vezes, de
escassez mínima. Equiparam-se aos adultos, para o trabalho, os menores
de quatorze e doze anos. Mas, quando se trata de salário, cessa a
equiparação. Em emergências de necessidade todo esse pessoal concorre
aos serões. O horário, geralmente, nivela sexos e idades, entre os extremos
habituais de nove a dez horas quotidianas de canseira.”
Ora, é um fato pouco lembrado hoje em dia que a Organização
Internacional do Trabalho foi criada na Conferência de Paz de Versailles, em
1919, exatamente a mesma conferência que pôs fim à Primeira Guerra
Mundial. Por esse motivo é que a aprovação da Constituição da OIT foi44 Em sua obra “A questão Social e Política no Brasil”, disponível em
http://www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/artigos/rui_barbosa/p_a5.pdf
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incluída na parte XIII do Tratado de Versailles, que consolidou os resultados
daquela conferência.
E em que momento ocorreu a revisão dessa Constituição, com a
reformulação da estrutura e funcionamento da Organização Internacional do
Trabalho?
Precisamente ao final da Segunda Guerra Mundial, na esteira da
criação da Organização das Nações Unidas, em 1945, à qual passou a
pertencer a OIT (para que não existissem duas grandes organizações
internacionais com propósitos semelhantes), e da aprovação da Declaração
de Filadélfia (documento que inspiraria a Carta das Nações Unidas e a
Declaração Universal dos Direitos Humanos), ocorrida em 1944 (portanto
com a guerra ainda em andamento, e poucas semanas antes do “Dia D”, dia
da invasão da Normandia), que atualizou a Constituição da OIT.
Nas décadas seguintes à Segunda Guerra, e com o reforço do
papel da OIT (marcado pela aprovação de muitas de suas mais importantes
convenções), deu-se grande avanço à consolidação dos direitos trabalhistas
na maioria dos países do globo, sendo o mesmo período reconhecido por
muitos historiadores e economistas como a fase “áurea” do capitalismo,
interrompida com a retomada da contestação conservadora aos direitos
sociais nos anos 1970, no influxo dos governos Nixon e Reagan nos Estados
Unidos e Thatcher no Reino Unido.
Seria uma simples coincidência a vinculação entre os momentos
de criação e reconstrução da OIT e o término das duas guerras mundiais?
Não, em absoluto. Não há coincidência alguma aí. Muito emborahoje tal perspectiva histórica tenha se perdido, a verdade é que, em 1919 e
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em 1945, portanto ao término das duas grandes guerras, era considerado
por todos como óbvio que não poderia haver paz mundial sem atenção às
questões trabalhistas e às injustiças sociais.
Não obstante a persistência até os dias de hoje de conflitos
armados sérios, mas de menor escala, a população de hoje já perdeu a
perspectiva do horror que significou as duas guerras mundiais, que juntas
exterminaram mais de setenta milhões de vidas humanas. Menciona-se
agora tal número como mera abstração estatística, sem maiores
considerações ao monstruoso sofrimento humano implicado. Mas ao final de
cada uma dessas guerras, a extensão da tragédia, incluindo a destruição de
cidades inteiras, estava bem na mente de todos. E exigiam todos os povos a
adoção de medidas para se evitar a repetição de conflitos assim.
Entre as medidas previstas sempre esteve a afirmação de uma
legislação trabalhista, concebida como forma de por fim ao agravamento das
tensões sociais que, se não causam diretamente, em muito contribuem para
os conflitos armados globais e para convulsões coletivas de grandes
proporções. Além disso, todos sabiam ao final dessas guerras que se fazia
necessária a manutenção, no plano internacional, de um patamar mínimo de
direitos sociais, capaz de criar um freio à competição desenfreada entre os
países na busca por novos mercados, esta sim uma das causas econômicas
diretas das guerras.
Com relação à Segunda Grande Guerra, a vinculação entre
problemas sociais e guerra global está ainda mais clara, na medida em que
no período entre-guerras deu-se a grande crise econômica iniciada com a
queda da bolsa de 1929, crise que lançou milhões de pessoas na miséria em
todo o planeta, e favoreceu a ascensão do nazi-fascismo45.45 “ A crise da Bolsa de Nova Iorque, iniciada em outubro de 1929, teve efeito catastrófico na
Alemanha. De repente, cessou todo ingresso de capitais estrangeiros e as portas do
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Na lição de David Harvey46:
“A reestruturação das formas de Estado e das relações
internacionais após a Segunda Guerra Mundial foi projetada para prevenir o
retorno das condições catastróficas que tanto ameaçaram a ordem
capitalista na grande depressão da década de 1930. Também se buscava
com isso prevenir a reemergência de rivalidades geopolíticas entre estados,
que levam à guerra. Para garantir a paz interna e tranquilidade, alguma
forma de acordo de classes entre o capital e o trabalho teve que ser
construído”.
Vale lembrar que as duas guerras mundiais e a crise de 1929 (a
maior crise econômica da história, até hoje) foram atingidas após um longo
período de hegemonia absoluta do liberalismo econômico, o qual, portanto,
não assegurou nem a preservação da paz nem a eliminação da miséria,
circunstância que os neoliberais de hoje preferem ignorar.
O papel a ser desempenhado pelo direito do trabalho na
preservação da paz mundial está reconhecido no preâmbulo da Constituição
da OIT, nos seguintes termos:
"Considerando que a paz para ser universal e duradoura deve
assentar sobre a justiça social;
Considerando que existem condições de trabalho que implicam,
para grande número de indivíduos, miséria e privações, e que o
comércio internacional foram abruptamente fechadas. A fragilidade da economia alemãficava assim claramente demonstrada. Centenas de indústrias faliram e o índice dedesemprego explodiu. No início de 1932 já existiam mais de 6 milhões de desempregados, oque representava cerca de um terço da força de trabalho.” Em:http://pt.wikipedia.org/wiki/Ascensão_do_nazismo
46 Em “A brief history of neoliberalism”, livre tradução.
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descontentamento que daí decorre põe em perigo a paz e a harmonia
universais, e considerando que é urgente melhorar essas condições no que
se refere, por exemplo, à regulamentação das horas de trabalho, à fixação
de uma duração máxima do dia e da semana de trabalho, ao recrutamento
da mão-de-obra, à luta contra o desemprego, à garantia de um salário que
assegure condições de existência convenientes, à proteção dos
trabalhadores contra as moléstias graves ou profissionais e os acidentes do
trabalho, à proteção das crianças, dos adolescentes e das mulheres, às
pensões de velhice e de invalidez, à defesa dos interesses dos
trabalhadores empregados no estrangeiro, à afirmação do princípio "para
igual trabalho, mesmo salário", à afirmação do princípio de liberdade sindical,
à organização do ensino profissional e técnico, e outras medidas análogas;
Considerando que a não adoção por qualquer nação de um
regime de trabalho realmente humano cria obstáculos aos esforços das
outras nações desejosas de melhorar a sorte dos trabalhadores nos seus
próprios territórios.
AS ALTAS PARTES CONTRATANTES, movidas por sentimentos
de justiça e humanidade e pelo desejo de assegurar uma paz mundial
duradoura, visando os fins enunciados neste preâmbulo, aprovam a presente
Constituição da Organização Internacional do Trabalho”.
Ou seja, a razão primeira de ser da OIT, e portanto da
universalização dos direitos trabalhistas em geral, sempre foi a preservação
da paz, ante o reconhecimento da impossibilidade de existir a harmonia
duradoura entre as nações sem tais direitos.
Sobre as circunstâncias em torno da criação da OIT, ao final da
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Primeira Grande Guerra, comenta Brigid Stafford47:
“Em choque pelos horrores da guerra e inspirados pela
esperança de que de tanto sofrimento e ruína um mundo mais justo iria
nascer, trabalhadores de países aliados e neutros exigiram que os termos da
paz deveriam salvaguardar os trabalhadores de todas as nações e assegurar
a eles um mínimo de garantias no que diz respeito à legislação trabalhista,
direitos sindicais, imigração, seguridade social, horas de trabalho e saúde e
segurança na indústria.
Tornou-se, então, uma questão a ser enfrentada pelos Poderes
Aliados na preparação aos Tratados de Paz, quanto à forma que deveria ser
dada à organização internacional do trabalho nas propostas de paz.”
Transcreve a mesma autora discurso de Albert Thomas, primeiro
Diretor-Geral da OIT, pronunciado em 1931 por ocasião do lançamento da
encíclica Quadragesimo Anno (comemorativa dos quarenta anos da Rerum
Novarum, outro marco histórico da afirmação dos direitos dos trabalhadores):
“A Organização Internacional do Trabalho, na qual os povos
depositaram sua confiança imediatamente após o desastre mundial,
confiando a ela o estabelecimento de condições de trabalho humanas como
parte do esforço de se assegurar paz e harmonia mundiais, lançou-se à sua
imensa tarefa com grande confiança e entusiasmo. Ela sabe que a sua
criação não foi um ato de espontaneidade, resultado de uma erupção de
entusiasmo, mas sim a consumação de prolongados esforços e da atividade
em colaboração de todos os homens de boa vontade e de todos os que se
esforçam por ideais. A semente caiu em bom solo, que havia sido
47 “The International Labour Organization: its origins and story”, em Journal of the Statisticaland Social Inquiry Society of Ireland,Vol. XXIX, Part I, 1952/1953. Disponível em:http://www.tara.tcd.ie/handle/2262/3964
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cuidadosamente preparado há muitos anos por trabalhadores que estavam
ansiosos em assegurar o império da justiça social, sendo que entre eles
estavam aqueles que baseavam suas convicções na Encíclica Rerum
Novarum” .
A mesma percepção prevaleceu novamente por ocasião da
Segunda Grande Guerra, e não apenas após o término, mas inclusive
durante os anos em que ela estava sendo travada.
É muito significativo, nesse sentido, que a OIT tenha sido a única
organização internacional que se manteve em atividade durante a Segunda
Grande Guerra. Todas as demais organizações cessaram de funcionar ou
desapareceram para sempre. Meio mundo ardia em chamas, e ainda assim
as nações entenderam indispensável preservar a entidade dedicada à
promoção de condições dignas de vida aos trabalhadores, fato que
certamente há de soar incompreensível – além de inconveniente – aos atuais
porta-vozes do neoliberalismo.
Sobre as circunstâncias em torno do papel da OIT na Segunda
Guerra, comenta Gerry Rodgers e Outros48:
“Em 1941, 22 anos após ter sido fundada, a Organização
Internacional do Trabalho (OIT) realizou uma Conferência extraordinária em
Nova York. O objeto era sobrevivência. Exilada em Montreal, o seu trabalho
tinha sido severamente atingido pela guerra. A Liga das Nações, com a qual
a OIT era associada, tinha morrido. Para que a OIT não seguisse o destino
da Liga, era importante estabelecer que a Organização, e tudo o que ela
representava, deveria assumir um papel importante na reconstrução da
48 Em “The Internacional Labour Organization and the quest for social justice, 1919-2009”,autores Gerry Rodgers, Eddy Lee, Lee Swepston e Jasmien Van Daele, disponível em:http://digitalcommons.ilr.cornell.edu/books/53/
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ordem mundial após a guerra. O seu destino estava na balança.
A posição dos Estados Unidos, que havia aderido à OIT em 1934,
era fundamental. E em 06 de novembro de 1941, o Presidente Franklin
Roosevelt manifestou-se fortemente em favor da OIT. Tendo convidado os
delegados à Casa Branca no último dia da Conferência, disse-lhes que ele
havia ajudado a organizar a primeira Conferência da OIT, em 1919.
'Eu me lembro bem que naqueles anos a OIT era ainda um
sonho. Para muitos era um sonho louco. Quem antes havia ouvido falar em
Governos reunindo-se para melhorar os padrões de trabalho no plano
internacional? Mais louca ainda era a ideia de as pessoas diretamente
afetadas – os trabalhadores e os empregadores dos vários países –
devessem ter um papel junto com o Governo na determinação desses
padrões trabalhistas. Agora 22 anos se passaram. A OIT foi experimentada e
testada...'
Ele sublinhou algumas das realizações da Organização desde
sua fundação e, apontando para os desafios à frente após a guerra, concluiu
que a OIT
'...será um instrumento inestimável para a paz. A sua organização
terá um papel essencial a cumprir na construção de um sistema internacional
estável de justiça social para os povos de toda a parte'.
(…)
Os dois gatilhos para a criação da OIT foram guerra e revolução.
O século vinte, mais ainda do que o período anterior, foi um século no qual a
atividade humana mostrou-se largamente estruturada em torno da guerra e
do trabalho. E isso se deu em parte porque tanto a guerra quanto o trabalhose tornaram globais. A amplitude e brutalidade da guerra no século vinte
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excederam em muito tudo o que havia acontecido antes, ao provocar pela
primeira vez a morte de milhões de civis – e não apenas em duas guerras
mundiais, mas em um imenso número de conflitos de grande e pequena
escala por todo o globo ao longo do século, da Manchúria ao Congo. Ao final
da Primeira Guerra Mundial, com sua selvageria, mobilização em massa e
amplas repercussões sociais, os líderes políticos estavam abertos a uma
mudança fundamental em política, economia e sociedade, e a construir
instituições internacionais que pudessem reunir todos os países em um
esforço comum. A mesma abertura a mudanças emergiu novamente após a
Segunda Guerra Mundial, e conduziu à criação das Nações Unidas e à
construção de uma nova agenda de progresso social e direitos humanos.
Esse padrão foi repetido várias vezes a nível local e regional pois a
superação bem sucedida de conflitos tem que ser construída sob a
perspectiva de direitos e justiça sociais, como os promotores da paz sabem,
ou deveriam saber.
(…)
Na criação da OIT, essas duas correntes se uniram.
'Considerando que a paz para ser universal e duradoura deve assentar sobre
a justiça social', declara sua Constituição, e “considerando que existem
condições de trabalho que implicam, para grande número de indivíduos,
miséria e privações, e que o descontentamento que daí decorre põe em
perigo a paz e a harmonia universais, e considerando que é urgente
melhorar essas condições'. Nascida do resultado da Primeira Guerra
Mundial, a OIT foi construída sobre a crença de que paz e justiça andam de
mãos dadas. Não no sentido de que a guerra é sempre o resultado da
injustiça, mas de que a justiça social é uma base fundamental à paz”.
Da mesma forma o discurso de Edward Phelan, um dos
arquitetos da Constituição original da OIT e principal redator da Declaração
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de Filadélfia, pronunciado por ocasião da Conferência Internacional de
194849:
“Esta é uma organização que encarna em suas metas e em suas
ações algumas das mais profundas aspirações da humanidade – a aspiração
da humanidade por liberdade e justiça social... É por isso que sobreviveu à
guerra. É por isso que o Canadá a acolheu... quando ela escapava do perigo
da guerra na Europa. É por isso que, depois do choque inicial, começou a
avançar e não a retroceder. É por isso que quando países estavam a
centímetros da destruição, eles estavam dispostos a prover, mesmo na
exaustão de seus recursos, condições para manter a Organização
Internacional do Trabalho viva e permitiram sua expansão. É por isso que
delegados vieram à Conferência de Nova York em 1941 muito embora, como
um pessimista cínico declarou, 'muitos não tivessem países para os quais
voltar'. É por isso que, quando o espírito humano elevava-se para desafiar a
destruição, e o conteúdo essencial da paz a ser buscada foi identificado com
clareza, os homens se voltaram à Organização Internacional do Trabalho
para assegurar seus objetivos. É por isso que delegados se reuniram
novamente em 1944, embora a guerra ainda estivesse sendo travada, e
utilizaram a Organização Internacional do Trabalho para expressar os
propósitos de seus povos na Declaração da Filadélfia”.
Vale à pena ser mencionado, também, o testemunho de
Stephane Hessel, herói da resistência francesa durante a segunda guerra, e
que se tornou posteriormente diplomata, tendo participado da elaboração da
Declaração Universal dos Direitos Humanos. Em seu recente panfleto
“Indignem-se! ”, Hessel narra como o Conselho Nacional de Resistência, ao
mesmo tempo em que combatia os nazistas e o regime de Vichy, já se
preocupava com a elaboração de um programa de direitos sociais, pensando
49 Apud Brigid Stafford, obra citada.
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no pós-guerra, tão óbvio era para todos os resistentes que a paz duradoura
só poderia ser assegurada com a garantia de um mínimo de justiça social.
A propósito, vale mencionar que o General de Gaulle, líder da
Resistência Francesa, cumpriu um papel importante na preservação da
Organização Internacional do Trabalho no pós-guerra, em um momento no
qual havia entre diplomatas envolvidos na criação das Nações Unidas
resistências à manutenção da OIT, em razão de sua vinculação à defunta
Liga das Nações. De Gaulle recebeu os delegados da OIT para uma
conferência em 1945 em Paris, durante a qual foram redigidas as alterações
necessárias para compatibilizar a Constituição da OIT ao modelo que estava
sendo planejado para a ONU.
A avaliação de Hessel sobre os tempos contemporâneos é a
seguinte: “todas as fundações das conquistas sociais da Resistência estão
ameaçadas hoje”, e “a atual ditadura internacional dos mercados financeiros
[…] ameaça a paz e a democracia."
Propostas como a do Código do Trabalho (em tudo semelhantes
àquelas também em curso na França, Espanha, etc.) são exatamente o tipo
de ameaça a que se refere o herói de guerra, e deveria ser desalentador
para ele, ao final da vida (Hessel tem 93 anos de idade), assistir ao
ressurgimento das mesmas circunstâncias que viu, com seus próprios olhos,
servirem de combustível à segunda guerra mundial, como o avanço das
injustiças sociais.
Surpreendentemente, a conclusão de Hessel não é pessimista,
tão seguro está ele que contra as ameaças de hoje levantar-se-ão outros
resistentes, especialmente os jovens, imbuídos do mesmo espírito queanimava a Resistência Francesa, e lutarão contra o poder econômico que
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não mais conhece limites.
4.2) As guerras da perspectiva da elite econômica
Há de se destacar, entretanto, que não obstante a preservação
da paz mundial fosse o motivo pelo qual exigiram os povos, em 1919 e 1945,
melhorias nas condições de vida dos trabalhadores, através da OIT e da
universalização dos direitos sociais, esse não foi o motivo pelo qual parte dos
capitalistas acabou por aceitar – muito a contragosto – tais reivindicações.
Para grande parte da elite, o importante não era evitar novas guerras
mundiais, mas sim evitar novas revoluções como a Russa de 1917. Afinal,
diante da aguda insatisfação social e do colapso econômico nos períodos de
pós-guerra, temiam o avanço do comunismo, que nesses momentos
despontava como alternativa real.
Da perspectiva da esmagadora maioria da população, incluindo
sem dúvida parte da elite econômica (que também experimentou prejuízos),
o fundamental era impedir novas guerras capazes de exterminar dezenas de
milhões de vidas. Da perspectiva da maior parte da elite, ao revés, era
necessário dar aos trabalhadores alguns anéis, para não se correr o risco de
perder as joias todas, ou mesmo os dedos. Consentiram, então, com o
reconhecimento de novos direitos sociais, mas tratou-se de uma trégua
temporária, pois desde a década de 1970 buscam reconquistar o poder
perdido, tão seguros estão de que a ameaça do comunismo está para
sempre sepultada, e tão indiferente lhes é a possibilidade de ocorrência de
novos conflitos mundiais.
Pode parecer estranho a parte dos leitores que se venha a
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afirmar que algumas pessoas, ainda que muito ricas, sejam indiferentes à
tragédia representada por guerras mundiais, e não achem muito importante
evitar que se repitam. Seguramente a qualquer pessoa interessará a paz,
dirão, pois mesmo os ricos morrem em guerras, às vezes.
Infelizmente, as coisas não se dão assim, e guerras, inclusive as
mundiais, são vistas por certas pessoas como uma excelente oportunidade
para se fazer negócios e enriquecer como nunca.
Guerras hoje em dia são travadas, por exemplo, para se
assegurar acesso a preciosas reservas de petróleo, como obviamente foi o
caso da invasão norte-americana ao Iraque, sendo nada menos que
embaraçoso o reconhecimento oficial posterior 50 de que “cometemos um
erro, e realmente o Iraque não possuía armas de destruição em massa”,
particularmente após a revelação de que o serviço de inteligência havia
informado o presidente Bush, antes da invasão, que tais armas de destruição
não existiam51. Graças ao “erro”, empresas petrolíferas norte-americanas e
britânicas asseguraram conveniente acesso ao petróleo iraquiano52, e
dezenas de milhares de civis morreram, inclusive grande quantidade de
crianças.
A própria Segunda Guerra Mundial não foi exceção a tal
aproveitamento da guerra para se fazer lucrativos negócios, como narra
Walter Lúcio de Alencar Praxedes53:
“Muito se fala em globalização, mas nem todos entenderam que o
50 Esse discurso do presidente George W. Bush pode ser assistido emhttp://www.youtube.com/watch?v=f_A77N5WKWM (acessado em 22/09/2011).
51 “Bush knew Saddam had no weapons of mass destruction”, emhttp://www.salon.com/news/opinion/blumenthal/2007/09/06/bush_wmd
52 “Western producers like BP, Exxon Mobil, and Shell are enjoying their best access to Iraq'ssouthern oil fields since 1972”, emhttp://www.businessweek.com/globalbiz/content/mar2010/gb2010034_232444.htm
53 Em http://www.espacoacademico.com.br/023/23wlap.htm
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termo surgiu para dar nome ao processo de expansão das grandes
empresas existentes no mundo, principalmente nos países mais ricos do
hemisfério norte.
Somente as 500 maiores empresas do mundo faturaram 5
trilhões de dólares em 1992. É muita riqueza controlada por pouca gente.
Em 1994, as 10 maiores destas empresas, 7 do Japão, 3 dos
Estados Unidos e uma da Europa, faturaram 1 trilhão e 400 bilhões de
dólares. Isto representava muito mais do que o PIB (soma dos bens e
serviços produzidos anualmente em cada país) de toda a América Latina e
Caribe no mesmo ano.
Vamos discutir um pouco mais sobre como atuam as empresas
transnacionais:
1. Na lista dos dez conglomerados de empresas
transnacionais que mais faturaram em todo o mundo no ano de 1994, nos
dois primeiros lugares encontramos os grupos Mitsubishi e Mitsui, de origem
japonesa;
2. Numa reportagem do Jornal Folha de São Paulo, de 9 de
dezembro de 1999, os dois conglomerados estão também em outra lista.
Desta vez aparecem entre as principais empresas acionadas judicialmente
por pessoas que foram vítimas de trabalho escravo durante a Segunda
Guerra Mundial. Segundo consta, muitos milhares de prisioneiros de guerra
foram "cedidos pelo Exército japonês para serem usados por empresas
privadas na mineração, na siderurgia e na construção em áreas ocupadas";
3. Mitsubishi e Mitsui hoje estão entre os respeitáveis
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gigantes que promovem a globalização da economia mundial;
4. Diretamente envolvidas com trabalho escravo, desta vez na
Alemanha da época do nazismo, vamos encontrar mais dois conglomerados
que constam da lista dos dez que mais faturaram em 1994, Ford e General
Motors, e um gigante do mercado financeiro internacional, o Chase
Manhattan;
5. A colaboração da Ford, com o aval direto da família Ford,
ficou mais conhecida internacionalmente: "A Ford colaborou de bom grado
com os nazistas, e isso ao mesmo tempo fortaleceu muito suas perspectivas
econômicas e ajudou Hitler a preparar-se para a guerra (e, após a invasão
da Polônia, em 1939, a conduzi-la)", escreveu Ken Silverstein em artigo
reproduzido pelo Jornal Folha de São Paulo de 27/02/2000;
6. Franceses, russos, ucranianos e belgas trabalhavam na
fábrica da Ford na Alemanha por 12 horas por dia, com apenas um intervalo
de 15 minutos, tendo como alimentação diária uma xícara de café puro e 200
gramas de pão pela manhã, nada no almoço e três batatas com espinafre no
jantar;
7. Graças ao trabalho escravo dos prisioneiros a Ford
"tornou-se uma das maiores fornecedoras de veículos do Exército alemão";
8. Além dos três conglomerados de origem norte-americana
mencionados acima, dezenas de outras empresas multinacionais, dentre as
quais a Bayer, BMW, Volkswagen e Daimler-Chrysler colaboraram
ativamente com o regime nazista e se utilizaram do trabalho dos prisioneiros
dos campos de concentração.
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Ao avaliarmos a riqueza e o poder concentrados por essas
mesmas empresas na sociedade global construída após a Segunda Guerra
Mundial pode-se concluir que o crime compensou!
Para entendermos as razões que motivaram os executivos das
transnacionais a promoverem, ontem, a desumanidade do nazismo, e, hoje,
a desumanidade da globalização, no Relatório do Desenvolvimento Humano
1999, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, aparece
uma excelente explicação:
'Quando as motivações de lucro dos atores do mercado ficam
fora de controle, desafiam a ética das pessoas e sacrificam o respeito pela
justiça e direitos humanos.'"
4.3) Preparando as guerras de amanhã
O mesmo desafio à ética e desrespeito à justiça e aos direitos
humanos desponta agora, através da insistência na supressão de direitos
trabalhistas. Vende-se a ideia, inclusive no Congresso Nacional e em
importantes veículos de comunicação, como nas revistas Veja e Valor
Econômico, que a globalização e a competitividade estão a exigir a
supressão (mascarada de “flexibilização”) dos direitos dos mais pobres, e
que isso não será ruim para eles, mas bom.
Tendo consciência disso ou não, o que tais apóstolos da
“flexibilização” estão a plantar, além do enriquecimento da elite econômica,
são as sementes de guerras futuras, quiçá de um nova guerra mundial.
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Tal perspectiva, por alarmante que seja, não é exagerada,
infelizmente. As bases para o recrudescimento das tensões entre as nações
já existem, e não as vê quem não quer. O culto à competitividade e à
individualidade, o alardeamento de uma suposta necessidade de permanente
mobilização nacional no sentido do país “vencer”, “tornar-se o maior, o mais
desenvolvido” e “superar adversários”, o crescimento da miséria em todo o
planeta, inclusive nos países mais ricos, como os Estados Unidos (onde uma
a cada seis pessoas está abaixo da linha da pobreza), o acirramento da
disputa por mercados estrangeiros, o exaurimento dos recursos naturais e
consequente pressão para se buscar mais recursos em outro lugar, mesmo
que seja em outro país, são todos fatores que prometem tragédias futuras se
continuarem a progredir descontroladamente.
Direitos trabalhistas e direitos sociais em geral são nesse
contexto um freio valioso ao descontrole, pois criam um limite ao
escalonamento da competição desenfreada. De fato, se todos os países
precisarem assegurar o trabalho decente e digno, por exemplo, não haverá
espaço para uma “corrida ao fundo do poço” que leve os países a competir
rumo à pior condição social possível.
Além disso, a deterioração do padrão de vida dos trabalhadores e
o avanço da miséria levam inevitavelmente, como tantas vezes já ocorreu ao
longo da história, a crises e convulsões sociais, caldo no qual se fortalecem
as correntes político-ideológicas mais intolerantes, imbuídas de valores
antidemocráticos, xenófobos e militaristas. Correntes essas, aliás, que
permanecem ativas hoje em dia, esperando o momento de ascender ao
poder, como preocupantemente já se anuncia no movimento do Tea Party
nos EUA, com sua pregação anti-estado e anti-governo, e no avanço eleitoral
dos partidos de extrema direita na Europa, que promovem a demonizaçãopública de imigrantes, trazendo em seu bojo o germe do nazi-fascismo.
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As últimas gerações, por não terem acompanhado os horrores
das grandes guerras, aparentemente vivem sob a perspectiva, consciente ou
inconsciente (via de regra, prefere-se não pensar no assunto), de que tais
tragédias “jamais poderiam ocorrer novamente”. Era exatamente o que
pensavam, aliás, os europeus antes da Primeira Grande Guerra. Supunham
que a civilização ocidental já havia atingindo patamar tão avançado de
desenvolvimento que guerras de grande porte não mais voltariam a ocorrer.
Tais expectativas ruíram, quase que do dia para a noite, da forma mais
espetacular possível. E o mesmo poderá ocorrer novamente, no futuro, caso
não se consiga em pleno século XXI impedir a progressão dos fatores que,
sabidamente, conduzem a desastres.
Exemplo do efeito socialmente desestabilizador acarretado pela
deterioração das condições trabalhistas foi visto neste ano de 2011 no Brasil,
no episódio da construção da usina hidrelétrica do Jirau (à época dos fatos a
maior obra de construção civil do país, a um custo maior do que treze bilhões
de reais). Trata-se de uma amostra, em pequena escala, de como a
supressão de direitos trabalhistas conduz a situações de convulsão social e à
violência, com consequências imprevisíveis.
Veja-se as seguintes notícias, todas de 2011 (pede-se tolerância
ao leitor com relação ao tamanho das transcrições, que são necessárias):
a) “GOVERNO: FORÇAS ARMADAS E FORÇA NACIONAL
SEGUEM AO LOCAL DO CONFLITO EM JIRAU
Na tentativa de pôr fim ao movimento revoltoso de barrageiros dausina de Jirau, o governador Confúcio Moura recorreu aos ministros da
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Justiça, José Eduardo Cardozo; da Defesa, Nelson Jobim e à secretária
Nacional de Segurança Pública, Regina Maria Filomena de Luca Miki,
solicitando apoio para reforçar as forças policiais do estado.
Por volta das 9h desta quinta-feira (17), o governador falou por
telefone com os ministros e com a secretária da Senasp e em seguida
determinou ao Gabinete de Gerenciamento de Crise, da Secretaria de
Segurança, Defesa e Cidadania que oficializasse os pedidos por meio de
correspondências. Ao ministro da Justiça e à secretária Regina Filomena, o
governador pediu o envio de 600 homens da tropa da Força Nacional. O
pedido foi atendido no mesmo momento e imediatamente 100 homens, dos
45 já estavam em Porto Velho, foram mandados para a região do distúrbio.
Outros 500 serão trazidos em aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) e são
aguardados para a tarde ou noite desta quinta-feira ainda. Ao ministro da
Defesa, Nelson Jobim, o governador solicitou a atuação das Forças
Aramadas, por meio do Exército, Aeronáutica e da Marinha. Ao Exército,
caberá garantir a segurança dos paióis de explosivos, existentes em grandes
quantidades no canteiro de obras. À Marinha deverá ficar responsável pela
vigilância no rio Madeira. Por fim, a Aeronáutica deverá enviar helicópteros
para o monitoramento aéreo.
Outros pontos sensíveis a serem resguardados, além do canteiro
de obras, são o distrito de Jacy-Paraná, a vila de Nova Mutum e o presídio
federal. O governo do estado, por meio da Secretaria de Segurança Pública,
mantém no local 160 policiais militares, dos quais 80 do Comando de
Operações Especiais (COE), 36 bombeiros militares e oito policiais civis,
além de agentes da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal. Na
manhã desta quinta-feira foram registrados novos focos de incêndio.
