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Série Pensando o Direito Nº 13/2009 – versão integral
Convocação 01/2007 Federalismo
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Faculdade de Direito Programa de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico
Coordenação Acadêmica
André Ramos Tavares Christina de Almeida Pedreira
Gilberto Bercovici José Francisco Siqueira Neto José Maria Arruda Andrade
Susana Mesquita Barbosa
Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça (SAL) Esplanada dos Ministérios, Bloco T, Edifício Sede – 4º andar, sala 434
CEP: 70064-900 – Brasília – DF www.mj.gov.br/sal
e-mail: sal@mj.gov.br
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
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CARTA DE APRESENTAÇÃO INSTITUCIONAL
A Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça (SAL) tem por objetivo institucional a preservação da ordem jurídica, dos direitos políticos e das garantias constitucionais. Anualmente são produzidos mais de 500 pareceres sobre os mais diversos temas jurídicos, que instruem a elaboração de novos textos normativos, a posição do governo no Congresso, bem como a sanção ou veto presidencial.
Em função da abrangência e complexidade dos temas analisados, a SAL formalizou, em maio de 2007, um acordo de colaboração técnico-internacional (BRA/07/004) com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que resultou na estruturação do Projeto Pensando o Direito.
Em princípio os objetivos do Projeto Pensando o Direito eram a qualificação técnico-jurídica do trabalho desenvolvido pela SAL na análise e elaboração de propostas legislativas e a aproximação e o fortalecimento do diálogo da Secretaria com a academia, mediante o estabelecimento de canais perenes de comunicação e colaboração mútua com inúmeras instituições de ensino públicas e privadas para a realização de pesquisas em diversas áreas temáticas.
Todavia, o que inicialmente representou um esforço institucional para qualificar o trabalho da Secretaria, acabou se tornando um instrumento de modificação da visão sobre o papel da academia no processo democrático brasileiro.
Tradicionalmente, a pesquisa jurídica no Brasil dedica-se ao estudo do direito positivo, declinando da análise do processo legislativo. Os artigos, pesquisas e livros publicados na área do direito costumam olhar para a lei como algo pronto, dado, desconsiderando o seu processo de formação. Essa cultura demonstra uma falta de reconhecimento do Parlamento como instância legítima para o debate jurídico e transfere para o momento no qual a norma é analisada pelo Judiciário todo o debate público sobre a formação legislativa.
Desse modo, além de promover a execução de pesquisas nos mais variados temas, o principal papel hoje do Projeto Pensando o Direito é incentivar a academia a olhar para o processo legislativo, considerá-lo um objeto de estudo importante, de modo a produzir conhecimento que possa ser usado para influenciar as decisões do Congresso, democratizando por conseqüência o debate feito no parlamento brasileiro.
Este caderno integra o conjunto de publicações da Série Projeto Pensando o Direito e apresenta a versão na íntegra da pesquisa denominada Federalismo, conduzida pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Dessa forma, a SAL cumpre seu dever de compartilhar com a sociedade brasileira os resultados das pesquisas produzidas pelas instituições parceiras do Projeto Pensando o Direito.
Pedro Vieira Abramovay Secretário de Assuntos Legislativos do Ministério o da Justiça
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CARTA DE APRESENTAÇÃO DA PESQUISA
Nas últimas décadas, observou-se um avanço considerável da pesquisa em humanidades, com a implementação de grupos de estudo e a realização de pesquisas de pós-graduação, com o objetivo de discutir com profundidade os conceitos basilares do Estado Contemporâneo. Percebeu-se que o acervo da “tecnologia jurídica”, ou seja, a pesquisa na área de Direito, não acompanhou este processo ou, ainda, não se renovou. Sabe-se que a renovação das técnicas e a ressignificação de conceitos e princípios na área jurídica gera excelentes conseqüências na reflexão necessária para garantir a operacionalização, o desenvolvimento e a própria manutenção de um sistema de justiça eficaz e eficiente.
Essa renovação reflexiva faz-se, sobremaneira, por meio da pesquisa acadêmica. A pesquisa constitui-se como parte integrante fundamental da Universidade Brasileira, configurando como um dos tripés indispensáveis da Educação (art. 207 CF) e instrumento privilegiado de evolução e participação efetiva da comunidade acadêmica no desenvolvimento social, cultural, político e econômico do país.
Além disso, a integração proporcionada por uma pesquisa acadêmica entre pesquisadores, discentes, sociedade e órgãos públicos apresenta-se como uma justa e eficaz parceria para o aprofundamento teórico-prático da ciência e para a realização da responsabilidade social da Universidade.
A Universidade Presbiteriana Mackenzie vêm investindo na pesquisa na área jurídica desde a criação de seu curso de Direito, na década de 1950. Entretanto, foi com a criação da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito e com a implementação de diversos grupos de pesquisa CNPq que esta atividade ganhou fôlego e se consolidou no ambiente acadêmico. Dentre os diversos grupos de pesquisa CNPq, encontra-se o grupo “Estado e Economia” que tem por objetivo compreender o papel central do Estado nas explicações sobre política e mudança social e nas articulações com seus princípios fundamentais (Democracia. Federalismo, Soberania e Cidadania) respeitando a historicidade inerente às estruturas sócio-políticas e buscando entender as implicações do nível nacional de desenvolvimento em um contexto mundial de mudanças, analisando-se as regularidades e as (des) continuidades estruturais dos Estados modernos..
No ano de 2007, o Grupo de Pesquisa se inscreveu no Edital 01/07 do Projeto “Pensando o Direito” da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, com o propósito de realizar um estudo aprofundado sobre o Federalismo Brasileiro e sua competência administrativa e legislativa, visando fornecer à sociedade brasileira um estudo teórico-prático que pudesse auxiliar órgãos governamentais em seus processos decisórios.
Para o projeto “Pensando o Direito”, nossa proposta de pesquisa teve como enfoque o estudo sobre os limites da competência legislativa e administrativa da União, em especial nos casos de competência concorrente e de competência comum no estabelecimento normas gerais, por meio da observação da evolução normativa do mapeamento doutrinário e jurisprudencial sobre questões referentes ao Federalismo nacional Esse estudo desmembrou-se e exigiu dos pesquisadores uma análise um pouco mais detalhada do próprio modelo de Estado Federativo implementado no Brasil.
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A crença de que a análise das normas, doutrinas e jurisprudência relativas ao conflito e/ou limites de competência dos entes federativos se revela como elemento essencial para o processo de transformação social e para o entendimento e caracterização dos limites jurídicos do Estado Democrático de Direto é que motivou a realização dessa pesquisa, cuja temática é de extrema relevância para a Sociedade e para os estudos em Direito.
Acreditamos que com essa pesquisa, o grupo “Estado e Economia” da Universidade Presbiteriana Mackenzie, pôde contribuir para a consolidação e ampliação da análise do conceito de Federalismo pois uma adequada compreensão das próprias competências não é apenas um problema de “poder”, de “quantidade de atribuições e grau de autonomia”, de “descentralização” ou de “repartição de finanças”, mas, sim, uma questão de deveres, cujo descumprimento pode gerar “imputações” sociais, econômicas e jurídicas.
São Paulo, outubro de 2009.
Gilberto Bercovici Coordenador Acadêmico
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RELATÓRIO FINAL DE PROJETO DE PESQUISA
PROJETO PENSANDO O DIREITO
“FEDERALISMO NO BRASIL:
LIMITES DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA E
ADMINISTRATIVA”
SÃO PAULO
2007
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ANDRÉ RAMOS TAVARES
CHRISTINA DE ALMEIDA PEDREIRA
GILBERTO BERCOVICI
JOSÉ FRANCISCO SIQUEIRA NETO
JOSÉ MARIA ARRUDA ANDRADE
SUSANA MESQUITA BARBOSA
“FEDERALISMO NO BRASIL:
LIMITES DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA E
ADMINISTRATIVA”
Relatório Final da Pesquisa “Projeto
Pensando o Direito: Federalismo no Brasil:
limites da competência administrativa e
legislativa” desenvolvida no Convênio
Mackenzie/PNUD/SAL-MJ sob a
Coordenação do Prof. Dr. Gilberto
Bercovici.
SÃO PAULO
2007
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1. IDENTIFICAÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA
1) Solicitante: Programa das Nações Unidas (PNUD) e Secretaria de Assuntos Legislativos
(SAL) do Ministério da Justiça
2) Título do Projeto: Projeto Pensando o Direito: FEDERALISMO NO BRASIL:
LIMITES DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA E
ADMINISTRATIVA
3) Unidade: Programa de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico da Faculdade
de Direito da UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
4) Área de Conhecimento: Ciências Sociais Aplicadas – Direito.
5) Linha de Pesquisa: Poder Econômico e seus limites jurídicos
6) Grupo de Pesquisa CNPq: Estado e Economia
7) Professor Líder: Prof. Dr. Gilberto Bercovici
8) Professores Pesquisadores: Prof. Dr. André Ramos Tavares
Profª. Drª. Christina de Almeida Pedreira
Prof. Dr. José Francisco Siqueira Neto
Prof. Dr. José Maria Arruda de Andrade
9) Pesquisador Colaborador: Profª. Ms. Susana Mesquita Barbosa
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2. RELATÓRIOS DE ATIVIDADES DOS PESQUISADORES
2. 1. Gilberto Bercovici e José Francisco Siqueira NEto
a) TEMA GERAL: O debate sobre a repartição de competências federativas no Brasil.
b) OBJETIVO/PROPOSTA DE PESQUISA
O objetivo central desta pesquisa é apresentar um estudo sobre os limites da
competência legislativa e administrativa da União, em especial nos casos de competência
concorrente e competência comum, no estabelecimento normas gerais, possibilitando a
comparação das três partes do conhecimento jurídico, a fim de propiciar uma análise ampla e
precisa do processo de reconhecimento, sistematização e consolidação deste conhecimento.
Para que este objetivo seja alcançado, foram estabelecidos os seguintes objetivos
específicos – intermediários:
Realizar um levantamento das principais correntes doutrinárias sobre os limites
de competência e sobre a natureza do Federalismo, apresentando suas linhas
gerais e posições defendidas;
Realizar um levantamento da evolução normativa referente ao tema, destacando-
se os marcos constitucionais e as normas infraconstitucionais de maior
relevância;
Identificar e analisar as decisões jurisprudenciais sobre temas centrais, a partir
de critérios a serem estabelecidos;
Analisar os resultados obtidos, a partir do cruzamento das conclusões
desenvolvidas em cada um dos aspectos estudados.
Para a concretização dos objetivos, as atividades de pesquisa foram re-organizadas e
divididas em sub-temas assim dispostos:
1) Sub-tema 01: O debate sobre a repartição de competências federativas no Brasil
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2) Sub-tema 02: Jurisprudência do STF quanto à competência concorrente: análise
crítica e sistemática.
3) Sub-tema 03: Competência Concorrente e a Definição de Normas Gerais.
4) Sub-tema 04: Repartição das competências comuns, de natureza administrativa,
entre os entes federativos.
c) PRINCIPAIS ATIVIDADES DE PESQUISA DESENVOLVIDA NO PERÍODO
c.1) . Atividades Administrativas
As atividades administrativas realizadas na primeira etapa do projeto foram:
1) Em 03/08/2007: Reunião com os Drs. PedroVieira Abramovay e Felipe de Paula
(Secretaria de Assuntos Legislativos/MJ) e com a Assessoria Jurídica da UPM para
formalização do Resultado do Edital e primeiras providências documentais.
2) Em 06/08/2007: Reunião com pesquisadores do grupo de pesquisa para
organização do cronograma e repartição dos temas e das atividades.
3) Mês de agosto: Confecção e conclusão dos instrumentos jurídicos relativos ao
Convênio com o Mackenzie, com a participação da Assessoria Jurídica do Mackenzie.
4) Em 03/09/2007: Assinatura do Convênio na Reitoria da UPM.
5) Em setembro: Reuniões semanais da equipe para discussão dos primeiros
resultados da pesquisa e ajustes no cronograma.
6) Em 24/09/2007: Reunião para apresentação de resultados e elaboração do
Relatório Parcial de Atividades. Organização do Seminário sobre Federalismo.
7) Em 08/10/2007: Reunião para confecção do Relatório Parcial de Atividades.
8) Em outubro e novembro: Reuniões quinzenais para discussão de resultados de
pesquisa.
9) Em novembro: Confecção dos textos preliminares
10) Em 13/12/2007: Reunião para discussão dos textos e dos Resultados Finais.
11) Em 20/12/2007: Reunião final para conclusão do Relatório de Pesquisa.
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c.2) Atividades Acadêmicas
1) Consultorias: Realizadas a partir das discussões e entendimentos dos grupos
(Pareceres enviados por meio eletrônico).
a) 16/09/2007: Resposta à consulta efetuada em agosto sobre o Projeto PRONASCI
(Anexo 01)
b) 17/10/2007: Resposta à consulta efetuada em outubro sobre o Projeto de
Regulamentação de Mídia Exterior (Anexo 02);
c) 07/11/2007: Resposta à consulta efetuada em outubro sobre o Projeto de Lei de
Parcelamento de Solo (Anexo 03).
2) Atividades de Pesquisa: Em relação ao tema geral foram realizadas as seguintes
atividades nos meses de agosto/dezembro:
a) Desenvolvimento dos pressupostos teóricos iniciais sobre o tema, por meio da
realização da revisão bibliográfica e estudo do estado da arte da discussão sobre Federalismo
no Brasil;
b) Levantamento das principais bibliografias associadas ao tema;
c) Preparação do projeto de artigos finais do estudo.
d) Confecção dos artigos finais e discussão dos resultados.
d) DESCRIÇÃO DAS ETAPAS EXECUTADAS NO PERÍODO
1) Consultoria:
Elaboração de pareceres encaminhados em resposta às Consultas da SAL sobre as
questões já descritas acima (Pareceres em Anexo) .
2) Atividades de Pesquisa:
A pesquisa inicial acadêmica corroborou a hipótese de que não é plausível um
Estado Federal em que não haja um mínimo de colaboração entre os diversos níveis de
governo, vez que faz parte da própria concepção de federalismo esta colaboração mútua.
Portanto, no federalismo cooperativo, não se traz nenhuma inovação com a expressão
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“cooperação”. Na realidade, a diferença é o que se entende por cooperação, que, no federalismo
cooperativo, é bem diferente do modelo clássico de colaboração mínima e indispensável1.
Dentre as complexas relações de interdependência entre a União e os entes
federados, no federalismo cooperativo, devemos distinguir a coordenação da cooperação
propriamente dita. A coordenação é, na realidade, um modo de atribuição e exercício conjunto
de competências no qual os vários integrantes da Federação possuem certo grau de
participação. A vontade das partes é livre e igual, com a manutenção integral de suas
competências: os entes federados sempre podem atuar de maneira isolada ou autônoma. A
coordenação é um procedimento que busca um resultado comum e do interesse de todos. A
decisão comum, tomada em escala federal, é adaptada e executada autonomamente por cada
ente federado, adaptando-a às suas peculiaridades e necessidades2.
Nas atividades de cooperação, nem a União, nem qualquer ente federado pode atuar
isoladamente, mas todos devem exercer sua competência conjuntamente com os demais3. Na
repartição de competências, a cooperação se revela nas chamadas competências comuns,
consagradas no artigo 23 da Constituição de 1988. Nas competências comuns, todos os entes da
Federação devem colaborar para a execução das tarefas determinadas pela Constituição.
A cooperação parte do pressuposto da estreita interdependência que existe em
inúmeras matérias e programas de interesse comum, o que dificulta (quando não impede) a sua
atribuição exclusiva ou preponderante a um determinado ente, diferenciando, em termos de
repartição de competências, as competências comuns das competências concorrentes e
exclusivas.
No caso brasileiro, ainda, as competências comuns do artigo 23 da Constituição,
após sua regulamentação pela lei complementar prevista no parágrafo único do mesmo artigo,
serão obrigatórias para a União e todos os entes federados. A lei complementar prevista não
poderá retirar nenhum ente da titularidade das competências comuns, nem restringi-las. Como a
lei complementar prevista no parágrafo único do artigo 23 da Constituição de 1988 não foi
ainda elaborada, não há no sistema federal brasileiro, um regime jurídico expresso de
instituição das “tarefas comunitárias” (Gemeinschaftsaufgaben), existentes na Alemanha,
1 Enoch Alberti ROVIRA, Federalismo y Cooperacion en la Republica Federal Alemana, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1986, pp. 345-346 e 365-366.
2 Ibidem pp. 361-365, 367-369 e 463-477. 3 Ibidem pp. 369-370 e 487.
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
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embora haja uma estrutura similar introduzida a partir da nova redação do artigo 241 da
Constituição de 1988 e a aprovação da lei dos consórcios públicos. Tratam-se de métodos de
cooperação eminentemente administrativos, que devem gerar no Brasil, como ocorreu na
Alemanha, um debate sobre o fortalecimento do Poder Executivo, em detrimento do Poder
Legislativo, na execução destas “tarefas comunitárias”4.
O primeiro estágio da pesquisa tratou de pontuar esse histórico do desenvolvimento
das competências e da repartição destas em outros Estados Federados e, particularmente, no
Brasil.
e) PRINCIPAIS FATORES POSITIVOS E NEGATIVOS
As reuniões de pesquisa com o grupo mostraram-se essenciais para o
desenvolvimento e extremamente proveitosas para a elaboração de uma sistemática específica
para a realização de um trabalho de pesquisa em um espaço de tempo tão exíguo.
Os pesquisadores envolvidos, cada um em sua área, já desenvolveram pesquisas
sobre temas correlacionados ao Federalismo nas áreas específicas de Direito Constitucional,
Administrativo, Econômico, Tributário e Trabalhista, especialmente, e esta experiência foi
resgatada e pontuada no processo de organização temática e distribuição dos artigos.
f) RESULTADO FINAL: Artigo: “O Artigo 23 da Constituição de 1988 e as Competências
Comuns”
2.2. André Ramos Tavares
a) SUB-TEMA DE PESQUISA: Jurisprudência do STF quanto à competência concorrente:
análise crítica e sistemática
b) OBJETIVO/PROPOSTA DE PESQUISA DO SUB-TEMA
No âmbito da análise crítica da jurisprudência do STF, sobre temas centrais, como
segurança pública, comércio, telecomunicações e transporte, serão verificados os métodos de
4 Ibidem., pp. 515-532.
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trabalho do STF, bem como a orientação que atualmente é adotada, procurando identificar
padrões hermenêuticos e sistematizar o tema a partir destes padrões.
c) PRINCIPAIS ATIVIDADES DE PESQUISA
- Desenvolvimento dos pressupostos de trabalho, concepções e conceitos;
- Levantamento das polêmicas assinaladas na doutrina nacional;
- Levantamento da jurisprudência do STF sobre o assunto;
- Reuniões com o grupo, com a problematização do assunto.
d) DESCRIÇÃO DAS ETAPAS EXECUTADAS NO PERÍODO
No desenvolvimento dos pressupostos iniciais de trabalho, foram recolhidas as
opiniões doutrinárias mais abalizadas e identificados os pontos controvertidos acerca do
assunto, do ponto de vista conceitual, como a existência de competência concorrente fora do
art. 24 da Constituição, a possibilidade de delegação de competência pela União, com base no
art. 22, parágrafo único, de maneira desigual dentre os entes federativos.
A jurisprudência selecionada a analisada do STF, apresentada basicamente em sede
de controle abstrato, alocando o STF como o guardião da federação e árbitro do conflito
federativo (ADIn 2.396-9/MS; ADIn 1.893 RJ; ADIn 3.098; ADIn 3.322 MC/DF; ADIn 2.656-
9; ADIn 3.444/RS; ADIn 2.432/RN; ADIn 3.254/ES; ADIn 3.186/DF; ADIn 2.796/DF; ADIn
1.704/MT; ADIn 2.101/MS; ADIn 474/RJ; ADIn 3.135/PA; ADIn 2.796-4/DF; ADIn 2.847;
ADIn 2.847/DF; ADIn 3.259/PA; ADIn 2.996/SC; ADIn 3.608) demonstra uma inclinação
pelo afastamento da legislação estadual praticada em diversos estados, sob o argumento da
pertença competencial à União. Uma hipótese de trabalho, neste âmbito, encontra-se ligada à
dificuldade criada pelo texto da Constituição, que tem avolumado enormemente essa atividade
“arbitral” da Justiça Constitucional e que está descrita no texto final.
No âmbito internacional, foram estabelecidos contatos iniciais com o Prof. Antonio
D‟Atena, presidente de um importante e tradicional centro de estudos federais na Europa, o
ISSiRFA – Instituto di Studi sui Sistemi Regionali Federali e sulle Autonomie “Massimo
Severo Giannini”, e com o Prof. Thomas H. Lee, da Fordham University, em Nova Iorque, cuja
linha de pesquisa é justamente o federalismo nos E.U.A.
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
13
e) PRINCIPAIS FATORES POSITIVOS E NEGATIVOS QUE INTERFERIRAM NA
EXECUÇÃO DO PROJETO
As discussões com o grupo têm se mostrado extremamente proveitosas na
construção de um método para trabalhar com a temática proposta.
A jurisprudência do STF, pela diversidade de temas enfrentados quando da
apreciação da titularidade de alguma competência, oferece uma dificuldade inicial de
sistematização e compreensão dos padrões federativos próprios aplicados pela Corte Suprema.
A doutrina nacional especializada no assunto, a partir de uma leitura que
problematize as principais dificuldades que o tema federativo carrega consigo num Estado
originariamente centralizado, é ainda escassa.
Parece, ainda, não haver uma conscientização das particularidades do federalismo
brasileiro.
f) RESULTADO FINAL: Artigo: “Aporias acerca do “Condomínio Legislativo” no Brasil:
Uma análise a partir do STF.”
2.3. Christina de Almeida Pedreira
a) SUB-TEMA DE PESQUISA: Repartição das competências comuns, de natureza
administrativa, entre os entes federativos.
b) OBJETIVO/PROPOSTA DE PESQUISA DO SUB-TEMA
O objetivo central desta pesquisa é apresentar um estudo sobre os limites da
competência administrativa entre os entes federados, a partir do estabelecimento das
responsabilidades gerais da União, para que, então, seja possível, com maior precisão,
reconhecer as responsabilidades específicas de Estados e Municípios. Este é o núcleo da
questão das chamadas “tarefas comuns”, essencial para a compreensão do federalismo
cooperativo, pois trata da implementação das políticas publicas e da atuação dos membros da
Federação nesse processo. Não por outro motivo, temas como saúde e assistência pública,
habitação, saneamento básico, combate à pobreza e integração social têm suscitado tantos
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
14
debates na doutrina nacional e gerado medidas legislativas concretas como a “Lei dos
Consórcios Públicos” e a “Lei Geral do Saneamento Básico”.
c) PRINCIPAIS ATIVIDADES DE PESQUISA DESENVOLVIDA NO PERÍODO
Identificação material quanto ao objeto específico de análise e, conseqüente
sistematização do tema;
- Levantamento das polêmicas assinaladas na doutrina nacional;
- Levantamento da bibliografia nacional e estrangeira, particular ao tema.
- Reuniões com o grupo, com a problematização do assunto.
d) DESCRIÇÃO DAS ETAPAS EXECUTADAS NO PERÍODO
A partir da divisão objetiva da pesquisa, incumbiu-me a identificação e
sistematização das competências comuns dispostas no art. 23 do Texto Constitucional. Notas-
se que, em se considerando apenas o exame sobre as competências administrativas, a noção de
“cooperação” disposta no parágrafo único do mesmo dispositivo, será apreciado em sua
concepção teórica, de modo que se proporcionem argumentos fundamentais não somente para
sua compreensão, mas, principalmente, para sua aplicabilidade. Afinal, a espera pela fixação de
norma específica para estabelecer os contornos da cooperação interfederativa não impede a
observância dos preceitos postos expressamente ao longo do incisos, o que encontra-se descrito
no artigo desenvolvido como Resultado Final.
e) PRINCIPAIS FATORES POSITIVOS E NEGATIVOS
As discussões com o grupo têm se mostrado extremamente proveitosas na
construção de um método para trabalhar com a temática proposta.
Ainda que numerosa possa parecer a bibliografia acerca do tema “Federalismo”, a
doutrina nacional é superficial na condução das discussões que envolvem o equilíbrio
federativo quanto às competências comuns administrativas.
Na previsão constitucional de que lei complementar regulamentará a cooperação
entre os entes resume-se o exame doutrinário.
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
15
A proposta deste projeto está, efetivamente, na identificação e equalização destas
competências; observando, cada qual, sua cota-parte na responsabilidade e busca ao
cumprimento dos objetivos da República Federativa Brasileira.
f) RESULTADO FINAL: Artigo: “Instrumentos legítimos à implementação das
competências constitucionais administrativas comuns”.
2.4. José Maria Arruda Andrade
a) SUB-TEMA DE PESQUISA: Competência Concorrente e a Definição de Normas Gerais
b) OBJETIVO/PROPOSTA DE PESQUISA DO SUB-TEMA
O objetivo específico do sub-tema é o de realizar um levantamento das principais
correntes doutrinárias sobre os limites de competência concorrente e natureza do Federalismo,
apresentando suas linhas gerais e posições defendidas.
Esse objetivo parcial de pesquisa pode ser sintetizado, a partir do próprio projeto de
estudo, nesses termos:
A materialização da coordenação na repartição de poderes encontra-se
principalmente na denominada competência concorrente, prevista no artigo 24 da Constituição
de 1988. A União e os entes federados concorrem em uma mesma função, mas com âmbito e
intensidade distintos. No caso brasileiro, há uma divergência doutrinária sobre a questão dos
Municípios participarem, ou não, da repartição das competências concorrentes, por não estarem
previstos expressamente no artigo 24 da Constituição de 1988 como titulares dos poderes
elencados, ao lado da União e Estados. Uma das questões é se, apesar de não constarem
expressamente no artigo 24, os Municípios foram ou não excluídos da repartição de
competências concorrentes, levando-se em consideração, ainda, o disposto no artigo 30, II da
Constituição, que dá competência aos Municípios para legislarem de maneira suplementar no
que lhes couber5.
5 Vide Fernanda Dias Menezes de ALMEIDA, Competências na Constituição de 1988, São Paulo, Atlas, 1991, pp. 80, 125, 139 e 167-171 e Tércio Sampaio FERRAZ Junior, “Normas Gerais e Competência
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
16
Ainda no âmbito das competências concorrentes, cada ente decide, dentro de sua
esfera de poderes, de maneira separada e independente, com a ressalva da prevalência do
direito federal.
Em relação ao caso brasileiro, é necessário, ainda, definirmos o que deve ser
entendido por “normas gerais”, previstas nos §§1º, 2º, 3º e 4º do artigo 24 da Constituição de
1988. De acordo com Tércio Sampaio Ferraz Junior, a expressão “normas gerais” exige que seu
conteúdo seja analisado de maneira teleológica. As “normas gerais” devem se reportar ao
interesse fundamental da ordem federativa. Como a Federação brasileira têm por fundamento a
solidariedade, que exige a colaboração de todos os seus integrantes, existe a necessidade de
uniformização de certos interesses como base desta cooperação. Desta maneira, toda matéria
que ultrapassar o interesse particular de um ente federado porque é comum, ou seja, interessa a
todos, ou envolver conceituações que, se fossem particularizadas num âmbito sub-nacional,
gerariam conflitos ou dificuldades nacionalmente, é matéria de “norma geral”6.
d) PRINCIPAIS ATIVIDADES DE PESQUISA DESENVOLVIDA NO PERÍODO
Foi realizado um levantamento das principais fontes bibliográficas sobre a questão
da definição de “normas gerais” no âmbito da competência concorrente (art. 24 caput e
parágrafo único da CF/88) e analisada sua relação com as Normas gerais, nacionais e o
Federalismo Fiscal.
e) DESCRIÇÃO DAS ETAPAS EXECUTADAS NO PERÍODO
Levantamento da bibliografia nacional ligada diretamente ao tema. Leitura dos
textos de Victor Nunes Leal e da obra de Fernanda Dias Menezes de Almeida, além dos artigos
de Tercio Sampaio Ferraz Jr.
Análise a partir de problemas dogmáticos e históricos no âmbito do direito tributário
(complementação da competência tributária de impostos estaduais e municipais a partir de
normas gerais nacionais e aspectos envolvendo guerra fiscal e crise do federalismo).
Concorrente – Uma Exegese do Art. 24 da Constituição Federal”, Revista Trimestral de Direito Público nº 7, São Paulo, Malheiros, 1994, pp. 19-20. 6 Cf. Tércio Sampaio FERRAZ Jr, “Normas Gerais e Competência Concorrente – Uma Exegese do Art. 24 da Constituição Federal” cit., pp. 18-19.
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
17
O Direito Tributário permite uma abordagem exemplificativa da definição de
“normas gerais”, tendo em vista a necessidade de harmonização das leis nacionais e as esferas
de competência estadual e municipal.
Essa abordagem tem sido levada em conta a partir da análise da Lei Complementar
87/1996 e da Lei Complementar 116/2003, que complementaram a prescrição da competência
tributária do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias) - art 155 da CF/88 e do ISS
(Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza) – art 156, II CF/88.
As citadas leis nacionais têm como função a uniformização da atividade dos
respectivos Poderes Legislativos, permitindo a manutenção do pacto federativo e evitando-se a
guerra fiscal. Contudo, vários problemas são constatados sobre o tema, que vão desde a invasão
da autonomia estadual ou municipal até a guerra fiscal a partir da simples inobservância das
regras legais ou constitucionais.
Todos esses pontos são abordados pela doutrina pátria e pela jurisprudência, o que
poderá ser sempre mencionado exemplificativamente no desenvolvimento do tema e no texto
final.
f) FATORES POSITIVOS E NEGATIVOS
Nenhum ponto negativo interferiu na execução do projeto.
g) RESULTADO FINAL: Artigo: “Normas Gerais, Nacionais, Competência Legislativa e o
Federalismo Fiscal”.
2.5. Susana Mesquita Barbosa
a) TEMA DE PESQUISA: Federalismo no Brasil
b) OBJETIVO/PROPOSTA DE PESQUISA
O objetivo central desta pesquisa é acompanhar o estudo sobre os limites da
competência legislativa e administrativa da União, em especial nos casos de competência
concorrente e competência comum, no estabelecimento normas gerais, possibilitando a
comparação das três partes do conhecimento jurídico, a fim de propiciar uma análise ampla e
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18
precisa do processo de reconhecimento, sistematização e consolidação deste conhecimento. O
objetivo como pesquisadora colaboradora é definir e delimitar os parâmetros e os processos
metodológicos do grupo para a execução dos estudos e apresentação dos resultados.
c) PRINCIPAIS ATIVIDADES DE PESQUISA DESENVOLVIDA NO PERÍODO
Estabelecimento das diretrizes metodológicas da pesquisa, bem como colaboração
com os pesquisadores doutores no desenvolvimento e exposição das pesquisas individuais.
d) DESCRIÇÃO DAS ETAPAS EXECUTADAS NO PERÍODO
A partir da divisão objetiva da pesquisa entre os participantes, incumbiu-me a tarefa
de organizar, acompanhar e auxiliar os diversos pesquisadores no desenvolvimento de suas
pesquisas, bem como de realizar todos os atos administrativos decorrentes do Projeto de
Pesquisa.
e) PRINCIPAIS FATORES POSITIVOS E NEGATIVOS
As discussões com o grupo foram extremamente proveitosas na construção e na
identificação de uma metodologia apropriada de trabalhar e de análise de resultados, vez que o
projeto demandava um tempo muito exíguo para o cumprimento, bem como a análise de
situações fáticas (particularmente estudadas nos pareceres desenvolvidos no período) o que de
demandou um esforço e um procedimento diferenciado em relação às demais pesquisas já
realizadas.
f) RESULTADO FINAL: Organização, Sistematização e Conclusão do Relatório Final de
Pesquisa.
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19
3. RELATÓRIOS DE PESQUISA
3.1. O Artigo 23 da Constituição de 1988 e as Competências Comuns
O ARTIGO 23 DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 E AS COMPETÊNCIAS COMUNS
Gilberto Bercovici
José Francisco Siqueira Neto
A tradição dos Estados federais, desde a originária Federação norte-americana, é a
utilização do critério jurídico-formal no estabelecimento da estrutura federal, delimitando-se as
esferas de atuação dos Estados-Membros e da União. Essa delimitação, chamada de repartição de
competências, é o ponto central do federalismo, pressuposto da autonomia dos entes federados. As
unidades federadas recebem diretamente da Constituição Federal as suas competências, isto é, o
reconhecimento de seus poderes conjugado com a atribuição de encargos. Não se trata de mera
descentralização administrativa, mas da existência conjunta de múltiplos centros de decisão
política, cada qual com a exclusividade em relação a determinados assuntos. A União trata dos
interesses gerais, os Estados e outros entes federados (quando existem) dos seus próprios
interesses regionais ou locais ou daqueles que são melhor tratados se delegados ao poder local.
Desta forma, na formação dos Estados Unidos, em 1787, foram definidas com cuidado as
atribuições da União e deixou-se o resto (a competência residual) para os Estados. Os principais
objetivos a serem defendidos pela União seriam a defesa comum dos membros, a preservação da
paz pública (contra convulsões internas ou ataques externos), a regulação do comércio com outras
nações e a manutenção de relações políticas e comerciais com os países estrangeiros. Aos Estados
caberia tudo aquilo de que não fossem explicitamente destituídos pela Constituição. As dúvidas
seriam dirimidas pela Suprema Corte.
Professor Associado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Doutor em Direito do Estado e Livre-Docente em Direito Econômico pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Advogado, Mestre (PUC-SP) e Doutor (USP) em Direito, Professor Titular e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie e professor da Escola de Direito (SP) da Fundação Getúlio Vargas.
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20
A decorrência direta da repartição de competências é a distribuição das fontes de recursos
financeiros para equilibrar os encargos e as rendas das unidades federadas. A forma norte-
americana de repartição de competências, depois imitada pela maioria dos Estados federais
surgidos posteriormente, foi assim resumida por James Madison, co-autor dos Artigos
Federalistas, no artigo 45: “The powers delegated by the proposed Constitution to the federal
government are few and defined. Those which are to remain in the State governments are
numerous and indefinite. The former will be exercised principally on external objects, as war,
peace, negotiation, and foreign commerce; with which last the power of taxation will, for the most
part, be connected. The powers reserved to the several States will extend to all the objects which,
in the ordinary course of affairs, concern the lives, liberties, and properties of the people, and the
internal order, improvement, and prosperity of the State. The operations of the federal government
will be most extensive and important in times of war and danger; those of the State governments,
in time of peace and security. As the former periods will probably bear a small proportion to the
latter, the State governments will here enjoy another advantage over the federal government. The
more adequate, indeed, the federal powers may be rendered to the national defence, the less
frequent will be those scenes of danger which might favour their ascendancy over the governments
of the particular States” 1
Esta separação absoluta de competências do federalismo clássico (denominado
federalismo dualista) é justificada no contexto de um Estado liberal, em que a atuação estatal era
relativamente reduzida. A separação total é, assim, possível por causa da pouca extensão e relativa
simplicidade da intervenção do Estado. Para boa parte da doutrina norte-americana, o federalismo
dualista era um complemento necessário ao Estado liberal e ao laissez-faire econômico, evitando
uma maior regulação e intervenção estatal (especialmente da parte da União) na economia2.
No entanto, em um Estado intervencionista e voltado para a implementação de políticas
públicas3, as esferas subnacionais não têm mais como analisar e decidir, originariamente, sobre
inúmeros setores da atuação estatal, que necessitam de um tratamento uniforme em escala
nacional. Isto ocorre principalmente com os setores econômico e social, que exigem uma unidade 1 Alexander HAMILTON, James MADISON & John JAY, The Federalist Papers, London/New York, Penguin Books, 1987, Artigo nº 45. 2 Edward S. CORWIN, American Constitutional History, New York, Harper Torchbooks, 1964, pp. 163-164; Bernard SCHWARTZ, Direito Constitucional Americano, Rio de Janeiro, Forense, 1966, pp. 63-65, 68-70 e 206-207; Bernard SCHWARTZ, El Federalismo Norteamericano Actual, Madrid, Civitas, 1993, pp. 39-44 e Enoch Alberti ROVIRA, Federalismo y Cooperacion en la Republica Federal Alemana, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1986, pp. 353-355. 3 Sobre o tema das políticas públicas e suas relações com o federalismo, trataremos adiante.
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21
de planejamento e direção4. Antes, portanto, de o Estado social (aqui entendido como sinônimo de
Estado intervencionista5) estar em contradição com o Estado federal, o Estado social influi de
maneira decisiva no desenvolvimento do federalismo atual, sendo o federalismo cooperativo
considerado como o federalismo adequado ao Estado social6.
As tensões do federalismo contemporâneo, situadas basicamente entre a exigência da
atuação uniformizada e harmônica de todos os entes federados e o pluralismo federal, são
resolvidas em boa parte por meio da colaboração e atuação conjunta das diversas instâncias
federais. A cooperação se faz necessária para que as crescentes necessidades de homogeneização
não desemboquem na centralização. A virtude da cooperação é a de buscar resultados unitários e
uniformizadores sem esvaziar os poderes e competências dos entes federados em relação à União,
mas ressaltando a sua complementaridade7.
Com a redemocratização da década de 1980, abriram-se novas perspectivas para o
federalismo brasileiro. Apesar de sua origem e fundamento oligárquicos8, com a Constituição de
1988, existe a possibilidade de renovação das estruturas federais no Brasil, com sua ênfase na
cooperação federativa e na superação das desigualdades regionais. Deste modo, podemos passar
para a análise do federalismo brasileiro da Constituição de 1988, partindo da caracterização de
federalismo cooperativo formulada por Enoch Rovira: “En pocas palabras, y como punto de
partida, podemos decir que la división federal del poder no se entiende ya como separación y
mera yuxtaposición de esferas independientes y soberanas de gobierno, actuando cada una sobre
un ámbito material proprio y exclusivo, sino como colaboración entre los diversos centros de
gobierno en la consecución de objetivos de común interés, como participación de todas las 4 Konrad HESSE, Der Unitarische Bundesstaat, Karlsruhe, Verlag C. F. Müller, 1962, pp. 13-14 e Enoch Alberti ROVIRA, Federalismo y Cooperacion en la Republica Federal Alemana cit., pp. 356-357. 5 Sobre esta discussão, vide Gilberto BERCOVICI, Desigualdades Regionais, Estado e Constituição, São Paulo, Max Limonad, 2003, pp. 50-55. 6 Konrad HESSE, Der Unitarische Bundesstaat cit., pp. 32-34; Konrad HESSE, Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland, 20ª ed, Heidelberg, C. F. Müller Verlag, 1999, pp. 119-120; Enoch Alberti ROVIRA, Federalismo y Cooperacion en la Republica Federal Alemana cit., pp. 25, 54-55 e 365-366 e Gilberto BERCOVICI, "O Federalismo Cooperativo nos Estados Unidos e no Brasil", Revista da Procuradoria-Geral do Município de Porto Alegre nº 16, Porto Alegre, dezembro de 2002, pp. 13-25.
7 Konrad HESSE, Der Unitarische Bundesstaat cit., pp. 19-21 e 31-32; Konrad HESSE, Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland cit., pp. 103-104 e Enoch Alberti ROVIRA, Federalismo y Cooperacion en la Republica Federal Alemana cit., pp. 24-25 e 562-563. 8 Para a história do federalismo no Brasil, vide Gilberto BERCOVICI, “The Autonomy of States in Brazil: Between Federalism and Unitary Government” in Marcelo NEVES & Julian Thomas HOTTINGER (orgs.), Federalism, Rule of Law and Multiculturalism in Brazil, Basel/Généve/München, Helbing & Liechtenhan, 2001, pp. 25-56 e Gilberto BERCOVICI, Dilemas do Estado Federal Brasileiro, Porto Alegre, Livraria do Advogado Editora, 2004, pp. 23-54.
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22
instancias en un esfuerzo conjunto para el cumplimiento de todas aquellas funciones y tareas que
redundan en beneficio del todo, y con él, de las proprias partes. La separación y la estanqueidad
han sido sustituidas por lo que podemos designar como voluntad de colaboración, a impulso de
las necesidades y exigencias de la realidad” 9.
Com o federalismo cooperativo, a ênfase da célebre definição do princípio federal
formulada por Kenneth Wheare, como muito bem salientou Enoch Rovira, dá-se na expressão
“coordinate” 10: “By the federal principle I mean the method of dividing powers so that the
general and regional governments are each, within a sphere, coordinate and independent”11.
