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Prêmio Fundação Conrado Wessel 2013
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Os vencedores do Prêmio Conrado Wessel de Arte, Ciência e Cultura 2013
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DIRETORIA EXECUTIVA
diretor-presidente Dr. Américo Fialdini Júnior
diretor vice-presidente Dr. Sérgio Roberto de Figueiredo Santos e Marchese
superintendente
José M. Caricati
coordenador científico Dr. Erney Plessmann de Camargo
coordenador cultural
Dr. Carlos Vogt
supervisor administrativo
José Álvaro Fioravanti
assistente de diretoria Sérgio Kosuge
CONSELHO CURADOR
presidente Dr. Jorge Márcio Arantes Cardoso
membros Dr. Antonio Augusto Orcesi da CostaDr. Erli dos Reis RodriguesCel.PM Kleber Danúbio Alencar JúniorDr. Nelson Miyoshi TanakaDr. Reinaldo Antonio NahasProf. Stefan Graf von Galen
equipe administrativa
Brenda KrishinaÉrika de Souza TakakiMárcia LopesMaria Francinete de SousaSamuel VeríssimoTania de OliveiraVanessa Tiemi KasayaVanderlei Souza de Lima
coordenacão desta edição
José M. Caricati
FUNDAÇÃO CONRADO WESSEL
Rua Pará, 50 - 15º andar Higienópolis - CEP 01243-020 São Paulo - SP - Brasiltel./fax +55 11 3237-2590 / 3237-4770www.fcw.org.br
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4 Estudos na Escola Politécnica forneceram a base técnica para Conrado Wessel criar fábrica de papel fotográfico
8 Premiação da FCW reúne personalidades marcantes da pesquisa e cultura
14 Luiz Hildebrando Pereira da Silva fez carreira no Instituto Pasteur e hoje é um dos responsáveis pela diminuição dos casos de malária em Rondônia
20 José Rodrigues Coura estuda – e combate – o mal de Chagas enquanto se dedica a espalhar especialistas em infectologia e parasitologia por todo o país
26 O trabalho de Niède Guidon em prol dos sítios arqueológicos do Parque Nacional Serra da Capivara colocou o Piauí em um lugar de destaque na pré-história das Américas
32 Conheça os três ensaios fotográficos vencedores em Arte de 2013
48 Quem são os parceiros da Fundação Conrado Wessel
49 Saiba quem escolheu os ganhadores desta edição
50 Cronograma da premiação 2014
Índice
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4 e s p e c i a l p r ê m i o c o n r a d o w e s s e l | p e s q u i s a f a p e s p
Ubaldo Augusto Conrado Wessel, instituidor da Fundação Conrado Wessel (FCW), fez nos seus últimos anos de vida uma ano-tação em que louvava os professores da Escola Politécnica de São Paulo, incorpo-rada à Universidade de São Paulo (USP) em 1934. “Os conhecimentos que adquiri
quando estudei em Viena, a fotoquímica e a fabrica-ção de clichês estavam longe de poder me aventurar a uma empresa de tal porte, ou seja, a fábrica de pa-péis fotográficos”, escreveu. “Para me aperfeiçoar em química, meu pai conseguiu que eu frequentas-se, como ouvinte, as aulas de química na Escola Po-litécnica. Lá, eu aprendi muita coisa; os professores eram muito gentis e dedicados. Devo aqui externar o meu sincero agradecimento aos drs. Höttinger, Lin-denberg, Wanderley e Magalhães. A eles devo o que aprendi.” O reconhecimento da competência e o elo-gio aos professores ganham especial relevo este ano, quando a USP completa 80 anos.
Wessel (1891-1993) frequentou a Poli como aluno e auxiliar de laboratório do professor Roberto Höt-tinger, entre 1915 e 1919. Antes ele havia estudado no Instituto K. K. Lehr und Versuchs Antstalt, de Viena, na Áustria, de 1911 a 1913, à época, a melhor escola do mundo para aprender sobre fotografia, clicheria e inovações tecnológicas trazidas pela descoberta dos raios X e da fotoquímica. Wessel foi aluno de Jo-sé Maria Eder, inventor, professor de fotoquímica e fotometria, um dos primeiros a desenvolver a foto-
Estudos na Escola Politécnica forneceram a base técnica para Conrado Wessel criar fábrica de papel fotográfico
ConheCimento indispensável
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Wessel no Jardim da Luz, fotografado por
lambe-lambe no início dos anos 1920: contatos de venda eram feitos
pelo inventor
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grafia de raios X e também um dos pioneiros a usar a técnica em zoologia, arqueologia e na medicina forense. Sua influên-cia sobre o aluno sul-americano foi grande e reconhecida – era comum o professor escolhê-lo para ajudar em trabalhos no seu laboratório. As experiências de Eder influenciaram o estudante a buscar uma nova fórmula ca-paz de reproduzir as fotos em papel, vidro, plástico ou outros materiais sensíveis à luz.
Embora excelentes, os estu-dos realizados na Áustria não bastavam para o que Wessel almejava. Foi o conhecimento adquirido em São Paulo com Höttinger, na Poli, que conso-lidou suas pesquisas. O jovem inventor conseguiu dois feitos
depois de terminados todos os cursos: a patente de um novo papel fotográfico, em 26 de outubro de 1921, e a instalação de sua primeira fábrica. Nada foi fácil. Wessel enfrentou grandes dificuldades
ao tentar entrar no mercado dominado pelas empresas Kodak, Agfa e Gevaert. Ele gostava de usar a imagem de uma abelha e de um cão para expressar como se sentia brigando contra os gigantes do setor (ver página ao lado).
Foi no Jardim da Luz que o inven-tor fazia contatos de venda direta para os fotógrafos lambe-lambes.
Os esforços frutificaram. Quando eclo-diu a Revolução de 1924 houve escassez de produtos em São Paulo. Um fotógrafo conhecido como Russo lembrou-se de Wessel e adquiriu todo seu papel foto-gráfico. “Russo comprou as 150 caixas que ainda tinha em estoque, e me disse: ‘Fabrique mais, muito mais, o material é excelente’.” Foi o que ele fez: “Criei alen-to e tratei de produzir o máximo. Assim, a revolução que estourou em São Paulo em junho de 1924 permitiu que a indús-tria fotográfica brasileira não morresse no seu nascedouro”.
A partir de 1924, com prestígio assegu-rado entre os profissionais da fotografia, sua história tomou outra direção. A fá-brica de papel cresceu e Wessel legou o patrimônio acumulado, décadas depois, à criação da FCW. O patrimônio foi tri-plicado pelos atuais administradores e continua a expandir o patrocínio às ati-vidades sociais transformadoras. Hoje a FCW mantém as já conhecidas doações anuais a entidades cuja relação o próprio Wessel definiu em seu testamento: o Cor-po de Bombeiros da Polícia Militar do Estado de São Paulo, a Fundação Antonio
depois de 1924, a fábrica de papel de Wessel cresceu e todo o patrimônio acumulado foi legado à FCW
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A fundação patrocina as revistas cien-tíficas Anais da Academia Brasileira de Ciências (ABC), JATM/Journal of Aeros-pace Technology and Management (DCTA) e Pesquisa Naval (Marinha do Brasil). Também apoia o Núcleo Fundações por meio do Projeto de Inserção Digital, que já formou mais de 2.400 alunos carentes, e a Fundação Escola Aberta do Terceiro Setor, entidade com mais de mil alunos formados via educação a distância com cursos para monitores administrativos para o terceiro setor.
Tais ações de incentivo têm um traço comum: a certeza de cumprir missão de caráter público indispensável à nação. Para isso, buscam-se novos talentos ao mesmo tempo que se reconhecem os de maior contribuição social ao país. n
Prudente, o Serviço de Promoção Social do Exército de Salvação, as Aldeias In-fantis SOS do Brasil, a Escola Benjamin Constant e mais 27 entidades que aten-dem crianças carentes.
O Corpo de Bombeiros recebe a maior porção das cotas anuais da FCW por in-tenção de seu fundador. Em 2014, mais de 40 bombeiros divididos em três grupos se aperfeiçoarão no exterior com patrocínio da fundação. Um grupo seguiu para India-nápolis, nos Estados Unidos, para partici-par do Fire Department Instructor Con-ference em abril. Outro grupo seguirá em julho, onde fará um curso especializado na Academia dos Bombeiros, em College Station, no Texas. Por fim, uma terceira equipe estará em Belfast, na Irlanda do Norte, como participante do World Police and Fire Games, em agosto.
