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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PS-GRADUAO LATO SENSU
PROJETO A VEZ DO MESTRE
NORMA GERAL ANTIELISIVA
Por: Glenda Nunes
Orientador
Prof. Dr. Fernando Arduini
Prof. Ms. Marco A. Larosa
Niteri
2008
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PS-GRADUAO LATO SENSU
PROJETO A VEZ DO MESTRE
NORMA GERAL ANTIELISIVA
Apresentao de monografia Universidade
Candido Mendes como requisito parcial para
obteno do grau de especialista em Direito
Processual Civil.
Por: . Glenda Nunes
3
AGRADECIMENTOS
Agradeo a minha famlia e aos meus
amigos pelos incentivos para a
realizao deste trabalho.
Agradeo a Deus por me dar foras,
sade e luz para cumprir mais uma
etapa da minha vida.
4
DEDICATRIA
minha famlia, pelo apoio e
compreenso recebidos.
5
RESUMO
O tema da presente monografia jurdica a anlise do pargrafo nico do
artigo 116 do Cdigo Tributrio Nacional, introduzido pela Lei Complementar n
104 do ano de 2001.
O objetivo principal a anlise da natureza jurdica da norma geral antielisiva.
As pesquisas dos tipos descritivas, exploratrias, e explicativas sero usadas
para apresentao do trabalho monogrfico. Analisam-se, a princpio, as
formas de economia de tributos. Abordam-se os temas relativos sonegao
fiscal, fraude fiscal, eliso e evaso fiscal. A simulao, a fraude lei e as
doutrinas da prevalncia da substncia sobre a forma e da inteno negocial
so analisadas segundo as intenes possveis de desconsiderao dos atos
dissimulados pelo contribuinte, previstas na norma geral antielisiva. Os
princpios constitucionais so abordados por serem corolrios principais da
anlise sobre a norma. Essencialmente, os princpios da legalidade-tipicidade
fechada, capacidade contributiva, princpio da unidade da ordem jurdica,
princpio da proporcionalidade e o princpio da transparncia so analisados.
Por fim, trata-se das correntes do pensamento interpretativo, sobrevindas da
edio da norma em estudo. So exploradas as trs linhas de idias quanto
interpretao da norma. Aquela que considera a norma como uma letra morta
no cenrio legal. A que considera a norma como inconstitucional. E uma
terceira em que os doutrinadores adotam linhas de pensamento menos
extremistas e que partem para interpretar a norma, admitindo diversidades de
princpios e de valores com a consecuo do equilbrio entre a liberdade,
justia e segurana jurdica. Adota-se, na concluso, o posicionamento da
terceira corrente que privilegia a noo de razoabilidade e do princpio da
proporcionalidade.
6
METODOLOGIA
A metodologia utilizada para confeco deste trabalho pautou-se na
pesquisa bibliogrfica, principalmente em livros dos mais destacados
doutrinadores brasileiros, na busca de jurisprudncia em sites oficiais de
tribunais, no estudo da legislao ptria e, ainda, na experincia profissional
adquirida em prtica forense.
A organizao dessa pesquisa adotou a pesquisa de forma metdica e
didtica, com o objetivo de atingir o desenvolvimento do tema em destaque.
Este estudo no pretende trazer contribuies inovadoras matria, mas, sim,
apresentar a pesquisa na doutrina, a aplicao prtica e as discusses
relacionadas norma antielisiva.
7
SUMRIO
INTRODUO 08
CAPTULO I
Formas de Economia de Tributos 13
CAPTULO II
Tipos e Conceitos relativos norma geral antielisiva 27
CAPTULO III
O artigo 116, pargrafo primeiro do CTN analisado sob
as perspectivas constitucional e de aplicao dos princpios 42
CAPTULO IV
A Lei Complementar N 104/2001 que instituiu o pargrafo
nico no artigo 116 do CTN e, no ordenamento jurdico
brasileiro, a norma geral antieliso 54
CONCLUSO 80
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 85
NDICE 88
FOLHA DE AVALIAO 90
8
INTRODUO
O tema selecionado para estudo de grande interesse para a
sociedade contempornea brasileira por ter grande influncia nas realizaes
das receitas pblicas e conseqente obteno das finalidades estatais, como
tambm, na vida econmica das pessoas fsicas e das pessoas jurdicas.
Inserido no ramo do Direito Financeiro e do Direito Tributrio, constitui
um enfoque bastante interessante e til nas relaes jurdicas nascidas nestes
ramo do Direito. Mesmo porque, por edio de Lei Complementar, o assunto
tem tomado conta das discusses doutrinrias no cenrio jurdico nacional.
O Direito Financeiro aquele ao qual o Estado recorre com o fim de
obter resultados no exerccio de sua atividade financeira. Torna legtima a sua
atuao e compulsrio o seu acatamento pelo particular. Garante, ainda, as
atividades do particular, contra eventuais abusos que possam ocorrer no
exerccio da atividade estatal. O Direito Financeiro ramo do direito pblico
que se dedica ao conjunto de preceitos jurdicos das finanas do Estado a
serem seguidos e s relaes jurdicas advindas da atividade financeira
estabelecida entre o estado e o particular. Estuda a despesa pblica, receita
pblica originria, oramento pblico e o crdito pblico.1
Conforme Rubens Gomes de Souza, o Direito Tributrio, por sua vez,
rege as relaes jurdicas estabelecidas entre o Estado e o particular advindas
da atividade financeira estatal na obteno das receitas correspondentes aos
1 ROSA JNIOR, Luiz Emygdio F. da. Direito Financeiro & Direito Tributrio. 17.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p.143.
9
tributos. Enquadra-se, tambm, no campo do Direito Pblico. A receita pblica
pode ser obtida, ainda, atravs das atividades patrimoniais do particular. O
Estado, neste caso, desempenha sua soberania na rea da atividade
financeira, obrigando ao particular a prover uma receita legal, do direito
pblico. a rea dominada pelo Direito Tributrio.2
No continente europeu, no incio do sculo XX, j se encontrava em
ampla propagao a discusso sobre a aplicao das normas antielisivas. Em
todos os cantos da terra muito j se discutiu sobre os aspectos que envolvem o
assunto ora em tela e, principalmente, sobre a aplicao das normas
antielisivas no cenrio tributrio. Inmeras teorias e dispositivos foram
formuladas. Encontra-se, ainda, em grandes questionamentos o assunto
eliso em vrios pases, principalmente naqueles em que no se encontrou a
frmula ideal para o equilbrio dos interesses pblicos e privados, no mbito
tributrio. No Brasil, atual a sua discusso, sendo este um dos motivos
relevantes para a abordagem de tal tema. A edio da Lei Complementar n
104 de 10 de janeiro de 2001 que introduziu o pargrafo nico do artigo 116 do
Cdigo Tributrio Nacional e a posterior edio da Medida Provisria n 66 de
29 de agosto de 2002, que no ser includa no presente estudo por no terem
sido as normas antielisivas nela contidas convertidas em lei, configura no
cenrio jurdico tributrio nacional uma nova realidade. Cria situaes bastante
diferentes das j existentes nas normas de procedimentos atuais e merece
tratamento especial, principalmente, porque inicia no direito tributrio nacional
2 SOUZA, Rubens Gomes de. Compndio da legislao tributria. 3. ed. Rio de Janeiro: Ed. Financeiras, 1964. p.25.
10
um exame criterioso sobre uma forma que leve harmonia entre convvio dos
interesses pblicos e privados na rea fiscal.
Idias que vigoram no mundo tm influenciado na construo dos
conceitos de eliso dentro do direito brasileiro com relao ao posicionamento
de alguns doutrinadores que se valem desses conceitos importados. H, no
entanto, outros doutrinadores nacionais que no adotam, como modelos,
as idias internacionais.
O homem tem sempre o desejo de ganhar mais e para tal est sempre
em busca de frmulas que possa utilizar com o fim de evitar pagamentos de
tributos. A Empresa, com fins lucrativos, exercita uma eterna busca, tambm,
no sentido de diminuir sua carga tributria, com fins de aumentar sua margem
lucrativa. O Estado, por sua vez, procura sempre formas de auferir mais
receitas e, conseqentemente, tenta trazer para os seus cofres os pagamentos
de tributos. Tem-se, de um lado, o Estado perseguindo o aumento cada vez
mais de sua receita tributrio e, do outro, o contribuinte querendo suavizar sua
despesa tributria.3 Est a estabelecido o impasse e, conseqentemente, um
foco de inmeras discusses doutrinrias. O planejamento tributrio que
conduz eliso fiscal e as medidas antielisivas adotadas pelo Estado
constituem objeto de grande interesse e utilidade, exatamente por se
defrontarem, com preceitos constitucionais, como os princpios da legalidade,
da tipicidade, da capacidade contributiva, da isonomia, e infra-constitucionais
especficos e por terem grande importncia na anlise de aspectos sociais,
jurdicos, econmicos, polticos e culturais do cenrio fiscal de uma nao.
11
Durante o desenvolvimento do estudo, espera-se atingir a uma orientao mais
precisa ao estabelecimento da delimitao na utilizao do planejamento
tributrio e das normas antielisivas.
O legislador busca implementar no direito brasileiro uma norma geral
antielisiva: o pargrafo nico do artigo 116 do Cdigo Tributrio Nacional,
introduzido pela Lei Complementar n 104 de 2001. Com isso, tem em vistas
diminuir a perda da arrecadao de tributos pelo Estado, que tem ocorrido de
forma acentuada devido ao planejamento tributrio eliso efetuado pelo
contribuinte. O objeto do presente estudo volta-se, exatamente, para esta
questo importante e que tem promovido tantas controvrsias no palco
tributrio.
H neste tema consideraes que provocam conflitos de opinies e
interpretaes interessantes que sobrevm dos choques dos interesses de
quem tributa o Estado e de quem paga o tributo o particular. Estes
choques tm como resultado imediato a contribuio, bastante valiosa, para
o campo da cincia tributria.
Dentro do objetivo de se analisar a norma geral antielisiva, o trabalho foi
dividido em quatro captulos.
O primeiro captulo trata das formas de economia de tributos. Includas,
nele, so tratadas as formas de economia tributria que resultam em atos
ilcitos tanto do ponto de vista criminal como do administrativo. So abordados
neste captulo a sonegao e a fraude fiscal, a eliso e a evaso fiscal
3 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Curso de Direito Tributrio. 7.ed. So Paulo: Saraiva, 2000.
12
O segundo captulo trata dos tipos e conceitos relativos norma geral
antielisiva. So estudadas a simulao, a fraude lei e as doutrinas da
prevalncia da substncia sobre a forma e a da inteno negocial.
