View
633
Download
4
Category
Preview:
Citation preview
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - UERJ
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
FACULDADE DE SERVIÇO SOCIAL
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL E SAÚDE
O desafio da atenção integral às crianças e aos
adolescentes cronicamente adoecidos:
necessidades de saúde e políticas públicas
EMILLY PEREIRA MARQUES
ORIENTADORA: Profª. Giselle Lavinas Monnerat
CO-ORIENTADORA: Profª. Claudete Aparecida Araújo Cardoso
Rio de Janeiro, 08 de agosto de 2011.
EMILLY PEREIRA MARQUES
O desafio da atenção integral às crianças e aos
adolescentes cronicamente adoecidos:
necessidades de saúde e políticas públicas
Monografia apresentada à Faculdade de Serviço Social, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, como requisito parcial para a obtenção do grau de especialista, sob orientação da Profª. Giselle Lavinas Monnerat e co-orientação da Profª. Claudete Aparecida Araújo Cardoso.
Rio de Janeiro, 08 de agosto de 2011
Banca Examinadora:
_______________________________________________________________
Profª. Drª. Giselle Lavinas Monnerat
Profª. Drª Claudete Aparecida Araújo Cardoso.
Profª. Drª. Carla Cristina Lima de Almeida
Agradecimentos
Agradeço a Deus, à minha família e ao meu companheiro de todas as
horas Aziz;
Às minhas professoras orientadoras a assistente social Giselle e a
médica Claudete que contribuíram não só com o rigor acadêmico, mas também
com suas visões enquanto profissionais de saúde;
À professora Carla Cristina Lima de Almeida por ter aceitado o convite
de participação da minha banca e a todos os professores do CESS-UERJ que
contribuíram com a nossa formação profissional nos debates sempre
presentes;
Agradeço à equipe interdisciplinar do Serviço de Pediatria do HUAP-
UFF, com a qual dividimos angústias e resolutividades com o mesmo objetivo
de proporcionar um atendimento de qualidade e a promoção da saúde das
crianças e dos adolescentes atendidos;
À minha turma do Curso de Especialização em Serviço Social e Saúde –
2010 que colaborou para meu crescimento profissional diante de tanta
diversidade que a formou: diferentes idades, épocas de formação, diversas
faculdades, espaços sócio-ocupacionais (movimentos sociais, atenção primária
até a alta complexidade da atenção em saúde), porém todos com um
comprometimento ético-político na construção de uma sociedade mais justa e
igualitária;
Agradeço às famílias que contribuíram com a minha pesquisa e
compreenderam a importância da luta pela garantia dos seus direitos.
Resumo:
O presente trabalho buscou contribuir com uma análise das diversas
situações enfrentadas por crianças e adolescentes cronicamente adoecidos e
por suas famílias. Nossa indagação principal é se há suprimento de suas
necessidades de saúde, relacionando este cumprimento a garantia de
atendimento integral no Sistema Único de Saúde (SUS). Em nossa pesquisa
percebemos a necessidade de maior articulação intersetorial, por meio de uma
rede integrada de atenção às necessidades específicas e coletivas deste
segmento em virtude dos diversos desafios e alterações de rotina que
perpassam seu cotidiano e que influenciam na continuidade do tratamento.
Realizamos pesquisa qualitativa nas enfermarias de pediatria do HUAP/UFF,
entrevistando com roteiro semi-estruturado 10 famílias cujas crianças e
adolescentes em condição crônica de adoecimento permanecem em
acompanhamento no HUAP após a alta hospitalar. Consideramos que o
acesso aos serviços e às políticas públicas compõe um dos sentidos do
atendimento integral, tendo em vista que tal suporte é relevante para que a
adesão e a continuidade ao tratamento de crianças e de adolescentes tenham
possibilidades reais e concretas de existir. Percebemos a sobrecarga da
família, principalmente das mães, responsabilizadas em prover o acesso aos
serviços necessários, além de prestar os cuidados que as crianças e os
adolescentes necessitam.
Palavras-chave: crianças e adolescentes, doenças crônicas,
atendimento integral, necessidades de saúde, políticas públicas
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.............................................................................................06
CAPÍTULO 1 – O DEBATE TEÓRICO ACERCA DA INTEGRALIDADE DA
ATENÇÃO EM SAÚDE NA LITERATURA ATUAL......................................11
CAPÍTULO 2 - A INTEGRALIDADE NO ATENDIMENTO À INFÂNCIA E À
ADOLESCÊNCIA...........................................................................................30
2.1 - O atendimento a crianças e adolescentes em condições crônicas
de adoecimento: desafios e apontamentos para o debate...................43
CAPÍTULO 3 – OBJETO, CAMPO EMPÍRICO E PROCEDIMENTOS
METODOLÓGICOS........................................................................................48
3.1- O cenário da pesquisa: um estudo sobre os atendimentos das
enfermarias de Pediatria.....................................................................50
3.2- Procedimentos metodológicos: sujeitos envolvidos e critérios de
seleção................................................................................................56
CAPÍTULO 4 - ANÁLISE DAS ENTREVISTAS..............................................61
CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................120
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................126
ANEXOS.........................................................................................................135
6
INTRODUÇÃO
Neste trabalho buscamos investigar a temática da infância e da
adolescência em condição crônica de adoecimento numa concepção de
atendimento integral. A pesquisa tem como objeto a análise da integralidade da
atenção em saúde de crianças e adolescentes cronicamente adoecidos e que
necessitam de continuidade no cuidado e de acesso a diversos insumos,
equipamentos, especialidades de saúde e programas de proteção social.
Nesta direção, pretendemos observar se as famílias estão recebendo
suporte governamental para que a adesão e a continuidade ao tratamento de
suas crianças e de seus adolescentes tenham possibilidades reais e concretas
de serem realizadas em condições adequadas.
O interesse pelo tema se justifica em razão de nossa inserção
profissional no serviço de atenção à saúde da criança e do adolescente nas
enfermarias de Pediatria do Hospital Universitário Antônio Pedro da
Universidade Federal Fluminense (HUAP-UFF), situado no município de
Niterói-RJ, e que atende usuários de zero até 15 anos de idade.
Vale destacar que o cotidiano das crianças e dos adolescentes
cronicamente adoecidos e os entraves encontrados por estes e suas famílias
aparecem no acompanhamento aos casos atendidos pelo serviço social na
enfermaria pediátrica, onde nos deparamos cotidianamente com a falta de
políticas voltadas para as necessidades particulares deste segmento e do
acesso às políticas públicas já existentes.
7
Para prolongarem o tempo sem internação, muitas crianças e
adolescentes necessitam de equipamentos e de tecnologias em domicílio e
políticas específicas voltadas para o consumo de energia quando estas são
adquiridas; casas adaptadas e ambientes acessíveis; escolas que
compreendam as necessidades especiais dos alunos e que possuam
condições concretas de atendê-las; acesso a insumos e medicamentos
especiais e excepcionais sem morosidade no processo, dentre outras
questões.
Considerando as características de um hospital de alta complexidade, os
usuários atendidos apresentam doenças graves ou com diagnóstico sob
investigação ou ainda dependem de determinados tipos de especialidades
médicas ou recursos tecnológicos, atendendo diversas síndromes e condições
crônicas de adoecimento. São necessidades singulares e coletivas que se
transformam em demandas concretas em nosso cotidiano de trabalho nas
enfermarias de pediatria de um hospital de alta complexidade e reconhecemos
que para intervirmos é preciso uma abordagem integral e totalizante a estes
indivíduos e suas famílias.
Temos por hipótese que, apesar do arcabouço legal que ampara as
crianças e os adolescentes, os pacientes que possuem doenças crônicas ainda
possuem enormes dificuldades de garantir os seus direitos fundamentais.
Quanto ao procedimento metodológico propriamente dito, realizamos
pesquisa qualitativa na Unidade de Pediatria do Hospital Universitário Antônio
Pedro (HUAP). Entrevistamos, por meio de roteiro semi-estruturado, 10 famílias
com responsáveis de crianças e adolescentes cronicamente adoecidos em
8
acompanhamento hospitalar no HUAP entre os meses de setembro de 2010 a
junho de 2011.
Do ponto de vista da discussão teórica, trabalhamos com um dos
sentidos da integralidade considerando o viés do acesso a uma rede integrada
de atenção a estes usuários, apreendendo os desafios das crianças e dos
adolescentes e de suas famílias para alcançarem o atendimento de suas
necessidades de saúde, por meio de políticas, programas e serviços públicos.
Apontamos os consensos teóricos acerca da temática das doenças
crônicas nessa faixa etária, relacionando-os, posteriormente, aos desafios
práticos enfrentados por estes sujeitos e por suas famílias no acesso aos seus
direitos fundamentais, às políticas e aos serviços públicos, consonante com a
perspectiva da integralidade.
A literatura especializada mostra que a discussão de doenças crônicas
abrange majoritariamente outras gerações como adultos e idosos, portanto tal
temática vinculada à infância e à adolescência precisa de maior visibilidade e
problematização, com vistas à promoção da saúde e efetivação de direitos de
crianças e adolescentes em tratamento continuado.
Com efeito, este debate é relevante socialmente e também promissor
para as profissões que formulam e atuam nas políticas sociais, como os
assistentes sociais, já que estamos em diversas áreas das políticas públicas e
atuando pela ampliação e defesa dos direitos socialmente conquistados.
A relevância dessa pesquisa se ampara no fato de que há pouca
produção científica sobre esta temática, envolvendo as dificuldades
vivenciadas pelas crianças, adolescentes e suas famílias em seu cotidiano, em
9
quais políticas públicas estão inseridos e quais tentam acessar, e as principais
necessidades apresentadas, o que possibilitaria a elaboração de um perfil
coletivo, para posteriormente propormos estratégias de enfrentamento.
Realizamos também um levantamento bibliográfico sobre a temática das
doenças crônicas na infância e adolescência e as políticas públicas para
crianças e adolescentes, articulando-a com as produções sobre política de
saúde e integralidade, buscando balizar a discussão teórico-conceitual sobre o
tema. Essa pesquisa incluiu consulta a textos disponíveis na rede mundial de
computadores, a livros e revistas publicadas.
De igual modo, pesquisamos fontes secundárias com vistas ao
levantamento de dados, utilizando resultados da pesquisa em curso: “Perfil
epidemiológico dos pacientes internados nas enfermarias de Pediatria do
Hospital Universitário Antônio Pedro da Universidade Federal Fluminense
(HUAP-UFF)”, coordenada pela profª. Claudete Aparecida Araújo Cardoso, co-
orientadora do nosso trabalho, além de dados produzidos por monografias,
dissertações e teses sobre a temática.
Através das informações obtidas no banco de dados elaborado pela
pesquisa de Cardoso (2009), fizemos uma análise do perfil das internações
nestas enfermarias no ano de 2010, buscando tornar claras as características
do atendimento nas enfermarias de Pediatria do HUAP-UFF.
Por fim, cabe ressaltar que centralidade do debate contemporâneo
acerca da integralidade e sua relevância para o atendimento às crianças e aos
adolescentes com doenças crônicas é fundamental para destacarmos que há
10
muito que se avançar para que esta diretriz do SUS se cumpra em seus
diversos sentidos.
Esta investigação também é relevante para as profissões da saúde que
atendem estes usuários dos serviços, assim como para os profissionais das
diversas políticas públicas que precisam estar atentos às necessidades
particulares e coletivas dos sujeitos. Tal tema é especialmente relevante para o
assistente social, tendo em vista que este profissional perpassa diversas áreas
das políticas públicas e atua pela ampliação e defesa dos direitos socialmente
conquistados (RAICHELLIS, 2009).
11
CAPÍTULO 1 – O DEBATE TEÓRICO ACERCA DA INTEGRALIDADE
DA ATENÇÃO EM SAÚDE NA LITERATURA ATUAL.
Neste capítulo realiza-se um breve resgate histórico do modelo inicial de
intervenção do Estado na saúde de nosso país, para, em seguida, abordar a
proposta de superação deste modelo pelo movimento de Reforma Sanitária.
Posteriormente faz-se uma revisão teórica da integralidade na literatura
atual, destacando as suas múltiplas dimensões e as reflexões elaboradas pelos
principais autores no campo da Saúde Coletiva sobre a temática.
Busca-se demonstrar que a diretriz da integralidade e a sua efetivação
nos serviços de saúde no Brasil são alvo de amplo debate e, principalmente,
que a dissonância entre a proposta da Reforma Sanitária que introduz tal
conceito e a prevalência ainda do modelo individual-curativista e
hospitalocêntrico trazem impasses para transformações dos modelos
assistenciais em saúde do país.
O Estado brasileiro passa a intervir diretamente na saúde no século XX,
enfatizando, a partir dos anos 1930, as ações médicas pautadas no modelo
individual-curativista. A primazia dada à medicina ganha impulsão quando o
Estado a incorpora como forma de intervir sistematicamente na sociedade1.
Nesta perspectiva, a articulação entre o Estado, a ciência e a medicina
1 A formação da medicina incorpora uma forma de produzir conhecimentos. O corpo é tido como
máquina e a observação, a descrição e a classificação das doenças na busca de suas causas é o seu objeto.
Neste modelo de medicina ocidental “Saúde é ausência de uma doença, e cura é a ausência de um
sintoma. (...) É esse mesmo conteúdo racional que será disseminado socialmente entre diversos setores da
sociedade” (PINHEIRO e CAMARGO, 2000:109).
12
configura a racionalidade normativa que vem embasando os modelos de
atenção à saúde.
Em decorrência, cristaliza-se um processo de medicalização iniciado no
país nos anos 1920 e 1930 e massificado na década de 1970, conjuntura em
que ocorre a ampliação de demanda pela saúde, ao mesmo tempo em que se
restringe o acesso direcionando-o para faixas específicas da população ou
limitado à atenção básica campanhista, persistindo o “descompasso entre
demanda e oferta nos serviços de saúde” (PINHEIRO e CAMARGO,
2000:103).
Para Camargo Jr (2010), o termo “medicalização” classicamente pode
ser entendido de duas formas:
(...) por um lado, o ocultamento de aspectos usualmente
conflitivos das relações sociais, pela sua transformação em
‘problemas de saúde’; e por outro, a expropriação da
capacidade de cuidado das pessoas em geral, em especial
(mas não apenas) os membros das camadas populares,
tornando-os dependentes do cuidado dispensado por
profissionais, em particular (ou quase exclusivamente, para
alguns) médicos. (2010: 98)
13
Nos anos 1970, na contramão desta racionalidade biomédica, o
movimento de Reforma Sanitária2 abarcou uma concepção ampliada de saúde
e a defesa da integralidade, tendo como marco o relatório da VIII Conferência
de Saúde, onde saúde é definida como:
(...) a resultante das condições de alimentação, habitação,
educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte,
emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e
acesso a serviços de saúde. É, assim, antes de tudo, o
resultado das formas de organização social da produção,
as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis
de vida. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1986)
Com o processo de redemocratização na década de 1980, muitas
foram as conquistas na institucionalização das políticas sociais, as quais foram
materializadas na Constituição Federal de 1988. A principal expressão dos
avanços no campo da política social foi a implementação de um Sistema de
Seguridade Social Brasileiro que, pela primeira vez na história do país, explicita
a responsabilidade do Estado e consagra os direitos de cidadania na
perspectiva do acesso universal ao sistema pela população.
Ademais, a proposta de seguridade social busca sugerir uma nova
racionalidade de organização das políticas sociais, tendo em vista que traz uma
2 Para Cecílio (2001 ) universalidade, integralidade e equidade da atenção constituem um conceito tríplice
com poder de traduzir o ideário da Reforma Sanitária brasileira. Estes são objetivos da atenção em saúde
para além do simples consumo ou acesso a serviços.
14
proposta de integração de políticas e programas sociais, pelo menos das áreas
de saúde, assistência social e previdência social.
Na Constituição Federal de 1988, a Seguridade Social Brasileira é
definida como “um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes
públicos e da sociedade, destinada a assegurar os direitos relativos à saúde, à
previdência e à assistência social.” (Título VIII, capítulo II, Seção I, art. 194 da
CF.)
A proposta da Seguridade Social promoveu avanços no âmbito da
formulação da construção de um sistema de proteção social solidário,
principalmente pela ampliação da cobertura a setores antes desprotegidos,
eqüidade de tratamento entre trabalhadores rurais e urbanos, descentralização
da gestão e ampla participação no processo decisório, além de inovar por meio
do controle social da execução das políticas. (COSTA ET ALLI, 2006).
A partir de então, a saúde passou a integrar a seguridade como direito
universal dos cidadãos. A Lei Nº 8.080/ 1990, uma das legislações que compõe
o Sistema Único de Saúde (SUS), dispõe em seu Título I que:
Art. 2º: A saúde é um direito fundamental do ser humano,
devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao
seu pleno exercício.
Seguindo tal paradigma, Giovanella et alli utilizam uma concepção
afirmativa de saúde, ou seja, “um processo de produção social influenciado por
15
fatores de diversas naturezas e que se expressa num nível de qualidade de
vida de uma dada população.” (2002: 44).
Desta forma, a saúde é vista como um processo mutável de acordo com
a ação da sociedade, para além das conseqüências imediatas de fatores
específicos, indicadas negativamente como doença, seqüela e morte. Portanto,
“deixa de ser o resultado de uma intervenção especializada e isolada sobre
alguns fatores e passa a ser um produto social resultante de fatos econômicos,
políticos, ideológicos e cognitivos”. (GIOVANELLA et alli, 2002: 45).
Notadamente, os avanços ocorreram na esfera legal e formal, pois na
esfera da implementação estamos ainda muito aquém de fornecer aporte para
o pleno exercício da cidadania e da efetivação do direito à saúde em seu
sentido mais amplo. Sobre este ponto, é forçoso reconhecer que o processo de
implementação da proposta de um sistema de Seguridade Social é
contraditório e incompleto. O trecho que segue ilustra esta afirmação:
De fato, a proposta de seguridade social inaugura na
história brasileira um modelo de sociedade mais justo,
visto que os direitos sociais não estão necessariamente
vinculados a uma contribuição anterior. No entanto, a
idéia de seguridade não vingou plenamente por uma série
de razões. Na realidade, cada área (previdência,
assistência e saúde) seguiu trajetória própria com
avanços significativos, mas com pontos importantes a
conquistar. Na atual conjuntura, marcada pelo
16
contingenciamento de gastos públicos e ameaça aos
direitos sociais vê-se que a saída é avançar de forma
criativa na articulação política das três áreas que
compõem a seguridade social. (MONNERAT e SENNA:
152)
A concepção ampliada de saúde presente na Constituição Federal de
1988 que expõe os seus fatores determinantes3 tornam-se utópicas diante dos
níveis de desigualdade e pobreza estrutural do país e da proposta neoliberal
hegemônica, extorquindo o direito dos usuários à garantia de eqüidade,
acessibilidade, qualidade e continuidade de políticas instituídas e
implementadas como direitos.
Conforme apontado por Costa et alli (2006), se por um lado, superamos
de alguma forma a visão biologizante da doença que enxergava o corpo como
máquina, os sujeitos ainda são tratados nos serviços de saúde como objetos
de ações isoladas, isto pode ser confirmado tanto pelas multiplicidades de
especialidades oferecidas pela medicina, quanto pelas dificuldades em
organizar serviços integrais. Quanto a este aspecto, Campos e Domitti
pontuam que:
3 Lei Nº 8.080/ 1990. Título I, Art. 3º “A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes,
entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a
educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população
expressam a organização social e econômica do País. Parágrafo único. Dizem respeito também à saúde as
ações que, por força do disposto no artigo anterior, se destinam a garantir às pessoas e à coletividade
condições de bem-estar físico, mental e social.”
17
Em Medicina e na saúde em geral houve uma crescente
divisão do trabalho que dificulta a integração do processo
de atenção e cuidado às pessoas, já que as distintas
especialidades médicas e profissões de saúde definiram
objetos de intervenção e campos de conhecimento sem
grandes compromissos com a abordagem integral de
processos saúde e doença concretos. (CAMPOS e
DOMITTI, 2007: 402)
Stotz ratifica a disparidade entre o que é estabelecido para o Sistema
Único de Saúde, um grande avanço comparável aos diversos sistemas de
saúde de outros países, e entre a precariedade do que é implementado, pois o
que é legislado, não ocorre na prática que ainda enfatiza o tratamento
individual-curativista, sem articulação com as políticas de proteção social:
Diferentemente do que acontece na maioria dos países
nas Américas, entre nós brasileiros, o valor da saúde é
formal e institucionalmente definido como um direito
social. No Brasil, contudo, vivemos o paradoxo do direito
à saúde ser um direito social, definido em termos do
princípio da solidariedade social que, como diz o artigo
196 da Constituição, exige políticas sociais e econômicas
que visem reduzir o risco de doenças e outros agravos à
saúde, enquanto o sistema organizado para garantir este
18
direito responde (precariamente, com baixa
resolutividade) à doença no plano individual. (STOTZ, s.d)
Portanto, a política de saúde está inserida em uma disputa por projetos
de sociedade. A arena sanitária brasileira conforma o projeto da Reforma
Sanitária com sua perspectiva universalizante pela equidade e integralidade de
um sistema de saúde gratuito e amplo e o Projeto neoliberal privatista que
propõe um “pacote básico para a saúde”, com programas focalizados e com
acesso aos serviços via mercado. (VILAÇA MENDES, 1994; BRAVO e
MATTOS, 2001)
Para Vilaça Mendes na prática, “a legislação universalizante, construtora
de uma cidadania plena é reinterpretada por uma realidade que estabelece
uma oferta de serviços altamente discriminatória, seletiva para diferentes
cidadanias e fixada na atenção médica” (1994: 80)
Então, a proposta da política de saúde dos anos 80, tem sido
desconstruída. Verificamos um quadro de precarização e privatização dos
serviços e dos benefícios públicos conquistados como direitos sociais.
Atualmente, as necessidades individualizam-se e são atendidas
fragmentadamente por estes serviços.
Inegavelmente a noção de saúde coletiva ampliou o debate sobre a
saúde e criticou as bases biologicistas sobre as quais as práticas e os saberes
médicos foram criados, constituindo uma forte mudança de paradigma neste
campo. No entanto, Nunes (1994) alerta que a pauta da construção deste
19
paradigma torna-se cada vez mais extensa devido aos sérios problemas
sociais e sanitários.
Desta forma, apesar das grandes transformações do sistema de saúde
brasileiro, principalmente em seu arcabouço jurídico, ainda não temos
materializadas grandes inovações no cotidiano dos serviços, persistindo
problemas entre as necessidades da população e as ações dos serviços de
saúde.
Porém, a progressiva universalização conquistada na implantação do
SUS nos aproximou de um modelo de atenção integral, onde todos os
indivíduos têm o direito legal instituído de serem inseridos e de utilizarem os
diversos níveis de atenção à saúde (da atenção básica à alta complexidade), o
que poderia facilitar a prevenção, o diagnóstico e o tratamento à doença,
porém observamos que para a efetivação da integralidade ainda há muito que
se avançar, para além destas normatizações, pois dentre as diretrizes
propostas no SUS esta foi uma das que menos avançou.
