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Professora Selma Maria Ferreira Lemes
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CONSULTA 1 O nobre advogado doutor ..... formula-me a seguinte consulta:
“ 1. Trata-se de arbitragem internacional regida pelas normas da
CCI na qual o ato de missão estabelece que a sede da arbitragem é Nova
Iorque e que:
“IX. Règles de Procédure [48] La procédure sera celle prévue par le Règlement d’arbitrage de la C.C.I et le présent acte de mission. Le Tribunal Arbitral pourra, en cas de besoin, compléter ces règles de procédure par ses propres décisions, après consultation des parties. (...) XI. Droit Applicable [50] Le droit applicable au fond est le droit brésilien. “
1 O presente Parecer encontra-se publicado na Revista de Arbitragem e Mediação nº 01, ano I, jan./abr 2004 p.171/196
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2. Considerando-se que os artigos 34, parágrafo único, 35 e 38,
VI, da Lei nº 9.307/96, estabelecem que:
“ Art. 34. (...) Parágrafo único. Considera-se sentença arbitral estrangeira a que tenha sido proferida fora do território nacional. Art. 35. Para ser reconhecida ou executada no Brasil, a sentença arbitral estrangeira está sujeita, unicamente, à homologação do Supremo Tribunal Federal.
(...) Art. 38 – Somente poderá ser negada a homologação para o reconhecimento ou execução de sentença arbitral estrangeira, quando o réu demonstrar que:
VI – a sentença arbitral não se tenha, ainda, tornado obrigatória para as partes, tenha sido anulada, ou, ainda, tenha sido suspensa por órgão judicial do país onde a sentença arbitral for prolatada.” (destacamos).
3. Indaga-se, diante da eventualidade de ajuizamento, no Brasil,
de ação de nulidade de sentença proferida em Nova Iorque, se:
1) Os Capítulos V e VI da Lei nº 9.307/96 estão reservados, respectivamente, à sentença arbitral nacional e á sentença arbitral estrangeira, de acordo com a definição estabelecida pela Lei de Arbitragem prevendo, cada qual, tratamentos diversos no que diz respeito ao controle exercido pela jurisdição estatal?
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2) Conseqüentemente, a sentença arbitral estrangeira só pode ser anulada pelo Juiz do local em que foi proferida, no caso, Nova Iorque? 3) Pode-se concluir que a Justiça brasileira é incompetente para apreciar ação de nulidade de sentença arbitral estrangeira, proferida em Nova Iorque, na forma do ato de missão? 4) No Brasil, a única autoridade competente para apreciar a legalidade, validade e eficácia da sentença arbitral estrangeira é o Supremo Tribunal Federal, no processo de homologação previsto pelo art. 102, I, “h”, da Constituição Federal? 5) Há alguma modificação nas respostas aos quesitos anteriores se: a) tratar-se de sentença arbitral parcial;
b) tratar-se de sentença final, confirmando e tendo como anexo sentença parcial anterior?
6) A aprovação da Convenção de Nova Iorque sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras de 1958 altera, de alguma forma, as respostas às perguntas acima colocadas? “
Solicita a minha opinião quanto à matéria supracitada, o que passo a esclarecer por meio do seguinte
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PARECER
INTRODUÇÃO
Analiso a questão em quatro partes. Na Parte I, abordo sobre o
arcabouço lógico-sistemático da Lei de Arbitragem, demonstrando a sua
estrutura geral. Na Parte II, analiso o conceito de sentença arbitral
nacional, os motivos e razões que levaram o legislador a adotar o critério
de identificar o local em que a sentença arbitral é proferida e suas
repercussões institucionais. A Parte III é dedicada ao conceito de sentença
arbitral estrangeira, as inovações hauridas com a lei de arbitragem, o
tratamento dispensado na Lei brasileira para homologação, reconhecimento
e execução de sentenças arbitrais estrangeiras e a sua convivência
harmônica com as Convenções Internacionais albergadas no direito
interno. Concluo, na Parte IV, com as respostas às questões formuladas.
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PARTE I
O Arcabouço Lógico - Sistemático da Lei Brasileira de Arbitragem
1. A arbitragem é instituição que há séculos integra o
ordenamento jurídico nacional; 2 contudo, não alcançou, no passado,
aplicação e utilização, haja vista as dificuldades impostas pelas legislações
que a regularam. Todavia, com as inovações introduzidas pela Lei nº
9.307, de 23 de setembro de 1996, a situação alterou-se radicalmente,
posto que o legislador, além de enfrentar os principais óbices que
obstaculizavam o desenvolvimento do instituto, trouxe, ao convívio
nacional, conceitos e princípios sedimentados no direito comparado,
muitos deles nascidos na doutrina e referendados pelo direito pretoriano
forâneo. 3 À guisa de ilustração, sublinhe-se, o caráter vinculante da
cláusula compromissória, a equivalência da sentença arbitral à sentença
2 As Ordenações Filipinas que vigoraram no Brasil até o início da codificação nacional já cuidavam da arbitragem. Cf José Alexandre Tavares GUERREIRO, Fundamentos da Arbitragem do Comércio Internacional, São Paulo, Saraiva, 1993, p. 31/36. Nesta obra o autor efetua competente síntese das origens do instituto no Brasil. Para um visão histórica geral do instituto conferir Antonio MERCHAN ALVAREZ, El Arbitraje - Estudio Histórico Jurídico, Sevilha, Universidad de Sevilla, 1981, 356 p. 3 Para visão geral da Lei de Arbitragem, verificar Pedro Batista MARTINS, Selma M. Ferreira LEMES e Carlos Alberto CARMONA, Aspectos Fundamentais da Lei de Arbitragem, Rio de Janeiro, Forense, 1999, 522 p.
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judicial e, no plano internacional, a dispensa da dupla homologação das
sentenças arbitrais estrangeiras para terem eficácia no Brasil.
2. A Lei de Arbitragem constitui instituição que integra o
ordenamento jurídico nacional e, como tal, deve ser analisada na sua
dimensão sistemática, vale dizer, na relação com as demais normas e em
face de suas peculiaridades, como método de solução extrajudiciária de
conflitos. Gregório ROBLES, jusfilósofo espanhol, vale-se de uma feliz
metáfora para esclarecer que “as normas são as células do organismo
jurídico que é o sistema; por sua vez, as instituições, seriam comparadas
como os órgãos e os tecidos.” 4
3. Ao redigir a Lei de Arbitragem o legislador teve como
premissa básica que esta deveria representar ordenação lógica de conceitos,
construídos com claridade, precisão e unidade. A claridade, no sentido de
evitar obscuridade ou ambigüidade; a precisão, no sentido de utilizar a
linguagem jurídica e técnica apropriada à norma redigida e a unidade, no
sentido de observar que os conceitos têm uma ordem hierárquica, no qual o
conceito principal domina e da coesão aos demais. 5
4. Importa observar, igualmente, que toda e qualquer elaboração
legislativa alicerça-se na sociologia do direito e, neste sentido, o legislador
brasileiro ao estabelecer as novas diretrizes do estatuto
4 Cf. Gregório ROBLES, El Derecho como Texto, Madrid, Civitas, 1998, p. 26. 5 Cf Rafael BIELSA, Los Conceptos Jurídicos y su Terminología, Buenos Aires, Depalma, 1954, p.146/7.
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arbitral nacional, fez opções e exerceu seu direito e dever de considerar e
enaltecer as pautas sociais e os valores jurídicos que entendeu deveriam
estar albergados na lei, 6 no exercício de seu poder soberano e
constitucional de legislar, tendo como norte orientador as diretrizes
sistemáticas, éticas, sociais e de operabilidade (concretitude) que deveriam
estar presentes na nova normativa. 7
5. Assim, a Lei de Arbitragem, em seus 44 Artigos e VII
Capítulos estabelece o arcabouço arbitral brasileiro, que no frontispício
define o caráter voluntário da arbitragem, quando e quem pode utilizá-la,
as regras aplicáveis, etc. No Capítulo II, trata do seu nascedouro: a
convenção de arbitragem, que se subdivide em cláusula compromissória
(ou cláusula arbitral) e compromisso arbitral (art. 4º), arbitragem
institucional ( art. 5º) o caráter vinculante da cláusula compromissória e a
competente ação judicial para instituir a arbitragem diante de cláusula
arbitral em branco ou vazia (art.7º), o princípio da autonomia da cláusula
compromissória (art.8º) e o da competência dos árbitros (art. 8º,§ único),
requisitos do compromisso arbitral, etc.
6 O Capítulo III, refere-se aos árbitros, a figura-chave da
arbitragem, quem pode atuar como árbitro (art. 13), requisitos a serem
6 Cf. Gregório ROBLES, Sociologia del Derecho, Madrid, Civitas, 1993, p. 112. Na literatura jurídica nacional Eros Roberto GRAU, analisa a questão sob a ótica do direito legítimo, vale dizer, é o produzido pela autoridade de modo a expressar os padrões de cultura, os sentidos (princípios) forjados pela sociedade como expressões das aspirações e rumos que a sociedade pretende seguir, O Direito Posto e o Direito Pressuposto, São Paulo, Malheiros, 1993, p. 60. 7 Cf Miguel REALE, O Projeto de Código Civil, São Paulo, Saraiva, 1986, p. 7/13.
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observados, código de ética ( art.13, § 6º), recusa e exceção (arts. 14 e 15) ,
responsabilidade civil e penal (art. 17), que o árbitro é juiz de fato e de
direito e que a sentença arbitral não fica sujeita a recurso ou homologação
pelo Poder Judiciário (art. 18), etc. 8 O Capítulo IV, dispõe sobre o
procedimento arbitral e declara o momento em que a arbitragem está
instituída (art. 19); argüição de suspeição ou impedimento do árbitro; a lex
legum da lei de arbitragem, que reside nos princípios do devido processo
legal (art. 21 § 2º); a conciliação; a fase probatória em que poderá solicitar
o auxílio do judiciário, inclusive na execução de medidas coercitivas e
cautelares (art. 22, 4º), etc. O Capítulo V é dedicado ao desiderato da
arbitragem: a sentença arbitral nacional, seus requisitos e específicas
formas de impugnação. Por sua vez, o Capítulo VI, dispõe sobre a sentença
arbitral estrangeira, requisitos para homologá-la com o fito de dar-lhe
reconhecimento, eficácia e força executiva. As disposições finais previstas
no Capítulo VII, representam o elo de concatenação com as demais normas
do ordenamento jurídico nacional, em especial, a Lei nº 5.869, de 11 de
janeiro de 1973, Código de Processo Civil, revogando disposições em
contrário e outras providências.
