Ebook matricia pdf ricardo bonetti

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(LEI Nº 9.610, DE 19 DEFEVEREIRO DE 1998. Art. 7º)

Os Direitos Autorais foram doadosintegralmente para a construção danova sede do GEE Lírio Branco.www.liriobranco.com.br

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O direito audiovisual foi adquiridopela LD Filmes.

MEU NOME

É MATRÍCIA.

CONTE A MINHA HISTÓRIA.

“Só duvidamos daexistência de Deusquando estamos em pé”

Ricardo Bonetti

“Matrícia” é baseado em fatos reaise mostra a vida de uma pessoa quenunca acreditou em Deus.

O nome das pessoas e os locais

são fictícios, qualquer semelhançaé mera coincidência.

Verão de 2010

Eu e minha família resolvemosalugar uma casa em Itanhaém,litoral sul de São Paulo. Osadolescentes perceberam um vultono local, o que provocou medo einsegurança em todos.

Fizemos oração e tudo ficou empaz. Jamais poderíamos imaginar oque aconteceria em nossas vidasdepois daquela dia.

1 O Telefonema1 Alô! Dri?

Xiiiii, clec, clec toc xiiiiii...

– Oi Ri, a ligação está horrível. Euretorno em 15 minutos, beijos.

Assim começa uma história quemudaria a vida de muitas pessoas.

Adriana e Jorge. Ela, gerente-executiva de moda; ele...corintiano'roxo', surfista e especialista emdesenhos industriais. Três filhos doprimeiro casamento: Estefani, Tifanie Raian.

Meire e Ricardo. Ela, Professora e

Arte-educadora. Ele, Técnico emEletrônica, surfista. Dois filhos:Luana e Renan.

Era fim de ano e todos desejavampassar as festas na praia.

O objetivo era muito simples: alugaruma casa grande com trêsbanheiros e boas ondas no local.

Ao chegar em sua residência,Adriana verifica a secretáriaeletrônica e ouve o único retorno deuma dezena de ligações que fizera,a fim de conseguir um imóvel.

Aperta o botão e uma voz rouca deuma idosa explica:

1 “Querida Adriana, estouretornando a sua ligação, a casaestá disponível, tem dez quartos,três suítes, dois lavabos, duascozinhas, sala de estar, sala de tv,salão de jogos, piscina e quadra.Está localizada no Morro doMirante, em Itanhaém, conhecidacomo “ Mansão dos Nobres”. Opreço é de 1.500 reais pelos 10dias, caso tenha interesse, favorme ligar. Obrigada”

Ao ouvir a mensagem Adriana dá umpulo do sofá e quase não acreditano que acabara e ouvir. Quando iriarepetir a mensagem a porta se abree Jorge entra com os filhos.

Ela grita eufórica.

– Amor vem aqui.

Ele aproxima-se e ela o faz escutaro recado.

Jorge desconfia e fala:

- Isso aí é praticamente oferecer umoásis para um esquimó pelado nodeserto.

Pelo sim e pelo não, eles resolvempesquisar a região mencionada,assaltos, área de risco, etc.

Jorge reúne os filhos e dá umaordem:

– Té, Ti, Raí. Pesquisem tudo na

Internet sobre a “Mansão dosNobres”, em Itanhaém.

As crianças, cansadas, sobem paraos quartos, enquanto o casal discutea situação na sala.

Deitada no colo do Jorge elamedita:

– E aí “môr”? Isso “tá” estranho,não acha?

Jorge avalia o custo e pensa. (Issomesmo, corintiano também pensa -brincadeira).

– “Pô”, Dri, está muito barato, sei lá.Melhor irmos na casa dessa Dona efecharmos o negócio lá.

1 No dia seguinte Adrianaresolve ligar para a Dona Rosa,proprietária da Mansão.

– Alô! Dona Rosa? Tudo bem? Soua Adriana, interessada na casa.Gostaria de fechar com a senhora.Poderíamos, eu e meu marido,irmos até a sua casa?

Dona Rosa era uma pessoa deidade, morava sozinha e nãocostumava receber ninguém, mesmoassim ela concorda.

– Tudo bem, minha filha. Anote oendereço.

Adriana conhecia o local e

acertaram o encontro.

– Tudo bem então, nós iremos.

1 Pelo celular, Adriana avisaJorge e solicita que a pegue nasaída do trabalho.

Às 18h30 daquele dia estão presosno trânsito, no meio da AvenidaPaulista. Chovia muito, o cansaçobatia forte e Jorge tentava desistir.

– Amor, vamos embora.Chegaremos muito tarde na casadessa mulher.

Adriana estava decidida e sabiaque, pela data, não conseguiriaoutra casa para alugar.

– Jorge, não temos outra opção,ok?

Jorge abaixa a cabeça e concorda.Aos poucos, o trânsito flui e logochegam na residência.

1 Muros altos, árvores frondosase um enorme portão de ferro, comum brasão do ano de 1930. Nobrezae classe.

Adriana toca a campainha e logo avoz rouca responde:

– Adriana?

– Sim, sou eu, Dona Rosa.

– Um momento.

O portão abre-se lentamente, ouve-se somente o som do motor. Doisenormes cachorros esperam do ladode dentro. A senhora acena davaranda e faz sinal para o casalentrar.

Jorge estava paralisado por causados cães, Dona Rosa percebe e dáuma ordem.

– Vêm bebês!

Os cães saem em disparada esentam ao seu lado. A cena ébonita, pois esses animais sãorealmente belos companheiros enada temem para proteger seusdonos.

Eles se cumprimentam e ela osconvida a entrar.

Móveis clássicos, cortinas velhas eum leve aroma de casa de vó, umamistura de madeira e saudade.

Dona Rosa, muito educada epreocupada, adianta o assunto.

– Minha filha. Vejo que você é umapessoa do bem e não quero tedecepcionar, logo vou direto aoassunto. Aquela casa é linda, umsonho, mas tem algo estranho queronda o local, dizem que é malassombrada. Choro, risos, barulhos,etc. Se ainda assim você quiser,fechamos o negócio.

1 Jorge nem piscava. Adrianaestava confusa e não sabia o quedizer. Dona Rosa percebe asituação e diz:

– Queridos, vão e pensem. Deem aresposta amanhã.

Sem jeito e sem falar nada os doisse levantam, agradecem e saemcom medo, muito medo.

O portão abre-se, os cães esperampacientemente a saída do casal,sem darem um único latido.

Ao chegarem na calçada Jorgedesabafa:

– Amor, isso realmente aconteceu?

Adriana dá risada e não diz nada.

No caminho, Jorge apavorado, tentadizer algo, mas cada frase deacalanto, de desabafo, era umagargalhada da Dri, ela simplesmentenão acreditava no que tinha ouvidodaquela senhora e, literalmente, riapara não chorar. Surtou geral.

E assim foi até chegarem em casa.Para sorte ou azar deles, Ricardo,Meire, Luana e Renan tinhamcomprado pizza, a fim de jantaremjuntos, assim poderiam conversarsobre a viagem.

1 Mas a Internet é rápida e elesmal abrem a porta e começa a

gritaria, Raian é o primeiro.

2 O Susto daGalera– Pai, a casa é “zuada”,assombrada.

A Tifani emenda.

– "Tô” fora.

Estefani tenta falar tudo que leu,numa tentativa de sair dessaroubada.

Ricardo, Meire e as crianças nãoentendem nada.

Adriana dá uma ordem.

– Silêncioooooooo! –E continua. – Já sabemos, a própriaDona nos contou.

Raian, Ti e Estefani abrem a boca,perplexos. Confusos e intrigadospelo fato de talvez irem para aquelelocal “estranho”.

Ricardo, o mais sensato e religioso,tranquiliza todos com uma únicafrase.

– Pessoal, a pizza está esfriando!

Ânimos acalmados, todos sentados,menos Ricardo, que estava nacozinha procurando não sei o que,Adriana conta tudo. Jorge nem

tocou na pizza, as criançascontavam tudo que leram na Net,Meire estava preocupada, mas nãocom medo.

Após o susto Adriana arrisca apergunta.

– E aí Meire? Vamos ou não?

– Sei lá, Dri. Vou falar com o Ri.

Ela levanta-se e chama pelo marido.

– Riiiii! Nós vamos?

2 – Se tem banheiro e onda eu“tô” dentro.

Adriana já sabia a resposta, sorri e

diz:

– Ah! Meire, esse aí vai até pra luase tiver onda. Pra ele tudo estásempre bem.

Ninguém tinha tocado na pizza,Ricardo senta-se e começa a comersem preocupação alguma. Todosolham e ele sem entender nadapergunta:

– Tudo bem?

Meire retruca.

–Tudo bem nada, estamospreocupados.

Ele não se abala.

– Seguinte: eu não sofro porantecipação, acredito em Deus enão em fantasmas e...essa pizzaestá muito boa.

Adriana sorri, abaixa a cabeça ecalmamente toma a palavra.

– Seguinte pessoal, se o Ri garantenós vamos.

Conflito geral de novo na mesa.Desespero, a Estefani era a maisagitada.

Ricardo dirigiu-se a Estefani.

– Estefani. Alguma vez eu te deixeina mão?

A galera não aguenta e explode emrisos. Por várias vezes Ricardo aesquecia no colégio.

Ela cruza os braços e diz:

– Várias “né”?

Ricardo tenta justificar-se.

– Não, não. Estou falando emrelação a fantasma, tipo você verum e eu te deixar no vácuo?

2 – Claro que não. Eu nunca vinenhum.

Ricardo aproveita a deixa e diz.

– Então você nunca viu um fantasma, sei, sei. Mais alguém

nessa mesa também nunca viu fantasma? –Ok, ok. Então vamos àlógica. Deixaremos de ir a um localmaravilhoso por algo que nuncavimos? É isso?

O argumento foi bom e eleconsegue “apertar sem abraçar”.

Adriana e Meire se olham e não temjeito.

As duas falam ao mesmo tempo.

– Vamos!Somente um "Uh! Uh!" decomemoração.

Além de Ricardo, ninguém comeu apizza.

Para tranquilizá-los ele diz:

- Pessoal, se acontecer algo,voltamos no mesmo dia, beleza?

Como quem cala consente, fechado.Ricardo pega o telefone e solicita onúmero da Dona Rosa.

– Alô! Dona Rosa? Aqui é oRicardo, primo da Adriana.Gostaríamos de alugar a casa.

2 Dona Rosa, muito educada,responde.

– Tudo bem meu filho, deposite o

valor na minha conta ou traga umcheque, depois pegue as chavescomigo.

– Ok, Dona Rosa, passo aí amanhãcom o cheque. Boa noite.

– Boa noite.

No dia seguinte, Ricardo passa nacasa de Dona Rosa na hora doalmoço e algo inusitado acontece.

Ao abrir o portão, os cães olhampara Ricardo e começam a brincar,ele, sem medo, retribui os carinhos,passa a mão, coça a barriga deles eassobia.

Dona Rosa, de longe se surpreende,

pois nunca ninguém havia feitoaquilo, os cães não permitiriam.

– Oi Dona Rosa.

– Oi Ricardo, vamos entrar.

Os dois acertam os detalhes,assinam o contrato, chaves, etc. Avelha senhora confere

o cheque . Banco BDCx, número1A79C-787E. 2 Tudo certo.

Ao sair, Dona Rosa lhe faz umapergunta.

– Filho, você não tem medo doscães?

– Não senhora.

– Estranho, muito estranho. Elessão treinados para não fazeremisso.

Ricardo olha com humildade eresponde:

– Dona Rosa, o ódio e a raivapodem ser treinados, mas o amor énato.

2 Ela abaixa a cabeça, pensa umpouco, e diz:

– Se esses cães conseguem veralgo diferente em você, é porquevocê também pode ver algodiferente neles. Você é diferente,querido.

– Talvez seja isso, Dona Rosa,talvez.

Ele sai com os cães brincando aoseu redor, sem medo.

Dona Rosa apenas olha e pensa:

“Rapaz estranho, muito estranho”.

3 A Casa

3 A frase era do Ricardo, quedesceu do carro e apreciava o visualmagnífico do local. Podia-se ver omar, o horizonte e a praia logoabaixo, à direita. As linhas dasondas nascendo e transformando-seem plumas brancas. Gaivotasvoavam muito próximas, tão alto erao morro da Mansão dos Nobres.

Jorge, Adriana e Meire descerammeio desconfiados e as criançasfingiam dormir, a fim de prolongar omáximo a entrada na "casa doterror".

Um senhor humilde e de sotaquemineiro aproxima-se e apresenta-se:

– Dia gente. Meu nome é Joaquime cuido da casa, caso precisem de“arguma” coisa, eu e minha “veia”“moramu” ali “pertim.

Ele aponta para uma casa pequena,próxima ao local onde estavam.

Jorge faz um sinal para Adriana,Ricardo percebe e chama o seuJoaquim para conversar.

– Seu Joaquim, vamos ali para oSenhor mostrar-me o quintal.

Os dois entram pelo portão eRicardo é direto.

– E aí seu Joaquim, essa casa éassombrada?

3 – Óia, fio, ninguém passamais de 3 dias. Na primeira noite o“pessoar” ouve coisas, na segundatodo mundo “tá” arrepiado, e quemfica pra terceira sai de madrugada.Num “tô” pondo medo não, é que ésempre assim, desde muito tempo.E como o “sinhô” tem criança, achomelhor avisar, “né”?

Ricardo agradece e volta emdireção aos carros.

Adriana já questiona:

– E aí?

Ricardo explica:

– Ele disse que tudo bem,

superseguro, pra gente não sepreocupar com nada.

A Meire percebe a roubada.

– Amor, eu sei que ele NÃO falouisso, mas eu prefiro não saber o queele disse, logo, eu sugiro que vocêdurma com as crianças, atésegunda ordem, ok?

3 Meio a contragosto, ele aceita.

Desamarraram as pranchas,liberaram a carreta das motos eretiraram as malas.

As crianças reclamavam, mas já eratarde.

A casa era linda, bem conservada ecom muitas plantas. Havia umarbusto cheio de flores logo naentrada, pareciam margaridas,porém eram amarelas e exalavamum cheiro adocicado, muito gostoso.Todos pararam para apreciar.

Ao abrirem a porta, tiveram umasurpresa, a sala era enorme e muitoiluminada, janelas amplas permitiamapreciar o mar sem limites, umsonho.

3 Toda movimentação foiacompanhada por um par de olhosverdes, no alto de um patamar quedava acesso ao solarium.

Ninguém percebeu, mas eles

estavam lá,

4 APrimeira Noite

4 Todos estavam muitocansados por causa da viagem elogo após o jantar foram para osquartos. As crianças decidiramdormir juntas, juntas mesmo, uniramduas camas, encheram de edredonse sumiram lá dentro, as cinco nãosaiam de jeito nenhum.

Era relativamente cedo e todosestavam com pouco sono e muitomedo, uma combinação perigosa.Visto que cada um contava umahistória diferente (e de terror)daquela casa. Quanto menos sono,mais histórias, quanto mais histórias,mais medo. Ricardo ria o tempo

todo.

Brincadeiras pra lá, brincadeiras pracá e de repente, um vulto passapelo corredor em direção à cozinha.