Conforme destacado por Mattos (2010), a diretriz da participação
popular desencadeou a construção de um arcabouço formado pelos Conselhos
e Conferências de Saúde, a descentralização também avança gradualmente
com a municipalização dos sistemas e a implementação da referência e
contrarreferência. Estas diretrizes são mais facilmente aceitas por projetos
societários distintos. O impasse ocorre justamente com a diretriz da
integralidade, explicitamente vinculada a um determinado projeto societário na
luta por uma sociedade mais justa. Neste caso, retomar este debate é
relevante e necessário.
20
Do ponto de vista da Constituição de 1988, o atendimento integral
previsto no artigo 198, caracteriza-se como uma diretriz do SUS, assim como a
descentralização e a participação da comunidade. Importante ressaltar que na
Lei 8080/1990 a integralidade da assistência torna-se um dos princípios, ao
lado de outros oito, dentre eles, a universalidade do acesso e a preservação da
autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral.
Conill (2004) destaca que em nosso país, a integralidade já compunha
parte das propostas do início da década de 80, por meio de programas mais
abrangentes para grupos específicos (Programa de Atenção Integral à Saúde
da Mulher – PAISM, Programa de Atenção Integral à Saúde da Criança –
PAISC), sendo finalmente assumida em 1988 para a organização do SUS.
Porém, apesar de constar como diretriz de uma legislação e como
proposta de programas já estabelecidos, o conceito de atenção integral ou a
integralidade - como é mais utilizado na literatura da saúde coletiva - é difuso e
vários autores têm elaborado definições ou dissertado sobre seus possíveis
sentidos construídos historicamente.
Mattos (2004; 2009) salienta que a noção de integralidade é polissêmica,
isto é, guarda inúmeras possibilidades de interpretação. O termo para ele tem
funcionado como uma “imagem-objetivo” ou “como uma forma de indicar (ainda
que de modo sintético) características desejáveis do sistema de saúde e das
práticas que nele são exercidas, contrastando-as com características vigentes
(ou predominantes)” (2004: 1411).
21
Ao refletir sobre os diferentes sentidos na noção de integralidade,
Mattos (2009) destaca os mais relevantes para a construção de políticas, de
sistemas e de práticas de saúde mais justas. Quais sejam:
Atributo das boas práticas de saúde – relaciona-se com a prática que
busca apreender as necessidades do paciente de modo mais integral, não se
vinculando apenas às dimensões biológicas do organismo e às suas “queixas”.
Originalmente, este debate iniciou com o movimento de medicina integral nos
Estados Unidos que criticava a postura fragmentária e a atitude reducionista
dos médicos, atribuindo tal limite às escolas formativas e propondo alterações
curriculares;
Atributos do modo de organizar os serviços e as práticas de saúde
– é a articulação entre a assistência e as práticas de saúde pública. Exige uma
“horizontalização” dos programas, além de pensar a organização dos serviços
adequadamente a partir das necessidades da população atendida, ou seja, não
se resumindo a uma atitude do profissional, mas a ações programáticas;
Atributo das políticas de saúde especiais - são as respostas
governamentais a determinados problemas de saúde ou a grupos específicos,
incorporando tanto as ações preventivas quanto as assistenciais, respeitando
as especificidades destes segmentos da população.
22
No entanto, Mattos destaca que a sua principal preocupação teórica não
é de definir os diversos sentidos do termo - que, sobretudo, é uma bandeira de
luta, uma “imagem-objetivo” - pois independente dos múltiplos sentidos que a
integralidade agrega todos são interligáveis, pois:
quer tomemos a integralidade como princípio orientador das
práticas, quer como princípio orientador da organização do
trabalho, quer da organização das políticas, integralidade
implica uma recusa ao reducionismo, uma recusa à
objetivação dos sujeitos e talvez uma afirmação da abertura ao
diálogo. (2009: 65, grifo nosso)
Outra caracterização das dimensões da integralidade é realizada por
Giovanella et alli (2002). Este trabalho elenca critérios e atributos para avaliar
sistemas de atenção integral e a operacionalização da integralidade. Para
estes autores, a integralidade possui quatro dimensões:
Primazia das ações de promoção – orientação do sistema para a promoção
da saúde. Exige processos de planejamento com a participação social para
ocorrer coerência entre as ações de promoção e de prevenção com os
problemas de saúde locais, valorizando os determinantes gerais das condições
de saúde dos sujeitos;
23
Garantia da atenção nos três níveis de complexidade da assistência –
caracteriza o caráter contínuo do cuidado, propondo-se a uma oferta
organizada dos serviços com fluxos definidos entre os distintos níveis de
complexidade compatíveis com a demanda da população no território. É a
garantia da referência e contrarreferência, por meio de protocolos de atenção;
Articulação das ações de promoção, de prevenção e de recuperação –
integração organizacional e programática entre a gestão e a coordenação dos
setores de assistência individual e os de caráter coletivo. Exige uma estreita
articulação com uma perspectiva de complementariedade;
Abordagem integral de indivíduos e de famílias – intervenções nas esferas
biológica, psicológica e social, por meio do fortalecimento do vínculo usuário-
profissional-unidade de saúde, envolvendo o acolhimento e a atuação da
equipe multidisciplinar. Necessita para ser possível de novos arranjos o
processo e trabalho em saúde.
Portanto, os autores afirmam que um sistema de atenção integral deverá
garantir de forma articulada as ações de promoção, de prevenção e de
recuperação/reabilitação, ou seja:
um misto de práticas sanitárias e sociais, intervindo nos
diversos estágios e nas múltiplas dimensões do processo
saúde-doença, em busca de resultados capazes de
24
satisfazer as necessidades individuais, tal como sentidas
e demandadas pelas pessoas, assim como as
necessidades coletivas de saúde, tal como detectadas e
processadas técnica e politicamente. (GIOVANELLA et
alli, 2002: 445)
Percebemos então os principais pontos de confluência entre Mattos
(2009) e Giovanella et alli (2002), principalmente, referente à crítica ao
reducionismo presente na prática de determinados profissionais e articulação
na gestão e operacionalização do sistema, visando ao rompimento das ações
de caráter prevalentemente individual e curativo.
Tendo como preocupação central o âmbito da gestão e
operacionalização do sistema, Pinheiro et alli (2007) advogam que as práticas
de gestão das ações organizadas devem gravitar em torno da integralidade e o
grande desafio é garantir o acesso da população aos mais complexos níveis de
assistência do sistema de cuidados em saúde.
O referencial dos autores reforça e articula-se com as análises
anteriores destacando três dimensões da atenção integral:
A organização de serviços - é a reorganização do sistema de modo a
garantir o acesso da população a todos os níveis de “sofisticação tecnológica”.
Para os autores seria o ponto de partida para a construção do princípio da
integralidade do SUS, porém reconhecem que o acesso isoladamente não
garante a integralidade;
25
Os conhecimentos e as práticas dos profissionais de saúde - é a
inovação a partir da prática dos agentes de saúde. Refere-se à capacidade de
criar novos padrões, envolvendo o acolhimento e a integração dos serviços de
saúde. A integralidade é entendida aqui como um processo de construção
social. São experiências no cotidiano dos serviços que podem proporcionar
relações mais horizontais entre os seus participantes - gestores, profissionais
de saúde e usuários gerando novos conhecimentos;
A formulação de políticas governamentais com participação da
população – defendem a gestão compartilhada do sistema, por meio da
construção de espaços que envolvam vários agentes de saúde, com
dispositivos permanentes de decisão conjunta.
Pinheiro et alli (2007) enfatizam as práticas de gestão como um campo
fértil para a construção da integralidade em uma dinâmica concreta da arena
política, onde os gestores, trabalhadores da saúde e sociedade civil precisam
se organizar.
Para Cecílio (2009) a integralidade da atenção também deve ser
trabalhada no nível micro e macropolítico para que seja alcançada de forma
completa. No espaço singular de cada serviço de saúde, esta é conceituada
como “integralidade focalizada” que deve ser o esforço da confluência de
vários saberes de uma equipe multiprofissional em traduzir e entender as
necessidades complexas daquela pessoa que busca o serviço, apresentadas
ou “travestidas” em algumas demandas. A “integralidade focalizada” é
26
construída na relação dos profissionais com os usuários do sistema, dos
profissionais entre si e da equipe como um todo, por meio de uma escuta
qualificada e de uma prática humanizada, acolhedora.
No entanto, destaca que a integralidade não pode ser plena por meio da
singularidade de um serviço por melhor que ele seja, por isso o autor introduz a
segunda dimensão como “integralidade ampliada”, fruto do esforço da ampla
gama de serviços e da articulação intersetorial. Esta se traduz na articulação
das múltiplas “integralidades focalizadas”, onde os serviços de saúde se
organizam em fluxos para atenderem as necessidades reais das pessoas.
Há aqui um rompimento com a idéia de que a integralidade só pode
ocorrer na atenção básica, pois as várias tecnologias em saúde que podem
melhorar e prolongar a vida estão distribuídas na ampla gama de serviços,
portanto, sem acesso a todos os níveis de atenção à saúde não há
integralidade.
Na abordagem de Cecílio (2009) o conceito de necessidades de saúde
torna-se central, pois defende que este deve ser o conceito estruturante na luta
pela integralidade e pela eqüidade na atenção à saúde. Para tanto, o autor
utiliza de uma concepção ampliada de necessidades de saúde, que deve
englobar boas condições de vida; acesso e consumo de tecnologias capazes
de melhorar e prolongar a vida a partir da necessidade de cada pessoa; criação
de vínculos entre usuários e profissionais e autonomia dos sujeitos com a
possibilidade efetiva de reconstruir seu modo de viver. Por isso, não há a
possibilidade de conquista destes princípios sem que a universalização do
acesso esteja garantida.
27
Sendo assim, para o autor a integralidade pressupõe relação articulada,
dialética e complementar entre a máxima integralidade no cuidado de cada
profissional, equipe e da rede de serviços. Seu conceito de “integralidade
ampliada” articula-se com as elaborações de Giovanella et alli (2002) que
trabalha com a articulação de ações intersetoriais e garantia da atenção nos
três níveis de complexidade da assistência.
Ceccim e Feurwerker, por sua vez, concentram o debate da
integralidade em torno da prática, pressupondo que para esta ocorrer são
necessárias mudanças na academia tradicional. Por isso, elaboram uma
análise centrada na atenção integral correlacionando-a com o cuidado e a
formação dos profissionais de saúde:
A integralidade da atenção supõe, entre outros a ampliação e
o desenvolvimento da dimensão cuidadora na prática dos
profissionais de saúde, o que lhes possibilita tornar-se mais
responsáveis pelos resultados das ações de atenção à saúde
e mais capazes de acolher, estabelecer vínculos e dialogar
com outras dimensões do processo saúde-doença não
inscritas no âmbito da epidemiologia e da clínica tradicionais.
(CECCIM e FEURWERKER, 2004:407)
Portanto, considerando que o campo da prática e da formação não
podem se dissociar, estes autores entendem que, do ponto de vista da
construção do SUS, é fundamental a adequação da formação dos profissionais
28
desde a graduação às necessidades sociais de saúde, para compreenderem o
processo saúde-doença de forma mais ampliada e, a partir de um diálogo com
os gestores, possibilitar mudanças na organização dos serviços.
O enfoque destes autores possui articulação com a discussão elaborada
por Mattos (2004) sobre a prática da integralidade. Apesar de o autor trabalhar
com as diferentes noções da integralidade, percebemos sua ênfase no atributo
das boas práticas que estão intrinsecamente vinculadas à formação dos
profissionais de saúde.
Mattos avança neste debate ao assinalar que o comportamento dos
médicos e as práticas fragmentárias não se produzem apenas nas escolas,
pois ao pensarmos as práticas de saúde enquanto práticas sociais, precisamos
relacioná-las também às relações de trabalho estabelecidas e nas articulações
entre o Estado e o complexo médico-industrial. (MATTOS, 2009)
Como vimos a partir das conexões estabelecidas entre os autores, é
consenso que a atenção integral implica a recusa do reducionismo ao
biológico, extrapola uma determinada ação, política ou serviço, não se restringe
a um determinado nível de atenção e vincula-se a um processo crítico
formativo e interventivo, portanto, está atrelada à concepção ampliada de
saúde difundida pelo Movimento de Reforma Sanitária.
Destacamos que para a materialização das múltiplas dimensões que
compõem a diretriz da Integralidade, é necessário realizarmos mediações entre
as diversas frentes apontadas pelos autores, seja pelo esforço da articulação
intersetorial, pela reorganização do sistema ou inovações na gestão dos
processos de trabalho em saúde, seja pela reformulação da formação dos
29
profissionais, promovendo maior comprometimento com o cuidado e com o
produto da intervenção.
Desta forma, partindo da conceituação utilizada de necessidades de
saúde como estruturante da integralidade (CECÍLIO, 2009) busca-se verificar
se as necessidades de saúde das crianças e adolescentes em condições
crônicas de adoecimento atendidos no HUAP-UFF estão sendo contempladas
por meio do acesso aos serviços oferecidos pela rede de atenção em saúde e
pelas políticas públicas existentes, considerando-se aqui a perspectiva de
articulação intersetorial (GIOVANELLA et alli: 2002).
Neste trabalho, portanto, adota-se um dos sentidos da integralidade, o
acesso aos diferentes níveis de serviços e de políticas públicas que atendam
as necessidades plurais, coletivas e particulares dos usuários do SUS.
Trabalha-se, portanto, com a integralidade ampliada debatida por Cecílio
(2009). Compreendemos que não há possibilidade de fragmentar ou isolar as
demandas apresentadas pelos sujeitos, tornando-se inviável intervir sem
interlocução com outras instituições e políticas, principalmente as pertencentes
ao sistema de garantia de direitos e de proteção social.
30
CAPÍTULO 2 - A INTEGRALIDADE NO ATENDIMENTO À INFÂNCIA E
À ADOLESCÊNCIA
Atualmente, quando iniciamos um debate sobre a infância e a
adolescência, comumente nos remetemos à noção de proteção e cuidado.
Pensamos nesta parcela da população como pessoas que necessitam de
atenção integral para o seu pleno desenvolvimento. Este é um dos avanços de
nossa sociedade, reconhecido como fruto de um processo histórico.
Não podemos realizar um debate sobre atendimento integral às crianças
e adolescentes na saúde sem destacarmos tal processo. O atendimento a este
segmento não deve ser analisado apenas a partir dos avanços na política
setorial da saúde, visto que uma ampla gama de direitos tiveram que ser
conquistados para que este grupo tivesse visibilidade e prioridade na esfera
pública e fossem considerados como sujeitos.
Neste capítulo buscamos apresentar, de modo sucinto, a trajetória
histórica de atendimento às crianças e adolescentes na esfera pública,
especificamente no setor saúde. Esperamos, com esta análise, destacar a
necessidade de investimento na efetivação dos direitos socialmente
conquistados a partir da implantação de políticas públicas de qualidade, para
além do avanço na esfera jurídico-formal.
Consideramos que um dos limites encontrados nas políticas públicas
que orientam nosso atendimento à criança é o enfoque de proteção à infância
estar historicamente atrelado ao binômio infância/pobreza, sem uma
31
articulação entre distribuição de renda, educação e saúde, tendo como objetivo
final o controle da população. (RIZZINI e PILOTTI, 2009; FALEIROS, 2009)
Para demonstrar tal análise é necessário retomarmos um breve histórico
das políticas públicas direcionadas à infância no Brasil, considerando que tal
perspectiva reducionista e assistencialista está nas raízes de nossa cultura
institucional e política.
Rizzini e Pilotti (2009) apontam que na República Velha existiam alguns
projetos pontuais para a infância, numa articulação do setor público com o
privado, mas não implementados como uma política geral. Predominava, então,
uma perspectiva moralista com ideais disciplinadores. A escola de reforma e a
casa de preservação eram instituições que deveriam atender ao “abandono
moral” e “abandono material” das crianças4 (FALEIROS, 2009: 39).
Nesta época, a intervenção estatal ocorria hegemonicamente através da
atuação dos higienistas, nos controles das doenças, e juristas, na aplicação do
Código de Menores de 1923. Este Código apresentava uma “filosofia higienista
e correcional”, na qual ao lado da idéia de proteção da criança está presente a
de defesa da sociedade.
Especificamente no campo da saúde, inicialmente, a preocupação com
as crianças ocorreu devido ao alto índice de mortalidade no país. A intervenção
4 De acordo com Lei nº 4.242 de 06 de janeiro de 1921, que fixava a despesa geral da República dos
Estados Unidos do Brasil para o exercício naquele ano, o Governo ficava autorizado: “ I . A organizar o
serviço de assistência e proteção á infância abandonada e delinquente, observadas as bases seguintes: a)
construir um abrigo para o recolhimento provisório dos menores de ambos os sexos que forem
encontrados abandonados ou que tenham comettido qualquer crime ou contravenção; b) fundar uma casa
de preservação para os menores do sexo feminino, onde lhes seja ministrada educação doméstica, moral e
profissional. c) Construir dos pavilhões, annexos à Escola Premunitoria 15 de Novembro, para receberem
os menores abandonados e delinquentes, aos quaes será dada modesta educação litteraria e completa
educação profissional, de modo que todos adquiram uma profissão honesta, de acordo com as suas
aptidões e resistencia organica.”. Preservou-se fielmente nesta transcrição a escrita da época. Fonte:
www.ciespi.org.br/media/lei_4242_06_jan_1921.pdf
32
se deu baseada nesta perspectiva higienista de “formalizar os cuidados com a
criança”, quando fora fundada a Puericultura, com estreita articulação à
filantropia e à noção de desvios da infância pobre:
Com o capitalismo, pela necessidade de mão-de-obra
tanto para a produção, como para o consumo,
intensificou-se o interesse pela conservação da criança.
(...) Constituiu-se um modelo racional e, depois, científico
(com Pasteur e a Puericultura) que fornecia as regras e
normas para o relacionamento dos adultos com as
crianças. Regras e normas que, institucionalizadas pela
medicina e pela pedagogia, passaram a ser as únicas
socialmente legítimas. (ZANOLLI e MERHY, 2009: 979)
No primeiro Governo Varguista é criado um Sistema Nacional de
Assistência formado pelo Conselho Nacional de Serviço Social, pelo
Departamento Nacional da Criança, pelo Serviço Nacional de Assistência a
Menores (SAM) e pela Legião Brasileira de Assistência (LBA). Este sistema
tinha por estratégia “privilegiar, ao mesmo tempo a preservação da raça, a
manutenção da ordem e o progresso da nação e do país.” (FALEIROS, 2009:
53). Esta “política do menor” refletiu na trajetória das instituições e das políticas
direcionadas às crianças e aos adolescentes.
No período militar a coerção social foi nítida em todas as esferas da vida
social. A Fundação Nacional do Bem Estar do Menor (FUNABEM) viria a
33
substituir o anterior SAM, e em 1979 foi instituído o Novo Código de Menores
que adota a doutrina da situação irregular. Esta doutrina considerava
irregulares as situações que variavam desde condições precárias de
subsistência até situações de maus-tratos ou infrações penais.
Desta forma, podemos inferir, conforme destacado por Rizzini e Pilotti,
que nas políticas dirigidas à infância no Brasil:
impuseram-se reiteradamente propostas assistenciais,
destinadas a compensar a ausência de uma política social
efetiva, capaz de proporcionar condições equitativas de
desenvolvimento para crianças e adolescentes de
qualquer natureza (RIZZINI e PILOTTI, 2009: 16,17).
Por outro lado, Faleiros destaca a contraditoriedade do processo que,
apesar de conservador da ordem, trouxe avanços nas políticas para a infância:
Se é bem verdade que, na orientação então prevalecente,
a questão da política se coloque como problema do
menor, com dois encaminhamentos, o abrigo e a
disciplina, a assistência e a repressão, há emergência de
novas obrigações do Estado em cuidar da infância pobre
(...). Ao lado das estratégias de encaminhamento para o
trabalho, clientelismo, patrimonialismo, começa a emergir
a estratégia dos direitos da criança (no caso o menor) já
34
que o Estado passa a ter obrigações de proteção
(FALEIROS, 2009: 48, grifos do autor).
Os anos 80 marcaram o processo de democratização e a entrada de
novos atores políticos, colocando os direitos sociais e a melhoria das condições
de vida em pauta. A proteção à infância e à adolescência foi uma das
bandeiras de luta em prol dos direitos humanos, presentes na Constituinte.
Posteriormente, com a instituição do Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) em 1993, surgiu um novo paradigma em que é adotada a
“doutrina da proteção integral” em substituição àquela da “doutrina da situação
irregular”. Neste a criança é considerada sujeito de direitos em
desenvolvimento e com prioridade de atenção integral.
Porém, precisamos atentar para o alerta de Faleiros de que como a
cidadania da criança e do adolescente é recente, iniciada no bojo da
elaboração da Constituição de 1988, na cultura hegemônica a questão deste
paradigma da infância precisa continuamente ser reafirmada por meio de lutas
e de embates políticos:
Na cultura e estratégias de poder predominantes, a questão
da infância não tem se colocado na perspectiva de uma
sociedade e de um Estado de Direitos, mas na perspectiva de
autoritarismo/clientelismo, combinando benefícios com
repressão, concessões limitadas, pessoais e arbitrárias, com
disciplinamento, manutenção da ordem, ao sabor das
35
correlações de forças sociais ao nível da sociedade e do
governo (FALEIROS, 2009:35).
Sendo assim, observamos que se avançou na criação de um sistema de
garantia de direitos, mas as infra-estruturas institucionais precárias e o não
cumprimento do que é explicitado na Constituição e no Estatuto da Criança e
Adolescente - instituídos há duas décadas - geram deficiências na efetivação
de atendimento integral a esta geração.
Com efeito, a Constituição de 1988 e o Estatuto da Criança e do
Adolescente são instrumentos legais que trouxeram profundos avanços nas
políticas de atendimento, porém muitos esforços devem ainda ser dispensados
para que haja articulação entre estas políticas, proporcionando a atenção
integral a estes sujeitos em desenvolvimento e a suas famílias, apesar dos
inegáveis avanços nas políticas públicas voltadas para a infância e a
adolescência, assim como na política de saúde brasileira.
Na política de saúde também obtivemos algumas conquistas na
ampliação da concepção de assistência que deveria ser prestada às crianças e
aos adolescentes através da elaboração e da implementação pelo Ministério da
Saúde (MS) do “Programa de Assistência Integral à Saúde da Criança
(PAISC)” em 1984 e do “Programa de Saúde do Adolescente (PROSAD)” em
1989. Destacamos que tais programas são originários de um período anterior
ao Estatuto da Criança e do Adolescente e já traziam elementos relacionados à
atenção integral dos mesmos.