Ainda na manhã desta quinta-feira, o superintendente do
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consórcio Energia Sustentável do Brasil, José Lúcio de Arruda, pediu apoio
ao governador Confúcio Moura no sentido de providenciar alojamento para
12 mil operários, vez que no tumulto foram incendiadas as acomodações dos
trabalhadores. O governo que já mantém um grupo de quase 100 haitianos
no ginásio de Esportes Cláudio Coutinho, está analisando o pedido. O
estado não possui nenhuma estrutura suficiente para acomodar um
contingente tão grande de pessoas. A alternativa seria a acomodação em
escolas, porém neste caso, as aulas teriam que ser temporariamente
suspensas. Uma solução está sendo buscada em conjunto com o consórcio
construtor e com o governo federal. Os resultados do levante foram 45
ônibus, 15 carros administrativos, 30 instalações diversas e 15 alojamentos
incendiados, além de outros 20 alojamentos depredados e aproximadamente
65 instalações totalmente danificadas. Também foram atacados posto
bancário eletrônico, lanchonetes, gabinetes odontológicos e instalações
destinadas ao lazer, como salas de cinemas e academias de ginástica.54”
b) “TRABALHADORES DE JIRAU DIZEM SER TRATADOS
COMO 'BANDIDOS'
Levados para abrigos improvisados em Porto Velho (RO) desde a
quinta-feira passada, trabalhadores da usina de Jirau deixaram Rondônia
dizendo terem sido vítimas de preconceito nas ruas da cidade e tratados
"como bandidos" pelas forças policiais.
Na noite de sexta para sábado, parte do comércio da cidade
fechou as portas. A polícia recebeu dezenas de chamadas alertando para
saques e quebra-quebras que, segundo a Secretaria de Segurança Pública,
jamais ocorreram.
54 Em http://www.rondoniagora.com/noticias/governo-forcas-armadas-e-forca-nacional-seguem-ao-local-do-conflito-em-jirau-2011-03-17.htm
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"Sou pai de família. Saí lá do Maranhão para trabalhar. Agora sou
tratado como um bandido que vai fazer arruaça. Fomos dar uma volta na rua
e as pessoas fechavam as portas. Isso me deixou muito magoado", relatou
Cícero Silva, 50, oriundo de Codó (MA).
Sem se identificar, um trabalhador de Ipatinga (MG), 49, queixou-
se da quantidade de policiais fortemente armados que fazia a vigilância dos
abrigos. Para ele, os policiais estavam ali para proteger a cidade e não os
trabalhadores.
(...)
No sábado, a Folha acompanhou uma tentativa frustrada de
embarque de 150 trabalhadores em um avião fretado até Belém (PA).
Informados de que o voo sairia às 20h, todos aguardavam no
saguão do aeroporto quando foram informados pela empresa de que a
aeronave só partiria às 4h do dia seguinte e que eles deveriam retornar aos
abrigos.
Inconformados com a notícia, muitos também se irritaram com a
recomendação, feita por funcionários da Camargo Corrêa, para que
aguardassem pelo transporte no lado de fora do aeroporto. Foi o suficiente
para chegassem carros trazendo reforços da Polícia Federal.
"É a maior humilhação que já sofri na vida. Veja quantos policiais.
Todos no aeroporto nos olhando como se fôssemos bandidos. E a única
coisa que eu quero é ir embora", diz um trabalhador de 35 anos, oriundo de
Tucuruí (PA).55 ”
55 Em Folha de São Paulo, 21/03/2011.
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c) “OPERÁRIOS RECLAMAM AINDA DA FALTA DE
PAGAMENTO DE HORAS EXTRAS E REGISTRO DE FUNÇÃO NA
CARTEIRA DE TRABALHO
Porto Velho (RO), 15/6/2011 - Quartos com pouco espaço para
acomodar quatro trabalhadores: com dimensões de pouco menos de 9
metros quadrados, sem ventilação suficiente: janelas com aberturas no
máximo de 40 centímetros, camas tipo beliche e armários cuja disposição no
ambiente torna a locomoção quase impossível e ventiladores que sopram
mais calor do que refrescam, o que motiva a alguns trabalhadores a optar
por colocar o colchão fora do quarto para o repouso noturno. Este o cenário
em muitos alojamentos disponibilizados por empresas que terceirizam
serviços para os construtores da Usina de Jirau, a maior obra do PAC no
Brasil.
Em um desses alojamentos, trabalhadores queixaram-se aos
procuradores do MPT sobre "o pouco caso", ou seja, a falta de interesse de
patrões em relação a melhorar as condições de acomodação . Reclamam
também das condições de higiene e da exposição aos mosquitos e bem
como do medo em reclamar para não ficar "marcado" e sofrer algum tipo de
represália "até mesmo ser mandado embora", segundo alguns depoimentos.
O tempo médio de permanência dos trabalhadores, grande parte procedente
do Nordeste do País, gravita em torno de seis meses, enquanto outros
requerem espontaneamente demissões.
Uma das reclamações recorrentes dos trabalhadores tem sido em
relação as anotações da carteira de trabalho, à duração da jornada e
também às horas extras trabalhadas, nem sempre pagas corretamente.
Outra queixa é quanto ao registro da função na carteira de trabalho. Um bomnúmero de trabalhadores reclamou aos procuradores do MPT que são
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contratados para uma determinada função, porém, na prática trabalham em
outra. O grande número de empresas terceirizadas contribui também para
ocorrência de diferenças salariais para uma mesma função no complexo de
obras em execução.
Além dos alojamentos, lavanderias e banheiros também foram
vistoriados pelos Procuradores e fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego
e peritos do MPT e do Centro de Referência da Saúde do Trabalho (Cerest)
da Secretaria de Saúde do Estado de Rondônia. Os laudos produzidos pelas
equipes vão dar suporte ao trabalho dos procuradores nas audiências com
os representantes das empresas fiscalizadas, bem como em relatórios
produzidos em recente fiscalização realizada na região por equipes do
Ministério do Trabalho e Emprego com sede em Brasília.
Em canteiros de obras, frentes de trabalho e alojamentos
visitados, os integrantes da força tarefa, puderam constatar diversas
reclamações feitas por operários. Os casos anotados pelos Procuradores
agora são objeto de propostas de termos de ajuste de conduta a serem
apresentadas às empresas e empregadores nas audiências que acontecem
nesta semana, na sede da Procuradoria Regional do Trabalho, em Porto
Velho56 ”.
Imagine-se, agora, tal tipo de situação – provocada, como sugere
a última reportagem, pelas violações trabalhistas cometidas pelas
empreiteiras, e pela precarização decorrente da terceirização no canteiro de
obra – aumentada mil vezes ou mais, e teremos uma razoável noção do
potencial desestabilizador a ser gerado pelo avanço da “flexibilização”
eliminadora de direitos daqueles que já pouco tem. De fato, a quantidade de
sofrimento, indignação, insatisfação, revolta e desespero a serem criados
56 Fonte: Ministério Público do Trabalho em Rondônia.
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pelo aprofundamento da precarização social é incalculável, sendo entretanto
previsível que, de uma forma ou de outra, tal pressão explodirá de forma
violenta e incontrolável, a um custo humano altíssimo.
Esse é o futuro que nos aguarda, na eventualidade de
alcançarem sucesso, no Brasil e no mundo, tentativas de eliminação de
direitos sociais como as representadas pelo projeto do Código do Trabalho e
pelo projeto Mabel (terceirização), entre outros.
Os apóstolos do neoliberalismo não pensam em nada disso
enquanto propõem suas reformas “flexibilizadoras”, já que o alcance de suas
análises e estratégias é extremamente curto, limitando-se à visualização do
lucro que poderá ser obtido, através da supressão de direitos trabalhistas,
nos próximos meses ou nos dois próximos anos, no máximo. Como regra
não se preocupam com o fato de que, em um cenário no qual a insatisfação
popular vier a atingir níveis extremos, os ricos também serão prejudicados,
pois nem os muros de suas mansões, nem a blindagem de seus carros,
poderão para sempre protegê-los da violência explodindo nas ruas.
Aqueles poucos que em algum momento se preocupam com tal
perspectiva comprazem-se com a suposição de que as forças armadas e
policiais poderão ser chamadas – se necessário, à revelia do sistema
democrático - para controlar a situação e proteger a vida e o patrimônio dos
mais ricos. Tal suposição é irrealista, pois nem mesmo regimes militares são
capazes de conter multidões desesperadas e insatisfeitas sem que
concessões econômicas sejam feitas para apaziguá-las. Sequer regimes
ditatoriais dos mais brutais, capazes de ordenar atos de pura chacina,
conseguem sufocar tal insatisfação generalizada quando ela ultrapassa certo
patamar, como foi demonstrado nos recentes levantes populares na Tunísia,Egito, Líbia e Síria, entre outros países árabes.
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Arnaldo Süssekind tratou dessa questão, em palestra sobre a
gênese da CLT57:
“Fazia-se mister, por conseguinte, que se criasse uma nova
mentalidade sobre o Direito, afim de que se compreendesse que a
intervenção do Estado é condição essencial à harmonia da sociedade; que
as leis de ordem pública não podem ser derrogadas pela vontade particular;
que o interesse de classe não pode sobrepujar o interesse coletivo; que a
proteção ao trabalho é tão necessária, como foi, na era exclusivamente
agrícola, a proteção à propriedade; que o amparo ao economicamente mais
fraco assegura a tranquilidade não somente deste, mas também do
economicamente mais forte, o que vale dizer: da própria sociedade”.
De modo que a conclusão do presente capítulo é a de que
direitos trabalhistas e sociais precisam ser preservados de qualquer forma,
pois são indispensáveis à manutenção da paz e da harmonia mundiais, não
sendo essa uma suposição abstrata ou teórica, mas um fato recorrente ao
longo da história. Não há paz possível, entre as nações e entre as classes
sociais, sem justiça social. Apenas tragédias, inclusive guerras, mortes e
violência, poderão advir do avanço, em todo o mundo, da precarização social
provocada pela supressão dos direitos daqueles que menos tem.
Direitos trabalhistas não devem ser vistos, portanto, apenas como
um custo a ser suportado pelas empresas (até porque, na realidade, tal custo
é repassado aos consumidores, portanto aos próprios trabalhadores), mas
acima disso como direitos humanos essenciais à preservação da paz e dos
valores republicanos, no Brasil e no mundo. O custo financeiro que existe à
57 Apud Magda Barros Biavaschi, “O Direito do Trabalho no Brasil – 1930/1942: A construção dosujeito de direitos trabalhistas”, tese de doutorado, Unicamp, 2005. Disponível em:http://cutter.unicamp.br/document/?code=vtls000385083
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manutenção desses direitos é justo e precisa ser suportado para o bem de
todos, para o bem de toda a sociedade.
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CAPÍTULO 5: Mais bilionários, menos direitos trabalhistas
5.1) O mais rico dos mundos, mas não para todos
A pregação em torno da “flexibilização” (eliminação) de direitos
sociais parte de um pressuposto implícito, que é o de que estamos a
atravessar “períodos difíceis”, sendo necessário que todos, mas
especialmente os trabalhadores, aceitem se submeter a sacrifícios para que
possamos no futuro “sair da crise” (através do fortalecimento das empresas,
do aumento da competitividade, etc.), quando daí sim assistiremos a uma
espetacular retomada do crescimento e da geração de empregos, com
distribuição de riqueza para todos.
Se formos crer em tal suposição, que circula desde a década de
1970, há mais de trinta anos mundo está mergulhado “em períodos difíceis”,
e há décadas não há crescimento econômico ou geração de riqueza
suficiente para evitar a necessidade de se impor sacrifícios aos
trabalhadores.
A verdade, entretanto, é justamente o contrário disso. De todas as
mentiras repetidas pelos apóstolos da “flexibilização”, essa é a mais
escandalosa de todas. A quantidade de riqueza que vem sendo gerada nas
últimas décadas no mundo é sem igual em toda a história da humanidade, e
seria mais do que suficiente para permitir não só a preservação dos direitos
sociais, mas a eliminação da miséria e da fome em todas as partes do
planeta. Nunca houve tanta riqueza no mundo, e nunca ela esteve tãoconcentrada nas mãos de tão poucas pessoas.
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Esse é o paradoxo do contexto socioeconômico envolvido na
pregação neoliberal: ao mesmo tempo em que se exige que os mais pobres
percam seus direitos, os mais ricos - refiro-me aos descomunalmente ricos -
acumulam fortunas nababescas, sem paralelo em qualquer outro período
histórico.
Veja-se que em 1900 a maioria das pessoas supunha que já tinha
sido atingido o ápice da civilização e do desenvolvimento econômico e
tecnológico. Acreditava-se que o nível de conforto e de riqueza então
existente já era inigualável e não poderia ser aumentado, apenas estendido
àqueles que ainda não gozavam das benesses da civilização avançada. E
não se dizia isso por falta de interesse em novos avanços, mas pela
incapacidade de se imaginar um mundo ainda mais rico e moderno do que
aquele que então existia.
No domínio da ciência, da mesma forma, supunha-se em 1900
que todos os mistérios da natureza já haviam sido desvendados, faltando
apenas “alguns detalhes” a serem resolvidos, como a comprovação da
existência do éter (hipotético meio através do qual pensavam os cientistas
que a luz se propagava no vácuo).
Não obstante, tais “detalhes” levaram às revolucionárias teorias
geral e especial da relatividade e à teoria quântica, que por sua vez
permitiram nas décadas seguintes avanços tecnológicos até então
inconcebíveis, como o rádio, a televisão, os computadores, a telefonia
celular, o raio laser, os satélites de comunicação, as viagens espaciais, etc.
A quantidade de riqueza produzida no mundo desde então,particularmente a partir da consolidação da sociedade do consumo de massa
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na década de 195058, ultrapassa os sonhos mais loucos de qualquer pessoa
que tivesse vivido em 1900. Aparelhos celulares, por exemplo, hoje
possuídos até por pessoas de baixo poder aquisitivo, apenas teriam espaço
em uma obra de ficção científica, e mesmo nesse cenário muitos
considerariam a hipótese exagerada.
Os avanços tecnológicos introduzidos na agricultura e pecuária
também superam tudo o que pudesse ser imaginado no início do século XX,
tendo sido aumentada diversas vezes a capacidade de produção de
alimentos, mais do que o suficiente para acabar com a fome no mundo.
Trata-se da “revolução verde” das décadas de 1960 e 70, transformada em
realidade a um custo ambiental extraordinário, há de ser lembrado, incluindo
desmatamento e contaminação por agrotóxicos, além de reflexos sociais
perversos, como a concentração fundiária.
Tal crescimento da quantidade de riqueza produzida tem ocorrido,
na verdade, em patamar bastante superior ao crescimento populacional, de
modo que, em tese, está sobrando riqueza suficiente no mundo para permitir,
há tempos, o desaparecimento da miséria.
De fato, o PIB mundial (quantidade total de riqueza produzida no
planeta) tem crescido em progressão geométrica, ao passo que a população
cresce em progressão aritmética.
Segundo Madisson, citado por José Eustáquio Diniz Alves59, de
1820 a 1992 o PIB mundial cresceu 40 vezes, enquanto que a população
58 Até essa época, em certa medida as necessidades humanas determinavam a produção; apartir de então, o contrário passou a ocorrer: as necessidades crescentes de produção emmassa determinam as necessidades humanas, com permanente incentivo à perseguição denovos sonhos de consumo descartáveis e fugazes.
59 Em “Considerações sobre projeções populacionais e econômicas para 2050 e seus impactossobre a pobreza e o meio ambiente”, disponível emhttp://www.ie.ufrj.br/aparte/pdfs/popdesenvsustentavell_01mai07.pdf
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cresceu 5 vezes. E se considerarmos apenas a segunda metade do sec. XX
(1950 a 2000), a população mundial aumentou 2,5 vezes, ao passo que o
PIB mundial aumentou 7 vezes.
Ou seja, está sendo há muito tempo criada riqueza em
quantidade suficiente para, mesmo com a preservação das diferenças de
classe, eliminar-se a pobreza e elevar-se a quantidade de direitos sociais,
inclusive trabalhistas, em toda a parte. Está “sobrando” riqueza, em
quantidade bastante superior ao necessário para compensar o crescimento
demográfico.
Se a distância entre os mais ricos e os mais pobres existente em
1900 fosse preservada, resta evidente a quantidade de riqueza a mais
produzida deveria estar permitindo a melhoria das condições de vida dos
mais pobres em todo o planeta, sem que isso implicasse, necessariamente,
no desaparecimento das diferenças de classe. A fortuna dos mais ricos
cresceria na mesma proporção em que as condições dos mais pobres
melhorariam. Não teríamos mais fome ou miséria, mas ainda teríamos o luxo
e a ostentação dos mais ricos.
Mais não foi isso o que ocorreu. A fabulosa quantidade de riqueza
a mais, produzida há décadas, não proporcionou o desaparecimento da
miséria, e agora ainda se pretende retirar direitos dos assalariados, que
estão em sua maioria apenas um pouco acima do limiar da pobreza.
Pretende-se em suma fazer retroceder o patamar de direitos sociais a um
nível pior que o da primeira metade do século XX, desprezando-se o fato de
que, desde então, a riqueza no mundo aumentou, e não diminuiu.
Por que neste mundo tão mais rico e tecnologicamente avançadoprecisariam os trabalhadores ter menos direitos, e não mais, do que em
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1950, se desde então o aumento do PIB mundial superou em 4,5 vezes o
crescimento populacional? Por que em um mundo mais rico os trabalhadores
teriam que se tornar ainda mais pobres?
Tais perguntas, e outras semelhantes que poderíamos fazer,
conduzem inevitavelmente à seguinte indagação: onde está indo parar a
enorme quantidade de riqueza a mais produzida no mundo, se não está
chegando aos trabalhadores e à massa da população?
5.2) Bilionários em profusão
A indagação acima começa a ser respondida graças à revista
norte-americana Forbes (cuja linha editorial está ancorada na glamorização
dos excessos do capitalismo), que realiza anualmente o acompanhamento
das maiores fortunas do planeta, com a manutenção de uma lista na qual só
ingressa quem possui um bilhão de dólares de patrimônio pessoal ou mais.
Vejamos as seguintes notícias, relativas à última lista divulgada
pela revista:
a) “Número de bilionários é recorde na lista da Forbes em 2011
Segundo ranking, número saltou de 937 para 1.210 bilionários no
mundo neste ano
São Paulo – O número de bilionários no mundo cresceu neste
ano na comparação com 2010. Segundo ranking divulgado pela revistaForbes, nesta quarta-feira (9/3), 1.210 pessoas estão entre as mais ricas do
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mundo na lista deste ano contra 937 no ano passado.
Dos novos nomes listados pela Forbes, 108 são do Bric, grupo
composto pelos países Brasil, Rússia, Índia e China. O país chinês tem
agora 105 bilionários no ranking da Forbes e a Rússia 101 nomes. Já o
Brasil conta com 30 nomes neste ano. Em 2010, apenas 18 brasileiros foram
citados no ranking.
O mexicano Carlos Slim continua na liderança e tem uma fortuna
avaliada em 74 bilhões de dólares. Eike Batista é o mais rico entre os
brasileiros e continua na oitava posição no ranking geral, com um fortuna
estimada em 30 bilhões de dólares, 3 bilhões de dólares a mais na
comparação com 2010.60 ”
b) “Número de brasileiros bilionários salta de 18 para 30, aponta
"Forbes"
O número de bilionários brasileiros saltou de 18 para 30 em um
ano (alta de 66,7%), segundo levantamento dos homens mais ricos do
mundo feito pela revista norte-americana “Forbes”, divulgado nesta quarta-
feira (9).
A soma das fortunas desses 30 bilionários chega a cerca de US$
131,4 bilhões (R$ 217,7 bilhões), valor equivalente a 5,9% do PIB (Produto
Interno Bruto) brasileiro de 2010, que foi de R$ 3,675 trilhões.
Segundo a Forbes, o aumento de bilionários brasileiros é
resultado de regras mais rígidas para a divulgação do patrimônio, e também
da valorização do real. Os países emergentes foram os que puxaram o60 Em http://exame.abril.com.br/negocios/empresas/noticias/numero-de-bilionarios-e-recorde-
na-lista-da-forbes-em-2011
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aumento no número de bilionários.
Pelo segundo ano consecutivo, o brasileiro mais bem colocado foi
o empresário Eike Batista, que ocupa o 8º lugar neste ano, mesma posição
de 2010. Sua fortuna foi avaliada em US$ 30 bilhões (R$ 49,7 bilhões).
O segundo brasileiro mais rico, sempre segundo a lista da
Forbes, é Jorge Paulo Lemann, um dos fundadores da AmBev e que, em
2010, comprou o Burger King com outros dois investidores. Sua fortuna foi
estimada em US$ 13,3 bilhões (R$ 22 bilhões).
Em terceiro lugar vem o banqueiro Joseph Safra, dono do Banco
Safra, com US$ 11,4 bilhões (R$ 18,9 bilhões).
Na quarta posição está Marcel Herrmann Telles, com US$ 6,2
bilhões (R$ 10,3 bilhões), também um dos fundadores da AmBev e
comprador do Burger King.
A Forbes usou como critério o valor das fortunas no momento do
fechamento dos mercados acionários globais em 14 de fevereiro de 201161.”
Merece ser mencionado, também, que das 30 maiores fortunas
brasileiras, 14 estão relacionadas a bancos. Abaixo, a lista dos bilionários
brasileiros segundo a Forbes:
Eike Batista, proprietário do Grupo EBX – US$ 30 bilhões
Jorge Paulo Lemann, acionista da Anheuser-Busch Inbev – US$61 Em: http://economia.uol.com.br/ultimas-noticias/redacao/2011/03/09/numero-de-brasileiros-
bilionarios-salta-de-18-para-30-aponta-forbes.jhtm
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13,3 bilhões
Joseph Safra, dono do Banco Safra – US$ 11,4 bilhões
Marcel Telles, acionista da Anheuser-Busch Inbev – US$ 6,2
bilhões
Dorothea Steinbruch e família, proprietários da CSN – US$ 5,8
bilhões
Carlos Alberto Sicupira, acionista da Anheuser-Busch Inbev –
US$ 5,5 bilhões
Antônio Ermírio de Moraes, proprietário do Grupo Votorantim –
US$ 5,3 bilhões
Aloysio de Andrade Faria, banqueiro, antigo dono do banco Real
– US$ 4,3 bilhões
Abílio Diniz, proprietário do Grupo Pão de Açúcar – US$ 3,4
bilhões
Alfredo Egydio Arruda Villela Filho, acionista do Itaú Unibanco –
US$ 3,2 bilhões
Ana Lucia de Mattos Barretto Villela, acionista do Itaú Unibanco –
US$ 3,2 bilhões
Antonio Luiz Seabra, proprietário da Natura – US$ 3 bilhões
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André Esteves, proprietário do BTG Pactual – US$ 3 bilhões
Fernando Roberto Moreira Salles, acionista do Itaú Unibanco -
US$ 2,6 bilhões
João Moreira Salles, acionista do Itaú Unibanco – US$ 2,6
bilhões
Pedro Moreira Salles, acionista do Itaú Unibanco – US$ 2,6
bilhões
Walther Moreira Salles, acionista do Itaú Unibanco – US$ 2,6
bilhões
Rubens Ometto Silveira Mello, controlador da Cosan – US$ 2,5
bilhões
Moise Safra, um dos donos do Banco Safra – US$ 2,4 bilhões
Elie Horn, proprietário da Cyrela – US$ 2,1 bilhões
Jayme Garfinkel e família, proprietários da Porto Seguro – US$ 2
bilhões
Maria de Lourdes Egydio Villela, acionista do Itaú Unibanco –
US$ 2 bilhões
Edson de Godoy Bueno, fundador da Amil – US$ 2 bilhões
Dulce Pugliese de Godoy Bueno, ex-mulher do fundador da Amil
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– US$ 2 bilhões
Guilherme Leal, proprietário da Natura – US$ 1,7 bilhão
Liu Ming Chung, proprietário da fabricante de papel Nine Dragons
– US$ 1,6 bilhão
João Alves de Queiroz Filho, proprietário da Hypermarcas – US$
1,4 bilhão
Lina Maria Aguiar, filha de Amador Aguiar, fundador do Bradesco
– US$ 1,4 bilhão
Julio Bozano, banqueiro – US$ 1,3 bilhão
Lia Maria Aguiar, filha de Amador Aguiar, fundador do Bradesco –
US$ 1,1 bilhão
A lista tem suas limitações, é claro, pois há certos bilionários que
tomam cuidados em evitar que a vastidão de seu patrimônio possa ser
revelada publicamente, de modo que o ranking não corresponde
integralmente à realidade, havendo mais do que trinta fortunas bilionárias no
Brasil. Há casos notórios que estão de fora da lista da Forbes, como José
Luis Cutrale, dono da Sucocítrico Cutrale, que detém 30% do mercado
mundial de suco de laranja, sobre o qual se escreveu, em 2003:
“Alguns empresários o classificam como o homem mais rico do
campo brasileiro. Ou talvez o brasileiro mais rico de todos os campos. Obanqueiro Pedro Conde, em conversas com empresários amigos, que
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relataram o que ouviram a VEJA, referiu-se várias vezes a Cutrale como o
homem mais rico do Brasil. Disse a um interlocutor certa vez que sua fortuna
acumulada equivalia a 5 bilhões de dólares – ou 15 bilhões de reais pelo
câmbio do momento.62 ”
Ainda assim, é significativa a informação prestada pela Forbes de
que Brasil, Rússia, Índia e China, os principais países emergentes do mundo,
produziram metade dos 214 novos bilionários do mundo no ano de 2010.
Mais significativa ainda é a evolução ao longo do tempo do
número de bilionários, segundo a mesma revista. Nesse sentido, nos
Estados Unidos havia apenas 13 bilionários em 1982, número que passou
para 385 em 2010, um aumento superior a 2.800%. Em todo o mundo, havia
423 bilionários em 1996, 691 em 2005 e 1140 em 2010.
As informações são corroboradas pelo estudo “Global Wealth
Report” divulgado em outubro de 2011 pelo banco Credit Suisse:
a) “Milionários e bilionários controlam 39% da riqueza mundial
Em apenas 12 meses, o crescimento da fortuna dos mais ricos foi
duas vezes maior do que o aumento da riqueza mundial como um todo
De acordo com o estudo, 29,7 milhões de pessoas (o que
representa menos de 1% da população mundial) com renda familiar de 1
milhão de dólares dominam cerca de 89 trilhões de dólares ou 38,5% da
riqueza mundial, mais que os 35,6% registrados no ano passado.
Entre 2010 e 2011, a riqueza dos milionários e bilionários62 Disponível em http://www.jornalorebate.com.br/site/index2.php?
option=com_content&do_pdf=1&id=4421
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aumentou 29%, em 20 trilhões de dólares. Isso significa que a fortuna dos
ricos cresceu duas vezes mais rápido do que a riqueza mundial como um
todo (atualmente estimada em 231 trilhões de dólares).
A pesquisa do Credit Suisse revela também que os Estados
Unidos foram o maior gerador de riquezas entre as diversas nações do
mundo nos últimos 18 meses, adicionando 4,6 trilhões de dólares para o
total da riqueza mundial. A China foi a segunda, colaborando com 4 trilhões
de dólares, seguida pelo Japão (3,8 trilhões de dólares), Brasil (1,87 trilhão
de dólares) e Austrália (1,85 trilhão de dólares).
O levantamento ainda aponta que atualmente há 84.700 pessoas
no mundo que detém 50 milhões de dólares ou mais – com 35.400 do total
vivendo nos Estados Unidos. Há ainda 29 mil pessoas cuja fortuna supera os
100 milhões de dólares ou mais; e 2.700 que sozinhas detêm 500 milhões de
dólares ou mais.
De olho na expectativa de forte crescimento de nações
emergentes, como China, Índia e Brasil, o Credit Suisse projeta que a China
(com atualmente um milhão de milionários) e a África devem elevar a
produção de riquezas em 90% até 2016, para 39,5 e 5,8 trilhões de dólares,
respectivamente. Já a riqueza do Brasil deve dobrar para 8,9 trilhões de
dólares, enquanto a da Índia deve totalizar 9,2 trilhões de dólares.63”
b) “Brasil tem 1,5 mil pessoas com mais de US$ 50 mi, diz banco
Conforme o relatório, o número de milionários da Europa
ultrapassou o dos EUA, com 37,2% contra 37% do total. O Japão possui
11% dos milionários mundiais enquanto o número de milionários da China63 Em http://exame.abril.com.br/economia/mundo/noticias/milionarios-e-bilionarios-controlam-
39-da-riqueza-mundial
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chega a 3,4% do total. De acordo com o Credit Suisse, 84.700 pessoas em
todo o mundo possuem um patrimônio pessoal de mais de US$ 50 milhões,
sendo que 1.520 deles estariam no Brasil.
O relatório concluiu também que a riqueza global aumentou 14%,
passando de US$ 203 trilhões para US$ 231 trilhões, de janeiro de 2010 a
janeiro de 2011.
(...)
Nos próximos cinco anos a riqueza mundial deve aumentar em
50%, atingindo a marca de US$ 345 trilhões, liderada também pelos
mercados emergentes.64”
Ou seja, o número de pessoas assombrosamente ricas não para
de aumentar, sendo particularmente importante a seguinte informação, acima
reproduzida: “Entre 2010 e 2011 (...) a fortuna dos ricos cresceu duas vezes
mais rápido do que a riqueza mundial como um todo”. O processo de
concentração de riqueza está piorando, e nessa piora ocupa o Brasil posição
de destaque.
Não deveria então causar alguma surpresa, se não revolta e
indignação, que em um mundo no qual há cada vez mais pessoas
descomunalmente ricas, fale-se em eliminar direitos dos mais pobres?
Ora, que alguém acumule patrimônio pessoal da ordem de vários
bilhões haveria, do ponto de vista do interesse coletivo, de ser visto como
algo escandaloso, e não meritório. Em qualquer sociedade que se pretenda
minimamente justa e democrática não deveria ser possível que uma só
pessoa acumulasse licitamente (quer dizer, sem violação à legislação,
especialmente à tributária) bilhões de dólares de fortuna pessoal, ao mesmo64 Em http://economia.terra.com.br/noticias/noticia.aspx?
idNoticia=201110201825_TRR_80369658
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tempo em que outras pessoas nada têm, ou ganham apenas o suficiente
para não morrer de fome, mesmo que trabalhem.
Veja-se que essa afirmação não deve ser vista como um libelo
anticapitalista ou de defesa do comunismo. Pelo contrário, é para a
preservação do sistema capitalista que deveria ser reconhecida a
necessidade de se impor limites aos excessos nocivos, como já pregava
Adam Smith, “pai” do liberalismo econômico, que ficaria horrorizado com a
concentração de poder econômico hoje existente no mundo. Afinal, dizia ele
que “a riqueza de uma nação se mede pela riqueza do povo e não pela
riqueza dos príncipes”.
Bilionários não são, portanto, heróis, e ninguém que mereça a
admiração de outras pessoas se colocaria na posição de acumular, manter e,
especialmente, tentar ampliar patrimônio milhares de vezes superior ao
necessário para se viver toda uma vida com muito conforto e luxo. A atual
“inflação” do número de bilionários é o sinal mais visível de que há algo de
podre no sistema contemporâneo. Há boas razões para que pessoas assim
sejam vistas como inimigos do bem comum, pois trabalham todos os dias
não pelo progresso da humanidade ou pelo desenvolvimento do país, mas
pela subversão do interesse público aos seus interesses privados.
Afinal, além de certo limite o dinheiro perde sua relevância como
meio para aquisição de produtos e serviços, e torna-se apenas a uma
medida de poder. Quanto mais dinheiro se tem, mais poder se possui, o que
é extremamente nocivo à democracia.
De fato, até determinado limiar a acumulação de riqueza é uma
forma de garantir acesso a um padrão mais confortável, ou até luxuoso, devida para si e para seus herdeiros. É a perspectiva compartilhada pela
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maioria das pessoas. Mas entre indivíduos que possuem fortunas de,
digamos, 6,2 e 5,8 bilhões de dólares, não há mais real diferença em termos
de luxo e conforto que possa ser adquirido, pois ambos já possuem acesso a
todo o luxo que quiserem e que há para ser comprado. Não há para eles
sonhos de consumo que não possam ser imediatamente satisfeitos. Não
obstante, ainda assim os dois querem mais, só que não se trata então de
perseguir mais luxo ou conforto, e sim mais poder pessoal.