O terceiro captulo dedicado ao estudo dos princpios constitucionais
mais discutidos quanto a interpretao da norma geral antielisiva. So eles: o
princpio da legalidade-tipicidade fechada, o princpio da capacidade
contributiva, o princpio da unidade da ordem jurdica, o princpio da
proporcionalidade e o princpio da transparncia.
O quarto captulo destina-se anlise, sob o enfoque das idias
interpretativas, quanto natureza jurdica e aplicabilidade da norma geral
antielisiva. Como primeiro subitem so dispostas as vrias vertentes dos
ordenamentos internacionais, pois durante todo o tratamento do tema so
freqentemente mencionadas e visto que exercem influncias no
ordenamento tributrio brasileiro. So abordadas trs linhas distintas de
pensamentos, nesse quarto captulo, formadas por grupos distintos de
doutrinadores. Desses doutrinadores so expostas idias e posicionamentos
quanto incluso do pargrafo nico no artigo 116 do Cdigo Tributrio
Nacional como norma geral a servio do combate eliso fiscal. Norma esta,
trazida ao cenrio nacional atravs da Lei Complementar n 104, editada no
ano de 2001.
13
CAPTULO I
FORMAS DE ECONOMIA DE TRIBUTOS
O captulo primeiro desse estudo pretende esclarecer conceitos e
formas necessrios a uma melhor compreenso do foco principal que a
norma geral antielisiva representada pelo pargrafo nico do artigo 116 do
Cdigo Tributrio Nacional, em conseqncia, trata-se, a seguir, dos conceitos
do fato gerador, da obrigao tributria e do planejamento tributrio.
Ricardo Lobo Torres4define fato gerador como sendo circunstncia da
vida representada por um fato, ato ou situao jurdica que, definida em lei,
d nascimento obrigao tributria.
O artigo 114 do CTN5 define fato gerador dizendo que o fato gerador da
obrigao tributria a situao definida em lei como necessria e suficiente
sua ocorrncia.
Um fato jurdico ou diversos fatos jurdicos que estejam definidos em lei
e que, portanto, so tidos como fatos geradores, fazem aparecer a obrigao
tributria. Como exemplo de um fato tem-se a morte de um indivduo que
poder gerar o imposto causa mortis.
O ato jurdico tambm se transforma em fato gerador e faz nascer a
obrigao tributria. Como exemplo, tem-se a compra e venda que gera o
Imposto de Transmisso de Bens Imveis ITBI.
4 TORRES, Ricardo Lobo. Direito Financeiro e Tributrio. 11.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p.239. 5 BRASIL. Cdigo Tributrio Nacional .PINTO, Antnio Luiz de Toledo, WINDT, Mrcia Cristina Vaz dos Santos, CSERES, Lvia. (colab.).So Paulo: Saraiva, 2004, p. 78.
14
Uma situao jurdica, como a propriedade de bem imvel urbano ,
tambm, fato gerador e tem como conseqncia a obrigao tributria de
pagamento do Imposto Predial e Territorial Urbano IPTU.
bom que se ressalte que o fato gerador deve estar completamente
definido em lei, visto que a criao de um tributo deve obedecer aos
princpios constitucionais, como o princpio dos direitos fundamentais, da
capacidade contributiva e, tambm, obedecer, integralmente, ao principio da
legalidade.
O fato gerador descrito na norma e, nesse aspecto, ainda abstrato.
Torna-se concreto quando os fatos que a norma descreve ocorrem no mundo
real, ftico, ou, ainda, quando observado na experincia histrica.
A obrigao tributria tratada no artigo 113 do Cdigo Tributrio
Nacional e divide-se em principal e acessria.
O pargrafo primeiro do artigo 113 do Cdigo Tributrio Nacional6 assim
define obrigao tributria principal: A obrigao tributria principal surge com
a ocorrncia do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou
penalidade pecuniria e extingue-se juntamente com o crdito dela
decorrente.
De um lado, tem-se o contribuinte ou responsvel tributrio que, de
alguma forma, fez aparecer um fato que gerou uma obrigao de pagamento
de tributo Fazenda Pblica. Esse fato deve estar previsto em lei.
6 Ibidem., p.78.
15
O pargrafo segundo do artigo 113 do Cdigo Tributrio Nacional7
enuncia a obrigao tributria acessria e a seguir transcrito: A obrigao
acessria decorre da legislao tributria e tem por objeto as prestaes,
positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadao ou da
fiscalizao dos tributos.
O pargrafo terceiro do artigo 113 do Cdigo Tributrio Nacional8
esclarece que: A obrigao acessria, pelo simples fato da sua inobservncia,
converte-se em obrigao principal relativamente penalidade pecuniria.
Essas obrigaes acessrias consistem no dever-obrigao do
contribuinte em declaraes e comunicaes concernentes e exigidas por
cada tipo de tributo.
A respeito do Planejamento Tributrio, sero tecidos, neste
prembulo, poucos comentrios, posto que nos captulos seguintes desse
estudo retornar-se- ao tpico com maiores detalhes.
O Planejamento Tributrio um estudo elaborado pelo contribuinte no
sentido de calcular de forma preventiva os atos e negcios jurdicos que
pretende realizar a fim de obter economia fiscal. Assim agindo, o contribuinte
(pessoa fsica, empresa, associao e outros) reduz sua carga tributria para
valor verdadeiramente devido na forma da lei.
Para que essa economia seja legal, necessrio elaborar pesquisa
antes de efetuar cada operao, pois aps a sua efetivao tem-se como
ocorrido o fato gerador e os seus efeitos, e nasce a obrigao tributria.9
7 Ibidem., p.78. 8 Ibidem., p.78. 9 FABRETTI, Ludio Camargo. Normas antieliso. Instituto Brasileiro de Planejamento Tributrio - IBPT, novembro.2004. Disponvel em: http://www.ibpt.com.br . Acesso em 20.out.2005.
http://www.ibpt.com.br/
16
1.1. Sonegao e fraude Crimes contra a ordem tributria
A sonegao, conforme Ricardo Lobo Torres10 ocorre aps o
aparecimento do fato gerador e sempre ilcita. Consiste na ocultao do fato
gerador descrito em lei, com o fim de no arcar com o pagamento do tributo
correspondente. Grande parte da doutrina utiliza-se do termo evaso com o
sentido de sonegao e de ilcito fiscal e foi introduzido no Brasil pela obra do
jurista Sampaio Dria.
A Lei 472911 de 14 de julho de 1965 definia os crimes de sonegao
fiscal. Com a edio da Lei 8.13712 de 27 de novembro de 1990, os crimes
com carter penal contra a ordem tributria passaram a ser por ela definidos e
esto divididos em crimes praticados por particulares e crimes praticados por
funcionrios pblicos.
Os artigos primeiro e segundo da Lei 8.137/90, dispostos na Seo I,
do Captulo I, abordam os crimes praticados por particulares, conforme, a
seguir, transcreve-se:
Art. 1. Constitui crime contra a ordem tributria suprimir ou reduzir tributo, ou contribuio social e qualquer acessrio, mediante as seguintes condutas: I omitir, ou prestar declarao falsa s autoridades fazendrias; II fraudar fiscalizao tributria, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operao de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;
10 TORRES,op.cit., p. 245. 11 BRASIL, Lei 4..729, de 14 de julho de 1965. Define crime de sonegao fiscal e d outras providncias. Cdigo Tributrio Nacional. Publicada no Dirio Oficial da Unio, de 19 de julho de 1965. 12 BRASIL, Lei. 8.137, de 27 de dezembro de 1990. Define crimes contra a ordem tributria, econmica e contra as relaes de consumo, e d outras providncias. Publicada no Dirio Oficial da Unio, de 28 de dezembro de 1990.
17
III falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicada, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo operao tributvel; IV elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato; V negar ou deixar de fornecer, quando obrigatrio, nota fiscal ou documento equivalente, relativa venda de mercadoria ou prestao de servio, efetivamente realizada, ou fornec-la em desacordo com a legislao. Pargrafo nico. A falta de atendimento da exigncia da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poder ser convertido em horas em razo da maior ou menor complexidade da matria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigncia, caracteriza a infrao prevista no artigo V. Art. 2. Constitui crime da mesma natureza: I fazer declarao falsa ou omitir declarao sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se total ou parcialmente, de pagamento de tributo; II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuio social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigao e que deveria recolher aos cofres pblicos; III exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficirio, qualquer percentagem sobre a parcela dedutvel ou deduzida de imposto ou de contribuio como incentivo fiscal; IV deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatudo, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por rgo ou entidade de desenvolvimento; V utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo a obrigao tributria possuir informao contbil diversa daquela que , por lei, fornecida Fazenda Pblica. Pena deteno de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
A fraude conduta ilcita e, tambm, ocorre aps o aparecimento do
fato gerador e define-se como a adulterao de documentos fiscais, as falsas
informaes s autoridades fazendrias e, ainda, ao apontamento de dados
incorretos nos livros fiscais com o fim de evitar o pagamento do tributo devido
ou o pagamento de valor inferior ao, realmente, devido. A lei 8137/90 inclui,
em seu captulo I, seo I, o conceito de fraude fiscal.
18
Conforme leciona Ricardo Lobo Torres13 a fraude tributria no deve ser
confundida com a fraude lei, que forma de eliso abusiva.
Luiz Emydio F. da Rosa Jr. transcreve, em seu Manual de Direito
Financeiro & DireitoTributrio14, os conceitos e lies de Ricardo Lobo Torres15
sobre sonegao e fraude fiscais.
Refere-se, o nobre jurista, sonegao fiscal e fraude fiscal como
definidas pela Lei 8.137/90 que revogou a Lei n 4.729/65. Aproveita, ainda, o
doutrinamento de Hugo Brito Machado16 e o reproduz, enunciando que o
crime de supresso ou reduo de tributo distingue-se do antigo crime de
sonegao fiscal essencialmente por ser um crime material ou de resultado.
S estar consumado se houver a supresso ou a reduo do tributo.
A respeito dos crimes definidos no artigo 2 da Lei 8.137/90,
transcreve, tambm, a lio de Hugo de Brito Machado17 que diz serem eles
formais, ou de mera conduta, vale dizer, restam consumados
independentemente do resultado, mas somente se configuram com a
presena do dolo especfico, por ser elemento do tipo.
Necessria se faz, para uma melhor percepo da diviso utilizada no
tratamento do tema em estudo, um breve esclarecimento sobre as infraes
tributrias.
