View
219
Download
0
Category
Preview:
Citation preview
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA
Luiza Simões Pacheco
O ESPANTO COMO AMBIÊNCIA DE PENSAMENTO DO MUNDO GREGO
Salvador,
2015.
9
LUIZA SIMÕES PACHECO
O ESPANTO COMO AMBIÊNCIA DE PENSAMENTO DO MUNDO GREGO
Monografia apresentada ao curso de Graduação em
Filosofia, Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Federal da Bahia, como
requisito parcial para obtenção do título de
Licenciada em Filosofia.
Orientadora: Profª. Drª. Nancy Mangabeira Unger
Salvador,
2015.
10
LUIZA SIMÕES PACHECO
O ESPANTO COMO AMBIÊNCIA DE PENSAMENTO DO MUNDO GREGO
Monografia apresentada à Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas, Colegiado de Filosofia, como requisito parcial para obtenção do
título de Licenciada em Filosofia.
Salvador (BA), 28 de julho de 2015.
Aprovada por:
_________________________________________________________
Profª. Drª. Nancy Mangabeira Unger
Universidade Federal da Bahia
_________________________________________________________
Prof. Dr. José Antonio Saja R. Neves dos Santos
Universidade Federal da Bahia
_________________________________________________________
Profª. Drª. Silvia Faustino de Assis Saes
Universidade Federal da Bahia
Salvador,
2015.
11
AGRADECIMENTOS
Agradeço em primeiro lugar à professora Nancy Mangabeira Unger, pela paciência e
persistência com que orientou e incentivou este trabalho, mostrando sempre como é
possível caminhar por outras vias de pensamento.
Agradeço aos professores José Antonio Saja R. Neves dos Santos e Silvia Faustino de
Assis Saes, por concordarem, mesmo em condições incomuns, em compor a Banca
Examinadora.
A meus pais, Ângela Simões e Jairo Pacheco, por conseguirem mesmo de longe não
fazer esmorecer seu apoio e amor.
A minha irmã, Carolina Pacheco, por ser amiga e referência sempre.
A todos os amigos que de um modo ou de outro se fizerem presentes ao longo deste
trabalho e de minha caminhada até aqui.
A Elaine Rodrigues e Hélio Lima, por todo o apoio e carinho que só segundos pais
podem oferecer.
A Bruno Lima, pelo aprendizado – e ensino – diário de companheirismo e afeto.
12
Viver — não é? — é muito perigoso. Porque ainda não se sabe. Porque aprender-a-
viver é que é o viver mesmo.
João Guimarães Rosa
13
RESUMO
A partir de diferentes manifestações do pensamento grego, procuramos investigar como
é possível compreender o espanto, a admiração (to thaumázein), como uma ambiência
de pensamento do homem grego, isto é, como uma experiência que perpassa e constitui
todo o mundo grego. Inicialmente, partimos do estudo da Teogonia de Hesíodo,
buscando perceber como o espanto aparece nesta obra e no contexto mitológico. Num
segundo momento, investigamos especialmente o pensamento de Heráclito, procurando
os sinais da admiração neste pensador. Por fim, pesquisamos como Platão e Aristóteles
abordam o tema em questão. Nosso objetivo principal não é elucidar cada uma destas
expressões de pensamento; antes, buscamos compreender nestes períodos e produções
distintas como o espanto, a admiração, o maravilhamento permanecem no universo
grego.
Palavras-chave: Admiração; Hesíodo; Heráclito; Platão; Aristóteles.
14
ABSTRACT
From different manifestations of Greek thought, we investigate how we can
comprehend the amazement, the admiration, the astonishment (to thaumázein), as a
Greek thinking ambience, that is, as an experience that permeates and builds the entire
Greek world. Firstly, we depart from Hesiod’s Teogonia study, seeking to understand
how the astonishment appears in this work and in the mythological context. Secondly,
we investigate especially the thought of Heraclitus, looking for signs of admiration in
this thinker. To conclude, we researched how Plato and Aristotle address the issue in
question. Our main goal is not to elucidate each of these expressions of thought; we try
to understand during these different periods and productions how the astonishment, the
admiration, the amazement remains in the Greek world.
Key-words: Amazement; Hesiod; Heraclitus; Plato; Aristotle.
15
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................08
1. NASCE O ESPANTO NA TEOGONIA DE HESÍODO..................................10
1.1. Cosmovisão grega..........................................................................................10
1.2. A Teogonia de Hesíodo.................................................................................12
1.3. O nascimento do grande Espanto..................................................................16
2. HERÁCLITO E A ADMIRAÇÃO: ‘ENTREM’, MESMO AQUI, OS DEUSES
ESTÃO PRESENTES............................................................................................22
3. PLATÃO, ARISTÓTELES E O PRINCÍPIO DA FILOSOFIA......................29
CONCLUSÃO.......................................................................................................35
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................37
8
Introdução
No diálogo Teeteto, Platão, através do personagem de Sócrates, afirma que a
admiração é o princípio – e não há outro que não este – da filosofia. No mesmo sentido,
Aristóteles, na Metafísica, diz que é a admiração que dá início ao filosofar, tanto agora
como na origem.
Pois o que estás a passar, o maravilhares-te, é mais de um filósofo. De facto,
não há outro princípio da filosofia que não este, e parece que aquele que disse
que Íris é filha de Taumanto não fez mal a genealogia (Teeteto, 155d).
De fato, os homens começaram a filosofar, agora como na origem, por causa da
admiração (...). Ora, quem experimenta uma sensação de dúvida e de
admiração reconhece que não sabe; e é por isso que também aquele que ama o
mito é, de certo modo, filósofo: o mito, com efeito, é constituído por um
conjunto de coisas admiráveis (Metafísica, 1, 2, 982 b 12).
Platão e Aristóteles fazem referência ao grego to thaumázein, que pode ser
traduzido por admiração, espanto, assombro, maravilhamento. Essa noção da admiração
não se faz presente apenas nas obras dos dois filósofos. Pelo contrário, ela aparece em
diferentes momentos e expressões do pensamento grego. A Teogonia de Hesíodo – um
dos registros mais antigos que temos da tradição ocidental, junto com os mitos
homéricos – traz, em sua linguagem mitológica, ligada ao sagrado, a experiência do
espanto, da admiração. O pensamento dos pré-socráticos, com sua singularidade, nos
mostra como a realidade é espantosa para o grego. A seu modo, as tragédias gregas
indicam o assombro do grego diante das tendências opostas que dividem o homem.
Parece-nos, diante desse breve apanhado, que thaumázein não se resume a mera
atitude que o homem escolhe assumir e que o leva a filosofar; trata-se antes de uma
experiência, de uma dimensão ontológica do homem grego. Em outras palavras, a
admiração, nas mais diversas expressões do pensamento grego, orienta o modo pelo
qual o homem grego entende a si mesmo, enquanto homem, aquilo em que consiste sua
humanidade, orientando também sua relação com o real.
9
Elucidar esse sentido da admiração como uma ambiência de pensamento do
mundo grego é o que pretendemos realizar ao longo deste trabalho. Para tanto,
buscaremos investigar qual o lugar atribuído à admiração, ao espanto, nas manifestações
de pensamento mencionadas acima. Reconhecendo as diferenças existentes entre as
diversas épocas e experiências do pensamento grego, buscaremos perceber como é
possível pensar a admiração como um fundo comum, uma experiência que permeia todo
o mundo grego, em suas diversas expressões.
Para trabalhar este tema, compusemos três capítulos. O primeiro, Nasce o
Espanto na Teogonia de Hesíodo, procura compreender a ambiência do mito grego, isso
que Walter Otto denominou como cosmovisão grega1. Ainda dentro desse capítulo, num
segundo momento, buscamos como a admiração se apresenta na Teogonia hesiódica.
No segundo capítulo, Heráclito e a admiração: ‘entrem’, mesmo aqui os deuses estão
presentes, investigamos como é possível perceber a presença dessa ambiência de
pensamento que é a admiração na obra dos pensadores pré-socráticos, especialmente em
Heráclito. O terceiro capítulo, Platão, Aristóteles e o princípio da filosofia, é destinado
às já citadas obras de Platão e Aristóteles, procurando pesquisar o que a admiração
representa no pensamento destes filósofos.
Não pretendemos, com este trabalho, apenas descrever o pensamento dos autores
que serão estudados. Tampouco se pretende retornar às questões gregas, como se elas
pudessem ser também nossas. Antes, buscamos iluminar nossas questões e
perplexidades atuais a partir do que pensaram os gregos. Com isso, procuramos também
quais são nossas possibilidades. Por que é importante para nós, hoje, pensar a
admiração? Será que ela ainda se configura para nós como possibilidade real? Quais
questões importantes para nosso pensamento ela pode levantar? Carneiro Leão nos diz
do exercício não de pensar como os gregos pensaram, o que seria impossível, mas
aprender a pensar com o que os gregos pensaram2. É esta a tarefa que pretendemos
realizar.
1 OTTO, W. Os deuses da Grécia. 2007, p. 07. 2 LEÃO, E. C. Filosofia grega: uma introdução. 2010, p. 15.
10
1. Nasce o Espanto na Teogonia de Hesíodo
1.1. Cosmovisão grega
No ensaio Mito e filosofia grega, Emmanuel Carneiro Leão afirma que o mito
nos liberta “...para o verbo de todas as coisas, seu nascimento, sua vibração e morte”3. O
pensador assinala como o mito, por transcender as vivências individuais e mesmo de
uma comunidade específica, possibilita ao homem a experiência de universalidade, de
se reconhecer com todos os outros homens numa história comum. Mas não se trata
apenas disso. O mito fala de uma temporalidade originária, da temporalidade do
instante, que é pura realização. O mito abre caminho, desse modo, para que o homem
perceba a realidade em sua dinâmica própria de realização.