Grandes impérios bilionários constituem uma ameaça
permanente aos valores democráticos, lição que a humanidade já havia
aprendido, após duas guerras mundiais, mas que foi esquecida, tão grande é
a sedução do poder do dinheiro. Como disse Lorde Acton, “O poder tende a
corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente. Homens poderosos
são quase sempre homens maus”. Grandes fortunas são focos de corrupção,
que se apropriam de parte do estado para alcançar seus propósitos privados.
Graças a isso, políticos passam a ser eleitos não pelo número de votos que
recebem, mas antes disso pela quantidade de dinheiro que conseguem
gastar nas eleições, doado pelos mais ricos.
Um exemplo de tal influência sobre o mecanismo da democracia:
“Eike Batista é tradicionalmente um mão-aberta nas campanhas eleitorais.
Em 2006, doou 1 milhão de reais à campanha de Lula e mais 3,4 milhões de
reais a outros onze políticos, como Roseana Sarney, Sérgio Cabral e
Cristovam Buarque. Suas doações têm a particularidade de ser na condição
de pessoa física, e não em nome das suas companhias, como é a prática do
empresariado. E, agora, o que fará Eike? Decidiu doar 2 milhões de reais às
campanhas de José Serra e Dilma Rousseff (metade para cada uma delas).
Abrirá o cofre também para várias campanhas nos estados em que seu
grupo atua.65 ”
65 Em http://veja.abril.com.br/blog/radar-on-line/eleicoes-2010/doacoes-do-mais-rico-de-todos/
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Veja-se que não é talento ou inteligência que distingue um
bilionário. Não há vencedores do Prêmio Nobel bilionários. Einstein,
Wittgenstein e Hannah Arendt, para citarmos alguns exemplos de pessoas
intelectualmente geniais do século XX, não eram nem mesmo milionários66.
Na mesma época em que Bill Gates fundou a Microsoft, havia outros
desenvolvedores de software muito superiores a ele, em termos de
criatividade e originalidade, mas sem a mesma voracidade de se apropriar de
ideias alheias e aproveitar oportunidades. De modo que provavelmente os
verdadeiros gênios consideram que o tempo e energia que precisariam ser
investidos para acumular e manter enormes fortunas (no valor de bilhões, ao
invés de milhões) seria um desperdício de seus talentos intelectuais, e os
afastariam de suas descobertas e trabalhos.
Um dos exemplos mais notáveis desse tipo de atitude,
completamente incompreensível ao mundo dos negócios, foi o do médico e
cientista Jonas Salk, inventor da vacina contra a pólio, que decidiu não
patentear sua descoberta (exclusividade que lhe proporcionaria uma fortuna),
liberando-a ao domínio público. Indagado sobre isso, ele respondeu: "A
quem pertence a minha vacina? Ao povo! Você pode patentear o sol?"
Bilionários tampouco são estadistas. Na maior parte do tempo,
seus interesses são opostos aos da sociedade. Afinal, para que o bilionário
possa acumular ainda mais riqueza, esta não pode estar sendo distribuída. O
que vai para o bolso do trabalhador escapa, ainda que temporariamente, à
voracidade do bilionário.
Para chegar a bilionário é preciso “pisar” em muita gente, e
66 Wittgenstein, aliás, pertencia a uma família muito rica, de modo que poderia ter sidomilionário, mas abdicou da herança em favor dos irmãos, e adotou um estilo de vida quaseestoico.
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continuar a fazê-lo todos os dias. Como disse Acton, homens bons não
fazem isso. A marca distintiva da personalidade de um bilionário está na
combinação entre um apetite patológico pela acumulação de dinheiro e
poder, e a incapacidade de se importar (dada a ausência de remorso e de
empatia) com o sofrimento criado pelas consequências de seus atos às
outras pessoas. Os talentos do bilionário são, além da perspicácia e da
capacidade de sedução, uma grande força de vontade e firmeza de
propósitos.
Apesar disso tudo, vemos que bilionários costumam ser
saudados por inúmeras pessoas como verdadeiros heróis, como
“vencedores” e exemplos a serem seguidos. Em parte isso é explicado pelo
fato dos super-ricos poderem pagar, e muito bem, pelos elogios que recebem
da mídia, isso quando o próprio veículo de comunicação não lhes pertence.
Mas esse fato não explica sozinho todo o fenômeno. Ao lado da
exposição permanentemente positiva na grande mídia, há a disseminação da
mentalidade de que “é bom para o país” a existência de bilionários
brasileiros. Para muitas pessoas, o aumento do número de bilionários
brasileiros é sinal de que o país “está chegando lá”, está se desenvolvendo.
Torcem para os bilionários brasileiros como torcem para a seleção brasileira
de futebol ou para a Miss Brasil no concurso de Miss Universo.
O que se passa, nesse caso, é a interiorização do discurso de
dominação na própria psique dos dominados, que passam a repetir esse
discurso como se fosse próprio e não algo aprendido. Sentem orgulho tais
pessoas de seus “senhores”, das pessoas supostamente superiores,
melhores que o comum dos mortais, que justamente por serem tão
superiores tornaram-se tão ricos, ou assim se acredita.
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Não lhes passa pela cabeça que ninguém se torna bilionário por
ser mais competente ou mais inteligente que os demais, e sim por ser mais
implacável e ardiloso. Não lhes passa pela mente que alguém muito
inteligente de fato pode, se se aplicar a isso e tiver sorte, se tornar rico, mas
que não é essa a diferença que distingue a pessoa que acumulou alguns
milhões daquela que acumulou alguns bilhões.
Tal tipo de mentalidade foi descrita com acuidade por Robert
Tressell na obra “The Ragged Trousered Philanthropists” (literalmente, “Os
Filantropos de Calças Esfarrapadas”67), cujos personagens são
trabalhadores ingleses da construção civil de um século atrás:
“Eu não vejo porcaria de sentido nenhum em falar sempre mau
dos ricos', disse Harlow por fim. “Sempre teve ricos e pobres no mundo e
sempre vai ter”.
“É claro”, disse Slyme. “Diz na Bíblia que os pobres sempre vão
estar entre nós”.
“Que maldito sistema você acha que nós deveria ter?”, perguntou
Crass. “Se tudo tá errado, como é que vai ser mudado?”
Nisso, todos se animaram novamente, e trocaram olhares de
satisfação e alívio. Claro! Não era necessário pensar nessas coisas! Nada
jamais poderia ser alterado: sempre havia sido mais ou menos da mesma
forma, e sempre seria assim.
“Parece-me que todos vocês DESEJAM que seja impossível
mudar alguma coisa”, disse Owen. “Sem tentar descobrir se pode ser feito,67 Obra literária disponível, em inglês, na página do Projeto Gutenberg:
http://www.gutenberg.org/ebooks/3608
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vocês convencem a si mesmos que é impossível, e então ao invés de
lamentar, vocês ficam contentes!”
5.3) A apropriação do estado e a gestação de grandes
fortunas
O “milagre” da multiplicação de bilionários, no mesmo contexto
sócio-econômico em que se defende a eliminação de direitos trabalhistas, é
entretanto apenas o sintoma, e não a causa, dos problemas. Não explica
como foi possível a essas poucas pessoas chegar à posição de acumular
fortunas desmensuradas.
Os “filantropos de calças esfarrapadas” dentre nós podem
imaginar que tais fortunas foram obtidas graças a grandes doses de talento e
trabalho, mas nada poderia estar mais longe da verdade. Alguma riqueza
pode ser acumulada com o trabalho talentoso, realmente, mas não bilhões
de dólares. Bilhões de dólares é riqueza produzida por toda a sociedade,
para a qual contribuiu o trabalho de milhares ou milhões de pessoas, e que
depois foi tomada por meia dúzia de indivíduos.
A única forma de se chegar a tal brutal concentração de riqueza é
através da apropriação da máquina do estado. É através do mau uso do
estado, com a transformação do Poder Público em mecanismo para a
satisfação de interesses privados, que os super-ricos mantêm e ampliam
suas super-fortunas. É através da deturpação do funcionamento do estado
que toda a sociedade trabalha para o superior benefício de uns poucos.
Essa apropriação da máquina pública para satisfação de
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interesses privados inicia-se com a implantação de um regime tributário
injusto, através do qual, quanto mais rico você for, menos imposto você
paga. Isso é obtido, por exemplo, através da ênfase dada a impostos
indiretos, que oneram o consumo e portanto os mais pobres, da manutenção
de um número muito pequeno de alíquotas do imposto sobre a renda, da
desoneração de grandes fortunas e da leniência para com os ganhos
financeiros e especulativos, preservados de tributação efetiva.
Sobre o tema, alerta o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(IPEA) na publicação “Justiça Tributária: iniquidade e desafios68”, da qual se
extrai que a participação do rendimento do trabalho na renda nacional vem
caindo no Brasil de forma contínua há décadas. Em 1959/60, a participação
dos trabalhadores na renda nacional era de 56,6%; em 1969/70, 52%; em
1979/80, 50%; em 1989/90, 45%; em 2005, 39,1%.
De acordo com o IPEA, ao divulgar o estudo69:
“Pobres pagam mais imposto que os ricos no Brasil
Os 10% mais ricos concentram 75% da riqueza do país. Para
agravar ainda mais o quadro da desigualdade brasileira, os pobres pagam
mais impostos que os ricos.
Segundo levantamento feito pelo Ipea (Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada), apresentado hoje (15/5) ao CDES (Conselho de
Desenvolvimento Econômico e Social) reunido em Brasília, os 10% mais
pobres do país comprometem 33% de seus rendimentos em impostos,
enquanto que os 10% mais ricos pagam 23% em impostos.
68 Ipea, Brasília, maio de 2008.69 Em http://www.ipea.gov.br/005/00502001.jsp?ttCD_CHAVE=382
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"O país precisa de um sistema tributário mais justo que seja
progressivo e não regressivo como é hoje. Ou seja, quem ganha mais deve
pagar mais; quem ganha menos, pagar menos", disse o presidente do Ipea,
Marcio Pochmann, durante a apresentação do levantamento, que foi feito por
pesquisadores das diretorias de Estudos Sociais, Macroeconomia e Estudos
Regionais e Urbanos, para contribuir na discussão da reforma tributária.
Os números do Ipea mostram que os impostos indiretos (aqueles
embutidos nos preços de produtos e serviços) são os principais indutores
dessa desigualdade. Os pobres pagam, proporcionalmente, três vezes mais
ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) que os ricos.
Enquanto os ricos desembolsam em média 5,7% em ICMS, os pobres
pagam 16% no mesmo imposto.
Nos impostos diretos (sobre renda e propriedade) a situação é
menos grave, mas também desfavorável aos mais pobres. O IPVA (Imposto
sobre Propriedade de Veículos Automotores) tem praticamente a mesma
incidência para todos, com alíquotas variando de 0,5% para os mais pobres
a 0,6% e 0,7% para os mais ricos. Já o IPTU (Imposto sobre Propriedade
Territorial e Urbana) privilegia os ricos. Entre os 10% mais pobres, a alíquota
média é de 1,8%; já para os 10% mais ricos, a alíquota é de 1,4%.
"As mansões pagam menos imposto que as favelas, e estas
ainda não têm serviços públicos como água, esgoto e coleta de lixo", alertou
o presidente do Ipea.”
Lembra o IPEA que, de 1979 a 1982, existiam no Brasil 12 faixas
para fins de incidência do Imposto de Renda, com alíquotas de zero a 55%.
Ao invés disso hoje temos apenas quatro alíquotas, sendo a maior delas deapenas 27,5%, que coloca no mesmo patamar classe média, milionários e
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bilionários, com completo desprezo às diferenças de riqueza entre eles.
Tal condição faz do Brasil um dos países com carga tributária
mais injusta e desigual do mundo, como informa a seguinte notícia, de junho
de 201170:
“Brasil tem carga tributária 'leve' para ricos, diz estudo
Um levantamento de uma associação internacional de
consultorias indicou que o Brasil tem uma carga tributária considerada leve
para as classes mais altas.
Segundo a rede UHY, com sede em Londres, um profissional no
Brasil que recebe até US$ 25 mil por ano – cerca de R$ 3.300 por mês –
leva, após o pagamento de imposto de renda e previdência, 84% do seu
salário para casa.
Já os profissionais que recebem US$ 200 mil por ano – cerca de
R$ 26.600 por mês – recebem no final cerca de 74% de seu pagamento.
Entre 20 países pesquisados pela UHY, essa diferença de cerca
de 10 pontos percentuais é uma das menores.
Na Holanda, onde um profissional na faixa mais baixa recebe um
valor líquido semelhante ao do Brasil após os impostos e encargos (84,3%),
os mais ricos levam para casa menos de 55% do salário.
A lógica também se aplica a todos os países do G7, o grupo de
países mais industrializados do mundo (EUA, Canadá, Japão, Grã-Bretanha,
70 Em http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2011/06/110621_impostos_estudo_pu.shtml
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Alemanha, França e Itália).
Nos EUA, enquanto os mais ricos levam para casa 70% do
salário, os profissionais na faixa dos US$ 25 mil anuais deixam apenas um
décimo da renda para o governo e a previdência.
O representante da UHY no Brasil, o superintendente da UHY
Moreira Auditores, Paulo Moreira, disse que a pesquisa revela o caráter
“esdrúxulo” da carga tributária brasileira.
Com grande parte dos impostos sendo coletada de forma
indireta, a carga tributária brasileira total supera a tributação à pessoa física,
e é estimada em 41%.
Como esses tributos circulam embutidos nas mercadorias e
serviços consumidos pelos contribuintes, aplicam-se de forma igual a ricos e
pobres, explica.
Para Moreira, entretanto, essa suposta “justiça” tributária é
ilusória, porque as classes mais altas têm formas de evitar o pagamento de
impostos sobre consumo fazendo compras no exterior ou recorrendo a
outros artigos de consumo.”
Estudo anterior já apontava para a mesma realidade71:
“Brasil tem só 54ª maior alíquota de IR para mais ricos, indica
estudo
71 Emhttp://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2010/10/101006_impostos_estudos_kpmg_rw.shtml
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Um estudo compilado pela consultoria internacional KPMG indica
que a alíquota máxima do imposto de renda no Brasil é apenas a 54ª mais
alta entre 81 países analisados.
A análise mostra, porém, que a renda a partir da qual essa
alíquota máxima é aplicada no Brasil é uma das mais baixas em relação aos
países verificados, o que mostra que enquanto em muitos países os ricos
pagam bem mais imposto do que a classe média, no Brasil essa taxação é
igual.
A alíquota máxima do imposto de renda no Brasil, de 27,5%, é
aplicada a partir de um rendimento mensal de R$ 3.743,19 (equivalente, na
época da formulação do estudo, a uma renda anual de US$ 25.536).
Apenas dez países entre os 70 nos quais há um teto para a
aplicação da alíquota máxima têm valores mais baixos para a renda sobre a
qual ela é aplicada.
Maiores alíquotas
A Suécia é o país com a maior alíquota superior (56,6%), mas ela
só é aplicada sobre rendas maiores do que US$ 71.198 anuais. O segundo
país com maior alíquota, a Dinamarca (55,4%) a aplica para rendimentos
acima de US$ 71.898 por ano.
Outros quatro países têm alíquotas máximas iguais ou maior que
50% - Holanda (52%), Áustria, Bélgica e Grã-Bretanha (todos com alíquota
máxima de 50%).
Desses, a Bélgica é o país que tem a renda mais baixa sobre a
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qual a alíquota máxima é aplicada (US$ 43.456 anuais), enquanto a Grã-
Bretanha tem o maior valor (US$ 225.904 por ano).
Na América Latina, o Chile é o país com a alíquota máxima mais
alta (40%), aplicada sobre rendimentos a partir de US$ 130.429 anuais. A
Argentina tem uma alíquota máxima de 35%, aplicada sobre rendas
superiores a US$ 30.534 anuais, e o México taxa em 30% as rendas maiores
que US$ 30.811 por ano.
Entre os países do grupo Bric, o Brasil tem a 3ª maior alíquota
máxima, atrás dos 45% da China (para rendas a partir de US$ 177.253
anuais) e 30% da Índia (rendas a partir de US$ 17.171). A Rússia tem uma
alíquota única de 13% para qualquer rendimento.”
E o que ocorre com os recursos públicos, após terem sido
recolhidos de forma desproporcional e injusta? São eles
preponderantemente revertidos em favor dos mais pobres ou da maioria da
população?
Não. A maior parte do orçamento público (no que exceda a
despesas incontornáveis, fixas), no Brasil e em outros países, tem sido
apropriada e desviada, sob forma de pagamento de encargos da dívida
pública, em favor do sistema financeiro internacional, que é o espaço no qual
fortunas bilionárias são construídas diariamente.
Veja-se, nesse sentido, a evolução no Brasil da dívida pública
mobiliária federal interna (DPMFi), de responsabilidade do Tesouro Nacional:
em 1990, a dívida estava em R$ 6,5 milhões; em 1995, R$ 133,9 bilhões; em
2000, R$ 634,4 bilhões; em 2005, R$ 1 trilhão; em 2007, R$ 1,39 trilhão; eem fevereiro de 2011, R$ 1,6 trilhão, o que significa mais do que todo o
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orçamento da União Federal em 2010.
Ou seja, em vinte anos a dívida pública interna aumentou de R$
6,5 bilhões para astronômicos 1,6 trilhão, um aumento de mais de 24.000%!
Sobre o montante atual da dívida, esclarece a seguinte
reportagem do jornal O Estado de São Paulo de 24 de março de 2011:
"Dívida Interna do governo sobe para R$ 1,6 trilhão em fevereiro -
A dívida pública mobiliária federal interna (DPMFi) atingiu R$ 1,586 trilhão
em fevereiro, segundo os dados divulgados pelo Tesouro Nacional.
O crescimento da dívida foi de 2,82% em relação a janeiro,
quando somou R$ 1,542 trilhão. A incorporação de juros no período foi de
R$ 16,238 bilhões.
O prazo médio da DPMFi caiu de 3,54 anos, em janeiro, para
3,50 anos, em fevereiro, segundo dados divulgados há pouco pelo Tesouro
Nacional. A parcela da dívida a vencer em até 12 meses também caiu de
24,81% em janeiro para 24,28% em fevereiro”.
Tal dívida é representada preponderantemente por títulos
emitidos pelo Tesouro. A maior parte dos títulos da dívida pública,
aproximadamente a metade deles, está em poder de bancos nacionais e
estrangeiros, e outro tanto está com os fundos de pensão e os fundos de
investimento.
A parcela da população brasileira que participa de operações com
esses títulos, ou que possui aplicações em fundos que os negociam, é
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ínfima, em torno de 2,7%72, ou seja, são justamente os mais ricos do país,
com capacidade de se inserir na ciranda financeira. E destes 2,7% da
população, muito poucos possuem participação em montante expressivo, da
ordem de centenas de milhares ou milhões de reais.
De modo que, em última análise, a maior parte dos títulos da
dívida pública está nas mãos, através de bancos e fundos, de pouquíssimas
pessoas.
Não deveria haver aí qualquer revelação assombrosa, mas a
mera enunciação de um fato óbvio: quem mais possui títulos é quem mais
possui dinheiro. Quanto mais dinheiro você tem, mais desses títulos pode
adquirir, e enquanto o Governo puder continuar a pagá-los (particularmente
os encargos sobre eles), mais lucro você terá. Quem não tem dinheiro, não
entra no jogo.
O tema foi esclarecido por recente levantamento divulgado pelo
Tesouro Nacional:
“Bancos e fundos detêm a maior parte dos títulos públicos
A maior parte dos títulos da Dívida Pública Mobiliária Federal
interna (DPMFi) está nas mãos dos bancos. Dados divulgados hoje pela
primeira vez pelo Tesouro Nacional mostram que os bancos detêm 35,4% do
total da DPMFi, o equivalente a R$ 536 bilhões. Essa participação, no
entanto, já foi maior: em dezembro equivalia a 37,7% do estoque da DPMFi.
72 “É interessante ressaltar também que, segundo a Comissão de Valores Mobiliários, os participantes de Fundos de Investimento (que aplicam em títulos da dívida interna) são 5milhões, ou seja, 2,7% da população brasileira.” Em Boletim Auditoria Cidadã da Dívida, n.15, 07 de setembro de 2006, disponível em www.divida-auditoriacidada.org.br/boletins/Boletim15.doc
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Os fundos de investimento figuram em segundo lugar na lista dos
maiores detentores dos papéis do governo. Em janeiro, eles detinham R$
475,27 bilhões, ou 31,3%. Os fundos de previdência (fechados e abertos)
estão em terceiro lugar com 14,8% (R$ 224 48 bilhões) do total da dívida. Os
investidores estrangeiros (não residentes no País) detêm 12% do total da
DPMFi. Essa parcela em dezembro equivalia a 11,6% (R$ 182 bilhões). Já
as seguradoras detêm 4%, com R$ 60,99 bilhões. Outros investidores não
especificados pelo Tesouro detêm 2,5% da dívida, com R$ 37,43 bilhões em
títulos.73”
Cabe esclarecer que grande parte dos fundos de investimento
está vinculada diretamente a bancos, de modo que a participação real destes
é maior do que 35,4%.
A dívida crescente precisa, é claro, ser paga, sob a forma de
juros, encargos e amortizações. É para isso que ela existe.
No Brasil, do orçamento da União Federal em 2010, nada menos
do que R$ 635 bilhões foram revertidos para pagamento de juros,
amortização e refinanciamento da dívida pública, o que representa 44,93%
de todo o gasto da União no ano74. Para efeito de comparação, em favor da
saúde no mesmo ano de 2010 destinou-se 3,91% do orçamento, e para a
educação, 2,89%. Para toda a Previdência Social (pública e privada)
destinou-se 22,12%.
A situação da dívida pública de estados e municípios brasileiros é
também dramática. A dívida consolidada dos estados passou de R$ 93,24
73 Em http://ne10.uol.com.br/canal/cotidiano/economia/noticia/2011/02/22/bancos-e-fundos-detem-a-maior-parte-dos-titulos-publicos-258426.php. Sobre o mesmo tema, “A base deinvestidores da Dívida Pública Federal no Brasil”, emhttp://www.tesouro.fazenda.gov.br/divida_publica/downloads/Parte%203_5.pdf
74 fonte: Auditoria Cidadã da Dívida, em http://www.divida-auditoriacidada.org.br/
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bilhões em 1998 para R$ 184 bilhões em 2000, chegando a R$ 404 bilhões
em 201075. Apenas no ano de 2006, por exemplo, o estado do Rio Grande do
Sul gastou em juros e amortizações de sua dívida R$ 1,7 bilhão, o que
representou 11,52% das despesas totais naquele ano, pouco menos que
todo o gasto com educação (12,31%), e mais do que com a saúde pública
(9,99%)76.
A propósito, diante desse quadro mostra-se nada menos que
risível a pregação conversadora, permanentemente em voga, sobre os
"gastos em excesso do governo" e o "rombo da Previdência", ou quanto à
necessidade de "contenção de despesa pública". Ninguém jamais ouviu os
porta-vozes do neoliberalismo alertando quanto ao gasto excessivo com
juros e amortizações da dívida, que consomem praticamente metade de todo
o orçamento da União. Ora, se você gasta 44,93% de seu orçamento em
uma coisa, e 22,12% em outra, onde qualquer pessoa minimamente sensata
irá dizer que está o "rombo" maior, mais preocupante?
Para pessoas que dizem se preocupar com despesa pública
excessiva, soa extraordinário que metade do orçamento lhes passe
despercebido.
A explicação para tal "esquecimento" é simples: a pregação
neoliberal em torno da necessidade de conter o "rombo da Previdência" e o
"excesso de gastos com funcionalismo" tem por finalidade permitir que sobre
mais dinheiro público para pagamento de juros e amortizações. Quanto mais
se gastar com servidores, com saúde e educação (quer dizer, com serviço
público, que beneficia milhões de pessoas), menos haverá para ser remetido
ao sistema financeiro, que detém e negocia os títulos da dívida.
75 Fonte:http://www.tesouro.fazenda.gov.br/lrf/downloads/financas_estaduais_divida_liquida.pdf
76 Fonte: http://www.divida-auditoriacidada.org.br/.../Divida%20RS.doc/download
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Vale lembrar que, no caso brasileiro, a lucratividade
proporcionada é sem paralelo no mundo, pois há muitos anos o pais mantem
a mais alta taxa de juros do planeta, proporcionando fabulosas fortunas às
pessoas, já estupendamente ricas, que possuem, compram e negociam os
títulos da dívida brasileira (a maior parte dos quais pós-fixados, remunerados
com base na taxa Selic). De fato, "O país lidera, com folga, o ranking
mundial da taxa mais alta do mundo. (...) A diferença entre o segundo
colocado, a Hungria, ficou ainda mais larga este ano [2011]. É quase três
vezes maior.77 "
A propósito, foi reconhecido no relatório final78 da Comissão
Parlamentar de Inquérito da Dívida Pública do Congresso Nacional que "o
fator mais importante para o crescimento da dívida pública foram as altas
taxas de juros."
De modo que a generosidade brasileira não conhece limites.
Somos a nação mais generosa do mundo para com os super-ricos. Mas para
manter tal transbordante generosidade, convoca-se os trabalhadores a abrir
mão de seus direitos, supondo-se com isso, obviamente, que os direitos dos
trabalhadores são menos importantes que o direito dos rentistas de continuar
aproveitando título remunerados com base na mais alta taxa de juros do
planeta.
A dívida pública do Brasil e outros países emergentes tornou-se,
enfim, um simples mecanismo de inversão, em favor dos super-ricos, da
maior parte da riqueza excedente produzida pela população desses países,
77 Em http://gazetaonline.globo.com/_conteudo/2011/08/noticias/a_gazeta/economia/944692-brasileiro-sofre-o-peso-de-ter-o-juro-mais-alto-do-mundo.html
78 A íntegra do relatório da CPI do Congresso Nacional pode ser obtida emhttp://www2.camara.gov.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/parlamentar-de-inquerito/53a-legislatura-encerradas/cpidivi/relatorio-final-aprovado
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que vem experimentando crescimento econômico superior ao dos países
tradicionalmente centrais.
Então não é de admirar que o número de bilionários venha
crescendo ano após ano. O Brasil, pelo menos, tem feito de forma exemplar
sua parte para viabilizar tal forma de "crescimento", destinando-lhes algumas
centenas de bilhões de reais por ano, todos os anos.
Mas a dívida pública não é a única forma de apropriação, pelos
super-ricos, da riqueza produzida pelo país. Sempre que necessário, apela-
se para uma forma ainda mais direta de transferência, mediante operações
de "salvamento" com dinheiro público a grandes corporações privadas -
bancos e multinacionais - que venham a sofrer, por algum motivo, prejuízo.
Em 2008, por exemplo, diversas das maiores empresas
brasileiras experimentaram grandes perdas em decorrência de suas
temerárias operações no mercado especulativo, ao qual vinham se
dedicando com mais afinco que a seus negócios principais.
Exemplo da prioridade dada ao ganho especulativo, naquele ano,
foi a farra da Sadia no mercado de derivativos:
“Sadia perde R$ 760 milhões no mercado com crise internacional
A Sadia anunciou ontem que liquidou antecipadamente
operações realizadas no mercado financeiro relacionadas à variação do
dólar, em razão "da severidade da crise internacional e da alta volatilidade da
cotação da moeda norte-americana".
Com isso, a Sadia se tornou a primeira empresa brasileira não-
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financeira a admitir perda ligada diretamente à crise nos mercados
financeiros. Analistas esperam perdas similares em outras empresas.
(…)
A opinião parece ser unânime entre os analistas. De acordo com
Renato Prado, analista do Banco Fator, a Sadia errou em seu planejamento
financeiro ao assumir posição maior do que deveria.
"Teremos uma conferência com a empresa amanhã [hoje] para
entender melhor, mas a impressão é que se trata de uma empresa de
alimentos operando numa área [mercado financeiro] que não é de sua
expertise", diz Prado. Isso porque a operação feita no mercado financeiro foi
superior às necessidades de proteção das atividades da Sadia expostas à
variação cambial.79”
À época o então Presidente Lula chegou a declarar, referindo-se
ao caso da Sadia e da Aracruz (que experimentou, pelos mesmos motivos,
perdas ainda maiores em 2008) que “os empresários já não se contentavam
de ganhar o que estavam ganhando e acharam que era possível ganhar um
pouco mais, fazendo trambique80 ”.
Não causou surpresa, então, que ao final do ano de 2008 a Sadia
tenha fechado o exercício com prejuízo de R$ 2,5 bilhões. O prejuízo da
Aracruz no ano foi maior, R$ 4,2 bilhões, dos quais R$ 2,73 bilhões
decorrentes de perdas com derivativos81.
79 Em http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u449124.shtml80 “Presidente Lula chama especuladores de trambiqueiros - O presidente Lula chamou de
trambiqueiros os empresários brasileiros que, segundo ele, quiseram ganhar dinheiro fácilno mercado financeiro, aumentando o tamanho da crise no país. Ele referiu-se aosempresários brasileiros que aplicaram em derivativos, em discurso nesta quinta-feira noSeminário Empresarial Brasil-Turquia. Lula afirmou que “os empresários já não secontentavam de ganhar o que estavam ganhando e acharam que era possível ganhar um pouco mais, fazendo trambique”. Fez referência a “algumas empresas importantes” quetiveram problemas sérios com isso. Leia-se: Sadia e Aracruz.” Emhttp://economiaclara.wordpress.com/2009/05/22/trambiqueiros/
81 Em http://oglobo.globo.com/economia/mat/2009/03/27/aracruz-tem-prejuizo-de-4-2-bilhoes-em-2008-755028572.asp
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Para melhor compreensão do que ocorreu com Sadia e Aracruz,
mostra-se pertinente a seguinte declaração do bilionário Warren Buffett, dada
em 2002:
"...vejo os derivativos como bombas relógio, tanto para as partes
que negociam com eles quanto para o sistema econômico. (...) Outro
problema sobre derivativos é que eles podem aumentar problemas que uma
empresa venha a experimentar em por motivos completamente diversos. (...)
Imagine-se então que uma empresa é rebaixada por causa de adversidades
em geral e seus derivados instantaneamente atingem seu vencimento,
impondo uma demanda inesperada e enorme de apresentação de garantia
em dinheiro à empresa. A necessidade de atender a essa demanda pode,
então, jogar a empresa em uma crise de liquidez que poderá, em alguns
casos, desencadear rebaixamentos ainda maiores. Tudo isso torna-se uma
espiral que pode levar a um colapso da empresa" (apud Gérard Duménil e
Dominique Lévy).
E qual foi a solução encontrada para compensar o rombo criado
pelas perdas decorrentes da especulação na ciranda financeira, tanto pela
Sadia quanto pela Aracruz? Fusão entre Sadia e Perdigão, e aquisição da
Aracruz pela Votorantim. Com um detalhe importante: ambas as operações
viabilizadas pela injeção de enorme quantidade de dinheiro público:
“Ainda no segmento alimentício, o BNDES adquiriu R$ 750
milhões em ações ordinárias da Brasil Foods, oriunda da fusão entre a Sadia
e a Perdigão.
O BNDES liberou também R$ 2,4 bilhões para que o grupo
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Votorantim incorporasse a Aracruz, formando a Fibria, na área de celulose.82”
Incrível a coincidência, quase perfeita, entre o valor dos prejuízos
experimentados pela Sadia e Aracruz com a especulação em derivativos, e a
quantia de dinheiro público entregue para financiar os “socorros”.