13 TORRES, op.cit., p. 326. 14 ROSA JNIOR, op.cit.,p.770. 15 TORRES, op. cit., p. 326. 16 MACHADO apud ROSA JNIOR, op. cit.,p. 772. 17 MACHADO apud ROSA JNIOR, op.cit., p. 772/773
19
As infraes tributrias classificam-se naquelas que esto constitudas
como crimes no Cdigo Penal e nas leis de carter penal e, ainda, naquelas
que so, apenas, previstas na legislao tributria.18
Os principais crimes em matria fiscal so o contrabando ou
descaminho, a falsificao da estampilha, a sonegao, a fraude e os crimes
praticados por funcionrios pblicos. Para os fins desse estudo, necessrio
abordar, somente, a sonegao e a fraude, o que j foi cumprido nesse
subitem.
As infraes previstas na legislao tributria de cada imposto e na
legislao civil com conseqncias tributrias, algumas vezes, igualam-se s
definies dos crimes, mas esto includas nas leis fiscais para que
admitam, tambm, a aplicao de penalidades pela prpria Administrao.19
As infraes simples que so entendidas como inadimplncia da
obrigao tributria e as infraes formais que so decorrentes do
descumprimento das obrigaes acessrias ou dos deveres instrumentais no
so identificadas como crimes.20
O prximo tpico pretende examinar duas outras formas de economia
de imposto e, principalmente, as diferenas conceituais entre elas, tendo em
vista serem indispensveis ao entendimento da norma geral antielisiva em
anlise e, ainda, a fim de facilitarem o encadeamento harmnico das idias a
serem abordadas.
18 TORRES,op.cit., p. 325.
20
1. 2. Eliso fiscal e evaso fiscal
As duas figuras sero objeto de exame num mesmo tpico, pois
apresentam aspectos comuns no espao reservado conceituao doutrinria.
Na doutrina brasileira h grandes divergncias conceituais dessas duas
figuras, tornando-se interessantes transcries das concepes de alguns
autores. Antes, porm, convm examinar a significao dos dois vocbulos na
lngua portuguesa. Segundo Aurlio Buarque de Holanda.21 Evaso significa
fugir, desviar, evitar. Eliso, por sua vez, significa eliminar, suprimir. As vises
os doutrinadores pouco se afastam desses significados na lngua.
Rubens Gomes de Souza22 fixa um marco divisrio entre a existncia ou
no do dever tributrio: a ocorrncia do fato gerador. A partir da situao do
ato, se antes ou aps o marco, que se encontram conceituadas e
diferenciadas a eliso e a evaso. Escreve o ilustre jurista que
se os atos praticados desde que, como foi dito, objetivamente lcitos, so anteriores ocorrncia do fato gerador a hiptese de eliso; ao contrrio: b) se os atos praticados, ainda que objetivamente lcitos, so posteriores ocorrncia do fato gerador, a hiptese de evaso; ou seja, o resultado (obtido ou no) de evitar, reduzir ou diferir o imposto, ainda que por atos objetivamente lcitos, ser ilegtimo.
Verifica-se que, em termos de conceitos, para Rubens Gomes de
Souza, a evaso ilcita,enquanto a eliso lcita.
19 Ibidem., p. 327/328. 20 Ibidem., p. 328. 21 FERREIRA, Aurlio Buarque de Holanda. Novo dicionrio da Lngua Portuguesa. 2.ed. Rio de Janeiro; Editora Nova Fronteira, 1986. 22 SOUZA apud MAIDA, Fernando. A eliso fiscal luz dos direitos brasileiro e comparado. Jus Navegandi, Teresina, a.6, n.57, jul.2002. Disponvel em: http://jus2.uol.com.br/doutrina.asp?id=2929. Acesso em 07.set.2005
http://jus2.uol.com.br/doutrina.asp?id=2929
21
Carlos Vaz23divide eliso e evaso tributrias em dois grupos, segundo
as suas espcies. Includos no grupo da eliso tributria que visa a evitar o
aparecimento da obrigao tributria esto: economia do imposto, economia
fiscal, poupana fiscal, eluso, evaso fiscal, evaso legtima, evaso lcita,
evaso strictu sensu, evaso (propriamente dita), negcio fiscalmente menos
oneroso, eliso induzida, permitida ou organizada pela lei, eliso resultante da
lei, transao tributariamente favorecida. No grupo da evaso tributria, esto
as atividades executadas de forma dolosa, ilcita e intencional e que tm como
finalidade ludibriar a fiscalizao tributria no cumprindo com o pagamento da
obrigao tributria.
Ricardo Lobo Torres24, em seu livro Curso de Direito Financeiro e
Tributrio, considera que o contribuinte ao se esquivar da prtica do ato e,
conseqentemente, impedir o aparecimento do fato gerador, estar praticando
a evaso. Exemplifica como uma forma de evaso o caso prtico de algum
deixar de fumar para no pagar o Imposto sobre Produtos Industrializados
(IPI). uma forma, sempre, lcita, porque no caso de no ocorrncia do fato
gerador no pode haver a imposio da norma.
Eliso, segundo o mestre, a economia de imposto atravs da adoo
de forma jurdica do ato no compreendida na descrio feita pela lei. Aqueles
que so partidrios da interpretao lgico-sistemtica e que do prioridade
aos conceitos do direito civil sustentam a licitude da eliso. Os partidrios da
considerao econmica do fato gerador e da autonomia do Direito Tributrio,
que refutavam quaisquer desigualdades entre o contedo econmico e a forma
23 VAZ apud MAIDA, Fernando, op.cit.
22
exterior do negcio jurdico como violao da forma jurdica, consideravam a
eliso como ilcita. Essa tese, hoje, encontra-se em declnio.
Atualmente, o planejamento fiscal, como realizao de economia do
imposto, sem que haja abuso do direito admitido. Ricardo Lobo Torres25 faz
referncia, ainda, figura da eliso ilcita e diz que a eliso ilcita, por
conseguinte, se restringe ao abuso da possibilidade expressiva da letra da lei e
dos conceitos jurdicos abertos ou indeterminados; inicia-se com a
manipulao de formas jurdicas lcitas para culminar na ilicitude nsita ao
abuso de direito (art. 187 do Cdigo Civil de 2002);
Compartilha do pensamento de Ricardo Lobo Torres, o jurista Luiz
Emdio F. da Rosa Jnior26. Para ele, a evaso e a eliso fiscal ocorrem antes
do surgimento do fato gerador e so sempre condutas lcitas. A evaso fiscal
a economia do imposto pela absteno de incidncia, j a eliso fiscal
forma de economia do imposto que acontece quando se faz o do planejamento
tributrio. A eliso ser lcita se no houver, pelo contribuinte, manipulao da
forma jurdica para a prtica do ato prevista em lei, isto , quando no h o
abuso da forma jurdica com o fito de no pagar ou pagar menor tributo. Como
exemplo de conduta ilcita que tipifica a eliso ilcita, tem-se a dao de um
bem imvel, que por ter um imposto mais dispendioso, substituda pela
compra e venda com a finalidade de ocultar o ato e, conseqentemente,
chegar-se a uma reduo do valor do imposto.
24 TORRES, Ricardo Lobo Torres. Curso de Direito Tributrio. 11.ed.. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 244/245. 25 Ibidem., p.245. 26 ROSA JNIOR, op.cit.,p. 774/775.
23
Evandro Paulsen27 parte do planejamento tributrio para conceituar
eliso e evaso fiscal. Considera que se o contribuinte faz o planejamento
tributrio de maneira a evitar a realizao do fato gerador h a eliso,
denominada por ele, tambm, de evaso lcita. Caso realize-se o fato gerador,
aparecendo a obrigao tributria e o contribuinte, de alguma forma,
deixe de pag-la ou tente acobert-la h a evaso.
Cita o autor, em seu livro os ensinamentos de Aliomar Baleeiro28 a
respeito das formas de evaso e que, a seguir, transcrito:
Evaso o nome genrico dado atitude do contribuinte que se nega ao sacrifcio fiscal. Ser lcita ou ilcita. Lcita quando o contribuinte a pratica sem violao da lei. O fumante que deixa de fumar ou passa a preferir cigarro mais barato est no seu direito. O opulento negociante que transforma a sua firma em sociedade annima com aes ao portador e ainda se abstm de distribuir lucros, acumulando-os em reserva, evade-se licitamente de grande parte do imposto de renda, conforme a lei o tolerar. Mas no lcita, por exemplo, a evaso caracterizada pela ocultao de ttulos ao portador, na liquidao de herana, se no pas no h imposto sub-rogatrio daquele tributo (...). Evaso lcita pode ser intencionalmente desejada pelo legislador, quando pretende, atravs do imposto, exercer o poder de polcia ou uma finalidade extrafiscal. Evaso ilcita desafia as penas da lei, quer sejam sanes de nulidade, quer multas e at criminais.(Uma Introduo Cincia das Finanas, 14 edio, 1999, p. 152/153).
O professor Hugo de Brito Machado constata no haver uniformidade
dos termos eliso e evaso, na doutrina, mas que, tanto eliso como evaso,
podem ser usadas em sentido estrito ou em sentido amplo. Neste ltimo,
caracterizariam qualquer forma, tanto lcita como ilcita, de desviar-se do
tributo. Naquele, constituem comportamentos ilcitos, eis que caracterizam
27 PAULSEN, Leandro. Direito Tributrio Constituio e Cdigo Tributrio Luz da Doutrina e da Jurisprudncia. 5.ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 778-779-780. 28 BALEEIRO apud PAULSEN, Leandro, ibid, p.780.
24
fuga do pagamento do tributo. Tanto se pode dizer eliso com o sentido de
eliminar como evaso fiscal com o sentido de fuga.
O mestre mostra sua preferncia, contrria a maior parte dos
doutrinadores, quanto aos significados dos termos, expondo que29
utilizarmos evaso para designar a conduta lcita, e eliso para designar a conduta ilcita. Realmente, elidir eliminar, ou suprimir, o que existe. Assim quem elimina ou suprime um tributo est agindo ilicitamente, na medida em que est eliminando, ou suprimindo a relao tributria j instaurada. Por outro lado, evadir-se fugir, e que foge est evitando, podendo a ao de evitar ser preventiva. Assim, quem evita pode estar agindo licitamente.
Para Hugo de Brito Machado30 o que se deve analisar, na verdade, o
caso concreto, verificando, ento, se houve ou no o fato gerador da obrigao
tributria e qual o seu valor econmico.