36
O PAISC avança ao destacar a necessária mudança da assistência,
focada no tratamento das patologias, para a atenção ao desenvolvimento e
crescimento infantil, atrelando-o as condições básicas de vida. Porém o
planejamento de suas ações persiste restrito ao enfrentamento à
morbimortalidade infantil (prioritariamente à faixa etária de 0 à 5 anos),
incentivo ao aleitamento materno, assistência às doenças respiratórias agudas,
diarréias e imunização.
O PROSAD, por sua vez, destina-se aos adolescentes, trabalhando com
a faixa etária entre 10 e 19 anos e as ações básicas propostas fundamentam-
se numa “política de promoção de saúde, identificação de grupos de risco,
detecção precoce dos agravos, tratamento adequado e reabilitação”. (BRASIL,
MS, 1989: 13).
Desta forma, apesar de apontar a busca pela atenção integral do
adolescente discursa em torno da redução da morbi-mortalidade e dos
“desajustes individuais e sociais”. Percebemos que o programa possui uma
concepção de adolescência como “fase de risco”, focalizando discussões como
drogas e sexualidade e seus “desvios”. Consideramos as mesmas relevantes
numa perspectiva de educação em saúde, e não de “ajustamento social”. Neste
debate, a política de saúde arrisca-se a retomar (ou permanecer com) seu
papel anterior de controle e disciplinamento da população, particularmente a
empobrecida.
É de notar ainda a adoção de uma abordagem fragmentada sobre a
realidade da juventude e a necessidade de propostas de articulação entre
políticas de saúde, educação, trabalho e cidadania. Posteriormente a atuação
37
do PROSAD foi ampliada por meio de sua transformação no Programa de
“Saúde Integral do Adolescente e do Jovem” abrangendo jovens até 24 anos5.
Com base em análise de documentos oficiais publicados até o ano de
2008, Horta e Sena (2010) realizam críticas aos programas do Ministério da
Saúde destinados aos adolescentes e aos jovens. Estas autoras consideram
que os programas destinados a essa população têm baixa capacidade de
induzir mudanças, pois as políticas públicas precisam compreender o processo
saúde-doença da adolescência para além de riscos, considerando os
adolescentes como sujeitos sociais. Portanto, segundo as autoras:
(...) mesmo presentes na sociedade, a discussão sobre a
juventude, as políticas públicas de forma geral e de
saúde, em particular, ainda necessitam avançar para um
diálogo mais amplo, ora setorializado, ora intersetorial,
mas capaz de ver efetivamente os jovens nos espaços
sociais de sua vida, atender a suas demandas e
necessidades para além de um foco de problemas e
riscos. (HORTA e SENA, 2010: 486)
5 Horta e Sena (2010) analisaram as publicações do Ministério da Saúde entre 1989 e 2008 referentes à
atenção à saúde do adolescente e do jovem e destacam que na análise das publicações selecionadas, foi
“possível perceber que a conceituação prevalente, nos documentos oficiais do Ministério da Saúde, é de
adolescência, marcada por uma delimitação etária de 10 a 19 anos e vinculada às transformações físicas,
ao crescimento e desenvolvimento e à maturação sexual (...). A concepção de juventude é apontada, nos
documentos oficiais, a partir da instituição, em 1999, da Área de Saúde do Adolescente e do Jovem, da
Secretaria de Políticas de Saúde do Ministério da Saúde, compreendendo o limite etário de 15 a 24 anos.
O discurso oficial enfatiza a necessidade de se perceber a adolescência e juventude com limites etários
compreendendo adolescentes de 10 a 14 anos, adolescentes jovens de 15 a 19 anos e adultos jovens de 20
a 24 anos, sendo as ações de saúde, a partir de então, destinadas às faixas etárias de 10 a 24 anos” (2010:
479).
38
Os avanços nestes programas referem-se à ampliação desta percepção
de adolescência como um conceito plural, considerando as diversas
“adolescências” (BRASIL, 2002), e os seus componentes biológicos,
emocionais e socioculturais que permeiam este período da vida e suas
vivências.
Horta e Senna (2010) destacam como positivo o aumento do debate
referente à adolescência e à juventude, principalmente no período pós 1999
com publicações do Ministério da Saúde no âmbito Federal6, apesar de
desconsiderarem uma mudança qualitativa nas ações.
Em 2004, o Ministério da Saúde também avança no PAISC, publicizando
a “Agenda de Compromissos para a Saúde Integral da Criança e Redução da
Mortalidade Infantil”, tal documento destaca a criança como foco do cuidado
integral compreendido como:
a responsabilidade de disponibilizar a atenção necessária em
todos os níveis: da promoção à saúde ao nível mais complexo
de assistência, do locus próprio da atenção à saúde aos
demais setores que têm interface estreita e fundamental com a
6 A saber: “Saúde e desenvolvimento da juventude brasileira: construindo uma agenda nacional”, 1999;
“Adolescentes promotores da saúde: uma metodologia de capacitação”, 2000; “Prevenir é sempre
melhor”, 2000; “A adolescente grávida e os serviços de saúde do município”, 2000; “A Saúde de
adolescentes e jovens: uma; metodologia de auto-aprendizagem para equipes de atenção básica de saúde:
módulo avançado”, 2002; “Marco legal: saúde, um direito de adolescentes”, 2005; “Saúde integral de
adolescentes e jovens: orientações para a organização de serviços de saúde”, 2005. “Marco teórico e
referencial: saúde sexual e saúde reprodutiva de adolescentes e jovens” 2006; “A saúde de adolescentes e
jovens: uma metodologia de auto-aprendizagem para equipes de atenção básica de saúde: módulo
básico”, 2007 e “Um olhar sobre o jovem no Brasil”, 2008.
39
saúde (moradia, água tratada, educação,etc.). (BRASIL, MS,
2004: 7)
O documento prevê diversos princípios como norteadores do cuidado: a)
Planejamento e desenvolvimento de ações intersetoriais; b) Acesso universal;
c) Acolhimento; d) Responsabilização; e) Assistência integral7; f) Assistência
resolutiva; g) Eqüidade; h) Atuação em equipe; i) Desenvolvimento de ações
coletivas com ênfase nas ações de promoção da saúde; j) Participação da
família/controle social na gestão local; l) Avaliação permanente e sistematizada
da assistência prestada.
Neste material o MS reconhece o desafio e a necessidade da
conformação de uma rede única integrada de assistência à criança, porém
percebemos que no documento ainda prevalece como prioritário o foco na
atenção materno-infantil, na redução da mortalidade infantil (com destaque
para a morte neonatal) e no planejamento das ações da atenção básica.
Reconhecemos o caráter estratégico e relevante de tais ações, porém
enfatizamos que os outros níveis de atenção em saúde precisam estar
balizados na diretriz da atenção integral e em muitos casos resultando também
no estabelecimento de vínculos e no acompanhamento longitudinal dos
usuários de seus serviços, minimizando seu caráter hospitalocêntrico e
procedimento-centrado.
7 Neste documento o Ministério da Saúde define assistência integral como “abordagem global da criança,
contemplando todas as ações de saúde adequadas para prover resposta satisfatória na produção do
cuidado, não se restringindo apenas às demandas apresentadas. Compreende, ainda, a integração entre
todos os serviços de saúde, da atenção básica à atenção especializada, apoio diagnóstico e terapêutico até
a atenção hospitalar de maior complexidade, com o acompanhamento de toda a trajetória da criança pela
atenção básica” (BRASIL,MS, 2004: 14).
40
Em nosso estudo destacamos, especificamente, as particularidades e as
necessidades de saúde das crianças e dos adolescentes cronicamente
adoecidos. Consideramos que a necessidade de suporte de programas e
políticas públicas e proteção social a estes sujeitos e a suas famílias
geralmente ampliam-se e, contraditoriamente, por vezes também os entraves
nestes acessos e garantia dos seus direitos também aumentam.
Com base na análise das políticas elaboradas pelo Ministério da Saúde
pudemos perceber que não há destaque algum no debate sobre crianças e
adolescentes em condições crônicas de adoecimento e sobre suas diversas
necessidades de saúde que perpassam todo o fluxo de atendimento da rede de
serviços. O foco de atuação do Ministério da Saúde se concentra no âmbito da
prevenção à agudização das doenças e aos fatores de risco vinculados a
determinados segmentos etários, além do já dito enfoque de sistematizações e
estratégias de ação voltadas apenas para a atenção básica.
Desta forma, nosso trabalho tem a função precípua de promover um
destaque a este debate ressaltando a necessidade de maior problematização
deste universo, sem restringir-se apenas ao trinômio doença-diagnóstico-
tratamento. Pretendemos ampliar a discussão para o âmbito das políticas
públicas e apontar a necessidade de criação de diretrizes de atenção para este
público usuário dos serviços, numa perspectiva de atenção integral a estes
sujeitos em desenvolvimento.
Destacamos também que a assistência às famílias das crianças e dos
adolescentes deve ser um elemento central. Para Mioto (2008), “a família
passa a ser o “canal natural” de proteção social vinculado obviamente às suas
41
possibilidades de participação no mercado para compra de bens e serviços
necessários à provisão de suas necessidades” (2008, p.132). Neste aspecto
cabe apontarmos que diversas inflexões serão causadas na pluralidade dos
arranjos familiares8 existentes, assim como os atravessamentos sócio-
econômicos que promovem disparidades no desenvolvimento infanto-juvenil
brasileiro
Esta concepção transfere para o âmbito familiar os conflitos relacionados
à esfera da produção social sob a acumulação capitalista, pois esta que lida
com seus efeitos (desemprego, subemprego, pobreza). Portanto, apenas um
modelo ideal de família poderia absorver e solucionar os problemas sociais,
modelo este que não existe.
As famílias possuem formações próprias vinculadas ao contexto sócio-
cultural em que vivem. Podemos conceituar a família como um conjunto de
pessoas unidas por laços afetivos, sejam sangüíneos ou não, por casamento
ou por adoção, que juntas satisfazem necessidades físicas e emocionais.
A família é ainda uma instituição social, pois nela origina-se o processo
de socialização. Apesar das transformações e das diferenças entre as famílias,
elas ainda atendem funções básicas para o grupo social e para as pessoas,
como as de reprodução, socialização, cuidado, proteção e ajuda econômica.
8 Podemos conceituar a família como um conjunto de pessoas unidas por laços afetivos, sejam sangüíneos
ou não, por casamento ou por adoção, que juntas satisfazem necessidades físicas e emocionais. A família
é ainda uma instituição social, pois nela origina-se o processo de socialização. Apesar das transformações
e das diferenças entre as famílias, elas ainda atendem funções básicas para o grupo social e para as
pessoas, como as de reprodução, socialização, cuidado, proteção e ajuda econômica.
42
considerando que a sociedade capitalista transformou a família em espaço
privado que deve responder pela proteção dos seus membros por excelência.
Porém percebemos que geralmente neste processo, às mulheres é
atribuída a função de “cuidadoras”, portanto na proteção aos filhos há
claramente uma divisão entre homens e mulheres, com lugares e papéis
sociais demarcados e desiguais. Em nossa investigação tal informação é
fundamental para a problematização do universo das crianças e dos
adolescentes cronicamente adoecidos.
Como o objetivo do trabalho é ampliar a discussão para o âmbito das
políticas públicas, a unidade familiar perpassará toda a pesquisa em virtude da
centralidade atribuída à família nas políticas sociais vigentes.
A família mesmo no contexto neoliberal permanece ocupando espaço
primordial nas políticas públicas que compõem a Seguridade Social,
principalmente na assistência, com a diretriz da matricialidade sócio-familiar
prevista no Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e com a configuração
dos programas de transferência de renda, voltados para a unidade familiar,
mas que tem seus limites centrados no combate a extrema pobreza. Na política
de saúde a centralidade da família na política social também é percebida na
Estratégia da Saúde da Família, contida na Política Nacional de Atenção
Básica de 2006.
Torna-se essencial considerarmos as transformações societárias e as
questões sócio-políticas, econômicas e culturais da contemporaneidade para
intervir neste campo da infância e da adolescência em condição crônica de
43
adoecimento, diante de tantas expressões da “questão social”9 que perpassam
tal fenômeno, numa conjuntura neoliberal na qual o Estado e as Leis ao invés
de garantir direitos através de políticas sociais vem transferindo suas ações
para o âmbito privado, pessoal, da família e para a sociedade civil. Desta
forma, a família acaba sendo penalizada pelas dificuldades enfrentadas e pelo
não atendimento às necessidades de seus membros, principalmente os
dependentes e menores de idade.
2.1 - O atendimento a crianças e adolescentes em condições
crônicas de adoecimento: desafios e apontamentos para o debate
Como vimos, em nosso país, o cuidado com a saúde das crianças
começa em virtude dos grandes índices de mortalidade infantil no país.
Enfatizou-se o tratamento das doenças agudas e o trabalho campanhista de
imunização. Porém, atualmente o quadro de atendimentos nas unidades
hospitalares vem se alterando. Tal modificação no perfil pode ser explicada
pela melhoria da qualidade da assistência a esses pacientes, além do
investimento em combate às doenças imunopreviníveis10.
9 A “Questão social” é ampla e sua natureza é difusa possibilitando várias intervenções profissionais.
“Questão Social” esta, apreendida como fruto da sociedade capitalista madura onde a produção é cada vez
mais coletiva, mas a apropriação de riquezas mantém-se privada/monopolizada Ver IAMAMOTO,
Marilda. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 13 ed. São Paulo:
Cortez, 2007.
10
A vulnerabilidade do grupo infantil aos agravos preveníveis já foi identificada e motivou a Assembléia
das Nações Unidas a reunir no ano de 2000, 191 países na Cúpula do Milênio, que se comprometeram a
cumprir objetivos de desenvolvimento até o ano de 2015. (Ministério da Saúde, 2006 apud CARDOSO,
2009).
44
Segundo Souza (2006), o perfil epidemiológico das causas de
hospitalizações em Pediatria modificou-se, pois as doenças agudas infecto-
contagiosas, tais como, a diarréia, a desidratação grave, a pneumonia, que
eram anteriormente as principais causas das hospitalizações infantis, deram
lugar às doenças crônicas. Entretanto, o debate sobre as doenças crônicas,
geralmente, segue ainda fragmentado por tipos de doença e tratamentos,
ficando circunscrito à análise clínica e/ ou epidemiológica.
Entendemos que com o aumento das crianças e dos adolescentes
cronicamente adoecidos, torna-se necessária a desmistificação de que o
debate da cronicidade do adoecimento deve estar voltado prioritariamente para
adultos e idosos. Precisamos avançar no debate sobre as políticas públicas
para esta população, numa perspectiva histórica e dialética, enfatizando
também este aspecto geracional da condição crônica de adoecimento numa
fase da vida de desenvolvimento e amadurecimento que é a infância e a
adolescência.
Moura (2001) discute em sua tese, o processo de cura e cuidado a partir
da doença crônica na infância. Segundo a autora:
As malformações congênitas e doenças genéticas,
principalmente as metabólicas e neuromusculares, são as
maiores responsáveis pelas doenças crônicas da infância.
São muitas vezes detectadas durante a gravidez,
acompanhadas no parto e posteriormente em hospitais
45
terciários, com envolvimento de diversas especialidades
médicas. (MOURA, 2001: 10)
Diante da complexidade da condição crônica de adoecimento nessa fase
da vida, torna-se necessário refletirmos sobre o atendimento a crianças e a
adolescentes, considerando que uma de suas especificidades é que esses não
possuem ampla autonomia na tomada de suas decisões, na busca por
tratamento, na aquisição de medicamentos etc., apesar de serem os sujeitos
de todo o processo.
Assim, não é somente a criança e o adolescente que devem ser
contemplados com ações, mas também a família que demanda políticas
públicas que possam fornecer suporte para a efetivação de um tratamento
continuado, que pode abranger acesso a serviços de saúde de diferentes
níveis de atenção, diferentes especialidades e tecnologias, acesso a insumos,
medicações e outras políticas públicas de assistência, educação, habitação,
previdência dentre outras, de acordo com suas necessidades de saúde
(Cecílio, 2001).
Com a mudança deste perfil percebemos uma grande demanda de
acompanhamento destes casos pelo Serviço Social, considerando que muitos
são os desafios que perpassam o cotidiano de crianças e de adolescentes com
condições crônicas de adoecimento e de suas famílias. De igual modo, esta
realidade também perpassa e influencia a atividade dos profissionais
envolvidos no cotidiano da assistência.
46
Neste trabalho utilizamos as categorias “condição crônica de
adoecimento” ou “cronicamente adoecido” ao invés de doença crônica, por
compreendermos que estas se adequam melhor aos nossos objetivos, já que
não pretendemos enfatizar apenas uma doença crônica e sim analisar de forma
ampla o impacto dessa condição na infância e na adolescência.
Vale ressaltar que a Organização Mundial da Saúde (OMS) produziu
nesta década um relatório mundial sobre cuidados inovadores para condições
crônicas, enfatizando o vertiginoso aumento das condições crônicas e
considerando que estas constituem o desafio para o setor saúde deste século.
(OMS, 2003).
Segundo o relatório, as “condições crônicas” não são mais vistas da
forma tradicional (e.g. limitadas a doenças cardíacas, diabetes, câncer e
asma), consideradas de forma isolada ou como se não tivessem nenhuma
relação entre si, sendo que a demanda sobre os pacientes, as famílias e o
sistema de saúde são similares, desta forma consideram que “as condições
crônicas então abarcam condições não transmissíveis, condições
transmissíveis persistentes, distúrbios mentais de longo prazo, deficiências
físicas/ estruturais contínuas” (OMS, 2003: 16)
Para Souza (2006), esse termo – crônica - engloba diversas doenças
que tem em comum os períodos prolongados que podem ou não serem
superados e deixarem ou não seqüelas. Destacamos também que o termo
“condição crônica” possibilita inferir uma possibilidade de superação da doença
ou mesmo estabilização através de um tratamento continuado, melhores
47
condições de vida e com o atendimento às necessidades de saúde destes
sujeitos, resultando no menor número possível de internações.
Tendo em vista nossa argumentação inicial da centralidade deste debate
na atual conjuntura, buscamos, nesta parte do trabalho, primeiramente
apresentar a doença crônica na infância e na adolescência ou condições
crônicas de adoecimento, conforme adotamos, e suas principais
características, relacionando a relevância deste debate à diretriz de atenção
integral do SUS.
Destacamos que muitos são os desafios enfrentados por esses e suas
famílias na busca por direitos e serviços que atendam suas necessidades de
saúde frente ao projeto neoliberal de focalização e fragmentação das políticas
sociais. Nossa indagação principal é se as políticas públicas existentes
contemplam as demandas apresentadas por estes sujeitos e se são facilmente
acessadas.
48
CAPÍTULO 3 – OBJETO, CAMPO EMPÍRICO E PROCEDIMENTOS
METODOLÓGICOS
Em nossa atuação profissional no acompanhamento cotidiano das
crianças, dos adolescentes e das suas famílias nas enfermarias de pediatria do
HUAP-UFF, percebemos os desafios presentes para que a assistência em
saúde contemple as demandas e as necessidades materiais e subjetivas
desses usuários.
Diante disto, consideramos relevante pesquisar a trajetória de internação
e o cotidiano pós-alta hospitalar destas crianças e adolescentes em condições
crônicas de adoecimento. Interessa identificar os possíveis entraves e as
facilidades no acesso aos seus direitos e no suprimento às suas necessidades
de saúde, assim como o impacto destes condicionantes em suas famílias. Além
disso, buscamos proceder a uma sistematização das demandas que
frequentemente tem sido postas à equipe de saúde e, especificamente, ao
serviço social.
A escolha desse objeto de estudo está relacionada às
questões/perguntas advindas da experiência da pesquisadora na atenção e no
acolhimento às famílias, crianças e adolescentes nas enfermarias de pediatria
49
do HUAP-UFF, onde ocorreu o trabalho de campo, considerando o espaço do
serviço como importante cenário para a produção do conhecimento.
Neste sentido, realizamos uma pesquisa qualitativa na Unidade de
Pediatria do Hospital Universitário Antônio Pedro, vinculada ao Departamento
Materno Infantil (MMI) da Faculdade de Medicina da Universidade Federal
Fluminense (UFF). Tal unidade possui três enfermarias distribuídas por faixas
etárias (lactentes, pré-escolares e escolares) com um total de 17 leitos
disponíveis para internação.
Realizamos 10 entrevistas semi-estruturadas entre os meses de
setembro de 2010 a junho de 2011 com os responsáveis por crianças e
adolescentes em condição crônica de adoecimento com acompanhamento no
HUAP, cujos critérios de seleção são descritos nos procedimentos
metodológicos deste capítulo.
Deslandes e Gomes (2004) defendem a utilização dos serviços de saúde
como cenário de pesquisa, pois consideram que: “as interações entre
profissionais de saúde, usuários e serviços podem ser um lócus privilegiado de
análise para se compreender o que representa a doença ou o tratamento.”
(2004, p. 101)
A opção pela abordagem qualitativa ocorre por compreendermos que
esta pode contribuir para a análise de questões e relações ligadas aos serviços
de saúde e por melhor se adequar aos objetivos propostos de uma pesquisa
social e, especificamente, ao objeto de estudo em questão. (DESLANDES e
GOMES, 2004)
50
Conforme explicitado por Minayo, “as abordagens qualitativas se
conformam melhor a investigações de grupos e segmentos delimitados e
focalizados, de histórias sociais sob a ótica dos atores, de relações e para a
análise de discursos e de documentos”. (MINAYO, 2006, p.57).
3.1- O cenário da pesquisa: um estudo sobre os atendimentos das
enfermarias de Pediatria.
Estima-se que ocorram anualmente cerca de 350 internações nas
enfermarias de Pediatria do HUAP, incluindo as internações de curta
permanência, com período menor que 48 horas (pacientes esses que se
internam para procedimentos diagnósticos e cirúrgicos eletivos e tratamento
clínico com medicações intravenosas em dose única) (CARDOSO, 2009).
Para fins de análise do perfil das internações nestas enfermarias
utilizamos os dados agrupados no banco de dados elaborado pela pesquisa de
Cardoso (2009) referentes às internações de janeiro a dezembro de 2010.
Neste ano ocorreram 261 internações nas enfermarias de Pediatria do HUAP-
UFF com período maior ou igual a 48 horas. Como critério metodológico da
pesquisa, consideramos o período de 14 dias ou mais de hospitalização como
internação prolongada, pois observamos que após duas semanas a internação
passa a ter implicações com a cessação das atividades que seriam cotidianas
para o paciente e sua família (escola e trabalho, por exemplo).
51
Fonte: Banco de Dados de Cardoso (2009). Gráfico: elaboração nossa.
A mediana11 de tempo de internação foi de oito dias(intervalo interquartil:
4 – 14 dias). Do total de 261 pacientes, 69 (26,4%) permaneceram internados
por um período de tempo maior ou igual a 14 dias, portanto apresentaram
internação prolongada.
11 “A mediana é a observação que ocupa a posição central, depois que os dados são ordenados em forma
crescente ou decrescente. Esta medida de posição não é afetada por valores discrepantes na amostra já que
depende do número de elementos da amostra e não dos seus valores” (VELARDE, s.d: 29)
52
Fonte: Banco de Dados de Cardoso (2009). Gráfico: elaboração nossa.