Justificou-se tais operações à sociedade como sendo necessárias
para evitar “um mal maior”, com a quebra de empresas importantes à
economia nacional.
Curiosamente, decorre de tal justificativa que, enquanto a
empresa está a ganhar grande quantidade de dinheiro na especulação
financeira ou por qualquer outro meio, a questão é tida como exclusivamente
privada, e não interessa a ninguém senão aos donos. Mas quando a
empresa perde grande quantidade de dinheiro na especulação financeira, o
problema de privado torna-se público, alardeando-se que há risco de
desaparecimento de empregos, e promove-se a injeção de dinheiro público.
Ou seja, ninguém sustenta que quando as mesmas empresas
estão experimentando lucros bilionários, o interesse também é público, e tais
companhias devem entregá-lo à sociedade.
Nesse sentido, em 2008 a Aracruz, como já dito, fechou com
prejuízo de R$ 4,19 bilhões, tendo sido utilizados quase dois bilhões e meio
de dinheiro público para salvá-la. No ano anterior (2007), entretanto, ela
havia fechado com lucro de R$ 1 bilhão83.
Ora, em 2007 não foi montada operação alguma para distribuir tal
82 Em http://m.folha.uol.com.br/mercado/936220-operacao-do-pao-de-acucar-esta-entre-as-3-maiores-do-bndes.html
83 Em http://www.estadao.com.br/noticias/economia,aracruz-tem-lucro-de-r104-bilhao-em-2007,107739,0.htm
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lucro extraordinário à sociedade. De modo que, pelo visto, o prejuízo
bilionário é de interesse público, mas o ganho bilionário não. Enquanto os
donos da empresa estão embolsando fortunas, isso diz respeito apenas a
eles e a ninguém mais; quando a empresa experimenta prejuízo, isso
interessa a toda a sociedade.
Registre-se que boa parte do dinheiro público usado em tais
operações de salvamento deriva, ironicamente, do Fundo de Amparo do
Trabalhador (FAT), do qual provem expressiva parcela dos recursos
distribuídos pelo BNDES. De modo que ao invés de se amparar os
trabalhadores, amparam-se os super-ricos.
Também chama a atenção, nas ocasiões em que tais operações
de salvamento com dinheiro público são orquestradas, que
momentaneamente silenciam-se as vozes que estão sempre a louvar as
maravilhas da livre concorrência, do livre mercado, da competição e da não
intervenção do estado na economia. Em tais horas, essas mesmas pessoas
aparentemente não veem problema algum em o estado realizar uma
contundente e multimilionária intervenção na economia, interferindo no livre
mercado.
Como resultado, temos que os “trambiques” (para usarmos a
expressão presidencial) de 2008 restaram completamente recompensados.
Os seus responsáveis, os super-ricos por trás das empresas, não
experimentaram prejuízo algum, dado que toda a perda sofrida no mercado
financeiro foi repassada aos cofres públicos.
Na verdade, no caso da Sadia, não apenas seus donos não
experimentaram prejuízo como obtiveram, ao fim e ao cabo, algum lucro,dado que em razão da injeção de dinheiro do BNDES, mediante compra de
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ações, estas acabaram sendo adquiridas por preço superior ao de mercado,
que naquele momento encontrava-se, compreensivelmente, em patamar
baixo.
Não se imagine, entretanto, que tal generosa e enérgica
intervenção do estado na economia, só que em favor dos super-ricos, seja
exclusividade brasileira. Pelo contrário, o exemplo mais extraordinário -
quase inacreditável - da implementação do mecanismo de socialização dos
prejuízos e privatização dos lucros bilionários foi trazido à tona muito
recentemente nos Estados Unidos, como informa a seguinte reportagem de
201184:
“UM ASSALTO DE 16 TRILHÕES DE DÓLARES
A atenção da opinião pública internacional está centrada no
acordo pírrico firmado entre Barack Obama e o Congresso mediante o qual o
presidente se compromete a aplicar um duro programa de ajuste fiscal,
baseado no corte de gastos sociais (saúde, educação, alimentação) e infra-
estrutura de 2,5 trilhões de dólares, porém, preservando, como exige o Tea
Party, o nível atual do gasto militar e sua eventual expansão. Em troca disso,
a Casa Branca recebeu a autorização para elevar o endividamento dos
Estados Unidos até 16,4 trilhões de dólares, cifra superior em cerca de 2
trilhões ao PIB do país. Com isso se espera – confiando na “magia dos
mercados” – superar a crise da dívida pública e reativar a exaurida economia
norte-americana.
(...) O debate sobre o possível calote dos EUA eclipsou por
completo um escândalo financeiro de inéditas proporções: em 21 de junho
passado, conheceu-se o resultado de uma auditoria integral realizada pelo
84 Em http://www.jornalabsoluto.com.br/detartigo.php?idartigo=5095
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Escritório Governamental de Prestação de Contas (Government
Accountability Office, GAO, na sigla em inglês) no Federal Reserve (Fed), o
banco central dos EUA, a primeira que se pratica sobre a citada instituição
desde que foi criada, em 1913. Os resultados são assustadores: em um
prazo de pouco mais de dois anos e meio, entre 1º de dezembro de 2007 e
21 de julho de 2010, o Fed concedeu empréstimos secretos a grandes
corporações e empresas do setor financeiro de 16 trilhões de dólares, uma
cifra superior ao PIB dos EUA, que em 2010 foi de 14,5 trilhões de dólares, e
mais elevada que a soma dos orçamentos do governo federal nos últimos
quatro anos.
E não só isso: a auditoria revelou também que 659 bilhões de
dólares foram dados a algumas das instituições financeiras beneficiadas
arbitrariamente por este programa para que administrassem o multimilionário
pacote de salvação dos bancos e corporações, oferecido como mecanismo
de ”saída” da nova crise geral do capitalismo. Desse gigantesco total, cerca
de 3 trilhões foram destinados a socorrer grandes empresas e entidades
financeiras na Europa e na Ásia. O resto foi orientado para o resgate de
corporações estadunidenses, encabeçadas pelo Citibank, o Morgan Stanley,
Merrill Lynch e o Bank of America, entre as mais importantes.
(...)
Conspiração de silêncio - O escândalo revelado pela auditoria
não teve quase nenhuma repercussão nos Estados Unidos. O presidente do
Fed, Ben Bernanke, se fez de desentendido e expressou que em momentos
como o que se temia o calote nacional o importante era resguardar a
credibilidade do Fed e do sistema monetário estadunidense. Apesar de o
GAO ser um órgão de apoio aos trabalhos do Congresso, as reações de
representantes e senadores à divulgação foram do mais absoluto e imoral
silêncio.(...)
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Esclarecimento: o GAO é uma agência independente e não
partidária que trabalha para o Congresso dos Estados Unidos. Sua missão é
pesquisar a forma pela qual o governo federal utiliza os dólares de seus
contribuintes. O chefe do GAO é o Procurador Geral dos Estados Unidos e é
designado por um período de 15 anos pelo presidente a partir de uma lista
de candidatos elaborada pelo Congresso. Seu chefe atual é Gene L. Dodaro,
que havia sido nomeado pelo presidente Barack Obama em setembro de
2010 e confirmado no cargo em dezembro do mesmo ano pelo Senado.
Entre outras coisas, a auditoria estabeleceu que o Federal Reserve “carece
de um sistema suficientemente abrangente para tratar de casos de conflitos
de interesses, apesar de existirem sérios riscos de abuso nesse sentido. De
fato, segundo essa auditoria, o Fed emitiu dispensas de conflito de
interesses a favor dos funcionários e contratistas privados a fim de que
pudessem manter seus investimentos nas mesmas corporações e
instituições financeiras que recebiam empréstimos de emergência”.
“Por exemplo, o CEO do JP Morgan Chase cumpria funções na
diretoria do Fed em Nova York, enquanto seu banco recebia mais de 390
bilhões de dólares em ajuda financeira por parte do Federal Reserve. Além
do mais, o JP Morgan Chase atuava como um dos bancos de compensação
para os programas de empréstimos de emergência do Fed”.
“Outro achado perturbador do GAO é o que refere que no dia 19
de setembro de 2008 o senhor William Dudley, presidente do Fed de Nova
York, recebeu uma dispensa para que pudesse conservar seus
investimentos na AIG (American International Group, líder mundial no campo
dos seguros) e na GE (General Eletric), enquanto essas companhias
recebiam fundos de resgate. Uma razão pela qual o Fed não obrigou Dudley
a vender suas ações, segundo a auditoria, foi porque tal ação poderia ter criado a aparência de um conflito de interesses”.
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“A investigação também revelou que o Fed terceirizava a
contratistas privados, como o JP Morgan Chase, Morgan Stanley e Wells
Fargo, a maioria de seus programas de empréstimos de emergência. Essas
mesmas firmas também recebiam bilhões de dólares do Fed por
empréstimos concedidos a taxas de juros próximas de zero”.
Os principais beneficiários desses empréstimos – concedidos
entre 1º de dezembro de 2007 e 21 de julho de 2010 – são os seguintes:
Citigroup: $2.5 trilhões
Morgan Stanley: $2.04 trilhões
Merrill Lynch: $1.949 trilhões
Bank of America: $1.344 trilhões
Barclays PLC (Reino Unido): $868 bilhões
Bear Sterns: $853 bilhões
Goldman Sachs: $814 bilhões
Royal Bank of Scotland (Reino Unido): $541 bilhões
JP Morgan Chase: $391 bilhões
Deutsche Bank (Alemanha): $354 bilhões
UBS (Suíça): $287 bilhões
Credit Suisse (Suíça): $262 bilhões
Lehman Brothers: $183 bilhões
Bank of Scotland (Reino Unido): $181 bilhões
BNP Paribas (França): $175 bilhões
Wells Fargo & Co. $159 bilhões
Dexia SA (Bélgica) $159 bilhões
Wachovia Corporation $142 bilhões
Dresdner Bank AG (Alemanha) $135 bilhõesSociete Generale SA (França) $124 bilhões
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Outros: $2,6 bilhões
Total: 16.115 trilhões de dólares.”
A propósito, a “conspiração de silêncio” mencionada na
reportagem atingiu, inclusive, o Brasil. Basta pesquisar na internet para
verificar que o assunto não foi abordado com destaque por quaisquer dos
principais veículos de comunicação do país, como Veja, Estado, Folha,
Globo, etc., mas apenas por veículos alternativos, não obstante o caráter
impactante da matéria e a seriedade da fonte da informação (um
departamento do próprio governo norte-americano).
Veja-se que, na mesma época em que circulou de forma bastante
limitada a notícia, os principais jornais e revistas brasileiros reproduziam
todos os dias reportagens sobre a negociação em torno da elevação do teto
da dívida pública norte-americana. Mostra-se então perturbador, além de
profundamente significativo, que tenham na mesma ocasião preferido
permanecer em silêncio (deixando de informar a população) sobre uma ajuda
secreta a bancos em valor superior a toda a dívida norte-americana, e
superior inclusive a todo o PIB norte-americano.
O que a notícia e a conspiração de silêncio em torno dela revelam
é que a ajuda pública aos super-ricos se dá à margem de qualquer controle
ou interferência da sociedade e dos mecanismos de regulação do sistema
democrático, incluindo-se aí os veículos de comunicação em massa. Quando
a revelação é por demais comprometedora, suprime-se até mesmo o acesso
à informação.
5.4) Sem compensações à sociedade
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Também causa perplexidade que os socorros financeiros aos
super-ricos, com vultosas quantias de dinheiro público, ocorrem sem que
seja exigida pelos governantes que os concedem qualquer tipo de
contrapartida em favor da sociedade.
Por exemplo, no caso da Sadia/BR Foods, acima citado, os
milhões do BNDES foram concedidos, viabilizando a criação da nova
empresa (e eliminando todas as perdas privadas sofridas no mercado
especulativo em 2008) sem que fosse exigido pelo governo qualquer tipo de
contrapartida social, como por exemplo a manutenção da quantidade de
empregos ou a introdução de melhorias nas condições de saúde e
segurança no trabalho.
Não obstante, tais melhorias se faziam absolutamente urgentes e
indispensáveis, dadas as péssimas condições de trabalho existentes em
diversos dos frigoríficos da empresa, situação que vem sendo enfrentada
pelo Ministério Público do Trabalho e pela Justiça do Trabalho há vários
anos. Nesse sentido, veja-se a seguinte notícia, de julho de 201185:
“TST mantém decisão de VT de Joaçaba que proíbe BR Foods
de exigir horas extras
Em uma sociedade que se pretende livre, justa e solidária (CF,
art. 3º, I), incumbe ao empregador diligente, sob a premissa da dignidade da
pessoa humana (CF, art. 1º, III), promover meio ambiente do trabalho
saudável, para que o trabalhador possa executar as suas atividades em local
que não lhe ceifem saúde e vida.85 Em http://trt-12.jusbrasil.com.br/noticias/2778950/tst-mantem-decisao-de-vt-de-joacaba-
que-proibe-br-foods-de-exigir-horas-extras
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Estas palavras fazem parte de acórdão relatado pelo ministro
Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, do Tribunal Superior do Trabalho,
que manteve uma tutela antecipada (um tipo de decisão provisória),
concedida pela juíza da Vara do Trabalho de Joaçaba (SC), determinando à
BRF Brasil Foods S.A a observância de normas mínimas destinadas à
preservação da saúde em um de seus frigoríficos.
A ação civil pública que gerou a decisão foi ajuizada pelo
Ministério Público do Trabalho em novembro de 2009, mas o pedido de
tutela antecipada foi indeferido. Esse tipo de pedido visa antecipar os efeitos
práticos que decorreriam do julgamento de mérito, e ocorre quando o
magistrado entende que poderia haver greve prejuízo à parte se a medida
não fosse tomada. Na audiência inicial, cerca de dois meses depois da
primeira negativa, o procurador do trabalho pediu reconsideração do
despacho que negou a tutela, o que foi aceito pela juíza Lisiane Vieira.
Ela publicou extenso e analítico despacho, determinando à BR
Foods a implantação de um sistema de pausas para descanso de 8 minutos
a cada hora trabalhada, que se abstenha de exigir horas extras dos
empregados lotados na unidade de Capinzal e, ainda, para que notifique as
doenças profissionais comprovadas ou objeto de suspeita, encaminhando o
trabalhador à Previdência Social para avaliação. De acordo com a
magistrada, essas medidas servem para que sejam minimizados os efeitos
nocivos do trabalho nas condições narradas e mantida a saúde do
trabalhador.
A juíza justificou seu ato ao afirmando que atua na VT de
Joaçaba desde março de 2008, sendo que, desde então, instruiu e julgou mais de 300 ações indenizatórias propostas por empregados e ex-
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empregados da BR Foods em razão de doenças adquiridas ou agravadas
pelas condições de trabalho a que estavam submetidos. A grande maioria,
segundo a decisão, em razão de patologias conhecidas por LER (Lesão por
Esforços Repetitivos) ou DORT (Distúrbios Osteomusculares Relacionados
ao Trabalho), com relação de causalidade confirmada.
Fundamentação científica
No despacho de 31 páginas, integralmente transcrito pelo
acórdão do TST, a juíza Lisiane inclui extensa fundamentação científica
sobre o fenômeno das LER/DORT, abordando desde o diagnóstico e as
causas ergonômicas até os métodos de análise do nexo causal. Na
caracterização da exposição aos fatores de risco, afirma ela, alguns
elementos são importantes, como a região anatômica exposta, a intensidade
dos fatores de risco, a duração do ciclo de trabalho, a distribuição das
pausas e o tempo de exposição.
Além disso, nas diversas perícias realizadas em outras ações, a
magistrada verificou que a empresa, ao contrário do alegado em sua
contestação, não vem promovendo medidas suficientes e adequadas à
eliminação dos fatores de risco para desenvolvimento de LER/DORT listados
na IN INSS 98/2003. Os peritos nomeados pela magistrada também
constataram haver poucos rodízios de tarefas e, quando isso acontecia, era
feito de forma equivocada, já que os grupos musculares exigidos para a
nova atividade continuavam sendo os mesmos.
Unidade coleciona mais de 1,2 mil afastamentos
A empresa atacou a tutela antecipada por meio de mandado desegurança junto ao TRT/SC que, primeiro por liminar, depois por julgamento,
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suspendeu os efeitos da decisão inicial sob argumento de que, por cautela,
se deveria aguardar a finalização de perícias específicas da ação em trâmite,
já determinadas pela própria juíza. Inconformado o MPT recorreu ao TST
através de recurso ordinário, obtendo da corte superior a manutenção da
decisão provisória da VT de Joaçaba.
O voto do ministro Fontan Pereira levou em conta que a
fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a pedido do MPT,
havia feito minuciosa inspeção naquela unidade da BR Foods. Nela, foi
constatado que o número de afastamentos superiores a 15 dias, por motivo
de doença, chegavam a 1.277 casos, 20 % do total de trabalhadores, sendo
que 60% deste grupo se encontrava afastado por mais de um ano.
A inspeção também apontou que 450 desses casos são doenças
do sistema nervoso e 248 do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo,
casos em que se reconhece o nexo técnico epidemiológico na atividade de
abate de aves. Mesmo assim, relatou a auditora, foram emitidas apenas 154
comunicações de acidente de trabalho (CAT) pela empresa no período.
O relatório de fiscalização informa, ainda, que os procedimentos
incluídos pela empresa em seu Programa de Controle Médico de Saúde
Ocupacional (PCMSO) são insuficientes para o que se propõem. O acórdão
ressalta que essa inércia empresarial, no caso, além de provocar sérias
consequências para a saúde física e mental dos trabalhadores, atingiu,
sobremaneira, o meio ambiente do trabalho.”
É de fato espantoso que centenas de milhões de reais de dinheiro
público - riqueza produzida por toda a sociedade e dela arrecadada pelo
estado através de tributos - sejam utilizados em operação de socorro a umaempresa que experimentou perdas com especulação financeira, sem que se
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exija dela, pelo menos, a contrapartida de não prosseguir destruindo a vida e
a saúde de milhares de empregados seus. Vale dizer, não apenas a empresa
recebe a generosa ajuda pública, como permanece livre para continuar
impondo adicionalmente aos cofres públicos novos ônus, através do custo do
atendimento de saúde que o estado é obrigado a prestar, via SUS, aos
numerosos trabalhadores adoecidos.
O mesmo procedimento, aliás, vem pautando a ajuda trilionária
aos bancos. Nenhuma contrapartida é exigida, sob a forma, por exemplo, de
regras mais rígidas às operações financeiras, capazes de impedir os
excessos do sistema especulativo e as crises cíclicas.
Em suma, o dinheiro público, no Brasil e no EUA, é concedido
para cobrir prejuízos financeiros privados em troca de nada, em troca de
contrapartida alguma em favor da sociedade. Não se exige das empresas
privadas que recebem o socorro, sequer, o compromisso de que não voltarão
a praticar as condutas temerárias que levaram ao prejuízo extraordinário. O
dinheiro público é entregue, como se diz, “de mão beijada”, o que só pode
ocorrer, é claro, com a ativa participação dos governantes, cuja atuação em
tais casos pauta-se pelo pronto atendimento às necessidades particulares
dos super-ricos, acima das necessidades públicas e coletivas.
A conclusão, a partir de todo o exposto, só pode ser uma: no
Brasil, nos EUA e nos demais países, todos trabalham, a sociedade inteira se
move, em favor e para benefício dos super-ricos, que se apropriam por
diversas formas e métodos da maior parte da riqueza excedente produzida
pelo restante da população, em um processo de concentração de riqueza e
poder nunca antes visto, e à margem dos controles do sistema democrático.
Nunca tão poucos tiveram tanto, e isso se dá através da utilização deturpadada máquina do estado e da crescente financeirização da economia.
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No caso norte-americano, simultaneamente à ajuda em valores
trilionários aos mais ricos verifica-se o crescimento da miséria, o que não
deveria causar surpresa. A riqueza que está a sobrar em uma ponta, na qual
encontraremos um punhado de bilionários, é a mesma que está a faltar na
outra ponta, na qual padecem milhões de pessoas.
Sobre o avanço da pobreza naquele que em tese é o país mais
rico do mundo, revela a seguinte reportagem de setembro de 201186:
“Número de pessoas abaixo da linha pobreza bate recorde
passando de 46 milhões
O número de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza nos
Estados Unidos aumentou para 15,1% da população em 2010, chegando ao
recorde de 46,2 milhões de pessoas. Os dados são do censo norte-
americano, divulgado hoje (13). É o maior contingente de pessoas abaixo da
linha da pobreza dos últimos 52 anos, desde que os dados começaram a ser
coletados. Em 2009, 14,3% da população norte-americana vivia abaixo da
linha da pobreza.
O índice de aumento no número de pobres foi registrado pelo
terceiro ano consecutivo e é o maior desde 1993. Atualmente, um em cada
seis americanos vive na pobreza. Os Estados Unidos passam por um dos
seus piores momentos econômicos.”
Bastante reveladoras, também, são as conclusões de estudo do
Escritório do Orçamento do Congresso (CBO, um órgão de assessoria do
Congresso dos EUA), segundo o qual, entre 1979 e 2007, a renda da86 Em http://www.pernambuco.com/ultimas/nota.asp?
materia=20110913173056&assunto=18&onde=Mundo
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população norte-americana cresceu nas seguintes proporções: 275% para os
1% mais ricos; 18% para os 20% mais pobres; entre 65% e 40% para todo o
restante da população.
5.5) A bomba relógio do descontrole financeiro
Frise-se que a crescente financeirização da economia promete a
repetição dos episódios acima mencionados com frequência cada vez maior,
além da sucessão de crises econômicas globais de recrudescente gravidade.
De fato, a quantidade de títulos em circulação no sistema
financeiro já é várias vezes superior à riqueza real, e vem crescendo
anualmente sem de qualquer controle. De acordo com estimativa do Bank for
International Settlements (BIS), a riqueza em papéis denominados
"derivativos e outras inovações financeiras" é de cerca de US$ 600 trilhões,
ao passo que a produção efetiva de riquezas, medida pelo PIB mundial, é de
US$ 65 trilhões.
A seguinte análise, apesar de desatualizada (o tamanho dos
ativos especulativos cresceu extraordinariamente desde 2006), permite
vislumbrar a profundidade do problema87:
“O Global McKinsey Institute (MGI) produziu uma série de
estudos sobre a proliferação dos ativos financeiros nas últimas décadas. Os
números são dramáticos. O estoque financeiro mundial – o total de depósitos
bancários, títulos de dívida privada, dívidas governamentais e participações
acionárias— passou de US$10 trilhões em 1980, próximo do valor do87 “A festa do crédito e a economia mundial: Dinheiro, ganância, tecnologia”, autor Norman
Gall, em http://www.mettodo.com.br/pdf/Dinheiro_Ganancia_Tecnologia.pdf
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Produto Interno Bruto (PIB) mundial, para US$167 trilhões em 2006, quase
quatro vezes o PIB mundial. Apenas em 2006, os ativos financeiros globais
tiveram um aumento de US$25 trilhões, ou quase 18%, um crescimento três
vezes maior que o PIB, liderados por aumentos nos ativos dos Estados
Unidos (US$5,7 trilhões) e China (US$2,8 trilhões). Enquanto isso, as
reservas de divisas dos governos passaram de US$910 bilhões em 1990
para US$5 trilhões em 2006, tendo dobrado desde 2000. Este aumento
grande e acelerado faz parte da globalização financeira. Os ativos
internacionais dos bancos subiram de US$6 trilhões em 1990 para US$37
trilhões em 2007, o equivalente a mais de 70% do PIB mundial, com
operações com mercados emergentes ultrapassando os US$4 trilhões.
(…)
O aumento dos ativos financeiros em proporção ao PIB espalhou-
se para muitos países. Em 1990, apenas 33 países possuíam ativos
financeiros que superavam seus PIBs. Em 2006 esse número mais que
dobrara, chegando a 72 países. Os ativos no Brasil se multiplicaram por sete
desde que sua economia se estabilizou, em 1995, chegando a 257% do PIB.
Os quatro maiores países em desenvolvimento – Brasil, Rússia, Índia e
China– geraram dois quintos do crescimento econômico do mundo em 2007.
Esses quatro países ganharam 133 mil novos milionários (em dólares) em
2007, elevando seu total para 817 mil, contra três milhões nos Estados
Unidos.”
(…)
De acordo com o BIS, os mercados globais de derivativos
cresceram anualmente em 32% desde 2000. Desde então, acordos privados
conhecidos como derivativos de mercado de balcão (“over-the-counter”, ou
OTC) se multiplicaram de maneira radical, passando de menos de US$100
trilhões para US$500 trilhões, ou três vezes o valor de todos os ativos
financeiros registrados. Os OTCs são negociados fora das bolsas de valorese são sujeitos a pouca regulamentação e nenhuma exigência de reservas. A
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maioria não aparece nos balanços dos bancos. As oportunidades para
negociar derivativos alimentaram o que hoje é conhecido como “sistema
financeiro nas sombras”, em grande medida fora do alcance da
regulamentação, com o crescimento dos fundos hedge, das firmas de
participações privadas, dos fundos de capital de risco e “fundos urubu”
(vulture capital).”
Trata-se de um “castelo de cartas” insustentável, erguido pela
ganância em torno da obtenção do lucro financeiro fácil e rápido, e à revelia
da realidade ou de qualquer fiscalização ou controle público. A riqueza
financeira é criada do nada, “out of thin air” (do ar), alimentando fortunas
bilionárias, mas a um preço altíssimo à sociedade. Dada a condição
essencialmente insustentável de tal jogatina especulativa, de forma periódica
a sociedade é convocada para salvar o “castelo de cartas” montado, o que é
feito através da utilização crescente de dinheiro público para cobrir prejuízos
financeiros privados.
A razão dos bancos precisarem ser periodicamente salvos pelo
poder público pode ser melhor compreendida quando se tem em mente que,
por estupendo que tenha sido o aumento da dívida pública nos últimos anos,
ainda maior vem sendo o endividamento do setor financeiro privado. Nos
EUA, por exemplo, o endividamento público encontrava-se, em 2008, em
60% do PIB americano, mas o endividamento do setor financeiro já se
encontrava em 119% do PIB (fonte: Gérard Duménil e Dominique Lévy).
Tais operações de salvamento conduzem à necessidade dos
estados providenciarem a emissão de novos títulos da dívida pública, o que
realimenta o processo de especulação, já que os títulos são apropriados pelo
sistema financeiro e negociados, aumentando-se ao mesmo tempo os custospara toda a sociedade mediante pagamento de juros e encargos sobre essa
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dívida.
O maior problema é que se torna cada vez mais difícil salvar a
ciranda da especulação desenfreada, pois a economia real tem seus limites.
Um limite bastante objetivo é o seguinte: a partir de determinado ponto,
torna-se impossível ao estado extrair ainda mais riqueza, sob a forma de
tributos, da sociedade, pelo desaparecimento de qualquer excedente e pela
estagnação (ou mesmo contração) da economia, o que leva à interrupção do
fluxo de riqueza em favor do sistema financeiro. Tal ponto já está sendo
atingido, por exemplo, em alguns países europeus, como a Grécia. No
processo, entretanto, toda a ilusória riqueza representada por papéis
inventados e negociados pelo sistema especulativo, sem contrapartida na
economia real, dissolvem-se no ar de onde vieram.
A sociedade é mantida como refém da jogatina especulativa, pois
no atual cenário, se esta quebrar de forma súbita, quebrará o sistema
financeiro como um todo, com reflexos funestos à economia real, que
depende do sistema financeiro para financiar produção e consumo.
Mas o enfrentamento de tal problema, o mais grave de nossa era,
constitui prioridade a políticos e governantes? Não, agem como se fosse
possível prosseguir com o descontrole do sistema financeiro e o
consequente endividamento público para sempre. E não o fazem por miopia
ou por desconhecimento da realidade, que é por todos eles bem conhecida,
mas em razão do compromisso que possuem de preservar, por tanto tempo
quanto seja possível, o mecanismo que hoje permite, como nunca antes visto
na história, a inversão de riquezas assombrosas aos super-ricos.
Como resultado, é a sociedade continuamente convocada paraarcar com sacrifícios adicionais. Como resultado, não obstante a produção
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excepcional de riqueza, tanto real quanto fictícia (papéis sem qualquer
espécie de lastro), são os trabalhadores intimados a se desfazer dos poucos
direitos que possuem.
Prioritário a políticos e governantes torna-se apresentar e aprovar
projetos de lei para eliminar direitos trabalhistas, e não criar regras rígidas
capazes de conter os excessos especulativos do sistema financeiro, ou rever
o sistema tributário injusto, que penaliza os mais pobres.
5.6) Trabalhadores ficando para trás
Insista-se que no Brasil os trabalhadores já vêm, sem saber,
abrindo mão de muitas coisas, não sendo recompensados de forma
minimamente equitativa pela riqueza adicional que vem sendo por eles
gerada.
Nesse sentido, vale repetir aqui a informação apresentada no
capítulo 3, com base em dados do Bureau of Labor Statistics, relativa à
variação do custo da hora de trabalho na indústria em todo o mundo, de
1997 a 2009. Segundo o levantamento, dos 34 países analisados, o Brasil
apresentou a segunda menor variação no período, passando de 7,11 dólares
em 1997 para 8,32 em 2009, o que equivale a 17,02%, percentual superior
apenas a Taiwan, e muito menor que a variação ocorrida em todos os demais
países, como México, 63%; Argentina, 36,47%; Polônia, 139,62%; Filipinas,
31,58%; Irlanda, 127,52%; Coreia, 50,74%; República Tcheca, 245%;
Espanha, 99%; Portugal, 87,30%, etc.
As circunstâncias acima são apenas o indício de uma realidade
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ainda mais profunda. De fato, no período de 1995 a 2004, a participação dos
salários - não apenas o salário da indústria - no PIB esteve em permanente
queda, enquanto a participação dos lucros permaneceu estável, e a
participação dos impostos indiretos cresceu88.
De 1950 até 1990, o índice de produtividade do trabalho e o
salário médio real sempre mantiveram certo equilíbrio, permanecendo
próximos um do outro. A partir de 1990, entretanto, o salário médio real
entrou em declínio, enquanto a produtividade continuou em tendência
ascendente (em maior ou menor grau, conforme o ano), surgindo um fosso
entre ambos. Particularmente no período de 2002 a 2009, os ganhos de
produtividade sempre estiveram acima do salário médio real89.
Isso significa que a riqueza a mais produzida pelo trabalho
humano, representada pelo acréscimo de produtividade, não vem sendo de
forma equitativa repassada aos trabalhadores. Produz-se mais riqueza, mas
os trabalhadores recebem menos.
Sobre o tema já alertou, também, o IPEA:
“Salários não acompanham recuperação econômica, diz Ipea
(…)
Apesar do aumento da produtividade registrado após a crise
financeira internacional, os lucros com o crescimento não estão sendo
repassados aos salários dos trabalhadores brasileiros. Esta foi a conclusão à
que chegou uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea), divulgada nesta quarta-feira.
(…)
88 fonte: IBGE, apud Ricardo Dathein.89 fonte: José Eustáquio Diniz Alves e Miguel A.P. Bruno, com base em dados do IBGE e
IPEADATA.
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De acordo com Pochmann, o não repasse dos ganhos com
produtividade para os salários causa um efeito negativo para o Brasil: a
baixa participação dos salários na comparação com o Produto Interno Bruto
brasileiro.
'Isso é péssimo para o Brasil. Veja que, em países desenvolvidos,
a participação da renda obtida com salário no PIB é cerca de dois terços. No
Brasil, isso não chega a 50%.90 '”
O extraordinário é que tal processo persiste não obstante o
enorme crescimento econômico experimentado pelo país nos últimos anos,
com a geração de riqueza - e lucros - em patamar sem igual na história do
país.