A maioria dos doutrinadores considera evaso como procedimento
ilcito e sua ocorrncia se d aps o aparecimento do fato gerador, enquanto
que a eliso perfaz um procedimento lcito com ocorrncia antes do
aparecimento do fato gerador. Entretanto, h nomes como Ricardo Lobo
Torres, Luiz Emydio e Hugo de Brito Machado que, na limitao dos dois
significados, no comungam com as idias da maioria dos doutrinadores.
A seguir, transcrevem-se decises dos tribunais atinentes ao assunto:
TRIBUTRIO E PROCESSUAL CIVIL. PIS. TRIBUTAO REFLEXA. INCENTIVO FISCAL PREVISTO NO DECRETO-LEI 1.892/81. ARRENDAMENTO MERCANTIL. DEDUO DE DESPESA COM AQUISIO DE IMVEL. IRRELEVNCIA DA OCORRNCIA DE CONTRATO DE LEASE BACK.
29 MACHADO, Hugo de Brito. A norma antieliso e outras alteraes no CTN . Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 53, jan. 2002. Disponvel em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2558. Acesso em:
07 set. 2005. 30 Ibidem.
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2558
25
PROVISIONAMENTO PARA O IR. HONORRIOS ADVOCATCIOS. ARBITRAMENTO EQUITATIVO. I.A evaso fiscal distingue-se da eliso fiscal pela manipulao dolosa do fato gerador. Nesta ltima, inocorre fraude, mas economia fiscal. II.Atendidos os requisitos do direito fruio do incentivo fiscal previsto no DL 1.892/81, ilegal a resistncia da autoridade fazendria em reconhec-lo, baseada na ocorrncia de contrato de lease back. III. Comprovado o provisionamento do IR, atravs de prova pericial, afasta-se a argio de violao do art. 189 da Lei das Sociedades Annimas. IV. No merece reviso o arbitramento de honorrios levado a efeito em consonncia com os critrios do art. 20, 3 e 4, do CPC. V. Apelaes e remessa oficial improvidas. A C R D O Decide a 2 Turma Suplementar do TRF da 1 Regio, por unanimidade, negar provimento s apelaes e remessa oficial, nos termos do voto da Sra. Juza Relatora.31
Atravs dessa deciso, verifica-se que para o Supremo Tribunal Federal
a eliso fiscal no considerada como manipulao dolosa do fato gerador e,
na verdade usada como economia fiscal. Diferentemente, da evaso fiscal.
Incide ICMS sobre a entrada de mercadoria importada independentemente da natureza do contrato internacional que motive a importao. Com base nesse entendimento, o Pleno, por maioria, deu provimento a recurso extraordinrio interposto pelo Estado do So Paulo contra acrdo do Tribunal de Justia local que afastara o recolhimento de ICMS, quando do desembarao aduaneiro na importao de equipamento destinado ao ativo fixo de empresa, em operao de arrendamento mercantil (leasing). Afirmou-se que, no obstante constituir a circulao econmica hiptese de incidncia genrica do imposto, a Constituio de 1988 estabeleceu a entrada de mercadoria importada como elemento ftico caracterizador da circulao jurdica da mercadoria ou do bem, sendo irrelevante o negcio jurdico realizado no exterior (CF, art. 155, 2, IX, a). Ressaltou-se que o legislador constituinte assim o fez porque, de outra forma, no seria possvel a tributao do negcio jurdico ensejador da importao por no estar ele ao alcance do
31 BRASIL Supremo Tribunal Federal. Apelao Cvel 1998.01.00.053160-3/MG- Processo na Origem: 9400157380. Relatora: Juza Vera Carla Nelson de Oliveira Cruz -Braslia (DF), 26/02/2002. Site do STF: www.stf.gov.br.
http://www.stf.gov.br/
26
fisco brasileiro. Salientou-se, ainda, que as dificuldades encontradas pelo arrendatrio brasileiro para transferir a posse do bem novamente ao arrendador estrangeiro estariam a indicar que talvez o contrato de arrendamento mercantil realizado no exterior no comporte a precariedade da posse sobre o bem. Alm disso, a Lei 6.099/74, que rege a matria, ao tratar do leasing internacional (art. 17), teria objetivado proteger o mercado interno e evitar a eliso fiscal. Por fim, asseverou-se que o disposto no inciso VIII do art. 3 da Lei Complementar 87/96, que prev a incidncia do ICMS apenas na hiptese do exerccio da opo de compra pelo arrendatrio, s se aplicaria nas operaes internas, eis que a opo de compra constante do contrato internacional no est no mbito da incidncia do ICMS e o arrendador sediado no exterior no dele contribuinte. Vencido o Min. Marco Aurlio que negava provimento ao recurso por considerar que, em razo de no incidir o tributo em questo no caso do contrato de locao, no se poderia admitir essa incidncia por se tratar de instituto em tudo a ele semelhante no arrendamento mercantil sem que haja opo pela aquisio da mercadoria, no sendo cabvel, ademais, fazer distino, para efeito dessa incidncia tributria, entre as operaes internas e externas de leasing.32
Quanto ao desembarao aduaneiro na importao na importao de
equipamento destinado ao ativo fixo de empresa, em operao de
arrendamento mercantil (leasing), o STF decide que Constituio de 1988
estabeleceu a entrada de mercadoria importada como elemento ftico
caracterizador da circulao jurdica da mercadoria ou do bem, sendo
irrelevante o negcio jurdico realizado no exterior (CF, art. 155, 2, IX, a).
Faz referncia, ainda Lei 6099/74 que em seu artigo 1733 tem como fim a
proteo do mercado interno, evitando a eliso fiscal.
32 BRASIL. Informativo do Supremo Tribunal Federal n. 399. Recurso Extraordinrio 206069/SP. Rel. Min. Ellen Gracie, Braslia, 1/9/2005. Site do STF: www.stf.gov.br. 33 BRASIL. Lei 6.099, de 12-9-1974 . Dispe sobre o tratamento tributrio das operaes de arrendamento mercantil e d outras providncias. Cdigo Tributrio Nacional, op. cit., p.209.
http://gemini.stf.gov.br/cgi-bin/nph-brs?d=INFO&s1=elis%E3o+e+fiscal&u=http://www.stf.gov.br/noticias/informativos/default.asp&Sect1=IMAGE&Sect2=THESOFF&Sect3=PLURON&Sect6=INFON&p=1&r=1&f=G&l=20#h0#h0http://gemini.stf.gov.br/cgi-bin/nph-brs?d=INFO&s1=elis%E3o+e+fiscal&u=http://www.stf.gov.br/noticias/informativos/default.asp&Sect1=IMAGE&Sect2=THESOFF&Sect3=PLURON&Sect6=INFON&p=1&r=1&f=G&l=20#h2#h2http://www.stf.gov.br/
27
CAPTULO II
TIPOS E CONCEITOS RELATIVOS NORMA GERAL ANTIELISIVA
Convm estabelecer dois aspectos importantes antes de tocar nas
figuras a serem analisadas neste tpico. A causa do negcio jurdico que a
finalidade econmica, no mundo real, visada pela lei que faz surgir no cenrio
jurdico um determinado negcio. Essa causa objetiva, pois a lei define para
cada figura um esboo diferente, como o negcio jurdico da compra e venda,
da locao e outros. O outro aspecto a ser estabelecido o motivo que tem
caractersticas subjetivas. Cada um dos envolvidos nos negcio jurdico
utilizar a norma como satisfao de necessidades individuais. Como
exemplo, tem-se que a compra e venda de um imvel, dentro dos parmetros
ditados em lei, a causa. O motivo, nesse caso, poderia ser, por uma das
partes, a vontade de adquirir um determinado imvel e de outra parte a
necessidade de se obter dinheiro para se sanar alguma necessidade.34
Tendo como modelo o negcio jurdico simulado, a causa, como
exemplo a compra e venda em que a troca do preo pela coisa, uma , e o
motivo, que na verdade no se est querendo chegar a finalidade que a sua
causa, outro. A simulao cria uma aparncia desejada pelas partes
objetivando apenas cri-la sem, contudo, querer-se esconder o que realmente
34 ALVES, Jos Carlos Moreira Alves. Figuras correlatas: abuso de forma, abuso de direito, dolo, negcios jurdicos simulados, fraude lei, negcio indireto e dissimulao. In: Seminrio Internacional sobre Eliso Fiscal (2001: Braslia). Anais do Seminrio Internacional sobre Eliso Fiscal, realizado pela Escola de Administrao Fazendria - ESAF, em Braslia, no perodo de 06 a 08 de agosto de 2001 -Braslia: ESAF, 2002. p. 61-71.
28
se almeja, ou, cria-se a aparncia, para ocultar o que realmente se deseja.
Com base nessas duas alternativas que se pode dizer que a simulao
absoluta ou relativa.35
2.1. Simulao fiscal
A simulao proveniente de pacto entre duas pessoas com o intento
de iludir terceiros e que se manifesta com o desacordo entre a vontade real e a
declarao dessa vontade, ou seja, a vontade declarada. Para a sua
configurao essencial a presena da inteno de se produzir divergncia
entre a vontade e a declarao, o pacto simulatrio e o objetivo de enganar
terceiros.
O Cdigo Civil brasileiro, no pargrafo primeiro do artigo 16736, indica
trs tipos que caracterizam a simulao, conforme se transcreve:
Art. 167. nulo o negcio jurdico simulado,mas subsistir o que se dissimulou, se vlido for na substncia e na forma. 1 Haver simulao nos negcios jurdicos quando: I aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas s quais realmente se conferem, ou transmitem; II contiverem declarao, confisso,condio ou clusula no verdadeira; III os instrumentos particulares forem antedatados, ou ps-datadados.
As duas espcies de simulao so a absoluta e a relativa. Na
simulao absoluta exterioriza-se uma vontade em celebrar um negcio
jurdico, mas, concretamente, no se deseja realizar negcio jurdico nenhum.
35 Ibidem., p.65. 36 BRASIL. Cdigo Civil de 2002. BRASIL. Cdigo civil. TAPAI, Giselle de Melo Braga (coord.), 8.ed. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 152.
29
Como exemplos, podem ser citados: obteno de emprstimo aparente para
aumentar de forma postia o passivo de uma empresa; a dao em
pagamento com bens prprios para cumprir dvida fictcia; a constituio de
usufruto aparente e a celebrao de hipoteca aparente em prejuzo de
credores quirografrios. Nesses negcios jurdicos alardeados no h nenhum
outro negcio oculto que, realmente, corresponda s vontades das partes.