Para a mitologia grega, a dinâmica da realidade, o modo como ela se manifesta é
sempre uma teofania, isto é, uma manifestação do divino. Em outros termos, os
acontecimentos, as realizações, independentemente de época ou local, são sempre a
atuação do sagrado no âmbito humano. A experiência grega não compreende o divino
como uma força apartada do mundo natural; antes ainda, é no plano ordinário que o
extraordinário se torna manifesto.
Em Os deuses da Grécia, Walter Otto indica como para o mito grego “em lugar
do colossal aparece o orgânico. ...o natural se faz idêntico ao espiritual e ao eterno sem
perder, nessa fusão, sua plenitude, seu calor e sua espontaneidade”4. Em outro
momento, o autor afirma que
Os moradores do céu não são habitantes de um além totalmente separado da
terra. As formas de sua existência são iguais às da terra – por sinal, eles têm até
aparência humana – mas luminosas e perfeitas, ao passo que nós as temos
imperfeitas e fugazes. Sua ação sobre a vida humana nada tem de sobrenatural,
nem de um poder absoluto (...). Seu ser e seu agir se movimentam inteiramente
pelo caminho da natureza (Id. Ibid., p. 143).
Aparece aqui uma indicação para entendermos porque o mito liberta o homem
para o verbo de todas as coisas. Por compreender a realidade como constante,
3 LEÃO, E. C. Filosofia grega: uma introdução. 2010, p. 43. 4 OTTO, W. F. Os deuses da Grécia. 2005, p. 04.
11
ininterrupta manifestação divina, o mito grego possibilita pensa-la enquanto
movimento, enquanto força viva, na força do instante, e não como mera sucessão de
acontecimentos ligados por uma cadeia linear de causa e efeito. O mito se põe à escuta –
e também é uma das pronúncias – do verbo da realidade, que se manifesta em toda
realização, em todo acontecimento singular, em todas as coisas. Todo acontecimento é
expressão do sagrado, toda realização tem um fundo comum: o divino. É nessa unidade
que o mito se movimenta e é a ela que ele busca escutar.
Ao mesmo tempo, o mito grego também eleva o natural. Para Otto, temos na
experiência mítica grega a mais ampla concepção do natural. O ordinário não assume
estatuto menor e menos valoroso, justamente porque é nele que se manifesta o divino;
assim, o natural assume estatuto de plena soberania.
O que para outras religiões é sempre estorvo e embaraço, neste caso
reconhecemos e admiramos como genialidade: a capacidade de ver o mundo à
luz do divino, não um mundo desejado, ou misticamente presente apenas em
esporádicas vivências extáticas, mas sim o mundo em que nascemos, de que
fazemos parte, a que nos encontramos ligados por nossos sentidos, e com que,
através de nosso espírito, estamos comprometidos (Id. Ibid., p. 08-09).
Essa compreensão da realidade, segundo Otto, tem sua primeira expressão na
poesia homérica e hesiódica. Homero e Hesíodo são os mitólogos mais antigos de que
se tem registro no mundo dos gregos. Carneiro Leão afirma, no ensaio Homero educou
a Grécia, que a datação precisa de suas atividades não só é desconhecida, como
impossível de se conhecer5. Seus poemas são imemoriais, pois assim é a linguagem do
mito. Entre o séc. IX e a primeira metade do séc. VIII costuma-se inscrever a produção
mitológica de ambos6.
A compreensão do que seja o homem na mitologia grega também nos é
fundamental. Para essa expressão de pensamento, o que distingue o homem dos deuses
é também o que o define. A respeito desse tema, Otto afirma que os deuses são grandes
em poder e saber, e não conhecem nem decadência nem extinção, mas com tudo isso
não se chegou ainda ao ponto decisivo da distinção entre homens e deuses, pois, apesar
5Nesse ensaio, Carneiro Leão não aponta se os considera contemporâneos. Já Otto, na obra citada, coloca
a poesia de Homero como anterior à hesiódica. Para este trabalho, importa a ambiência de pensamento,
comum aos dois poetas, do que mais propriamente sua existência histórica. 6 LEÃO, E. C. Filosofia grega: uma introdução. 2010, p. 104.
12
de serem semelhantes ao homem, eles não são de modo algum homens divinizados e
eternamente vivos7. “Imortal”, diz Otto, é talvez a designação constante e mais precisa
com que eles se separam dos homens.
Portanto, é a condição humana de mortalidade, de finitude, que impõe ao homem
limites intransponíveis, que o define enquanto humano. Essa concepção se apresenta de
modo claro no mito, mas permanece viva em expressões de pensamento posteriores de
toda a Grécia – e se perpetua na concepção cristã do período medieval. Trata-se de uma
compreensão do humano que perpassa todo o mundo grego, do mito à filosofia. Para o
grego, a condição mortal do homem diz também do lugar que ele ocupa na totalidade,
no Cosmos: um lugar limitado, definido. O homem não tem total independência, uma
vez que é criatura; tampouco tem total controle, seja sobre sua vida ou sobre os
acontecimentos, visto que sua capacidade de ação é limitada; frente aos deuses, o poder
humano é irrisório.
Nesse sentido, porém, limite não diz de algo puramente negativo, como
normalmente tendemos a considerar. O limite humano, isto é, sua mortalidade, é
justamente isso que define, caracteriza, distingue o homem. Na própria palavra podemos
encontrar esse sentido: limite é o que de-limita, é o que dá os contornos disso que é o
humano.
1.2. A Teogonia de Hesíodo
O povo grego foi constituído por uma série de migrações, algumas violentas,
representando verdadeiros processos de ruptura, outras pacíficas8. Em todo caso, essas
migrações possibilitaram a reunião de diversas tradições culturais, com suas línguas,
costumes e crenças. À época de Homero e Hesíodo, inúmeros mitos faziam parte do
arcabouço espiritual e cultural grego, e suas poesias, especialmente a hesiódica, reúnem
essas diferentes narrativas em mitos comuns.
7Por isso Otto defende uma concepção de teomorfismo, e não antropomorfismo dos deuses gregos. Para
uma leitura mais aprofundada a respeito deste tema, vide OTTO, W. F. Os deuses da Grécia. 2007, p.
212. 8 Para compreender melhor as diversas migrações que formam o homem grego, VERNANT, J. P. As
origens do pensamento grego. Rio de Janeiro: Difel, 2010.
13
Os séculos IX e VIII a C., período em que se inscrevem os poemas de Homero e
Hesíodo, antecedem a consolidação do alfabeto na Grécia. Sua produção insere-se,
assim, num contexto de transmissão oral de saberes; é pela força da palavra que os
poemas podem ser transmitidos para a posteridade; é a capacidade de escuta que faz
com que o homem aprenda. A Teogonia de Hesíodo é, desse modo, uma reunião de
diversos mitos de tempos imemoriais, vindos de povos e tradições distintas, que foram
transmitidos oralmente e chegaram à época do poeta. Nesse sentido Hesíodo inicia a
Teogonia evocando a força da Palavra, que são as Musas:
Pelas Musas heliconíades comecemos a cantar.
Elas têm grande e divino o monte Hélicon,
em volta da fonte violácea com pés suaves
dançam e do altar do bem forte filho de Crono.
Banharam a tenra pele no Permesso
ou na fonte do Cavalo ou no Olmio divino
e irrompendo com os pés fizeram coros
belos ardentes no ápice do Hélicon (Teogonia, v. 01 a 08).
O poema narra que as Musas são filhas de Zeus e da Memória (no grego,
Mnemosyne). Em nove noites Zeus se une a Memória, e dessas uniões nascem as nove
Musas. Memória, filha de Céu e Terra, forças presentes nas Origens do Cosmos,
representa e é o poder divino, cósmico, de trazer à presença aquilo que não está
presente, acontecimentos passados e futuros. Memória retira os seres do esquecimento
(a-létheia). Nas palavras de Torrano, “o que se mostra à luz, o que brilha ao ser
nomeado, o não-ausente, é o que Memória recolhe na força da belíssima voz que são as
Musas”9.
Como filhas da Memória, as Musas são a força de presentificação da Palavra10.
O que as Musas cantam se faz presente, se torna manifesto, aparecendo à luz da
9Id. Ibid., p. 26. 10Como força da Palavra, as Musas representam não apenas o poder de presentificação, mas também a
força que esta tem de ocultação. Disso os versos 09 e 10 falam: “Daí precipitando-se ocultas por muita
névoa / vão em renques noturnos lançando belíssima voz”. Os versos 26 e 27 do poema também parecem
indicar esse duplo poder das Musas: “sabemos muitas mentiras dizer símeis aos fatos / e sabemos, se
queremos, dar a ouvir revelações”.
14
presença. Por isso, quando cantam, Elas “alegram o grande espírito no Olimpo / dizendo
o presente, o futuro e o passado”11.
São as Musas que concedem a Hesíodo não apenas o poder do canto, mas o
próprio poema. Hesíodo trabalhava pastoreando ovelhas; num dia de trabalho, as Musas
lhe ensinam um belo canto. Quando o recebe, ao mesmo tempo Hesíodo adquire o
poder de cantar. Essa função não era atribuída a qualquer cidadão. O aedo, poeta cantor,
tinha papel de poder na dinâmica social em que vivia Hesíodo, por ser esse que recebia
das forças divinas o poder de cantar, de transmitir saberes. Assim, evocar as Musas no
início do poema é um modo de reconhecer que ele só pode ser cantado a partir Delas12;
é uma maneira de reconhecer que a verdadeira autoria da Teogonia não é de Hesíodo,
mas da Palavra Cantada, das Musas, uma vez que são Elas que lhe transmitem o poema.