São também significativas as contri-buições anuais para o Serviço de Promo-ção Social do Exército de Salvação no res-gate dos desamparados e para as Aldeias Infantis SOS Brasil no acompanhamento de órfãos. No mesmo perfil se inclui a doação à Escola Benjamin Constant, em São Paulo, onde Wessel fez seus primei-ros estudos. É preciso registrar a doa-ção feita anualmente à Fundação Anto-nio Prudente, mantenedora do Hospital A.C. Camargo, e a cota anual de entidades que atendem crianças, com a parceria de escolha do Ministério Público do estado. Somadas às anteriores, estas últimas doa-ções chegam a 23.857 famílias atendidas.
Afora as doações, há a promoção às cate-gorias Arte, Ciência, Cultura mediante prêmios (ver página 8), apoio a publi-
cações específicas de cunho internacio-nal, aporte a eventos da mesma linha de atuação e parceria na outorga de bolsas a doutores em cursos pós-doc no exterior. Há atribuição do Prêmio Almirante Ál-varo Alberto, em parceria da FCW com a Marinha do Brasil e o CNPq, e as três bolsas complementares pós-doc FCW pa-ra as bolsas Capes. No total, até este ano de 2014 foram concedidos 130 prêmios e bolsas. E ainda cabe lembrar de Moisés Bonella, o aluno que ficou quatro anos na Universidade de Indiana, nos Estados Unidos, mantido com bolsa FCW/Indiana.
Imagem utilizada por conrado Wessel para mostrar como se sentia (um inseto) ao enfrentar grandes empresas. Na página anterior, cartão-postal enviado para o pai quando estudou em viena, entre 1911 e 1913
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A festa dos ganhadores dos Prêmios FCW de Arte, Ciência e Cultura ocorre desde 2004 na Sala São Paulo, no centro da capital paulista, e é um evento por onde já passaram alguns dos mais expressivos artistas brasileiros. O maestro João Carlos Martins, o violinista Moisés Bonella e o pianista Ney
Fialkow, os violonistas Fabio Zanon e Yamandu Costa, o pianista e arranjador Cesar Camargo Mariano e a cantora lírica Céline Imbert, a Orquestra Jazz Sinfônica e, em especial, o pianista Arnaldo Cohen – parceiro de primeira hora da Fundação Conrado Wessel – se apresentaram depois da homenagem às personalidades da ciência, da medicina, da cultura e aos fotógrafos. Neste ano de 2014, o concerto foi da Orquestra Sinfônica da USP, com regência do maestro Ricardo Bologna.
O alto nível dos artistas faz jus ao naipe de 96 ganhadores do Prêmio FCW, de 2002 a 2013. Os laureados em Ciência, Medicina e Cultura recebem, cada um, R$ 300 mil; os três ganhadores da categoria Ensaio Fotográfico dividem R$ 200 mil. Todos ganham também uma escultura do artista plástico Vlavianos e um certificado. O reconhecimento se dá àqueles cientistas, médicos e artistas cujo currículo não se limita a sua área de formação. Em outras palavras, as realizações de cada um que tenham a ver também com benefícios para a sociedade são amplamente levadas em conta pelo júri (página 49), além da obra acadêmica, científica ou artística. Os integrantes do júri vêm das instituições parceiras da FCW (página 48),
Arte e ciênciA, lAdo A lAdo
ciência
Luiz HiLdebrando Pereira da SiLva
medicina
JoSé rodrigueS Coura
cultura
niède guidon
2013
Premiação da FCW reúne personalidades marcantes da pesquisa e cultura
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entre elas, a Academia Nacional de Medicina, a mais nova instituição a ter convênio com a fundação.
Neste ano os ganhadores nas categorias Ciência e Medicina têm perfis que, de certa forma, são semelhantes quando se vê pelo prisma social. Luiz Hildebrando Pereira da Silva (Ciência) é um parasitologista que, ao se aposentar no Instituto Pasteur, de Paris, decidiu continuar trabalhando no Brasil (página 14). Não em São Paulo, onde nasceu, se formou e começou a carreira científica, mas em Rondônia, um estado com carências extremas na área da saúde. Foi lá que instalou um centro de pesquisa em medicina tropical. Já José Rodrigues Coura, um paraibano radicado no Rio de Janeiro, ajudou a espalhar especialistas em doenças infecciosas parasitárias por todo o Brasil, em regiões como a Amazônia e o pantanal, graças a uma forte vocação de formador de pesquisadores (página 20).
A ganhadora em Cultura, Niède Guidon, tem em comum com Hildebrando e Coura o gosto pelo sertão (página 26). Arqueóloga paulista, foi a idealizadora do Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí. Criou ali a Fundação do Museu do Homem Americano e luta pela preservação da região, riquíssima em imagens rupestres que ajudam a contar a história da presença humana nas Américas.
Nestas páginas há nome, especialidade e foto dos ganhadores dos Prêmios FCW. Os critérios foram aperfeiçoados ao longo desses 12 anos e algumas categorias sofreram modificações. Nas edições de 2003, 2004, 2005 e 2006 de Ciência e Cultura houve seis premiados; nas de 2007, 2008 e 2009 houve quatro premiados; a partir de 2010 foram três. O mesmo ocorreu com a categoria Arte. A premiação apenas das fotos publicitárias evoluiu, desde 2011, para os ensaios fotográficos (página 32). Em 2013, fotógrafos de 18 estados e do Distrito Federal ganharam motivação para se inscrever pelo endereço www.fcw.org.br. Por fim, um livro lançado sempre no segundo semestre resume o esforço da FCW – constante, anual e já reconhecido pela comunidade científica – de premiar os melhores em Arte, Ciência e Cultura. n
ciência
Jorge KalilImunologista
medicina
Miguel SrougiUrologista
cultura
Paulo vanzolini *Compositor e
zoólogo
cultura
nelson Pereira dos SantosCineasta
ciência Geral
Jairton dupontQuímico
medicina
angelita Habr-gamaColoproctologista
2011 2010
ciência
Sérgio rezendeFísico
medicina
Marcos MoraesOncologista
cultura
João Carlos MartinsMaestro
2012
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* Laureado falecido
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medicina
ricardo PasquiniHematologista
ciência Geral
Leopoldo de MeisBioquímico
cultura
ariano Suassunadramaturgo
ciência Geral
iván izquierdoneurocientista
cultura
affonso Ávila *Poeta e
ensaísta
2009 2008
ciência Geral
Jerson Lima da SilvaBioquímico
ciência aplicada
João gomes de oliveiraengenheiro
mecânico
cultura
antonio nóbregaMúsico e
dançarino
2007
medicina
Fulvio PileggiCardiologista
medicina
ivo PitanguyCirurgião
plástico
ciência aplicada
ernesto Paterniani *Geneticista
de plantas
ciência aplicada
Hisako HigashiBioquímica
FO
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cultura
ruth rochaescritora
medicina
ricardo brentani *Oncologista
ciência aplicada ao campo
Magno ramalhoGeneticista de plantas
ciência aplicada ao campo
Luiz C. Fazuoliagrônomo
cultura
Fábio LucasCrítico e ensaísta
medicina
adib JateneCardiologista
ciência Geral
Sérgio MascarenhasFísico
ciência aplicada ao meio ambiente
Carlos nobreClimatologista
2006
ciência aplicada à ÁGua
aldo rebouças *Geólogo
ciência aplicada ao meio ambiente
aziz ab’Sáber *Geógrafo
ciência aplicada à ÁGua
galizia TundisiBiólogo
ciência Geral
Wanderley de SouzaParasitologista
2005
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ciência aplicada ao campo
instituto agronômico
cultura
Ferreira gullarPoeta
medicina
Cesar victoraepidemiologista
medicina
Maria inês Schmidtepidemiologista
cultura
Lya Luftescritora
ciência aplicada ao campo
Jairo vieiraagrônomo
ciência Geral
Carlos Henrique de brito CruzFísico
ciência aplicada ao mar
dieter MueheGeógrafo
ciência aplicada ao meio ambiente
Philip FearnsideBiólogo
2003
ciência Geral
isaias rawBioquímico
ciência aplicada à ÁGua
alberto Franco *Oceanógrafo
ciência aplicada ao meio ambiente
Museu Paraense emílio goeldi
2004
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Primeiro ele virou comunista e, em decor-rência, virou parasitologista. As duas esco-lhas pautaram, paradoxalmente, sua trajetó-ria de vida: a primeira o expulsou do Brasil por duas vezes, nos anos 1960; e a segunda o trouxe de volta, mais de 30 anos depois. Aos 85 anos, Luiz Hildebrando Pereira da
Silva, diretor aposentado da Unidade de Parasitologia Experimental do Instituto Pasteur, na França, ainda divide sua agenda entre Paris e Porto Velho, onde di-rige o Instituto de Patologias Tropicais de Rondônia (Ipepatro) e é vice-diretor de Pesquisa, Desenvolvi-mento Tecnológico, Inovação e Serviços de Referência da Fiocruz Rondônia. Mas conciliou suas escolhas: “Eu me identifico com o comunismo que defende os grandes ideais do Iluminismo: a liberdade, a igualda-de e a fraternidade”.