Estas internações subdividiram-se nas três enfermarias: lactentes –
absorve crianças de 0 a 2 anos – com 5 leitos; pré-escolares – crianças de 2 a
6 anos – com 6 leitos e escolares – crianças e adolescentes de 6 a 15 anos –
com 6 leitos.
Fonte: Banco de Dados de Cardoso (2009). Gráfico elaboração nossa
No que se refere ao sexo, no ano de 2010, tivemos predominância de
pacientes do sexo masculino:
53
Fonte: Banco de Dados de Cardoso (2009). Gráfico elaboração nossa
A partir da análise dos diagnósticos que motivaram a internação,
percebemos que 52,1%, ou seja, mais da metade, possuíam alguma doença de
base e estariam internados em virtude da agudização da mesma ou do
tratamento de doenças associadas.
A doença de base é a afecção que acomete primariamente o paciente e
que ocasiona as várias internações para tratamento. Segundo Moura (2001):
Em geral as doenças de base são altamente incapacitantes
ou mesmo fatais, requerendo repetidas internações e
procedimentos especiais como cirurgias, ostomias, uso de
oxigênio, respirador e aspirações. A elas se somam todas as
disfunções adquiridas precocemente decorrentes do
tratamento (MOURA, 2001: 10)
Destacamos que se tivéssemos considerando os pacientes com
internações com duração inferior a 48 horas, provavelmente este número de
pacientes com doenças de base aumentaria, tendo em vista a grande
quantidade de pacientes que internam para receber alguma medicação
específica fundamental para a continuidade do seu tratamento ambulatorial.
54
Fonte: Banco de Dados de Cardoso (2009). Gráfico elaboração nossa
A partir dos diagnósticos descritos nas internações do ano de 2010 e
compilados no banco de dados elaborado por Cardoso (2009), realizamos uma
divisão topográfica das doenças para demonstrar o perfil das demandas
clínicas atendidas nas enfermarias do HUAP-UFF, tendo em vista a diversidade
de síndromes e multiplicidade dos diagnósticos existentes:
Fonte: Banco de Dados de Cardoso (2009). Gráfico elaboração nossa.
55
Quanto à evolução clínica dos pacientes internados, os dados mostram
que os resultados no final da internação foram classificados entre alta
melhorada, curada, inalterada, pacientes transferidos para outra unidade de
saúde, pacientes transferidos para CTI (o HUAP não possui CTI pediátrico),
óbito e saída à revelia.
Fonte: Banco de Dados de Cardoso (2009). Gráfico elaboração nossa
Podemos entender a prevalência das altas melhoradas em relação às
outras evoluções clínicas, devido ao perfil da maioria dos pacientes da
enfermaria serem cronicamente adoecidos com períodos de agudização, o que
leva ao tratamento destas intercorrências sem resolução do quadro de base, ou
seja, sem cura.
56
3.2- Procedimentos metodológicos: sujeitos envolvidos e critérios de
seleção
Conforme as diretrizes e as normas regulamentadoras de pesquisas
envolvendo seres humanos, referidas na Resolução nº 196 de 10 de outubro
de 1996, do Conselho Nacional de Saúde, este projeto foi submetido para
apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Antônio
Pedro e aprovado em 03/09/10 sob o nº CAAE: 01650258/000-10.
A partir da análise do nosso cenário de pesquisa e do alto índice de
atendimento a crianças e adolescentes cronicamente adoecidos, optamos por
entrevistar 10 famílias cujos filhos (as) possuíam uma condição crônica de
adoecimento e realizavam acompanhamento hospitalar no Hospital
Universitário Antônio Pedro durante o período do estudo (setembro de 2010 a
junho de 2011). Os critérios para inclusão na pesquisa foram:
a) Idade do paciente entre zero e 15 anos à admissão na enfermaria de
Pediatria do HUAP ;
b) Concordância com a participação no estudo e assinatura pelo
responsável legal do termo de consentimento livre e esclarecido;
c) Responsável direto pelo paciente presente no momento do
preenchimento do questionário de coleta de dados e que os acompanhe o
tratamento a fim de ter condições de responder às questões do instrumento de
pesquisa;
57
d) Ter passado pelo menos por uma internação nas enfermarias. Esta
consulta foi feita ao banco de dados do projeto em andamento “Perfil
epidemiológico dos pacientes internados nas enfermarias de Pediatria do
Hospital Universitário Antônio Pedro da Universidade Federal Fluminense”,
coordenado pela professora Claudete Cardoso;
e) Realizar acompanhamento ambulatorial regular com alguma
especialidade no HUAP em virtude da condição crônica de adoecimento,
mantendo, portanto, o vínculo com a instituição.
Foram excluídos da pesquisa as crianças e os adolescentes internados
ou acompanhados no HUAP em virtude de doenças agudas, cirurgias eletivas,
ou outros quadros clínicos que não configuram condição crônica de
adoecimento e os que não passaram por alguma internação nas enfermarias
de Pediatria, pois pretendíamos analisar o impacto da hospitalização e do
tratamento em seu cotidiano e de suas famílias, além do fato da pesquisadora
atuar dentro das enfermarias, já acompanhando rotineiramente estes
pacientes.
Utilizamos entrevistas semi-estruturadas (vide Anexo 1 – Roteiro de
entrevista), as quais foram gravadas e depois transcritas integralmente.
Analisamos os dados a partir da metodologia de estudo de caso
interrelacionando com nossa base teórica da problematização do assunto.
As entrevistas foram autorizadas através de assinatura prévia em duas
vias em termo de consentimento livre e esclarecido dos responsáveis pelas
crianças e pelos adolescentes (vide Anexo 2). Procuramos nas entrevistas
58
levantar o que consideram como necessidades de saúde para a continuidade
do tratamento, em quais espaços públicos eles estão inseridos (escola,
programas, projetos) e ainda verificar se a família considera estar assistida por
alguma política pública a qual seu filhos (as) ou a própria família tenham direito.
Portanto, nossas perguntas foram direcionadas para analisar as
condições de acesso e adesão ao tratamento ambulatorial; as internações
recorrentes e por vezes prolongadas, assim como os seus impactos para as
crianças e os adolescentes e as suas famílias. Buscamos também analisar
como a família se organiza para prover a continuidade do tratamento e se as
políticas públicas existentes, por meio de seus programas e benefícios tem
auxiliado no enfrentamento das dificuldades apontadas pelos responsáveis.
Para assegurar a confidencialidade dos dados, a análise foi realizada
sem a identificação nominal dos pacientes. À admissão da criança na
enfermaria, a assistente social pesquisadora, em virtude da realização da
entrevista social de rotina, confirmou se o paciente preenchia os critérios
definidos anteriormente para inclusão no estudo. Em caso afirmativo, o
responsável legal foi convidado a participar com a criança/ o adolescente do
estudo. Após concordância, explicamos o termo de consentimento livre e
esclarecido e verificamos se o responsável concordava em participar da
pesquisa.
O responsável legal pelo paciente assinou duas vias do termo de
consentimento livre e esclarecido, tendo guardado uma via consigo e a outra
via foi arquivada pela equipe de pesquisadores responsáveis pelo estudo.
59
Decorridas as etapas descritas acima, a família da criança e do adolescente foi
incluída na pesquisa.
Como mencionado, realizamos entrevistas com 10 famílias dentro de
perfil previamente estabelecido. As doenças de base foram selecionadas
aleatoriamente pela pesquisadora responsável pelo estudo. A cada entrevista
atribuímos um número para garantir a confidencialidade dos sujeitos partícipes
do processo.
Quadro 1 - Idade e Diagnóstico das crianças e dos adolescentes
N° Enfermaria Idade Diagnóstico Topografia do diagnóstico principal
1 Lactentes 7 meses Síndrome West Neurológica
2 Lactentes
4 meses Cardiopatia congênita Cardíaca
3 Escolares
15 anos Hepatite auto-imune Gastrointestinal
4 Escolares
14 anos Encefalopatia não progressiva Neurológica
5 Escolares
15 anos Miastenia gravis Neurológica
6 Pré-escolares
4 anos Sarcoidose Generalizada
7 Escolares 15 anos Sínd. de Klinefelter + diabetes mellitus
Endocrinológica
8 Escolares
15 anos Anemia falciforme Onco-hematológico
9 Escolares 11 anos Lupus Eritematoso Sistêmico + Bronquite asmática
Reumatológico
10 Escolares
12 anos Síndrome Nefrótica Urinário
Buscamos diversificar os diagnósticos e a idade das crianças e dos
adolescentes envolvidos na pesquisa, porém o maior número de entrevistados
concentrou-se na enfermaria dos escolares, pois é nesta faixa etária (6 a 15
anos) que possuímos o maior número de internações na enfermaria e também
60
é a etapa onde a cronicidade da doença geralmente se manifesta, ou, em
alguns casos, quando conseguem uma conclusão diagnóstica, após diversas
passagens em outras unidades de saúde.
61
CAPÍTULO 4 - ANÁLISE DAS ENTREVISTAS
Conforme já exposto, nosso objetivo com o presente trabalho foi de
investigar a condição crônica de adoecimento na infância e na adolescência,
buscando cotejar a diversidade e pontos de contato no que se refere às
experiências e trajetórias das famílias e, através de uma concepção de
atendimento integral a estes sujeitos, levantarmos os principais desafios para
que as suas necessidades de saúde sejam contempladas pelas políticas
públicas existentes, seja por meio do acesso ao tratamento ou pela garantia de
seus direitos fundamentais: educação, lazer, assistência, dentre outros.
A partir das categorias teóricas selecionadas analisamos as narrativas
dos familiares, levantando os pontos de confluência entre os mesmos, assim
como as divergências procurando analisar a condição crônica de adoecimento
das crianças e dos adolescentes que unem estas famílias, assim como também
suas particularidades locais, formações familiares, diferenciações no
tratamento e articulações desenvolvidas pelas famílias com a rede de
atendimento.
No desenvolvimento da pesquisa percebemos que seria necessário
enfatizar os desafios enfrentados pelas crianças, adolescentes e suas famílias
na busca por direitos e acesso a serviços que atendam suas necessidades de
saúde. Também buscamos problematizar os limites recorrentes na
continuidade do tratamento, entendendo que isto pode contribuir para
internações reincidentes ou mais prolongadas.
62
Todas as entrevistas foram realizadas com as mães das crianças e dos
adolescentes selecionados, exceto a entrevista n° 4 que foi realizada com o pai
da criança e a entrevista n° 7 feita com a avó do adolescente. Estes
acompanhavam o tratamento conjuntamente com a mãe da criança. Ou seja,
das famílias selecionadas a mãe estava presente em todas as trajetórias de
tratamento, a diferenciação advém de que algumas contam também com o
suporte de outros familiares.
No quadro abaixo apresentamos alguns dados coletados a partir das
entrevistas para termos ciência de algumas informações que caracterizam as
trajetórias do tratamento de cada paciente. Nele apontamos o tempo de
descoberta diagnóstica, o número aproximado de internações, buscando
demonstrar a frequência de reinternações nos casos de adoecimento crônico,
as especialidades clínicas que os acompanham ambulatorialmente, além dos
tratamentos complementares necessários:
63
Quadro 2- Internações e acompanhamentos de Saúde
N° Tempo de descoberta do diagnóstico
N° aproximado de internações
Acompanhamento Ambulatorial clínico
Acompanhamentos complementares
1 5 meses 3 Neurologia e Pediatria
Fonoterapia e Psicologia
2 4 meses 1 Cardiologia e Pediatria
Fonoaudiologia e Nutrição
3 2 anos 3 Gastroenterologia e Pediatria
-
4 14 anos Mais de 20 Neurologia, Pediatria e Neurocirurgia
Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional
5 10 anos 6 Neurologia e Pediatria
-
6 6 meses 4 Reumatologia e Pediatria
-
7 15 anos Não sabe informar “muitas”
Neurologia, Genética, Otorrinolaringologia Oftalmologia, Pediatria
Dentista e Grupo de diabéticos
8 14 anos Mais de 50 Hematologista, Cardiologista e Pediatria
-
9 4 anos 12 só no ano passado.
Reumatologia e Pediatria
-
10 6 anos 3 Nefrologia, Endocrinologia e Pediatria
-
Subdividimos a análise das entrevistas em eixos temáticos, procurando
contemplar a proposta de análise inicial. Consideramos que esta é uma forma
mais sistematizada e clara para correlacionarmos os diversos pontos de
encontro e as singularidades nas experiências das famílias.
As famílias pesquisadas apresentam trajetórias diversas, seja pelo
suporte familiar que recebem ou pela condição econômica. No entanto,
possuem em comum, apesar dos diagnósticos diferenciados, a condição
crônica de adoecimento. Para análise do objeto de estudo em questão e
64
problematização dos desafios da atenção em saúde na perspectiva da
“integralidade ampliada”, optamos por alguns eixos de análise.
Os eixos de análise definidos foram: a) condições de acesso ao
tratamento; b) aceitação do diagnóstico e o aprendizado de conviver com
o processo crônico de adoecimento c) a experiência de internação; d) a
inserção no sistema educacional; e) suporte familiar para apoio na
continuidade do tratamento; f) sobre as políticas públicas: inserção e
acesso aos programas e benefícios sociais e g) dificuldades para a
adesão e continuidade do tratamento; e h) estratégias de enfrentamento
encontradas pelas famílias.
a) Condições de acesso ao tratamento
O acesso ao tratamento e à assistência em saúde é uma das principais
categorias analíticas para discutirmos os desafios do atendimento integral. Sem
universalização do acesso, não é possível a concretização da integralidade.
(CECÍLIO, 2009)
Inicialmente pensamos que ao abordar a questão do acesso o elemento
que mais apareceria nos dados empíricos seria a trajetória assistencial das
famílias antes de chegar ao HUAP, os problemas relativos à referência e
contrarreferência, as dificuldades para efetivar atendimentos de média e alta
complexidade, dentre outras questões.
65
Porém, na análise sobre o acesso ao tratamento ambulatorial, os
elementos mais fortes abordados por estas famílias foram as dificuldades
enfrentadas para chegarem as consultas, marcação e realização de exames.
O acompanhamento ambulatorial em um hospital de atenção terciária e
quaternária é diferenciado do acompanhamento, por exemplo, do Programa
Médico de Família, que possui proximidade e vínculo com a localidade em que
o usuário do SUS está residindo. No HUAP, muitas famílias residem em
municípios distantes e, portanto, a facilitação do acesso à consulta torna-se um
elemento necessário para ser pensado como estratégia para adesão ao
tratamento e continuidade da atenção em saúde.
Através das entrevistas pudemos avaliar que o transporte é um dos
principais entraves para as famílias, usuárias de um hospital público darem
seguimento ao acompanhamento e tratamento de seus filhos
ambulatorialmente. As narrativas mostram que o Vale Social12 é uma relevante
conquista social, porém ainda insuficiente para contemplar a complexidade das
necessidades apresentadas pelas famílias entrevistadas.
“O Passe Livre dei entrada, demorou um mês pra sair (...) e não atende (a
necessidade), porque é uma criança que é muito grande, não tem como ficar
locomovendo ela no transporte porque, nem sempre os ônibus são adaptados
para isso, né. E assim eu tenho que sair muito pra marcar médico, pra buscar
remédio e tudo isso a gente não pode usar o passe, porque o passe é para a
12 O Vale Social foi instituído pelas Leis Estaduais nº 3.650/2001 e 4.510/2005. Ele garante a gratuidade
no transporte público intermunicipal as pessoas com doença crônica ou deficiência, cuja interrupção no
tratamento possa acarretar risco de morte.
66
criança, se a gente sair sem a criança, para resolver o problema da criança, a
gente não pode usá-lo”. (FAMÍLIA 4)
“Assim, o passe às vezes eles bloqueiam, só que aí tem que vir na consulta
então tem que ter o dinheiro da passagem para pagar a minha e a dele. É uma
dificuldade porque às vezes eu não tenho e tem que pedir emprestado, mas
tem que vir de qualquer jeito” (FAMÍLIA 08)
As famílias reclamam que quando a criança está internada, o passe não
pode ser utilizado para seus responsáveis virem ao hospital para revezar o
acompanhamento, esta questão aparece também quando precisam vir ao
hospital às vezes sem seus filhos para marcação de exames ou remarcação de
consultas e não podem utilizar o Vale Social:
“Na semana eu venho aqui três vezes por semana, com ele ou sem ele.(...)Tem
dias que tem consulta marcada que se eu não tenho dinheiro de passagem eu
não venho não. Aí eu venho depois no outro dia e aí gasto mais, porque ai eu
gasto dinheiro pra remarcar e ver o dia que a médica está, para ela remarcar e
vir depois”. (FAMÍLIA 10).
Algumas Secretarias Municipais de Saúde também possuem um setor
para agendamento de transporte para trazer o paciente para o tratamento
ambulatorial. Porém, as famílias destacam que o agendamento precisa ser feito
67
com muita antecedência e mesmo assim não é garantido devido à grande
demanda existente:
“Eu tenho que ir ate lá (na Secretaria de Saúde), marcar com muita
antecedência, porque de uma semana pra outra já não consegue. Não é fácil
conseguir transporte, é porque dizem que a demanda é muito grande de
pacientes e pouco transporte. No caso, hoje ela teria consulta 10 horas da
manhã, eu teria que vim no carro das seis horas da manhã. Entendeu? Eu só
não vim, porque expliquei que ela não tem condições de ficar muito tempo no
hospital então com muito custo eu consegui um carro, porque liguei para outra
pessoa, que trabalha lá dentro na chefia para conseguir autorizar para liberar o
carro” (FAMÍLIA 4)
Em outras situações evidencia-se que não somente a liberação do
custeio da passagem não é suficiente, visto que algumas crianças e
adolescentes precisam de um carro e, às vezes, até mesmo de ambulância
para vir as consultas ambulatoriais.
Esta realidade aparece nas enfermarias de pediatria, com crianças
acamadas ou que dependem de algum recurso como oxigenioterapia por
exemplo. Nas entrevistas realizadas essa questão apareceu devido aos
sintomas no período de agudização da doença, quando o transporte de ônibus
não é o recurso que a família que necessita. O trecho abaixo ilustra tal
situação:
68
“A Anemia Falciforme a dor dela é muito forte e a criança fica sem andar às
vezes. Então tem que ter, assim, tem que ter alguém para trazer no colo,
porque a mãe tem que aguentar né, pra subir no ônibus, para trazer aqui dentro
do hospital que fica longe do ponto”. (FAMÍLIA 08)
Verificamos, assim, que do ponto de vista da facilitação do acesso, o
Passe livre ainda é insuficiente diante das enormes dificuldades que
perpassam o cotidiano dessas famílias.
Quanto ao acesso a tratamentos complementares como a fisioterapia,
no caso da família 04, a dificuldade de vagas também foi abordada:
“Acesso é demorado, tem que levar documentações para a prefeitura, esperar
se chamado, passar por uma avaliação, tudo é demorado, nada é rápido, a não
ser que você tenha conhecimento com alguém. Levou uns três meses pra
conseguir” (FAMÍLIA 04).
Estes depoimentos mostram que o poder de acesso aos serviços de
saúde vai além do que a simples chegada a uma unidade de saúde. A
fragilidade das condições de acesso aparece nas entrevistas refletidos nos
relatos sobre dificuldade econômica, distância casa-unidade de saúde, demora
para o atendimento, transporte público, referência e contrarreferência.
Desta forma, o poder público precisa atentar-se para esta população
usuária do SUS e suas crescentes demandas por criação de programas de
suporte social para possibilitar o acesso, a adesão e a continuidade do
69
tratamento, que consequentemente, poderia minimizar as internações
hospitalares que apresentam um grande custo para o sistema.
Notamos que este grupo apresenta poucos espaços para expor esta
situação, alguns procuram os órgãos de garantia de direitos, como os
Conselhos Tutelares, os equipamentos da Assistência Social (CRAS, CREAS)
ou a Defensoria Pública. Percebemos que pacientes com alguns diagnósticos
específicos ainda contam com grupos de apoio ou determinadas associações,
como os diabéticos, porém, de acordo com nossa experiência empírica, poucos
espaços de troca e criação de alternativas de enfrentamento das limitações
enfrentadas no cotidiano por estas crianças, adolescentes e suas famílias.
Diante disto, em junho de 2010 foi criado o Fórum Ampliado de
Políticas de Promoção da Saúde de Crianças e Adolescentes com
Doenças Crônicas e Deficiências e suas famílias, como iniciativa inicial do
Instituto Fernandes Figueira (IFF) da Fiocruz, que envolveu profissionais e
famílias, onde ouvimos as instituições ali representadas e familiares de
crianças e adolescentes cronicamente adoecidos e todas estas questões
destacadas.
Os entraves no acesso e/ou efetivação e implementação das políticas
públicas também foi acompanhado através de observação participante das
principais questões levantadas e recorrentes neste espaço. A principal questão
debatida foi o transporte e seus desdobramentos: Vale Social, carros e
ambulâncias disponibilizados para tratamento ambulatorial.
O segundo encontro do Fórum foi em setembro de 2010 e voltou-se
principalmente para debater estas questões relativas ao transporte. A mesa
70
redonda trouxe o tema “Ações e experiências com promoção da saúde de
crianças e adolescentes com doenças crônicas e deficiências e suas famílias
no acesso ao transporte público e gratuito”. Porém, após este encontro não
houve outras reuniões. Desse modo, permanecemos com a carência de
espaços públicos destinados à esta temática, onde uma construção propositiva
e política seja realizada de forma participativa e democrática.
b) A aceitação do diagnóstico e o aprendizado de conviver com o
processo crônico de adoecimento:
Neste processo de conhecimento do diagnóstico e de suas implicações
para as alterações no cotidiano dos sujeitos cronicamente adoecidos, a
atuação da equipe interdisciplinar é fundamental para adesão das famílias ao
tratamento, pois pode fornecer elementos para que estas compreendam todo o
processo de acompanhamento e os cuidados necessários. É importante que
estejam atentos para a necessidade de uma abordagem integral dos indivíduos
e de suas famílias, com intervenções que considerem as esferas biológica,
psicológica e social (Giovanella et alli, 2002).
Thaines et alli (2009) realizaram um estudo sobre a importância da
integralidade da atenção como princípio norteador no atendimento à pessoa
em condição crônica, nesta pesquisa foi abordado o caso de um adulto que
tinha diagnóstico de diabetes mellitus. As autoras destacam que na condição
crônica de adoecimento a mudança de hábitos é fundamental:
71
Essa pessoa necessita, além do tratamento
medicamentoso e da mudança de hábitos alimentares, de
apoio e orientação, de modo que possa desenvolver a
autonomia para o cuidado, tornando mais fácil sua
convivência com a condição que, não sendo transitória,
acarreta uma série de mudanças em suas vidas, tanto em
relação à sua rotina, aos seus hábitos, bem como a
aceitação da própria condição. (THAINES et alli, 2009: 58)
Concordamos com as autoras que as necessidades de saúde não se
restringem apenas no cuidado nas fases de agudização da doença.