As Órbitas nas quais Gravita a Lei Brasileira de Arbitragem
7. Perfilhando a senda utilizada pelo legislador brasileiro, há de
ser observado que os conceitos e princípios da Lei estão dispostos em
8 Cf Selma M. Ferreira LEMES, Árbitro. Princípios da Independência e da Imparcialidade, São Paulo, LTr, 2001, 239 p.
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forma seqüencial lógico-sistemática e que podem ser divididos em duas
órbitas de abrangência: (a) nacional e (b) internacional.
(a) Nacional (arbitragens domésticas)
8. A primeira, a nacional, como sói acontecer, regula o
procedimento de arbitragens transcorridas no Brasil e quando as sentenças
arbitrais tenham sido proferidas dentro do território nacional, exigindo a
observância dos requisitos básicos e condições que devem estar presentes
para a utilização deste método extrajudiciário de solução de controvérsias,
admitindo a utilização da arbitragem institucional, prevendo os princípios
jurídicos obrigatoriamente presentes no procedimento arbitral; enfim, tudo
voltado para o objetivo primeiro de sua instituição: solucionar a
controvérsia instaurada no Brasil, sob a égide da lei processual brasileira
(Lei nº 9.307, de 1996), cuja sentença arbitral, proferida em solo nacional,
é brasileira. 9
9. Nesse sentido, saliente-se, que podemos ter arbitragens
instituídas no Brasil, sob a égide da lei brasileira, com sede e local para
proferir a sentença arbitral indicada no território nacional, e que verse
sobre matéria internacional, com árbitros estrangeiros ou nacionais e que
para todos os efeitos legais será considerada arbitragem nacional.
Sublinhe-se, que esta forma de regular a matéria, vale dizer, disciplinar no
9 Vide Parte II seguinte.
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10
ordenamento arbitral apenas as arbitragens domésticas, é conduta adotada
pela legislação comparada, entre elas, a espanhola, a holandesa, etc. 10
(b) Internacional (Reconhecimento e Execução de Sentenças
Arbitrais Estrangeiras)
10. A segunda órbita na qual gravita a lei brasileira é a
internacional, mas especificamente para tratar das formas e condições que
aceitará internalizar a sentença arbitral estrangeira, proferida, portanto, fora
do território nacional. Vale notar, neste particular, que legislador brasileiro
não adotou disciplina que regule a arbitragem internacional, tais como as
legislações francesa, portuguesa, suíça, etc., em que além de dispor sobre a
arbitragem nacional, isto é, àquela que se refere às questões domésticas,
também disciplina em apartado as arbitragens internacionais, podendo
defini-las de diversas formas, valendo-se de critério jurídico ou objetivo,
ou econômico, tais como quando as partes estão domiciliadas em países
diferentes, quando se refiram às questões afetas ao comércio internacional;
enfim, estabelecem dois sistemas jurídicos díspares, definidos pela
doutrina, respectivamente, como sistema monista ou dualista. 11
10 Para verificação dos diversos textos legais estrangeiros conferir Capítulo XI de nosso livro Árbitro. Princípios da Independência e da Imparcialidade, São Paulo. LTr, 2001. p. 116/137. 11 Cf Carlos Alberto CARMONA, A Arbitragem no Processo Civil Brasileiro, São Paulo, Malheiros, 1993, p. 28, João Bosco LEE, A Lei 9.307/96 e o Direito Aplicável ao Mérito do Litígio na Arbitragem Comercial Internacional, “Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem”, 11/349, jan./mar., 2001, Charles JARROSSON, La Notion D’Arbitrage, Paris, Libraire Generale de Droit et de Jurisprudence , 1987, p. 22.
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11. Assim, extraída a radiografia da Lei Brasileira de Arbitragem,
que teve como escopo demonstrar sua formação intrínseca e extrínseca,
passo a enfocar, nas lentes de exegeta, o tratamento dispensado pelo
legislador brasileiro ao tema que constitui a segunda parte deste parecer.
PARTE II
O Conceito de Sentença Arbitral Nacional e suas Conseqüências
Institucionais - Interpretação Sistemática
12. Claus-Wilhelm CANARIS 12 em sua monumental obra “O
Pensamento Sistemático e o Conceito de Sistema na Ciência do Direito”,
esclarece que na interpretação sistemática há de ser empreendida a
interpretação a partir do sistema exterior da lei levando-se em
consideração a localização de um preceito em determinada seção ou
conexão de parágrafos, mas este seria um ponto de apoio relativamente
estreito. Todavia essa limitação é superada quando os valores resultantes
da inserção sistemática sejam extrapolados. Assim, aduz: “...trata-se,
então, porém, já de uma argumentação retirada do sistema interno. E esta
é, de facto, do maior significado. Enquanto a interpretação a partir do
sistema externo apenas traduz, em certa medida, o prolongamento da
interpretação gramatical, a argumentação baseada no sistema interno,
12 Claus-Wilhelm CANARIS, Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian (tradução de A .Menezes CORDEIRO), 1998, 311 p. Impende observar que a edição portuguesa dessa obra é precedida de comentários de Menezes CORDEIRO (114 p.), que representam mais uma obra-prima do mestre português, dentro de outra, do mesmo nível.
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exprime o prolongamento da interpretação teleológica ou, melhor, apenas
um grau mais elevado dentro desta, - um grau no qual se progrida da
<ratio legis> à <ratio iuris> , e tal como a interpretação teleológica em
geral a argumentação a partir do sistema interno da lei coloca-se, com
isso, no mais alto nível entre os meios de interpretação” 13 Esclarece
ainda, o mestre alemão, que no “conceito (bem elaborado) a valoração
está implícita; o princípio, pelo contrário, explicita-a”. 14
13. À luz destes ensinamentos devo considerar três dispositivos da
Lei de Arbitragem. O primeiro localizado no Capítulo II (Da Convenção de
Arbitragem e seus Efeitos), art. 10, inciso IV que determina como
componente obrigatório do compromisso arbitral “o lugar que será
proferida a sentença arbitral”; o segundo, disposto no Capítulo V ( Da
Sentença Arbitral), art. 26, inciso IV, que fixa os contorno da sentença
arbitral e os requisitos obrigatórios destacando “ a data e o lugar em que
foi proferida.” Já, no terceiro, localizado no Capítulo VI (Do
Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras), art. 34,
§ único, encontramos “considera-se sentença arbitral estrangeira a que
tenha sido proferida fora do território nacional”.
14. Com efeito, verifica-se que, dos três enunciados legais citados,
uma única preocupação orientou o legislador (interpretação a partir do
sistema interno): erigir o princípio jus soli como fator definidor
13 Op. cit. p.. 158/9. 14 Op. cit. p. 83.
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13
da nacionalidade da sentença e, assim, considerá-la nacional quando ditada
no âmbito doméstico e, estrangeira, quando proferida no exterior. Mas,
como acima referido e recomendado pela técnica hermenêutica, há de se
perquirir as finalidades das referidas disposições legais (interpretação
teleológica).
15. Neste sentido, pondero que, referidas disposições legais, além
de definirem a nacionalidade das sentenças, têm, também, a função de
esclarecer as conseqüências e repercussões advindas no contexto
sistemático da Lei. Destarte, é o lugar em que a sentença arbitral é
proferida que determina a competência do Juiz de Direito para julgar a
ação de nulidade prevista no art. 33, e, se for o caso, a execução da
sentença arbitral. Assim, deflui que a “sede do juízo da demanda de
nulidade e da execução é o lugar onde foi proferida a sentença
arbitral”. 15 Sublinha CARREIRA ALVIM, que “...na arbitragem, o que a
lei considerou relevante não é o local ou locais onde se desenvolverá a
arbitragem – que é um requisito facultativo do compromisso (art. 11, I,
LA), mas o lugar em que será proferida a sentença”. 16(negrito no
original).
16. Na legislação comparada, em especial a espanhola, Lei nº 36,
de 1988, idêntico é o critério utilizado para fixar a competência para
propor a ação de nulidade e a execução da sentença arbitral. No art. 46, a 15 J. E. CARREIRA ALVIM, Tratado Geral da Arbitragem Interno, Belo Horizonte, Mandamentos, 2000, p. 286. 16 Op. cit., p. 286.
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citada Lei esclarece que o reconhecimento do recurso de anulação
corresponderá à Audiência Provincial do lugar onde o laudo foi ditado e,
no art. 53, quando esclarece que a execução forçosa do laudo será efetuada
perante o Juiz de Primeira Instância do lugar onde este foi ditado. 17
17. Desse modo afere-se, por meio da melhor hermenêutica, que o
liame estabelecido entre o artigo 26, inciso IV (que exige que a sentença
arbitral esclareça o local em que foi proferida), com o disposto no art. 34, §
único (que define que a sentença arbitral é estrangeira quando proferida
fora do território nacional) é, a contrario sensu, fator definidor da
nacionalidade da sentença arbitral como brasileira.
18. Neste sentido Pedro Batista MARTINS observa que “...a Lei
n. 9.307/96 deixa claro que o critério de investigação da nacionalidade da
sentença é o do lugar onde foi proferida, e não onde tenha sido
conduzida.”18 Igualmente enfatiza Alexandre Freitas CÂMARA que
“...por fim deve constar do laudo arbitral a data e o lugar em que o
mesmo foi proferido. Trata-se de elemento mais importante do que
poderia, à primeira vista, parecer. A data da prolação é relevante para
que se verifique se foi ou não respeitado o prazo para sua apresentação.