Ricardo, Estefani, Renan e Tifaniviram e aí começou o “auê”.

– Calma pessoal! É a Meire que foitomar água. – Ricardo falou firme econtinuou.

– Vou me enrolar nesse lençol eassustá-la.

Estefani com voz trêmula tentavafalar:

– Tio Ri car cardo... Na na não era a

tia Meire.

4 Ricardo levanta-se, pega umlençol e vai brincar. Ele caminhavagarosamente pelo corredor,percebe uma pessoa na cozinha,mas como estava escuro ele nãoconsegue enxergar direito, então elecobre o rosto e caminha em direçãoda “Meire”, ao chegar perto elelevanta o lençol e:

– BUUUUuuuu!

Surpresos com o que viram, ambosgritam:

Ele: – Quem é você?

Ela: – AHHHHHHH!

No quarto, as meninas gritaram demedo, Renan e Raian atiram com asarmas de brinquedos de paintballpara todos os lados, a fim demanchar o fantasma com tinta edepois segui-lo.

Jorge: – Misericórdia! Eu ouvi umgrito de mulher.

Adriana: – “Putz!” E agora?

4 Meire estava lendo umarevista, respira fundo e pensa.

– Era bom demais para serverdade.

Seu Joaquim de longe ouve osgritos, abaixa e balança a cabeça.

Meire e Adriana vão para a cozinha,acendem a luz e veem o Ricardoprocurando algo. Aos poucoschegam as crianças e o Jorge.

Perguntas:

Meire: – O que houve?

Ricardo: – Tinha uma moça aqui eela sumiu.

Estefani:– Eu falei, eu disse. Eu ouvium grito.

Adriana: – Como assim, sumiu?

Ricardo conta o que aconteceu etodos olham para Jorge, que miravafixo uma caixa de cereais em cimada mesa.

Adriana: – Jorge, o que foi?

Jorge: – E se ela for uma “cerealkiller”?

4 Sem comentários.

Nesse breve intervalo, Ricardo,Estefani e Renan ouvem umsussurro no solarium, como sealguém estivesse chorando.

Ricardo resolve subir e conferir.Meire não concorda. Todos queriam

sair da casa o mais rápido possível.Mas Adriana lembra um fato.

– Pessoal. Quem abriu a porta dosolarium?

E uma dúvida paira na cabeça detodos.

4 Se a porta estava trancada,como poderia haver alguém lá?

Pela primeira vez, Ricardo concordacom o pessoal que era arriscadopermanecer ali. Alguém poderia teras cópias das chaves e...

É ele quem dá ordem:

– Vamos arrumar as malas!

Ao passar pela escada que davaacesso ao solarium, ele ouve umavoz feminina:

– Por favor, não vá.

Preocupado e com medo ele, chamao Jorge e a Meire.

4 – Vou subir até ali e conversarcom essa moça, se sairmos agorapodemos ser assaltados, tudo issopode ser armação. Vou negociar.

Jorge concorda.

Ele sobe, abre lentamente a porta evê uma moça sentada no beiral. Nãoperde tempo.

– Olha moça, se você quer dinheirotudo bem. Tem crianças na casa,vamos resolver isso numa boa.

Ela não responde.

Jorge, atrás da porta pergunta:

– E aí?

Ricardo levanta os ombros e diz:

– Sei lá, ela não responde, pareceque está drogada.

Nesse momento ela fala.

– Não estou drogada.Venha aqui, por favor.

4 Ele acena para o Jorge dar um

tempo e caminha até o local.

Ela vira o rosto e diz:

– Pode me ver?

Sem entender a pergunta eleresponde.

– Sim, claro. Por quê?

Ela explica, calmamente:

– Eu só vejo em tons decinza, poucos metros àfrente e somente algunscômodos da casa. Aspessoas para mim sãovultos, menos você. Pelaprimeira vez eu consegui ver

os olhos de alguém. Poderiame explicar?

4 Ricardo percebe que ela nãoestá bem, e tenta amenizar asituação.

Enquanto fala, uma aranha caminhana direção da perna da moça, antesque pudesse alertá-la, o insetoatravessa-lhe o corpo.

Assustado, ele desconversa e saiapressado, abre a porta e, suandofrio, começa a explicação paraJorge e Meire:

– Vamos embora, eu vi a aranhaentre as pernas da moça, quer dizerpassar por entre ela, a moça não émoça.

Meire ficou furiosa e falou:

4 – Que história é essa dearanha na perna da moça? Ou vocêexplica ou está encrencado.

Mais calmo, ele conta tudo em

detalhes. Meire não acredita e diz:

– Vamos lá.

Ricardo ainda tenta convencê-la docontrário. Ela o abraça e juntos vãoao solarium, ela pergunta:

– Onde está a moça?

Ricardo aponta para o beiral. Meirenervosa fala:

– Que palhaçada é essa? Deu prabrincar?

A moça de longe explica:

– Ela não pode me ver.

Ricardo replica a informação.

Meire, já fula da vida pede a ele quea descreva.

– Ela é loira acobreada, olhosverdes, pele bronzeada e...

4 Meire quase tem um treco.

– O que? Eu peço para você medescrever um fantasma e vocêdescreve a namoradinha de umsurfista.

Inicia-se a discussão:

– Eu não sou fantasmae a sua esposa está muitoirritada. Muita Chata.

4 Ricardo: – A moça disse que

você é legal.

Meire: – Um fantasma que se prezeé “zóiudo”, descabelado eremelento.

– Ela é CHATA , irritadae eu estou ficando nervosa.

Ricardo: – Ela disse que se nós aajudarmos não assusta maisninguém.

– Eu não disse isso eSaiam da minha casa.

Meire: – Prove.

4 A moça sai de perto do

Ricardo, caminha até a porta e fazu m “BUuuu” bem na frente doJorge, que ouvia toda “discussão”.Esse desce as escadas gritando:

Ricardo: – E agora? Acredita?

Meire, meio inconformada, aceita osfatos e concorda, com a condiçãodela ficar no solarium.

Meire: – Tudo bem. Legal. Acredito.

– Estou descendo e fique longe da“fantasminha-legal”.

4 Ricardo estava mais calmo epergunta como ela sabia que aMeire era sua esposa, comoconseguiu ouvi-la e como conseguiuassustar o Jorge,

Ela diz (meio confusa): – Sei lá,sempre foi assim, deduzi sobre elaser a sua esposa e quando alguémestá com raiva ou medo consigoouvir, fico andando pela casa, aíencontro um vulto com medo e ficobrincando de assustá-lo. Não seiexplicar direito.

Ele tenta compreender.

-Você não vê as pessoas?

– Não.

4 Sua resposta parece confundi-la também.

Visivelmente triste e abalada, ela lhefaz um pedido.

Sem entender ele concorda eaproxima seu rosto ao dela.

A moça vê somente um vulto derosto desconhecido, mas os olhos

são tão nítidos que seu brilhoarranca-lhe uma lágrima. Haviamuito tempo que ela não via o olharde outra pessoa, muito tempo.

Emocionado, Ricardo abaixa acabeça e diz:

– Amanhã faremos a oraçãosemanal, se quiser podecomparecer, farei um pedido porvocê.

Ela simplesmente balança a cabeça, em sinal positivo.

5 A Oração

SemanalNa manhã seguinte e após o susto,todos se reuniram na sala, sentadosà mesa. Eles aguardavam achegada de Ricardo. Sabiam quedeveriam orar.

Ricardo desce as escadas, caminhaaté a sala e se junta aos demais.

Em seguida, Renan levanta-se como Evangelho nos braços, senta-seno colo de Ricardo, abre o livro eaguarda em silêncio a voz do pai.

Enquanto Ricardo lê o Evangelho,todos permanecem de olhosfechados e cabeça baixa, ele

percebe que a moça está de pé,atrás de Raian, ouvindo e vendotudo com muita atenção.

5 Como de costume, Renanencerra a oração como o Pai Nossoe Ricardo faz o pedido:

– Senhor, agradecemos esse dia elouvamos o vosso nome, peço-lhehumildemente que ajude umapessoa que muito precisa da vossaluz.

Nesse momento a moça percebeuma luz azulada pairando sobre amesa, ela que há muito tempo sóenxergava em tons de cinza,emociona-se com a cor e o brilho

prateado. A luz percorre a mesa,passando na frente de todos, sobena altura da cabeça da moça e recaisobre a mesma. Ricardo não viu aluz, mas percebeu que algo haviaacontecido, pois a moça estavachorando e tentando abafarqualquer som com as mãos. Nariz eboca tampados, olhos lacrimejando,ela sobe para o solarium.

Após a oração todos estavam maiscalmos. Ricardo avisa que o melhora fazer é não entrar em desespero,as crianças concordaram, estavammais tranquilas.

Ele avisa Meire que havia esquecido

de trancar a porta do solarium e elafaz um pedido.

–Tudo bem. Vá trancar e fique longeda “fastaminha-legal”.

Ele sorri, dá um suave beijo nosseus lábios, nas crianças e sobe.

5 Ao fechar a porta ele ouve:

– Por favor, pode vir aqui? Quero teagradecer.

Sem entender nada, ele vai em suadireção.

A moça estava sentada no beiralcomo de costume, mas olhava o

infinito. Sem virar o rosto ela diz:

– Não sei quem você é. Não sei oque era aquela luz. Sei apenas queagora posso ver e sinto muita pazem meu ser. Nunca rezei em minhavida, meus pais eram ateus. Nuncame preocupei com nada. Mas vejoque as coisas são bem diferentesdo que imaginei. Não sinto maisvontade de assustar ninguém.

5 Ricardo interrompe. – Olhamoça...eu.

Ela o interrompe e continua.

- Meu nome é Matrícia,recobrei parte da minha memória,

frequentei esse local com amigos,vivíamos do bom e do melhor,lembro-me de algumas cenas defestas. Recordo-me que ao precisarde algum dinheiro rápido, entravanas casas e cometia pequenosfurtos.

Ela faz um pedido.

– Por favor, ensina-me uma oração,como ensinou a seu filho.

Ricardo então se lembra de umaoração simples, porém muita bonita.

– Matrícia, vou lhe ensinar umaoração de duas palavras, mas parater efeito ela deve ser dita não comos lábios, deve sair do coração.

5 Curiosa ela indaga.

– Duas palavras? Tão simplesassim? Jamais esquecerei. Quaissão?

Ricardo aponta para o coração deMatrícia e diz como ela deve orar.

– Obrigada Senhor.

Ela compreende perfeitamente aforça dessa oração e sorri emagradecimento.

Ele despede-se em silêncio.

5 Matrícia encosta a cabeça naparede e aprecia a paisagem.

Enquanto uma suave brisaacariciava-lhe o rosto, ela fechou osolhos, fez a única oração que sabiae adormeceu profundamente, comohá muito não fazia.

6 Mar

Era uma linda manhã de verão, céuazul e boas ondas.

Matrícia despertou com a algazarrados pássaros, o barulho do mar,das ondas e pela primeira vez podecontemplar o nascer do sol. Aemoção foi tamanha que ela abriuos braços, respirou fundo e repetiua oração que aprendera.

6 Do alto ela observava ascrianças andando no quintal, osrapazes arrumando as motos e

podia sentir, sem explicação, oaroma de café fresco.

Tudo aquilo a fazia sentir-se feliz,

algo estava acontecendo na suavida. Finalmente.

Lá embaixo, Ricardo tentava ligaruma das motos, que estava comproblemas. Jorge o ajudava, olhavae nada.

6 De repente, Renan sai da casacom sua prancha e avisa que iriasurfar. Normalmente, Ricardo jamaiso deixaria ir sozinho, mas o marcalmo e a entrada pela trilha daspedras não apresentava risco, elepede que ele use a camiseta-colete,uma roupa que ajudava o surfista anão afundar.

Renan sai correndo gritando:

- Vamos lá, pessoal.

Ricardo conversa com Jorge sobrea possibilidade de verificarem amoto mais tarde e aproveitarem omar pela manhã. Enquanto estavamconversando, Matrícia observaRenan no mar, quando algo lhechamou a atenção, uma súbitamudança no vento anunciava achegada do inusitado.

6 Olhou para o horizonte e viuondas enormes na direção daspedras, aquilo não era normal.Assustada ela percebeu que Renanjá havia notado o perigo, ele remavaforte em direção das ondas, a fim

de transpô-las antes quequebrassem, o monstro foi maisrápido e estourou bem na frente domenino que mergulhou rápido.

Mesmo assim o pior aconteceu, acordinha da prancha arrebentou eMatrícia viu a prancha ser levadaenquanto Renan lutava com asmontanhas brancas.

Num ato de desesperou Matríciagritou para Ricardo:

– RICARDO! O Renanno mar.

Ela aponta na direção do perigo.

Ricardo olhou para Matrícia no altodo solarium, pegou uma pranchaque estava apoiada na parede esaiu correndo.

Jorge não entendeu nada ecomeçou a gritar:

– Hei! O que aconteceu cara? (elegrita) Meire, Adriana.6 Meire sentiu o perigo, foi aoquintal e imediatamente subiu nosolarium. Do alto ela tinha uma visãoaterrorizante, uma criança lutandocontra as ondas e um surfistaaproximando-se, ela não perdetempo:

– Jorge, pegue a outra moto e peçaajuda aos bombeiros. Fale com oCristiano, o nosso amigo.

Em minutos, a moto está no posto e

Cristiano aciona a sirene de socorro.Meire, Adriana e as meninas entramno carro e vão à praia.

Os banhistas retiram-se da água,pois as ondas realmente estavamperigosas. Todos observavam a lutado jet ski dos bombeiros paraatravessar a arrebentação.Impossível.

Cristiano vira o Jet para a foz de umrio, que desaguava na praia eacelera. Em seu pensamento, elepede ao amigo que reme naqueladireção.

6 Ricardo alcança Renan, que já

estava exausto e sem forças,coloca-o sobre a prancha e remaforte contra as enormes paredes.Uma onda começa a nascer eRicardo literalmente reza e pede aDeus que a segure, as pessoas napraia veem a prancha subir aquelamontanha verde, Ricardo grita erema com toda força, a pranchasobe, por instantes fica no ar e caiatrás da onda. O comandante queacompanhava a operação desalvamento imediatamente passa orádio para a equipe de mar.

– Vai, Vai, passaram, tirem eles delá.

O jet ski aproxima-se, Ricardoprepara Renan que já estavainconsciente. Com movimentosrápidos e com a ajuda do bombeiroda maca flutuante, eles conseguemcolocar o menino em segurança.

Cristiano pergunta: – Você nãovem?

Ricardo responde sem hesitar.

- Mais leve, mais rápido, tire-odaqui.

6 Responde e sai remando parao alto mar, lá ele poderia recuperaras forças e retornar. Cristiano sabiaque Ricardo estava certo, acelera oJet ao máximo.

Uma ambulância aguardava napraia.

Recuperado, e preocupado com ofilho, ele abaixa a cabeça eagradece ao Pai. Em seguida, remae entra numa onda gigante, aspessoas na praia ficamimpressionadas.

Ao chegar na areia ele aindaconsegue arrancar um comentáriode uma mulher:

– Ai ai! Queria ser a cordinha dessaprancha.

Sem entender o comentário, eleapenas olha e sai correndo nadireção do posto.

