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Sandra Hahn

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

LITERATURA BRASILEIRA E TEORIA LITERÁRIA

o m m o e c m e z s ™

a izssse&nA vos mirtos sw ejiAwes jwsps&7o%

MESTRANDA: SANDRA HAHN

ORIENTADORA: PROFa DRa. ANA LUIZA ANDRADE

FLORIANÓPOLIS

1995

o is o n o e m e -g s io

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Dissertação aprovada como requisito parcial à obtenção do grau de nr^stre em Teoria Literária. Curso de Pós- Graduação erli Letras, Literatura Brasileira e Teoria Literária. Universidade Federal de Santa Catarina pela comissão formada pelos professores:

Orientadora: uiza Andrade, UFSC

Co-orientadora$Ss_Pp0fTDra. Maria Lúciaf’ de Barros Camargo, UFSC

Prof3. Dra Luiza Lobo, UFRJ

Prpf.Dr. Raúl Hector fi nteío, UFSC

4 ■Prol®. íveira\uRSC

dos SantosCoordenador, do Curso de^Pós-Graduaçâo em

Cetras-Literatura Brasileira/Teoria Literária Portaria n'. 1101/GR/95

FLORIANÓPOLIS

1995

RESUMO

Neste trabalho eu investigo a reescrita dos textos: “A quinta história”, “O ovo e a galinha”,

“Seco estudo de cavalos", “Relatório da coisa” e “Desespero e desenlace às três da tarde” e

busco compreender como se estabelece o processo escriturai, através da análise dos

acréscimos e supressões realizadas por Clarice Lispector.

O aspecto da fragmentação dos textos revelou o quanto a obra é a um só tempo, fragmentária

e coesa. A noção de texto estabelecida a partir desta afirmação, demonstra um trabalho

incessante em busca do estabelecimento de uma nova forma narrativa.

A autonomia do fragmento mostra que o texto pode desvincular-se de um determinado

contexto, criando então outro horizonte de leitura.

A presença do grotesco em “Onde estivestes de noite” evidencia o caráter “realista” e o quanto

realidade e ficção se encontram imbricadas, criando para o narrador a possibilidade de entrar e

sair do espaço do real para o irreal, quebrando com o conceito de arte realista ou simbólica.

A idéia essencial situa-se no processo de uma escritura que já nasceu processo e por isso

pode criar novas associações, unindo elementos comuns que por sua vez sê rearticulam,

fazendo emergir o texto concreto.

ABSTRACT

This work studies the rewriting of the texts “A quinta história” (“The fifth story”), “O ovo e a

galinha” (“The egg and the hen”) and “Seco estudo de cavalos” (“Dry study of the horses”),

“Relatório da coisa” (“Report of the thing”) and “Desespero e desenlace às três da tarde”

(“Despair and denouement at three p.m.”) in order to understand how this rewriting process is

estabilished throught additions and supressions attained by Clarice Lispector.

The fragmentary aspect in the texts shows a work which is, at the same time, fragmentary and

cohesive. The notion of text, estabilished from this statement, brings to light a persistent search

for a new form of narrative.

The autonomy of the fragments shows that the text can detach from a specific context

originating another reading.

The presence of the grotesque in “Onde estivestes de noite” (“Where were you at night”),

emphasizes a certain realist character and how much reality and fiction find themselves

overlapped providing the literary text with both the possibility to enter and exit an imaginary

frontier between real and unreal, thus disrupting the concept of art as purely symbolic or purely

realistic.

The essential idea lies in the process of a rewrinting which is a process of being born by

creating new associations in the articulation of common elements and their rearticulation into

the emergence of a concrete text.

DEDICATÓRIA

A meu pai, in memoriam, pelas histórias engraçadas que nos contava ao

jantar.

A minha mãe, que nos lia o Caderno H. do Mário Quintana todos os domingos,

religiosamente.

A minha avó que criou doze filhos e depois morreu serenamente.

AGRADECIMENTOS

Os agradecimentos são muitos e todos igualmente importantes.

À Maria Helena Régis, pelo presente Manuel Bandeira.

À Cármem Lydia, in memorían, pelo carinho e amizade que nos uniu e pela

antologia dos Poetas Angolanos.

Ao Walter Costa por nos fazer entrar no “Grande Sertão”.

À Bética Canitrot pelas “Babas dei Diablo”.

À Edda Arzúa pela descoberta de Bakhtin, Otávio Paz e Roland Barthes.

Ao Raúl Andrade, digo, Antelo, pelas viagens com Mário, Foucault e Proust.

À Maria Lúcia por nos deixar apaixonar por Walter Benjamin.

À Zahidé Muzart, divulgadora convicta das mulheres essenciais: Hilda Hilst,

Gilka Machado, Heloísa Buarque, Luzilá Ferreira, Marina Colasanti, Nélida

Pinõn, Lya Luft, Maria Firmína e outras tantas Marias e Clarices tão belas

quanto anônimas.

À Tânia Regina pela alegria e bondade com que supriu tantas necessidades.

Ao professor Müller Berg, conhecedor e participante da realidade brasileira.

À Ana Luiza Andrade pela paixão por Clarice, e empenho em acompanhar de

perto algumas descobertas.

Às “meninas” Saletinha e Albertina pelo bom humor e eficiência com que

trabalharam pelo sucesso de todos do curso.

Aos amigos do curso que ajudaram a carregar algumas bandeiras: Terezinha,

Rosa Maria, Alfeu, Cristóvão, Regina, Ana Lúcia, Olinda, Antônio, Fátima,

Suely, Maria Helena e César.

À Bei e Miotelo, amigos de longa data, que partilharam das angústias e lutas

travadas entre as “letras e as armas”.

Às legítimas inconformandas: Sandra Bô, Renise. Rosimery Scarlett, Marisa,

Bei, Lili das Bocas e Liodete.

À Rosângela Soares, Mestra com maiúscula.

Às ilustres formiguinhas carregadeiras: Marli (UFSC) e Cleide M. de Medeiros

(UNIR), que comutizaram todas as informações possíveis.

À Maria Helena Meira e Bernadete Panceri, amigas e vizinhas incomparáveis.

Ao Daniel Mayer e Rose Gannon, pontes essenciais entre nós e os livros.

Aos amigos: Josué, Gracinha, Dorisvalder, Toninho e Januário pelo clima e

companheirismo das horas vividas no Centro do Imaginário Social.

À minha querida filha Sabrina, que em muitos momentos tomou o lugar da

pesquisadora e vasculhou as bibliotecas da USP e “Mário de Andrade”, em

busca de informações mais precisas.

À “Ordem Quinta” (vulgo Máfia Esfomiata), que devorou antropofagicamente o

ovo, a galinha, os cavalos e a Coisa.

À Bete, Nilson e Fabíola pelo afeto com que me adotaram e que jamais

esquecerei.

À Sueli Cagneti e Alberto Lins Caldas, duas balanças das horas cruciais deste

trabalho, que só contribuiu para enriquecer os nossos laços.

À minha pequena Ana Beatriz pelo seu “Tá bom, eu espero”, que se comportou

como uma verdadeira dama. Obrigado meu amor!

À Tristana e Alex, outros dois amores, que ajudaram a carregar com valentia,

muitas dificuldades.

À Jussara e Sander, obrigado por existirem.

A todos os não mencionados que direta ou indiretamente colaboraram nas

travessias e Travessias.

Ao Grimaldi, um democrata das Letras.

À Capes pela bolsa de demanda social

Clarice

Veio de um mistério, partiu para outro.

Ficamos sem saber a essência do mistério.

Ou o mistério não era essencial.,

era Clarice viajando nele.

Era Clarice bulindo no fundo mais fundo,

onde a palavra parece encontrar

sua razão de ser e retratar o homem.

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

A absoluta solidão, o retorno forçado do próprio eu, cujo

ser se reduz a elaboração de material no ritmo monótono do

trabalho, delineiam como um espectro horrível a existência do

homem no mundo moderno. O isolamento radical e a redução

radical ao mesmo nada sem esperanças são idênticos.

THEODOR ADORNO

Quero a experiência de uma falta de construção. Embora este texto seja todo

atravessado de ponta a ponta por um frágil fio condutor - qual ? o do mergulho

na matéria da palavra? o da paixão ? Fio luxurioso, sopro que aquece o

decorrer das sílabas. A vida mal me escapa embora me venha a certeza de

que a vida é outra e tem um estilo oculto. Este texto que te dou não é para ser

visto de perto: ganha sua redondez antes invisível quando é visto de um avião

em alto vôo. Então advinha-se o jogo das ilhas e vêem-se canais e mares.

Escrevo-te uma onomatopéia, convulsão da linguagem. Transmito-te não uma

história mas apenas palavras que vivem do som. Digo-te assim :

“Tronco luxurioso”.

ÁGUA VIVA

Meu enleio vem de que um tapete é feito de tantos fios

que não posso me resignar a seguir um fio só. Meu enreda

mento vem de que uma história é feita de muitas histórias.

LEGIÃO ESTRANGEIRA

Lista da abreviação dos livros citados nesta dissertação

Alguns contos. (AC)

Laços de família. (LF)

Felicidade clandestina. (FC)

A imitação da rosa. (IR)

A legião estrangeira. (LE)

Onde estivestes de noite. (OEN)

A via crucis do corpo. (VCC)

A bela e a fera. (BF)

Para não esquecer. (PNE)

Perto do coração selvagem. (PCS)

A cidade sitiada. (CS)

O lustre. (L)

A maçã no escuro. (ME)

A paixão segundo GH. (PSGH)

A hora da estrela. (HE)

Água viva. (AV)

Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres. (UALP)

A descoberta do mundo. (DM)

Quase de verdade. (QV)

ÍNDICE

___________________________________ INTRODUÇÃ013 _________________

1o - CAPÍTULO: O OLHAR DO PESQUISADOR. 151.1 - Por que os Contos ? 15

1.2 - O Começo da Pesquisa 18

1 .3 -A Crítica dos Romances 22

1.4-A Crítica dos Contos 26

2o - CAPÍTULO - ALGUMAS REFLEXÕES TEÓRICAS 312.1 - A Teoria como ponto de partida 33

2.1.1 - O Descentramento da Narrativa 40

3o - CAPÍTULO: CONFRONTO E ANÁLISE DOS TEXTOS 423.1 -A Quinta História ou Cinco Relatos de um Tema 45

3.1.1 - A Quinta História e o Processo de Elaboração do Texto 49

3 .2 - 0 Ovo e a Galinha ou A Atualidade do Ovo e a Galinha 53

3.2.1 -O Ovo e a Galinha: um modo de olhar o óbvio 91

3.3- Seco Estudo de Cavalos ou Estudo de Cavalos 99

3.3.1 - Seco Estudo de Cavalos 119

3.4 - O Relatório da Coisa 131

3.4.1 -O Relatório da Coisa- Sveglia- O Exercício do Ilógico. 160

3.5- Desespero e Desenlace às Três da Tarde ou Desespero e Desenlance às Três da Tarde. 167

3.5.1- Desespero e Desenlance às Três da Tarde 179

3.6- Onde Estivestes de Noite. 181

3.6.1 - Onde Estivestes de Noite ou A Opacidade do Cotidiano. 193

4- CONCLUSÃO 201 ________________________ =

BIBLIOGRAFIA 204

ANEXOS 223

INTRODUÇÃO

“Clarice é uma promessa de intranqüilidade..."

Fernando Reis.

Movida por um impulso de curiosidade, folheei A paixão segundo G.H.

Aquele título me chamou. Assim encontrei-me com Clarice: Amor à primeira vista.

Lembro-me de que, à medida que entrava na paixão, um enorme peso

ancorava em mim. "0 coração pesado de um amor que já não era mais livre."(LE)

Era muito duro carregar aquelas frases doídas, aquela desorganização que de

alguma maneira me desorganizava também.

Lentamente A paixão segundo G.H. foi se consolidando como "uma pedra no

meio do caminho" e me fazia "vacilar as bases históricas, culturais e psicológicas"

de que nos fala Roland Barthes.

Talvez fosse mais fácil seguir outro caminho, mas compelida por G.H., li

Água viva.

Daí para frente era preciso tentar desvendar alguns dos seus mistérios.

Seus contos, mais enxutos, não eram tão sedutores e o impacto dos romances

não me deixavam ver Clarice contista. A romancista deu lugar à memorialista, à

cronista, à poetiza, disfarçada, à escritora de histórias infantis, e finalmente à

contista e desveladora de quase todos os segredos da alma feminina. Todas as

faces de Clarice são "vassouradas" no mundo. 0 que não posso explicar é como

se passa de um mistério para outro. Talvez Clarice saiba, pois o mistério é seu

melhor modo de entender.

Voltar os olhos para o que é belo, é simples. Mas Clarice viu que às vezes

dentro do aparentemente belo mora o feio. Nenhum feio que nos cause horror ou

náusea, mas o feio comum, estampado no cotidiano das pessoas e que por

alguma razão "estranha" não ousamos questionar e desviamos os olhos para o

outro horizonte, onde o sol nasce. Este modo de ser "humano" encontra em

Clarice uma barreira intransponível. Como a esfinge nos portais da grande cidade

ela senta e observa. 0 que vê Clarice? A resposta a esta pergunta exige do seu

14

leitor a busca da decifração do enigma de seus escritos. O enigma busca se

desvendar, velando. Criando para si barreiras que vão da pergunta mais simples "

isto é uma crônica?”, às questões mais complexas. Clarice exige do seu leitor

alma já formada pois sabe "que a aproximação, do que quer que seja, se faz

gradualmente e penosamente, atravessando inclusive o oposto do que se vai

aproximar" (PSGH).

1o - CAPÍTULO: O OLHAR DO PESQUISADOR

1.1 - Por que os contos ?

“(...) pesa sobre a ficção brasileira um veto paradoxal: o veto ao imaginário”.

Luiz Costa Lima

Clarice lança seu primeiro livro de contos em 1952. É um volume pequeno e

reúne seis textos que ela chamou de Alguns contos. Nome despretensioso e

pouco lembrado pela crítica da época, ele é incorporado ao volume de contos

lançado em 1960 com o nome de Laços de família. São ao todo treze contos.

Precederam estes livros de contos seus romances: Perto do coração

selvagem (1943), O lustre (1946) e A cidade sitiada (1949). Entretanto o livro A

bela e a fera (1977), publicado postumamente, reserva-nos uma surpresa: Clarice

escreveu, antes de tudo, contos. Estes vem datados de 1940-1941 (1a parte) e

1977 (2a parte), escritos pouco antes de Clarice falecer.

Em um artigo chamado Claricevidência, Otto Lara Resende1 faz um reparo

bastante importante sobre o ano de nascimento de Clarice: 1920. Inúmeros

artigos e ensaios sobre sua obra começam sempre por elogiar a adolescente

prematura que teria escrito seus primeiros contos aos 14 anos. Complementando

as informações de Otto, Aparecida Maria N u n e s 2 , em seu ensaio chamado:

"Clarice Lispector: uma trajetória", nos esclarece que Clarice, por volta dos 5

anos, leva um conto seu para publicar na revista Vamos ler editada pela

1 RESENDE, Otto Lara. "Claricevidência". Folha de São Paulo. São Paulo, Caderno opinião, maio, 1992, p.1.2 NUNES, Aparecida Maria. Revista da universidade de Mogr das Cruzes.,São Paulo, v.1, p. 18. Este artigo trata da trajetória de Clarice Lispector jornalista e nele há informações sobre diversos textos esparsos.

16

imprensa A noite do Rio de Janeiro. Raimundo de Magalhães recebe o conto e o

publica. Ainda nesta revista infantil, cita a pesquisadora, se encontram

publicados dois textos inéditos: “Eu e Jimmy” e “Trecho” (1941). A data imprecisa

de sua primeira publicação não nos impede de afirmar que Clarice tão logo

aprendeu as primeiras letras começou a contar histórias.

Os contos de A bela e a fera (1a parte) falam das experiências de uma

personagem adolescente em busca de respostas. Percebe-se já, como diz

Roberto Corrêa dos Santos^, uma tentativa para "(...) a descoberta de um

sentido maior da existência.", embora não plenamente concretizada. Falta ainda,

neste momento, a transformação que fará destas experiências a consolidação do

pensamento da escritora.

O conto, enquanto forma conhecida e enquadrada na tradição, encontra em

Clarice um modo de ser especial, voltado para dentro: "(...) numa dolorosa visão

do impensado", mas "(...) tudo amalgamado e diverso”.

Não gostaria de classificar o conto clariceano de introspectivo ou

psicológico, como foi por muitos chamado, pois nos alerta Alfredo Bosi^ "(...) sua

introspecção é de segundo grau, coesamente formalizada." Bosi explica esta

introspecção:

3 SANTOS, Roberto Corrêa. Artes da fiandeira, (après.). In: Laços de família. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1990, pp.6-9.4 BOSI, Alfredo. O conto brasileiro contemporâneo. São Paulo, Cultrix, 1978, pp. 19-20.5 REIS, Femando.“Quem tem medo de Clarice Lispector?. In: Revista civilização brasileira, Rio de Janeiro, n.17, jan/fev, 1968, pp.225-234.

A prosa de Clarice faz-se aos poucos, move-se com os seus exercícios de percepção, e tacteia, e não pode nem quer evitar o lacunoso, ou o difuso, pois o seu projeto de base é trazer as coisas à consciência, a consciência de si mesma (p. 20).

Esta forma específica de meditação é chamada por Fernando Reis5 de:(,..)um decapeamento progressivo. Daí a peculiaridade dt tratamento psicológico de Clarice Lispector - não existt aprofundamento mas despojamento, as personagens não st enriquecem, elas se desnudam - que é a forma de enríquecer-Si no sentido humano (p.227).

17

É em Laços de família (1960), considerado a grande realização literária sob

a forma do conto, que Clarice amadurece seu projeto de escritura. Mas ela não

pára de tecer, como Sofia, e experimenta todas as formas possíveis. A crítica

aponta as mudanças no conto e no romance. A trajetória da sua criação mostra o

mini-conto, o conto quase crônica, o conto filosófico, o conto parábola, o conto

exercício, o conto, ás vezes, quase poema em prosa. Estas propostas inúmeras

me levaram a não cair, como diz Francisco de Assis Brasil, 6(...) na busca de uma reconciliação entre a forma nova e as outras formas literárias, numa tentativa de ainda apresentar o conto moderno como parente de qualquer coisa já conhecida, (p. 44)

A questão das fronteiras entre o conto, a crônica e o poema em prosa, tem

sido discutida amplamente pelos teóricos da literatura. Esta questão em Clarice

merece destaque, pois as transgressões exercitadas por ela no Jornal do Brasil -

A descoberta do mundo? e nos seus livros de "contos" tem provocado as mais

diversas reações e renovado o debate sobre a questão dos gêneros. O recuo dos

limites do conto e da crônica, a transformação dos contos em crônicas ou

noveletas, o transplante do conto para o jornal, o reaproveitamento dos textos

que ora são capítulos inteiros de romances ora são pequenos trechos de

romances. Toda esta fragmentação dos textos cria um processo de autonomia

que a princípio me fazem perguntar: Por que estes textos de Clarice podem

circular tão livremente dispensando qualquer classificação?

Nesta proposta de trabalho de dissertação pretendo, então, pensar a

produção de contos de Clarice Lispector entre 1964 e 1974, ressaltando que o

conto, enquanto gênero, torna-se neste espaço de tempo indefinível. A feitura de

seus textos não mais vão se chamar de romances, mas ficções e pulsações.

6 BRASIL, Francisco de Assis. A nova literatura _ O conto. Rio de Janeiro, Ed. Americana, INL, v.3, 1975.7 LISPECTOR, Clarice. A descoberta do mundo. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1987. Neste volume estão publicadas quase todas as crônicas escritas para o Jornal do Brasil (1967-1975). O volume foi organizado por Olga Borelli e Paulo Gurgel Valente. Outras crônicas não publicadas em A descoberta do mundo foram transcritas e estudadas por Célia Regina Ranzolin In. Clarice Lispector cronista do Jornal do Brasil (1967-1973). Florianópolis, UFSC, 1985.

h

18

Neste intervalo de dez anos existe também a produção maciça da cronista do

Jornal do Brasil, publicadas em livro postumamente sob o nome de: A descoberta

do mundo■ (1967-1975). O papel de atuação no jornalismo parece colaborar no

sentido de uma mutação das formas e da abertura de novos horizontes. A

escritora-jornalista sobrevive ao jornal, mostrando a construção de existências

além do cotidiano.

A trajetória dos seus contos revela mudanças, seia para a posicão do

narrador, seja para a dispersão da lógica ou para a fragmentação do texto. A

reescrita dos textos aponta para o fatõ^e"qüe cfuahtõ lapida o

enigma mais ele brilha de significações. Roubando de si mesma, ela privilegia o

fragmento e torna-o autônomo, tão mais vivo quanto na sua primeira tentativa.

Os contos "O ovo e a galinha" e "A quinta história" do livro A legião

estrangeira (1964) e "Onde estivestes de noite", "Seco estudo dos cavalos", "O

relatório da coisa" do livro Onde estivestes de noite (1974) serão o corpus deste

trabalho, aos quais se acrescenta outro: "Desespero e desenlace às três da

tarde", publicado na revista Colóquio-letras (1975). Este último conto não está em

nenhum dos livros de Clarice e certamente é um dos seus esparsos que descobri

buscando material para a dissertação. Ele tem estrutura tradicional e deve servir

de apoio à discussão.

1 .2 -0 Começo da Pesquisa

Existem em torno de Clarice vários mitos. O mais equivocado deles talvez

seja o que diz ser Clarice Lispector uma das escritoras mais lidas da nossa

literatura e sua obra a mais estudada. 0 fato é que há uma repetição maciça nos

escritos sobre suas obras, o que mostra enorme quantidade de ensaios, artigos,

teses ou apenas resenhas, mas, na sua maioria, de pouca profundidade.