Elas um dia a Hesíodo ensinaram belo canto
quando pastoreava ovelhas ao pé do Hélicon divino
Esta palavra primeiro disseram-me as Deusas
Musas olimpíades, virgens de Zeus porta-égide:
“Pastores agrestes, vis infâmias e ventres só,
sabemos muitas mentiras dizer símeis aos fatos
e sabemos, se queremos, dar a ouvir revelações (Id. Ibid., v. 22 a 28)
As Musas sabem, se querem, dar a ouvir revelações. É seu poder revelar, tornar
manifesto, retirar do esquecimento (a-létheia), presentificar. No poema, o que Elas
revelam por meio de Hesíodo é o nascimento dos deuses, teogonia, e concomitante
formação do mundo, cosmogonia – cada divindade que nasce representa e é uma força
do mundo físico, desse modo, o nascimento dos deuses é ao mesmo tempo constituição
do mundo, do Cosmos. Hesíodo pede às Musas, no verso 11513, que digam “dês o
começo e quem dentre eles [deuses] primeiro nasceu”.
11Id. Ibid., p. 107. v. 37 a 39 12 A Ilíada e Odisséia de Homero também têm início com a evocação às Musas. Respectivamente:
“Canta-me, ó deusa do Peleio Aquiles a ira tenaz”; “Musa, narra-me as aventuras do herói”. HOMERO,
Ilíada. Ediouro, 1997. HOMERO, Odisséia. Cultrix, 2005.
13Id. Ibid., p. 111.
15
Assim, após gloriar a força que permite que o poema seja cantado, as Musas,
Hesíodo nos conta das primeiras divindades, as divindades primordiais, que são a
origem de todos os demais aspectos do divino e do mundo:
Sim bem primeiro nasceu Caos, depois também
Terra de amplo seio, de todos sede irresvalável sempre,
dos imortais que têm a cabeça no Olimpo nevado,
e Tártaro nevoento no fundo do chão de amplas vias,
e Eros: o mais belo entre Deuses imortais,
solta-membros, dos Deuses todos e dos homens todos
ele doma no peito o espírito e a prudente vontade (Id. Ibid., v. 116 a 122)
A primeira divindade, a partir da qual todas as demais se constituem, origem de
tudo o mais que existe, é Caos. Carneiro Leão, em O sentido grego do Cáos, afirma que
não faz sentido pensar, falar ou agir sobre o Caos; Caos não é uma coisa, “é sobretudo o
princípio da possibilidade de tudo”14. É a partir de Caos que todas as demais divindades
e tudo que existe no mundo surgem. Depois de Caos, nasce Terra, de amplo seio, de
todos sede irresvalável sempre. Terra é fundamento de tudo que há, mortais e imortais.
Ela diz desse princípio de solidez, de segurança; diz de uma força inabalável que serve
de base para todo o Universo. A terceira divindade que narra o poema é Eros. Força de
re-união, de ligação amorosa, Eros doma no peito a vontade de todos, homens e deuses.
É Eros a força que orienta, que impulsiona as uniões cósmicas entre os deuses – que,
junto de seu nascimento, constituem o mundo –, bem como as uniões amorosas entre os
homens15.
É a partir dessas divindades primordiais que os demais aspectos do divino e da
realidade natural se constituem. Porém, vale ressaltar que, apesar de aparecerem os
termos “primeiro” e “depois”, a temporalidade do mito não se insere numa sucessão de
linearidade. Jaa Torrano, tradutor e estudioso do poema de Hesíodo, na introdução que
faz à sua tradução do poema, mostra como não é possível pensar a Teogonia em termos
de uma temporalidade sucessiva, organizada pelas relações de anterioridade e
14 LEÃO, E. C. Filosofia grega: uma introdução. 2010, p. 37. 15 Investigar o sentido grego do Caos, bem como o de Terra e Eros, seria por si só um outro trabalho. Em
função do tema desta pesquisa, neste momento, nos limitaremos a poucas considerações a esse respeito.
16
posteridade. “Cada Deus nasce e é num tempo que só tem origem e ser na origem e ser
desse Deus que o instaura ao instaurar-se em seu ser”16. Assim, não há apenas um
tempo, único, homogêneo, uniforme; há tempos múltiplos e qualificados diversamente
segundo o nascimento – natureza do Deus que o instaura. Desse modo, as três
divindades primordiais da Teogonia, Cáos, Terra e Eros não surgem numa sucessão;
são co-responsáveis, cada uma com sua força, sua natureza, pela formação do Cosmos.
1.3. O nascimento do grande Espanto
Dentre os nascimentos que as Musas cantam na Teogonia, filho de Terra e Mar,
nasce o grande Espanto (no grego, Thaumas):
O Mar gerou Nereu sem mentira nem olvido,
filho o mais velho, também o chamam Ancião
porque infalível e bom, nem os preceitos
olvida mas justos e bons desígnios conhece.
Amante da Terra gerou também o grande Espanto
e o viril Fórcis e Ceto de belas faces
e Euríbia que nas entranhas tem ânimo de aço (Id. Ibid.,v. 233 a 239).
Torrano identifica no poema hesiódico três Linhagens, que são conexões
genealógicas entre divindades. Como a temporalidade do mito não acompanha uma
dinâmica linear, essas conexões genealógicas não representam sucessão de pai e filho.
“Uma lei onipresente na Teogonia é que a descendência é sempre uma explicitação do
ser próprio e profundo da Divindade genitora: o ser próprio dos pais se explicita e torna-
se manifesto na natureza e atividade dos filhos”17. As três Linhagens presentes no mito
são do Caos, Céu e a do Mar. Cada Linhagem assume os traços de sua divindade
genitora. À Linhagem do Mar pertence Espanto.
16Referência à introdução realizada por Torrano ao poema, presente em HESÍODO. Teogonia, 2005, p.
89. Todas as referências diretas ao poema de Hesíodo conterão a numeração dos versos. 17Id. Ibid., p. 31.
17
Mutável e informe, o Mar é marcado pela “variabilidade, as transformações, o
disforme e a imensidade”18. O Mar sempre se mostra de modo indireto, ora com mais
força e intensidade, ora com calmaria, mansidão. Assim como só temos contato com
extensões definidas do Mar, ele guarda em si mistérios que a compreensão humana não
consegue abarcar em sua totalidade. O Mar é sinal de que sempre há mistério, de que o
homem não alcança a compreensão da unidade – nem do Mar, tampouco do Cosmos19.
Sua dinâmica, seu movimento, é de nunca revelar-se completamente ao homem. Em
consonância com essa natureza, também diz respeito a essa divindade um tipo de
sabedoria oracular que domina a amplidão temporal e espacial, sendo capaz de prever o
imprevisível.
Também é da natureza do Mar ser, de acordo com a Necessidade, inóspito,
perigoso, cheio de monstros e criaturas de estranhas formas. Seus filhos Fórcis e Ceto
são expressão desse aspecto negativo. Isso nos remete ao sentimento de espanto, de
assombro diante do terrível, do tenebroso, de forças obscuras que compõem o Cosmos e
o próprio homem. O grego também se admira com o que há de negativo no mundo, e
não apenas com seus aspectos positivos, com o que é belo, bom, aprazível.
Mas o lado positivo do Mar também pode nos mostrar semelhanças entre
Espanto e seu pai. Torrano afirma que os aspectos positivos do Mar exprimem-se em
Nereu e suas filhas, Nereidas – elas são expressão de navegação propícia, fonte de
riquezas, ligação entre terras distantes, belas paisagens marítimas20. Nereu representa a
sabedoria característica de seu pai: um tipo de sabedoria oracular, que enxerga o
escondido e que pode prever o inesperado.
O que a natureza do Mar pode indicar da natureza de Espanto? Quais traços do
genitor são percebidos no filho? Podemos pensar no Espanto como filho desse Mar que
sempre guarda mistérios, que nunca se mostra em sua totalidade ao homem. Por esse
motivo, o próprio Mar, tanto em seus aspectos negativos como positivos, é sempre
motivo de encantamento, assombro, maravilhamento. No pai percebemos já a presença
18Id. Ibid., p. 61. 19 Heráclito assinala em diversos fragmentos como o homem geralmente vive em seu mundo particular,
como se estivesse dormindo, sem perceber a força comum que tudo permeia e tudo re-úne. É uma
possibilidade do homem, no entanto, através de uma ausculta do Logos – uma escuta atenta, que não é só
física – dizer junto, con-cordar, estar em harmonia com a Unidade de tudo que há.“Auscultando não a
mim mas o Logos, é sábio concordar que tudo é um”. Trad. de LEÃO, E. C. Heráclito. 1980, p. 71, fr. 50. 20HESÍODO. Teogonia. 1995, p. 61.
18
do filho; o Mar é, por sua natureza, uma força que assombra, admira, espanta o homem
– não só o grego, mas todo aquele que com ele entre em contato.
Assim como a natureza dos genitores explicita a dos filhos, a dos filhos também
diz da natureza dos pais. Podemos compreender melhor Espanto na Teogonia a partir de
suas filhas
Espanto à filha do Oceano de profundo fluir
desposou, Ambarina. Ela pariu ligeira Íris
e Harpias de belos cabelos: Procela e Alígera
que a pássaros e rajadas de vento acompanham
com asas ligeiras, pois no abismo do ar se lançam (Id. Ibid., v. 265 a 269).
