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Ariovaldo Ramos e Ricardo Bitún
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ÉÉ TTEEMMPPOO DDEE RREEFFLLEETTIIRR
Ariovaldo Ramos e Ricardo Bitún
Edição especial para distribuição gratuita pela Internet, através
do Letras Santas, com autorização do Autor. Todos os direitos reservados. A reprodução no todo ou em parte deste livro, por qualquer meio, sem autorização do autor.
O Autor gostaria de receber um e-mail de você com seus comentários e críticas sobre o livro: Ariovaldo@evangelicos.com O Letras Santas gostaria também de receber suas críticas e sugestões. Sua opinião é muito importante para o aprimoramento de nossas edições: letrassantas@hotmail.com ou naasom@bol.com.br . Estamos à espera do seu e-mail.
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É Tempo de Refletir
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Índice
Apresentação
Como (e por que) este livro nasceu
Preâmbulo
I A Inserção da Fé Protestante no Brasil
Tentativas e fracassos
Imigrantes e missionários
O choque petencostal
Manoel de Mello e as “igrejas autóctones”
Paraeclesiáticas, o regime militar e a reação jovem
II Fé em Expansão: Os Anos de Crescimento
Três ondas
A quarta onda: os neopentecostais
A sedução da mídia e a paixão pelo crescimento
Fé e sincretismo
Liderança e personalismo
III Por Uma Nova Eclesiologia
Fé e auto-ajuda
Epílogo
Bibliografia
Ariovaldo Ramos e Ricardo Bitún
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Apresentação (Texto do prefaciador)
Como (e por que) este livro nasceu (Texto do Ari)
Preâmbulo A Bíblia registra em 1 Timóteo 6:9: “Ora, os que querem ficar ricos
caem em tentações, e cilada, e em muitas concupiscências insensatas e
perniciosas, as quais afogam os homens na ruína e na perdição”. As
palavras do apóstolo Paulo ganham um tom ainda mais profético quando
aplicadas ao momento atual da Igreja Evangélica Brasileira. Ele adverte
contra a sedução da riqueza e a insensatez de se perseguir o sucesso
material. Esse caminho, diz o apóstolo, está pavimentado de “ciladas” e só
pode terminar em “ruína e perdição”.
Nas últimas duas décadas, uma corrente teológica vinda dos Estados
Unidos invadiu o Brasil. Travestida de verdade revelada, ela subverte o
Evangelho e põe em xeque nossa herança protestante. A Teologia da
Prosperidade, nome pelo qual essa corrente é conhecida, encontrou ampla
acolhida no mundo editorial. Com raras exceções, as editoras evangélicas
inundaram o mercado com obras que propagandeavam os ensinamentos do
Movimento da Fé, como também é chamada a escola doutrinária iniciada
pelo americano Kenneth Hagin, autor dos best-sellers A autoridade do
Crente e Compreendendo a Unção.
Restrita no começo a uma ala do protestantismo brasileiro, a Teologia
da Prosperidade se espalhou rapidamente entre nós e pode ser ouvida dos
É Tempo de Refletir
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mais insuspeitos púlpitos. Entra-se numa igreja e lá está um sujeito
pregando mensagens mais próximas da auto-ajuda do que da teologia dos
reformadores. O povo não quer ouvir falar de renúncia e sofrimento pela
causa do Reino, rendem-se os pastores. A Cruz tournou-se outra vez uma
vergonha, mas ironicamente para aqueles que dela deveriam fazer sua
profissão de fé.
O pastor sobe ao púlpito acreditando combater forças ocultas, que
talvez não sejam lá tão ocultas, mas assim mesmo cridas como sendo. O
crente vai ao templo para ouvir uma palavra positiva, para cima; anela por
uma mensagem de refrigério, de bênção. Falar de arrependimento e
conversão seria trair sua confiança, frustrar sua expectativa. Então, sob esse
aspecto, a Teologia da Prosperidade venceu.
O mundo editorial não foi, porém, o único a contribuir para a ascensão
da Teologia da Prosperidade. Da noite para o dia, os canais de televisão
passaram a abrigar em suas grades programas apresentados por estrelas do
Movimento da Fé como Valnice Milhomens e R. R. Soares. O poder do
meio amplificou o efeito, e não demorou para que a Teologia da
Prosperidade ganhasse o status de “pensamento oficial” da Igreja
Evangélica Brasileira, tamanha sua influência e de seus líderes.
Um dos seus mais destacados representantes, R. R. Soares declarou,
em entrevista recente à revista Eclésia, preferir “mil vezes pregar a teologia
chamada da prosperidade do que a teologia do pecado, da mentira, da
derrota, do sofrimento”. O triunfalismo esnobe dos arautos da Prosperidade
emerge na afirmação: “Não creio (sic) na miséria. Essa história é conversa
de derrotados. São todos um bando de fracassados, cujas igrejas são um
verdadeiro fracasso”. E desafia: “Todo mundo que está na derrota tem que
Ariovaldo Ramos e Ricardo Bitún
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aprender correndo a tomar posse da benção, senão vai continuar na derrota
e dando péssimo testemunho. Esse negócio de falar que Deus é bom mas
não cura, não liberta, não prospera (sic), que bondade é essa?”.1
Retrucaríamos: Que teologia é essa? Que evangelho é esse?
As páginas que se seguem não são uma refutação da Teologia da
Prosperidade. Pelo menos três volumes já foram dedicados a esse tema com
relativo sucesso. Dois são de autoria do pastor e pesquisador Paulo Romeiro
e um do pastor Ricardo Gondim.2
Nosso objetivo é mais modesto. Temos em mente o leitor que,
bombardeado pelas mensagens dos mensageiros da Prosperidade, foi
tomado de dúvidas sobre sua fé e, sem respostas, sente o chão fugir-lhe.
Sofre com a falta de conhecimento e de argumentos para rebater aos que o
acusam de ser ele um “crente fraco”, sem poder.
Pensamos também no pastor que se angustia por não ter encontrado a
“chave do crescimento e do sucesso” para o seu ministério e se impacienta
com a própria falta de criatividade. Ele ouve relatos de igrejas onde as
pessoas se espremem porque o lugar ficou pequeno para tanta gente; onde o
pastor tem um programa de televisão e o nome do seu ministério está na
boca de todo mundo. Aí ele para e se pergunta: “Onde está o segredo?”
Ao fazer um excurso através da história da Igreja Evangélica
Brasileira, tive a intenção de mostrar duas coisas: primeiro, que não temos
1 “Evangelho de Resultados”, entrevista publicada na edição de Junho de 2001 da revista Eclésia., pp. 24 e ss. O missionário R. R. Soares, é fundador e presidente da Igreja Internacional da Graça. 2 As obras são: SuperCrentes – O Evangelho Segundo Kenneth Hagin, Valnice Milhomens e os Profetas da Prosperidade. Mundo Cristão. São Paulo, 1993 e Evangélicos em Crise: Decadência Doutrinária na Igreja Brasileira. Mundo Cristão. São Paulo, 1995 (de autoria do Pr. Paulo Romeiro); O Evangelho da Nova Era: Uma Análise e Refutação Bíblica da Chamada Teologia da Prosperidade. Abba Press. São Paulo, 1993 (do Pr. Ricardo Gondim).
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por que nos envergonhar da nossa herança protestante; segundo, que é
possível crescer e manter a identidade com essa mesma herança. Se logrei
sucesso, somente leitor poderá dizer.
Não precisamos fazer concessões para nos tornar mais respeitáveis ou
ganhar a aprovação da sociedade. Paradoxalmente, depois de anos como
minoria religiosa, os evangélicos podem vir a se tornar uma maioria que
não faz diferença.
Ariovaldo Ramos e Ricardo Bitún
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I A I N S E R Ç Ã O D A
F É P R O T E S T A N T E N O B R A S I L
Tentativas e fracassos A Igreja Evangélica Brasileira é nova. Começou a fixar-se a partir da
segunda metade do século XIX, quando o Brasil já havia conquistado sua
independência de Portugal e era governado por um imperador (D. Pedro II).
Houve, no período Colonial, tentativas de implantar por aqui a fé
protestante, mas ela só viria a vingar entre nós muito tempo depois de o
catolicismo tornar-se a religião oficial do Brasil. De fato, a Constituição
Imperial de 1824 apenas ratificou um domínio já existente na prática.
Villegaignon, comandante da expedição francesa que aportou na
Guanabara em 1555 e teve o apoio do huguenote Gaspard de Coligny,
escreveu a Calvino e à Igreja de Genebra pedindo que para cá fossem
enviados “crentes reformados”. Dois anos depois era celebrado o primeiro
culto evangélico em terras brasileiras.
Mais tarde, o francês expulsaria os calvinistas da recém-fundada
França Antártica, por discordar deles acerca da administração dos
sacramentos.