19

A dissertação Clarice Lispector: esboço de uma bibliografia (1991) de Glória

Maria Cordovani possui 1220 verbetes sobre quase tudo o que foi escrito sobre

Clarice Lispector, deixando transparente vários dados importantes:

1o - O romance mais estudado de Clarice Lispector é A paixão segundo G.H.

seguido de Perto do coração selvagem e Uma aprendizagem ou O livro dos

prazeres;

2o - ela é mais reconhecida como romancista do que como contista. Sua

"literatura infantil" é quase esquecida. Seu trabalho como jornalista há muito

pouco tempo é objeto de estudo;

3o - o livro de contos mais conhecido e estudado é Laços de família; há

cerca de 177 referências entre ensaios, artigos, resenhas e teses. Há 62

referências ao livro de contos A legião estrangeira, seguido de Felicidade

clandestina (61), A via crucis do corpo (40) e Onde estivestes de noite (40);

4o - com relação ao livro Laços de família (1960), é importante observar que

somente alguns contos são objeto da crítica. São eles: "A imitação da rosa", "O

búfalo", "O crime do professor de matemática", "Feliz aniversário", "Mistério de

São Cristóvão" e "Amor". Os outros contos aparecem apenas como referência e

são pouco estudados;

50 - A legião estrangeira (1964), o segundo mais cotado, traz uma

particularidade: alguns contos como "O ovo e a galinha" e "A quinta história" são

sempre mencionados como diferentes dos outros contos e poucos se atrevem a

analisar o porquê desta diferença. "Os desastres de Sofia" e "A legião

estrangeira" são os mais citados e analisados;

6o - Felicidade clandestina (1971) reedita quinze contos de A legião

estrangeira (1964) o que faz repetir a preferência dos contos já mencionados.

Somente alguns contos novos são lembrados: "Felicidade clandestina", "Restos

do carnaval" e "Os obedientes". Os outros são algumas vezes mencionados.

Como em A legião estrangeira "O ovo e a galinha" e "A quinta história" são

20

novamente rotulados de estranhos e estudos como de Benedito Nunes, Affonso

Romano de Sant'Anna, Olga de Sá, começaram a levantar algumas hipóteses.

7o - Onde estivestes de noite e A via crucis do corpo, ambos editados em

1974, têm contos com temática semelhante e ao mesmo tempo diferentes. A

crítica recebe mal A via crucis do corpo, mas o público o recebe muito bem. Onde

estivestes de noite é lembrado pelos contos "A procura de uma dignidade" e "A

partida do trem"® , que guardam uma unidade temática com A via crucis do corpo.

Os outros contos (ora chamados de contos, ora de crônicas), são sempre "um

caso complicado" para a crítica;

8o- A imitação da rosa (1973), que reúne somente contos já publicados, é

quase uma antologia. Há oito contos de Laços de família, cinco de A legião

estrangeira e dois de Felicidade clandestina. Pouco citado como referência,

parece bastante desconhecido;

9o - A bela e a fera, dividido em duas partes (1940-1944 e 1977), é mais

conhecido pelos contos "Um dia a menos" e "A bela e a fera ou A ferida grande

demais" que tem sido objeto da crítica genética em virtude de seus manuscritos

terem sido preservados;

10° - há 38 teses/dissertações catalogadas por Cordovani. Dez são sobre os

contos. A escolha dos contos recai sobre os já mencionados;

11° - os estudos realizados no exterior são desconhecidos para nós e,

embora haja algumas exceções, não se encontra no Brasil divulgação apropriada.

Neste trabalho de Cordovani eles aparecem na sua grande maioria como não

consultados, são apenas mencionados.

8 Ver a respeito JOSEF, Bella. "Clarice Lispector: um sopro de plenitude” ensaio de apresentação do livro Um sopro de vida. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1991 e o ensaio de COELHO, Nelly Novaes. "A escritura existencialista de Clarice Lispector". In: A literatura feminina no Brasil contemporâneo. São Paulo, Siciliano, 1993.

21

12° - os "inéditos e dispersos " ainda esperam uma compilação e e s tu d o ^ .

Sua biografia escrita no Brasil com dados suficientes é de Nádia B. Gotlib10 .

Heloísa Buarque de Holanda11 observa que as informações dadas por

Cordovani mostram:No conjunto das referências catalogadas a maior quantidade de estudos sobre Clarice Lispector é de natureza filosófica, principalmente no campo do existencialismo e da fenomenologia, seguindo-se análises de natureza semiótica, sociológica, mítica, espiritualista, psicanalista, biográfica, sendo a incidência de estudos feministas a respeito da autora visivelmemte minoritária (p. 13).

A leitura e análise da pesquisa de Glória Cordovani permitiu a visão do

conjunto dos estudos sobre Clarice e a possibilidade de se detectar o que ainda

está por ser visto e dito. Não foram mencionados por Cordovani os contos que

também não fazem parte dos livros publicados e que muitos deles certamente

ainda não foram descobertos. Deste conjunto, também os textos que foram

reescritos e suas outras versões. Neste caso específico, ficou claro para mim a

necessidade de se empreender estudos sobre os contos que a crítica aponta

como diferentes e que muitos deles ainda estão por ser estudados. O artigo de

Aparecida Nunes "Clarice Lispector: uma trajetória" traz à luz importantes

informações a este respeito. 0 texto, que privilegia Clarice jornalista, é uma

pequena amostra da dissertação de mestrado onde examina as publicações em

jornais e revistas.

O trabalho mais recente e bastante atualizado é da pesquisadora americana

Diane Marting1^ . O levantamento criterioso e organizado da pesquisadora traz à

9 RANZOLIN, Célia Regina e NUNES, Aparecida Maria (já citadas) merecem destaque pois foram, no Brasil, as primeiras pesquisas de levantamento de textos inéditos de Clarice Lispector.10 GOTLIB, Nádia Batella. Clarice Lispector: uma vida que se conta. São Paulo, Ática, 1995. A biografia de Clarice Lispector infelizmente só nos chega ao final deste trabalho.11 HOLANDA, Heloísa Buarque de. Estudos sobre a mulher no Brasil. Rio de Janeiro, UFRJ, Cad. CIEC, Col. Papéis avulsos, 1991, pp.11-18.12MARTING, Diane. An annotated bio-bibliography by Clarice Lispector. London, Greenwood, 1993.

22

luz as traduções e publicações que foram feitas fora do nosso país sobre Clarice

Lispector.

1.3 - Crítica dos Romances

A crítica se pronuncia com maior peso sobre os romances. Os primeiros

críticos de Clarice nos anos 40 e 50 se dividem entre os perplexos

(Candido/Milliet) e aqueles que preferem filiar a escritora à influência de

escritores europeus como Virgínia Woolf, Katherine Mansfield, James Joyce,

Kafka, Dostoiévski e outros.

Antonio C ând ido^, em seus dois ensaios, "Uma tentativa de renovação"

(1945) e "No raiar de Clarice Lispector", já detecta com muita acuidade que há

“(...) um novo ritmo de ficção e a tentativa impressionante de levar nossa língua

canhestra a um pensamento cheio de mistério” (p. 127).

Sérgio Milliet14 , em seu Diário crítico, também menciona sua capacidade

criadora: Conjunção de uma psicologia aberta, requintada, aguda, e uma

expressão romântica, apaixonada, simbólica, totalitária (p. 27).

Sérgio Milliet lembra ainda, como marca de originalidade, o que ele chama

de "química sintática".Linguagem pessoal de boa carnação e musculatura, de adjetivaçâo segura e aguda, que acompanha a originalidade e a fortaleza do pensamento que os veste adequadamente (p. 27).

Já o crítico Álvaro Lins“! 5 ora elogia, ora não consegue explicar como é o

labirinto da escritura de Clarice. Mas se dá conta de uma linguagem que "usa

recursos da poesia quando lhe faltam os recursos da estruturação da ficcionista".

13 CÂNDIDO, Antonio. "No raiar de Clarice Lispector". In: Vários escritos. São Paulo, Duas Cidades, 1970, p.127.14 MILLIET, Sérgio. Diário crítico. São Pâulo, Martins/EDUSP, 1981, v.2, pp. 27-32.15 LINS, Álvaro. "A experiência incompleta: Clarisse (sic) Lispector". In: Os mortos de sobrecasaca. Ensaios e estudos. Rio de Janeiro, 1963, p. 190.

23

Na década de 50-60, falando de Perto do coração selvagem (1943), Roberto

Schw arz1^ jrá apontar como princípio construtor ou criador da composição de

C.L. exatamente esta "construção detalhada", onde habita uma linguagem

labiríntica e "a falta de nexo entre os episódios".

Gilda de Mello e Souza 1? referindo-se ao segundo romance O lustre,

constata que poucos escritores levaram a sério o problema do uso de uma

expressão verbal adequada, o que trouxe à discussão sobre qual a matéria de

que é feita a linguagem desta escritora. E mais adiante ela acrescenta: (...) a Sra.

Clarice Lispector acabou se defrontando com outro problema grave também, o da

limitação dos gêneros (p. 172).

Ainda nos anos 50, Sérgio Buarque de Holanda18 comenta sobre “a

importância dada ao material da novela em detrimento, talvez, da capacidade de

organizar esse material numa unidade artística independente e coerente "(p. 178).

Esta pequena amostragem da crítica dos anos 40 a 60 nos revela posições

tomadas, o impacto e o desejo de poder entender aquelas mudanças que foram

anotadas, fazendo dessas anotações o ponto de partida para uma revisão das

posições críticas.

Esta nova postura é lembrada por João Alexandre Barbosa19 em seu A

leitura do intervalo, onde ele menciona que o aparecimento da prosa de Clarice

Lispector, Guimarães Rosa e João Cabral de Melo Neto, levaram o crítico à

necessária reflexão sobre os limites da expressão e, por aí, à urgência de uma

análise que fosse capaz de articular, por assim dizer, estofo metafísico e

linguagem artística.

16 SCHWARZ, Roberto. "Perto do coração selvagem. In: A sereia e o desconfiado. Rio de Janeiro, 1981, p.55.17SOUZA, Gilda de Mello e ." O lustre" In: Remate de males. Campinas, v .9 ,1989, pp.171-72.18 HOLANDA, Sérgio Buarque. "Tema e técnica", In: Remate de males, Campinas, v.9, 1989, pp.177-79.19 BARBOSA, João Alexandre. "Forma e história na crítica brasileira de 1870-1950". In: Leitura de intervalo. São Paulo, 1990, pp.63-75.

24

(...) a ruptura que se opera na evolução de nossa crítica literária - ruptura que eu localizo na transferência do eixo interpretativo para o eixo analítico - é correlata à própria evolução verificada na criação de uma literatura, seja na ficção, seja na poesia, que criava a necessidade de uma tal ruptura (p. 69).

O que tentei articular até aqui é como a crítica se encontra despreparada e

já não dá conta de seu objeto via processos existentes. Esta aderência aos

métodos de leitura já superados detectam a tentativa de adequar o texto a um

modelo de análise que se encontra superado. Em face desta necessidade de

mudança, a crítica passa a ter mais fôlego e o percurso da crítica sobre a obra de

Clarice começa a tomar novos rumos.

Benedito Nunes, na década de 60-70, se debruça exaustivamente sobre a

produção de Clarice e escreve inúmeros artigos para revistas e jornais, que serão

posteriormente reeditados no livro O drama da linguagem: leitura de Clarice

Lispector (1973). A primeira parte do livro começa por colocar a trajetória dos

romances, seguindo a data de publicação, até chegar aos contos. Esta trajetória,

como já foi dito, pode agora ser revista pela crítica que discorda da "evolução" da

obra no seu conjunto, bem como a publicação das obras póstumas, que vem

corroborar com esta posição.

Ainda nos anos 70, os romances de Clarice também passam por uma

revisão, resgatados pela crítica feminista que empreende um trabalho

competente, incentivada pelos movimentos de libertação da mulher e pela

entrada no País das novas teorias críticas elaboradas na maior parte pelas

francesas, alemãs e a m e r ic a n a s ^ O . O trabalho da crítica feminina empenhada

èm aprofundar-se na obra de Clarice se faz também por outros caminhos, ora

20 Vale destacar o trabalho de Hélène Cixous, Márgara Russotto, Claire Varin e das brasileiras Nádia B. Gotlib, Sílvia Paixão, Marina Colasanti, Vera Queiroz, Lúcia Castelo Branco, Ruth Silviano Brandão, Maria Helena Wemeck, Lúcia Sander, Ana Vicenti, Nelly Novaes Coelho, Heloísa Buarque de Holanda, Zahidé Lupinacci Muzart, Suzana Funck, Rosiska Darcy de Oliveira.

25

voltada para as questões da mulher, ora para a questão do gênero e os

problemas de revisão da própria crítica21 .

Esta breve passagem sobre a crítica dos romances levanta aspectos que

sem dúvida alguma são essenciais e que apontam para as características mais

marcantes das obras publicadas por Clarice. Os pontos levantados serão o

caminho de entrada na busca do entendimento de como os textos se fragmentam

e como a partir desta fragmentação sofrem várias mudanças. O estabelecimento

do texto em Clarice Lispector percorre os espaços das revistas e dos jornais dos

anos 60-70, traçando o caminho que ora iremos percorrer.

21 Vilma Arêas, Berta Waldman, Ana Luiza Andrade, Nélida Pinõn, Norma Tasca, Samira Youssef Campedelli, Olga de Sá, Lúcia Helena, Maria José Barbosa e outras que não mencionamos aqui

26

1.4 - Crítica dos Contos

"Um homem, em Monte Cario, vai ao cassino, ganha um milhão, volta para casa e se suicida".

Tchecov

A crítica sobre os contos surge na década de 60 junto com o lançamento e

publicação do livro Laços de família. Vale lembrar novamente a importância da

crítica de Sérgio Milliet a respeito do livro anterior Alguns contos (1952) sobre o

qual anota em seu Diário Crítico importantes comentários. A capacidade inventiva

de Clarice Lispector supera o espaço do conto e a questão da moldura estreita

já aparece aqui como uma das críticas mais lúcidas, referente ao conto moderno.

Outra interrogação que Milliet faz é quanto ao teor poético embutido na prosa de

Clarice. A sugestão para uma tentativa de realização poética encontra nela um

comentário irônico e mordaz. São conhecidas de todos as condições de

aceitação da poesia no Brasil.

Mas a partir dos anos 70, os críticos "descobrem" Clarice contista, e muitos

buscam sistematizar e aprofundar o estudo do conto22 .

Benedito Nunes23 , no capítulo " A forma do conto", analisa alguns contos

dos livros Laços de família, A legião estrangeira, e Felicidade clandestina e

observa que:O conto de Clarice Lispector respeita as características fundamentais do gênero, centrado num só episódio, que lhe serve de núcleo, e que corresponde a determinado momento da experiência interior, as possibilidades da narrativa (p. 78).

22 Affonso Romano de Sant'Anna, Eduardo Portela, Fábio Lucas, Luís Costa Lima, Alfredo Bosi, Roberto Corrêa dos Santos, Massaud Moisés, Francisco de Assis Brasil, Ivo Lucchesi, Elódia Xavier, Benedito Nunes, Eliane Zaguri, Antonio Hohlfêldt e outros que, embora produzam em menor escala, não são menos importantes.23 NUNES, Benedito. Clarice Lispector. São Paulo, Quirón, 1973.

27

O conto "Amor" é tomado como exemplo de conto "(...) em que há ruptura da

personagem com o mundó." Mas "Os desastres de Sofia" mostra um outro

caminho: "O eu narrador é, pois, sujeito e o objeto da história" o que na opinião

de Benedito Nunes "(...) delimita a história por uma perspectiva memorialista e

autobiográfica." E acrescenta:Em outros contos porém esta posição é de um agente emissor, que assegura à história, como em "O ovo e a galinha" e "A quinta história", por associação e por desdobramento de unidades narrativas de extensão desigual, um desenvolvimento transubjetivo, independente daquela perspectiva. O primeiro conto,“O ovo e a galinha" (LE), é todo um jogo de linguagem entre palavra e coisa. "A quinta história" e as quatro ou mais possíveis histórias desencaixadas correspondem a uma só história (p. 87- 88).

Nos dois casos, acrescenta Benedito, (...) “é o sujeito que se narra, fazendo

de sua experiência a condição de possibilidade de todas as histórias” (p.91).

O ensaísta faz, portanto, no que diz respeito à história e à posição do

narrador, ressalvas sobre as diferenciações específicas de cada conto.

Affonso Romano de S a n t 'A n n a 2 4 também se detém nos livros de contos,

ou seja, Laços de família e A legião estrangeira, onde pretende,Demonstrar que num nível sintagmàtico as estórias de Clarice se constróem dentro de uma Unha geral que as aproximam das narrativas de estrutura simples, e que, há a permanência de 3 ou4 funções em praticamente todas as 26 estórias, exceção talvez para "O ovo e a galinha" e "A quinta história" (p. 165).

Para Sant'Anna, "O ovo e a galinha" situa-se na fronteira intermediária entre

o que se convencionou chamar conto e crônica, e que "A quinta história" é um

evidente trabalho sobre as variantes de uma mesma história. “Estes textos não

querem ser contos ou não se esforçam para tal. Mostram a criatividade solta e

descompromissada*da autora” (p. 167).

Sant'Anna observa ainda a repetição em "O ovo e a galinha":(...) desenrola-se toda uma cartilha de alterações onde as palavras se repetem exaustivamente, porque é uma sensação idéia que ela

24 SANT’ANNA, Affonso Romano de. "Laços de família” e “A legião estrangeira". In: Análise estrutural dos romances brasileiros. Petrópolis, 1990, pp. 165-179.* O grifo é meu.

28

"procura". Se uma estória se repete na outra, se a invariância permanece, as estórias não são mais que uma só estória que se procura a si mesma como aquela "A quinta história" interminável (p. 179).

Além da repetição, há um outro traço que ele destaca: a impossibilidade de

se ler Clarice pela lógica comum. “0 texto de Clarice repõe um problema para a

crítica enquanto fazer racionalizante” (p.81).

Fica, éntão, a impressão de que a análise de Sant'Anna termina onde

justamente deveria começar. Posteriormente ele retoma a discussão dos contos

na edição crítica do romance A paixão segundo G.H. Embora Sant'Anna

desenvolva um ensaio sobre o conceito de estrutura c o m p le x a 2 5 i não utiliza

neste estudo os seus resultados, pois acaba concluindo que é mera ilusão do

crítico pensar que o estabelecimento de modelos operacionais possam dar conta

do seu objeto. Na realidade, acrescenta ele, os modelos operacionais “são um

artifício da razão que quer continuidade”, (p. 29)

Marília Rothier26 , seguindo as indicações de Sant'Anna, retoma o conceito

de estrutura complexa e aplica-o no estudo dos contos “Evolução de uma miopia”

e “A quinta história”. As colocações feitas por Rothier vem colaborar com a idéia

de que algumas estruturas mais tradicionais dentro da própria produção de

Clarice dão lugar ao que a ensaísta chama de descèntramento da narrativa.

Outros caminhos que tem marcado o gênero do conto são levantadas por

Luiz Costa Lima27: "A adesão à capilaridade do cotidiano", "o socialmente

ordinário", "o coloquialismo" (p.183). Estas são as vias abertas por Mário Andrade

contista, que segundo Costa Lima "é Clarice a que melhor realiza" (p. 186).

25 O conceito de estrutura complexa retiramos do ensaio de SANT’ ANNA, Affonso Romano de publicado na Revista de cultura, Petrópolis, Vozes, n.4, maio, 1972, p.21-31. "A narrativa de estrutura simples acha-se ligada ao mito e ideológico, e pretendendo ser uma continuidade do real termina por descentrar-se de si mesma. Situa-se no polo da denotação e do significado. A narrativa de estrutura complexa é uma ruptura com o ideológico na sua versão do real e distancia- se do mítico para se desenvolver no imaginârío-em-aberto" p.23.26 ROTHIER, Marília. “Contribuição para uma análise da narrativa de estrutura complexa”. In: Littera, Rio de Janeiro, n. 10,1974, pp. 31-45.27 LIMA, Luiz Costa. "O conto na modernidade brasileira". In: O livro do seminário. São Paulo, n.14, 1982, pp.183-86.

Anotaria ainda a contribuição de Fábio L u c a s 2 8 qUe, em estudos mais

recentes, levanta as questões da forma e do gênero que, nos textos de A legião

estrangeira e Onde estivestes de noite extrapolam qualquer classificação. Grosso

modo (ele diz) : “(...) a ficção de Clarice ofende a forma canônica do conto,

especialmente aquela derivada dos preceitos clássicos e dos de Poe”.

E insiste "(...) se pode perfeitamente ler no inconformismo de Clarice

Lispector a imagem implícita de uma insatisfação com os valores canônicos”

(p.55).

Esta colocação de Fábio Lucas faz o corte entre os contos que seguem o

movimento do conto tradicional e os contos que "fogem" àquela postura

colocadas por Benedito Nunes e Romano de Sant’Anna.

Também a importante colaboração de Roberto C. dos S a n t o s 2 9 vem

acrescentar a esta discussão outros elementos que mostram que cada texto de

Clarice é um novo raiar, e qualquer outra possibilidade poderia "( ) abafar a

‘pulsação’ sempre inteiramente diferenciada sob o véu de uma semelhança...", o

que o faz afirmar que "os textos de Clarice são fragmentos de perguntas e de

respostas*, como ondas", (p. 74).

O ensaio de Márgara R u s s o tto ^ O sobre as imagens que se tecem a partir

das narradoras mostram “que se quer narrar como se vive: obscura, selvagem e

anonimamente, como os cavalos selvagens que correm por toda a noite e

descansam ao amanhecer. ”(p.88). É visível a recusa da escritora em participar do

procedimento intelectual institucionalizado como uma forma de "não se deixar

sufocar pela rigidez do molde interior".

28 LUCAS, Fábio. "Clarice Lispector e o impasse da narrativa contemporânea". In: Revista travessia, Florianópolis, n.14,1987, pp.46-62.29 SANTOS, Roberto Corrêa dos. "Clarice, a autora, a obra, a literatura". Lendo Clarice Lispector. São Paulo, Atual, 1987, pp.72-80.*0 grifo é meu.^RUSSOTO, Márgara. "La narradora: imágenes de la transgresión en Clarice Lispector". In: Revista remate de males, Campinas, UNICAMP, 1991, pp. 85-93.

30

A insistência em filiar Clarice à tradição e aos modelos já existentes é uma

preocupação constante em muitos dos trabalhos lidos. Por isso seria importante

afirmar que o melhor momento da crítica brasileira, e aqui concordo com Silviano

Santiago31 , é aquela que busca entendê-la não a vinculando a esta ou aquela

influência (quase sempre européia), mas a que percebe que :(...) a obra de arte se organiza a partir de uma meditação silenciosa e traiçoeira que surpreende o original nas suas limitações, desarticula-o e rearticula-o consoante a sua visão segunda e meditada da temática apresentada em primeira mão na metrópole (p. 58).

A crítica feminista, no Brasil, submete a uma leitura os romances e os

contos de Clarice à luz de novas teorias. Estas teorias, empenhadas em elucidar

a questão do gênero e das questões mais específicas da literatura escrita pelas

mulheres, vêm avançando e desenvolvendo dentro da nossa realidade,

pesquisas que à cada dia nos fazem compreender melhor a história e a literatura

das mulheres. A exemplo, Nádia B. Gotlib32 tem feito um trabalho sistemático e

relevante que faz avançar esta discussão, estabelecendo ò confronto com o já

dito e resgatando a amnésia histórica da qual tem sido vítima a literatura das

mulheres escritoras.