Não é plausível, contudo, um Estado federal em que não haja um mínimo de colaboração
entre os diversos níveis de governo. Faz parte da própria concepção de federalismo esta
colaboração mútua. Portanto, no federalismo cooperativo, não se traz nenhuma inovação com a
expressão “cooperação”. Na realidade, a diferença é o que se entende por cooperação, que, no
federalismo cooperativo, é bem diferente do modelo clássico de colaboração mínima e
indispensável12.
Dentre as complexas relações de interdependência entre a União e os entes federados, no
federalismo cooperativo, devemos distinguir a coordenação da cooperação propriamente dita. A
coordenação é, na realidade, um modo de atribuição e exercício conjunto de competências no qual
os vários integrantes da Federação possuem certo grau de participação. A vontade das partes é
livre e igual, com a manutenção integral de suas competências: os entes federados sempre podem
atuar de maneira isolada ou autônoma. A coordenação é um procedimento que busca um resultado
comum e do interesse de todos. A decisão comum, tomada em escala federal, é adaptada e
executada autonomamente por cada ente federado, adaptando-a às suas peculiaridades e
necessidades13.
9 Enoch Alberti ROVIRA, Federalismo y Cooperacion en la Republica Federal Alemana cit., pp. 358-359. 10 Enoch Alberti ROVIRA, Federalismo y Cooperacion en la Republica Federal Alemana cit., pp. 2 e 25.
11 Kenneth C. WHEARE, Federal Government, London/New York, Oxford University Press/Royal Institute of International Affairs, 1947, p. 11, grifos nossos. 12 Enoch Alberti ROVIRA, Federalismo y Cooperacion en la Republica Federal Alemana cit., pp. 345-346 e 365-366. Vide também Jean ANASTOPOULOS, Les Aspects Financiers du Fédéralisme, Paris, L.G.D.J., 1979, pp. 409-410 e Klaus Friedrich ARNDT; Wolfgang HEYDER & Gebhard ZILLER, “Interdependência Política no Federalismo Cooperativo” in O Federalismo na Alemanha, Série Traduções nº 7, Rio de Janeiro, Konrad Adenauer Stiftung, 1995, p. 107.
13 Enoch Alberti ROVIRA, Federalismo y Cooperacion en la Republica Federal Alemana cit., pp. 361-365, 367-369 e 463-477.
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23
A materialização da coordenação na repartição de poderes são as competências
concorrentes14. A União e os entes federados concorrem em uma mesma função, mas com âmbito
e intensidade distintos. No caso brasileiro, há uma divergência doutrinária sobre a questão dos
Municípios participarem, ou não, da repartição das competências concorrentes, por não estarem
previstos expressamente no artigo 24 da Constituição de 1988 como titulares dos poderes
elencados, ao lado da União e Estados. Na opinião de Fernanda Menezes de Almeida, apesar de
não constarem expressamente no artigo 24, os Municípios não foram excluídos da repartição de
competências concorrentes. Para ela, a titularidade dos Municípios está garantida pelo artigo 30, II
da Constituição, que dá competência aos Municípios para legislarem de maneira suplementar no
que lhes couber15.
Cada parte decide, dentro de sua esfera de poderes, de maneira separada e independente,
com a ressalva da prevalência do direito federal, que estabelece as chamadas "normas gerais". Em
relação ao caso brasileiro, é necessário definirmos o que deve ser entendido por “normas gerais”,
previstas nos §§1º, 2º, 3º e 4º do artigo 24 da Constituição de 1988. De acordo com Tercio
Sampaio Ferraz Jr, a expressão “normas gerais” exige que seu conteúdo seja analisado de maneira
teleológica. As “normas gerais” devem se reportar ao interesse fundamental da ordem federativa.
Como a Federação brasileira têm por fundamento a solidariedade, que exige a colaboração de
todos os seus integrantes, existe a necessidade de uniformização de certos interesses como base
desta cooperação. Desta maneira, toda matéria que ultrapassar o interesse particular de um ente
federado porque é comum, ou seja, interessa a todos, ou envolver conceituações que, se fossem
particularizadas num âmbito subnacional, gerariam conflitos ou dificuldades nacionalmente, é
matéria de “norma geral”16. Este tipo de repartição é o previsto pelo artigo 24 da Constituição de
198817.
14 Vide Kenneth C. WHEARE, Federal Government cit. pp. 79-84. De acordo com vários autores, a técnica das competências concorrentes seria típica do federalismo cooperativo. Cf. Fernanda Dias Menezes de ALMEIDA, Competências na Constituição de 1988, São Paulo, Atlas, 1991, p. 53. 15 Vide Fernanda Dias Menezes de ALMEIDA, Competências na Constituição de 1988 cit. pp. 80, 125, 139 e 167-171. Esta é a posição que consideramos mais adequada, dentro do sistema constitucional de 1988. Em sentido contrário, vide especialmente Tercio Sampaio FERRAZ Jr, “Normas Gerais e Competência Concorrente – Uma Exegese do Art. 24 da Constituição Federal”, Revista Trimestral de Direito Público nº 7, São Paulo, Malheiros, 1994, pp. 19-20. 16 Cf. Tercio Sampaio FERRAZ Jr, “Normas Gerais e Competência Concorrente – Uma Exegese do Art. 24 da Constituição Federal” cit., pp. 18-19. Para uma análise clássica (e ainda pertinente) sobre o assunto no Brasil, vide os textos de Victor Nunes LEAL, "Leis Federais e Estaduais" e "Leis Municipais" in Problemas de Direito Público, Rio de Janeiro, Forense, 1960, pp. 109-178. Vide, ainda, Enoch Alberti ROVIRA, Federalismo y Cooperacion en la Republica Federal Alemana cit., pp. 84-85, 89-95, 366-367 e 462-463. De acordo com Enoch Rovira, a disposição que determina a prevalência do direito federal sobre o direito estadual (e, no nosso
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24
Já a cooperação propriamente dita foi assim definida por Rovira: “La cooperación, en
sentido estricto, se diferencia cualitativamente de estas anteriores relaciones, al consistir
propiamente en una toma conjunta de decisiones, en un coejercicio de las competencias, y,
consiguientemente, en una corresponsabilización de las actuaciones realizadas bajo tal régimen.
Una determinada función o competencia no se realiza ya de forma autónoma y separada por cada
instancia, con todos los límites externos de aplicación al caso, sino de forma conjunta, de modo
que tal función o competencia, para que se traduzca en concretas actuaciones, sólo puede ser
ejercida conjuntamente por varias partes, que deben actuar mancomunadamente” 18.
Na cooperação, nem a União, nem qualquer ente federado pode atuar isoladamente, mas
todos devem exercer sua competência conjuntamente com os demais19. Na repartição de
competências, a cooperação se revela nas chamadas competências comuns, consagradas no artigo
23 da Constituição de 1988. Nas competências comuns, todos os entes da Federação devem
colaborar para a execução das tarefas determinadas pela Constituição20. E mais: não existindo
supremacia de nenhuma das esferas na execução destas tarefas, as responsabilidades também são caso, também o direito municipal) é uma “norma de colisão” (Kollisionsnorm), não de competência. Esta determinação da prevalência do direito federal (na Constituição de 1988 está expressa no artigo 24, §4º) não diz respeito à repartição de competências entre a União e os demais entes federados, mas como devem ser resolvidos eventuais conflitos oriundos da repartição, determinando, nestes casos, qual é o direito válido. Vide Enoch Alberti ROVIRA, idem, pp. 119-128. Vide também Konrad HESSE, Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland cit., p. 116.
17 Para Raul Machado Horta, a Constituição de 1988 abandonou a tradição constitucional anterior, onde a competência concorrente dizia respeito apenas à suplementação, pelos Estados, da legislação de competência privativa da União. O artigo 24 da Constituição, em sua opinião, deu autonomia material e formal à competência concorrente, ao definir matérias próprias que são objeto das normas gerais federais e das normas suplementares estaduais. Cf. Raul Machado HORTA, “Repartição de Competências na Constituição Federal de 1988” in Direito Constitucional, 2ª ed, Belo Horizonte, Del Rey, 1999, pp. 356-357 e 366-368. 18 Enoch Alberti ROVIRA, Federalismo y Cooperacion en la Republica Federal Alemana cit., p. 369. 19 Enoch Alberti ROVIRA, Federalismo y Cooperacion en la Republica Federal Alemana cit., pp. 369-370 e 487. Vide também Raul Machado HORTA, “Repartição de Competências na Constituição Federal de 1988” cit., pp. 364-366.
20 Para Fernanda Menezes de Almeida, a idéia das competências comuns a mais de uma esfera, estabelecida pelo artigo 23 da Constituição de 1988, é proveniente, pela similaridade entre as matérias abrangidas, do artigo 10, caput da Constituição de 1934: “Art. 10 – Compete concorrentemente á União e aos Estados: I, velar na guarda da Constituição e das leis; II, cuidar da saúde e assistencia publicas; III, proteger as bellezas naturaes e os monumentos de valor historico ou artistico, podendo impedir a evasão de obras de arte; IV, promover a colonização; V, fiscalizar a applicação das leis sociaes; VI, difundir a instrucção pública em todos os seus graus; VII, crear outros impostos, além dos que lhes são attribuidos privativamente”. Cf. Fernanda Dias Menezes de ALMEIDA, Competências na Constituição de 1988 cit., pp. 81 e 140. Vide também Raul Machado HORTA, “Repartição de Competências na Constituição Federal de 1988” cit., p. 364. No entanto, apesar de parte das matérias ser similar, e da patente influência da Constituição de 1934, bem como da de 1946, sobre o constituinte de 1988, esqueceu-se a ilustre professora da diferenciação entre competências concorrentes e competências comuns, que, como estamos analisando, não é apenas de nomenclatura.
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25
comuns, não podendo nenhum dos entes da Federação se eximir de implementá-las, pois o custo
político recai sobre todas as esferas de governo21. A cooperação parte do pressuposto da estreita
interdependência que existe em inúmeras matérias e programas de interesse comum, o que
dificulta (quando não impede) a sua atribuição exclusiva ou preponderante a um determinado ente,
diferenciando, em termos de repartição de competências, as competências comuns das
competências concorrentes e exclusivas22.
O interesse comum viabiliza a existência de um mecanismo unitário de decisão, no qual
participam todos os integrantes da Federação. Na realidade, há dois momentos de decisão na
cooperação. O primeiro se dá em nível federal, quando se determina, conjuntamente, as medidas a
serem adotadas, uniformizando-se a atuação de todos os poderes estatais competentes em
determinada matéria. O segundo momento ocorre em nível estadual ou regional, quando cada ente
federado adapta a decisão tomada em conjunto às suas características e necessidades. Na
cooperação, em geral, a decisão é conjunta, mas a execução se realiza de maneira separada,
embora possa haver, também, uma atuação conjunta, especialmente no tocante ao financiamento
das políticas públicas23.
No campo jurídico brasileiro, o debate em torno das políticas públicas teve como eixo
estruturante as possibilidades abertas pela Constituição de 198824. A grande preocupação destes
21 Vide especialmente Sueli Gandolfi DALLARI, Os Estados Brasileiros e o Direito à Saúde, São Paulo, Hucitec, 1995, pp. 38-42 e 79-80. Vide também Marta ARRETCHE, Estado Federativo e Políticas Sociais: Determinantes da Descentralização, Rio de Janeiro, Revan, 2000, p. 56. 22 Enoch Alberti ROVIRA, Federalismo y Cooperacion en la Republica Federal Alemana cit., pp. 373-374. Esta diferenciação entre competências comuns e concorrentes (decisão conjunta x decisão isolada ou independente) nem sempre é percebida pelos doutrinadores nacionais. Alguns, como Fernanda Menezes de Almeida entendem que ambas as categorias são utilizadas no mesmo sentido pelo constituinte: “A competência material do artigo 23 foi designada como competência „comum‟, termo que, no caso, tem o mesmo sentido de „concorrente‟” in Fernanda Dias Menezes de ALMEIDA, Competências na Constituição de 1988 cit., p. 139. A cooperação, assim, é matizada em coordenação, com o agravante, ainda, de ser a instituição das competências comuns interpretada como algo dispensável, que só aumentaria a preponderância da União sobre os entes federados. Cf. Fernanda Dias Menezes de ALMEIDA, idem, pp. 139-140, 142-44 e 174. 23 Enoch Alberti ROVIRA, Federalismo y Cooperacion en la Republica Federal Alemana cit., pp. 374-376. Vide também Jean ANASTOPOULOS, Les Aspects Financiers du Fédéralisme cit., pp. 114-115 e 224-227; Joachim Jens HESSE, “República Federal da Alemanha: Do Federalismo Cooperativo à Elaboração de Política Conjunta” in O Federalismo na Alemanha cit., pp. 128-129 e Eberhard THIEL, “O Significado das Disposições Legais da Estrutura do Estado Federativo para a Política Econômica Prática” in O Federalismo na Alemanha cit., pp. 179-180. 24 Devemos destacar, com esta preocupação em torno das políticas públicas, os seguintes autores e textos: Fábio Konder COMPARATO, “Ensaio sobre o Juízo de Constitucionalidade de Políticas Públicas”, Revista de Informação Legislativa nº 138, Brasília, Senado Federal, abril/junho de 1998, pp. 39-48; Eros Roberto GRAU, A Ordem Econômica na Constituição de 1988 cit., em várias passagens; José Reinaldo de Lima LOPES, “Judiciário, Democracia, Políticas Públicas”, Revista de Informação Legislativa nº 122, Brasília, Senado Federal, maio/julho de 1994, pp. 255-265, posteriormente republicado, com alterações, sob o título de
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26
autores, ao contrário dos estudos nas ciências sociais, como iremos ver, se dá em torno da
concretização do programa constitucional e da reformulação das concepções tradicionais do nosso
direito público, especialmente a reconstrução do direito administrativo a partir da ação do Estado
para a satisfação do interesse social25. Não por acaso busca-se definir, juridicamente, política
pública como tendo por fundamento a necessidade de concretização de direitos por meio de
prestações positivas do Estado26, elaborando-se o conceito de que: “políticas públicas são os
programas de ação governamental visando coordenar os meios à disposição do Estado e as
atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente
determinados” 27.
Aproximadamente no mesmo período, segundo Marcus André Melo, passamos, nas
ciências sociais, da análise do Estado para a análise das políticas públicas, passagem esta que é
fruto de uma tentativa de substituição do Estado pela sociedade civil como centro das
preocupações políticas e teóricas28. O que ocorreu foi o deslocamento do estudo do Estado ou do
papel do Estado, bem como das concepções totalizantes, para uma discussão setorial de
determinadas políticas. Isto deve-se não apenas à maior especialização dos pesquisadores e
formuladores políticos, mas também ao contexto de americanização da ciência política, de crise do
desenvolvimentismo (e, conseqüentemente, do planejamento e do Estado), de crescente “Direito Subjetivo e Direitos Sociais: O Dilema do Judiciário no Estado Social de Direito” in José Eduardo FARIA (org.), Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça, reimpr., São Paulo, Malheiros, 1998, pp. 113-143; Maria Paula Dallari BUCCI, “As Políticas Públicas e o Direito Administrativo”, Revista Trimestral de Direito Público nº 13, São Paulo, Malheiros, 1996, pp. 134-144 e, especialmente, o livro Direito Administrativo e Políticas Públicas, São Paulo, Saraiva, 2002; Luiza Cristina Fonseca FRISCHEISEN, Políticas Públicas: A Responsabilidade do Administrador e o Ministério Público, São Paulo, Max Limonad, 2000; Guilherme Amorim Campos da SILVA, Direito ao Desenvolvimento, São Paulo, Método, 2004, pp. 102-104, 121-124 e 171-189 e a obra coletiva Maria Paula Dallari BUCCI (org.), Políticas Públicas: Reflexões sobre o Conceito Jurídico, São Paulo, Saraiva, 2006. 25 Vide, por todos, Eros Roberto GRAU, “O Estado, a Liberdade e o Direito Administrativo” in O Direito Posto e o Direito Pressuposto, 5ª ed, São Paulo, Malheiros, 2003, pp. 264-266. 26 Maria Paula Dallari BUCCI, “As Políticas Públicas e o Direito Administrativo” cit., p. 135. 27 Maria Paula Dallari BUCCI, Direito Administrativo e Políticas Públicas cit., p. 241. Vide também Maria Paula Dallari BUCCI, “As Políticas Públicas e o Direito Administrativo” cit., pp. 135-136 e 140. 28 Marcus André MELO, “Estado, Governo e Políticas Públicas” in Sergio MICELI (org.), O Que Ler na Ciência Social Brasileira (1970-1995), vol. 3: Ciência Política, 2ª ed, São Paulo/Brasília, Ed. Sumaré/ANPOCS/CAPES, 2002, pp. 69 e 81-82. Para um levantamento dos trabalhos e tendências mais recentes no campo do estuido das políticas públicas na Alemanha, Inglaterra, Estados Unidos e França, vide os estudos reunidos na Revue Française de Science Politique, vol. 52, nº 1 (Paris, Presses de Sciences Po, fevereiro de 2002): Olivier GIRAUD, “Une École Allemand d‟Analyse des Politiques Publiques entre Traditions Étatiques et Théoriques”, pp. 5-21; Andy SMITH, “Grandeur et Décadence de l‟Analyse Britannique des Politiques Publiques”, pp. 23-35; Marc SMYRL, “Politics et Policy dans les Approches Américaines des Politiques Publiques: Effets Institutionnels et Dynamiques du Changement”, pp. 37-52 e Patrick HASSENTEUFEL & Andy SMITH, “Essoufflement ou Second Souffle? L‟Analyse des Politiques Publiques À La Française‟”, pp. 53-73.
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
27
legitimidade das idéias liberais e seus pressupostos metodológicos individualistas e à tentativa de
substituir o direito por instrumentos de análise econômica na compreensão do aparato estatal29.
Para Marcus Faro de Castro, buscou-se uma politização não institucional, fora da esfera estatal,
uma espécie de “política antipolítica”30.
Embora o estudo das políticas públicas possa representar um grande avanço, como vimos,
para a revisão dos pressupostos epistemológicos individualistas do direito administrativo31, não é
possível promover ou compreender o papel do Estado no processo de desenvolvimento
exclusivamente através das políticas públicas. As políticas públicas são sempre programas
setoriais32. O choque que existe se dá entre uma visão global e de territorialidade, que é a do
desenvolvimento e do planejamento, com uma visão setorial e fragmentada, que é a das políticas
públicas33.
Em termos gerais, o debate jurídico em torno das políticas públicas é uma espécie de
reatualização das concepções de Léon Duguit, buscando legitimar o Estado por suas finalidades,
contestando a unidade política por meio da soberania, com uma visão fragmentada da atuação
estatal. Duguit defendia sua visão em torno dos serviços públicos34. Hoje, ao invés de serviço
29 Para a conceituação e crítica do chamado “individualismo metodológico”, ou seja, a redução de todos os fenômenos sociais às ações intencionais/racionais dos indivíduos, pressuposto de análise de boa parte das doutrinas econômicas e, hoje, também, de setores das ciências sociais e do Direito, vide Leda Maria PAULANI, “Hayek e o Individualismo no Discurso Econômico”, Lua Nova nº 38, São Paulo, CEDEC, 1996, pp. 106-112 e António José Avelãs NUNES, Noção e Objecto da Economia Política, Coimbra, Livraria Almedina, 1996, pp. 50-84. 30 Cf. Marcus André MELO, “Estado, Governo e Políticas Públicas” cit., pp. 60-65 e Marcus Faro de CASTRO, “Direito, Economia e Políticas Públicas: Relações e Perspectivas”, Ciências Sociais Hoje, Rio de Janeiro, Rio Fundo/ANPOCS, 1992, pp. 202-205. 31 Neste sentido, vide Maria Paula Dallari BUCCI, Direito Administrativo e Políticas Públicas cit., pp. 241-278. 32 Pierre MULLER, Les Politiques Publiques, 4ª ed, Paris, PUF, 2000, p. 23. 33 Pierre MULLER, Les Politiques Publiques cit., pp. 16-26. Sobre a questão da desagregação da Administração Pública, entendendo o Estado como um ente administrativo complexo sem centro, vide Massimo Severo GIANNINI, Il Pubblico Potere: Stati e Amministrazioni Pubbliche, reimpr., Bologna, Il Mulino, 2001, pp. 78-87 e Joan SUBIRATS, “Notas acerca del Estado, la Administración y las Políticas Públicas”, Revista de Estudios Políticos nº 59, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, janeiro/março de 1988, p. 189. A discussão sobre políticas públicas e Direito, em outros países, como a Espanha, dá-se nos mesmos moldes, buscando-se a substituição da centralidade da Administração Pública por estudos mais contingentes, focados nos atores sociais e políticos que interferem na formulação e atuação da política concreta, com distintas racionalidades e interesses em disputa, além da comparação dos resultados obtidos pelas várias políticas públicas. Cf. Joan SUBIRATS, “Notas acerca del Estado, la Administración y las Políticas Públicas” cit., pp. 189-195. 34 Léon Duguit combate, em suas obras, a visão tradicional do Estado soberano, criticando a concepção do Poder Público como uma vontade subjetiva dos governantes sobre os governados. Para Duguit, o Estado não é um soberano que comanda, mas uma força capaz de criar e gerar serviços públicos, formando um sistema realista com base na solidariedade social, objetivamente imposto a todos os cidadãos. O ponto central é a sua defesa do fim da idéia de dominação (Herrschaft, puissance publique) na Teoria do Estado,
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28
público, fala-se em política pública. Mas o significado geral e os objetivos a que se propõem os
autores são basicamente os mesmos.
Não é possível, ao nosso ver, seguir a proposta de rearticular o direito público em torno
da noção de política pública35, como já não era possível, no início do século XX, rearticulá-lo,
como queria Duguit, em torno da concepção material de serviço público. As políticas públicas são
sempre programas setoriais, portanto há um choque entre uma visão global e de territorialidade,
que é a do Estado, com uma visão setorial e fragmentada, que é a das políticas públicas36. Não é
possível buscar compreender a unidade política por meio da análise fragmentada das políticas
públicas. A rearticulação do direito público deve se dar em torno de uma renovada Teoria do
Estado, com visão de totalidade, capaz de compreender as relações entre a política, a democracia,
a soberania, a constituição e o Estado37.
Para o estudo do desenvolvimento, com todas as suas possibilidades emancipatórias, não
faz sentido a fragmentação da atual análise de políticas públicas. O desenvolvimento impõe a
necessidade de repensarmos um planejamento abrangente38. Analisar o desenvolvimento por meio
das políticas públicas só faria sentido se considerarmos o desenvolvimento nacional a principal
política pública, conformando e harmonizando todas as demais39.
substituindo a soberania pelo serviço público como noção fundamental do direito público. Duguit propõe, assim, um regime político fundado na solidariedade social, em que os governantes têm deveres e obrigações de agir, o que implica na intervenção estatal nos domínios econômico e social. A solidariedade social, concretizada por meio dos serviços públicos, é, na sua visão, a forma mais adequada de legitimidade do Estado. Cf. Léon DUGUIT, Les Transformations du Droit Public, Paris, Éditions La Mémoire du Droit, 1999, pp. 33-72; Léon DUGUIT, Manuel de Droit Constitutionnel, 3ª ed, Paris, Ancienne Librairie Fontemoing & Cie Éditeurs, 1918, pp. 29-30, 67-68 e 71-84; Léon DUGUIT, Leçons de Droit Public Général, Paris, Éditions La Mémoire du Droit, 2000, pp. 124-152 e Léon DUGUIT, Traité de Droit Constitutionnel, 3ª ed, Paris, Ancienne Librairie Fontemoing & Cie Éditeurs/E. de Boccard, 1927-1928, vol. 1, pp. 541-551, 603-631, 649-654 e 670-680, e vol. 2, pp. 59-107 e 118-142. Para a importância da noção de serviço público na Teoria do Estado de Duguit, vide o indispensável estudo de Evelyne PISIER-KOUCHNER, Le Service Public dans la Théorie de l‟État de Léon Duguit, Paris, L.G.D.J, 1972. 35 Neste sentido, vide Maria Paula Dallari BUCCI, Direito Administrativo e Políticas Públicas cit., pp. 241-251. 36 Pierre MULLER, Les Politiques Publiques cit., pp. 16-26. 37 Vide, para maiores detalhes, Gilberto BERCOVICI, “A Constituição Dirigente e a Crise da Teoria da Constituição” in Cláudio Pereira de SOUZA Neto; Gilberto BERCOVICI; José Filomeno de MORAES Filho & Martonio Mont'Alverne Barreto LIMA, Teoria da Constituição: Estudos sobre o Lugar da Política no Direito Constitucional, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2003, pp. 133-138 e Gilberto BERCOVICI, "As Possibilidades de uma Teoria do Estado", Revista de História das Ideias, vol. 26, Coimbra, Faculdade de Letras, 2005, pp. 20-32. 38 Vide István MÉSZÁROS, “Economia, Política e Tempo Disponível: Para Além do Capital” in Margem Esquerda: Ensaios Marxistas nº 1, São Paulo, Boitempo Editorial, maio de 2003, pp. 116-124. 39 Fábio Konder COMPARATO, “A Organização Constitucional da Função Planejadora” in Ricardo Antônio Lucas CAMARGO (org.), Desenvolvimento Econômico e Intervenção do Estado na Ordem Constitucional - Estudos Jurídicos em Homenagem ao Professor Washington Peluso Albino de Souza, Porto Alegre, Sergio
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29
Em termos federativos, este debate sobre políticas públicas e desenvolvimento está
estreitamente vinculado, como mencionamos acima, à concepção do federalismo cooperativo e
seus instrumentos de atuação conjunta. Para Joachim Hesse, o termo-chave da cooperação é a
elaboração de política conjunta (Politikverflechtung)40. E, no caso brasileiro, a política conjunta
está vinculada diretamente à responsabilidade comum decorrente das políticas e tarefas estatais
(Staatsaufgaben)41 previstas expressamente no artigo 23 da Constituição de 1988. A perspectiva,
portanto, para a análise da cooperação federal e das competências comuns do artigo 23 da
Constituição deve ser dinâmica, não estática, como tradicionalmente ocorre, com mera descrição
do texto constitucional, mas a ênfase deve se dar no processo de cooperação intergovernamental e
nas políticas dele derivadas42.
Sob a Constituição de 1988, portanto, o grande objetivo do federalismo é a busca da
cooperação entre União e entes federados, equilibrando a descentralização federal com os
imperativos da integração econômica nacional. Assim, o fundamento do federalismo cooperativo,
em termos fiscais, é a cooperação financeira, que se desenvolve em virtude da necessidade de
solidariedade federal por meio de políticas públicas conjuntas e de compensações das disparidades
regionais43.
O discurso da descentralização como justificativa de uma maior racionalização ou
eficiência da atuação estatal não pode ser adotado, na estrutura federativa prevista na Constituição Antonio Fabris Ed., 1995, pp. 78 e 82-83 e Eros Roberto GRAU, A Ordem Econômica na Constituição de 1988 cit., pp. 196-200. 40 Cf. Joachim Jens HESSE, “República Federal da Alemanha: Do Federalismo Cooperativo à Elaboração de Política Conjunta” cit., pp. 117-118. 41 O debate sobre as "tarefas do Estado" (Staatsaufgaben) é o debate alemão que trata das políticas previstas constitucionalmente, sua estruturação administrativa, responsabilidade por sua execução, mecanismos de cooperação administrativa e financeira, etc. Por tratar diretamente de questões vinculadas ao desenho da cooperação federativa, entendemos que pode ser muito útil para uma comparação com os dilemas enfrentados pelo federalismo cooperativo no Brasil. Sobre este tema, vide Franz-Xaver KAUFMANN, "Diskurse über Staatsaufgaben" in Dieter GRIMM (org.), Staatsaufgaben, Frankfurt-am-Main, Suhrkamp, 1996, pp. 15-38; Dieter GRIMM, "Der Wandel der Staatsaufgaben und die Zukunft der Verfassung" in Dieter GRIMM (org.), Staatsaufgaben cit., pp. 613-638 e Josef ISENSEE, "Staatsaufgaben" in Josef ISENSEE & Paul KIRCHHOF (orgs.), Handbuch des Staatsrechts der Bundesrepublik Deutschland, 3ª ed, Heidelberg, C. F. Müller Verlag, 2006, vol. 4, pp. 118-159 42 Joachim Jens HESSE, “República Federal da Alemanha: Do Federalismo Cooperativo à Elaboração de Política Conjunta” cit., pp. 121-124 e 132-137. Para uma perspectiva de análise do federalismo como processo, embora acentue demasiadamente a sua concepção de federalizing process no processo em si, desvalorizando o elemento estrutural (e o federalismo envolve ambos os aspectos, estrutura estatal e processo político), vide Carl J. FRIEDRICH, "The Theory of Federalism as Process" in Trends of Federalism in Theory and Practice, New York, Frederick A. Praeger Publishers, 1968, pp. 3-10 e Antonio LA PERGOLA, "El 'Empirismo' en el Estudio de los Sistemas Federales: En Torno a una Teoría de Carl Friedrich", Revista de Estudios Políticos nº 188, Madrid, março/abril de 1973, pp. 34-40, 44-50 e 70-77. 43 Cf. Jean ANASTOPOULOS, Les Aspects Financiers du Fédéralisme cit., pp. 8-9, 11-12 e 330-331.
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30
de 1988, sem maiores cautelas. Afinal, a própria concepção de descentralização é vaga, podendo
ser utilizada em inúmeros contextos diferentes. Na maioria das vezes, segundo Celina Maria de
Souza, o sentido de descentralização utilizado é o anglo-saxônico e norte-americano, ou seja,
como um redirecionamento para os agentes locais e para o mercado, fundamentando as visões
neoliberais. Sob este enfoque, a descentralização é apresentada como um fator de eficiência e
controle da atuação governamental, sugerindo que o poder central e/ou estatal é corrupto e
ineficiente44, em suma, a utilização da descentralização como panacéia de todos os problemas
relacionados à execução de políticas públicas se fundamenta nos mesmos argumentos utilizados
pelos teóricos do federalismo neodualista para justificar a necessidade do princípio da
subsidiariedade. A descentralização virou, assim, um fim em si mesmo45.
Este tipo de descentralização é o denominado, por Pedro Luiz Barros Silva e Vera Costa,
“descentralização diferenciadora, seletiva e fragmentada”, ora predominante na América Latina.
Os resultados desta modalidade de descentralização são o aumento das desigualdades regionais e
sociais, o privilégio aos setores mais ligados à economia internacional e a possibilidade de
fragmentação nacional, com o estimulo à inserção e articulação direta e separada dos entes
federados com o exterior, sem levar em conta os interesses do todo nacional46. Esta política foi
denominada, por Maria Hermínia Tavares de Almeida e Marta Arretche, de “descentralização por
ausência”47. A transferência não planejada e descoordenada de encargos contradiz o lugar-comum
de que os entes federados receberam apenas verbas e não encargos com a nova ordem
constitucional. As políticas sociais não sofreram mudanças qualitativas ou se deterioraram não
44 Cf. Celina Maria de SOUZA, Constitutional Engineering in Brazil: The Politics of Federalism and Decentralization, New York, St. Martin‟s Press, 1997, pp. 11-14 e Marta ARRETCHE, “Mitos da Descentralização: Mais Democracia e Eficiência nas Políticas Públicas?”, Revista Brasileira de Ciências Sociais nº 31, São Paulo, ANPOCS, junho de 1996, pp. 44-45. Vide também Rui de Britto Álvares AFFONSO, “A Federação no Brasil: Impasses e Perspectivas” in Rui de Britto Álvares AFFONSO & Pedro Luiz Barros SILVA (orgs.), A Federação em Perspectiva: Ensaios Selecionados, São Paulo, FUNDAP, 1995, p. 59; Pedro Luiz Barros SILVA & Vera Lúcia Cabral COSTA, “Descentralização e Crise da Federação” in Rui de Britto Álvares AFFONSO & Pedro Luiz Barros SILVA (orgs.), A Federação em Perspectiva cit., pp. 262-263 e 276-278 e Rui de Britto Álvares AFFONSO, "Descentralização e Reforma do Estado: a Federação Brasileira na Encruzilhada", Economia e Sociedade nº 14, Campinas, junho de 2000, pp. 128-129. 45 Rui de Britto Álvares AFFONSO, “A Federação no Brasil: Impasses e Perspectivas” cit., pp. 68-69. 46 Pedro Luiz Barros SILVA & Vera Lúcia Cabral COSTA, “Descentralização e Crise da Federação” cit., pp. 267 e 278-279. Vide também Rui de Britto Álvares AFFONSO, "Descentralização e Reforma do Estado: a Federação Brasileira na Encruzilhada" cit., p. 149. 47 Maria Hermínia Tavares de ALMEIDA, “Federalismo e Políticas Sociais”, Revista Brasileira de Ciências Sociais nº 28, São Paulo, ANPOCS, junho de 1995, pp. 104-105 e Marta ARRETCHE, “Mitos da Descentralização: Mais Democracia e Eficiência nas Políticas Públicas?” cit., p. 64, nota 17.
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31
pela sua concentração na esfera federal, mas pela total falta de planejamento, coordenação e
cooperação no processo de descentralização48.
O debate, portanto, não deve ser entre descentralização e centralização, mas qual
descentralização e para que (e para quem) descentralizar. A descentralização das políticas públicas
deve ser realizada de forma gradual, apoiada em programas de assistência técnica e financeira,
com o objetivo de evitar rupturas e prejuízos para a população. Ou seja, a descentralização deve
ser realizada de maneira articulada, não conflitiva, como vem ocorrendo. O desequilíbrio gerado
na descentralização é solucionado com uma política planejada de cooperação e coordenação entre
União e entes federados, com os objetivos do desenvolvimento e da promoção da igualação das
condições sociais de vida, não com o desmonte puro e simples ou o retrocesso da recentralização
de receitas na esfera federal49.
Um processo ordenado de descentralização de políticas sociais exige, portanto, políticas
definidas nacionalmente, com a cooperação de todas as esferas governamentais. Este é, para Marta
Arretche, o aparente paradoxo no processo de descentralização de políticas sociais no Brasil: o
sucesso da descentralização está ligado ao fortalecimento das capacidades institucionais e
administrativas do Governo Federal, que é o nível de governo que dirige e coordena a
implementação das políticas descentralizadas pelos entes federados50.
A elaboração de políticas deliberadas de descentralização, em nível nacional, é essencial
no Brasil, onde a transferência das políticas sociais não é um processo espontâneo. O Brasil, sob a
Constituição de 1988, é uma Federação. Portanto, os entes federados são dotados de autonomia,
não sendo obrigados a aderir a nenhuma política federal de descentralização de políticas sociais,
salvo determinação constitucional51. A descentralização de políticas sociais, desta maneira, só
consegue a adesão dos entes federados por meio de políticas nacionais deliberadas, com auxílio
48 Cf. Rui de Britto Álvares AFFONSO, “A Federação no Brasil: Impasses e Perspectivas” cit., pp. 62-67; Celina Maria de SOUZA, Constitutional Engineering in Brazil cit., pp. 106-107; Celina Maria de SOUZA, “Intermediação de Interesses Regionais no Brasil: O Impacto do Federalismo e da Descentralização”, Dados - Revista de Ciências Sociais, vol. 41, nº 3, Rio de Janeiro, 1998, pp. 576-577 e 584-585 e Rui de Britto Álvares AFFONSO, "Descentralização e Reforma do Estado: a Federação Brasileira na Encruzilhada" cit., pp. 133-134 e 137. 49 Rui de Britto Álvares AFFONSO, “A Federação no Brasil: Impasses e Perspectivas” cit., pp. 67-70 e Pedro Luiz Barros SILVA & Vera Lúcia Cabral COSTA, “Descentralização e Crise da Federação” cit., pp. 274-275 e 279-281. 50 Marta ARRETCHE, “Mitos da Descentralização: Mais Democracia e Eficiência nas Políticas Públicas?” cit., pp. 51 e 56-57. Vide também Maria Hermínia Tavares de ALMEIDA, “Federalismo e Políticas Sociais” cit., pp. 92-93 e 104-105. 51 Marta ARRETCHE, Estado Federativo e Políticas Sociais cit., pp. 13-14, 17, 33-34, 47-48, 241-242 e 248.
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32
técnico, administrativo e financeiro por parte da União, que motivem a decisão do ente federado
em assumir aquela política que se quer descentralizar. Na opinião de Marta Arretche, a pouca
capacidade administrativa e os problemas fiscais e financeiros dos entes federados são levados em
conta no processo da decisão de assumir uma política social, mas não são fatores determinantes da
decisão, pois podem ser compensados pela União (ou Estado, dependendo do caso)52. Deste modo,
o fator determinante da descentralização bem-sucedida de políticas sociais é a decisão política de
elaborar uma política nacional deliberada, que deve ser implementada de modo coordenado e com
a adesão dos entes federados53.
No Brasil, a decisão de descentralizar está, irremediavelmente, ligada à questão histórica
das desigualdades regionais, que nunca foram encarados como prioridade nacional máxima. Desta
forma, sem uma real preocupação com as desigualdades regionais, os efeitos da própria
descentralização se tornam limitados. E na questão das disparidades regionais, o papel da União é
fundamental: os entes federados não podem suprir o planejamento e decisões que exigem visões
supra-regionais, nem têm como obter, isoladamente, grandes recursos. Os efeitos da repartição de
rendas e encargos foram diferentes nas várias regiões, dado totalmente ignorado pelo Governo
Federal, que não pode ser subsidiário (como querem alguns), patrocinando o desmonte de políticas
públicas. É a questão fundamental das desigualdades regionais que deve determinar os limites da
descentralização no Brasil54.
E estes limites e possibilidades podem ser percebidos ao analisarmos, à guisa de
conclusão, a política recente de desenvolvimento regional do país. Em 2001, ao extinguir as
tradicionais autarquias de planejamento regional Sudam (Superintendência para o
Desenvolvimento da Amazônia) e a Sudene (Superintendência para o Desenvolvimento do
Nordeste), o Governo Federal as substituiu pelas “agências” de desenvolvimento regional. Perdeu-
se, então, a oportunidade de cumprir o previsto no artigo 43 da Constituição de 1988, com a
criação das Regiões, cujo objetivo é promover o desenvolvimento e reduzir as desigualdades
regionais.
52 Marta ARRETCHE, Estado Federativo e Políticas Sociais cit., pp. 52-57, 68-74 e 242-245. 53 Cf. Marta ARRETCHE, Estado Federativo e Políticas Sociais cit., pp. 74 e 246-248. 54 Marta ARRETCHE, “Mitos da Descentralização: Mais Democracia e Eficiência nas Políticas Públicas?” cit., pp. 54 e 56-57; Celina Maria de SOUZA, Constitutional Engineering in Brazil cit., pp. 103-104 e 176 e Celina Maria de SOUZA, “Intermediação de Interesses Regionais no Brasil: O Impacto do Federalismo e da Descentralização” cit., pp. 569-570 e 586-587.
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
33
Ao introduzir a Região, a Constituição de 1988 o fez como forma de organização
administrativa, não política. A finalidade das Regiões previstas no artigo 43 é a administração dos
interesses públicos federais naquela determinada área. Suas atividades são meramente
administrativas, ou seja, limitam-se à gestão de serviços e interesses públicos federais. A idéia do
artigo 43 da Constituição foi a criação de órgãos administrativos federais com ação e objeto
territorialmente delimitados, mantendo a concepção tradicional dos órgãos regionais de
desenvolvimento55.
Em outra ocasião, fomos críticos da solução do artigo 43 da Constituição de 198856. Hoje,
no entanto, estamos revendo estas críticas, entendendo mais positivamente as possibilidades deste
artigo, especialmente no tocante à determinação constitucional de articulação dos órgãos federais
no seu âmbito de atuação. Tendo em vista estas possibilidades do texto constitucional, o Governo
do Presidente Luís Inácio Lula da Silva, ao, acertadamente, propor a recriação da Sudene e da
Sudam, com a extinção das “agências” Adene e ADA, o fez a partir de um projeto de lei
complementar, nos termos do artigo 43 da Constituição, e não por medida provisória, como
desejavam alguns setores do governo. Estes projetos foram aprovados pelo Congresso Nacional e
sancionados pelo Presidente da República, tornando-se a Lei Complementar n. 124, que institui a
nova Sudam, e a Lei Complementar n. 125, que institui a nova Sudene, ambas promulgadas em 3
de janeiro de 2007.