Compreendemos que novas rotinas cotidianas precisam ser estabelecidas,
tanto para criança e o adolescente quanto para sua família. Além disso, o
conhecimento do diagnóstico e a compreensão dos cuidados necessários são
fundamentais, principalmente para os adolescentes que já possuem maior
autonomia em suas decisões para que haja adesão ao tratamento. Para Silva
et alli (2010):
As mudanças na vida da criança e da sua família, ao se
depararem com a doença crônica, não englobam
simplesmente alterações orgânicas ou físicas da criança
doente, mas perpassam este ângulo e promovem
alterações emocionais e sociais em toda a família, as
72
quais exigem constantes cuidados e adaptações. (SILVA
et alli, 2010: 360)
Estas alterações de rotina são, sobremaneira, marcadas nos
depoimentos dos responsáveis pelas crianças e pelos adolescentes
participantes da nossa pesquisa:
“Complica principalmente porque agora... sabe, antes quando a gente não
sabia que ele era diabético, era tudo liberado, ele comia tudo, ele brincava.
Mas, agora tem que ter certas restrições sobre horário de brincar, não ficar
muito no sol, não correr muito, essas coisas, e ele até que ele se habitue, como
agora nas festas de final de ano foi complicado, porque ele queria comer de
tudo como sempre foi acostumado né?” (FAMÍLIA 07)
“Ele já acostumou colocar o ácido fólico ali, da onde ele fica direto que é o
computador, tem que ter a água e o ácido fólico dele ali, porque ele já sabe que
tem que tomar entendeu? Mas tem que deixar ali pertinho”. (FAMÍLIA 08)
“Ah, alimentação e esporte. Porque ele quer ir jogar bola e não pode ficar
jogando bola, e ele sabe que ele não pode e é uma criança muito teimosa. Meu
Deus do céu! (...) Em casa eu não compro nada que não possa comer, mas em
compensação ele vai pra casa da minha mãe e minha irmã, na casa da minha
irmã ele nem assalta a geladeira não, mas na casa da minha mãe, assalta que
é uma tristeza”. (FAMÍLIA 10)
73
O suporte interdisciplinar e até a atuação das equipes de saúde mental
tanto para os pacientes quanto para seus responsáveis são fundamentais para
minimizar o sofrimento, atuar na prevenção à tendência de superproteção dos
responsáveis e na auto-aceitação da condição crônica de adoecimento.
“É que ele não aceita que a gente não o deixa ele sair, nem eu e nem a avó.
Por medo assim, de ele passar mal na rua, nunca aconteceu mas a gente
impede por isso. ”. (FAMÍLIA 08)
“Ah não ter tranqüilidade em tudo, ele fica muito em casa, (...), se ele desce um
pouco para brincar com as crianças ele já fica cansado, e pra mim fica chato
dentro de mim. Até domingo mesmo ele começou a brincar de bola com as
crianças, tentou, não conseguia, e eu falei ‘ você está passando mal’ ele fala:
‘Não mãe, estou bem e vou brincar’. Ele quer brincar, mas aí eu fico dentro de
mim...e falo: ‘você vai passar mal e a noite tenho que correr com você’. (...) Ele
quer brincar, eu deixo ele brincar, para eu ver a reação dele, mas aí quando eu
vejo que ele fica corado mesmo, mando ele parar, eu tenho medo né?”
(FAMÍLIA 09)
Destacamos esta linha tênue que pode levar os responsáveis à proteção
excessiva, limitando a sociabilidade de seus filhos. Consequentemente,
principalmente com os adolescentes surgem conflitos em compreender e
acatar as orientações dos responsáveis:
74
“Ele assim, tem que usar casaco, às vezes não está muito frio e eu fico com
medo da friagem, e aí os coleguinhas estão tudo sem casaco e eu vou lá na
rua pego o casaco e jogo nele, e ele começa a se bater que não vai usar
porque não está com frio”. (FAMÍLIA 08)
A preocupação que os filhos passem mal e adoeçam é recorrente e
parece que para os responsáveis qualquer descumprimento das
recomendações médicas é puramente culpa deles próprios. A sobrecarga da
família no cuidado é imensa.
Observamos também que para as crianças e os adolescentes
cronicamente adoecidos o sofrimento passa, principalmente, pela aceitação
social e participação nos espaços coletivos:
“Porque pelas pessoas saberem o problema que ela tem, ela fica com
dificuldade, acha que as pessoas rejeitam ela, por ela ter esse problemas, por
ela ser uma menina doente, por ela precisar de mais cuidados, então às vezes
é mais difícil pra mim por isso, que ai qualquer coisa que faça a ela, ou que fale
com ela, pra ela isso já é (preconceito” (FAMÍLIA 03)
“Eu acho que ele não quer que os amiguinhos percebam que ele
tem...entendeu? E às vezes zoa ele porque ele tem os olhos amarelos, porque
ele é dentuço, isso ai eu já corri atrás pelo menos para os dentes, mas os olhos
eu não posso fazer nada né? Aí implicam com ele. No início ele chorava muito,
75
mas agora ele também entra na zoação e zoa os colegas também”. (FAMÍLIA
08)
“Assim, eu desde o início entendo que vai ser assim para o resto da vida, só
que eu fico com pena dele, que ele fica mal, ele fica triste porque ele fica
internado, ele fica triste porque ele tem essa doença, ele acha às vezes que eu
sou a culpada disso, ele acha que eu não fiz pré-natal suficiente para ele não
ter essa anemia, mas isso não tem nada a ver com pré-natal, e ele não
entende, e às vezes quando ele está com crise de dor, ele fica mais chateado
comigo, não quer eu bote a mão. É o que ele age comigo”. (FAMÍLIA 08)
Portanto, o acompanhamento psicológico para estas crianças e
adolescentes é essencial e também para suas famílias. Consideramos que a
formação de grupos de apoio também seria um trabalho fundamental, enquanto
espaços coletivos de participação e socialização de experiências quanto ao
processo de cuidado, dificuldades e estratégias utilizadas pelas famílias no
acompanhamento aos seus filhos/filhas com condições crônicas de
adoecimento.
c) A experiência de internação prolongada
A hospitalização é uma realidade constante na vida das pessoas com
condições crônicas de adoecimento, apesar do necessário acompanhamento
ambulatorial regular. Os indivíduos adoecidos cronicamente, em geral, ficam
76
internados no período de investigação diagnóstica da doença para realização
de exames diversos que demorariam mais caso a internação não ocorresse, e
também em períodos de reagudização da doença, ou na fase terminal.
Destacamos o impacto dessa hospitalização para os sujeitos em
desenvolvimento:
a hospitalização da criança da criança e do adolescente
com doença crônica faz parte de sua vivência, permeia seu
processo de crescimento e desenvolvimento, modifica seu
cotidiano e separa-os do convívio com sua família, amigos
e escola. (SOUZA,2006: 15)
Os depoimentos dos responsáveis registram a forma como vivenciam e
lidam com estas recorrentes internações de seus filhos. Sobre este ponto,
pudemos notar as principais questões que perpassam este momento, como por
exemplo, a ansiedade que rodeia este período devido a convivência intensa
com a rotina hospitalar que é altamente estressante e a preocupação em
novamente vivenciar uma internação prolongada :
“Pra mim eu acho difícil. Porque é muita coisa. Porque assim, veja só, ele é
nervoso, ele é muito agitado, tanto agita eu como a ele né? E aí fica aquela
coisa difícil quando eu vou trazer ele, pra fazer exame ele fica nervoso, fica
aquela agitação. Tem medo de ficar internado. Hoje mesmo, quando ele vai
77
dormir, aí ele fala: ‘Mãe a gente vai para o hospital?’. Ele não consegue
dormir.” (FAMÍLIA 09)
Outra questão que caracteriza a experiência de internação com uma
situação complexa e difícil, diz respeito à falta de privacidade e o controle
institucional exercido sobre as atitudes das famílias.
Os resultados da pesquisa mostram que regras preconceituosas, as
relações autoritárias estabelecidas por alguns profissionais, tornam este
período da internação, um momento de constrangimento e forte sofrimento
para muitas famílias, o que também contribui para o aumento da ansiedade
para alta hospitalar:
“É horrível né, constrangedor demais. É constrangedor, porque você fica inibida
por várias coisas, você não pode ligar uma TV, você não deita a hora que você
quer, não tem uma comodidade boa, você sabe como é hospital né?” (FAMÍLIA
10)
Propiciar um ambiente acolhedor e com condições adequadas para as
famílias acompanharem seus filhos e filhas é fundamental para a garantia do
atendimento integral às crianças e aos adolescentes. A família precisa ser
partícipe de todo o processo e o período da internação é propício para
aprofundar o conhecimento das mesmas sobre o cuidado e as especificidades
da doença e do tratamento. Neste sentido, Collet e Rocha (2004) defendem a
importância deste acompanhamento:
78
A inserção de um acompanhante e seu envolvimento no
processo terapêutico torna fundamental a compreensão da
dinâmica das relações entre os agentes que prestam o
cuidado, pois aparecem questões não bem definidas na
assistência à criança hospitalizada. É importante estar
alerta às novas necessidades que vão sendo criadas
nesse espaço e que envolvem a forma de organização das
unidades pediátricas como um todo. (2004: 192)
O Estatuto da Criança e do Adolescente preocupa-se com a efetivação
de um acompanhamento “saudável”, estabelecendo que as instituições
hospitalares devem fornecer condições adequadas para a permanência de
acompanhante durante a internação.
Entretanto, em razão de tais condições não estarem estabelecidas
detalhadamente, verificamos que cada instituição fornece o que considera
“adequado” e “possível”, não valorizando a presença do familiar, o que
consequentemente aumenta a “angústia” da internação.
O revezamento de pessoas responsáveis no acompanhamento neste
período é um fator importante para que a família possa minimizar o stress da
internação prolongada, porém isto é raro entre as famílias atendidas e quando
ocorre percebemos que também é entre as outras mulheres da família e
pontualmente alguma figura masculina aparece como alternativa:
79
“A gente leva, conversa, vê o que é necessário e aí faz e a gente fica igual
aqui, ela (mãe) fica de noite, eu (avó) fico de dia, a gente reveza, revezamento
é a gente que faz. Às vezes o tio fica né”. (FAMÍLIA 07)
Inegavelmente, o período de internação, principalmente quando extenso,
é complexo tanto para a criança e o adolescente quanto para os seus
responsáveis. O isolamento social propiciado pela internação afeta a todos, e a
falta de rede familiar para apoiar sobrecarrega geralmente uma única pessoa
da família, que em geral é mulher, a mãe.
Notamos fortemente elementos vinculados à perspectiva de gênero13 no
acompanhamento e cuidado dispensados às crianças. As mulheres/ mães/
cuidadoras são afetadas pela internação prolongada, pois esta repercute em
sua vida profissional e também em sua sociabilidade:
“É complicado, quem fica mais sou eu, é desgastante, apesar do ótimo
tratamento, mas é muito desgastante, fica internada muito tempo, às vezes. Já
‘tava’ falando pras meninas agora, não tenho vida social, porque a gente fica às
vezes um mês, dois meses internada então é assim, bem difícil”. (FAMÍLIA 04)
“Porque dois anos seguidos ele ficou internado praticamente o ano todo.
Praticamente o ano todo. Ficava um mês em casa e dois no hospital, não direto
assim, mas sempre do dia 20 ao dia 30 ele passava mal de cada mês. Durante
13 O conceito de gênero refere-se às relações de poder e de submissão, à idéia de estabelecer papéis
femininos e masculinos e à padronização sócio-cultural que estabelece desigualdades entre homens e
mulheres
80
dois anos isso. Passava mal. (...) Assim, quando ele está internado minha vida
para lá fora, porque eu não posso deixar ele aqui. (FAMÍLIA 08)
O discurso de que durante a internação “a vida para” é bem recorrente, o
mesmo refere-se a participação na vida social e também a inserção no
trabalho. Para as famílias que os responsáveis (pai e/ou mãe) trabalham, o
período de internação dos filhos representa um desafio à continuidade do
atendimento das necessidades materiais da família.
“Falto trabalho e depois sou mandada embora porque patrão nenhum quer
saber, ele não quer saber do problema dos outros né. Então tem que estar
sempre faltando para exame, para consulta, e é difícil a pessoa ficar.” (FAMÍLIA
08)
“Você para sua vida, para tudo e faz um projeto. A criança dá aquela recaída
você para tudo e foca ali na saúde da criança. Você tenta voltar sua vida ao
normal, começa aos poucos, daqui a pouco você cai de novo, é complicado
porque eu não posso deixar de fazer meus bicos porque se não nem tem
dinheiro, se ficar parada não tem dinheiro, nem todo patrão e patroa é
coerente, então eu tenho que colocar alguém pra olhar ele, botar isso na minha
mente, pra poder ver se eu consigo dar prosseguimento...” (FAMÍLIA 10)
O risco de perder o emprego e o receio de deixar a criança ou o
adolescente por longo período sem acompanhamento de um familiar soma-se
81
à ausência de legislações trabalhistas que amparem os trabalhadores durante
o de adoecimento de algum familiar.
As situações vivenciadas relacionadas a inserção e permanência destes
responsáveis em trabalhos formais demonstram a precariedade de nosso
sistema de proteção social. Estas famílias estão desprotegidas socialmente e
precisam enfrentar simultaneamente a pobreza/desigualdade social e o
adoecimento de seus filhos. Sem uma política pública que ampare esta
população, estas famílias apresentam maiores chances de continuar a
reproduzir a pobreza geracional pela falta de oportunidade concreta de
inserção no mercado de trabalho.
Sabemos que em nossa sociedade desigual as condições de
sobrevivência da grande maioria da população são precárias. A injusta
distribuição da riqueza socialmente produzida, o crescimento do desemprego
tem impactado diretamente a sobrevivência e a reprodução social das famílias,
principalmente as famílias monoparentais chefiadas por mulheres.
Nas falas acima percebemos que as mulheres (mães cuidadoras) têm
sua trajetória de trabalho sempre interrompida, esta função social atribuída as
mesmas somam-se a precariedade de renda. Sabemos que quando algum
membro da família adoece a situação socioeconômica agrava-se. Quando este
membro é uma criança ou adolescente, o cuidador/a cuidadora principal se vê,
muitas vezes, impedido de trabalhar e quando desempenha atividade informal
de trabalho, sem uma renda mínima garantida, as expressões da “questão
social”, manifestada principalmente nas precárias condições de subsistência,
manifestam-se em suas mais diversas faces.
82
Apenas os regimes jurídicos próprios do funcionalismo público
preservam o direito dos servidores usufruírem de licença nestas ocasiões,
como a lei 8112/9014. Além disto, o grande número de trabalhadores que
desempenham atividades informais de trabalho e que se encontram mais
desprotegidos ainda (sem vínculo empregatício ou previdenciário15) torna este
período da internação mais preocupante para o sustento de todo o núcleo
familiar.
Os responsáveis também manifestam a dificuldade entre compartilhar o
cuidado entre a criança ou adolescente que está internado e os outros filhos
que permaneceram em casa. Em geral, nessas situações a mãe fica ainda
mais sobrecarregada e alimenta sentimento de culpa por estar dando mais
atenção a um filho que aos outros. Além disso, o afastamento e a saudade da
família aumentam o sofrimento advindo do processo de internação.
“E sozinha para mim é difícil porque para tudo. Tem mais um de quatro anos...
precisa de atenção, mas não dou atenção também que ele merece, aí puxa
minha atenção fazendo bagunça, fazendo o que não deve (...) E eu sou a única
que fica encarregada de tudo dele” (FAMÍLIA 01)
14 Institui o Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, das Autarquias, inclusive as em
regime especial, e das Fundações Públicas Federais, prevê em seu artigo 83 “Poderá ser concedida licença
ao servidor por motivo de doença do cônjuge ou companheiro, dos pais, dos filhos, do padrasto ou
madrasta e enteado ou dependente que viva às suas expensas e conste do seu assentamento funcional,
mediante comprovação por junta médica oficial”.
15
Estimativas realizadas com base na PNAD (2005) indicam que 32,2% das crianças brasileiras de até 15
anos vivem em famílias sem nenhum tipo de proteção previdenciária. Fonte: LAVINAS e
CAVALCANTI, 2007. Disponível em: http://www.dieese.org.br/esp/previdencia/parte5.pdf. Acesso em
12 de junho de 2011.
83
“Pra mim foi complicado, porque pra ficar longe do meu outro filho, e também
ver ela sofrendo demais, por tudo que ela passou, pra mim foi muito difícil. Por
também não tinha com quem revezar praticamente né, praticamente eu
sozinha ficando e querendo ver logo, resolver logo a situação dela e realmente
foi um pouco demorado, mas pra mim foi muito triste, tinha dia que desabava,
mas ela precisava de mim” (FAMÍLIA 02)
Os resultados desse estudo mostram também que uma das
preocupações dos familiares dos adolescentes é o período de transição das
enfermarias de Pediatria para as de clínica médica (a partir dos 16 anos),
principalmente daquelas famílias que vêm acompanhando o filho ou filha desde
criança com os mesmos profissionais. Esse é um momento de insegurança
para as famílias, mesmo a equipe ressaltando que o adolescente permanece
com o direito ao acompanhamento integral do responsável.
“O que eu gostaria mesmo, assim, não sei se é possível, é dar mais... quando a
criança passa dos 15 anos dar mais um tempinho pra eles ficarem lá dentro,
aqui no quinto andar, pra mãe deles ficarem com as crianças, para os pais
ficarem porque é muito difícil, a pessoa não vai ficar em paz em casa sabendo
que o filho está com uma dor(...), eu queria que desse mais tempo para as
crianças aprender a lidar com isso sozinho”. (FAMÍLIA 08)
Entendemos que esta transição também deve ser realizada com
cuidados para que a família e o adolescente sintam-se seguros e assistidos
84
pela unidade de saúde. Os vínculos já estabelecidos têm que paulatinamente
serem firmados também com os profissionais de saúde que darão continuidade
ao tratamento.
Uma das dificuldades no HUAP é que não há equipe de saúde do
adolescente que abranja a faixa etária entre 16 a 18 anos. A mudança de
médicos na assistência e a troca de enfermaria que propicia menor privacidade
para os adolescentes, tendo em vista que as enfermarias de adulto os leitos
são mais numerosos, são fatores que influenciam o receio dos responsáveis
nesta fase transitória.
d) A inserção no sistema educacional
Sabemos que para as crianças e adolescentes a vida escolar é
importante fonte de sociabilidade e é absolutamente afetada em razão do
adoecimento. Devido as internações prolongadas e recorrentes, as faltas na
escola para realização de exames ou as vindas freqüentes para consultas
ambulatoriais, o rendimento escolar é prejudicado, havendo, com efeito, alto
grau de repetência entre as crianças e adolescentes com doenças crônicas:
“O ano que passou, ela teve que repetir (a série escolar), porque ela ficou o
tempo todo internada, em dezembro que ela foi pra casa, aquela coisa toda, aí
a diretora perguntou se eu queria que passasse ela, eu disse que não. A
internação que fez ela não terminar o ano”. (FAMÍLIA 03)
85
“Atrapalha sim, atrapalha porque ele perde as matérias, mesmo eu
levando...ele falta para as consultas e mesmo eu levando o papel pra escola,
(...) e vai sempre assim de três em três meses tendo que faltar. Mas falta mais
porque ele tem que fazer exame de sangue, tem que fazer outros exames
também para levar para o médico dele que é de três em três meses, então ele
vai faltando direto.” (FAMÍLIA 08)
As faltas e a repetência das crianças e adolescentes inseridos no
sistema educacional regular podem gerar desestímulo e um sentimento de
“fracasso escolar” tanto para os alunos quanto para seus responsáveis, por isto
consideramos que as crianças e os adolescentes cronicamente adoecidos
possuem necessidades educacionais especiais que devem ser consideradas e
acompanhadas pela família e pela escola.
Vale assinalar que a Resolução CNE/CEB nº 02/2001 também considera
educandos com necessidades educacionais especiais os que apresentarem no
processo educacional dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações
no processo de desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das
atividades curriculares tanto as não vinculadas a uma causa orgânica quanto
às relacionadas a “condições, disfunções, limitações ou deficiências”.
A presente Resolução institui diretrizes nacionais para a educação
destes alunos na educação básica e prevê:
Os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos,
cabendo às escolas organizar-se para o atendimento aos
86
educandos com necessidades educacionais especiais,
assegurando as condições necessárias para uma
educação de qualidade para todos (CNE/CEB nº 02/2001,
art. 2º)
A Resolução determina que os serviços de educação especial devem
ser prestados sempre que se evidencie, mediante avaliação e interação com a
família e a comunidade, necessidade de atendimento educacional
especializado, ou seja, não é só a avaliação isolada dos profissionais, a
sociabilidade da criança e do adolescente no meio em que vivem também
devem ser considerados.
O atendimento aos alunos hospitalizados é previsto na Resolução
CNE/CEB nº 02/2001 no seu artigo 13:
Os sistemas de ensino, mediante ação integrada com os
sistemas de saúde, devem organizar o atendimento
educacional especializado a alunos impossibilitados de
frequentar as aulas em razão de tratamento de saúde que
implique internação hospitalar, atendimento ambulatorial ou
permanência prolongada em domicílio.
A lei garante a existência das classes hospitalares e o atendimento
domiciliar com o objetivo de dar continuidade ao processo de desenvolvimento
dos alunos, para contribuir com o seu retorno posterior à escola de forma mais
87
facilitadas. Percebemos, porém, que ainda persiste a falta de articulação entre
a escola regular e a equipe de Pedagogia hospitalar o que poderia minimizar a
descontinuidade da aprendizagem e, inclusive o alto índice de repetência
escolar.
No HUAP possuímos o Programa de Pedagogia Hospitalar em convênio
com Secretaria Municipal de Educação em Niterói, que traz para o cotidiano
nas enfermarias a experiência de escola no hospital, porém o atendimento
ocorre somente durante o período de internação, geralmente baseado em um
projeto temático integrando e estimulando pedagogicamente o aprendizado das
crianças e adolescentes internados.
Em nosso cotidiano de atendimento às famílias percebemos que as
experiências com o sistema educacional são diversas e ainda existem crianças,
principalmente as com diagnósticos de doenças neurológicas, que não se
inserem na escola regular ou já estiveram inseridas por um curto período.