Nádia B. Gotlib33 não hesita em datar e vincular A paixão segundo G.H. a

um importante momento histórico e de falar de Clarice Lispector como uma

escritora pioneira no,(...) exercício de liberdade, projeto de restauração de energias abafadas por um complô mantido por diversos agentes repressores, prova de resistência contra o instituído, só possível, naturalmente, por uma nova linguagem, que subverta também as ordens do próprio sistema de representação, (p. 162)

Nádia percorre a obra de Clarice respeitando a data de publicação (o que

dá a idéia da literatura como uma "evolução") e, sempre faz referência às

31 SANTIAGO, Silviano. “Eça, autor de Madame Bovary". In: Uma literatura nos trópicos. São Paulo, Perspectiva, 1985, p.58.32 NUNES, Benedito (coord.). "Um fio de voz nas histórias de Clarice". In: A paixão segundo G.H. (ed. crítica). Florianópolis, UFSC/ UNESCO, Col Arquivos, 1988, pp. 161.-195.^ Idem , Op. cit., p.162.

primeiras edições. É visível o trabalho minucioso da pesquisadora, que vincula a

trajetória de vida de Lispector com a sua obra e o momento histórico,

correlacionando-os. Referido-se a última "fase" dos contos de Clarice, Gotlib

detecta que:(...) uma das faces da linguagem da escritora - a do feio - agora transfigurada em baixo grotesco, domina a narrativa - já sem possibilidade de confronto com o seu avesso. Não há mais paradoxo: só este grotesco de quem já experimentou e não temmais o outro, num estado de além-paradoxo.34

Sobre o conto "Onde estivestes de noite", Gotlib diz que há néle um "clima

estranho" e que neste clima surreal e difuso existe uma realidade noturna e outra

diurna. O conto é povoado por personagens esquisitos e em excesso para o

espaço do conto. As suspeitas de Nádia B. Gotlib são endossadas por Renato

Cordeiro Gomes^S na sua apresentação do livro Onde estivestes de noite

(1992), republicado pela editora Francisco Alves.

Renato C. Gomes chama a atenção para a diversidade de textos que

compõem o livro. São contos, crônicas, impressões, reflexões, fragmentos de

romance, que não apresentam unidade nem homogeneidade, embora se possam

estabelecer fios secretos que os articulam para além das classificações dos

gêneros literários. O ensaísta levanta a questão da "precariedade das

classificações" e acredita que este fato,(...) revela uma literatura em processo, num jogo intercambiante, que trabalha o inacabado, portanto sem fechamento, e realiza-se como rede, cuja léitura é travessia: errância (...). Errância que é, em síntese, indagação, com a qual se inaugura pela nomeação do título "Onde estivestes de noite".

Finaliza afirmando que “na aparente desorientação dos sentidos, estão os

fios secretos do mistério” (p. 7).

A trajetória da crítica sobre os contos teve como propósito aproximar

afirmações que ora se complementam, ora se distanciam, permitindo vislumbrar o

34 GOTLIB. op. cit, p.185.35 GOMES, Renato Cordeiro (après). “Errâncias, labirintos, mistérios". In: Onde estivestes de noite. Rio de Janeiro. Francisco Alves, 1992, pp. 1-7.

32

seu significado. Foi necessário sistematizar a crítica atual sobre os contos, pois,

além de dispersa, não há estudos sobre o seu conjunto3® . Os novos teóricos do

conto tem contribuído no sentido de uma revisão dos gêneros, na busca de uma

nova noção de texto, novas abordagens ao texto literário, especialmente o conto

e também com a produção dos mesmos3? . As modernas teorias sobre o conto

também merecem destaque, pois nelas estão sustentados os novos discursos.

36 A referência sempre recai sobre os primeiros ensaios de Antonio Cândido, Sérgio Milliet, Álvaro Lins, Gilda de Mello, Benedito Nunes, Affonso Romano de Sant’Anna, Herman Lima, Roberto Schwarz.37 Destaco os ensaios críticos e opiniões colocadas nos contos de autores como: Ricardo Ramos, Dalton Trevisan, Silviano Santiago, Marina Colasanti, Hilda Hilst, Assis Brasil, Davi Arrigucci Jr., Roberto Corrêa dos Santos, Haroldo Bruno, José Wisnik, Ricardo Piglia, Júlio Cortázar, Caio Fernando de Abreu e outros que estão mencionados na bibliografia final desta dissertação.

2o - CAPÍTULO - ALGUMAS REFLEXÕES TEÓRICAS

2.1 - A Teoria como ponto de partida

Os textos escolhidos para esta dissertação: "A quinta história", "O ovo e a

galinha", "Seco estudo dos cavalos", "O relatório da coisa", “Onde estivestes de

noite” e "Desespero e desenlace às três da tarde" foram todos elaborados ou

reescritos a partir de outros textos da escritora e neles se podem observar

mudanças profundas ou apenas de superfície. Na aproximação com os textos

reescritos foi possível observar as diferenças e estabelecer um diálogo com os

demais textos ou com o contexto.

Os textos do livro A legião estrangeira e do livro Onde estivestes de noite e

alguns outros novos de Felicidade clandestina me permite afirmar que um tom

mais denso toma espaço na linguagem dos escritos de Clarice. A idéia de uma

literatura em processo deixa em aberto as possibilidades do escritor criar e se

recriar. Esta postura é uma constante nos últimos textos da escritora.

Embora Clarice negasse o trabalho de reelaboração dos textos, e o fato de

não ter preservado quase nada dos seus manuscritos e seus datiloscritos, nesta

pesquisa que busca por seus "outros textos" percebi que a escritora não só os

reescreve mas os manipula à vontade, criando para eles um outro horizonte de

leitura. Ao fazer estas mudanças não só dá a eles autonomia mas também outro

estatuto.

Os textos são lutas. Entretanto este terreno onde acontece o combate, o

sofrimento de agonia por que passou o seu autor, estão apagados para o leitor.

Seu momento de balbucio, debilidade e incertezas são substituídos pelo estatuto

da letra impressa e da escritura na sua plenitude. O tecido textual é expurgado

de suas manchas marginais e as indecisões do autor, contidas. Nos textos

34

reescritos, via imprensa, pode-se recuperar parte destas rasuras que, por vezes,

superpõem um outrò texto na sua reescrita. A autora desconstrói sua própria

narrativa alternando possibilidades de leituras.

O agravamento da aventura do artista torna-se mais claro. A fragmentação é

cada vez mais utilizada, e a consciência de que o que busca é o ilimitado,

colocam Clarice na trilha das suas melhores descobertas. O uso de fragmentos

que fazem parte de romances como A cidade sitiada e depois de A paixão

segundo G.H. não são casos isolados na obra de Clarice Lispector, o que me

permite afirmar que este recurso torna-se de fundamental importância, porque ele

fará circular nos outros textos a voz do texto anterior ou, ainda, criar um espaço

de dimensões múltiplas através da mescla dos discursos. Estas modificações

funcionam como um jogo de transparências onde o sentido "apagado" tece a

presença de novos territórios e as ligações com outros contextos.

Ao lançar mão de um arcabouço teórico não pretendo com ele vestir uma

camisa de força mas, em sentido inverso, usá-lo para fazer reflexão sobre o que

foi modificado/reavaliado nos textos de Lispector.

A leitura que chamarei de superfície se contrapõe àquela que se encontra

no subtexto; portanto um dos fundamentos desta discussão será desarticular a

compreensão da realidade como o absolutamente visível, isto é, de que o texto

"reflete a história" ou o mundo formal do texto e suas modas. Busco compreender

o texto enquanto concreto, isto é, desvendar a realidade enquanto sociedade

imaginária, rede invisível que cria acessos à própria realidade, que é a meta da

arte. O real seria a parte de "fora" do concreto, ou o que costumamos chamar de

r e a l is m o 3 8 em arte. O fundamento da realidade se encontra justamente nesta

38 CORTÁZAR, Júlio O conceito de realismo que utilizarei foi proposto em seu livro no capítulo 6 intitulado: "Alguns aspectos do conto". In: Valise de cronópios São Paulo, Perspectiva, Col. debates, 1974, pp. 148-49.Explica Cortázar: Quase todos os contos que escrevi pertencem ao gênero chamado fantástico por falta de um nome melhor, e se opõem a esse falso realismo que consiste em crer que todas as coisas podem ser descritas e explicadas como dava por assentado o otimismo filosófico e científico do século XVIII, isto é, dentro de um mundo regido mais ou menos harmoniosamente por

35

rede simbólica cuja criação coletiva nos remete à história. É neste sentido que a

história é transformada em texto. Para retirar a camada do real e chegar ao

concreto é necessário, portanto, entender a rede de complexidade que envolve a

realidade para então fazer surgir o concreto.

O conceito de concreto tomaremos emprestado de Karel Kosik3^ que diz:O pensamento que quer conhecer adequadamente a realidade, que não se contenta com os esquemas abstratos da própria realidade, nem com suas simples e abstratas representações, tem de destruir a aparente independência dos contatos imediatos de cada dia. O pensamento que destrói à pseudoconcreticidade para atingir a concreticidade é ao mesmo tempo um processo no curso do qual sob o mundo da aparência se desvenda o mundo real (p. 16).

Outro aspecto importante será abandonar a idéia do conto enquanto

estrutura formal, pois a estrutura passa a ser mera convenção didática. O conto

aberto é aquele que não diz tudo e, dado o seu rico material, deixa outros

sentidos superpostos. O conto fechado seria aquele que está acabado, isto é, ele

não nos obriga buscar outras significações, embora elas possam até existir.

Diante da noção de conto (noção tradicional) não mais cabível no caso,

como já apontaram diversos críticos, substituiremos por outra plural, isto é, a

noção de texto^O.

O texto em Clarice é um tapete de muitos fios, que sugere sempre

mudanças no ato de fiar. O tecido se arma pelo avesso, onde o esboco do

desenho aparece enleado em tantos fios que não se podem enxergar. Ao tentar

estampar a idéia, Clarice esgarça o tecido ao invés de fechá-lo. Este gesto funda

um sistema de leis de princípios, de relações de causa a efeito, de psicologias definidas, de geografias bem cartografadas. No meu caso, a suspeita de outra ordem secreta e menos comunicável, e a fecunda descoberta de Alfred Jarry, para quem o verdadeiro estudo da realidade não residia nas leis, mas nas exceções a essas leis, foram alguns dos princípios orientadores da minha busca pessoal de uma literatura à margem de todo um realismo demasiado ingênuo"A visão de Cortázar sem dúvida encontra-se com Clarice, que deixou sempre muito claro sua predileção pela exceção.^KOSIK, Karel. Dialética do concreto. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1976, p. 16.40 BARTHES, Roland: Rumor da língua. São Paulo, Brasiliense. 1988, pp. 68-73.O conceito de texto elaborado pelo autor no capítulo "Da obra ao texto" empresta-nos a possibilidade de criar outra noção de texto mais cabível para os casos em estudo.

36

o princípio do texto que, com outras transparências, faz aparecer o Texto. A

autora tece no in ou no des, substituindo a idéia do texto totalmente acabado. Em

Clarice o texto é movente, onde outros possíveis textos vão se tramando

silenciosamente.

O caminho do conto, na versão moderna, segundo Ricardo Piglia^l(...) vem de Tchecov, Katheríne Mansfíeld, Sherwood Anderson, o Joyce de Dublinenses, que abandona o final surpreendente e a estrutura fechada e trabalha com a tensão entre duas histórias sem nunca resolvê-las (p. 39).

A história secreta é contada de uma maneira cada vez mais alusiva, mas

que paradoxalmente ilumina algo oculto, isto é, coloca à superfície uma verdade

oculta, ou o que Piglia chama de "iluminação profana", acabando por revelar a

forma do conto. Em “O ovo e a galinha”, embora haja uma “história secreta”, a

narradora luta para se desvencilhar deste peso. Não há o desejo de se encontrar

a verdade oculta, mesmo porque no desenredamento do possível real a

narradora encontra-se no mesmo lugar da partida. Esta circularidade aponta para

uma visão do universo sempre em movimento, onde a dinâmica do Tempo supera

qualquer tentativa de paralisação.

A elaboração dos textos encontra em "A quinta história" uma estratégia

exemplar do modo como Clarice realiza suas narrativas. A aproximação lenta e

gradual do que quer se aproximar é uma viagem para dentro do ato de narrar.

Narrativa concêntrica que se enrosca para um mergulho onde a dispersão tem

um lugar privilegiado em detrimento da ação. Ao investigar o uso deste modo

inusitado nos textos, Benedito N u n e s ^ 2 atesta que, ao naufragar na

introspecção, o narrador chega ao(...) subsolo escatológico da ficção, nas águas dormidas do imaginário, comuns ao sonho, aos mitos e às lendas, a voz reconstruída de quem narra só poderá ser uma voz dubitativa,

41 PIGLIA, Ricardo. "Teses sobre o conto". In: O laboratório do escritor. São Paulo. Iluminuras, 1994, pp. 37-41.42 NUNES, Benedito. “Clarice Lispector ou o naufráfio da introspecção”. In: Revista remate de males, Campinas, UNICAMP, 1989, pp. 68-70.

37

entregue à linguagem - aos poderes e a impotência da linguagem, distante e próxima do real, extralingüístico, indizível (p. 68).

Estabelecer uma ligação entre o modo de percepção e o aspecto

fragmentário dos textos de Clarice implica em mostrar uma libertação de sua

própria criação enquanto escritora, e também em reconhecer que nesta

dispenso/fragmentação se apoia num trabalho negativo, enquanto sua voz seh ■

japroxima do real extralingüístico e indizível. 0 trabalho negativo da criação

busca, nas palavras de Fredric Jameson43 ,(...) o modo predominante de expressão de um mundo no qual as coisas, não importa por que motivo, divorciaram-se completamente dos significados, do espírito, da genuína existência humana ou ainda (...) o modo privilegiado de nossa vida no tempo, um canhestro decifrar designifícado de momento em momento, uma penosa tentativa de restaurar uma continuidade em instantes heterogêneos e desconexos.

Tentar compreender a fragmentação dos textos de Clarice não implica em

estabelecer uma ligação com o momento singular por que passa o Brasil dos

anos 70 mas, como explica Davi Arrigucci Jr.^4. “Ele está na amplitude da

história do capital e na impossibilidade da gente dizer, num determinado momento

a totalidade”.

Segundo Walter— B e n ja m in 4 ^ a alegoria exprime a experiência do

sofrimento, da opressão, do negativo enquanto trabalha com os resíduos^os

fragmentos, as ruínas. Como arte simbólica ela promete e antecipa a felicidade, a

liberdade, a reconciliação e a realização. Mas o símbolo apresenta a arte como

algo que atemporaliza e universaliza. Um dos fundamentos do alegórico é

principalmente o símbolo, com que jamais se institucionaliza, mas que se abre

para o histórico, para o humano, o temporal e o eterno, o consciente e o

inconsciente, o racional e o irracional. Sem o símbolo ele se torna mero espelho

emblemático da realidade. E o procedimento alegórico, incluindo o símbolo, o

arquétipo, o mito, não exclui ideologicamente a história e o histórico. Pelo

^JAMESON, Frédric. Marxismo e forma. São Paulo, Hucitec, 1985, p.62.44ARRIGUCCI JR., Davi. Achados e perdidos. São Paulo, Pólis* 1979, p.95.45 BENJAMIN, Walter. Origem do drama barroco alemão. São Paulo, Brasiliense, 1984, p.206.

38

contrário, exige o histórico, mas não o histórico enquanto somente real, mas

fundamentalmente o histórico enquanto concreto. O eterno, "o universal", o

atemporal do símbolo não pode ser excluído do concreto, sob pena dev cedermos

de vez ao ideológico. Se o símbolo faz parte do ideológico, mesmo assim não se/reduz a ele. Só o símbolo pode tentar unir o fragmentário e fugir da ideologia. O

símbolo seria a ponte que se estabelece entre o fragmento e a a l e g o r i a .46

Os textos de Clarice, como os de Benjamim, se apresentam fragmentários,

nostálgicos de uma totalidade perdida. Como o crítico, Clarice se utilizou das

chamadas imagens de pensamento: “(...) uma composição conste/acionai de

fragmentos” e que neles reproduz “(...) o ritmo acelerado e a simultaneidade das

sensações da grande cidade contemporânea.” Neles existe “um movimento de

dispersão mas também um contraponto”. ”47

O tipo de vida urbana estabelecida pelo desenvolvimento industrial e a

imigração de grandes massas populacionais de baixa qualificação criou, para o

próprio homem moderno, a cela em que se encontra enjaulado. Willi Bolle^S _ ao

elaborar seu estudo sobre a fisiognomia das metrópoles modernas, explica como

Walter Benjamin observou o nascimento da consciência urbana moderna. As

novas condições de produção literária, marcadas pela implantação do sistema

capitalista e as inovações técnicas, fizeram mudanças substanciais no campo das

comunicações. Os jornais atraíram multidões de leitores, fazendo deste veículoè"

um meio para as novas formas de criação. Este fato veio colaborar com o

aparecimento do estilo folhetinesco, ou seja, um texto mais leve e diversificado

que permitia um envolvimento mais próximo entre o leitor e o texto escrito. Nos

46 O resumo de diversas leituras e discussões sobre a alegoria e o símbolo tomaram o entendimento dos textos mais tangíveis e mais próximos de nosso propósito que seria tentar uma aproximação entre o grotesco e o alegórico; ou se fosse possível tentar conceituar um grotesco- alegórico.47 NOVAES, Adauto (org.),“ Alegoria, imagens, tableau”. In: Artepensamento. São Paulo, Companhia das letras, 1994, pp.411- 432.48 BOLLE, Willi. A fisiognomia da metrópole moderna. São Paulo, FAPESP/EDUSP, 1994, p.77,395.

39

dias de hoje este papel está reservado para a crônica. Deste modo, o gênero do

romance folhetim estaria para o século XIX assim como a crônica está para o

século XX. A investigação deste gênero pode muito nos esclarecer sobre o

imaginário social que habita a crônica dos nossos tempos.

Ao utilizar-se do espaço do jornal Clarice faz mais do que um elo com o

leitor. Ela o transporta para um universo mais denso que a simples diversão ou

informação, corroendo o espaço jornalístico no seu utilitarismo, desafiando o

senso comum que afirma que tais leitores "não alcançariam tal literatura".

Outro conceito que utilizarei neste trabalho, mais ligado ao texto "Onde

estivestes de noite", será o de grotesco. Enquanto categoria estética, o grotesco

teve que sofrer uma revisão na busca de subsídios para a análise. Observando o

caminho por onde percorre a teoria, foi possível constatar que este conceito

passou por diversas modificações que vão desde o grotesco como algo

absolutamente visível, até um grotesco de caráter mais abstrato. Neste processo

de mudanças outros sentidos vão sendo acrescentados aos já estabelecidos.

Existe, entretanto, entre eles um componente comum: é a visibilidade daquilo que

é chamado de grotesco. Explico: o vocábulo grotesco pode ser a junção do

humano e do animalesco, uma das gradações da caricatura, o horripilante

inconcebível, o fantasticamente bizarro, o extravagante, o ridículo, o

sobrenatural, o absurdo, o esquisito. O vocábulo, como se pode constatar, cobre

um vasto campo, e, conforme percebeu Wolfgang K a y s e r ^ 9 , não acompanha a

evolução do conceito que foi elaborado através das artes plásticas e da literatura.

Alguns conceitos de grotesco utilizados por Kayser podem nos auxiliar no

desdobramento deste texto:A palavra grotesco pode ser empregada em dois planos: para designar uma situação concreta , na qual a ordem do mundo saiu fora dos eixos, e para designar o teor de histórias inteiras, onde se narra o horripilante inconcebível, o noturno inexplorâvel e, às vezes, o fantasticamente bizarro (p. 76).

^KAYSER, Wolfgang. O grotesco. São Paulo, Perspectiva, 1986, pp. 11-51.

40

O plano que nos interessa é aquele em que a ordem do mundo é

desestabilizada e uma fenda parece se abrir no cotidiano arrancando-o da sua

mesmice, permitindo vislumbrar a face interditada pela ordem do sistema no qual

estamos inseridos.

Ao retirar de seus textos o belo retira também de seus personagens a capa

da aparente normalidade. Em “Onde estivestes de noite", os personagens

revelam cicatrizes e traços imprégnando-os de uma dupla natureza. O normal é

ao mesmo tempo, o monstro. A transfiguração do humano revela a densidade do

drama grotesco, cada dia mais contundente. Ele não precisa da aparência do

sobrenatural para ser temível. As vestimentas do grotesco se apropriam das mais

diversas faces da narrativa fazendo, de todos, um único personagem. A fades

que se perde na multidão ou no anonimato é aquela cuja identidade desliza para

o território da mais completa desfiguração. O mistério que sustenta o eixo da

pergunta "Onde estivestes de noite?” não é necessário responder. A

“concreticidade” destes textos se apoia nesta procura da coisa impronunciável.

Aquilo que não se pronuncia é que grita por existir.

2.1.1 - O Descentramento da Narrativa

O que estes textos de Clarice provocam num primeiro momento é um estado

de estranheza. Enfrentá-los é antes de tudo despojar-se do já conhecido."Ver

com os olhos livres" diria Oswald de Andrade.

Um "conto" pode ser um relatório, um estudo, uma ruminação sobre o

ovo, cinco parágrafos - textos ou uma pergunta: Onde estivestes de noite?

O sentido contido nestas palavras chaves são claramente uma opção por

escavar possibilidades. O que há por trás de um suposto relatório ou um estudo

41

de cavalos? Ou ainda, o que um ovo pode significar? Não há como seguir o

caminho da lógica comum pois a lógica que regula estes textos é insólita.(...) ovo visto, ovo perdido (p.55))

Entender é a prova do erro (p. 56)

(...) a veracidade do ovo não é verossímil (58).

(Nossa garantia é que ele não pode: não pode é a grande força do ovo: sua grandiosidade vem da grandeza de não poder, que se irradia como um não querer.) ( p. 58)50

*Terreno movente onde, ora a linguagem mergulha fundo, ora fica no raso ou

"(...) num espaço de desistência misterioso", mas ao mesmo tempo "(...) num

perseverar obstinado", segundo palavras de Ettore Finazzi-Agro51 . O paradoxo

(este extremo do discurso) é mais do que um indício da mobilidade destes textos.