O ano passado, 2010, foi particularmente propício à ampliação de
fortunas, como dá conta a seguinte reportagem91:
“2010, o ano dos lucros fantásticos.
A demanda interna forte e a alta de preços de matérias-primas
puxaram em 2010 os lucros das empresas, que cresceram 32,2% sobre o
ano anterior. Numa amostra de 59 companhias com ações em bolsa, as
petroquímicas, os bancos e as construtoras lucraram como nunca.
No ano passado, 59 empresas do Ibovespa tiveram ganho de R$
167 bi, alta de 32%.
O vigor da demanda interna e a recuperação de preços
internacionais das commodities impulsionaram os lucros das empresas90 Em http://noticias.terra.com.br/interna/0,,OI4415756-EI8177,00.html91 Em O Globo, 02/04/2011.
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brasileiras em 2010. Levantamento da Austin Rating, com base nos balanços
das companhias de capital aberto que compõem o Ibovespa (índice que
reúne as ações mais negociadas na bolsa de valores), mostra que, juntas,
essas empresas acumularam lucro líquido de R$ 167,4 bilhões no ano
passado, um salto de 32,2% sobre os ganhos do ano anterior, que somaram
R$ 126,6 bilhões. A rentabilidade dos negócios variou menos: subiu de
13,3%, em 2009, para 14,2%”.
A qualquer ser racional mostrar-se-ia sumamente ilógico que,
logo após o encerramento de um “ano de lucros fantásticos”, venha a se
discutir um projeto de lei que propõe a eliminação, em termos práticos, do
direito do trabalho, e venha a se permitir o avanço no Congresso Nacional de
outros projetos para a supressão de direitos sociais, vale dizer direitos dos
mais pobres. Se os lucros estão sendo fantásticos, não seria natural também
aumentar, ainda que um pouquinho que seja, também os direitos dos
trabalhadores?
Claro que a racionalidade que está em operação aqui é de outro
tipo, e nada deve à lógica, mas sim à ganância sem limites. O processo que
permitiu o surgimento e ampliação de super-fortunas conhece apenas uma
direção, que é a de sempre buscar mais, acumular mais riqueza e poder.
Incapaz de aproveitar os “lucros fantásticos” de um ano, imediatamente
pretende a superação de tal recorde com a obtenção de lucros ainda mais
fantásticos no futuro. E a eliminação de direitos trabalhistas é um passo
importante de tal estratégia.
Essa estranha filosofia - os lucros podem aumentar
estupendamente, mas os direitos trabalhistas devem diminuir - se sustenta, é
claro, graças à conivência de governantes e dos “especialistas emeconomia”, que transformam habilmente aquilo que é interesse peculiar dos
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super-ricos em “imperativo econômico” a ser aceito por toda a sociedade.
Veja-se, nesse sentido, a opinião do atual presidente do Banco
Central com relação às pretensões dos trabalhadores em 2011, poucos
meses após o término do “ano dos lucros fantásticos”92:
“Salário é 'um risco muito importante' para a inflação, afirma BC
O Banco Central divulgou nesta quarta-feira seu relatório
trimestral de inflação, o documento mais amplo e aprofundado com análises
do BC, em que faz previsões mais pessimistas e aponta o salário dos
trabalhadores como “um risco muito importante para a dinâmica dos preços”
nos próximos meses.
No documento, a diretoria do BC diz que os salários preocupam
porque haverá muitas negociações de reajustes no segundo semestre,
momento em que a inflação, no acumulado em doze meses, estará acima do
limite máximo autoimposto pelo governo. Afirma ainda que a correção
prevista do salário mínimo para os próximos anos pode ter impacto nos
preços.
No projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2012 que
mandou ao Congresso em abril e pode ser votada nesta quarta-feira na
Comissão Mista de Orçamento, o governo propôs um mínimo de R$ 616 no
ano que vem. O valor resulta de uma fórmula: crescimento econômico do
Brasil em 2010 mais inflação. No total, reajuste de 13% dos R$ 545 atuais.
No relatório, o BC diz ainda que o mercado de trabalho está
aquecido, com taxa de desemprego em patamar historicamente baixo e
92 Em http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=17993
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“substanciais” aumentos salariais. E que isso também pode ter impacto
inflacionário.
“Um aspecto crucial em ciclos como o atual é a possibilidade de
que o aquecimento no mercado de trabalho leve à concessão de aumentos
reais dos salários em níveis não compatíveis com o crescimento da
produtividade, o que, de acordo com algumas evidências disponíveis,
aparentemente tem ocorrido em certos setores”, afirma.
No documento, o BC apresenta previsões de inflação futura, com
base em cenários distintos. No chamado cenário de referência, a taxa de
juros de 12,25%, a maior do planeta, fica congelada daqui até o fim do ano
que vem. Neste caso, a inflação seria de 5,8% em 2011 e de 4,8% em 2012.
Os dois valores estão acima do calculado no relatório trimestral de março
(5,6% e 4,8%, respectivamente).
No cenário de “mercado”, o BC segue as apostas do “mercado” e
continua a subir a taxa de juros. Neste caso, a inflação seria de 5,8% este
ano e de 4,9%, no próximo. Em março, as previsões eram de 5,6% e 4,6%.”
Ou dito de outra maneira: os “lucros fantásticos” de 2010, no
entender do Banco Central, não devem ser apropriados, sequer em uma
pequena parcela que seja, pelos trabalhadores, pois isso irá aumentar a
inflação. De modo que o melhor, para o Banco Central, é que os lucros
fantásticos de 2010 permaneçam nas mãos dos super-ricos, cuja
participação no mercado de consumo é muito pequena, e não impactará a
inflação.
Não é extraordinário como tal “ortodoxia econômica” molda-secomo uma luva aos interesses dos mega-ricos?
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A propósito, os argumentos apresentados pelo Banco Central
são, é claro, falsos. O reajuste de salários pretendido pelos trabalhadores
não é o início de um ciclo inflacionário, mas o término dele: é porque os
preços já aumentaram, e os salários não (de modo que os assalariados já
tiveram seu poder de compra comprometido), que os trabalhadores exigem
reajustes. Os trabalhadores via de regra perseguem a inflação que já existe,
eles não a criam.
Em acréscimo, cabe destacar que muitos dos aumentos salariais
apontados como sendo de “aumento real acima da inflação” efetivamente
não o são. Costuma-se chamar “aumento real” a variação que exceder aos
índices oficiais de inflação. Desprezando-se o fato de que há diferenças, por
vezes importantes, entre os diversos índices que calculam a inflação no
Brasil, há de ser lembrado que reajustes salariais nascem no contexto de
negociações coletivas complexas, e podem se referir a perdas pretéritas
acumuladas e nunca compensadas, ou ao desaparecimento de benefícios
antes gozados, entre outras variáveis.
Os reajustes salariais podem conduzir, de fato, a um novo ciclo
de aumento da inflação, mas isso ocorre em razão do interesse empresarial
de tentar repassar novamente, mediante outra elevação de preços, o custo
aos consumidores.
Trata-se de um jogo de “cabo de guerra”: as empresas elevam os
preços, buscando recompor margens de lucro ou alavancar o investimento, e
os trabalhadores (que são também os consumidores), vendo desgastados os
seus salários pela inflação, pleiteiam reajustes salariais. Se obtido o reajuste
salarial, as empresas elevam outra vez os preços, para compensar o custotrabalhista adicional sem afetar a recomposição da margem de lucro ou
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investimento antes promovida.
Nesse “cabo de guerra” pode-se ver, pelas declarações acima
transcritas, de que lado fica a torcida do presidente do Banco Central.
De modo que o sentido das declarações do Banco Central é,
além de desinformar, convencer os trabalhadores a de bom grado suportar
sozinhos o custo da inflação.
Os pedágios, por exemplo, aumentaram recentemente no estado
de São Paulo em torno de 10%, sem que os trabalhadores do setor tenham
obtido reajuste salarial nem antes nem depois da elevação do preço público.
Um único pedágio, na rodovia de Araraquara a Ribeirão Preto - distância de
90 Km - custa agora onze reais. Há pedágios nas rodovias Anchieta e
Imigrantes que chegam a custar, atualmente, mais de vinte reais.
Trata-se aqui de um aumento autorizado pelo governo, e com
fortes reflexos inflacionários, pois as empresas que transportam seus
produtos pelas estradas paulistas terão que repassar integralmente esse
custo adicional aos preços, de modo que quem pagará o custo adicional, em
última instância, são os consumidores.
Mas você não ouve o presidente do Banco Central fazer um apelo
para que não sejam autorizados reajustes de pedágios e de outros preços
públicos. O que ouvimos é o presidente do Banco Central pedindo que os
trabalhadores paguem a conta.
Trata-se, em última análise e para além das falsas aparências, de
uma opção ideológica e não técnica ou científica.
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O mesmo tipo de viés ideológico aparece no posicionamento de
certas autoridades federais com relação ao imposto sobre grandes fortunas,
previsto pelo art. 153, VII, da Constituição Federal, e que jamais foi recolhido
por falta de regulamentação:
“Secretário descarta criação de imposto sobre grandes fortunas
10/05/2011 - 18h23
Brasília – A criação do Imposto sobre Grandes Fortunas não está
em discussão no governo, assegurou hoje (10) o secretário executivo do
Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa. Em seminário na comissão especial
da Câmara dos Deputados que discute a reforma tributária, ele afirmou que
a medida criaria distorções e estimularia a fuga de riquezas do país.93”
Enquanto o número de bilionários cresce no país, a tributação
sobre suas gigantescas fortunas - exigida por decisão do poder constituinte
originário - é descartada pelos “técnicos” porque “estimularia a fuga de
riquezas”. Que interesse há em se manter mega-fortunas no país, se estas
não puderem se traduzir em benefício à coletividade através do pagamento
de impostos, entretanto, é algo que não se consegue compreender, e que
não é explicado.
Observe-se, também, que o zelo com os interesses dos super-
ricos é tamanho que, no dizer do secretário, a criação do imposto exigido
pela Constituição simplesmente “não está em discussão”. É portanto um
assunto tabu. O que está sim em discussão, como visto, é a eliminação de
direitos trabalhistas dos mais pobres.
Vejamos agora um exemplo concreto de como se traduz, na93 Em http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2011-05-10/secretario-descarta-criacao-de-
imposto-sobre-grandes-fortunas
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prática, a obtenção de um “ano de lucros fantásticos”, como foi o de 2010,
com a manutenção de um patamar trabalhista baixo e em processo de
declínio. Tomemos o caso da construtora MRV, que vem sendo saudada por
muitos como um exemplo a ser seguido de sucesso no mundo dos negócios:
“MRV tem lucro líquido 82,7% superior em 2010
Em 2010, a geração operacional de caixa atingiu R$ 795 milhões,
número 81,1% superior ao do ano passado
Resultado líquido da MRV Engenharia atinge R$ 634,5 milhões
no ano, com uma receita 83,4% superior à de 2009, alcançando R$ 3,021
bilhões. Companhia teve recorde de vendas no quarto trimestre.
Em 2010, a geração operacional de caixa atingiu R$ 795 milhões,
número 81,1% superior ao do ano passado.
As vendas contratadas no trimestre alcançaram R$ 1,149 bilhão
no último trimestre de 2010, número 3% superior ao registrado no mesmo
período do ano passado. Em todo o ano, as vendas somaram R$ 3,753
milhões, resultado 33% superior ao de 2009.
Os lançamentos atingiram R$ 1,852 bilhão no último trimestre. No
ano, o resultado soma R$ 4,604 bilhões, número 78% superior ao de 2009.
"O ano de 2010 foi recorde em volume de lançamentos", aponta o relatório
divulgado pela companhia.
"Apesar de 2010 ter sido um ano de mudança de ciclo
operacional em função do aumento do tamanho dos projetos, nossosvolumes trimestrais anualizados de unidades lançadas atingiram, no quarto
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trimestre, 70 mil unidades."
A empresa comemorou o aumento do piso no programa Minha
Casa Minha Vida, responsável por boa parte do crescimento da companhia.
"Os efeitos são positivos e nos dão confiança tanto em relação às
perspectivas para este segmento, bem como em relação à nossa
capacidade de demonstrar crescimento sustentado", afirma.94”
Há, entretanto, por trás de tal fachada luminosa de sucesso e de
lucros extraordinários, um outro lado, pouco comentado:
“MP flagra trabalho degradante em obras da MRV pelo PAC
A empresa está construindo 640 apartamentos na cidade pelo
programa Minha Casa, Minha Vida
SÃO PAULO – A Procuradoria Regional do Trabalho (PRT) em
Campinas flagrou 44 trabalhadores em situação degradante de trabalho em
uma das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do
governo federal, na cidade de Americana, na região de Campinas.
A obra, incluída no programa Minha Casa, Minha Vida, está sob
responsabilidade da MRV Engenharia e Participações. A empresa está
construindo 640 apartamentos na cidade.
A PRT iniciou as investigações no dia 10 de março. Agora,
auditores fiscais do trabalho finalizam relatórios sobre as condições
encontradas. Os documentos serão encaminhados, em duas semanas, para
o Ministério Público do Trabalho e para o Ministério do Trabalho e Emprego.94 Em http://www.brasileconomico.com.br/noticias/mrv-tem-lucro-liquido-827-superior-em-
2010_99648.html
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As irregularidades foram constatadas em dois alojamentos de
empreiteiras que prestavam serviços no empreendimento Beach Park, cujas
obras eram conduzidas pela MRV, responsabilizada no caso.
De acordo com a PRT, 44 trabalhadores, naturais do Maranhão e
de Alagoas, viviam em alojamentos superlotados, sem ventilação, com fiação
exposta e em condição precária de higiene. Em um dos alojamentos, havia
um só banheiro para 22 pessoas. A locação das casas e o fornecimento de
camas, colchões e armários estavam a encargo da MRV.
A PRT encontrou também indícios de aliciamento de mão de
obra, situação caracterizada pelo deslocamento de trabalhadores de um
estado a outro mediante falsas promessas. Os auditores fiscais constataram
ainda retenção de documentos e um trabalhador sem registro em carteira.
Parte dos trabalhadores estava sem receber salário. A fiscalização foi
encerrada na última semana.
Foram entregues pelos fiscais do trabalho 44 autos de infração à
MRV. A empresa teve de pagar os salários atrasados, a rescisão contratual
dos trabalhadores, fundo de garantia, multa, e arcar com as despesas de
transporte dos funcionários até suas cidades de origem95 .”
De modo que “lucros fantásticos” vem sendo obtidos, realmente,
mas em muitos casos à custa da pura e crua exploração dos trabalhadores,
mantidos em condição degradante, incompatível com a dignidade humana.
E ainda se pretende, agora, reduzir o número de direitos
95 Notícia de abril de 2011, em http://www.hojeemdia.com.br/cmlink/hoje-em-dia/noticias/economia-e-negocios/mp-flagra-trabalho-degradante-em-obras-da-mrv-pelo-pac-1.265654
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trabalhistas. Nesse passo, de degradante a condição de tais operários
passará para o quê? Quão pior pode se tornar a situação de trabalhadores
que já se encontram submetidos a tratamento degradante, não obstante a
empresa empregadora esteja experimentando lucros fabulosos? O que vem
abaixo de degradante? Bem, em prosseguindo a onda de reformas
“flexibilizadoras” supressoras de direitos, estaremos no Brasil bem perto de
descobrir. Mas desde já podemos ter uma certeza: os lucros serão mais
fantásticos ainda.
O resultado de toda a “racionalidade econômica” acima descrita,
que apresenta como muito natural a multiplicação de super-fortunas ao
mesmo tempo em que, não obstante o crescimento econômico do país, os
trabalhadores perdem direitos, está no fato do Brasil continuar a ser um dos
países mais desiguais do mundo. Dentre as maiores economias do mundo é
o recordista absoluto de desigualdade social.
Altas taxas de desigualdade traduzem-se, na vida de milhões de
brasileiros, em problemas bastante concretos, como acesso a serviços de
saúde deficientes, saneamento básico precário ou inexistente (metade dos
domicílios brasileiros, por exemplo, não possui acesso a rede de esgoto),
analfabetismo funcional, desestruturação familiar e abandono, criminalidade
elevada, etc.
Segundo o Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento, no seu “Informe Geral sobre Desenvolvimento Humano
para a América Latina e Caribe de 2010”, o Brasil, dentre os 23 países da
região, possui o terceiro pior índice de desigualdade (índice de gini96), na
frente apenas do Haiti e da Bolívia.
96 Índice criado em 1992 pelo estatístico Corrado Gini, utilizado como parâmetro internacionalpara medição da desigualdade de renda entre os países. Ele é constituído pela variaçãoentre 0 e 1, sendo que, quando mais perto de 1, mais desigual.
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O significado de tal ranking é agravado pelo fato de que o país da
América Latina com o melhor (mais baixo) índice de desigualdade é ainda
assim mais desigual que o país com pior índice de desigualdade da
Comunidade Européia, incluindo os países do Leste Europeu de menor
desenvoltura econômica. Ou seja, a América Latina é a região mais desigual
do mundo, e o Brasil é um de seus "campeões".
No Brasil, ainda segundo o PNUD, os 10% mais ricos ficam com
46,7% da riqueza, e os 10% mais pobres, com apenas 0,5%. De modo que:
“As condições de vida desiguais no Brasil corroem quase 1/5 do
padrão de desenvolvimento do país, segundo um relatório divulgado nesta
sexta-feira pelo PNUD. O estudo traz o cálculo do IDH-D (Índice de
Desenvolvimento Humano ajustado à Desigualdade) que 'penaliza' as
diferenças de rendimentos, de escolaridade e de saúde. Para o Brasil, esse
indicador que considera as disparidades é 19% inferior ao que leva em conta
as médias nacionais.
(...)
Esses dados demonstram que as disparidades, além de serem
um problema por si mesmas, têm efeitos graves no padrão de vida das
pessoas. Na América Latina, o problema adquire contornos mais dramáticos
por ter sobrevivido a uma série de políticas públicas ao longo das últimas
décadas – desde as de perfil mais intervencionista, como nos anos 50, até
as reformas de mercado nos anos 80 e 90. 'A desigualdade de rendimentos,
educação, saúde e outros indicadores persiste de uma geração à outra, e se
apresenta num contexto de baixa mobilidade socioeconômica', afirma o
relatório”97.
97 Em http://www.pnud.org.br/pobreza_desigualdade/reportagens/index.php?id01=3524&lay=pde
5/11/2018 Precarizar para crescer? - slidepdf.com
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A propósito, segundo relatório do Instituto Mundial para a
Investigação e Desenvolvimento Econômico da Universidade das Nações
Unidas (ONU-WIDER), 2% da população mundial concentram mais da
metade da riqueza do planeta.
Por tudo o que foi dito conclui-se que o Brasil, não obstante tenha
se tornado uma das economias mais importantes do mundo, tem revertido a
maior parte do excedente de riqueza produzida em favor dos mais ricos, e
particularmente dos super-ricos, cujo número não para de aumentar, ao invés
de beneficiar de forma um pouco mais justa a massa da população e os
trabalhadores.
5.7) O desafio atual dos trabalhadores brasileiros
Entretanto, há de ser dito que os trabalhadores não são apenas
vítimas, mas também sujeitos de sua própria história, e precisam - não há
outra opção - assumir responsabilidade para com sua própria condição.
Como disse Sartre, “o importante não é o que se faz de nós, mas o que nós
próprios fazemos daquilo que nos foi feito98”.
Nas últimas décadas (1990 e 2000), os trabalhadores brasileiros
tem se mantido, como revelam os números antes mencionados, entre os
mais “dóceis” e conformados do mundo frente aos interesses e aos
privilégios da elite econômica. As reivindicações dos trabalhadores têm sido
acanhadas, não acompanhando sequer a elevação dos lucros e da
produtividade. O número de greves, por exemplo, é baixo, em torno de 500
por ano (para um universo de 44 milhões de trabalhadores com carteira98 L’important n’est pas ce l’on fait de nous, mais ce que nous faisons nous-mêmes de ce
qu’on a fait de nous.
5/11/2018 Precarizar para crescer? - slidepdf.com
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anotada), e em processo de declínio. Não há solidariedade entre
trabalhadores de categorias diferentes.
Como resultado, os reajustes que vem sendo obtidos pelos
trabalhados brasileiros são bastante inferiores aos conquistados por
trabalhadores de outros países, não obstante tais nações tenham crescido
menos que o Brasil no mesmo período.
Enquanto isso ocorre com a massa trabalhadora, a remuneração
paga aos executivos de alto escalão brasileiros (CEO, chairman, diretores e
presidentes de companhias, etc.), que dirigem as empresas, atinge o
patamar mais alto do mundo:
“Brasil surpreende com os maiores salários do mundo no alto
escalão
Remuneração: Ranking internacional coloca São Paulo como a
cidade que paga melhor os executivos da indústria.
Um ranking sobre salários realizado com executivos do alto
escalão em São Paulo, Nova York, Londres, Cingapura e Hong Kong
apresenta um resultado surpreendente: os brasileiros são os mais bem
pagos. O levantamento contempla o salário fixo e, portanto, não inclui os
bônus e o décimo terceiro salário. Mesmo assim, o holerite de um CEO do
setor industrial na capital paulista chega, em média, a US$ 620 mil por ano e
o de um diretor US$ 243 mil - em Nova York eles recebem, respectivamente,
US$ 574 mil e US$ 213 mil.
O resultado da pesquisa deixou os próprios executivosadmirados. "Os estrangeiros não faziam ideia de que o país pagava tão bem.
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Nem mesmo os brasileiros que estão trabalhando no exterior tinham essa
noção", diz Adriana Prates, presidente da Dasein Executive Search, que
conduziu o levantamento com 80 profissionais do alto escalão. Entre os
entrevistados estão CEOs e diretores da indústria automotiva, siderúrgica,
metalúrgica, mineradora, construção entre outras. São empresas com entre
1 mil até 15 mil funcionários. "No mercado financeiro esse valores são ainda
mais altos", diz. Vale lembrar, segundo a headhunter, que a parte variável da
remuneração é bastante representativa no Brasil. "Em alguns casos, ela
chega a 23 salários extras por ano.99”
Isso significa que as mesmas pessoas - presidentes, diretores e
executivos de alto escalão - que clamam publicamente pela eliminação de
direitos trabalhistas, medida que justificam nome da “competitividade”, e que
negam aos funcionários reajustes salariais justos, estão a fixar suas próprias
remunerações em valores estratosféricos, os mais altos do mundo.
A surpreendente “docilidade” dos trabalhadores brasileiros diante
da explosão dos lucros explica, inclusive, a ousadia adicional da elite
econômica de buscar obter, além da apropriação de lucros fantásticos e
crescentes, a redução de direitos trabalhistas através de reformas
legislativas precarizantes, algo que seria inimaginável algumas décadas
atrás. É que a apatia da defesa dos próprios direitos, por parte dos
trabalhadores, sinaliza fraqueza e encoraja o lado adverso a avançar. Pois
no mundo capitalista, quem não defende seus direitos, perde-os. Quem não
luta por seu espaço, é desalojado. Quem não reivindica um quinhão mais
justo enquanto a economia produz “lucros fantásticos”, não só nada ganha
de acréscimo, como ainda perde o pouco que tem.
99 Valor Econômico, 12/10/2010, disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/selecao-diaria-de-noticias/midias-nacionais/brasil/valor-economico/2010/12/10/brasil-surpreende-com-os-maiores-salarios-do-mundo
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A riqueza que vem sendo produzida no Brasil, nos últimos anos,
autorizaria em termos estritamente econômicos não apenas a manutenção
do patamar de direitos trabalhistas, mas sua ampliação. Que os
trabalhadores não estejam a exigir com contundência mais direitos é
circunstância que foi corretamente interpretada pela elite econômica - e pelos
vassalos políticos que a servem - como sinal de fraqueza e de incapacidade
de organização à resistência coletiva. Por esse motivo a elite se aproveita do
momento para tentar ampliar ainda mais sua vantagem, reescrevendo em
seu favor o pacto social construído no país na década de 1980, após a
redemocratização e a promulgação da Constituição de 1988.
É possível, entretanto, que através do excesso de cobiça tenha a
elite acabado de plantar a semente para a reação dos trabalhadores, e para
a “mudança da maré”. Pois uma coisa é o trabalhador humilde não perceber
que os super-ricos estão enriquecendo como nunca, dada a ausência de
acesso a tal informação (que não é objeto de destaque pelos grandes
veículos de comunicação); outra bem diferente é sentir no próprio bolso os
efeitos da diminuição dos direitos. Uma coisa é não saber que o número de
bilionários brasileiros cresce sem parar, e que quase metade do orçamento
da União Federal vai parar nas mãos das pessoas mais ricas do planeta (as
quais, através de uma pitoresca estratégia semântica, não são mais
chamadas de especuladores ou aproveitadores, e sim de “investidores”);
outra é perceber que antes se gozava 30 dias de férias, e agora se goza 10,
e que antes se trabalhava 8 horas por dia, e agora se trabalha mais de 10
horas, sem incremento salarial significativo ou com diferença para menos
(após ter sido o trabalhador dispensado do emprego em que laborava 8
horas, e recontratado com salário menor e jornada maior por empresa
terceirizada, voltando a prestar o mesmo trabalho).
Para os trabalhadores brasileiros, o desafio atual é claro: não é
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mais possível, inclusive do ponto de vista da preservação dos direitos que
ainda possuem, continuar na inação ou mesmo na defensiva. É preciso que
partam para o ataque, e exijam não a manutenção dos direitos atuais, mas a
conquista de novos e mais amplos direitos, vale dizer, que exijam um
quinhão maior da riqueza a mais que já foi produzida e da que vem sendo
produzida, mas que não está sendo distribuída.
Enfim, já que a elite tomou a iniciativa de buscar a reconfiguração
do pacto social pós-redemocratização (que já lhe era bastante favorável), e
já que o egoísmo da elite brasileira não mais reconhece limites, resta aos
trabalhadores, sob tal pressão insuportável, descobrir em si mesmos a
coragem e a força para fazer o mesmo e reescrever o pacto social, quem
sabe organizados coletivamente - com o expurgo de algumas lideranças que
os prejudicam - em torno do lema “mais direitos já”.
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CAPÍTULO 6: Direito do trabalho, alavanca para o
desenvolvimento
6.1) Crescer sem eliminar direitos: o “mau exemplo”
brasileiro dos últimos oito anos
Como mencionado no capítulo anterior, a quantidade de riqueza
que vem sendo produzida no mundo, há várias décadas, não possui paralelo
em qualquer outro período histórico (importante enfatizar: crescimento a rigor
exagerado, eis que viabilizado mediante degradação ambiental igualmente
sem precedentes).
Nos últimos oito anos, um dos países que mais tem contribuído
para tal crescimento da riqueza é justamente o Brasil, ao lado das demais
grandes potências econômicas emergentes: China, Índia e Rússia.
O Brasil deixou de ser a 13ª maior economia do planeta, ao final
do governo Fernando Henrique Cardoso, para se tornar ao final do governo
Lula a 7ª maior economia, ultrapassando Canadá, Itália e Coreia do Sul,
entre outros. Para alguns, aliás, o país já teria se tornado a 5ª maior, e para
outros, poderá consolidar tal posição ainda em 2011, ultrapassando Reino
Unido e França.
Ou seja: pouquíssimos países no mundo tem crescido tanto
quanto o Brasil, nos últimos anos. Isso não é suposição, é um fato.
Aos porta-vozes da “flexibilização” eliminadora de direitos, há um
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aspecto embaraçoso que permeia tal pujante crescimento, motivo pelo qual
poucas vezes ele é lembrado: o Brasil alcançou esse rápido desenvolvimento
econômico sem mexer nos direitos trabalhistas.
Para pessoas que persistentemente apregoam como verdade
absoluta que “o Brasil precisa flexibilizar para crescer”, tal evidência é
profundamente inconveniente. Se não há como crescer sem flexibilizar, como
é que o Brasil já cresceu?
Os fatos revelam, portanto, justamente o contrário. É
perfeitamente possível a um país crescer economicamente, e crescer muito,
sem reduzir o patamar de direitos trabalhistas. E a maior prova disso, de fato
a prova definitiva e incontestável, é que isso já foi feito.
Todo ano, entretanto, os paladinos do neoliberalismo insistem na
mesma profecia: o Brasil não irá crescer se não flexibilizar direitos
trabalhistas. José Pastore, em particular, vem dizendo isso há décadas, sem
qualquer constrangimento em ser desmentido ano após ano.
Ao final de 2008, por exemplo, ano de gravíssima crise financeira
global, repetiram eles o mesmo bordão: o Brasil precisa flexibilizar
urgentemente direitos trabalhistas, ou será engolfado pela crise. E o que
ocorreu? Não foram “flexibilizados” (eliminados) direitos trabalhistas naquele
ano, e apesar disso o desempenho brasileiro foi melhor que o esperado,
levando em conta a seriedade da crise mundial e o desempenho (bastante
pior) da média dos demais países do globo.
Ao final de 2009, e aproveitando-se do acanhado crescimento de
2009 (perfeitamente explicado pela crise financeira), repetiram os mesmosoráculos seu mantra: “o Brasil não irá crescer se não flexibilizar”. E o que se
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sucedeu? O Brasil cresceu em 2010 de forma extraordinária, superando
todas as expectativas. E sem eliminar direitos trabalhistas.
Agora, em 2011, repete-se de novo a mesma pregação,
contando-se que o ambiente político tenha se tornado mais propício a
reformas flexibilizadoras e precarizantes, não obstante as “profecias”
neoliberais tenham sido refutadas repetidas vezes.
Enfim, não possuem os arautos da flexibilização qualquer
compromisso com fatos ou evidências. Sua pregação é de cunho
estritamente ideológico, com vista à promoção dos interesses da elite
econômica. Estarem corretos ou não, para eles, é indiferente.
Entretanto, o que os fatos ocorridos nos últimos 8 anos no Brasil
comprovam é que o patamar de direitos trabalhistas hoje existente não
constitui qualquer empecilho ao crescimento econômico. Se haverá
efetivamente crescimento ou não, isso é circunstância que depende de
outros fatores, tais como investimentos em infraestrutura, aumento da
produtividade, manutenção da alta dos preços das commodities no mercado
internacional, crédito fácil, etc. Essa é a lição da história recente no país.
Uma edição de março de 2011 da revista conservadora “The
Economist”100 protagonizou, de forma particularmente clara, a contradição de
se sustentar um discurso flexibilizador à vista de evidências que demonstram
a sua desnecessidade.
A revista inglesa continha duas reportagens sobre o Brasil, que
não se articulavam entre si, como se dissessem respeito a realidades - ou
mesmo a países - completamente diferentes.
100 Disponível em: http://www.economist.com/node/18332906
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A primeira reportagem, que foi, como era de se esperar, replicada
por diversos veículos de comunicação nacionais, anunciava: “Employer,
beware – An archaic labour code penalises business and workers alike”
(Empregadores, cuidado - Um código trabalhista arcaico penaliza tanto os
negócios quanto os trabalhadores). Mencionava-se na matéria que as leis
trabalhistas brasileiras “são extraordinariamente rígidas: elas impedem que
patrões e empregados negociem mudanças nos termos e condições, mesmo
que elas sejam mutualmente aceitas”.
Em outra reportagem na mesma edição, era dito sobre o Brasil:
“Statistics and lies – very big, but not the world´s fifth-largest economy quite
yet .” (Estatísticas e mentiras - muito grande, mas ainda não a quinta maior
economia”. Nela dizia-se que o “Brasil ainda não entrou nos cinco grandes
no último ano. Mas é bem possível que o faça neste ano”.