Algumas prosseguem os estudos em escolas especiais, outras permanecem
apartadas do cotidiano escolar:
“Ela não estuda por que, ela ficou três anos num colégio comum, que a irmã
dela estudou, ela se adaptou ao colégio, mas o colégio não se adaptou a ela,
né. Teve casos de professoras pedindo pra trocar de horário, porque não
queriam ficar com ela, achavam que era difícil lidar com ela, mesmo com minha
ajuda, com a ajuda da minha filha mais velha, a gente ficava com ela no
colégio, mesmo assim não conseguiram ficar, foi uma luta, botaram ela pra
Pestalozzi e dali, ela não quis mais continuar estudando, porque todo dia de
88
manhã era uma festa acordar pra ir pro colégio porque era bagunça, e ela
adora uma bagunça, era mais pelo convívio dela com outras crianças, e depois
que ela foi pra Pestalozzi era só ela e uma professora dentro da sala de aula,
então pra ela não interessa mais” (FAMÍLIA 04)
As problemáticas assinaladas pelas famílias evidenciam os desafios e o
debate atual existente em torno da proposta de inclusão educacional, na qual
as crianças com “necessidades especiais” devem ser inseridas nas escolas
regulares. Esta proposta está fundamentada na tentativa de minimização do
preconceito, no convívio com a diversidade, compreendendo que todo aluno
pode apresentar uma necessidade diferenciada no atendimento em um
determinado período da vida letiva. Quanto a este aspecto, e as opiniões dos
responsáveis são diversas:
“Ele estuda. Ultimamente a Secretaria de Educação ela tirou essa parte de ter
a parte para crianças especiais, você sabe né? Que agora a criança tem que
frequentar normal. Principalmente que não existe escola com profissionais
nessa área, eles frequentam normal em tudo, e aí ele que tem dificuldade de
aprendizado fica sem aprender.” (FAMÍLIA 07)
“No estudo ele não está bem acompanhado, ele está muito é atrasado no
estudo dele, (...). Porque ele é assim, no colégio, ele não tem um colégio certo
para ele, tinha que ser um colégio especial pra ele, ele falta muito ao colégio
porque ele depende mais de hospital que de colégio”. (FAMÍLIA 09)
89
Percebemos que a opinião dos responsáveis que defendem a
necessidade de seus filhos frequentarem uma escola especial, deve-se
também ao fato das escolas não possuírem condições concretas para
implementação do que está previsto na resolução citada. Não há na maioria
dos casos, apoio especializado à estes alunos. Algumas escolas possuem
profissionais com dificuldades em aceitar crianças com necessidades
especiais, outras sofrem com a falta de recursos estruturais e humanos.
Para as escolas regulares atenderem a todos os alunos são necessários
serviços de apoio especializado para capazes de dar conta das peculiaridades
de cada educando, ou seja, uma estrutura de apoio é fundamental.
Conforme defendido por Mazzota (2008) transitamos no debate da
inclusão pensada ora como uma ação impraticável, ora como necessária em
qualquer circunstância individual ou institucional. Para o autor a saída é a
“inclusão com responsabilidade”, que contemple a diversidade dos educandos.
Certamente, a convivência “inclusiva” é importante elemento no combate
à segregação e ao preconceito, mas as escolas precisam de investimento
público condizentes para que haja qualidade no ensino para todos.
e) Suporte familiar para apoio na continuidade do tratamento
Segundo Carvalho e Almeida (2003) a família é uma das instituições
sociais básicas, sendo considerada fundamental na sobrevivência, proteção e
socialização de seus integrantes. Constitui-se por diversas configurações, com
90
base nas relações de envolvimento emocional e de parentesco, cultural e
historicamente determinadas, e sua formação extrapola o âmbito da residência.
Neste cenário pesquisado apontamos que o suporte familiar é
fundamental para o prosseguimento do tratamento, pois os responsáveis
precisam estar cientes de todas as especificidades e cuidados relativos às
crianças e adolescentes, para que possam compreendê-las e aderir às
indicações da equipe de saúde. Este processo é um aprendizado contínuo, que
possui rebatimento para toda a família, e, principalmente, para as mães.
Silva et alli (2010) também se preocuparam em estudar os dilemas e
dificuldades que as famílias encontram para dar prosseguimento ao tratamento
de seus filhos - crianças e adolescentes cronicamente adoecidos:
Considerando que o tratamento da doença crônica requer
internações periódicas e acompanhamento contínuo, o
seu enfrentamento exige da família mais do que
disponibilidade de tempo, pois exige dedicação,
reorientação das finanças, reorganização de tarefas e
todo o empenho dispensado a um de seus membros na
tentativa de reorganizar a vida, a partir dessa nova
circunstância. (SILVA et alli, 2010: 361)
Esta questão, que é demasiadamente complexa para as famílias,
aparece nos depoimentos dos entrevistados, confirmando, sobretudo, conforme
já abordamos, que é sobre as mulheres que recai a responsabilidade no
91
cuidado da criança/ do adolescente, dividindo-se, por vezes, entre o cuidado
com os outros filhos e a casa:
“No caso, meu filho ele tem também a fisioterapeuta que perguntou se eu tinha
alguém para acompanhar junto comigo, para saber também do que ele precisa,
mas também não aparece um “abençoado de Deus” para ir comigo porque todo
mundo trabalha e tem o que fazer”. (FAMÍLIA 01)
“No começo pra cá, como eu era a base de tudo, eu que corria eu que resolvia
então eu já acostumei a lidar com a doença, não sei se é por está dentro da
área também, pra mim é mais fácil. Eu sou técnica (de enfermagem)” (FAMÍLIA
03)
Para as mulheres destina-se a responsabilidade no cuidado da família e
da casa. Estas tem multiplicado sua jornada e sobrecarga de trabalho entre o
espaço público (trabalho remunerado) e o espaço privado (não remunerado e
não reconhecido) entre casa e hospital.
Quanto a participação masculina no suporte ao tratamento das crianças
e adolescentes, em nosso grupo estudado, identificamos apenas a presença
pontual de um tio e de um pai. A ausência dos pais aumenta o sofrimento das
mulheres que permanecem na linha de frente do cuidado infanto-juvenil:
“Ele (o pai) não coloca nada. Só quando tô internada, ele quer que eu vá
embora para casa, porque ele não quer ficar sozinho, mas ele não se lembra
quando a gente tá em casa, todo mundo bem.(...) Queria que ele fosse um cara
92
mais presente do outro lado também, não é só dar carinho, dar roupa, dar
comida; é acompanhar o tratamento porque a criança não vive só disso não.
Se você chegar perto dele e perguntar o que ele tem ele não vai saber te
explicar” (FAMÍLIA 01)
“Cuido sozinha. Mas ele (o pai) esteve aqui ontem, ele trouxe um biscoito de
maisena e uma revistinha de caça-palavras. Bacana né? e logo em seguida foi
embora que eu nem vi”. (FAMÍLIA 10)
Para as famílias onde pai e mãe compartilham o cuidado, apesar das
dificuldades percebemos uma cumplicidade no revezamento, que possibilita a
continuidade do tratamento ambulatorial, pois ambos tentam ajustar o horário
de trabalho para as vindas às consultas:
“O horário ele (o médico) sempre marca à tarde. Porque a gente se reveza né
porque ou eu trago, ou então eu peço pra sair mais cedo do trabalho. O pai
dela pede pra sair mais cedo, a gente reveza. Porque às vezes não pode ser
só eu saindo do trabalho né cedo, a gente reveza e consegue levar pro que
tem que fazer, né.” (FAMÍLIA 5)
“Meu trabalho é de 24/48h e a mãe dele folga toda a terça-feira. Tá tomando
(medicação) toda a terça-feira, então dá”. (FAMÍLIA 6)
93
Percebemos, então, que recorrentemente aparece no discurso das
famílias as alterações que tiveram de realizar em seu cotidiano devido a
condição crônica de adoecimento de suas crianças e seus adolescentes. Silva
et alli (2010) indicam que “A doença crônica altera os modos de andar a vida
das famílias que passam por momentos de vulnerabilidade, pois estas não se
mostram preparadas para o enfrentamento da condição crônica na infância”
(2010: 363).
Com efeito, independente da formação familiar, não há como preparar-
se para tal realidade. Este é um aprendizado contínuo entre a família, criança
ou o adolescente e as equipes de saúde e quiçá entre as outras equipes das
demais políticas setoriais. Ademais, como agravante a essa situação,
observamos que o Estado não cumpre com o dever de fornecer suporte às
famílias de modo que potencializem sua capacidade de exercer a função de
cuidadora com condições concretas de seguir as recomendações clínicas
prestadas (dietas, medicações, equipamentos necessários).
Com a hospitalização da criança, o cotidiano da família
passa a ser organizado em função do tratamento, que se
constitui em momento de grande ruptura dos laços
familiares. A família experimenta a desorganização de
suas rotinas e um terrível sofrimento gerado pela
convivência limitada, desencadeando uma
desestruturação familiar” (SILVA et alli, 2010: 360)
94
Em nossa perspectiva de análise, a família não passa exatamente por
uma “desestruturação”. Consideramos que as diversas famílias apresentam
composições diferenciadas que podem propiciar maior ou menor suporte ao
tratamento. Claramente que a responsabilidade com as necessidades
demandas para o tratamento de saúde das crianças e dos adolescentes
adoecidos cronicamente são muitas, e principalmente no inicio do diagnóstico
as famílias levam tempo para encontrar estratégias para efetuar o cuidado e
reorganizar a rotina.
A longo prazo, acreditamos que de acordo com a rede de proteção
social e cuidado familiar e comunitário que for mobilizada, as famílias podem
lidar de forma mais eficaz com a continuidade do tratamento e com as
adversidades cotidianas apresentadas pela condição crônica de adoecimento.
Com o agravamento das desigualdades sociais, o desemprego e o sub-
emprego, a pobreza extrema, a família não consegue responder sozinha pela
proteção social de seus integrantes:
(...) as condições objetivas de vida agravadas cada vez
mais pela precariedade do trabalho, pelo aumento
exponencial dos riscos do trabalhador e consequentemente
pelo aumento da desproteção de mulheres, crianças e
outros dependentes, ratificaram progressivamente os
limites e a incapacidade do capitalismo liberal de garantir,
através apenas da família e do mercado, qualquer forma de
bem-estar coletivo. ( MIOTO, 2008: 133)
95
Cabe ressaltar que no Estado brasileiro a família permanece com suas
funções demandadas nas situações de adversidade, funcionando como
“amortecedor social” frente às grandes desigualdades sócio-econômicas do
país.
Na década de 90, as políticas de ajuste estrutural que reformularam o
papel do Estado, priorizando a estabilização econômica em detrimento do
investimento em políticas sociais, contribuíram para “agravar o quadro social do
Brasil nesta década, período marcado por baixos níveis de crescimento
econômico, deterioração das condições de trabalho e renda da população;
persistência das desigualdades sociais e espaciais, e uma reorientação
profunda das políticas sociais”. (CARVALHO e MOREIRA, 2003: 113)
Contraditoriamente, com o agravamento da precarização das condições
de vida e subsistência da família se vê crescer sua responsabilidade na
proteção social. Estratégias são necessárias para que políticas
universalizantes, que propiciem maior suporte às famílias brasileiras, sejam
implementadas.
e) Sobre as políticas públicas: a inserção e acesso aos programas e
benefícios sociais
Nessa pesquisa optamos em perguntar as famílias sobre as políticas
públicas, isto é, buscamos entender o acesso das famílias e seus filhos aos
programas sociais para, assim, percebermos o conhecimento que as mesmas
96
têm das políticas e direitos sociais. Verificamos, em alguns depoimentos, certa
confusão entre política pública e clientelismo e paternalismo, característica que
permeia a nossa formação política e social:
“Porque as políticas de hoje só olha para você no tempo de eleição. Chega na
sua casa, promete o céu e a terra mas quando você vai lá precisando de um
médico para o seu filho ele diz que não consegue; que não tem como ajudar e
por isso fica.” (FAMÍLIA 01)
“É, Já precisou fazer o (exame) abdômen total e está R$95,00 no particular, eu
não tinha. Aí eu fui e consegui com um vereador, ai ele foi e pegou o
encaminhamento para o SUS de SG e aí eu fui e fiz. Gratuito, pequei em
quatro dias o resultado do exame. Tem que fazer, tem que fazer né, ai tem que
meter as caras no mundo.” (FAMÍLIA 10)
As falas acima demonstram a ausência do Estado e a utilização de
estratégias clientelistas, como último recurso para facilitação do acesso a
programas e políticas. Algumas famílias demonstram um conhecimento maior
sobre os trâmites do serviço público e das redes disponíveis para acesso,
porém sofrem com a morosidade dos processos e a violência institucional, pois
a todo tempo precisam comprovar sua necessidade e terem suas vidas
invadidas e avaliadas:
97
“Nós estamos no mês 12, eu ‘tô’ desde o mês 8 lutando por essa alimentação
dela, pelo colchão dela, e por bóton (para gastrostomia), já pedi também o
aspirador, desde o mês 8 tentando isso, vão várias vezes na minha casa, já
vieram até aqui no hospital visitar e nada se resolveu, já tive com ela lá
passando mal, na Secretaria de Saúde e nem assim as coisas dela saíram
entendeu, por fim quando chegam na minha casa pra visitar, porque o agente
de saúde vai junto e ela, conhecida da área, ela fica cheia de vergonha. Eu já
falei, não trás mais ninguém na minha porta que eu não vou receber. Diversas
visitas, pra quê? A última, a doutora foi lá, a secretária de saúde teve na minha
casa. Gente vocês vão vir aqui pra quê? Pra ficar olhando a minha cara, ficar
reparando o que eu tenho, pra quê, vocês não resolvem nada, a criança
necessita da alimentação, não ‘tô’ indo lá pedir porque quero não, porque ela
necessita.” (FAMÍLIA 04)
Tais questões nos levam a indagar se a política de saúde realmente tem
sido universalista numa perspectiva de atendimento integral, tendo em vista
que medicações, dietas especiais, equipamentos para a promoção de saúde de
um usuário do sistema, tem perpassado a comprovação da hipossuficiência
econômica da família. O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê em seu
art. 11, parágrafo 2º que: “Incumbe ao poder público fornecer gratuitamente
àqueles necessitarem os medicamentos, próteses e outros recursos relativos
ao tratamento, habilitação ou reabilitação”. Contudo, os trechos abaixo
mostram uma realidade bastante diversa:
98
“O bóton ate agora não veio, o colchão não veio, o colchão que tá lá é aquele
emprestado, então se der problema no motor, vou ter que arcar com tudo isso,
o que alegam pra mim é que a prefeitura não tem verba pra fazer essas
compras, entendeu. E nisso vão me enrolando, fui conversar com o conselheiro
(tutelar) ele falou que ia ser resolvido, até agora nada. Promessas e mais
promessas, toda vez que eles vão na minha casa, essa semana a gente
resolve, mas até agora nada”. (FAMÍLIA 04)
Importante dizer que as famílias não apontam somente como
necessidade de suas crianças e adolescentes programas voltados para
aquisição de medicamentos ou questões diretamente vinculadas ao tratamento,
mas demandas vinculadas à produção e reprodução de suas necessidades
materiais, assim como articulações voltadas para a inserção produtiva de seus
responsáveis.
Novamente fica claro a necessidade da efetiva articulação intersetorial,
compreendendo que a atenção integral exige uma “recusa ao reducionismo”
(Mattos, 2009) ao compreendermos que para a eficácia de um tratamento de
saúde não basta existir uma unidade de saúde que ofereça os serviços, é
necessário amparo e proteção social à família, para que hajam condições
concretas, por exemplo de adquirir a medicação e não faltar o
acompanhamento ambulatorial
O descaso e a falta de suporte para o acompanhamento do tratamento e
atendimento as necessidades destas famílias perpassam as diversas políticas
setoriais, conforme as falas a seguir:
99
“Lazer principalmente, não tem, lá para onde nós moramos não tem nada de
lazer, você sabe que eu fico até pensando, porque lá para esses lugares de
favela, essas coisas, você vê, têm lazer, as pessoas têm e nós em Itaboraí não
temos, nem em São Gonçalo. Em São Gonçalo só tem o que? Só o SESC que
você paga, mas fora isso não tem um ambiente onde a criança possa brincar”
(FAMÍLIA 07).
“É acompanhado 50 %. O matriculei no projeto que tem da prefeitura lá, onde
um dia é aula de música, de cinema que depois o psicólogo pergunta como foi
o filme, aquela coisa toda, então cada dia da semana é um. Aí lá eles dão uma
atenção de 50% também. Lá é um programa da prefeitura, de assistência
social. Até porque gente, a prefeitura faz um projeto e coloca um pra 30
pessoas, também né é pedir demais, então os 50% é da Prefeitura e não para
os que trabalham. Porque não dá pra fazer milagre né?” (FAMÍLIA 10)
Nas trajetórias dessas famílias percebemos que as políticas econômicas
e sociais não tem fornecido aparatos suficientes para atender as demandas de
acesso aos serviços necessários para a atenção integral às crianças e
adolescentes cronicamente adoecidos. A partir dos casos acompanhados
notamos que grande parte é beneficiária do Programa Bolsa Família e, portanto
são famílias pobres ou extremamente pobres que necessitam de um programa
de transferência de renda para auxiliar na manutenção de suas necessidades
100
materiais de forma a garantir direitos básicos como alimentação, educação e
saúde (MDS, 2010).
Ainda é grande o debate acerca dos benefícios e condicionalidades do
Programa Bolsa Família. Giram em torno da polêmica, os que apontam que
assistência social é um direito adquirido e seu repasse não deveria ser
condicional, já os defensores argumentam de que para além da transferência
de renda, tais condicionalidades visam ao rompimento do ciclo da pobreza16.
Em razão da exigência de condicionalidades, principalmente a de
frequência escolar, as famílias que possuem os filhos com grande número de
faltas, a grande maioria devido internação, tem sido prejudicadas no
recebimento, apesar de estar previsto no programa que se as faltas forem
justificadas a família continua recebendo. Por vezes, as mesmas tem o
benefício bloqueado e devido as reinternações não dispõem de tempo para
regularizar a situação. Após sucessivos bloqueios desistem de “correr atrás”.
O HUAP fornece a declaração de que a criança está internada, porém
nos casos em que as crianças não tem condições reais de freqüentar a escola,
as especificidades familiares não tem sido consideradas no acompanhamento
as famílias beneficiárias. No caso da família 04, apesar do laudo ter sido
enviado, tem períodos que o benefício é bloqueado e isto representa mais uma
penalização que a família sofre, até o benefício voltar a ser pago:
16 Para maior aprofundamento no debate ver: Senna, M.& Monnerat, G. et alli. Programa Bolsa Família:
nova institucionalidade no campo da política social brasileira? Revista Katálysis vol.10. n.1, editora
UFSC- Florianópolis, 2007.
101
“O Bolsa Família demorou 3 anos pra sair. Agora sempre tem o problema de
estar suspensa, bloqueada, por ela não freqüentar a escola... Eu já levei laudo
médico, já foi explicado várias vezes que ela não tem condições de estudar
mais.” (FAMÍLIA 04)
Outro benefício que muitas crianças e adolescentes cronicamente
adoecidos tem sido contemplados é o Benefício de Prestação Continuada da
Assistência Social – BPC-LOAS17. O BPC é um benefício da assistência social,
integrante do Sistema Único da Assistência Social – SUAS, pago pelo Governo
Federal, cuja a operacionalização do reconhecimento do direito é do Instituto
Nacional do Seguro Social – INSS e assegurado por lei.
Avaliamos que a sua concessão tem sido feita de forma mais
abrangente, sem se ater apenas ao diagnóstico geral da doença, considerando
aqui as limitações na interação com o meio social e o suporte obtido pela
família. Algumas das famílias entrevistadas já recebem o benefício, outras
estão aguardando a aprovação. Algumas famílias, utilizam-se de ambos os
benefícios, Bolsa Família e Benefício de Prestação Continuada:
“Recebo o Bolsa Família, e eu tenho o ‘LOAS’. O ‘LOAS’ têm criança que
ganha lá no ambulatório, só que desde pequeno eu tentava e não conseguia
nada, então eu fui deixando, e aí passava dois anos eu tentava de novo,
17 Aparece primeiramente na Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) - Lei 8742/1993 e é
regulamentado pelo Decreto nº 6.214/2007. É direcionado as pessoas com deficiência incapacitada para
vida independente e para o trabalho e idosos. Na avaliação da concessão do benefício para crianças e
adolescentes são avaliadas suas limitações cotidianas e a restrição de sua sociabilidade e participação
comunitária.
102
passava cinco anos eu tentava de novo, e aí era negado, era negado, e aí
deixei pra lá. Botavam no papel porque que foi negado e eu desistia (...) e aí
não corria atrás. Foi em maio do ano passado, e aí pensei, vou lutar pelo direito
do meu filho, porque não tá dando, parece que eles vão criando idade vai
diminuindo a nossa...assim, mas gasto ele vem. E aí eu resolvi batalhar, aí eu
insisti, fiquei ligando, marcando perícia, pegando exame e levando, aí eu
tentava por São Gonçalo, aí tentei em Niterói e consegui no mesmo dia.”
(FAMÍLIA 08)
Porém ainda há, aquelas que não conseguem nenhum benefício
assistencial devido a renda que possuem, não estar dentro dos critérios
previamente estabelecidos em lei - um quarto do salário mínimo per capita -
para consessão do benefício, tendo em vista que o primeiro critério de inserção
para solicitar o amparo assistencial é a renda familiar.
Nossa principal critica é que a aprovação da liberação do Benefício
considera apenas o que a família recebe, porém não realizam uma interrelação
as suas despesas fixas. Ou seja, o cálculo da renda não leva em consideração
que as famílias com crianças e adolescentes cronicamente adoecidos possuem
gastos previamente determinados e muitas vezes de valor elevado,
necessitando de auxílio do Estado.
“ Quando ela deu o formulário eu cheguei no INSS, eles me devolveram porque
a mãe dele tinha carteira assinada. Aí a gente não conseguiu. Na época ela
ganhava uns quatrocentos e poucos reais. Acho que um salário mínimo. Ela
103
está querendo fazer um acordo lá no trabalho, ela até já conversou com o
chefe dela isso, ela faz um acordo e ela dá baixa na carteira dela por um
tempo, até a gente conseguir. É essencial porque contribui muito com a
compra dos remédios dele. Esses que a gente não consegue e já faria
diferença”. (FAMÍLIA 07)
“Se tivesse uma assistência, um benefício, que seria só pra ela, assim, pra
medicamento, locomoção, essas coisas, seria bem mais fácil(...) Assim, disse
lá no INSS por causa da renda familiar que não chega a porcentagem que é
exigida por eles (para ter direito ao benefício). Sou separada do meu marido e
tenho mais 2 filhos. Aí são meus 2 filhos e mais eu, e ainda pago aluguel.”