Ao comunismo, ele chegou adolescente. Aos 15 anos, ingressou no Partido Comunista Brasileiro (PCB), inspirado pelo heroísmo do marechal Jukov e pelo “pa-pel determinante” da União Soviética na luta contra o nazismo. À parasitologia, foi entronizado por Samuel Pessoa, também comunista, pioneiro nos estudos epi-demiológicos em comunidades rurais brasileiras.
Recém-formado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), em 1953, Luiz Hil-debrando escapou da residência médica e embrenhou--se em Misericórdia de Piancó, no sertão da Paraíba, num programa de pesquisa sobre epidemiologia de doenças parasitárias dirigido por Pessoa. Foi lá que,
Luiz Hildebrando Pereira da Silva fez carreira no Instituto Pasteur e hoje é um dos responsáveis pela diminuição dos casos de malária em Rondônia
Combate sem trégua
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tava organizar um laboratório de genética de microrganismos quando veio o golpe militar. Passou três meses preso no navio Raul Soares, denunciado por recolher fun-dos e dar asilo a comunistas procurados. Acabou demitido por ato do governador Adhemar de Barros, em 9 de outubro de 1964, último dia da vigência do Ato Ins-titucional nº 1. Voltou à França e, com o apoio de François Jacob, integrou-se ao Instituto Pasteur como assistente, ganhou posição de pesquisador no Centro Nacio-nal de Pesquisa Científica (CNRS), mas não desistiu do que Lwoff dizia ser seu “primeiro amor”: o T. cruzi.
Quando o Itamaraty promoveu uma campanha de repatriamento de cien-tistas, em 1967, acreditou que a dita-
dura se esgotava. Aceitou organizar um curso no Departamento de Bioquímica da USP, em julho, e também o convite de José Moura Gonçalves, diretor da Faculdade de Medicina da USP em Ribeirão Preto, para o cargo de professor no Departa-mento de Genética. Chegou em junho de 1968, seis meses antes da edição do Ato Institucional nº 5, foi demitido em abril do ano seguinte e retornou à França.
Em Paris, reassumiu sua posição no CNRS e seu posto no Pasteur. Por ter acei-tado emprego em um governo estrangeiro sem a autorização da Presidência da Re-pública, prevista na Constituição de 1967, foi alvo de processo para perda de nacio-nalidade. Ficou três anos sem passaporte. Foi um longo período de exílio, durante o qual virou referência intelectual dos exilados brasileiros – comunistas e não
acima, luiz Hildebrando no
jardim da casa de François Jacob
(esq.), que dividiu o Nobel de
medicina de 1965 com Jacques
monod. abaixo, no estande da Voz Operária, jornal do
PCB, na festa anual do diário
comunista francês L’Humanité,
durante os anos 1970, em Paris
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através da lente de um microscópio e à luz de gambiarra, viu o parasita Schistoso-ma mansoni, de alta incidência em áreas litorâneas do Nordeste, mas até então inédito no sertão. Sentiu, pela primeira vez, “a emoção estética da descoberta” e virou cientista.
Voltou à USP em 1956 como assistente da cadeira de parasitologia para estudar o ciclo evolutivo do Trypanosoma cruzi. Inoculado pela inquietação científica – e, acidentalmente, também pelo parasita –, utilizou micromanipulação e técnicas de biologia para resolver uma suspeita que assaltava epidemiologistas desde Carlos Chagas: não havia sexualidade entre os T. cruzi.
O encanto pela genética foi reforçado em um curso em Piracicaba (SP), durante o qual conheceu o trabalho dos franceses François Jacob e Elie Wollman. Um ano depois de ter sido aprovado no concur-so para livre-docente de parasitologia, em 1960, conseguiu uma bolsa do Con-selho Nacional de Pesquisa Científica e Tecnológica (CNPq) para estágio de pós--doutorado, um ano na Universidade Li-vre, em Bruxelas, com René Thomas, no laboratório de Jean Brachet; um ano no Instituto Pasteur, em Paris, com François Jacob, no laboratório de André Lwoff.
Em Bruxelas estudou a lisogenia dos bacteriófagos e, na França, a genética da lisogenia. Retornou à USP em 1963. Ten-
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mento de Biologia Molecular do Instituto Pasteur e, em 1976, diretor do Departa-mento de Biologia Molecular. Naquele momento, foi procurado por Jacques Mo-nod, então diretor do instituto. “Ele me disse: ‘A OMS insiste que o Pasteur relan-ce suas pesquisas em parasitologia. Vo-cê aceita assumir a direção de uma nova unidade de parasitologia que incorpore a metodologia molecular em pesquisas?’. Aceitei na hora”, contou Luiz Hildebran-do em entrevista à revista do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), em 2003.
A Unidade de Parasitologia Experi-mental foi criada em 1978 com o objetivo de desenvolver pesquisa sobre biologia molecular de parasitas da malária, par-ticularmente de Plasmodium falciparum. Luiz Hildebrando voltava, assim, à pa-rasitologia, agora com larga experiência em biologia molecular. Foi um período de intensa atividade de pesquisa: desenvol-veu estudos sobre antígenos de Plasmo-dium falciparum e imunidade, analisou o papel dos anticorpos citofílicos, entre outras investigações envolvendo imuni-dade e antígenos.
comunistas – na França, no cargo de se-cretário político da base do PCB em Paris.
No Pasteur, a pesquisa em biologia mo-lecular avançava a passos largos: Jacob aca-bara de ganhar, junto com Jacques Monod, o Prêmio Nobel de Medicina de 1965, com o modelo de regulação da expressão gênica em bactérias. E foi pela mão de Jacob que Luiz Hildebrando chegou à fronteira do conhecimento. Ele o aconselhou a pegar um atalho em sua pesquisa sobre lisogenia dos bacteriófagos. “Por que vocês não ex-ploram aquela ideia dos dois operons com sentido contrário que vocês descobriram no bacteriófago λ [lambda]?”, sugeriu Ja-cob. O atalho levou ao gene CRO (control of the repressor and others) e à descrição da “regulação genética de genes regulado-res, um passo à frente no modelo proposto por Jacob e Monod”. Os resultados foram anun ciados no artigo publicado em Pro-ceedings of National Academy of Science, em 1970, “Regulation of repressor expres-sion in bacteriophage”, assinado por Har-vey Eisen, P. H. Brachet, Luiz Hildebrando e François Jacob.
Em 1971 foi nomeado chefe da Unida-de de Diferenciação Celular do Departa-
luiz Hildebrando com morador de Porto velho, em
2002: ações bem-sucedidas
contra a malária
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Luiz Hildebrando só pôde se dedicar inteiramente à Unidade de Parasitolo-gia Experimental em 1980, depois de ver fracassar mais uma tentativa de voltar ao Brasil após a anistia. Maurício Matos Peixoto, então presidente do CNPq, pre-tendia criar uma unidade interdeparta-mental no Instituto de Ciências Biomé-dicas (ICB) da USP, para estudos de pro-tozoários patogênicos e de diferenciação celular, o que possibilitaria reintegrar os pesquisadores demitidos, com salários bancados pelo CNPq por um período de quatro anos. Luiz Hildebrando aceitou a missão de consultar Isaac Roitman, José Carlos da Costa Maia, Vitor e Ruth Nus-senzweig, Michel Rabinovitch, Erney Ca-margo, Tomas Maack e Isaias Raw – em Nova York, Paris, Genebra e São Paulo. Todos se mostraram dispostos a integrar o ICB, com exceção de Raw, que já se de-dicava à produção de imunobiológicos no Instituto Butantan. O então reitor da USP, Waldir Muniz Oliva, no entanto, colocou objeções financeiras. No meio das nego-ciações, Peixoto foi demitido do CNPq. E não se falou mais no assunto. A USP só reconheceria a injustiça das demissões da Faculdade de Medicina em 18 de setem-bro de 2008, quando conferiu a cada um deles – dois já haviam morrido – o título de professor emérito.