Ele procura por Cristiano e ao

encontrá-lo diz:

– Muito obrigado. A você e ao seuamigo. Salvaram as nossas vidas.Mas que ondas são essas?

6 Cristiano explica: - Nãosabemos, elas surgem do nada, sãoenormes e do mesmo modo queaparecem, somem. Sei lá, efeitoestufa talvez.

Ele continua a falar. – O Jorgedeixou a moto aqui e foi naambulância. A Meire, a Adriana e ascrianças foram de carro para ohospital.

– Você está bem?

– Estou sim, vou ao hospital.

Responde Ricardo, que coloca ocapacete, liga a moto e sai.

6 Ao chegar ao local, ele

encontra com a esposa sentadanuma cadeira branca, Adrianaacariciando seus cabelos, Jorgeolhando o teto e as criançasabraçadas.

Meire pergunta o que houve eRicardo conta em detalhes tudo oque aconteceu, ela chora e aguardanotícias do médico.

Finalmente aparece Dr. Mário paratranquilizar a todos.

– Ele está bem e fora de risco,demos um sedativo e ficará emobservação essa noite. Um devocês poderá ficar. Nesse momentoele está acordado.

Meire pede para vê-lo e é atendida.

Ao entrar no quarto, ela percebeque Renan está sonolento, aindaassim ele quer saber o que houve.Meire conta tudo sem rodeios e elefala:

– Mamãe. Chama o papai aqui.

Ela sai do quarto e Ricardo entra,passa a mão no seu rosto e é omenino quebra o silêncio:

– Pai. É verdade que foi a“fantasminha-legal” quem te avisou?

– Sim filho, é verdade.

Com o sono ganhando, ele tenta

completar a frase.

– Ah! Diz para ela que ela....Ela...é...Mui...

6 Ao sair do quarto, elescombinam que seria melhor a Meirepassar a noite. Adriana ficaria até asua volta. O Jorge faria o transportee Ricardo cuidaria do jantar e dascrianças.

Ao chegarem em casa todos sentamno sofá, menos Ricardo que vaidireto para o solarium e lá encontra-se com Matrícia.

Matrícia é a primeira a falar:

– Como ele está?

Ricardo responde com a vozcansada.

– Ele está bem, ficará essa noite emobservação. Muito obrigado Matríciae se eu conheço a minha famíliatodos virão aqui.

Ele mal acaba de falar e ouvem-sepassinhos na escada.

– Tio Ri. Posso ir aí?

Era Raian, todo tímido.

– Pode sim Raian.

6 Ele aproxima-se delicadamentee pergunta: – Ela está aqui?

– Sim está.

– Moça, eu queria te agradecer porajudar a salvar a vida do meu amigo,“tá”?

Ele põe a mãozinha na boca, mandaum beijo e completa.

– Eu não tenho mais medo de você,mas não precisa aparecer pra mimnão, “tá”?

Ele sai de fininho olhando para trás.Enquanto Matrícia sorri docemente.

Em seguida, vem as meninas e oJorge. Todos agradecem e saem.Finalmente, aparece a Meire,chorando, emocionada e segurandoas mangas da blusa com os dedos

ela tenta falar:

– Moça, quero dizer, Matrícia, euqueria (ela vira rosto para os lados)..eu queria te agradecer, não seicomo fazer isso nesse tipo desituação. Então só me resta pedirpara que Deus a abençoe.

Ricardo a abraça e ela sai, a fim depreparar-se para a noite no hospital.

6 Ricardo olha para trás e acena para Matrícia. Ela aponta o próprio coração e coloca as mãos em posição de oração. Ele sabia o que aquilo queria dizer.

Por muitos anos Matrícia fora

amaldiçoada por aqueles que elaassustava, e assim quanto mais elaassustava, mais permanecia nacondição de “fantasma”.

Agora era diferente, pela primeiravez uma pessoa pediu para queDeus a abençoasse. Isso faria todaa diferença em sua vida.

7 Depois do Susto

Renan e Meire chegaram cedo namansão, ambos cansados depois deuma noite mal dormida.

Ricardo abre o portão, o carro entrae eles se abraçam, em seguidachegam as crianças, o Jorge e aDri.

Renan, abraçado ao pai, pede umaexplicação:

– Pai, conta tudo.

Enquanto Ricardo conta, sem alteraros fatos, os dois caminham emdireção à porta, ao chegarem naentrada, o menino para, abaixa-se e

pega a flor amarela de aroma doce,em seguida faz um pedido.

– Pai, posso falar com ela ?

– Claro filho, vamos lá.

7 Ninguém questiona.

Sobem as escadas lentamente;Matrícia já os aguardava. Renanentão pergunta.

– Pai, ela está aqui?

– Sim, na sua frente.

Matrícia segura as próprias mãos eaguarda.

Renan abaixa a cabeça e agradece.

– Matrícia, meu pai disse que foivocê quem deu o alerta. Eu quero teagradecer. Olha, peguei essa florpra você.

Sem saber como “dar” a flor eleolha para o pai e esse lhe ajuda.

- Coloque-a em cima do beiral.

7 O menino obedece, dá umbeijo na flor e desce as escadas.

Matrícia aproxima-se do presente,sente uma vontade enorme de pegare sentir aquele “beijo”.

Ricardo observa em silêncio e podever uma cena incrível. ConformeMatrícia aproximava sua mão direitada flor, essa parecia mover-se e emdado momento a jovem conseguepegar algo como se fosse a energia

da planta, no mesmo formato, mastranslúcida. Ela fica extasiada e acoloca próximo ao rosto.

Ricardo pergunta curioso:

– Consegue senti-la?

– Sim, sinto o aroma e a textura.Meu Deus!

Por alguns segundos, uma lágrimalhe escapa dos olhos. Ricardoquestiona se está tudo bem, elaconta o que sentiu:

– Ao fechar os olhos, sentindo essearoma, vi cenas confusas, mas umadelas não sai da minha mente. Um

cesto, um bebê, um bilhete e umaflor.

Ambos ficam confusos.

8 Aproxima-se o Natal

Amor, não esqueça de comprar eenviar os cartões de Natal para suamãe, minha mãe e a Dona Lucy.

Meire lembrava o marido dasprioridades do dia, como ir aomercado e passar nos Correios.

Todos estavam se divertindo napiscina e Ricardo resolve ir sozinhoà cidade. Despede-se e sai.

Ao chegar no mercado, encontra oamigo e bombeiro Cristiano, que diz:

– E aí, cara! Que susto.

8 Ricardo sorri e o abraça.

Ambos nunca tinham visto ondas tãograndes naquela região. Entre umassunto e outro Cristiano se abrecom o amigo sobre um assunto queo afligia há algum tempo.

– Sabe, Ricardo, estou triste epreocupado. O orfanato da DonaCelina está em área de risco e nãoconsigo encontrar um local seguropara as 32 crianças.

Ninguém sabia ao certo a data emque o orfanato fora criado. Narealidade ele sempre existiu, desdemuito nova Dona Celina amparavaos mais necessitados em sua casae assim foi...

Ricardo conhecia o trabalho daDona Celina, sabia que a idadeagora pesava e que ela não vinhapassando bem. Sem saber o quedizer ao amigo ele fala:

– Cristiano, Deus é bom e jamaisdeixa de ajudar um justo. Farei umaoração por ela.

Cristiano agradece e eles sedespendem.

8 Antes de entrar nos CorreiosRicardo abaixa a cabeça e pensa:

"Senhor, ajude a Dona Celina e seeu for digno, usa-me para o seupropósito”.

Sobe as escadas, entra na fila eaguarda a sua vez. Ao comprar oscartões a moça do caixa informa seele não desejaria levar um pacotecom quatro cartões, compre três eganhe um grátis. Ele concorda e vaiao balcão, a fim de preenchê-los.Ao finalizar o último, uma meninaaparentando dez anos aproxima-see pede um favor:

– Moço, moço. Pode preencher umcartão pra mim?

Ele acha estranho e pergunta:

– Você está sozinha? Tem o cartão?

Ela reitera o pedido.

– Não estou sozinha, apenas querofazer uma surpresa pro meu pai.Você tem um cartão a mais?

8 Ricardo pensa um pouco econcorda. Pergunta o nome,endereço e mensagem. Ela dita emdetalhes.

Roberto P. Machado

Rua Tal, número Tal, Bairro Tal,Cep, SP

“Querido Papai”

Desejo a você e mamãe um Feliz Natal.

Beijo no coração.

Sua filha Ceci. Te amo”

Após anotar, ele tem uma dúvida:

– Ceci, qual o seu endereço aqui?

Ela sorri e diz:

– Estou na casa de amigos e nãosei o endereço de lá, pode colocar oseu mesmo, senão o Correio nãoentrega. Pode fazer esse favor?

Ricardo estava com pressa eresolve atender ao pedido damenina e escreve no verso docartão: Mansão dos Nobres – Morrodo Mirante - Itanhaém. Vai até olocal para depositar os cartões equando vira-se para despedir-se, ela

havia sumido. Ele acha estranho,mas não liga. Afinal, gente semeducação e ingrata está cheio poraí.

8 Enquanto Ricardo voltava paracasa, Renan e Raian (agora semmedo) brincavam na casa deesconde-esconde e é Raian quemdescobre o “esconderijo”.

Havia um porão, que servia deabrigo para ferramentas de jardim.O pequeno Raian aninhou-se numcanto, quando seu ombro encostana parede de tijolos e um deles caino chão, revelando uma pequenacaixa metálica, toda trabalhada.

Assustado, ele chama todo mundo.Adriana pega o objeto, abre e ficaimpressionada. Joias, anéis,pulseiras e um colar porta-retratoscom a foto de um casal e umamenina.

Jorge dava pulos de alegria.

Até chegar Ricardo.

9 SurpresaAlegria geral na casa, afinalestavam “milionários”.

Ricardo entra e ouve atentamente adescoberta, pensa um pouco, olhapara a caixa aberta e diz:

– Pessoal, isso não nospertence, se não sabemos quem é odono, devemos doar. Na cidade,todos falam sobre as chuvas e orisco do orfanato da Dona Celinaceder e ser levado pelo Rio Negro.Por que não vendemos as joias edoamos para a Dona Celina ?

9 Todos permanecem em

silêncio e concordam em ajudar ascrianças. Na manhã seguinte,Ricardo levaria as joias paraavaliação.

Antes, porém, ele tem uma ideia:mostrar a caixa para Matrícia.

Ao encontrá-la, Matrícia diz não selembrar de nada sobre o porta-joias.

No dia seguinte, todos acordaramcedo e foram surfar, enquanto isso,longe dali, um homem lia um Cartãode Natal.

Só em sua cobertura ele ajeita ocachimbo, olha a cidade pela janela

e pensa.

Anda de um lado ao outro com ocartão nas mãos, inquieto ele ligaseu computador e acessa a Internet.Procura por informações sobre umlocal, confere o endereço no versodo cartão. Digita, pensa, pesquisa edepois de uma hora toma umadecisão:

9 Aperta um botão na mesa.Uma voz feminina responde:

– Pois não, senhor.

Com o olhar no infinito ele dá umaordem. – Prepare o helicóptero.Destino: Itanhaém, São Paulo.

Passarei os detalhes ao piloto.

A voz não questiona:

– Sim, senhor.

Final de tarde com sol dourado eboas ondas, todos cansados efelizes, sentados na varanda dacasa, eles comentavam sobre comoaquele local era bonito.

A conversa é interrompida pelo somforte de um helicóptero sobrevoandoa casa, o piloto faz oreconhecimento e pousa a poucosmetros da casa, num terreno baldio.

9 O barulho diminui quando opiloto desliga o motor. Em seguida,

um senhor desce e caminha emdireção a casa.

Nada fazia sentido. O homem chegaao portão e pede um favor.

– Bom dia, por favor, podem meajudar?

O Sol estava forte, Ricardo abre oportão e convida-o a entrar. Na sala,Meire oferece uma limonada e inicia-se a conversa. Ricardo pergunta:

– Em que podemos ajudá-lo?

O homem retira um cartão de Natale diz:

– Preciso saber se esse cartão foi

enviado dessa casa e quem o fez.

Ricardo pega o cartão, confere ereconhece como sendo o cartão damenina dos Correios, um friopercorre-lhe a espinha.

– Senhor, uma menina solicitou-meque escrevesse esse cartão nosCorreios, disse que era importante.

O homem procura se conter, suasmãos tremem um pouco e comdificuldade ele retira uma foto dobolso e pergunta:

– Seria essa menina?

9 Ricardo reconhece e diz:

– Sim, é ela e …(ele interrompe afrase), meu Deus. Ela fugiu decasa? É isso?

O homem coloca as mãos nacabeça e quase não conseguepronunciar a frase:

– Ela morreu afogada nessa praiahá mais de trinta anos.

Ricardo fica extasiado, Adriana eMeire pegam a foto e nãoconseguem segurar a emoção,ambas falam.

– É a menina do porta-retratos.

Ricardo sem entender questiona:

– Que porta-retratos?

O homem sem hesitar descreve:

– Um colar porta-retratos, dentro deum relicário dourado, delicadamentetrabalhado e que sumiu, com outrasjoias, no dia que a minha filhamorreu.

Jorge vai até o quarto e traz umpacote.

9 Ricardo pega o volume eentrega ao homem sem dizer nada.Emocionado, ele apenas chora.

A família conta como encontraram acaixa e o que pretendiam fazer. Ohomem se recompõe e diz:

– Não tenho palavras paraagradecer. Conheço a Dona dessacasa há anos e sei que ela jamaisfaria isso. Acredito que alguémalugou o imóvel e cometeu essedelito. Dona Rosa deixou defrequentar aqui desde o dia que.....(ele para).

Ricardo pergunta:

– Que dia?

O homem tenta ser sutil edesconversa:

– Uma moça faleceu nessa casa,mas eu não sei detalhes, talvez oseu Joaquim possa esclarecer a

vocês. Gostei de saber que essasjoias seriam para ajudar o orfanatoda Dona Celina. Como está a DonaRosa?

Ricardo responde:

– Ela está bem, mora numa casapróxima à Paulista.

O homem apenas diz:

– Sei, sei. Bem, já é tarde, preciso ir.

Eles se despendem. O helicópterolevanta voo em direção ao pôr-do-sol.

9 Intrigado, Ricardo vai até a

casa do seu Joaquim, a fim deverificar algumas informações.

Olá seu Joaquim, tudo bem?

Ele responde animado:

– Tudo “bão” “fio”. O “qui” manda?

– Senhor Joaquim, por favor, osenhor lembra algo sobre a mortede uma jovem nessa casa?

Desconfiado, ele diz (com sotaquearrastado):

– “Óia fio, eu “ivito” fala nisso, mas“prucê eu falo. Já “fai”z muitotempo. Essa casa era frequentadapor um grupo de jovens, eles

“vinha” sempre. “Fazia” festas e“baruio”. Depois de um tempo elessumiram, só ficou uma moça loira-ruiva, morando sozinha. Só vinhaum moço “visitá" ela nos “finars” desemana, ele trazia de tudo , tinhaum carro importado,branco e semcapota, “bunito” que só vendo.Ficou assim uns dois anos até...(ele engasga).Uma noite a minhaveia ouviu um bebê chorando, e depois ouviu mais “arguma” “veiz”, mas um dia eu fui limpar o jardim da casa e senti um cheiro “horríver” , chamei , chamei e chamei. Sem “artenativa pensei o “pio” e telefonei para a polícia. Quando eles

“intraram” na casa, “incontraram” a moça deitada na cama, com uma “buneca” nos braços, um bilhete e“muitos remédio” do lado dela. Ela‘si matou.”