Já o lugar em que o laudo é proferido tem relevância para que se saiba se
17 Ignacio ARROYO MARTÍNEZ, Legislación Arbitral, Madrid, 2º. ed., Tecnos, 1992, p. 40/2. 18 Pedro Batista MARTINS, Anotações sobre a Sentença Proferida em Sede Arbitral, in “Aspectos Fundamentais da Lei de Arbitragem” Pedro Batista MARTINS, Selma M. Ferreira LEMES e Carlos Alberto CARMONA, Rio de Janeiro, Forense, 1999, p 397.
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15
a arbitragem é nacional ou internacional (art. 34, parágrafo único da Lei
de Arbitragem).19 E, ainda reitera Carlos Alberto CARMONA, ao
comentar o art. 26 da Lei de Arbitragem, que “...por derradeiro repetiu
[compara com o art. 1.095, inciso IV, do CPC revogado] a necessidade de
datar a decisão, mencionando o lugar em que foi proferida, eis que,
dependendo desta última informação, a sentença arbitral poderá ou não
ser tida como estrangeira (parágrafo único do art. 34).” 20
19. Destarte, ficando esclarecido que a Lei de Arbitragem define
como sentença arbitral nacional a que tenha sido proferida no território
brasileiro e somente a ela dedica atenção e preceito
regulatório, é licito concluir que as causais de nulidade estabelecidas no
art. 32 da Lei de Arbitragem só se referem à sentença arbitral proferida no
território nacional. Enfatize-se, por oportuno, que outra não poderia ser a
interpretação autorizada, pois, como salientado, fora da hipótese de
sentença arbitral nacional, nosso ordenamento não tem competência para
regular a questão, já que não foi opção do legislador nacional tratar de
arbitragens internacionais. A órbita internacional da lei brasileira gravita
exclusivamente em reconhecer, homologar e executar sentença arbitral
estrangeira, vale repisar, sentença proferida alhures e na forma prevista no
Capítulo VI da Lei, em harmonia com as Convenções Internacionais de
regência.
19 Alexandre Freitas CÂMARA, Arbitragem – Lei n. 9.307/96, Rio de Janeiro, 3º. ed., Lumen Juris, 2002, p. 120/1 20 Carlos Alberto CARMONA, Arbitragem e Processo.Um Comentário à Lei 9.307/96, São Paulo, Malheiros, 1998, p. 238.
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16
20. Passo, a seguir, a analisar a sentença arbitral estrangeira, no
enfoque aduzido.
PARTE III
Sentença Arbitral Estrangeira – Disciplina e Tratamento à Luz do
Capítulo VI da Lei de Arbitragem e das Convenções Internacionais
21. Como salientei acima, ao alçar vôos internacionais a Lei de
Arbitragem restringe-se a reconhecer, homologar e dar força executiva às
sentenças arbitrais ditadas no estrangeiro, exclusivamente na forma
preconizada no Capítulo VI da Lei nº 9.307 de 1996.
22. Para fiel análise da questão, que não pode dispensar a
interpretação histórica, 21 devo empreender viagem de retorno aos idos de
1991/92, quando o Anteprojeto de Lei sobre Arbitragem foi elaborado e,
na versão de Projeto de Lei (PL 78/92), foi apresentado ao Congresso
21 “A lei é um produto da experiência histórica. Surge num determinado momento, para determinada necessidade, procurando determinada solução. A história lhe imprime, pois, o seu selo, e o intérprete deve ser fiel a essa inspiração”, adverte Eduardo COUTURE (Interpretação das Leis Processuais, Rio de Janeiro, Forense, 1993, p.4 , tradução de Gilda M.C.M. RUSSOMANO).
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17
Nacional pela porta do Senado Federal, subscrito pelo senador Marco
Antonio Maciel.
23. O Projeto Legislativo que redundou na Lei nº 9.307, de 23 de
setembro de 1996, fora precedido de três tentativas frustrantes do
Executivo, que não lograram alterar o regime jurídico da arbitragem no
Brasil, todas verificadas na década de 80, na forma de Anteprojetos de Lei
(1981, 1987 e 1988).
24. A Comissão Relatora do Anteprojeto de Lei de 1992, estava
ciente que inovações audaciosas deveriam ser adotadas, a fim de retirar o
Brasil do nível de obsolescência e ostracismo internacional em que se
encontrava, mas que, com equilíbrio, coerência e preservação de conceitos
sedimentados no ordenamento interno, deveria sopesar e estabelecer as
necessidades mais prementes, naquele momento histórico. Assim é que, na
área internacional, a prática verificada para reconhecimento e execução de
laudos arbitrais estrangeiros se mostrava arcaica e anacrônica, em face da
necessidade de dupla homologação exigida pelo Supremo Tribunal
Federal, que só reconhecia e homologava sentença judicial estrangeira e
não sentença arbitral estrangeira. Naquela época, não se vislumbrava a
menor possibilidade de o Brasil ratificar e aderir aos Tratados e
Convenções Internacionais que regiam a questão. Verificando o legislador
que este problema constituía o nó górdio da questão, na seara
internacional, decidiu discipliná-lo estabelecendo que para ser reconhecida
ou executada no Brasil a sentença arbitral estrangeira estaria sujeita única
Professora Selma Maria Ferreira Lemes
18
e exclusivamente à homologação do Supremo Tribunal Federal (art. 35).
Com isso, sobrepunha-se um dos maiores obstáculos ao reconhecimento
de sentenças arbitrais estrangeiras, que não mais precisariam contar com a
chancela do Judiciário do país de origem para ser submetida ao exequatur
da Corte Excelsa. 22
25. Assim, dava-se um passo à frente no trato da questão (reitere-
se, a dispensa de homologação no país de origem), mas também
conservava, em respeito ao sistema consuetudinário vigente, a necessidade
de homologação pelo STF; tudo, em perfeita consonância com a Lei Maior
(art. 102, inciso I, alínea h). Assim, era mantida a competência exclusiva
do STF para aferir a pertinência da internalização da sentença arbitral
estrangeira, observando-se o disposto os arts. 483 e 484 do CPC.
26. Vale notar, por oportuno, que de imediato a Corte Excelsa,
deu guarida e vigência ao estabelecido na Lei de Arbitragem, inclusive
para os processos em curso naquela Corte. 23
22 Cf Hermes Marcelo HUCK, Sentença Estrangeira e Lex Mercatoria, São Paulo, Saraiva, 1993, p. 63/82. 23 Cf SC n. 5.847 –1/GB, Pleno – STF- 01.12.1999 – rel. Ministro Maurício Corrêa, lavrando-se a seguinte ementa:“Homologação de laudo arbitral estrangeiro. Requisitos formais: comprovação. Caução: desnecessidade. Aplicação imediata da Lei n.9.307/96. (...) 3. As disposições processuais da Lei 9.307/96 têm incidência imediata nos casos pendentes de julgamento (RE 91.839/GO. Rafael Mayer, DJ de 15.05. 1981).” No mesmo sentido SEC n. 5.378-1- República Francesa – Pleno – STF – j. 03.02.2000 – rel. Maurício Corrêa – DJU de 25.02.2000; SEC n. 5.828-7 – Reino da Noruega – Pleno – STF – j. 06.12.2000 – rel. Ilmar Galvão – DJU 23.02.2001.
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19
27. Impende notar que o legislador brasileiro estava perfeitamente
cônscio de que ao redigir uma norma o fazia para o presente, mas
também mirando o futuro. Ademais, a matéria referente ao reconhecimento
e execução de sentenças arbitrais estrangeiras constitui tema freqüente da
cooperação jurídica internacional. Por esse motivo, fez constar no pórtico
do Capítulo VI, no art. 34, que acatava e reconhecia a matéria disciplinada
nos tratados internacionais referentes ao assunto em tela, com eficácia no
ordenamento interno e, na sua ausência, de acordo com o previsto naquele
Capítulo. 24
28. O legislador brasileiro entendeu oportuno completar a matéria
para regular também a questão referente aos requisitos e causas, em que
poderia ser denegada a homologação para reconhecimento e execução de
sentenças arbitrais estrangeiras. Seu labor legislativo teve como norte o
disciplinado na Convenção Internacional sobre Reconhecimento e
Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, firmada em Nova Iorque,
em 1958. Desse modo, foram internalizados na legislação brasileira, com
pequenas adaptações, os artigos IV e V da citada Convenção, que
correspondem aos arts. 37 a 39, do Capítulo VI. 25
24 “Art. 34 – A sentença arbitral estrangeira será reconhecida e executada no Brasil de conformidade com os tratados internacionais com eficácia no ordenamento interno e, na sua ausência, estritamente de acordo com os termos desta Lei.” Referido dispositivo teve inspiração em preceito similar existente na Lei Espanhola de Arbitragem, Lei 36 de 1988, verbis: “56.1. Os laudos arbitrais estrangeiros serão executados na Espanha de conformidade com os tratados internacionais integrantes do ordenamento interno e, na sua ausência, de acordo com as normas desta lei. 2. Se entende por laudo arbitral estrangeiro o que não tenha sido proferido na Espanha.” ( tradução livre) Vide nota 16. 25 A matéria foi analisada em nosso artigo Princípios e Origens da Lei de Arbitragem, Suplemento “Enfoque Jurídico”, Tribunal Regional Federal, Primeira Região, nº.4, jan./fev. 1997, p. 5/6 e “Revista do Advogado”, Associação dos Advogados de São Paulo – AASP, n. 51, p. 32/35, out. 1997.