Existe, na simulao absoluta, apenas o negcio simulado 37
No caso, por exemplo, de na iminncia de uma revoluo em que exista
a possibilidade de confisco de bens dos que so contra ela, celebra-se um
contrato de compra e venda com uma pessoa no envolvida e que no corra o
risco de ter seus bens confiscados. A aparncia foi criada, sem, no entanto,
ter sido ocultado, sombra dela, o negcio jurdico que era almejado. Esse ,
tambm, um caso de simulao absoluta.38
Na simulao relativa h um negcio jurdico que se manifesta por um
efeito real. Existe um contrato, um negcio jurdico, mas com o fim de enganar
terceiros, escondido atravs de um outro contrato aparente que, difere-se do
primeiro pela natureza ou pelas clusulas e condies. Como exemplos, pode-
se mencionar a doao disfarada de emprstimo, com simultnea renncia do
credor; o emprstimo para ocultar remunerao de servios; a venda para
ocultar a doao e o depsito com obrigao de entrega a terceiro para ocultar
doao. Existem, na simulao relativa, dois negcios. O negcio simulado
que corresponde com a vontade disfarada declarada e o negcio ocultado por
37 XAVIER, Alberto. Tipicidade da tributao, simulao e norma antielisiva. So Paulo: Dialtica,2002, p.56. 38 ALVES, op.cit.,p. 66.
30
aquele que o negcio dissimulado. Este, sim, corresponde vontade real
dos contratantes.39
No caso, por exemplo, em que o marido que no pode doar sua
concubina, simula negcio jurdico de compra e venda, e no recebe o valor
referente a ele. Essa compra e venda, na realidade, oculta uma doao. Essa
a simulao relativa. Tem-se um negcio jurdico simulado que cria a
aparncia e tem-se um negcio jurdico dissimulado, que o oculto pelo
negcio jurdico simulado e que realmente o desejado.40
O fenmeno ilusrio da simulao fiscal, aquela que acontece quando o
fim o de enganar o fisco como terceiro na operao, recai sobre os
elementos da obrigao tributria, isto , incide sobre o fato gerador, a base de
clculo ou sobre o sujeito passivo.41
No que respeita ao fato gerador tem-se a simulao relativa, eis que a
vontade das partes , realmente, a realizao de negcio jurdico descrito na
lei como fato que forma a obrigao tributria, entretanto, os contraentes o
ocultam sob um negcio jurdico aparente que no se coaduna vontade
real e que tem natureza diversa do negcio tipificado na lei como fato
gerador.42
39 Ibidem., p. 67. 40 Ibidem.,p. 68. 41 XAVIER, Alberto, op.cit.,p. 57. 42 Ibidem., p. 57.
31
A simulao quanto base de clculo pode ser tanto relativa quanto
absoluta e tem em vista a reduo ou a anulao do valor correspondente
obrigao tributria.43
Como exemplo de simulao relativa concernente base de clculo
citam-se as situaes nas quais aqueles que simulam exibem preo menor ao
que realmente pretendem e que ser, efetivamente, pago por meios ocultos. A
escritura de compra e venda de imvel com preo pago superior ao que consta
no documento um modelo dessa simulao relativa.44
A simulao absoluta quanto base de clculo da realizao de
negcio aparente com o fito de reduzir ou, at mesmo, tornar neutra a base de
clculo do tributo. criada uma obrigao aparente que no oculta nenhuma
operao real. A simulao de um contrato de prestao de servios, que, na
verdade, nunca foi realizado, para produzir deduo de despesa no imposto de
renda.45
Pode ocorrer, quanto aos elementos da obrigao tributria, a simulao
relativa por interposio falsa de pessoas, como por exemplo, as operaes
realizadas com empresas controladas ou coligadas so submetidas pela lei a
uma maior tributao do que a realizada com empresas independentes. Os
contratantes, nesse caso, aparentaro contrato com terceiro no vinculado e,
vias escusas, deslocaro os efeitos jurdicos e econmicos da operao para
as empresas controladas ou coligadas.46
A seguir, algumas decises sobre a matria:
43 Ibidem., p. 58. 44 Ibidem., p. 58. 45 Ibidem., p. 58. 46 Ibidem., p. 59.
32
Texto da Deciso: Por maioria de votos, DAR provimento PARCIAL ao recurso, para excluir da tributao a parcela de R$.... Vencidos os Conselheiros Valmir Sandri (Relator), Sebastio Rodrigues Cabral e Orlando Jos Gonalves Bueno que tambm reduziam o percentual da multa de ofcio para 75% e o Conselheiro Mrio Junqueira Franco Jnior que negou provimento ao recurso. Designado para redigir o voto vencedor o Conselheiro Caio Marcos Cndido. Ementa: DESCONSIDERAO DE ATO JURDICO Devidamente demonstrado nos autos que os atos negociais praticados deram-se em direo contrria a norma legal, com o intuito doloso de excluir ou modificar as caractersticas essenciais do fato gerador da obrigao tributria (art. 149 do CTN), cabvel a desconsiderao do suposto negcio jurdico realizado e a exigncia do tributo incidente sobre a real operao. SIMULAO/DISSIMULAO Configura-se como simulao, o comportamento do contribuinte em que se detecta uma inadequao ou inequivalncia entre a forma jurdica sob a qual o negcio se apresenta e a substncia ou natureza do fato gerador efetivamente realizado, ou seja, d-se pela discrepncia entre a vontade querida pelo agente e o ato por ele praticado para exteriorizao dessa vontade, ao passo que a dissimulao contm em seu bojo um disfarce, no qual se encontra escondida uma operao em que o fato revelado no guarda correspondncia com a efetiva realidade, ou melhor, dissimular encobrir o que . IRPJ GANHO DE CAPITAL Considera-se ganho de capital a diferena positiva entre o valor pelo qual o bem ou direito houver sido alienado ou baixado e o seu valor contbil, diminudo, se for o caso, da depreciao, amortizao ou exausto acumulada. MULTA AGRAVADA Presente o evidente intuito de fraude, cabvel o agravamento da multa de ofcio prevista no inciso II, art. 44, da lei n 9.430/96. LANAMENTOS DECORRENTES CSLL - A soluo dada ao litgio principal, relativo ao Imposto de Renda Pessoa Jurdica aplica-se, no que couber, ao lanamento decorrente, quando no houver fatos ou argumentos novos a ensejar concluso diversa. Recurso provido parcialmente. Resultado: DPPM - DAR PROVIMENTO PARCIAL POR MAIORIA.47
. 47 BRASIL. Primeiro Conselho de Contribuintes do Ministrio da Fazenda Cmara: Primeira Cmara.Nmero do Processo: 10935.001212/2003-78 Tipo do Recurso: VOLUNTRIO Matria: IRPJ E OUTRO Recorrente: Pedro Muffato & Cia. Ltda. Recorrida/Interessado: 2. Turma/DRJ-Curitiba/PR. 11/11/2004 01:00:00 Relator: Valmir Sandri Deciso: Acrdo 101-94771
33
2.2. Fraude lei
A interpretao da lei nos leva a dois aspectos: a verba legis que a
palavra da lei e a mens legis que o esprito da lei, isto , aquilo que a letra da
lei quer revelar. Na interpretao da lei, em primeiro lugar, estuda-se as
palavras da lei e, em segundo, o esprito da lei.48
A fraude da norma jurdica se d quando se observa a sua letra, mas
com a finalidade de se chegar a uma finalidade oposta ao esprito dessa
norma. O ato dito contra legem quando contraia as palavras e o esprito da
lei. Quando, entretanto, ofende apenas o esprito da lei, conservando a sua
letra, o ato de fraude lei.49
Como exemplo, a Constituio Imperial do Imperador Constantino,
estipulando que doaes efetuadas em valor superior a 500 slidos
necessitariam serem celebradas por ato escrito e registradas em arquivo
pblico. Para escapar dessa norma, os contribuintes ao invs de doarem, para
a mesma pessoa, 500 slidos, atravs de uma doao, celebravam seis
doaes, cada uma, de 100 slidos. As palavras da lei eram, absolutamente,
observadas, mas no o esprito da lei que consistia na observao de celebrar
o ato por escrito e de seu registro em arquivo pblico para toda doao que
excedesse o limite de 500 slidos.50
Outro exemplo elucidativo o de uma reunio de vrios atos quando
um funcionrio pblico que no possa comprar em leilo um bem pblico e
48 ALVES, op.cit., p. 61-71. 49 Ibidem., p. 61-71. 50
Ibidem., p. 61-71.
34
uma outra pessoa faz a compra em seu lugar para, aps, revender o bem para
o funcionrio pblico. A verba legis foi observada, entretanto, a mens legis foi
ferida.51
Na fraude lei h identidade entre a vontade e a manifestao do
negcio jurdico desejado, diferente do que acontece na simulao.
Doutrinariamente, quanto aos elementos da fraude lei, de um lado h
a considerao de que a fraude lei sempre objetiva sendo suficiente
apenas a violao indireta para que ela ocorra. Por outro lado, considera-se a
fraude lei como sendo subjetiva e decorrente da inteno de fraudar a lei,
isto , advm do interesse particular, pessoal, de frustrar a lei.
Na fraude lei h identidade entre a vontade e a manifestao do
negcio jurdico desejado, diferente do que acontece na simulao.52
A figura da fraude lei tributria regulada na Lei Tributria Geral da
Espanha em seu artigo 24 funda-se na atitude do contribuinte de fugir da
configurao do fato gerador para chegar aos mesmos resultados
econmicos, sofrendo, entretanto, uma menor ou nenhuma presso fiscal.
Utiliza-se, o contribuinte, de atos ou negcios jurdicos de forma astuciosa e
desvirtuada e em clara distoro jurdica com o esprito da lei que os
caracteriza.53
A fraude lei tributria, para Marciano Seabra de Godoi54,
ocorre quando atos ou negcios jurdicos tenham sido realizados com o propsito de iludir o pagamento do tributo
51 Ibidem., p. 61-71. 52
Ibidem., p. 61-71. 53 Ibidem., p.61-71. 54 GODOI, Marciano Seabra de. A figura da fraude lei tributria prevista no art. 116, pargrafo nico do CTN. Dialtica. Revista Dialtica do Direito Tributrio, So Paulo, maio-2001, n.68, p. 104.
35
atravs da utilizao do texto de normas (geralmente de direito mercantil, civil ou societrio) ditadas com distinta finalidade, sempre que produzam um resultado equivalente ao derivado da hiptese de incidncia mencionada na lei impositiva.