No século XVII, durante a dominação holandesa do Nordeste (1630 a
1654), o Evangelho teve nova chance. Instalada sob a proteção de Maurício
de Nassau, a Igreja Reformada chegou a ter duas dezenas de igrejas e
É Tempo de Refletir
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congregações, atendidas por mais 50 pastores e “predicantes”, além de dois
presbitérios e um sínodo. Os holandês deixaram o país em 1654, depois que
a Companhia das Índias Ocidentais negociou com Portugal sua saída do
Nordeste.
Um fato curioso na história da Igreja no Brasil foi o movimento
iniciado por Frei Caneca, então regente do Império, para separar a Igreja
brasileira do Vaticano. O religioso chegou mesmo a convidar teólogos de
Westminster para virem ao Brasil, com o intuito de criar aqui uma nova
teologia, de traços protestantes e anglicanos. O religioso foi destituído da
sua regência e condenado por traição. Fracassou, desse modo, mais uma
tentativa de implantar a Igreja Evangélica em nosso país, o que só viria a
acontecer com a chegada dos imigrantes europeus (principalmente alemães,
que abriram igrejas luteranas no sul do país) e das primeiras missões
estrangeiras na segunda metade do século XIX.
Imigrantes e missionários Os imigrantes tiveram um papel decisivo na inserção da fé protestante
no Brasil. Em 1810, Portugal e Inglaterra haviam firmado o Tratado de
Comércio e Navegação que, entre outras coisas, protegia os imigrantes
protestantes de perseguição religiosa. Isso incentivou a chegada deles em
grande número, vindos principalmente dos Estados Unidos, Escócia e
outras nações européias. Foram os imigrantes alemães, entre eles muitos
luteranos e reformados, porém, que criaram comunidades de colonos,
instalando-se principalmente nos estados do Sul do país. No começo, seus
pastores foram escolhidos entre os próprios “leigos”, e ficaram conhecidos
como “colonos-pregadores”. Só bem mais tarde, missionários e ministros
Ariovaldo Ramos e Ricardo Bitún
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foram enviados da Suíça e da Prússia para cuidar do rebanho alemão no
Brasil.
As primeiras ações missionárias no país foram resultado do trabalho
das sociedades bíblicas. O clima de tolerância da época (era ainda o tempo
de vigência dos tratados assinados com a Inglaterra, uma nação protestante)
permitiu que homens como Daniel Parish Kidder e James Cooley Fletcher
realizassem um extraordinário trabalho de colportagem. O primeiro era
episcopal; o segundo, presbiteriano. Kidder chegou aqui em 1842 e fundou,
com o rev. Fountain Pitts, a primeira escola dominical do Brasil. Sua maior
realização, contudo, foi como distribuidor de bíblias, tendo viajado por todo
o país.
Como Kidder, Fletcher foi agente da Sociedade Bíblica Americana e
um verdadeiro apaixonado pelo trabalho de divulgação do Evangelho.
Enviado ao Brasil pela União Cristã Americana Estrangeira, escreveu, em
1857, O Brasil e os Brasileiros, obra que viria a influenciar ninguém menos
do que Robert Reid Kalley.
Médico de formação, Kalley foi missionário na Ilha da Madeira, de
onde fugiu vítima de perseguição religiosa. Nos Estados Unidos, encontrou-
se com Fletcher, de quem ouviu relatos sobre o “grande campo” recém-
aberto no Brasil. E para cá Kalley veio, em 1855, acompanhado de Sarah
Poulton, sua esposa, co-autora com ele do mais famoso e influente hinário
evangélico brasileiro, o Salmos e Hinos.3
3 MENDONÇA, Antonio Gouveia. O Celeste Porvir – A Inserção do Protestantismo no Brasil. Aste. São Paulo, 1995., pp 29 e 176
É Tempo de Refletir
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Do trabalho dos Kalleys nasceu a Igreja Evangélica Fluminense, uma
comunidade que reunia madeirenses e brasileiros. Robert Kalley foi um
destacado defensor da liberdade religiosa e o primeiro missionário a usar a
língua portuguesa para divulgar o Evangelho no país.4
Outro missionário pioneiro foi o presbiteriano Ashbel G. Simonton,
enviado ao Brasil pela Junta de Missões Estrangeiras, de Nova York
(EUA). Sua figura é decisiva na evolução do presbiterianismo brasileiro.
Apesar de ter escolhido o Brasil como campo missionário, Simonton não
dominava o Português e enfrentou muita dificuldade para se adaptar ao
país. Por oito anos esteve à frente da Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro,
fundada por ele em 1862. Veio a falecer em 1867. 5
O trabalho de Simonton foi secundado pela vinda de outros
missionários presbiterianos, como Alexander Blackford e Francis
Schneider.
Depois de uma malsucedida tentativa com Thomas Jefferson Bowen
dez anos antes, os batistas se instalaram entre nós em 1871 na cidade de
Santa Bárbara D’Oeste, onde existia uma comunidade de imigrantes
confederados vindos dos Estados Unidos. A primeira igreja começou a
funcionar em Setembro daquele ano, tendo à frente o pastor Richard
Ratcliff. Somente uma década mais tarde, em 1881, a Junta Missionária de
Richadmond enviou ao Brasil William B. Bagby. No ano seguinte à sua
chegada, ele fundaria, ao lado de um ex-padre (Antônio Teixeira), a
primeira igreja batista brasileira.6
4 Ibidem, p. 176 5 Ibidem, pp. 29 e 178-185 6 Ibidem, p. 31
Ariovaldo Ramos e Ricardo Bitún
12
Os episcopais foram, entre as denominações históricas, os últimos a se
estabelecerem no país. Lucien Kinsolving e James Watson Morris
chegaram aqui em 1889, enviados pela American Church Missionary
Society. Foram para Porto Alegre no ano seguinte, onde se fixaram e deram
início a um dos mais promissores trabalhos missionários daquela época.
Apesar da presença dos colonos luteranos na região e dos presbiterianos já
haverem iniciado uma missão na cidade de Rio Grande, a Província do Rio
Grande Sul era pouco ocupada por missões. Em poucos anos os episcopais
cresceram e, num só ano (1897), foram confirmados 150 fiéis. Dois anos
mais tarde a Igreja Episcopal do Brasil sagrou seu primeiro bispo residente,
Lucien Lee Kinsolving.7
A Igreja Evangélica Brasileira permaneceu, da sua instalação até o
início do século XX, sendo tradicional, cujas características mais marcantes
eram a erudição bíblica e o formalismo litúrgico. Havia também acentuada
ênfase na educação, compreensível pelas altas taxas de analfabetismo da
população brasileira da época.
Antonio Gouvêa Mendonça, autor de O Celeste Porvir, argumenta que
o protestantismo implantado no Brasil manteve, contrariamente ao que se
poderia esperar, uma certa unidade teológica e ideológica. Duas coisas
contribuíram para isso: a origem comum (EUA) da maioria das missões e a
predominância do culto católico entre os brasileiros. “As diferenças entre as
denominações eram de natureza secundária, niveladas que foram pela
teologia originada dos movimentos religiosos norte-americanos, de um
lado, e das condições peculiares do Brasil, por outro”.8
7 Ibidem, pp. 31 e 32 8 Ibidem, p. 83
É Tempo de Refletir
13
Essa unidade irá, pouco a pouco, sofrer abalos à medida que os
evangélicos crescem, até resultar na ruptura e no isolamento dos anos 80.
O aparecimento dos pentecostais será, por mais de uma razão, o
elemento desencadeador das fissuras que levarão ao racha entre os
tradicionais, principalmente nos círculos batistas e presbiterianos. Eis o
motivo para nos voltarmos a eles agora.
O choque petencostal Os pioneiros foram a Congregação Cristã do Brasil, aqui chegada em
1910 pelas mãos de um italiano, Luigi Francescon, e a Assembléia de Deus,
fundada no ano seguinte pelos missionários suecos Gunnar Vingren e
Daniel Berg. As duas permaneceram como as maiores forças do movimento
pentecostal no Brasil até o final dos anos 40, quando dissidentes criaram
ministérios independentes. Surgiram, então, três novos protagonistas. Dois
deles (a Pentecostal O Brasil Para Cristo e a Deus é Amor) se
singularizaram por marcarem a emergência das “igrejas autóctones”. O
terceiro (a Evangelho Quadrangular) foi trasladado dos Estados Unidos para
cá.
Francescon morou nos Estados Unidos no período em que William
Seymour iniciou, num prédio alugado na cidade de Los Angeles, o que
ficou conhecido como o Século Pentecostal. Era o ano de 1906. Francescon
e sua esposa, Rosina Balzano, moravam em Chicago quando receberam o
“batismo” com o Espírito Santo. Eles deixariam os Estados Unidos em
1909 rumo ao Brasil.
Aqui Francescon freqüentou a Igreja Presbiteriana do Brás, bairro da
capital paulista com uma enorme colônia italiana. Suas idéias acerca do
Ariovaldo Ramos e Ricardo Bitún
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ministério do Espírito Santo causaram um verdadeiro racha na igreja.