O artigo 43 determina expressamente como competência dos organismos regionais a
articulação e coordenação dos órgãos federais no seu âmbito de atuação. Ao recriar a Sudene e a
Sudam com base neste dispositivo, o objetivo é garantir esta coordenação dos demais órgãos
federais pelas autarquias de desenvolvimento regional. A limitação da nova Sudene e da nova
Sudam encontra-se na sua forma autárquica, vinculada ao Ministério da Integração Nacional
(artigo 1º de ambas as leis complementares)57 o que não pode comprometer a autonomia dos
órgãos de desenvolvimento regional, dada a competência constitucional expressa do artigo 43,
caput.
55 Paulo BONAVIDES, Curso de Direito Constitucional, 7ª ed, São Paulo, Malheiros, 1998, pp. 323-326 e Paulo BONAVIDES, A Constituição Aberta: Temas Políticos e Constitucionais da Atualidade, com ênfase no Federalismo das Regiões, 2ª ed, São Paulo, Malheiros, 1996, pp. 339, 342-346 e 474-476. 56 Gilberto BERCOVICI, Desigualdades Regionais, Estado e Constituição cit., pp. 233-236. 57 Para uma alternativa de cunho federal para a questão regional, inspirada nos trabalhos de Celso Furtado e de Paulo Bonavides, vide Gilberto BERCOVICI, Desigualdades Regionais, Estado e Constituição cit., pp. 239-251.
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
34
Infelizmente, apesar do avanço da recriação da Sudene e da Sudam, a possibilidade de
um efetivo desenvolvimento equilibrado, com o combate às desigualdades regionais, interrompida
com o regime militar, ainda continua praticamente, inviabilizada. Falta, ainda, uma política
nacional de desenvolvimento regional no Brasil. Historicamente, as políticas de desenvolvimento
regional no Brasil sempre foram limitadas às denominadas “regiões-problema”58. A proposta de
uma política nacional de desenvolvimento regional diz respeito a todo o país, levando-se em conta
que todas as regiões brasileiras possuem áreas e setores socialmente atrasados e com dificuldades
de integração no sistema econômico nacional. As áreas miseráveis e atrasadas do Sul, Sudeste e
Centro-Oeste devem ter a mesma prioridade que o Norte e o Nordeste para o desenvolvimento
nacional59. Este é o grande desafio da política nacional de desenvolvimento regional, o de evitar
que se privilegie uma região como prioridade máxima, relegando-se as outras para segundo
plano60.
A melhor maneira de evitar o privilégio de uma única região em detrimento das outras em
um Estado federal cooperativo, como o brasileiro, é conceber o planejamento regional como um
processo que deve ser negociado entre a União e os entes federados61, tendo em vista também a
compatibilização do planejamento regional com o planejamento nacional (artigo 174, §1º da
Constituição). Os problemas regionais não podem ser tratados separadamente do contexto
nacional, o que não significa desconhecer a especificidade regional, mas sim que esta
especificidade regional deve ser entendida em sua inserção no todo nacional62. Desta maneira, a
política nacional de desenvolvimento regional não pode tratar a Questão Regional de forma
genérica, mas deve respeitar as especificidades de cada região, contemplando de maneira
detalhada a heterogeneidade nacional. E o fundamento desta política nacional de desenvolvimento
58 Vide Gilberto BERCOVICI, Desigualdades Regionais, Estado e Constituição cit., pp. 90 e ss. 59 Leonardo GUIMARÃES NETO, "Desigualdades e Políticas Regionais no Brasil: Caminhos e Descaminhos", Planejamento e Políticas Públicas nº 15, Brasília, junho de 1997, pp. 84-85. 60 Sergio BOISIER, "Qué Hacer con la Planificación Regional antes de Medianoche?", Revista de la CEPAL nº 7, Santiago, abril de 1979, p. 137. 61 Sergio BOISIER, "Qué Hacer con la Planificación Regional antes de Medianoche?" cit., pp. 140-144 e 151-168. 62 Otamar de CARVALHO, Desenvolvimento Regional: Um Problema Político, Rio de Janeiro, Campus, 1979, pp. 34-35; Wilson CANO, "Perspectivas para a Questão Regional no Brasil", Ensaios FEE, vol. 15, nº 2, Porto Alegre, 1994, pp. 317 e 320 e Manfred HOLTHUS, "A Política Regional da Alemanha no Processo de Unificação Econômica: Um Exemplo para a Política Regional em Países em Desenvolvimento?" in A Política Regional na Era da Globalização, São Paulo, Konrad Adenauer Stiftung, 1996, pp. 33-34.
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
35
regional é o da igualação das condições sociais de vida, com a igualdade de todos os brasileiros
perante a prestação dos serviços públicos essenciais63.
A proposta de uma política nacional de desenvolvimento regional exige, portanto, uma
presença ativa e coordenadora do Estado nacional (não apenas o Governo Federal), portanto,
desapareceu das considerações governamentais com o neoliberalismo64. A opção do Brasil não é
se integrar na globalização ou se isolar de modo autárquico. A questão fundamental é se a
integração dar-se-á a partir dos objetivos nacionais ou se levará o país à fragmentação. Diante dos
desafios e ameaças trazidos pela globalização, o esforço de coordenação, articulação e cooperação
de todos os níveis de governo do Brasil para o desenvolvimento e a superação das desigualdades
regionais é tão ou mais importante do que o ocorrido na década de 195065. Hoje, perdura ainda o
descaso com a elaboração e implementação de uma política nacional de desenvolvimento regional,
que deve ser inserida dentro de um projeto nacional de desenvolvimento, que, no nosso entender,
tem seus fundamentos previstos na Constituição de 1988.
63 Tânia Bacelar de ARAÚJO, "Por uma Política Nacional de Desenvolvimento Regional" in Ensaios sobre o Desenvolvimento Brasileiro: Heranças e Urgências, Rio de Janeiro, Revan,2000, pp. 134-136 e Gilberto BERCOVICI, Desigualdades Regionais, Estado e Constituição cit., pp. 239-244. 64 Tânia Bacelar de ARAÚJO, "Por uma Política Nacional de Desenvolvimento Regional" cit., pp. 115 e 129. 65 Tânia Bacelar de ARAÚJO, "Planejamento Regional e Relações Intergovernamentais" in Rui de Britto Álvares AFFONSO & Pedro Luiz Barros SILVA (orgs.), A Federação em Perspectiva cit., pp. 479-480, 482 e 486 e Leonardo GUIMARÃES NETO, "Desigualdades e Políticas Regionais no Brasil: Caminhos e Descaminhos" cit., pp. 89-90.
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36
3.2. Instrumentos legítimos à implementação das competências constitucionais
administrativas comuns
INSTRUMENTOS LEGÍTIMOS À IMPLEMENTAÇÃO DAS COMPETÊNCIAS
CONSTITUCIONAIS ADMINISTRATIVAS COMUNS
Christina de Almeida Pedreira
Introdução
A idéia de ineficiência e ineficácia do Poder Público impulsionou uma série de
inovações legislativas, voltadas, substancialmente, para a criação e regulamentação de
mecanismos operacionais que visam à concretização dos objetivos da República declarados na
Constituição Federal de 1988. O Estado brasileiro deve buscar formas de adaptação deste
contexto objetivando o desenvolvimento nacional.
É preciso reconhecer que a complexidade das atividades administrativas estatais
requer esforço cada vez mais intenso quanto à articulação, à estratégia e à efetivação de
técnicas organizativas que facilitem a gestão da coisa pública. Afinal, o Estado, na atualidade,
deve ter como traço característico o poder de coordenar e conduzir a sociedade, traduzido como
um poder sob a perspectiva governativa.
No perfil de cooperação mútua entre os entes federados aumentado a partir da
Constituição de 1988 incentiva-se a conjugação de esforços para realização de interesses
comuns, a fim de cumprir os objetivos federativos de fortalecimento nacional, seja pela
erradicação da pobreza, seja pela redução das desigualdades nacionais. O fato é que se busca
com a associação interfederativa o desenvolvimento do Estado nacional.
É dizer que este perfil cooperativo incentiva a instituição de medidas que, em um
conjugação de esforços para realização de interesses comuns, permitem alcançar os objetivos
fundamentais desta República. Somente por meio da associação interfederativa será possível
caminhar no sentido do desenvolvimento nacional.
Propõe-se nesta pesquisa fomentar o estudo para a efetiva utilização dos diversos
instrumentos já previstos no texto constitucional que podem, simultaneamente, proporcionar a
Professora adjunta da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestre em Direito Político e Econômico (MACKENZIE) e Doutora em Direito (PUCSP).
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
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associação interfederativa, por meio da descentralização dos centros de decisão política, para
que, juntos, consigam desenvolver projetos e ações de consolidação do bem-estar da sociedade
Será por meio de trabalhos múltiplos e concentrados, por todo país, que se atingirá
o desenvolvimento nacional. O grande desafio é equacionar a fórmula que incentiva a
descentralização administrativa como meio movimento necessário para garantir o crescimento
global.
O federalismo de cooperação e o desenvolvimento nacional: a realidade brasileira
Tem-se como certo que o desenvolvimento nacional só é possível se implementados os
instrumentos de cooperação interfederativa já previstos na ordem constitucional brasileira.
Afinal o modelo brasileiro de federação cooperativista é fundados em elementos próprios,
ainda que para isto tenha considerado fundamentos obtidos, simultaneamente, dos modelos
federalistas norte-americano e alemão.
Explica-se.
Em regra, a forma federativa de Estado é apresentada como modelo alternativo aos
Estados Unitários, ou seja, aqueles que concentram o centro de decisão política num único
pólo.
No entanto, ressalta-se que, uns dos propósitos do federalismo são a consecução e
manutenção da unidade e da diversidade de interesses de seus membros, ou seja, é afirmar que
“basicamente, a federação pretende a unidade na diversidade, procurando unir unidades
heterogêneas em torno de um conjunto de regras comuns, dando-lhes certa homogeneidade”;
mas, ao mesmo tempo, “pretende que essa unidade preserve a diferenciação entre os elementos
componentes da federação, respeitando a identidade cultural e política de cada um”1.
A estrutura federativa pressupõe a diversidade de Governos que devem conjugá-los
harmonicamente, de forma dinâmica e que proporcionem resultado positivo no desempenho de
suas atribuições. O Estado federal é, na verdade, uma forma de descentralização do poder, de
descentralização geográfica do poder do Estado e, também de descentralização funcional do
poder.
1 DALLARI, Dalmo de Abreu. O Estado Federal. São Paulo: Editora Ática, 1986, p. 51.
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Em suma, os entes federados recebem da Constituição suas competências, seus poderes e
atribuições de encargos, sem que seja necessária complementação de lei infraconstitucional.
No exercício destes encargos, o Poder Público deverá equilibradamente interagir junto
das relações econômicas e sociais. Necessariamente haverá certo grau de intervenção nestas
relações.
Todavia, é importante aqui destacar que esta relação decorre da articulação entre a forma
de Estado e o respectivo modo interventivo nas relações sócio-econômicas da sociedade2.
A intervenção do Estado na ordem econômica3 representa, de certo modo, a redefinição
de seu papel e diretamente repercute na atuação da Administração Pública, pois “as
modificações no sistema federativo decorrem em muitos aspectos, das formulações
econômicas, decorrentes das novas noções sobre o próprio conceito de Estado e de suas
tarefas”4.
Tem-se, então, o chamado Estado Liberal que se organizou de maneira a cumprir funções
referentes à segurança e organização institucional administrativa, com a delimitação de
poderes, apenas observando a ordem social, preservando, basicamente, o caráter individualista
2 Sobre o tema GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O serviço público e a Constituição brasileira de 1988. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 62, ao afirmar que “é inquestionável a existência de uma relação entre os modelos de Estado e as teorias das formas de atuação da Administração Pública, pois aquele modelo adotado em certo momento e em certo local, guarda estreita relação com as funções pertinentes à respectiva Administração Pública”. 3 Examinar as formas de intervenção estatal no domínio econômico mostra-se relevante sob o aspecto organizacional adotado. Teoricamente, distinguem-se radicalmente dois tipos de organização econômica: a primeira é a chamada economia descentralizada, que se caracteriza pelo primado das leis de mercado, na qual o Estado exerce somente uma intervenção indireta e global, precisamente para preservar-se das práticas que possam distorcê-lo; outra é a economia centralizada, na qual o Estado é o centro de todas as decisões, efetuando um planejamento dominante e irrefragável, em que as normas jurídicas tentam impor-se sobre as leis econômicas na suposição de discipliná-las. De uma forma ou de outra, a função do Estado é zelar pelo interesse geral. Para José Alfredo de Oliveira Baracho “a intervenção do Estado contemporâneo é um dado que não se pode ser abandonado, quando se fala em federalismo. A sua presença é constante em todos os estudos dedicados à transformação por que passam todos os modelos de federalismo. Como característica moderna, que aponta o crescimento contínuo da atividade econômica estatal, o federalismo não poderia deixar de sofrer a influência proveniente das formas de intervenção. As Constituições, refletindo essas tendências, passaram a conter extensa ordem constitucional-econômica. Dessa ampliação do conteúdo das constituições, surgiram a necessidade de atualização de muitas instituições para que pudessem satisfazer as solicitações emanadas dos textos constitucionais. As entidades componentes da Federação sofreram, em profundidade, em sua estrutura, para atendimento das novas medidas provenientes de nova concepção do próprio Estado, que passava a alargar os processo de condicionamento da atividade econômica” (BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Federalismo. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 243). 4 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Federalismo. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 236.
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da sociedade. Aqui, a intervenção estatal caracterizou-se pela não-intervençao do poder público
nas ordens econômicas e sociais. Foi considerado como “Estado Mínimo”.
Este modelo, identificado como federalismo dual5 é o próprio norte-americano, que se viu
– com o passar do tempo e significativa crise sócio-econômica interna – insufiente para a
produção de resultados pretendidos por sua comunidade. De modo evolutivo, o modelo foi
redefinido considerando a necessária atuação estatal em algumas áreas clamadas pela
sociedade, mas para isso fez imperiosa a interação entre os Governos central e periféricos,
naquilo que juntos entendiam como de interesse comum. Este modelo foi denominado
federalismo cooperativo6.
Sob qualquer hipótese, o federalismo de cooperação propõe a atuação do estatal, não só
normativamente – como foi próprio do modelo liberal –, mas principalmente exercendo tarefas
concretas a fim de atender ao interesses da comunidade.
Em razão deste intervencionismo, o Estado teve que assumir funções e tarefas que até
então não lhe competiam. Assim, para que fosse possível o amparo clamado pela sociedade,
necessária foi a colaboração entre as unidades federadas – Governo central e periférico – para
satisfação desses interesses. Falava-se, então, em federalismo cooperativo. Destaca-se, todavia,
que a passagem do período não-intervencionista para o intervencionista ocorreu gradualmente.
De outra parte, no continente europeu, a lógica do modelo de federação cooperativa
alemã fundava a cooperação mútua entre os Governos central e periférico conforme
coordenação daquele, ou seja, o federalismo cooperativo alemão apostava na cooperação mútua
dos Poderes Públicos, conforme orientações e sobre a coordenação do Poder Central7-8.
5 Sobre o modelo dual norte americado, BAGGIO, Roberta Camineiro. Federalismo no Contexto da Nova Ordem Global: perspectivas de (re) formulação da federação brasileira. Curitiba: Juruá, 2006, p. 44, 58. “o aumento da intervenção do governo central nas questões sociais pôs em crise a concepção do federalismo dual, abrindo espaço para uma nova configuração das relações federativas, denominada federalismo cooperativo”, isto é, “no período do federalismo cooperativo, os Estados-membros sempre contribuíram na execução dos programas sociais, porém, a responsabilidade central pela elaboração e manutenção de tais programas era do governo central”. 6 Sobre o federalismo cooperativo norte-americano, Sueli Gandolfi Dallari, explica que “o federalismo cooperativo introduziu a possibilidade de execução conjunta das tarefas governamentais, admitindo, portanto, a participação de mais de uma esfera política nesse trabalho”. DALLARI, Sueli Goandolfi. Os Estados brasileiros e o direito à saúde. São Paulo: Editora Hucitec, 1995, p. 39. 7 Sobre o modelo alemão, Klaus Friedrich Arndt, Wolfgang Heyder, e Gebhard Ziller, o federalismo cooperativo “expressaria, sobretudo o compromisso de coordenação e cooperação entre a União e os Estados e dos Estados entre si, a colaboração entre todos os que têm uma tarefa estatal a desempenhar em benefício dos cidadãos”, pois, “na medida em que há coordenação e cooperação na federação, há várias formas de interdependência entre os agentes nos diversos âmbitos e nos diferentes planos de
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Identificados os principais elmentos que influenciaram na definição do modelo
constitucional brasileiro, tem-se, entao que, para efeitos nacionais, o Poder Público de cumprir
funções de formal vertical (cabendo a União definir a linhas de desenvolvimento nacional) e
horizontal (cabendo simultaneamente aos ente federativos a definição, entre si, dos
instrumentos operacionais, por meio dos quais implementarão as tarefas comuns.
Considerando que a proposta desta pesquisa é examinar as alternativas instrumentais
consagradas na sistematica jurídica nacional no que tange à concretização das chamadas
competências comuns, previstas no artigo 23 do Texto Constitucional, sem que seja necessária
a manifestação legislativa – por meio de leis complementares – para sua consecussão.
Afinal, a eterna espera pela regulamentação do parágrafo único do referido artigo 23 tem
justificado a indefinição quanto à reparticao de responsabilidades entre os entes federativos.
Vale aqui declarar que as matérias de interesse comum são de responsabilidade mútua e
simultânea entre todos os entes federativos; assim, para que haja equilíbrio nesta definição, o
modelo de federalismo cooperativo impõe atuação conjunta destes entes.
Isto porque, a sociedade brasileira é marcadamente desequilibrada na distribuição de
renda, sobressaltando as desigualdades regionais e sociais. E, tais elementos devem ser
considerados na busca por estruturas institucionais e jurídicas existentes na reversão deste
quadro.
Há que se garantir no modelo federativo brasileiro instrumentos aptos à redefinição de
papéis entre as unidades federadas, equacionando a redistribuição de responsabilidade sócio-
econômicas com o incremento na relação políco-administrativa intergovernamental. Esta
Nação não comporta a centralização do poder no Governo central, tão pouco a sua
descentralização sem coordenação e planejamento geral.
ação”. Para Klaus Friedrich Arndt, Wolfgang Heyder, e Gebhard Ziller, o federalismo cooperativo “expressaria, sobretudo o compromisso de coordenação e cooperação entre a União e os Estados e dos Estados entre si, a colaboração entre todos os que têm uma tarefa estatal a desempenhar em benefício dos cidadãos”, pois, “na medida em que há coordenação e cooperação na federação, há várias formas de interdependência entre os agentes nos diversos âmbitos e nos diferentes planos de ação” ARNDT, Klaus Friedrich; HEYDER, Wolfgang; ZILLER, Gebhard. Interdependência política no federalismo cooperativo, in Federalismo na Alemanha, Fundação Konrad-Adenauer-Stifung, 1995, p. 107. 8 Ainda sobre o federalismo na Alemanha, Joachin Jens Hess ensina que a principal característica deste modelo é a interdependência dos vários níveis de Governo, ou seja, “a estrutura do sistema intergovernamental da Alemanha Ocidental é caracterizada por um extenso entrelaçamento e interdependência entre os níveis de governo e pela coordenação e cooperação entre os governos federal, estaduais e locais”. HESSE, Joachin Jens. República Federal da Alemanha: do federalismo cooperativo à elaboração de política conjunta, in Federalismo na Alemanha, Fundação Konrad-Adenauer-Stifung, 1995, p. 118.
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Como visto, a Constituição Federal de 1988 instituiu expressamente o federalismo
cooperativo dispondo matérias de competência comum entre todos os entes federados. Isto se
justifica “pelo fato de que num Estado intervencionista e voltado à implementação de políticas
públicas, as esferas subnacionais não têm mais como analisar e decidir, originariamente, sobre
inúmeros setores da atuação estatal, que necessitam de tratamento uniforme em escala
nacional” 9: em assuntos da ordem econômica e social há necessidade de unidade no
planejamento e direção das tarefas.
Tecnicamente considera-se cooperação como a institucionalização da atuação
conjunta e coordenada, de modo a produzir soluções dotadas de maior estabilidade, inclusive
para ampliação da legitimidade democrática e para a afirmação da eficiência da atividade
administrativa do Estado brasileiro.
Até o presente momento, a leitura feita a partir do artigo 23 da Constituição Federal tem
representado, antagonicamente, duas idéias: uma, que proporciona a solução dos desníveis
econômicos e sociais entre os entes federados dirigindo a economia nacional, e, outra, que
reforça o papel da União Federal em relação aos demais, transformando a relação em
subordinativa, alterando, inclusive, a estrutura das relações intergovernamentais.
A redação original do parágrafo único desse artigo, condicionava a realização da
cooperação interfederativa à edição de lei complementar por parte da União federal – a quem
competiria a definição dos limites desta interação.
Em recente reforma do texto constitucional, pela Emenda Constitucional n. 52, de
setembro de 2006, fez constar – por simples revisão redacional – que, de modo plural leis
complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em
âmbito nacional.
Desta nova redação leva-se à interpretação de que a cooperação interfederativa far-se-á
por diversas leis (todas do tipo complementar) conforme assuntos diversos a serem definidos
pelo Poder Público – e não mais, por um único instrumento legislativo, mas cuja competência
para legislar ainda permanece na Uniao Federal.
9 BERCOVICI, Gilberto. Dilemas do Estado Federal Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004, p. 57-58.
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
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Ou seja, efetivamente, muito pouco caminhou o legislador derivado no sentido de
proporcionar meios mais acessíveis à realização pretendida pela federação cooperativa
brasileira. A competência para tal elaboração legislativa permanece com o Governo Central.
Se desde a edição do Texto Constitucional até hoje não se viu a atuação legislativa
intentar neste sentido, tão pouco provável será futura edição de lei complementar para
regulamentar o assunto.
Diante desta realidade, busca-se neste estudo a identificação dos mais variados
instrumentos administrativos que proporcionarão o atingimento dos interesses comuns,
consolidando, em boa parte, o que se pretende com a cooperação interfedertiva.
É certo, pois, de outra parte, que é próprio do federalismo de cooperação a inexistência de
demarcação nítida de competências entre os Governos central e periféricos Isto se vê na
inscrição das chamadas competências comuns e concorrentes entre os entes federados. O fato é
que, sendo numa ou noutra competência, a solução quanto à definição de responsabilidades só
será possível por meio da colaboração recíproca. Este movimento decorre das complexas
questões econômicas, financeiras e sociais que demandam certa organização estatal integrada.
A virtude da cooperação “é a de buscar resultados unitários e uniformizadores sem
esvaziar os poderes e competências dos entes federados em relação à União, mas ressaltando a
sua complementaridade”. A cooperação parte do pressuposto da estreita interdependência que
existe em inúmeras matérias e programas de interesse comum. Todos os entes federados devem
colaborar para a execução dessas tarefas; logo, as responsabilidades também serão comuns, ou
seja, nenhum ente poderá eximir-se de implementá-las. Refletindo, assim, em dois os
momentos de decisão na cooperação: “o primeiro se dá em nível federal, quando se determina,
conjuntamente, as medidas a serem adotadas, uniformizando-se a atuação de todos os poderes
estatais competentes em determinadas matérias; o segundo momento ocorre em nível estadual
ou municipal, quando cada ente federado adapta a decisão tomada em conjunto às suas
características e necessidades” 10.
Portanto, a decisão é conjunta, mas a execução pode ou não se realizar de maneira
separada. Dependendo da matéria em questão.
Neste processo de decisão conjunta, é inevitável a medida de descentralização do poder
político. Todavia, o que se há de destacar é que tanto uma (descentralização administrativa) 10 BERCOVICI, Gilberto. Dilemas do Estado Federal Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004, p. 58, 61.
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quanto outra (descentralização política) dependem – para realização positiva de resultados – de
planejamento e coordenação entre os entes. Por isso, qualquer estudo feito sobre o assunto deve
levar em consideração o Estado brasileiro, naquilo que se refere ao poder político e políticas
públicas por ele adotadas.
Resgata-se, aqui, idéia já aventada, no que se refere à atribuição de planejamento e
coordenação das linhas gerais pretendidas ao Estado nacional pela União federal. Afinal, é a
União quem deve definir quais os objetivos que deverão ser atingidos pela atuação conjunta de
seus entes.
É certo que do federalismo de cooperação decorrem problemas de ordem econômica,
política e principalmente financeira.
Em termos econômicos, a principal questão que aflige o federalismo é a de como
compatibilizar a autonomia das unidades federativas periféricas com a necessidade, cada vez
mais imperiosa, de se planejar e promover o desenvolvimento econômico nacional.11.
É por isso que o Estado brasileiro, pela forma federativa do tipo cooperativo, buscou, por
meio de suas regras constitucionais, traçar parâmetros para que seus entes atingissem, de modo
equilibrado e com a soma de esforços, os objetivos traçados pela República, por meio de
escolhas políticas que devem ser feitas no desenvolver da Nação. Toma-se o consórcio púbico
como instrumento político de Estado, por meio do qual atenderá, além da prestação de serviços
públicos, também, o planejamento e execução de ações que envolvam políticas públicas.
a. Políticas Públicas: necessária definição conjunta do planejamento ao
desenvolvimento
A relação intergovernamental caracteriza-se pela integração de dois ou mais Governos no
desenvolvimento e na execução de programas e políticas públicas. O ideal de relação
intergovernamental configura-se pela conjugação de esforços, meios e capacidades para que os
entes-cooperados atinjam objetivos – no todo ou em parte – comuns. 11 Neste sentido, dispõe Gilberto Bercovici que “propõe-se a conciliação entre a necessidade de centralização das decisões no nível de racionalização dos empreendimentos com a descentralização das decisões políticas no tocante aos problemas regionais e locais, sempre se levando em conta que a autonomia regional ou local não tem sentido senão em relação ao todo, ao conjunto federal”. Para tanto, a “cooperação é uma espécie de planejamento, ao elaborar critérios conjuntos e uniformes de atuação da União e entes federados sem violar a repartição constitucional de competências – trata-se de um planejamento coordenado a partir da anuência de todos os titulares de funções estatais” BERCOVICI , Gilberto. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. São Paulo: Max Limonad, 2003, p. 209-210.
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Por isso, considerando o ideal cooperativo do texto constitucional, a complexidade e
diversidade de interesses entre os variados níveis territoriais serão tomados como elementos
que nortearão a responsabilidade sobre o cumprimento de suas respectivas competências..
Independente da forma de Estado adotada pelo Constituinte é preciso também examiná-lo
sob o ponto de vista de sua operacionalização, a fim de proporcionar reformas estruturais e
institucionais que possam satisfazer os interesses e necessidades nacionais.
A complexidade, cada vez maior, das tarefas do Estado exige a observância da função
não só de colaboração, mas principalmente de coordenação, que não se resolve exclusivamente
com a criação novas estruturas organizacionais, mas na adaptação das espécies clássicas para o
desempenho de novas tarefas.
É preciso considerar que o planejamento das ações do poder público é elemento
característico do Estado federal, que, em razão da diversidade de interesses em questão, deve
coordenar e articular as competências atribuídas a cada um dos entes. Afinal, se o
planejamento é elemento característico do Estado federal é preciso consagrar instrumentos de
implementação do federalismo.
Portanto, o planejamento das tarefas no curso da implementação dos interesses comuns
deverá fazer parte da relação intergovernamental, pois por meio dessas será promovido o
desenvolvimento nacional, afinal, o planejamento confirmará as estruturas de poder e o
instrumentos definirão sua direção, efetividade e intensidade. Juntos – planejamento e
desenvolvimento – são condições necessárias para a realização do bem-estar social.
Tendo em vista que, em primeira e última instância, o bem-estar social é o fim que busca
o Estado atingir.
Nesse contexto, estabeleceu a Constituição de 1988 princípios12 de que as diferentes
unidades da federação brasileira devem cooperar entre si na realização dos interesses nacionais.
Essa colaboração deve dar-se por meio de definição de políticas públicas estabelendo metas,
diretrizes e planos que garantam a atuação equilibrada, conforme a atribuição de cada um do
entes federados.
A garantia do desenvolvimento nacional, enquanto princípio constitucional, determina
que o Estado deve perseguir o desenvolvimento em atuação conjunta, devendo a ordem 12 São chamados de princípios de integração, porque todos estão dirigidos a resolver os problemas da marginalização regional ou social, sendo eles: a defesa do consumidor, a defesa do meio ambiente, a redução das desigualdades regionais e sociais e a busca do pleno emprego.
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econômica estar voltada para a construção de uma sociedade mais justa e solidária. O
estabelecimento de uma política desenvolvimentista representa certo intervencionismo estatal –
e assim tem que ser.
A idéia de que o grande objetivo nacional é o desenvolvimento e de que este constitui um
processo planejado de transformação global das estruturas organizacionais e institucionais do
país domina a ordem constitucional brasileira. A partir disso, diz-se que a planificação do
desenvolvimento, como função de eminente interesse público, não pode ser confiada de modo
exclusivo a agentes estatais, sem ligação com os grupos ou categorias profissionais que forma a
sociedade. Todavia, “a política de desenvolvimento nacional deve estar livre das pequenas
injunções da rivalidade pessoal ou partidária e, acima de tudo, criar condições para que o
interesse geral prevaleça sobre os interesses particulares” 13.
É possível, com isso, afirmar que o eixo central de toda a sistemática econômica e social
do Estado brasileiro é o planejamento que, por sua própria natureza, implica a periódica fixação
de objetivos gerais a serem atingidos e a mobilização de toda a sociedade para a consecução
desses objetivos.
Neste raciocínio afirma-se que sem uma gestão adequada do aparelho estatal brasileiro
não é possível romper o círculo vicioso que impede o desenvolvimento do país. Por outro lado,
as soluções meramente técnicas que não contemplem os problemas da dominação política serão
insatisfatórias.
Por isso, propõe-se a utilização de instrumentos administrativos que proporcione a ação
intergovernamental e não dependentes da movimentação legislativa.
De qualquer forma, tem-se que considerar que o planejamento nacional não pode ser
levado como um fim em si mesmo, ou seja, seu objetivo é proporcionar meios para re-
equilibrar as diferencias sociais e econômicas ou, ao menos, reduzir a níveis toleráveis tais
desigualdades.
Alerta-se para a dificuldade de conciliar o princípio federalista, que pressupõe a
descentralização política e administrativa, com o sistema de planejamento global da economia,
que necessita da centralização de decisões e de controle. Para compatibilização, deve-se
13 COMPARATO, Fábio Konder. Muda Brasil: uma Constituição para o desenvolvimento democrático. Brasília: Editora Brasiliense, 1986, p. 24-26.
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“preservar a diferenças geográficas, econômicas e culturais de cada unidade federada, evitando-
se, assim, uma uniformidade na concepção e execução” 14.
Tem-se que manter em mente que as políticas de desenvolvimento nacional devem ser
elaboradas e implementadas dentro dos marcos do sistema federal, com a coordenação e
cooperação da União e de todos os entes federados conjuntamente. Ainda que para isso sejam
criadas entidades administrativas próprias descentralizadas.
Para isso, alguns temas da agenda dos Governos demandam trabalho cooperado e
coordenado em sua implementação, como aqueles de responsabilidade partilhada, entre eles as
políticas públicas de desenvolvimento regional e urbano, dentre outras que funcionam de forma
sistêmica como a saúde, o abastecimento de água, a educação, entre outros. Políticas públicas
são, para este fim, programas de ação governamental que visam à coordenação dos interesses
públicos, bem como a realização dos objetivos – sociais, econômicos e políticos – relevantes.
Apesar de serem consideradas “programas de ação governamental”, o estudo sobre as
políticas públicas deve indicar elementos que proporcionem a concretização de direitos por
meio de prestações positivas do Estado.
Afinal, o próprio fundamento das políticas públicas “é a necessidade de concretização de
direitos por meio de prestações positivas do Estado, sendo, de modo geral, o desenvolvimento
nacional a principal política pública conformando-a e harmonizando-a todas as demais” 15.
É de se notar, desde já, que em relação à distribuição de funções entre os Governos
central, estadual, distrital e municipal, as decisões sobre políticas públicas envolvem uma
mistura de políticas nacionais, que deverão ser compartilhadas com os demais.
Todavia, nem sempre é esta a realidade que se apresenta. Com freqüência os governos
locais são responsáveis por funções remanescentes, os governos estaduais com funções
concorrentes. Ou seja, numa função ou noutra, como regra, concentram-se as decisões no
governo federal.
Num Estado intervencionista, e voltado para a implementação de políticas públicas, as
esferas subnacionais não têm mais como analisar e decidir, originariamente, sobre inúmeros
setores da atuação estatal, que necessitam de um tratamento uniforme em escala nacional.
14 CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional Didático. Belo Horizonte: Dey Rey, 2001., p. 569. 15 BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. São Paulo: Max Limonad, 2003, 42.
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Este modelo é incompatível com o ideal de cooperação e consecução de interesses
comuns. A solução está no incremento do grau de articulação entre os Governos, bem como, no
substancial conhecimento do objeto da política pública que se propõe à implementação.
São elas [as políticas públicas], então, o objeto da ação dos governos que, por óbvio,
devem acontecer dentro dos parâmetros da legalidade, o que não significa afirmar que elas
formalizar-se-ão necessariamente como leis.
As políticas públicas definem-se ao longo de um processo de escolha dos meios para
realização dos objetivos traçados por determinado governo. Logo, a temática das políticas
públicas, como parte no processo de resposta ao interesse público, está ligada à questão da
discricionariedade do administrador, na medida em faz parte das escolhas por determinados
fins e objetivos, enquanto finalidades da atividade administrativa.
Volta-se à advertência quanto a importância em examinar a problemática que envolve a
equação entre descentralização administrativa, enquanto opção organizacional, e a
obrigatoriedade do cumprimento das múltiplas tarefas públicas, enquanto opção política
governamental.
É um processo em constante transformação.
Descentralização administrativa: diversos modelos de organização e de gestão
Definitivamente, um problema que integra a estrutura do federalismo é a execução dos
seus fins conforme as competências das entidades que compõem o Estado federal, vez que são
entidades autônomas e têm organização administrativa, que se incluem nas respectivas
competências.
A transferência, pelo Estado, da execução de atividades administrativas a pessoas
jurídicas de direito público ou privado se concretiza, basicamente, de duas formas: uma, por
meio de lei, criando ou autorizando a criação de entidades estatais, que integrarão a estrutura
organizacional do Estado; e, outra, por meio de contrato, quando o Estado delega a execução de
serviços ou atividades públicas a pessoas jurídicas de direito privado, por concessões ou
permissões16.
16 ROLIM, Luiz Antônio. A administração indireta, as concessionárias e permissionárias em juízo. São Paulo: Editora RT, 2004, p.32-33.
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Na atualidade, Estado deixou de prestar serviços diretamente para transferir a execução
aos privados – por isso, com freqüência, utiliza-se como verdadeira a afirmação de que a
solução de todos os problemas da Administração Pública é a concessão dos serviços públicos -
mas o resultado é que os cidadãos ficaram sem garantias e desprotegidos no consumo de
serviços que até então eram essenciais e universais. A delegação do serviço se faz por meio de
contratos públicos, na qual a empresa vai prestar o serviço e o Estado permanece só com a
função de fiscalização e gestão.
A introdução dos novos modelos de organização e de gestão pressupõe formas
alternativas de controle – seja por intermédio do núcleo estratégico, que presta conta dos
resultados das políticas públicas aos representantes eleitos, seja pelo estabelecimento de
mecanismos de participação social, a exemplo da criação de conselhos em que se prevê a
participação da comunidade.
O Estado brasileiro, só nas últimas seis décadas, passou dos serviços públicos
centralizados para os serviços públicos delegados a particulares e destes às autarquias
outorgadas. E, ainda, passou a assumir atividades de interesses recíprocos entre entidades
públicas e particulares sob regimes de cooperação mútua, nas formas de convênios e consórcios
administrativos.
A descentralização pressupõe, então, dois elementos: inicialmente, implica no
reconhecimento de uma categoria de interesses próprios que seja distinta dos interesses
nacionais; e, por fim, é preciso a concessão da personalidade jurídica às entidades que foram
criadas para determinada função, para que com autonomia financeira possa gerir seus negócios.
Tem-se, então, que a descentralização administrativa deve ser considerada como medida
de gerência, por parte do Estado, na criação de entidades parceiras17 que o auxiliarão no
cumprimento de seus fins. São, portanto, formas de parceria todas aquelas medidas tomadas
pelo Estado na intenção de garantir, ainda que indiretamente, a observância de suas finalidades.
Portanto, pela descentralização administrativa, o Estado transfere para outrem – com
maior ou menor autonomia – a prestação de uma atividade pública de interesse coletivo.
17 Maria Sylvia Zanella di Pietro, entende por parceria a modalidade de delegação ao particular de atividade que não são exclusivas do Estado, como as concessões, permissões e fomentos (PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Parcerias na Administração Pública. São Paulo: Atlas, 2002, p.51). Nesta pesquisa, tem-se a parceria como forma de atividade cooperada entre entes públicos ou entre estes e os particulares para fazer valer, sempre, os interesses da coletividade.
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Mas não é só a descentralização administrativa que importa no estudo do caso brasileiro
como elemento concretizador da implementação de políticas púbicas, e, sim, compatibilizá-la a
instrumentos administrativos capazes de concentrar a coordenação e cooperação entre os entes
federativos, que são inerentes à descentralização política.
Instrumentos administrativos para cooperação intergovernamental
São instrumentos competentes à cooperação interfederativa, com previsão expressa no
texto constitucional, as regiões metropolitanas, as regiões administrativas, os consórcios
públicos, os convênios de cooperação; sem esquecer, os consórcios administrativos e os
convênios administrativos.
Todos eles devem ser vistos como instrumentos diferenciados para incrementar a agenda
de desenvolvimento do país, pois são meios que proporcionam a ampliação do alcance e da
efetividade das políticas públicas e dos recursos nelas aplicados, uma vez que poderão permitir
ação cooperada e maior racionalidade na execução de serviços, bem como de políticas de
responsabilidade partilhada entre todos os entes interessados.
A escolha entre um e outro é opção política.
Propõe-se, aqui, que por meio destes instrumentos – somados aos demais previamente
garantidos no texto constitucional e vigentes na prática administrativa ordinária – vieram a
ampliar as hipóteses de implementação das competências comuns previstas no art. 23, pois o
cerne da cooperação interfederativa é a possibilidade de transferência de encargos e meios –
pessoal e bens – entre os entes para a realização e gestão associada dos serviços18.
Com maior segurança, identifica-se a intenção do legislador-constituinte em ratificar os
mais diversos instrumentos frente à necessidade de atuação cooperada entre o poder público,
pessoas jurídicas por ele criadas e a sociedade, para o bem geral de todos.
Considera-se, para tanto, como elemento significativo a reformulação institucional no
país, por meio da criação de instrumentos que proporcionem a descentralização política e
adequado cumprimento de políticas públicas nacionais.
18 Somado à idéia de desenvolvimento e execução programas e políticas públicas, o texto constitucional, na redação do artigo 241, indicou nova forma de cooperação, por meio da chamada “gestão associada”. Tal gestão far-se-á por meio de consórcios públicos e convênios de cooperação, cujo modelo permitirá e facilitará a gestão compartilhada, na medida em que transfere encargos, serviços, pessoal e bens de uma pessoa jurídica para outra, de modo a garantir a continuidade dos serviços transferidos.
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
50
A federação brasileira, como qualquer federação, é reconhecida pela promoção conjunto e
indissociável de interesses recíprocos, afinal “toda organização federativa envolve um
complexo de problema de composição e harmonização de interesses nacionais e locais”, ou
seja, “ainda quando exista uma competência privativa para um determinado ente federado,
deverá ser exercitada de modo a assegurar a realização dos interesses conjuntos de todos os
demais entes federados” 19. Reconhece-se a necessidade da integração das múltiplas
competências e a atuação conjunta e coordenada entre os diversos entes federativos.