São três as filhas de Espanto e Ambarina. As Harpias, Procela e Alígera, que
Torrano afirma serem “as duas surpreendentes Harpias”, Tempestade e Alígera21, e a
rápida Íris, mensageira dos deuses.
As Harpias são forças surpreendentes da natureza. Tempestade e Alígera
parecem, assim, nos indicar a relação de Espanto com forças naturais imensas,
arrebatadoras, que tomam os homens, tanto no que elas têm de assustador, como
também no que têm de beleza. Isso nos remete novamente ao Mar, que também é
marcado pelo terrível, destruidor, assustador, traços que aparecem na natureza do filho,
Espanto.
Íris, de ágeis pés, é mensageira. Rápida, transmite as mensagens dos deuses aos
homens e leva as súplicas destes aos deuses. Como mensageira, Íris é uma divindade
que liga os homens aos deuses, os mortais aos imortais; a seu modo, transmitindo
mensagens e súplicas, estabelece uma ponte entre o humano e o divino. Outro traço
importante de Íris é de ser a responsável por presidir a cerimônia do grande juramento
dos deuses, que acontece quando discórdias e brigas atingem o reino dos imortais:
Pouco a filha de Espanto Íris de ágeis pés
aí vem mensageira sobre o largo dorso do mar:
21 Id. Ibid., p. 61.
19
quando briga e discórdia surgem entre imortais
e se um dos que têm o palácio Olímpio mente
Zeus faz Íris trazer o grande juramento dos Deuses
num jarro de ouro, a longe água de muitos nomes
fria.Ela precipita-se da íngreme pedra
alta. E abundante sob a terra de amplas vias
do rio sagrado flui pela noite negra,
braço do Oceano, décima parte ela constitui:
nove envolvem a terra e o largo dorso do mar
com rodopios de prata e depois caem no sal,
ela só proflui da pedra, grande pena aos Deuses (Id. Ibid., v. 780 a 792).
Quando briga e discórdia surgem entre imortais, Zeus faz com que Íris traga o
jarro de ouro cheio d’água fria, de muitos nomes, que brota de íngreme pedra e forma o
rio Oceano e o mar. O juramento dos deuses na Teogonia sinaliza a necessidade de
medida também para os imortais. Tudo no Universo, todas as forças nele presentes,
todos os seres, devem seguir uma ordem, ocupando cada um seu lugar devido22. E é
diante da água trazida por Íris que os deuses realizam o juramento. Quando decidem
não obedecer
Dos imortais que têm a cabeça nivosa do Olimpo
quem espargindo-a jura um perjúrio
jaz sem fôlego por um ano inteiro,
nem da ambrosia e do néctar se aproxima
para comer, jaz porém sem alento nem voz
num estendido leito e mau torpor o cobre.
Quando a doença perfaz um grande ano,
passa de uma a outra prova mais áspera:
nove anos afasta-se dos Deuses sempre vivos,
nem freqüenta conselho nem banquetes
nove anos a fio. No décimo freqüenta de novo
reuniões dos imortais que têm o palácio Olímpio (Teogonia, v. 793 a 804).
22 Até o Sol, em Heráclito, não deve ultrapassar suas medidas. “O sol não ultrapassará as medidas; se o
fizer, as Eríneas, ajudantes de Dike, o encontrarão”. LEÃO, E. C. Heráclito. 1980, p. 83, fr. 94. Todas as
traduções de Heráclito aqui utilizadas serão da referida obra; qualquer outra será devidamente referida.
20
O que a natureza de Íris re-vela de seu pai? Como mensageira, Íris realiza uma
ligação, estabelece uma ponte, entre homens e imortais. Até que ponto Espanto, na
mitologia, pode ser pensado também Ele como uma força que liga os homens ao
sagrado, ao extraordinário? O homem espanta-se por vislumbrar, mesmo que de relance,
forças maiores que ele se manifestando na realidade. Essas manifestações podem se dar
no aspecto negativo, do terrível, do temível, de hybris, tendência à desmesura, ao
desequilíbrio, que assola e assusta o homem; mas também no seu aspecto positivo, de
beleza, grandiosidade, de medida, de ordem. Lembremo-nos que o mito considera o
mundo como constante manifestação de forças divinas.
Além disso, Íris carrega o jarro de ouro que orienta o juramento dos deuses.
Reinstalando a ordem e a harmonia no reinado dos deuses, Íris pode nos indicar que
também seu pai, Espanto, o realiza no âmbito humano? É possível pensar que Espanto é
uma das forças que recoloca o homem no seu lugar de homem? Sendo força de re-
ligação com o sagrado (re-ligare), pode ser Thaumas uma força que restabelece a ordem
entre o mundo humano e o mundo divino, direcionando cada um para o lugar que deve
ocupar? Ao espantar-se, o homem assume a dimensão de seu tamanho em meio ao
Cosmos, diante de outras forças, diante da natureza. Percebe sua condição de
mortalidade; percebe que não está em suas mãos – nem em seu intelecto – controlar
todos os acontecimentos. Nesse sentido, podemos pensar na admiração como uma força
oposta a hybris, a desmesura, a presunção, essa que é para o gregos a força mais
perigosa?
Antes de buscar responder objetivamente estas questões, consideramos mais
importante perceber a ambiência de pensamento que se manifesta no mito grego. O
homem, limitado, relaciona-se com uma realidade ilimitada, divina, que se manifesta
através de realizações, acontecimentos singulares – expressões dessa realidade ilimitada
e inacessível em sua totalidade ao homem. Essa compreensão nos indica um sentido da
admiração: o homem espanta-se, admira-se, assombra-se com forças que o ultrapassam,
mas que constantemente se manifestam. É espantoso o Mar que não pode ser
inteiramente desvendado; a força da Tempestade; o ordenamento que orienta tanto o
divino como o humano. Assim, podemos perceber como a experiência grega da
admiração, que permeia todo o mundo grego enquanto modo de relação com o real, isto
21
é, enquanto dimensão ontológica do homem, está presente na expressão grega da
mitologia. Como divindade, Espanto se faz presente no mito grego, na Teogonia de
Hesíodo.
22
2. Heráclito e a admiração: ‘entrem’, mesmo aqui, os deuses estão presentes
Compreender a admiração enquanto dimensão ontológica é reconhece-la como
experiência que permeia toda expressão grega de pensamento; é reconhecer que, em
suas diferentes manifestações, o pensamento grego se movimenta impulsionado pelo
espanto. Desse modo, outra possibilidade que temos de pensar a admiração no mundo
grego é a partir dos pensadores que se encontram entre a linguagem do mito e a
linguagem da filosofia. No pensamento dos chamados pré-socráticos23 também
encontramos essa ambiência. Buscaremos investigar, neste capítulo, o que estes
pensadores, em especial Heráclito, podem nos indicar do espanto enquanto dimensão do
mundo grego.
Sabemos que Heráclito viveu em Éfeso, por volta de 540 a 480 a. C. De sua
obra, que se considera ter recebido o nome de peri physeos (acerca da physis), chegaram
até nós 126 fragmentos, a partir de citações de outros autores. Também a respeito deste
pensador temos notícia de três estórias, conhecidas como testemunhos. Não sabemos se
são estórias que aconteceram objetivamente. Carneiro Leão, em Heráclito e a
aprendizagem de pensamento, mostra como isso para nós faz pouca ou nenhuma
diferença. Importa realmente pensar as estórias no que estas trazem da atmosfera do
pensamento de Heráclito24.
Buscaremos percorrer um caminho de pensamento proposto por Heidegger em
determinado momento de sua obra Heráclito – caminho que Carneiro Leão acompanha
no ensaio acima citado: reconhecer o que uma destas estórias, que percorreu mais de
dois milênios, pode nos indicar a respeito da vigência do pensamento de Heráclito. A
primeira estória que se conta a respeito deste pensador é trazida por Aristóteles, no
tratado De partibus animalium:
Diz-se (numa palavra) que Heráclito assim teria respondido aos estranhos
vindos na intenção de observa-lo. Ao chegarem, viram-no aquecendo-se junto
ao forno. Ali permaneceram, de pé, (impressionados sobretudo porque) ele os
23 A respeito da denominação “pré-socráticos”, questionada, entre outros autores, por Heidegger e
Carneiro Leão, este afirma que “No ‘antes’ do ‘pré-’ fala-nos de uma ‘ainda não’ uma pretensa
superioridade do posterior: os pré-socráticos ainda não são socráticos, isto é, filósofos, como todo
pensador deve ser” (LEÃO, E. C. Filosofia grega: uma introdução. p. 125). 24 Id. Ibid., p. 127.
23
(ainda hesitantes) encorajou a entrar, pronunciando as seguintes palavras:
‘Mesmo aqui, os deuses também estão presentes’”25.
Para Heidegger e Carneiro Leão, nesta estória, a resposta de Heráclito não busca
apenas incentivar os visitantes, mas principalmente tornar claros os pressupostos que se
escondem por trás de sua atitude. Os visitantes, esperando encontrar o pensador num
momento de inspiração, arrebatamento, num momento condizente com sua fama de
“enigmático” e “obscuro”, encontram-no, pelo contrário, numa situação corriqueira:
aquecendo-se junto ao forno em função do frio. O pensador parecia não ter nada de
sublime, de mágico, de espantoso; aquecia-se porque, como eles, sentia frio.