Apoiado por fiéis (presbiterianos, batistas, metodistas e até católicos)
descontentes com suas denominações, Francescon abriu a primeira “casa de
oração” da Congregação Cristã no Brasil.9
A igreja fundada no Pará, em 1910, por Gunnar Vingren e Daniel
Berg, tornou-se a maior denominação evangélica brasileira em menos de
cem anos. A Assembléia de Deus é a tradução mais bem sucedida –tanto
em ternos doutrinários quanto numéricos – do pentecostalismo entre nós.
Intrigante na trajetória da Assembléia de Deus é o fato de ter nascido
numa região do país que nunca despertou grande interesse nas outras
denominações. Ao recensear a história da evangelização no Brasil, Elben
Lenz César registra que os protestantes históricos (luteranos, presbiterianos,
congregacionais, metodistas, episcopais e batistas aí incluídos) instalaram-
se nas regiões Sul e Sudeste, ao passo que os pentecostais deram início à
sua expansão a partir do Norte.10
Não obstante o isolamento, a Assembléia de Deus crescia. E crescia
muito. Quando, nos anos 60, dá-se o encontro entre tradicionais e
pentecostais, o resultado é quase um cisma na Igreja Evangélica Brasileira,
um choque que levou a toda sorte de divisão.
Os pentecostais, liderados pela Assembléia de Deus, ganharam
expressão e invadiram os arraiais das denominações tradicionais. O fogo
caiu. E caiu sob dois aspectos: caiu o fogo do Espírito Santo e pegou fogo a
relação entre os irmãos. Igrejas históricas se dividiram, movimentos
9 CÉSAR, Elben M. Lenz. História da Evangelização do Brasil – Dos Jesuítas aos Neopentecostais. Ultimato Editora. São Paulo, 2a edição, 2000, p. 115 10 Ibidem, p. 119
É Tempo de Refletir
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secessionistas surgiram com ímpeto. Duas formas de servir ao Senhor, dois
enfoques. O encontro gerou um racha, mas os pentecostais se
estabeleceram. São eles que irão protagonizar o extraordinário crescimento
experimentado pela Igreja Evangélica Brasileira nos anos 70 e 80.
Manoel de Mello e as “igrejas autóctones” No final dos anos 50 um fenômeno novo surge, provocando uma
mudança no cenário evangélico nacional. São as igrejas autóctones. Sua
figura de maior destaque –e, curiosamente, menos estudada– é o
pernambucano, pedreiro de profissão e missionário por vocação, Manoel de
Mello. Ele e a igreja que fundou (Igreja Evangélica Petencostal O Brasil
Para Cristo) são um marco no protestantismo brasileiro. Fruto talvez de
preconceito, Mello permanece mal compreendido, apesar da sua
singularidade e da influência que teve na história da Igreja Evangélica
Brasileira.
Manoel de Mello representou uma mudança radical, uma ruptura no
curso até então trilhado pela Igreja Evangélica Brasileira. De repente, um
homem oriundo da Assembléia de Deus (como a maioria dos outros
fundadores de igrejas autóctones no Brasil) começou a sacudir os crentes.
Sua pregação, profética e belicosa, ultrapassou as fronteiras das
denominações evangélicas e alcançou o mundo político. Se hoje a relação
entre fé e política está pacificamente incorporada aos nossos debates, não
devemos esquecer o quanto Manoel de Mello tem a ver com isso, rompendo
o isolamento dos protestantes e se fazendo ouvir pelos políticos.
Se a história falará bem ou mal dele, é uma questão discutível. Mas
que Manoel de Mello transpôs as fronteiras, disso não se pode ter a menor
Ariovaldo Ramos e Ricardo Bitún
16
dúvida. E o fez de maneira original. Não só porque era um grande
comunicador de massas e possuía aquele afã que é próprio dos pentecostais,
de cura, libertação. Aquela palavra poderosa que constrange e exige
decisão. Não, não foi só por isso. Foi também porque corajosamente fez
escolhas que o levaram por caminhos desconhecidos das lideranças
evangélicas tradicionais.
Emblemática nesse itinerário foi sua filiação, em 1969, ao Conselho
Mundial de Igrejas (CMI), porque corajosa. Imagine-se um líder procedente
das lides da Assembléia de Deus, com uma igreja autóctone, com o nome
mais autóctone possível (O Brasil Para Cristo) formando fileira com o CMI.
Mello era um homem de atitudes radicais, convicções fortes e
declarações explosivas. Um exemplo dessa explosividade aparece quando
profetizou: “Roma deu ao mundo a idolatria; a Rússia, os terrores do
comunismo; os Estados Unidos, o demônio do capitalismo; nós, brasileiros,
nação pobre, daremos ao mundo o Evangelho”.11 Noutra entrevista,
pontificou: “O ateísmo cresce devido às situações de injustiça, de miséria
em que o povo vive. Os pregadores estão pregando sobre um futuro
longínquo e se esquecem que Jesus deu valor e atenção ao momento em que
o povo vivia”.12
Marcante na biografia de Manoel Mello foi também sua declaração,
durante um programa de televisão no qual ele e Dom Paulo Evaristo Arns
falavam sobre o CMI. O repórter perguntou ao pastor como era possível a
convivência com o cardeal Arns (aquele era um tempo em que os
11 ANTONIAZZI, Alberto e FRESTON,Paul. Nem anjos nem demônios – Interpretações Sociológicas do Pentecostalismo. Editora Vozes. Petrópolis, 1994, p.118 12 REILY, Duncan. História Documental do Protestantismo no Brasil. Aste. São Paulo, 1984, p.389
É Tempo de Refletir
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evangélicos ainda tinham os católicos como alvo). Mello, então, sem
mostrar qualquer constrangimento, pôs a mão no ombro do cardeal e disse:
“Ah, se todos os padres fossem como Dom Paulo, nossa relação seria
diferente”.
Naquela época, um gesto como esse era simplesmente revolucionário.
Rompia a um tempo com o preconceito e abria uma possibilidade de
convivência e comunhão com os cristãos de confissão católica. No futuro,
quando historiadores se debruçarem sobre esse período da história da Igreja
Evangélica Brasileira, haverá quem se surpreenda com esse homem.
Paraeclesiáticas, o regime militar e a reação jovem Estamos no final dos anos 60 e início dos 70. Os militares se
instalaram no poder e a vida nacional mergulhou num período de
incertezas, angústia e medo. Os anos que se seguirão ao golpe serão os mais
negros da nossa história. Nem mesmo a breve bonança experimentada com
o “milagre econômico” nos anos setenta, tida como a maior realização do
governo dos generais, diminui o travo que ainda hoje sentimos ao lembrar
aquela década.
E, no entanto, o sopro do Espírito se fez sentir sobre A Igreja
Evangélica Brasileira. Outro milagre, agora da fé, também acontece no
meio evangélico. Um fervor evangelístico toma conta das igrejas com o
surgimento das missões paraeclesiáticas. São fruto tanto do zelo
missionário dos pentecostais quanto da diligência evangelística dos
tradicionais. As paraeclesiáticas eram missões pioneiras, queriam levar a
Boa Nova a todos os rincões do país, ser o sal fora do saleiro.
Ariovaldo Ramos e Ricardo Bitún
18
Algo de extraordinário havia nesse fenômeno. Não exatamente do
ponto de vista evangelístico, pois as denominações protestantes sempre
empreenderam ações evangelizadoras entre o povo. As paraeclesiáticas
configuraram-se, na evolução do protestantismo brasileiro, num novo locus,
no sentido sociológico do termo. Numa religião marcada por divisões,
permitiram a superação de diferenças doutrinárias pontuais. Nenhum grupo
reivindicava o monopólio da verdade, ninguém defendia territórios. O
resultado era um esforço conjunto na evangelização do país, com um
significativo aumento da distribuição de literatura cristã, abertura de
institutos bíblicos e encontros, que reuniam pastores e líderes de diferentes
orientações denominacionais.
Num corte propriamente sociológico, pode-se dizer que as
paraeclesiáticas eram um espaço mais democrático para o exercício do
mandato missionário deixado por Jesus. Paul Freston alarga esse conceito
quando diz que elas permitiam “expressar alianças e oposições
contemporâneas mais relevantes do que as velhas fronteiras
denominacionais”. E conclui que nelas os que se sentiam marginalizados
em suas denominações de origem podiam encontrar um “espaço
alternativo”, onde suas ações talvez pudessem “influenciar o conjunto do
protestantismo”, mesmo que essa influência se restringisse a uma “área
específica da fé”.13
A Revolução de 64 inaugurou em nossa história uma era de sombra e
terror que se estendeu até meados da década de 80, quando deu-se o início
da redemocratização do país. Do mesmo modo que para outro grupos, o
golpe representou para os evangélicos um enorme desafio. Apesar da sua
É Tempo de Refletir
19
importância, esse é um período da história da Igreja Evangélica que ainda
espera por um exame apurado por parte dos estudiosos.
O regime instaurado pelos militares deixava pouca ou nenhuma
alternativa para os de pensamento diverso. Era o tempo do “ame-o ou
deixe-o”. A intelligentsia brasileira viu-se, da noite para o dia, transformada
em inimiga do país, caçada em todos os cantos. A perseguição foi
implacável: prisões, interrogatórios, julgamentos sumários, exílios, mortes.