O texto constitucional vigente, ainda que com limites, principalmente quanto ao
financiamento das políticas públicas consagradas, definiu uma agenda reformista20 que se
caracteriza pela concepção universalista quanto aos direitos sociais, redistributiva quanto à
renda e democrática quanto à gestão pública. A repartição das competências públicas entre os
entes federados leva em conta, observando critérios técnicos e jurídicos, os interesses próprios
de cada esfera administrativa, bem como a capacidade para executá-los.
Ao mesmo tempo em que a repartição de competência define o modelo federativo, este se
equilibra entre a colaboração mútua dos entes federados e a impossibilidade de delegação
irrestrita de suas competências, ou seja,
A Constituição de 1988 contemplou quatro formas de distribuir as competências dos
entes federados: a primeira discriminando a competência da União em matérias
administrativas, deixando as remanescentes ao encargo dos Estados; a segunda tem a União a
prerrogativa de delegar aos Estados suas competências privativas; a terceira, indicando as
competências comuns, inclusive de caráter administrativo, estabelecendo a cooperação
interfederativa; e, por fim, as competências concorrentes entre União e Estados-membros.
19 JUSTEN FILHO, Marçal. Novos sujeitos na Administração Pública: os consórcios públicos criados pela Lei federal n. 11.107, in OSÓRIO, Fábio Medina e SOUTO, Marcos Juruena Villela (Coords.), Direito Administrativo – estudos em homenagem a Diogo de Figueiredo Moreira Neto. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p. 675. 20 Por agenda reformista, considera Orlando Alves dos Santos Junior “as reformas econômicas estruturais implementadas com a adoção de políticas de liberalização econômica e a privatização de empresas estatais. Ao mesmo tempo, a crescente transferência de responsabilidades e de competências do governo nacional para os governos locais, impulsionando profundas transformações nas instituições de governo local do país, que alteram o sistema de decisões municipais e as práticas dos atores políticos. Desde então, para o autor, verifica-se um crescente e generalizado processo de fortalecimento da esfera local de governo, centrado na descentralização e na municipalização das políticas públicas. Tal processo tem ensejado mudanças na organização e no funcionamento dos governos locais, que têm sido incorporadas de forma diferenciada segundo as diretrizes adotadas e o grau de instituição dos canais de gestão democrática e dos instrumentos redistributivos de renda e da riqueza produtiva nas cidades”.( SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos. Democracia e governo local: dilemas da reforma municipal no Brasil. Rio de Janeiro: Revan: FASE, 2001, p. 29)
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51
De um modo geral, a União tem como principal missão “a promoção do desenvolvimento
e integração das áreas problemáticas do continente nacional, que deverão ser convenientemente
assistidas e desenvolvidas” 21, ou seja, “confere-se competência à União para desempenhar
certas atividades de cunho político, administrativo, econômico ou social que, por sua natureza,
pressupõe o exercício e tomada de decisões governamentais e utilização da máquina
administrativa” 22. Entretanto, não conseguiu encontrar o equilíbrio nas relações federativas” 23,
pois persiste nela uma excessiva concentração de poderes.
Talvez o aspecto primordial do Estado federado do tipo cooperativo seja o
reconhecimento de que todos os entes integrantes da federação são co-titulares de interesses
comuns, cuja promoção se desenvolve por meio da atuação conjunta e indissociável,
assegurando-se a todos eles o respeito recíproco; afinal, há interesses próprios e poderes
diferenciados. A solução está na equação equlibrada destes dois últimos elementos.
A autonomia político-administrativa das unidades federadas não enfraquece nem
representa obstáculo à atuação harmoniosa de todos os entes.
O princípio da predominância do interesse é que norteia a repartição de competências
entre as entidades componentes do Estado federal. Serão de competência da União àquelas
matérias de predominante interesse geral; dos Estados aqueles assuntos de predominante
interesse regional; e, aos Municípios, assuntos de interesse local.
Em particular o modelo federativo brasileiro posto a partir de 1988 implanta, sem
precedentes, uma descentralização fiscal e de políticas públicas. Esta atitude se justifica tendo
em vista a trajetória do país que há muito convive com problemas como desigualdades sociais e
econômicas regionais – o que certamente se explica pela extensão territorial do país. A
heterogeneidade, a diversidade e conflitos são inevitáveis.
Preocupou-se em inserir instrumentos administrativos que proporcionassem, apesar do
movimento de descentralização, a concentração de esforços dos entes federados nas políticas
de atuação cooperada para desenvolvimento do Estado nacional.
21 SOARES, Esther Bueno. União, Estados e Municípios, in BASTOS, Celso Ribeiro (Coord.) Por uma nova federação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 82. 22 ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. São Paulo Atlas, 2005, p. 84. 23 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Perspectivas para o federalismo, in BASTOS, Celso Ribeiro (Coord.) Por uma nova federação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 154.
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De um modo geral, as formas de operacionalização e de pactuação interfederativa foram
delegados ao legislador infraconstitucional que não se empenhou neste sentido. Sem tais
medidas, torna-se pouco provável a finalização e implantação do chamado federalismo
cooperativo no país.
Neste processo de descentralização das decisões políticas, os Estados-Membros ficaram
bastante limitados em suas competências, pois suas atribuições resumem àquelas que não
competem à União e, ainda, que não podem ser cumpridas pelos Municípios.
Então cabe aos Estados a decisiva tarefa de influir nos rumos da municipalização das
políticas públicas, pois cabe a eles compensar as adversidades locais. Aos Estados restaram,
portanto, as competências privativas residuais, nos termos do art. 25, e seus parágrafos,
combinado com a leitura do § 4º do art. 18, de exploração dos serviços locais de gás
canalizado; de instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões e a de
criar municípios.
A Constituição brasileira de 1988 não se contentou em estabelecer a Federação,
descentralizando o todo; estabeleceu, também, o municipalismo, impondo a descentralização
das partes. Há, portanto, três ordens federativas: nacional, regional e local.
O reconhecimento da importância dos Municípios deve-se, sobretudo, à circunstância de
que se trata de um agrupamento de sólidas bases, porque o relacionamento dos interessados dá-
se de maneira mais aberta e intensa. É por este motivo que o Município precede ao próprio
Estado24.
No intuito de fortalecimento do poder local, a ordem constitucional de 1988 reforçou o
processo de descentralização política pela transferência de atribuições para Estados e
Municípios e a descentralização administrativa pela criação de instrumentos de cooperação e
relação intergovernamental, mas não proporcionou métodos eficazes para a implementação
destas medidas. Ante esta falha, a prática converteu-se em competição horizontal e vertical
entre os entes federados.
Aparentemente, a distribuição das competências parece complexa, porém é um sistema
flexível capaz de se moldar à realidade brasileira, que apresenta profundas diferenças regionais,
vez que o Poder Público tem maior agilidade e poder de iniciativa executiva.
24 BASTOS, Celso Ribeiro e TAVARES, André Ramos. As tendências do Direito Público no limiar do novo século. São Paulo: Saraiva, 2000., p. 130.
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53
Sem dúvida, falta ainda a elaboração de inúmeras leis complementares para a criação de
todo o arcabouço infraconstitucional. Mas esta omissão legislativa não pode impedir a ação
governamental no sentido de implementar os princípios e objetivos postulados pelo Texto
Constitucional.
No entanto, como já dito, não se pode olvidar que a ação dos governos locais depende,
em grande parte, da ação do governo federal, que, em regra, pelo sistema constitucional
brasileiro, unilateralmente pode induzir decisões e comportamentos de todos os entes
federativos, por meio de programas pré-estabelecidos. Com essa premissa, é possível afirmar
que “em Estados federativos, estratégias de indução de um nível mais abrangente de governo
sobre um outro menos abrangente podem ter impacto sobre a produção de políticas públicas
deste último” 25.
Mesmo em se falando de cooperação interfederativa, é importante destacar que a
repartição constitucional de competências induz à observância dos limites de atuação de cada
um dos entes federados, ou seja, devem as unidades respeitar aquelas competências que he são
privativas. Trata-se, pois, do respeito ao princípio da autonomia das unidades federados, que
poderão implantar ou não uma determinada política pública.
A execução de políticas públicas pelo Poder Público é atribuição primordial do Governo a
fim de assegurar a coexistência dos governados em sociedade, mantendo a ordem interna e
garantindo a iniciativa privada na regulação da ordem econômica.
Modelos de associativismo autorizados pelo sistema jurídico nacional vigente
Constata-se, então, no ordenamento jurídico brasileiro, a importância do associativismo
por meio de figuras como os consórcios públicos, os convênios de cooperação, as
aglomerações urbanas, as microrregiõe e as regiões metropolitanas. De forma bastante
simplificada, todas essas figuras consistem no agrupamento de Municípios limítrofes que se
propõem à integração funcional e planejamento integrado entre os entes públicos que fazem
parte.
Partindo-se do pressuposto de que as formas de atuação da Administração Pública,
pautadas pela adoção de políticas públicas abrangentes, relacionadas ao bem-estar geral, são
25 ARRETCHE, Marta. Estado federativo e políticas sociais; determinantes da descentralização. Rio de Janeiro: Revan; São Paulo: FAPESP, 2000, p. 33.
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54
intimamente ligadas aos modelos de Estado, adotados em dado momento histórico; assim, para
a análise e compreensão das formas de atuação do poder público, em face das opções de
associativismo e de regionalismo, na junção de esforços de entidades públicas, para a
consecução de interesses coletivos, é fundamental compreender a relação entre os fins do
Estado e as funções e formas de organização por ele adotadas.
Por isso, com a definição de competências no texto constitucional de 1988, colocou-se em
questão a partilha de responsabilidades em relação àquelas comuns definidas no art. 23,
considerando a amplitude de temas ali tratados e exigindo a cooperação entre os entes
federativos para a realização desses direitos.
O modelo federativo não elimina a natureza una do Estado brasileiro, pois todos os entes
que o compõem devem, em conjunto e em colaboração mútua, perseguir e implantar os
objetivos nacionais dispostos no art. 3° da Constituição Federal.
Entretanto, o que vê de fato é uma completa falta de política nacional coordenada, em que
algumas políticas públicas sejam realizadas por mais de uma esfera de governo e, outras, por
nenhuma.
Assim não poderia deixar de ser, pois todos os entes federativos compartilham, de algum
modo, interesses comuns – cada um na sua fração.
A cooperação que se propõe para justificar a formação do consórcio público não pode ser
compreendida como forma de delegação de competência entre entes da Federação brasileira,
mas sim a somatória de esforços para realização de tarefas comuns e em conjunto. Sabe-se que
o texto constitucional reparte tanto as competências legislativas, como as administrativas, entre
os integrantes da Federação, com atribuição própria a cada um.
O federalismo cooperativo brasileiro acata uma visão de integração governamental de
todas as pessoas políticas, atribuindo a cada uma delas uma parcela de responsabilidade para o
efetivo equacionamento dos serviços públicos essenciais.
Nesta realidade, à Administração Pública cabem tarefas de maior responsabilidade, as
quais o esforço isolado no seu cumprimento dificulta o resultado produtivo. Para tanto, surgem
as modalidades de cooperação26 mútua, por meio de pactos firmados entre pessoas políticas,
para a consecução de interesses públicos.
26 O texto constitucional faz menção expressa no parágrafo único do art. 23 e, também, no art. 241.
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
55
Toma-se como verdade que, por força do modelo federativo, o ente que participa da
gestão associada com outro tem interesse amplo no bom resultado das atividades assumidas, e
por isso empresta sua colaboração.
A necessidade de encontrar novas fórmulas ao desempenho da prestação das atividades
administrativas surgiu à medida que o Estado foi assumindo diferentes papéis nos mais
variados setores da sociedade. Ante o desafio de reformar o perfil do Estado, torna-se
imprescindível à redefinição das tarefas que lhe incumbem, redefinindo-se o modelo de gestão
associada.
Esta distinção faz-se necessária: gestão associada não significa delegação da atividade
administrativa, mas, sim, cumprimento compartilhado desta.
A repartição constitucional de competências, como se viu, distribui de modo
compartilhado as atribuições aos entes federados, cujo cumprimento observará a
predominância do interesse, ou seja, vigora um quadro de competências constitucionais cuja
distribuição caracteriza-se a integração dos entes federativos.
Devem-se considerar todos os elementos examinados sobre a federação brasileira e
integração das competências constitucionais até então. Pois, somente no contexto do
federalismo cooperativo com vista ao desenvolvimento nacional é que se podem formular
soluções àqueles problemas.
Os modelos de associação interfederativa prevista do texto constitucional cuidam de
viabilizar que os entes exerçam suas competências, por força do princípio federativo,
associando-se a outra entidade, que também deverá desenvolver competência que lhe é própria.
Afinal, as limitações quanto à distribuição de competência devem ser mantidas, isto é, cada
ente federado deverá cumprir suas atribuições, sem transferi-las ou assumi-las de outrem.
De todo modo, reconhece-se na Constituição Federal prescrições necessárias ao
atendimento de finalidades da coletividade, além de normas que impõem ao poder público a
implementação de tarefas para cumprir a essas finalidades. Por isso, afirma-se que na atual
configuração do Estado, em que o Governo precisa intervir, regular, agir, planejar e fiscalizar, Art. 23, Parágrafo único. Lei complementar fixará normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional. Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
56
o aparato administrativo deve acompanhar o desempenho dessas funções de modo a
operacionalizar e concretizar as políticas públicas.
Por isso, cientes que a eficácia das políticas públicas depende do grau de articulação entre
os poderes e os agentes públicos envolvido e que, em razão disso, desafia-se a possibilidade de
coordenação das atividades administrativas para a concretização de tais políticas, busca-se
nestes novos mecanismos instrumentais (administrativos) um meio para a efetivação dos fins
estatais propostos pela ordem constitucional.
Os instrumentos propõem-se à integração das competências dos entes federados, mas
cada uma delas deve observar seus limites. Em verdade, “gestão associada” compreende a
noção de atuar em conjunto, somando esforços; enquanto “transferência” significa delegar a
outrem o que lhe é próprio.
Para fins de compreensão sistêmica, formula-se um enquadramento dos instrumentos
congêneres que se prestam à cooperação interfederativa para o exercício de gestão
compartilhada das políticas estatais. São dois grandes gêneros: consórcios e convênios.
Apresentam-se como espécies dos consórcios: os consórcios administrativos e os consórcios
públicos; por sua vez, são espécies de convênios: os convênios administrativos e os convênios
de cooperação.
Há no ordenamento jurídico nacional elementos com previsões implícitas e explícitas que
permitem a coexistência de todos esses instrumentos, como formas alternativas.
Note-se que os modelos de cooperação interfederativa autorizadas no ordenamento
jurídico brasileiro concentram-se em dois grupos: o primeiro, de natureza administrativa,
dispensam autorização legislativa para sua concretização, sendo suficiente, para tanto, a
decisão política conjunta, que se exteriorizará por meio de convênios administrativos,
convênios de cooperação, consóricos administrativos e consórcios públicos; e, o segundo, de
natureza legislativa, dependem de autorização expressa em lei para sua constituição e
funcionamento, como no caso das regiões metropolitanas.
A escolha por um ou outro será decididamente dos Poderes Públicos envolvidos.
Para auxiliar nesta escolha, passa-se à identificação dos elementos mais significativos de
cada um deles:
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a.) Convênios administrativos
Considerando o ideal de cooperativismo interfederativos no texto constitucional
brasileiro, também encontram-se no ordenamento jurídico infraconstitucional disposições que
compatíveis à criação de convênios e consórcios administrativos, que vêm sendo utilizados
como medidas alternativas de auxílio ao Poder Público no exercício de atividades
administrativas, em razão da diversidade, complexidade e, muitas vezes, custo dessas
atividades.
Tanto convênio como consórcio constituem instrumentos de que o poder público se
utiliza para se associar com outros e facilitar a gestão de suas atividades. O ponto de contato
entre ambos é o objetivo de reunir esforços para a consecução de fins comuns às entidades
consorciadas ou conveniadas.
Com base na doutrina, são características dos convênios: “os objetivos institucionais
comuns entre os entes conveniados, os partícipes do convênio têm competências institucionais
comuns, de modo que os resultados alcançados inserem-se dentro das atribuições de cada um;
logo, devem ser comuns esses resultados; por fim, verifica-se a mútua colaboração que pode
assumir várias formas”27.
Trata-se de uma cooperação associativa, sem vínculos contratuais, cuja execução fica sob
responsabilidade dos partícipes, que atuará nos termos e condições do convênio.
Destaca-se que convênio não se presta à delegação de serviço público ao particular, por
ser incompatível à própria natureza do ajuste, que pressupõe que as duas pessoas vão prestar
mútua colaboração para atingir seus objetivos comuns. Neste caso, deverá o poder público, por
meio do fomento, incentivar a iniciativa privada à realização de interesses coletivos. Ainda
assim, esta parceria formaliza-se pelo convênio.
Dada sua característica convencional, não há necessidade de autorização legislativa para
sua formação. 27 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. São Paulo: Atlas, 2002, p. 190. Também Francisco de Salles Mafra Filho aponta como características dos convênios: os entes conveniados têm objetivos institucionais comuns que serão perseguidos por meio dos convênios; os conveniados têm competências institucionais comuns; os participantes objetivam um resultado comum; há mútua colaboração, o que afasta a cogitação de preço ou remuneração; as vontades não são antagônicas, mas, ao contrário, elas se somam; no contrato existem partes e no convênio existem partícipes; ausência de vinculação contratual, inadmissibilidade de cláusula de permanência obrigatória e de sanções pela inadimplência (MAFRA FILHO, Francisco de Salles Almeida. Consórcios públicos: comentários ao art. 2º da Lei nº 11.107/2005. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 694, 30 mai. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6802>..
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b.) Convênios de Cooperação
Tem-se que os convênios de cooperação e consórcios públicos foram inseridos ao texto
constitucional a partir da Emenda Constitucional n. 19/98, dando nova redação ao art. 241, cujo
dispositivo dependia de regulamentação. Em 06 de abril de 2005, foi publicada a Lei n.
11.10728 dispondo sobre normas gerais de contratação de consórcios públicos; quanto aos
convênios, ainda carece de detalhamento legislativo.
As expressões “gestão associada” e “transferência” são utilizadas no dispositivo
constitucional supracitado para designar atuações conjuntas da União, Estado, Distrito Federal
e Municípios nas matérias de competência comum, por meio de convênios de cooperação e
consórcios púbicos, com a transferência total ou parcial dos encargos, serviços, pessoal e bens
essenciais à continuidade dos serviços transferidos.
O instituto “convênio de cooperação” é também citado na Lei n. 11.107/06 em quatro
artigos distintos, porém sem regulá-los propriamente. E, com os convênios administrativos,
acima tratados, não se pode confundir.
Os consórcios públicos e convênios de cooperação são instrumentos que terão por objeto
ou a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de
encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.
Quando se refere à transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens, o
texto autoriza que o ente federado outorgue sua prestação, sem que seja desintegrado, para que
apenas parte dele seja transferido, ou seja, ainda que fale em transferência total, as atividades
de regulação e fiscalização não podem ser delegadas.
c.) Consórcios Administrativos
Consórcio administrativo, segundo Eva Nieto Garrido, “é uma associação entre entres
públicos de diferente ordem com participação, em alguns casos, de entidade privada sem fim
lucrativo com interesses concorrentes com tais interesses públicos” 29. É, portanto um ente
representante dos associados. As Administrações Públicas são membros dessa entidade, e, não,
28 Decreto regulamentar n. 6017, de 17 de janeiro de 2007. 29 NIETO GARRIDO, Eva. El consorcio administrativo. Barcelona: Cedecs Editorial, 1997, p. 71.
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meros gestores. É uma corporação instrumental de direito público que associa, exclusivamente,
pessoas jurídicas públicas junto a um fim público.
Mesmo após a publicação da Lei 11.107/06, por tratar de instrumento diverso, os
consórcios administrativos são associações de entidades sem personalidade jurídica.
Após estudo realizado até aqui, afirma-se que existe diferença30 entre os consórcios
administrativos e os consórcios públicos (estes regulamentados pela Lei n. 11.107/05).
Os consórcios administrativos “são acordos entre entidades públicas apenas (não se
admitindo participação de particulares, portanto), da mesma espécie e natureza, para a
realização de objetivos de interesse comum, no desempenho de atividades cuja competência
lhes é comum ou conexa”. A distinção substancial entre os consórcios administrativo e público
é que este último é constituído, nos termos da lei específica (Lei n. 11.107/06).
d.) Consórcios Públicos
Não se pode imaginar que a soma de esforços entre entidades estatais da mesma
envergadura deva sempre assumir a forma do consórcio público nos termos previstos na Lei
Federal nº 11.107/05. Na legislação específica, o legislador federal apresentou as normas gerais
que deverão ser observadas pelos demais entes da federação na criação e funcionamento destes
consórcios.
De outra parte, parece forçoso compreender que para relações mais simples, o convênio
ou o consórcio administrativo possam ser adotados.
Considerando que são os consórcios públicos mecanismos de reunião de esforços de mais
de um ente federado com vistas a melhor cumprir suas atribuições (afinal, ao poder público, em
qualquer esfera da Federação, é defeso mobilizar esforços com fim diverso do cumprimento de
suas competências), sua configuração jurídica toca diretamente o tema da repartição
constitucional de competências federativas.
30 Pedro Durão expressamente diz que o consórcio administrativo é chamado de consórcio público e se submete às mesmas regras dos convênios administrativos. Para o autor, os “consórcios são um meio par a consecução da finalidade pública e instrumento de integração de forças com a união de entes públicos da mesma espécie, como forma conceitual dos atuais consórcios públicos”. (DURÃO, Pedro. Convênios e consórcios administrativos: gestão, teoria e prática. Curitiba: Juruá, 2004, p. 105-106).
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Deve ser propósito do consórcio público a organização comum com a finalidade de
desenvolver e concretizar operações relacionadas às atividades próprias de seus membros, bem
como outras de natureza econômica que venham a acrescentar seus resultados.
Para tanto, admitem-se inúmeras atividades que permitam complementar a idéia essencial
da cooperação que é proporcionar o acúmulo das capacidades operacionais para atingir fim
comum.
Logicamente, não se pode conceber consórcio público em que somente uma das partes
beneficie-se da parceria. De todo modo, não há necessidade de igualdade nos benefícios, mas
parece razoável que haja proporção nos resultados obtidos, que devem se interpretados como
toda possibilidade de benefício – ainda que indireta, como nos casos de aprimoramento técnico
ou até mesmo de administração gerencial.
Ainda assim, considerando o consórcio público o mais novo instrumento regulamentado
de cooperação interfederativa no ordenamento jurídico nacional, é importante avaliar sua
compatibilidade com outros instrumentos, também de natureza interfederativa, há muito
existentes na realidade federativa brasileira.
Necessariamente, os consórcios públicos deverão reunir interesses e finalidades dos entes
que dele participam. Trata-se de associação entre entes da Federação para consecução de
interesses coletivos comuns, relação, por certo, submetida ao regime publicista. Foi este o
regime jurídico imposto pela lei. Logo no art. 1°, § 1° está previsto que o consórcio público
constituirá associação pública ou pessoa jurídica de direito privado.
O aspecto mais importante a ser considerado é a personalidade jurídica do consórcio
público, pois conforme expressamente disposto no art. 6°, o consórcio público adquirirá
personalidade jurídica: I – de direito público, no caso de constituir associação pública,
mediante a vigência das leis de ratificação do protocolo de intenções; II – de direito privado,
mediante o atendimento dos requisitos da legislação civil. Acresce-se, ainda que, em se
tratando de pessoa jurídica de direito público, o consórcio público, integrará a administração
indireta de todos os entes da Federação consorciados. No outro caso, quando pessoa jurídica de
direito privado, o consórcio público observará as normas de direito público no que concerne à
realização de licitação, celebração de contratos, prestação de contas e admissão de pessoal, que
será regido pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, mas não integrará o mesmo.
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
61
É oportuno esclarecer que, no primeiro aspecto, analisa-se a personalidade jurídica do
consórcio público, que não se confunde com a natureza jurídica do contrato de consórcio
público.
Lembra-se que se tratam de dois momentos distintos da lei: um é a criação da pessoa
jurídica, consórcio público, de natureza de associação pública ou associação civil; outro é a
celebração do contrato para funcionamento deste pacto. De todo modo, necessária é a
intervenção do Legislativo que autoriza previamente ou ratifica a criação. Logo, a criação por
meio de lei que é exigida para a instituição do consórcio público é cumprida.
Diz a Lei 11.107/05 que os consórcios públicos se constituem por meio de contrato. Mas
em análise ao conjunto legal, constata-se se tratar de uma série de atos interligado até a efetiva
formação desta nova pessoa jurídica, ou seja, trata-se, então, de um procedimento sua
constituição.
Quanto ao objeto, os consórcios públicos serão constituídos para atingir „fim comum‟ o
que não significa, necessariamente, fim idêntico. Os interesses dispostos e a intensidade quanto
à participação de cada consorte dependerão do disposto, voluntariamente, no protocolo de
intenções. Teoricamente, toda e qualquer matéria pode ser objeto indicado para a realização do
consórcio público. Partindo da idéia de cooperação, é claro que a finalidade do consórcio
público é proporcionar o desenvolvimento e o incremento de operações relacionadas com as
atividades de competência das entidades-membro. Por isso, a definição deste objeto é um dos
elementos essenciais do contrato, pois delimitará o âmbito de atuação e definira a dinâmica no
seu funcionamento. Sem que haja determinação expressa na Lei que regulamenta a matéria,
nem mesmo no sistema jurídico pátrio, é possível conceber a constituição de consórcios
públicos para a realização dos mais variados objetos. De um modo geral, a finalidade a que se
propõe o consórcio público concretizar dependerá da matéria estabelecida de comum acordo
entre os entes consorciados.
e.) Regiões metropolitanas
Também como formas de associação de interesses comuns, há as regiões metropolitanas e
de desenvolvimento, que se apresentam, fundamentalmente como “grandes conurbações
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
62
urbanas, provocadas pela expansão territorial de Municípios vizinho e, principalmente, pela
comunicação econômico-social entre as cidades, o que gera questões de ordem comum” 31.
O § 3° do art. 25 dispõe que os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir
regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos
de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções
públicas de interesse comum.
Sabe-se que uma das características fundamentais da Federação é a possibilidade de
colaboração entre os entes que a integram. O que faz com que a cooperação seja ainda mais
relevante entre os Municípios limítrofes na consecução de interesse comum.
Apesar da necessária autorização consensual dos Municípios envolvidos, a criação da
Região Metropolitana depende de lei estadual. De um lado, em face da autonomia municipal,
não se pode coagir o Executivo Municipal a associar-se e, de outro, não há meios de exigir do
Legislativo Estadual edição de lei própria consolidar tal associação. Como se vê, a formação de
Região Metropolitana depende de um complexo movimento consensual das partes interessada,
mas, era, até então, o modo clássico de colaboração entre Municípios limítrofes na gestão de
serviços públicos de interesse regional. E, ainda permanece uma opção viável. Depende da
vontade dos entes em questão.
A criação de regiões metropolitanas serve para instituir padrões de coordenação e
cooperação entre as localidades inseridas numa área de metrópole, sem nada interferir na
titularidade ou delegação dos serviços.
Pretende-se com as regiões metropolitanas a associação para prestação conjunta de
funções públicas de interesse comum dos Municípios envolvidos. A região metropolitana deve
observar a organização, planejamento e execução de políticas públicas integradas.
O planejamento regional faz parte do planejamento nacional, por isso são necessárias a
coordenação e compatibilização dos planos nacional e regionais de desenvolvimento, pois a
problemática regional deve estar refletida em todas as políticas nacionais, mas a integração do
planejamento regional no nacional deve se dar por participação, não por dependência ou
incorporação. “A interação entre as autoridades políticas é essencial para a concretização do
plano, já que os problemas de desenvolvimento regional são, ao mesmo tempo, problemas
31 GUIMARÃES, Nathália Arruda. Regiões Metropolitanas – aspectos jurídicos. Disponível em: http://www.fcaa.com.br/site/artigo%20regiao%20metropolitana.pdf., p. 01.
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63
nacionais, que devem ser resolvidos, conjuntamente, por todas as esferas de pode envolvidas” 32.
Criar as condições de um desenvolvimento urbano e interurbano sustentável tornou-se
tarefa dos poderes públicos municipais e dos organismos regionais urbanos, pois são as
políticas públicas urbanas e regionais que têm obrigação de afastar os riscos de segregações
sociais e econômicas. Afinal, já é realidade o fato da população aglutinar-se em locais – social
e economicamente – mais desenvolvidos.
Síntese Conclusiva
O Estado brasileiro pelo federalismo de cooperação buscou, por meio de suas regras
constitucionais, traçar parâmetros para que seus entes atingissem, de modo equilibrado e com a
soma de esforços, os objetivos traçados pela República, num constante processo de escolhas
políticas que devem ser feitas no desenvolver da Nação. Toma-se o consórcio púbico como
instrumento político de Estado. De outra parte, toma-se o consórcio público como instrumento
de descentralização administrativa, por meio do qual atenderá, além da prestação de serviços
públicos, também, o planejamento e execução de ações que envolvam políticas públicas.
O federalismo cooperativo brasileiro permite, em razão do perfil de distribuição de
competências constitucionais, atuação interfederativa em colaboração recíproca para a solução
de questões sociais e econômicas. Ante a complexidade destas questões, necessária a
reorganização do Estado para atendimento integrado dessas demandas.
Afinal, a cooperação parte do pressuposto da interdependência dos interesses coletivos
comuns, que os entes federados devem atender.
A colaboração mútua interfederativa deve ser meio de definição de implementação de
políticas públicas. Portanto, um dos desafios é compatibilizar a autonomia das unidades
federativas com a necessidade de se promover o desenvolvimento nacional. É preciso traçar
parâmetros para que os entes federados atinjam, de modo equilibrado e harmônico, os objetivos
traçados pela República Federativa do Brasil.
32 BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. São Paulo: Max Limonad, 2003, p. 214.
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
64
É parte deste processo a escolha de políticas públicas. Reconhecem-se com isso, os
convênios administrativos, os convênios de cooperação, os consórcios administrativos, os
consórcios público e as regiões metropolitanas como instrumentos políticos de Estado.
Seja qual foi o instrumento utilizado, o equilíbrio interfederativo só será possível pelo
planejamento, que, em última instância, é elemento característico do Estado Federal. Afinal, a
diversidade de interesses intrínseca à forma federativa, para que seja articulada junto às
competências constitucionais, depende de planejamento estatal.
O Estado brasileiro deve experimentar variados instrumentos de cooperação entre os
entes federados, a fim de amenizar as complexidades federativas que nos são próprias.
A partir de então, afirma-se que na ordem jurídica brasileira estão consagrados
instrumentos que permitem associar recursos materiais, financeiros e humanos da cada um dos
entes federados, a fim de que possam, conjuntamente, realizar ações e desempenhar medidas
que isoladamente não seriam possíveis, ou até mesmo, não alcançariam os mesmos resultados.
Afinal, a cooperação interfederativa deve superar seu status constitucional de mera
declaração de intenções ou programas de governo, para assumir o papel de instrumento
institucional voltado à implementação do bem-comum.
A cooperação entre os Governos deve proporcionar parcerias de longa duração,
possibilitando a implementação de variadas espécies de atividades. Nota-se que a viabilização
da cooperação interfederativa na formatação e implementação de políticas públicas, em regra, é
prejudicada por questões político-eleitorais. Todavia, incentiva-se a abertura de em direção ao
amadurecimento político do Estado brasileiro.
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Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
67
3.3. Aporias acerca do “condomínio legislativo” no Brasil: Uma análise a partir do STF
APORIAS ACERCA DO “CONDOMÍNIO LEGISLATIVO” NO BRASIL:
UMA ANÁLISE A PARTIR DO STF
André Ramos Tavares
1. Apresentação do tema
O presente estudo pretende retomar e reavaliar critérios usualmente utilizados para apartar
espaços diversos de atuação competencial em matérias cuja regulação é titularizada por mais de
uma entidade federativa. O estudo não pretende ter caráter exaustivo: i) o número de julgamentos
e votos proferidos pelo STF é extenso, e; ii) a diversidade de matérias e hipóteses que a realidade
do mundo fenomênico pode sugerir praticamente impede um esgotamento tópico nessa área.
Porém, pretende-se, a partir de uma leitura crítica dos critérios encontrados na jurisprudência,
oferecer elementos que possam contribuir para aperfeiçoar os modelos de definição e demarcação
dessas áreas de atuação conjunta ou “em condomínio”1.
A proposta apresenta relevantes aspectos práticos. Uma adequada compreensão das
próprias competências é não apenas um problema de “poder”, de “quantidade de atribuições e grau
de autonomia”. É também uma questão de deveres, cujo descumprimento por parte do Poder
Público pode gerar “imputações”. O tema aqui proposto, portanto, não é meramente retórico ou de
interesse exclusivamente especulativo. Pelo contrário, a discussão acerca da titularidade e limites
de competências estatais tem alcance prático imediato, com relevância para o dia-a-dia dos
Poderes Públicos e da sociedade.
Para alcançar esse desiderato, é relevante retomar alguns aspectos dogmáticos acerca da
chamada competência concorrente, no Brasil, que conduz, com outros elementos, ao federalismo
cooperativo (por oposição ao clássico federalismo dualista).
Professor da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da PUC/SP e Visiting Scholar na Cardozo School of Law e Visiting Professor da Fordham University – New York, Diretor do Instituto Brasileiro de Estudos Constitucionais. 1 Procura-se, contudo, evitar especulações do tipo profético, bem como posicionamentos ideologizados. A construção desses critérios é aperfeiçoada a partir de premissas constitucionais e desenvolvimento já alcançado nessa temática.
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
68
Essa categoria competencial encontra-se prevista de maneira expressa no art. 24 da
Constituição do Brasil, em seus dezesseis incisos, mas não apenas nestes, já que o núcleo de
identificação desta tipologia é repetido em outros momentos da Constituição, para além do
disposto no art. 24. Ou seja, a essência do cooperativismo e da concorrência em matéria de
competências pode ser sem muita dificuldade visualizada em diversos outros momentos
constitucionais.
Especialmente sobre a competência concorrente “as normas gerais cabem à União, e aos
Estados-membros cabem as normas particulares. Por isso a competência dos Estados-membros é
denominada complementar, por adicionar-se à legislação nacional no que for necessário. Também
à União cabe legislar sobre normas particulares para seu âmbito.
“Há, também, a competência prevista para os Estados-membros legislarem sobre as normas gerais e as particulares quando a União se tenha mantido inerte, omissa. É a competência supletiva, que supre a ausência da legislação nacional. “A Constituição fala em competência suplementar dos Estados-membros (art. 24, § 2º, in fine). Essa competência suplementar pode-se dividir em complementar e supletiva (...)”2
Na jurisprudência mais recente do STF pode ser constatada uma tendência ainda restritiva
quanto a um amplo e real compartilhamento competencial, ou seja, a admissão de um largo espaço
para a autonomia legislativa dos estados-membros no Brasil, no que se refere a essa pontualmente
prevista “competência concorrente”. É que o critério da Constituição de 1988 é por demais
insuficiente, carecendo de uma concretização mais intensa por parte do Judiciário (que aqui
desenvolve a delicada função de árbitro da federação) no segmento das chamadas cláusulas
abertas ou conceitos indefinidos.
A sistematização da jurisprudência do STF permite-nos relembrar a advertência levantada
por Paulo Bonavides, quando proclamou que o federalismo cooperativo será aquele que melhor se
amolda aos institutos autoritários, por permitir a sobreposição do Governo federal à vontade
autonômica das demais entidades federativas. Apresenta-se, assim, apesar do texto constitucional,
mais um federalismo de integração (cf. Tavares, 2007: 975) do que de cooperação efetiva e real.
Evidentemente que a exposição textual ampla que ocorre na Constituição de 1988 em prol da
União contribui para uma (ou pode até mesmo ser considerada um indício de) concentração
competencial. Da Corte Suprema, na função de Justiça Constitucional, especificamente na de
árbitro da federação (cf. Tavares, 2005: 297-319), são recebidas as decisões que definem as
competências nas disputas concretas. Neste ponto é possível perceber a relevância em se 2 André Ramos TAVARES. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
69
identificar a existência (ou não) de um critério coerente e consistente de “revelação” das
competências constitucionais, no âmbito do STF
Este paper almeja, num primeiro momento, imiscuir-se na jurisprudência do STF, com
vistas a identificar quais os critérios utilizados por esta corte, na tarefa de determinação das
competências constitucionais atribuídas à União, Estados-membros e Distrito Federal. Não se
trata, porém, de um texto meramente descritivo. Concomitantemente será realizara uma apreciação
crítica, com problematização dessas decisões, sistematização do assunto e proposta de trabalho do
modelo brasileiro de distribuição de competências.
2. Jurisprudência do STF
A análise do art. 24, da Constituição Brasileira, preceptivo responsável por disciplinar as já
mencionadas competências legislativas concorrentes entre a União, os Estados e o Distrito Federal
comporta duas grandes dificuldades. A primeira reside na determinação do que deve ser
considerado como norma geral e o que será norma especial. A importância desta distinção se
justifica em razão do art. 24, § 1º, da CB, o qual dispõe que:
“§ 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.”
Como conseqüência lógica, portanto, tem-se que compete aos Estados-membros, no que se
refere à competência normativa em questão, editar normas especiais. A partir desta primeira
conclusão, surge o seguinte questionamento: o que caracteriza uma norma como geral?
O STF já se debruçou, por diversas vezes, sobre a celeuma mencionada. Cita-se, como
exemplo, o recente voto proferido pelo Ministro Carlos Ayres Britto, na ADIn 3.645-9/PR, no
qual se expôs que “norma geral, a princípio, é aquela que emite um comando passível de uma
aplicabilidade federativamente uniforme.”3 (STF, Min. rel. Ellen Gracie, DJ de 01/09/2006).
3 Nesse exato sentido foi o voto do Min. Cezar Peluso na ADIn n. 1.007-7/PE: “O alcance do caráter geral é que dá a razão por que se distribui competência concorrente nessa matéria, quando a Constituição atribui à União a competência para ditar normas de caráter geral sobre contratos. É que a União é que deve ditar normas aplicáveis a todo o país, a fim de que um contrato não tenha particularidade normativa em determinado Estado, outra particularidade em Estado diverso, ou a possibilidade de os Estados estabelecerem normas diferentes sobre o mesmo tipo de contrato.” (ADIn n. 1.007-7/PE, Min. rel. Eros Grau, DJ de 24/02/2006; original não grifado)
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
70
Outra opinião acerca do que vem a ser norma geral, semelhante4 à do Ministro Carlos
Britto, é a esposada na ADIn-MC n. 927-3/RS, e reiterada na ADIn n. 3.098-1/SP, pelo Ministro
Carlos Velloso: “Penso que essas „normas gerais‟ devem apresentar generalidade maior do que
apresentam, de regra, as leis. Penso que „norma geral‟, tal como posta na Constituição, tem o
sentido de diretriz, de princípio geral. A norma geral federal, melhor será dizer nacional, seria a
moldura do quadro a ser pintado pelos Estados e Municípios no âmbito de suas competências.”
(STF, ADIn-MC n. 927-3/RS, Min. rel. Carlos Velloso, DJ de 11/11/1994) 5.
Vale retomar, aqui, o vetusto postulado de que as leis são gerais e abstratas, conquista
devida em especial às revoluções burguesas, particularmente à Revolução Francesa. Geral, aqui, é
sinônimo de não-particular; contrapõe-se às leis e normas com endereço certo, que estabeleciam
privilégios de toda sorte. Essa concepção choca-se com a proposta jurisprudencial revelada acima.
Haveria, portanto, no STF, duas concepções expressas acerca da norma geral. Para o
Ministro Carlos Britto, a generalidade da norma decorreria de sua (i) possível aplicação federativa
uniforme. Para o Ministro Carlos Velloso, uma norma seria geral em razão de sua (ii) maior
abstração, semelhança aos princípios.
Nada obstante a constatação destes dois critérios como, em tese, norteadores da distinção
entre norma geral e especial no âmbito da atuação conjunta de estados-membros e União federal e,
por conseguinte, delimitadores de uma competência normativa mais pontual da União, dos
Estados-membros e do Distrito Federal, ambas propostas encontram uma série de obstáculos
práticos em sua aplicação.