Ele é o terreno fértil para uma abordagem da crise. Ivo L u c c h e s i5 2 t ao se referir

à crise da escritura, nos lembra que : ^A narrativa moderna faz da estruturarão caótica sua expressão estética: a presença do signifícarrte estético origina-se, pois, da ausência do significado da realidade. Como conseqüência, o narrar se toma o ato da dúvida, e a narrativa, o espaço do re­conhecimento, razão por que entre o narrador e a escritura se instaura uma relação especular na tentativa de resgatar a identidade e o sentido de uma existência agônica e insular.

A linguagem revela os sintomas de uma realidade complexa, e seu registro

passou por uma análise minuciosa de Olga de Sá53 que detecta:(. ..) o estilo de Clarice é pontuado de contrastes e analogias, que se traduzem, os primeiros, em oxímoros e paradoxos, e as segundas, em comparações e metáforas. A retórica tradicional classifica o oxímoro e o paradoxo como variantes da antítese, refletindo uma realidade múltipla e contrastante, que corresponda, no espírito humano, à necessidade de compreender uma idéia por oposição à outra.

50 LISPEGTOR, Clarice. A legião estrangeira. Rio de Janeiro, Editora do autor, 1974.51 FINAZZI-AGRO, Etore,“O fundamento híbrido: a memória como abandono em Clarice Lispector e Nélida Pinõn”. In: Anais da ABRALIC. Literatura e memória cultural. Belo Horizonte, v.1, 1991, pp.411-423.52 LUCCHESI, Ivo. Crise e escritura: uma leitura de Clarice Lispector e Virgílio Ferreira. Riode Janeiro, Forense Universitária, 1987, p.7.53 SÁ, Olga de, A escritura de Clarice Lispector. Petrópolis, Vozes, 1987, pp.143-44.

42

Ao criar a "metáfora estranhada", Clarice nos dá a dimensão da

complexidade do mundo. A metáfora estranhada seria esta face antinômica cuja

síntese não é possível elaborar, mas que mostra as contradições que ela

carrega. O estranhamento surge como uma condição para jogar o leitor no

terreno cediço e poroso. Ao libertarmos nossa percepção enfraquecida pela

repetição, a leitura de "O ovo e a galinha" nos devolve ao que é vivo, isto é, a

suspeita de uma nova face, "como se o mundo se mostrasse inesperadamente

fora dos eixos, desquiciado, isto é, numa revelação"54 . O ovo, a barata anunciam

um tempo de rupturas. É a ruptura do espaço conhecido ou, como disse

Bachelard55 , "o transporte do ser para fora da duração comum do tempo", que

será sempre o tempo indireto e "por sua própria natureza sempre

inalcançâvel"^6 ....

Na excelente introdução ao Dicionário de símbolos, Jean Chevalier5?

começa dizendo o seguinte:Hoje em dia, os símbolos gozam de nova aceitação. A imaginação já não é mais desprezada como a louca da casa. Está reabilitada, L considerada gêmea da razão, inspiradora das descobertas e do progresso. J

Nesta afirmação é possível que esteja o germe para o entendimento dos

textos citados para análise. Mas para se chegar ao "centro da terra" foi preciso

que a ciência comprovasse pouco a pouco aquilo que a imaginação pressentiu.Deve-se essa aceitação, em grande parte, às antecipações da ficção que a ciência comprova pouco a pouco, aos efeitos da dominação atual da imagem que os sociólogos estão tentando medir, às interpretações modernas dos antigos e ao nascimentodos mitos modernos, às lúcidas explorações da psicanálise

54 ARRIGUCCI JR., Davi. "Encontros com o narrador". In: Revista estudos, n.9 ,1973, p.30.55 OLIVEIRA, Maria Elisa de. "O tempo vertical e a dimenão poética na obra de Clarice Lispector: uma leitura bachelardiana". In: Revista trans/forma/açio. São Paulo, n. 16,1993, p.109.^LISPECTOR, Clarice. Onde estivestes de noite. Rio de Janeiro, Artenova, 1974, p.61.57 CHEVALIER, Jean & GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos. Rio de Janeiro, José Olympio, 1994, p. XII.58 Idem, op. cit, p. XII.

43

Vem contribuir com esta proposta o ensaio de Marília Rothier5 9 , ao se

referir a uma passagem do livro To the Lighthouse de Virgínia Woolf:A personagem se ocupa em pintar um quadro e sente-se aliviada quando consegue colocar uma árvore no centro. Moldura e centro - dois aspectos da mesma experiência limite.

Ela lembra que um movimento de ruptura vem questionar a fixidez do

centro. Em Ulysses, Memórias Póstumas de Brás Cubas, (só para citar alguns

exemplos) nem Joyce nem Machado colocam a árvore no centro, isto é, recusam

o molde que lhe oferece o real. Estratégia esta muito bem descrita por Michel

Focautl quando trata da pintura de Las Meninas de Velásquez. A este respeito

comenta Rothier60:Ao invés de representar o texto o centro exterior que lhe impunha a tradição - o rei cercado por sua corte - o artista desloca tal ponto de referência, restringindo-o a um reflexo no espelho colocado como falso centro. Temos assim a representação do reflexo do representado (p31).

Ao reispecionar a tradição em “A quinta história”, Clarice acha o caminho

para o impasse e se apropria desta possibilidade ao desinteressar-se dos apoios

da narrativa tradicional. Em "0 ovo e a galinha", Clarice assume este nada e, ao

reivindicar este vazio, nos indica o quanto podemos revesti-lo de concretude,

mesmo na falta da matéria. Na busca de uma maneira de superar o centro, o

artista traz à tona uma outra forma de revelar a realidade: tentativa esta de

superar o império da razão.

Este olhar lançado sobre o vazio, sobre o insignificante, sobre o detrito,

somos nós. Não temos mais a moldura e o centro. Nós somos o quadro®1 .

Na construção destes textos, seja na forma espiralada como em “A quinta

história", seja na forma que se retalha como em "Onde estivestes de noite", fica

explicitado um desejo de destruição do tecido enquanto peças arranjadas num

59 ROTHIER, Marília. “Contribuição para uma análise da narrativa de estrutura complexa”. In: Revista Littera. Rio de Janeiro, n. 10,1974, p.30.60 ROTHIER. op. cit. p.31.61 JABOR, Arnaldo. As canibais estão na saia de jantar. São Paulo, Siciliano, 1993, p. 156.

44

sentido. O sentido é substituído pelas múltiplas possibilidades: o texto se lança

numa abertura utópica para dar futuro ao passado. Embora aposte na

reconstituição da totalidade, só é possível traduzir com os resíduos pois que a

ideologia fragmenta o todo. Esta radicalidade expressa-se pelo abandono da

busca do sentido: Clarice empreende uma viagem além do tempo, libertando-se.

3o - CAPÍTULO: CONFRONTO E ANÁLISE DOS TEXTOS

3.1 - A Quinta História ou Cinco Relatos de um Tema

A publicação deste texto aparece pela primeira vez na revista Senhor em

1962. Será republicado no livro A legião estrangeira em 1964 e o corpo do texto

será mantido sem alterações. Más na sua republicação em o Jornal do Brasil (1969)

e em A descoberta do mundo (1984) haverá a alteração do título para "Cinco relatos

um tema". A reedição do texto nos livros Felicidade clandestina (1971) e A imitação

da rosa (1973) permanecerá sem nenhuma alteração.

É possível afirmar que o embrião do texto "A quinta história" seja a receita que

Tereza Quadros - um dos pseudônimos de Clarice Lispector no semanário O

comício (RJ) anos 50 - deu às leitoras. Segue-se o texto da receita na íntegra:.62

MEIO CÔMICO, MAS EFICAZ...

De que modo matar baratas? Deixe todas as noites, nos lugares preferidos por

estes bichinhos nojentos, a seguinte receita: açúcar, farinha e gesso, misturados em

partes iguais. Essa iguaria atrai as baratas que a comerão radiantes. Passado

algum tempo, insidiosamente o gesso endurecerá dentro das mesmas, o que lhes

causará morte certa (p.25).

"A quinta história" começa então com uma receita sobre como matar baratas. A

partir de ingredientes banais Clarice escreve um texto mais elaborado.63 .

A QUINTA HISTÓRIA (LE)64 j,

62 NUNES, Aparecida Maria. “Clarice Lispector: uma trajetória’’. In: Revista Mogi das Cruzes, n.3, 1992, pp. 17-32.63 Além de usar o pseudônimo de Tereza Quadros no semanário O comício, Clarice atuou comoconselheira em outros jornais e usou outros pseudônimos como Helen Palmer na coluna "Feira de utilidades" no Correio da Manhã.Foi ainda ghost writer da atriz e manequim llka Soares na coluna "Só para mulheres" no Diário da Noite (RJ) nos anos 60.

46

Esta história poderia chamar-se "As Estátuas". Outro nome possível é "O

Assassinato". E também "Como Matar Baratas". Farei então pelo menos três

histórias, verdadeiras porque nenhuma delas mente a outra. Embora uma única,

seriam mil e uma, se mil e uma noites me dessem.

A primeira, "Como Matar Baratas", começa assim: queixei-me de baratas. Uma

senhora ouviu-me a queixa. Deu-me a receita de como matá-las. Que misturasse

em partes iguais açúcar, farinha e gêsso. A farinha e o açúcar as atrairiam, o gêsso

esturricaria o de-dentro delas. Assim fiz. Morreram65 .

A outra história é a primeira mesmo e chama-se "O Assassinato". Começa

assim: queixei-me de baratas. Uma senhora ouviu-me. Segue-se a receita. E então

entra o assassinato. A verdade é que só em abstrato me havia queixado de baratas,

que nem minhas eram: pertenciam ao andar térreo e escalavam os canos do edifício

até o nosso lar. Só na hora de preparar a mistura é que elas se tornaram minhas

também. Em nosso nome, então, comecei a medir e pesar ingredientes numa

concentração um pouco mais intensa. Um vago rancor me tomara, um senso de

ultraje. De dia as baratas eram invisíveis e ninguém acreditaria no mal secreto que

roía casa tão tranqüila. Mas se elas, como os males secretos, dormiam de dia, ali

estava eu a preparar-lhes o veneno da noite. Meticulosa, ardente, eu aviava o elixir

da longa morte. Um mêdo excitado e meu próprio mal secreto me guiavam. Agora

eu só queria gèlidamente uma coisa: matar cada barata que existe. Baratas sobem

pelos canos enquanto a gente, cansada, sonha. E eis que a receita estava pronta,

tão branca. Como para baratas espertas como eu, espalhei hàbilmente o pó até que

este mais parecia fazer parte da natureza. De minha cama, no silêncio do

apartamento, eu as imaginava subindo uma a uma até a área de serviço onde o

escuro dormia, só uma toalha alerta no varal. Acordei horas depois em sobressalto

^LISPECTOR, Clarice. “A quinta história”. In: A legião estrangeira , Rio de Janeiro, editora do Autor, 1964. O texto foi retirado da primeira edição.e a acentuação ortográfica permanece como da época em que foi publicado o livro.65 Este trecho do texto guarda enorme semelhança com a receita que Clarice publica no semanário O comício.

47

de atraso. Já era de madrugada. Atravessei a cozinha. No chão da área lá estavam

elas, duras, grandes. Durante a noite eu matara. Em nosso nome, amanhecia. No

morro um galo cantou.

A terceira história que ora se inicia é a das "Estátuas". Começa dizendo que

eu me queixara de baratas. Depois vem a mesma senhora. Vai indo até o ponto em

que, de madrugada, acordo e ainda sonolenta atravesso a cozinha. Mais sonolenta

que eu está a área na sua perspectiva de ladrilhos. E na escuridão da aurora, um

arroxeado que distancia tudo, distingo a meus pés sombras e brancuras: dezenas

de estátuas se espalham rígidas. As baratas que haviam endurecido de dentro para

fora. Algumas de barriga para cima. Outras no meio de um gesto que não se

completaria jamais. Na bôca de umas um pouco de comida branca. Sou a primeira

testemunha do alvorecer em Pompéia. Sei como foi esta última noite, sei da orgia

no escuro. Em algumas o gêsso terá endurecido tão lentamente como num processo

vital, e elas, com movimentos cada vez mais penosos, terão sofregamente

intensificado as alegrias da noite, tentando fugir de dentro de si mesmas. Até que

de pedra se tornam, em espanto de inocência, e com tal, tal olhar de censura

magoada. Outras — subitamente assaltadas pelo próprio âmago, sem nem sequer

ter tido a intuição de um molde interno que se petrificava! — essas de súbito se

cristalizavam, assim como a palavra é cortada da bôca: eu te... Elas que, usando o

nome de amor em vâo, na noite de verão cantavam. Enquanto aquela ali, a de

antena marrom suja de branco, terá adivinhado tarde demais que se mumificara

exatamente por não ter sabido usar as coisas com a graça gratuita do em vão: "é

que olhei demais para dentro de mim! é que olhei demais para dentro de ..." — de

minha fria altura de gente olho a derrocada de um mundo. Amanhece. Uma ou outra

antena de barata morta freme sêca à brisa. Da história anterior canta o galo.

A quarta narrativa inaugura nova era no lar. Começa como se sabe: queixei-

me de baratas. Vai até o momento em que vejo os monumentos de gêsso. Mortas,

sim. Mas olho para os canos, por onde esta mesma noite renovar-se-á uma

população lenta e viva em fila indiana. Eu iria então renovar tôdas as noites o

48

açúcar letal? como quem já não dorme sem a avidez de um rito. E tôdas as

madrugadas me conduziria sonâmbula até o pavilhão? no vício de ir ao encontro

das estátuas que minha noite suada erguia. Estremeci de mau prazer à visão

daquela vida dupla de feiticeira. E estremeci também ao aviso do gêsso que seca: o

vício de viver que rebentaria meu molde interno. Áspero instante de escolha entre

dois caminhos que, pensava eu, se dizem adeus, e certa de que qualquer escolha

seria a do sacrifício: eu ou minha alma. Escolhi. E hoje ostento secretamente no

coração uma placa de virtude: "Esta casa foi dedetizada". A quinta história chama-

se "Leibnitz e a transcendência do amor na Polinésia". Começa assim: queixei-me

de baratas.

49

3.1.1 - A Quinta História e o Processo de Elaboração do Texto

"Todas as verdadeiras histórias são uma história sem fim".

Michel Ende

0 período de gestação de "A quinta história" atravessa a década de 50-60

para finalmente implodir em mini contos que trazem no seu bojo o processo

particular de elaboração do texto. Os cinco textos independentes, e ao mesmo

tempo amarrados numa continuidade, vão se armando como se partissem de fora

para dentro, num movimento que poderíamos chamar de centrípeto, isto é, uma

viagem ao cerne do ato de narrar. Não foi despropositada a expressão "eu coso

para dentro", cujo ato trabalha para reverter a narrativa que "cose para fora", e que

nos leva a repensar o modo de produção de Clarice. E' importante observar que o

“para dentro” indica o rompimento com um caminho já trilhado. Os fios que

sustentam esta narrativa são múltiplos, o que de certa forma nos sugere aquela

rede que começa a se armar no fundo do texto.

A primeira história "Como Matar Baratas", a segunda "O Assassinato", a

terceira "As Estátuas", a quarta que chamarei de "A avidez do rito" e a quinta que se

chama "Leibnitz e a transcendência do amor na Polinésia" ou "A Mudança",

sugerem uma gradação que vai pouco a pouco entrando no "de-dentro" da arte de

como contar histórias de Clarice. "A quinta história" é um texto-chave para

compreensão deste processo. Será necessário seguir o texto para buscar nele os

elementos relevantes para a análise.

Clarice capta um objeto, uma sensação, e tenta manter a intensidade de sua

captura, num estado que Félix Gattari66 chama de qrasping , isto é, num estado

de crispação existencial. Há uma cartografia das formações subjetivas que a

^GUATTARI, Félix & ROLNIK, Suely. Micro política, cartografias do desejo. Petrópolis, Vozes, 1986, p.82.

50

diferenciam dos processos existentes. Esta manifestação funcionaria como uma

desterritorializaçãofi? , enquanto um novo modo de criação e outra percepção. O

deslocamento do nível de superfície para o nível de escarpeamento teria esta

função eo i Clarice. O modelo organizador, utilizado pela escritora num primeiro

momento, mostra a moldura e o centro. Seguindo este modelo e atravessando o

visível, aquela que só-fia escolhe contar o que não se pode ver. Esta escolha entre

outras possibilidades é que faz deste conto um caso exemplar. A opção que não

privilegia o fato (matar baratas), e sim o lançar-se no vazio, acaba por "desorganizar

a continuidade da receita" que necessita de outros ingredientes para se realizar.

Num átimo do instante, a entrada na "não m a t é r i a aciona o não visível. O

artefato se revela como não significativo. A teoria se revela no jogo de adentrar-se

no escuro, no "de dentro". É importante observar que esta subversão, na obra de

Clarice, já começa com Joana, personagem de Perto do coração selvagem (1943),

que a todo momento encontra-se no limiar do abismo. Atravessando o texto e a vida

Joana descobre que-a travessia se faz buscando sempre "(...) a profunda desordem

orgânica que no entanto dá a pressentir uma ordem subjacente ,e que terá

de fazer sempre a pergunta: e agora?

O realinhamento da narrativa se faz expondo o que há de mais íntimo, e

optando pelo abandono ao sagrado. No conto “A galinha”, do livro Laços de família,

uma galinha é poupada da morte por uma criança, ao pôr um ovo. Esta narrativa

reafirma que a salvação ainda está ligada aos princípios de uma certa moralidade.

Na história infantil, ironicamente intitulada Quase de verdade, Odisséa (uma

galinha) e Ovídio (um galo) fazem a revolução chamada quebra de ovos como

resposta à exploração da bruxa Oxéia. A salvação exige a ação. Também a

desobediência de Sofia, atrevimento em se singularizar, revela a necessidade de se

67 O termo desterritorializacão, segundo Félix Guattari, serve para mostrar como os territórios originais se abrem, isto é, se desfazem a todo momento. Neste caso o território novo seria aquele que Clarice tenta recuperar através deste movimento. Ibid. p.323.68 GUATTARI. op. cit. p.226.^LISPECTOR, Clarice. Água viva. Círculo do livro, São Paulo, 1976, p 97 -a

Biblioteca Universitária J

UFSC

51

libertar da barata. Em "A quinta história", a personagem escolhe por dedetizar sua

casa, isto é, "aceita" o seu molde interno: "E hoje ostenta secretamente no coração

uma placa de virtude"70. Não consegue, entretanto, esconder a metáfora do

desencontro entre o prazer e a norma. A baratas são exterminadas para que a

virtude sobreviva. A circularidade que se instala quando se inicia a outra história:

"Queixei-me das baratas..." deixa claro a opção por começar outras histórias que,

sem dúvida, desmentem a primeira. As reescritas são a prova mais evidente deste

percurso. Estes e outros exemplos, na escritura de Clarice, vão criando as

possibilidades de outras histórias.Meu erro é o modo como vi a vida se abrir em sua carne e me espantei, e vi a matéria de vida, placenta e sangue, a lama viva.

"Em mineirinho se rebentou o meu modo de viver".

Foi talvez por tudo o que contei, misturado e em seu conjunto, que escrevi a composição que o professor mandara, ponto de desenlace dessa história e começo de outras.

Só que naquela época eu estava começando a "tirar moral das histórias", o

que, se me santificava, mais tarde ameaçaria sufocar-me em rigidez? ? .

Faltava-lhes o peso de um erro grave, que tantas vezes é o que abre por

acaso uma porta. (...) a simetria lhes era a arte possível73 .

"A beleza de Brasília são as suas estátuas in v is ív e is .

“A coragem de ser o outro que se é, a de nascer do próprio parto, e de

largar no chão o corpo antigo.

“E dá-me o desejo que é a mola da vida a n i m a l ".

Estas conexões são redes essenciais para composição de novos textos que

vão compor os "cacos para um vitral".

O mergulho no ilimitado busca atravessar o texto e a vida. Recuando os limites

do texto não os torna menos inteligíveis, mas tenta eliminar o cerceamento e o peso

70 LISPECTOR, Clarice. A legião estrangeira. Rio de Janeiro, Editora do Autor, 1964, p.94.71 LISPECTOR, “O mineirinho”. In: Fundo de gaveta. Rio de Janeiro, Editora do Autor, 1964, p.254.72 LISPECTOR. "Desastres de Sofia”. LE, p.16.73 LISPECOR. “Os obedientes". LE, p. 104.74 LISPECTOR: “Brasília: cinco dias”. In: Fundo de gaveta, p.167.75 LISPECTOR. "A legião estrangeira”. LE. p.119.76 LISPECT0R.”0 relatório dâ coisa”. In: Onde estivestes de noite. Rio de Janeiro, Artenova s.a., 1974, p.82.

52

da tradição. A orgia do pensador é pensar além, isto é, ultrapassar qualquer

referência num estado de "além-paradoxo".

Norma Tasca?7 , ao analisar o percurso discursivo de A paixão segundo GH,

faz referência a esta "memória anafórica" usada por Clarice com bastante

freqüência, fazendo deste recurso uma característica reveladora do seu estilo. Os

textos referem-se uns aos outros, migrando de um lugar para outro, cuja técnica -

através da repetição - cria os filamentos que irão se converter nesta memória . Em

“A quinta história” o narrador diz textualmente como quem já não dorme sem a

avidez de um rito’78e, em "Seco estudo de cavalos" ele reafirma: "E a alegria

orgíaca do nosso assassinato me consome em terrível prazer".79

Esta ligação entre os romances e contos, já estabelecida por diversos críticos,

faz com que estas "repetições" tenham um caráter escavador cujo significado

parece despertar e interligar os textos, num percurso discursivo que estabelece

um sistema simbólico particular: O cavalo, a barata, o ovo, o relógio ou a coisa,

todos são elementos mediadores de um rito de passagem entre o humano e o

inumano, o desejo e a norma, o intuitivo e o racional, o repetitivo e o pulsar da

existência, o sagrado e o profano, o visível e o invisível, o real e o concreto, o dizer

e o silênciar, o seco e o úmido. As possibilidades de relações são muitas e esta

pequena amostra apenas abre esta possibilidade de ligação com os outros textos.

A busca nunca termina e em “A quinta história”, que se chama “Liebnitz e a

Transcendência do Amor na Polinésia”, outro mistério nos será dado desvendar.