Lideranças de destaque da Igreja Evangélica Brasileira alinharam-se à
esquerda, num movimento claramente oposto ao tomado pelos setores
conservadores da igreja Católica. Quem se der ao trabalho de consultar os
registros da época nos arquivos da antiga Confederação Evangélica
Brasileira descobrirá, não sem um certo assombro, o quanto havia de
“vanguarda” nas idéias defendidas pelos irmãos.
A Confederação era uma instituição progressista, com um ideário mais
próximo dos partidos de esquerda brasileiros. A clima político da época
parecia não deixar outra opção que não a do exílio. E foi para ele que
muitos líderes partiram.
Há os que verão em tudo isso algo de inusitado. Mas o fato mesmo de
se constituir em novidade para alguém denuncia, por si só, o descuido que
temos com a nossa história. E assoma maior razão para que se encare com
urgência um estudo sobre a atuação da Igreja Evangélica nos anos de
chumbo.
Os líderes não foram os únicos acossadas pelo regime. Outro alvo da
intransigência militar foram as organizações jovens evangélicas. Como suas
13 FRESTON, Paul. Opus cit. p. 389
Ariovaldo Ramos e Ricardo Bitún
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congêneres estudantis, elas também sentiram o peso do arbítrio: portas
foram fechadas, diretorias destituídas, documentos confiscados. Os jovens
foram silenciados pelo argumento dos fuzis.
Como sempre na história dos homens e mulheres que constróem o
Reino de Deus, a fé e a esperança abriram caminho em meio às pedras e
espinhos do mundo. Assim, no final dos anos 60 e início da década de 70,
precisamente quando os militares lançavam mão dos mais perversos
expedientes para se manter no poder, brotou entre os jovens uma vigorosa
reação.
Um renovado fervor surgiu no seio das igrejas protestantes,
arregimentando milhares de jovens para o trabalho de evangelização. É a
época de movimentos como Influência de Palavra da Vida, Mocidade para
Cristo, Jovens da Verdade, Jovens em Cristo e ABU. Chega também ao
Brasil a Cruzada Estudantil e Profissional para Cristo. A seara era grande, e
eles respondiam ao chamado do Senhor da seara.
Foi a década dos jovens. O mundo testemunhava um milagre: colônias
inteiras de hippies nos Estados Unidos e na Europa convertiam-se a Jesus.
Uma geração inteira vai se inspirar em homens como David Wilkerson. No
Brasil, jovens tornam-se ousados pregadores do Evangelho. A Igreja
Evangélica Brasileira não será mais a mesma desde então.
É Tempo de Refletir
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I I F É E M E X P A N S Ã O :
O S A N O S D E C R E S C I M E N T O
Três ondas A década de 60 marcou a inserção definitiva da Igreja Evangélica na
sociedade Brasileira. A Assembléia de Deus cresceu de forma expressiva e
ganhou projeção nacional. O Pr. Manoel de Mello tornou-se alvo do
assédio de políticos, cientes do peso que ele e sua igreja representavam em
termos eleitorais. Os evangélicos passaram a ser percebidos como uma
força não só numérica, mas ideológica. Nasce a primeira grande onda de
crescimento da igreja.
A simplicidade das teses acima pode levar à falsa conclusão de que a
Igreja Evangélica Brasileira apenas seguiu seu curso evolutivo natural. A
rápida emergência dos pentecostais e a reação dos tradicionais dizem muito
de como nada de natural houve nessa evolução.
Ancorados num rígido formalismo litúrgico e numa sólida erudição
bíblica, os tradicionais condenavam os excessos “emocionais” dos
pentecostais, tidos como pouco letrados. Estes últimos deploravam a
“frieza” e a falta de poder dos primeiros. O “choque” foi inevitável.
Hoje, beneficiados pela perspectiva histórica, compreendemos como
esse encontro entre o formal e o espontâneo, o racional e o emocional, o
erudito e o operoso, foi salutar para o crescimento da Igreja Evangélica
Ariovaldo Ramos e Ricardo Bitún
22
Brasileira. As brigas não enfraqueceram o corpo, antes o tornaram mais
forte. Não necessariamente mais coeso, apenas mais forte.
Se a Assembléia de Deus avançava em direção ao Nordeste e ao Sul
do país, sua visibilidade, contudo, não rivalizava com a das igrejas fundadas
por missionários como Manoel de Mello ou David Miranda.
A Igreja Evangélica Pentecostal O Brasil Para Cristo, como já se
defendeu aqui, é o epítome das igrejas autóctones. A figura do Pr. Manoel
de Mello sintetiza esse movimento e permanece, como sugerimos algumas
linhas atrás, ignorado pelos estudiosos. Para sustentar nossa tese, basta
recordar aqui um episódio ocorrido com Manoel de Mello no ano em que
Adhemar de Barros concorria à prefeitura de São Paulo.
Em retribuição ao apoio recebido, o candidato presenteou Mello com
um terreno, onde foi construído um templo provisório. Uma vez eleito,
Adhemar de Barros mandou demolir a construção, cedendo a pressões da
Cúria Metropolitana.
Manoel de Mello era um homem com um projeto político. Após o
incidente com Barros, lançou e apoiou diversos candidatos, até que a
intervenção dos militares em 64 veio interromper suas investidas no mundo
da política.
Manoel de Mello tinha uma visão. Suas idéias, ousadas para a época,
o colocavam na vanguarda. Um autêntico líder, era aceito por políticos, mas
visto com desconfiança pelo evangélicos. Com sua morte, ocorrida em
1990, não morreu o sonho de ganhar o Brasil para Cristo!
Em David Miranda temos outro exemplo de líder carismático, embora
de magnitude e intenções algo distantes das de Mello. A denominação
É Tempo de Refletir
23
fundada por Miranda, a Igreja Pentecostal Deus é Amor, experimentou um
crescimento tão vertiginoso a ponto de, em 1991, contar mais de cinco mil
templos e missionários em quase duas dezenas de países.14
Com a Deus é Amor surgiu um discurso que fará escola nas décadas
seguintes: a cura como eixo do discurso religioso. A Assembléia de Deus, a
Quadrangular e a Congregação Cristã também a enfatizavam, mas nenhum
ministério faria da sua pregação marca registrada. Importa menos perguntar
se do ponto de vista doutrinário essa ênfase é aceitável do que identificar na
Deus é Amor o embrião dos tele-ministérios de Edir Macedo, R. R. Soares
e outros.
O elemento mercadológico, o caráter propagandístico e o apego à
mídia estão todos presentes na Deus é Amor. Ela foi a primeira entre as
pentecostais a usar os programas de rádio maciçamente. Lenz César
menciona, em seu História da Evangelização do Brasil, que a Deus é Amor
irradiava 581 horas diárias de programa no início da década passada.15
Quando seu fundador anuncia-se como “o maior pregador de curas
divinas” e seu nome aparece nos letreiros afixados à porta de seus
templos16, não resta dúvida de que o protestantismo brasileiro entrou na era
dos líderes como estrelas, da personalização do Evangelho.
Os quadrangulares também impulsionaram a expansão da fé
protestante na década de 60. A Igreja do Evangelho Quadrangular foi
fundada nos Estados Unidos na década de 20 por Aimee Semple
McPherson, canadense de nascimento e trazida para o Brasil em 1951 pelo
14 CÉSAR, Elben M. L. Opus cit. p. 141 15 Ibidem, p. 140 16 Ibidem, p. 140
Ariovaldo Ramos e Ricardo Bitún
24
ex-ator americano de filmes de faroeste Harold Williams.17 No início os
quadrangulares tiveram um crescimento modesto para uma igreja
pentecostal. Atingiriam as dimensões que têm hoje sob a liderança do
missionário George Russell Faulkner.
Faulkner chegou ao Brasil em 1962 e, três anos mais tarde, implantou
uma estratégia que levaria os quadrangulares a um crescimento espetacular.
Em 1999, eles eram mais de 1,5 e suas igrejas, presentes em todos os
estados brasileiros, já passavam de seis mil.18
A pregação da Quadrangular enfatiza os quatro aspectos do ministério
de Jesus: aquele que salva, batiza com o Espírito santo, cura e virá outra
vez. Mas o que a destaca do grupo de igrejas pentecostais é sua
preocupação com a formação teológica dos seus líderes e o espaço dado à
mulheres no ministério.19
No final dos anos 70 e início dos 80 teve início a segunda grande onda
de crescimento da Igreja Evangélica Brasileira. Missões, como a Sepal,
chegam ao país e injetam novas idéias na evangelização. Os jovens formam
verdadeiros exércitos e as “cruzadas” se multiplicam pelo país.
A sociedade havia entrado em transe e, mundo afora, a insatisfação
das novas gerações se cristalizava num movimento que ficou conhecido
como contracultura. “Drogas, sexo e rock-n-toll” ganhou status de ideologia
e John Lennon declarou que os Beatles eram mais populares que Jesus
Cristo. No Brasil, vivíamos os anos de chumbo do regime militar.