Quanto ao primeiro critério indicado, as dificuldades a serem enfrentadas se encontram
presentes nas seguintes indagações: o que vem a ser esta potencialidade de aplicação federativa
uniforme? Haveria normas não sujeitas à aplicação federativa uniforme, apesar de ser essa uma
possibilidade, excepcionando-se em virtude de questões de conveniência política e cultural; o
4 Diz-se, aqui, semelhante, porquanto o Ministro Carlos Velloso, embora espose esta concepção de norma geral como norma de maior abstração, finda, por vezes, a argumentar de maneira semelhante à concepção do Ministro Carlos Britto, é dizer, por uma concepção de norma geral vinculada à necessidade de aplicação federativa uniforme. Veja, nesse sentido, o seu voto na ADIn-MC n. 874-9/BA (esta ADIn é mencionada no item 2.2.2.):
“A questão posta nos autos não diz respeito a uma situação peculiar do Estado da Bahia; noutras palavras, ela é de interesse de mais de um Estado-membro. A questão, portanto, estaria compreendida nas normas gerais da União e não na legislação de normas específicas para atender a peculiaridade do Estado-membro.” (ADIn-MC n. 874-9/BA, Min. rel. Néri da Silveira, DJ de 20/08/93; original não grifado).
5 O tema da definição das normas gerais será explorado abaixo.
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
71
critério permite que se pondere seriamente a necessidade de cada Estado-membro disciplinar a
questão, de acordo com as suas peculiaridades políticas e culturais? Se sim, quais seriam os
critérios para tanto?
De outra parte, apesar da dificuldade em “nacionalizar” certos assuntos, poderia haver
interesse nacional em impor uniformidade a certas pautas que, nitidamente, não demandariam
necessário tratamento uniforme.
Também não seria de todo absurdo cogitar-se que a nacionalização de temas já ocorreu
pela própria constituinte, ao elencar competências à União que muito bem poderiam ter sido
distribuídas aos estados. Quer dizer, as regras uniformes só podem ocorrer onde a competência é
privativa da União; nos demais casos haverá, no máximo, pequena uniformidade dentro de uma
mais ampla diversidade.
Obviamente que o critério esposado pelo Ministro Carlos Ayres Britto detém atratividade.
Não há como se negar. Contudo, a ansiedade por respostas não pode redundar em simplificação
dos problemas que o tema da competência concorrente apresenta.
O outro problema apresentado diz respeito à dificuldade de categorização, de “subsunção”
de determinadas matérias nos ramos de direito previstos pela Constituição. Como é possível
determinar, por exemplo, se uma determinada matéria é de direito civil (e, portanto, de
competência única e exclusiva da União) ou se é de direito econômico (e, portanto, de
competência da União, dos Estados-membros e do Distrito Federal)? Bem demonstra a premência
desta problemática o voto do Min. Cezar Peluso na ADIn n. 1950-3/SP, referente ao benefício da
meia-entrada prevista na Lei n. 7.884/92, do Estado de São Paulo. Seu voto acusa um problema de
inconstitucionalidade formal na Lei acima:
“Na verdade, essa norma está interferindo em contratos, está tabelando prestações de contratos. Para um universo determinado de contratantes, é verdade, mas está tabelando, ao prescrever que um universo tal de contratantes paga a metade do valor dos contratos. “Isso, a meu ver, com o devido respeito, ofende o art. 22, I.” (ADIn n. 1.950-3/SP, Min. rel. Eros Grau, DJ de 02/06/2006)
E, para o Ministro em questão, não se poderia decidir de maneira contrária, pois se assim
procedesse, o STF incidiria em incoerência, porquanto em outra ADIn, ADIn n. 1.007-7/PE,
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
72
entendeu-se que matéria semelhante era de competência da União, por se referir a norma de direito
civil6.
Neste item, promover-se-á a uma divisão tripartite. O sub-item 2.1.1. tratará da
configuração de determinada norma como sendo geral, por conta da necessidade de esta ser
aplicada uniformemente. Aqui se buscará identificar aqueles elementos capazes (única e
exclusivamente os elementos aventados no e pelo STF) de identificar uma norma como passível
de aplicação federativamente uniforme e, portanto, geral e aqueles que tornariam uma norma
especial, dada a sua incapacidade de aplicação nacional.
Já no sub-item 2.1.2., explorar-se-á o critério desenvolvido pelo Ministro Carlos Velloso, a
saber, a maior abstração como elemento configurador da norma geral.
No sub-item 2.1.3., por sua vez, haverá a perquirição de outros critérios que podem ser
deduzidos das decisões jurisprudenciais do STF.
Por derradeiro, no item 2.2., haverá o estudo da celeuma envolvendo a classificação de
determinadas matérias como “encaixando” dentre as privativas da União ou como afeitas à
competência concorrente da União, Estados-membros, e Distrito Federal.
2.1. Definição de normas gerais
2.1.1. Necessidade de Aplicação Federativa Uniforme
Inicia-se a perquirição com a própria ADIn que contém o voto do Ministro Carlos Britto
sobre o critério ora analisado, a saber, a ADIn 3.645-9/PR. O objeto desta ação direta foi a Lei n.
14.861/2005, do Estado do Paraná, a qual regulamentou o “direito à informação quanto aos
alimentos e ingredientes alimentares que contenham ou sejam produzidos a partir de organismos
geneticamente modificados”.
A competência estadual para disciplinar esta matéria poderia ser vislumbrada no art. 24, V,
da CB, dispositivo este que prevê a competência concorrente para a produção e consumo. Já a
inconstitucionalidade sustentada pelo partido político que propôs a ação residiria na circunstância
de esta Lei, longe de suplementar a Lei Federal sobre o assunto, Lei n. 11.105/2005, ter intentado
substituí-la, criando duas realidades normativas distintas, sobre uma mesma matéria. Enquanto a
regulamentação federal estabelece o dever de informar apenas para aqueles produtos que 6 Ressalte-se que esta confusão dentro do próprio STF, quanto à taxionomia de determinadas leis (disputa entre o art. 22 e o art. 24) será retomada abaixo.
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73
detenham, em sua composição, mais de 1% de organismos geneticamente modificados, a
Legislação Estadual estaria a impor este dever a todo e qualquer produto que detivesse, em sua
constituição, organismos geneticamente modificados, ainda que em escala inferior a 1%.
O resultado da ADIn foi a declaração, unânime, da inconstitucionalidade da Lei do Estado
do Paraná. Os argumentos sobre a inconstitucionalidade formal (quanto ao agente) foram acatados
pela Corte Suprema.
No que se refere aos votos, alguns merecem destaque, porquanto oferecem indícios de
critérios para o estabelecimento do sentido de norma de aplicação nacional uniforme, e, portanto,
de norma geral, da “alçada” da União nos casos de atuação normativa conjunta.
É o caso do voto do Ministro Ricardo Lewandowski. Embora este Ministro detenha uma
visão crítica da maneira como se porta o STF7, na interpretação da competência concorrente,
conforme se verificará posteriormente, ele acabou por considerar esta questão como merecedora
de tratamento nacional, nos termos seguintes:
“ (...) porém, Senhora Presidente, dada a relevância da matéria, e tendo em vista que esta questão dos organismos geneticamente modificados transcende o âmbito meramente local, ou seja, tem âmbito nacional e, quiçá, até internacional, porque pode afetar o comércio interestadual e o exterior, acompanho o voto de Vossa Excelência no sentido de julgar procedente a ação.” (original não grifado)
Da leitura de seu voto, pode-se perceber a existência de dois critérios: (i) a relevância da
matéria e; (ii) as conseqüências desta no comércio interestadual e internacional.
Outra opinião que merece destaque é a apresentada pelo Ministro Sepúlveda Pertence, em
rápido aparte. Seu critério diz respeito à matéria/objeto da disposição legal:
“Trata-se evidentemente de uma norma geral. Não há como estabelecer peculiaridade do consumidor paranaense para que a rotulagem no Paraná seja mais rígida do que aquela que o legislador federal, embora não disciplinando, dada a complexidade técnica da matéria diretamente, optou por que se fosse feito por regulamento com a participação, óbvia, dos organismos técnicos.” (ADIn 3.645-9/PR; Min. rel. Ellen Gracie, DJ de 01/09/2006; original não grifado).
Tendo em vista estes elementos iniciais, passa-se ao estudo deles.
7 O que sera objeto de apreciação ao final deste texto.
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
74
2.1.1.1. Relevância
A primeira variável, de autoria do Min. Ricardo Lewandowski, está a denotar que matérias
detentoras de maior relevância (social, econômica e/ou política?) avocariam um monopólio, por
parte da União. Nesta toada, todos os assuntos, dentro das matérias alocadas, pelo Poder
Constituinte Originário, no art. 24, que detivessem maior relevância, haveriam de ser
regulamentadas única e exclusivamente por Lei Federal, porquanto se configurariam,
automaticamente, como normas de natureza geral, salvo, obviamente, no caso de inexistência de
Lei Federal sobre o assunto, hipótese esta que autorizaria o Estado-membro a disciplinar,
plenamente, a questão (Cf. art. 24, § 3º, da CB), até o advento da legislação federal.
A plausibilidade deste critério, sem embargo, poderia restar ameaçada. Por um simples
motivo. Relegar aos Estados-membros apenas aquelas matérias de somenos importância
implicaria uma diminuição da relevância constitucional destes próprios entes federativos, o que
não parece ter sido autorizado pela Constituição. Trata-se de critério que se afigura politicamente
sensível.
Favoravelmente a este argumento estaria o fato de a Constituição da República não
aquilatar, precisamente, o protagonismo dos Estados-membros no rateio das competências
concorrentes. Muito pelo contrário. Por vezes, a Carta Maior finda, inclusive, por admitir uma
atuação comum hierarquizada, como é o caso do art. 198, caput, da CB:
“As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único de saúde, organizado de acordo com as seguintes diretrizes (...).”
Uma saída poderia ser encontrada na própria Constituição e na reconhecida interpretação
sistêmica. Sim, porque as regras de competência não estão imunes a este modelo hermenêutico tão
propalado na literatura constitucional mundial. É que a relevância à qual se reporta o Ministro
pode eventualmente ser aflorada a partir da própria Constituição (como, neste caso, com sua
preocupação com a saúde e o meio ambiente, uma relevância constitucionalmente estabelecida
para tratamento pela União), auxiliando na tipificação da natureza geral ou não de uma norma
editada por meio de Lei federal no âmbito das competências concorrentes, sem menosprezar,
assim, a importância das entidades federativas estaduais. Isso quer dizer que não deve ser a
relevância política, econômica, social ou jurídica que guiará a distribuição de competências
concorrentes, sempre preferindo, no caso de relevância, a União. Essa leitura certamente
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
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manietaria o modelo federativo brasileiro. Será admitida apenas aquela relevância
constitucionalmente visível, que interfira de modo a justificar a atuação disciplinadora
“nacionalizada”. Mesmo aqui, contudo, talvez o critério se mostre excessivamente subjetivista.
2.1.1.2. Comércio Interestadual
O outro critério sugerido pelo Ministro Ricardo Lewandowski para justificar a
configuração de determinado assunto em nacional estaria nas conseqüências deste para o comércio
interestadual. A lógica do Ministro é a seguinte: regulamentação de organismos transgênicos afeta,
inexoravelmente, o comércio interestadual. Com efeito, tratar-se-ia, por esse motivo, de matéria de
apelo nacional.
O principal obstáculo a este critério reside no fato de toda norma sobre produção e
consumo revelar, inevitavelmente, conseqüências no comércio interestadual. Novamente a
subjetividade excessiva do critério interfere em sua “lisura”. Ou seja, o art. 24, V, da CB, o qual
dispõe que é competência concorrente da União, Estados-membros e Distrito Federal, legislar
sobre produção e consumo, somente poderia ser regulamentado por lei federal, porquanto toda sua
matéria poderia ser reputada como sujeita a norma geral. O maior exemplo de que assim se
poderia caminhar, nessa toada generalizante plena, está nos EUA, onde a cláusula acabou por ser
utilizada nesses termos, concentrado poderes na União que, inicialmente, não lhe foram
reconhecidos nem mesmo na prática dos tribunais. Um caso bem ilustrativo dessa afirmação foi o
Wickard vs. Filburn, no qual a Corte Suprema dos EUA chegou a considerar que haveria reflexo
fora do Estado quando a lei regulamentava cultivo em fazenda para consumo próprio. Assim se
posicionou igualmente a doutrina. Bernard Schwartz (1984: 36) observou que praticamente tudo
poderia ter repercussão fora do Estado-membro, no comércio interestadual, o que conduziria à
inconstitucionalidade de todas leis estaduais regulamentadoras dessa matéria. Cristopher N. May e
Allan Ides (2001: 187) consideraram que “dada a interdependência de nossa economia nacional,
poucas atividades econômicas ou comerciais, se é que há alguma, podem escapar do alcance do
poder de regular o comércio [pelo Congresso Nacional]”.
Conseqüência mais danosa e dificilmente aceitável pela contemporânea teoria
constitucional seria a desabilitação plena do art. 24, V, o qual restaria como verdadeira letra morta,
à medida que o Estado-membro estaria impossibilitado de legislar sobre a matéria, mesmo no caso
de inexistência de lei federal. Isto porque produção e consumo, por conta de sua influência no
comércio interestadual, transformar-se-ia, ao final, em matéria de competência exclusiva da
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
76
União, nos termos do art. 22, VIII, da CB. O intérprete estaria a realizar uma remodelagem e um
intercâmbio entre categorias constitucionais.
Não se pode deixar de registrar, aqui, o que há de ser compreendida como uma coerência
estrutural dos posicionamentos do ministro: quando o resultado de seu voto sinaliza para a
constitucionalidade da respectiva lei estadual ou distrital suspeita de ter amparo em produção e
consumo, o Ministro a desclassifica como decorrendo do exercício dessa competência. Um
exemplo claro disto encontra-se na ADIn n. 1.278-9/SC, recentemente decidida (DJ de
01/06/2007), cujo objeto, a Lei n. 1.179/94, do Estado de Santa Catarina, que dispunha sobre o
“beneficiamento do leite de cabra”. Mencionada lei estabelecia critérios para o processo de
pasteurização e, inclusive, o estado físico (sólido: congelado) que o produto poderia ser
comercializado. Prima facie, não seria de se afastar a configuração desta lei como de matéria
referente à produção e ao consumo. Sem embargo, o Ministro alocou-a no art. 24, XII, da CB, o
qual trata da competência concorrente para legislar sobre “previdência social, proteção e defesa da
saúde”:
“Bem examinado o diploma legal impugnado, constato, que ele não usurpa a competência
da União Federal para legislar sobre a proteção e defesa da saúde. Isso porque a competência
legislativa, no caso, é concorrente e, nesse âmbito, a União deve limitar-se a editar normas gerais,
conforme o artigo 24, XII, §§ 1º e 2º, da Constituição Federal” (ADIn 1278-9/PR, Min. rel.
Ricardo Lewandowski, DJ de 01/06/07)
Certamente, contudo, surge aqui uma indagação que é crucial para bem compreender a
partilha de competências constitucionais: qual a diferença entre esta Lei estadual e a que disciplina
a composição de OGM em produtos, para fins de elencá-la numa e não em outra categoria
competencial da Constituição? Pode-se perfeitamente considerar que ambas veiculam normas que
repercutem matéria de produção e consumo e de proteção e defesa da saúde. O dilema surge em
conceder-se preferência a uma categoria competencial e não a outra, o que pode conduzir à
inconstitucionalidade ou à preservação da lei, tendo em vista o critério centralizador do reflexo
interestadual.
Favoravelmente ao posicionamento do Min. Lewandowski está o fato de o argumento pela
classificação da matéria no art. 24, XII (proteção e defesa da saúde), e não no art. 24, V (produção
e consumo), da CB, já ter sido esposado na análise da Medida Cautelar, na ADIn em questão8. Ou
seja, não se tratou de inovação sua, mas de confirmação de um posicionamento já estabelecido, 8 ADIn-MC n. 1.278-9/SC, Min. rel. Marco Aurélio, DJ de 14/06/02.
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
77
previamente, pelo STF, quando da análise desta mesma questão. Isso mantém uma certa
perenidade nos critérios (sejam quais forem) para compreender-se a competência concorrencial
constitucionalmente distribuída.
Ademais, a equiparação das normas referentes à produção e consumo às normas referentes
ao comércio interestadual não é automática. Um exemplo disto reside na ADIn-MC n. 1.980-5/PR,
cujo objeto foi a Lei n. 12.420/99, do Estado do Paraná, responsável por assegurar ao consumidor
“o direito de obter informações sobre natureza, procedência e qualidade dos produtos
combustíveis, comercializados nos postos revendedores situados naquela unidade da federação”.
Nesta, o Ministro relator, Sydney Sanches, afastou a configuração da Lei mencionada, que
tratava de produção e consumo, em matéria referente ao comércio interestadual (art. 22, XII). Sem
embargo, o voto do Ministro em questão encontra-se repleto de cautelas:
“É claro que um exame mais aprofundado, por ocasião do julgamento de mérito da Ação, poderá detectar alguns excessos da Lei em questão, em face dos limites constitucionais que se lhe impõem, mas, por ora, não os vislumbro, neste âmbito de cognição sumária, superficial, para efeito de concessão de medida cautelar.” (ADIn 1.980-5/PR, Min. rel. Sydney Sanches, DJ de 25/02/2000; original não grifado).
De qualquer maneira, o que se pode fixar, neste ponto, ademais dos efeitos deletérios sobre
a autonomia estadual de eventual equiparação automática de matéria sobre produção e consumo à
matéria referente ao comércio interestadual, é que o STF não tem realizado essa aproximação de
maneira automática. Na ADIn-MC n. 2866-9/RN, cujo objeto foi a Lei n. 8.299, de 29/01/03, do
Estado do Rio Grande do Norte, responsável por dispor acerca das “formas de escoamento de sal
marinho produzido no Rio Grande do Norte”, houve a declaração de inconstitucionalidade desta
lei (inconstitucionalidade parcial, ressalte-se), por afronta ao art. 22, VIII, da CB, ou seja, por
desrespeito à competência privativa da União para disciplinar o comércio interestadual.
Conforme se depreende da leitura do objeto da Lei estadual mencionada, esta está a
regulamentar questão de produção e consumo, portanto, matéria de competência concorrente, nos
termos do art. 24, V, da CB. Sem embargo, a conclusão obtida na ADIn em questão não sustentou,
para chegar a essa conclusão, a tese de juízo automático de identidade entre produção e consumo e
comércio interestadual. Isto porque a presente lei apresentava uma peculiaridade em um de seus
dispositivos. A redação do art. 6º, caput, dispunha o seguinte:
“O escoamento de sal marinho não beneficiado para ser industrializado em outra Unidade da Federação, seja para a indústria alimentícia, para o consumo humano ou para a pecuária, será gradativamente suspenso:” (original não grifado).
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
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O § 4º deste mesmo dispositivo, por sua vez, dispunha que:
“A partir do ano 2003 não será permitido o escoamento da produção de sal marinho não-beneficiado do Rio Grande do Norte para qualquer outra Unidade da Federação.” (Original não grifado)
Percebe-se, claramente, da leitura dos dispositivos acima transpostos, a intromissão da Lei
estadual em questão no comércio interestadual. Os artigos mencionam, diretamente, outras
entidades da federação. Não por outro motivo é que o Ministro Gilmar Mendes, relator desta
contenda, proferiu entendimento segundo o qual:
“Resta evidente que a limitação ao comércio de sal marinho, tal como fixada no art. 6º, § 4º, da Lei estadual impugnada, representa usurpação daquela competência constitucional da União, relativa ao comércio interestadual e exterior (art. 22, VIII, da CF). Considero adequada, portanto, a suspensão de tal dispositivo. Cabe consignar, ainda, a conveniência da suspensão do dispositivo, uma vez que, tal como registra documento do Departamento Nacional de Produção Mineral (fl. 68), o Estado do Rio Grande do Norte responde a cerca de 95% da produção nacional de sal marinho.” (ADIn n. 2.866-9/RN, DJ de 17/10/2003).
Tem-se, aqui, fixado ao menos um critério para a classificação de lei sobre produção e
consumo como sendo matéria de competência privativa da União, por conta do art. 22, VIII, da
CB: menção expressa a outra entidade da Federação. Outra decisão é capaz de confirmar e
reforçar esta conclusão.
Trata-se da decisão exarada na ADIn n. 280-5/MT, cujo objeto foi a Constituição do
Estado de Mato Grosso, mais precisamente o seu art. 346, caput, que vedava a saída do Estado de
madeira em toras. Nas palavras do requerente, tal dispositivo estaria a contrariar o art. 22, VIII, da
CB. Já o argumento favorável à normativa constitucional encontrar-se-ia no art. 24, VI, da CB, o
qual dispõe que é de competência legislativa concorrente matérias sobre “florestas, caça, pesca,
fauna, conservação da natureza, proteção do meio ambiente e controle da poluição”
(posicionamento este, inclusive, sustentado pelo Procurador-Geral atuante nesta questão) 9.
Levando em consideração a vedação em relação à saída, do Estado, de madeiras em toras,
o Min. Francisco Rezek, relator desta Ação, sustentou:
9 Atenta-se, aqui, para o fato de ser a Constituição deste Estado o ato normativo responsável por invadir matéria da União, e não lei. Nesse sentido, soaria estranho afirmar que a Constituição do Estado auferiu sua legitimidade do art. 24, VI, da CB, porquanto o mesmo se refere à competência de editar leis. Não há, nesta toada, como se sustentar que a Constituição do Estado-membro desrespeitou a competência legislativa privativa da União, mas sim que desrespeitou o qual impõe às Constituições Estaduais e às Leis orgânicas municipais o dever de seguir o modelo adotado na Constituição Federal, inclusive o modelo de repartição de competências.
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
79
“Com efeito, o constituinte estadual chamou a si uma competência privativa da União. O artigo 22 – VII [sic] da Carta da República atribui à União competência exclusiva para legislar sobre comércio exterior e interestadual. No que interessa ao caso em exame, é certo que não há partilha com os estados federados de tal competência.” (ADIn n. 280-5/MT, DJ de 17/06/1994).
Percebe-se, portanto, nestes casos, que foi necessário um forte “elemento de conexão”,
proveniente da própria lei ou ato normativo questionado, para deslocar a sua base (fundamento de
validade) da competência concorrente para a competência privativa, inquinando-a de
inconstitucional.
2.1.1.3. Rotulagem ou Aspectos da Produção e Consumo que demandam tratamento uniforme
O critério adotado pelo Ministro Sepúlveda Pertence, nesta mesma ADIn 3.645-9/PR,
merece igual análise, ao menos em relação ao art. 24, V, da CB. Isto porque intenta apontar, na
matéria referente à produção e consumo, aqueles elementos que demandam um tratamento
uniforme.
Para o Ministro em questão, não é toda e qualquer matéria referente à produção e consumo
que haverá de ser aplicada nacionalmente. Dentro deste assunto abrangente, apenas alguns
aspectos merecem a tônica da uniformidade nacional e a questão do rótulo é um destes aspectos.
Quanto à configuração da rotulagem como matéria afeita a regramento uniforme, o voto do
Min. Sepúlveda Pertence, na ADIn n. 3.645-9/PR, não se encontra isolado. O Min. Maurício
Corrêa, na ADIn n. 2.656-9/SP, ao tratar de um dos elementos de Lei do Estado de São Paulo que
vedava a comercialização de amianto “crisotila”, mencionou a questão da rotulagem:
“Nesse cenário, ao impor aos comerciantes, inclusive de outros Estados, a aposição de rotulagem dita preventiva [Art. 7º - No período compreendido entre a data da publicação desta lei e 1º de janeiro de 2005, as empresas que comercializam ou fabricam produtos que contenham amianto ficam obrigadas a informar nas embalagens dos seus produtos, com destaque, a existência de mineral em seu produto e que a sua inalação pode causar câncer (...)], o Estado de São Paulo cuidou de tema de competência da União (CF, artigo 22, VIII).” (STF, ADIn n. 2.656-/SP, Min. rel. Maurício Corrêa, DJ de 01/08/2003).
Outro precedente que pode ser mencionado é a ADIn-MC n. 750-5/RJ, cujo objeto foi a
Lei fluminense n. 1.939/91, a qual disponha sobre a “obrigatoriedade de informações nas
embalagens de produtos alimentícios comercializados no Estado do Rio de Janeiro”. O dispositivo
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
80
que se questionava, em especial, era o art. 2º, da mencionada lei, que dispunha sobre o rótulo ou
embalagem e as informações que deste deveriam constar.
Percebe-se, aqui, uma vez mais que a legislação em questão trata de matéria constante do
art. 24, V, da CB, ou seja, sobre produção e consumo. Sem embargo, o Ministro Octávio Gallotti,
em voto sucinto, conferiu a liminar, suspendendo o dispositivo acoimado de inconstitucional.
Importante destacar, apenas, que o Ministro em questão não faz menção à questão do rótulo, como
o faz, expressamente, o Ministro Sepúlveda Pertence, na ADIn 3.645-9/PR. Seu voto,
infelizmente, é assaz genérico e, se não fosse pela peculiaridade do artigo questionado, poderia
muito bem resultar numa equiparação automática entre, de um lado, produção e consumo e, de
outro, comércio interestadual:
“Também quanto à competência privativa da União para legislar sobre comércio interestadual (Constituição, art. 22, VIII), não pode ser negada a seriedade do pedido, tendo em vista a hipótese freqüente em que são comercializados, no Rio de Janeiro, produtos alimentícios provenientes de outros Estados da Federação.” (ADIn-MC n. 750-5/RJ, Min. rel. Octávio Gallotti, DJ de 11/09/1992).
O problema deste critério (matérias específicas sobre a matéria de produção e consumo,
que demandariam tratamento federal uniforme) reside na sua dependência à confirmação
posterior, pelo Judiciário. É dizer, o exegeta, em especial, o Estado-membro ou o Distrito Federal,
não conhecerá, previamente, quais os assuntos referentes à produção e consumo que poderão ser
disciplinados por eles e quais lhe estarão vedados. O Ministro Sepúlveda Pertence apenas
proclamou que rotulagem é matéria que há de ser tratada uniformemente. Assim, por conta da
significância pontual da hipótese considerada “rotulagem”, esta é jogada para a alçada da União.
Não explica o porquê, ou quais os fatores (objetivos) que levaram a esta nacionalização que, em
última análise, significa a construção de exceções à competência que, prima facie, seria estadual e
distrital.
Esta circunstância, contudo, não deixa de apresentar-se relevante para os estados e Distrito
Federal, em virtude de permitir ao STF que admita hipótese de produção e consumo como da
alçada do Estado-membro e do Distrito Federal, embora não os antecipe, em virtude da regra
(implícita) da decisão mínima no âmbito da Justiça Constitucional.
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
81
2.1.2. Normas Gerais enquanto normas de maior abstração
O outro critério aventado no STF é o de lavra do Ministro Carlos Velloso, na ADIn-MC n.
927-3/RS. Nesta linha, normas gerais seriam aquelas normas de maior abstração. Conforme
antecipado, esta classificação enfrenta um problema inafastável: determinar quais são as normas
de maior abstração, quando de toda lei ainda se costuma exigir a nota da abstração.
Na decisão que ocasionou o voto acima, decisão referente à constitucionalidade da Lei n.
8.666/93, ou seja, referente à constitucionalidade da Lei de Licitações, o Ministro afastou algumas
normas que, na sua visão estrita, não seriam normas gerais. É o caso do art. 17, II, b, da Lei em
questão. Este dispositivo reza que, no que se refere aos bens móveis da Administração Pública, a
permuta será permitida exclusivamente entre órgãos ou entidades da Administração Pública. Para
o Ministro:
“Referentemente à permuta de bem móvel – art. 17, II, b – que a lei estabelece que será „permitida exclusivamente entre órgãos ou entidades da Administração Pública‟, parece-me que o legislador federal se excedeu. O que se disse relativamente à doação de bens imóveis – art. 17, I, b – tem aplicação aqui. A interpretação conforme, no ponto, é esta: a norma mencionada – „permitida exclusivamente entre órgãos ou entidades da Administração Pública‟, inscrita no art. 17, II, b – somente tem aplicação no âmbito federal.” (STF, ADIn-MC 927-3/RS, Min. rel. Carlos Velloso, DJ de 11/11/1994, original não grifado).
Quanto ao raciocínio que serviu de lastro para esta conclusão, o desenvolvido no caso dos
bens imóveis, em que o art. 17, I, b, condiciona a doação destes bens, desde que seja feita
exclusivamente a outro órgão ou entidade da Administração Pública, de qualquer esfera do
governo:
“Não veicularia norma geral, na alínea b, que cuida de doação de imóvel, se estabelecesse que a doação somente seria permitida para outro órgão ou entidade da Administração Pública. No ponto, a lei trataria mal a autonomia estadual e a autonomia municipal, se interpretada no sentido de proibir a doação a não ser para outro órgão ou entidade da Administração Pública. Uma tal interpretação, constituiria vedação aos Estados e Municípios de disporem de seus bens, a impedir, por exemplo, a realização de programas de interesse público” (Original não grifado).
O raciocínio não se afigura, a bem da verdade, objetivo o suficiente para ser facilmente
repetível. O que estaria a descaracterizar a norma em questão como norma geral seria o simples
fato de a norma proibir, em todas as esferas da Federação, a doação ou permuta com outros entes
(id est sociedade civil), que não o Poder Público. Ou seja, uma norma geral, para ser geral, deverá
se ater à União. Está é uma conseqüência do raciocínio do Ministro Carlos Velloso. Desnecessário
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
82
dizer que tal ilação entrará em conflito, por exemplo, com a decisão exarada na ADIn n. 2.396-
9/MS e nas ADIn‟s n. 3.035-3/PR e n. 3.054-0/PR, à medida que todas envolvem leis federais
prevendo proibições/vedações para todas as esferas da Federação, e não apenas para a União
(tratar-se-á mais detidamente sobre estas ADIn‟s no item 2.1.3.1).
Portanto, este critério está a merecer, ainda, melhor complementação e explanação por
parte do próprio STF.
2.1.3. Outros Critérios:
2.1.3.1. Proibição e Permissão
Na ADIn 2.396-9/MS, em que se impugnava a Lei n. 2.210/01, do Estado do Mato Grosso
do Sul, a qual proibia a fabricação, o ingresso, a comercialização e a estocagem de amianto ou de
produtos à base de amianto, decidiu-se que essa lei excedia a margem de competência concorrente
assegurada pelo art. 24, V, VI e XII, posto que já existia lei federal (Lei n. 9.055/95) que dispunha
extensamente sobre o assunto. E, para o Supremo Tribunal Federal, a lei estadual sob comento
somente seria constitucional se viesse a preencher certas lacunas da lei federal, e não a “dispor
em diametral objeção a esta” (Min. rel. Ellen Gracie, DJ de 01/08/2003).
Até o presente momento, não há qualquer novidade ou qualquer elemento que pudesse auxiliar o
exegeta na definição do que vem a ser norma geral e norma peculiar. Contudo, há um excerto do
voto da Ministra Ellen Gracie que merece destaque e atenção:
“É que ao determinar a proibição de fabricação, ingresso, comercialização e estocagem de amianto ou de produtos à base de amianto, destinados à construção civil, o Estado do Mato Grosso do Sul excedeu a margem de competência concorrente que lhe é assegurada para legislar sobre produção e consumo (art. 24, V); proteção do meio ambiente e controle da poluição (art. 24, VI); e proteção e defesa da saúde (art. 24, XII)” (STF, ADIn n. 2.396-9/MS Min. rel. Ellen Gracie, DJ de 01/08/2003, original grifado).
O elemento que clama a atenção já foi sublinhado pela própria Ministra: proibição. Nesta
toada, proibição e, contrario senso, permissão, ou melhor, normas estabelecendo vedações ou
permissões são reputadas como normas gerais e, portanto, da competência da União e não dos
Estados-membros, salvo, por óbvio, a inexistência de lei federal estipulando estas normas gerais.
No caso em questão, a Lei n. 9.055/99, Lei Federal, permitiria a extração, industrialização,
utilização e comercialização de amianto. Nesta toada, não poderia a Lei Estadual proibi-los, sob o
risco de, ao assim proceder, estabelecer, indevidamente, normas gerais.
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
83
A ADIn n. 2.656-9/SP, que tem como objeto a mesma contenda constante da ADIn n.
2.396-9/MS, só que com Lei do Estado de São Paulo proibindo a comercialização do amianto
crisotila, apresenta esta mesma idéia, conforme se depreende do voto do Ministro relator Maurício
Corrêa:
“No caso, é evidente que a lei paulista contraria a lei federal, pois esta última, longe de vedar o emprego do amianto „crisotila‟, regula a forma adequada para sua legítima extração, industrialização, utilização e comercialização. A situação implica, desde logo, a ilegalidade [sic] dos dispositivos em análise. Para fins de controle concentrado, no entanto, a questão de relevo é que a legislação local cuida de normas gerais sobre produção e consumo de amianto, o que afronta as regras de repartição da competência concorrente previstas no artigo 24 da Constituição Federal.” (ADIn n. 2.656-9/SP, Min. rel. Maurício Corrêa, DJ de 01/08/2003).
Outra decisão que traz à balha esta mesma questão é a exarada na ADIn n. 3.035-3/PR e na
ADIn n. 3.054-0/PR. Esta(s) ação(ões) estava(m) a questionar Lei do Estado do Paraná, Lei n.
14.162/03, que vedava, por completo, o cultivo, a manipulação, a importação, a industrialização e
a comercialização de organismos geneticamente modificados.
Mencionada lei, ademais de afrontar uma série de dispositivos do art. 22, atentou contra a
competência da União em estabelecer normas gerais. Isto porque já havia leis federais admitindo o
cultivo, a manipulação, o transporte, a comercialização e o descarte de organismos geneticamente
modificados. Nesse sentido, o voto do Ministro Gilmar Mendes:
“Não é difícil perceber que as normas estaduais estão a se superpor a uma disciplina de caráter geral formulada no âmbito da União. “Como regra geral, ao contrário do que ocorre na lei estadual paranaense, o cultivo, a manipulação e a industrialização de OGM‟s, na Lei 8.974, não são objeto de uma vedação absoluta. A Lei 8.974 estabelece uma série de condições para a produção, manipulação, transporte, consumo, liberação e descarte de OGM‟s. Condições bastante restritivas, cabe dizer. Há também proibições de caráter absoluto na Lei Federal, mas tais proibições dirigem-se a hipóteses determinadas, e não a qualquer tipo de produção de OGM‟s. (STF, ADIn n. 3035-3/PR, Min. rel. Gilmar Mendes, DJ de 14/10/05).
Dentre os elementos até agora elencados, este se afigura como o mais certo e seguro.
Portanto, norma geral é norma que admite ou veda determinada conduta no sentido de que se
determinada lei federal admitir certa prática, não caberá à lei estadual estabelecer o contrário; se
determinada lei federal proibir certa prática, a lei estadual não poderá permiti-la
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
84
2.2. Dificuldade de categorização de determinados tópicos como matérias de competência
privativa da União e como matérias afeitas ao “condomínio legislativo”10
Conforme foi visto logo acima, ainda que de maneira breve, a outra problemática referente
à competência concorrente reside na determinação daquelas matérias que são concorrentes. Há
matérias que, por exemplo, podem dizer respeito ao direito civil e, ao mesmo tempo, ao direito
econômico. Como distingui-las ou qual critério de enquadramento numa e não em outra tipologia
constitucional, ou, ainda, como satisfazer concomitantemente a duas categorias diversas? Neste
tópico, discorrer-se-á sobre alguns casos em que houve esta divisão pelo STF (ainda que a divisão
não tenha sido clara e suscite dúvidas mesmo entre os próprios Ministros).
2.2.1. Competência Concorrente de Proteção e Integração Social das Pessoas Portadoras de
Deficiência (Art. 24, XIV) ou Competência Privativa para legislar sobre trânsito e transporte
(Art. 22, XI)?
Na ADIn-MC n. 903-6/MG, cujo objeto foi a Lei n. 10.820/92, do Estado de Minas Gerais,
responsável por disciplinar o transporte coletivo intermunicipal de pessoas portadoras de
deficiência [art. 1º da Lei: “As empresas concessionárias de transporte coletivo intermunicipal
ficam obrigadas a promover adaptações em seus veículos, a fim de se facilitar o acesso e a
permanência de portadores de deficiência física e de pessoas com dificuldades de locomoção”],
suscitou-se dúvida acerca da categorização da Lei (ou seja, de sua temática) em questão.
Consistiria ela de matéria afeita ao trânsito e transporte, e, portanto, de competência privativa da
União ou afeita à proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência, e, portanto,
afeita ao “condomínio legislativo”? Obviamente que a lei tratava de ambas as questões. Porém,
como determinar qual deverá prevalecer e, desta feita, conduzir a definição da competência
legislativa?
Embora a decisão do STF tenha sido pela não concessão da cautelar, ou seja, pela
manutenção da presunção de constitucionalidade da Lei estadual, não há uma justificativa bem
delineada/cristalina acerca da opção do STF por alocar a Lei no art. 24, VIX, da CB.
Há, contudo, um elemento que merece destaque. Segue-se o excerto do voto do Ministro
Celso de Mello, relator da ADIn mencionada:
10 Terminologia adotada pelo Ministro CELSO DE MELLO na ADIn-MC n. 903-6/MG, acerca da competência legislativa concorrente.
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
85
“Alega-se que a União Federal absteve-se, até o presente momento, de editar a legislação nacional pertinente ao tema específico da adoção, pelas empresas que exploram o serviço de transporte coletivo, de providências destinadas a garantir, às pessoas portadoras de deficiência, acesso adequado aos veículos automotores. “Mesmo a normação federal insuficiente, que se haja omitido na disciplinação legislativa de matéria tópica, legitima o exercício, pelos Estados-membros, da competência normativa plena” (ADIn-MC n. 903-6/MG, Min. rel. Celso de Mello, DJ de 24/10/97, original grifado).
Percebe-se que o Ministro em questão está a entender que a Lei Estadual estabelece
normas gerais sobre a proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência e que esta
generalidade seria legítima dada a ausência de norma federal sobre o assunto. Este, porém, não é o
elemento que merece maior atenção aqui, mas sim o uso dos seguintes termos: “tema específico” e
“matéria tópica”, destacacods pelo próprio Ministro.
Disto, poder-se-ia inferir importante critério para definir se determinada lei é de
competência privativa da União ou do “condomínio legislativo”, a saber, a especialidade da lei.
No caso em questão, trata, especificamente, do acesso e da proteção do portador de deficiência. O
transporte, por sua vez, é matéria incidental. Daí avocar-se o art. 24, XIV, e não o art. 22, XI, da
CB. Portanto, seria o objeto específico da lei que nortearia a sua classificação/taxionomia. Logo,
é preciso apartar assuntos díspares que são concomitantes a partir da finalidade da lei. Sendo
objetivo primordial a tutela do portador de deficiência, o ambiente no qual esta tutela é imposta
deve ser considerado uma matéria secundária em relação ao objetivo da legislação.
2.2.2. Competência Concorrente sobre Previdência Social, Proteção e Defesa da Saúde (art. 24,
XII) ou Competência Privativa para legislar sobre trânsito e transporte (Art. 22, XI) e do
trabalho (art. 22, I)?
Na ADIn n. 403-4/SP questionou-se norma da Constituição do Estado de São Paulo, mais
precisamente seu art. 190, que estabelecia que “o transporte de trabalhadores urbanos e rurais
deverá ser feito por ônibus, atendidas as normas de segurança estabelecidas em lei”. Tal
dispositivo, nas palavras da requerente, Confederação Nacional da Agricultura, atentaria contra o
art. 22, I e XI11. Em defesa da previsão constitucional, avocou-se o art. 24, XII, da CB.
11 Sobre o questionamento de Constituições Estaduais em face do artigo 22, vide comentários à ADIn 280-5/MT, acima.
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
86
A decisão foi pela inconstitucionalidade do preceptivo constitucional do Estado de São
Paulo12. Nos termos do voto do Min. Ilmar Galvão:
“A regra do art. 190 da Constituição do Estado de São Paulo, por sua vez, determina, como visto, que o transporte de trabalhadores deve ser feito, necessariamente, em ônibus, vedando, desse modo, a utilização de qualquer outro veículo de passageiros para tanto.” “Assim, tratando-se de norma sobre trânsito e transportes, fica caracterizada a invasão de competência legislativa da União pelo texto constitucional paulista, invasão essa que se torna mais clara com a leitura das normas federais de trânsito, tanto as vigentes na época da promulgação da Constituição de São Paulo quanto as atuais” (ADIn n. 403-4/SP, Min. rel. Ilmar Galvão, DJ de 27/09/2002).