Neste texto, teoria e ficção estão imbricados de tal modo que a história não

desmente à teoria, nem a teoria à história. Haveria ainda muitas outras para se

contar e a próxima poderíamos chamar de "a arte de transcender através da matéria

barata”

77 NUNES, Benedito (coord.) "A lógica dos efeitos passionais". In: A paixão segundo G.H. (ed. crítica). Florianópolis, UFSC/ UNESCO, Col Arquivos, 1992, p.270.78LISPECTOR. LE, p.93.79 LISPECTOR. OEN, p.58.

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3.2.1 - O Ovo e a Galinha: um modo de olhar o óbvio

“(...) prersevar es un mantener al margen”.

Mârgara Russotto

O texto “O ovo e a galinha” foi publicado provavelmente pela primeira vez nos

Cadernos brasileiros (R.J.) em 1963. Em 1964 aparece republicado no livro A legião

estrangeira com ligeiras modificações e com o mesmo título Uma terceira versão

aparece no Jornal do Brasil em 1969, trazendo alterações significativas no corpo do

texto e no título: "A atualidade do ovo e da galinha”. Será reeditado, postumamente,

em A descoberta do mundo em 1984 com o mresmo título. “O ovo e a galinha”

encontra-se ainda publicado em Felicidade clandestina (1971) e A imitação da rosa

(1973), uma antologia, na qual existem somente textos já publicados. Em nenhum

dos dois livros houve alterações do texto ou título.

É bastante conhecido o fato de que Clarice participou do Io Congresso

Internacional de Bruxaria realizado em Bogotá (Colômbia) em 1975. O texto foi lido

para o público e causou reação de estranheza.

O texto tomado como base para as comparações será “O ovo e a galinha”

publicado em A legião estrangeira (1964). A razão desta escolha se deve ao fato

dele ter sido publicado em livro. O acesso a este texto ficou, num primeiro momento

(CB)8i, restrito a um público reduzido.

As comparações entre um e outros tiveram como propósito tornar conhecida a

existência de seus “outros” e as modificações que vão sendo feitas através de

revistas e jornais.

A mudança do título de “O ovo e a galinha” para "A atualidade do ovo e da

galinha" e a divisão em três partes (5 jul., 12 jul., 19 jul. 1969) para a publicação no

Jornal do Brasil responde em primeiro lugar à necessidade de Clarice em adequar o

81 A partir desta nota usarei a sigla CB ao me referir à revista Cadernos brasileiros.

92

texto ao espaço do jornal. Outra alternativa seria a de não submeter o leitor de

jornal a uma leitura tão densa a ponto de cansá-lo e desistir. O leitor de crônicas

precisa ser conquistado e a estratégia necessária seria armar o gatilho do próximo

capítulo. Como faziam os românticos, a utilização do recurso do folhetim não só

funciona, como cria a possibilidade do texto ser seccionado sem nenhum prejuízo

na construção. A unidade se mantém ou ela não existe, criando para este texto um

outro estatuto: o de crônica. Outros textos sofrerão este tipo de mudança ocorrido

em "A legião estrangeira" que, não sem malícia, será chamado de noveleta e terá o

título modificado para "A princesa".

A mudança do título para "A atualidade do ovo e a galinha" lança seu olhar

para o seu outro "lugar" e trama a aproximação/rejeição entre o texto anterior e o

atual. Centralizando a atenção para o termo atualidade, observa-se que, ao fazer

uma revisão do estado das coisas, muda o olhar do narrador, pois que o modo

estabelecido para que se veja o ovo não continua o mesmo. Historicamente o texto

se move para um presente, presente.

As modificações observadas nestes dois textos criam, a princípio, algumas

oposições. Ao se referir ao ovo o narrador afirma que: "sobre a mesa vejo o ovo"

(LE) e no outro texto muda para: “sobre a mesa está o ovo” (JB) e que tal gesto

"nunca se mantém no presente" para logo desdizer afirmando "ver o ovo é sempre

hoje" e o que era “um ovo” passa a ser “o o v o ". Tais mudanças marcam um modo

de ver, uma singularização e uma modificação no modo de entender o tempo. O

verbo que indica ação, é substituído por outro que indica estado, melhor dizendo,

um ato passivo. O olhar que não se mantém recupera outro mais atualizado: é

sempre hoje. O tempo e o olhar se encontram no presente e definem o objeto: “o

ovo”.

Outras trocas vão se sobrepondo: com o ovo”;/ “sem o ovo “, “superinvisível”

/ “supervisívet“o amor pelo ovo não se sente” (impessoal), para: “o amor pelo ovo

me é” (pessoal). Ou ainda "Como o mundo, o ovo é óbvio”. (...) “Como a luz da

estrela já morta, o ovo propriamente dito não existe mais” e muda para; "Assim como

93

não se vê o mundo por este ser óbvio, não se vê o ovo porque ele é óbvio"; “O

ovo não existe mais? Está existindo neste instante” (JB).

Estas oposições se tornam tão mais reveladoras quanto mais se explicita a

crítica ao ver. "o ovo é invisível para a enorme maioria das pessoas". O ovo

expõe tudo” / “como um projétil parado no ar” / “é um jarro fechado” / “e um

matemático o desenhou".

Há a migração do narrador que faz o deslocamento de um significado para

tecer outro, onde a posição não é de um observador enredado no que vê, mas de

alguém que deixa as regras bem claras quanto ao seu posicionamento frente ao

ovo. Ver o ovo torna-se algo mais presente: "é sempre hoje", embora sua presença

cause ao narrador uma suposta indiferença: "o ovo não existe". Ele abdica do ovo:

"ficarei sem o ovo". No passado ele o viu sobre a mesa. No presente ele está sobre

a mesa. Duas posições que põe em relevo o grau de envolvimento ou não de quem

observa. 0 olhar, outra vez , muda de intensidade: "a visão é um calmo

relâmpago". Outros adjetivos e advérbios irão reforçar esta intensidade "ver

realmente o ovo é impossível”, “o ovo é superinvisível". Os acréscimos "tudo, no

ar, fechado" caracterizam ainda mais o "caráter" interior e exterior do "objeto".

O tempo do ovo é um presente que só se entenderá no instante e o instante é

futuro (pois que é uma fenda no visível), por isso está na frente: "ele é mais do que

atual: ele é o futuro". Junte-se ao fato de que "nas areias da Macedônia um

matemático desenhou-o" e não mais um homem qualquer. A precisão e a razão

que se sobrepõem ao intuitivo ou indefinido nos levam ao princípio das descobertas

na Grécia antiga e ao nascimento da tragédia. Entretanto a referência direta não é à

Grécia mas uma região específica (Macedônia) onde, não por acaso, nasceu ô

pensamento lógico. E se lá foi o ovo desenhado e calculado; pode-se' também

apontar a ironia subjacente denunciando a estagnação do ovo ou do pensamento

cristalizado pelo tempo. Neste sentido ”0 ovo ainda é o mesmo que se originou na

Macedônia”.

94

0 problema da verdade é então recolocado na versão da A descoberta do

mundo: "a verdade sempre destrói a humanidade" pois, ao se chamar o ovo de

branco as pessoas morrem para a vida e ao se chamar o ovo de ovo, esgota-se o

assunto, e o mundo fica nu. Branco e ovo, duas verdades mortais. O narrador tenta

problematizar ainda mais, através da afirmativa, o dilema filosófico já colocado na

primeira versão. O que é sugerido como possibilidade passa a ser uma afirmativa. A

forma sugerida para que se penetre no mistério é: "quebro-o na frigideira". Ela nos

aponta para um processo torto. Deste modo indireto o narrador-personagem

descentra a lógica cartesiana e delineia no texto o problema do conhecimento.

_ “Será que sei do ovo? É quase certo que sei. Assim: existo, Jogo sei".

Outros acréscimos ao texto vão reforçando a idéia de que o objeto visado é

extremamente fugidio e sua apreensão exige um estado de pseudo distração. É este

olhar distraído que põe em evidência o fragmento. Faz-se necessário colar lá e cá,

num exercício infindo de montagem para que se complete a visão: visão, como a do

cavalo de A cidade sitiada, que só se reparte.

Alguns trechos aparecem mais carregados do vestígio da linguagem feminina:

"mas perderia o ovo em parto", "Ela era só para cumprir sua missão, mas gostou",

pondo em relevo uma narradora-galinha, isto é, um pensamento que luta com a

dificuldade do ver ou "entender o que vê" 8 2 . Fica claro que a escolha, qualquer que

seja, é sempre atravessada por um modo de olhar e entender que lhe é peculiar." Mal podemos olhar o presente — a coisa em si, tão contaminados estamos pela necessidade da memória ou de nossa fome".(...) E assim, impregnados de História e de fantasmas, o perdemos: e o criamos". 83

A possibilidade de uma narradora-galinha vir-a-ser é apenas mental, isto é, a

única possibilidade existente é poder manter a luta pela vida. A crítica acirrada ao

posicionamento de submissão da galinha, toma mais consistência.

82 Em A cidade sitiada já aparece a questão da divisão que existe entre o olhar do humano e do cavalo "que não reparte o que vê", criando um vínculo de aproximação entre os dois textos.83 SANTOS, Roberto Corrêa dos. "Discurso feminino, corpo, arte gestual, as margens recentes". In: revista Tempo brasileiro. Rio de Janeiro, n.104,1991, p.62.

95

O que toma este conto significativo são seus inúmeros disfarces, (galinha =

bom disfarce). Um dos disfarces desta narrativa é a lentidão - onde se quer chegar.

A primeira pergunta que se faz ao ler este texto é: de que ovo se está falando?

É quase impossível num primeiro momento respondê-la, pois que o disfarce da

linguagem equipara-se ao da galinha. Usando deste recurso da lentidão e

fragmentação, plasma uma linguagem que Benedito Nunes chamou de "fantasia

verbal onírica". Esta linguagem feita de "frases-feitas ao disparate, da paródia

filosófica ao paradoxo" é um constante vai e vem.O cão vê o ovo? só as máquinas vêem o ovo.

Ao ovo dedico a nação chinesa.

Entender é a prova do erro.

Jamais pensar no ovo é um modo de tê-lo

visto.

A lua é habitada por ovos.

A galinha assustada. O ovo certo.

O ovo é uma exteriorização. Ter uma casca é

dar-se. 84

A lentidão provoca, por sua vez, a dis-tensão. O texto não se arma numa

lógica evolutiva, numa história, mas em trechos mais ou menos significativos,

causando também várias fraturas no que costumamos chamar de "estrutura". Não

se cria a expectativa do fim como promessa de solução do que se rumina, mas o

sentimento de verticalidade, a necessidade do pensar para dentro buscando

elementos para tecer um entendimento. Hélène Cixous85, a respeito deste texto,

diz que:Temos que salvar a aproximação que abre e dá lugar ao outro. (...) trata-se de receber a lição das coisas: Se soubermos pensar em direção da coisa deixarmo-nos chamar até ela, a coisa nos conduzirá

84 LISPECTOR, Clarice. "O ovo e a galinha". LE, p.56.85 CIXOUS, Hélène.“Clarice Lispector”. In: Tempo brasileiro, Rio de Janeiro, n.104, 9/24, jan./ mar, 1991, pp.9-23.

96

a um espaço composto pela coisa e por nós, pela coisa e por todas as coisas (p. 11).

Fica para nós esta tarefa que se parece um pouco com a de Sísifo, uma vez

que o processo de manifestação desta narrativa possui aspectos que, só se

mostram a nós, se entrarmos no seu ritmo. É preciso certo esforço para aceitar o

modo como se propõe esta narrativa, onde tudo converge para o enigma.

A técnica utilizada se parece com “A quinta história”. Lá o enunciado se

reterritorializa, aqui o enunciado alimenta o enigma em ritmo de dispersão e

acumulação.

A versão do Jornal do Brasil dividida em três partes: Atualidade I, Atualidade II

e III, não sofre com isto nenhum dano, o que me leva a questionar como um texto

tão dispersivo mantém a unidade do pensamento embora sobre ele paire a ameaça

de que vai se estilhaçar a qualquer momento. Parece que na prática o ovo-texto

pode ser fraturado, pois que é deste modo indireto que se pode criar o novo.

Na segunda parte da “Atualidade do ovo e da galinha” há uma modificação

substancial no texto, mas primeiro vejamos o que é dito na versão de A legião

estrangeira. A narradora assim se exprime: “E com o coração batendo, com o

coração batendo tanto, ela não o reconhece. De repente olho o ovo na cozinha e só

vejo nele a comida’’ (p.53)

Em “Atualidade” a narradora se coloca em outra posição.E de repente olho o ovo na cozinha e só vejo nele a comida. Não o reconheço, e meu coração bate. A metamorfose está se fazendo em mim: começo a não poder mais enxergar o ovo (p.221)

Esta mudança da narradora de terceira para primeira pessoa é também a

mudança da narradora em galinha. A metamorfose anunciada aqui mostra que, ao

passar para o estado de galinha, deixa-se de enxergar o ovo, “ porque quem

entende desorganiza”86

86 LISPECTOR, Clarice. “O mineirinho”. LE, p. 103.

97

Este texto, como os outros escolhidos, parecem trabalhar no sentido de criar

um "entrave lingüístico" e que existe "num espaço sem janela, quase sem rosto",

como afirma Fábio Lucas: "É no seu dizer que elas se fazem ver"(p.56).

A terceira e última parte do texto não apresenta mais tantas modificações, mas

os pequenos acréscimos levam sempre à idéia de que a narradora assume o

anonimato da galinha, isto é, ela aceita o mistério de ser apenas meio, e não fim e

o fato de que isto lhe dá “a mais deliciosa das liberdades”. A linguagem próxima do

coloquial deixa visível a necessidade de aproximação com o leitor, fazendo desta

proximidade um jogo de cumplicidade.

As declarações acrescentadas em “A atualidade do ovo e da galinha” incluem

também o olhar lançado sobre o humano, embora reconhecendo que são apenas

agentes, isto é, seres frágeis e incompletos. ’’Amor, sobretudo entre homem e

mulher, é quando é concedido participar um pouco mais”(JB).

Quando a narradora se olha no espelho, não vê nele seu rosto refletido: “Ou

sou um agente, ou é traição mesmo”, deixando em aberto a questão mais antiga

que pressiona o homem: “Ser ou não ser”. O personagem é então o mediador que

ao lançar a resposta atualiza o posicionamento do homem diante da vida.

Algumas considerações finais sobre o ovo.

O simbolismo em geral liga o ovo à gênese do mundo ou ainda à enunciação

de uma nova era. O ovo, de acordo com uma explicação do Dicionário de símbolos,

é considerado:

(...) aquele que contém o germe e a partir do qual se desenvolverá a manifestação, é um símbolo universal e explica-se por si mesmo. O nascimento do mundo a partir do ovo é uma idéia comum a celtas, gregos, egípcios, fenícios, cananeus, tibetanos, hindus, vietnamitas, chineses, japoneses, às populações da Sibéria e Indonésia e muitas outras ainda. O processo de manifestação possui diversos aspectos: o ovo da serpente céltico, figurado pelo ouríçordo-mar fóssil, o ovo cuspido pelo Kneph egípcio e até pelo dragão chinês, representam a produção da manifestação pelo Verbo (p. 672).

98

Todas as manifestações mostram o nascimento do mundo, o que nos leva a

supor que algo novo surge no universo. Se para reter o ovo é preciso quebrá-lo,

então este modo sugere mudanças, como no simbolismo religioso:Quebrar o invólucro do ovo eqüivale na parábola do Buda, a quebrar o samsara, a roda das existências, isto é, transcender tanto o espaço cósmico como o tempo cíclico87.

A intervenção de um outro tipo de atitude reforça a idéia de que a salvação

pode estar na criação de espaços de fuga onde os sistemas pré-estabelecidos não

vigoram. Sendo a linguagem um deles, a recusa de Clarice acha-se plenamente

formalizada.

O parentesco com alguns textos de Arthur Rimbaud88 sugere a quebra de

uma lógica para que desapareça o sentido anterior. Assim a decifração do ovo

resiste ao embate. O enigma ( in)decifrado mantém-se em luta constante.

Também em "Onde estivestes de noite" o personagem Jubileu "estalou um ovo

na frigideira" e reclama do seu abandono. Ao falar sobre sua solidão, fala por

extensão da sua exclusão de um tipo de maçonaria. A sociedade fechada nos seus

"universos de miniatura", já dito por Benjamin, não consegue ver o ovo.

Como em A peste de Camus, o enigma do ovo tem a atualidade do homem.

Entendemos como Silviano Santiago que "A trajetória do ovo é então a trajetória

mesma do enigma, pois o enigma não comporta uma chave'89 , Deste modo, "0

que eu não sei do ovo me dá o ovo propriamente dito"90.

87 ELIADE, Mircea. Imagens e símbolos: ensaios sobre o simbolismo mágico-religioso. São Paulo, Martins Fontes, 1991, p.75.88 RIMBAUD, Artur. Uma temporada no inferno. Iluminações. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1975.89 SANTIAGO, Silviano. " Euforia e desespero”. In: Folha de São Paulo. Cad. mais. 20 mar.,1994, p.5.90 LISPECTOR. LE, p.56.

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3.3.1 - Seco Estudo de Cavalos

"E/e pode alucinar só de lucidez"

José Wisnik

0 texto “Seco estudo dos cavalos”, tomado como base para análise, foi

publicado em Onde estivestes de noite (1974)95 .

A primeira versão está integrada ao capítulo “No morro do pasto” do livro A

cidade sitiada (1949)96 que é o segundo romance de Clarice Lispector. O texto do

capítulo de A cidade sitiada está contido integralmente na segunda versão do Jornal

do Brasil (1973) e na terceira republicação em Onde estivestes de noite (1974) com

muitas modificações e acréscimos97.

A paixão segundo G.H. é publicado em 1964 e uma parte de um de seus

capítulos, intitulado “O inferno é meu máximo”, será nove anos mais tarde o texto

que vai se chamar “O cavalo demoníaco”. Ele será integrado a um texto maior

chamado: “Estudo de cavalos” publicado no Jornal do Brasil em 1973. Este fato

passa despercebido, na época, pelos críticos e o fato é apontado por Zizi

Trevizan98 e Nádia B. Gotlib99 na década de 80.

95 O livro Onde estivestes de noite de onde retirei o texto para análise é da editora Artenova, Rio de Janeiro, 1974.

96 O livro A cidade sitiada consultado é da editora A noite, Rio de Janeiro, 1949.

97 O texto se encontra em alguns trechos tão modificado que deles resta apenas a intenção.

" A livro de Trevizan chama-se A reta artística de Clarice Lispector, São Paulo, Pannartz, 1987. Trevizan, entre outras coisas, fala da recorrência de certos objetos, animais e situações na obra de Clarice Lispector.

" A s indicações sobre as republicações também chamam a atenção de Nádia B. Gotlib que na edição crítica de PSGH publica um belíssimo artigo “Um fio de voz nas histórias de Clarice” onde acompanha o percurso da ciranda dos textos da escritora.

120

A versão completa, incluindo parte do capítulo de A cidade sitiada e de A

paixão segundo G.H., é a do Jornal do Brasil (1973) que traz como novidade a

divisão do texto em pequenos parágrafos e o acréscimo de subtítulos. Esta versão

não se encontra reeditada em A descoberta do mundo (1984).

A versão que aparece em Onde estivestes de noite (1974) é a última e traz

bastante modificações em relação A cidade sitiada e poucas em relação ao Jornal

do Brasil. O título do texto no Jornal do Brasil é acrescentado do adjetivo seco,

ficando então, “Seco estudo de cavalos”.

É possível que os cavalos sejam originários do Recife, isto é, da infância de

Clarice. Ela própria estabelece um dado autobiográfico a partir da crônica chamada

"Banhos de mar"100 , de onde se poderia afirmar que aquelas idas a Olinda- Recife

com seu pai, para uma temporada de banhos de mar, enriqueceria seu futuro

arsenal de "visões". Ela conta:Passávamos por cavalos belos que esperavam de pé pelo amanhecer. Não sei da infância alheia. Mas essa viagem diária me tornava uma criança completa de alegria. E me serviu como promessa de felicidade para o futuro (p. 175).

A este dado junto outro, encontrado na crônica chamada "O manifesto da

cidade"101 , onde a autora relembra o Recife da sua infância, e no meio das

recordações irrompem os cavalos:Mas eis que surge um Cavalo. Eis um cavalo com quatro pernas e cascos duros de pedra, pescoço potente e cabeça de cavalo (p. 87)

As duas visões, seguramente, são diferentes. A primeira, de uma criança que

descobre o universo e, a segunda, da autora madura que volta seu olhar para o

passado e percebe o presente contaminado desta presença imponente de um

100 LISPECTOR, Clarice. A descoberta do mundo. Rio de Janeiro, Francisco Alves,1992, p.175.

101 Idem, p.87.

121

Cavalo maiúsculo, prenhe de significações. Este estará presente em quase todos os

romances e também em seus contos e impressões como uma obsessão 102 .

Os cavalos ajudam o narrador a construir uma visão de mundo, isto é, uma

visão que não seja fragmentada mas iluminada pelas qualidades do cavalo.

Esta ligação não significa que haja uma relação direta com a pessoa de

Clarice Lispector, mas da autora que reutiliza (in)conscientemente elementos

formadores de inúmeros textos.

As modificações entre o texto de OEN e JB (1a parte) são mais de superfície.

Os primeiros parágrafos recebem pequenos ajustes de estilo. Em JB o narrador diz:

“É a liberdade tão indomável que éjnútil aprisioná-lo”. Em contrapartida em OEN a

expressão se suaviza: “É a liberdade tão indomável que se torna inútil aprisioná-lo”.

A linguagem em JB é mais impositiva: “A forma do cavalo é o melhor do ser

humano” e em (OEN) “A forma do cavalo representa o que hâ de melhor no ser

humano”. A passagem do tempo entre um texto e outro é pequena mas há algumas

modificações, que apesar da pouca distância temporal, são significativas. Em JB a

mudança aparece assim: “Quando vê relvas, gente, céu, - usufrui sua própria

forma”. “Quando vê montanhas, relvas, gente, céu - domina homens e a própria

natureza”. A presença da palavra dominar e de seu oposto usufruir, mostra que

encontrar a forma o torna mais livre para ver o que está dentro de si. O momento do

escritor, ora revela o prazer presente no ato da escritura, ora a rebeldia e a força

que emana de suas escolhas. Seguramente que a escrita vai alternando os seus

caminhos buscando o outro de si. Tendo ainda A cidade sitiada como contraponto, o

texto revela outras possibilidades. Os recortes feitos por Clarice para extrair de A

cidade sitiada o seu "Seco estudo dos cavalos" mostram as semelhanças e

diferenças entre um e outro texto. Sendo esta a intenção' deste estudo, por ora

posso afirmar que Clarice tenta eliminar de "Seco estudo" sua relação mais direta

102 Faço referência aqui aos livros: Perto do coração selvagem, A cidade sitiada, A maçã no escuro, A paixão segundo G.H., A hora da estrela, Para não esquecer, A descoberta do mundo e Onde estivestes de noite.