17 Ibidem, p. 129-130 18 Ibidem, p. 132 19 Ibidem, p. 133
É Tempo de Refletir
25
A literatura passa a ser cada vez mais usada como meio para divulgar
as Boas Novas do Reino. Numa nação de iletrados e onde livros eram
artigos de luxo, essa era uma estratégia audaciosa, para não dizer
revolucionária. A revista Mensagem da Cruz, publicada pela Editora
Betânia, reproduzia textos de David Wilkerson, já a essa altura
mundialmente conhecido. Os livros de Billy Graham, best-sellers no país,
enchiam as prateleiras das livrarias (não só evangélicas) e eram lidos
avidamente. Foi um verdadeiro boom!
Uma mudança de mentalidade vai aos poucos se processando no seio
da Igreja Evangélica Brasileira. O fervor evangelístico e o sucesso de
algumas denominações (principalmente as pentecostais) na conquista de
fiéis ajudou a sedimentar a idéia de que os evangélicos podiam crescer no
Brasil. Essa nova confiança contrapunha-se à timidez excessiva dos
evangélicos no passado. Até então, acreditávamos que nunca chegaríamos a
conquistar este país, tão grandes eram os obstáculos a superar. Era como se
nos contentássemos em ser uma minoria. Não apenas silenciosa, mas auto-
refreada. Isso foi deixado para trás nos anos 70. Entramos na terceira onde
de expansão.
A década de 80 foi marcada por um crescimento sólido e sustentado
dos evangélicos. As denominações, contudo, permaneceram em seu
isolamento uma das outras. Cada uma só sabia de si, avançava consciente
de seu crescimento individual, enquanto ignorava o que acontecia aos
outros irmãos. Em parte isso foi resultado do debate em torno do Espírito
Santo, causa da divisão entre pentecostais e tradicionais.
No final dos anos 80 a mídia passou a divulgar que as denominações
evangélicas cresciam assustadoramente. Éramos expressivos, contávamos e
Ariovaldo Ramos e Ricardo Bitún
26
passamos a ser notados como nunca acontecera antes na história da Igreja
Evangélica Brasileira.
Havíamos crescido e não tínhamos nos dado conta disso. Um fato
ilustrativo dessa ignorância aconteceu durante uma entrevista na qual me
indagavam sobre como era possível explicar o crescimento da Igreja
Evangélica Brasileira. Quase caí na tentação de perguntar: “Que
crescimento?” Disse, então, ao jornalista: “A partir de que dados você está
falando?” Assustei-me quando ele me forneceu os números. Não queria
revelar minha desinformação. Passei, então, a falar a partir do que ele me
dissera.
E como crescemos?
Embora a Assembléia de Deus continuasse a liderar as ondas de
crescimento, este veio principalmente em decorrência da multiplicação de
ministérios independentes, muitos deles rebentos de igrejas pentecostais
como a Nova Vida, a Quadrangular e a própria AD. Entre as denominações
tradicionais, os batistas cresceram expressivamente.
A quarta onda: os neopentecostais Um historiador já afirmou que o poder não convive com o vácuo, mas
com o vazio. Foi exatamente isso que ocorreu com a Igreja Evangélica
Brasileira no fim dos anos 80 e início dos 90. O pentecostalismo explodia,
seus templos se multiplicavam pelo país e atraiam verdadeiras multidões.
Estavam colocadas as condições para o surgimento de uma nova liderança,
voluntariosa, de homens prontos para fazer a obra do Senhor.
É Tempo de Refletir
27
Alguns desses novos líderes haviam saído da Assembléia de Deus,
tinham uma base sólida, pois haviam crescido através da oração. Mas entre
eles também contavam-se homens que converteram-se há pouco, estavam
fora e foram atraídos pelo crescimento extraordinário do Evangelho.
Queriam fazer parte disso e aí decidiram criar seus próprios ministérios.
Movimentos como a ADHONEP (Associação dos Homens de Negócio do
Evangelho Pleno) serviram de plataforma para projetá-los.
O aparecimento dessa nova liderança coincide com uma importante
mudança ocorrida no fim dos anos 80. Até então havia uma concentração de
fiéis nas às classes menos favorecidas (C, D e E). Com o surgimento dos
neopentecostais, o Evangelho começa a ter penetração também nas classes
A e B. Inicia-se aí um processo, por assim dizer, de elitização da fé. Essa
mudança é sintomática, uma vez que a partir desse instante uma corrente
doutrinária especial vai se tornando prevalente, cuja ênfase vai estar
exatamente na bem-aventurança material do crente e na pregação do
sucesso como intrínseco à condição de filho de Deus.
Surgida na esteira do crescimento dos pentecostais, a nova liderança
precisou disputar espaço com a estrutura tradicional de poder da Igreja
Evangélica Brasileira. A velha liderança, contudo, não estava preparada
para absorvê-la nem aceitar seus métodos. Via com desconfiança esses
“crentes” vindos de fora, impactados pela mensagem do Evangelho,
desejosos de por fogo no mundo, mas sem paciência para aprender.
Sem se intimidar, os novos líderes não perderam tempo: iniciaram
ministérios, abriram suas próprias igrejas e foram para a mídia. Assim teve
início a ascensão meteórica dos neopentecostais.
Ariovaldo Ramos e Ricardo Bitún
28
O que, afinal, há de errado com essa nova liderança? Embora honestos
em sua fé, seus representantes não se livraram dos vícios sincréticos da
cultura brasileira. Daí seus ministérios serem sincréticos, com uma
pregação também sincrética. Pentecostais no discurso, pregam parte das
ênfases evangélicas, mas pagam tributo à herança católica e espírita
populares. Carecem de ciência teológica para separar as coisas.
Os que identificam no discurso neopentecostal a união espúria entre fé
e superstição, denunciam como heréticos seus propagadores. Escand-
alizados, batem a porta na cara deles. E declaram: “Vamos parar por aí, isso
já passou dos limites”. Os que assim agem falam a partir do conhecimento
que possuem da história e da teologia da Igreja Evangélica Brasileira. O que
os preocupa é menos a polêmica do que a integridade da fé; mais a defesa
do Evangelho do que a prerrogativa de ser histórico.
A sedução da mídia e a paixão pelo crescimento Os movimentos neopentecostais são bem sucedidos por diversos
motivos. Primeiro, por que surgiram como ministérios autóctones ou deles
derivaram. Depois, porque lançam mão de modernas estratégias de
marketing para se promover. E, por fim, usam a mídia como veículo
primordial para propagar sua mensagem.
A televisão sempre exerceu fascínio sobre os evangélicos. Poucos,
porém, arriscaram-se nesse veículo. No passado, houve tímidos ensaios,
como o programa apresentado por Silas Gonçalves. Mas até a década de 90,
os evangélicos permanecem na periferia do sistema, comprando horário na
grade das emissoras para falar de Jesus. A mudança acontece quando eles
passaram para o outro lado do balcão e tornaram-se donos de canais de TV,
É Tempo de Refletir
29
como a Universal do Reino de Deus (Rede Record) e a Renascer em Cristo
(Rede Gospel).
Se algumas incursões primavam pelo bom gosto e correção
doutrinária (é o caso de Pare e Pense, programa apresentado pelo Pr. Caio
Fábio na extinta TV Manchete que obteve expressivo ibope, angariando
telespectadores até fora dos arraiais evangélicos), o mesmo não se pode
dizer dos programas exibidos atualmente nos canais abertos e na TV paga.
O uso indiscriminado da mídia tornou-se um traço marcante dos
neopentecostais. O sucesso extraordinário de seus telepastores já induziu
muita gente bem intencionada a proclamá-los como a última palavra em
evangelização. É possível que, em grandes aglomerados urbanos com as
cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro, seja a forma mais “eficaz” de
transmitir o Evangelho. Será, porém, sempre uma ação coadjuvante, jamais
substituindo as formas tradicionais de pregação ou as comunidades locais,
onde o povo de Deus se reúne para compartilhar a Palavra e adorar a Deus..
É preciso repetir: o sucesso midiático da nova liderança evangélica
não deve nos impedir de ver o quanto há de perigoso para a fé (e para a
Igreja Evangélica Brasileira, em especial) numa pregação que se caracteriza
por um laço teológico fraco, senão duvidoso.
Os evangélicos, inebriados pela própria imagem, fizeram da mídia seu
“bezerro de ouro”. Usam a TV como um instrumento neutro, nunca parando
para se perguntar se ali onde está a oportunidade (levar a mensagem do
Evangelho a todos os lares!), também não reside o maior perigo (a
descaracterização dessa mesma mensagem). Os evangélicos aceitaram a
Ariovaldo Ramos e Ricardo Bitún
30
mídia pelo seu valor de face, receberam-na como lhes foi ofertada. O preço
parece todos começamos agora a pagar.