Professora Selma Maria Ferreira Lemes
20
29. Após a promulgação da Lei de Arbitragem, como houvera
previsto o legislador, diversos diplomas internacionais passaram a ter
eficácia no ordenamento interno, especificamente quatro convenções
internacionais, sendo que três delas de abrangência regional e uma de
caráter universal, quais sejam: a Convenção Interamericana de Arbitragem
Comercial Internacional, firmada em 1975, na cidade do Panamá (Decreto
nº 1.902, de 09 de maio de 1996), 26 a Convenção Interamericana sobre
Eficácia Extraterritorial de Sentenças e Laudos Arbitrais Estrangeiros,
firmada em 1979 em Montevidéu (Decreto nº 2.411, de 02 de dezembro de
1997), a Convenção sobre Reconhecimento e Execução de Sentenças
Arbitrais Estrangeiras firmada em 1958 em Nova Iorque (Decreto nº 4.311
de 23 de julho de 2002) e recentemente o Acordo sobre Arbitragem
Comercial Internacional do Mercosul, firmada em Buenos Aires em 1998
(Decreto nº 4.719, de 04 de junho de 2003). 27
30. Para o assunto presente, impende analisar a Convenção de
Nova Iorque (CNI), que é mais abrangente quanto ao conteúdo e que
poderia ter interferência direta na matéria analisada neste parecer. 28
26 A vigência interna desta Convenção foi precedida em alguns meses da Lei de Arbitragem. 27 Deixo de fazer menção ao Protocolo sobre Cláusulas Arbitrais firmado em Genebra de 1923, em vigor no Brasil por força do Decreto n. 21.187, de 22 de março de 1932, por não dispor sobre o reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras e outros diplomas internacionais longevos que não se aplicam diretamente à matéria analisada neste parecer. 28 Poder-se-ia invocar, igualmente, a Convenção do Panamá de 1975, no que se refere às causas de denegação de reconhecimento, mas estas são idênticas às da Convenção de Nova Iorque.
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21
O Capítulo VI da Lei de Arbitragem e a Convenção sobre
Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras
firmada em 1958 em Nova Iorque. Convivência Harmônica e
Complementar
31. Ab initio, é importante registrar que, para o leitor desavisado,
que se contentasse em efetuar a singela interpretação gramatical do
preceito estatuído no artigo 34 da Lei de Arbitragem, que dá prevalência ao
disposto nas Convenções Internacionais, deduzindo que as demais
previsões do Capítulo VI estariam derrogadas, cometeria erro crasso.
Explico.
32. Em primeiro lugar, as convenções internacionais não têm o
condão de alterar as disposições processuais internas, no que concerne à
competência dos órgãos judiciais nacionais, que tem como matriz legal a
Constituição Federal. Em segundo lugar, as demais previsões estabelecidas
no Capítulo VI da Lei nº 9.307 de 1996, no que concerne ao sistema
de homologação única pelo STF da sentença arbitral estrangeira (art. 35), a
disposição que trata da inversão do ônus da prova (art. 38, caput), os
motivos ensejadores de denegação de pedido de homologação (arts. 38 e
39), disposições quanto aos documentos a serem apresentados (art. 37,
incisos I e II) e outros (art.40), com pequenas especificidades reproduzem
o regulado na CNI (arts. IV e V), que conforme mencionado foram
inspiradores do legislador pátrio, bem como o art. 39, § único, que
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22
normatiza e facilita a forma de intimação de parte residente no Brasil, para
participar de arbitragens no exterior.
33. Infere-se, por conseguinte, que existe perfeita harmonia entre
a CNI e a Lei Brasileira de Arbitragem, no seu âmbito de aplicação e, em
especial para o caso presente, o reconhecimento e execução de sentenças
arbitrais estrangeiras. Ambas preservam suas peculiaridades, que se
complementam e não são, portanto, conflitantes ou excludentes. Ademais,
importante preceito de compatibilidade é encontrado no Art. VII, da CNI,
que estabelece o princípio da aplicação da lei mais favorável (“most
favorable right clause”) para o caso de conflitos de normas.
34. Todavia, não obstante o acima esclarecido, entendo que por
medida profilática, mostra-se oportuno expender algumas considerações
quanto a determinados dispositivos da citada Convenção, que podem
redundar em equívocos interpretativos, mormente neste momento inicial de
vigência da CNI no Brasil. 29
35. O art. III da CNI dispõe que: “Cada Estado signatário
reconhecerá as sentenças como obrigatórias e as executará em
conformidade com as regras de procedimento do território no qual a
sentença é invocada, de acordo com as condições estabelecidas nos
29 Cf, a propósito, nosso artigo “A Arbitragem e a Vigência no Brasil da Convenção de Nova Iorque sobre Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras” Carta Internacional, n. 117, ano X, p.11, nov./2002, - Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da Universidade de São Paulo, NUPRI/USP.
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23
artigos que se seguem. Para fins de reconhecimento ou de execução das
sentenças arbitrais às quais a presente Convenção se aplica, não serão
impostas condições substancialmente mais onerosas ou taxas ou
cobranças mais altas do que as impostas para o reconhecimento ou
execução de sentenças arbitrais domésticas.” (grifamos).
36. Com efeito, não se haverá de supor que a segunda parte do
enunciado acima grifado equipararia a sentença arbitral estrangeira à
sentença arbitral doméstica para dar-lhe o mesmo tratamento. Inicialmente,
cumpre observar, que a igualdade de tratamento pressupõe a igualdade de
situações. Ora, a sentença arbitral estrangeira não se compara à sentença
doméstica, haja vista as especificidades da legislação nacional, esclarecidas
na Parte II acima. A sentença arbitral estrangeira carece de eficácia para
produzir efeitos no Brasil. Deve ela primeiramente, por meio de ação
de homologação proposta no STF sujeitar-se à verificação de determinados
requisitos fixados pelo ordenamento positivo nacional, que propiciará o
reconhecimento pelo Estado Brasileiro, de sentenças arbitrais estrangeiras,
com o objetivo de viabilizar a produção de efeitos que são inerentes a esses
atos de conteúdo sentencial. A verificação mencionada é por meio de juízo
positivo de delibação, vale dizer, verifica-se os aspectos formais, sem
adentrar no mérito da decisão.
37. Consoante asseverado pelo Ministro Celso de Mello, do STF,
“a homologação de sentença estrangeira visa a conferir-lhe aptidão para
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24
produzir e desenvolver todas as virtualidades jurídicas que lhe são
inerentes.” 30 (negrito no original) Indubitavelmente esse não é requisito
exigido da sentença arbitral doméstica. Destarte, como salientado, a
igualdade de tratamento pressupõe a igualdade de situações. Ora, sentença
arbitral estrangeira não pode ser considerada sentença doméstica.
38. Ademais, não é lícito supor que a expressão “não serão impostas
condições mais onerosas” esteja a se referir aos procedimentos
estabelecidos pelas legislações internas, que fixam a competência da
organização judiciária.
39. A doutrina internacional que há quarenta e cinco anos dedica-se
à interpretação da CNI, perfilha o entendimento explicitado. Neste sentido
Antonio REMIRO BROTONS, ao analisar o art. III, reproduzindo os
termos finais do citado artigo que acima grifamos esclarece: “...com esta
disposição se persegue combater as discriminações injustificadas que
pudesse conceber o legislador, e muito particularmente o que através do
procedimento se acrescenta obstáculos substanciais ao reconhecimento e
execução da decisão. A redação foi desacertada, mas em absoluto pode
levar à conclusão de que o regime de reconhecimento e execução dos
laudos estrangeiros devem ser idênticos ao dos nacionais. Se trata,
simplesmente, de evitar que, em nível de procedimento se introduzam
30 Petição Avulsa, Relator Min. Celso de Mello, 01 de outubro de 1997, DJU de 10.10.97 e 03/4 .09.98.
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25
dificuldades adicionais que perturbem indevidamente a homologação de
uma decisão que não incorre em nenhuma das causas de denegação
taxativamente estabelecidas na Convenção.” 31 (grifo no original)
(tradução livre)
40. Ainda deve ser ressaltado, que a parte inicial do art. III,
textualmente esclarece que os países signatários observarão o que dispõem
suas leis processuais internas. Neste sentido um dos mais autorizados
estudiosos da CNI, o professor holandês Albert Jan VAN DEN BERG, ao
proferir palestra no Seminário Internacional sobre Arbitragem Comercial
realizado em Lisboa, em 1995, comentando o art. III da CNI enfatiza que
“...contudo, uma clara distinção é efetuada entre [i] as condições para a
execução às quais a Convenção permite seja controlada e [ii] o
procedimento para execução que respeita a lei processual do local. Em
atenção a esta última referência, geralmente se menciona a existência de
três possibilidades nos países contratantes, segundo suas legislações
processuais para regular a execução do laudo:(1)procedimento de
execução de acordo com especificações dispostas em lei especial;(2)
procedimento de execução como laudos arbitrais estrangeiros em geral; e
(3) procedimento de execução como laudo arbitral doméstico.” 32
(tradução livre)
31 Antonio REMIRO BROTONS, Ejecucion de Sentencias Arbitrales Extranjeras, Madrid, Editoriales de Derecho Reunidas, 1980, p. 192. 32 Albert Jan VAN DEN BERG, New York Convention of 1958 Summary of Court Decisions. Anais do Seminário Internacional sobre Arbitragem Comercial, realizado no Centro de Arbitragem Comercial da Câmara Portuguesa de Comércio e Indústria, 4 e 5 de maio, 1995, p. 30. No mesmo sentido advertem Antonio LORCA NAVARRETE e Joaquin SILGUERO ESTAGNAN, “que cada Estado que tenha incorporado em seu ordenamento interno o conteúdo da CNY, reconhecerá autoridade legal ao laudo
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26
41. Conclui-se, portanto, que o Art. III da CNI, no que concerne
ao procedimento para reconhecimento e execução de sentenças arbitrais
estrangeiras reporta-se aos artigos 35 a 37 da Lei de Arbitragem, que fixa a
competência do STF para conhecer a matéria.