122

c o m o r o m a n c e , s u b s t i t u i n d o o n o m e d e S ã o G e r a l d o p o r c i d a d e z i n h a . A o e x p u r g a r

d o t e x t o e s t a r e l a ç ã o , r e d i r e c i o n a o f o c o d a v i s ã o d o n a r r a d o r . A c i d a d e d e S ã o

G e r a l d o ( l u g a r o n d e a s r e l a ç õ e s s e e s t a b e l e c e m p o r c o n v e n i ê n c i a ) é s u b s t i t u í d a p o r

o u t r a p e r s p e c t i v a m a i s l i v r e d a s c o n v e n ç õ e s m o r a i s , i m p o s t a n o t e x t o a n t e r i o r .

“O subúrbio de São Geraldo, no ano de 192...,” (CS)

“Na cidadezinha do interior...,” (OEN).

N o s t e x t o s “ S e c o e s t u d o d e c a v a l o s ” e A cidade sitiada m u i t a s s i t u a ç õ e s s e

m a n t ê m , m a s a l i g a ç ã o e n t r e o a n i m a l e o h u m a n o , n a v e r s ã o d e OEN, é c o l o c a d a

e m e v i d ê n c i a . N o s u b t í t u l o “ N o m i s t é r i o d a n o i t e ” e s t a r e l a ç ã o f i c a m a i s c l a r a

q u a n d o a c o n t e c e o d e s l o c a m e n t o d o n a r r a d o r p a r a a p r i m e i r a p e s s o a , c o l o c a n d o - o

n a p e l e d e q u e m v i v ê n c i a a e x p e r i ê n c i a d e s e n t i r o q u e u m c a v a l o s e n t e : “ M a l e u

s a í s s e d o q u a r t o e minha f o r m a i r i a s e a v o l u m a n d o . . . ” o u “ ( . . . ) eu q u e r i a r e s p o n d e r

c o m a s g e n g i v a s à m o s t r a e m r e l i n c h o ” . A o a c o n t e c e r a metamorfose, o

p e r s o n a g e m p a s s a a v e r "as coisas como um cavalo as vê”, i s t o é , n u m a v i s ã o q u e

n ã o s e r e p a r t e . P a r a d o x a l m e n t e a m e t a m o r f o s e s e e x p a n d e d e d i v e r s a s m a n e i r a s ,

i s t o é , t r o c a n d o o e l e p e l o e u e r e a l ç a n d o c a d a v e z m a i s o a s p e c t o a n i m a l e s c o d e

q u e s e r e v e s t e e s t e “ o u t r o ” . E s t a p r o x i m i d a d e d a m o ç a e d o c a v a l o , e m A cidade

sitiada, j u s t i f i c a t a m b é m e m d e t e r m i n a d o s m o m e n t o s d a n a r r a t i v a , a f u s ã o d o a n i m a l

e d o h u m a n o .

A moça moveu suavemente as patas (p. 48)

(...) e ela espadanando o grande corpo de animal para se manter à tona. (p. 50)

Estava excitada, de quando em quando dava uma rabada com uma das pernas na cauda ausente, (p. 51)

E m A cidade sitiada a c o n f i g u r a ç ã o d e u m n a r r a d o r o n i s c i e n t e , t e r c e i r a p e s s o a ,

r e v e l a u m n a r r a d o r q u e t u d o s a b e m a s q u e m a n t ê m e m l a t ê n c i a s u a v i v ê n c i a

“ a n i m a l ” . E m OEN a f i g u r a d o a n i m a l é c o m a n d a d a p o r u m eu q u e a s s u m e o t r o t e ,

i s t o é , o r i s c o d e v e r “um lado e outro” n e s t a a v e n t u r a d a “ grande noite". A i n d a é

n e s t e t r e c h o q u e s e o b s e r v a o a c r é s c i m o : “ a vida secreta se processa durante a

noite” e q u e d u r a n t e a n o i t e s e c r e t a “Tinham passado no escuro pelo mistério da

123

natureza dos entes”. Se solidifica cada vez mais a consciência de um vida secreta,

vale dizer, da gestação de outra sintaxe discursiva que dê conta de uma nova visão.

“O mistério que habita a natureza dos entes”começa a produzir textos cada vez mais

verticais e insolúveis.

Na cidade de São Geraldo (CS) o cavalo é uma estátua pública no centro da

praça. Na definição da própria Lucrécia esta representação do cavalo, em praça

pública, era sua própria imagem. Mas Lucrécia não queria pertencer àquela cidade

como uma estátua pertence à praça, isto é, como um objeto pertence à margem. Ela

queria ser alguém que, como o cavalo, visse o mundo do centro, em todas as

direções. A figura do cavalo acompanha Lucrécia-moça em seu desejo dê alçar vôo

para fora dos muros da cidade, em “sua aspiração à integridade espiritual de um

cavalo”, ou ainda, “sua luta de alcançar a realidade”103. Ao almejar esta posição

Lucrécia reivindica a visão do mundo na sua totalidade mas em OEN ao assumir

sua deficiência, percebe que seu olhar é parcial, isto é, o plano do desejo não se

coaduna com a realidade. A impossibilidade de acessar inteiramente ao seu outro,

permite a criação deste espaço ambigüo onde outras perspectivas, emergem.

“No mistério da noite” acontece o Crime do cavalo que levanta duas situações

que se completam: Em A cidade sitiada o crime é apresentado como um sinal de

incivilidade: “(...) onde não faltava ironia sobre a lentidão com que uma série de

subúrbios se civilizava”. Em OEN é destacada a forte ligação do Crime do cavalo

com o humano, que já estaria contaminado “pelo cheiro de estrebaria” e pela

“consciência da força contida nos cavalos”. A consciência da conquista da liberdade

de se soltar, aparece como o passo decisivo nas mudanças que a autora se permite

nesta versão de 74. Estes dois elementos, essenciais ao eixo de relações

estabelecido em “Seco estudo de cavalos” e A cidade sitiada, mostram outrossim, as

103 É a própria Clarice em carta intitulada “Carta atrasada” e publicada no JB em 21 fev.1970, que sugere estas colocações, acusando um prezado senhor X de não ter compreendido “a intenção” de sua personagem Lucrécia em A cidade sitiada.

mudanças dos valores no tempo. Entre o antigo e o novo cria-se a percepção da

necessidade de reavaliar a ética e a criação.

No jornal do lugarejo, onde habitam os cavalos, aparece a seguinte notícia que

de certa forma confirma a nova postura:(...) com certo orgulho uma nota com o título de O Crime do Cavalo.Era o crime de um dos filhos da cidadezinha.104

O sentido metafórico contido aqui sublinha a ligação entre o humano e o

animal. A atitude de aceitar o "mal secreto" faz o artista recuperar o impulso criador.

Em "A quinta história" o corte entre o narrador e a barata se faz pela “suspenção” de

novas estratégias narrativas. Em "O ovo e galinha" a transformação da narradora

em galinha permite a transgressão do modelo anterior.

Nestes casos o Crime do Cavalo, o extermínio das baratas, o crime do

professor de matemática que abandona seu cão e a morte da galinha em Laços de

família, servem como mediação entre as coisas que armam o cerco ameaçador em

torno do homem e o que não é assumido como culpa, justificando as "pequenas

vilezas" através da linguagem. O encobrimento dos crimes eqüivalem ao "estar

propositadamente distraído" para que o ovo se faça. A perda da integridade

narrativa está profundamente ligada à forma domesticada do viver e ao perigo da

existência que transparece nas atitudes da galinha.

À mudança de linguagem se ajusta à mudança de atitudes. Sua prisão

expressa através do cavalo, aparece mais solta e ousada, quando em outros

tempos tinha que ser contida. Fazendo recuo no tempo, resgatamos o texto

chamado “Não soltar os cavalos”, do livro Para não esquecer (1978), mas que foi

publicado anteriormente em 1964 (quando ainda era parte integrante de A legião

estrangeira) com o título de Fundo de gaveta. Nele diz a autora:Como em tudo, no escrever também tenho receio de ir longe demais.Que será isso? por que? Retenho-me como se retivesse as rédeas de um cavalo que poderia galopar e me levar Deus sabe onde. Eu me guardo.(p. 197)

124

104LISPECTOR, Clarice. OEN. p.52.

125

0 receio expresso - “eu me guardo” - e mais tarde totalmente liberado, sem

dúvida alguma, nos levam ao contexto histórico conturbado dos anos 60-70.

Em OEN é destacado um modo de entender o Tempo e aqui ele se escreve

com maiúscula pois determina o modo particular de se entender as visões, tanto do

cavalo como do ovo: “a visão do ovo é um calmo relâmpago”. “Passara o instante de

vislumbramento. Instante imobilizado como por uma máquina fotográfica que tivesse

captado alguma coisa que as palavras jamais dirão”. O instante é a revelação

daquilo que luta tanto por se expressar. Em quase todos os textos de Clarice, o

mundo só se dá a conhecer através das imagens de visões inesperadas. Cada

realidade é expressa no seu ritmo e no seu tempo. O fluxo do tempo é o fluxo da

palavra.

O capítulo de A paixão segundo GH, escrito sete anos antes de “Estudo de

cavalos”(JB>), vem agregar-se a este, com o subtítulo de “Estudo do cavalo

demoníaco”. Caso exemplar em que textos vindos de obras tão distantes, umas da

outras, vão sendo costurados ampliando as possibilidades de textos até então

separados: Territórios que se aproximam por afinidade eles vão compondo nova

representação da realidade.

A relação entre o capítulo citado de G.H. e "O estudo do cavalo demoníaco"

destacam um processo de ascensão, caminho que o artista trilha tentando superar

suas contradições. Ao revelar o roubo do cavalo de caçada do Rei durante o

enfeitiçado Sabath explica sua forma de transgressão à ordem do universo da

ficção. O Rei é o centro, a lei e o Sabath o sétimo dia da criação. O tempo da

transgressão é também, em oposição o tempo sagrado. Dupla transgressão

portanto. A impossibilidade de dizer, cria a necessidade da invasão de outros

territórios. Através do cavalo o narrador recupera o desejo de ir além de seus

próprios limites O ritual conhecido também como de origem não religiosa, traz para

o texto o riso do escritor moderno que se traveste de ladrão de cavalos. Conforme

sugere o próprio texto, o cavalo demoníaco é aquele que possui o seu cavaleiro ou

o que é possuído, transformando-se ele próprio em cavalo.

126

De madrugada eu nos verei exaustos junto ao regato, sem saber que crimes cometemos até chegar à inocente madrugada.

Na minha boca e nas suas patas a marca do grande sangue. O que tínhamos imolado? (p. 57))

0 cavalo roubado do Rei, no enfeitiçado Sabath, como que se apodera do seu

ser atraído pela noite e o desejo do inferno. O desejo, a alegria orgíaca, levam o

personagem à degradação mais profunda, ao rompimento de uma ética da escrita. A

súplica que se mistura ao desejo e a "um pressentimento de terror“ prescreve o

duplo crime: roubar e assassinar trazem à cena as últimas conseqüências do

embate entre a norma e o desejo.

"Livra-me, rouba depressa o ginete enquanto é tempo, enquanto ainda não entardece, enquanto é dia sem trevas, se é que ainda há tempo, pois ao roubar o ginete tive que matar o Rei, e ao assassiná- lo roubei a morte do Rei".

"E a alegria orgíaca do nosso assassinato me consome em terrível prazer."(p. 58)

A súplica põe em relevo ainda a questão da oposição dia/noite - branco/preto.

A noite com seu manto de escuridão tudo revela criando um pseudo-paradoxo, o

que torna possível a "coexistência dos contrários", eliminando assim a idéia de

pureza do humano e levando o leitor a refletir sobre o que está além ou aquém da

norma, da lei e da razão. Na marca do discurso o pronome possessivo nosso inclui

também a presença do leitor "de alma já formada" que participa deste embate.

A noite é marcada pelo pesadelo, isto é, o encontro com a "égua da noite". A

presença do clima orgiático e diabólico exprimem a ambigüidade do desejo. O

exorcismo de soltar os cavalos e a necessidade de pisar no terreno do

desconhecido obrigam-na a se despir da ética "socialmente correta" e assumir o

trote presente no decorrer de toda a travessia pelo “Seco estudo de cavalos”.

Esta forma transgressiva alia-se ao grotesco, que gera uma estética que não

teme o feio, nem tem medo de entrar nos meandros da "alma retorcida" deste

eu/outro, que se consome em terrível prazer: “Eu sou pior do que eu mesma!" (56)

127

A redundância desta afirmação nos mostra o narrador que se auto avalia, se

reconhece com o seu desejo mas que ao mesmo tempo se nega, dizendo ser

impelida pelo trote interior. Nem por isso deixa de se regozijar da próxima façanha:Ele, o cavalo do Rei, me chama. Tenho resistido em crise de suor e não vou. Da última vez que desci de sua sele de prata, era tão grande a minha tristeza humana por eu ter sido o que não devia ser que jurei que nunca mais. O trote porém continuara em mim. Converso, arruma a casa, sorrio, mas se que o trote está em mim. Sinto falta dele como quem morre. (56-7)

Em "Seco estudo dos cavalos" parece se repetir em grau mais elevado o que

Anna K lobucha10^ observou em relação ao conto" 0 Búfalo"'(...) a experiência metafísica dos protagonistas é o resultado imediato de uma procura (in)consciente e, mais ainda, a intercomunicação homem/animal não ê o objetivo em si próprio, senão uma maneira de desencadear o processo de auto-realização em que o componente animalesco serve de catalisador para uma transformação do eu humano. A escolha de um determinada espécie tem que ser motivada, portanto, pela compatibilidade das suas características ( simbólicas ou intuídas) com o caráter específico do desejo que procuram satisfazer os protagonistas no seu esforço de reconstruir como completas as suas personalidades imperfeitas, (p.164)

Félix Guattariip6 ao comentar a obra de Franz Kafka diz que: “(...) Kafka não

se cansava de escutar os animais, para recuperar deles o que foi esquecido (...)”

Continuando esta colocação afirma que "não é somente em Kafka que os

animais são o receptáculo do esquecimento". O animal aparece como memória do

que o humano esqueceu e como elemento mediador de sua transformação e, neste

sentido, é ele quem recupera o que foi perdido.

Na junção do aparentemente antinômico se encontram entrelaçados o homem

(criador) e a matéria informe. O caráter da construção sugerido mostra que arte se

faz com a matéria mais asquerosa (a barata), com o desconhecido (Sveglia) e com

a mola do desejo acionada pelo cavalo demoníaco.

105KLOBUCHA, Anna. "A intercomunicação Homem/Animal como meio de transformação do eu em "Axolotl" de Júlio Cortázar e "O Búfalo" de Clarice Lispector". In: Revista Travessia, Florianópolis, n.14,1987, p.161-171.

106GUATTARI, Félix. Cartografias do desejo, p.157.

128

O S S U B T Í T U L O S

" S e c o e s t u d o d o s c a v a l o s " t r a z u m a d i s p o s i ç ã o g r á f i c a d i f e r e n t e d o s o u t r o s

t e x t o s . S ã o p a r á g r a f o s p e q u e n o s , à p r i n c í p i o , q u e v ã o s e a l o n g a n d o à m e d i d a q u e a

n a r r a t i v a s e d e s e n v o l v e . C a d a p a r á g r a f o é i n t r o d u z i d o p o r u m s u b t í t u l o q u e

" e s c l a r e c e " e m d u a s o u t r ê s p a l a v r a s s o b r e o c o n t e ú d o d o p a r á g r a f o .

Sensibilidade

Todo cavalo é selvagem e arisco quando mãos inseguras o tocam.(p.50)

E s t e s s u b t í t u l o s s ã o p a r a t e x t o e m r e l a ç ã o a A cidade sitiada e n o s l a n ç a m d e

v o l t a a o t e x t o q u e , p o r s u a v e z , s u p e r p õ e a l e i t u r a : d o t í t u l o , s u b t í t u l o e d o

p a r á g r a f o . E s t a s u p e r p o s i ç ã o d e l e i t u r a s c r i a , e n t r e t a n t o , u m p a r a d o x o : “ s e c o

estudo”, a o c o n t r á r i o d o q u e é d i t o , m o s t r a a r i q u e z a d e p o s s i b i l i d a d e s n o â m b i t o

s e m â n t i c o . A o s e c o , i m p u l s o d a a r t e , a a u t o r a d i z o e s s e n c i a l e , n e s t e s e n t i d o ,

m u i t o s o u t r o s s e c o s v ã o s e p o n d o : “E faço o possível para fazer um relatório seco

como champanha ultra seco”.

U m e s t u d o é s e m p r e p r é v i a , e s b o ç o d e d e s e n h o o u p e ç a m u s i c a l . N e l e s e

e x p e r i m e n t a m a s v á r i a s f o r m a s p o s s í v e i s d e a p r e s e n t a ç ã o d o e s b o ç o . N e l e o c a v a l o

é v i s t o d e v á r i o s â n g u l o s , f o r m a n d o i m a g e n s q u e v ã o s e c o l a n d o e , n a s u a

c o n s t r u ç ã o , s e a r m a o r e l e v o d o s a s p e c t o s e x t e r i o r e s e i n t e r i o r e s . O c a v a l o é

b r i l h a n t e c o m o c e t i m , é c e g o , s e l v a g e m , a r i s c o , l i v r e , b r a n c o , p e r i g o s o e d e m o n í a c o .

D a g r a d a ç ã o q u a l i f i c a t i v a j á s e p o d e a n o t a r a s a í d a d o a s p e c t o v i s í v e l q u e a p o n t a

p a r a u m a v i s ã o i n t e r i o r e a b s t r a t a d o a r t i s t a . A s d i v e r s a s f a c e s d o a n i m a l s u g e r e m

a s p e c t o s l i g a d o s a o b e l o , o u p o r o u t r o l a d o , m a i s i m p o r t a n t e n e s t e e s t u d o , o d e s e j o

d e p o s s u i r q u a l i d a d e s i g u a i s a o d o a n i m a l . C o m o q u e q u e s t i o n a n d o a c o n d i ç ã o d o

s e r , a q u e l e q u e o e s t u d a p r o p õ e a m u d a n ç a , q u a s e q u e s u g e r i n d o o a b a n d o n o a o

e s t a d o r a c i o n a l p a r a d e i x a r v a z a r o i r r a c i o n a l , a b e s t a c o n t i d a é t r a n s f o r m a d a p e l o s

t a b u s e r e g r a s s o c i a i s .

129

Seguindo este raciocínio talvez fosse possível uma comparação entre os

subtítulos deste texto e os estágios da aprendizagem humana. Na figura do "cavalo-

agressivo" e rebelde se esconde Joana, que vive a adolescência agressiva de

menina-potro (PCS) ou Lucrécia que alimenta a cólera interior do búfalo (LF) e

extremamente semelhante ao "cavalo perigoso" (SEC). O personagem de G.H.

estaria mais próximo do "estudo do cavalo demoníaco"que, não por acaso, é

também um fragmento enxertado em A paixão. Em Água viva, o personagem ao se

referir ao cavalo diz assim:Na minha noite idolatro o sentido secreto do mundo. Boca e língua. E o cavalo solto de uma força livre. Guardo-lhe o casco em amoroso fetiche, (p. 43)

Idolatria e fetiche, duas palavras que resumem a profunda ligação entre o eu e

o outro, colocando a liberdade como ponte entre os dois. Tanto no aspecto de

construção da linguagem quanto no eco que ressoa além do dito, é inegável o

caráter de interrelações entre o texto anterior e posterior.

Os subtítulos atuam pondo em relevo o tempo e suas gradações e como

"aquilo que se move" age sob determinadas condições do dia ou da noite.Na sua seca de sol,No pôr-do-sol,Na madrugada fria,No mistério da noite.

Em "o cavalo demoníaco" de GH., o crime é cometido durante à noite, pois

somente “No mistério da noite” é possível ocorrer a transformação. A "noite"

propicia a metamorfose e o animal interior se revela voltando "ao estado de caça e

guerra" (p.54). A escuridão permite a passagem "pelo mistério da natureza dos

entes”(p. 56).

A figura do cavalo e da sua cor branca lembram que o branco é a cor do

candidato, isto é, a cor daquele que passa por algum tipo de iniciação.O cavalo branco celeste representa o instinto controlado, dominado sublimado; é segundo a nova ética, a mais nobre conquista do homem.107

,107CHEVALIER e GHEERBRANT. Dicionário de símbolos, p.203.

130

A metamorfose significa também o chamado à vida plena e tentativa de

superação do cotidiano a que estão sujeitas as personagens clariceanas .0 cavalo

é que aponta o caminho para a ambigüidade. Ora mostra seu lado diabólico, ora o

domado: "o cavalo me indica b que sou” (p.51).

3.4

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158

3.4.1 - O Relatório da Coisa - Sveglia - O Exercício do Ilógico.

"Viver ultrapassa todo entendimento"

Clarice Lispector

“ O R e l a t ó r i o d a c o i s a ” f o i o t e x t o q u e p a s s o u p o r m a i o r n ú m e r o d e v e r s õ e s e

m o d i f i c a ç õ e s . A p r i m e i r a v e r s ã o d e s t e “ c o n t o ” f o i p u b l i c a d a n a r e v i s t a Senhorí 1 0

e m 1 9 7 1 c o m o t í t u l o " O b j e c t o - r e l a t ó r i o - m i s t é r i o " . A s e g u n d a v e r s ã o a p a r e c e n o

Jornal do Brasil ( 1 9 7 2 ) . N e l e o t e x t o t e m o t í t u l o m o d i f i c a d o p a r a “ U m a n t i c o n t o - O

o b j e c t o ” ( s i c ) , e n ã o s e r á r e e d i t a d o e m A descoberta do mundo ( 1 9 8 4 ) e d i ç ã o

p ó s t u m a . F o i r e p u b l i c a d o n o v a m e n t e e m 1 9 7 4 n o l i v r o Onde estivestes de noite,

a g o r a c o m o t í t u l o d e “ O r e l a t ó r i o d a c o i s a ” .