Confuso, Ricardo questiona:

– E o bebê?

Seu Joaquim responde seco.

– “Num sei não sinhô”.

10 TempestadeAquele dia foi marcado por muitosacontecimentos importantes. Choviaforte à noite, ventos e granizo

assustavam as crianças, queresolveram ir para o quarto quandoacabou a energia elétrica.

Todos se recolheram mais cedo.Ricardo, deitado em sua cama,ouvia os trovões e pensava em tudo,tentando encaixar as peças, masfaltava uma peça-chave...um bebê,que poderia desvendar o querealmente acontecera com Matrícia.

10 Ele tinha algumas suspeitas,mas achou melhor não comentarcom ela, não naquele momento.

Pela manhã, Ricardo abriu as portas

e viu um lindo dia, folhas e galhosespalhados pelo terreno dariammuito trabalho ao Sr. Joaquim.

A virada do ano aproximava-se ecom ele muitos e muitos carros. Doalto do mirante era possívelobservar a estrada congestionada eo poderoso Rio Negro, que agoraestava cheio de vida e energia;gordo e sem educação, eleavançava em tudo e em todos. Ecolocava o Orfanato em delicadasituação.

Já passavam das dez horas damanhã quando o som ensurdecedor

de um helicóptero rasgou o céu abaixa altitude, era o Sr. Robertoque, por alguma razão, resolveravoltar. Pousou e dirigiu-se àMansão.

10 Com sorriso no rosto elecumprimentou Ricardo e logo todosse aproximaram, curiosos.

– Bom dia, pessoal. – E continuou.Talvez não saibam ou tenham ideiada alegria que me proporcionaram,então, como forma de retribuir,tomei a liberdade de comprar aMansão dos Nobres e doá-la aoOrfanato, aqui está o documento,basta a proprietária do Orfanato

assinar essa linha e as criançasterão um novo lar. Alguma dúvida?

Ricardo nem leu o papel, pegouimediatamente o celular e ligou parao Cristiano.

– Alô, Cristiano? Você não vai acreditar, a Dona Celina acabou de ganhar uma casa nova.

– Como assim, não estouentendendo. Pode repetir?

E Cristiano explica a situação:

– Ricardo, a forte chuva de ontemnos obrigou a retirar todos doOrfanato, menos Dona Celina, que

está de cama com um médico aoseu lado. Ela não... ela não vai...omédico achou melhor deixá-ladescansar aqui mesmo.

10 Ricardo desespera-se.

– Espere, que papo é esse cara?Ela só tem que assinar um papel.Não, não pode ser...

Pela primeira vez a galera vêRicardo chorar por não saber o quefazer.

– Pessoal, a Dona Celinaestá...está...deixando a gente. Sr.Roberto, existe outra opção?

– O documento foi preparado paraela, eu teria que refazer, levariaalgum tempo.

Ricardo pensa nas crianças, olha aestrada congestionada, o Riotransbordando e nenhuma ideiasurge, ninguém sabia o que fazer,menos o Raian:

– Tio, tio. Por que você não sobe nohelicóptero e pousa na praia?

10 Silêncio geral. A ideia eramaluca, mas fazia sentido. Sr.Roberto dá uma deixa:

– Na praia eu não possopousar, (ele olha para as pranchas e

continua), mas você pode “pousar”na água.

Ricardo não perde tempo:

– Jorge, pega uma pranchapequena. Meire traz um sacoplástico. Adriana liga pro Cristiano epeça para ele me esperar na praiacom o quadriciclo, diga que éurgente. Se ele perguntar onde, digapara seguir o helicóptero.

Renan, Estefani, Luana e Tifanigritam:

– Uh! Uh! Isso vai paraNet (e sobem correndo para osolarium).

Meire repetia a mesma palavra:

– Não, não, não...ele não vai saltardo helicóptero.

Adriana:

– Sim, sim ,sim ...aliás ele já foi.

Meire une as mãos em silêncio, pede ajuda e proteção.

10 O helicóptero voa rápido eem segundos atinge o ponto, opiloto acerta a altitude e a posição.Ricardo corrige e informa que teriaque saltar atrás da arrebentação.Enquanto ele e o piloto conversam,todos na praia apreciam aquelaaeronave azul Royal com faixas

douradas balançando suavemente.

A aeronave estava tão perto que erapossível ler o seu prefixo na cauda

Um grupo de mulheres que assistiaresolveu filmar a cena e quando umadelas aproxima a imagem do interiorda aeronave diz:

– Gente, vocês não vão acreditar, éo mesmo cara que tirou o meninonaquele dia.

Ao ver o salto a outra completa:

– Definitivamente eu queria ser acordinha daquela prancha. O caravem surfar de helicóptero. Demais.

Nem tudo o que vemos é o queparece ser.

11 NoOrfanatoCristiano e um amigo estavamesperando por Ricardo no pontocombinado, ele sai da águacorrendo, entrega a prancha aoamigo de Cristiano, sobe na garupae dá uma ordem:

– Pega a trilha dos pescadores,temos que chegar o mais rápidopossível no Orfanato.

Cristiano retruca:

– Não conseguiremos atravessar orio.

Ricardo já havia pensado noitinerário e explica:

Subiremos o rio até a estrada deferro, depois entraremos nos trilhosdo trem. O quadriciclo consegue.Vai.

Ricardo estava certo, e rapidamenteeles chegaram ao local.

11 Ao entrarem pelo portão,

veem uma casa velha e sem vida,sem crianças e um rio “gordo”invadindo o quintal, destruindo ossingelos brinquedos, feitos decordas, pneus e madeiras.

Uma moça de cabelos negros,cabisbaixa, sentada na pequenavaranda, não percebe a chegadados rapazes, é o seu marido quemavisa:

– Amor, temos visita.

Havia também um oficial da justiça edois policiais, que ali estavam paragarantir que todos desocupassem oimóvel.

Ricardo apresenta-se, sem saber aocerto o que e como dizer algo, ele édireto:

– Moça, consegui uma casa paravocês, preciso que Dona Celinaassine esse papel.

Abalada e sem muito que perder,ela diz:

– Podem entrar, o médico pediupara ficar a sós com ela, acho queele queria me poupar e acredito queela não tenha condições de assinarnada.

11 Acreditando no poder deDeus, ele pede licença e entra no

quarto, onde várias pessoas aoredor da cama (fato que o deixouconfuso) oravam em silêncio.

Dona Celina abre os olhos, dá umsorriso e diz:

– Entre meu filho, “estávamos” teesperando.

Em vão ele tenta explicar o que paraela já havia sido dito por aquelesque só aquela velha senhora eRicardo podiam ver.

Calmamente, ela pede uma caneta efaz um pedido.

– Por favor, podem chamar minhafilha e o oficial da justiça?

O oficial entra acompanhado pelospoliciais, ela pega na mão daquelemoço e diz:

– É meu desejo que essa casa querecebo agora seja da minha filha.Pode fazer isso?

Educadamente, o oficial aperta amãos de Celina e abaixa a cabeça.Em silêncio confirma.

11 Em seguida, ela chama pelafilha, que entra chorando e ajoelhaao lado da cama.

– Sim, mamãe.

Celina passa a mão na cabeça dafilha e diz:

– Matrícia, minha filha, agoratemos um lar para as nossascrianças. Cuide delas com amor.

Ela fecha os olhos e dormeprofundamente, o médico ajudaMatrícia a se levantar e todosretiram-se do ambiente. MenosRicardo, que não conseguia moveras pernas, ao ouvir aquele nome,ele simplesmente ficou imóvel, atéque Rodrigo, esposo de Matríciaveio buscá-lo.

Matrícia e Rodrigo oferecem umcafé a todos, mas o oficial, ospoliciais e Cristiano agradecem edizem que precisavam voltar.

O médico permaneceu ao lado deCelina, Ricardo pede licença parasentar-se. Curioso ele pergunta:

– Perdoe-me Matrícia, mas você foiadotada pela Dona Celina?

11 Ela responde semconstrangimento:

– Não exatamente. Fui deixada aqui,dentro de um cesto, com uma flor eum bilhete, Só isso.

Ela continua:

– Ainda não sei o seu nome e nem olocal dessa casa, mesmo assimmuito obrigada, de coração.

Ricardo levanta-se, respira fundo eresponde:

– Meu nome é Ricardo e você é anova proprietária da Mansão dosNobres. Fruto de uma doação.Parabéns.

11 O casal permaneceextasiado, sem entender nada.Ricardo continua.

– Estarei lá por alguns dias, ficariafeliz em mostrar a casa para vocês.

Ele termina a frase e o médicoaparece na porta da cozinha,recolhe os lábios e balança acabeça.

– Dona Celina partira.

Ela era uma mulher muito amada nacidade e não faltou nada para suadespedida.

O próprio prefeito cuidou de tudo.

Ricardo entrou mais uma vez noquarto, fez uma oração e saiu. Elepreferiu voltar a pé pela praia,precisava pensar em como falarcom as “Matrícias”. Seria umacoincidência?

12 O VelórioDona Celina foi velada no GinásioMunicipal, a maioria dos visitanteseram pessoas humildes, pescadoresque sempre recorriam à Dona “Celi”para buscar remédios, olhar seusfilhos quando necessário, pedir umpouco de arroz ou simplesmente umconselho, ocasião em que elapegava o seu velho Evangelho e liapara eles.

Suas orações eram tão simples quequalquer um podia entender, seusgestos meigos e generososgarantiam o carinho, seu toque“benzia” os pequenos e o seu olhar

amava sem julgar.

12 Ricardo estava lá, encontroucom Matrícia e Rodrigo no momentodo sepultamento, esperou aspessoas saírem, aguardou umtempo e foi levar um pouco de afetoao casal.

– Matrícia, Rodrigo, meussentimentos. Sei que o momentonão é oportuno, mas gostaria deconvidá-los para almoçar em casahoje, uma vez que ficarei somentemais dois dias lá. Aceitam?

Matrícia agradece.

– Iremos amanhã, estou cansada.

Desculpe-me.

Nesse momento uma emissora deTV aparece e uma repórter abordaMatrícia.

– Senhora, poderia nos dar umminuto de sua atenção? Sabemosque é a nova proprietária daMansão dos Nobres.

Matrícia fica confusa, mas enxergauma possibilidade de agradecer aodoador. Ela aceita.

A repórter acerta os detalhes ecomeça a entrevista:

– Estamos em Itanhaém, com anova proprietária da Mansão dos

Nobres. O que você tem a dizernesse momento?

12 Matrícia responde de formacalma e humilde:

– Em nome das crianças agradeço apessoa que fez essa doação. Muitoobrigada.

A repórter agradece e avisa que anotícia iria aparecer no jornal dasdezoito horas.

13 SurpresaConforme previsto, às dezoito horasMatrícia aparece na TV, com o seunome e profissão escritos norodapé.

Matrícia da Silva

Professora

Seria mais um reportagem comumpara Dona Marta, que estava a 300Km dali. Quando leu o nome, deixousua xícara de chá cair e gritou parao marido que lia jornal.

– João, veja, veja...

Seu marido ajeita os óculos e diz:

– Ah! Marta! É só um homônimo,por favor, de novo não.

13 Ela insiste:

– Não João, veja os olhos dela.Leve-me lá amanhã, por favor. É aúltima vez, eu prometo.

João estava cansado daquelaprocura, mas decide que seria aúltima vez:

- Tudo bem Marta, tudo bem.

13 Ele pega o celular e liga paraum amigo, solicita o helicópteroemprestado para um bate e volta.Acerta os detalhes e na manhã

seguinte partem bem cedo,acompanhados por um jovemguarda-costas.

14 O EncontroNaquela manhã, Ricardo acordoumais cedo, subiu ao solarium aavisou Matrícia que gostaria deapresentar-lhe uma pessoa, não deudetalhes até porque tudo podia sercoincidência.

Disse apenas que a Mansão tinhauma nova dona e essa viria aqualquer momento.

Curiosa, ela pensava em quem

poderia ser.

O relógio da sala marcava dezhoras e trinta minutos de um dia deverão, quando tocou a companhia.

14 Ele sobe até o solarium, fazum sinal para Matrícia e ambosdescem, passam pela sala e grita:

– Pessoal, venham conhecer a novadona da Mansão.

Enquanto caminhava até o portão(acompanhado por Matrícia) elepensava na alegria de todos aosaberem o nome da novaproprietária. Havia planejado tudoem detalhes, seria maravilhoso o

reencontro. Será?

Ele abre o portão, Matrícia eRodrigo entram, ela fica encantadacom a casa:

– Nossa! Que linda.

Ricardo e todos estavam felizes.Então ele diz:

– Pessoal, essa é .....(de novo , osom ensurdecedor de umhelicóptero rasga o céu e interrompea frase).

O piloto pousa no mesmo localdo outro helicóptero. Todos ficamolhando sem entender nada. Ao

desligar o motor, a porta se abre edesce um rapaz alto, de terno preto,acompanhado de um casal deidosos.

14 O rapaz fica ao lado daaeronave, enquanto o casal caminhavagarosamente em direção à casa.

Ao chegarem, eles param no portãoe pedem licença. Ricardo vairecebê-los.

– Bom dia, em que posso ajudá-los?

A senhora se apresenta.

– Bom dia, meu rapaz. Meu nome éMarta e esse é o meu marido, João.Gostaríamos muito de falar com a

proprietária desse imóvel.

Sem entender nada, ele decideajudá-los. Convida-os a entrarem.

Matrícia (mãe) sente algo ao ver ocasal e Matrícia (filha) fica curiosa.

Todos estavam no jardim, Ricardoapresenta-os:

– Bem, pessoal. Esse é o Sr. João,essa é a Dona Marta e essa éMatrícia, a nova proprietária daMansão dos Nobres.

14 Nesse momento Matrícia(mãe) coloca as mãos sobre osombros de Ricardo, dobra osjoelhos e fala.

– Ricardo, meu Deus, são os meuspais, eu me lembro, eu me lembro(ela chora, compulsivamente) .

Matrícia (filha) pergunta a DonaMarta:

– Eu sou a nova proprietária. O quedesejam?

Dona Marta retira da bolsa umatesoura e um saco plástico comlacre.

– Minha filha. Procuro por um bebêhá mais de trinta anos, e acreditoque seja você.

Matrícia (filha) numa mistura de ódioe raiva não consegue conter-se e diz

o que há muito tempo estavaengasgado:

– Fique tranquila, não sou a suafilha, pois a minha mãe faleceurecentemente. Até ontem eu nãotinha ninguém, bastou herdar essaMansão e já tenho que fazer DNA.Não conheço vocês e hoje a minhaúnica preocupação é garantir osustento de 32 crianças. Se perderessa casa, perco tudo. E mais,quem me garante que esse examenão colocará a minha vida em risco.