42. Outra questão a ser considerada é a definição de sentença
arbitral estrangeira adotada na CNI, art. I, que considera estrangeira a
sentença arbitral proferida fora do Estado em que se pleiteia o
reconhecimento ou a execução, estando, portanto, em sintonia com o
disposto na Lei de Arbitragem. Este dispositivo da CNI encontra
ressonância no art. V, 1, “e” , que prevê como causa de recusa de
homologação de sentença, aquela que ainda não se tornou obrigatória para
as partes ou foi anulada ou suspensa por autoridade competente do país em
que foi proferida. Este preceito é idêntico ao art. 38, inciso VI da Lei
Brasileira de Arbitragem.
43. A pertinência meridiana dessa afirmação é referendada uma
vez mais pelo disposto no art. VI da CNI, que determina que a autoridade
na qual a sentença arbitral estrangeira está sendo submetida, pode, diante
da existência de ação de anulação ou determinação de suspensão da
sentença arbitral no local em que foi ditada, suspender o processo em curso
ou determinar que a parte preste a respectiva caução.
arbitral estrangeiro e concederá sua execução de conformidade com suas normas próprias de procedimento para tais casos, o que significa que cada Estado aplicará, em matéria de reconhecimento e execução de laudo arbitral estrangeiro, suas próprias normas procedimentais.” (tradução livre), Derecho de Arbitraje Español, Madrid, Dykinson, 1994, p. 475.
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27
44. Antes, porém, de responder pontualmente as questões suscitas,
devo tecer algumas considerações sobre a sentença arbitral parcial.
A Sentença Arbitral Parcial
45. Apesar de a um primeiro plano a Lei nº. 9.307 de 1996 parecer
não regular a sentença arbitral parcial (denominação adotada na doutrina e
legislação estrangeiras), na realidade esta se faz presente, de certa forma,
em diversos dispositivos da Lei de Arbitragem, com a roupagem de uma
espécie similar à decisão interlocutória. 33 Com efeito, o art. 8º, § único, dá
33 Enfatizo que, não necessariamente no procedimento arbitral autoriza-se a analogia com conceitos e princípios da legislação processual. Isto, pois, a arbitragem pressupõe a adoção de normas mais flexíveis, adstritas aos princípios da autonomia da vontade, do devido processo legal, da não violação da ordem pública e dos bons costumes, da diligência e operabilidade dos árbitros e de suas decisões, que nos obrigam a romper com o elo da processualística forense, aferrada às formas e ritos, que vêm recebendo os eflúvios da modernidade, com a aplicação do princípio da efetividade e o da facilitação do acesso à justiça. Venho de há muito exarando que a arbitragem no Brasil se sustenta e se fará perene alicerçada em quatro pilares: 1) a segurança jurídica, que só pode ser obtida com o apoio do judiciário, confirmando os conceitos e princípios da lei de arbitragem; 2) a difusão cultural, no sentido de conscientizar a sociedade da existência de métodos extrajudiciários de solução de disputas; 3) a conscientização dos advogados, no sentido de se afeiçoarem com as técnicas arbitrais, atentando que o procedimento arbitral é diferente do judicial. Não tem o antagonismo verificado nas liças forenses e os árbitros têm mais flexibilidade para agir do que os juízes (tal fato foi magnificamente asseverado pela MM Juíza de Direito Dr. Márcia de Carvalho, da 44º Vara Cível do Rio de Janeiro, Processo 2000.001.154.978.5. Conferir nosso artigo Ação de Anulação de Sentença Arbitral. Improcedência. Impossibilidade de Reexame do Mérito, publicado na seção Jurisprudência Comentada da “Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem”, 19/359-76, jan./mar., 2003); e 4) a manutenção de regras flexíveis, que privilegiam os princípios, com regras variáveis, visando a celeridade do processo e atingir sua finalidade: proferir rapidamente a sentença arbitral. (Perspectivas Brasileiras no Campo da Solução Alternativa de Conflitos, Painel de debates sobre as Soluções Alternativas de Controvérsias, debatedora na palestra do Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Superior Tribunal de Justiça. Brasília, 1996). No mesmo sentido na doutrina internacional cf Margaret RUTHERFORD, The Need for a New Drive: Rethinking Arbitration as a Service to the Public. The Need to Shorten the Duration of Domestic and International Arbitral Proceedings, “ Arbitration”, 61/6, fev., 1995.
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28
competência para o árbitro decidir de ofício ou por provocação das partes
quanto à existência, validade ou eficácia da convenção de arbitragem, vale
dizer, decidir sobre sua competência para continuar a arbitragem ou
estancá-la imediatamente. Esta decisão pode por fim ao processo arbitral,
muitas vezes remetendo as partes ao Poder Judiciário, com o fito de dar
cumprimento ao art. 7º da Lei, ou decidir prosseguir a arbitragem. Nesta
situação, geralmente, o tribunal arbitral emite uma Nota Processual.
46. No mesmo sentido se observa textualmente que o tribunal
arbitral tem competência para decidir e expedir novamente uma Nota
Processual nos casos previstos no art. 20, incisos 1º e 2º. O tribunal
arbitral, nestes casos, possui competência legal para decidir e emitir
decisão no decorrer o procedimento arbitral, e que, reitere-se, muitas vezes
recebe a denominação de Nota Processual, em vez de sentença arbitral
parcial ou decisão interlocutória. Note-se, que no âmbito internacional
decisões destes jaezes e outras vinculadas à preservação e prosseguimento
do procedimento arbitral, recebem a denominação de sentença arbitral
parcial, provisória ou intermediária, seja por disposição expressa da
legislação ou do regulamento aplicado, para outorgar-lhe obrigatoriedade
e quiçá, executoriedade. Não vislumbro maiores problemas em
acatar referidas disposições, pois a Lei de Arbitragem apenas prevê para o
procedimento, os princípios jurídicos do devido processo legal, o
princípio da autonomia da vontade, que permite a
escolha e indicação da arbitragem institucional,
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29
que dispõe de regulamento que prevê a possibilidade de os árbitros ditarem
sentenças intermediárias (tal como o regulamento da CCI, instituição eleita
no contrato). Assim, desde que não viole os bons costumes e a ordem
pública, desde que se acolha o disposto pelas partes e dê guarida aos
princípios estabelecidos no art. 21, § 2º da Lei de Arbitragem afigura-se-
me possível dispor e estabelecer que os árbitros exarem decisões
intermediárias sobre matérias que demandem decisão prévia. Ademais, não
se pode olvidar, consoante assente na Parte I deste parecer, que a Lei de
Arbitragem observa rigor lógico-sistemático, que dá os contornos do
instituto. Desta feita, noto que a matéria encontra similitude com as
medidas cautelares ou coercitivas, que permitem aos árbitros decretar essas
medidas durante o processo arbitral, e sendo necessário executá-las,
solicitará o auxilio do judiciário (art. 22,§ 4º).
47. Saliento, ademais, que o exegeta deve efetuar interpretação legal
de modo razoável e lógico, tendo como norte os princípios da efetividade e
da tutela jurídica específica e destarte, não considerar a omissão da lei
como proibição. 34 Ilustro tal afirmação com o exemplo verificado no
direito comparado. Com efeito, na Espanha, a Lei de Arbitragem de 1988 é
omissa com referência à possibilidade de, em sede arbitral, ser adotada
medida cautelar prévia ou no curso da demanda. Tal fato foi criticado pela
doutrina espanhola, mas dando guarida aos princípios
34 Refiro-me aos que entendem que a Lei Brasileira de Arbitragem não admite a emissão de decisões interlocutórias, sentenças parciais, etc.
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30
constitucionais da efetividade e da tutela jurídica específica os tribunais
judiciais espanhóis sedimentaram o entendimento da viabilidade da
decretação e execução de medidas cautelares no curso do procedimento
arbitral ou previamente. 35 Neste sentido reproduzo excerto do julgado de
Primeira Instância de Madrid, proferido em 1999, verbis: “Em primeiro
lugar deve ser examinada a possibilidade de adotar medidas cautelares de
maneira prévia ou coetânea a um procedimento arbitral. A Lei de
Arbitragem não menciona esse aspecto. Não obstante, a arbitragem
constitui uma opção consensuada, que adotam as partes com o fim de
resolver a controvérsia e não há razão que justifique tornar pior a
condição a quem assume referida opção, impedindo-as de obter a tutela
judicial em relação a medidas de asseguramento do resultado do
procedimento arbitral”. 36 (tradução livre).
48. “A autoridade do Tribunal Arbitral para decidir sobre a adoção
de medidas provisionais não é menos obrigatória que a de um laudo
definitivo”, sufragou, com toda pertinência e por unanimidade, um tribunal
arbitral constituído no âmbito do Centro Internacional de Resolução de
Disputas sobre Investimentos – CIRDI, ao decidir sobre a
35 Conferir Ana M. CHOCRÓN GIRÁLDEZ, Los Principios Procesales en el Arbitraje, Barcelona, Bosch, 2.000, p. 202. 36 Elena ARTUCH IRIBERRI, “La Adopción de Medidas Cautelares por el Juez Español en Relación con el Procedimiento Arbitral: un conflicto se Diluye (Cometario al Auto del Juzgado de Primeira Instancia núm. 69 de Madrid de 28 de junio de 1999)”, Revista de La Corte Española de Arbitraje, vol. IVX, 1999, p. 149/50. Cf nosso artigo, A Inteligência do Artigo 19 da Lei de Arbitragem ( Instituição da Arbitragem) e as Medidas Cautelares Preparatórias, Revista de Direito Bancário do Mercado de Capitais e da Arbitragem (no prelo).
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31
pertinência de medida cautelar (provisional) interposta perante o Tribunal
Arbitral. 37
49 Note-se, que previsão expressa de sentenças arbitrais
provisionais ou interlocutórias já faz parte do nosso ordenamento interno,
haja vista o disposto no Acordo do Mercosul sobre Arbitragem Comercial
privada, firmado em Buenos Aires, em 1998, decreto (de promulgação)
nº 4.719, de 04.06.2003 (DOU 05.06.2003).
50. Por outro lado, nenhum problema se vislumbra quando as
decisões interlocutórias, ou sentenças parciais sejam referendadas na
sentença arbitral final. Passam, assim, a constituir matéria que integra a
sentença arbitral definitiva.