A v e r s ã o d a r e v i s t a Senhor t r a z e m b u t i d a e m s e u t í t u l o u m a p r i m e i r a q u e s t ã o :

o t í t u l o a b a r c a t r ê s f a c e s d o t e x t o : “ o b j e c t o - r e l a t ó r i o - m i s t é r i o ” e a v i s ã o e m t o r n o

d o o b j e t o p a r e c e c o n v e r g i r n a s t r ê s d i r e ç õ e s . O u é u m e m b u s t e , o u a a u t o r a q u e r

q u e o l e i t o r s e l i b e r t e e j u l g u e p o r s i m e s m o . O s t r ê s s u b s t a n t i v o s n ã o s ã o

s i n ô n i m o s m a s m a n t ê m e n t r e s i u m q u e s t i o n a m e n t o : r e l a t ó r i o , o b j e c t o ( s i c ) o u

m i s t é r i o ? . N a m e s m a r e v i s t a o n d e é p u b l i c a d o e s t e t e x t o a p a r e c e o u t r o a r t i g o o n d e

N é l s o n C o e l h o . 1 1 1 , u m a r t i c u l i s t a d a r e v i s t a , c o m e n t a a r e s p e i t o d a s p o s s i b i l i d a d e s

d a f i c ç ã o :

E este todo me pareceu uma forma eloqüente de suicídio literário. A maior escritora brasileira fazendo tudo para matar a maior escritora brasileira. O autor com ódio do autor. O texto lutando para acabar consigo mesmo. A gente assistindo a insistência com que Clarice vai mutilando sua expressão.

N é l s o n f a z a d e f e s a d a l i t e r a t u r a e a f i r m a q u e o q u e e s t á n o g r a n d e e s c r i t o r

n ã o p o d e m o r r e r e q u e e s t e f a t o s e s o b r e p õ e à p r ó p r i a v o n t a d e d o e s c r i t o r . T e m o s

110 LISPECTOR, Clarice. “Objecto - relatório - mistério” ln:Senhor. São Paulo, v.9, Inter. Editores S.A., set. 1971, pp. 107-112.111 COELHO, Nélson. “Clarice Lispector”. In: Senhor. São Paulo,Inter. Editores S.A., v.9, set. 1971, p.9.

161

então já colada à publicação do texto uma reação à tentativa de se fazer deste texto

um objeto ou um relatório.

Na segunda versão do texto para o Jornal do Brasil, há a mudança do título

para “Objecto"(sic). Ao condensar o título centra a leitura sobre o Objecto (sic).

Para aumentar o mistério Clarice além de modificar o título, faz alterações no texto.

Em nota explicativa a autora avalia o “Objecto” (sic) e diz que ele é um anticonto e

o que ela quis fazer foi antiliteratura. O objecto que se auto-define como “a coisa

mais difícil de uma pessoa entender” mas ao mesmo tempo “parecerá óbvia” e

finalmente que o tempo trabalha no sentido de dificultar o acesso à “antiliteratura da

coisa". Este é então o “objeto” de nosso desafio que, ao tentar se transformar em

antiliteratura, traz à baila a discussão sobre o que é ou não é, literatura.

Na sua "última versão" em A legião estrangeira (1974), agora com o título de

“O relatório da coisa”112, o texto cresce na sua realização estética e vontade de

transcendência. O jogo que se estabelece em torno do “relatório” traz, como retorno,

exatamente o contrário daquilo que afirma sua autora. A reação do público da

revista e do jornal é imediata. As opiniões vão se colocando, seja em tom de

galhofa, seja para elogiar a audácia da escritora. 3 confirmando que a polêmica

lançada frutificaria, desmentindo assim a possibilidade de sua morte.

A palavra relatório nos faz imediatamente pensar em algo de origem técnica e

destituído de emoção. Vejamos o que diz o Aurélio a respeito da palavra relatório:

“Narração ou descrição verbal ou escrita, ordenada e mais ou menos minuciosa

daquilo que se ouviu ou observou: o relatório de uma testemunha, de um médico”.

Há outras definições, mas esta me pareceu a mais próxima do sentido utilizado

no campo das letras. A relação que se estabelecerá aqui entre o texto e a definição

nos mostrará que nem sempre o que parece, é.

112 LISPECTOR, Clarice. Onde estivestes de noite, Rio de Janeiro, Artenova, 1974. Este texto será usado como base para comparação com seus similares113 GOMES, Duílio “Onde estivestes de noite: os novos contos de Clarice Lispector”. (resenha) In: Suplemento literário Minas Gerais, Belo Horizonte,2 set, p.11, 1974. RIBEIRO, Léo Gilson “Muito Sveglia” (resenha) In: Veja, São Paulo, Abril, 24 abril, 1974.

162

0 n a r r a d o r s e p r o p õ e a u m " j o g o a b e r t o " s e m m u i t o s r o d e i o s , i s t o é , s e m l i t e r a t u r a .

J á t e m o s i m p l í c i t o n e s t a a f i r m a ç ã o q u e a l i t e r a t u r a é f e i t a d e m e a n d r o s , m u i t a

c o n v e r s a e d e d i f í c i l e n t e n d i m e n t o . N a s m o d i f i c a ç õ e s d o s t e x t o , q u e v ã o d e s d e t r o c a

d e p o n t u a ç ã o a t é a r e t i r a d a d e p a r á g r a f o s i n t e i r o s e i n c l u s ã o d e n o v a s f o r m a ç õ e s ,

p o d e - s e p e r c e b e r q u e a e s c r i t a s e m o v e c a l c a d a n u m a l i n g u a g e m q u e s e a u t o

i r o n i z a .

A v e r s ã o d a r e v i s t a Senhor é a m a i s e n x u t a e m u i t o p r ó x i m a d a v e r s ã o d o

Jornal do Brasil. E n t r e t a n t o , e n t r e e s t a e a q u e l a , h á m a n i f e s t a ç õ e s c l a r a s q u a n t o a o

d e s e j o d e s e r r e l a t ó r i o o u f i c ç ã o .

Sveglia não admite conto ou romance, o aue auer aue seia. Mal admite que eu chame isto de relatório. (RS. p. 109)

Sveglia não admite conto ou romance, ou poesia. Mal admite que eu chame isto de relatório. (JB. p. 165.)

Sveglia é obieto. o com letra maiúscula.fRS. p. 108)

Sveglia é o objecto, (sic). (JB. p. 162)

N a v e r s ã o d e “ O r e l a t ó r i o d a c o i s a ” ( 1 9 7 4 ) a l i n g u a g e m s e t o r n a m a i s

p e r s u a s i v a : “(...) não desanime” v a i l e v a n d o o l e i t o r e m t o m d e g a l h o f a a t é a

a c u s a ç ã o : “ ( . . . ) nós precisamos dividi-lo”. C l a r e i a a l g u n s b u r a c o s d o s t e x t o s

a n t e r i o r e s : “(...) um determinado relógio” é m a i s e x p l í c i t a : “(...) apossei-me de sua

alma infernal” e t a m b é m e l u c i d a a s i t u a ç ã o d o o b j e t o : “Sveglia é o Objeto, é a Coisa,

com letra maiúscula.” (p.81)

O q u e s t ã o d o t e m p o , d i s c u t i d a n a a n á l i s e a n t e r i o r , t a m b é m é r e c o l o c a d a n o

“ r e l a t ó r i o ” e s u a s o u t r a s v e r s õ e s . A i n f o r m a ç ã o q u e s e a c r e s c e n t a a q u i é q u e “Nós

dividimos o tempo quando na realidade ele não é divisível. ”(OEN). E s t a p i s t a a j u d a a

e s c l a r e c e r o p o r q u ê d a d i f i c u l d a d e d e s e e n t e n d e r e s t e r e l a t ó r i o , u m a v e z q u e n ã o

p o d e m o s n u m “ á t i m o d o i n s t a n t e ” p e r c e b e r s u a s a r t i m a n h a s . A c r i a ç ã o d o r e l ó g i o ,

e l e e s t á p r e s o a u m t i p o d e r e a l i d a d e , o q u e o t o r n a p r i s i o n e i r o t a m b é m d e u m t i p o

d e c o n c e p ç ã o d o t e m p o e u m m o d o d e u t i l i z á - l o . E m OEN “ele é sempre e imutável.”

m a s n a v e r s ã o d o J B “ E l e é s e m p r e i m u t á v e l . ” ( p . 1 6 2 ) .

163

A c o m p r e e n s ã o d a a r t e a b d i c a d a t e m p o r a l i d a d e , o q u e n e s t e s t e x t o s d e

C l a r i c e L i s p e c t o r n o s c o l o c a s e m p r e m a i s p r ó x i m o s d e u m a p o s s i b i l i d a d e d e

d e s c o b e r t a s q u e e s t ã o p o r v i r . A s q u a l i d a d e s e x t e r i o r e s d e S v e g l i a , e n t r e t a n t o ,

l e m b r a m c o m o s e c r i a a i m p o s s i b i l i d a d e d o v e r . S e n d o u m r e l ó g i o e l e t r ô n i c o e d e

m e c a n i s m o m u i t o s i m p l e s , c o m o c o n s e g u e , e n t r e t a n t o , n o s a c o r d a r p a r a o t e m p o ? A

r e s p o s t a d e v e s e r v i v a e s e c a , c o m o d e s e j a a q u e l a q u e e s t á p r e s a a o s d e s í g n i o s d o

r e l a t ó r i o . M a s e n t r e o n a r r a d o r e S v e g l i a u m m i s t é r i o s e i n t e r p õ e .

“( ) discurso alusivo consegue__ao invés de aprender e domar umsentido__apagar um contorno, abolir a perspectiva e sua ilusão de

fundo, rasurar a unidade er espalhar mais ainda a dispersão”.. 4

A d i s p e r s ã o c o m o e m “ O o v o e a g a l i n h a ” f a z s u r g i r o c o n c r e t o , i s t o é , a

i m p o s s i b i l i d a d e d e a p r e e n s ã o d o o b j e t o , d a c o i s a .

O u t r a s t a n t a s “ q u a l i d a d e s ” d e S v e g l i a d e s c r i t a s a p o n t a m p a r a u m o b j e t o q u e

o r a p a r e c e " r e a l " o r a p a r e c e d o t a d o d e c e r t o s " m e c a n i s m o s " q u e f o g e m a o s e u

e s t a d o d e o b j e t o . O o b j e t o s e h u m a n i z a o u o h u m a n o s e t o r n a o b j e t o ? E s t a

p e r g u n t a q u e p e r c o r r e t o d o o t e x t o , c a r r e g a c o n s i g o e s t e t r a v e s t i m e n t o q u e s ó f a z

c r i a r e n t r a v e s a o e s c l a r e c i m e n t o d e s t a q u e s t ã o .

A m e t a m o r f o s e d e S v e g l i a r e v e l a a t r o c a d o n o m e p e l o s e n t i d o acorda, q u e f a z

o n a r r a d o r s e p e r g u n t a r : “Acordar para quê? Sou um objeto? Sou uma coisa?”.

O u t r o s p e r s o n a g e n s d e C l a r i c e c o m o J o a n a e L ó r i s e f a z e m p e r g u n t a s

s e m e l h a n t e s , e a r e s p o s t a é u m m e r g u l h o n o v a z i o : O s i n ú m e r o s a t r i b u t o s d e

S v e g l i a v ã o d e s c o n c e r t a n d o o l e i t o r , q u e é o b r i g a d o a m o v e r - s e n o t e r r e n o d a

d ú v i d a e d o m i s t é r i o :

Não tem a complexidade de uma pessoa mas é mais gente do que gente.

Ele é de Deus. Foram usados cérebros humanos divinos para captar o que deveria ser este relógio 115

114 SANTOS, Roberto C. Lendo Clarice Lispector. p.61.115 LISPECTOR OEN. p.81.

164

A a m b i g ü i d a d e q u e s e i n s t a l a , t o r n a - s e m a i o r q u a n d o o n a r r a d o r a n u n c i a q u e

s e “apossou de sua infernal alma tranqüila”. E s t e d a d o s o b r e S v e g l i a , a c r e s c e n t a d o

a s u a ú l t i m a v e r s ã o ( OEN'), e s c l a r e c e o q u a n t o a a m b i g ü i d a d e e a a m b i v a l ê n c i a

p a r t i c i p a m d e s t e p r o c e s s o d e r e e l a b o r a ç ã o . E s t a t e n d ê n c i a , m u i t o p r e s e n t e n o s

ú l t i m o s t e x t o s d e L i s p e c t o r , c o n f i r m a m u m a p r o f u n d a m e n t o d o p e n s a m e n t o q u e n ã o

q u e r s e p e t r i f i c a r e b u s c a c a d a v e z m a i s s u p e r a r s u a p r ó p r i a i n s u f i c i ê n c i a . A

l i n g u a g e m b u s c a t r a n s c e n d e r s e u s i g n i f i c a d o . N e s t e s e n t i d o e l a é t e r r e n o m o v e n t e ,

v i v e n d o u m a h e s i t a ç ã o i n s a n a . O r e l a t ó r i o s e a r m a d e u m a l i n g u a g e m a o m e s m o

t e m p o e s q u i v a e e x c e s s i v a , o n d e o q u e é d i t o s e r e v e s t e d e u m f a z d e c o n t a q u e

n ã o c o n t a m a s c o n t a . O b l á b l á b l á e m t o m d e i r o n i a d i s s i m u l a o m a i s i m p o r t a n t e . O

p a s s a g e i r o f a z n o t í c i a s d i v e r s a s s e c r u z a r e m p a r a e n c o b r i r u m “ r e l a t o r ” q u e o b s e r v a

e p e n s a .

E s t e r e l a t ó r i o q u e s e a u t o d e n o m i n a a “ a n t i l i t e r a t u r a d a C o i s a ” , t r a b a l h a c o m o

d i f u s o e o m a s s i v o . A s u p e r p o s i ç ã o d e o u t r o s n o m e s ( c o i s a , m i s t é r i o , o b j e c t o ) s ã o

u t i l i z a d o s p a r a o a c o b e r t a m e n t o d o o b j e c t o - e n i g m a . A o n ã o e s t a b e l e c e r u m m o d o

d e s e r , n ã o t e r i d e n t i d a d e d e f i n i d a r e g i s t r a , e n t r e t a n t o , u m a m a r c a : a c o r d a ( n ã o

s e r i a u m a c i c a t r i z ? ) . A i n v o c a ç ã o d a p a l a v r a a c o r d a é u m a c a r a c t e r í s t i c a e s t r a n h a a

u m a m á q u i n a . É c h a m a m e n t o p a r a a outra realidade e u m o u t r o t e m p o . O r e l a t o r

s e p r o p õ e e n t ã o a f a l a r s o b r e uma realidade Sveglia. o n d e o t e m p o t r a z s e m p r e

c o n s i g o a a t u a l i z a ç ã o d o h o m e m e d a C o i s a e m o d i f i c a c o m s e u m o v i m e n t o , a

h i s t ó r i a . E s t a q u a l i d a d e d o r e l ó g i o f a z a s p e s s o a s s e a c o r d a r e m d e d e n t r o p a r a f o r a .

I r r o m p e a q u i u m m o v i m e n t o q u e n o s r e v e l a o d e d e n t r o , i s t o é , s e u m e c a n i s m o

d e s n u d a u m m o d o d e f u n c i o n a m e n t o q u e b u s c a e n t e n d e r o p o n t o d e c o n t a t o e n t r e o

o b j e c t o e o h u m a n o . E m “ A q u i n t a h i s t ó r i a ” e s t e m o v i m e n t o é d e a p r o x i m a ç ã o .

Q u a n t o m a i s o n a r r a d o r s e a p r o x i m a d a b a r a t a m a i s s e n t e a o r g i a d o a t o d e m a t a r ;

q u a n t o m a i s s e f a l a d o r e l ó g i o m a i s e l e s e t o r n a i n a l c a n ç á v e l . E s t a q u a l i d a d e d o

r e l ó g i o , q u e f a z a s p e s s o a s s e a c o r d a r e m d e d e n t r o p a r a f o r a , i r r o m p e a q u i c o m o

u m m o v i m e n t o e m s e n t i d o c o n t r á r i o e m o s t r a o h u m a n o m a q u í m i c o .

165

S v e g l i a n ã o t e m r i t m o . E l e c o r r e c o n t r a o r i t m o d o c a v a l o b r a n c o , p o r q u e a i n d a

n ã o e n c o n t r o u o s e u p r ó p r i o . P o r i s s o o c a v a l o b r a n c o a p a r e c e p a r a c o n d u z i - l o ,

a t r a v e s s a r o m o v e d i ç o e b u s c a r u m o u t r o e s t a d o . O “ s i n t o m a " d e S v e g l i a e d o

c a v a l o b r a n c o s ã o i g u a i s : a m b o s f r a q u e j a m . O e l o d e f r a g i l i d a d e e s t a b e l e c i d o

a m e a ç a a a n i m a l i d a d e d e u m e a m e c a n i c i d a d e d o o u t r o .

E l a s e r e f e r e a u m "determinado r e l ó g i o " , c u j a c a r a c t e r í s t i c a é s e r " e l e t r ô n i c o "

e t e r u m " d e s p e r t a d o r " . A o u t r a q u e s t ã o q u e o " r e l a t o r " n o s c o l o c a : e l e a i n d a n ã o v i u

o o b j e t o s o b r e o q u a l s e r e f e r e . A o p o r t u n i d a d e d e i n v e n t a r , c r i a r , f a l a r s o b r e o q u e

n ã o é v i s t o r e s g a t a o i m a g i n á r i o . V e r n ã o é e s s e n c i a l . É p r e c i s o a b r i r o s o l h o s p a r a

o n ã o v i s í v e l . O a t o d e n ã o v e r é s u b s t i t u í d o p e l o a t o d e s e a d e n t r a r n o o b j e t o , o u

v e r a t r a v é s - d e , e a s s i m p o d e r s e a p o s s a r d e "sua infernal alma tranqüila". A

p o s s i b i l i d a d e d e f a l a r s o b r e o q u e e s t á n o d e - d e n t r o s u r g e p o i s , c o m o u m m o d o d e

r e l a t a r o q u e é a u s ê n c i a , i s t o é , "o Objeto, a Coisa".(p.81).

Ele não pára de ser e não se pode dizer que ele "funciona", por que ele "apenas é". Sveglia não chora. Aliás ele não tem circunstâncias.(p.82).

M a s o a s p e c t o h u m a n o t a m b é m p r e s e n t e e m S v e g l i a p r o c u r a ( c o m o e m t o d o s

o s o u t r o s t e x t o s ) i l u m i n a r a f a c e o b s c u r a e d e s c o n h e c i d a d e s t e o b j e c t o - m i s t é r i o .

S v e g l i a p o s s u i u m e n i g m a c o n t r a o q u a l s o m e n t e u m c a v a l o b r a n c o p o d e l u t a r . A

c o n d i ç ã o p a r a e n f r e n t a r o e n i g m a p a s s a p e l o c o n h e c i m e n t o q u e o c a v a l o b r a n c o

d e t ê m . O c a v a l o é , p o r e x t e n s ã o , a q u e l e q u e c u r a . É p o s s í v e l q u e o b r a n c o d o

c a v a l o e d o o v o d ê e m a o s o b j e t o s u m a c o n d i ç ã o e s p e c i a l .

A n e c e s s i d a d e d e l a n ç a r m ã o d o c a v a l o c r i a a s s i m u m v í n c u l o e n t r e u m a

h i s t ó r i a e o u t r a , t r a ç a n d o a s s i m o c a m i n h o p a r a o u t r a s h i s t ó r i a s . D e s m e n t e - s e e n t ã o

a a f i r m a t i v a d e q u e “Sveglia não permite conto ou romance”, p o i s p e r m i t i u a e n t r a d a

d o c a v a l o q u e b r a n d o a r i g i d e z d o r e l a t o p a r a s e r f i c ç ã o . S v e g l i a p e r m i t e a q u e b r a

d o m o l d e e s t a b e l e c i d o p e l a b a r a t a .

O e n c a i x e d e o u t r a s h i s t ó r i a s n o t e x t o i m p l i c a t a m b é m n a i n c l u s ã o d e o u t r a

v o z , i s t o é , u m a n a r r a t i v a o u t r a , q u e v e m s e c o n t r a p o r o u e x p l i c a r a h i s t ó r i a

166

primeira. Observe-se que a tonalidade do discurso se modifica e se toma mais

explicativo.Eu soube de um homem que possuía um Sveglia e a quem

aconteceu Sveglia. Ele estava andando com o filho de dez anos de idade, de noite, e o filho disse: cuidado, pai, tem macumba af. O pai recuou - mas não é que pisou em cheio na vela acesa, apagando-a?Não parece ter acontecido nada, o que também é muito Sveglia.116

Nos textos do Jornal do Brasil e revista Senhor, cita pessoas amigas ou em

destaque na época, jogando com o precário e com o contexto. Sua última versão

(OEN: 1974) apaga o passageiro e superpõe o perene, sendo o provisório

descartado. A paixão e prisão da linguagem se mesclam. 0 precário e o eterno se

confrontam criando este texto de dimensões múltiplas. Sua simplicidade vem de sua

complexidade (a do ovo também). O processo se revela igual ao utilizado no “O ovo

e a galinha”, isto é, num jogo de claro e escuro.Sveglia, quando afinal é que você me deixa em paz? Não vai me perseguir por toda a minha vida transformando-a na claridade da insônia perene? 117

Trechos inteiros são retirados ou acrescentados à última versão. Nomes de

pessoas conhecidas da escritora, que num determinado momento de sua vida

estiveram muito próximas, datam o texto. 0 que permanece busca durar um pouco

mais. Há que se pensar também no apagamento ou recuperação da História que

circula no contexto. A autora tem consciência plena deste jogo, e a mescla do real e

da ficção é que permanece como desafio dentro do relatório que quer ascender ou

não ao mistério.

116LISPECTOR. “Relatório da coisa.”.OEN, p.78.117.ldem, p.90.

3.5

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3 . 5 . 1 - D e s e s p e r o e D e s e n l a n c e à s T r ê s d a T a r d e

E s t e c o n t o n ã o s e e n c o n t r a p u b l i c a d o e m n e n h u m l i v r o d e c o n t o s d e C l a r i c e

L i s p e c t o r e a ú n i c a r e e d i ç ã o e n c o n t r a d a p o s s i v e l m e n t e é d a r e v i s t a Senhor c u j a

d a t a e x a t a n ã o f o i p o s s í v e l p r e c i s a r . C o m o n ã o f o i p o s s í v e l l o c a l i z a r t o d o s o s

n ú m e r o s d a r e v i s t a Senhor, f i c a e s t a d ú v i d a q u e n ã o p o d e s e r s a n a d a . E n t r e t a n t o

p o d e - s e c o j e c t u r a r q u e t e n h a s i d o p u b l i c a d o n o s a n o s 7 0 . A p o n t u a ç ã o e a

a c e n t u a ç ã o s ã o p i s t a s p a r a a b a l i z a r e s t a a f i r m a ç ã o . H á t a m b é m u m d e p o i m e n t o

d a d o p e l a e s c r i t o r a à r e v i s t a Manchete,120 o n d e m e n c i o n a o e n r e d o d o t e x t o e q u e

e s t a r i a e s c r e v e n d o p a r a e n v i a r à r e v i s t a Colóquio- letras d e P o r t u g a l .