É nesse momento que Heráclito radicaliza as respostas. Por detrás da vontade de
se deparar com algo sobrenatural, sublime, esconde-se a curiosidade dos visitantes.
Esta, para Carneiro Leão, é “... o açodamento de tudo sem ver nada, é a voracidade de
saber tudo, e não ser nada”26. A curiosidade só se ocupa do interessante. Este, porém,
passa logo que outra coisa mais interessante assume seu lugar.
Assim, movidos pela curiosidade, os visitantes se decepcionam ao encontrar o
pensador em atividade tão corriqueira. Afinal, que tinha ele de tão especial se, como
eles, precisava se aquecer junto ao fogo no inverno? Que esperar de interessante de um
pensador, encontrando-o numa condição tão comum? Percebendo a reação dos
visitantes, Heráclito não viu apenas decepção; viu, mais radicalmente, as suposições que
sustentam essa decepção. Os visitantes supunham que um pensador deve viver de modo
estranho; supunham também já saber tudo que seja forno, fogo, frio, o próprio homem,
sua condição de humano27.
Respondendo a todas essas suposições que os visitantes nem mesmo se deram
conta de ter levantado, Heráclito incentiva-os a entrar, encorajando-os a se aproximar,
dizendo para entrarem porque mesmo aqui, os deuses também estão presentes. Se os
visitantes continuam seu movimento de ir embora, ou se aceitam o convite do pensador,
disso não sabemos e isso também não é para nós o essencial. Antes, importa-nos pensar
a partir e com a afirmação do pensador.
25ARISTÓTELES. De part. anim. A 5, 645a 17 ff apud HEIDEGGER, Heráclito. p. 22. 26Id. Ibid.,p. 128. 27Id. Ibid.,p. 128.
24
Heráclito reconhece que é essa cena tão corriqueira, de um homem aquecendo-se
junto a um forno num dia de frio, essa cena que aparentemente nada tem de espantoso,
que guarda na verdade o mais espantoso para o grego: que o extraordinário se manifeste
no ordinário. O pensador mostra aos visitantes como “mesmo aqui”, no ordinário, no
comum, os deuses também se fazem presentes. Esse “mesmo aqui” acompanha a
mentalidade dos visitantes, pois o pensador quer que suas palavras os atinjam. Mas para
Heráclito, “só aqui há vigência dos deuses. Onde realmente? No inaparente do
cotidiano”28. Não é preciso buscar o extravagante, o diferente, o estimulante para
perceber o extraordinário; é mesmo aqui no comum que ele se manifesta.
É espantoso para o grego que isso se dê desse modo, que o extraordinário se
manifeste no curso comum dos acontecimentos, no aquecer-se ao lado do forno num dia
de frio. Assim, podemos pensar a admiração, o espanto, como o oposto da curiosidade.
Enquanto esta busca o interessante, que é passageiro pois almeja sempre algo mais
atual, a admiração se orienta pela relação do homem com o real, pela percepção da
manifestação do extraordinário no plano comum. A esse respeito, Carneiro Leão
também sugere como a admiração envolve um processo de transformação que a
curiosidade não conhece. “Todo questionamento exige transformação no modo de ser e
impõe aceitação do real em toda realização!” 29. Por isso o espanto é logo substituído
pela curiosidade; crescer dói na alma, nos diz o pensador, e a curiosidade, a procura
pelo interessante retira do homem o peso de viver num mundo em constante mudança,
em contínua luta de contrários, retira a responsabilidade de lidar com a realidade do
modo como ela se apresenta e de fato é.
“Se não se espera, não se encontrará o inesperado, sendo sem vias de encontro
nem caminhos de acesso”30. Se a curiosidade toma a visão, o homem não consegue –
como aconteceu com os visitantes da estória – perceber a manifestação do
extraordinário, do inesperado. Do mesmo modo, se o encontro com o real se orienta por
expectativas antes já alimentadas – de encontrar o pensador em alguma situação
extravagante, inusitada, incomum, atípica –, não se encontrará o inesperado. É a espera
que possibilita o encontro com o extraordinário. Espera, aqui, não assume um sentido
passivo; antes, trata-se de uma abertura para perceber o real do modo como ele se
manifesta. Aberto para a dinâmica da realidade, como se encontra Heráclito, o pensador
28 HEIDEGGER. Heráclito. 1980, p. 24. 29 LEÃO, E. C. Filosofia grega: uma introdução. 2010, p. 128. 30 Fr. 18.
25
sabe que junto ao forno os deuses também estão presentes. Sendo sem vias de encontro
nem caminhos de acesso, o encontro com o inesperado não pode ser planejado. É no que
este tem de imprevisível que se se faz possível o encontro.
No espanto provocado pelo encontro com o extraordinário, com o inesperado, se
dilui a curiosidade e se desfazem as expectativas e planejamentos. É espantoso,
admirável, maravilhoso perceber em meio ao forno a presença de deuses. Espantando-
se, o homem afasta a curiosidade e a busca pelo “interessante”; passa a buscar a
dinâmica do real em suas manifestações. E como Heráclito a compreende?
O pensamento dos pré-socráticos insere-se num período de transição; nem
remete aos deuses mitológicos – assim, quando Heráclito fala que também junto ao
forno os deuses se fazem presentes, o pensador não faz referência direta aos deuses da
tradição mitológica, apesar de não representar uma ruptura em relação a essa tradição –;
tampouco se formula em termos conceituais. Trata-se de uma maneira singular e nova
de dizer. E o que dizem esses pensadores não são formulações abstratas, falam do que
compõe o mundo em que vivem, elementos de seu cotidiano. É justamente nesse
cotidiano, no ordinário, que o extraordinário se manifesta.
A esse respeito, Unger, em Os Pirilampos da perplexidade e a Aurora Boreal31,
afirma que os pensadores pré-socráticos partem
... da coisa presente: a água, a terra, o fogo, o ar, o nascer e desabrochar das
coisas: o rio no qual entramos e não entramos. O forno que é também um lar
para os deuses, porque tudo está cheio de deuses (Heráclito). .... É um tipo de
reflexão que se apóia diretamente no real, no concreto, nos fenômenos. Que lê
os sinais do momento presente. Viver no mundo tal qual ele é, e não viver
suspenso no mundo. ... A realidade é ela mesma oracular.
No fragmento 103, Heráclito nos diz de como “Princípio e fim se reúnem na
circunferência do círculo”. O círculo, este elemento presente na vida comum, assinala o
modo como a realidade se revela aos olhos dos homens: o ordinário é sinal do
extraordinário. O homem percebe as forças divinas em seu mundo cotidiano, pois toda
manifestação singular indica a totalidade, o sagrado. Princípio e fim, opostos, se
encontram, têm algo em comum, se reúnem na circunferência do círculo. O real, nessa
31 Artigo presente em UNGER, N. M. O encantamento do humano: ecologia e espiritualidade. 2000, p.
32.
26
concepção, é constante tensão entre forças contrárias, divergentes, mas que se
harmonizam numa unidade.
“O mistério: dia-noite, inverno-verão, guerra-paz, saciedade-fome, cada vez que
entre fumaça recebe um nome segundo o gosto de cada um, se apresenta diferente” (fr.
67). “O contrário em tensão é convergente; da divergência dos contrários, a mais bela
harmonia” (fr. 08) 32.
Esta dinâmica que o pensador identifica, da harmonia de movimentos contrários,
pode nos indicar um sentido da admiração, do espanto para os pré-socráticos. Esse
mundo, divergência dos contrários, que se mostra ao homem no comum, no cotidiano,
em manifestações ordinárias – como a imagem do círculo, que reúne princípio e fim,
como os opostos inverno-verão, fome-saciedade, como a harmonia do arco e da lira –
assombra, admira, espanta. Como forças divergentes podem convergir numa unidade?
Como compreender o real sendo constante tensão de movimentos opostos?
O grego antigo também percebe forças contrárias no interior do próprio homem,
que o constituem. Para esta compreensão, o homem tende naturalmente a duas forças
distintas: hybris, a desmesura, a falta de medida, a pretensão humana de igualar-se aos
deuses – e que em todo o mundo grego é considerada, dentre as tendências do homem, a
mais perigosa. “É a presunção [hybris] que deve ser apagada mais do que incêndio”, nos
alerta Heráclito no fr. 43. Mas também constitui o homem uma força que o orienta ao
equilíbrio, sophrosyne, esta busca da justa medida.
As tragédias gregas também alertam o homem para essa dualidade e o perigo do
desequilíbrio dessas forças. De acordo com Vernant, em Tensões e ambiguidades da
tragédia grega, a questão que a tragédia levanta não diz respeito apenas a uma tensão
social e política; a questão que verdadeiramente se coloca nas tragédias é acerca do
homem. Que homem é esse, que é chamado de monstro incompreensível e
desnorteante?33. O famoso – e belo – Coro da Antígona nos diz um pouco mais deste
estranho homem dividido por forças contrárias:
32 Diversos fragmentos de Heráclito dizem dessa tensão de forças opostas que se harmonizam e
constituem o real. Em função do tema deste trabalho, e também da profundidade do pensamento
heraclítico, que por si só renderia um trabalho, não nos aprofundaremos neste ponto, mantendo nosso
foco de refletir a respeito da admiração na obra do pensador. 33 VERNANT, J.P et NAQUET, P. V. Mito e tragédia na Grécia clássica. 1991, p. 10.
27
Muitas são as coisas extraordinárias, mas nada
é mais extraordinário do que o homem!