Percebe-se, aqui, que o Ministro Ilmar Galvão afastou a argumentação desenvolvida pelo
Estado de São Paulo de que a norma seria acerca da proteção e defesa da saúde, propugnando se
tratar de norma sobre transporte e trânsito. Caso se resolva aplicar o critério esposado no item
anterior, objeto específico, perceber-se-ia que a preocupação específica do art. 190 da CE é com o
transporte – via ônibus. E, no geral, a própria legislação federal – Código de Trânsito – é quem
estabelece as normas de segurança (com a previsão da devida sanção) referentes ao transporte e
trânsito.
Quanto à configuração da matéria em questão como afeita ao direito do trabalho, isso
ocorreu mais precisamente pelo Ministro Marco Aurélio:
“Os preceitos disciplinam transporte e, também, a questão alusiva aos trabalhadores urbanos e rurais, situando-se, se assim podem ser entendidos, no âmbito do Direito do Trabalho” (ADIn n. 403-4/SP, Min. Marco Aurélio, DJ de 27/09/2002).
Aqui é importante destacar que a questão trabalhista é mais específica que o transporte,
afinal, diz respeito a um transporte referente ao trabalhador, e não a todo e qualquer tipo de
transporte. Sem embargo, esta diferenciação não tem implicações práticas.
Contudo, a aplicação do critério especificidade ou especialidade do objeto da lei também
apresenta suas dificuldades. Como aquilatar qual objeto é mais específico?
A dificuldade de sua aplicação pode se fazer sentir, por exemplo, na ADIn-MC n. 874-
9/BA, que envolvia a mesma contenda entre art. 22, XI, e art. 24, XII, da CB. Nesta, questionava-
se a Lei n. 6.457/93, do Estado da Bahia, que impunha a instalação de cinto de segurança em
veículos de transporte coletivo de passageiros. 12 O Ministro Sepúlveda Pertence restou vencido, entendendo ser a matéria de competência dos Estados-membros, por conta do art. 24, XII. Talvez este posicionamento, que não é bem explicado (o voto do Ministro tem um parágrafo, advenha de sua posição menos centralizadora: falar-se-á sobre este fato em item referente ao posicionamento anunciado de alguns ministros).
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
87
O resultado foi a inconstitucionalidade da Lei em questão; sem embargo, o Ministro Marco
Aurélio, voto vencido, apresentou o seguinte argumento:
“Também confiro ao inciso XII do artigo 24 alcance que extravasa o previsto na sua primeira parte, ou seja, tenho-o como direcionado à proteção social. Nesse preceito, está revelado que compete também aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre „proteção e defesa de saúde‟ – e aqui, vislumbro a intangibilidade, a higidez das pessoas. “Creio que o Estado da Bahia deu um passo, pelo menos sob a minha óptica, elogiável, e neste exame preliminar, não tenho como suficientemente configurada a relevância do pedido a ponto de afastar, de imediato, a eficácia dos dispositivos impugnados.” (ADIn-MC n. 874-9/BA, Min. Marco Aurélio, DJ de ).
Percebe-se, aqui, que o que se afigurava mais específico para o Ministro Marco Aurélio era
a proteção da saúde das pessoas, que a obrigatoriedade do cinto de segurança estava a impor
(chama-se a atenção, aqui, para o fato de o Ministro em questão ter defendido a
inconstitucionalidade do art. 190 da Constituição do Estado de São Paulo: ou seja, nesta ADIn o
Ministro Marco Aurélio concluiu de maneira diversa da conclusão alançada na ADIn n. 403-
4/SP). Acaso se procure diferenças entre esta decisão e a que antecede esta, provavelmente haverá
diferenças importantes, como, por exemplo, o fato de o dispositivo da Constituição do Estado de
São Paulo ser extremamente genérico e esta lei tratar de assunto específico que, certamente, diz
respeito à segurança das pessoas: algo que poderia sustentar o posicionamento do Ministro Marco
Aurélio e a higidez do critério especificidade. De qualquer maneira, esta decisão bem demonstra a
dificuldade de se aplicar o critério especificidade e, principalmente, a dificuldade de se encontrar,
no STF, um critério minimamente homogêneo e linear, com clareza para uma “repetição em séria”
sem maiores dificuldades.
2.2.3. Competência Concorrente para Legislar sobre Direito Econômico (art. 24, I) ou
Competência Privativa para Legislar sobre Direito Civil (art. 22, I)/ Competência Concorrente
para legislar sobre Educação, Cultura, Ensino e Desporto (art. 24, IX) ou Competência
Privativa para Legislar sobre Direito Civil (art. 22, I)?
Conforme foi mencionado no item 2, a ADIn n. 1.950-3/SP, cujo objeto era a Lei n.
7.884/92, do Estado de São Paulo, referente à concessão do benefício da meia-entrada, suscitou
dúvidas quanto à configuração da matéria em questão como estando fundamentada no art. 22, I
(direito civil) ou no art. 24, I (direito econômico). A celeuma surgiu por conta de posicionamento
adotado pelo STF na ADIn n. 1.007-7/PE, cuja matéria seria a mesma da ADIn n. 1.950-3/SP
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
88
(contratos, segundo o posicionamento do Ministro Cezar Peluso), mas que teria redundado no
enquadramento de validade desta última no art. 22, I (questão de contratos e, desta feita, referente
ao direito civil), enquanto na ADIn sobre a meia-entrada teria o STF defendido a competência
legislativa concorrente.
O objeto da ADIn n. 1.007-7/PE foi a Lei n. 10.983/93, do Estado de Pernambuco,
responsável por fixar o pagamento das mensalidades escolares em Pernambuco. A requerente
sustentou a inconstitucionalidade da Lei em questão com base no art. 22, I, da CB. Ou seja,
mencionada lei teria invadido esfera da competência privativa da União. O Estado de Pernambuco,
por sua vez, sustentou que a Lei auferiria sua legitimidade constitucional do art. 24, IX, da CB.
Em outras palavras, havia dúvida, aqui, quanto à alocação da matéria na competência concorrente
para legislar sobre educação, cultura, ensino e desporto (art. 24, IX) ou na competência privativa
da União para legislar sobre direito civil (art. 22, I).
Nas palavras do Ministro Eros Grau, relator da contenda, o fato de a Lei em questão apenas
estabelecer a data de vencimento das mensalidades escolares faria com que a matéria quedasse
alocada no art. 22, I:
“Não vislumbro, no texto normativo, legislação sobre educação ou ensino. Os preceitos tratam tão-somente da estipulação de data do vencimento das mensalidades escolares, matéria de direito contratual. A Lei n. 10.989 do Estado de Pernambuco, torno a repetir, nada dispõe a respeito daquela matéria. “Cabendo à União privativamente legislar sobre direito civil – ou seja, sobre contratos – não compete ao legislador estadual discipliná-los.” (ADIn n. 1.007-7/PE, Min. rel. Eros Grau, DJ de 24/02/2006; original não grifado).
À primeira vista, pode-se perceber, aqui, a adoção do critério especificidade. Sobre o que
trata, propriamente, a Lei em questão? Trata de contratos, de um determinado segmento, ou de
educação, propriamente dita? Na visão do Ministro, estar-se-ia em face de matéria contratual.
Portanto, por conta desta verificação, a matéria abordada da lei estaria sob a regência do art. 22, I,
e não do art. 24, IX, da CB13.
13 Ressalte-se, aqui, que no bojo desta ADIn surge outra polêmica: saber se a Lei em questão estava a discorrer sobre consumidor. Este foi o posicionamento exarado pelo Ministro Carlos Britto: “Ora, a norma aqui impugnada é de proteção do consumidor” (ADIn n. 1.007-7/PE, Min. rel. Eros Grau, DF de 24/02/2006). Esta nova celeuma bem demonstra a dificuldade presente na atividade de taxionomia das matérias entre o art. 22 e o art. 24.
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
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Uma vez, mais, porém, este critério viu-se ameaçado, porquanto o Min. Carlos Velloso, nesta
mesma ADIn, compreendeu que a Lei acoimada de inconstitucional estaria a disciplinar matéria
referente à educação e ensino, e não aos contratos:
“V. Exa. não acha que interfere com a questão o inciso IX, que estabelece legislação concorrente entre o Estado e a União no que toca à educação e ensino? Será que mensalidade escolar não estaria relacionada com ensino, educação? Então, tem-se, no caso, competência do Estado para legislar concorrentemente.” (ADIn n. 1.007-7/PE, Min. rel. Eros Grau, DJ de 24/02/2006; original não grifado)
Seguiu a mesma senda o Ministro Joaquim Barbosa:
“Entendo, sim, que a referida lei tem como fim primordial evitar que normas contratuais abusivas afetem e prejudiquem a concretização e o acesso ao direito fundamental da educação por parte daqueles cidadãos que pagam estabelecimentos educacionais privados pela prestação dos serviços educacionais.” (ADIn n. 1.007-7/PE, Min. rel. Eros Grau, DJ de 24/02/2006; original não grifado).
Findou, desta feita, este último Ministro, por considerar a Lei em questão como
constitucional, por ser matéria alocada na competência legislativa concorrente (art. 24. IX, da CB).
A celeuma, sem embargo, não evitou que a legislação estadual fosse reputada inconstitucional por
afronta ao art. 22, I, da CB, restando vencedor o posicionamento do Ministro Eros Grau14.
Voltando à questão da ADIn n. 1950-3/SP, a polêmica se inicia a partir do momento que o
Ministro Cezar Peluso, que havia acompanhado o Ministro Eros Grau na ADIn n. 1.007-7/PE,
levanta a questão da inconstitucionalidade formal da Lei do Estado de São Paulo, Lei n. 7.884/92,
porquanto a mesma teria disciplinado matéria de contratos, por conseguinte, invadido competência
privativa da União, a saber, competência para legislar sobre direito civil:
“Na verdade, essa norma está interferindo em contratos, está tabelando prestações de contratos. Para um universo determinado de contraentes, é verdade, mas está tabelando, ao prescrever que um universo tal de contraentes paga a metade do valor dos contratos. “Isso, a meu ver, com o devido respeito, ofende o art. 22, I. E encontro grande dificuldade para ajustar essa norma ao art. 23, V, ao dizer que compete ao Estado „proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação...‟ “Primeiro, o Estado não está proporcionando nada, está obrigando o particular a proporcionar. Segundo, se o argumento fosse verdadeiro, o Estado poderia baixar norma que estatua que menor de dozes anos paga dez por cento da mensalidade escolar e outras análogas. Aliás, o Ministro Eros Grau foi relator da ADI n. 1.007, na qual o Plenário não admitiu sequer fosse mudada a data de pagamento de contrato de mensalidade escolar.” (ADIn n. 1.950-3/SP, Min. rel. Eros Grau, DJ de 02/06/2006; original não grifado).
14 Acompanharam o Min. Eros Grau os Ministros Cezar Peluso, Carlos Velloso (que findou por mudar a sua posição), Nelson Jobim, Ellen Gracie e Sepúlveda Pertence.
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
90
De outra banda, os Ministros Carlos Britto e Eros Grau argumentaram que a questão era
diferente. A “situação era outra”, nas palavras do Ministro Carlos Britto. Sem embargo, não há a
demonstração inequívoca de qual o elemento (objetivo) diferenciador entre um e outro caso.
Encontra-se apenas o seguinte debate:
“Eros Grau – Só para esclarecer: a ADI n. 1.7007 tratava de matéria de
Direito Civil. A situação é inteiramente diferente.
“Cezar Peluso – Que contratos são esses, Ministro?
“Eros Grau – Se Vossa Excelência me permitir, estou simplesmente
mostrando que não há incoerência no vício formal.” (ADIn n. 1.950-3/SP,
Min. rel. Eros Grau, DJ de 02/06/2006; original não grifado)
Não há, além deste debate, qualquer elemento material que explique a diferença entre uma
e outra, a não ser a palavra de um Ministro contra a palavra de outro.
Quanto ao critério necessário para classificar a lei em questão no âmbito do direito
econômico (e, portanto, no “condomínio legislativo”) e não no direito civil (e, portanto, em
competência privativa da União), queda na obscuridade. O STF não aventa quaisquer indícios ou
elementos, nesta ADIn, que possam nortear a solução de situações futuras.
2.2.4. Considerações Gerais sobre este Tópico
A partir da pequena amostragem jurisprudencial reunida neste tópico, pode-se esboçar
algumas conclusões. A primeira conclusão a que se chegou foi a tentativa de se identificar o
critério especificidade como um elemento capaz de nortear a taxionomia de determinada matéria,
definindo se esta estaria sujeita à competência privativa ou se, por contrário, sujeitar-se-ia ao
“condomínio legislativo” do art. 24, da CB. Sem embargo, a divergência entre as ADIns n. 403-
4/SP e ADIn-MC n. 874-9/BA e dentro da própria ADIn n. 1.007-7/PE bem demonstraram a
dificuldade prática em aplicá-lo ou em considerá-lo seriamente, ao menos no que se refere ao
âmbito do STF.
A segunda conclusão obtida foi a da que o próprio STF não produziu um posicionamento
acurado e consistente quando o assunto é o rateio de competências. Nesse sentido, basta retomar a
ADIn n. 1.950-3/SP, mais precisamente o embate entre os Ministros Cezar Peluso e Eros Grau.
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
91
3. Conclusões
3.1. Esquadrinhamento do Universo Pesquisado
O presente paper focou o estudo de uma amostragem de 17 decisões proferidas pelo STF
acerca da questão do federalismo, na Constituição de 1988. Intentou-se, com esta perquirição,
obter alguns critérios para (i) definir o que diferencia uma norma geral de uma norma
especial/peculiar e para (ii) alocar determinado item como matéria referente à competência
legislativa privativa ou como competência legislativa concorrente, quando há “concorrência” entre
as próprias previsões diversas de competências.
Quanto a (i), três foram os critérios apontados: (a) configura-se norma geral aquelas
normas que demandam aplicação federativa uniforme; (b) configura-se norma geral aquelas
normas detentoras de maior abstração; (c) são normas gerais aquelas que proíbem ou admitem
certas condutas.
Dentre estes três, o que se afigurou menos incerto foi o que reputa como norma geral
aquelas que estabelecem proibições e permissões. As demais demandam maior aprofundamento
(no universo jurisprudencial) e explanação (por parte da jurisprudência do STF).
Quanto a (ii), intentou-se identificar algum critério que atuasse como compasso na árdua
tarefa de classificar determinada matéria dentre as competências privativas da União e as
competências alocadas no “condomínio legislativo”. O elemento identificado foi a especificidade
da eventual Lei que esteja sendo analisada ou que tenha a sua constitucionalidade formal
questionada. Porém, conforme foi demonstrado nas amostras analisadas, a especificidade não
reduz o subjetivismo/dúvidas que podem existir na atividade de catalogar a Lei.
Por derradeiro, cabe, aqui, esquadrinhar o número de decisões que implicaram a
constitucionalidade das leis estaduais e o número de decisões que acarretaram na
inconstitucionalidade das leis estaduais. No total, analisaram-se 17 decisões do STF. Destas 17
decisões, apenas cinco foram favoráveis à constitucionalidade das Leis Estaduais (sendo que uma
envolvia uma lei federal – ADIn-MC n. 927-3/RS). Destas cinco decisões, três foram proferidas
em sede de cautelar, sendo possível, portanto, a revisão do resultado liminar (embora improvável).
As 12 decisões restantes eivaram as leis estaduais de inconstitucionalidade, por afronta à
competência legislativa da União, quer por terem atentado contra sua competência privativa, quer
por terem se imiscuído naquelas matérias que, apesar do “condomínio legilativo” do art. 24 da CB,
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
92
compreendeu-se que estariam reservadas à União (normas gerais). Segue, portanto, uma tabela
sobre o resultado da pesquisa:
Número de decisões
analisadas
Decisões pela
constitucionalidade das
leis estaduais
Decisões pela
inconstitucionalidade das leis
estaduais
17 5* 12
* Destas cinco decisões, uma se referia a lei federal e outras três foram exaradas em análise de medida cautelar
Percebe-se, desta análise preliminar e inicial (um número indubitavelmente reduzido, em
face da soma de decisões sobre esta matéria), que a jurisprudência do STF tem demonstrado uma
leitura pró-federal, no sentido de privilegiar a descentralização federativa, quer seja atuando no
significado e alcance das matérias elencadas no art. 22, quer seja na concepção de norma geral
capaz de atrair a competência novamente à União.
3.2. Postura crítica quanto ao encaminhamento geral do STF
Da leitura do material jurisprudencial, pode-se, por vezes, identificar o posicionamento
crítico de alguns dos Ministros do STF. Nesta amostragem, foi possível notar o posicionamento
ideológico de um dos Ministros que compõe o atual STF, acerca da questão federativa, a saber, o
Ministro Ricardo Lewandowski. Na ADIn n. 3.645-9/PR, ele expôs sua opinião acerca da matéria:
“Dentro desse movimento pendular que caracteriza o federalismo brasileiro, com momentos de grande concentração de poder ao nível da União, e outros, de grande desconcentração em favor dos demais entes federativos, verifica-se que, paulatinamente, estamos caminhando, na verdade, para um Estado unitário descentralizado, haja vista as recentes reformas administrativa, previdenciária, judiciária, tributária. Observa-se também, que, no âmbito da competência concorrente prevista no art. 24 da Carta Magna, cada vez mais esvaziada a competência dos Estados de legislar supletivamente, porque a União, quando legisla, esgota o assunto, não se limita a editar apenas normas gerais.” (ADIn 3.645-9/PR; Min. rel. Ellen Gracie, DJ de 01/09/2006; original não grifado)
Percebe-se, da leitura de seu voto, que seu posicionamento adota um tom crítico em
relação à postura do STF em relação à concepção de Federação que este tem adotado em suas
decisões.
Outro Ministro que se afigurava crítico (o tempo verba é adequado, porquanto o mesmo já
se aposentou) era o Ministro Sepúlveda Pertence. Em certa ocasião, ao comentar o princípio da
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
93
simetria (outro instituto que finda por esvaziar, agora no âmbito constitucional, os demais entes
federativos de suas competências), este proferiu o seguinte entendimento, no Recurso
Extraordinário n. 197.917-8/SP15:
“Com todas as vênias, estou em que, no caso, o voto do em. Min. rel. entre duas leituras possíveis do texto constitucional – optou, uma vez mais, pelo excesso de centralização uniformizadora que, há muito, a jurisprudência do Tribunal tem imposto à ordenação jurídico-institucional de Estados e Municípios, sob a inspiração mítica de um princípio universal de simetria, cuja fonte não consigo localizar na Lei Fundamental.” (REx n. 197.917-8/SP, Min. rel. Maurício Corrêa, DJ de 07/05/2004).
Quanto aos demais Ministros, o material empírico ora analisado não revelou qualquer
posicionamento – expresso, ao menos.
Referências bibliográficas:
MAY, Cristopher N., IDEZ, Alla. Constitucional law: national power and federalism. 2. Ed.
Gaithesburg: Aspen Law & Business, 2001.
SCHWARTZ, Bernard. O Federalismo norte-americano atual. Trad. por Elcio Cerqueira. Rio de
Janeiro:Forense Universitária, 1984.
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
15 Ressalte-se, aqui, que esta decisão não mantém relação, propriamente, com a questão da repartição federativa de competências legislativas. Sem embargo, por conta da sua conexão com o assunto do federalismo, findou por merecer destaque e menção.
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
94
3.4. Normas gerais, nacionais, competência legislativa e o Federalismo Fiscal.
NORMAS GERAIS, NACIONAIS, COMPETÊNCIA LEGISLATIVA E O
FEDERALISMO FISCAL.
José Maria Arruda de Andrade
Algumas das grandes questões que se colocam no exercício da função normativa pelo
poder Legislativo são aquelas relativas às normais gerais em matéria tributária e à existência de
leis nacionais tributárias confrontada com a questão da autonomia dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios.
Essas tormentosas questões podem ser analisadas a partir (i) da noção de normais gerais,
(ii) das funções constitucionais da lei complementar na seara tributária e (iii) da autonomia dos
entes da federação. Todavia, esse estudo não prescinde de uma atenta abordagem da
jurisprudência pátria, o que permeará esse ensaio.
Normas Gerais em Matéria Tributária
I.1.
O primeiro desafio da pesquisa é a própria definição do que seria norma geral de direito
tributário, o que tem sido objeto do pensamento de vários doutrinadores, existindo desde aqueles
que abordaram o assunto a partir da definição negativa (Carvalho Pinto1) e até mesmo aqueles que
preferiram apontar a inexistência de uma norma geral sobre o que é norma geral (Rubens Gomes
de Sousa)2.
Para um melhor desenvolvimento, convém citar os dispositivos constitucionais atinentes à
competência legislativa mais importantes para esse trabalho.
No regramento da competência legislativa dos entes da federação, tem-se a regra geral de
competência concorrente na área tributária:
Professor da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie . Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo. 1 Ver FERRAZ Jr, Tercio Sampaio, “Normas Gerais e Competência Concorrente – Uma Exegese do Art. 24 da Constituição Federal”, Revista Trimestral de Direito Público nº 7, São Paulo, Malheiros, 1994, p. 16 e COÊLHO, Sacha Calmon Navarro, Curso de Direito Tributário Brasileiro, Rio de Janeiro: Forense, 1999, p.107. 2 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro, Curso de Direito Tributário Brasileiro, Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 107.
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
95
“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico; § 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais. § 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados. § 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades. § 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.”
Há, ainda, na Constituição, diversos dispositivos determinando o uso de lei complementar
tributária. Mas, nesse momento, relevante será a menção ao art 146, que atribui os seguintes
objetos genéricos de lei complementar fiscal:
“Art. 146. Cabe à lei complementar: [...] III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas. d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239.
Sobre as leis complementares trataremos mais adiante, mas o art. 24 já faz importantes e
difíceis referências à idéia de normas gerais, seja como limite do uso da competência concorrente
de legislar (§ 1º); seja como referência à competência concorrente dos Estados (§2º), seja como a
superveniência de lei federal e sua relação com a lei estadual que lhe antecedera (§3º).
Além disso, árdua é a pesquisa sobre a menção ao termo normas gerais feita pelo art. 146
da CF/88 já mencionado. Árdua e fundamental, pois ela trará parâmetros incisivos de validade de
leis que são aplicadas diuturnamente nas relações tributárias.
No sentido de trazer subsídios para uma melhor precisão de quais seriam os objetos e os
destinatários de uma norma geral tributária, relembremos a lição de Carvalho Pinto (Normas
Gerais de Direito Financeiro: Ed. Prefeitura do Município de São Paulo, São Paulo, 1949, p.24)3:
3 FERRAZ Jr, Tercio Sampaio, “Normas Gerais e Competência Concorrente – Uma Exegese do Art. 24 da Constituição Federal”, Revista Trimestral de Direito Público nº 7, São Paulo, Malheiros, 1994, p. 16.
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
96
“a) não são normas gerais as que objetivem especialmente uma ou alguma dentre várias pessoas congêneres de direito público, participantes de determinadas relações jurídicas; b) não são normas gerais as que visem, particularizadamente, determinadas situações ou institutos jurídicos, com exclusão de outros, da mesma condição ou espécie; c) não são normas gerais as que se afastem dos aspectos fundamentais ou básicos, descendo a pormenores ou detalhes”.
Essa estratégia de uso do raciocínio a contrario fornece subsídios para enfrentar questões
bem pontuais sobre a utilização de normas gerais.
I.2.
O item a), por exemplo, aponta para uma importante conclusão nos trabalhos doutrinários
sobre o tema, qual seja, não deverá ser considerada como uma norma geral nacional aquele texto
normativo que dispor apenas de tributos e de assuntos pertinentes à esfera federal, ou, em termos
mais incisivos, que não tratar, também, de tributos estaduais e municipais.
Estar-se-á diante de uma lei federal, talvez até de aplicação sobre vários tributos federais,
mas não de um dispositivo de abrangência nacional, vinculante (dentro dos contornos
constitucionais) aos Estados e Municípios.
Veja-se, nesse contexto, por exemplo, a adoção de distintas regras de prazos de prescrição
e decadência para fins tributários.
Os tributos cuja legislação atribui ao contribuinte o dever de apurar o valor devido e
recolhê-lo, independente de prévia análise por parte do fisco, são chamados de tributos sujeitos ao
lançamento por homologação. Atualmente, quase todos os tributos estão submetidos a essa
modalidade, devendo seguir as regras de decadência dispostas no Código Tributário Nacional, art.
150 § 4º, nomeadamente uma norma geral de direito tributário:
“Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa. (...) §4º Se a lei não fixar prazo à homologação, será ele de 5 (cinco) anos, a contar da ocorrência do fato gerador,' expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação".
Pois bem, quando se trata de contribuições sociais cuja arrecadação é direcionada à
Seguridade Social (art. 194 e 195 da CF/88), o artigo 45 da Lei nº 8.212/91 prescreve outro prazo,
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
97
dessa vez de 10 anos a contar do primeiro dia do exercício seguinte em que o tributo poderia ter
sido lançado.
O próprio CTN autoriza o regramento de outros prazos, sendo a referência ao prazo de
cinco anos contida no § 4º uma regra geral (no contexto de uma norma geral) na ausência de
outras específicas.
Todavia, com o advento da Carta de 1988, o art. 146 faz a menção, já citada, de que cabe à
lei complementar dispor sobre regras de decadência e prescrição (inciso III, b).
A discussão em torno desse tema é um pouco mais complicada do que a mera exigência de
lei complementar sempre que se estabelecer prazos decadenciais e prescricionais, pois, ao
contrário do que afirma a maior parte da doutrina tributária, não há aqui uma reserva absoluta de
lei complementar.
É permitida a utilização de lei ordinária para estabelecer novos prazos, desde que não se
trate de uma norma geral. Daí retornamos de onde começamos, ou seja, a definição do que é
norma geral de direito tributário e a sua relevância em questões de ampla aplicação e repercussão
financeira.
Um diploma legal que trata de todas as contribuições da seguridade social é uma regra
geral ou uma regre específica, que prescreve regras aplicáveis somente a uma parcela dos tributos
federais, sem sequer alcançar os estaduais e municipais?
Essa questão deixaremos por aqui, muito embora nos inclinemos pela segunda assertiva, já
que a Lei 8.212/1991 trata de um universo restrito, do ponto de vista tributário, que não abrange os
demais entes da federação e sequer se aplica a todos os tributos federais4.
Todavia, corroborando a tese de que o artigo 45 da Lei n° 8.212/91 padece de
inconstitucionalidade, vale apontar que, recentemente, a Corte Especial do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) declarou a inconstitucionalidade do referido artigo, no incidente de
inconstitucionalidade aberto no curso do julgamento do Agravo de Instrumento no Recurso
Especial nº 616.348, tendo o acórdão sido publicado no último dia 15.10.2007, com a seguinte
ementa:
4 Utilizando-se a terminologia de FERRAZ Jr., a Lei 8.212/91 seria, quanto ao destinatário, uma norma especial (destinada a algumas pessoas, já que na época seria aplicável pela fiscalização do Instituto Nacional do Seguro Social e da Receita Federal) e, quanto ao conteúdo, uma norma particular, já que aplicável a um universo específico de contribuições sociais. Sobre essa classificação, ver FERRAZ Jr., op. cit., p.18.
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“CONSTITUCIONAL, PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. DO ARTIGO 45 DA LEI 8.212, DE 1991. OFENSA AO ART. 146, III, B, DA CONSTITUIÇÃO. 1. As contribuições sociais, inclusive as destinadas a financiar a seguridade social (CF, art. 195), têm, no regime da Constituição de 1988, natureza tributária. Por isso mesmo, aplica-se também a elas o disposto no art. 146, III, b, da Constituição, segundo o qual cabe à lei complementar dispor sobre normas gerais em matéria de prescrição e decadência tributárias, compreendida nessa cláusula inclusive a fixação dos respectivos prazos. Conseqüentemente, padece de inconstitucionalidade formal o artigo 45 da Lei 8.212, de 1991, que fixou em dez anos o prazo de decadência para o lançamento das contribuições sociais devidas à Previdência Social. 2. Argüição de inconstitucionalidade julgada procedente. (AI no RECURSO ESPECIAL Nº 616.348 - MG (2003/0229004-0) RELATOR : MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI – Documento: 3324508 - EMENTA / ACORDÃO - Site certificado - DJ: 15/10/2007 Página 1 de 2).”
No mesmo sentido, o Tribunal Superior do Trabalho, competente para executar as
contribuições previdenciárias decorrentes de sentenças trabalhistas, declarou a
inconstitucionalidade do dispositivo citado:
“PROC: RR - 360/2004-021-24-00; PUBLICAÇÃO: DJ - 09/03/2007; PROC. Nº TST-RR-360/2004-021-24-00.3C:A C Ó R D Ã O; 6ª Turma GMHSP/me/ev RECURSO DE REVISTA. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. PRAZO DECADENCIAL Com efeito, estabelece o art. 146 da Constituição Federal: Art. 146. Cabe à lei complementar: I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar; III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas. (g.n.) Portanto, a Constituição Federal regra que somente mediante lei complementar podem ser reguladas normas gerais em matéria de legislação tributária, incluídos os temas obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários. A aludida norma constitucional preserva o sistema federativo, definindo que matérias relevantes para o Estado somente sejam tratadas por lei que apresente um quorum qualificado. Nesse sentido, inequívoca a ofensa ao referido dispositivo constitucional quando a norma que versar sobre decadência não for lei complementar. In casu, a Lei n. 8.212/1991 trata-se de lei ordinária e não de lei complementar, razão pela qual, por conseguinte, não poderia regrar acerca da decadência. Ora, havendo expressa determinação constitucional de que somente a lei complementar pode regular as hipóteses supracitadas, revela-se inconstitucional o dispositivo que as disciplina inserido em lei que não possui tal natureza. Pelo exposto, declaro incidentalmente a inconstitucionalidade do art. 45 da Lei n. 8.212/1991 em razão de afronta formal ao art. 146 da Constituição Federal. [...] Ante o exposto, não conheço do recurso de revista. ISTO POSTO ACORDAM os Ministros da Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, não conhecer do recurso de revista. Brasília, 13 de dezembro de 2006. HORÁCIO SENNA PIRES Ministro Relator Ciente: Representante do Ministério Público do Trabalho”.
No Supremo Tribunal Federal, alguns ministros direcionaram ao Plenário daquela corte a
matéria, tendo sido determinada a suspensão de envio de Recursos Extraordinários e Agravos de
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99
Instrumento por parte dos tribunais sobre prazo prescricional em contribuições previdenciárias
(questão de ordem no Recurso Extraordinário nº 556664) até que aquela Corte aprecie e decida a
matéria.
Como foi possível perceber, independente ainda da questão sobre as funções da lei
complementar em nosso sistema constitucional, a definição sobre a expressão norma geral pode,
muitas vezes, definir a própria validade de determinadas normas (ordinárias, por exemplo).
Dessa forma, a definição do termo norma geral dependerá, por vezes, da utilização da
lógica, seja na abordagem dos destinatários da norma, seja na abordagem do seu conteúdo.
Em conclusão, muito embora aqui contrariando a tendência jurisprudencial, normas
federais, estaduais ou municipais podem tratar especificamente de temas relacionados à parte geral
do direito tributário (prescrição, decadência, lançamento), desde que se limitem ao seu plano de
competência. Se a intenção for vincular as três esferas da federação, a lei deverá ser complementar
e de caráter nacional.
Ou ainda, em outro giro, pode-se perceber que, se cabe à União Federal, de forma
concorrente, promulgar normas gerais de direito tributário (nos termos do art. 24, inciso I e § 1º da
CF/88), ela o fará sempre mediante lei complementar (se se tratar de norma geral de direito
tributário). Tratar-se-ão de lei nacionais que deverão ser atendidas pelos entes da federação, salvo
utilização da competência suplementar dos Estados (§ 2º).
I.3.
Nossa análise, até agora, limitou-se ao principal aspecto do que é uma norma geral, qual
seja, a partir da lógica semântica e a partir da perspectiva do destinatário. Ainda no contexto
semântico, e a teologia poderá ser importantíssima mais adiante, a outra perspectiva relevante é a
do conteúdo do dispositivo normativo.
I.3.1.
Aqui, contudo, devemos esclarecer alguns pontos de partida. A menção à expressão
conteúdo do dispositivo normativo não deve corroborar a idéia da hermenêutica tradicional, que
trabalha a partir da propriedade de os termos da linguagem (textos normativos) apontarem para
elementos da natureza, das coisas ou das idéias, permitindo que sujeitos cognoscitivos assimilem
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100
ou alcancem seu conteúdo preexistente. Ou seja, de que esses textos normativos carregam em si
elementos que apontam para significações.
Nosso esforço teórico sempre foi o de evitar enfoques baseados em: (i) noções jurídicas
universais5; (ii) teorias essencialistas, seja na formação da linguagem, seja em sua interpretação
(crítica da linguagem como representação).6 Na formação, como “crença de que a língua é um
instrumento que designa a realidade, donde a possibilidade de os conceitos lingüísticos refletirem
uma presumida essência das coisas” [Ferraz Jr, 1980:34]. Na interpretação, como crença na
possibilidade de fixar significados aos conceitos.
Porém, conforme adiante se verá, a linguagem funciona em seus usos, não cabendo, assim,
cogitar dos significados das palavras, mas de suas funções práticas.
Assim, será insuficiente um enfoque que:
(i) pretenda determinar significados universais e ideais aos textos normativos; (ii) pretenda, ao evidenciar a contingência e a historicidade no uso da linguagem, elaborar séries de pautas e métodos de interpretação que gerariam, por assim dizer, um perfil, uma série ideal de aplicação normativa; (iii) alegue dar conta da metódica jurídica de maneira autônoma como indagação “puramente jurídica”, isto é, apenas a partir da tecnicidade profissional, sem incluir as suas condições “políticas” (sociais) – como fazem o positivismo e as práticas neopositivas, v.g. sob o lema da “tecnocracia” [MÜLLER, 1995:23].
No caso específico da interpretação jurídica (em seu sentido mais amplo), esse enfoque
aponta, basicamente, para a constatação (ou a hipótese) da interpretação como processo criativo-
decisório, que se refere antes a adestramentos do que a processos de compreensão mental.
I.3.2.
Feita essa breve digressão metodológica, pode-se justificar o uso que fazemos da lógica
semântica, qual seja, uma norma geral de direito tributário também pode ser assim definida
quanto ao objeto de sua prescrição. Em outros termos, além do direcionamento aos entes da 5 Conforme ensina Eros GRAU “[...] impõe-se distinguirmos o discurso que trata do direito no plano das abstrações daquele que dele cogita como realidade(s) concreta(s). É que não existe, concretamente, o direito; apenas existem, concretamente, os direitos” in O direito posto e o direito pressuposto. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2002b, p. 19-21. 6 Sobre o essencialismo, Tercio FERRAZ assevera: “A possibilidade de se fornecer a essência do fenômeno confere segurança ao estudo e à ação. Uma complexidade não reduzida a aspectos uniformes e nucleares gera angústia, parece subtrair-nos o domínio sobre o objeto. Quem não sabe por onde começar, sente-se impotente e ou não começa ou começa sem convicção” [FERRAZ JR., Tercio Sampaio. A Ciência do Direito. São Paulo: Atlas, 1980, p. 34].
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101
República Federativa, uma norma geral deve tratar de temas que não sejam notadamente
específicos.
Os temas tratados no Livro II do CTN, por exemplo, são tipicamente objeto normas gerais,
já que referem-se às obrigações tributárias, às formas de lançamento tributários e, genericamente,
a institutos como o da remissão, anistia, isenção etc.
O maior problema aqui, cremos, não é o do conteúdo de uma regra geral (que, como tal,
deverá ser promulgada como lei complementar), mas o uso da função normativa por parte do
legislador complementar nacional no âmbito das competências tributárias dos entes da federação
de instituir impostos, já que compete à lei complementar estabelecer regras gerais com relação a
esses impostos, discriminados na Constituição (respectivos fatos geradores, bases de cálculo e
contribuintes).
Obviamente, veremos adiante, que independentemente da teoria adotada sobre o inciso III
do art. 149 (dicotômica ou tricotômica), esse exercício da competência do legislador nacional
nunca poderá ir além das regras de competência constitucional, previstas nos arts. 153, 155 e 156.
E aqui a questão se resolve pela simples hierarquia entre a Constituição e a lei complementar.
Nesse ponto, tendo em vista que as normas gerais nacionais devem ser leis
complementares quando se tratar de matéria tributária, convém melhor analisar as características
desse tipo de norma.
II. AS LEIS COMPLEMENTARES NO ÂMBITO TRIBUTÁRIO
Como se sabe, as leis complementares (previstas no art. 59 da CF/88) devem ser aprovadas
pela maioria absoluta do Congresso Nacional, conforme o art. 69 da CF/88.
No direito tributário ela desempenha várias funções, como a de criar certos tributos
(arts.148, 153, VII, 154, 195, § 4.º) e a de tornar mais detalhada a regulamentação de certos
impostos, cujas linhas mestras já são traçadas na CF (arts. 155, § 2.º, XII e 156, § 3.º).
Em um contexto mais geral, tem-se o disposto no art. 146 do texto constitucional. Nele,
textualmente, as três principais funções da Lei Complementar são: dispor sobre conflitos de
competência tributária entre os entes da federação (inciso I), regular as limitações constitucionais
ao poder de tributar (inciso II) e estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária
(inciso III, todos do art. 146).
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102
Tradicionalmente, os operadores do direito tributário preocupam-se em aumentar o campo
de exigência desse tipo de lei, seja para aumentar a representatividade político-democrático (e,
portanto, a dificuldade) na aprovação dessas normas, seja como forma de buscar a declaração de
nulidade de lei ordinárias tributárias.
Tanto no caso de previsões específicas, como as dos arts. 155 e 156, quanto na do art. 146,
problemática tem sido a aplicação desses textos normativos. Aliás, justamente em virtude das
diversas funções da lei complementar em assuntos tributários é que não poderá ser ela abordada de
forma unitária, até mesmo para abordar a questão da hierarquia ou não dessa fonte com relação à
lei ordinária7.
A partir das regras constitucionais, percebe-se que a utilização da lei complementar não é
simplesmente decidida pelo Poder Legislativo, mas decorre do próprio regramento constitucional,
conforme já aludido8.
Somente se pode falar em hierarquia entre normas (textos normativos) quando uma extrai
da outra o seu fundamento de validade, o que implica no fato de que as leis nacionais, as federais,
as estaduais e as municipais ocupam o mesmo nível, não preferindo às outras e encontrando sua
fonte de validade na própria constituição (Carraza, p. 95).
II.1
A primeira questão a se apresentar é a relativa às funções prescritas no art. 146, se seriam
as três que aparecem literalmente (teoria tricotômica) ou se somente duas (as dos incisos I e II – na
teoria dicotômica). Esse debate teórico mobilizou a doutrina nacional desde seu surgimento
enquanto discurso acadêmico.
7 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 131. 8 Vale mencionar que o STF entende que quando a Constituição não menciona expressamente a expressão “lei complementar”, deve-se interpretar o texto constitucional como referindo-se a lei ordinária. Nesse sentido veja-se o RE 225.602 (DJ de 06.04.2001). Outro assunto, todavia, é o uso de lei complementar em matéria não reservada a ela, o que já foi objeto, inclusive, de análise pelo STF, no julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade n.º 1 (DJ 16.06.95). Leia-se o seguinte trecho Relator o Ministro Moreira Alves: “A jurisprudência desta Corte, sob o império da Emenda Constitucional nº 1/69 - e a Constituição atual não alterou esse sistema -, se firmou no sentido de que só se exige lei complementar para as matérias para cuja disciplina a Constituição expressamente faz tal exigência, e, se porventura a matéria, disciplinada por lei cujo processo legislativo observado tenha sido o da lei complementar, não seja daquelas para que a Carta Magna exige esta modalidade legislativa, os dispositivos que tratam dela se têm como dispositivos de lei ordinária.”.
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Antes de tratar dessa questão, contudo, vale lembrar que o Código Tributário Nacional
formalmente surgiu como lei ordinária (Lei 5.172, de 1966), mas é reconhecido como tendo sido
recepcionado com status de lei complementar (por força do art. 146, III da CF/88).