14 Ricardo havia planejado tudo,menos isso.

Matrícia (mãe) pedia ajuda:

– Ricardo, são os meus pais.Senhor me perdoe. Me ajude (suador era terrível) .

De joelhos, ela pede ajuda a Deus.

Percebendo que aquela conversanão ia levar a nada, Sr. João tomauma atitude:

– Bem, sendo assim só me restaprovar que eu não quero o seu mal.

Ele toma uma atitude absolutamenteinusitada. Abre o seu paletó, sacauma arma e aponta para própriacabeça e diz:

– Você dá um fio do seu cabelo e euaperto o gatilho. Assim provo que

nunca farei mal a você ou as suascrianças e termino a minha busca.

14 Todos entram em desespero.O jovem rapaz dá murros na portado helicóptero, saca sua arma ecorre em direção ao grupo, o pilotoaciona o motor em alta rotação,Jorge abraça as crianças e deita nochão, Meire e Adriana ficamparalisadas, Ricardo percebe trêssombras negras rondarem o local,aquilo não era nada bom. Abalado,ele tenta contornar a situação:

– Calma gente, calma Sr. João. Jábasta o suicídio da mãe dela.

Matrícia (filha) grita:

– Minha mãe o quê?O que sabe dela?Quem é você?Sr. João de arma em punho tremia,tremia.

O rapaz apontava sua arma paratodos, a situação era crítica.

Então Dona Marta, de cabeça baixa,exausta, deixa cair a tesoura, osaco plástico e diz:

– Parem, João, abaixe a arma.Chega disso tudo. Peço desculpas avocês. A minha busca termina aqui.

Sr. João abaixa a arma e a cabeça.Ricardo pega a arma e pede aosegurança para abaixar a armadele, no que ele retruca:

– Senhor! Coloque a arma no chão edê dois passos para trás.

14 Ricardo obedece e o rapazrecolhe a arma.

Matrícia(mãe) estava deitada emposição fetal e urrava de dor.

Enquanto o casal se afastava, elapedia a Ricardo que fizesse algo.

Ricardo tentava convencer Matrícia(filha).

– Matrícia, eu acho que eles são osseus avós, fique pelo menos com otelefone deles.

Nesse momento e sofrendo muitoMatrícia (mãe) pede:

– Ricardo, diga que a flor eraamarela e que no bilhete estavaescrito: “Por desespero e amordeixo minha filha, seu nome éMatrícia”. Diga...diga ...

Após proferir a frase solicitada, umalágrima escorre de Matrícia (filha) .

– Como? Como você pode saberisso?

Ricardo apenas diz:

– Da mesma forma que sei que elessão os seus avós.

14 Ela enxuga as lágrimas e grita:

– Esperem. (O casal vira-se e elacontinua) . O que querem de mimalém do cabelo?

Dona Marta abre os braços e dizhumildemente:

– Um abraço minha filha, um abraço.

Ela corre, abraça-os e dandosuaves murros nas costas deles, elarepetia.

– Por que demoraram tanto…Por

quê?...Por quê?...senti tanta falta devocês.

Ela chama por Ricardo e Rodrigo,pede ajuda para cortar o cabelo,coloca a mecha delicadamente nosaco plástico e entrega ao Sr. João.

Sr. João puxa o lacre e diz:

– Muito obrigado. Se você for aminha neta, não terá problemas como sustento dessas crianças e se nãofor, também não terá, tem a minhapalavra. Vamos Marta, temos quevoltar.

Dona Marta explica que o cabelo desua filha era muito bonito e que

resolvera guardar uma mexa comolembrança, e essa seria utilizada noexame de DNA .

Ricardo diz que poderiam edeveriam ficar. O rapaz levaria oinvólucro ao destino.

14 Senhor João aceita e DonaMarta quebra todos os protocolosdizendo que adoraria ficar.

Ricardo chama por Meire e pedeque conte tudo a eles, diz quenaquele momento deveria socorrerMatrícia (mãe), que não conseguiaficar de pé .

Quando todos entraram na casa,

Ricardo ficou “sozinho” no jardim.Ajoelhado, ele conversava comMatrícia(mãe):

– Você está melhor? Veja. Elesestão juntos.

Matrícia (mãe) não respondia,apenas soluçava. Nesse momentoapareceu uma mulher e apresentou-se como sendo Lorena, uma dasmentoras do Orfanato. Ela ajoelha,pega Matrícia (mãe) no colo e aleva até um banco do jardim , alielas conversaram:

Matrícia (mãe): – Quem é você ?

Lorena: – Meu nome é Lorena, vim

para te ajudar.

Matrícia (mãe): – Por que não veioantes?

14 Lorena: – Sempre estive aqui,sua condição vibracional nãopermitia me ver.

Matrícia (mãe): – Agora queencontrei minha vida, meus pais,minha filha, terei que deixá-los. Seriaum castigo?

Lorena: – Não, você não terá quedeixá-los. E castigo é um fruto queplantamos. Poderá ajudar a cuidardas crianças, para isso teremos queconhecer um local de estudos e

assim continuar a sua jornada.

Sem compreender, Matrícia (mãe)aceita.

Pouco depois, Ricardo percebe queMatrícia (filha) caminhava em suadireção. Matrícia (mãe) pede a elepara não falar que elas estavam ali.

Matrícia (filha) chega , pede licençae senta-se ao lado de Ricardo :

– Então minha mãe morou aqui,ficou dois anos afastada dos pais,teve uma filha e se matou. É isso?

14 Ricardo complementa:

– E você a odeia por isso?

Ela olha para o horizonte e diz:

– Não, não a odeio. Sentia umpouco de remorso, só isso. Deusatendeu as minhas preces. Eu sóqueria conhecer alguém da minhafamília, só isso.

Ele então pergunta:

– Então por que ainda sinto tristezanas suas palavras?

Matrícia responde de forma sincera:

– Há três anos eu e Rodrigotentamos ter um bebê, fizemostodos os exames e apesar de tudoestar ok, não conseguimos. Não tive“mãe” e não posso ser mãe, mesmo

tendo 32 crianças. É por isso, masvai passar.

Lorena ajoelha-se na frente deMatrícia (filha), coloca sua mãosobre o seu ventre, faz uma breveoração, levanta-se, pega na mão deMatrícia (mãe) e desaparecem.

15 Na Colônia

– Onde estamos Lorena?

Matrícia (mãe) pergunta encantada.

– Chegamos meu amor. Aqui é aColônia onde você ficará por umtempo.

O lugar era lindo, com árvoresfrondosas, pássaros, borboletas ecrianças, muitas crianças correndo ebrincando num imenso gramado.

15 Uma rua de pedra levava atéuma enorme casa branca de janelase portas beges, era ali que todos se

reuniam para estudar, cantar eaprender.

Jamais pude entender para ondeiriam os pequenos quedesencarnavam em tenra idade,agora eu sabia.

– Lorena, quem são essascrianças?

Mal Lorena pisa no gramado e écercada por um grupo depequeninos, cheios de “faldade”,uma mistura de falta e saudade.

Antes de responder as perguntas deMatrícia (que seriam muitas), elaajoelha, abraça a todos , beija-os e

afaga-lhes os cabelos. Em seguidadiz:

– Vão brincar meus amores,divirtam-se.

Matrícia olha assustada, curiosa econfusa.

As crianças se dispersam, Lorenalevanta-se calmamente e inicia aexplicação:

– A maioria dessas crianças foramassassinadas ou vítimas de maustratos. Sentiram na pele o queplantaram no passado. É missãodessa Colônia receber essesirmãos.

15 A cada resposta, Matríciaficava mais confusa.

– Perdoe-me, Lorena. Não consigoentender isso.

Lorena sabia que Matrícia não acompreenderia e resolve aguardar otempo certo.

Com paciência, ela inicia umaexplicação básica, dado o fato queMatrícia havia ficado estagnada por30 anos.

– Minha querida, as coisas sãosimples. Veja o exemplo da chuva,as gotas caem do céu, em váriaspartes do mundo. Algumas batem

com força nas pedras, outras sobreas matas, mas todas procuram omar e quando o encontramaguardam a luz do sol, para entãoretornarem ao céu. Um ciclo eterno,em que o principal objetivo é aevolução sob as leis de Deus.

Matrícia encanta-se com aexplicação e apesar de estarconfusa, compreende a lição.

15 Animada com o local, nãoconsegue conter a emoção:

– Nossa Lorena! Mal vejo a hora deiniciarmos o trabalho, parece-meque não será complicado cuidardessas crianças, são alegres,

educadas e supercarinhosas.

Lorena pega as mãos de Matrícia efala:

– Matrícia, infelizmente não serãoessas que você cuidará, essas jáforam cuidadas.

Um frio percorre-lhe a espinha,intuitivamente ela sabia o que aquiloqueria dizer.

Ambas sobem a estrada de pedrasque levava à casa principal. O localera muito organizado e limpo, umleve perfume parecido com lavandapreenchia o local.

Lorena vai à frente, sempre

educada cumprimentava a todos, namaioria mulheres, seres de amorincondicional, só elas poderiamcuidar daquela colônia, sem dúvida.

15 Os únicos homens eram osenfermeiros de primeira linha,responsáveis pelo regaste imediatodos pequenos, e que na maioria dasvezes exigia força contra as trevas.

Chegam num salão e Lorenaapresenta-lhe a gentil Senhora IgaEla delicadamente abaixa a cabeça, junta as mãos e diz:

– Seja bem-vinda Matrícia, há muitoestávamos a sua espera.

Matrícia estranhou o comentário,mas achou melhor não falar nada.

Senhora Iga continua:

– Venha. Vou mostrar-lhe o seuquarto.

– Quarto? (espanta-se Matrícia)

Lorena explica:

–Sim Matrícia ! Você tem umquarto, uma cama, uma cadeira eum livro. Nele você encontrará asrespostas que tanto deseja.

Curiosa e ansiosa ela agradece edespede-se. A Senhora Iga

acompanha Matrícia até o seu“canto” de estudo.

Ao chegar no aposento Matrícia depara-se com um quarto simples, lençóis brancos, janela de esquadria marfim e uma pintura, sobre aescrivaninha, próxima a janela, feita por uma criança.

15 O desenho feito a guache,que ela mesma fizera na escolinha,em papel cinza , guache azul ealgumas manchas.

O desenho representava um papai,uma mamãe e sua filhinha.

Educadamente ela pergunta:

– Senhora Iga, por favor, como essapintura veio parar aqui?

A resposta da senhora Iga é asegunda lição:

– Sua mãe trouxe ao te perder naTerra para te dizer o quanto ela teama. Ela o fez em sono. É como sefosse uma cópia idêntica à que vocêfez na escolinha.

Ela sabia que você viria para cá. Notempo certo.

Matrícia agradece e diz:

– Obrigada. Pena que uma goteira omanchou.

15 Senhora Iga segura nas mãosa pintura , entrega gentilmente paraMatrícia e diz:

– Essas manchas são as lágrimasda sua mãe.

Matrícia sente um nó na garganta,um desejo enorme de gritarMAÃAEEE, mas não o faz. Elafecha os olhos e o quadro recebemais duas manchas, abraça-o, e emsilêncio, faz a única oração quesabia, deita na cama, sente amaciez de um gostoso travesseiro,semelhante àquele que ela usavaquando amamentava a sua pequena“boneca”.

Em silêncio, a senhora Iga deixa o ambiente e encosta a porta.

No corredor, Lorena encontra-se

com a senhora Iga e pergunta:

– Como ela está?

A Senhora abaixa a cabeça e diz:

– Tudo bem.

Lorena então questiona:

– E ele? Como ele está?

15 A gentil senhora responde, deforma preocupada:

– Ele está isolado, assustado e nãoaceita a aproximação de ninguém.

O silêncio toma conta de ambas.Lorena fecha os olhos e pede ajudaao Pai.

Na manhã seguinte, Matrícia acordacom o barulho maravilhoso decrianças brincando. Nota que oambiente é iluminado por uma luznatural, suavemente azulada, quaseimperceptível. Naquele local nãoexistia noite, apenas a cor azulintensificava-se, dividindo os dias emdois ciclos: manhã e tarde.

15 Animada com tudo aquilo, elaabre uma das folhas da janela e nãopercebe um livro próximo, até achegada de uma borboleta azulneon, que entra sem pedir licença ebrinca no quarto, indo pousarexatamente sobre o livro. Matríciaapenas sorri e pensa:

“O sinal foi dado, mas a decisão éminha”.

Pega a obra intitulada “O EvangelhoSegundo o Espiritismo” e inicia aleitura. A pequena borboleta entãovoa em círculos, pousa no seuombro e ali permanece por algunsminutos.

Ela perde a noção do tempo, dado ointeresse sobre o tema e éinterrompida com suaves batidas naporta.

15 Era a senhora Iga, que trazuma bandeja com algumas bolachase um suco de cor cítrica.

– Oi Senhora Iga. Bom dia. Hum!Que gostoso, mas é estranho, nãosinto fome.

Senhor Iga explica:

– Isso é um bom sinal, experimenteo suco e caso queira algo, por favor,avise-me.

Senhora Iga deixa a bandeja sobrea cama e avisa:

– Esperamos você lá embaixo.

Matrícia agradece e pega o copo desuco. Acha aquilo estranho, mas aotomar aquele líquido sente umamistura de paz e serenidade, asubstância não era líquida, mas

fluídica. Ingere tudo.

Arruma seu pequeno quarto comcarinho, beija a pintura, pega o livro, sai e desce as escadas pelo ladoerrado, sem perceber.

Do alto ela vê uma cena triste, trêsenfermeiros entram rápidosempurrando uma maca com umacriança em situação deplorável,mutilada e gemendo de dor.

A cena é rápida, mas suficiente paraMatrícia perceber a gravidade dasituação.

15 Ela é surpreendida porLorena, que coloca as mãos sobre o

seu ombro e diz:

– Não fique assustada, ele ficarábem.

Lorena desvia a atenção da jovem:

– Vejo que gostou do livro.

Matrícia ainda abalada responde:

– Sim, muito. Tudo parece maisclaro agora. Ainda não terminei, masconsigo entender melhor algumascoisas.

E continua:

– Lorena. Por que fiquei tanto temponaquela casa? Por que não vim paraum local semelhante a esse?

Lorena diz calmamente:

– Você roubou e escondeu umporta-joias que tinha valorinestimável para uma família ealgum tempo depois cometeusuicídio. Pois bem, ao roubar eesconder o porta-joias vocêabsorveu a mágoa e a dor dos paisda Ceci, não pelo valor do objeto,mas pelo elo que mantemos comobjetos e pessoas, enquanto aindasomos apegados. Ao cometer osuicídio você contraiu duas dívidas.Agradeça à devolução do porta-joiasaos legítimos donos e a Deus pelasua vida.

15 Matrícia não aceita:

– Lorena. Quanto ao suicídio tudobem. Mas era um simples porta-joias!

– Matrícia, ninguém ascende ao Paise estiver em dívida com o próximo.Isso é uma lei. E quanto ao porta-joias, acredito que ele tenha omesmo valor de um quadro feito aguache por uma criança. Você nãoacha?

O silêncio foi a resposta deMatrícia.

A vida começava a ensinar quaissão os verdadeiros valores que

levamos para a eternidade.