Caminha por sobre as espumas da preia-mar
no meio da tempestade sulina do inverno,
atravessando montanhas de ondas abismadas de raiva.
Extenua a inesgotabilidade indestrutível
da mais sublime das deusas, a Terra,
revolvendo-a ano após ano,
puxando com cavalos pra lá e pra cá os arados.
Sempre astucioso, o homem
enreda o bando dos pássaros em revoada
e caça os animais da selva e os agitados moradores do mar.
Com engodo domina o animal que pernoita e anda nos montes,
subjuga o dorso das crinas silvestres do corcel
e põe o jugo das cangas de madeira no touro selvagem.
A si mesmo encontrou tanto no soar da palavra
e na compreensão, que, com a rapidez do vento, tudo abarca,
como na coragem com que domina as cidades.
Também pensou como escapar os dardos do clima
bem como às inclemências da frieza.
Pondo-se a caminho por toda parte, desprovido de experiência
e em aporia, chega ele ao Nada.
A morte é o único ataque, de que não se pode defender
por nenhuma fuga, embora consiga esquivar-se com habilidade
às indigências da enfermidade.
Engenhoso muito embora, porque domina, além da expectativa,
a lentidão da habilidade, cai algumas vezes até na perversão,
outras saem-lhe bem nobres empresas.
Por entre os estatutos da terra e a conjuntura exconjurada
dos deuses caminha ele. Ao sobrepujar o lugar, o perde,
a audácia o leva a favorece o não-ser contra o ser.
28
Aquele que põe tais coisas em obra,
não se torne familiar de minha lareira
nem meu saber compartilhe comigo seu desvairar-se!34
Muitas são as coisas extraordinárias, mas nada é mais extraordinário do que o
homem! O Coro da Antígona nos diz desse estranho ser, o mais estranho dos seres, que
é capaz de realizar tantas coisas grandiosas, sempre astucioso, mas que também cai
algumas vezes até na perversão. É espantoso que o homem seja assim, desse modo, e
que esta tensão lhe constitua enquanto homem, faça parte de sua condição mortal. Por
poder perceber em si mesmo a atuação destas duas forças, o grego assombra-se, admira-
se, espanta-se.
Isso nos mostra o sentido do espanto para o grego não apenas com forças
positivas, belas, harmoniosas do Cosmos e do próprio homem. O grego espanta-se com
a presença de forças negativas, terríveis, que se mostram no mundo, nos
acontecimentos, e que também aparecem e lutam dentro do homem. Percebemos aqui
também a presença dos contrários que Heráclito percebe, algum tempo antes das
tragédias, constituir toda a realidade. Como não se espantar com movimentos contrários
que se harmonizam, constituindo isso que é o real? Do mesmo modo, como não se
admirar, se assombrar, com esta unidade de forças contrárias que é o homem?
34 SÓFOCLES. Antígona. A tradução deste trecho foi retirada do artigo Heidegger e a Modernidade: a
correlação de sujeito e objeto, de Emmanuel Carneiro Leão. In LEÃO, E. C. Aprendendo a pensar, vol.
II, 2000, p. 186-187.
29
3. Platão, Aristóteles e o princípio da filosofia
No diálogo platônico, em certo momento o jovem Teeteto afirma a Sócrates:
TEET. — Pelos deuses, Sócrates, como me espanto muitíssimo com o facto de
ser assim e, por vezes, quando verdadeiramente olho para isso, fico tonto. [d]
S. — Efectivamente, meu amigo, Teodoro parece não ter adivinhado mal a tua
natureza. Pois o que estás a passar, o maravilhares-te, é mais de um filósofo.
De facto, não há outro princípio da filosofia que não este, e parece que aquele
que disse que Íris é filha de Taumanto não fez mal a genealogia (Teeteto, 155c
e 155d).
Platão nos diz, através de Sócrates, que a admiração é o princípio da filosofia. A
origem do termo princípio vem do grego arché. Heidegger mostra, na conferência O
que é isto – a filosofia?, que arché designa “aquilo que de onde algo surge. Mas este ‘de
onde’ não é deixado para trás no surgir; antes a arché torna-se aquilo que é expresso
pelo verbo archein, o que impera”35. Nesse sentido, arché não diz apenas de um início
determinado no tempo; trata-se de uma força imperante, regente, que impulsiona o
início e que continua presente naquilo que iniciou. Pensando a admiração, o espanto,
como princípio da filosofia, como nos sugere Platão, não teriam apenas os primeiros
filósofos se espantado diante da realidade; a admiração seria uma força que sempre de
novo poderia impulsionar o filosofar.
Podemos questionar, nesse ponto, em que consiste a filosofia para Platão. O que
entende o filósofo por essa atitude que Sócrates identificou tão bem em Teeteto? No
Banquete, Sócrates narra um discurso de Diotima da Mantinéia a respeito do tema do
banquete, Eros36:
É um tanto longo de explicar, disse ela; todavia, eu te direi. Quando nasceu
Afrodite, banqueteavam-se os deuses, e entre os demais se encontrava também
o filho de Prudência, Recurso. Depois que acabaram de jantar, veio para
esmolar do festim a Pobreza, e ficou pela porta. Ora, Recurso, embriagado com
o néctar — pois vinho ainda não havia — penetrou o jardim de Zeus e, pesado,
adormeceu. Pobreza então, tramando em sua falta de recurso engendrar um
filho de Recurso, deita-se ao seu lado e pronto concebe Eros. Eis por que ficou
companheiro e servo de Afrodite Eros, gerado em seu natalício, ao mesmo
35 HEIDEGGER. O que é isto – a filosofia? 2009, p. 29. 36PLATÃO. O Banquete, 203b a 204a.
30
tempo que por natureza amante do belo, porque também Afrodite é bela. E por
ser filho Eros de Recurso e de Pobreza foi esta a condição em que ele ficou.
Primeiramente ele é sempre pobre, e longe está de ser delicado e belo, como a
maioria imagina, mas é duro, seco, descalço e sem lar, sempre por terra e sem
forro, deitando-se ao desabrigo, às portas e nos caminhos, porque tem a
natureza da mãe, sempre convivendo com a precisão. Segundo o pai, porém,
ele é insidioso com o que é belo e bom, e corajoso, decidido e enérgico,
caçador terrível, sempre a tecer maquinações, ávido de sabedoria e cheio de
recursos, a filosofar por toda a vida, terrível mago, feiticeiro, sofista: e nem
imortal é a sua natureza nem mortal, e no mesmo dia ora ele germina e vive,
quando enriquece; ora morre e de novo ressuscita, graças à natureza do pai; e o
que consegue sempre lhe escapa, de modo que nem empobrece. Eros nem
enriquece, assim como também está no meio da sabedoria e da ignorância. Eis
com efeito o que se dá. Nenhum deus filosofa ou deseja ser sábio — pois já é
—, assim como se alguém mais é sábio, não filosofa. Nem também os
ignorantes filosofam ou desejam ser sábios; pois é nisso mesmo que está o
difícil da ignorância, no pensar, quem não é um homem distinto e gentil, nem
inteligente, que lhe basta assim. Não deseja portanto quem não imagina ser
deficiente naquilo que não pensa lhe ser preciso.
Sócrates, espantado com as palavras da sacerdotisa, questiona se não seria Eros
portanto nem belo, nem rico, nem mesmo divino. A todas estas perguntas Diotima
reponde que não, uma vez que Eros está no meio do caminho de todas essas atribuições.
Filho de Recurso e Penúria, Eros não é nem pobre nem rico, bem belo nem feio, nem
divino nem humano37. Herdou do pai a coragem, a decisão, a energia de ser sempre
ávido por sabedoria e cheio de recursos – maquinações. Ao mesmo tempo, herdou da
mãe a condição de estar sempre na precisão, na penúria, na pobreza, nunca rico, longe
de ser delicado e belo. Está sempre em busca, à procura da beleza, da riqueza, da
sabedoria.
Assim também se encontra o filósofo, nos diz Diotima. Os deuses, sábios, não
têm necessidade da filosofia, pois já são sábios; os ignorantes, pelo seu estado,
acreditam não precisar dela. É justamente este que se encontra no meio do caminho, que
se reconhece ignorante e que por isso busca a sabedoria, que é o filósofo. Eros é filósofo
37 Diotima afirma tratar-se de um daimon, uma criatura que está entre os deuses e os mortais. Nas
palavras da sacerdotisa (202e a 203a), ele é responsável por “... interpretar e transmitir aos deuses o que
vem dos homens, e aos homens o que vem dos deuses, de uns as súplicas e os sacrifícios, e dos outros as
ordens e as recompensas pelos sacrifícios; e como está no meio de ambos ele os completa, de modo que o
todo fica ligado todo ele a si mesmo. Por seu intermédio é que procede não só toda arte divinatória, como
também a dos sacerdotes que se ocupam dos sacrifícios, das iniciações e dos encantamentos, e enfim de
toda adivinhação e magia. Um deus com um homem não se mistura, mas é através desse ser que se faz
todo o convívio e diálogo dos deuses com os homens, tanto quando despertos como quando dormindo; e
aquele que em tais questões é sábio é um homem demônico, enquanto o sábio em qualquer outra coisa,
arte ou ofício, é um artesão. E esses dêmones, é certo, são muitos e diversos, e um deles é justamente
Eros.”
31
porque se encontra ele próprio, em função de seu nascimento, no meio do caminho entre
ignorância e sabedoria.