Veja-se, nesse sentido, o voto do Ministro Carlos Velloso, em seu voto na ADI 1.600:
“A lei complementar referida no art. 146 da Constituição, acima transcrito, é, basicamente, o Código Tributário Nacional. Certos tributos, especialmente os criados após o CTN, têm as suas leis complementares próprias, que se conjugam, nas linhas maiores, com a lei complementar básica, que é o CTN.”
Semelhante ao que aconteceu com o CTN, tem-se o caso do Decreto-lei 406/68, que
definiu as normas gerais relativas ao imposto sobre serviços. Em função da expressa exigência dos
art. 146, III, “a” e 156, III da Constituição, o plenário do Supremo Tribunal Federal, no
julgamento do RE 236.604, confirmou por decisão unânime o entendimento de que o referido
Decreto-lei foi recepcionado pela Constituição Federal com status de lei complementar.
Voltando ao tema, sobre a complexidade dele já a alertava Geraldo Ataliba, em sua obra de
1971, Lei Complementar na Constituição, tanto que deixou para outro momento abordar a questão
das normas gerais em matéria tributária, o que pôde ser feito de forma mais detida em 1989, na
conferência transcrita no artigo “Lei Complementar em Matéria Tributária”.
A clivagem entre essas duas correntes (dicotômica e tricotômica) pode bem ser apresentada
pela seguinte questão, sintetizada por Ávila: “Considerando que a Constituição Brasileira instituiu
uma Republica Federativa (art. 1º) que abrange as três esferas política e normativamente
autônomas (art. 18), como pode a União Federal editar uma lei complementar que determine as
hipóteses de incidência, as bases de cálculo e os contribuintes dos impostos dos Estados e dos
Municípios (art. 146, III, a)?” p. 134.
Os adeptos da teoria dicotômica responderão justamente apontando que a interpretação
sistemática entre os dispositivos citados determina a prevalência do princípio federativo e a
impossibilidade de atribuir à lei complementar a função que o inciso III prescrevera. No caso de
Geraldo Ataliba, a argumentação parte da idéia do caráter analítico e taxativo da constituição, que
teria enumerado todas as principais questões tributárias, de forma a ser despicienda a
complementação por uma norma, ainda que geral:
“Quero dizer que a Constituição parece, a meus olhos – e estou convicto disso – que tem duas características básicas e fundamentais: rígida e exaustiva. [...] a Constituição atribui
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104
exclusivamente ao Poder Legislativo a faculdade de exercitar a competência da pessoa jurídica da qual esse Legislativo seja órgão dentro dos campos das esferas que a própria Constituição traçou. Ora, se lermos com cuidado os arts. 153, 155 e 156, amos ver que em matéria de exigir impostos a Constituição foi tão minuciosa e axaustiva que deixou rigorosa, completa e liquidamente claro que qual é o campo de competência de cada um.[...] 88-91”
Daí a conclusão do autor, após analisar outras situações onde a Constituição teria sido
exaustiva, de que à lei complementar somente caberia repetir a Constituição. Além dessa
repetição, seriam elas inconstitucionais. Em outros termos, além da mera repetição, não teria
validade lei complementar que, a pretexto de ser norma geral nacional, complementasse regras de
competência ao legislador ordinários das unidades da federação; tratasse de regras sobre
obrigação, lançamento, prescrição e decadência.
De outro lado, os adeptos da teoria tricotômica, à luz da experiência jurisprudencial e até
mesmo se valendo do próprio texto normativo do inciso III do art. 146, aceitam a figura da lei
complementar como veículo formal compatível e necessário para fazer as vezes de textos
normativos de normas gerais de direito tributário.
Essa corrente compatibiliza o princípio federativo e essa função normativa complementar.
II.2.
Outro tema correlato é o da vinculação que alguns dispositivos constitucionais fazem ao
art. 146 da CF/88. Dois exemplos serão aqui tratados: o art. 149 da CF/88§ 4º e o art. 195 da
CF/88.
No caso do art. 149, há a competência exclusiva da União Federal para instituir
contribuições especiais, estando elas vinculadas ao aqui multicitado art. 146, inciso III da CF/88:
“Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto no artigo 146, III, e artigo 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no artigo 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.”
A interpretação corrente dessa vinculação sempre foi a de que as contribuições deveriam
ser criadas por lei complementar. Razões de sobra existem se atinarmos para o caráter analítico da
Constituição e a aparente facilidade para se criar contribuições e as possibilidades de desvio de
finalidade, mas nem sempre essas razões são suficientes para alterar regras constitucionais.
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105
Sobre as contribuições especiais, os últimos governos federais foram marcados por uma
série de medidas tributárias para melhorar a fiscalização e a arrecadação de receitas derivadas.
Sucessivamente, vários recordes de arrecadação foram anotados pela Receita Federal e pelo
Instituto Nacional do Seguro Social (antes da atual unificação em torno da Receita Federal do
Brasil). Foi promovido, ainda, um aumento não só da carga tributária, mas da concentração federal
dessa tributação, obtida por meio da majoração da alíquota ou da implementação de novas
contribuições, cujas receitas, constitucionalmente, não são repassadas, geralmente, aos Estados-
membros da Federação.
Historicamente, entretanto, as contribuições surgem no contexto da parafiscalidade e da
facilidade de sua criação (já que imune as rígidas regras tributárias e orçamentárias), aliada à
necessidade de rápida intervenção/atuação, seja ela social, econômica ou setorial
profissional/econômica. Outra vantagem na utilização dessa figura exacional é a desnecessidade
de repassar parte da receita arrecada aos Estados-membros, o que acarreta uma maior
concentração fiscal federal9.
No âmbito da Constituição Federal de 1988, a comissão constituinte responsável pela
elaboração do Sistema Tributário Nacional (arts. 145 a 162) buscou privilegiar a exaustividade das
competências tributárias para a implementação de impostos10 (arts. 153, 155 e 156) e buscou
limitar as competências extraordinárias e residuais (art. 154), prescrevendo, ainda, de maneira bem
detalhada várias limitações ao poder de tributar (arts. 150 a 152, sem prejuízo de outras garantias
asseguradas ao contribuinte).
Já a comissão encarrega dos trabalhos da constituinte relacionados à Ordem Social foi
outra, que caminhou no sentido de uma concretização de finalidades interventivas voltadas à
saúde, à assistência social e à previdência, flexibilizando a rigidez do sistema tributário nacional e
algumas garantias, como a da anterioridade11, impondo, ainda, a solidariedade do custeio da
seguridade social.
9 No sentido de entender as contribuições como figuras que tem o regime mas não a natureza jurídica tributária, ver Marco Aurélio GRECO, Contribuições (uma figura “sui generis”), São Paulo, Editora Dialética, 2000, pp. 69 e ss. O Supremo Tribunal Federal, entretanto, no RE 146.733 (Pleno, Relator Ministro Moreira Alves, DJ 6.11.92) e no RE 138.284 (Pleno, Relator Ministro Carlos Velloso) declarou a natureza tributária das contribuições, aliás, em geral, o critério tem sido mais topográfico do que jurídico. 10 Ver Humberto ÁVILA Sistema Constitucional Tributário, São Paulo, Editora Saraiva, 2004, p. 109 e ss. 11 O relato sobre o trabalho das duas comissões e as divergências e repercussões pode ser encontrado em José Roberto Rodrigues AFONSO e Érika Amorim ARAÚJO, “Contribuições Sociais, mas Antieconômicas” in Ciro BIDERMAN & Paulo ARVATE, Economia do Setor Público no Brasil, Rio de Janeiro, Editora Elsevier, 2004, p. 271 e ss.
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Além disso, deve-se ressaltar a diminuição da arrecadação de impostos da União, como o
imposto de renda (IR) e o imposto sobre produtos industrializados (IPI) – impostos repassados aos
Estados e municípios – e o crescente índice de arrecadação das contribuições – tributos não
repassados aos demais membros da federação e que, a partir 199312, podem ter suas receitas
acumuladas empregadas em outros setores que não aqueles previstos constitucional e legalmente.
Essa crescente arrecadação de contribuições, em detrimento daqueles impostos repassados
aos outros entes da federação, acarretou uma concentração federal.
Há, ainda, com relação às contribuições de intervenção no domínio econômico (CIDE‟s),
um verdadeiro processo de redescoberta dessa figura exacional pelos governos federais.
Recentemente, foram criadas as seguintes contribuições de intervenção no domínio econômico:
(i) contribuição para a pesquisa e desenvolvimento do Setor Elétrico e para
Programas de Eficiência Energética no Uso Final (Lei 9.991/2000 com alterações da Lei
10.438/2002)13;
(ii) contribuição para o Fundo de Universalização dos Serviços de
Telecomunicações – FUST (Lei 9.472/1997, Lei 9.998/2000)14;
(iii) contribuição ao Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das
Telecomunicações – FUNTTEL (Lei 9.472/1997, Lei 10.052/2000)15;
(iv) contribuição para o financiamento do Programa de estímulo à interação
universidade-empresa (Lei 10.168/2000 e Lei 10.332/2001);
(v) contribuição para o desenvolvimento da indústria cinematográfica
nacional (Medida Provisória nº 2.228/2001 e Lei 10.454/2002);
12 Fundo de Estabilização Fiscal (FEF) e, depois, Desvinculação da Receita da União (DRU). Nesse sentido, ver José Roberto Rodrigues AFONSO e Érika Amorim ARAÚJO, “Contribuições Sociais, mas Antieconômicas” cit, p. 273. 13 Vide Ricardo Mariz de OLIVEIRA, “Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico – Concessionárias, Permissionárias e Autorizadas de Energia Elétrica – „Aplicação‟ Obrigatória de Recursos (Lei 9.991)” in Marco Aurélio GRECO, Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico e Figuras Afins, São Paulo, Editora Dialética, 2001, pp. 375-431 e Paulo Roberto Lyrio PIMENTA, Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico, São Paulo, Editora Dialética, 2002, pp. 110-112. 14 Sobre essa contribuição, vide Natanael MARTINS “As Contribuições ao FUST e ao FUNTTEL” in Marco Aurélio GRECO, Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico e Figuras Afins cit., São Paulo, Editora Dialética, 2001, pp. 345-356 e Paulo Roberto Lyrio PIMENTA, Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico cit., pp. 110-112. 15 Paulo Roberto Lyrio PIMENTA, Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico cit., pp. 112-114.
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(vi) contribuição de intervenção no domínio econômico incidente sobre a
importação e a comercialização de petróleo e seus derivados (Lei nº 10.336/2001).
Além dessas, há projetos de lei propondo a criação de outras CIDE‟S para:
(i) financiar projetos de infra-estrutura nas áreas de atuação da
Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM e da Superintendência do
Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE (Projeto de Lei (CD) 03678, de 2000, de autoria do
Executivo Federal);
(ii) contribuição ao Fundo de compensação de competitividade nas
importações (Projeto de Lei 4.817/1998);
(iii) Fundo de financiamento de ações de tratamento aos doentes vítimas
de alcoolismo (Projeto de Lei Complementar nº 121/2000);
(iv) Fundo de financiamento de ações de tratamento de doentes vítimas do
fumo, cigarro e tabaco (Projeto de Lei Complementar nº 139/2000)16;
Assim, mediante a listagem das recentes contribuições interventivas criadas, bem como das
possíveis vindouras, percebe-se a crescente utilização dessa forma de arrecadação.
A doutrina tributária, tão apegada à enumeração exaustiva de todos os limites da
competência impositiva e dos elementos da obrigação fiscal, logo ressaltou a ausência de maiores
detalhes quanto às contribuições, e o Poder Executivo, justamente diante desse pano de fundo, tem
preferido aumentar sua tributação por meio dessa figura exacional. Lembre-se, ainda, que não há
no Código Tributário Nacional brasileiro maiores especificações sobre os limites e as
características das contribuições.
O Supremo Tribunal Federal (STF), que já desenvolveu sólida construção jurisprudencial
acerca de impostos e taxas, tem se deparado cada vez mais com processos questionando a validade
dessas contribuições. Do ponto de vista formal, a principal questão recaía sobre a mencionada
necessidade ou não de lei complementar (nos moldes do artigo 146, inciso III da Constituição
Federal de 1988).
Como mencionado em parágrafos acima, os tributaristas viam na vinculação entre o art.
149 e o 146, inciso III, a determinação de que somente uma lei complementar poderia traçar os
parâmetros das contribuições, incluindo seus principais aspectos. 16 Essa lista de projetos de lei aparece no artigo de Natanael MARTINS “As Contribuições ao FUST e ao FUNTTEL” cit., p. 347.
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A outra possível interpretação é a de que o art. 149 consagra o entendimento de que as
contribuições, no sistema de 1988, devem estar sob o regime constitucional tributário e que, como
tal, devem obedecer às regras gerais expostas no CTN.
A corroborar tal entendimento, a menção no art. 146, inciso III de que cabe a uma lei
complementar estabelecer normas gerais de direito tributário, daí a locução especialmente sobre:
“definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta
Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes”.
Em outros termos, o art. 149 prescreveria a vinculação das contribuições ao CTN e
eventuais leis complementares posteriores que estabelecerem normas gerais de direito tributário.
E. de fato, não se nega que a parte geral do CTN, Livro II, por exemplo, é plenamente aplicável às
contribuições atualmente existentes (ressalvada a questão aqui debatida acerca das regras
específicas de prescrição e decadência).
Sobre essa questão o STF teve oportunidade de se deter, em uma decisão nem sempre tão
comentada, que definiu a possibilidade de criação de uma CIDE por lei ordinária no julgamento da
contribuição ao SEBRAE (RE396.266):
“EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO: SEBRAE: CONTRIBUIÇÃO DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO. Lei 8.029, de 12.4.1990, art. 8º, § 3º. Lei 8.154, de 28.12.1990. Lei 10.668, de 14.5.2003. C.F., art. 146, III; art. 149; art. 154, I; art. 195, § 4º. I. - As contribuições do art. 149, C.F. - contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse de categorias profissionais ou econômicas - posto estarem sujeitas à lei complementar do art. 146, III, C.F., isto não quer dizer que deverão ser instituídas por lei complementar. A contribuição social do art. 195, § 4º, C.F., decorrente de "outras fontes", é que, para a sua instituição, será observada a técnica da competência residual da União: C.F., art. 154, I, ex vi do disposto no art. 195, § 4º. A contribuição não é imposto. Por isso, não se exige que a lei complementar defina a sua hipótese de incidência, a base imponível e contribuintes: C.F., art. 146, III, a. Precedentes: RE 138.284/CE, Ministro Carlos Velloso, RTJ 143/313; RE 146.733/SP, Ministro Moreira Alves, RTJ 143/684. II. - A contribuição do SEBRAE - Lei 8.029/90, art. 8º, § 3º, redação das Leis 8.154/90 e 10.668/2003 - é contribuição de intervenção no domínio econômico, não obstante a lei a ela se referir como adicional às alíquotas das contribuições sociais gerais relativas às entidades de que trata o art. 1º do D.L. 2.318/86, SESI, SENAI, SESC, SENAC. Não se inclui, portanto, a contribuição do SEBRAE, no rol do art. 240, C.F. III. - Constitucionalidade da contribuição do SEBRAE. Constitucionalidade, portanto, do § 3º, do art. 8º, da Lei 8.029/90, com a redação das Leis 8.154/90 e 10.668/2003. IV. - R.E. conhecido, mas improvido.” DJ 27-02-2004 p. 22”.
Este excerto demonstra também o entendimento do STF no que se refere à aplicabilidade
da letra “b” do inciso III do art. 146 da Constituição às contribuições, já que definiu-se que a
exigência de determinação da base de cálculo, contribuinte, fato gerador caberia somente aos
impostos, conforme disposto literalmente.
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
109
II.3.
Com relação ao art. 195, § 4º (novas contribuições da seguridade social17) ou criação de
contribuições já previstas especificamente na Constituição, quando do julgamento do RE 146.733
(DJ 06.11.92) e do RE 138.284 (DJ 28.08.92), ambos relativos à instituição da Contribuição
Social sobre o Lucro pela Lei 7.689/88, o STF utilizou dois argumentos principais para justificar a
desnecessidade de utilização de lei complementar para instituir as contribuições previstas nos
incisos do art. 195 da Carta Magna: (i) a própria Constituição Federal já definiu quais seriam os
sujeitos passivos, as bases de cálculo e os fatos geradores das contribuições previstas nos incisos
do art. 195 e (ii) as contribuições lá previstas, por não terem natureza jurídica de “impostos”, não
estão sujeitas ao disposto no art. 146, III, “a”, o qual alude expressamente a tal espécie tributária.
Somente as contribuições sociais “novas”, criadas pela União Federal para garantir a manutenção
ou a expansão da seguridade social (art. 195, § 4.º), exigem lei complementar para sua instituição,
como restou confirmado no RE 166.772 (DJ 16.12.94, Relator o Ministro Marco Aurélio).
Contudo, apesar de declararem a desnecessidade da instituição das contribuições dos
incisos do art. 195 por meio de lei complementar, o Supremo Tribunal Federal advertiu
expressamente, nos termos do voto do Ministro Carlos Velloso no RE 138.284:
“Todas as contribuições, sem exceção, sujeitam-se à lei complementar de normas gerais, assim ao CTN (art. 146, III, ex vi do disposto no art. 149). Isto não quer dizer que a instituição dessas contribuições exige lei complementar: porque não são impostos, não há exigência no sentido de que os seus fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes estejam definidos em lei complementar (art. 146, III, a). A questão da prescrição e da decadência, entretanto, parece-me pacificada. É que tais institutos são próprios da lei complementar de normas gerais (art. 146, III, “b”). Quer dizer, os prazos de decadência e de prescrição inscritos na lei complementar de normas gerais (CTN) são aplicáveis, agora, por expressa previsão constitucional, às contribuições parafiscais (CF, art. 146, III, b; art. 149).”
Por fim, algumas palavras podem ser ditas sobre o exercício da função legislativa
complementar e a invasão de competência dos demais entes da federação (Estados, Distrito
Federal e Municípios).
17 “Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: (...) § 4º A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no artigo 154, I.”
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
110
III. A COMPETÊNCIA DO LEGISLADOR FEDERAL; A EDIÇÃO DE NORMAS NACIONAIS E FEDERAIS
E A AUTONOMIA DOS ESTADOS E MUNICÍPIOS.
Em relação aos impostos discriminados na Constituição Federal, cabe à lei complementar
definir seus fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes, conforme determina o art. 146, III, a
do texto constitucional. Contudo, em relação ao IPVA, o STF considerou que a ausência de lei
complementar não é óbice para a instituição e cobrança do imposto por parte dos Estados da
federação.
Parte considerável da doutrina chama a atenção para abusos do legislador nacional. Um
bom exemplo disso é no caso do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS).
Há duas previsões no art. 156 de utilização necessária de lei complementar. Veja-se:
“Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: [...] III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no artigo 155, II, definidos em lei complementar. [...] § 3º Em relação ao imposto previsto no inciso III, cabe à lei complementar: I - fixar as suas alíquotas máximas e mínimas; II - excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior. III - regular a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.”
A questão mais comentada é a dos serviços que devem ser alcançados pelo imposto. Os
estudos vão desde a expressão definidos em lei complementar (se definido ou previsto em) até o
caráter taxativo ou exemplificativo da lista.
Sobre esse último aspecto, por exemplo, há casos nos quais o texto normativo tributário se
refere, num mesmo dispositivo, a vários fatos como aptos a justificar uma incidência fiscal.
Motivos de política recomendam a referência não só a conceitos/tipos jurídicos, mas também a
uma série de circunstâncias que lhe determinem o sentido.
Não raras vezes, faz-se referência a um conceito (faturamento no art. 2º da Lei nº 9.718/98)
e, após, vê-se sua definição em termos mais precisos (art. 3º da mesma lei, por exemplo). No
exemplo citado, inclusive, indo-se além do que até então se definia como faturamento, englobando
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
111
outros ingressos não operacionais e determinando que se desconsidere, para tanto, a própria
classificação contábil.18
Outras vezes, no entanto, o legislador menciona vários fatos, entre si aproximados por um
certo número de caracteres comuns, de modo a fazer com que o conjunto listado pareça compor
uma categoria determinada. Nesse caso, costuma-se dizer que se utilizou de uma forma de
enumeração exemplificativa.
Em outros termos, ao intérprete é justificado considerar incluídos, no âmbito da relação,
“outros tantos fatos, circunstâncias, objetos ou situações que, embora não previstos expressamente
na lei, se incorporam, ou compreendem na categoria genérica que a enumeração indica” [FALCÃO,
1993:69].
Há outras situações, ao contrário, em que a lista de fatos descritos na hipótese de
incidência abstrata é exaustivamente tratada, daí a referência à expressão “enumeração taxativa”.
Essa declaração, se se trata de lista taxativa ou exemplificativa, é uma interpretação e, como tal,
comporta uma criação de sentido e não raramente vai parar no Judiciário.
Alguns fatores podem ser apontados como aptos a justificar a interpretação de que está se
tratando de uma lista taxativa e não de uma exemplificativa. Às vezes, é o próprio texto normativo
que assim o declara. Nesses casos, a dúvida fica restrita tão-somente à “interpretação horizontal”
dessa lista, ou seja, sobre a extensão de cada fato descrito abstratamente.
Noutros casos, a enumeração é considerada taxativa em torno de uma construção
doutrinária e jurisprudencial, e não por expressa menção normativa. Esse foi o caso da lista de
serviços do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS). Reiteradas vezes, o Supremo
Tribunal Federal se manifestou sobre a taxatividade da lista de serviços (anteriormente contida nas
Leis Complementares 56/87 e 100/99).19 Há de se lembrar, todavia, que o mesmo STF declarou
18 Vale lembrar que o STF declarou, por maioria de votos, a inconstitucionalidade do § 1º do art. 3º da Lei nº 9.718/98 nos Recursos Extraordinários (REs) 357.950, 390.840, 358.273 e 346.084, justamente por considerar que aquele parágrafo prescrevia algo além da noção de faturamento. 19 RE nº 71.177/SP, plenário, rel. Min. Rodrigues Alckmin, RTJ:70/121 (ac. de 18.4.74); RE nº 77.183/SP, plenário, rel. Min. Aliomar Baleeiro, RTJ:73/490 (ac. de 19.4.74). Roque Antônio CARRAZZA, Curso de Direito Constitucional Tributário. 13. ed. São Paulo: Malheiros:601-605, entretanto, manifesta-se contrariamente a essa posição, tendo em vista limitar a competência tributária municipal. No mesmo sentido, Souto Maior BORGES “Aspectos fundamentais da competência municipal para instituir o ISS: do Decreto-Lei nº 406/68 à LC nº 116/2003 (à memória de Geraldo Ataliba)”. In TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.). Imposto sobre Serviços: ISS na Lei Complementar n. 116/03 e na Constituição. São Paulo: Manole, 2004.
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
112
que a taxatividade da lista de serviços não impõe, contudo, que não se possa aplicar a
interpretação ampla e analógica (o que será tratado mais adiante).
Esse assunto é objeto de disputas acirradas na doutrina, tendo em vista o conflito entre a
competência municipal para instituir o imposto sobre serviços (arts. 30, III, e 156, III, da CF) e a
competência do legislador nacional de, por meio de lei complementar, definir a lista de quais são
os serviços tributáveis (arts. 146, I, e 156, III, da CF).20
A Lei Complementar 116/2003, que atualmente dispõe sobre o ISS, prescreve não somente
a lista dos serviços que sofrem a incidência do imposto municipal, mas também todos os aspectos
relevantes do ISS, tais como contribuintes, responsáveis tributários, base de cálculo (deduções e
não-incidências), isenções que deverão ser promulgadas etc.
Aqueles que defendem a legitimidade do diploma, afirmam que essa regulamentação
viabiliza a uniformidade nacional, afinal existem mais de 5000 municípios. Ao contrário, os que
discordam, alegam justamente a quebra do pacto federativo, entendendo tratar-se de uma invasão
da competência municipal.
III.1.
De forma geral, portanto, tratamos dos pontos mais polêmicos da competência legislativa
em matéria tributária, quais sejam: as normais gerais em matéria tributária, as características da lei
complementar em matéria fiscal e a existência de leis nacionais tributárias confrontada com a
questão da autonomia dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Trata-se de matéria polêmica, de ampla repercussão e interesse nacionais e com muitas
decisões judiciais.
Referências Bibliográficas
ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de, Competências na Constituição de 1988, São Paulo, Atlas,
1991
20 Sobre as características básicas da lista e serviços e algumas polêmicas envolvidas nos serviços listados, ver, por todos, José Eduardo Soares de MELO. Aspectos teóricos e práticos do ISS. São Paulo: Dialética, 2000, 45 e ss.
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
113
BORGES, José Souto Maior. “Eficácia e hierarquia da lei complementar”, Revista de Direito
Público, tomo 6, volume 25. São Paulo, 1995.
BORGES, José Souto Maior. Lei complementar tributária. São Paulo: RT, EDUC, 1975.
FERRAZ Jr, Tercio Sampaio, “Normas Gerais e Competência Concorrente – Uma Exegese do
Art. 24 da Constituição Federal”, Revista Trimestral de Direito Público nº 7, São Paulo,
Malheiros, 1994, pp. 16-20.
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. “Normas gerais e competência concorrente”, Revista da
Faculdade de Direito da USP. São Paulo, v. 90, 1995.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do Processo Legislativo, 4ª ed. São Paulo: Saraiva,
2001.
LEAL, Victor Nunes. “Leis complementares da Constituição”, Revista de Direito Administrativo,
v.7, p. 379-394, jan./mar. 1947.
LEAL, Victor Nunes. “Leis municipais”, Revista de Direito Administrativo, v.16, p. 376-388,
abr./jun. 1949.
LEAL, Victor Nunes. “Restrições à autonomia municipal”, Revista de Direito Administrativo,
v.17, p. 462-465, jul./set. 1949.
LEAL, Victor Nunes. “Restrições à autonomia municipal”, Revista de Direito Administrativo,
v.18, p. 384-400, out./dez. 1949.
LEAL, Victor Nunes. “Alguns problemas municipais face da Constituição”, Revista Forense,
vol.147, n. 599/650, p. 9 a 19, maio./jun. 1953.
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
114
4. PARECERES
4.1. Parecer nº 01 - PRONASCI
Parecer nº 01 - PRONASCI1
São Paulo, 16 de agosto de 2007
Exmo. Sr. Pedro Vieira Abramovay
DD. Secretário de Assuntos Federativos do Ministério da Justiça
Ref. Consulta sobre o Projeto de Lei Orgânica Nacional da Polícia Civil
A competência da União para legislar sobre a organização, garantias, direitos e deveres
das polícias civis está assegurada no artigo 24, XVI da Constituição de 1988. Como determina o
parágrafo 1º deste mesmo artigo 24, a União deve se limitar a estabelecer normas gerais. Em
princípio, a proposta de uma Lei Orgânica Nacional da Polícia Civil nada mais seria do que
atender ao disposto no já referido artigo 24, XVI da Constituição.
No entanto, poderiam surgir algumas questões, advindas do fato de as polícias civis
serem de responsabilidade essencialmente estadual (artigo 144, §4º da Constituição) e dos limites
que uma norma geral nacional sobre a organização das polícias civis deveria seguir sem violar as
competências estaduais sobre o assunto. Nenhuma outra argumentação teria fundamento
constitucional, como a de ser inconstitucional uma lei nacional que estruture uma carreira
eminentemente estadual, sob pena de serem inconstitucionais, caso fosse verdadeiro este
argumento, a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Lei Complementar nº 35, de 14 de março de
1979), a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993) e
a Lei da Defensoria Pública (Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994), que dispõem
sobre diretrizes gerais para a organização estadual destas carreiras.
A definição do que seria uma norma geral é das mais complexas em direito
constitucional, pois há sempre o risco de se ultrapassar os limites das competências definidas
constitucionalmente. Após leitura e análise do Projeto de Lei Orgânica Nacional da Polícia Civil,
bem como de sua comparação com as leis nacionais que estipulam diretrizes gerais para a
1 Original encaminhado por e-mail em 16/08/2007 ao senhor Dr. Pedro Vieira Abramovay.
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
115
organização das carreiras na magistratura, Ministério Público e Defensoria Pública em todo o país,
entendo que, neste caso, o mais conveniente é seguir a orientação exposta por Tercio Sampaio
Ferraz Jr, em seu texto “Normas Gerais e Competência Concorrente – Uma Exegese do Art. 24 da
Constituição Federal” (Revista Trimestral de Direito Público nº 7, São Paulo, Malheiros, 1994).
Para este autor, a expressão “normas gerais” exige que seu conteúdo seja analisado de maneira
teleológica. Deste modo, as “normas gerais” devem se reportar ao interesse fundamental da ordem
federativa. No caso brasileiro, o Sistema Único de Segurança Pública exige a colaboração de todos
os entes federativos, dentro de suas respectivas atribuições constitucionais, para a promoção de
uma política nacional de segurança pública. Ou seja, neste contexto, existe a necessidade de
uniformização de certos interesses como base desta cooperação federativa, necessidade esta
fundada constitucionalmente no artigo 24, XVI. A estruturação, a partir de uma lei nacional, da
carreira e atribuições das polícias civis, conforme estabelecido no texto do Projeto de Lei Orgânica
Nacional da Polícia Civil não ultrapassa, em meu entendimento, os limites da competência de
legislar sobre normas gerais atribuída à União pelo artigo 24, §1º da Constituição de 1988,
seguindo o modelo de estruturação de carreiras essenciais do Estado brasileiro por meio de norma
geral da União já adotado no país para o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria
Pública.
Prof. Dr. Gilberto Bercovici
Prof. Líder Grupo de Pesquisa Federalismo
Doutor em Direito do Estado e Livre-Docente em Direito Econômico pela Faculdade de Direito da
USP
Professor Associado Pleno do Programa de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico da
Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Professor Associado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
116
4.2. Parecer nº 02: Regulamentação de Atividade de Mídia Exterior
São Paulo, 16 de outubro de 2007
Parecer nº 02: Regulamentação de Atividade de Mídia Exterior1
Exmo. Sr. Pedro Vieira Abramovay
DD. Secretário de Assuntos Federativos do Ministério da Justiça
Ref. Consulta sobre a possibilidade de edição de lei federal regulamentando a atividade de
mídia exterior (nos moldes da Lei Cidade Limpa paulistana - Lei Municipal nº 14.223, de 26
de setembro de 2006).
A Lei Municipal nº 14.223, de 26 de setembro de 2006 do Município de São Paulo,
conhecida como "Lei Cidade Limpa" tem gerado uma série de polêmicas sobre sua
constitucionalidade. A finalidade da lei municipal paulistana é ordenar a paisagem urbana, a partir
de uma série de objetivos e diretrizes, especificados em seus artigos 3º2 e 4º3. Neste contexto, a
grande crítica que se fez à referida lei foi a de ter supostamente violado o princípio constitucional
da livre iniciativa (artigos 1º, IV e 170, caput, da Constituição de 1988). 1 Original encaminhado por e-mail em 17/10/2007 ao senhores Drs. Pedro Vieira Abramovay e Felipe de Paula 2 "Art. 3º Constituem objetivos da ordenação da paisagem do Município de São Paulo o atendimento ao interesse público em consonância com os direitos fundamentais da pessoa humana e as necessidades de conforto ambiental, com a melhoria da qualidade de vida urbana, assegurando, dentre outros, os seguintes: I - o bem-estar estético, cultural e ambiental da população; II - a segurança das edificações e da população; III - a valorização do ambiente natural e construído; IV - a segurança, a fluidez e o conforto nos deslocamentos de veículos e pedestres; V - a percepção e a compreensão dos elementos referenciais da paisagem; VI - a preservação da memória cultural; VII - a preservação e a visualização das características peculiares dos logradouros e das fachadas; VIII - a preservação e a visualização dos elementos naturais tomados em seu conjunto e em suas peculiaridades ambientais nativas; IX - o fácil acesso e utilização das funções e serviços de interesse coletivo nas vias e logradouros; X - o fácil e rápido acesso aos serviços de emergência, tais como bombeiros, ambulâncias e polícia; XI - o equilíbrio de interesses dos diversos agentes atuantes na cidade para a promoção da melhoria da paisagem do Município." 3 "Art. 4º Constituem diretrizes a serem observadas na colocação dos elementos que compõem a paisagem urbana: I - o livre acesso de pessoas e bens à infra-estrutura urbana; II - a priorização da sinalização de interesse público com vistas a não confundir motoristas na condução de veículos e garantir a livre e segura locomoção de pedestres; III - o combate à poluição visual, bem como à degradação ambiental; IV - a proteção, preservação e recuperação do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico, de consagração popular, bem como do meio ambiente natural ou construído da cidade; V - a compatibilização das modalidades de anúncios com os locais onde possam ser veiculados, nos termos desta lei; VI - a implantação de sistema de fiscalização efetivo, ágil, moderno, planejado e permanente."
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
117
Em meu entendimento, não houve violação do princípio constitucional da livre iniciativa.
Não só o Município pode legislar sobre direito econômico (artigo 24, I da Constituição de 1988)4,
como a concepção de livre iniciativa alçada, conjuntamente com a valorização do trabalho
humano, à categoria de fundamento da República e da ordem econômica constitucional não é a
concepção absolutizada por seus mais ferrenhos defensores5. A livre iniciativa, como fundamento
constitucional indissociável do valor social do trabalho, não pode ser reduzida, no sistema
constitucional brasileiro, à liberdade econômica ou à liberdade de iniciativa econômica. Esta é
uma das faces da livre iniciativa, mas não a única, dado que a própria Constituição de 1988
protege e garante outras formas de produção, individuais ou coletivas, como a iniciativa
cooperativa (artigo 5º, XVIII e artigo 174, §§3º e 4º) e a iniciativa pública (artigos 173 e 177, por
exemplo). O objetivo da livre iniciativa como fundamento da ordem econômica é a garantia da
legalidade econômica, isto é, da não sujeição do agente econômico a qualquer restrição estatal
senão em virtude de lei6. Neste sentido, não vejo qualquer incompatibilidade entre a Lei Municipal
nº 14.223/06 e o princípio constitucional da livre iniciativa.
A "Lei Cidade Limpa", em minha opinião, é constitucional, configurando uma
regulamentação do exercício do poder de polícia do Município de São Paulo na ordenação da
paisagem urbana, dentro dos parâmetros constitucionais, especialmente os relativos às
competências municipais (artigo 30 da Constituição) e à execução de uma política de
desenvolvimento urbano (artigo 182), cujas diretrizes gerais estão fixadas na Lei nº 10.257, de 10
4 Esta opinião, que considero mais apropriada ao sistema constitucional de 1988, é também a de, entre outros, Fernanda Menezes de Almeida, ao entender que, apesar de não constarem expressamente no artigo 24, os Municípios não foram excluídos da repartição de competências concorrentes. Para esta autora, a titularidade dos Municípios está garantida pelo artigo 30, II da Constituição, que dá competência aos Municípios para legislarem de maneira suplementar no que lhes couber. Vide Fernanda Dias Menezes de ALMEIDA, Competências na Constituição de 1988, São Paulo, Atlas, 1991, pp. 80, 125, 139 e 167-171. Especificamente em relação ao direito econômico, vide Giovani CLARK, O Município em Face do Direito Econômico, Belo Horizonte, Del Rey, 2001, pp. 94-102. Em sentido contrário, vide Tercio Sampaio FERRAZ Jr, “Normas Gerais e Competência Concorrente – Uma Exegese do Art. 24 da Constituição Federal”, Revista Trimestral de Direito Público nº 7, São Paulo, Malheiros, 1994, pp. 19-20. 5 Sobre este debate, vide o excelente trabalho desmistificador de Cláudio Pereira de SOUZA Neto & José Vicente Santos de MENDONÇA, "Fundamentalização e Fundamentalismo na Interpretação do Princípio Constitucional da Livre Iniciativa" in Cláudio Pereira de SOUZA Neto & Daniel SARMENTO (coords.), A Constitucionalização do Direito: Fundamentos Teóricos e Aplicações Específicas, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2007, pp. 709-741. 6 Cf. Eros Roberto GRAU, A Ordem Econômica na Constituição de 1988 (Interpretação e Crítica), 8ª ed, São Paulo, Malheiros, 2003, pp. 180-188.
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
118
de julho de 2001 (o "Estatuto da Cidade") e específicas no Plano Diretor do Município de São
Paulo7.
A elaboração de legislação federal regulamentando a atividade de mídia exterior (nos
moldes da "Lei Cidade Limpa" paulistana) é, ao meu ver, inconstitucional. A competência
constitucional para legislar sobre direito urbanístico é, também segundo o artigo 24, I da
Constituição, concorrente. Ou seja, a União tem a competência de estabelecer as "normas gerais",
como o "Estatuto da Cidade", entre outras8. No entanto, embora a preservação do meio-ambiente,
do patrimônio histórico, cultural e artístico e o combate à poluição sejam competências comuns
(artigo 23, III, IV e VI), ou seja, de responsabilidade comum de todos os entes da Federação9, a
regulação de atividade de mídia exterior é assunto de interesse local, pois está vinculada
diretamente à ordenação da paisagem urbana (artigo 30, I, VIII e IX).
O Município tem autonomia derivada diretamente da Constituição para legislar sobre
assuntos de interesse local, devendo seguir, obviamente, as diretrizes constitucionais e nacionais
de política urbana e de direito urbanístico. A União pode elaborar a legislação nacional sobre
proteção ao patrimônio cultural, artístico e histórico ou sobre o combate à poluição, mas não pode
determinar como deve se organizar a permissão ou não da atividade de mídia exterior em termos
gerais. Esta regulação depende da política de zoneamento urbano e do plano diretor de cada
Município, ou seja, é assunto de "interesse local", embora sempre devam ser observadas as normas
gerais e a fiscalização das esferas federal e estadual.
Prof. Dr. Gilberto Bercovici Prof. Líder Grupo de Pesquisa Federalismo
Doutor em Direito do Estado e Livre-Docente em Direito Econômico pela Faculdade de Direito da
USP Professor Associado Pleno do Programa de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico da
Universidade Presbiteriana Mackenzie. Professor Associado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
7 Sobre a importância do Plano Diretor sob a Constituição de 1988 e o "Estatuto da Cidade", vide Victor Carvalho PINTO, Direito Urbanístico: Plano Diretor e Direito de Propriedade, São Paulo, RT, 2005, pp. 133-162. 8 Vide José Afonso da SILVA, Direito Urbanístico Brasileiro, 4ª ed, São Paulo, Malheiros, 2006, pp. 64-70 e Daniela Campos Libório Di SARNO, "Competências Urbanísticas" in Adilson Abreu DALLARI & Sérgio FERRAZ (coords.), Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal 10.257/2001), reimpr., São Paulo, Malheiros, 2003, pp. 61-70. 9 Cf. Gilberto BERCOVICI, Desigualdades Regionais, Estado e Constituição, São Paulo, Max Limonad, 2003, pp. 151-156 e Gilberto BERCOVICI, Dilemas do Estado Federal Brasileiro, Porto Alegre, Livraria do Advogado Editora, 2004, pp. 60-63.
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
119
4.3. Parecer nº 03 – Parcelamento do Solo
São Paulo, 06 de novembro de 2007
Parecer nº 03 – Parcelamento do Solo
Exmo. Sr. Pedro Vieira Abramovay
DD. Secretário de Assuntos Federativos do Ministério da Justiça
Ref. Consulta sobre questões federativas envolvidas no Projeto de Lei nº 3057, de 2000, que
dispõe sobre o parcelamento do solo para fins urbanos e sobre a regularização fundiária
sustentável de áreas urbanas, visando substituir a Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979.
A deliberação sobre o Projeto de Lei nº 3057/2000, que busca uma nova legislação
sobre o parcelamento do solo urbano e sobre a regularização fundiária sustentável de áreas
urbanas, em princípio, não fere nenhuma competência constitucional, pois o direito urbanístico e a
defesa do solo e dos recursos naturais estão previstos como uma das matérias de competência
concorrente dos entes da Federação brasileira (artigo 24, I e VI da Constituição)10, além de
também constituírem competência comum dos três níveis da Federação promover programas de
construção de moradias e melhoria das condições habitacionais e combater a pobreza e os fatores
de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos (artigo 23, IX e X
da Constituição)11.