Nos 15 anos que antecederam sua apo-sentadoria no Instituto Pasteur, em 1996, Luiz Hildebrando consolidou sua pesquisa sobre a bioquímica e biologia molecular dos parasitas da malária, aplicações vaci-nais e epidemiologia da doença. Em 1990, em colaboração com Erney Camargo, orga-
nizou uma equipe de pesquisa em Rondô-nia. “Nos anos 1980/1990, em consequên-cia de uma grande migração de sulistas patrocinada pelo regime militar, Rondônia tornara-se a região de maior incidência de malária no país”, lembra Camargo.
aposentado do Pasteur, Luiz Hilde-brando decidiu aportar em Rondô-nia. Prestou concurso na USP e, em
1997, foi nomeado titular de parasitologia e assumiu a direção dos programas em Rondônia. Instalou-se em Porto Velho, montou o Centro de Medicina Tropical (Cepem) na Secretaria da Saúde de Ron-dônia e criou o Ipepatro, com um grupo de médicos e biologistas. Em pouco tem-po, verificou que as vítimas assintomáti-cas do Plasmodium vivax podiam trans-mitir a doença. O artigo “Asymptomatic infections by Plasmodium vivax in a native Amazonian population” foi publicado na revista Lancet, em 1999.
Em 2010, no artigo “The dynamics of transmission and spatial distribution of malaria in riverside areas of Porto Velho, Rondônia, in the Amazon region of Bra-zil”, publicado na PLoS One, constatou que, apesar de a transmissão poder ocor-rer intra e extradomicílio, a manutenção da malária nas áreas endêmicas era es-sencialmente dependente da transmis-
acima, com o então presidente francês François mitterrand na inauguração do prédio da imunologia do instituto Pasteur, em 1981. ao lado, durante o primeiro estágio no Pasteur, em 1965
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são intradomiciliar, reforçada pela pre-sença das fontes de infecção permanente (assintomáticos). E que a mobilidade das populações amazônicas é fator essencial da difusão e extensão da endemia da malária.
Desde então, a equipe do Cepem vem registrando sucesso com o procedimen-to SIPT (selective intermittent preventive treatment), que visa ao controle de recaí-das do P. vivax. A área-piloto, Candeias do Jamari, é a única cidade no estado que, em 2010/11, apresentava um API (annual pa-rasite incidence) superior a 200 e alta inci-dência do P. vivax, devido essencialmente às recaídas. “Com apoio da Secretaria da Saúde do ministério, a API caiu signifi-cativamente para 82 em 2013”, ele conta.
Essas ações já impactam as estatísticas. Em 2011, os registros de malária na região amazônica tinham caído de 600 mil, em 1999, para 300 mil. No mesmo período, a participação de Rondônia nesse total caíra ainda mais, de 40% em 1999 para 12% em 2011. E a incidência continua em queda. Em 2013 foram registrados 168 mil casos na Amazônia e em Rondônia com baixa acentuada: 7% do total, com menos de 14 mil casos. “O mais importante é que em Rondônia está-se verificando queda não apenas do P. falciparum, mas também do P. vivax”, comemora Luiz Hildebrando.
As perspectivas são ainda mais promis-soras com os resultados de ensaios clínicos com a Tafenoquina, uma nova quinolina produzida pelo laboratório multinacional
GSK, em dose única, contra as formas he-páticas de P. vivax. “Se o ensaio for positi-vo, poderemos melhorar a prevenção das recaídas de malária vivax, pois o método SIPT exige tratamento preventivo por várias semanas, usando a cloro-quina”, conta Luiz Hildebrando. “A expectativa é que a campanha contra a malária, que se manti-nha apenas em controle, possa evoluir, brevemente, se não para uma erradicação, ao menos para uma eliminação.”
A equipe registra progressos também no desenvolvimento de biotecnologias aplicadas à saú-de, principalmente com a pro-dução de anticorpos monoclo-nais originados em camelídeos (alpacas e lhamas de Rondônia), clonando o segmento ativo do anticorpo. “O anticorpo VHH é sintetizado e expresso pela E. coli transgênica. Nossa equipe foi bem-sucedida na preparação do VHH contra a enzima fosfo-lipase das serpentes Bothrops e Crotalus. Já foram isolados e caracterizados cerca de 20 VHH, cujas sequências foram de-terminadas e, algumas, patenteadas”, ex-plica. Há bons resultados também com a tecnologia de isolamento e produção de VHH, que reage com antígenos da super-fície viral, em particular de hantavírus, e dos vírus da febre amarela e da raiva. n
Com Cecile, atual esposa, filhos, noras e netos reunidos em Paris, em 2010
Número de casos
de malária na região
amazônica continua
caindo
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O chefe do Laboratório de Doenças Parasitá-rias do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), José Rodrigues Coura, com mais de 250 artigos científicos e oito livros publicados, abre um pequeno sorriso quando perguntado sobre seus principais trabalhos de pes-quisa. “O que eu fiz de melhor foi formar
gente competente. Espalhei profissionais em doenças infectocontagiosas do Rio Grande do Sul ao Amazo-nas”, diz. A julgar pelo que dizem os que o conhecem de perto, esta é apenas meia verdade. Desde o final do curso na Faculdade de Medicina da Universidade do Brasil (atual Universidade Federal do Rio de Janei-ro, a UFRJ), Coura atendeu pacientes em hospitais e consultório, foi professor de instituições de ensino superior, criou cursos de pós-graduação, geriu o IOC e fez pesquisa básica. O que, aliás, segue fazendo dia-riamente, aos 86 anos.
A carreira simultânea de médico, professor, pesqui-sador e gestor não era vislumbrada por Coura quan-do estudava em Taperoá, na Paraíba, onde nasceu, ou como interno no colégio da cidade vizinha de Patos. “Quando acabei o ginásio [ensino fundamental], voltei para Taperoá e me dispus a administrar a improdutiva fazenda da família por três anos”, diz ele, o quinto de 10 filhos. “Meus esforços deram em nada e fui para o Rio de Janeiro morar com uma irmã.” Lá conseguiu um emprego de contínuo no escritório da Standard Oil, atual Esso. Seis meses depois Coura largou o em-prego e, aos 20 anos, foi fazer o serviço militar, que
José Rodrigues Coura estuda – e combate – o mal de Chagas enquanto se dedica a espalhar especialistas em infectologia e parasitologia por todo o país
Ações simultâneAs
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naquela época convocava os jovens com essa idade. Aproveitou e prestou concurso para trabalhar como auxiliar de escritório na Escola do Estado-Maior do Exército. “Depois que acabei o serviço militar con-tinuei no escritório durante o dia e fiz o curso científico [atual ensino médio] à noite.” Por coincidência, o trabalho fi-cava ao lado da faculdade de medicina, no bairro da Urca, e o jovem paraibano achou que valia a pena tentar fazer o cur-so. “Em parte, era prático, por ser muito perto; mas talvez o fato de uma irmã ter morrido em consequência de meningite meningocócica tenha me influenciado”, analisa ele hoje, mais de 60 anos depois.
Coura começou o curso com 25 anos e terminou com 30 anos, sempre tra-balhando simultaneamente como
funcionário público do Exército. “Hoje sinto que foi muito bom fazer a faculdade de medicina um pouco mais tarde que o convencional, porque eu já tinha algu-ma experiência de vida e conseguia ver as coisas com alguma maturidade”, diz. Após o curso, o jovem médico tirou uma licença-prêmio de seis meses e fez um curso de especialização na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo com Luiz Décourt, um dos pioneiros da cirurgia cardíaca no Brasil, e com João e Bernardino Tranchesi, assistentes dele. Voltou para o Rio conhecendo bem clínica médica e cardiologia e prestou concurso para médico do Exército.
Em 1960, aos 33 anos, ocorreu sua en-trada para o mundo da ciência. Coura ain-da trabalhava no Exército quando o pro-fessor José Rodrigues da Silva o convidou para ser instrutor de ensino na cadeira de clínica de doenças tropicais e infecciosas do Hospital São Francisco de Assis da Fa-culdade de Medicina. Na rotina de aten-dimento e ensino viu grande número de pacientes com doença de Chagas e mio-cardites provocadas por varíola e decidiu seguir na cardiologia. Para conseguir se dedicar integralmente à carreira acadê-mica havia uma dificuldade: o salário do Exército era quase três vezes maior do que o da Universidade do Brasil. “O Ro-drigues me ofereceu espaço na clínica de-le e comecei a trabalhar lá também, para
“Fazer o curso de medicina
com um pouco mais de idade
foi bom, porque eu tinha mais
maturidade”
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Universidade Federal Fluminense (UFF) e, uma vez aprovado, organizou o Servi-ço de Doenças Infecciosas no Hospital Universitário Antônio Pedro e reformu-lou o currículo da disciplina. Continuou também trabalhando parcialmente na Universidade do Brasil – que já tinha vi-rado UFRJ – e estudando, além de Cha-gas, esquistossomose, malária e doenças infecciosas e parasitárias em geral.