Encontramos aqui outro elemento importante para o pensamento. O filósofo só
filosofa porque reconhece que não sabe. O só sei que nada sei socrático ganha
contornos. É a partir do reconhecimento da ignorância que o filósofo busca a sabedoria,
e é nesse sentido que ele é amigo da sabedoria (no grego, os termos philéin e sophia
designam essa aproximação). Por essa condição de amizade, o filósofo busca seu objeto
com amor, mas nunca o alcança definitivamente; sua procura não finda no momento em
que encontra respostas a determinada questão. A filosofia é, assim, uma busca constante
pela sabedoria, uma aproximação que não encontra fim.
Segundo as palavras do oráculo, Sócrates é o mais sábio entre os homens38. Sua
sabedoria não consiste em conteúdos intelectuais ou informações. Sócrates é o mais
sábio dentre os homens porque reconhece sua ignorância, admite que só sabe que de
nada sabe. O reconhecimento socrático do não saber não constitui, como algumas
interpretações consideram, uma atitude de modéstia – ou falsa modéstia. Tampouco se
trata de uma posição de passividade diante do conhecimento. Antes, reconhecer que
nada sabe é também um reconhecimento do lugar do homem, este que não domina o
curso dos acontecimentos, que não é capaz de abarcar a totalidade, que não consegue
conhecer verdadeiramente nada de bom nem de belo.
Em O que é a filosofia antiga?, Pierre Hadot nos mostra como a afirmação de
Sócrates de nada saber também representa uma crítica à noção predominante de
conhecimento como um progressivo acúmulo de saberes. Para o filósofo, o
conhecimento não é adquirido de fora; antes, o homem deve investigar dentro de si
mesmo para encontra-lo. Por isso Sócrates não responde às perguntas de seus
interlocutores, mas os interroga. Seu objetivo é que os saberes que estão latentes na
alma humana possam aflorar. Esse movimento de busca interna aponta para o
38 Na Apologia de Sócrates, Platão nos mostra como o oráculo de Delfos, questionado por Querofonte,
afirma ser Sócrates o mais sábio dos homens. Buscando investigar a afirmação oracular, o filósofo afirma
que chegou à conclusão de que era mais sábio que os outros homens numa pequena coisa, porque,
enquanto nenhum deles sabia nada de bom nem de belo, os outros acreditavam que sabiam, e ele era o
único a reconhecer que de fato nada sabia (vide PLATÃO, Apologia de Sócrates. 1999, p. 71).
32
verdadeiro objetivo do diálogo socrático: “a verdadeira questão que está em jogo não é
isso que se fala, mas aquele que fala39.
Nesse sentido, a busca pelo conhecimento é um voltar-se para dentro, colocar-se
como questão, examinar-se. É a partir do conhecimento de si próprio que o homem
pode também reconhecer dentro de si saberes outros, a respeito de outros assuntos. A
filosofia, desse modo, não se resume a mera atividade intelectual
A filosofia antiga admite muito bem, de uma maneira ou de outra desde o
Banquete de Platão, que o filósofo não é um sábio, mas ela não se considera
um puro discurso que é suspenso no momento em que a sabedoria aparece; ela
é, ao mesmo tempo e indissoluvelmente, discurso e modo de vida, que tendem,
ambos para a sabedoria sem jamais atingi-la40.
A filosofia para Platão é, assim, mais uma opção de vida, uma escolha
existencial, um modo de viver – não por acaso encontramos na vida de Sócrates a
expressão máxima dessa concepção. Podemos lembrar, na República, no livro VII,
como Platão aponta que o prisioneiro deve, ao ver a luz, não virar apenas os olhos, mas
o corpo todo41. A esse respeito, Jaeger afirma que assim como os nossos olhos não
poderiam voltar-se para a luz a não ser dirigindo o corpo inteiro para ela, também nos
devemos desviar ‘com toda a alma’ do corpo do devir, até que ela esteja em condições
de suportar a contemplação das camadas mais luminosas de Ser42. A filosofia exige uma
conversão total do ser, como o giro do corpo todo; exige que se oriente a vontade para
aquilo que há de mais alto, as essências das coisas43.
Percebemos como a busca pela sabedoria não envolve apenas um sentido
intelectual para Platão. Do mesmo modo, enquanto arché da filosofia, a admiração não
diz apenas de uma atitude intelectual, abstrata. A admiração para Platão indica mais
uma postura diante do conhecimento, que se liga à atitude do não saber. O homem se
espanta, se admira diante do real, reconhecendo que não sabe. Trata-se de reconhecer a
39HADOT, P. O que é a filosofia antiga? 2004, p. 54. 40Id. Ibid. p. 19. 41 PLATÃO. República. 2000. p. 229 42 JAEGER. W. Paidéia. 2011, p. 888. 43 Uma vez que não se trata do foco deste trabalho, a concepção platônica das essências, as ideias, não
será aprofundada neste momento. Foi citada como elucidação da compreensão do filósofo do que seja a
tarefa da filosofia, essa sim necessária para o andamento do trabalho.
33
condição limitada do homem em relação ao conhecimento. É o Eros platônico que
nunca chega ao fim. Marcelo Perine, em seu artigo A origem do filosofar e a pesquisa
em filosofia, a esse respeito afirma:
Thaumázein significa ‘admirar’, ‘maravilhar-se’, ‘ficar estupefato’, sob duplo
aspecto: por um lado, aquele que admira não sabe tudo aquilo que admira e,
mais ainda, sabe que não sabe; por outro, sabendo disso, põe-se a caminho do
saber (...). Esse é o verdadeiro sentido da admiração como atitude originante do
filosofar44.
Assim, consideramos que a atitude socrática do não saber constitui-se como uma
postura de humildade do homem, não no sentido psicológico do termo, mas num sentido
ontológico. Trata-se do homem reconhecer suas possibilidades, reconhecer sua condição
de humanidade, de finitude – compartilhando dessa compreensão que encontramos no
mito e que perpassa toda experiência grega de pensamento –, que lhe dá uma medida
não só em termos de existência, mas também em termos intelectuais.
Na Metafísica, como já mencionado, Aristóteles também atribui à admiração o
início da filosofia. Nas palavras do filósofo
De fato, os homens começaram a filosofar, agora como na origem, por causa da
admiração, na medida em que, inicialmente, ficavam perplexos diante das
dificuldades mais simples, em seguida, progredindo pouco a pouco, chegaram
a enfrentar problemas sempre maiores, por exemplo, os problemas relativos aos
fenômenos da lua e aos do sol e dos astros, ou os problemas relativos à geração
de todo o universo. Ora, quem experimenta uma sensação de dúvida e de
admiração reconhece que não sabe; e é por isso que também aquele que ama o
mito é, de certo modo, filósofo: o mito, com efeito, é constituído por um
conjunto de coisas admiráveis. De modo que, se os homens filosofaram para
libertar-se da ignorância, é evidente que buscavam o conhecimento unicamente
em vista do saber e não por alguma utilidade prática45.
Na afirmação aristotélica também encontramos o termo grego arché, que
designa, de acordo com a tradução que Heidegger46 sugere, princípio, força imperante.
Aristóteles, assim como Platão, compreende a admiração como este princípio que inicia
44 PERINE, M. A origem do filosofar e a pesquisa em filosofia. In: Pesquisa e filosofia. 2010, p. 17. 45 ARISTÓTELES, Metafísica, 1, 2, 982 b 11-21. 46 Cf. infra, p. 19, nota 28.
34
e rege, acompanha, impera em todo o fazer filosófico. A tradução de Heidegger para o
trecho em questão da Metafísica aponta essa compreensão de arché: “Pelo espanto os
homens chegam agora e chegaram antigamente à origem imperante do filosofar (àquilo
de onde nasce o filosofar e que constantemente determina sua marcha)”47.
A admiração, enquanto arché da filosofia, é essa atitude pela qual nasce o
filosofar e que constantemente determina sua marcha. Tanto Platão como Aristóteles
compreendem a filosofia, em qualquer uma de suas manifestações, como essa atividade
que é sempre motivada pelo espanto, pela admiração do homem diante do real e de si
mesmo.
Aristóteles também compartilha com Platão a compreensão de que os homens
não filosofam por qualquer necessidade prática, mas a partir do momento que se
admiram com a realidade e passam a reconhecer que não sabem. A admiração para os
dois filósofos é motivada pelo não saber e o evidencia ao homem: ora, quem
experimenta a sensação de dúvida e admiração reconhece que não sabe.
Ressalta-se que a partir de Sócrates, Platão e Aristóteles, o pensamento grego
opera rupturas em relação ao mito e ao pensamento dos pré-socráticos, instaurando a
dinâmica da filosofia. Porém, neste trabalho, esse processo não será elucidado, podendo
constituir objeto de um futuro aprofundamento. Antes, buscamos reafirmar a dimensão
ontológica da admiração no mundo grego reconhecendo que em Platão, bem como em
Aristóteles, ela assume o lugar de princípio e regência da filosofia.
No sentido de força imperante, arché, podemos questionar se ainda hoje é
possível que a admiração impulsione a filosofia. Poderia o espanto, mais de dois
milênios e meio após Platão e Aristóteles, continuar como força regente, dando início e
acompanhando a filosofia? Teria sido o espanto, a admiração, arché apenas para os
gregos? Ou pode constituir para nós também uma força que nos move em direção ao
filosofar? Se compreendermos o espanto como Platão e Aristóteles, como esse princípio
que sempre rege a filosofia, enquanto arché, poderia esse princípio continuar a
impulsionar o filosofar?