A Igreja pode e deve fazer uso dos meios de comunicação. Colocados
a serviço do Reino de Deus, são instrumentos poderosos na propagação do
Evangelho. O erro está no uso indiscriminado e acrítico da mídia, em
sucumbir à sua sedução, ao glamour e ao poder que ela confere aos que
estão na frente das câmeras. É preciso reconhecer: há meios que se
contrapõem à Palavra de Deus, trazem em si a negação mesmo da
mensagem (o amor de Deus pelo mundo) que anunciam. E os evangélicos
falharam desgraçadamente em não ter esse discernimento.
O que teria obliterado aquele salutar apego à ortodoxia da doutrina, à
correção teológica, tão característico do protestantismo? Por que nos
deixamos hipnotizar pelo poder transitório e elusivo da mídia?
Há muito a palavra de ordem entre os evangélicos tem sido “crescer”.
Circunscrita no começo aos grupos pentecostais, a preocupação com o
crescimento foi, pouco a pouco, entrando para agenda das denominações
protestantes históricas.
Crescer tornou-se nossa paixão. Uma paixão que nos obseda, turva
nossa razão e arrasta-nos para longe dos propósitos de Deus. Não nasce do
sincero desejo de trazer homens à salvação, encher o aprisco do Senhor.
Não, essa paixão pelo crescimento emerge como sanha mal disfarçada em
operosidade, cobiça travestida de fervor. Queremos crescer a qualquer
custo. E para quê? Para ter poder, visibilidade, sucesso!
Ninguém parece ter escapado a isso. Todo pastor, não importa a qual
denominação pertença, já ouviu falar, pelo menos uma vez, de “modelos”
É Tempo de Refletir
31
que prometem crescimento rápido: igreja em células, G12 etc. “Trinta mil
células em cinco anos? Opa, eu quero”. Aqui e ali se ouve uma crítica a este
ou aquele modelo, mas ninguém quer abrir mão do crescimento. É preciso
crescer, e crescer rápido.
Fé e sincretismo Talvez nenhum outro país tenha um caldo cultural tão complexo
quanto o Brasil. Somos miscigenados. Uma raça que é todas e nenhuma. O
efeito desse mosaico de traços culturais díspares revela-se mais fortemente
em nossa religião, acentuadamente sincrética.
Esta é uma constatação assustadora. No Brasil, afirma Ricardo
Gondim, em seu O Evangelho da Nova Era, “negros, europeus e nativos
deixaram de ser africanos, brancos e índios para assumirem simplesmente
uma nova identidade”. E completa: “Se esta peculiaridade ajudou para que
o Brasil tivesse uma só língua, uma só cozinha, contribuiu também para que
nascesse uma religião nova, autenticamente nacional”.20
O movimento neopentecostal se fortalece precisamente desse
sincretismo religioso, desse ambiente indistinto, no qual as “verdades” nas
se excluem, antes se reforçam. Numa religião sincrética o Evangelho
ganhará todos e nenhum sentido na boca de católicos, espíritas e
evangélicos. É a fé a la carte!
Todos os componentes místicos autênticos do Cristianismo como que
se diluem, perdem sua força em contato com elementos espúrios que tem
apelo menos à razão do que ao coração, capturam mais a imaginação do
20 GONDIM, Ricardo, O Evangelho da Nova Era: Uma Análise e Refutação Bíblica da Chamada Teologia da Prosperidade. Abba Press. São Paulo, 1993, p.10
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crente do que sua capacidade de pensar. A supertição toma o lugar da fé, o
transcendente dá lugar ao esotérico, o espiritual confunde-se com o oculto.
Entramos na esfera do sobrenatural, mas não necessariamente na presença
de Deus.
Liderança e personalismo Os novos líderes retomam ainda o coronelismo, traço que marca a
cultura brasileira e permeia todas as estruturas sociais, quer privadas ou
públicas, laicas assim como religiosas. Poderia ser diferente, tendo esse
movimento erguido-se em torno de igrejas autóctones? É duvidoso.
Os neopentecostais são reconhecidos pela centralização do poder nas
mãos do líder, daí ser até natural que práticas coronelistas de mando
medrem entre eles. Mas seria isso de todo mal? Ao assimilar o coronelismo,
os líderes neopentecostais estariam mais próximos do “povo” e da cultura
brasileira do que as igrejas tradicionais com seu modelo mais
parlamentarista de organização. Se, por outro lado, estariam mais próximos
do Evangelho é algo aberto à discussão.
Nenhuma igreja, contudo, exemplifica melhor isso do que a Universal
do Reino de Deus, e ninguém levou essa fórmula à perfeição como seu
fundador e líder, o Pr. Edir Macedo. É possível até ver tentativas mais ou
menos bem sucedidas de copiar o sucesso da Universal em igrejas como a
Casa da Benção e a Internacional da Graça, ou ministérios como Sara Nossa
Terra e Renascer em Cristo. Mas a trajetória da Universal é paradigmática e
até agora permanece como o maior triunfo da onda neopentecostal.
A Universal teve o mais meteórico e sustentado crescimento entre as
três mais importantes igrejas autóctones brasileiras (as outras duas são a
É Tempo de Refletir
33
Brasil para Cristo e a Deus é Amor). Edir Macedo é um dissidente da Igreja
da Nova Vida, celeiro de onde saíram outros líderes neopentecostais, como
R. R. Soares (da Internacional da Graça) e Miguel Ângelo (da Cristo Vive).
Saber como a Universal se tornou dona de um império midiático é menos
importante do que identificar em seus métodos e discurso a gênese da mais
perigosa corrente doutrinária a ameaçar nossa herança reformada: a
Teologia da Prosperidade.
Se no pentecostalismo a ênfase recai sobre as línguas estranhas, a cura
de enfermidades e a expulsão de demônios, na pregação da Universal esses
elementos subordinam-se a uma visão mais ampla da existência cristã, na
qual sobressaem a realização financeira e o desfrute do sucesso individual.
Nessa visão, a salvação ganha novo sentido.
Antes de tudo, porém, é preciso reconhecer que a Universal não é uma
igreja herética. A rigor, nada do que ensina pode ser tido como contrário à
ortodoxia protestante. Ela anuncia que o homem é pecador e está distante de
Deus, prega a necessidade de arrependimento e a salvação pela fé no
sacrifício expiatório de Jesus. Proclama o Senhorio de Cristo, sua segunda
vinda e a unidade da igreja. Sua doutrina do Espírito Santo em nada difere
do pregado pela Assembléia de Deus e outras igrejas pentecostais
históricas. Tudo isso pode ser dito a favor da Universal, sem
necessariamente se fazer uma apologia de suas práticas litúrgicas ou de seus
ensinamentos sobre o poder do crente. É precisamente neste ponto que as
coisas ganham contorno e coloração diferentes.
A jornalista e professora da PUC de São Paulo Márcia Benedetti
Machado sugere que a Universal vai além do que se pode chamar de uma
Ariovaldo Ramos e Ricardo Bitún
34
igreja convencional, preocupada com a salvação do homem e a
proclamação do Evangelho. A Universal defende um verdadeiro ideário,
cujo caráter ideológico nem sempre é percebido por seus críticos.
Autora de Deus vence o Diabo: O Discurso dos Testemunhos da
Igreja Universal do Reino de Deus21, Márcia Benedetti afirma sustentar-se
esse ideário em três conceitos: salvação, cura e prosperidade. Eles
preencheriam lacunas deixadas outras religiões, principalmente pelo
catolicismo. Parte do sucesso alcançado pela Universal residiria exatamente
aí. Percebe-se, então, o entorno que delimita claramente a soterologia da
Universal.
“A salvação não é mais privilégio a ser desfrutado apenas depois da
morte”, pondera a professora. E conclui: “Ser salvo no Juízo Final é
certamente uma promessa da igreja, mas a salvação está estreitamente
relacionada à felicidade que o indivíduo pode conquistar ainda hoje, no
plano terreno”. Pode-se afirmar que, enquanto mantém os elementos
transcendentes da fé cristã, a pregação da Universal introduz-se um
componente mundano, secular, imanente, que associa a salvação da alma a
conquistas materiais.
Márcia Benedetti prossegue em sua análise e diz: “A cura, por sua
vez, mobiliza todas as dores humanas. Ela abrange não só a cura física, mas
também a dos sofrimentos emocionais. O fim das desavenças familiares e
do desejo do suicídio, por exemplo, estão no mesmo nível das doenças
21 Tese de doutorado defendida na PUC de São Paulo
É Tempo de Refletir
35
físicas”. O último componente dessa linha de pensamento é, segundo a
professora, “o apelo à realização financeira e ao sucesso”.22
Não é difícil entender por que a Universal experimentou um
crescimento tão extraordinário em pouco mais de duas décadas. Chegou a
um milhão de membros apenas 17 anos depois de fundada23. Em 1989, a
Universal tornou-se proprietária da Rede Record de Televisão. Que a
aquisição esteja cercada de suspeitas e Edir Macedo tenha sido
freqüentemente atacado por seus maiores concorrentes (os Marinhos, da
Rede Globo) não diminui o tamanho da proeza nem anula o efeito que a ela
se seguiu.