Aparentemente, não chamou a atenção do The Economist que a
manutenção de um “código trabalhista arcaico” não impediu o Brasil de
crescer a ponto de chegar às raias de ser uma das cinco maiores economias
do mundo. Nenhuma ilação foi feita a partir dos dois fenômenos, como se um
não tivesse nada a ver com o outro. Ou talvez o The Economist acredite -
embora não o tenha dito - que se o Brasil se livrar do “código trabalhista
arcaico”, que não foi embaraço para se chegar quase à quinta colocação,
conseguirá ultrapassar China e Estados Unidos como a economia mais
poderosa do mundo, o que soa como um completo disparate.
Dado que os fatos lhes são adversos, precisam os apóstolos da
“flexibilização” buscar socorro de outras fontes para sustentar seus
argumentos, de modo a emprestar ao menos uma aparência de verdade aoque dizem.
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Um desses “vernizes de credibilidade” é a frequente menção ao
Relatório Global de Competitividade, elaborado anualmente pelo Fórum
Econômico Mundial. Aliás, que tal Fórum possua qualquer credibilidade em
questões dessa natureza é ponto sumamente questionável - já que se trata,
a rigor, de um clube (é uma associação privada) com sede em Davos (Suiça)
para o qual são convidados apenas os grandes bancos, os bilionários de
toda a parte e os governantes simpáticos à causa dos super-ricos - mas
sobre isso não insistirei no momento.
Merece ser mencionado que, entre as fontes de dados utilizadas
para confecção desse Relatório, encontra-se uma “ pesquisa de opinião de
executivos conduzidas nos países através das instituições parceiras locais,
no caso do Brasil, a Fundação Dom Cabral e o Movimento Brasil
Competitivo”. De modo que uma das fontes são as impressões subjetivas,
aceitas como verdade absoluta, da própria parte interessada, o que a mim
sugere que o cuidado com a isenção em tal estudo é bastante baixo.
De qualquer forma, segundo a última versão desse Relatório, o
Brasil estaria tão somente na 53ª posição, o que “comprovaria”, segundo a
pregação neoliberal, a necessidade premente do Brasil implementar
reformas buscando o aumento da competitividade, incluindo a “flexibilização”
(eliminação) de direitos trabalhistas.
Vejamos, entretanto, alguns dos países que, segundo o mesmo
Relatório, estão à frente e seriam mais “competitivos” que o Brasil, vale dizer,
estariam em melhor condição de crescer economicamente que o Brasil:
Qatar (14º), Brunei (28º), Kuwait (34º), Malta (51º) e Sri Lanka (52º).
Já a China, principal motor propulsor da economia mundial nos
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dias atuais, estaria não nas primeiras colocações, mas na 26ª, atrás do
“competitivo” Qatar.
A seguir tal recomendação, o Brasil precisaria se esforçar um
pouco mais para se tornar uma economia tão “competitiva” quanto o
minúsculo arquipélago de Malta e quanto Sri Lanka, um dos países mais
pobres da Ásia.
Diante de um despropósito assim, conclui-se que a pertinência de
tal “estudo” (justifica-se, agora, as aspas) é não apenas nula, mas risível.
A má posição dada pelo Fórum Econômico Mundial ao Brasil,
entretanto, não é gratuita. De fato, o Brasil tornou-se um “mau exemplo”, sob
a ótica neoliberal, ao resto do mundo, por ser um país que está a crescer
economicamente de forma expressiva sem adotar - até o momento - a
propugnada agenda de reformas “flexibilizadoras” (eliminadoras) de direitos
sociais.
Claro que a contundência de tal “mau exemplo” é relativa, pois
embora o Brasil tenha crescido (e provado ao mundo que se pode crescer)
sem eliminar direitos - o que, da perspectiva de Davos, é ruim e precisa ser
corrigido, para que o exemplo não venha a ser seguido por outros -, o
patamar de direitos já era, desde o início, mais baixo que o da média dos
demais países com economia similar, especialmente em termos salariais.
Afinal, como antes visto, dentre as maiores economias do mundo o Brasil
possui um dos salários mais baixos.
Vale lembrar novamente que um “bom exemplo”, até
pouquíssimos anos atrás, era a Espanha, que se empenhou na eliminaçãode direitos trabalhistas através de reformas legislativas, tornando-se alvo de
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rasgados elogios internacionais, e agora enfrenta desemprego recorde e
desempenho econômico débil. E o país continua sendo, na perspectiva
neoliberal, um “bom exemplo” de competitividade para o Brasil, pois figura à
sua frente na 36ª posição do ranking do Fórum, supondo-se com isso que a
manutenção de uma taxa de desemprego superior a 20% torna, aos autores
do “estudo”, um país ainda mais “competitivo”.
Como “estímulo” para que o Brasil venha a corrigir o seu “erro” de
insistir em crescer sem flexibilizar a legislação trabalhista, o Fórum
Econômico Mundial fez o país perder, no “estudo” em questão, 16 posições
do relatório de 2010 para o de 2011 no ranking referente à “eficiência no
mercado de trabalho”, um dos vários elementos utilizados no Relatório para
compor o ranking final. O Relatório chega a mencionar, inclusive, um
“aumento da rigidez do emprego”, com a perda em razão desse item de
outras 18 posições, de 2010 para 2011, o que é extraordinário e significativo,
pois não houve nesse período qualquer mudança na legislação brasileira
alterando, para mais ou para menos, a “rigidez do emprego”.
Enfim, trata-se de uma análise que pouco tem de objetiva, e
apenas reflete os anseios e interesses da elite econômica nacional, cuja
opinião, colhida através de entrevistas, constitui fonte privilegiada de dados
para o “estudo”. O suposto aumento da “rigidez do emprego”, de 2010 para
2011, não ocorreu em parte alguma senão na mente dos membros da elite
econômica. Essa mentalidade já anunciava o avanço das propostas
legislativas flexibilizadoras, que ganharam novo ímpeto no início de 2011,
com o aumento da bancada empresarial no Congresso Nacional.
Quanto às perspectivas de crescimento futuro para o Brasil, elas
são animadoras ou, pelo menos, melhores que a média dos demais países.
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Sabe-se que o mundo se encontra sob a ameaça de mergulhar
em uma crise recessiva global, reflexo da crise financeira de 2008, a qual foi
temporariamente contornada, mas não solucionada, com o explosivo
endividamento público, dado que vultosas quantias foram empregadas pelos
bancos centrais para salvar o sistema financeiro. Agora, entretanto,
praticamente se esgotou a possibilidade dos estados continuarem
absorvendo as perdas e os títulos podres do mercado financeiro, estando
países inteiros a entrar em colapso econômico, como a Grécia, sob o peso
da dívida.
Nesse contexto, todos perderão, e a Europa mais do que outros.
Não obstante, o Brasil possui “trunfos” capazes de contrabalançar perdas
maiores, a começar com a realização das vindouras Copa do Mundo e
Olimpíadas, em razão das quais, até 2016, ano da Olimpíada, está
praticamente garantida grande geração de empregos diretos e indiretos na
construção civil (além do turismo, hotelaria, etc.), que é historicamente o
setor que mais cria postos de trabalho no país. A tendência é reforçada,
aliás, pelas bilionárias obras relacionadas ao PAC (Programa de Aceleração
do Crescimento).
Na realidade, segundo o Dieese (Departamento Intersindical de
Estatística e Estudos Socioeconômicos), a indústria da construção civil está
enfrentando atualmente aguda carência de mão de obra, o que contraria por
completo a necessidade de “flexibilização” como forma de facilitar
contratações.
O Brasil também vem sendo beneficiado pela alta do preço das
commodities agrícolas e minerais, das quais é um dos maiores produtores e
exportadores do mundo. O Brasil é o maior exportador do mundo de minériode ferro, carne de gado e de frango, açúcar e café. Quanto ao futuro, a
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Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação já anunciou,
recentemente, a perspectiva de que a tendência de alta persistirá na próxima
década101:
“FAO prevê uma década de alta volatilidade em commodities
Estudo indica que produtos agrícolas vão permanecer em alta até
2020 e que o papel do Brasil será ainda mais relevante
A próxima década será um período em que as commodities
agrícolas permanecerão com preços elevados e grande volatilidade no
mercado internacional. Neste cenário, o Brasil será um dos países mais
beneficiados, segundo estudo realizado pela Organização para Cooperação
e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em parceria com a Agência das
Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), intitulado Perspectivas
Agrícolas 2011-2020.
(...)
A expectativa é que os custos de alimentos, em média e em
termos reais, deverão subir até 50% no caso das carnes e 20% nos cereais
nos próximos anos. O Brasil, principal país exportador de carnes, com cerca
de 25% do mercado mundial, e boas perspectivas para o cultivo de milho,
por exemplo, tende a se destacar. “Essa década promete ser a grande
chance para o Brasil se destacar e melhorar alguns índices, como da
pecuária, que são defasados”, avalia Ramalho.
O estudo projeta um horizonte de desaceleração do crescimento
populacional, dólar fraco, preços de energia em alta e inflação moderada.
Entre os motivos que devem sustentar os preços em altos patamares,
destacam-se os custos de produção agrícola em ascensão e a queda no101 Em http://revistagloborural.globo.com/Revista/Common/0,,EMI241095-18077,00-
FAO+PREVE+UMA+DECADA+DE+ALTA+VOLATILIDADE+EM+COMMODITIES.html
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crescimento da produtividade. Além disso, as pressões sobre os recursos
naturais, principalmente água e terras, aumentaram.
(...)
No lado da demanda, o crescimento populacional e o aumento da
renda em grandes emergentes como China e Índia sustentarão compras
firmes de commodities. Arroz, carne, lácteos, óleos vegetais e açúcar
deverão ter os maiores aumentos de consumo.
O uso de matérias-primas agrícolas para biocombustíveis
manterá um "crescimento robusto". Até 2020, nada menos do que 30% da
produção de cana, 15% de óleos vegetais e 13% de grãos deverão virar
etanol e biodiesel, num contexto em que as elevadas cotações do petróleo
terminarão por viabilizar a produção de biocombustíveis mesmo sem os já
combatidos subsídios estatais.”
Tais previsões podem, é claro, não se confirmar inteiramente
caso a economia mundial ingresse em um período intensamente recessivo.
Mas mesmo nesse cenário, deve ser lembrado que a demanda por
commodities agrícolas, que são o forte da economia brasileira, serão menos
atingidas que, digamos, a produção de máquinas, aparelhos eletrônicos e
automóveis. Pois mesmo durante uma recessão as pessoas precisam comer,
ainda mais populações enormes como as da China e da Índia, e populações
cuja agricultura nacional é incapaz de suprir integralmente as necessidades,
como as da Europa. De modo que o Brasil se encontra em melhor posição
que a média dos demais países, com possibilidade de crescimento na
agricultura e pecuária, e consequente aumento da demanda por mão de
obra.
Cabe mencionar, ainda, que o Brasil possui aproximadamente13% de toda a reserva de água doce do mundo, recurso natural que se
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tornará cada vez mais valioso no século XXI. Em parte as exportações
agrícolas do Brasil já se converteram, na realidade, em uma forma de
importação de água por parte de países confrontados com a crescente
carência desse recurso, como a China.
Outrossim, o Brasil também ganhou a sorte grande ao descobrir,
em seu território, uma das maiores reservas de petróleo do mundo, na
camada do pré-sal. Existem, é claro, dificuldades técnicas e logísticas
enormes para se viabilizar a exploração (para não se falar nos gigantescos
riscos ambientais), mas mesmo elas constituem, sob certa perspectiva, uma
oportunidade a mais, pois sua superação implica no desenvolvimento e
produção de novas tecnologias e de grande número de veículos, máquinas e
equipamentos, o que movimentará inúmeras indústrias além da extrativa.
Dependerá exclusivamente do Brasil, e em particular de seus governantes,
escolher se os maiores beneficiados pelo investimento a ser gerado serão a
indústria nacional e os trabalhadores brasileiros, ou a indústria estrangeira.
O maior perigo futuro ao Brasil, no momento, é o de se tornar
“competitivo” demais pelo excesso de dinheiro entrando no país, inclusive
por conta das exportações de commodities, o que pode levar à
desindustrialização. Mas evitar tal resultado está, por completo, nas mãos
dos governantes brasileiros, que poderão, por exemplo, exigir que a
construção dos navios, plataformas, helicópteros e máquinas necessários à
exploração do pré-sal se dê no Brasil. Com isso, o excesso de dinheiro
alavancará o crescimento do Brasil e não da indústria estrangeira, ao invés
de apenas se gerar divisas que alimentarão a especulação irresponsável e o
desperdício.
Veja-se que a estimativa da Federação Única dos Petroleiros(FUP) é que seja criado um milhão de empregos no setor de produção,
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exploração e refino de petróleo nos próximos dez anos, não havendo,
também aqui, qualquer necessidade de se “flexibilizar” (eliminar) direitos para
alavancar contratações. O problema, como no caso da construção civil, será
justamente o contrário, o de carência de mão de obra, especialmente a
qualificada.
Sobre as perspectivas futuras de crescimento da riqueza no
Brasil, dá conta também o estudo “Global Wealth Report” do banco Credit
Suisse:
“Riqueza das famílias brasileiras deve mais que dobrar até 2016,
diz estudo
(...)
Relatório realizado pelo Credit Suisse estima que a riqueza das
famílias brasileiras irá mais que dobrar de 2011 até 2016, chegando a US$
9,2 trilhões. Se a previsão for confirmada, o nível de riqueza familiar do
Brasil daqui a cinco anos será equivalente ao registrado nos Estados Unidos
em 1948.
Ainda de acordo a segunda edição do relatório “Global Wealth
Report” (Relatório de riqueza mundial, em português”), realizado em outubro
pelo banco suíço, deverá mais que dobrar nos próximos cinco anos o
número de milionários no Brasil: subirá dos atuais 319 mil para 815 mil,
expansão de 155%.102 ”
Ora, às vésperas de tal extraordinária e inédita geração de
empregos diretos e indiretos, e ante a perspectiva de continuidade de
crescimento econômico, mostra-se insólito e escandaloso, mas não
incompreensível, que se venha a falar em reduzir direitos trabalhistas para102 Em http://g1.globo.com/economia/noticia/2011/10/riqueza-das-familias-brasileiras-deve-
mais-que-dobrar-ate-20161.html
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gerar empregos.
O que assusta a elite econômica não é que a falta de
competitividade conduza à deficiente geração de empregos, mas justamente
o contrário disso: o medo é que o número de desempregados no Brasil
diminua muito por conta do crescimento, e que se atinja em determinados
setores e regiões - na construção civil, na extração mineral, etc. - o pleno
emprego, fazendo com que os trabalhadores se encontrem na posição de
poder efetivamente exigir e obter melhores salários e condições de trabalho,
pela ausência de um exército excedente de mão de obra de reserva.
Talvez o temor maior da elite seja que, se o patamar trabalhista
atual for mantido, e a demanda por mão de obra continuar aquecida no
Brasil, terão os empregadores que fazer concessões adicionais aos
trabalhadores. Ao revés, se forem reduzidos desde já direitos previstos na
legislação, a luta dos trabalhadores nesse futuro próximo será tão somente
para recompor aquilo que perderam, sem conquistas adicionais, mantendo-
se o status quo.
A propósito, em audiência pública realizada pelo Ministério
Público do Trabalho e outras entidades, neste ano de 2011, estando
presentes dezenas de representantes da indústria da confecção, escutei um
empresário pedir a palavra para condenar abertamente o pleno emprego
atingido no município (Ibitinga), mencionando-o como um mal a ser
combatido, já que faria com que “as empresas fiquem nas mãos dos
trabalhadores”, o que, do ponto de vista dele, é um absurdo.
O receio patronal aí manifestado - pavor diante da possibilidade
de ascensão da classe trabalhadora no contexto de um mercado de trabalho
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aquecido - parece ser corroborado pelos fatos103:
“Empresas têm dificuldade para encontrar até profissional pouco
qualificado
(...)
Principais reclamações de escassez de mão de obra ocorrem nos
setores de construção civil e serviços
Com a economia se expandido em ritmo acelerado, o país tem
batido recordes sucessivos na geração de empregos com carteira assinada.
De janeiro a agosto, 1,95 milhão de vagas formais foram criadas e a
previsão para o ano que vem, de acordo com o Ministério do Trabalho, é de
três milhões de novos empregos. O ministro Carlos Lupi comemora os
números com um alerta: a enorme demanda por trabalhadores deve fazer
com que o Brasil sofra ainda mais com a falta de mão de obra nos próximos
anos. A ‘novidade’, destaca Lupi, é que os gargalos não mais se restringirão
aos profissionais do topo da pirâmide de qualificação (já escassos no país
pelas conhecidas deficiências do sistema educacional). Deverá crescer a
carência daqueles trabalhadores que desempenham tarefas que dispensam
um elevado grau de instrução; algo que já se verifica na construção civil e
alguns setores de serviços.
Na região da cidade de Ribeirão Preto, por exemplo, pólo
produtor de cana de açúcar do estado de São Paulo, algumas construtoras
estão contratando ex-bois frias para trabalhar como auxiliares nos canteiros
de obras. “É só andar por Ribeirão Preto para perceber a quantidade de
obras em execução. A mão de obra especializada, como pedreiro,
encanador e eletricista, está em falta faz tempo. Estamos contratando todos
que chegam com alguma experiência comprovada”, avalia Francisco Galli,103 Em http://veja.abril.com.br/noticia/economia/escassez-de-mao-de-obra-ja-atinge-
profissionais-menos-qualificados
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técnico de segurança do trabalho da construtora Pereira Alvim, que conta
com trabalhadores egressos do corte de cana em seu quadro de
empregados.
No segmento de serviços, a demanda é forte e também enfrenta
escassez de trabalhadores. Um reflexo deste cenário é que as pessoas têm
maior poder de barganha, exigindo salários maiores para aceitar uma
proposta. A agência paulistana de recrutamento de empregadas domésticas
Doce Lar comprova essa tendência. A gerente Patrícia Bueno relata que
enfrenta resistência de suas agenciadas em aceitar vagas que paguem o
mínimo da categoria, de 560 reais. “Por 700 reais elas já se recusam”,
afirma.
É possível, então, que o novo avanço conservador, neste início
de Governo Dilma, constitua uma ação estratégica da elite econômica como
preparação à “ameaça” de se atingir, em diversos setores econômicos e
regiões do país, o pleno emprego, situação que fortalece a posição dos
trabalhadores e a capacidade destes de reivindicar melhores condições e
salários. Assusta à elite a perspectiva de que não mais sejam encontrados
trabalhadores que aceitem laborar em troca de um salário de 700 reais ou
menos, ou que não aceitem laborar sob condições ruins, com prejuízo à
saúde, como costuma ocorrer no corte de cana, na pecuária extensiva, nos
frigoríficos e na construção civil.
A estratégia parece ser: tire-se dos trabalhadores tudo o que se
puder agora, para que no futuro próximo, quando eles estiverem em posição
de exigir melhores condições, dada a carência de mão de obra, tudo o que
conseguirão com sua luta é recuperar o que já perderam através de reformas
flexibilizadoras.
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6.2) Contribuição empresarial ao “Custo Brasil” e à perda de
competitividade
A elite econômica brasileira gosta muito de falar em “Custo Brasil”
- como se não fosse óbvio, em economia, que tudo tem seu custo -, e é
muito rápida e contundente em denunciar as supostas responsabilidades dos
trabalhadores ou do estado para a elevação desse custo.
A propósito, que a preservação do patamar de direitos
trabalhistas possui um custo, que é justo e necessário, e que precisa ser
suportado em benefício de toda a sociedade, é ponto sobre o qual já discorri
no capítulo 4.
O que a análise empresarial sempre esquece de enfocar é a sua
própria quota de responsabilidade para com a elevação do tal “Custo Brasil”,
que não é pequena. De fato, convenientemente deslembra-se a elite nacional
que dentre os principais fatores de perda de competitividade brasileira estão
as suas próprias práticas e posturas arcaicas, cujo aperfeiçoamento está por
completo ao seu alcance, sem a necessidade de imposição de sacrifícios aos
mais pobres.
Veja-se, por exemplo, a seguinte reportagem, representativa do
ponto de vista da elite nacional104:
“Os especialistas ouvidos por EXAME são unânimes em apontar
um cenário extremamente promissor caso o Brasil opte por se livrar de
amarras em quatro terrenos — o sistema tributário sufocante, a legislação104 Em http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/0987/noticias/a-busca-por-um-brasil-
competitivo?page=4&slug_name=a-busca-por-um-brasil-competitivo
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trabalhista esclerosada, a infraestrutura precária e uma taxa de juro única no
mundo.”
O que chama a atenção em tal abordagem? Que nenhuma
responsabilidade recai sobre os próprios empresários. As amarras ao
crescimento são todas causadas pelo governo ou pelos trabalhadores.
Se fossemos crer em tal versão dos fatos, a elite econômica
brasileira estaria entre as mais eficientes do mundo, e já teria feito todo o
possível para tornar o país mais competitivo. Apenas o governo e os
trabalhadores não acompanham o altíssimo grau de excelência e
competência do empresariado brasileiro.
Será que as coisas se dão realmente dessa forma? Vejamos.
Em um mercado de produção e consumo de massa, marcado por
acentuada competição entre as empresas, o bom atendimento prestado ao
consumidor, capaz de consolidar laços de fidelidade, constitui uma das mais
valiosas vantagens competitivas. Satisfazer o cliente é a chave para o
sucesso em qualquer negócio, não apenas por atrair novos consumidores e
conservar os antigos, mas pelo estímulo criativo criado para que a empresa
continue a perseguir a excelência.
Não obstante a obviedade de tal lição, a verdade é que o Brasil
se notabiliza por ser um país no qual os consumidores costumam receber
atendimento ruim ou péssimo, chegando em muitos casos a ser
genuinamente maltratados e desprezados.
Nesse sentido, alerta a seguinte pesquisa105:
105 Em Revista Exame, 19/03/2010
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“Sua empresa é pior do que você imagina
Uma pesquisa inédita mostra que a maior parte das empresas
brasileiras acredita que presta um ótimo serviço a seus consumidores. Na
prática, um abismo separa autoimagem de realidade
“(…) Os discursos que exaltam o “foco no consumidor”, a
“satisfação total” e o “cliente sempre em primeiro lugar” continuam em alta
nos modismos corporativos. Tudo muito bonito e politicamente correto. Quem
ousaria dizer o contrário? Na vida real, porém, as coisas costumam ser bem
diferentes. É o que mostra uma pesquisa elaborada por EXAME e pelo
Instituto Brasileiro de Relacionamento com o Cliente (IBRC). O estudo,
realizado entre abril e dezembro de 2009, com base em entrevistas com
mais de 3 000 pessoas em todo o país e em pesquisas sobre as práticas de
relacionamento de 100 companhias, aponta as dez empresas com melhor
atendimento aos clientes e as dez com pior desempenho. Tão ou mais
importantes do que a lista são as conclusões que podem ser tiradas da
pesquisa – e que servem para qualquer empresa que mantenha relações
diretas com o mercado. A fotografia que surge mostra um profundo abismo
entre a imagem que as companhias têm de si mesmas e o que os
consumidores pensam delas. Quase todas as empresas – 98%, para sermos
mais precisos – afirmam ter uma estrutura eficiente de atendimento. Mas
23% dos consumidores entrevistados disseram não ter sido bem atendidos
por nenhuma companhia nos 12 meses anteriores à pesquisa. Ne-nhu-ma.
(...)
A real questão é a incapacidade que muitas empresas
demonstram de meramente cumprir o contrato selado com o consumidor,
entregando apenas e tão somente o que foi prometido. Esse, sim, é um problemaço. Resolvê-lo é condição necessária para cumprir o objetivo
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primordial de qualquer negócio – ter lucro e remunerar os acionistas. “O erro
zero é impossível”, afirma Alexandre Diogo, presidente do IBRC. “Muitas
empresas desperdiçam recursos com fórmulas mirabolantes e deixam de
fazer o básico, que é respeitar o consumidor e resolver de forma eficaz os
problemas que aparecem.”
Há duas saídas para consumidores impacientes – ambas
desastrosas para quem está do outro lado da mesa. A primeira, mais óbvia,
é trocar de fornecedor. Aí temos o fim da linha de uma relação que
normalmente custa um bom dinheiro para ser construída. A segunda, mais
barulhenta, é apelar para os cada vez mais disseminados mecanismos de
defesa do mercado. Esse tipo de comportamento levou, por exemplo, à
recente multiplicação de multas aplicadas no Brasil por mau atendimento. No
ano passado, operadoras de telefonia, empresas de cartões de crédito,
companhias aéreas, concessionárias e outras prestadoras de serviços foram
punidas em 93 milhões de reais – a soma das multas aplicadas pelos dez
principais Procons do país (incluindo São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília) e
pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor. Duas das maiores
operadoras de celular do Brasil – Oi e Claro – se tornaram alvo de uma ação
civil pública milionária, acusadas de não cumprir a lei que regulamenta o
atendimento nos call centers, em vigor desde 2009. Em caso de
condenação, a multa será de 300 milhões de reais para cada empresa – a
maior punição do gênero no Brasil.
(…) “Em setores com alto nível de competição, é comum que os
executivos estejam muito preocupados com os resultados imediatos e
cortem investimento em atendimento”, afirma Leonardo Araújo, professor de
marketing da Fundação Dom Cabral. “O que eles não percebem é que, com
o tempo, o índice de retenção de clientes também faz diferença.” Por outrolado, apenas aumentar o investimento sem combater a razão de tantas
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ligações e reclamações é como enxugar gelo.
(...)
A diferença entre o grupo de empresas que se saíram bem na
pesquisa EXAME/IBRC e o grupo das que se saíram pior não está na
ausência de falhas. O que os separa é uma combinação de investimentos
em treinamento, sistemas de tecnologia que organizem o fluxo das
reclamações e, sobretudo, um controle maior sobre o produto ou serviço
oferecido.
(...)
Talvez a grande resposta ao desafio do relacionamento com o
consumidor seja encará-lo como o que ele realmente é: um componente vital
do negócio, e não um favor ou um agrado ao mercado.”
(…) Estudos da consultoria Bain & Company mostram que
manter um cliente é bem mais barato que recuperar um consumidor perdido.
Dependendo da empresa, é preciso conquistar de três a dez clientes fiéis
para compensar o estrago causado por um único cliente furioso. Ainda
segundo a Bain, cada aumento de 5 pontos percentuais no índice de
retenção de clientes pode fazer o lucro por consumidor aumentar até 85%
em bancos de varejo e até 135% nas operadoras de telefonia. “Investir no
bom relacionamento não é só garantia de sobrevivência mas também de
crescimento no longo prazo”, diz Rodolfo Spiellman, sócio da Bain &
Company no Brasil. Óbvio? Sim. Mas na vida real, diferentemente do que as
próprias empresas teimam em propalar, fazer as coisas certas – e só fazer
isso – muitas vezes é uma exceção. Não uma regra.”
A maior parte dos consumidores brasileiros já passou, e continua
passando, por situações assim, desde a lavanderia da esquina até a
empresa telefônica. O descaso é tanto que consumidores por vezes sãolevadas às lágrimas, de tanta raiva que experimentam. Quem, por exemplo,
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já não passou pela verdadeira via crucis que é buscar o cancelamento de
contrato com uma operadora de telefonia celular?
Vejamos alguns exemplos concretos, extraídos do relatório
“Cadastro de reclamações fundamentadas 2010" do Procon/SP:
“Eletropaulo deixa de atender 71% das reclamações do Procon
Das 863 reclamações contra a Eletropaulo, 614 não foram
atendidas pela empresa (71%). Em 2009 esse índice foi de 52% das
reclamações. Houve, portanto, um aumento de 35% no número de
reclamações não atendidas pela empresa.
Além das reclamações de danos a equipamentos provocados
pelos apagões sistemáticos, destacam-se as cobranças indevidas, inclusão
indevida do nome do cliente no Serasa e o corte indevido da energia elétrica.
A Eletropaulo já foi multada em R$ 18.014.539,78 pela má
prestação do serviço de energia. Deste total, a concessionária já pagou R$
3.537.215,33. Desde de 2003, a empresa já recebeu sete autuações do
Procon-SP.
(...)
Planos de saúde dificultam marcação de exames e consultas
A agência reguladora do setor não vem obtendo êxito em
assegurar aos consumidores desse tipo de serviço, absolutamente essencial
diga-se, padrões adequados de qualidade. Além de milhões de pessoas que,
por estarem atreladas a contratos coletivos, ficam à margem da proteção
regulatória, sobretudo no que diz respeito a reajustes e à garantia demanuteção do seu vínculo contratual, o Procon-SP identificou que os
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consumidores têm enfrentado enormes dificuldades quando necessitam
utilizar os serviços contratados.
Entre os principais problemas registrados, estão a negativa para
a marcação de consultas e cirurgias; demora no agendamento;
disponibilidade de médicos, clínicas, hospitais ou laboratórios distantes da
residência do consumidor; descredenciamento de médicos e instituições de
saúde sem que o paciente seja previamente informado.
(...)
TAM e Gol registram baixo índice de solução
Com o segmento em expansão, estas empresas não se
mostraram sensíveis em acolher as demandas de seus consumidores,
apresentando índices de não atendimento superiores a 65%. Apesar de
dividirem praticamente a mesma fatia do mercado, a TA M registra o dobro
de reclamações da Gol.
Entre os principais problemas, estão o atraso dos voos, danos ou
extravio de bagagens, dificuldades no cancelamento dos bilhetes, retenção
dos valores pagos pelos clientes e informação disponível insuficiente ou sem
clareza. Em 2010, a TA M foi multada em R$ 8.880.000,00 e a Gol em R$ R$
4.211.000,00.
(...)
A Casas Bahia registrou mais que o dobro do número de
reclamações, em relação ao ano anterior (495 contra 187). A metade dos
processos não foi atendida pela empresa. No cadastro 2009, o percentual de
reclamações não atendidas foi de 30%.
O Ponto Frio dobrou o número de reclamações em relação aocadastro divulgado a ano passado – 280 em 2010, contra 136 em 2009, com
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o agravante de que, tanto em 2009 como em 2010, foram verificadas duas
reclamações não atendidas para cada reclamação atendida. Entre os
principais problemas, estão a entrega de produto com defeito ou diferente do
pedido, demora na montagem e venda enganosa de contratos de seguro,
como garantia estendida.”
Esse é um dos maiores “gargalos” à competitividade brasileira,
que gera enormes prejuízos à economia nacional, e não apenas aos
consumidores lesados, mas também às empresas, pelo comprometimento do
potencial de recompra e pela perda de clientes. Não obstante, ninguém ouve
lideranças empresariais listar o problema como uma das cifras do “Custo
Brasil”, ou como uma questão a ser imediatamente enfrentada, eis que
nefasta aos negócios.
Parte significativa do empresariado brasileiro acostumou-se a
tratar mal o consumidor, e supõe que este não terá alternativa senão aceitar
o que lhe é oferecido, ainda que de má qualidade (aí incluído o mau
atendimento). Trata-se de uma atitude indolente, marcada pela preguiça e
pela busca do lucro fácil. Essa perspectiva, inclusive do ponto de vista
estritamente econômico, é estúpida, pois cria um obstáculo importante à
demanda, conduzindo à diminuição dos lucros.
Um consumidor satisfeito e bem atendido é capaz de gastar,
digamos, 100 reais, quando sua intenção inicial era gastar apenas 50. O
mesmo consumidor, ao ser maltratado e mal atendido, de 50 (que é o que
desejava) e de 100 (que é o seu teto máximo) gastará menos que 50 ou
simplesmente deixará de comprar, já antevendo os dessabores que terá que
enfrentar.