10 Não custa relembrar, mais uma vez, a opinião que considero mais apropriada ao sistema constitucional de 1988, que é também, entre outros, a de Fernanda Menezes de Almeida, que entender que, apesar de não constarem expressamente no artigo 24, os Municípios não foram excluídos da repartição de competências concorrentes. Para esta autora, a titularidade dos Municípios está garantida pelo artigo 30, II da Constituição, que dá competência aos Municípios para legislarem de maneira suplementar no que lhes couber. Vide Fernanda Dias Menezes de ALMEIDA, Competências na Constituição de 1988, São Paulo, Atlas, 1991, pp. 80, 125, 139 e 167-171. Especificamente em relação ao direito urbanístico, vide Vide José Afonso da SILVA, Direito Urbanístico Brasileiro, 4ª ed, São Paulo, Malheiros, 2006, pp. 64-70 e Daniela Campos Libório Di SARNO, "Competências Urbanísticas" in Adilson Abreu DALLARI & Sérgio FERRAZ (coords.), Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal 10.257/2001), reimpr., São Paulo, Malheiros, 2003, pp. 61-70. Em sentido contrário, vide Tercio Sampaio FERRAZ Jr, “Normas Gerais e Competência Concorrente – Uma Exegese do Art. 24 da Constituição Federal”, Revista Trimestral de Direito Público nº 7, São Paulo, Malheiros, 1994, pp. 19-20. 11 Sobre as competências comuns, vide Gilberto BERCOVICI, Desigualdades Regionais, Estado e Constituição, São Paulo, Max Limonad, 2003, pp. 151-156 e Gilberto BERCOVICI, Dilemas do Estado Federal Brasileiro, Porto Alegre, Livraria do Advogado Editora, 2004, pp. 60-63.
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
120
Apesar do exercício constitucional da competência do Congresso Nacional em
legislar sobre normas gerais de direito urbanístico, o Projeto de Lei nº 3057/2000 apresenta alguns
pontos que podem suscitar dúvidas no tocante à sua constitucionalidade. O ponto mais
problemático é a criação da figura do "Município com gestão plena" (artigos 2º, XXIII, 7º,
parágrafo único, 8º, §2º, 35, §2º e 92 do Projeto de Lei nº 3057). Esta figura, em minha opinião, é
absolutamente inconstitucional, pois configuraria a criação de um ente federativo com
competências distintas das previstas no texto constitucional.
O fundamento da Federação é a Constituição rígida comum12. Os diferentes centros
de poder político não são dotados de hierarquia uns em relação aos outros. Um não é superior ao
outro. O que diferencia cada membro da Federação é a atribuição de competências distintas pela
Constituição13. Só a Constituição Federal pode atribuir competências aos membros da Federação,
com as exceções expressas do artigo 25, §1º (são reservadas aos Estados as competências que não
lhes sejam vedadas pelo texto constitucional, ou seja, as chamadas "competências residuais") e do
artigo 30, I (compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local). A lei ordinária não
pode criar distinções entre as competências e capacidades administrativas dos entes da Federação,
como faz o Projeto de Lei nº 3057/2000, ao instituir o "Município com gestão plena"14, sendo
inconstitucionais todos os dispositivos que fazem menção à esta nova figura, ou seja, os artigos 2º,
XXIII, 7º, parágrafo único, 8º, §2º, 35, §2º e 92 do Projeto de Lei nº 3057.
Ao se criar, de forma inconstitucional, um ente federado com competências
distintas das dos demais, parece que se está adotando a tese do chamado "federalismo
assimétrico". A crítica ao federalismo assimétrico poderia ser iniciada pela sua nomenclatura,
tendo em vista que todo Estado federal é assimétrico. Se não fosse, não haveria necessidade do
federalismo. Mas, não basta ficarmos neste tipo de crítica que, ademais, também poderia ser feita
12 Kenneth C. WHEARE, Federal Government, London/New York, Oxford University Press/Royal Institute of International Affairs, 1947, pp. 55-57; Dalmo de Abreu DALLARI, O Estado Federal, São Paulo, Ática, 1986, p. 15 e Cármen Lúcia Antunes ROCHA, República e Federação no Brasil: Traços Constitucionais da Organização Política Brasileira, belo Horizonte, Del Rey, 1997, pp. 177-180. 13 Kenneth C. WHEARE, Federal Government cit., pp. 12-15 e Dalmo de Abreu DALLARI, O Estado Federal cit., pp. 67-71. 14 Artigo 2º, XXIII do Projeto de Lei nº 3057/2000: "gestão plena: condição do Município que reúna simultaneamente os seguintes requisitos: a) Plano Diretor, independentemente do número de habitantes, aprovado e atualizado nos termos da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001; b) órgãos colegiados de controle social nas áreas de política urbana e ambiental, ou, na inexistência destes, integração com entes colegiados intermunicipais constituídos com essa mesma finalidade, assegurados o caráter deliberativo das decisões tomadas, o princípio democrático de escolha dos representantes e a participação da sociedade civil na sua composição; c) órgãos executivos específicos nas áreas de política urbana e ambiental, ou integração com associações ou consórcios intermunicipais para o planejamento, a gestão e a fiscalização nas referidas áreas, nos termos da Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005".
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121
ao federalismo cooperativo. De acordo com Pernthaler, a denominação “federalismo assimétrico”
apenas deve reforçar uma tendência mais acentuada15. O que realmente diferencia o federalismo
assimétrico do federalismo cooperativo é o fato de os entes federados não apenas diferenciarem-se
entre si em seus ordenamentos jurídicos específicos, mas também por possuírem status jurídico e
esfera de atuação distintos16.
O federalismo assimétrico, portanto, fundamenta-se na desigualdade jurídica e de
competências entre as unidades federadas, mesmo que do mesmo nível. Trata-se de uma forma de
organização federal contraposta ao federalismo homogeneizador do Estado Social, fundado no
princípio da solidariedade17, conforme estabelecido no texto constitucional de 1988, que, aliás,
veda expressamente qualquer forma de preferência, discriminação ou diferenciação que possam
ser estabelecidas no tratamento conferido aos membros da Federação (artigo 19, III).
O correto, de acordo com a Constituição de 1988, é estabelecer as mesmas
competências, poderes e prerrogativas a todo e qualquer Município, ressalvando-se expressamente
que, caso o Município não tenha condições de efetuar a política definida constitucional ou
legalmente, ele pode receber auxílio federal e/ou estadual, dentro de um federalismo de molde
cooperativo como o brasileiro. Afinal, as tensões do federalismo contemporâneo, situadas
basicamente entre a exigência da atuação uniformizada e harmônica de todos os entes federados e
o pluralismo federal, são resolvidas em boa parte por meio da colaboração e atuação conjunta das
diversas instâncias federais. A cooperação se faz necessária para que as crescentes necessidades de
homogeneização não desemboquem na centralização. A virtude da cooperação é a de buscar
resultados unitários e uniformizadores sem esvaziar os poderes e competências dos entes
federados em relação à União, mas ressaltando a sua complementaridade18. O grande objetivo do
federalismo, na atualidade, é a busca da cooperação entre União e entes federados, equilibrando a
descentralização federal com os imperativos da integração econômica e social nacional.
Além da inconstitucionalidade da instituição do "Município de gestão plena",
interferindo nas autonomias e competências municipais expressamente garantidas pela 15 Peter PERNTHALER, El Estado Federal Asimétrico: Fundamentos Teóricos, Consecuencias Prácticas y Ámbitos de Aplicación en la Reforma del Estado Federal Austríaco, Oñati, IVAP, 1999, p. 25. 16 Peter PERNTHALER, El Estado Federal Asimétrico cit., p. 25. 17 Em sentido contrário, vide Manoel Gonçalves FERREIRA Filho, Constituição e Governabilidade: Ensaio sobre a (In)Governabilidade Brasileira, São Paulo, Saraiva, 1995, p. 136 e Dircêo Torrecillas RAMOS, O Federalismo Assimétrico, São Paulo, Plêiade, 1998, especialmente o capítulo X, pp. 83-151. 18 Konrad HESSE, Der Unitarische Bundesstaat, Karlsruhe, C. F. Müller Verlag, 1962, pp. 19-21 e 31-32; Konrad HESSE, Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland, 20ª ed, Heidelberg, C. F. Müller Verlag, 1999, pp. 103-104 e Enoch Alberti ROVIRA, Federalismo y Cooperacion en la Republica Federal Alemana, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1986, pp. 24-25 e 562-563.
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
122
Constituição de 1988, outro ponto que pode dar margem à dúvidas é a previsão, especialmente nos
artigos 2º, XIX e 35 do Projeto de Lei nº 3057/2000 de uma licença urbanística e ambiental
integrada. Esta licença visa coibir violações à ordem legal urbanística e à proteção do meio-
ambiente, cuja visão integrada é uma exigência da Constituição de 1988 (artigos 23, 170, 182 e
225, por exemplo). A dúvida que poderia surgir diz respeito à necessidade, estabelecida
especialmente no artigo 35, §3º, de uma licença ambiental emitida também pelo Estado para
determinados casos, a saber: "I – em áreas: a) maiores ou iguais a 1 (um) milhão de metros
quadrados; b) localizadas em mais de um Município; c) com vegetação secundária em estágio
avançado de regeneração do bioma Mata Atlântica, se a implantação do parcelamento implicar
supressão dessa vegetação; II – cujo impacto ambiental direto ultrapasse os limites territoriais de
um ou mais Municípios, de acordo com tipificação previamente definida por lei estadual ou por
conselho estadual de meio ambiente; III – cuja implantação coloque em risco a sobrevivência de
espécie da fauna ou da flora silvestre ameaçada de extinção, mediante decisão específica do
conselho estadual de meio ambiente".
A inconstitucionalidade deste artigo 35 está presente em seu §2º, em que se faz
menção ao "Município de gestão plena". O disposto no artigo 35, §3º não tem, em minha opinião,
nenhuma inconstitucionalidade, mesmo porque há a garantia expressa dos artigos 35, §4º (que
determina ao Estado a necessidade de se pautar pelas diretrizes urbanísticas formuladas pelo
Município) e 36, caput (que determina que a Lei Municipal deve definir os prazos da licença
ambiental e urbanística integrada, obviamente, na esfera municipal, não estadual, conforme dispõe
o mesmo artigo 36, §2º), preservando, assim, a autonomia municipal. A única ressalva que poderia
ser feita é ao privilégio dado ao bioma Mata Atlântica, quando seria mais conveniente a expressa
necessidade de cuidados com a preservação de áreas em recuperação de todos os biomas
brasileiros ameaçados, especialmente, mas não só, os expressos no artigo 225, §4º, pois também o
Cerrado e a Caatinga encontram-se ameaçados pela expansão desordenada dos processos de
urbanização e de modernização agrícola.
Finalmente, um último ponto que poderia gerar polêmica trata da competência
municipal para a regularização fundiária (especialmente os artigos 82, 85, 86 e 88 do Projeto nº
3057). A lei municipal prevista no artigo 82 do projeto nada mais é que o exercício constitucional
das competências municipais expressas nos artigos 24, I e 30, I, II e VIII. O direito urbanístico é
matéria de competência concorrente, portanto, cabe à União disciplinar as regras gerais (artigo 24,
§1º e, no caso específico do direito urbanístico, artigo 182 da Constituição, cujo exemplo mais
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
123
notório de "lei geral" é a Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, conhecida como "Estatuto da
Cidade"), ressalva, aliás, constante expressamente do artigo 81 do Projeto de Lei nº 3057. Não
bastasse isto, a Constituição também determina que compete aos Municípios legislar sobre
assuntos de interesse local, suplementar a legislação federal e estadual no que couber e, mais
especificamente, promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante
planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (artigo 30, I, II e
VIII da Constituição). Portanto, trata-se da previsão de exercício de competência constitucional
pelos Municípios, competência esta que a lei ordinária não pode reduzir ou suprimir. No mesmo
sentido, está garantida a competência municipal, de acordo com o disposto no artigo 30, I e VIII
do texto constitucional, de estabelecer as regras específicas sobre a implantação de condomínios
urbanísticos (artigo 11, §1º e §2º do Projeto) ou sobre prazos e garantias na execução dos projetos
de parcelamento do solo para fins urbanos (artigo 37 do Projeto).
Prof. Dr. Gilberto Bercovici
Prof. Líder Grupo de Pesquisa Federalismo
Doutor em Direito do Estado e Livre-Docente em Direito Econômico pela Faculdade de Direito da USP
Professor Associado Pleno do Programa de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico da Universidade
Presbiteriana Mackenzie.
Professor Associado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
124
ANEXO
Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça
125
ANEXO 01
PROJETO DE PESQUISA
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FACULDADE DE DIREITO
127
À SAL- Secretaria de Assuntos Legislativos Ministério da Justiça Brasília DF
REF: “Projeto Pensando o Direito”
FEDERALISMO NO BRASIL: LIMITES DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA E
ADMINISTRATIVA
I. PROJETO DE PESQUISA
1. INTRODUÇÃO
A presente pesquisa tem como enfoque o estudo sobre os limites da competência
legislativa e administrativa da União, em especial nos casos de competência concorrente e de
competência comum, no estabelecimento normas gerais por meio da observação da evolução
normativa do mapeamento doutrinário e jurisprudencial sobre questões referentes ao
Federalismo no Brasil.
A discussão sobre discussão sobre as competências de cada ente federativo e o alcance
das limitações constitucionais é pautada, atualmente, nas análises de uma nova realidade
política e administrativa do Estado, composta tanto por questões nacionais do presente,
quanto por alternativas adotadas em outros países.
Nesse cenário, a trajetória histórica ocupa um papel secundário, minimizando-se
elementos do passado, desde o momento da inserção do Federalismo no Estado Republicano
até o reconhecimento desta organização na Constituição de 1988 e centrando na discussão
sobre a competência legislativa e regulamentar da União em assuntos que, de alguma forma,
atinjam os limites dos demais entes federativos.
Na perspectiva de que a análise das normas, doutrinas e jurisprudência relativas ao
conflito e/ou limites de competência dos entes federativos é elemento essencial para o
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128
processo de transformação social e para o entendimento e caracterização dos limites jurídicos
do Estado Democrático de Direto é que essa pesquisa se demonstra como de extrema
relevância para a Sociedade e para os estudos em Direito.
Não é plausível um Estado Federal em que não haja um mínimo de colaboração entre
os diversos níveis de governo. Faz parte da própria concepção de federalismo esta
colaboração mútua. Portanto, no federalismo cooperativo, não se traz nenhuma inovação com
a expressão “cooperação”. Na realidade, a diferença é o que se entende por cooperação, que,
no federalismo cooperativo, é bem diferente do modelo clássico de colaboração mínima e
indispensável158.
Dentre as complexas relações de interdependência entre a União e os entes federados,
no federalismo cooperativo, devemos distinguir a coordenação da cooperação propriamente
dita. A coordenação é, na realidade, um modo de atribuição e exercício conjunto de
competências no qual os vários integrantes da Federação possuem certo grau de participação.
A vontade das partes é livre e igual, com a manutenção integral de suas competências: os
entes federados sempre podem atuar de maneira isolada ou autônoma. A coordenação é um
procedimento que busca um resultado comum e do interesse de todos. A decisão comum,
tomada em escala federal, é adaptada e executada autonomamente por cada ente federado,
adaptando-a às suas peculiaridades e necessidades159.
A materialização da coordenação na repartição de poderes são as competências
concorrentes, previstas no artigo 24 da Constituição de 1988. A União e os entes federados
concorrem em uma mesma função, mas com âmbito e intensidade distintos. No caso
brasileiro, há uma divergência doutrinária sobre a questão dos Municípios participarem, ou
não, da repartição das competências concorrentes, por não estarem previstos expressamente
no artigo 24 da Constituição de 1988 como titulares dos poderes elencados, ao lado da União
e Estados. Uma das questões é se, apesar de não constarem expressamente no artigo 24, os
Municípios foram ou não excluídos da repartição de competências concorrentes, levando-se
158 Enoch Alberti ROVIRA, Federalismo y Cooperacion en la Republica Federal Alemana, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1986, pp. 345-346 e 365-366. 159 Enoch Alberti ROVIRA, Federalismo y Cooperacion en la Republica Federal Alemana cit., pp. 361-365, 367-369 e 463-477.
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129
em consideração, ainda, o disposto no artigo 30, II da Constituição, que dá competência aos
Municípios para legislarem de maneira suplementar no que lhes couber160.
Ainda no âmbito das competências concorrentes, cada ente decide, dentro de sua
esfera de poderes, de maneira separada e independente, com a ressalva da prevalência do
direito federal161. Em relação ao caso brasileiro, é necessário, ainda, definirmos o que deve ser
entendido por “normas gerais”, previstas nos §§1º, 2º, 3º e 4º do artigo 24 da Constituição de
1988. De acordo com Tercio Sampaio Ferraz Jr, a expressão “normas gerais” exige que seu
conteúdo seja analisado de maneira teleológica. As “normas gerais” devem se reportar ao
interesse fundamental da ordem federativa. Como a Federação brasileira têm por fundamento
a solidariedade, que exige a colaboração de todos os seus integrantes, existe a necessidade de
uniformização de certos interesses como base desta cooperação. Desta maneira, toda matéria
que ultrapassar o interesse particular de um ente federado porque é comum, ou seja, interessa
a todos, ou envolver conceituações que, se fossem particularizadas num âmbito subnacional,
gerariam conflitos ou dificuldades nacionalmente, é matéria de “norma geral”162.
Nas atividades de cooperação, nem a União, nem qualquer ente federado pode atuar
isoladamente, mas todos devem exercer sua competência conjuntamente com os demais163. Na
repartição de competências, a cooperação se revela nas chamadas competências comuns,
consagradas no artigo 23 da Constituição de 1988. Nas competências comuns, todos os entes
da Federação devem colaborar para a execução das tarefas determinadas pela Constituição. E
surgem outras questões: não existindo supremacia de nenhuma das esferas na execução destas 160 Vide Fernanda Dias Menezes de ALMEIDA, Competências na Constituição de 1988, São Paulo, Atlas, 1991, pp. 80, 125, 139 e 167-171 e Tercio Sampaio FERRAZ Jr, “Normas Gerais e Competência Concorrente – Uma Exegese do Art. 24 da Constituição Federal”, Revista Trimestral de Direito Público nº 7, São Paulo, Malheiros, 1994, pp. 19-20. 161 Enoch Alberti ROVIRA, Federalismo y Cooperacion en la Republica Federal Alemana cit., pp. 84-85, 89-95, 366-367 e 462-463. De acordo com Enoch Rovira, a disposição que determina a prevalência do direito federal sobre o direito estadual (e, no nosso caso, também o direito municipal) é uma “norma de colisão” (Kollisionsnorm), não de competência. Esta determinação da prevalência do direito federal (na Constituição de 1988 está expressa no artigo 24, §4º) não diz respeito à repartição de competências entre a União e os demais entes federados, mas como devem ser resolvidos eventuais conflitos oriundos da repartição, determinando, nestes casos, qual é o direito válido. Vide Enoch Alberti ROVIRA, idem, pp. 119-128. 162 Cf. Tercio Sampaio FERRAZ Jr, “Normas Gerais e Competência Concorrente – Uma Exegese do Art. 24 da Constituição Federal” cit., pp. 18-19. 163 Enoch Alberti ROVIRA, Federalismo y Cooperacion en la Republica Federal Alemana cit., pp. 369-370 e 487.
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130
tarefas, as responsabilidades também são comuns? Ou são repartidas por cada ente federativo
de acordo com a parcela da política pública que foi atribuída à sua esfera de atuação? A
cooperação parte do pressuposto da estreita interdependência que existe em inúmeras matérias
e programas de interesse comum, o que dificulta (quando não impede) a sua atribuição
exclusiva ou preponderante a um determinado ente, diferenciando, em termos de repartição de
competências, as competências comuns das competências concorrentes e exclusivas.
No caso brasileiro, ainda, as competências comuns do artigo 23 da Constituição, após
sua regulamentação pela lei complementar prevista no parágrafo único do mesmo artigo,
serão obrigatórias para a União e todos os entes federados. A lei complementar prevista não
poderá retirar nenhum ente da titularidade das competências comuns, nem restringi-las. Como
a lei complementar prevista no parágrafo único do artigo 23 da Constituição de 1988 não foi
ainda elaborada, não há no sistema federal brasileiro, um regime jurídico expresso de
instituição das “tarefas comunitárias” (Gemeinschaftsaufgaben), existentes na Alemanha,
embora haja uma estrutura similar introduzida a partir da nova redação do artigo 241 da
Constituição de 1988 e a aprovação da lei dos consórcios públicos. Tratam-se de métodos de
cooperação eminentemente administrativos, que devem gerar no Brasil, como ocorreu na
Alemanha, um debate sobre o fortalecimento do Poder Executivo, em detrimento do Poder
Legislativo, na execução destas “tarefas comunitárias”164.
2.. OBJETIVO
O objetivo central desta pesquisa é apresentar um estudo sobre os limites da
competência legislativa e administrativa da União, em especial nos casos de competência
concorrente e competência comum, no estabelecimento normas gerais, possibilitando a
comparação das três partes do conhecimento jurídico, a fim de propiciar uma análise ampla e
precisa do processo de reconhecimento, sistematização e consolidação deste conhecimento.
Para que este objetivo seja alcançado, foram estabelecidos os seguintes objetivos
específicos – intermediários:
164 Vide Enoch Alberti ROVIRA, Federalismo y Cooperacion en la Republica Federal Alemana cit., pp. 515-532.
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131
Realizar um levantamento das principais correntes doutrinárias sobre os limites
de competência e sobre a natureza do Federalismo, apresentando suas linhas
gerais e posições defendidas;
Realizar um levantamento da evolução normativa referente ao tema,
destacando-se os marcos constitucionais e as normas infraconstitucionais de
maior relevância;
Identificar e analisar as decisões jurisprudenciais sobre temas centrais, a partir
de critérios a serem estabelecidos;
Analisar os resultados obtidos, a partir do cruzamento das conclusões
desenvolvidas em cada um dos aspectos estudados.
3. ESTRATÉGIA METODOLÓGICA
O projeto apresenta a proposta de uma pesquisa de diagnóstico teórico com
apresentação de proposta de alteração legislativa, por meio da análise qualitativa referenciada
na doutrina e realizada a partir do mapeamento jurisprudencial e legislativo no Brasil.
A pesquisa apresenta-se viável, pois, como convém ao trabalho científico, o objeto foi
reduzido de modo a proporcionar um estudo aprofundado no espaço de tempo proposto, a
saber, 6 (seis) meses. Além disso, por tratar-se de tema de extremada relevância para a área
jurídica nacional e internacional, a doutrina é acessível a todos os participantes do grupo, bem
como já foi exaustivamente trabalhada por alguns dos integrantes o que permitirá a realização
no tempo hábil desta.
a). Metodologia de Pesquisa
O estudo será desenvolvido, predominantemente, por meio de pesquisas
bibliográficas não restritas à área jurídica, de legislação e de jurisprudência concernentes ao
tema do Federalismo no Brasil.
Os resultados obtidos pela pesquisa bibliográfica serão analisados por meio de
debates e resumos analíticos entre os integrantes do grupo, em reuniões quinzenais, nas quais,
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132
a partir do fichamento do material de base, serão suscitadas questões técnicas a serem
trabalhadas.
As tarefas de pesquisa relacionadas ao levantamento bibliográfico, coleta de
dados, fichamentos, levantamento de questões e análise dos dados ficarão a cargo de todos os
participantes do grupo.
O relatório final da pesquisa será elaborado sob a supervisão direta dos Professor
Responsável pelo projeto.
b) Metodologia de Procedimento
O material consultado constituiu-se de doutrina, jurisprudências e legislação da
área, que serão submetidas à primeira análise por meio da Leitura Científica conforme
determinado por Cervo e Bervian (2002), a saber: 1)Visão sincrética, n qual se realizará uma
leitura de leitura de reconhecimento que tem como objetivo localizar as fontes numa
aproximação preliminar sobre o tema e a leitura seletiva localizando as informações de acordo
com os propósitos do estudo; 2) Visão analítica, que compreende a leitura crítico-reflexiva
dos textos selecionados acompanhado de reflexão, na busca dos significados e na escolha das
idéias principais; 3) Visão sintética - constitui a última etapa do Método de Leitura Científica
que é concretizada através da leitura interpretativa, realizada a partir dos referencias
estabelecidos pela proposta.
Após a fase de leitura, encaminhar-se-á a produção de Resumos analíticos, que
consiste na exposição lógico-reflexiva com ênfase na argumentação dos materiais pesquisados
(doutrina e jurisprudência) e na adequação e validade frente ao ordenamento jurídico
(legislação)
Retomando o objetivo desta informação que pretende oferecer algumas pautas
sobre os resumos analíticos destacamos, conforme GAMBOA (2004): a) o propósito de um
resumo analítico é apresentar de forma sucinta o conteúdo essencial de um documento; b) o
resumo analítico ou informativo expressa o máximo de informações relevantes contidas num
documento; c) são características de um resumo a objetividade (não inclui avaliação sobre a
sua qualidade, nem comentários pessoais próprios de uma resenha), clareza evitando
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133
expressões longas e confusas e precisão e brevidade evitando repetições e termos
equivalentes.
A construção do marco teórico dar-se-á por meio do estudo comparativo entre os
autores pesquisados, identificando as possíveis e reais congruência e divergências na
interpretação.
Após, será feito o cotejamento com o material coletado por meio da pesquisa
jurisprudencial, no qual verificamos
3. Metodologia de Análise.
A pesquisa de diagnóstico e qualitativa está fundamentada visa conhecer as várias
formas de manifestação do objeto de estudo, a partir de dados objetivos coletados na realidade
e trabalhados por meio de reflexões orientadas, ou seja, com referenciais teóricos precisos e
amplos.
A análise buscará uma síntese, a lógica geral de dificuldades e/ou alternativas
para o a resolução do problema jurídico específico.
Assim, a estratégia metodológica para a extração de conceitos é a análise de
conteúdo. No campo do Direito, o tipo genérico de investigação é o jurídico-descritivo.
4. CRONOGRAMA DE PESQUISA
A pesquisa, conforme indicado no Edital, foi planejada para a concretização até
31.12.07, em um cálculo de 06 (seis) meses.
Dentro desta perspectiva, o grupo de pesquisa apresentará 02 (dois) relatórios
parciais e 01 (um) relatório final de acordo com o seguinte calendário:
1º Relatório Parcial: Em 14 de setembro de 2007.
2º Relatório Parcial: Em 26 de outubro de 2007.
3º Relatório Final: Em 20 de dezembro de 2007.
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134
ATIVIDADES DE PESQUISA
2007
Agosto Setembro Outubro Novembro Dezembro
Distribuição da leitura doutrinária X
Levantamento e Fichamento e
bibliográfico
x x
Levantamento e Fichamento da
legislação.
X X
Elaboração de resumo analítico X
Estabelecimento do Referencial teórico
de análise
X X
Primeiro relatório: definição do marco
conceitual
X X
Levantamento Fichamento de
Jurisprudência e Legislação
X X
Análise de dados coletados a partir do
referencial teórico
X X
2º Relatório parcial: apresentação do
mapeamento jurisprudencial e conceitual
X
Análise do dados coletados X X
Trabalho em equipe e consolidação dos
dados e das análises.
X X
Relatório Final do Projeto. X
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135
5. ORÇAMENTO
O orçamento para este projeto de pesquisa está previsto em R$ 31778,03 (trinta e um
mil setecentos e setenta a e oito reais e três centavos) e está distribuído em aquisição de
materiais permanentes de consumo para a realização da pesquisa, despesas com viagens até
Brasília, e aquisição de material bibliográfico para a Biblioteca de Direito da Faculdade,
conforme detalhamento em anexo (Anexo 01).
Os docentes envolvidos são professores com dedicação à pesquisa científica na
Universidade.
6. EXPERIÊNCIA INSTITUCIONAL EM PESQUISA
6.1. Universidade Presbiteriana Mackenzie
Em 1869, chega e se instala em São Paulo o casal George e Mary Chamberlain.
Enquanto o reverendo Chamberlain empreendia viagens missionárias pelo interior do Estado,
sua esposa, Mary, dedicava-se à área pedagógica. Embora não existam registros do dia exato
em que o trabalho de Mary iniciou-se, na residência do casal, situada à rua Visconde de
Congonhas do Campo, estima-se que tenha sido no primeiro semestre de 1870. Três crianças -
dois meninos e uma menina - foram os primeiros alunos de um sistema revolucionário, em
termos pedagógicos, no Brasil, reunindo em um mesmo espaço crianças de diferentes raças,
crenças, classe sociais, sexos e ideologias.
Em 1871, já com 44 alunos, a escola de Mary Chamberlain mudou-se para Rua Nova
São José, atual Libero Badaró.
A partir de 1872 as aulas passaram a ser pagas, concedendo-se bolsas parciais e
integrais para os alunos carentes. A Escola passou a ser chamada de “Escola Americana”.
Seguiram-se anos de prosperidade e, nos bancos escolares da nova escola, sentavam-se
tanto filhos de escravos como de famílias tradicionais. Em 1876, nova mudança, agora para a
esquina das ruas Ipiranga e São João, implantando-se dois novos cursos: Escola Normal e o
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Curso de Filosofia, de nível superior. Em 3 de setembro do mesmo ano era inaugurado um
edifício de tijolinhos, assobradado, cuja parte superior fora reservada para o internato
feminino, e o térreo para dois escritórios e três espaçosas salas de aula.
Finalmente, em 1880, com a ajuda de uma senhora da sociedade paulista, dona Maria
Antonia da Silva Ramos, adquiriu-se uma área de 27,7 mil metros quadrados no bairro de
Higienópolis, terreno utilizado como pasto. Era o início de uma nova fase.
A fama da Escola Americana não se restringia ao Brasil, chegando aos ouvidos do
advogado norte-americano John Theron Mackenzie, que, sem nunca ter vindo ao Brasil, fez
constar de seu testamento, em 1890, uma doação à Igreja Presbiteriana norte-americana no
valor de 30 mil dólares, acrescidos de outros 20 mil dólares doados por seus irmãos, para que
se construísse, no Brasil, uma escola de Engenharia.
Em 12 de fevereiro de 1894, deu-se inicio a construção do prédio da futura Faculdade
de Engenharia. Em fevereiro de 1896, com sete alunos, entrava em funcionamento, no prédio
recém-concluído, a primeira Escola de Engenharia de caráter privado do país. Daí em diante,
os fatos são conhecidos da maioria, refletindo-se no majestoso campus da Universidade
Presbiteriana Mackenzie que abriga 11 diferentes faculdades e o Colégio Presbiteriano
Mackenzie.
A Universidade Presbiteriana Mackenzie considera a extensão universitária como o
processo educativo, cultural e científico, que articula o ensino e a pesquisa, de forma
indissociável, e viabiliza a relação transformadora entre universidade e sociedade.
Existem, na UPM, ações extensionistas de caráter filantrópico e não filantrópico,
sendo as últimas, no entanto, desenvolvidas de maneira ampla e abrangente para que possam
ser voltadas tanto para o atendimento às necessidades do ensino e da pesquisa, quanto ao
atendimento à demanda da comunidade, principalmente dos mais carentes.
A Universidade Presbiteriana Mackenzie tem hoje na expansão das atividades de
pesquisa um de seus focos, implicando na evolução de sua organização, objetivos, metas e
ações.
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A pesquisa é considerada pela instituição parte integrante fundamental de sua missão e
do processo de ensino, e instrumento privilegiado de evolução e participação efetiva no
desenvolvimento social, cultural e econômico do país.
Programas e projetos como, entre outros, os projetos de pesquisa laboratorial, o
desenvolvimento do padrão de TV Digital – HDTV, os programas de iniciação científica,
como o PIBIC/Mackenzie, os programas de pós-graduação lato e stricto sensu, e o incentivo à
organização e consolidação de grupos de pesquisa interinstitucionais vêm possibilitando um
significativo aumento da participação da Universidade no panorama científico nacional e uma
considerável melhoria nas condições de ensino da instituição.
A pós-graduação stricto sensu da Universidade conta com mais de 170 alunos
bolsistas entre as principais agências de fomento à pesquisa como CAPES, CNPq, e FAPESP,
além das bolsas concedidas pelo programa interno MackPesquisa e outros advindos de
convênios com empresas e órgãos govenamentais e não governamentais.
São elementos básicos norteadores da política de pesquisa da Universidade
Presbiteriana Mackenzie promover a integração da pesquisa científica e tecnológica com as
atividades pedagógicas, despertar vocação científica e incentivar talentos potenciais e
contribuir e incentivar a geração de conhecimento e a produção científica, sempre coerentes
com os princípios e valores da instituição e a política nacional de desenvolvimento científico.
6.2. Faculdade de Direito
A Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie foi instalada e
autorizada a funcionar por meio do Decreto nº 36.322, de 11 de outubro de 1954.
A Faculdade de Direito do Mackenzie foi a primeira a obter a renovação de
reconhecimento de seu curso de Direito, bacharelado, por 5 anos, de acordo com a portaria nº
1.206, de 30 de julho de 1999, do ministério da Educação, atendendo as novas disposições
estabelecidas pelo artigo 46 da Lei nº 9.394, de 20 de
Dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação). Alcançou o Conceito “A” no
Exame Nacional de Cursos em 2002 e 2003. Na Avaliação das Condições de Ensino –
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MEC/INEP – obteve o conceito “CMB” nas dimensões: Organização didático-pedagógica,
Corpo Docente e Instalações.
Encontra-se recomendada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
com o Selo de Qualidade-OAB Recomenda, em suas duas edições (2001 e 2003) e
recentemente a indicação também em para o triênio 2004/2007, dentre as melhores
Faculdades de Direito no Estado de São Paulo e no país, além de ser avaliada com a nota
máxima na avaliação ENADE/2006 do Ministério da Educação.
A Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie está voltada a uma
sólida formação humanística e as habilidades técnico-jurídica, sócio-política e prática,
indispensáveis à adequada compreensão interdisciplinar do fenômeno jurídico e das
transformações sociais, para o exercício da cidadania e das diversas profissões da área do
Direito.
E, nesse sentido, a atividade de pesquisa acompanha este mesmo objetivo.
A Pesquisa possui os objetivos específicos de:
estimular a geração de conhecimento científico, propondo políticas de
desenvolvimento de pesquisa que conduzam à sua sistematização na UPM;
proporcionar uma maior interação entre os docentes e discentes da Graduação
e da Pós-Graduação;
promover a integração da pesquisa científica e tecnológica com atividades
pedagógicas em todos os níveis dos cursos oferecidos pela UPM;
despertar vocação científica e incentivar talentos potenciais entre estudantes de
graduação, mediante suas participações em projetos de pesquisa;
desenvolver nos alunos de graduação o interesse em se prepararem para a Pós-
Graduação;
incentivar o aumento da produção científica
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A atividade de Iniciação Científica da Faculdade de Direito é de caráter permanente,
institucional e extracurricular, destinada a viabilizar no âmbito do corpo discente da
Faculdade a realização de pesquisas em caráter permanente e sistemático, envolvendo,
também, o Corpo Docente, com os seguintes objetivos:
Inserir o Corpo Discente no processo de investigação científica, despertando e
estimulando talentos;
Estimular a incorporação dos estudantes de graduação nos trabalhos de
pesquisa dos professores e pesquisadores;
Estimular o pensar de modo científico e criativo dos alunos;
Contribuir para a criação do conhecimento no âmbito da Faculdade.
As Linhas de Pesquisa Institucionais da Faculdade de Direito são:
1. Cidadania modelando o Estado: paradigma da relação ética e direito.
Esta linha conta com as seguintes áreas de Concentração:
Teoria Geral do Estado: temas que cuidam da cidadania como expressão de um
Estado Democrático de Direito.
Filosofia, Ética, Cidadania e Direito: enfoque filosófico das relações
conceituais de Cidadania/Direito, tendo como fio condutor os valores éticos.
Sociologia Jurídica: temas sociológicos voltados a problemas urbanos/rurais da
estrutura e funcionamento do Estado, com enfoque no papel social do ser
humano/cidadão na construção/intervenção em realidade da sociedade
brasileira.
Fundamentos da Ciência do Direito: temas voltados ao exame do Direito como
ciência, em questões pertinentes às relações jurídicas entre particulares e deles
com o Estado, centradas na conduta ética e cidadã.
Direitos humanos e Garantias Constitucionais: estudo da cidadania como
expressão de direitos humanos que implicam deveres da pessoa na convivência
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social e do Estado na segurança das garantias constitucionais dos direitos
individuais e coletivos.
2. História, princípios, fundamentos, peculiaridades e harmonização legislativa
dos institutos jurídicos e das instituições jurídico-políticas de direito público e de direito
privado.
Esta linha conta com as seguintes áreas de Concentração:
História do Direito: exame diacrônico/sincrônico de institutos e/ou instituições
jurídico-políticas, com enfoque nas diferenças/similitudes dos sistemas
jurídicos em ambiência de Direito Comparado.
Direito Aplicado: estudo de institutos e/ou instituições jurídico-políticas nas
áreas de Direito Público e/ou de Direito Privado.
Técnica Legislativa: exame hermenêutico de legislação aplicada a institutos
e/ou instituições/jurídico-políticas com destaque a temas polêmicos e aos
novos direitos da atualidade.
Principiologia dos Institutos Jurídicos: exame analítico de questões relativas a
institutos jurídicos (de Direito Público ou Privado), tendo como fio condutor
da investigação científica o estudo de seus princípios.
Peculiaridades dos Institutos e/ou Instituições Jurídicas-políticas: estudo de
institutos e/ou instituições jurídicas-políticas, de forma individualizada ou
comparada, com destaque á natureza jurídica, ao objeto, ao campo de atuação e
ao modus operandi desses institutos e/ou instituições, nas áreas de Direito
Político, Material ou Processual.
Atualmente, a Faculdade de Direito conta com mais de 150 grupos de iniciação
científica na graduação, 10 projetos do PIBIC/CNPq e mais de 160 dissertações de mestrado
defendidas no Programa de Pós-Graduação que, além disso, possui 11 grupos de pesquisa
cadastrados no Diretório CNPq de Grupos de Pesquisa. (Ver Anexo 02)
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7. EQUIPE DE PESQUISA
A equipe para a realização do projeto será constituída pelos seguintes participantes.
Para facilitação do processo de comprovação, em anexo seguem os currículos dos docentes
envolvidos nos projetos.
7.1. Docentes
Responsável pelo projeto: Prof. Dr. Gilberto Bercovici, com pesquisa desenvolvida
sobre o tema Federalismo e publicação de diversos livros sobre o assunto, participa dos
grupos de pesquisa vinculados ao CNPq desde 2003, dentre eles o grupo de pesquisa “Poder
econômico e seus limites jurídicos” e “Estado e Economia.” Orientou diversos mestrados na
área, conforme comprovado no currículo Lattes em anexo.
Docente: Prof. Dr. José Francisco Siqueira Neto, com pesquisa desenvolvida sobre o
tema Federalismo participa dos grupos de pesquisa vinculados ao CNPq desde 1999, dentre
eles o grupo de pesquisa “Poder econômico e seus limites jurídicos” e “Estado e Economia” e
“Direito do Trabalho como instrumento de cidadania e limitação do poder econômico”.
Orientou diversos mestrados na área, conforme comprovado no currículo Lattes em anexo.
Docente: Prof. Dr. José Maria Arruda Andrade, com pesquisa desenvolvida sobre o
tema Federalismo e Competência Tributária participa dos grupos de pesquisa vinculados ao
CNPq desde 2005, dentre eles o grupo de pesquisa “Estado e Economia” . Possui diversos
trabalhos na área, conforme comprovado no currículo Lattes em anexo.
Docente: Prof. Dr. André Ramos Tavares, com pesquisa desenvolvida sobre Direito
Constitucional e sobre as formas de governo. Possui diversos trabalhos publicados na área,
bem como orientações de mestrado e doutorados, conforme comprovado no currículo Lattes
em anexo.
Docente: Profa. Dra. Christina de Almeida Pedreira, com pesquisa desenvolvida
sobre o tema Federalismo e Competência Municipal no seu doutorado. Participa dos grupos
de pesquisa vinculados ao CNPq desde 1999, conforme comprovado no currículo Lattes em
anexo.
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8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DO PROJETO
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Economia da UNICAMP, junho de 2000, pp. 127-152
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9. TERMO DE ENCERRAMENTO
Requer seja apreciado e julgado o presente projeto na forma do Edital BRA
07/004- Democratização de Informação no Processo de Elaboração Normativa.
São Paulo, 14 de junho de 2007.
Carlos Eduardo Nicolleti Camillo
Coordenador de Pesquisa da Faculdade de Direito
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