Márcia Benedetti adverte contra a aparente simplicidade do discurso
da Universal. Seu estudo dos testemunhos ouvidos nos templos dessa igreja
revela “uma lógica complexa”. “O homem é dotado de livre-arbítrio, pode
escolher seguir os preceitos de Deus ou não. Deus, por sua vez, está
disponível para o homem, desde que este de fato queira suas benesses. Se o
homem chamar e tiver fé, Deus atenderá”, explica Márcia Benedetti.
Surge, então, a indagação: “Qual é a medida da fé?”. A resposta, diz a
professora, é que não há como sabermos. “O indivíduo pode pedir a Deus
que atenda seus desejos e ainda assim nada acontecer. Nunca será culpa de
Deus, e sim falta de fé.”
22 As citações feitas aqui foram retiradas de uma entrevista, concedida por Márcia Benedetti machado ao Observatório da Imprensa. A íntegra pode ser lida no site do Observatório ( www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos). 23 CÉSAR, Elben M. L., História da Evangelização do Brasil: Dos Jesuítas aos Neopentecostais. Ultimato Editora. São Paulo, 2a. edição, 2000, p. 149. A Universal foi fundada em 1977, no Rio de Janeiro, com o nome de Igreja da Benção, num prédio antes ocupado por uma funerária. No ano seguinte veio a chamar-se pelo nome atual. Além de Macedo, foram fundadores da Universal R. R. Soares e Miguel Ângelo. Até hoje ignora-se o motivo de sua separação.
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Márcia Benedetti avança um pouco mais em seu exame para mostrar
como fé e bem-aventurança material se vinculam no discurso da Universal.
“Entra aí um segundo elemento complicador”, diz ela, “que é a expressão
da fé por meio do sacrifício financeiro. Doando mais do que poderiam, as
pessoas ‘desafiam’ Deus a cumprir os seus desejos.” Estabelece-se desse
modo uma relação anômala, na qual o Criador torna-se refém da criatura.
Essa inversão de prerrogativas (o homem dando “ordens” a Deus, exigindo
que Sua bondade se manifeste por meio da resposta a uma súplica) fica
como que escamoteada na oração do fiel que diz: “Sou Teu filho, Senhor,
ouve minha oração. Já fiz o meu sacrifício, agora dá o que Te peço”.
Por mais que a análise de Márcia Benedetti seja acertada (e o é em
mais de um ponto), ele deixa de fora o que mais nos preocupa aqui:
identificar o elo que une a ascensão da Universal à, por assim dizer,
institucionalização da Teologia da Prosperidade no Brasil.
Na igreja fundada por Edir Macedo encontramos todos os elementos
subjacentes ao discurso dos teólogos da Prosperidade: a ênfase no poder da
oração para curar os males do corpo como do espírito; o poder do crente
para exercer domínio sobre o mundo espiritual; a prosperidade material
como sinal de espiritualidade elevada e fé imbatível; a relação intimista
com Deus e a subjetividade como instância última das certezas do fiel; o
uso da palavra para comandar e mover o intangível; e, por fim, o incentivo
à “posse” das bênçãos divinas.
Uma vez mais, porém, é preciso fazer a ressalva de que nem Edir
Macedo nem a sua igreja podem ser tidos em conta como responsáveis pela
maneira como essa corrente, com o perdão do trocadilho, prosperou entre
nós.
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I I I P O R U M A N O V A E C L E S I O L O G I A
Fé e auto-ajuda Quando o Evangelho começou a ser pregado no Brasil, fomos
ensinados que pertencíamos a Deus. Converter-se era sair do estado de
rebelião e vir para o de submissão. As igrejas de teologia tradicional, tanto
as históricas quanto as de orientação petencostal, ensinavam que conversão
implicava rendição, entrega incondicional. Era a época do “Deus, vem, me
quebra, faz de mim um vaso novo, tudo Te entregarei. Sou Teu, senhor!”
Essa humilde confissão deu lugar a um discurso triunfalista, de
exaltação do indivíduo e suas necessidades, uma declaração de posse
(“Deus é meu e tudo é meu”), que se não reduz Deus a um objeto, o torna
refém de quem se proclama seu seguidor. Eis a profissão de fé da Teologia
da Prosperidade.
Nascida nos Estados Unidos, a Teologia da Prosperidade espalhou-se
com extrema rapidez pelo Brasil. Seus defensores não se encontram apenas
entre os neopentecostais. Tem conquistado adeptos também entre os
evangélicos tradicionais e seu alastramento representam sérios desafios à
Igreja Evangélica Brasileira. Com ênfase nas “bênçãos” e indisfarçável
aversão à Cruz (metáfora do sofrimento, dor e perseguição que
acompanham os verdadeiros seguidores de Cristo), A Teologia da
Prosperidade coloca em xeque nossa herança protestante.
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Uma fórmula pregada com exagerada ênfase por esse novo credo
afirma ser o crente uma pessoa “especial”, subtraída quase às leis da vida e
para quem não existira pobreza e doença. Experimentá-las seria sinal de
falta de fé. Saúde e riqueza tornam-se, por assim dizer, sinais genuínos da
salvação, do estado de graça do fiel. Daí esse movimento também ser
conhecido como Wealth and Health Gospel.24
O pobre de Nazaré que nasceu numa manjedoura (Lc 2.7) e não tinha
onde reclinar a cabeça (Mt 8.20); o filho de um carpinteiro que pregava o
desapego aos bens deste mundo e ensinava a juntar tesouros onde a traça e
o ferrugem não corroem (Mt 6.19-21); o profeta, enfim, que terminou seu
ministério abandonado pelos discípulos (Mc 14.50) e pregado num madeiro
(Jô 19.17) fez da Cruz, e não do bem estar físico e material, o centro do seu
Evangelho.
Numa inversão de valores, os profetas da prosperidade colocam a
conquista da felicidade no plano terreno como o summu bonus da bem-
aventurança cristã, quando a Bíblia exorta-nos a buscar em primeiro lugar o
reino de Deus e sua justiça (Mt 6.33). A posse das bênçãos deixa de ser uma
promessa dada por Deus para ser um direito, exigido pelo fiel com quem
pleiteia uma herança ou reclama um bem.
Um exemplo de como esse discurso se instalou entre nós pode ilustrar
melhor o abismo entre a Teologia da Prosperidade e o Evangelho. Certa
ocasião, encontrava-me numa igreja e o pregador da noite anunciou que nos
ensinaria a orar a partir da história do filho pródigo (Lc 15.11-32). “Isso
vai ser bárbaro!”, pensei, porque nessa parábola realmente há uma lição de
24 CÉSAR, Elben M. L., História da Evangelização do Brasil: Dos Jesuítas aos Neopentecostais. Ultimato Editora. São Paulo, 2a. edição, 2000, p. 148
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arrependimento, humildade, conversão. A surpresa veio quando o pregador
aferrou-se apenas ao versículo 12, em que se lê “Pai, dá-me a parte dos bens
que me cabe”.
O que se seguiu foi estarrecedor. Ele dizia: “Irmãos, vocês têm que
chegar a Deus e dizer: Dá o que é meu”. Aos berros, continuava:
“Cheguem diante do trono da glória, olhem para Deus e digam: Dá o que é
meu”. Embora honesto em suas convicções, esse irmão caíra vítima do
discurso triunfalista da Teologia da Propriedade, deixara-se seduzir pela
idéia de que o cristão precisa desafiar Deus a demonstrar seu amor por nós,
respondendo as nossas súplicas.
Como estamos distante da Reforma. E mais distantes ainda do
Evangelho de Jesus Cristo.
Há, por trás de frases como “Deus é para mim!”, “Sou cabeça e não
cauda” e “Eu tenho direito, sou filho Deus”, uma definição do homem que
não é cristã nem bíblica. As Escrituras ensinam que nossa existência deve
refletir a glória de Deus. O cerne da mensagem do Evangelho é esse: Deus
cria o homem para sua glória. O cristão (e a igreja) é antes de tudo aquele
que adora o seu Criador, que exalta Seu nome. Essa nossa resposta ao amor
de Deus.
Numa pequena obra em que refleti sobre a natureza e a missão da
igreja, afirmei: “O primeiro projeto a ser entabulado pela igreja deve ser o
de adorar, fomentar uma relação de amor e gratidão com Deus.25 ” Nisso
parece residir o sentido último da revelação divina.
25 RAMOS, Ariovaldo, Igreja: E eu com isso?. Editora Sepal. São Paulo, 2000 p. 22
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Quando criticamos acima a busca frenética por crescimento, tínhamos
em vista precisamente isso: a subordinação do caráter adorador da igreja à
preocupação com o seu tamanho. Nossa crítica não implica na renúncia ao
crescimento em si, apenas à maneira equivocada como ele tem sido
encarado pelos líderes. “Quando se fala de projeto para a Igreja local,
pensa-se logo na questão do crescimento. Porém, o que a Igreja pode fazer
em termos de aumento numérico é, no poder do Espírito Santo, pregar
fielmente a palavra de arrependimento e de submissão ao Senhor Jesus
Cristo”.26
A Igreja Evangélica precisa com urgência recuperar sua eclesiologia,
sob pena de perder sua identidade. Precisa outra vez encontrar o rumo,
voltar àquela visão do Evangelho de que fomos feitos para a glória de Deus.