Com base em suas pesquisas sobre Cha-gas, Coura criou o conceito que chamou de complexo cruzi, em 1966. Ele percebeu que os modelos experimentais da infecção chagásica nunca reproduzem de modo ri-goroso a infecção e a doença humana, da mesma forma como ela ocorre na natureza. Isso acontece porque são muitas as dife-renças entre as espécies de hospedeiros e seus mecanismos de defesa e a relação com as diversas cepas do Trypanosoma cruzi, o parasita causador da doença, além de a moléstia variar de região para região. De 1984 a 1996 Coura e sua equipe de pesqui-sadores confirmaram essa ideia em traba-lhos de campo realizados em Minas Gerais, Paraíba, Piauí e Amazonas.
O pesquisador deixou a UFF para ser professor adjunto na UFRJ, em 1970. No ano seguinte assumiu como professor ti-tular a disciplina de doenças infecciosas
ganhar mais. Ficava na universidade até as 17 horas, ia para a clínica e saía às 21 horas.” Com isso, deu baixa como capitão médico em 1962.
Seu primeiro artigo científico foi es-crito em 1961. Era um trabalho de revisão sobre o Furacin, novo medicamento que havia sido lançado para ajudar pacientes chagásicos. “Preparei o texto e entreguei para o Rodrigues. Algum tempo depois ele me disse que estava muito bom, devolveu dentro de um envelope e foi embora.” En-tretanto, o texto estava cheio de marcações vermelhas e trazia uma recomendação: “Leia os originais de Carlos Chagas para aprender a escrever”. “Foi uma lição muito útil. Os artigos de Chagas são de fato muito bem escritos”, diz o pesquisador.
em 1963, ele ganhou uma bolsa do Conselho Britânico para a Univer-sidade de Londres e fez cursos de
aperfeiçoamento no Hammersmith e Na-tional Heart Hospitals e frequentou a London School of Tropical Medicine and Hygiene. “Usei esse período de estudos para embasar minha tese de livre-docên-cia Contribuição ao estudo da doença de Chagas no estado da Guanabara apresen-tada em 1965”, conta. No ano seguinte prestou concurso para professor titular na
acima, Coura atendendo
pacientes numa choupana em
piaçabal da amazônia, na
década de 1990. ao lado, crianças na frente de rolos
de piaçaba prontos para ser
embarcados para Barcelos e
manaus, no mesmo período
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e parasitárias, substituindo o mestre Jo-sé Rodrigues, morto em 1968. Na volta a sua casa de origem, Coura organizou o curso de pós-graduação da disciplina, o primeiro da área médica credenciado no Brasil pelo Conselho Federal de Educa-ção. Também organizou o Departamen-to de Medicina Preventiva da faculdade – modelo para vários outros no país – e instalou o atual Serviço de Doenças In-fecciosas no Hospital Universitário Cle-mentino Fraga Filho.
Nos anos 1970 começou outra fase im-portante de sua vida profissional. Ele foi convidado pelo então ministro da Saúde, Mário Lemos, a fazer um diagnóstico da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que não se desenvolvia. Coura se licenciou por três meses da UFRJ e visitou todas as unidades da fundação. Sua conclusão na época: a Fiocruz era uma ficção. “Não havia carreira profissional nem orçamen-to, os salários eram miseráveis e poucos trabalhavam”, lembra Coura. Ele apre-sentou um plano de recuperação, mas não aceitou implementá-lo. “Eu estava feliz na UFRJ.”
Em 1979 houve novo convite para as-sumir os cargos de vice-presidente de Pesquisa da Fiocruz e de diretor do IOC, a mais antiga instituição que compõe a fundação. Desta vez Coura aceitou, mas percebeu que as condições continuavam ruins. “Faltavam boas cabeças para liderar as pesquisas e ensinar os mais jovens”, diz. Ele conseguiu levar para o IOC cientistas que estavam se aposentando ou viviam no exterior, em parte expulsos pela ditadura militar. Da Venezuela vieram Leônidas e Maria Leane; de Genebra, Luís Rey; da Inglaterra, Hélio e Peggy Pereira; dos Es-tados Unidos, Henrique e Jane Lenzi. Zig-man Brener se aposentou na UFMG e foi para o Centro René Rachou, a Fiocruz de Minas; Zilton e Sônia Andrade saíram da UFBA e foram para a unidade do IOC de Salvador; Elói Garcia e Samuel Goldenberg também aceitaram o desafio. Além dos novos recursos humanos, foram criados os cursos de pós-graduação em biologia parasitária e medicina tropical e o curso técnico de pesquisa para jovens.
“Na primeira gestão de Coura como diretor, o IOC voltou a ter uma base de
Coura em maio de 2014 trabalhando em seu laboratório: atividade intensa aos 86 anos
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profissionais técnico-científicos impor-tante e competente”, diz o atual diretor do instituto, Wilson Savino. Na segunda ges-tão, ele mudou a estratégia de distribuição de recursos na instituição, que passou a ser definida por um mapa de produtivida-de interna. “Ele tinha uma visão de gestão que levou o IOC a um novo patamar de qualidade.” Paulo Gadelha, presidente da Fiocruz, chama a atenção para a formação de diferentes gerações de pesquisadores da fundação e de outras instituições. “Ele sempre foi uma referência forte na área de biomedicina e é também uma referência para o ensino”, diz.
Dois exemplos ajudam a entender a ex-tensão da contribuição do veterano médico e pesquisador. Em 1991, ele es-
tava com estudantes em Barcelos, no Ama-zonas, e começou a investigar a ocorrência do inseto barbeiro, hospedeiro do parasita T. cruzi, na piaçaba colhida pela população local. “Fiz os testes e deu contaminação em alto grau”, diz Coura. “Os piaçabeiros invadem a área dos animais para colher a planta, comem e espantam os animais que são a fonte de alimento do barbeiro e este, sem opção, ataca o homem.” É o ciclo sil-vestre da doença, sobre a qual seu grupo publicou diversos artigos a partir de 1994. Coura, como médico, também ajudava a tratar os piaçabeiros e suas famílias. “Ele é, seguramente, um dos dois especialistas que mais entendem o mal de Chagas no
Brasil, ao lado de João Carlos Pinto Dias, da Fiocruz de Minas”, testemunha Savino.
Outro exemplo vem de Mato Grosso do Sul, quando ele realizou pesquisas no pantanal com um grupo que incluía Rival-do Venâncio, ex-aluno na pós--graduação do IOC. “Ele perce-beu de imediato a carência de ensino e pesquisa no estado e se ofereceu para criar dois cursos de mestrado: de biologia para-sitária e de medicina tropical”, diz Venâncio, hoje professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e respon-sável técnico pelo escritório da Fiocruz na região. Coura e outros professores do IOC estiveram em Campo Grande e de 1997 a 2001 formaram 24 mestres nessa área – destes, 18 se tornaram douto-res. A UFMS criou seus próprios cursos de pós-graduação e o per-fil do estado na área mudou, com profissionais ensinando em ou-tras universidades e trabalhando em serviços públicos municipais de saúde. “Ele fez isso aqui, na Paraíba, no Piauí, no Amazonas...”, avisa Venâncio.
Daí o sorriso de Coura, pai de um filho e duas filhas, quando perguntado sobre suas contribuições em quase 60 anos de carreira: “Pelas minhas contas, formei mais de 200 profissionais competentes. Não é motivo de orgulho?”. n
Barbeiro infectado com T. cruzi sobre fibras de piaçaba em comunidade da amazônia: com seu hábitat invadido, sem alimento, inseto ataca seres humanos
Ao perceber a carência de
ensino e pesquisa no
ms, Coura se ofereceu para
criar cursos de formação
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Filha de pai francês e mãe brasileira, Niède Guidon graduou-se em história natural na Universidade de São Paulo (USP) em 1959. Naquela época, o curso abarcava dois ramos do conhecimento, a biologia e a geologia, que acabariam ganhando vida própria na academia com o passar do tempo. Forma-
da, passou um rápido período como professora da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo e in-gressou em seguida no Museu Paulista, que em 1963 seria incorporado à USP. Não havia no Brasil formação específica em arqueologia, área que a então jovem pau-lista de Jaú queria seguir. “O Paulo Duarte, do Museu Paulista, me incentivou a estudar arqueologia na Fran-ça”, lembra Niède, hoje com 81 anos. Ela procurou a embaixada da França e pediu uma bolsa de estudos para se aprofundar na disciplina em Paris. Conseguiu e fez um curso de especialização em arqueologia pré--histórica na Sorbonne entre 1961 e 1962.