37 Caso ICSID Nº Arb./97/7, Resolução Processual n º 2 de 28.19.99 (medidas provisionais). Decisões e Laudos n º 8, www.worldbank.org/icsid/cases/awards.htm
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32
PARTE IV
51. Destarte, após a análise acima efetuada, que teve a função de
pavimentar o caminho exegético que nos leva à conclusão deste parecer,
passo a responder os quesitos formulados.
1) Os Capítulos V e VI da Lei nº 9.307/96 estão reservados,
respectivamente, à sentença arbitral nacional e à sentença
arbitral estrangeira, de acordo com a definição estabelecida
pela Lei de Arbitragem prevendo, cada qual, tratamentos
diversos no que diz respeito ao controle exercido pela
jurisdição estatal?
52. É de clareza meridiana a distinção efetuada na Lei nº 9.307, de
1996 entre sentença arbitral nacional ou doméstica e a sentença arbitral
estrangeira. Destarte, não se pode dar tratamento idêntico para situações,
conceitos e institutos diferentes. Demonstrei e analisei a estrutura lógico-
sistemática adotada pelo legislador brasileiro. O controle jurisdicional
estatal exercido no domínio judicial brasileiro é totalmente distinto. Em
sede de arbitragem doméstica, reitere-se, aquelas em que a sentença
arbitral tenha sido proferida em território nacional, o controle judicial da
sentença está regulado no art. 32 da Lei nº 9.307 de 1996.
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33
53. Certa feita o Ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal
Federal, ao interpretar preceito constitucional e o sentido dos vocábulos
(aplicáveis em todo o contexto legal), advertiu que “...o conteúdo político
de uma constituição não é conducente ao desprezo do sentido vernacular
das palavras, muito menos ao do técnico, considerados institutos
consagrados pelo Direito. Toda ciência pressupõe a adoção de escorreita
linguagem, possuindo os institutos, as expressões e os vocábulos que a
revelam conceito estabelecido com a passagem do tempo, quer por força
de estudos acadêmicos quer, no caso do Direito, pela atuação dos
Pretórios.”38
54. Sentença arbitral proferida em Nova Iorque, local sede da
arbitragem à qual se refere esta consulta, não é brasileira e, como tal, fica
jungida à forma de controle estabelecido no Capítulo VI da Lei nº 9.307 de
1996. Adquire, assim, uma perspectiva processual internacional, que não
se confunde com a nacional. 39
55. Esta situação continua imutável mesmo que a lei aplicável ao
fundo da controvérsia seja a brasileira, vale dizer, a lei que regula o mérito
da disputa, a lei de direito material. Neste sentido adverte o desembargador
J. E. CARREIRA ALVIM, “...mesmo que as partes tenham indicado a lei
brasileira como aplicável, e os árbitros sejam brasileiros, estaremos
38 R.E. nº 149.612-6, Relator Ministro Marco Aurélio, MG, DJU 10.03.95, p. 4883. 39 Cf Francisco RAMOS MENDEZ, Arbitraje y Proceso Internacional, Barcelona, Bosch, 1987, p. 79.
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34
diante de uma sentença arbitral estrangeira, pelo só fato de dever ser
proferida fora do território nacional; sentença que está sujeita, para ser
executada no Brasil, às formalidades impostas pelos arts. 34 a 40 da Lei
n. 9.307/96 – homologação pelo Supremo Tribunal Federal – como toda
sentença (arbitral ou não) estrangeira. Portanto, o lugar da prolação da
sentença tem por finalidade nacionalizar ou internacionalizar um
julgamento arbitral, independentemente da lei aplicável ou dos árbitros,
dando à própria sentença a “nacionalidade” de nacional ou estrangeira.
Como a sentença arbitral é um título executivo judicial (art. 584, III, CPC)
por equiparação, o juízo natural das partes é aquele do lugar onde esse
título foi constituído, para fins de ação de nulidade ou de execução da
sentença.” 40 (negrito no original).
56. Qualquer outra ilação, conclusão, deliberação ou interpretação
extensiva ou generalizadora que procurasse subverter a ordem lógica e
sistemática adotada pelo legislador brasileiro, na pretensão de igualar a
sentença arbitral nacional à estrangeira, para fins de controle jurisdicional
estatal representaria, indubitavelmente, equívoco manifesto, para não dizer
um sofisma.
57. E, ainda mais. A subversão dos conceitos e da ordem lógica da
lei representaria violação ao princípio da segurança jurídica, tão caro ao
Estado Democrático de Direito, e, portanto, violação constitucional.
Ressalto, à guisa de exemplo, que situação similar à presente neste parecer,
40 J. E. CARREIRA ALVIM, Comentários à Lei de Arbitragem, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2002, p. 84.
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35
quanto à sua essência, foi enfrentada pelo Tribunal Constitucional
Espanhol em 1993, que considerou violação ao princípio da tutela jurídica
efetiva, decisão de instância inferir que deixou de considerar o prazo
estabelecido na Lei de Arbitragem para interposição de recurso de
nulidade, recebendo-o e anulando o laudo arbitral firme. A Corte
Constitucional salientou que um órgão judicial não pode exceder-se ao se
pronunciar em sede de recurso quando existe norma precisa impeditiva
(prazo fixado na lei para interposição de recurso de nulidade de laudo
arbitral). Esse excesso, consoante salientado no referido julgado, deve ser
corrigido pelo Tribunal Constitucional, na medida que o pronunciamento
judicial poderia lesionar o direito de outros jurisdicionados à tutela jurídica
efetiva, vale dizer, à certeza jurídica.41 Mutatis mutandis, é o que ocorreria
se se equiparasse, para os efeitos e conseqüências legais, sentença arbitral
estrangeira à nacional. A Lei nº 9.307 de 1996 é precisa quanto à referida
distinção (e proibição de equiparação). Portanto, deixar de acatá-la, reitere-
se, representaria, no mesmo sentido da decisão mencionada, violação aos
princípios da segurança jurídica e da tutela jurídica efetiva.
58. Enfim, a certidão de nascimento da sentença arbitral - à que lhe
confere a nacionalidade -, é passada pelo local onde foi proferida. É ela
que ditará as regras quanto à validade e eficácia da sentença arbitral
proferida sob o seu manto; portanto, é ela que tem jurisdição para avaliar a
41 Sentencia del Tribunal Constitucional (Sala Primeira), n. 288/1993, de 04 de octubre ( recurso de amparo n. 512/1991), BOE, 09.11.1993, Revista de la Corte Española de Arbitraje, v. IX, 1993, p. 314. Saliente-se, que no precedente jurisprudencial invocado, a Corte Constitucional Espanhola restabeleceu a eficácia do laudo arbitral.
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36
pertinência da sentença arbitral lá exarada. Assim, a teor do disposto na Lei
nº 9.307 de 1996, em nome da lógica e do bom senso, não há como
equiparar a sentença arbitral nacional com a internacional, para fins de
controle jurisdicional estatal.
2) Conseqüentemente, a sentença arbitral estrangeira só
pode ser anulada pelo Juiz do local em que foi proferida, no
caso, Nova Iorque?
59. Sim, as partes escolheram a sede da arbitragem em Nova
Iorque. Esta é a jurisdição que tem controle sobre a sentença arbitral
proferida em seus lindes. Foi indicada, na Ata de Missão, que se lhe
aplicavam (na arbitragem) as regras da Corte Internacional de Arbitragem
da Câmara de Comércio Internacional - CCI, isto é, o procedimento
arbitral se pautava sob suas regras. Todavia, essa arbitragem estava sob a
égide da lei processual do local onde teve sua sede. Portanto, é essa a
jurisdição competente para avaliar e exercer controle sobre a sentença
arbitral ditada em seu território.
60. Nesta linha, em percuciente estudo o Professor da Universidade
de Coimbra, Dário Moura VICENTE, esclarece, ao aduzir sobre a lei
processual do local sede da arbitragem, que “...esta solução decorre da
imperativa sujeição dos tribunais arbitrais a certas normas processuais do
direito do lugar da respectiva sede – assegurada através da competência
dos tribunais judiciais locais para intervirem no processo
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arbitral e para apreciarem a validade da sentença -, a qual se funda não
em qualquer espécie de pré-compreensão quanto à natureza jurídica da
arbitragem, mas na necessidade de se acautelarem interesses
fundamentais das partes, de terceiros e da comunidade em geral. Tais
interesses justificam, na verdade, o monopólio estatal do exercício da
função jurisdicional no território nacional. O reconhecimento às
convenções de arbitragem de força derrogatória da competência dos
tribunais públicos, e bem assim a concessão às decisões arbitrais da
mesma eficácia que assiste às sentenças judiciais têm, pois, como
contrapartida a faculdade de o Estado regular as arbitragens que
decorram no respectivo território.” 42(grifamos)
61. No mesmo sentido, em termos peremptórios e sob o
magistério dos renomados Philippe FOUCHARD, Emmanuel GAILLARD
e Berthold GOLDMAN, que brindaram a comunidade jurídica mundial
com uma das mais importantes e completas obras sobre arbitragem do
Século XX, “Traité de L’Arbitrage Commercial Internacional” é
asseverado que “... somente os tribunais do local da sede da arbitragem ou
do Estado segundo a lei que rege a arbitragem, vale dizer, a lei escolhida
pelas partes para reger o processo arbitral poderá legitimamente ter
competência para anular uma sentença.” 43(tradução livre) (grifamos)
42 Dário Moura VICENTE, Da Arbitragem Comercial Internacional, Coimbra, Editora Coimbra, 1990, p. 96. 43 Philippe FOUCHARD, Emmanuel GAILLARD e Berthold GOLDMAN, “Traité de L’Arbitrage Commercial Internacional”, Paris, Litec, 1996, p.993.