(FAMÍLIA 05)
Levantamos também, ancorado em nossa experiência prática, que a
preocupação da família em ter o benefício negado é tamanha, que apesar da
requisição do benefício possuir um protocolo a ser seguido, e critérios técnicos
bem delimitados para aprovação, alguns responsáveis, acreditam que
conhecendo “alguém de dentro”, a liberação é mais fácil. Permanece a noção
de “jeitinho” e da “política do conhecimento”:
“Eu tô esperando a resposta do benefício dele do INSS, o do salário mínimo e
tal (...). Eu tive um empurrãozinho de pessoa para dar entrada, eu fui aqui em
cima (agência do INSS próxima ao hospital). Só fiz o CPF dele que não tinha e
tive que trazer e teve que declarar toda doença que ele tem, eu achei difícil
104
isso. Conhecido de uma colega minha perguntou se eu tinha problema, se ele
tinha benefício; eu falei que não aí ela mandou marcar um dia para eu vir aqui
que ela trabalha no meio (...)Eles colocam tanto empecilho já para você
desistir.” (FAMÍLIA 01)
As famílias entrevistadas afirmam que uma das dificuldades para dar
entrada nos programas e benefícios é o excesso de exigências associada à
falta de tempo dos mesmos, que já possuem a rotina sobrecarregada pela
várias vindas para acompanhamento ambulatorial, marcação de consultas e de
exames e realização destes:
“Já dei entrada no INSS, pelo benefício, agora só tem que resolver o restante
das documentações pra poder levar lá. Tá sendo um pouco complicado lá,
porque eu imaginava chegar lá e ir pra perícia logo, porque tem pra criança né,
mas eu liguei agendei, nada... eu fui, preenchi o formulário, ai ficou faltando
algumas documentações que eu tenho que levar, ai tem o prazo de 30 dias pra
eu levar, então quer dizer, agora só me resta uns 15 dias pra eu levar. Esse
tempo eu fiquei aqui no hospital com ela, aí agora, vou ver se amanhã consigo
resolver alguma coisa” (FAMÍLIA 02)
“Agora eu consegui, aliás, vou entrar com passe livre que eu peguei uma
declaração para poder pegar o passe livre dela.(...) Falta mais é de tempo
mesmo pra poder, que tem que pegar uma declaração, depois tem que levar
pro médico, preencher, pra depois levar pra lá de novo e leva um bom tempo
105
pra poder eles aprovarem, porque primeiro eles vão fazer um estudo pra ver se
precisa mesmo com acompanhante ou não. Aí a gente espera um bom tempo
pra poder ter essa respostas.” (FAMÍLIA 05)
Temos que considerar que ainda assim muitos estão inseridos nos dois
grandes benefícios da política social contemporânea, o BPC e o Programa
Bolsa Família, o que nos leva a indagar se o suporte que o Estado oferece é
suficiente para superar a enorme desigualdade deste país. Portanto, será que
os programas existentes e os mais acessados como Passe livre, PBF, BPC são
suficientes para dar conta das demandas e necessidades de famílias que
portam necessidades especiais, no caso, com filhos adoecidos cronicamente?
Consideramos que não.
De acordo, com Lavinas e Cavalcanti (2007) apesar dos avanços da
política previdenciária e das políticas compensatórias de transferência de
renda, estes são insuficientes para a proteção da família brasileira:
As políticas (LOAS) ou programas (Bolsa-Família) que
transferem renda monetária são instrumentos ex-post de
alívio da pobreza, sujeitos à comprovação de insuficiência
de renda, e não se destinam propriamente à sustentação
das famílias, atenuando eventuais riscos. Somente os
comprovadamente pobres podem habilitar-se. Essas
transferências não se constituem, portanto, em direito,
ainda que na prática a concessão do BPC tome quase
106
sempre caráter permanente (...) Do ponto de vista da
garantia de uma renda mínima e de uma atuação
preventiva para anular riscos e reduzir sua incidência nos
grupos vulneráveis, o sistema de proteção brasileiro
continua inacabado. (LAVINAS e CAVALCANTI,
2007:250)
Os autores alertam que não há uma política de proteção à família e às
crianças que possam atuar ex-ante para dirimir os riscos decorrentes de
situações de desproteção social. Defendem que o foco não deveria estar
apenas na saída da população da extrema pobreza e sim, na proteção as
situações de risco “que podem ferir dotações e comprometer o
desenvolvimento sadio e produtivo da população” ((LAVINAS e CAVALCANTI,
2007:253)
Nesta direção que consideramos que deveria haver uma política pública
direcionada para estas famílias, com crianças e adolescentes cronicamente
adoecidos, que apesar de terem a maioria dos responsáveis com capacidade
laborativa, não usufruem de nenhum tipo de apoio no acompanhamento do
processo saúde-doença de seus dependentes.
As famílias acompanhadas no estudo são na maioria chefiadas por
mulheres que tem a sua capacidade de inserção no mercado de trabalho
comprometida. Esta é uma situação que compromete a continuidade do
sustento a esta família, que possui períodos que precisam ausentar-se do
trabalho e que apesar de ser possível a comprovação destes através das
107
declarações, relatórios e laudos da equipe de saúde, são a grande maioria,
dispensados e impedidos de continuarem trabalhando.
g) Dificuldades para a adesão e continuidade do tratamento
Para as crianças e os adolescentes que necessitam de um suporte para
reabilitação (fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional) percebemos que
estes contam com uma rede dominada por Associações e ONGs, embora
alguns também sejam atendidos na rede de saúde municipal que geralmente é
precária ou sofre por falta de vagas, ocasionando uma longa fila de espera.
Esta problemática é abordada pela famílias 02, 04 e 07:
“O acompanhamento com a fonoaudiologia, vai ser 2 vezes na semana, eu
moro em Maricá, acompanhamento em Niterói, na AFR (Associação
Fluminense de Reabilitação) em Maricá não tem estrutura pra ela, pro
tratamento que ela necessita. Lá não tem, realmente não tem” (FAMÍLIA 02)
“Ela chegou a começar (a fisioterapia), foi interrompido, porque falta muito, por
interna né, então essas vagas não ficam muito seguras, tem outras crianças.
Eles falam que não tem como, assim, é atender a todo mundo então tem outras
crianças esperando na fila. Ela tem muitas faltas, não tem condições de ficar.
Consegui na Pestalozzi em Itaboraí. Que por sinal é muito precário. (Família
04)
108
“Quando ele operou o pé torto e depois da cirurgia o médico falou que ele
tinha que fazer fisioterapia (...). ele passou as primeiras dez sessões de
fisioterapia e aí eu fui lá fazer em Itaboraí, aí quando eu cheguei lá ela me
mandou assinar as dez na folha, as dez sessões logo de uma vez só, e eu
assinei. Toda vez que eu chegava lá ela não podia fazer porque estava
ocupada, ou estava sozinha, quando ela terminava de fazer, eu acho que o
convênio, qualquer coisa, aí já tinha passado do horário, consegui fazer uma,
mas eu assinei as dez.” (FAMÍLIA 07)
Percebemos que as famílias divergem quanto a qualidade do
atendimento prestado pelas associações. Porém é consenso que a rede de
reabilitação precisa ser aprimorada. Algumas deslocam-se, pois não há
tratamento no município de origem, outras não prosseguem com o tratamento,
outras aguardam vaga para serem inseridas. O Hospital Universitário Antônio
Pedro não dispõe de equipe interdisciplinar de suporte para reabilitação voltada
para o atendimento à crianças e adolescentes tanto ambulatorialmente, quanto
durante a internação. Por isso, psicologia, fonoaudiologia, fisioterapia e terapia
ocupacional precisam ser acionados pela rede local dos usuários.
Considerarmos a invisibilidade ainda existente da necessidade de
políticas públicas específicas ou de qualificação nas já existentes para a
efetivação do atendimento integral a crianças e adolescentes cronicamente
adoecidos, entendendo o impacto que isto tem na vida destes sujeitos e de
suas famílias.
Outras dificuldades são elencadas pelas famílias:
109
Medicação e cuidados especiais:
A partir de nossa experiência prática de atendimento à estas famílias
acreditamos que a possibilidade de internações recorrentes e mais
prolongadas também está relacionada a essas condições em que o
acompanhamento e o cuidado são realizados, onde o poder público age
morosamente ou ausenta-se como no acesso a questões básicas para
manutenção do tratamento e controle da doença:
“A maior dificuldade que tenho é o remédio. O remédio que ele toma é três
tipos (...) Um eles ainda te dão. O que mais preciso eles não dão. A gente vai
no processo, leva não sei para onde para ver se leva resposta positiva. Estou
esperando vai fazer dois meses já e resposta nenhuma ainda”. (FAMÍLIA 01)
“Em casa, realmente é como lidar com a gastrostomia dela, é como lidar, é
tudo em seringa, as medicações, fica complicado até de conseguir as seringas,
as medicações dela, passar dietas. Lá (em Maricá) é muito difícil, muito
complicado, porque lá tem que fazer cadastro, tem que enfrentar fila pra fazer
cadastro, pra poder conseguir alguma coisa, é muito complicado, até pra
simples medicações é difícil, lá a maioria das coisas, tudo tem que conseguir
na justiça.” (FAMÍLIA 02)
110
Neste sentido, questionamos onde estão as respostas governamentais a
este grupo específico que demanda ações para suas situações de saúde,
incorporando tanto as ações preventivas quanto as assistenciais, já ressaltadas
por Mattos (2009).
Transporte e assistência em caso de emergência
As famílias atendidas vivem situações de tensão e desespero, com o
risco de morte de suas crianças e adolescentes por falta de efetividade do
serviço público. Aparece recorrentemente também no discurso das famílias a
preocupação com seus filhos “passarem mal à noite” e de não haver transporte
ou então de não haver assistência médica emergencial de qualidade próximo à
residência:
“Sobre o transporte, porque a gente não tem como andar de madrugada com a
criança sem ônibus, sem ambulância, porque somos pobres, não tem carro,
não conhece ninguém que tem carro, quando acha um vizinho pra trazer, então
eu acho assim, seria importante ter assim um carro. Um programa pra quando
ligar ter alguém pra trazer nosso filho, porque é muito triste, é muito triste, só a
gente sabe o que passa, quem tem um filho com anemia falciforme sabe o que
passa pelo caminho que são muitas barreiras. Já tive até taxista se comover na
rua e me trazer aqui de graça. É muito triste, é muito triste.” (FAMÍLIA 08)
111
“Onde eu moro se passar mal, ela não tem uma assistência lá, liga pra SAMU,
você fica um tempão esperando, fica tocando aquela musiquinha, você não é
atendido, demoram horas pra vir. Até lá você tem que pegar um ônibus, dar
seu jeito e socorre porque senão a criança fica lá, e lá em Itaboraí não tem a
parte da neurocirurgia, e lá é só assim, primeiros socorros e o resto tem que vir
pro Antônio Pedro, lá a parte médica pra eles é muito precária”. (FAMÍLIA 04)
Observamos, então, que estas famílias se mostram inseguras no
atendimento às situações inesperadas, quando precisariam recorrer à unidade
de saúde mais próxima, principalmente as que possuem atendimento de
emergência. Com efeito, as famílias consideram que não há estrutura para
atenderem a demanda de seu filho. Destacamos, assim, que não vem
ocorrendo a garantia da atenção nos três níveis de complexidade da
assistência, defendido por Giovanella et alli (2002) como requisito para a
atenção integral.
Alimentação
Conforme apontamos em nosso capítulo inicial a saúde possui diversos
fatores determinantes e condicionantes e a alimentação,é um destes (Lei Nº
8.080/ 1990. Título I, Art. 3º). As crianças e os adolescentes cronicamente
adoecidos precisam ter uma alimentação adequada que, inclusive, faz parte de
seu tratamento:
112
“O que muda, é que sempre tem que tá fazendo exame, ela faz exame quase
todo mês, tem sempre que tá mudando a dieta dela, que é complicada, e ela
quando começa a ficar com anemia”. (FAMÍLIA 03)
“(...) alimentação, uma coisa de necessidade. (...) um alimento que custa 52
reais que tá uma lata agora, uma lata que gasta por dia, como que eu vou
comprar com um salário mínimo?”. (FAMÍLIA 04)
“É a medicação, é o ácido fólico que tem que ser todos os dias, a alimentação
tem que ser boa”. (Família 08)
Porém as famílias relatam dificuldades em conseguirem o fornecimento
de leites especiais ou suplementos alimentares fornecidos pelo Estado, apesar
da equipe de saúde encaminhar laudo contendo relato médico, social e
nutricional:
‘Estou tendo dificuldade sobre a alimentação dela, porque eu tenho lutado, tô
desde o mês 8 lutando pra conseguir a alimentação dela e não tenho
conseguido, no caso seria para ela usar 25 latas por mês, quando vem, vem 10
do suplemento alimentar, né. Já botei na justiça e mesmo assim tá demorado,
falaram pra esperar 10 dias, tô esperando já tem quase 1 mês, e até agora não
obtive resposta nenhuma, mesmo estando no Ministério Público, é uma criança
que precisa de uma alimentação bem melhor, não pode faltar à carne, o
legume, uma fruta e tudo que é caro e a gente não tem assistência nenhuma
113
lá, em relação a nada disso. (...) Tem o CRAS, PAIF pra dizer que tem, que
assistência nenhuma a gente tem”. (FAMÍLIA 04)
O discurso da família acima demonstra que, apesar da utilização de
expedientes jurídicos, a população ainda enfrenta dificuldade em acessar um
direito básico como a alimentação. Neste sentido, reafirmamos que para a
ocorrência de uma atenção integral em saúde a ação articulada entre os
profissionais que atendem estas famílas e a articulação intersetorial entre os
serviços e políticas é imprescindível. Por isto, Giovanela et alli refere-se à
saúde como “um campo de conhecimento que exige a interdisciplinaridade e
como campo de práticas que exige a intersetorialidade”. (GIOVANELLA et alli,
2002: 45).
Descontinuidade do serviço público
Algumas crianças e adolescentes que são acompanhados por
especialidades pediátricas que são mais raras nos serviços públicos também
sofrem com a descontinuidade do atendimento na saída do profissional.
Sabemos que o serviço público está defasado em recursos humanos e está
cada vez mais terceirizando e precarizando os serviços.
Neste sentido que Mattos (2009) enfatiza a necessidade de ações
programáticas e de organização dos serviços, de forma ao tratamento não ser
interrompido subitamente sem os casos serem referenciados para outro
114
unidade de saúde de forma articulada, com uma oferta organizada dos serviços
com fluxos definidos (GIOVANELLA et alli, 2002):
“Já (tivemos que interromper o tratamento), mas porque aqui o médico fechou
e não tinha mais hematologia pediátrica e ai ficamos uns meses sem consultar
e ai como a bisa era viva ela fez um plano de saúde onde ele ficou consultando
um tempo, e aí eu corri atrás (...). Cheguei aqui já não tinha mais e eu não
sabia para onde que tinham mandado o restante dos pacientes e eu fiquei sem
saber o que fazer”. (FAMÍLIA 08)
Podemos concluir que as chances de interromper o tratamento ou de
agravamento da condição clínica de adoecimento são enormes em razão da
situação de pobreza/desigualdade social aliada a inexistência de proteção
pública adequada.
Os remédios de alto custo e uso contínuo devem ser garantidos aos
usuários do SUS, assim como leites especiais e complementos alimentares. É
o que estabelece a Lei Orgânica da Saúde e, inclusive, em nosso caso
específico o artigo 11 do Estatuto da Criança e do Adolescente,
Entretanto, o caminho da justiça tem se colocado para as famílias como
a alternativa cada vez mais recorrente. A judicialização da saúde é a face
aparente da demanda reprimida pela saúde. As Defensorias Públicas e o
Ministério Público tem se tornado portas de entrada e talvez de triagem do
acesso a Saúde, que a princípio seria universal, os processos judiciais tem
115
transformado-se em verdadeiro protocolo para liberação de medicamentos e
itens alimentícios.
h) Estratégias de enfrentamento encontradas pelas famílias
Notamos que em meio a precariedade de recursos e proteção social,
diversas estratégias são mobilizadas por estas famílias para prosseguirem com
o tratamento de suas crianças e adolescentes. Porém, é inegável que estas
famílias tem sido penalizadas várias vezes diante do descaso do Estado.
As famílias podem não suportar por muito tempo o
enfrentamento das condições impostas pela doença e seu
tratamento. As dificuldades financeiras enfrentadas
tornam a experiência de vivenciar a doença crônica na
infância ainda mais dolorosa. (SILVA et alli, 2010: 361)
Algumas recorrem a justiça, outras contam com as redes de
solidariedade (vizinhos, igreja, parentes, amigos):
" A alta dele dependia do aparelho de verificar a diabetes aí eu comprei um. A
doutora me emprestou o dela, mas eu tinha que devolver, aí eu pedi pros
amigos lá na igreja e eles compraram né pra eu pagar depois quando eu puder.
A medicação consegui. (...)O doutor (endócrino) me deu um laudo bem
116
apimentado sabe? (...) A seringa não tem, eu tenho que comprar a seringa
porque não tem. E a agulha também tem que comprar. ” (FAMÍLIA 07)
Outras famílias se apropriam, em parte, de alguns programas como as
Farmácias Populares ou Universitárias, embora reconheçam que as mesmas
só contemplam algumas medicações e, por vezes os remédios não encontram-
se para dispensação:
“Compro (os remédios) aqui na farmácia do Antônio Pedro, que é mais barato.
Teve uma época que não teve aqui, eu fui conseguir comprar numa farmácia
da Marinha no Rio, porque um conhecido meu falou que lá tinha (...). As
farmácias populares, umas tem, outras não tem e as que tem, tem que
encomendar e é 135 reais”. (FAMÍLIA 03).
“Medicação a gente corre atrás, não pode deixar de comprar, tem a farmácia
aqui que é mais barato o remédio. Tem o posto de saúde que eu fiz o cadastro
dele lá e sempre que eles me dão a receita eu consigo pegar, nem sempre
não, mas a maioria das vezes eu consigo”. (FAMÍLIA 10)
Apesar das famílias pontuarem que recorrem à inscrição em alguns
programas, freqüentarem também os postos de saúde, utilizarem os serviços
da Farmácia Popular, notamos que mesmo assim ainda acabam pagando, com
117
sacrifício, um exame ou medicação, devido a morosidade na obtenção dos
mesmos:
“Tem que arrumar dinheiro. R$ 40,00 uma caixinha com 60 comprimidos Se eu
entrar na justiça em Itaboraí vai ser a mesma demora”. (FAMÍLIA 01)
“Os remédios que a gente não consegue na Secretaria, a gente compra. Teve
um tempo antes dele vir pra cá que ele ficou mais de um mês sem tomar o
remédio, mais de um mês, um mês mais ou menos entre um pagamento e
outro, porque eu também fiquei doente e tive que comprar remédio pra mim”
(FAMÍLIA 07)
A pesquisa bibliográfica realizada já nos demonstrou a defasagem em
pensar o atendimento integral a este segmento populacional, principalmente no
âmbito do Ministério da Saúde, o que alerta-nos para uma grande contradição
tendo em vista o aumento desta demanda e o necessário planejamento das
ações de cuidado em saúde com estes sujeitos, que, em sua maioria,
necessitam de atendimento em todos os níveis de complexidade do SUS e de
uma rede de proteção social articulada.
Os resultados da pesquisa confirmam que as famílias são
responsabilizadas em prover o acesso aos serviços necessários para seus
filhos, além de prestar os cuidados que as crianças e adolescentes necessitam.
Percebemos uma sobrecarga do núcleo familiar, principalmente das mães, que
poderia ser minimizada por meio da articulação de políticas públicas voltadas
118
para este segmento populacional e da construção de fluxos e redes de
atendimento integrados que, de fato, possam atender as demandas das
famílias com crianças e adolescentes cronicamente adoecidos.
Notamos que no caso de algumas doenças a rede de saúde possui
programas específicos de atenção, como, por exemplo, a diabetes, o que
facilita o acesso ao tratamento, porém mesmo assim não é fornecido todo o
suporte necessário. Nos outros casos, a maioria das medicações ou outros
equipamentos necessários para o cuidado das crianças e dos adolescentes
cronicamente adoecidos, geralmente são acessados após uma ampla espera
por meio de um processo administrativo junto às Secretarias Municipais ou
Estaduais de Saúde ou mesmo através de processos judiciais, apesar da
construção de políticas e ações integradas já serem previstas na forma da lei:
O dever do Estado de garantir a saúde consiste na
formulação e execução de políticas econômicas e sociais
que visem à redução de riscos de doenças e de outros
agravos e no estabelecimento de condições que
assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos
serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.
(Lei Nº 8.080/ 1990, artigo 2º, § 1º)
Diante dos eixos selecionados para problematizarmos o universo da
atenção e cuidado às crianças e aos adolescentes cronicamente adoecidos e
119
dos diversos dilemas apontados por suas famílias destacamos que a atenção
integral neste cenário de desigualdade social no qual vivemos necessariamente
só pode ocorrer quando há ação do Estado fornecendo proteção social às
famílias, e prioritariamente, às crianças e aos adolescentes.
120
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A discussão sobre a doutrina da proteção integral definida no Estatuto
da Criança e do Adolescente reforça a necessidade de implementação da
intersetorialidade. São concepções complementares para orientar o
atendimento da infância na área da saúde.
Neste trabalho priorizamos um dos sentidos da integralidade, que
consideramos ser o acesso aos diferentes níveis de serviços e de políticas
públicas que atendam as necessidades plurais e particulares destes indivíduos
e de suas famílias, entendendo que estas contribuem para a promoção de sua
saúde.
Portanto, precisamos atentar que as batalhas no acesso e na
continuidade do tratamento à saúde e a outras políticas sociais ainda ocorrem
na esfera individual e as possibilidades existentes para a efetivação dos
princípios e diretrizes do SUS só se concretizarão a partir de uma articulação
entre as políticas sociais e econômicas que propiciem o atendimento as
necessidades de saúde e de reprodução social dos sujeitos singulares.
Para pensarmos o atendimento integral a estas crianças e aos
adolescentes e as suas famílias, precisamos avaliar as condições concretas de
vida, a situação sócio-econômica, sua inserção na comunidade e as redes de
solidariedade no acompanhamento ao tratamento, ou seja precisamos enfatizar
sua proteção social.
Portanto, os determinantes sociais da saúde são a todo tempo
considerados, evidenciando a necessidade de uma articulação intersetorial
121
para (re) pensar o atendimento em saúde, considerando elementos
fundamentais como alimentação, habitação, educação, renda/trabalho/emprego
e transporte, para a concretização da integralidade.
Consideramos que a falta destes condicionantes, dentre outros,
repercute na dificuldade de continuidade do tratamento. Dessa forma, os
usuários dos serviços de saúde, permanecem mais tempo internados ou com
maior número de internações por dependerem de garantias de aparatos e
políticas que poderiam permitir a transformação desta realidade, contribuindo
para uma redução do tempo de hospitalização e para a melhoria de sua
qualidade vida.
A pesquisa buscou contribuir com um diagnóstico da situação e
realidade das famílias com crianças e adolescentes cronicamente adoecidos e
percebemos que há dilemas para que responsáveis e seus filhos e filhas
consigam participar continuamente de espaços essenciais como o trabalho e a
escola, tendo suas trajetórias interrompidas de diferentes formas.
As entrevistas reforçam que as famílias permanecem sobrecarregadas
no cuidado e na proteção aos seus membros. As mulheres, principalmente, são
as “cuidadoras” principais e possuem uma inserção precária ou não estão
inseridas em um trabalho formal. Políticas de amparo e proteção social aos
trabalhadores, emprego protegido e com direitos sociais poderiam fornecer a
estas famílias maior tranquilidade no cuidado e acompanhamento do
tratamento de seus filhos e filhas.