Na corrida para crescer, deixamos para trás nossa herança reformada e com
ela o sentido de ser igreja.
Muitos já não sabem nem para onde estão levando suas igrejas. Numa
reunião de pastores, tempos atrás, presenciei uma discussão sobre a melhor
maneira de se administrar uma igreja. Depois de ouvir o que todos tinham a
dizer, perguntei: “Digam-me, numa frase, o que é uma igreja edificada?
Como vocês podem ter certeza de que estão edificando a Igreja de Jesus
Cristo?” Calaram-se sem resposta, surpresos com a própria ignorância.
É inócua qualquer discussão sobre “métodos”, quando não se tem
resposta para essas perguntas. Se ignoramos o destino, por que nos
preocupar em saber que caminho tomar?
– Qual o caminho?, perguntou a menina.
26 Ibidem, p. 22
É Tempo de Refletir
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– Para onde você quer ir?, devolveu o gato.
– Ah, para qualquer lugar.
– Mas para quem quer ir para qualquer lugar, qualquer caminho
serve.
Esse diálogo acontece no clássico de Lewis Carrol Alice no País das
Maravilhas e ilustra, de modo um tanto trágico, o dilema da Igreja
Evangélica Brasileira. Numa era dominada pelo marketing religioso e pelos
púlpitos midiáticos, a igreja vê-se acossada pela angústia de ter perdido seu
Norte. Daí a urgência de recuperar o senso eclesiológico dos reformadores,
a teologia paulina do Corpo de Cristo.
Daí também a necessidade de repetir o que dissemos acima: a Igreja
precisa recuperar aquela visão do homem que é o cerne do Evangelho, de
que fomos feitos para a glória de Deus. Eis uma verdade esquecida e que
precisa ser repetida uma vez mais. O assalto que a Teologia da Prosperidade
representa à verdade bíblica sobre o ser cristão coloca a Igreja Evangélica
Brasileira no limiar de uma revolução, só que de conseqüências desastrosas.
Não se pode transigir com a Revelação, fazer concessões aqui e ali
para tornar o Evangelho mais palatável e lotar templos. Jesus não precisa
disso. O risco é diluir o chamado ao arrependimento e à conversão em auto-
ajuda, transformar a igreja num clube.
Denunciei esse “outro evangelho” quando escrevi: “Ainda que a igreja
local, num projeto de evangelização, possa desenvolver metodologias que a
tornem mais eficaz na pregação do Evangelho, é preciso compreender que a
Igreja prega, mas só o Espírito Santo converte. Não dá, portanto, para ter
garantias de crescimento, a menos que se troque o verdadeiro Evangelho de
arrependimento por técnicas de manipulação de massa; a menos que, em
Ariovaldo Ramos e Ricardo Bitún
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lugar da Cruz, ofereçam-se técnicas de auto-ajuda; que se substitua a busca
prioritária do Reino pelo conforto descompromissado dos ‘filhos do rei’;
que, ao invés da comunhão [...] forme-se um clube, e em lugar do Senhor
Jesus apresente-se um “gênio da lâmpada”.27
O processo que permitiu a assimilação pela Igreja Evangélica
Brasileira de elementos estranhos à tradição reformada e à sua própria
herança histórica pode ser melhor compreendido se olharmos para o modo
como os pastores de hoje lêem a Bíblia. Eles orientam-se por uma exegese
de conveniência, sua leitura distorce o texto e força-o a deitar numa cama
de Plocustro. Pegam um texto e não se sabem o que ele diz. Falham em
encontrar o sentido original que o texto tinha quando foi escrito, nem sabem
como interpretá-lo para os nossos dias ou como podemos aplicá-lo às
nossas vidas.
Lembro-me de conversar com um irmão que acabara de pregar sobre a
promessa contida em Fl 4.13. Escutei o sermão e o procurei para saber se
ele havia entendido o contexto do famoso versículo. Minha pergunta não
fez sentido para ele, assim como lhe escapara a compreensão do que Paulo
dizia ali. Insisti e perguntei: “Escuta, você sabe o que o apóstolo diz aqui?
Ele não afirma o que você falou. Paulo declara que, porque Deus o
fortalece, ele pode viver tanto na pobreza como na riqueza, na abundância
como na escassez. É isso que ele diz: Não importa a situação em que você
está, pois é sustentado pelo Deus que fortalece; a força dele vem de Deus, e
não das coisas que estão à sua volta. Você não viu isso no contexto?”.
27 Ibidem, p. 23
É Tempo de Refletir
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Tudo isso agudiza ainda mais a sensação de que perdemos o rumo, de
que nos encontramos à deriva, sem leme e sem bússola.
Ariovaldo Ramos e Ricardo Bitún
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Epílogo
Houve um tempo em que a única coisa a nos dividir era saber qual a
melhor forma de ser santo. Tradicionais e pentecostais colocavam-se em
campos opostos, estes dizendo que era preciso receber o batismo com o
Espírito Santo e ser cheio dos dons espirituais enquanto aqueles afirmavam
ser suficiente o estudo científico da Bíblia para se alcançar à santificação.
Uns buscavam o fogo do Consolador; os outros, a compreensão da Palavra.
Era um tempo em que, por assim dizer, valia a pena brigar.
Não deixa de ser irônico a Igreja Evangélica Brasileira experimentar
hoje uma tal desorientação doutrinária, marcada que é sua trajetória pela
presença de denominações protestantes ditas históricas. Que tenhamos
chegado a esse dilema (crescer e manter a identidade) é menos
surpreendente do que assustador.
Reatar o vínculo com os princípios da Reforma e voltar àquela fonte
primeira e última da verdade (Palavra de Deus revelada na Bíblia) é a mais
urgente tarefa a nos esperar. E é na história da Igreja Evangélica Brasileira
que encontraremos a inspiração e a coragem necessárias para realizá-la. O
senso de dever deveria nos lembrar nossa dívida com aqueles que lutaram
(e até morreram) para trazer o Evangelho para este país.
Queria concluir este pequeno livro com palavras mais otimistas,
acreditando numa saída para o dilema enfrentado pelo protestantismo
brasileiro. Queria compartilhar com o leitor a esperança de ver a Igreja
Evangélica Brasileira trilhando novamente o caminho aberto pelos
pioneiros da fé. A honestidade intelectual, no entanto, me obriga reconhecer
É Tempo de Refletir
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que fomos vitimados pela idéia de que precisamos ter igrejas grandes para
ter o poder político e econômico, aquela coisa de “todo mundo me conhece,
sabe quem eu sou”. Sucumbimos exatamente àquilo contra o que Paulo
advertia Timóteo: “Ora, os que querem ficar ricos caem em tentações, e
cilada, e em muitas concupiscências insensatas e perniciosas, as quais
afogam os homens na ruína e na perdição”. Que a graça de Deus nos
ampare.
Ariovaldo Ramos e Ricardo Bitún
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Bibliografia
ARAÚJO FILHO, Caio Fábio. A igreja Evangélica e o Brasil – Profecia, Utopia e Realidade. Proclama Editora. Niterói, 1997.
ANTONIAZZI, Alberto e FRESTON,Paul. Nem anjos nem demônios – Interpretações Sociológicas do Pentecostalismo. Editora Vozes. Petrópolis, 1994.
CAMPOS, Leonildo Silveira. Teatro, Templo e Mercado – Organização e Marketing de Um Empreendimento Neopentecostal. Co-edição Editora Vozes, Umesp e Edições Simpósio. Petrópolis, 1997.
CÉSAR, Elben M. Lenz. História da Evangelização do Brasil – Dos Jesuítas aos Neopentecostais. Ultimato Editora. São Paulo, 2a edição, 2000.
GONDIM, Ricardo. O Evangelho da Nova Era – Uma Análise e Refutação Bíblica da Chamada Teologia da Prosperidade. Abba Press. São Paulo, 1993.
MENDONÇA, Antonio Gouveia. O Celeste Porvir – A Inserção do Protestantismo no Brasil. Aste. São Paulo, 1995.
RAMOS, Ariovaldo. Igreja, e eu com isso? – Compreendendo a Igreja Para Poder Vivê-la. Editora Sepal. São Paulo, 2000
REILY, Duncan. História Documental do Protestantismo no Brasil. Aste. São Paulo, 1984
ROMEIRO, Paulo. Evangélicos em Crise – Decadência Doutrinária da Igreja Brasileira. Mundo Cristão. São Paulo, 1995.
ROMEIRO, Paulo. Supercrentes – O Evangelho segundo Kenneth Hagin, Valnice Milhomens e os Profetas da Prosperidade. Mundo Cristão. São Paulo, 1993.
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