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62. Enfim, se a eficácia da sentença arbitral estrangeira é
assegurada pelo Estado cuja ordem jurídica foi escolhida pelas partes é
evidente que é ela que tem competência para avaliar a pertinência ou não
da sentença arbitral proferida sob sua égide. Destarte, se a sentença arbitral
estrangeira não foi objeto de impugnação no local onde foi proferida e
consoante suas regras, poderá ocorrer que esta se torne imutável e firme,
vale dizer, transitou em julgado. 44
63. À guisa de complementação e para demonstrar o acerto e
coerência quanto à competência da autoridade para apreciar a validade da
sentença arbitral ditada no estrangeiro foi que o art. 22, I do Acordo sobre
Arbitragem Comercial Internacional do Mercosul (no qual integrei a
comissão de redação), Decreto nº. 4.719, de 04 de junho de 2003 (DOU
05.06.2003) expressamente a previu. 45
44 Cf Ana Maria CHOCRÓN GIRÁLDEZ, Los Principios Procesales em el Arbitraje, Barcelona, Bosch, 2000, p. 213. A esse respeito em trabalho pregresso no qual analisei a vigência e eficácia no Brasil da Convenção de Nova Iorque e a lei brasileira, aduzi que “...um outro fator interessante para ser ressaltado (que já estava previsto no art. 38 da Lei), com referência ao texto da Convenção, é saber se um laudo arbitral, uma sentença arbitral, reconhecida e homologada pelo Supremo Tribunal Federal, quando fosse ser executada, na fase de execução, se a parte poderia alegar aqueles casos do artigo 32 da lei interna referente à anulação de sentença arbitral que, com algumas especificidades, é mais ou menos igual ao artigo 38 (art. V, da Convenção). Entendemos que não seria viável invocá-los em sede de embargos, pois o art. 32 trata da ação de anulação. Quando estamos na fase de homologação, a matéria já é coisa julgada. A parte que quisesse invocar aqueles motivos de anulação, teria que fazê-lo no exterior e, de acordo com a legislação [processual] a que se submeteu a sentença arbitral estrangeira. Quando a sentença arbitral estrangeira já foi reconhecida não há mais como invocar o art. 32 da lei brasileira.” , (grifei), Selma Maria Ferreira LEMES, "A Lei Brasileira de Arbitragem e a Convenção de Nova Iorque sobre Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras: O Futuro Próximo", Anais do I Seminário Internacional sobre Direito Arbitral, Belo Horizonte, maio de 2002, Câmara de Arbitragem de Minas Gerais (www.camarb.com.br) , 2003, p. 291. 45 Art. 22 – Petição de Nulidade do Laudo ou Sentença Arbitral. 1 – O laudo ou sentença arbitral só poderá ser impugnado perante a autoridade judicial do Estado sede do tribunal arbitral mediante uma petição de nulidade.
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3) Pode-se concluir que a Justiça brasileira é incompetente
para apreciar ação de nulidade de sentença arbitral
estrangeira, proferida em Nova Iorque, na forma do ato de
missão?
64. Sim, a Justiça brasileira é incompetente para apreciar a
sentença arbitral estrangeira em sede de ação de nulidade, por três motivos.
Primeiro, a sentença arbitral estrangeira não ”existe” na órbita interna e, se
não “existe”, não pode surtir nenhum efeito. Segundo, a sua existência e
eficácia somente surgem, no âmbito interno, após a homologação e
reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal. 46 Terceiro, e por
conseqüência, é impossível dar o tratamento e o remédio de sentença
arbitral nacional à sentença arbitral estrangeira, que nenhum efeito tem na
órbita brasileira. Continuando com a metáfora, os pacientes e as patologias
são diferentes; portanto, não se pode ministrar o mesmo medicamento, sob
pena de cometer iatrogenia.
65. A dicotomia existente entre sentença arbitral nacional e
estrangeira, quanto aos seus efeitos, foi analisada por Pierre MAYER,
professor da Faculdade de Direito da Universidade de Paris I, em que
pontifica que “...deslocar o controle de uma instância de exequatur para
uma instância de nulidade é evidentemente impossível, uma vez que a
46 Cf Mauro RUBINO-SAMMARTANO, International Arbitration Law, Deventer, Kluwer, 1990, p. 484.
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sentença presente para exequatur é estrangeira: o tribunal do país não se
reconhece competente para declarar sobre a validade de uma sentença
que não se considera nacional. É, então, necessário conferir a um juiz de
exequatur o controle da sentença estrangeira sobre todos os aspectos.
Uma outra conseqüência desta mudança de ótica é que enquanto a
descoberta de uma irregularidade da sentença arbitral interna conduz à
sua anulação, a mesma descoberta efetuada a propósito de uma sentença
estrangeira conduz, simplesmente, à recusa de reconhecer seus efeitos no
pais em que é solicitada, deixa de levar em consideração a sua
existência.” 47 (tradução livre)
66. Em sede de homologação para reconhecimento de sentença
arbitral estrangeira, os motivos ensejadores de recusa (e não de nulidade)
são outros (arts. 38 e 39). A sentença pode até ser válida e ter transitado em
julgado no local onde fora proferida, mas se estiverem presente os motivos
relacionados nos incisos I a V do art. 38 e nos incisos I e II do art. 39, será
negada a homologação para reconhecimento no Brasil. Na órbita interna
brasileira continuará, assim, inexistente e sem nenhum efeito.
67. Ressalto, ademais, que para o caso em tela, é sintomático e
salutar observar o motivo ensejador de recusa de homologação para
reconhecimento disposto no art. 38, inciso VI: “a sentença arbitral não se
47 Pierre MAYER, L’ Exécution des Sentences Arbitrales dans les Pays de Droit Romaniste, L’ Exécution des Sentences Arbitrales, Institut du Droit et des Pratiques des Affaires Internationales, Chambre de Commerce Internationale, Publication CCI nº 440/6, 1992, p. 59.
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tenha, ainda, tornado obrigatória para as partes, tenha sido suspensa por
órgão judiciário do país onde a sentença arbitral foi prolatada.”
68. Ora, a toda evidência, demonstra o legislador brasileiro, que o
controle sobre a sentença arbitral ditada no estrangeiro é a do judiciário do
local onde foi proferida. Idêntico dispositivo é encontrado na Convenção
de Nova Iorque de 1958, art. V, alínea “e”.
69. Assim, concluo, com certeza e de modo inconcusso, que a
Justiça brasileira é incompetente para apreciar, em sede da ação de
nulidade, sentença arbitral estrangeira proferida em Nova Iorque.
4) No Brasil, a única autoridade competente para apreciar
a legalidade, validade e eficácia da sentença arbitral
estrangeira é o Supremo Tribunal Federal, no processo de
homologação previsto pelo art. 102, I, “h”, da Constituição
Federal?
70. Sim, conforme sobejamente aduzido nas seções pregressas deste
parecer e invocando a interpretação histórica, lógica, sistemática e
teleológica, o legislador brasileiro, ao dispor sobre a homologação e
reconhecimento no Brasil de sentenças arbitrais estrangeiras, adotou
conduta fiel ao direito consuetudinário vigente, até então. Manteve, assim,
a competência da Corte Excelsa para apreciar a matéria, a par das
sentenças estrangeiras judiciais. Portanto, consoante a ordem de
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competência jurisdicional interna, é o Supremo Tribunal Federal a única
autoridade competente para apreciar, dar eficácia e validade, bem como
autorizar a execução, no território brasileiro, de sentença arbitral ditada no
exterior.
71. Admitir outra interpretação que subverta a ordem natural
disposta pelo legislador ordinário representaria (além de evidente
ilegalidade) uma inconstitucionalidade, pois a matriz legal encontra sua
origem no art. 102, inciso I, alínea h, da Constituição Federal. O legislador
tomou-o como um princípio jurídico a ser respeitado e preservado. Neste
sentido reproduzo lição basilar do mestre argentino Agustín GORDILLO,
quando ressalta que “...a norma é limite, o princípio é limite e conteúdo. A
norma da lei, concede a faculdade de interpretá-la ou aplicá-la em mais
de um sentido, porém o princípio estabelece uma direção estimativa, um
sentido axiológico, de valorização do espírito. O princípio exige que tanto
a lei como o ato administrativo respeitem seus limites e, além disso,
tenham seu mesmo conteúdo, sigam sua mesma direção, opere seu mesmo
espírito.” 48 (tradução livre) (grifo nosso)
5) Há alguma modificação nas respostas aos quesitos
anteriores se:
a) tratar-se de sentença arbitral parcial;
48 Apud Geraldo ATALIBA, República e Constituição, São Paulo, Malheiros, 2 ed., 1998, p. 35. Cf, a propósito, o Capítulo I da nossa monografia sobre o árbitro, em que analiso os princípios jurídicos no contexto da filosofia e sociologia do direito (Árbitro. Princípios da Independência e da Imparcialidade, São Paulo, LTr, 2001, p. 21/34).
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b) tratar-se de sentença final, confirmando e tendo como
anexo sentença parcial anterior?
72. Não, a forma pela qual a sentença arbitral estrangeira esteja
expressa, seja parcial ou final, não modifica em espécie alguma a
competência do Supremo Tribunal Federal em apreciar a matéria em sede
de homologação e reconhecimento de sentença arbitral estrangeira. A
sentença parcial ou provisória, geralmente tem por função definir uma
parte da controvérsia, bem como dispõe a respeito de providências na
instrução do processo. Por mais que seja questionável a sua
obrigatoriedade ou execução, desde que incorporada na sentença final é
obrigatória e firme. Ademais, qualquer irregularidade ou entendimento
diverso poderá ser superado pela sentença arbitral estrangeira final, a teor
do disposto o art. 40 da Lei nº 9.307, de 1996, ao determinar que na
existência de vícios formais que venham a ser sanados, o pedido de
homologação poderá ser renovado.
73. Impende notar que o regulamento de arbitragem previsto nesta
consulta alberga referidas providências pelos árbitros (art. 6.2 e 23.1), que
têm o dever de diligência e operabilidade no cumprimento de seu mister,
tal como estabelecido nos códigos de ética internacionais e previsto no art.