Parte do empresariado brasileiro supõe que o consumidor
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nacional irá aceitar quase qualquer coisa que lhe for oferecida, e que será
incapaz de exigir tratamento melhor. Não percebe o empresariado que,
mesmo que de fato o consumidor brasileiro se veja compelido pela falta de
opções, ele provavelmente acabará consumindo menos do que poderia,
reduzindo o volume de compras e vendas, particularmente em se tratando de
bens de maior valor e contratos de longa duração.
É apenas ao tentar inserir seus produtos no exterior que os
empresários descobrem que os padrões de qualidade no Brasil são muito
baixos. Para conseguir espaço em outros mercados, descobrem que terão
que investir em qualidade e excelência. Não obstante, nesse momento a
opção de muitas empresas é manter duas linhas de produtos, uma para o
mercado interno, de pior qualidade, e outra “tipo exportação”, de melhor
qualidade. De modo que nada aprendem com a lição de exportar, e
persistem no erro.
O mesmo comportamento é exibido pelo empresariado brasileiro
quando se trata de inovar, de buscar continuamente o aperfeiçoamento
tecnológico e a melhoria de processos, que favorecem o aumento da
produtividade. Veja-se, nesse sentido, a seguinte entrevista106:
“Quem inova no Brasil é quase um herói. Essa é a visão de
Glauco Arbix, presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep)
desde o início deste ano.
(...)
iG: Mas muitas empresas brasileiras dizem que essa questão
conjuntural, como o câmbio, prejudica demais a inovação.
Arbix: As empresas gostam de ressaltar os desafios externos a
106 Entrevista ao jornalista Danilo Fariello, portal iG Brasília, 17/06/2011.
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elas. Isso é verdade, mas é bom olharmos para dentro. Muitas empresas
não estão preparadas para inovar. Inovar é ter gente competente,
transformando idéias em produtos. Não adianta só ter computador de última
geração. Muitas empresas brasileiras ainda acham que salário é custo, e
não investimento. As empresas têm que contratar gente mais qualificada. Só
com inovação o Brasil terá futuro. Se ficarmos na armadilha do dólar e das
commodities, vai compensar mais importar do que produzir aqui. Isso é
desindustrialização.
iG: Esse crescimento todo da economia não tem levado a uma
escassez de mão de obra qualificada?
Arbix: Sim, mas sempre teremos problemas externos e internos.
Como eu disse, inovar não é fácil. Quem inova é quase um herói. E tem
quem consegue. É gente muito boa que inova, indo para áreas mais
próximas do conhecimento, atacando os problemas para elevar
produtividade e competitividade. Quando o empresário olha para o câmbio e
os juros, fica esperando o governo agir. O outro olhar é o de organizar a
empresa, apesar desses obstáculos.”
Como sintoma disso, o Brasil possui, dentre as maiores
economias do mundo, o pior desempenho no quesito registro de novas
patentes, circunstância extremamente perigosa a um país que deseja
assegurar sua independência tecnológica.
“Brasil fica para trás na corrida por patente, apesar de avanço na
economia
Dono de conquistas importantes nos últimos anos - que vão decontrole da inflação e melhor distribuição de renda à capacidade de
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recuperação no período pós-crise-, o Brasil ainda patina para provar a
capacidade criativa de sua indústria, item considerado básico para o
crescimento futuro.
Números da Ompi (Organização Mundial de Propriedade
Intelectual), que reúne os pedidos de patente feitos por empresas de todas
as partes do mundo, mostram que o índice de inovação brasileiro mal
conseguiu acompanhar o avanço da economia na última década.
Enquanto o PIB cresceu 158% desde 2000, para mais de R$ 3
trilhões, e fez o país representar 2,7% da economia mundial, em patentes o
Brasil não passa de 0,32% dos pedidos internacionais.
Em contrapartida, países asiáticos, principalmente, tiveram
avanços proporcionais nas duas frentes.
A China viu seu PIB quadruplicar entre 2000 e 2009, para US$
4,98 trilhões, e, ao mesmo tempo, passou de 0,84% de participação nas
patentes globais para 7,3%.
Já a Coreia do Sul apresentou crescimento de 56% em sua
economia e já se sustenta com expressivos 5,17% de participação em
patentes.
ACOMODAÇÃO
"Como somos ricos em recursos naturais, nunca precisamos
inovar para sobreviver, diferentemente de países asiáticos. Existe uma
espécie de acomodação que gerou um aspecto cultural crônico difícil demudar", diz Paulo Feldmann, professor da FEA (Faculdade de Economia,
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Administração e Contabilidade da USP).
Entre os pedidos de patentes de empresas apresentados ao Inpi
(Instituto Nacional de Propriedade Intelectual), que registra a proteção só no
país, há crescimento gradual, mas ainda lento. Em 2010 foram 30 mil
pedidos registrados e 3.620 patentes concedidas.107 ”
E ainda108:
“O Brasil também deixa a desejar quando o assunto é dinheiro
para inovar. De acordo com os dados do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea), os gastos brasileiros em pesquisa e desenvolvimento - P& D
– a medida mais direta de quanto se investe em tecnologia - estão na casa
de 1% do Produto Interno Bruto ( PIB) do Brasil, do qual metade tem origem
no setor privado. Já nos países desenvolvidos que compõem a Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a média fica na
casa de 2,4% do PIB. Em outros, como a Coréia do Sul, o total chega a 3%
do PIB e a participação do setor privado é de 70%.”
Ao invés de buscar soluções e investir, o empresariado brasileiro,
com raras e meritórias exceções, prefere acomodar-se, esperando tudo do
governo. Mesmo quando se trata de obter a mão de obra qualificada que
agudamente necessita, o empresariado insiste em se queixar ao invés de
agir.
Não é outro o alerta de Roberto Nicolsky109:
107 Em http://www1.folha.uol.com.br/mercado/853744-brasil-fica-para-tras-na-corrida-por-patente-apesar-de-avanco-na-economia.shtml
108 Em http://www.adenacon.com.br/novidades/brasil-fica-para-tras-no-ranking-de-registro-de-patentes
109 “Inovação tecnológica industrial e desenvolvimento sustentado”, em Parcerias Estratégicasn. 13, dez. De 2001, Brasília: Ministério de Ciência e Tecnologia, 2001.
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“Uma questão crucial e oportuna para um país emergente, como
o nosso, que busca caminhos para alcançar um nível de produção, renda e
distribuição compatíveis com as necessidades da sociedade, é a relação
entre os investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e o
crescimento sustentado do país, notadamente no presente cenário de um
mundo globalizado.
(…)
A ideia de que a universidade venha a suprir a fraca atuação das
empresas é uma completa distorção da sua missão e vai certamente
fracassar pelo mecanismo dos fundos setoriais, como já ocorreu na década
dos anos setenta, com a tentativa de fazê-lo através do FNDCT. Portanto, a
política de fomento à pesquisa tem que ter por objetivo a mobilização das
indústrias para a inovação.”
Tive a oportunidade de observar tal comportamento em primeira
mão, como procurador do trabalho, ao celebrar um acordo judicial com
empresa multinacional por problemas trabalhistas ocorridos em uma usina de
cana-de-açúcar. Entre os pontos por mim exigidos, além da indenização
coletiva e dezenas de obrigações trabalhistas, figurava o dever da empresa
assegurar qualificação profissional a 100 trabalhadores, em funções com
relação às quais houvesse carência de mão de obra na região.
Ao apresentarem a mim o projeto desses cursos para aprovação,
os representantes da empresa admitiram que a obrigação vinha a suprir uma
necessidade da própria companhia, pois esta não estava conseguindo
encontrar na região os operadores de máquinas de que tanto precisava. Ou
seja, só depois de ter sido compelida a fazer - o acordo foi celebrado após
meses de intensa resistência, aliás - a empresa deu-se conta que a medida
era na verdade favorável aos seus próprios interesses. Ora, se era bom paraos negócios (além de ser bom para os trabalhadores que receberão a
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formação profissional), por que a empresa não investiu na qualificação de
tais profissionais antes, ao invés de esperar por uma imposição judicial? E
veja que não se tratava de uma empresa pequena, mas de uma das maiores
empresas do setor de alimentos do mundo.
Tal falta de visão é típica do empresariado brasileiro: qualquer
despesa, inclusive investimentos, é custo a ser suprimido. Prefere-se o lucro
menor que se pode obter hoje, através do corte de custos, ao lucro maior
que se poderia obter amanhã. E tudo o que for fundamental ao futuro da
empresa se espera que seja suprido pelo estado.
A propósito, também chama a atenção a ingenuidade de se
imaginar que as empresas brasileiras conseguirão localizar trabalhadores
mais qualificados e motivados ao mesmo tempo em que se suprime deles
direitos trabalhistas. Quem tiver que trabalhar mais horas por dia e gozar
menos dias de férias por ano, recebendo salário pior, possuirá menor
formação educacional e inferior qualificação profissional. Não terá tempo,
dinheiro ou energia para buscar o aperfeiçoamento pessoal.
Contraditoriamente, pretende a elite econômica obter empregados melhores
assegurando-lhes menos direitos.
Ou seja, falta ao empresariado brasileiro, com notáveis exceções,
inteligência, criatividade e visão estratégica. Há também um fosso entre o
plano do discurso - no qual se prega a “excelência no atendimento ao
consumidor”, por exemplo - ao plano da realidade, na qual prevalece o corte
de custos a qualquer preço, o desprezo ao consumidor e à necessidade de
aperfeiçoamento constante.
Tais fatores constituem alguns dos principais componentes do“Custo Brasil”, e prejudicam a competitividade das empresas nacionais.
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Que tal, então, se antes de cobrar sacrifícios dos trabalhadores,
mediante reformas precarizantes e eliminadoras de direitos, a elite
econômica não se concentre em corrigir as falhas que lhe dizem respeito, e
que emperram o crescimento do país? Que tal se a elite fizer o seu “dever de
casa” antes de querer “meter a mão no bolso” dos mais pobres?
Outro componente importante do “Custo Brasil” poucas vezes
lembrado como tal é a corrupção, e também aqui se percebe a falta de
interesse da elite econômica em “colocar o dedo na própria ferida”. De fato, é
a elite econômica quem mais colabora para sustentar as redes de corrupção,
achando melhor lidar com os corruptos para conseguir o que precisa para
viabilizar seus negócios (o famoso “jeitinho brasileiro”), do que combater tal
significativa fonte de despesa, mantida sob forma de propinas, contribuindo
para a escolha de políticos honestos.
Na verdade, o próprio meio empresarial reconhece a existência
da corrupção como um problema e como uma elevada fonte de custos, mas
não se engaja no seu combate.
Nesse sentido, cabe menção ao relatório “Corrupção: custos
econômicos e propostas de combate” publicado pela Fiesp em março de
2010110:
“Usando como referência a média do CPI desses países de 7,45,
calculamos que, no período 1990-2008, o custo médio anual da corrupção
para o Brasil é de US$ 8,8 bilhões a preços constantes de 2000 (ou R$18,7
bilhões a preços constantes de 1998). A preços correntes de 2008, o custo
anual da corrupção é estimado em R$ 41,5 bilhões, o que corresponde a110 Disponível em: http://www.fiesp.com.br/competitividade/downloads/custo%20economico
%20da%20corrupcao%20-%20final.pdf
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1,38% do PIB.”
A eliminação de uma fonte de despesa perniciosa superior a 1%
do PIB deveria constituir uma prioridade nacional, e inclusive em termos
financeiros haveria de ser mais importante, para o meio empresarial, do que
a redução de custos trabalhistas. Mas o que se percebe são parlamentares
vinculados à bancada empresarial comprometidos com reformas
flexibilizadoras (eliminadoras) de direitos trabalhistas, e não com o combate
à corrupção.
Pelo contrário, o que se fez no Brasil, nos últimos anos, foi
discutir formas de tornar mais difícil o combate à corrupção, por exemplo
através da limitação dos poderes de investigação do Ministério Público, ou
da criação de embaraços à propositura de ações civis públicas por
improbidade administrativa (como o projeto de Lei da Mordaça, de autoria de
Paulo Maluf).
Para pessoas que se dizem comprometidas com a redução do
“Custo Brasil”, trata-se de posição sumamente contraditória.
6.3) Favorecendo o desenvolvimento através dos direitos
trabalhistas
A conclusão dos itens anteriores foi no sentido de que o patamar
atual de direitos trabalhistas não constitui empecilho ao desenvolvimento -
tanto que o Brasil já cresceu sem eliminá-los -, e que há outros fatores que
compõem o chamado “Custo Brasil”, capazes de reduzir a competitividadedas empresas brasileiras, e que poderiam ser imediatamente enfrentados,
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pois são custos desprovidos de valor construtivo ou de relevância social, e
nada acrescentam à produção e ao consumo.
Mas isso não é tudo. Não apenas os direitos trabalhistas não
prejudicam o crescimento econômico, como francamente o favorecem,
estimulando ainda o desenvolvimento sustentável e de longo prazo.
A primeira evidência nesse sentido vem do Fundo Monetário
Internacional (FMI), uma fonte cara aos defensores do neoliberalismo. De
acordo com o Fundo, no estudo “Iniquidade e crescimento insustentável:
dois lados da mesma moeda?111”, a desigualdade social é fator que dificulta a
manutenção de períodos de desenvolvimento mais duradouros:
"Esta nota centra-se na duração dos períodos de crescimento -
definido como o intervalo iniciado com um salto de crescimento e terminando
com uma queda - e sobre as relações entre duração e diferentes políticas e
características do país, incluindo a distribuição de renda. Acontece que
muitos dos países mais pobres conseguiram iniciar o crescimento a taxas
elevadas por alguns anos. O que é mais raro - e que separa os milagres de
crescimento dos retardatários - é a capacidade de sustentar o crescimento. A
pergunta então é: o que determina o comprimento dos surtos de crescimento
e qual é o papel da desigualdade de renda no período?
Nós achamos que períodos mais longos de crescimento são
robustamente associados com mais igualdade na distribuição de renda.
(...)
As implicações destes resultados é que é difícil separar as
análises do crescimento e da distribuição de renda. (...) A longo prazo, a
111 “Inequality and unsustainable growth: two sides of the same coin?”, livre tradução, autoresAndrew G. Berg and Jonathan D. Ostry, abril 2011, emhttp://www.imf.org/external/pubs/ft/sdn/2011/sdn1108.pdf
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redução da desigualdade e o crescimento sustentado podem assim ser dois
lados da mesma moeda.
(...)
Alguns países conseguiram, através de políticas pró-pobres,
reduzir significativamente a desigualdade de renda. O Brasil, por exemplo,
depois de suas reformas orientadas ao mercado de 1994, implementou
políticas pró-pobres de distribuição de renda, especialmente através de
gastos com assistência social, que foram fundamentais para a redução
substancial da pobreza ".
Paradoxalmente, agora que o próprio FMI reconhece seus erros
do passado (as “reformas orientadas ao mercado” foram implementadas, na
década de 1990, com o beneplácito do Fundo), e bate palmas para o
crescimento mais duradouro proporcionado por políticas pró-pobres de
distribuição de renda, o que se deseja fazer no Brasil? Eliminar direitos
trabalhistas, permitindo novamente o aumento dos índices de desigualdade,
de modo a encurtar os períodos de desenvolvimento.
O que está sendo dito quando se defende reformas
precarizantes, basicamente, é isto: já que algo está dando certo - crescer
economicamente com redução da desigualdade e manutenção do patamar
de direitos sociais - vamos parar de fazer isso, para voltar ao que fazíamos
no passado, quando convivíamos com desigualdade mais alta e com
estagnação econômica. Em termos mais coloquiais, deseja-se "mexer no
time que está ganhando" para colocar no seu lugar o time de antes, que não
ganhava uma partida sequer. Essa é a estranha “lógica” que está a inspirar a
agenda de reformas “flexibilizadoras” (eliminadoras) de direitos.
Direitos trabalhistas e previdenciários são as melhores formas atéhoje já inventadas no mundo para se promover a justiça social e reduzir as
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desigualdades. Sua capacidade de gerar efeitos economicamente virtuosos é
ainda maior que a de medidas apenas assistenciais, as quais, embora
importantes, não devem constituir a ênfase maior, sob pena de se perpetuar
mecanismos de dependência sem a transformação da realidade social, e
sem o “empowerment” dos mais pobres.
Eliminar direitos trabalhistas, através de reformas
“flexibilizadoras”, implica necessariamente em fazer aumentar a
desigualdade, com a redução do padrão de vida de milhões de famílias, que
em sua maior parte estão pouco acima da pobreza ou integram o substrato
mais baixo da classe média. A desigualdade será tanto maior na medida em
que a economia proporcionada pela eliminação do custo trabalhista acabará
sendo embolsada pelos mais ricos.
Ora, pela lição do FMI, tal aumento da desigualdade conduzirá,
também, ao término precoce da boa fase de crescimento que o Brasil vem
experimentando nos últimos anos. O que, em última análise, atenta inclusive
contra os interesses da elite econômica, que vem sendo regiamente
recompensada por tal crescimento.
Trata-se, portanto, de mais um exemplo do pensamento de curto
prazo (ou de “desinteligência estratégica”) sobre o qual discorri
anteriormente, típico da elite econômica brasileira, com foco no lucro que
pode ser obtido de forma imediata, através da eliminação indiscriminada de
custos, sem se atentar às consequências de médio e longo prazos,
prejudiciais inclusive aos interesses da elite.
A realidade é que os empresários brasileiros vem sendo nas
últimas décadas beneficiados, à revelia de sua vontade e contrariamente àssuas pretensões, pela manutenção de um patamar de direitos trabalhistas
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superior ao por eles desejado, mas mais compatível com a criação de um
ambiente propício ao crescimento duradouro, portanto mais favorável aos
negócios a longo prazo.
Sobre o tema, discorre Janine Berg, representante da OIT no
Brasil112:
"O debate em torno da flexibilidade do mercado de trabalho foi
exagerado, ao menos no caso do Brasil. A experiência dos anos 1990 e
2000 não apoia a alegação de que a legislação trabalhista cause crescente
informalidade, e o forte crescimento de empregos formais nos anos 2000 ao
mesmo tempo em que o salário mínimo quase dobrou em termos reais,
demonstram que as leis trabalhistas não são um impedimento, e que
algumas políticas, como o salário mínimo, podem ser importantes para
estimular o crescimento e a criação de empregos. Antes de focar a
desregulamentação do mercado de trabalho, governantes deveriam agir para
encorajar as empresas a registrar seus negócios e seus trabalhadores, seja
pela simplificação do registro, redução de impostos e disponibilização de
incentivos para desenvolver estratégias de competitividade mais positivas."
Falta à elite brasileira a perspectiva de que custos trabalhistas
não possuem sempre e tão somente uma relação negativa com a
competitividade. Um patamar trabalhista condigno pode ser fator estimulante
ao crescimento, e não um entrave. É também a lição de Eduardo G.
Noronha, Fernanda De Negri e Karen Arthur 113:
"...as firmas competem, preponderantemente, por preço ou por
112 "Laws or Luck? Understanding Rising Formality in Brazil in the 2000s", livre tradução. Emhttp://ase.tufts.edu/gdae/Pubs/rp/BergLaborFormalityBrazil.pdf
113 "Custos do trabalho, direitos sociais e competitividade industrial", em Tecnologia,exportação e emprego. Brasília: IPEA, 2006. p. 161-201. Disponível emhttp://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/Cap_7.pdf
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diferenciação de produto. A estratégia de diferenciação de produto via
inovação é aquela mais promissora para os empregados, para a empresa e
para o país. Essas empresas estabelecem estratégias menos sujeitas à
concorrência via menores salários, maiores jornadas de trabalho ou derivada
de recursos naturais (commodities) muito suscetíveis a flutuações de preços.
Dessa forma, as estratégias de competição das firmas na indústria brasileira
foram classificadas em três categorias: a) firmas que inovam e diferenciam
produtos; b) firmas especializadas em produtos padronizados; c) firmas que
não diferenciam produtos e têm produtividade menor.
A análise dos dados segundo estratégia competitiva indica que as
empresas que inovam e diferenciam produtos pagam mais benefícios
proporcionalmente aos salários do que as empresas que não diferenciam
produtos e têm produtividade menor. (...)
Quando se comparam as firmas inovadoras com as não-
inovadoras, também percebem-se as diferenças observadas para as
estratégias competitivas. Ou seja, firmas inovadoras tendem a pagar mais
benefícios em relação aos salários, especialmente os benefícios voluntários
(outros benefícios e previdência privada).
(...)
De fato, firmas mais produtivas, além de remunerarem melhor
seus trabalhadores, possuem políticas diferenciadas de gastos em pessoal,
concedendo benefícios não-salariais maiores aos funcionários do que firmas
menos produtivas. O mesmo acontece para firmas exportadoras, inovadoras
e sociedades anônimas. Os modelos mostram que firmas exportadoras
pagam entre 0,7% e 1% a mais de benefícios em relação aos salários do
que as não-exportadoras. Para as inovadoras, esse diferencial é de 0,7% a
0,8% e para as sociedades anônimas é de 1,5% a 3%.
(...)Concluindo, feitas as ressalvas referentes às diferenças de
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opções contratuais disponíveis às das empresas (especialmente o Simples)
e os possíveis efeitos da maior concentração de práticas informais nas
pequenas empresas, a análise dos dados indica que as empresas mais
competitivas tendem a pagar mais benefícios em relação aos salários do que
as demais. Ou seja, pelo menos do ponto de vista microeconômico não
parece haver uma relação negativa entre competitividade e custos
trabalhistas. Ao contrário, as firmas mais competitivas possuem práticas
salariais e de benefícios superiores às das empresas menos competitivas.
(...)
Através de um banco de dados reunindo estatísticas da PIA e da
Pintec mostramos que a competitividade das empresas não está associada a
baixos custos salariais no Brasil. Ao contrário, as empresas mais
competitivas, inovadoras e exportadoras pagam salários maiores e
benefícios superiores ao definido pela legislação e aos praticados por
empresas nacionais menos competitivas. As estatísticas indicam uma
relação mais solidária que competitiva entre custos de trabalho e
competitividade. Nossa metodologia de pesquisa difere do debate
predominante no Brasil focado na definição de “custos” contrapostos a
“direitos” trabalhistas e, por seguinte, na mensuração de seu peso nos
custos diretos e indireto do trabalho. Argumentamos que esse enfoque criou
uma oposição indevida entre direitos e crescimento do emprego e entre
custos e competitividade. Indevida porque não foram empiricamente
comprovadas no Brasil e, principalmente, porque mensura o que são
objetivos e valores incomensuráveis tais como o (falso) dilema de ampliar-se
o emprego às custas dos direitos ou mantê-los em detrimento dos
desempregados; ou ainda, reduzir-se os custos trabalhistas a bem da
competitividade das empresas ou mantê-los sob argumentos de que a
garantia dos direitos sociais está acima de qualquer outra consideração.
Para evitar tal cilada, nossa escolha metodológica foi testar o quanto alegislação atual afeta a capacidade competitiva da indústria nacional. As
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estatísticas indicam que os custos trabalhistas nos níveis atuais não são
impedimento à competitividade, à exportação e à inovação. Há uma
associação positiva entre pessoal qualificado e bem remunerado (direta e
indiretamente) e competitividade."
Ora, se as empresas mais competitivas asseguram a seus
empregados direitos mais amplos do que o exigido atualmente pela
legislação trabalhista, é porque esta não constitui qualquer obstáculo à
competitividade. A circunstância sugere que a defesa de reformas
"flexibilizadoras" (eliminadoras) de direitos não tem por verdadeiro objetivo
promover a maior competitividade das empresas brasileiras em geral (as
empresas realmente competitivas não precisam disso, pois já pagam mais),
e sim compensar financeiramente os equívocos das empresas menos
competitivas, que não buscam a inovação e a diferenciação de produtos. Ao
invés de favorecer a competitividade brasileira, então, tais reformas podem
premiar as empresas que insistem em estratégias menos competitivas,
estimulando outras a seguir o mau exemplo.
A literatura especializada dá conta de outros exemplos de relação
harmoniosa entre o cumprimento da legislação trabalhista e o sucesso
competitivo de empresas, os quais mereciam ser divulgados e encorajados.
Salo Vinocur Coslovsky, que analisou situações de atuação
resolutiva (não limitada ao mero ajuizamento de ações) de membros do
Ministério Público, afirma que114:
“Este documento começou declarando que um problema
contemporâneo global significativo, especialmente em regiões pobres, é que
114 Em "Respeito às normas e crescimento econômico: como promotores públicos garantem ocumprimento das leis e promovem o crescimento econômico no Brasil", disponível emhttp://www.ipea.gov.br/sites/000/2/publicacoes/tds/td_1355.pdf
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o crescimento econômico, embora desejável, frequentemente é
acompanhado de danos ambientais e violações de direitos trabalhistas.
Contudo, esse impasse não é inevitável, como ilustrado pelos inúmeros
casos relatados tanto na literatura empresarial quanto acadêmica sobre
empresas e arranjos produtivos que cumprem as normas ambientais e
trabalhistas e conseguem manter ou mesmo melhorar sua competitividade.
O que torna desejáveis esses resultados, e como podem ser promovidos de
forma sistemática?
De todas as maneiras de se abordar esse problema, este
documento sugere a análise detalhada do papel desempenhado por um ator
institucional particular: os 'reguladores de campo'. Os reguladores de campo
são os fiscais, monitores, promotores públicos e, às vezes, até auditores
privados, que interagem diretamente com agentes econômicos (pessoas e
empresas), interpretam as leis, propositalmente ignoram alguns fatos,
classificando outros de 'infrações', obrigam gerentes desatenciosos e/ou
preocupados com outras coisas a se preocuparem, e depois ameaçam,
convencem, punem, educam, e os ajudam a encontrar uma solução para o
problema em questão. Ou seja, em determinadas circunstâncias, são
agentes da lei que, em vez de 'implementar a lei' (enforce the law), fazem
tudo que é possível para gerar a conformidade ('produce compliance'). E
fazem isso mudando o ambiente em que as empresas operam de tal
maneira que a conformidade se torna a alternativa mais lógica, mais
racional, e até mais lucrativa para os envolvidos”.
Contudo, este estudo sugere que os agentes da lei – mais
particularmente os promotores públicos – freqüentemente têm conhecimento
muito limitado sobre o problema e as soluções possíveis e assim devem ser
instruídos por outros parceiros, com mais conhecimento técnico sobre asdiferentes áreas. Finalmente, o trabalho de campo indica também que há
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muitas soluções possíveis para um problema. O desafio, então, é identificar
– e implementar – a mais viável, que é selecionada com base na descoberta
de aliados dispostos a colaborar.
(...)
Enfim, este estudo aponta a possibilidade de reguladores de
campo serem a longa manus do Estado e, se aproveitados corretamente,
podem constituir um novo tipo de política de desenvolvimento, uma “política
industrial de inclusão” (UNGER, 2007) mais coerente com o mundo pós-
industrialização por substituição de importações e pós- Consenso de
Washington do que qualquer outra opção disponível."
Na condição de membro do Ministério Público do Trabalho (ramo
do Ministério Público brasileiro ao qual mais diretamente dizem respeito as
questões aqui tratadas), posso afirmar sem medo de errar que a maior parte
dos procuradores do trabalho reconhece a superioridade do tipo de atuação
resolutiva, na linha acima descrita. Preferem os membros do MPT em sua
maioria a busca de soluções conciliatórias, através da celebração de
compromissos, à propositura de ações judiciais, alcançando alternativas que,
sem implicar na persistência do descumprimento da legislação trabalhista,
ajustem-se se à realidade e às condições da empresa empregadora. Mas
nessa tarefa enfrentam os procuradores limitações importantes, como a
aguda carência de servidores especializados em questões técnicas
(engenheiros, contabilistas, etc.), capazes de lhes prestar assessoramento.
Roberto Pires dá notícia de outro exemplo de relação positiva
entre cumprimento da lei trabalhista e sucesso empresarial, a partir da
análise centrada na atuação de auditores-fiscais do trabalho115:
115 Em "Compatibilizando direitos sociais com competitividade: fiscais do trabalho e aimplementação da legislação trabalhista no Brasil", disponível emhttp://www.ipea.gov.br/sites/000/2/publicacoes/tds/td_1354.pdf
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"Este estudo trata da seguinte questão: como compatibilizar
direitos trabalhistas e proteção social com competitividade e produtividade
das empresas? Na América Latina, há um intenso debate sobre a
perversidade da legislação trabalhista (considerada prejudicial para os
trabalhadores e para as empresas) e, em resposta, a política recomendada
atualmente enfatiza a desregulamentação e a flexibilização dos direitos
trabalhistas existentes. Em contraposição a essa recomendação
convencional, este estudo demonstra que há uma “margem de manobra”
ainda pouco explorada para conciliar direitos trabalhistas com
competitividade que reside na etapa de implementação da legislação
trabalhista, em vez da reforma legal. Investigou-se o trabalho realizado na
“linha de frente” por fiscais do trabalho em, principalmente, dois estados
brasileiros (Minas Gerais e Bahia) e descobriu-se que em alguns casos os
fiscais conseguiram implementar a legislação trabalhista de forma a
promover tanto a melhoria das condições de trabalho quanto a
modernização (upgrading) das empresas. As conclusões do estudo sugerem
que os fiscais do trabalho foram capazes de promover esses resultados –
como, por exemplo, arranjos alternativos para empregar formalmente
trabalhadores rurais por tempo determinado ou medidas técnicas para
promover condições de trabalho mais saudáveis e seguras sem reduzir a
produtividade da empresa – quando combinaram estratégias punitivas (como
multas, sanções) com ações pedagógicas (como prestação de assessoria
técnica e jurídica).
(…)
Os economistas e as agências de desenvolvimento no
mainstream compartilham a percepção de uma incompatibilidade inevitável
entre a ampliação da regulamentação trabalhista e a capacidade das
empresas de competir em mercados cada vez mais globalizados
(JOHNSON; KAUFMANN; ZOIDO-LOBATON, 1998; SCHNEIDER; ENSTE,2000; FRIEDMAN et al., 2000; BATRA, KAUFMANN; STONE, 2003; PERRY
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et al., 2007). Por exemplo, no Brasil – um dos mercados de trabalho mais
regulados do mundo (BOTERO et al., 2004; DOING BUSINESS, 2006;
ALMEIDA; CARNEIRO, 2007), onde as empresas têm de cumprir 922 artigos
do código trabalhista, além de 46 artigos da Constituição Federal, 79
convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), 30 normas de
saúde e segurança (que somam mais de 2 mil itens), e muitos outros atos
administrativos e decisões judiciais, que acrescentam um encargo trabalhista
de até 103% sobre o salário – aqueles que compartilham da percepção de
que tal incompatibilidade é inevitável defendem a redução do nível de
regulamentação (“flexibilização”) e a diminuição da carga tributária sobre as
empresas como as maneiras mais efetivas de atrair investimentos, promover
a competitividade das empresas e gerar emprego.
Em contraste com a percepção dessa incompatibilidade
inevitável, um número crescente de estudiosos tem enfatizado a
possibilidade de formas inclusivas de crescimento econômico (UNGER,
2007) ou a chamada abordagem high road na economia internacional
(RODRIK, 1997; STIGLITZ, 2000; MILBERG; HOUSTON, 2005; BERNARD;
BOUCHER, 2007). Esses estudiosos argumentam que a partir da
perspectiva high road, o crescimento, a rentabilidade e a produtividade das
empresas, por um lado, e os direitos sociais, normas trabalhistas mais
exigentes e salários mais altos, por outro, não são mais incompatíveis.