Após três semanas Matrícia estavatotalmente ambientada à Colônia,seus dias seguiam uma rotina deestudo e ajuda aos bebês,basicamente ela só tinha que ficarcom alguns deles no colo, passear ebrincar.

Apesar de se passarem 30 anos,ela guardava na memória seusúltimos dias antes do desencarne eessa era a sua condição, umamamãe novata, cheia de amor.

15 Era exatamente ESSE amorque ela passava aos pequenos aotocá-los e acariciá-los. Mesmo sem

saber.

Fazia amizade com grandefacilidade e era adorada pelascrianças por causa das brincadeirasque inventava e pelo fato dealgumas vezes fazer aparecer umaborboleta azul.

Na realidade, a borboleta aacompanhava sempre e acaboutornando-se um bichinho deestimação de Matrícia, as criançassabiam, mas elas sempre seencantavam quando Matrícia abriasuas mãos e a pequena azuladaalçava voo para o céu.

Era lindo. Quantas vezes fosse feito,sempre haveria o sorriso dascrianças.

Todos os dias Matrícia reservavaum horário para a leitura doEvangelho, num local não muitodistante da casa, perto de umtronco de Carvalho, que pelotamanho e formosura era referênciana Colônia.

Sentava na grama, fazia uma breveoração, esperava alguns segundos eentão, quando a pequena borboletaazul aparecia, ela iniciava a leitura.

– Ah! Que bom que você veio.Estava preocupada com a minhaamiga azul, isso, vou te chamar deAzul.

15 Aquela tarde seria como

outra qualquer, as criançasretornaram para os quartos, a luznatural vestia-se de azul Royal,anunciando a chegada doentardecer, e assim ficaria até oamanhecer, sem noite, era lindodemais.

Matrícia fechou o livro, estendeu odedo para Azul, ela pousousuavemente e ganhou um delicadobeijo.

Caminhava de volta para casaapreciando o silêncio do local,quando notou um choro, muito baixoe quase imperceptível, esforçou-separa identificar de que lado vinha osom.

Preocupou-se, pois podia ser umadas crianças perdidas.

Andou em círculos, tentandoidentificar de onde vinha aquelechoro misturando com gemido dedor, já estava quase desistindoquando Lorena apareceu.

– Pode ouvi-lo, Matrícia?

– Sim, Lorena. Muito baixo, masposso. Quem chora?

– Venha querida, agora que vocêpode ouvi-lo, pode vê-lo.Acompanhe-me, por favor.

15 Andaram pela lateral dagrande casa, passaram por umimenso jardim e chegaram a umaárea isolada, com uma pequena

construção branca, uma única janelae uma única porta, semelhante a umpequeno chalé.

Matrícia percebeu que o som dochoro era mais forte naquele local.Por uma estranha razão ela sentiuum arrepio pelo corpo, medo einsegurança. Antes que pudesseexteriorizar seus sentimentos,Lorena acalmou-a:

– Não tenha medo. Venha.

15 Aproximaram-se da porta eabriram-na, Matrícia assustou-secom o que viu. Um ser nú de ummetro e vinte, cinza claro, raquítico,dentes pontiagudos, cabeça

ovalada, sem órgãos genitais, semumbigo e muito assustado.Encolhido num canto da sala, nãoaceitava a aproximação de ninguém.Não atacava, apenas arranhava ocanto da parede, tentando sairdaquele local.

– Meu Deus! Por que prendê-lo aquiLorena?

– Ele não está preso, Matrícia. Suacondição o prende aqui. Ao mesmotempo em que quer sair, não sabepara onde ir. Sofre por si mesmo.

– Como ele veio parar aqui, Lorena?

– Ele não veio parar aqui, nós o

resgatamos do Planeta Caverna,assim batizado pela sua semelhançacom as cavernas da Terra.

Matrícia estava curiosa:

– Poderia falar um pouco sobreesse Planeta?

– Claro Matrícia. Alguns irmãoscomentem muitos erros e quandodesencarnam são atraídos paraesse planeta. Assim como aqui nãoexiste noite, lá não existe o dia, aúnica luz existente é a da Lua. Nãohá água, vegetação ou animais,apenas cavernas e a sua terra écinza. De tempos em tempos

formamos caravanas de regaste, afim de atender às preces daquelesque oram por esses irmãos. Sãopais e mães que pedem ajuda aosfilhos.

15 Matrícia, um pouco confusa,arrisca uma pergunta.

– E quais são os critérios paraserem resgatados?

Lorena olha com ternura para o“menino-cinza” e diz:

– Basta ser humilde e pedir ajuda aoPai.

Matrícia interpela:

– Mas Lorena, como ele pode pedirajuda se nem pode falar?

Lorena diz:

– Ele ajoelhou e estendeu a mão.Aprenda uma lição Matrícia: Sóduvidamos da existência de Deusquando estamos em pé.

Matrícia reconhece a verdade naspalavras de Lorena e pergunta:

– Como podemos ajudá-lo?

– Nós não Matrícia.... você.

Num impulso de medo e resistênciaMatrícia diz:

– Eu? Por que eu? Deve haver

algum engano Lorena.

15 Lorena coloca a mão nacabeça de Matrícia e fala:

– Porque ele foi o pai da sua filha.

Matrícia não consegue segurar aemoção, coloca as mãos na boca echora.

– Não, não pode ser. Como? Porquê?

Lorena faz uma breve oração, a fimde harmonizar o ambiente, emseguida, faz um pedido.

– Matrícia, amanhã explicarei avocê. Vá descansar, ele receberá

um passe e dormirá.

Em seu quarto, deitada, elaobservava o quadro na parede,lembrava dos conselhos de suamãe, das festas na casa, regada abebidas e drogas, e de Luiz.

Jovem lindo, rico e charmoso,estudante de medicina e semproblemas com a vida.

Apaixonou-se rápido, tão rápido quea gravidez veio na mesmavelocidade da paixão e com ela odesespero.

Pensou em aborto, mas teve medo.

15 Só e abandonada, decidiu

suicidar-se quando Luiz a deixoudefinitivamente. Ele foi culpadotambém.

Mas agora ela queria entendercomo Luiz havia se transformado“naqui lo” . A noite-azul passourápido.

Na manhã seguinte Matrícia“acordou” de um sonho que jamaisimaginara. Amara um homem queagora era um menino.

Levantou-se, ajoelhou ao lado dacama e pediu:

- Pai, perdoe-nos e, por favor, guia-

me para que eu possa ajudá-lo.

Ao levantar-se viu Azul em cima dacama, abrindo e fechando suasbelas asas, como se nada tivesseacontecido, transmitindo uma pazsem igual.

Matrícia pega o seu evangelho, Azulpousa no seu ombro e ambasdescem as escadas.

Anda cabisbaixa pelo saguãoquando aparece Lorena e faz umconvite:

– Venha. Vamos conversar umpouco.

15 Em silêncio caminham em

direção a um banco, próximo aogramado das crianças. Sentam-se.

Lorena aprecia as brincadeiras dospequenos e pergunta:

– Você ainda o odeia?

Matrícia abaixa a cabeça eresponde:

- Não mais. Sofri e hoje sei que fui aúnica responsável pelo meusofrimento. Não soube usar o meulivre-arbítrio. Ele, assim como eu,também não soube, mas pelasevidências, acredito que Luiz deveter cometido erros ainda maisgraves.

Lorena ouve em silêncio ecomplementa.

– Vejo que a leitura do Evangelhonão foi em vão, fico feliz.

Mas não era isso que Matríciaqueria ouvir e resolve ir direto aoponto.

– Lorena, como posso ajudá-lo?

A amiga olha com ternura e inicia aexplicação:

– Minha querida, Luiz teve uma vidarepleta, sem dificuldades, formou-seem Medicina e foi o melhor aluno dasua turma. Inteligência privilegiada,saúde perfeita, bonito e de boa

família. Tinha tudo para dar certo.Concorda?

15 Matrícia não aguenta aansiedade:

– O que aconteceu Lorena?

Ela continua:

– Foi um médico de prestigio, vocênão foi a primeira e nem a última aficar grávida e abandonada em suasmãos. Como médico, usava de seusconhecimentos para “testar”medicamentos, especialmente emcrianças, crianças negras daperiferia. Alguns “testes” não deramcerto. No começo ele sentia culpa,

mas a soma de dinheiro era alta ecom o passar do tempo perdeu oescrúpulo, a compaixão e o amor.

Adquiriu elevado nível intelectual,mas esqueceu o nível moral.

15 Matrícia ouvira com atenção,mas ainda queria saber sobre acondição atual. Lorena percebeusua ansiedade e direciona aexplicação para aquilo que Matríciaqueria ouvir:

– Ele cometeu muitas atrocidades eDeus, em sua infinita misericórdia,concedeu várias oportunidades paraum novo começo, mas Luiz nãoacreditava no Pai, então um dia ele

sofreu um ataque cardíacofulminante. Acordou no PlanetaCaverna nessa condição, como um“menino” de doze anos. Foi a partirdessa idade que sua verdadeiraíndole floresceu e começaram osproblemas. É como se ele tivesseum novo recomeço aqui na Colônia.

A cada explicação, Matrícia ficavamais confusa:

– Ele me reconhece?

Lorena continua:

– Não. Não reconhece ninguém,para o seu próprio bem. Ele deverecuperar a memória aos poucos.

Precisa de ajuda.

Matrícia não se conforma.

– Por que ele tem esse aspectohorrível?

15 Lorena fecha os olhos e diz:

– Ele tem o aspecto que projetoupara si durante anos de sofrimento,sofrimento dos outros. Pelas mãesque derramaram lágrimas na perdade seus filhos, por causa dos seus“experimentos científicos”. Seucorpo moldou-se ao sofrimento.

Matrícia faz a última pergunta:

– Por que sua pele possui essa cor

cinza horrível?

Lorena responde:

– No Planeta Caverna não existenenhuma espécie de vida, animal ouvegetal, nem mesmo água.

Matrícia não compreende:

– Sim Lorena, mas o que isso tem aver com a cor cinza da sua pele.

Lorena relembra suas viagens aoplaneta, cenas horríveis e responde:

– A pele dele tem a mesma cor da terra que eles em vão tentam mastigar.

15 Matrícia junta as mãos,

abaixa a cabeça e pensa:

“Meu Deus!”

Em seguida, faz um pedido:

– Lorena.Como posso ajudá-lo?

Lorena levanta-se e diz:

– Leia o Evangelho para ele.

Azul, que parecia entender orecado, levanta voo e dá sinais aMatrícia para segui-la em direção àcasa do menino-cinza.

16 RecomeçoMatrícia seguiu Azul até a casa,abriu a porta e viu Luiz encolhido nocanto da parede, só, assustado einseguro.

Não apresentava sinais de atacaralguém, seu único gesto eraencolher-se mais e mais, quandoalguém tentava uma aproximação.

Ela percebeu e resolveu manterdistância, a fim de não amedrontá-lo.

Sentada próxima à porta, ela lia oEvangelho e ele encobria a cabeçacom os braços. Dia após dia

Matrícia repetia o ritual de leitura,mas Luiz não reagia.

16 Numa tarde, ela pensou emdesistir, pois achava que a leiturapudesse estar lhe causando algumtipo de incômodo. Foi quando Azulresolveu a questão.

Azul esperou Matrícia retirar-se doquarto e acompanhou-a até a casa,esperou-a entrar e então retornouao quarto de Luiz.

O menino estava sentado, com osbraços sobre os joelhos, olhando oteto.

Azul entrou pela janela e voou em

círculos, chamando sua atenção. Elepercebeu e como qualquer criançaencantou-se com a beleza daborboleta. Ficaram horas se“conhecendo”, até que eleadormeceu serenamente, sempasse. A paz retornara ao seucoração.

Azul saiu do quarto e pousou namão de Lorena, que assistiu a tudodo lado de fora (telepaticamente),toda tarde Lorena aplicava passesem Luiz, a fim de proporciona-lheum pouco de tranquilidade.

16 Ao receber a pequena sobresuas mãos ela disse:

– Muito bem. Agora mostre aMatrícia o que fazer.

Na manhã seguinte, Matríciaacordou e sentiu falta de Azul noquarto, fez a sua oração, arrumou-se e desceu as escadas.

Olhou para os lados, para cima enada. Imaginou que Azul estivessecom alguma criança e não sepreocupou.

Realmente Azul estava com umacriança, estava com Luiz. Voava emcírculos, pousava, abria suas belasasas, enquanto o meninomaravilhava-se.

Ao perceber a aproximação deMatrícia, Azul saiu rápido,provocando a curiosidade de Luiz(onde ela foi?)

Antes que Matrícia pudesse abrir aporta, Azul apareceu e começou achamar a atenção da sua Dona.Voava em curtas distâncias, bem nafrente de Matrícia.

– Ah! Você está aí amiguinha.

16 Azul não sossegava, até queMatrícia abriu sua mão e ela pousoubem no centro de sua palma.Fechou suas asas e abaixou suasperninhas, indicando que desejavaaparecer para as crianças.

– Meu amor! Aqui não tem crianças.

Azul não se intimidou com ocomentário e aguardou até que elapercebesse a situação.

– Meu Deus! Você quer aparecerpara o Luiz? Ok, vamos lá.

Matrícia entrou rápido e viu omenino de pé, olhando para o teto,no centro do quarto, procurandoalgo. Estava tão entretido que nãopercebeu a moça atrás dele e antesque fugisse para o seu canto elaestendeu o braço e abriu a mão,fazendo aparecer o que ele tantoprocurava. O menino encantou-se,não foi para o seu esconderijo,

distanciou-se um pouco de Matrícia,girava sua cabeça aos movimentosde Azul.

Pela primeira vez houve umprogresso. Naquele dia Matrícia nãoleu o Evangelho, apenas observouos dois durante muito tempo e fezuma oração:

– Obrigada Senhor!

17 O Que Fazer ?Dia após dia Matrícia encontrava-secom Luiz e Azul na esperança delereagir de forma diferente, tudo emvão.

Ele apenas observava Azul e nadamais.

Numa manhã, Lorena chamou porMatrícia :

– Precisamos conversar Matrícia.

– Pois não, Lorena.

17 Elas dirigiram-se para obanco no gramado e antes queMatrícia pudesse falar algo, Lorena

antecipou-se:

– Temos um problema querida, Luiznão evoluiu muito nessa Colônia,ainda está assustado, precisamostransferi-lo, para o seu próprio bem.

Matrícia assustada pergunta:

– Ele voltará para aquele planetahorrível?

Lorena a tranquiliza:

Não. Será levado para um outro tipode colônia.

– Quando ele partirá Lorena?

– Amanhã cedo. Uma equipe virábuscá-lo.

Matrícia sente o peso da despedida,pela segunda vez eles seriamseparados sem ao menos setocarem. Ela tenta:

– Lorena. Posso acompanhá-lo?

A amiga entende os sentimentos damoça, mas é firme:

– Não, meu amor, é necessário que seja assim.

17 Matrícia chora em silêncio eaceita a situação resignada.

Lorena percebe e oferece umacalanto:

– Poderá despedir-se, eu mesma a

chamarei.

– Obrigada Lorena .

Matrícia agradece com humildade.