13, § 6º da Lei nº 9.307 de 1996.
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74. É sabido que a discussão que existe na doutrina comparada e
que agora surge no ambiente doméstico com as disposições da Lei nº.
9.307 de 1996 e com a Convenção de Nova Iorque, em torno da querela
entre sentença arbitral parcial (se é ou não obrigatória e executável), é
questão muito controvertida, posto que constitui norma em aberto, já que a
Convenção de Nova Iorque também não define ou distingue sentença
arbitral parcial ou final. 49
75. Os renomados professores REDFERN e HUNTER
posicionam-se “...no sentido que toda sentença arbitral pode-se dizer seja
final (sujeita à discussão judicial), elas tratam de uma ou mais questões
em disputa pelas partes.” 50 (tradução livre). Mais adiante ao tratarem da
discussão sobre a sentença parcial ou intermediária declaram que “...a
sentença parcial, como a sentença intermediária, é final no sentido de que
vincula as partes e trata das questões com as quais deve lidar.” 51
(tradução livre)
76. Por outro lado, deslocando a lente da análise para a órbita da
normativa interna e conforme mencionado acima, há de ser observado que
as disposições dos arts. 8º, § único e 20, inciso 2º da Lei n. 9.307, de 1996
ao disporem, respectivamente, sobre a competência do árbitro de declarar
sua própria competência (princípio denominado de competência –
49 Cf Yves DERAINS e Eric SCHWARTZ, A Guide to the New ICC Rules of Arbitration, The Hague, Kluwer, 1998, p. 275. 50 Apud Michael PRYLES, Interloctory Orders and Convention Awards: the Case of Resort Condominiums v. Bolwell, “Arbitration International, 10 (4), 1994, p. 394. 51 Op.cit. p. 394.
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competência, que advém do direito alemão, kompetenz-kompetenz), 52 e de
não acolhimento da argüição de suspeição ou impedimento, ao dar
prosseguimento à arbitragem conduzem a decisões vitais para o curso da
arbitragem e que geralmente exteriorizam-se nas denominadas Notas
Processuais.
77. Argumente-se, igualmente, que o mesmo ocorre quando o
tribunal arbitral determina a adoção de medidas cautelares ou coercitivas.
A decisão exarada pelo tribunal arbitral, não deixa de ser uma decisão
executável. Aliás, assim está disposto no art. 19, item 2 do Acordo sobre
Arbitragem Comercial Internacional do Mercosul, Decreto nº 4.719, de 04
de junho de 2003 ( DOU 05.06.2003), anteriormente citado.53
78. Concluo, portanto, quer seja a sentença arbitral estrangeira
parcial ou final, a autoridade judicial brasileira com competência para
apreciá-la é o Supremo Tribunal Federal, em sede de homologação para
reconhecimento de sentença arbitral estrangeira. Ademais, se fosse o caso
de impugnar a sentença parcial ou final, está deveria ser efetuada no local
onde fora proferida e não em plagas brasileiras.
52 Cf Peter SCHLOSSER, The Competence of Arbitrators and of Courts, Arbitration Internacional, 8 (2), 1992, p.200. 53 Art.19. Medidas cautelares - As medidas cautelares poderão ser ditadas pelo tribunal arbitral ou pela autoridade judicial competente. A solicitação dirigida por qualquer das partes a uma autoridade judicial não se consideras incompatível com a convenção arbitral, nem implicará renúncia à arbitragem. 1. A qualquer momento do processo, por petição da parte, o tribunal arbitral poderá dispor, por conta própria, as medidas cautelares que estime pertinentes, resolvendo, se for o caso, sobre a contra cautela. 2. Estas medidas, quando forem ditadas pelo tribunal arbitral, serão instrumentalizadas por meio de laudo provisional ou interlocutório. 3. O tribunal arbitral poderá solicitar de oficio ou por petição da parte, à autoridade judicial competente, a adoção de uma medida cautelar. (grifamos).
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6) A aprovação da Convenção de Nova Iorque sobre o
Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais
Estrangeiras de 1958 altera, de alguma forma, as respostas
às perguntas acima colocadas?
79. Não, demonstrei que a Lei n. 9.307 de 1996, nos enunciados
que dispõem sobre o reconhecimento e execução de sentença arbitral
estrangeira estão em perfeita sintonia com a Convenção sobre
Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras firmada
em Nova Iorque em 1958, haja vista ser esta última a fonte inspiradora do
legislador nacional.
80. Não obstante a análise efetuada na seção anterior deste
parecer, permito-me, a vôo de pássaro, tecer algumas considerações
comparativas entre os dois texto legais. Observamos que o art. 34 que
explicitamente reconhece e dá vigência aos tratados internacionais da
espécie, não derroga as disposições do Capítulo VI do estatuto arbitral
brasileiro, pois estão conformes com a citada Convenção, haja vista que
todas as disposições processuais que regulam a competência jurisdicional
são matérias exclusivamente interna dos Estados, que têm total soberania
para legislar sobre a organização judiciária e competência jurisdicional.54
54 Reitera a doutrina nacional, na pena do professor suíço-brasileiro Beat W. RECHSTEINER, que “a Convenção de Nova Iorque de 10.06.1958 não se pronunciou quanto ao procedimento a ser adotado quando do reconhecimento e da execução de sentença arbitral estrangeira pelas autoridades judiciais nacionais. A Lei 9.307, de 23.09.1996, neste sentido segue a tradição brasileira, estabelecendo ser
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81. À guisa de ilustração e como elemento histórico basta
compulsar os relatórios dos trabalhos preparativos da Convenção para
verificar que naquela oportunidade, por solicitação da representação belga
foi solicitada a generalização das regras processuais, seriam idênticas as
disposições aplicáveis para a sentença nacional e à estrangeira. Referida
proposta foi totalmente rejeitada. 55
82. Os arts. 35 a 37 referem-se à processualística mencionada e
dispõem sobre a competência exclusiva da Suprema Corte brasileira para
reconhecer e dar eficácia às referidas sentenças arbitrais forâneas, estando
perfeitamente acorde com o Art. III da Convenção, que deve ser dividido
em duas partes: (a) as sentenças são obrigatórias e serão executadas em
conformidade com as regras de procedimento do local onde é solicitada, e
(b) na execução não serão impostas condições mais onerosas do que as
disciplinadas para sentenças arbitrais nacionais.
(a) Como mencionado, está disposição determina que cada Estado
observará suas próprias normas processuais em matéria de reconhecimento
e execução. 56 Reconhecida a sentença arbitral estrangeira pelo Supremo
Tribunal Federal será ela submetida a processo de execução (se for o caso),
competente, unicamente, o Supremo Tribunal Federal para a homologação das sentenças arbitrais estrangeiras.” (Arbitragem Privada Internacional no Brasil, São Paulo, 2. ed., Revista dos Tribunais, 2001, p. 142). 55 United Nations Conference on International Commercial Arbitration, Preparatory Works, III.6.85, Summary Records of the Ninth Meeting, 26.05.1958. 56 CF Antonio M. LORCA NAVARRETE, El Arbitraje Internacional en la Vigente Ley de Arbitraje, “Comentários Breves a la Ley de Arbitraje”, San Sebastián, Instituto Vasco de Derecho Procesal, 1989, p. 91.
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por carta de sentença extraída dos autos da homologação e observará as
regras estabelecidas para execução de sentença arbitral nacional e será
competente a Justiça Federal. 57
(b) Não serão impostas condições mais onerosas – referem-se às causas de
denegação de homologação exaustivamente previstas no art. V da
Convenção e aos aspectos de forma previstos no Art. IV, ambos
respectivamente similares aos arts. 37 a 39 da Lei nº 9.307 de 1996. Neste
passo, reitero a advertência de Antonio REMIRO BROTONS, que o
fundamento é combater as discriminações injustificadas que possam ser
concebidas pelo legislador, impondo obstáculos substanciais ao
reconhecimento e execução da decisão. “Mas não poderia, em absoluto,
levar à conclusão de que o regime de reconhecimento e execução das
sentenças arbitrais estrangeiras deva ser igual aos nacionais. Não é
possível criar dificuldades adicionais que perturbem indevidamente a
homologação de uma decisão.” 58
83. O art. 40 da lei interna representa o estabelecido no Art. V, I,
alínea “c” , in fine da Convenção. Por sua vez o art. 39, § único agrega
disposição que contribui à cooperação e tráfego jurídico internacionais ao
dispensar a exigência de citação por carta rogatória, para a intimação de
57 CF, Joel D. FIGUEIRA JUNIOR, Arbitragem, Jurisdição e Execução, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2. ed., 1999, p. 286. 58 CF Antonio REMIRO BROTONS, Ejecucion de Sentencias Arbitrales Extranjeras, Madrid, Editorial Revista de Derecho Privado, 1980, p. 192.
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parte brasileira, desde que lhe seja deferido tempo hábil para exercer seu
direito de defesa.
84. O que resta a ser esclarecido como fato importante advindo ao
direito interno com a vigência da Convenção de Nova Iorque é o princípio
da aplicação da lei mais favorável, que tem como objetivo resolver questão
de conflito de convenções, que se resolve pela aplicação da lei mais
favorável, mas jamais no sentido de interferir na matéria de competência
jurisdicional interna dos Estados, que são soberanos para legislar a
respeito. Os demais dispositivos da Convenção são de ordem formal e
afetos ao Direito dos Tratados.
Este é o meu parecer.
São Paulo, 02 de julho de 2003
Selma Maria Ferreira Lemes
Mestre em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da USP Membro da Comissão Relatora da Lei de Arbitragem
Assessora do Governo Brasileiro na elaboração do Acordo de Arbitragem Comercial Internacional do Mercosul- Buenos Aires, 1998.
Coordenadora e Professora dos Cursos de Pós-Graduação (lato sensu) em Direito Arbitral - IbmecLaw e de Arbitragem do GVLAW da Fundação Getúlio
Vargas - São Paulo e Rio de Janeiro
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