Observamos também que as suas necessidades referentes à aquisição
de medicações e insumos demoram a ser atendidas e por vezes as famílias
122
não conseguem a dispensação. O Estado omite-se ou impõe burocracias que
dificultam o atendimento destas famílias nos serviços públicos e o recebimento
de benefícios sociais.
A rotina familiar torna-se desgastante devido aos inúmeros protocolos de
marcação e solicitação de exames, processos administrativos para aquisição
de insumos e medicações e por vezes atendimentos em diferentes unidades de
saúde que geralmente são distantes da residência destes usuários.
Outro ponto relevante posto para a integralidade da atenção aos
pacientes cronicamente adoecidos é debatermos a organização dos serviços
evitando a descontinuidade do cuidado em virtude de falta de especialidades,
aprimorando a referência e a contrarreferência, assim como a dificuldade na
obtenção de exames, marcação de consultas e demora para o atendimento.
Reforçamos que para isto ser alcançado, a intervenção do Estado e do
sistema de garantia de direitos é fundamental, assim com a participação da
rede familiar e social. Salientamos o enorme desafio na atual conjuntura
neoliberal, onde a base das relações sociais passa a ser a mercantilização, a
descoletivização e despolitização de direitos, num contexto de agravamento
das expressões da “questão social”. (BEHRING e BOSCHETTI, 2006).
Como trabalhadores do SUS, em busca da concretização do
atendimento integral, devemos também reavaliar nossas práticas, exercitar
nossa escuta atentando para as necessidades da população usuária dos
serviços de saúde. Se restringirmos nossas “boas práticas” ao alcance da cura
da doença, renegamos a relevância do processo de construção de vínculos
123
com os mesmos e do aprendizado no cuidado, principalmente nestes casos
onde não há perspectiva de cura atualmente.
Os entraves no acesso e/ou efetivação/ implementação das políticas
públicas também foi acompanhado através de observação participante das
principais questões levantadas e recorrentes no espaço do Fórum Ampliado de
Políticas de Promoção da Saúde de crianças e adolescentes com Doenças
Crônicas e Deficiências e suas famílias, que envolveu profissionais e famílias,
onde foi possível ouvirmos também as instituições ali representadas e as
questões destacadas
O Fórum só conseguiu organizar dois encontros o que demonstra a
dificuldade em construir e manter um espaço coletivo e organizado para
conquistas na esfera dos direitos de cidadania. Porém, foi um marco na
mobilização para discutirmos as lacunas das políticas e as urgências no
atendimento às necessidades de saúde destas crianças, adolescentes e suas
famílias
Consideramos importante aprofundar os estudos sobre esta temática,
que possui como proposta fundamental afirmar que as crianças e os
adolescentes com doenças crônicas constituem uma demanda expressiva para
a formulação e a implementação de políticas públicas equitativas18que
amparem a estas e suas famílias, contribuindo para a promoção de sua saúde
e para uma vida com qualidade e, se possível, o maior tempo fora dos limites
do hospital.
18 Ver MENDONÇA, M. H. M. O desafio da política de atendimento à infância e adolescência na
construção de políticas públicas eqüitativas. In: Cadernos de Saúde Pública nº 18, Rio de Janeiro, 2002.
(suplemento) p. 113-120.
124
Desta forma, o presente trabalho justifica-se devido à invisibilidade ainda
existente da necessidade de políticas públicas específicas ou de
aperfeiçoamento nas já existentes para a efetivação do atendimento integral a
crianças e adolescentes com doenças crônicas, entendendo o impacto que isto
tem na vida destes sujeitos e de suas famílias.
A partir da realidade apresentada, verificamos que as possibilidades
existentes para a efetivação dos princípios e diretrizes do SUS só se
concretizarão a partir de uma articulação entre as políticas sociais e
econômicas que propiciem o atendimento as necessidades de saúde e de
reprodução social dos sujeitos.
Inegavelmente, avançamos na criação de algumas leis, porém ainda há
dificuldade em aplicá-las. Outras não atendem amplamente as necessidades
específicas destes sujeitos, como o Vale Social, por exemplo. Em nossa
perspectiva estes benefícios funcionariam se estivessem articulados a outras
alternativas como maior investimento em transportes próprios da saúde para
atendimento ambulatorial, maior eficiência no atendimento às chamadas de
urgência, etc.
Concluímos que há muito para avançarmos para o atendimento integral
estabelecer-se no SUS. Se compreendermos que as batalhas no acesso e
continuidade do tratamento à saúde ainda travam-se na esfera individual,
assim como no âmbito de outras políticas públicas, as possibilidades existentes
para a efetivação dos princípios e diretrizes do SUS só se concretizarão a partir
de uma articulação entre as políticas sociais e econômicas que propiciem o
125
atendimento as necessidades de saúde e de reprodução social dos sujeitos em
desenvolvimento.
Desta forma, apontamos que não podemos avaliar adesão e
continuidade ao tratamento se não aferirmos se o poder público fornece as
condições concretas destas famílias atenderem as necessidades de saúde de
suas crianças e adolescentes.
Compreendemos a relevância social da elaboração de políticas públicas
diferenciadas para atender as necessidades dos diversos segmentos
populacionais e suas especificidades, com a cautela de não incentivarmos a
fragmentação da atenção em saúde o que viria de encontro à nossa defesa
sobre a necessidade da implementação da integralidade e da atenção
ampliada em saúde, para tanto é primordial a construção de políticas mais
igualitárias e de sistemas e de práticas de saúde mais êquanimes.
126
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BEHRING, E. R. Brasil em contra-reforma – desestruturação e perda de
direitos. SP: Cortez, 2008
BIRMAN, J. Os sentidos da Saúde. In: Physis:Revista Saúde Coletiva, Rio de
Janeiro, 9, p.7-12, 1999.
BRASIL. LEI Nº 8.080/ 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção,
proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos
serviços correspondentes e dá outras providências. Brasília, 19 de setembro de
1990.
__________. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei nº 8.069 de 03 de julho
de 1990.
__________. Agenda de Compromissos para a Saúde Integral da Criança e
Redução da Mortalidade Infantil. Brasília: Ministério da Saúde, 2004.
_________. Relatório final da 8ª Conferência Nacional. Brasília: Ministério da
Saúde, 1986
_________. Resolução nº 196 de 10 de outubro de 1996. Brasília, Conselho
Nacional de Saúde, 1996
127
_________. Resolução nº 02 de 15 de agosto de 2001. Institui Diretrizes
Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. Brasília, Conselho
Nacional de Educação, 2001.
__________. “A Saúde de adolescentes e jovens: uma metodologia de auto-
aprendizagem para equipes de atenção básica de saúde: módulo avançado”.
Brasília: Ministério da Saúde, 2002
__________. Programa Bolsa Família: Agenda da família. Brasília: Ministério
do Desenvolvimento e Combate à Fome, 2010.
CAMARGO JR, K. R. de. “Das necessidades de saúde à demanda socialmente
construída”. In: Pinheiro, R. e Mattos, R. A. de (orgs.).Construção social da
demanda – direito à saúde, trabalho em equipe, participação e espaços
públicos. RJ: CEPESC, IMS/UERJ/ABRASCO, 2010. 2ª edição.
CAMPOS, G. W. S. e DOMITTI, A. C. “Apoio matricial e equipe de
referência:uma metodologia para gestão do trabalho em saúde”. In: Cadernos
de Saúde Pública, nº 23 (2), RJ, fev, 2007
CARDOSO, C. A. A. Perfil epidemiológico dos pacientes internados nas
enfermarias de Pediatria do Hospital Universitário Antônio Pedro da
Universidade Federal Fluminense (HUAP-UFF). Projeto de Pesquisa, 2009.
128
CARVALHO, I. M. M. de e ALMEIDA, P. H. Família e Proteção social. In: São
Paulo em perspectiva, 17 (2): 109-122, 2003.
CECÍLIO, L.C. de O. “As necessidades de saúde como conceito estruturante na
luta pela integralidade e eqüidade na atenção em saúde”. In: PINHEIRO, R. e
MATTOS, R. A. de. Os Sentidos da Integralidade na atenção e no cuidado à
saúde. Rio de Janeiro, 2009. 8ª edição.
CECCIM, R. B. e FEURWERKER, L. C. “Mudança na Graduação das
profissões de saúde sob o eixo da integralidade”. Cadernos de Saúde Pública.
Rio de Janeiro, 20/5, 2004.
COELHO, T. D. A. A atenção integral às crianças e adolescentes em uma
unidade de saúde: Possibilidades e Limites. Monografia de especialização.
Faculdade de Serviço Social/UERJ, julho/2009.
COLLET, N. e ROCHA, S. M. M. Criança hospitalizada: mãe e enfermagem
compartilhando o cuidado. Revista Latino-Americana de Enfermagem [online],
2004, vol.12, n.2, pp. 191-197.
CONILL, E. M. “Avaliação da integralidade: conferindo sentido para os pactos
na programação de metas dos sistemas municipais de saúde”. In: Cad. Saúde
Pública, Rio de Janeiro, 20(5):1417-1423, set-out, 2004
129
COSTA, A. M et alli. Intersetorialidade na produção e promoção da saúde. In:
CASTRO, A. e MALO, M (orgs.) SUS: ressignificando a promoção da saúde.
São Paulo: Ed. HUCITEC/ OPAS, 2006.
DESLANDES, S.F. e GOMES, R. A pesquisa qualitativa nos serviços de saúde:
notas teóricas. In: BOSI, M.L.M., MERCADO, F.J. (orgs.) A pesquisa qualitativa
de serviços de saúde. Petrópolis: Vozes, 2004. p.99-120.
FALEIROS, V. de P. Infância e processo político no Brasil. In: RIZZINI, I. e
PILOTTI, F. (orgs.). A arte de governar crianças: a história das políticas sociais,
da legislação e da assistência à infância no Brasil. São Paulo: Cortez, 2009. 2ª
edição. P. 33-96.
GIOVANELLA, L. et alli. Sistemas municipais de saúde e a diretriz da
integralidade da atenção: critérios para avaliação. In: Ver. Saúde em debate,
RJ, v. 26, n. 60, p. 37-61, jan/abr. 2002
GOMES, R. Pesquisa Qualitativa em Saúde. IFF/FIOCRUZ. Pós Graduação
em Saúde da Criança e da Mulher. Material didático, 1º semestre 2010.
IAMAMOTO, Marilda. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e
formação profissional. 13 ed. São Paulo: Cortez, 2007
130
HORTA, N. de C. e SENA, R. R. de. Abordagem ao adolescente e ao jovem
nas políticas públicas de saúde do Brasil: um estudo de revisão. In: Revista
Physis, Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 20 [ 2 ]: 475-495, 2010
NUNES, E. D. “Saúde Coletiva: história de uma idéia e de um conceito”. In:
Revista Saúde e Sociedade, 3/4, São Paulo, 1994.
MATTOS, R. A. de. Os sentidos da integralidade: algumas reflexões acerca de
valores que merecem ser defendidos. In: PINHEIRO, R. e MATTOS, R. A. de.
Os Sentidos da Integralidade na atenção e no cuidado à saúde. Rio de Janeiro:
IMS/UERJ, ABRASCO, 2009. 8ª edição.
_______________. “A integralidade na prática (ou sobre a prática da
integralidade)”. In: Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 20(5):1411-1416, set-
out, 2004
_______________. “Direito, necessidades de saúde e integralidade”. In:
PINHEIRO, R. e MATTOS, R. A. de (orgs.).Construção social da demanda –
direito à saúde, trabalho em equipe, participação e espaços públicos. RJ:
CEPESC, IMS/UERJ/ABRASCO, 2010. 2ª edição.
MACHADO, S. P e KUCHENBECKER, R. Desafios e perspectivas futuras dos
hospitais universitários no Brasil. In: Ciênc. saúde coletiva v.12 n.4 Rio de
Janeiro jul./ago. 2007
131
MAZZOTA, M. J. da S. Reflexões sobre inclusão com responsabilidade. In;
Revista @ambienteeducação. São Paulo, v. 1, n. 2, p. 65-168, ag/dez, 2008
MENDONÇA, M. H. M. O desafio da política de atendimento à infância e
adolescência na construção de políticas públicas eqüitativas. In: Cadernos de
Saúde Pública nº 18, Rio de Janeiro, 2002. (suplemento) p. 113-120.
MOURA, M. H. D. de. São muitos os remédios para os males dessa vida:
análise de recursos terapêuticos a partir da doença crônica na infância. Tese
de doutorado. UERJ/Instituto de Medicina Social. Rio de Janeiro, 2001.
MERHY, E. E. , ZANOLLI, M. de L. A pediatria social e suas apostas
reformistas. In: Ciência & Saúde Coletiva, RJ, 2006.
MINAYO, M.C.S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde.
São Paulo: Hucitec, 2006. p.20-80.
MIOTO, R. Família e políticas sociais. In: Boschetti, I. Behring, E, Santos, S. e
Mioto, R. (orgs.) Política social no capitalismo: tendências contemporâneas.
SP: Cortez, 2008.
NÓBREGA, V.M.; COLLET, N., SILVA, K.L., COUTINHO, S.E.D. Rede e apoio
social das famílias de crianças em condição crônica. Rev. Eletrônica de
132
Enfermagem, 2010;12(3):431-40. Disponível em:
http://www.fen.ufg.br/revista/v12/n3/v12n3a03.htm. Acesso em 15 de junho de
2011.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Cuidados inovadores para condições
crônicas: componentes estruturais de ação – Relatório Mundial. Brasília, 2003.
Disponível em www.opas.org.br. Acesso em 14 de julho de 2010.
PINHEIRO, R. e CAMARGO JR, K. R.. “Modelos de Atenção à Saúde:
Demanda Inventada ou Oferta Renovada? Algumas considerações sobre
Modelos de Intervenção Social em Saúde”.In: Physis – Revista de Saúde
coletiva, vol. 10, n. 1, 2000.
PINHEIRO, R., FERLA, A. e JÚNIOR, A. G. DA S. A integralidade na
atenção à saúde da população. Ciênc. saúde coletiva vol.12 n°.2. Rio
de Janeiro, mar./abril, 2007.
SILVA, M.A.S.; COLLET, N; SILVA, K de L., MOURA, F.M. Cotidiano da família
no enfrentamento da condição crônica na infância. In: Revista Acta Paul
Enfermagem 2010;23(3):359-65. Acesso em: 15 de junho de 2011.
STOTZ, E. N. Enfoques sobre educação e saúde. Rio de Janeiro, mimeo.
Acesso obtido no endereço eletrônico: http://www.ensp.fiocruz.br/portal-
133
ensp/_uploads/documentos-pessoais/documento-pessoal_10993.pdf. Acesso
em junho de 2010.
VILAÇA MENDES, E. As Políticas de Saúde no Brasil nos anos 80: a
conformação da reforma sanitária e a construção da hegemonia do projeto
neoliberal. In: Distrito Sanitário: O processo social de mudança das práticas
sanitárias do Sistema Único de Saúde. São Paulo- Rio de Janeiro: HUCITEC-
ABRASCO, 1994
PINHEIRO, R. As Práticas do Cotidiano na Relação Oferta e Demanda dos
Serviços de Saúde: um campo de estudo e construção da integralidade. In:
PINHEIRO, R. e MATTOS, R. A. de. Os Sentidos da Integralidade na atenção e
no cuidado à saúde. Rio de Janeiro: IMS/UERJ, ABRASCO, 2009. 8ª edição.
RAICHELIS, R.. “O trabalho do assistente social na esfera estatal”. In: Serviço
Social: Direitos Sociais e Competências Profissionais. Curso de especialização
lato sensu à distância. CFESS/ABEPSS/UnB/CEAD, 2009.
RIZZINI, I. e PILOTTI, F. (orgs.). A arte de governar crianças: a história das
políticas sociais, da legislação e da assistência à infância no Brasil. São Paulo:
Cortez, 2009. 2ª edição.
SOUZA, S. P. S de. A repercussão da febre reumática e da cardiopatia
reumática na vida de crianças e adolescentes: o movimento entre sentir-se
134
saudável e sentir-se doente. Tese de doutorado. USP/ Escola de Enfermagem.
Rio de Janeiro, 2001.
THAINES, G. H. de L. S.; BELLATO, R.; FARIA, A. P. S. de e ARAÚJO, L. F.S.
de. “A busca por cuidado empreendida por usuário com diabetes mellitus - um
convite à reflexão sobre a integralidade em saúde”. In: Revista Texto Contexto
Enfermagem, Florianópolis, 2009 Jan-Mar; nº 18(1), p 57-66.
VASCONCELOS, A. M. de. A prática do Serviço Social: cotidiano, formação e
alternativas na área da saúde. São Paulo: Cortez, 2007. 5ª edição
VELARDE, L. G. C. Noções de bioestatística. S.d. mimeo
VIEIRA, M. A. e LIMA, R. A. G. de. Crianças e adolescentes com doença
crônica: convivendo com mudanças. In: Revista Latino-Americana de
Enfermagem [online]. 2002, vol.10, n.4, pp. 552-560
ZANOLLI, M. L. e MERHY, E. E. A pediatria social e suas apostas reformistas.
In: Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, n° 17 (4), 977-987, 2006.
135
ANEXO I
Roteiro de Entrevista
Entrevista feita com: ( ) pai ( )mãe ( ) responsável legal - vínculo:
_____________
Dados de Identificação da criança/ do adolescente
Data de Nascimento: ___/___/____ Idade: ________ ano (s)
Sexo: ( )F ( )M
Enfermaria: ( )Lactentes ( ) Pré-escolares ( ) Escolares
Diagnóstico:
_______________________________________________________________
Tempo do diagnóstico: ____________
Tipo de tratamento demandado:
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
Houve interrupção? ( ) Sim ( ) Não
Caso sim, motivo.
136
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
A criança/ o adolescente é acompanhado (a) por quais especialidades?
( ) Pneumologista ( )Hematologista ( ) Neurologista ( ) Gastroenterologista ( )
Reumatologista ( ) Imunologista ( ) Cardiologista ( ) Infectologista ( )
Psiquiatra ( ) Outra ____________________
Existem dificuldades para vir às consultas? ( ) Sim ( ) Não
Caso tenha, quais?
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
Data da última internação: __/__/__ Quantas internações anteriores?
______________________
Como a família lida com a internação e/ou o tratamento?
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
Qual a principal dificuldade vivenciada no cotidiano de seu filho/ sua filha em
virtude da condição crônica?
137
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
Considera que seu filho/ sua filha é assistido por alguma política pública?
( ) Sim ( ) Não
Quais? ( ) Saúde ( ) Assistência Social ( ) Previdência Social ( )Educação
( )Habitação ( )Transporte ( )Lazer
( )Outra __________________________________________________
Estuda? ( ) Sim ( ) Não
Caso sim, relatar experiência, Caso não justificar o motivo.
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
Recebe algum benefício? ( ) Sim ( ) Não
Caso afirmativo, como foi para adquiri-lo? Caso não, justificar o motivo.
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
Participa de algum programa ou serviço? ( ) Sim ( ) Não
Com qual finalidade? Como avalia a qualidade do serviço?
138
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
É atendido por outras instituições? ( ) Sim ( ) Não
Em qual área?
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
Como conseguiu atendimento nestas instituições/ programas?
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
139
ANEXO II
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Título do Projeto:
O desafio da atenção integral a Crianças e adolescentes com doenças
crônicas: necessidades de saúde e políticas públicas
Pesquisador Responsável:
Emilly Pereira Marques
Instituição a que pertence o Pesquisador Responsável: Hospital Universitário
Antônio Pedro - UFF/ Universidade Estadual do Rio de Janeiro - UERJ
Telefones para contato: (021) 2629-9192
O Sr/ A Srª está sendo convidado (a) a participar desta pesquisa porque
possui um filho/uma filha com doença crônica e que já esteve internado (a) na
enfermaria de Pediatria do Hospital Universitário Antônio Pedro. A
pesquisadora encarregada do estudo neste serviço é a Assistente Social
Emilly Pereira Marques. Antes de decidir se você quer participar deste estudo,
nós queremos que você tenha informações sobre ele.
Este é um termo de consentimento que lhe dá informações sobre esse
estudo. Você pode fazer perguntas sobre o estudo quando quiser. Se você
decidir participar deste estudo, lhe será pedido que assine o termo de
consentimento. Você receberá uma via do consentimento, que poderá levar
para casa e guardá-la com você.
140
É importante que fique claro que sua participação é completamente
voluntária, ou seja, só participa se quiser. Se você decidir que não vai participar
deste estudo, o seu filho (a sua filha) continuará recebendo o mesmo
tratamento no serviço, sem prejuízo na sua assistência. Você também terá total
liberdade de se retirar durante o estudo, mesmo que tenha sido autorizada
anteriormente a sua participação, sem qualquer prejuízo para o seu filho (a sua
filha).
Este projeto pretende estudar as condições crônicas na infância e
adolescência, suas necessidades de saúde e os problemas enfrentados por
vocês - você e seu (sua) filho (a) - no acesso aos direitos fundamentais, as
políticas e aos serviços públicos.
Realizaremos entrevistas com vocês, famílias já acompanhadas pelo
serviço social da pediatria, que possuem crianças e adolescentes em
tratamento continuado que precisou de algum período de internação. Estas
entrevistas serão gravadas, a partir do consentimento do entrevistado e depois
transcritas, sendo utilizadas em parte na minha monografia de conclusão da
pós graduação em Serviço Social e Saúde da UERJ e podendo ser utilizadas
em artigos científicos ou apresentação de trabalhos.
Todos os seus dados e de seu filho (sua filha) permanecerão em
segredo. Se você concordar em participar e assinar o documento de
consentimento, sua entrevista receberá um número de identificação e todas as
informações serão identificadas apenas por esse número. Somente a equipe
do estudo saberá que as informações são do seu filho (sua filha).
141
Esperamos poder ajudar na avaliação das políticas públicas existentes,
verificando se estas contemplam as necessidades de saúde das crianças e
adolescentes e suas famílias e apontando as principais dificuldades na
continuidade de seu tratamento e na sua vida cotidiana.
Não há custos para você participar da entrevista da pesquisa. As
perguntas serão respondidas durante o tempo em que seu filho (sua filha)
estiver internado ou vier a alguma consulta no hospital. Também não há
qualquer tipo de pagamento por participar deste estudo.
Você levará uma cópia deste termo de consentimento, após o
esclarecimento pela equipe do estudo de todas as informações contidas aqui.
Em caso de perguntas sobre este estudo, contate: Emilly Pereira Marques tel:
2629-9192
Eu, __________________________________________, RG nº
_______________________, responsável legal por
____________________________________, declaro ter sido informado e
concordo com a sua participação, como voluntário, no projeto de pesquisa
acima descrito.
Niterói, _____ de ____________ de _______
____________________________________________
Nome e assinatura do responsável legal pelo(a) paciente
____________________________________
Nome e assinatura do responsável por obter o consentimento
Recommended