Maria Helena Diniz 55 conceitua fraude lei como sendo
o ato de burlar o comando legal usando de procedimento aparentemente lcito. Caracteriza-se pela prtica de ato no proibido, em que uma situao ftica alterada parta escapar incidncia normativa, livrando-se, assim, de seus efeitos. Por exemplo, venda de bens a descendentes, sem anuncia dos demais descendentes, levada a efeito por meio de interposta pessoa, que, depois, passa o bem quele descendente. Atinge-se, assim, por via oblqua, o objetivo pretendido, mediante violao disfarada lei.
Conforme Ricardo Lobo Torres56 um exemplo clssico de fraude lei
mostrado pelo direito Alemo. Com a finalidade de vender o bem, o indivduo
faz contrato de locao de tal forma que no prazo previsto os aluguis
chegariam a valor aproximado ao da venda submetido, entretanto, a um
imposto menor. Ao adquirente era garantida a preferncia para a aquisio do
bem por preo determinado ao fim do contrato. O ato praticado era lcito, mas
foi utilizada uma norma que no lhe era apropriada. Nesse caso, h
divergncia entre a intentio facti e a intentio juris.
55 DINIZ, apud, SOUZA,Edino Cezar Franzio de. A Fraude Lei no Direito Tributrio Brasileiro. FISCOSoft. Artigo Federal 2003/0488. Disponvel em:http:// www.fiscosoft.com.br. Acesso em: out.2005. 56 TORRES, Ricardo Lobo. Normas Gerais Antielisivas. Seminrio Internacional sobre Eliso Fiscal (2001: Braslia). Anais do Seminrio Internacional sobre Eliso Fiscal, realizado pela Escola de Administrao Fazendria - ESAF, em Braslia, no perodo de 06 a 08 de agosto de 2001 -Braslia: ESAF, 2002, p.398.
http://www.fiscosoft.com.br/
36
O abuso de forma jurdica bem retratado nocaso Grendente decidido
pelo antigo Tribunal Federal de Recursos57, a seguir, transcrita:
Legitimidade da atuao do Fisco, em face dos elementos constantes dos autos. Constitudas foram, no mesmo dia, de uma s vez, pelas mesmas pessoas fsicas, todas scias da autora, 8 (oito) sociedades com o objetivo de explorar comercialmente, no atacado e no varejo, calados e outros produtos manufaturados em plstico, no mercado interno e no internacional. Tais sociedades, em decorrncia de suas caractersticas e pequeno porte, estavam enquadradas no regime tributrio de apurao e resultados com base no lucro presumido, quando sua fornecedora nica a autora, pagava o tributo de conformidade com o lucro real. Reconhece-se recorrente, apenas, o direito de compensao do Imposto de Renda pago pela aludidas empresas. Reforma parcial da sentena.
2.3. Doutrinas da prevalncia da substncia sobre a forma e da inteno negocial
Do ponto de vista do direito tributrio, as discusses quanto a
qualificao jurdica dos contratos e o comportamento do contribuinte podem
ser analisados sob o enfoque das doutrinas da prevalncia da substncia
sobre a forma e da inteno negocial nas transaes para que estas produzam
efeitos fiscais.
Essas doutrinas provm dos Estados Unidos, principalmente, da deciso
de um caso concreto ( Gregory v. Helvering, 7.1.1935) como uma alternativa
aplicao analgica da lei, proibida, tradicionalmente, nos Estados Unidos. 58
57 Apelao Civel no 115.478-RS, Ac. da 6a Turma do Tribunal Federal de Recursos, de 18.2.87, Rel. Min. AmricoLuz, Revista do Tribunal Federal de Recursos 146: 217, 1987. 58 ROLIM, Joo Dcio. Normas Antielisivas Tributrias. So Paulo: Dialtica, 2001, p. 142.
37
No caso concreto, o contribuinte adotava uma reorganizao societria
que nada mais representava do que um disfarce para esconder a realidade de
suas caractersticas. Consistia num plano premeditado para transferir parte de
aes de uma empresa ao contribuinte sem que houvesse a incidncia de
imposto. Para tal, foi criada, artificialmente, um outra empresa que, logo aps
a realizao do plano, deixou de existir.59
A Suprema Corte entendeu que houve, na realidade, um planejamento
contrrio justia no sentido de transmitir disfaradamente uma nova
organizao da sociedade. No haveria, portanto, como se manter a forma
artificial e contrria substncia dos fatos ocorridos, mesmo tendo sido, a
transao, conduzida de acordo com os termos formais da lei, eis que
totalmente discordante das intenes da lei.60
Joo Dcio Rolim cita a observao do Professor Richard Crawford
Pugh61, da Universidade de Colmbia que declara a existncia de direito e
obrigaes decorrentes de acordos formais das partes relevante, mas no
decisiva para a caracterizao das transaes do ponto de vista tributrio.62
Sobre a prevalncia da substncia sobre a forma, continua Joo Dcio
Rolim63:
as questes de fato e de direito so bastante controvertidas, inclusive quanto competncia dos rgos administrativos e judiciais para distingui-las e apreci-las juridicamente. A questo da real natureza da transao praticada pelo contribuinte uma questo de fato, com relao qual a distino entre substncia e forma tem relevncia especial, uma vez que a sua natureza somente pode ser determinada
59 Ibidem., p.143 60 Ibidem., p.143. 61
PUGH apud ROLIM, Joo Dcio, ibidem., p. 143. 62 Ibidem., p. 143. 63 Ibidem., p. 144.
38
atravs da anlise das realidades econmicas, comerciais e legais subjacentes forma pela qual ela foi realizada. Assim, na deciso da Suprema Corte no caso Gregory v. Helvering, dever-se-ia analisar a questo-somente da interpretao da lei, dando-se prevalncia ao critrio da vontade do legislador no sentido de compreender a operao de reestruturao societria nela prevista com contedo realmente econmico, com objetivos negociais. Portanto, no seria aplicvel situao de fato comprovada quanto inexistncia daqueles objetivos, uma vez que o contribuiente liquidou a companhia trs dias aps a sua constituio, representando tal fato um forte indcio ou uma presuno razovel de que no houve uma reestruturao negocial de acordo com o objetivo da lei, presuno contra a qual no houve prova em contrrio. Assim, evita-se formalmente aplicar a lei elidida (tributao de dividendos) por analogia aos fatos praticados (reorganizao societria), dizendo-se que os fatos realmente na sua substncia so outros que no aqueles praticados formalmente.
Continua, ainda, em matria de prevalncia a substncia sobre a forma,
a questo surge tanto no processo de interpretao da lei em relao aos fatos envolvidos no caso quanto na prpria verificao dos fatos para concluir quais deles so relevantes ao objetivo da lei, bem como o peso de cada um deles. Assim, o intrprete e aplicador da lei poder dizer se os fatos se enquadram ou no no regime jurdico de determinada lei. A lei poder ser interpretada de maneira estrita de acordo com sua forma literal ou lhe poder ser dado um sentido mais abrangente ou mais restrito de acordo com a substncia da realidade econmica subjacente ao termo empregado pela lei. Igualmente quanto aos fatos, estes podero ser considerados estritamente de acordo com a forma da transao adotada pelo contribuinte ou ser considerados de maneira mais abrangente ou mais restrita de acordo com a substncia econmica subjacente s aes ou intenes do contribuinte.64
No julgamento do caso Gregory v. Helvering, j citado, no qual a
Suprema Corte dos Estados Unidos admitiu o direito do contribuinte de
planejar seus negcios de maneira que o custo tributrio fosse o menor
possvel sem que houvesse qualquer obrigao de sua parte em escolher
64 Ibidem., p.144.
39
modelo que melhor beneficiasse o fisco, foi introduzida a regra da inteno
negocial (business purpose) no Direito norte-americano. Segundo esta regra
essa escolha por parte do contribuinte somente era permitida entre transaes
que tivessem um propsito negocial ou econmico. Dentre estas, era ldima a
escolha da mais eficaz no enfoque fiscal. Faz-se, dessa forma, uma distino
entre negcios que tm legtimo objetivo comercial e aqueles que so
construdos de forma fingida, com o principal fim de elidir a imposio de
tributos.65
A ttulo de esclarecimentos e ilustrao, transcreve-se consideraes do
professor Joo Dcio Rolim66 e partes da deciso no caso Gregory v.
Helvering da Suprema Corte do Estados Unidos:
Entretanto, no caso concreto agora analisado, o contribuinte procurou utilizar uma reorganizao societria, de maneira a extrair aes detidas por sua subsidiria integral para que esta as restitusse a ele sem pagar o imposto sobre dividendos, mas apenas sobre eventual ganho de capital. O contribuinte detinha todas as aes de uma companhia A (subsidiria integral), a qual por sua vez possua mil aes da companhia B. O objetivo do contribuinte era possuir diretamente as mil aes da empresa B pessoalmente ao custo tributrio referente somente ao ganho de capital, e no com o nus maior relativo ao imposto que seria aplicvel na hiptese da distribuio das aes como dividendo pela empresa A. Uma nova empresa C foi constituda com as mil aes de B, ficando o contribuinte titular da totalidade das aes daquela nova empresa C. Esta, por sua vez, foi dissolvida, e sua liquidao realizou-se atravs da distribuio (restituio do capital) de todos os seus ativos (as mil aes de B) ao contribuinte, que pagou um imposto menor sobre o ganho de capital realizado nesta liquidao. Assim, realizou-se o objetivo de tirar proveito de uma regra prevista na lei sobre reorganizao societria que permitia a distribuio por uma empresa (A, no exemplo) ao seu acionista (contribuinte) de aes de uma outra empresa (C, no exemplo),
65 Ibidem., p.157. 66 Ibidem., p.159/160.
40
como parte de uma reorganizao empresarial sem a incidncia do imposto sobre o ganha ou lucro obtido. Nas operaes de incorporaes ou fuses de empresas, as aes das empresas existentes antes dessas operaes de reorganizao societria so convertidas em aes da nova empresa, e os ganhos eventualmente apurados nesta transao no so geralmente tributados nem com relao s companhias existentes anteriormente, nem com relao aos seus acionistas. Na verdade, h um diferimento do imposto para o momento da efetiva realizao do ganho nas mos do acionista. No caso analisado, uma nova e vlida empresa havia sido criada, mas apenas para transferir as aes detidas pela empresa subsidiria para as mos do contribuinte, sem fazer parte de uma reorganizao sequer parcial do negcio empresarial, tanto que atingido o objetivo fiscal a nova empresa deixou de operar (trs dias aps a sua criao). Assim, a separao de ativos seria livre de impostos e a subseqente liquidao da segunda companhia geraria ganhos de capital nas mos do acionista que tinha recebido a distribuio de aes. O resultado da transao, entretanto, foi o mesmo de uma simples distribuio de dividendos, e o fisco procurou tribut-la desta maneira. O fisco argiu que a criao da empresa C tinha sido sem substncia e tinha de ser desconsiderada, implicando a distribuio das mil aes de B, uma distribuio de dividendos direta de A para o contribuinte. A transao, portanto, sem um contedo econmico real seno unicamente reduzir a tributao, estava fora da inteno clara do legislador sobre as operaes de reorganizao societria, e decidir o contrrio seria exaltar artifcio sobre a realidade e privar a disposio legal em questo de todo objetivo srio.