De volta ao país, começou a trabalhar no museu. A ideia era fazer pesquisa por aqui. Mas houve o golpe militar em 1964 e Niède teve que, às pressas, retirar o passaporte da gaveta. Não que ela tivesse de fato alguma atuação política em partidos de esquerda. Mas uma tia ficou sabendo por um amigo militar que alguém do trabalho a denunciara por atividades su-postamente subversivas. “Tive de sair rapidamente do país”, relembra a arqueóloga. “Deixei até um aparta-mento montado em São Paulo.” A alternativa foi fazer carreira na França, sua segunda pátria, onde obteve o doutorado e o pós-doutorado, também na Sorbon-
O trabalho de Niède Guidon em prol dos sítios arqueológicos do Parque Nacional Serra da Capivara colocou o Piauí em um lugar de destaque na pré-história das Américas
Lições do semiárido
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ne, e teve a chance de se aper-feiçoar com pesquisadores re-nomados, como o arqueólogo e etnólogo André Leroi-Gourhan, criador em 1962 da cadeira de pré-história no Museu do Ho-mem, em Paris.
Anos mais tarde, o Brasil iria entrar definitivamente co-mo cenário de seus trabalhos de campo. Pesquisadora do Cen-tre National de la Recherche Scientifique (CNRS) em Paris, Niède era assistente da arqueó-loga francesa Annette Laming--Emperaire durante a primeira missão franco-brasileira que, em 1973, procurava vestígios do ho-mem mais antigo das Américas. Os interesses científicos de An-nette se centravam na Patagônia e, em solo brasileiro, na região
de Lagoa Santa, nos arredores de Belo Horizonte, onde poderia haver vestígios de uma remota ocupação humana no con-tinente. Niède não gostava muito desse tipo de pesquisa, que buscava descobrir o homem mais antigo das Américas. Fez então um trato com a francesa. Prepara-ria toda a expedição à localidade mineira desde que ela a deixasse ir ao Piauí para ver as belas pinturas rupestres preserva-das no semiárido nordestino.
Dessa visita à região de São Raimun-do Nonato, no sudeste do Piauí, há mais de quatro décadas, nasceria um trabalho que, unindo preservação e pesquisa da pré--história no Brasil e conservação e estudos ambientais, levaria à criação do Parque Nacional Serra da Capivara em 1979. Con-siderado patrimônio cultural da humani-dade pela Unesco, o parque abriga o maior número de sítios pré-históricos conheci-dos das Américas, mais de 1.400, dos quais 900 ornamentados com pinturas rupestres feitas há milhares de anos, talvez dezenas de milhares de anos. “Apenas na minha primeira visita, em 1973, encontramos 55 sítios com pinturas rupestres”, conta Niède. “Isso nos animou a trabalhar na região.” Até 1993, Niède passava temporadas no Piauí enquanto vivia na França. A partir daquele ano, passou a residir em São Raimundo No-nato. “O governo brasileiro pediu à França que me emprestasse para fazer um projeto visando à proteção e conservação da serra da Capivara”, afirma a arqueóloga, que, em 1999, se aposentou na França, mas continua em plena atividade até hoje.
O parque no semiárido do Piauí é enor-me. Abrange 129 mil hectares em meio à vegetação de caatinga. Em 1986, Niède criou (e até hoje a preside) a Fundação Mu-seu do Homem Americano (Fumdham), ao lado de pesquisadores brasileiros e france-ses. Desde 1994, a Fumdham, que coordena
niède em trabalho de campo em são raimundo nonato, em 1978 (abaixo) e 2003 (ao lado)
estudos feitos no Piauí podem mudar a data de chegada e a rota de entrada do homem moderno nas américas
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mente desfavorável à ocupação humana, pudesse ser muito antiga. Niède tomou um susto quando recebeu os dados das primeiras datações, feitas na França, de uma amostra de carvão obtida no sítio pré-histórico chamado Pedra Furada, co-nhecido desde os anos 1960 e uma espé-cie de cartão-postal do lugar. O carvão provinha de uma fogueira, possivelmente feita por seres humanos no interior desse abrigo sob rochas, e sua idade fornecida pelo método do carbono 14 bateu na casa dos 32 mil anos. Segundo esses exames, as fogueiras eram bem mais antigas do que a idade normalmente associada à entra-da das primeiras levas de Homo sapiens nas Américas, por volta de 13 mil anos de idade.
destinados a causar polêmica, os re-sultados de Pedra Furada foram pu-blicados em um artigo que ganhou
em 1986 as páginas da prestigiada revista científica Nature. Grande parte da comu-nidade científica, em especial arqueólogos americanos, jamais endossou a afirma-ção de que a fogueira teria sido feita por humanos. Para esses críticos, os carvões foram produzidos de forma natural, por incêndios espontâneos, e a ocupação hu-mana no Piauí é, como sempre se acre-ditou, muito mais recente. “Os europeus
as pesquisas e cuida do acervo natural da unidade de conservação, coadministra o parque ao lado do Instituto Chico Men-des de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), autarquia vinculada ao Minis-tério do Meio Ambiente. A unidade de conservação – que mantém mais de uma centena de sítios pré-históricos abertos para visitação pública – vive uma situa-ção crônica de falta de verbas e pessoal, ameaças de desmatamento de suas áreas verdes e caça de seus animais e assenta-mentos ilegais no seu entorno. “Há anos prometem inaugurar o aeroporto de São Raimundo Nonato para facilitar a visi-tação ao parque, mas a obra nunca fica pronta”, reclama Niède. A última previ-são é de que o aeroporto seja aberto para voos comerciais ainda neste semestre. Essas dificuldades, no entanto, nunca a afastaram de seu importante trabalho de preservação e pesquisa nessa região de beleza e importância única no país.
Por uma dessas ironias da vida, as pes-quisas feitas em São Raimundo Nonato acabaram levando a carreira da arqueó-loga brasileira justamente para a questão que, inicialmente, queria evitar: a crono-logia a respeito da chegada do homem às Américas. Trinta anos atrás, ninguém acreditava que a presença do Homo sa-piens no Nordeste, região seca e teorica-
durante a primeira expedição à serra da Capivara, em 1973, niède se impressionou com a quantidade de sítios pré-históricos com pinturas rupestres
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nunca questionaram os nossos dados”, afirma Niède, que manteve sua posição e seguiu com as pesquisas.
Infelizmente, os sítios arqueológicos da serra da Capivara nunca forneceram ossadas humanas que pudessem ser da-tadas de forma direta, um tipo de dado científico mais difícil de ser alvo de repro-vações. A saída foi continuar apostando em evidências indiretas para tentar de-terminar quando o homem fincou pé na região. Datações posteriores de artefatos de pedra lascada encontrados em vários sítios arqueológicos do parque, que teriam sido feitos por humanos, e de pinturas ru-pestres empurraram para ainda mais lon-ge a presença humana no Nordeste, algo entre 50 mil e 100 mil anos atrás. “Nossa pintura rupestre é contemporânea à en-contrada nas cavernas da Europa”, afirma Niède. Claro que essas novas idades, ain-
da mais recuadas no tempo, jogaram mais lenha na fogueira da polêmica.
As informações coletadas em décadas de pesquisa na serra da Capivara levaram Niède e os pesquisadores da Fumdham a formular uma teoria alternativa sobre a entrada do homem em nosso continente. Para a arqueóloga brasileira, as levas ini-ciais de H. sapiens não chegaram às Amé-ricas via estreito de Bering, na divisa do Alasca com a Sibéria, há cerca de 13 mil anos, como sustenta a visão mais clássi-ca sobre esse processo. Niède defende a ideia de que o homem moderno saiu da África e aqui desembarcou por via oceâ-nica, depois de ter cruzado o Atlântico, pulando de ilha em ilha, cerca de 100 mil anos atrás. Ele teria aproveitado uma ja-nela de oportunidade histórica para fazer a migração: havia então uma grande seca na África, que o empurrava a procurar co-mida no mar, e o nível do Atlântico estava 140 metros abaixo do atual, fazendo surgir mais ilhas e encurtando a distância entre os dois continentes.