18 Despedida

O Sol irradiava uma suave luz azul,iluminando o bosque, o gramado,enquanto olhos verdescontemplavam o cenário eaguardavam a chegada da equipe.

Matrícia não esperou o chamado deLorena, não podia esperar, queriaestar ali e sentir até o últimosegundo aquele que um dia elaamou.

Seus sentimentos resumiam-se aperdão e caridade; e foi assim queela esperou.

As crianças chegaram e encheram o

gramado de alegria.

18 Ficou imaginado como seria areação dos pequeninos ao veremum “menino-cinza”.

Em seguida chegou Azul, quedelicadamente pousou em seuombro.

– Oi pequena. Obrigada por tudo!

Lorena aproxima-se de Matrícia ediz:

– Querida. Venha, por favor.

Matrícia levanta-se de cabeçabaixa, caminha até a rua principal daColônia, Lorena a abraça e ambas

acompanham a chegada de umamaca e dois enfermeiros, trazendoum “menino-cinza”, desacordado,coberto por fino lençol branco, comos braços de fora. Estava sereno.

Matrícia aproxima-se da maca, olhapara Luiz e pensa:

Por que tinha que acabar assim?Por que? Perdoe-me meu amor,tivemos uma filha linda e ela estábem. Vá com Deus.”

18 Nesse momento, Luiz abreum dos olhos com dificuldade, ergueum pouco o braço e estende a mãopara Matrícia.

Então, uma lágrima escorre pelo seurosto, Matrícia não aguenta.

Retira-o da maca, pegando-o nocolo e desesperada corre com omenino até o gramado. Osenfermeiros são tranquilizados porLorena, que com um sinal pede aeles que permaneçam tranquilos.

Matrícia ajoelha na grama com omenino ainda no colo, coloca suacabeça sobre o ombro do pequeno;com fé e amor ela inicia uma oraçãoem silêncio.

“Pai”

Ela sublima-se a tal ponto que a sua

oração é “ouvida/ transmitida” portoda a Colônia.

Cada palavra de Matrícia ecoava eera sentida por todos, aspequeninas pararam imediatamentesuas brincadeiras e pouco a poucoformaram semicírculos em torno dosdois.

18 É como se a voz de Matríciaecoasse em toda a Colônia, pouco apouco as crianças aproximavam-se,ajoelhavam, fechavam os olhos,viravam as mãos para cima eentoavam algo parecido com umacanção de ninar, sem tradução,parecia o som de uma mamãe

ninando seu filho, algo lindo, sempalavras para explicar.

Aquelas mais de trezentascrianças simplesmente sabiam o quefazer e o faziam com amor, simamor, isso talvez explique a belezadaquele momento. Lorena e osirmãos enfermeiros tambémfecharam os olhos e viraram suasmãos para o alto.

E assim, Matrícia fez sua oração,entre lágrimas:

– “Pai...Erramos e eu lhe peçoperdão por nós, rogo a suamisericórdia nesse momento, falhei

mais uma vez Pai, me perdoe...meperdoe...Nunca em minha vidadesejei tanto te sentir, Pai.

Se virei as costas para ti, foi porqueestava no caminho errado.Aindaque eu te esqueça, não meabandones, pois nas suas mãosentrego essa alma".

18 Nesse momento, uma luzirradia-se sobre o corpo de Matríciae Luiz, ela não percebe nada,acontece lentamente o fenômeno datransfiguração e Luiz transforma-senum lindo menino, de calças jeans,camiseta branca com um skatedesenhado, exatamente a roupa que

ele mais gostava. Registrada emseu perispírito, assim ficou.

Ainda adormecido pelo choqueanímico, ele nada percebeu, nemsabe o que ocorreu na sua vida. Naverdade, há muito tempo eleperdera a noção de tempo eespaço.

Pouco a pouco as crianças deixaramo local e o silêncio foi embora.

Ao abrir os olhos, Matríciaemociona-se com o que vê, acariciaaquele pequeno rosto e o contemplapor algum tempo, limpa as própriaslágrimas e levanta-se.

18 Caminha por entre ascrianças em direção a Lorena.

– Lorena. Veja!

A amiga olha, sorri e diz:

– Onde está o “menino-cinza?”.

Matrícia responde emocionada.

– Deus o levou e me deu esse emtroca.

Ela o coloca na macadelicadamente, cobre seu corpocom o lençol, beija-lhe a testa,acaricia-lhe os cabelos, o rosto ediz:

– Vá com Deus, meu amor.

Lorena então passa instruções aosenfermeiros:

– Por favor, levem-no ao quarto deMatrícia, se ela desejar.

Matrícia surpreende-se:

- Como? Como assim Lorena? Claroque aceito, claro.

Lorena explica:

– Devido ao choque anímico, eleficará “dormindo” dois ou três dias,ao acordar terá muitas dúvidas,talvez você possa ajudá-lo narecuperação. Não deverá comentarsobre a história de vocês.Uma vezque ele retornou em outro estágio

da vida.

18 Matrícia não entende equestiona:

– Lorena. O espírito dele regrediu?

Lorena continua sua explicação:

– Não querida, nenhum espíritoregride.Ele retornou num estágioque lhe dará condições de recuperara memória e com a ajuda dos pais,que virão aqui, tudo será mais fácil.

Os enfermeiros retiram o menino e olevam ao quarto de Matrícia, essapede licença para a amiga e osacompanha.

Em seu quarto Luiz dormiaserenamente sobre sua cama, apequena Azul fazia-lhe companhia eMatrícia, sentada ao seu lado lia emsilêncio o Evangelho.

Ao final do terceiro dia eledespertou, abriu os olhos, olhoupara os lados, estava confuso eouviu de uma linda moça.

– Oi. Tudo Bem? Meu nome éMatrícia.

O menino não respondeu, apenasolhava tudo em todas as direções.Levantou-se e foi até a janela:

– Que lugar bonito. Meu nome é

Luiz. Nossa, parece que eu dormimuito. Sabe dos meus pais?

18 Matrícia respondenaturalmente:

– Sim, eles virão em breve tebuscar. Vamos descer?

Nesse momento, entra a SenhoraIga com um “suco” e algumasbolachas.

– Bom dia. Aceita um suco?

Luiz olha a bandeja e agradece.

– Puxa vida. Estou com fome. Muitoobrigado.

Bebe o suco, come as bolachas e

aprecia a paisagem.

A Senhora Iga deixa o ambiente emsilêncio.

Matrícia reitera o convite:

– Vamos Luiz?

Ele pega na mão da Matrícia eambos descem as escadas. Dosaguão principal ela avista Lorenacom um casal que é logoreconhecido pelo menino.

– São os meus pais (ele larga amão de Matrícia e corre em direçãodaqueles que há muito esperavamesse momento).

A mãe ajoelha e abre os braços, osdois permanecem abraçados porlongo período. O pai aproxima-se,enxuga as lágrimas e acariciaambos.

18 Luiz faz uma pergunta a mãe:

– Mamãe onde estamos?

Ela responde sem dar muitosdetalhes:

– É uma Colônia meu filho e agorairemos para a nossa fazenda.

O menino emociona-se:

– Que legal! Ah! Essa é Matrícia,ela cuidou de mim, eu acho. Bom,

então vamos.

Os três despendem-se e o pai fazsinal para distrair o menino, elequeria falar com Matrícia.

Lorena, a mãe e Luiz distanciam-sedo grupo.

Então o pai de Luiz diz:

– Minha querida, por muito tempoorei por você, quando sua filhanasceu eu já estava aqui e minhaesposa nada podia fazer. Gostariamuito de agradecer tudo o que fezpelo meu filho. Seu amor superou oseu ódio. Que Deus a abençoe.

18 Ambos se abraçam. O velho

despede-se com humildade e caminha em direção ao filho, pega-o no colo, dá a mão para a esposa, olha para trás e deixa um rastro de luz.

Lorena percebe as dúvidas deMatrícia e antecipa-se:

– Eles irão para um localsemelhante a uma fazenda quepossuíam na Terra, isso facilitará otratamento de Luiz.

– O que acontecerá com ele?pergunta Matrícia

– Conforme for recobrando amemória ele adquirirá a forma

adulta, pouco a pouco seus errosserão revelados, ele então poderáajoelhar, pedir perdão ou revoltar-se.

Matrícia resolve não perguntar oque aconteceria num caso derevolta, mas e no caso doarrependimento?

– Deus concederá novaoportunidade, Matrícia, creio que elepoderá reencarnar como médicosem fronteiras, trabalhar em lugaresinóspitos, segurar nos braçoscrianças sem pais e com fome. Amissão dele não será fácil. A sua

força estará na sua resignação. Masisso é apenas uma suposição.

18 Matrícia agradece Lorena portudo e diz:

– Lorena. Não tenho palavras paraexprimir meu agradecimento.Obrigada, muito obrigada por tudo.Por favor, o que devo fazer,precisam de ajuda em algum pontoda Colônia?

Lorena sorri e diz:

– Querida, agradeça ao Pai equanto a você tenho uma surpresa.Seu plano reencarnatório está emandamento, em breve falaremos

sobre isso.

19 O RetornoMatrícia estava curiosa com apossibilidade de nova missão naTerra, sabia da importância e dasdificuldades.

Enquanto esteve na Colôniaresignou-se ao máximo, semrevoltar-se com nada, aceitandotudo.

Mas agora era diferente, ela sentiaque uma nova etapa em sua escalaevolutiva estava aproximando-se eera quase impossível admitir quenão sentia “faldade”, mistura desaudade e falta daqueles que ela

tanto amou, em especial sua filha.

19 Queria pedir a Lorenaautorização para rever sua família,mas temia que isso transparecesseapego e consequentemente interferirno seu processo reencarnatório.

Decidiu que a sinceridade seria omelhor caminho. Abriria seu coraçãoa Deus e aceitaria sua reencarnaçãofosse onde fosse, pois queriaresgatar suas dívidas,principalmente o seu suicídio.

Sozinha no seu quarto ela olhava oquadro, pensava nos seus pais esentia um enorme aperto nocoração. Então ela lembrou-se de

algumas lições do Evangelho.

Ajoelhou-se, colocou os braços emoração sobre a cama e fez umpedido ao Pai:

– Pai, vós que sois todo amor ebondade, permita-me ver a minhafamília mais uma vez, se essa for avossa vontade.

Levantou-se e tomou uma decisão,faria o pedido à Lorena, se aresposta fosse negativa, aceitariasem remorso.

19 Não foi necessário muitoesforço, em poucos minutos alguémbate na porta, era Lorena e um

senhor de barba e cabelos brancos.

– Bom dia Matrícia. Podemos entrar?

Matrícia fica surpresa e consente aopedido :

– Claro... quer dizer, bom dia,sintam-se à vontade.

Lorena apresenta o amigo.

– Matrícia, esse é o Sr. Eustáquio,responsável pelo seu processoreencarnatório, ele fará uma breveapresentação e posteriormente vocêpoderá aceitar, recusar ou alterar,respeitando as expiações e provasque forem definidas.

Matrícia aceita com humildade:

– Claro Lorena, claro.Tudo bem.

Lorena pede então para o Sr.Eustáquio apresentar o estudo.Homem educado e de fala baixa, faza palavra:

– Querida Matrícia, você teve umavida repleta de oportunidades,família estruturada, estudo e futuro,mas preferiu seguir outro caminho,perdoe-me se estou repetindo opassado, mas faz-se necessário.Pois bem, abandonou seus pais,esqueceu-se de Deus, abandonouuma criança e suicidou-se. A suapróxima reencarnação não será

fácil, pois deverá aprender oaltruísmo, viver de forma maishumilde e não abandonar aquelesque a procurarem. Alguma dúvida?

19 Matrícia via-se cuidando decrianças na África ou em qualquerparte do mundo. Nascer com algumdefeito físico, a fim de superar osobstáculos, sua mente estavaconfusa. Aproveita a oportunidade epergunta:

– Sr. Eustáquio, Lorena. Aceito decoração essa nova oportunidade deresgate, seja onde for, com quemfor. Sei que Deus e vocês sóquerem o meu bem. Sei que Deus

sempre atende às nossas orações eque às vezes a sua resposta é não.Ainda assim gostaria de saber senascerei defeituosa e também fazerum pedido, visitar a minha famíliamais uma vez.

19 Senhor Eustáquio olha comcarinho e diz:

– Não, você não nascerá defeituosa,terá uma vida equilibrada e seumaior desafio será viver com o seudom. O dom da mediunidade,especificamente de cura, caberá avocê, somente a você aceitar suamissão e cumpri-la. Se acha queserá fácil viver como médium,

observe o que aconteceu com osque passaram na Terra antes devocê. Muitos não acreditarão no quevocê dirá e aqueles que acreditaremnão te deixarão falar. Orai e vigiaiminha filha, esse é o meu conselho.E quanto ao seu pedido estáconcedido. Pode ir. Continuaremosapós o seu retorno.

Lorena alivia o coração de Matrícia:

– Vamos?

Matrícia quase explode de emoção,abraça o Senhor Eustáquio,agradece e diz:

– Vamos, Lorena, estou pronta.

As duas transformam-se em luz, Sr.Eustáquio sorri e elas desaparecem.

A Mansão dos Nobres estava linda,o jardim ganhara um playgroundgigante, o gramado ficou maior, asala de TV transformou-se numpequeno cinema, tudo obra do vovôJoão que cumpriu fielmente a suapalavra.

19 Matrícia encontrou a Mansãocheia de vida e amor e isso atranquilizava, era o primeiro sinalque tudo iria bem.

Ela e Lorena caminharam pelavaranda até encontrarem DonaMarta ensinando tricô para sua neta,

Matrícia (filha). Ambas estavamentretidas demais para sentirem ouintuírem a presença das duas, issopouco importavam para Matrícia, elaqueria apenas ver sua filha e seuspais, só isso.

Matrícia inicia um diálogo comLorena:

– Lorena. Naquele dia que vocêresgatou-me, lembro-me que vocêajoelhou e fez uma oração no ventrede minha filha. Por quê?

Lorena responde sem dar muitasexplicações:

– Pedi a Deus que a abençoasse.

19 Matrícia percebe que suafilha não conseguira engravidar ediz:

– É Lorena, Ele sempre respondeàs nossas orações, mas às vezes aresposta é não. Eu entendo. Tinhaesperanças de encontrá-la com umbebê no colo.

Lorena faz uma observação:

– Impossível Matrícia.

– Por que Lorena?

Lorena olha com doçura e respondecom serenidade:

– Porque você será esse bebê que

ela tanto espera.

Os olhos de Matrícia enchem-se delágrimas e ela pôde entender asabedoria, a misericórdia e abondade de Deus.

Lorena complementa:

– Mais um detalhe Matrícia, fazparte do processo reencarnatórioconhecer a sua nova família. Sejabem-vinda à Mansão dos Nobres,seu novo futuro lar.

Ambas abraçam-se.

Deus traça os nossos caminhos nacerteza de um novoamanhecer...Sempre.

19 Louvado seja Aquele que nasua misericórdia nos perdoa e nosampara na eternidade:

Nascer, crescer, errar e morrer.

Nascer, crescer, errar menos emorrer.

Nascer, crescer, errar menos, amare morrer.

Nascer, crescer e amar.

Amar.