47 HEIDEGGER, M. O que é isto – a filosofia?2009, p. 30.
35
Conclusão
“A tarefa do pensador não é construir respostas nem formular teorias. Isto é
coisa de cientista. A tarefa do pensador é examinar as irrupções das diversas respostas e
teorias em seus respectivos pressupostos de sustentação”48. Concordando com Carneiro
Leão, o caminho que buscamos trilhar não foi justamente o de construir respostas nem
formular teorias. Ao longo do trabalho, nosso objetivo foi de examinar diferentes
irrupções da admiração no pensamento grego, não para explica-las ou distingui-las, mas
procurando pensar como o espanto é uma ambiência de pensamento do homem grego, e
que provocações esta ambiência pode gerar em nós. É nesse sentido que
compreendemos a admiração como uma força que, de Hesíodo a Aristóteles, orienta a
relação do homem grego com a realidade; como essa disposição – ontológica – de
acolhimento dos mistérios do real, de reconhecimento da distinção entre forças divinas e
forças humanas, orientando o homem a buscar seu lugar no Cosmos.
Porém, podemos questionar por que investigar o sentido da admiração no mundo
grego. O que estes pensadores podem trazer de importante para nós atualmente? O que a
compreensão grega do espanto pode nos ensinar hoje? É justamente a estranheza que
este pensamento nos provoca que pode nos movimentar no sentido de questionarmos a
nós mesmos, nossos hábitos de pensamento, nossa relação com o real, nossa
compreensão do que seja o humano.
A admiração nos indica uma compreensão que o homem grego tem de si mesmo
e da realidade. O homem espanta-se, admira-se, porque reconhece que seu lugar no
ordenamento do Cosmos não é de onipotência. Ao mesmo tempo, compreende que seus
limites não são barreiras a serem vencidas, mas o que o constituem enquanto homem.
Também é espantoso para o grego perceber o real se manifestando nas diversas
realizações singulares, no plano comum, ordinário, em que vive. Assim, o espanto nos
indica outro modo de estar no mundo, tão distante dos paradigmas modernos, que
orientam o homem à busca de controle, dominação, de sempre mais e mais poder –
sobre a natureza, sobre outros homens, sobre forças sobrenaturais que ele não controla.
Afastar-se da hybris era para os gregos o mais importante; a partir da modernidade,
nossa trilha nos indica que é pela hybris que o homem se movimenta. Parece ser nesse
48LEÃO, E. C. Filosofia grega: uma introdução. 2010, p. 120.
36
sentido que Unger afirma que “... enquanto outras sociedades fizeram do eixo de sua
cultura a elaboração de técnicas para controlar essa tendência, a nossa fez da hybris sua
virtude máxima”49.
Nesse cenário e, principalmente, nesse modo de viver do homem moderno, cabe
questionarmos se ainda é possível o espanto. Será ele uma possibilidade que permanece
presente para nós hoje? Será que um mundo dessacralizado, em que espaço e tempo
passam a ser meras medidas quantitativas; em que as realizações passam a ser frutos
exclusivos da capacidade humana; será que esse mundo ainda guarda espaço para a
admiração? Ou somente uma realidade que se comunica, que dá sinais, que assinala sua
dinâmica de manifestação ao homem, como compreende a experiência grega originária,
possibilita essa experiência?
São justamente as diferenças em relação a nosso pensamento que podem
levantar questões importantes. Perceber nos gregos outra postura ontológica, outra
disposição diante da realidade, nos mostra também outra possibilidade para nossa
caminhada. Não se trata de querer agir como eles agiram, de retornar a seus paradigmas
– isso não seria apenas impossível, mas também muita pretensão. Antes, busca-se
iluminar nossas questões e desafios atuais a partir do que pensaram os gregos antigos.
Cabe do mesmo modo refletir sobre o fato de serem eles a origem de nossa trajetória de
pensamento. Ir aos gregos, desse modo, é realizar o movimento de ir à fonte. E para que
ir à fonte? Assim como a força da admiração dá início e sempre renova o filosofar,
podemos entender os pensadores gregos originários enquanto arché da filosofia, de
nossa tradição ocidental de pensamento. É nesse sentido que eles são sempre
contemporâneos, podendo levantar questões que nos dizem respeito e nos incentivam a
reflexão mesmo depois de mais de dois milênios e meio de sua produção.
O ponto que faz com que a retomada da experiência originária do espanto
continue relevante atualmente é justamente pensar como a partir dela podemos re-
pensar questões que enfrentamos hoje. Mais do que buscar respostas objetivas,
definitivas, antes de querer formular teorias, essa retomada se configura como
possibilidade de reflexão; importa mais deixar as perguntas ressoarem, vibrarem, dando
espaço para que possam se abrir novos caminhos de pensamento.
49 UNGER, N. M. O encantamento do humano: ecologia e espiritualidade. 2000, p. 40.
Referências bibliográficas
ARISTÓTELES. Metafísica. Trad. de Vincenzo Cocao. Coleção Os Pensadores. São
Paulo: Editora Abril Cultural, 1984.
BORNHEIM, G. Os filósofos pré-socráticos. São Paulo: Cultrix, 1977.
CHANTRAINE, P. Dictionnaire étymologique de la langue grecque: historie des mots.
Paris: Éditions Klincksieck, 1968.
COLLI, G. O nascimento da filosofia. Campinas: Editora da Unicamp, 1992.
ELIADE, M. Mito e realidade. Trad. de Pola Civelli. São Paulo: Perspectiva, 1972.
________. O sagrado e o profano. Trad. de Rogério Fernandes. São Paulo: Martim
Fontes, 1992.
HADOT, P. O que é a filosofia antiga? Trad. de Marcos Marcionilo. São Paulo:
Edições Loyola, 2004.
________.O véu de Ísis: ensaio sobre a história da ideia de natureza. Trad. de Mariana
Sérvulo. São Paulo: Edições Loyola, 2006.
HEIDEGGER, M. Heráclito. Tradução de Márcia Sá Cavalcante Schuback. Rio de
Janeiro, Relume Dumará, 1998.
________. Que é isto – a filosofia?: identidade e diferença. Tradução de Ernildo Stein.
2 ed. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, São Paulo: Livraria Duas Cidades, 2009.
HESÍODO. Teogonia: a origem dos deuses. Trad. Jaa Torrano. São Paulo: Iluminuras,
1995.
________. Teogonía. Trad. de A. Pérez Jiménez y A. Martínez Díaz. España: Biblioteca
Gredos, 2006.
HOMERO. Ilíada. Trad. de Carlos Alberto Nunes. Coleção Universidade de Bolso. São
Paulo: Ediouro, 1997.
________. Odisséia. Trad. de Jaime Bruna. São Paulo: Cultrix, 2005.
JAEGER, W. Paideia - a formação do homem grego. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
9
________. Aristóteles: bases de la historia de su desarrollo espiritual. México: Fondo
de Cultura Economica, 1965.
LEÃO, E. C. Aprendendo a pensar. Vol I. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes. 1977.
________. Aprendendo a pensar. Vol II. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes. 1991.
________.Filosofia grega: uma introdução. Teresópolis, Rio de Janeiro: Daimon
Editora, 2010.
________. Heráclito. Coleção Diagrama. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1980.
________. Heráclito e a aprendizagem do pensamento. In: Revista de Filosofia Antiga -
Kleos. Rio de Janeiro - IFCS - UFRJ: v.1, n.1, p.113 - 142, 1997.
OTTO, W. F. Os deuses da Grécia: a imagem do divino da visão do espírito grego.
Trad. de Ordep Serra. São Paulo: Odysseus Editora, 2005.
________. Teofanía: el espíritu de la antigua religión griega. Trad. de Juan Jorge
Thomas Madrid: Sexto Piso, 2007.
PIEPER, J. Que é filosofar? Que é Acadêmico? Trad. H. A. Simon, São Paulo: Herder,
1968.
PLATÃO. A República. Trad. de Enrico Corvisieri. Coleção os Pensadores. São Paulo:
Nova Cultural, 2000.
________. Diálogos: Eutífron ou da religiosidade; Apologia de Sócrates; Críton ou do
dever; Fédon ou da alma. Trad. e notas de José Cavalcante de Souza. Coleção Os
Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1999.
________. O Banquete. Trad. e notas de José Cavalcante de Souza, Jorge Paleikat e
João Cruz Costa. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1991.
________. Teeteto. Tradução de Adriana Manuela Nogueira e Marcelo Boeri. Fundação
Calouste Gulbenkian, 2005.
PERINE, M. A origem do filosofar e a pesquisa em filosofia. In: Pesquisa e filosofia.
SALLES, J. C. (org.). Salvador: Quarteto, p. 13 - 41, 2007.
SÓFOCLES. Antígona. Trad. Maria Helena da Rocha Pereira. 6. ed. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian e Fundação para a Ciência e a Tecnologia, 2003.
10
UNGER, N. M. Da foz à nascente: o recado do rio. São Paulo: Editora da UNICAMP,
2001.
________.Finitude e dominação. In: Pesquisa e filosofia. SALLES, J. C. (org.).
Salvador: Quarteto, p. 291 - 298, 2007.
________. O encantamento do humano: ecologia e espiritualidade. 2 ed. São Paulo,
Edições Loyola, 2000.
VERNANT, J. P. As origens do pensamento grego. Trad. de Ísis Borges B. da Fonseca.
Rio de Janeiro: Difel, 2010.
________. J.P et NAQUET, P. V. Mito e tragédia na Grécia clássica. Trad. de Bertha
Gurovitz, São Paulo, Brasiliense, 1991.
Recommended