Por esse cenário, os primeiros des-bravadores das Américas aportaram no Caribe e na costa norte do Brasil,
provavelmente na região do atual rio Par-naíba, na divisa do Maranhão com o Piauí. Desse ponto, eles teriam se espalhado, ao longo dos anos, pelo interior do continente e outros pontos da costa. “Se há pesqui-sas mostrando que macacos fizeram essa travessia de ilha em ilha da África para as Américas há alguns milhões de anos, por que os homens também não podem ter feito essa migração?”, indaga a arqueóloga.
Durante muito tempo, as teses de Niède foram vistas com reticência em boa par-te do meio científico, embora a excelên-cia do trabalho da Fumdham em prol da conservação do patrimônio pré-histórico do Piauí seja uma unanimidade. Nos últi-mos anos, aos poucos e sem muito alarde, alguns pesquisadores mudaram sua visão sobre as pesquisas feitas na serra da Ca-pivara a respeito da presença do homem moderno nas Américas. “O trabalho social e de preservação do patrimônio feito pela Niède Guidon na serra da Capivara é único no país e raramente encontrado em outras partes do mundo”, afirma o arqueólogo e
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antropólogo Walter Neves, coordenador do Laboratório de Estudos Evolutivos Hu-manos do Instituto de Biociências da USP. “Já sua sugestão de que o homem chegou às Américas entre 30 mil e 100 mil anos atrás é bastante polêmica. Ela ainda não encontra aceitação entre seus pares.”
segundo Neves, que também é um grande crítico da visão clássica so-bre a entrada do homem em nosso
continente, não há dúvidas com relação às idades fornecidas pelas datações efe-tuadas em material coletado em São Rai-mundo Nonato. O que se questiona é se os instrumentos líticos encontrados em Pedra Furada foram realmente feitos por mãos humanas. “Minha impressão so-bre o assunto mudou muito nos últimos anos. A convite da própria Niède, tive a oportunidade de analisar os instrumen-tos líticos desse sítio polêmico há alguns anos. Hoje estou 99% convencido de que se trata de fato de artefatos produzidos pelo homem. O Prêmio Conrado Wessel para o trabalho da Niède é mais do que merecido”, afirma o pesquisador da USP.
A arqueóloga francesa Anne Marie--Pessis, atualmente professora da Univer-
sidade Federal de Pernambuco (UFPE) e pesquisadora da Fumdham, trabalha com Niède nas terras do semiário do Piauí desde 1982. Seu depoimento ajuda a di-mensionar a importância da atuação de Niède numa área remota do país. “Desde o início das pesquisas numa região então desconhecida, que hoje é o Parque Na-cional Serra da Capivara, a Niède ado-tou uma abordagem pluridisciplinar nas pesquisas científicas e integrou cientis-tas de diversas áreas do conhecimento”, diz Anne Marie, que publicou dois livros sobre o parque, um referente às pinturas rupestres e outro sobre o bioma e as so-ciedades humanas da região. “Essa inte-ração continuada entre especialistas das ciências naturais, do ambiente e das ci-ências humanas estruturada em torno do fenômeno arqueológico resultou na cons-trução da atual pesquisa interdisciplinar. Para os estudantes e jovens cientistas que participaram de seus trabalhos foi muito enriquecedor transcender os limites de uma única disciplina fragmentada e se aprofundar em temas, métodos e técnicas que desafiavam as tentações interpreta-tivas generalizantes da arqueologia e da antropologia.” n
niède em escavação de
1980 (ao lado) e no parque,
em 2014: patrimônio cultural da
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Os 70 anos de lançamento de Pedra do so-no, em 2012, livro de estreia de poesia de João Cabral de Melo Neto, sugeriu a Gilvan Barreto, pernambucano morador do Rio de Janeiro, rodar o semiárido de seu esta-do à procura de água. O trabalho rendeu o ensaio O livro do Sol feito no verão de 2013,
quando ocorreu o auge da maior seca dos últimos 60 anos no Nordeste. “Fiquei um mês buscando vestígios do culto à água, tendo a obra de João Cabral como um guia”, conta Barreto. Suas fotos ganharam o primeiro lugar do prêmio de Arte da FCW 2013.
O paulista Lalo de Almeida ganhou o segundo lugar com Belo Monte – Os impactos de uma megaobra sobre o entorno da hidrelétrica que está sendo construída no Pará. Roberta Sant’Anna, de Porto Alegre, ficou em terceiro, com Parque aquático. Barreto recebeu R$ 114,3 mil e os outros dois, R$ 42,8 mil cada um, além da escultura de Vlavianos.
A FCW recebeu em 2013 inscrições de 305 fotó-grafos, entre ensaios publicados e inéditos, de 18 es-tados, além do Distrito Federal. Os trabalhos dos 12 finalistas de Arte foram expostos em um dos espaços da Sala São Paulo no dia 9 de junho, dia da premia-ção. Rubens Fernandes Júnior, curador de fotografia da FCW e diretor da Faculdade de Comunicação e Marketing da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), presidiu o júri de 10 professores e fotógrafos.
VestígiO das águas
arte
2013finalistas e ensaios
Daniel SoareS Marenco sem título
DavilyM DouraDo Carros
eDSon viggiani Junior Bom retiro: o lugar do devir
FernanDo Bohrer SchMitt voCação singular
JoMar Bragança Paisagem Confrontada
JoSé cintra BaptiSta Churros, PiPoCa e Progresso...
JoSé eDuarDo nogueira Diniz os esPiões
luiz arthur leitão vieira o esPetáCulo do CresCimento
Marco antonio SantoS Da rocha Filho Já não é mais verão
MarloS De alMeiDa Bakker Com que sonham os Peixes?
valDeMir MagalhãeS cunha minha Pequena alemanha
WilSon céSar Ferreira totens
33
1º lugar
o livro do sol, de gilvan Barreto
ensaiO fOtOgráficO
34 e s p e c i a l p r ê m i o c o n r a d o w e s s e l | p e s q u i s a f a p e s p
35e s p e c i a l p r ê m i o c o n r a d o w e s s e l | p e s q u i s a f a p e s p
36 e s p e c i a l p r ê m i o c o n r a d o w e s s e l | p e s q u i s a f a p e s p
por um mês, gilvan Barreto percorreu o sertão pernambucano procurando registrar o que chamou de “vestígios do culto à água”. era o verão de 2013 e a região passava pela pior seca em 60 anos. o livro de estreia do poeta João cabral de Melo neto, Pedra do sono (1942), orientou o ensaio premiado
37e s p e c i a l p r ê m i o c o n r a d o w e s s e l | p e s q u i s a f a p e s p
38 e s p e c i a l p r ê m i o c o n r a d o w e s s e l | p e s q u i s a f a p e s p
2º lugar
Belo monte – os impactos de uma megaobra,
de lalo de almeida
39e s p e c i a l p r ê m i o c o n r a d o w e s s e l | p e s q u i s a f a p e s p
40 e s p e c i a l p r ê m i o c o n r a d o w e s s e l | p e s q u i s a f a p e s p
41e s p e c i a l p r ê m i o c o n r a d o w e s s e l | p e s q u i s a f a p e s p
as fotos foram feitas em altamira, cidade próxima de onde está sendo construída a hidrelétrica de Belo Monte, no pará. o local, que já tinha uma infraestrutura precária, teve sua população aumentada em 50% em dois anos. lalo de almeida retratou situações que se agravaram, como a violência, a habitação, o trânsito e o saneamento básico
42 e s p e c i a l p r ê m i o c o n r a d o w e s s e l | p e s q u i s a f a p e s p
3º lugar
Parque aquático, de roberta Sant’anna
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44 e s p e c i a l p r ê m i o c o n r a d o w e s s e l | p e s q u i s a f a p e s p
roberta Sant’anna percorreu os parques aquáticos de cidades do rio grande do Sul nos verões de 2012 e 2013. o objetivo foi simples: mostrar as pessoas relaxadas, em um ambiente de férias, onde as inibições do cotidiano são deixadas de lado
45e s p e c i a l p r ê m i o c o n r a d o w e s s e l | p e s q u i s a f a p e s p