Conforme se depreende da deciso da Suprema Corte do Estados
Unidos no foram invalidados os direitos do contribuinte em reduzir ou evitar o
valor de impostos a serem pagos por meios lcitos. O cerne da questo a
determinao se o que foi realizado estava de acordo com o que a lei queria,
no importando o motivo fiscal subjetivo.67
A vontade da lei e a sua finalidade determinam a licitude ou no licitude
nos casos de eliso fiscal e, no, a inteno subjetiva do contribuinte, mas a
67 Ibidem, p.161.
41
exigncia interpretada no sentido de que foi a vontade do legislador a sua
aplicao apenas a casos em que ocorresse uma transao com objetivos
realmente econmicos e no a exclusiva economia de tributos, termina por se
apresentar como a prpria inteno do contribuinte. Dessa forma, possvel a
escolha legtima entre as opes e forma jurdicas, entretanto, em todas elas
deve estar contido a inteno negocial substancial do ponto de vista da
inteno do legislador.68
68 Ibidem., p.161.
42
CAPTULO III
O ARTIGO 116, PARGRAFO PRIMEIRO DO CTN, ANALISADO SOB AS PERSPECTIVAS
CONSTITUCIONAL E DE APLICAO DOS PRINCPIOS
No ordenamento brasileiro, em harmonizao com o direito comparado,
surge a norma antielisiva que tem por fim o combate ao dficit fiscal. Existe,
contudo um conflito entre a norma e os princpios constitucionais, aparecendo
de um lado, a legalidade tributria fechada e de outro, a capacidade
contributiva.69
Os princpios, como do conhecimento de todos, tm um carter
funcional. Reside essa funcionalidade nas suas funes de fundamentar,
interpretar e suplementar as fontes do direito. Pode-se, ainda, atribuir-lhes a
funo limitativa. As normas do sistema jurdico englobam as regras e os
princpios. As normas so impostas de maneira radical, ou , ou no . Os
princpios, alm de atuarem normativamente, so, ainda, utilizados, de forma
conveniente, na soluo de determinados problemas legais, mas no chegam
a estabelecer uma soluo particular.70 Conforme observao do professor
Ricardo Lobo Torres71, como enunciados genricos que so, esto a meio
passo entre os valores e as normas na escala da concretizao do Direito e
com eles no se confundem. O carter normativo dos princpios, cada vez
mais preeminente pela sua introduo em texto constitucional, revela uma
69 ESTRELLA, Andr Luiz Carvalho. A norma antieliso e seus efeitos. Art. 116, pargrafo nico, do
CTN. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 52, nov. 2001. Disponvel em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto. Acesso em: 28.out.2005. p. 2. 70 Ibidem., p. 2. 71 TORRES apud ESTRELLA, ibid., p. 3.
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto
43
eficcia vinculativa e obrigatria sobre comportamentos pblicos ou
privados e, ainda, sobre a interpretao e a aplicao de outras normas.72
3.1. Legalidade Tributria Tipicidade fechada
O princpio constitucional da legalidade tributria e tipicidade fechada
discutido por duas correntes. A corrente positivista que protege a reserva
absoluta da lei formal na definio abstrata de todos os elementos necessrios
ao aparecimento do tributo e que se encontra diretamente em relao ao
princpio da segurana jurdica. Deve estar expresso na lei todos os elementos
necessrios deciso no caso concreto, de maneira que se possa, sem
dvidas, decidir imediatamente. Todos os elementos, como critrios na
identificao do sujeito passivo, valor do montante apurado, penalidades
pertinentes e hipteses de incidncias, devem estar caracterizados na lei.
administrao tributria no dada a opo para uma interpretao extensiva
e, nem tampouco, do uso da analogia. O legislador, ao formular a lei, deve
definir restrita e completamente todas as situaes necessrias em que se
estampar o fato gerador da obrigao tributria e, ainda, os critrios de
quantificao do tributo. A rigidez dos ps-positivistas que tm como corolrios
o princpio da seleo (no descrio de tributo com a utilizao de conceito ou
clusula geral que abranja todo o quadro das situaes tributveis), o princpio
do numerus clausus (uma especificao maior do princpio da seleo e
esclarece atravs das formas exemplificativa, taxativa e delimitativa), o
72 Ibidem., p. 3.
44
princpio do exclusivismo (conformidade das situaes jurdicas aos tipos
legais tributrios , alm de absolutamente necessria, suficiente tributao)
e o princpio da determinao ou da tipicidade fechada (elementos do tipo
devem ser precisos e determinados na sua formulao geral de forma que o
rgo aplicador no possa usar critrios subjetivos de apreciao quando de
sua aplicao ao caso concreto).73.
luz do ps-positivismo, ligado hegemonia axiolgico-normativa dos
princpios, ergue-se outra corrente que estampa seu pensamento no sentido
de que o princpio da legalidade no fechado e absoluto, tendo em vista a
complexidade da caracterizao de todos os tipos tributrios pela lei. H, no
esprito dessa corrente, a ao de impedir o fechamento total dos conceitos
tributrios, com o uso de clusulas gerais e de princpios indeterminados.
Amplia-se, dessa forma, o alcance e a acepo do princpio da legalidade,
abrindo-lhe o campo de interpretao e permitindo a sua complementao
judicial. Permite-se, aqui, a interpretao econmica, inteno negocial,
prevalncia da substncia sobre a forma 74 .
Em face de essa leve abordagem a respeito do princpio da legalidade-
tributao fechada, verifica-se a constncia dessas duas correntes quanto aos
seus posicionamentos relativos norma geral antielisiva introduzida pela Lei
Complementar n 104/2001, como adiante se verificar.
73 XAVIER, op.cit., p. 18/19. 74 ESTRELLA, op.cit.,p. 4.
45
3.2. Capacidade contributiva
O princpio da capacidade contributiva tem como alicerce a idia de que
cada contribuinte deve concorrer, de acordo com a sua possibilidade
econmica, para o custeio das despesas do estado como um todo. O nus
tributrio deve ser distribudo com igualdade, adaptado capacidade
econmica de cada um, na medida em que se desigualam, garantindo, assim,
a justia e a razoabilidade da incidncia da norma tributria. Dessa forma,
possibilita-se a aplicao da justia distributiva que demarcada pelo juzo de
igualdade.75
Alm da capacidade contributiva, outros princpios so usados
na operao da tributao. So eles: o princpio da progressividade instrui que
quanto maior a base de clculo maior a alquota; o princpio da
proporcionalidade que mantm o valor da alquota, variando a base de clculo;
o princpio da personalizao, previsto no artigo 145 da CRFB76 , submetido s
condies individuais do contribuinte; o princpio da seletividade informa que o
tributo incide na razo inversa da essencialidade do tributo e o princpio da
neutralidade ensina que a incidncia dos tributos para carrear recursos ao
errio no deve gerar distores na formao de preos privados77.
O princpio da capacidade contributiva dirigido ao poder que tem a
funo de legislar. O Poder Legislativo elabora as normas tributrias e est
75 Ibidem., p. 4. 76 BRASIL, Constituio da Repblica Federativa do Brasil, Braslia, DF: Senado Federal, 1988. 34. ed. So Paulo: Saraiva, 2004, p. 97. 77 ESTRELLA, op.cit., p. 5.
46
habilitado a concretizar a justia fiscal, isto , graduar na regra de incidncia o
ndice de capacidade contributiva de cada indivduo.78
A anlise isolada do princpio da capacidade contributiva daria poder
Administrao Tributria de fazer incidir tributo em toda e qualquer capacidade
econmica exteriorizada pelo contribuinte, mesmo que a hiptese de incidncia
no esteja fixada na norma tributria. Entretanto, o artigo 145, pargrafo 1, da
CRFB79 garante os direitos individuais do contribuinte e limita o poder de
tributar, impondo um limite objetivo e um limite subjetivo. Aquele autoriza o
exerccio positivo dos direitos fundamentais pelo cidado e este envolve a
exigncia de omisses do poder pblico visando a impedir agresses que
lesem o cidado. Tem-se, de um lado, a capacidade contributiva, a igualdade,
a justia fiscal e de outro, a legalidade, a irretroatividade, a anterioridade, a
liberdade da iniciativa privada.80
O artigo 170 e o artigo 1, inciso IV da CRFB81 pregam que a ordem
econmica baseada na livre iniciativa, observando-se dos princpios da
propriedade privada e da livre concorrncia, entre outros.
A economia brasileira, com base no texto constitucional, adota o
modelo de produo capitalista e, conseqentemente, assegura ao cidado a
liberdade de escolha e constituio de sua atividade, observadas as
limitaes legais e constitucionais, que impem iguais oportunidades de
acesso ao trabalho e a leal disputa dentro do mercado.82
78 Ibidem., p. 5. 79 BRASIL, op.cit., p. 97. 80 ESTRELLA, op.cit., p. 5. 81 BRASIL, op.cit., p. 4-116. 82 ESTRELLA, op.cit., p. 6
47
Na avaliao da constitucionalidade da norma geral antielisiva e vista
do que oferece o disposto no artigo 3, inciso I, da CRFB83, no sentido de se
construir uma sociedade livre, justa e solidria, nasce um conflito quanto
aplicao da norma. Uma faco que tem como escopo a legalidade tributria
e a liberdade privada apoiadas na importncia da segurana jurdica e que
defende o patrimnio do contribuinte das investidas da Administrao
Tributria, e outra faco que tem a pedra fundamental da capacidade
contributiva, baseada na valorizao da justia e que autoriza a Administrao
Tributria a identificar o patrimnio, os rendimentos e as atividades
econmicas do contribuinte, conforme prescreve o artigo 145, pargrafo 1
da CRFB84.
3.3. Princpio da unidade da ordem jurdica
A convivncia entre as normas da ordem jurdica deve estar em
equilbrio, mesmo havendo conflitos entre elas. O princpio da unidade da
ordem jurdica que funciona como comunicante entre as normas a base da
interpretao e inicia-se no sistema constitucional refletindo seus efeitos sobre
toda as normas infraconstitucionais, inclusive a norma antielisiva85.