Tornam-se processos que se reforçam mutuamente à medida que o foco
estratégico passa a ser o crescimento da produtividade, a inovação, e as
relações trabalhistas cooperativas (ABRAMI, 2005; POSTHUMA, 2004,
BAZAN; NAVAS-ALEMAN, 2004; BAILEY; BERNHARDT, 1997). Novamente
tomando o Brasil como exemplo, mesmo em um mercado de trabalho tão
regulado, um estudo recente (NORONHA; DE NEGRI; ARTUR, 2006)
encontrou evidências de que as empresas competitivas e inovadoras,orientadas para mercados externos, têm políticas salariais e de benefícios
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que vão além do mínimo estabelecido no código trabalhista, assim
contradizendo a hipótese de que os encargos trabalhistas seriam um
impedimento à competitividade e à inovação.
(…)
Em contraste com a economia neo-institucional, que supõe que a
existência das leis trabalhistas se traduz imediatamente em limites e
oportunidades para transações entre trabalhadores e empresas (moldando
preferências), destaco o processo através do qual os fiscais do trabalho
implementam as normas legais na linha de frente, levando a lei para dentro
das empresas.
Primeiramente, demonstramos que há uma margem de manobra
ainda pouco explorada para compatibilizar as normas trabalhistas com o
desempenho econômico das empresas que reside no processo de
implementação da legislação, em vez da reforma da lei."
No entanto, ao invés de incentivar tais formas de conciliação
entre desenvolvimento sustentável, competitividade e o cumprimento da
legislação trabalhista, a opção brasileira tem sido a de praticamente sabotá-
las, impedindo que possam se multiplicar e se tornar mais eficazes.
A atuação da auditoria-fiscal do trabalho, em particular, tem sido
submetida pelo governo federal há vários anos a um processo de verdadeira
demolição, tornando-se cada vez menos capaz de interferir na realidade,
seja para proteger os trabalhadores, seja para buscar soluções como as
descritas por Roberto Pires em seu artigo.
A desestruturação do sistema de fiscalização do trabalho tornou-
se objeto da atenção do Ministério Público Federal em razão de sua
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gravidade, como informa a seguinte notícia de 2011116:
“MPF/DF questiona serviços do Sistema Federal de Inspeção do
Trabalho
Ação civil pública aponta problemas de desestruturação,
carências e deficiências nos serviços do Sistema Federal de Inspeção do
Trabalho, realizado pelo MTE.
O Ministério Público Federal no DF (MPF/DF) ajuizou ação civil
pública em que questiona os serviços realizados pelo Ministério do Trabalho
e Emprego (MTE) por meio do Sistema Federal de Inspeção do Trabalho,
que é o setor responsável pela fiscalização de empresas e empregadores,
ou seja, pela apuração, imposição e execução de multas administrativas em
casos de irregularidades nos ambientes de trabalho.
De acordo com apuração do MPF/DF, o número de inspetores no
Brasil não tem acompanhado, minimamente, o crescimento populacional
brasileiro, “muito embora os próprios relatórios do Ministério do Trabalho e
Emprego reconheçam que a quantidade de auditores fiscais do Trabalho não
atende aos parâmetros da Organização Internacional do Trabalho (OIT)”.
O contingente atual de inspetores tem cerca de três mil auditores,
o que caracteriza um número muito abaixo do quadro ideal de 4,5 mil
servidores, conforme dados, de 2009, da Secretaria de Inspeção do MTE.
A carência de auditores fiscais do trabalho ocorre, principalmente,
por dois fatores, que são: a quantidade de aposentadorias anuais; e a
ampliação da população economicamente ativa. Ou seja, o crescimento do
número de trabalhadores que necessitam ser atendidos pelo serviço de116 Em http://www.prdf.mpf.gov.br/imprensa/27-06-2011-mpf-df-questiona-servicos-do-sistema-
federal-de-inspecao-do-trabalho
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inspeção não é acompanhado pelo número de inspetores.
Dessa forma, o Sistema Federal de Inspeção do Trabalho torna-
se ineficiente no enfrentamento da precariedade de condições de trabalho
dos brasileiros. Segundo o MPF/DF, tal situação é “a certeza de que,
anualmente, centenas de milhares, senão milhões de trabalhadores serão
atingidos em sua saúde, segurança e dignidade, perderão suas vidas em
acidentes, torna-se-ão incapazes para o trabalho em razão de doenças
laborais.” O MPF aponta, então, que todas essas dificuldades de realização
de uma fiscalização eficiente do trabalho no Brasil trazem problemas nas
cobranças de multas trabalhistas, que não são plenamente realizadas” .
Tal situação de penúria da inspeção do trabalho no Brasil revela-
se uma realidade particularmente perversa, na medida em que, com isso, os
maus empregadores acabam sendo premiados, levando vantagem
competitiva indevida - e economicamente nociva - frente aos bons
empregadores.
Afinal, é absolutamente incorreto dizer que todas as empresas
descumprem a legislação trabalhista, ou são incapazes de cumpri-la. Na
realidade, há muitas empresas que buscam o cumprimento da lei de forma
permanente, sendo injusto que tenham que competir no mercado com
empresas que adotam como estratégia deliberada a redução de custos
mediante supressão de direitos trabalhistas.
Como procurador do trabalho, pude constatar tal realidade de
perto, no setor da pecuária no estado de Mato Grosso. Ao lado de produtores
rurais que se esforçavam em cumprir a legislação trabalhista,
proporcionando a seus empregados condições dignas de trabalho, haviaaqueles que submetiam os trabalhadores a condições análogas às de
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escravo.
Não era na região (norte de MT) em absoluto verdade, portanto,
que “o cumprimento da legislação trabalhista é impossível” ao produtor rural,
tanto que muitos a cumpriam, e jamais eram alvo de denúncias ou
reclamações, sendo até elogiados por trabalhadores. Já ouvi de
trabalhadores rurais resgatados de situações degradantes declarações
assim: “na fazenda de Fulano isso não acontecia, lá era bom de trabalhar. Eu
queria voltar, mas não tinha vaga”. As desculpas eram vociferadas pelos
maus produtores, interessados em obter vantagem comercial indevida, pois
ao experimentar custos trabalhistas menores, podiam vender seu gado a
preços melhores que os produtores respeitadores da lei.
Tal situação, ao persistir por algum tempo (ou seja, ao não ser
prontamente reprimida pelos órgãos de fiscalização), cria um pressão de
mercado que arrasta as condições trabalhistas para baixo. O produtor rural
que cumpria a lei, sendo submetido à concorrência desleal, acabará sendo
tentado a cometer também violações, por temer ser expulso do mercado se
não conseguir fazer frente aos preços dos maus empregadores.
Trata-se de um exemplo concreto de como as más empresas e os
maus empregadores contaminam as condições socioeconômicas de uma
região e criam um ambiente de favorecimento ao descumprimento da lei. A
concorrência desleal faz nascer pressões competitivas que nada tem a ver
com a procura da excelência e da inovação, mas sim com a busca das piores
condições de trabalho possíveis, que proporcionem menor custo e maior
lucro (e também, via de regra, produtos de pior qualidade).
Para combater tal tipo de deturpação, que em nada favorece ocrescimento econômico saudável e o desenvolvimento do país, mostra-se
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vital a atuação fiscalizatória do estado, a qual, não obstante, tem sido no
Brasil comprometida, como visto na notícia acima. Nenhuma nação em que o
trabalho degradante esteja crescendo estará verdadeiramente se
desenvolvendo.
A persistência do sucateamento da fiscalização é medida que
constitui um prêmio às más empresas, cujas violações raramente são
flagradas ou punidas. Quem na prática acaba recebendo punição, isto sim,
são as boas empresas, que cumprem a legislação trabalhista e sofrem com a
concorrência desleal das primeiras.
Enfim, por tudo o que foi dito percebe-se que há um grande
espaço no Brasil para se avançar, através do favorecimento de mecanismos
capazes de promover a compatibilização das necessidades das empresas
com o respeito à legislação trabalhista. Poderíamos, por exemplo, identificar
outros exemplos desse tipo de atuação, e pensar em formas de aperfeiçoá-
las e torná-las mais conhecidas, combatendo os preconceitos que contra
elas existem tanto no meio empresarial quanto no operário.
Espaço há, como já mencionado, até mesmo para a ampliação do
atual patamar de direitos, por exemplo através da regulamentação, já
antevista pela Constituição Federal, da garantia do emprego, matéria
também regulada pela convenção 158 da OIT.
A pertinência da medida pode ser inferida pela colossal
quantidade de dispensas sem justa causa que vem sendo promovidas nos
últimos anos, não obstante a fase de crescimento econômico. Segundo
levantamento recente do Ministério do Trabalho e Emprego, entre 2007 e
2011 ocorreram no Brasil 41,9 milhões de dispensas sem justa causa, o quecorresponde a 57,5% de todos os casos de extinção de contratos de trabalho
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ocorridos no período. No mesmo interregno houve 80,6 milhões de
contratações, constando-se com isso que o índice de rotatividade no
mercado de trabalho brasileiro encontra-se altíssimo.
O que de fato contribui para o desenvolvimento é a disseminação
de boas práticas e bons empregos. A ótica centrada apenas em custos,
vistos sempre e tão somente como perdas e não como investimentos, faz
com que se desperdicem oportunidades, com desprezo ao efeito
dinamizador da economia proporcionado pela melhoria da distribuição de
riqueza e pela redução das desigualdades.
Essa deveria ser a prioridade nacional, e não reformas
precarizantes, que seguramente comprometerão a capacidade de
crescimento futuro do país, e nada acrescentarão ao desempenho das
empresas brasileiras, nivelando-as por baixo (premiando as que menos
inovam e menos investem) e não por cima como seria desejável, inclusive
por razões econômicas (como o aumento da diferenciação e do valor
agregado dos produtos brasileiros).
Nivelar a competitividade por baixo significará condenar o Brasil a
ser, para sempre, um país meramente exportador de commodities sem
qualquer valor agregado. E não se conseguirá reverter tal situação criando-
se empregos piores que os que já existem. Perderá o país o trem da história,
em um momento em que tudo parece conspirar a seu favor.
A lição deste capítulo é que competitividade e direitos trabalhistas
não necessitam estar em polos antagônicos, podendo ser alcançados de
forma harmônica, com proveito a toda a sociedade e a todas as classes
sociais.
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CONCLUSÃO
Desde o início de 2011 assiste-se no Brasil, de forma
preocupante, a uma retomada do ímpeto da articulação de forças
conservadoras, interessadas e dedicadas à tarefa de implementar uma
agenda de reformas neoliberais. Como mencionado na introdução, há 10
anos - ou seja, desde o fim do governo Fernando Henrique Cardoso - não se
via no país uma articulação tão poderosa e tão prejudicial aos trabalhadores,
sobretudo no Congresso Nacional.
Uma das principais bandeiras de tal movimento conservador é a
chamada “flexibilização” da legislação trabalhista, que como visto no capítulo
2, possui um único e inequívoco sentido, que é o da eliminação dos direitos
pertencentes aos trabalhadores. Despreza-se o fato de que os trabalhadores,
em sua maioria, estão pouco acima da linha da miséria ou nas camadas
inferiores da classe média, e mal ganham o necessário à satisfação de suas
necessidades básicas.
No contexto da retomada do projeto neoliberal no Brasil é que se
explica o avanço, no Congresso, de propostas como a do Código do
Trabalho (projeto de lei n° 1.463/2011), apresentada pelo deputado federal
Sílvio Costa e redigida, até onde se pode inferir, no âmbito da Confederação
Nacional da Indústria. Como visto no capítulo 1, a incompatibilidade de tal
projeto, e de outros semelhantes como o projeto do deputado Sandro Mabel
(projeto de lei n. 4330/2004, sobre terceirização), com o Direito do Trabalho é
total.
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Em essência, o que tais projetos contemplam é a retirada do
ordenamento brasileiro do princípio da proteção, sobre o qual se estrutura
toda a legislação trabalhista, nacional e internacional. Com isso,
desapareceria do Brasil algo merecedor de ser chamado Direito do Trabalho,
ramo do direito o que seria basicamente substituído por normas de natureza
civil e comercial.
Entre as piores novidades propostas no projeto do Código do
Trabalho estão, como destacado no capítulo 1, a prevalência do negociado
sobre o legislado (eliminação do caráter cogente, proibitivo, das normas
trabalhistas), a autorização irrestrita a terceirizações (também objeto do
projeto Mabel) e a abolição, na prática, da anotação em Carteira de Trabalho
e Previdência Social.
Na eventualidade de projetos assim serem convertidos em lei (o
que poderá ocorrer em breve), prevê-se que serão abolidos ou feridos de
morte quase todos os direitos trabalhistas hoje reconhecidos. Seriam
preservados apenas aqueles direitos expressamente discriminados na
Constituição Federal, o que não constitui garantia suficiente, dado que na
maior parte dos casos a Lei Maior prevê o direito, mas não a sua amplitude
(por exemplo, assegura-se o direito de férias, mas não os trinta dias de
férias).
Tal previsão não possui qualquer sentido alarmista ou exagerado,
traduzindo-se, antes disso, em uma perspectiva bastante realista, levando-se
em conta, em especial, o perfil da organização sindical brasileira. Não há
estrutura sindical no Brasil capaz de impedir, em sendo eliminada a proteção
proporcionada por leis cogentes e direitos irrenunciáveis, a voracidade do
ataque aos direitos trabalhistas.
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No capítulo 1 foram oferecidos exemplos concretos de tal
realidade, sendo especialmente preocupante a debilidade de sindicatos de
trabalhadores rurais, que são incapazes, salvo raras exceções, de oferecer
efetiva proteção à categoria, na ausência da lei.
Obviamente existem no país sindicatos fortes e dotados de
grande representatividade, conduzidos por verdadeiras lideranças sindicais,
como costuma ser o caso dos bancários e metalúrgicos, mas sindicatos com
esse perfil não constituem a maioria dentre todos os que existem, longe
disso.
Os primeiros direitos a cair, em sendo aprovadas as reformas
“flexibilizadoras”, leia-se eliminadoras de direitos, seriam: as limitações à
jornada de trabalho e ao número de horas extras (jornadas superiores a 10
horas por dia se tornariam comuns), os intervalos para descanso do
trabalhador (tornar-se-iam populares intervalos de quinze ou vinte minutos
para almoço), o número de dias de férias (30 dias se tornariam “privilégio” de
poucas categorias, apoiadas por sindicatos mais fortes), a integralidade das
verbas rescisórias (não seriam a todos os trabalhadores pagos os 40% sobre
depósitos do FGTS, por exemplo) e as normas de saúde e segurança do
trabalho.
Não há dúvidas, por exemplo, que uma das primeiras normas a
cair seria a Norma Regulamentadora n°31 do MTE, que institui regras de
saúde e segurança em favor do trabalhador rural, fortemente repudiadas pelo
agronegócio, como pode ser aquilatado pelas declarações da senadora Kátia
Abreu, presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária, para quem a
NR31 constitui um “atentado ao direito à propriedade rural”.
Revelou-se no capítulo 1, também, de que modo as reformas
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propostas permitirão a grandes empresas terceirizarem, se assim quiserem,
todos ou a maior parte dos seus postos de trabalho, mantendo com isso
todos os lucros e nenhuma das responsabilidades trabalhistas e
previdenciárias. Não haverá na legislação qualquer impedimento a isso, e
tampouco haverá vedação legal (salvo em norma internacional, que estará
sendo desrespeitada pelo estado brasileiro) a que trabalhem funcionários -
verdadeiros colegas de trabalho - desenvolvendo a mesma atividade em
proveito da mesma empresa, mas submetidos a empregadores (empresas
terceirizadas) diferentes, recebendo salários diferentes.
A retomada da cartilha neoliberal no Brasil acompanha, como
visto no capítulo 3, um movimento que também é percebido em outros
países (dos quais a Espanha é um dos mais representativos exemplos,
estando a ser seguida de perto por Portugal), normalmente apregoado em
nome da busca por “competitividade”. Como esclarecido, o sentido de tal
movimento é atingir as piores condições de trabalho possíveis em toda a
parte do globo, lançando as nações em um corrida insana rumo à
precarização social em larga escala, e ao recrudescimento das tensões
internas e externas, tudo em nome do lucro.
O mais preocupante disso é que o resultado da eliminação dos
direitos sociais é bem conhecido por quem se dispõe a estudar a história,
conduzindo inevitavelmente a guerras e crises, inclusive mundiais.
De fato, não há nada de novo ou atual no projeto neoliberal de
eliminar direitos, pois o que está sendo efetivamente pretendido é o retorno
às práticas laborais que prevaleciam no século 19. Práticas essas que
contribuíram para que o mundo mergulhasse em duas guerras mundiais,
com o extermínio de dezenas de milhões de seres humanos, e na maior criseeconômica mundial até hoje já vista, marcada pelo crash da bolsa de 1929.
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Não percebem ou não se importam os neoliberais de hoje que há
excelentes motivos históricos por trás dos direitos sociais reconhecidos e
garantidos aos trabalhadores, sendo um fato (universalmente reconhecido ao
final de cada uma das guerras mundiais), e não uma suposição abstrata, que
a precarização social causada pela ausência desses direitos conduz a
tensões sociais, convulsões graves, conflitos, violência e guerras. A criação,
em 1919, e a reafirmação, em 1945, da Organização Internacional do
Trabalho constitui decorrência direta de tal realidade.
Ademais, chega às raias do surreal a pretensão de se defender,
desde o início de 2011, a eliminação de direitos trabalhistas, portanto de
direitos dos mais pobres, quando o cenário socioeconômico atual é marcado
pelo crescimento anual do número de bilionários e de mega-fortunas, no
Brasil e no mundo, como visto no capítulo 5. Possui o Brasil, hoje, mais de
30 bilionários, e 1.520 pessoas com patrimônio pessoal superior a 50
milhões de dólares.
De fato, o número de fortunas descomunais não para de crescer,
engordadas principalmente pela apropriação dos mecanismos de
funcionamento do estado, seja através da preservação de um sistema
tributário injusto (que exonera ricos e penaliza os pobres e a classe média),
seja através de generosas inversões de dinheiro público decorrentes da
dívida pública (cujos juros, encargos e amortizações remuneram sobretudo
os super-ricos, e já comprometem quase metade, 44,93%, do orçamento da
União Federal) ou de operações de salvamento de empresas privadas, sem
qualquer contrapartida à sociedade.
O ano de 2010, como também visto, foi particularmenteprodigioso na geração de lucros recordes às empresas e aos bilionários
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brasileiros, além do crescimento da remuneração paga aos executivos de
alto escalão (CEOs), constituindo um verdadeiro deboche que,
imediatamente após o término do ano, sejam lançados e aprovados projetos
para eliminação dos direitos dos mais pobres. As evidências reproduzidas
nesta obra indicam que nunca se produziu tanta riqueza no Brasil como nos
dias atuais, e nunca a riqueza esteve tão concentrada, sendo desviada para
as mãos de um número reduzidíssimo de super-ricos.
Ou seja, o lucro no Brasil cresce, e particularmente o lucro dos
bilionários e multimilionários, mas a riqueza não é distribuída em sociedade,
não gerando maior desenvolvimento. E agora pretende-se alavancar as
margens de lucro ainda mais às custas dos trabalhadores e de suas famílias.
Mostra-se também insólito que se venha a falar em supressão de
direitos trabalhistas quando se sabe que as perspectivas de crescimento do
Brasil são mais favoráveis que a da média dos países, inclusive europeus.
De fato, já se assiste, em diversos setores da economia e regiões do Brasil,
aguda carência de mão de obra, não se justificando em absoluto a
eliminação de direitos como forma de facilitar a geração de empregos. A
geração de empregados passa pela qualificação da mão de obra, não pelo
empobrecimento dos operários.
O avanço conservador iniciado em 2011 explica-se em parte por
tal aquecimento do mercado de trabalho, podendo-se inferir que as reformas
flexibilizadoras são uma medida estratégica da elite econômica nacional, já
antevendo embates futuros com os trabalhadores fortalecidos em sua
posição. A estratégia parece ser suprimir dos trabalhadores tudo o que se
puder agora, para que no futuro próximo, quando eles estiverem em
condições de exigir novas conquistas, dada a ausência de um exército demão de obra de reserva, tudo o que conseguirão será recuperar, em parte,
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aquilo que perderam.
No capítulo 6 viu-se que os direitos trabalhistas não apenas não
constituem obstáculo ao crescimento econômico, como ainda servem de
importante instrumento para a viabilização do desenvolvimento duradouro e
sustentável. Foi lembrada a evidência, profundamente inconveniente aos
arautos do neoliberalismo, de que o Brasil já provou ao mundo, nos últimos 8
anos, que é possível crescer economicamente, e crescer muito, sem mexer
no patamar de direitos trabalhistas. O país passou no período de 13ª à 7ª
maior economia do mundo, um crescimento fantástico, sem tocar nos direitos
dos trabalhadores.
Não obstante todas essas evidências, a sanha de se eliminar
direitos sociais encontra-se em alta voga, com respaldo de expressiva
bancada no Congresso Nacional.
O momento atual apresenta ameaças ainda mais graves que
aquelas surgidas ao final do governo FHC, quando se chegou próximo à
aprovação de reformas legislativas semelhantes. Afinal, em 2001 o projeto
neoliberal foi enfrentado por partidos que estavam na oposição àquele
governo, como o Partido dos Trabalhadores, e por centrais sindicais, como a
CUT, que se posicionaram fortemente pela defesa dos trabalhadores.
Reação que não se vê sendo repetida nos dias de hoje, tendo sido até o
momento muito tímidas e acanhadas as manifestações de contrariedade às
reformas precarizantes. Parte das forças políticas que se posicionaram, em
2001, contra tais reformas “flexibilizadoras” (eliminadoras de direitos) estão
agora, em 2011, a defendê-las abertamente ou dão mostras de que não
pretendem interferir no processo, com o vexatório abandono dos nobres
valores que defendiam há apenas 10 anos atrás.
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Percebo que até o momento os trabalhadores brasileiros ainda
não “acordaram” para a ameaça concreta. Ainda não adquiriram os
trabalhadores brasileiros consciência de que estão na iminência de perder a
maior parte de seus direitos, os quais serão colocados à margem da
proteção da lei e do estado.
O projeto Mabel (terceirização), em particular, menos amplo que o
projeto do Código, avança a passos largos no Congresso Nacional, com a
ajuda de manobras regimentais (como entrada em votação sem prévia
inclusão em pauta).
Tal situação precisa ser urgentemente corrigida, para o bem dos
trabalhadores e para o bem de todo o país, pois em sua busca cega por
maiores lucros estão os apóstolos do neoliberalismo prestes a aprovar
mudanças que comprometerão a capacidade de crescimento econômico e
desenvolvimento sustentável no Brasil. A própria elite econômica brasileira
acabará sendo atingida, correndo-se o risco de ser interrompido o surto de
crescimento iniciado há 8 anos, e que está diretamente relacionado à
diminuição da desigualdade social, como foi tratado no capítulo 6.
Como procurador do trabalho, angustia-me a perspectiva de que,
em sendo aprovadas as reformas precarizantes, em breve a Auditoria-Fiscal
do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho e a Justiça do Trabalho pouco
terão o que fazer no Brasil, tornando-se ociosos, dado que quase nada do
Direito do Trabalho restará para ser fiscalizado e imposto pelo estado.
Quando esse ponto for atingido, a extinção pura e simples da Justiça do
Trabalho, e consequentemente também do Ministério Público do Trabalho,
tornar-se-á o passo seguinte quase que inevitável, como já defendeu o
deputado Sílvio Costa, autor do projeto do Código do Trabalho.
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Momentos de crise, entretanto, são também momentos de
oportunidade para mudanças. Como diz o dito popular, “tiros podem sair pela
culatra” . É possível que o excesso de cobiça e de egoísmo demonstrados
pela elite econômica brasileira, pretendendo maiores lucros às custas dos
trabalhadores em um momento em que já estão sendo obtidos lucros
recordes, funcione como um catalizador para a alteração da postura dos
trabalhadores, e para a “mudança da maré”.
Afinal, o que se desenha, desde o início de 2011, é uma tentativa
por parte da elite econômica, com apoio de segmentos do poder político, de
reescrever o pacto social construído no Brasil no período da
redemocratização e da promulgação da Constituição de 1988. Pretende-se
claramente remover o equilíbrio entre capital e trabalho lá instituído, já
manifestamente benéfico à elite, com a supressão de conquistas históricas
da classe trabalhadora.
Dado que a elite econômica está a tomar tal iniciativa, é desejável
que os trabalhadores brasileiros sintam-se encorajados a fazer o mesmo,
buscando também a reconfiguração do pacto social até agora existente, só
que em seu favor, através do aumento da quantidade e qualidade (em
termos de efetividade) dos direitos e garantias sociais, providência capaz de
interromper o processo em curso de aguda concentração de riqueza nas
mãos de pouquíssimas pessoas.
Contra a campanha conservadora pela supressão de direitos e
aprofundamento da precarização, há espaço para que os trabalhadores
passem da letargia e da atitude defensiva à mobilização coletiva ativa, quem
sabem em torno do lema “mais direitos já”, que é justo, socialmente relevante
e economicamente justificado.
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Como mencionei no capítulo 5, “Para os trabalhadores
brasileiros, o desafio atual é claro: não é mais possível, inclusive do ponto de
vista da preservação dos direitos que ainda possuem, continuar na inação ou
mesmo na defensiva. É preciso que partam para o ataque, e exijam não a
manutenção dos direitos atuais, mas a conquista de novos e mais amplos
direitos, vale dizer, que exijam um quinhão maior da riqueza a mais que já foi
produzida e da que vem sendo produzida, mas que não está sendo
distribuída”.
Para isso, os trabalhadores precisam aproveitar todas as formas
de comunicação disponíveis para fazer circular a informação sobre os
enormes riscos existentes, especialmente a ameaça de aprovação de
reformas legislativas “flexibilizadoras” (eliminadoras de direitos), e lançar
mão de todos os instrumentos capazes de facilitar a mobilização coletiva,
inclusive através das redes sociais.
A apatia dos supostos líderes trabalhistas de hoje não deve em
absoluto desestimular os trabalhadores de tal empreitada. Na verdade, em
todos os momentos históricos em que se verificou real avanço social o povo
tomou a dianteira, com os supostos líderes correndo atrás para acompanhar
(e tentar controlar) o movimento espontâneo. A força dos trabalhadores,
assim como a força da população em geral, está na espontaneidade da
mobilização coletiva, cujo poder é incontrastável.
Além disso, farão bem os trabalhadores se conseguirem
identificar e expurgar de seu meio, de suas organizações e de seus
sindicatos as falsas lideranças, pessoas não apenas apáticas mas
verdadeiramente mal intencionadas, que promovem a defesa de todo tipo de
interesse, exceto o dos trabalhadores.
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Nesse sentido, é preciso que os trabalhadores desconfiem, e
reconheçam como uma falsa e ilegítima liderança a ser expurgada, qualquer
pessoa que venha a lhes dizer, por exemplo, que “greves são coisas do
passado”, que “a flexibilização permitirá aumentar os direitos do trabalhador”
e que “a terceirização será benéfica ao trabalhador”.
De fato, greves e mobilizações coletivas de questionamento à
ordem estabelecida foram, são e serão, enquanto houver capitalismo, o
principal instrumento de luta à disposição dos trabalhadores, e praticamente
o único temido pela elite, dada a capacidade da greve de interferir de forma
direta na dinâmica das relações de trabalho e dos processos produtivos.
Além disso, como visto no capítulo 2, a flexibilização que está
sendo planejada através de reformas não possui outro significado além da
supressão de direitos, dado que a criação ou ampliação destes, que seria
providência benéfica aos trabalhadores, sempre foi possível sem qualquer
necessidade de mudança da legislação.
E quanto à terceirização, trata-se de um mecanismo voltado,
salvo raras exceções já reconhecidas pelo ordenamento em vigor, à
eliminação de custos sem reflexão quanto às consequências futuras, o que
conduz forçosamente à piora das condições de trabalho, bem como à
produção de produtos e serviços de pior qualidade, tendo em vista o menor
investimento realizado. Trabalhadores terceirizados são, simplesmente,
trabalhadores com menos direitos.
O momento, por todo o exposto, não inspira moderação ou
neutralidade, mas ação, e já. Não há qualquer tipo de moderação ou
razoabilidade na agenda atual de reformas neoliberais, mas sim radicalismoextremo, indiferente às nefastas consequências sociais que se seguirão.
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Nada, no plano das relações de trabalho, poderia ser tão radical e agressivo
quanto projetos que pretendem abolir o princípio da proteção e por
consequência extirpar o Direito do Trabalho do ordenamento brasileiro. Até
mesmo a Carteira de Trabalho, um dos mais importantes símbolos de
cidadania do país, desejam destruir. Contra tal radicalismo conservador
desmensurado merece se erguer a reta e enérgica indignação de todas as
pessoas que acreditam na justiça, e que sonham com um Brasil melhor para
todos, e não apenas para os mais ricos.
Pois se direitos hão de ser suprimidos no Brasil, que sejam
aqueles pertencentes aos mais de 30 bilionários brasileiros, ou aos 1.520
brasileiros que possuem patrimônio pessoal superior a 50 milhões de
dólares, ou aos executivos de alto escalão (CEOs, diretores e presidentes de
companhias, etc.), que são os mais bem pagos do mundo (ver capítulo 5) e
que chegam a receber até 23 salários extras por ano, além de outras
regalias.
Que se restrinjam os direitos dos super-ricos, através de adicional
e suficiente tributação, antes de se mexer nos direitos dos trabalhadores, que
pouco tem. Que os parlamentares, políticos e economistas que tanto se
preocupam com “competitividade”, “globalização”, “modernização” e o que
quer que seja, dirijam suas atenções e seus projetos de lei às pessoas que
muito tem, e que muito podem contribuir financeiramente à nação, e não aos
que muito pouco ou quase nada tem, e que pagarão por qualquer sacrifício
adicional com sofrimentos diários.
Que se desonere o setor produtivo, se essa é a intenção, e se
isso é o que se reputa necessário ao crescimento econômico, na mesma
proporção em que se venha a onerar - através de reformas legislativas - asgrandes fortunas, única alternativa séria, justa e viável para um país que está
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a se tornar cada vez mais rico e cada vez mais desigual. Que não se destrua
a economia do Brasil, e milhões de vidas no processo, mediante a
eliminação de direitos sociais, essenciais ao desenvolvimento do país.
Se a presente obra puder contribuir, ainda que de forma mínima,
para alertar os trabalhadores brasileiros quanto à ameaça imediata que está
sobre eles a pairar, e para a necessidade premente de reação coletivamente
organizada, seus objetivos já terão sido plenamente atingidos.
Os riscos sobre os trabalhadores poucas vezes foram tão
grandes, e a conjuntura política tão desfavorável, mas trata-se de uma boa
luta, e de uma boa causa, daquelas que nos enchem de orgulho quando por
elas combatemos. Vencendo ou perdendo, a causa da justiça nos compele.
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ÚLTIMAS PALAVRAS
A todos aqueles a quem esta obra tiver de alguma forma
agradado, que se preocupem com o destino dos trabalhadores e com a
ameaça imediata de ampliação das desigualdades sociais no Brasil, faço o
pedido de que deem notícia do livro, ou das ideias aqui discutidas, em
suas redes sociais (Facebook, Twitter, etc.), listas e fóruns de
discussão e contatos de e-mail.
Como revelaram em 2011 os levantes populares por democracia
no mundo árabe, e o movimento “Occupy Wall Street” nos Estados Unidos, a
força desse tipo de mobilização já é uma realidade, e merece ser aproveitada
para a denúncia e o combate das reformas legislativas precarizantes, e para
a promoção da justiça social no Brasil.
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