46 e s p e c i a l p r ê m i o c o n r a d o w e s s e l | p e s q u i s a f a p e s p
2011ensaio fotográfico
1º lugar
Albinos,
de Gustavo Lacerda
2º lugar
Negros paroxismos,
de Lucio Adeodato
3º lugar
Panoramas,
de Cassio
Vasconcellos
2010
ensaio fotográfico
1º lugar
TV P&B,
de Tadeu Vilani
2º lugar
Drom,
o caminho cigano,
de Gui Mohallem
3º lugar
Índios
contemporâneos,
de Kenji Arimura
2009fotografia publicitária
1º lugar
Ousadia ímpar,
de Denise Wichmann
ensaio fotográfico publicado
1º lugar
O sol no céu
de nossa casa, de
Marcio Rodrigues e
Marco Mendes
2º lugar
Imagens humanas,
de João Roberto
Ripper
ensaio fotográfico inédito
3º lugar
Sem título,
de Ricardo Barcellos
fotografia publicitária
1º lugar
Cantora de ópera,
de José Luiz
Pederneiras
ensaio fotográfico publicado
1º lugar
A curva e o caminho,
de André François
2º lugar
Vi elas,
de Francilins
Castilho Leal
ensaio fotográfico inédito
1º lugar
Cidadão X,
de Júlio Bittencourt
20082012
ensaio fotográfico
1º lugar
Sufocamento,
de Pedro David
2º lugar
Planos de fuga,
de Mauro Restiffe
3º lugar
Belvedere,
de Bob Wolfenson
47e s p e c i a l p r ê m i o c o n r a d o w e s s e l | p e s q u i s a f a p e s p
2007fotografia publicitária
1º lugar
Caminhos do coração,
de Alexandre
Salgado
2º lugar
120 razões para ser
cliente completo,
de Gustavo Lacerda
ensaio fotográfico1º lugar
Redemunho,
de João Castilho
2º lugar
O homem e a terra,
de Lalo de Almeida 2006
fotografia publicitária
1º lugar
Tim: viver sem
fronteiras,
de Gustavo Lacerda
2º lugar
Abraço,
de Ricardo de Vicq
ensaio fotográfico
1º lugar
O chão de
Graciliano,
de Tiago Santana
2º lugar
Numa janela
do edifício
Prestes Maia, 911,
de Julio Bittencourt
fotografia publicitária
1º lugar
Existem chances
de cura...,
de Maurício Nahas
2º lugar
Gol. Sempre
fiel a você...,
de Andreas Heiniger
3º lugar
Lonas Alpargatas:
o superpoder
do caminhoneiro,
de Gustavo Lacerda
fotografia publicitária
1º lugar
Irado,
de Ricardo Cunha
2º lugar
Borboleta,
de Paulo Vainer
3º lugar
Gordinha,
de Felipe Hellmeister
fotografia publicitária
1º lugar
Campanha do
produto giz,
de Bob Wolfenson
2º lugar
Píer,
de Leonardo Martins
Vilela, para G’Staff
3º lugar
Menino com bola,
de Márcia Ramalho
fotografia publicitária
1º lugar
Colorama,
de Klaus Mitteldorf
2º lugar
AXE,
de Maurício Nahas
3º lugar
ISA - Projeto Água Viva,
de Allard
2005
2004
2003
2002
48 e s p e c i a l p r ê m i o c o n r a d o w e s s e l | p e s q u i s a f a p e s p
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESPLigada à Secretaria do Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, é uma das principais agências de fomento à pesquisa científica e tecnológica. Desde 1962 concede auxílio à pesquisa e bolsas em todas as áreas do conhecimento, financiando atividades de apoio à investigação, ao intercâmbio e à divulgação da ciência e tecnologia em São Paulo.
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CapesVinculada ao Ministério da Educação, promove o desenvolvimento da pós-graduação nacional e a formação de pessoal de alto nível, no Brasil e no exterior. Subsidia a formação de recursos humanos altamente qualificados para a docência de grau superior, a pesquisa e o atendimento da demanda dos setores públicos e privados.
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPqFundação vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia para apoio à pesquisa brasileira, que contribui diretamente para a formação de pesquisadores (mestres, doutores e especialistas em várias áreas do conhecimento). É uma das mais sólidas estruturas públicas de apoio à ciência, tecnologia e inovação dos países em desenvolvimento.
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPCFundada há mais de 50 anos, é uma entidade civil, sem fins lucrativos, voltada principalmente para a defesa do avanço científico e tecnológico e do desenvolvimento educacional e cultural do Brasil.
Academia Brasileira de Ciências – ABCSociedade civil sem fins lucrativos, tem por objetivo contribuir para o desenvolvimento da ciência e tecnologia, da educação e do bem-estar social do país. Reúne seus membros em 10 áreas das Ciências: Matemáticas, Físicas, Químicas, da Terra, Biológicas, Biomédicas, da Saúde, Agrárias, da Engenharia e Humanas.
Academia Brasileira de Letras – ABLFundada em 20 de julho de 1897 por Machado de Assis, com sede no Rio de Janeiro, tem por fim a cultura da língua nacional. É composta por 40 membros efetivos e perpétuos e 20 membros correspondentes estrangeiros.
Departamento de Ciência e Tecnologia AeroespacialCriado na década de 1950, é uma organização do Comando da Aeronáutica que tem como missão o ensino, a pesquisa e o desenvolvimento de atividades aeronáuticas, espaciais e de defesa, nos setores da ciência e da tecnologia.
Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à PesquisaOrganização sem fins lucrativos que tem por objetivo maior articular os interesses das agências estaduais de fomento à pesquisa em todo o país. Criado oficialmente em 2007, o conselho já agrega fundações de 22 estados mais o Distrito Federal.
Marinha do BrasilIntegrante do Ministério da Defesa. Contribui para a defesa do país e atua na garantia dos poderes constitucionais e em apoio à política externa do país.
Academia Nacional de Medicina – ANMFundada em 1829, contribui para o estudo, a discussão e o desenvolvimento das práticas da medicina, cirurgia, saúde pública e ciências afins, além de servir como órgão de consulta do governo brasileiro sobre questões de saúde e educação médica.
InstItuIções ParceIras da FcW
49e s p e c i a l p r ê m i o c o n r a d o w e s s e l | p e s q u i s a f a p e s p
Júri dos prêmios FCW de 2013ciência parceira que indicou
Jacob Palis Jr. / Presidente abccarlos a. Vogt fcwErney Plessmann de camargo fcwGlaucius Oliva cnPqHernan chaimovich faPESPJorge almeida Guimarães capesJosé Roberto Drugowich de felício fcwMarcello andré barcinski capesMarco antonio Sala Minucci fcwMario neto borges confapRegina Pekelmann Markus SbPcSergio Machado Rezende fcwVilson Rosa de almeida DcTawilson barbosa Guerra Marinha do brasil
cultura carlos a. Vogt / Presidente fcwaldo Malavasi SbPcana Mae Tavares bastos barbosa fcwcelso Lafer faPESP / abLDomício Proença filho abLLiane Hentschke cnPq
medicina Renata caruso fialdini / Presidente fcwangelita Habr-Gama fcwErney Plessmann de camargo fcwGuilherme Suarez Kurtz capesMarcelo andré barcinski fcwMarcos fernando de Oliveira Moraes anM Manoel barral netto cnPq Rubens belfort Mattos Júnior abcwalter colli faPESP
arte / ensaio fotográfico Rubens fernandes Junior / Presidente fcwcláudia Guilmar Linhares Sanz UnbHelouise Lima costa Mac-USPJoaquim Marçal ferreira de andrade PUc-RioJosé afonso da Silva Júnior UfPEJuan Esteves Revista Fotografe MelhorMariano Klautau filho UnamaPedro David Vencedor do prêmio fcw de arte 2012Ricardo de Leone chaves fotógrafo e editor do jornal Zero Hora Ronaldo Entler facom-faap
50 e s p e c i a l p r ê m i o c o n r a d o w e s s e l | p e s q u i s a f a p e s p
Prazo para recebimento das indicações (Ciência e Cultura)
14 de novembro de 2014
Preparação dos dossiês dos indicados (Ciência e Cultura)
17 a 25 de novembro de 2014
Julgamento e escolha dos premiados (Ciência e Cultura)
27 e 28 de novembro de 2014
Prazo para recebimento das inscrições (Arte)
15 de dezembro de 2014 a 10 de março de 2015
Escolha dos premiados (Arte)
23 a 27 de março de 2015
Cerimônia de premiação 15 de junho de 2015
CRONOGRAMA DA PREMIAÇÃO 2014
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