Esse princpio faz com que o intrprete da norma considere a
Constituio na sua globalidade e concilie os espaos de incertezas existentes
entre as normas constitucionais. Sem negar completamente a eficincia de
83 BRASIL, op. cit., p. 4. 84 Ibidem., p. 97. 85 ESTRELLA, op.cit., p. 6.
48
uma norma, o princpio da unidade tem como ofcio produzir um equilbrio
entre as normas, tornando sua aplicabilidade a melhor possvel. O princpio da
unidade deve, portanto, agir como condutor de interpretao da norma
antielisiva, adequando-a ao ordenamento jurdico.86
O conflito entre normas antagnicas denominado de antinomia. Como
bem observa Trcio Sampaio Ferraz Jnior87, a antinomia jurdica a oposio
que ocorrente entre duas normas contraditrias, emanadas de autoridades
competentes num mesmo mbito normativo, que colocam o sujeito numa
situao insustentvel pela ausncia ou inconsistncia de critrios aptos a
permitir-lhe uma sada nos quadros do ordenamento dado.88
O conflito entre as normas tem sido solucionado, tradicionalmente, pela
interpretao dos critrios hierrquico lei superior derroga lei inferior -,
cronolgico lei posterior derroga lei anterior e, ainda, pelo critrio da
especialidade lei especial derroga lei geral.89
A coliso de princpios resolvida pela tcnica da ponderao de
valores. O professor Luis Roberto Barroso90 entende tratar-se de uma linha de
raciocnio que procura identificar o bem jurdico tutelado por cada uma delas
(normas), associ-lo a determinado valor, isto , ao princpio constitucional ao
qual se reconduz, para, ento, traar o mbito de incidncia de cada norma,
sempre tendo como referncia mxima as decises fundamentais do
constituinte.
86
Idem. 87 FERRAZ JNIOR, apud, ESTRELLA, idem. 88.Idem. 89 Idem. 90 BARROSO, apud, ESTRELLA, idem.
49
Na aplicao da norma antieliso, presente est o conflito entre os
princpios da legalidade e da liberdade e o princpio da capacidade contributiva.
3.4. Princpio da proporcionalidade
Na soluo de conflito entre os princpios, dever-se-ia aplicar o
princpio da proporcionalidade que pode ser caracterizado em trs dimenses.
A da adequao, necessidade e proporcionalidade estrita91.
A adequao a restrio de cada um dos interesses de forma
conveniente a fim de tornar segura a sobrevivncia de outro interesse. A
necessidade reside na premissa de que a restrio deve ser a menor possvel
para a proteo do interesse contraposto. E, por fim, a proporcionalidade
estrita que se traduz pela proposio de que o benefcio obtido com a restrio
a um interesse tem que compensar o grau de sacrifcio imposto ao interesse
contrrio.92
Quanto adequao, o meio escolhido dever ser o conveniente para
se atingir o resultado esperado, revelando, sempre, conformidade e utilidade
ao fim almejado. Um ato estatal inadequado se sua utilizao no contribuir
para facilitar a realizao do fim desejado.
91 ESTRELLA, op.cit., p. 7. 92 Ibidem., p. 7..
50
Quanto necessidade ou exigibilidade, comprova-se, quando o meio
escolhido , dentre os vrios oferecidos, o menos traumatizante com relao
aos bens e valores constitucionalmente protegidos, que acaso choquem-se
com o consagrado pela norma que est sendo interpretada. O ato
necessrio se no h nenhuma outra forma de se realizar o objetivo almejado
que no seja menos contundente. A regra da necessidade diferente da regra
da adequao na medida que esta um exame absoluto e aquela um
exame efetuado por comparao.93
A ponderao deve servir de base no que diz respeito
proporcionalidade estrita. A ponderao determina que quanto mais intensa for
a interferncia em um direito mais intensos devem ser as razes que a
legitimam. Necessita-se, portanto, ao se aplicar a ponderao determinar as
razes que justificam a interveno, considerar estritamente os interesses em
conflito, atribuindo-lhes valores especficos, fazendo que a restrio imposta a
um interesse seja a menor possvel, isto , apenas a absolutamente
necessria para que conviva com o outro interesse. A finalidade a de que
nenhum dos interesses desaparea completamente, pois caso isso ocorra no
haver ponderao de interesses e, sim, preponderncia de interesses que
no constitui o objetivo da ponderao.
93 CARVALHO, Ivo Csar Barreto de. A norma geral antielisiva e o princpio da proporcionalidade.Dialtica. Revista Dialtica do Direito Tributrio, So Paulo, abril 2004, n. 103, p. 94.
51
Deve haver, exatamente, um ajuste entre os interesses, de maneira que cada
um esteja de acordo em ceder espao ao outro, sem renncia completa de
nenhum deles.94
3.5. Princpio da transparncia
O princpio da transparncia est em total conexo com o processo de
globalizao, hoje, reinante.
A transparncia no mbito tributrio indica no sentido de que a atividade
financeira deve ser desenvolvida de forma a atender as regras da clareza,
abertura e simplicidade. Limita e modula a elaborao do oramento e a sua
gesto, a criao de normas antielisivas, a abertura do sigilo bancrio e a
oposio corrupo. Aparece um novo estgio entre a sociedade e o
Estado, a partir de que a sociedade tem prioridade na soluo de sua
problemtica e o Estado s deve aparecer de forma subsidiria. A sociedade
deve agir de forma transparente de forma que no seu relacionamento com o
Estado inexista os segredos e a conduta abusiva fundamentada na prevalncia
da forma sobre o contedo dos negcios jurdicos. O Estado, por sua vez,
deve ter a sua atividade financeira revestida pela maior clareza e abertura,
tanto na legislao que institui impostos, taxas, contribuies e emprstimos
como na elaborao do oramento e no controle da sua execuo. um
94 ESTRELLA, op. cit., p. 7.
52
Estado ps-positivista que procura pautar as suas aes com base no princpio
da transparncia, buscando superar os riscos sociais95.
Os riscos fiscais da atividade financeira do Estado devem ser evitados a
partir da incidncia do princpio da transparncia que tem influncia na
elaborao do oramento, no controle das renncias de receita, na gesto
oramentria responsvel, na declaro de direitos do contribuinte e no
combate corrupo.96
Os riscos das finanas pblicas podem ser provocados tambm pelas
condutas dos contribuintes no influenciadas pelo princpio da transparncia.
Este se destaca no sentido de evitar esses risco, com o combate eliso fiscal
abusiva, ao sigilo bancrio que acoberta a sonegao de tributos e corrupo
ativa.97
De acordo com o professor Ricardo Lobo Torres98:
O princpio da transparncia, em sntese, significando clareza, abertura e simplicidade, vincula assim o Estado a sociedade e se transforma em instrumento importante para a superao dos riscos fiscais provocados pela globalizao. S a transparncia na atividade financeira, consubstanciada na clareza oramentria, na responsabilidade fiscal, no respeito aos direitos fundamentais do contribuinte, no aperfeioamento da comunicao social e no combate corrupo dos agentes pblicos, em contraponto transparncia na conduta do contribuinte garantida pelas regras anti-sigilo bancrio e pelo combate corrupo ativa, pode conduzir minimizao dos riscos fiscais do Estado Subsidirio. A falta de equilbrio entre os termos da equao da transparncia pode conduzir perpetuao da opacidade: a exacerbao do controle da responsabilidade fiscal e dos meios de defesa do sujeito passivo da obrigao tributria, sem a contrapartida representadapela minimizao dos riscos por ele provocados, leva ao paraso fiscal; a aplicao das normas antielisivas e o
95 TORRES, op. cit., p.377. 96 Ibidem., p. 379. 97 Ibidem., p. 382. 98 Ibidem., p. 385.
53
desvendamento do sigilo fiscal, sem a salvaguarda de uma defesa do contribuinte e da responsabilidade dos agentes pblicos, pode gerar a servido fiscal e a morte da prpria galinha de ovos de ouro.
A necessidade de adeso ao princpio da transparncia fiscal apareceu
com a globalizao e vrios instrumentos foram criados em diversos pases no
sentido de reduzir os vrios instrumentos foram criados em diversos pases
no sentido de reduzir os riscos fiscais tanto para o Estado como para o
contribuinte.
54
CAPTULO IV
A LEI COMPLEMENTAR N 104/2001 QUE INSTITUIU O PARGRAFO NICO NO ARTIGO 116 DO CTN E INTRODUZIU NO ORDENAMENTO JURDICO BRASILEIRO A NORMA GERAL ANTIELISO
4.1. O direito comparado e seus modelos da norma antieliso
A observao e o delineamento de paralelos entre o direito internacional
e o direito brasileiro para que se vislumbre semelhanas e diferenas entre
eles, enseja que se faa uma breve abordagem sobre as duas correntes
existentes no direito comparado. A corrente relativa cultura anglo-saxnica e
a corrente relativa cultura romano-germnica. Esse estudo paralelo traz
grande contribuio ao entendimento do tema, visto que a experincia do
direito comparado muito influencia o direito brasileiro. Desse modo valido que
se aborde alguns modelos de tratamento ao combate eliso elaborados pelo
direito estrangeiro.
Inicia-se o estudo pela Alemanha, pas que segue a teoria do abuso da
forma e prev o combate simulao. Infere-se tal assertiva pela leitura do
pargrafo quarenta e dois e inciso dois do pargrafo quarenta e um do Cdigo
Tributrio Alemo, in verbis:
42 - A lei tributria no pode ser fraudada atravs do abuso de formas jurdicas. Sempre que ocorrer o abuso, a pretenso do imposto surgir, como se pra os fenmenos econmicos tivesse sido adotada a forma adequada. 41 inciso 2 Os negcios simulados so irrelevantes para os efeitos da tributao. Se por meio de um negcio simulado se
55
encobre outro negcio jurdico, o negcio jurdico encoberto prevalecer para efeito da tributao.99
A Frana adota a teoria do abuso de direito, conforme o artigo 64 do
Livre des Procedures Fiscales (Loi n 87-502 du 8 juillet 1987 art. 14 Journal
Officiel du 9 juillet 1987). Os institutos mais estudados para tratar do no
cumprimento da obrigao tributria junto ao fisco francs so o da fraude
fiscale e da vasion fiscale. A fraude fiscale corresponde ao entendido
como o uso e o abuso da lei, simultaneamente, com fins de promover a
economia de tributos.100
Conceitualmente o termo vasion fiscale subdivide-se em dois outros
institutos importantes no direito francs : a habilit fiscale, que na sua prtica
redunda em ilicitude, e a optimisation fiscale, que a forma lcita de praticar
economia.101
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