20 De Volta àColônia

Matrícia e Lorena voltam à Colôniae são recebidas pelo SenhorEustáquio, este sempre muito calmoe parecia saber tudo que haviaacontecido e de fato sabia, maspreferia ouvir da moça. Assim podiasentir o calor da empolgação, aemoção de um novo recomeço.

– Senhor Eustáquio, muito, muitoobrigada, nem sei como agradecer.Dizia Matrícia.

O velho sabiamente a alerta:

– Querida. Certos defeitos tornam-se qualidades e certas qualidadestornam-se defeitos, dependendo daocasião. E também algo que parece

bom pode tornar-se ruim e algo ruimpode ser uma coisa boa. Nãopodemos e não devemos concluirprecipitadamente as coisas.

20 Reencarnar como filha da suafilha trará felicidade, mas a sua filhasofreu o abandono e não será fácilpara ela superar isso quando olhardentro da sua alma.

Esse tempo de não gravidez a fezdesejar tanto um bebê que foiprovidencial para a sua chegada,lembre-se: nada é por acaso.

Vocês terão uma nova oportunidadee você um Dom, esperamos quesupere as dificuldades, os medos e

os inimigos.

Reitero. Não será fácil.

Matrícia ouviu tudo atentamente.Ajoelhou diante dos dois, abaixou acabeça e fez a oração queaprendera na Terra:

– Obrigada Senhor!

21 Mal-estarEra uma linda manhã ensolarada, asuave brisa do mar misturava-se aodelicioso cheiro de café na Mansãodos Nobres.

Dona Marta fazia questão depreparar o “pretinho” todos os dias

e como fazia bem.

Matrícia (filha) era sua fã. Levantavaembalada pelo barulho de xícaras,bule, pratos, colheres, cheiro deleite fervendo e claro ...de um“pretinho fresquinho”.

21 Naquela manhã Dona Martaestranhou o atraso da sua“freguesa” favorita. Estava tudopronto e nada dela aparecer.Quando surge um vulto ainda depijama, descabelado e arrastandochinelos.

– Nossa Matrícia (filha). O que estásentindo?

A moça responde arrastada:

– Ai vovó. “Tô” enjoada. Tudo mevira o estômago. Sei lá. Nunca tiveisso.

Só de pensar em leite ficoembrulhada.

Dona Marta enxugava um prato.Parou e pensou um pouco, quandoviu uma linda borboleta azul pousarna janela, sem pensar muito, ela diz:

– Querida. Você está grávida.

Constrangida pelo comentárioMatrícia (filha) fala:

– Ah! Vovó. Por Favor, não brinque

assim, estou preocupada. E se euestiver doente? E as nossascrianças?

21 Dona Marta é enfática:

– Você está grávida.

Matrícia (filha) irrita-se:

– Pare vovó, você sabe que eu nãoposso engravidar. Como a senhoratem tanta certeza? Um passarinhote contou?

Dona Marta deixa o prato sobre amesa, abraça a neta com carinho ediz:

– Não, meu amor. Não foi um

passarinho. Foi uma borboleta, umaborboleta azul.

Ela beija a neta, caminha até ajanela e aprecia o sinal de Deusbater suas asas.

– Vovó! Vovó ! O que aconteceu?-Matrícia não percebera a borboletae Dona Marta complementa aexplicação.

– Nada não minha querida, estavapensando nos sinais de Deus, Elesempre nos envia, sempre...

Sem entender nada, Matrícia (filha)pede licença e sai.

21 Sobe as escadas e encontra

Rodrigo no corredor.

– Amor! Não estou legal.

Preocupado e atencioso o marido éenfático:

– Tudo bem. Percebi seu estadoessa semana e acho melhorprocurarmos um médico.

Ambos trocam de roupas, descemas escadas e avisam Dona Marta eo Sr. João :

– Vovó, Vovô, iremos ao médico.

Sr. João faz cara de preocupado eDona Marta reitera sua observaçãode forma inusitada:

– Tudo bem amor, vão com Deus,vocês três.

Matrícia irrita-se:

– Pare vovó, que brincadeira maisboba.

Dona Marta não se altera:

– Não é brincadeira.

Matrícia (filha) deixa a Mansãovisivelmente irritada. E Rodrigo tentaentender o caso:

– O que houve amor?

Ela explica de forma curta :

– Minha avó acha que estou grávida

e isso me irrita, ela sabe que nãoposso, que não consigo...ah! sei lá.

21 Rodrigo acha tudo estranho econfuso, mas como biólogo prefereaguardar os resultados dos exames.Com mulher não se discute, seestiver grávida então, melhor ficarem silêncio.

Chegaram cedo ao posto de saúdee logo foram atendidos pelo Dr.Hélio:

– Bom dia, Matrícia (filha), bom dia,Rodrigo.

Matrícia (filha) retribui ocumprimento de forma educada,

senta-se e expõe seu quadro, ovelho médico ouve atentamente.

Sem dizer uma palavra ele levanta-se calmamente, aproxima-se docasal e inicia um exame, pede queela fique de pé, aperta aqui, apertaali, ausculta aqui, ausculta ali.

Volta-se para sua cadeira e pede aela uma bateria de exames,discriminando-os numa guia padrão.

Matrícia (filha) não aceita:

– O Senhor não vai me receitarnada?

O médico sorri e diz:

– Não querida, por enquanto apenasrepouso.

21 Ela sai revoltada e mal sedespede. É Rodrigo que, ameniza asituação com o médico.

No carro ela descarrega a “energia”no marido:

– Você viu? Serviço de saúdepéssimo. Ai que raiva.

O marido ouve e diz :

– Vamos colher o material erealizarmos os exames laboratoriais,depois veremos o que fazer, ok?

Matrícia (filha) quase explode de

raiva.

Meio a contragosto colhe urina,fezes, sangue e aguarda o chamadodo posto.

Passaram-se quatro dias e otelefone da Mansão tocou,informando ser necessário o retornode Matrícia (filha) ao médico.

O clima era tenso na Mansão, nadae ninguém podia falar com Matrícia(filha), irritava-se facilmente eenjoava-se com quase todas ascomidas.

21 Naquela manhã Rodrigoestava preocupado. Sr. João sentia-

se perdido e Dona Marta estava nasnuvens de felicidade.

– Vovó, quer por favor tirar essesorriso do rosto. Meu caso é grave.

Dona Marta sorriu e disse:

– Eu sei meu amor, seu caso é“gravedez”.

Matrícia (filha) iria discutir, masresolve não perder tempo.

– Não aguento mais Rodrigo. Vamosembora.

Senhor João adverte a esposa:

– Marta, Marta, não faça mais isso.

Dona Marta abraça-o e sorri, sóisso.

A chegada ao posto é igualmentetensa:

– Rodrigo, seja o que for eu te amo,tá. E promete cuidar das crianças,tá?

Rodrigo fica confuso e acha melhornão comentar nada. Apenasconcorda.

– Tudo bem, amor.

21 Ao entrarem no consultóriodeparam-se com o Dr. Hélio lendoos exames.

– Bom dia Dr.

O médico responde com educação.

– Bom dia .

Matrícia (filha) vai direto ao ponto :

– Doutor . É grave o que eu tenho?

O médico olha para o casal e diz:

– Eu tenho duas notícias: uma boa euma ruim, a boa é que não é grave.

Matrícia (filha) levanta-se e quasechorando diz:

– E a ruim Dr. ? Eu tenho 32crianças para cuidar. Qual é a ruim?

Dr. Hélio levanta-se, aproxima-se da

moça, pega nas suas mãos e diz:

- A ruim minha filha é que essesenjôos podem durar até novemeses, você está grávida.

Seus olhos enchem-se de lágrimas,seu coração dispara, abraça omédico, dá-lhe um beijo no rosto,não diz nada, não consegue. Peganas mãos do marido e “voa” para aMansão.

21 Dona Marta e o Sr. João sãosurpreendidos pelos gritos deMatrícia (filha), que mal espera oportão ser aberto no automático.Desce do carro correndo comolouca.

– Vovó...vovó...vovó .

Dona Marta, assustada, sai emdisparada ao encontro da neta.Ambas se abraçam nojardim,exatamente no mesmo localem que dois anos atrás as três seencontraram, Matrícia (filha)chorando, Dona Marta um poucoconfusa, Sr. João preocupado, quede longe assistiu a uma cena linda.

Sem dizer uma única palavra,Matrícia (filha) pega as mãos deDona Marta e as coloca sobre o seuventre.

Rodrigo apoia a cabeça no volante eagradece ao Pai , enquanto o

senhor João limpa os olhosmolhados.

Abraçada à neta Dona Marta fechaos olhos e faz um pedido emsilêncio.

“Senhor, permita pegar no coloessa criança, se for a vossavontade”.

21 Noves meses se passaram,muitos enjôos, muitas incertezas, umpouco de medo e tudo isso passavacom um pouco de colo da vovó ealguns conselhos do vovô.

Senhor João só dava um conselhoem qualquer situação, por mais

absurda que pudesse parecer eledizia:

– Matrícia, sobre isso ainda tenhoalguma dúvida, mas vamos procurara resposta num livro que achei nabiblioteca.

O mais interessante era que ele nãobuscava um capítulo especifico oualguma página marcada, elesimplesmente abria o livro aoacaso... e sempre vinha a resposta.

– Vovô. É incrível como esse livronos ajuda. Como o senhor teve aideia de buscar respostas nele.

Senhor João respondeu com

humildade:

– Eu não descobri. Alguém escreveuna contracapa “Aqui encontrei asrespostas S. M. - 1960 “

Se eu tivesse encontrado esse livrono passado, com certeza teriaerrado menos.

21 Matrícia agradeceu e pediupara guardá-lo na estante. Capaesmaecida pelo tempo, páginasamarelas. As cicatrizes em seudorso indicavam o quanto forausado aquele livro que levava umnome sem algumas letras:

“..VANGELHO SEGU...DO O

ESPIRISTIS..

Algumas coisas não perdem o seuvalor.

22 Reencontro– Alô! Meire? É a Matrícia, comovai?

Meire e Matrícia tornaram-se muitoamigas e apesar da distância epoucas visitas, sempre se falavam.

– Oi Matrícia, que Saudade. E aí?

Matrícia dá uma bronca:

– A Ju (Juliana) não conhece vocês.Como fica?

– Vamos amanhã. Sem furo.

Só uma pessoa não participariadesse encontro, Dona Marta.

22 Após o nascimento, eladeitou-se com a pequena, comofazia sempre, contou algumashistórias, disse o quanto amou suafilha e ambas dormiram, naquelatarde somente a pequena Julianaacordou.

A chegada do casal na Mansãoseria motivo de alegria e eramesses momentos e o sorriso dapequena que amenizavam osmomentos em que Dona Marta faziafalta.

A pequena Ju não queria saber denada, até ouvir a voz de Ricardo.

22 Ela despertou, estendeu obracinho e pediu colo para o tioRicardo.

Ao pegá-la ele ficou impressionadocom os traços do rosto , expressãoe o verde dos olhos.

– Minha avó dizia que ela é a carada minha mãe. O que você acha?

Ricardo desconversa:

– Ah! Sei lá. Ela é linda, saudável,isso que importa.

Ele sai com a pequena pelo jardim,

vai até o Mirante e diz:

– Vou te ensinar uma oração deduas palavras.

A pequena Ju bate palmas, junta asmãozinhas na boca e sorri.

– Ah! Você já sabe. Quem bom.

Passam um dia maravilhoso até apequenina ficar manhosa e procurarpela mãe.

– Venha com a mamãe meu amor,eu sei o que você quer.

22 Matrícia faz sinal para o casale pede ajuda de Rodrigo.

Rodrigo pega a cadeirinha de bebê

e sobe para o solarium. Fixa o apoioda cadeirinha sobre uma mesa comuma fita preparada para isso.

Matrícia chega com a pequenamanhosa e diz:

– Vejam. Ela é capaz de ficar horasaqui vendo o mar. Quase não pisca.

De repente aparece uma lindaborboleta azul, que a todos encantapela cor néon.

Meire emociona-se:

– Nossa, que linda!

Rodrigo, que era biólogo, tentaexplicar:

– Essa espécie só é vista dentro daMata Atlântica, não costuma visitarresidências, mas essa aí sempreaparece quando a Ju está aqui,acho que é o cheiro de algumproduto para bebê que a atrai.

22 Ela pousa a poucos metrosdas pessoas, enquanto a pequenaJu apreciava o bater suave de suasasas.

Ricardo percebe algo e limita-se aum único comentário:

– Nem tudo é o que parece ser.

Matrícia não entende e Ricardocomplementa:

– Aprendi com uma amiga queborboletas nãomorrem...Transformam-se. Às vezesem pequenos anjos.

Despendem-se e deixam o localcom a saudade já batendo forte.Quando se ama de verdade, asaudade vem antes do beijo dedespedida.

A borboleta azul alça voo, masdiferente das demais ela não voaem direção à mata, voa em direçãoao sol, cada vez mais alto, até serencoberta pela luz do astro rei:

– Oi Azul. Já voltou?

Ela pousa nas mãos de Lorena.

– Dona Marta. Essa é a Azul.

A velha senhora estende a mão ediz:

– Nós já nos conhecemos. Venha,vamos contar histórias para ascrianças.Azul pousa no ombro deDona Marta e ambas caminham pelogramado, onde teriam que contarmuitas e muitas histórias.

22 Uma dessas histórias seria ade uma menina que tinha os olhostão verdes que às vezes não erapossível saber se era o reflexo domar que coloria seus olhos ou eram

os seus olhos que coloriam o mar.

Na mansão Meire pede a bebê paradespedir-se .Um longo e calorosoabraço, em alguém que talvez umdia a ajudou .

Longe dali, na estrada, Meirequestiona:

– Ri. A Ju é a Matrícia?

Ricardo olha sério para Meire e diz:

– Sabe guardar segredo?

Meire responde toda entusiasmada:

– Claro que sei.

Então, ele respira fundo e fala:

– Eu também.

22 Ela dá um tapa no seu ombro,chama-o de bobo e ambos caem nagargalhada.

Então ele explica:

– Deus concede o véu doesquecimento do passado para quepossamos amar aqueles que um diamachucamos. E assim progredirmossegundo a sua lei. A lei do amor.

Meire pensa um pouco e diz:

– Sabe Ri. Acho que essa históriadaria um livro.

Ricardo pergunta:

– E qual seria o título?

Meire vira o rosto em direção aomar e responde:

"Meu nome é Matrícia, conte aminha história.”

Os profissionais e colaboradoresabaixo doaram os seus direitos paraelaboração deste

E-book:

Lisandra Rodrigues....AdvogadaGisele Achkar .......... JornalistaMauricio Nelson Ribeiro....Diretor/CapaKarina Baade ...ModeloAllan Bispo...... DiretorCinematográficoPaulo Sato ...... FotografoCristiane Tanelli... Contra Regra

Rafaela CoutoCappellano......Figurante(Bebê)Valéria Toratti Couto.......FiguranteMeire A. Achkar Bonetti...FiguranteRenan Vitor Bonetti....... FiguranteDennis Goebel Praça.....SurfistaDani Paiva .............Surfista

Email do autor:rbonetti.alp@terra.com.br

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