A s d i f e r e n ç a s n o t e x t o p u b l i c a d o n a r e v i s t a Colóquio- letras (1975), n a s u a

g r a n d e m a i o r i a , d i z e m r e s p e i t o a u m a a d a p t a ç ã o d a l í n g u a b r a s i l e i r a p a r a o

p o r t u g u ê s d e P o r t u g a l o u a u m a t e n t a t i v a d e i m i t a ç ã o d a f a l a à m o d a p o r t u g u e s a . O

i n v e r s o t a m b é m p o d e s e r u m a p o s s i b i l i d a d e . E m o u t r o t e x t o d a a u t o r a i n t i t u l a d o

“ D e v a n e i o e e m b r i a g u e z d e u m a r a p a r i g a ” ( L F ) , a l g u n s t e r m o s u t i l i z a d o s p e l a

p e r s o n a g e m s ã o d o u s o d a l í n g u a f a l a d a e m P o r t u g a l .

H á a d i f e r e n ç a d o t í t u l o , n a v e r s ã o d a r e v i s t a Senhor, q u e s e a j u s t a à s

m o d i f i c a ç õ e s f i n a i s d o t e x t o . A p a l a v r a d e s e n l a n c e n ã o f o i e n c o n t r a d a n o

d i c i o n á r i o , o q u e m e l e v a a s u p o r q u e a p a r t i r d a s m o d i f i c a ç õ e s a a u t o r a c r i o u o

n e o l o g i s m o p a r a m e l h o r c a r a c t e r i z a r a m u t a ç ã o d o p e r s o n a g e m e a s d o p r ó p r i o

t e x t o . A s i t u a ç ã o q u e m e l h o r e x e m p l i f i c a e s t a a f i r m a ç ã o é a a l t e r a ç ã o q u e a p a r e c e

n e s t a f r a s e : “ E e n f i m o j o r r o m a l d i t o , a alma podre saindo do estômago aos

trambolhões121. ( p . 5 2 )

E s t e t e x t o s u r p r e e n d e p o r v á r i a s r a z õ e s : a p r i m e i r a d e l a s p o r s e t r a t a r d e u m a

n a r r a t i v a s i m i l a r à s d é Laços de família (1960). O p e r s o n a g e m , u m c i d a d ã o q u e s e

120 ARAÚJO, Celso Arnaldo. “Clarice Lispector, uma escritora no escuro”, (entrevista). In:

Manchete, Rio de Janeiro, n.1202, 3 maio 1975, pp.48-49.

121 LISPECTOR, Clarice.”Desespero e desenlance às três da tarde”. In: Senhor (arquivo casa

de Rui Barbosa). Rio de Janeiro, s/d.

180

i m a g i n a c o m o u m lord i n g l ê s , c h a m a a a t e n ç ã o p o r s o f r e r u m p r o c e s s o d e m u t a ç ã o

s e m e l h a n t e à s p e r s o n a g e n s f e m i n i n a s . A g a l e r i a d e p e r s o n a g e n s m a s c u l i n o s f o g e

u m p o u c o à f i g u r a d o S r . J B . I r o n i a o u n ã o , c o m o s e n h o r J . B . a e s c r i t o r a r e a b i l i t a ,

u m p o u c o , a i m a g e m d e s e u s o u t r o s p e r s o n a g e n s : O t á v i o e O l í m p i o d e J e s u s e

D a n i e l .

A h i s t ó r i a d o S r . J B . é u m d o s t a n t o s m i s t é r i o s q u e r o n d a m a f i c ç ã o d e C l a r i c e

L i s p e c t o r . S u a e x c l u s ã o d o s l i v r o s d e c o n t o s m e l e v a a i n d a g a r s o b r e o d e s t i n o d e

o u t r o s e s p a r s o s q u e , c o m o e s t e , n o s r e v e l a m a i n d a m a i s s o b r e a s m a n i g a n ç a s d e

d o n a F r o z i n a .

A p e r d a d a i d e n t i d a d e , u m t e m a t ã o e x p l o r a d o p o r C l a r i c e , é a o m e s m o t e m p o

n o v o . E m b o r a e s t e c o n t o p a r e ç a r e p e t i r o p r o c e s s o d e G.H., o n d e o e s p a ç o d o

q u a r t o f e c h a d o ( e e s c u r o ) f a z d e s e n c a d e a r a s m u t a ç õ e s , e s t a i n o v a ç ã o é “...um

primeiro modo de existir. E ele agora aceitava qualquer inovação, mesmo as

incautas.”122

D e s e n l a n c e o u d e s e n l a c e , a m b a s a r r a s t a m n o s e u â m a g o o modo d e q u e é

c o m p o s t o o t e x t o e o s e r . A m b a s s ã o f o r m a s d e d i z e r o “ c o r p o ” q u e a l i m e n t a e s t a

e s c r i t a : A d i f e r e n ç a d e s e n t i d o d o s d o i s v o c á b u l o s p e r m i t e a a m b i g ü i d a d e e a o

m e s m o t e m p o a e q ü i v a l ê n c i a ^ O r i t u a l n e c e s s á r i o à m e t a m o r f o s e m o s t r a o

m o v i m e n t o i n t e r i o r d e _ a j g o q u e s e l a n ç a p a r a f o r a à r e v e l i a d o e s f o r ç o d a q u e l e q u e

q u e r s e manter “só e.altaneiro.~Seuyômto d\z q u e “ ele de repente não era mais”. A

“ m u t a ç ã o ” d a i d e n t i d a d e p e r m i t e t o d o t i p o d e d e s p o j a m e n t o q u e , p a r a d o x a l m e n t e ,

a c a b a c r i a n d o a b e r t u r a s i n u s i t a d a s n o p r o c e s s o d a c r i a ç ã o : “( ) nada tenho^ayer comigo mesmo", “ solto e sem passaporte” d e s c o b r e q u e “ viver era muito

sim ples23 A . p e r d a d e t u d o , e m ú l t i m a i n s t â n c i a , d e v o l v e a e s t e t e x t o u m m o d o

m u i t o p e c u l i a r d e C l a r i c e e n t e n d e r a c r i a ç ã o : o q u e a t r a v e s s a é , à s v e z e s , o o p o s t o

d a q u i l o q u e p r o c u r a . A d e s c o b e r t a d o S r . J B , s e e q u i p a r a à s t e n t a t i v a s d e C l a r i c e

e m e n c o n t r a r o g r a u z e r o d a s u a e s c r i t u r a .

122 LISPECTOR, Clarice.”E>esespero e desenlace às tres da tarde”. In: Colóquio-letras, Lisboa,

Fundação Calouste Gulbenkian, n.25, maio, 1975, p. 53.

123Idem. op. cit., p. 53.

3.6 - Onde Estivestes de Noite

" A s h i s t ó r i a s n ã o t ê m d e s f e c h o " .

Alberto Dines

" O d e s c o n h e c i d o v i c i a "

FauziArap

" S e n t a d a n a p o l t r o n a , c o m a b o c a c h e i a d e d e n t e s , e s p e r a n d o a m o r t e . "

Raul Seixas

" O q u e v o u a n u n c i a r é t ã o n o v o q u e r e c e i o t e r t o d o s o s h o m e n s p o r i n i m i g o , a

t a l p o n t o s e e n r a í z a m n o m u n d o o s p r e c o n c e i t o s e a s d o u t r i n a s , u m a v e z a c e i t a s "

William Harvey

A n o i t e e r a u m a p o s s i b i l i d a d e e x c e p c i o n a l . E m g e r a l p l e n a n o i t e f e c h a d a d e

u m v e r ã o e s c a l d a n t e u m g a l o s o l t o u s e u g r i t o f o r a d e h o r a e u m a s ó v e z p a r a a l e r t a r

o i n í c i o d a s u b i d a p e l a m o n t a n h a . A m u l t i d ã o e m b a i x o a g u a r d a v a e m s i l ê n c i o .

E l e - e l a j á e s t a v a p r e s e n t e n o a l t o d a m o n t a n h a , e e l a e s t a v a p e r s o n a l i z a d a n o

e l e e o e l e e s t a v a p e r s o n a l i z a d o n o e l a . A m i s t u r a a n d r ó g i n a c r i a v a u m s e r t ã o

t e r r i v e l m e n t e b e l o , t ã o h o r r o r o s a m e n t e e s t u p e f a c i e n t e q u e o s p a r t i c i p a n t e s n ã o

p o d e r i a m o l h á - l o d e u m a s ó v e z : a s s i m c o m o u m a p e s s o a v a i p o u c o a p o u c o s e

h a b i t u a n d o a o e s c u r o e a o s p o u c o s e n x e r g a n d o . A o s p o u c o s e n x e r g a v a m o E l a - E l e

e q u a n d o o E l e - e l a l h e s a p a r e c i a c o m u m a c l a r i d a d e q u e e m a n a v a d e l a - d e l e , e l e s

p a r a l i s a d o s p e l o q u e é B e l o d i r i a m : " A h , A h " . E r a u m a e x c l a m a ç ã o q u e e r a

p e r m i t i d a n o s i l ê n c i o d a n o i t e . O l h a v a m a a s s u s t a d o r a b e l e z a e s e u p e r i g o . M a s

e l e s h a v i a m v i n d o e x a t a m e n t e p a r a s o f r e r o p e r i g o .

O s p â n t a n o s s e e x a l a v a m . U m a e s t r e l a d e e n o r m e d e n s i d a d e g u i a v a - o s . E l e s

e r a m o a v e s s o d o B e m . S u b i a m a m o n t a n h a m i s t u r a n d o h o m e n s , m u l h e r e s ,

d u e n d e s , g n o m o s e a n õ e s — c o m o d e u s e s e x t i n t o s . 0 s i n o d e o u r o d o b r a v a p e l o s

s u i c i d a s . F o r a d a e s t r e l a g r a ú d a , n e n h u m a e s t r e l a . E n ã o h a v i a m a r . O q u e h a v i a d o

a l t o d a m o n t a n h a e r a e s c u r i d ã o . S o p r a v a u m v e n t o n o r o e s t e . E l e - e l a e r a u m f a r o l ?

A a d o r a ç ã o d o s m a l d i t o s i a s e p r o c e s s a r .

182

Os homens coleavam no chão como grossos e moles vermes: subiam.

Arriscavam tudo, já que fatalmente um dia iam morrer, talvez dentro de dois meses,

talvez sete anos — fora isto que Ele-ela pensava dentro deles.

Olha o gato. Olha o que o gato viu. Olha o que o gato pensou. Olha o que era.

Enfim,enfim, não havia símbolo, a "coisa" era! a coisa orgíaca. Os que subiam

estavam à beira da verdade. Nabucodonosor. Eles pareciam 20 nabucodonosores.

E na noite se desquitavam. Eles estão nos esperando. Era uma ausência — a

viagem fora do tempo.

Um cão dava gargalhadas no escuro. "Tenho medo", disse a criança. "Medo de

quê?", perguntava a mãe. "De meu cão". "Mas você não tem cão". "Tenho sim". Mas

depois a criancinha também gargalhou chorando, misturando lágrimas de riso e de

espanto.

Afinal chegaram, os malditos. E olharam aquela sempiterna Viúva, a grande

Solitária que fascinava todos, e os homens e mulheres não podiam resistir e

queriam aproximar-se dela para amá-la morrendo mas ela com um gesto mantinha

todos à distância. Eles queriam amá-la de um amor estranho que vibra em morte.

Não se incomodavam de amá-la morrendo. O manto de Ela-ele era de sofrida cor

roxa. Mas as mercenárias do sexo em festim procuravam imitá-la em vão.

Que horas seria? ninguém podia viver no tempo, o tempo era indireto e por

sua própria natureza sempre inalcançável. Eles já estavam com as articulações

inchadas, os estragos roncavam nos estômagos cheios de terra, os lábios túmidos e

no entanto rachados — eles subiam a encosta. As trevas eram de um som baixo e

escuro como a nota mais escura de um violoncelo. Chegaram. O Mal-Aventurado, o

Ele-ela, diante da adoração de reis e vassalos, refulgia como uma iluminada águia

gigantesca. O silêncio pululava de respirações ofegantes. A visão era de bocas

entreabertas pela sensualidade que quase os paralisava de tão grossa. Eles se

sentiam salvos do Grande Tédio.

O morro era de sucata. Quando a Ela-ele parava um instante, homens e

mulheres, entregues a eles próprios por um instante, diziam-se assustados: eu não

sei pensar. Mas o Ele-ela pensava dentro deles.

Um arauto mudo de clarineta aguda anunciava a notícia. Que notícia? a da

bestialidade? Talvez no entanto fosse o seguinte: a partir do arauto cada um deles

começou a "se sentir", a sentir a si próprio. E não havia repressão: livres!

183

A í e l e s c o m e ç a r a m a b a l b u c i a r m a s p a r a d e n t r o p o r q u e E l a - e l e e r a c á u s t i c a

q u a n t o a n ã o d i s t u r b a r e m u n s a o s o u t r o s n a s u a l e n t a m e t a m o r f o s e . " S o u J e s u s !

S o u j u d e u ! " , g r i t a v a e m s i l ê n c i o o j u d e u p o b r e . O s a n a i s d a a s t r o n o m i a n u n c a

r e g i s t r a r a m n a d a c o m o e s t e e s p e t a c u l a r c o m e t a , r e c e n t e m e n t e d e s c o b e r t o — s u a

c a u d a v a p o r o s a s e a r r a s t a r á p o r m i l h õ e s d e q u i l ô m e t r o s n o e s p a ç o . S e m f a l a r n o

t e m p o .

U m a n ã o c o r c u n d a d a v a p u l i n h o s c o m o u m s a p o , d e u m a e n c r u z i l h a d a a o u t r a

— o l u g a r e r a d e e n c r u z i l h a d a s . D e r e p e n t e a s e s t r e l a s a p a r e c e r a m e e r a m

b r i l h a n t e s e d i a m a n t e s n o c é u e s c u r o . E o c o r c u n d a - a n ã o d a v a p u l o s , o s m a i s a l t o s

q u e c o n s e g u i a p a r a a l c a n ç a r o s b r i l h a n t e s q u e s u a c o b i ç a d e s p e r t a v a . C r i s t a i s !

C r i s t a i s ! g r i t o u e l e e m p e n s a m e n t o s q u e e r a m s a l t i t a n t e s c o m o o s p u l o s .

A l a t ê n c i a p u l s a v a l e v e , r i t m a d a , i n i n t e r r u p t a . T o d o s e r a m t u d o e m l a t ê n c i a .

" N ã o h á c r i m e q u e n ã o t e n h a m o s c o m e t i d o e m p e n s a m e n t o " : G o e t h e . U m a n o v a e

n ã o a u t ê n t i c a h i s t ó r i a b r a s i l e i r a e r a e s c r i t a n o e s t r a n g e i r o . A l é m d i s s o , o s

p e s q u i s a d o r e s n a c i o n a i s s e q u e i x a v a m d a f a l t a d e r e c u r s o s p a r a o t r a b a l h o .

A m o n t a n h a e r a d e o r i g e m v u l c â n i c a . E d e r e p e n t e o m a r : a r e v o l t a r e b e n t a ç ã o

d o A t l â n t i c o l h e s e n c h i a o s o u v i d o s . E o c h e i r o s a l g a d o d o m a r f e c u n d a v a - o s e

t r i p l i f i c a v a - o s e m m o n s t r i n h o s .

O c o r p o h u m a n o p o d e v o a r ? A l e v i t a ç ã o . S a n t a T e r e z a d ' Á v i l a : " P a r e c i a q u e

u m a g r a n d e f o r ç a m e e r g u i a n o a r . I s s o m e p r o v o c a v a u m g r a n d e m e d o . " O a n ã o

l e v i t a v a p o r s e g u n d o s m a s g o s t a v a e n ã o t i n h a m e d o .

— C o m o é q u e v o c ê s e c h a m a , d i s s e m u d o o r a p a z , p a r a e u c h a m a r v o c ê a

v i d a i n t e i r a . E u g r i t a r e i s e u n o m e .

— E u n ã o t e n h o n o m e l á e m b a i x o . A q u i t e n h o o n o m e d e X a n t i p a .

— A h , q u e r o g r i t a r X a n t i p a ! X a n t i p a ! O l h e , e u e s t o u g r i t a n d o p a r a d e n t r o . E

q u a l é o s e u n o m e d u r a n t e o d i a ?

— A c h o q u e é . . . é . . . p a r e c e q u e é M a r i a L u í s a .

É e s t r e m e c e u c o m o u m c a v a l o s e e r i ç a . C a i u e x a n g u e n o c h ã o . N i n g u é m

a s s a s s i n a v a n i n g u é m p o r q u e j á e r a m a s s a s s i n a d o s . N i n g u é m q u e r i a m o r r e r e n ã o

m o r r i a m e s m o . E n q u a n t o i s s o — d e l i c a d a , d e l i c a d a — o E l e - e l a u s a v a u m t i m b r e . A

c o r d o t i m b r e . P o r q u e e u q u e r o v i v e r e m a b u n d â n c i a e t r a i r i a o m e u m e l h o r a m i g o

e m t r o c a d e m a i s v i d a d o q u e s e p o d e t e r . E s s a p r o c u r a , e s s a a m b i ç ã o . E u

d e s p r e z a v a o s p r e c e i t o s d o s s á b i o s q u e a c o n s e l h a m a m o d e r a ç ã o e a p o b r e z a d e

184

a l m a — a s i m p l i f i c a ç ã o d e a l m a , s e g u n d o m i n h a p r ó p r i a e x p e r i ê n c i a , e r a a s a n t a

i n o c ê n c i a . M a s e u l u t a v a c o n t r a a t e n t a ç ã o .

S i m . S i m : c a i r a t é a a b j e ç ã o . E i s a a m b i ç ã o d e l e s . O s o m e r a o a r a u t o d o

s i l ê n c i o . P o r q u e n e n h u m p o d e r i a s e d e i x a r p o s s u i r p o r A q u e l e - a q u e l a - s e m - n o m e .

E l e s d e v e r i a m f r u i r o p r o i b i d o . Q u e r i a m e l o g i a r a v i d a e n ã o q u e r i a m a d o r q u e

é n e c e s s á r i a p a r a s e v i v e r , p a r a s e s e n t i r e p a r a a m a r . E l e s q u e r i a m s e n t i r a

i m o r t a l i d a d e t e r r í f i c a . P o i s o p r o i b i d o é s e m p r e o m e l h o r . E l e s a o m e s m o t e m p o n ã o

s e i n c o m o d a v a m d e t a l v e z c a i r n o e n o r m e b u r a c o d a m o r t e . E a v i d ã s ó l h e s e r a

p r e c i o s a q u a n d o g r i t a v a m e g e m i a m . S e n t i r a f o r ç a d o ó d i o e r a o q u e e l e s m e l h o r

q u e r i a m . E u m e c h a m o p o v o , p e n s a v a m .

— Q u e é q u e e u f a ç o p a r a s e r h e r ó i ? P o r q u e n o s t e m p l o s s ó e n t r a m h e r ó i s .

E n o s i l ê n c i o d e r e p e n t e o s e u g r i t o u i v a d o q u e n ã o s e s a b i a s e d e a m o r o u

d o r m o r t a l , o h e r ó i c h e i r a n d o a m i r r a , i n c e n s o e b e n j o i m .

E l e - e l a c o b r i a s u a n u d e z c o m u m m a n t o l i n d o m a s c o m o u m a m o r t a l h a ,

m o r t a l h a p ú r p u r a , a g o r a v e r m e l h o - c a t e d r a l . E m n o i t e s s e m l u a E l a - e l e v i r a v a c o r u j a .

C o m e r á s t e u i r m ã o , d i s s e e l a n o p e n s a m e n t o d o s o u t r o s , e n a h o r a s e l v a g e m

h a v e r á u m e c l i p s e d o s o l .

P a r a n ã o s e t r a í r e m e l e s i g n o r a v a m q u e h o j e e r a o n t e m e h a v e r i a a m a n h ã .

S o p r a v a n o a r u m a t r a n s p a r ê n c i a c o m o i g u a l h o m e m n e n h u m h a v i a r e s p i r a d o a n t e s .

M a s e l e s e s p a r g i a m p i m e n t a e m p ó n o s p r ó p r i o s ó r g ã o s g e n i t a i s e s e c o n t o r c i a m d e

a r d o r . E d e r e p e n t e o ó d i o . E l e s n ã o m a t a v a m u n s a o s o u t r o s m a s s e n t i a m t ã o

i m p l a c á v e l ó d i o q u e e r a c o m o u m d a r d o l a n ç a d o n u m c o r p o . E s e r e j u b i l a v a m

d a n a d o s p e l o q u e s e n t i a m . O ó d i o e r a u m v ô m i t o q u e o s l i v r a v a d e v ô m i t o m a i o r , o

v ô m i t o d a a l m a .

E l e - e l a c o m a s s e t e n o t a s m u s i c a i s c o n s e g u i a o u i v o . A s s i m c o m a s m e s m a s

s e t e n o t a s p o d i a c r i a r m ú s i c a s a c r a . O u v i r a m e l e s d e n t r o d e l e s o d ó - r é - m i - f á - s o l - l á -

s i , o " s i " m a c i o e a g u d í s s i m o . E l e s e r a m i n d e p e n d e n t e s e s o b e r a n o s , a p e s a r d e

g u i a d o s p e l o E l e - e l a . R u g i n d o a m o r t e n o s p o r õ e s e s c u r o s . F o g o , g r i t o , c o r , v í c i o ,

c r u z . E s t o u v i g i l a n t e n o m u n d o : d e n o i t e v i v o e d e d i a d u r m o , e s q u i v o . E u , c o m f a r o

d e c ã o , o r g i á t i c o .

Q u a n t o a e l e s , c u m p r i a m r i t u a i s q u e o s f i é i s e x e c u t a m s e m e n t e n d e r - l h e s o s

m i s t é r i o s . O c e r i m o n i a l . C o m u m g e s t o l e v e E l a - e l e t o c o u n u m a c r i a n ç a f u l m i n a n d o -

185

a e t o d o s d i s s e r a m : a m é m . A m ã e d e u u m u i v o d e l o b o : e l a t o d a m o r t a , e l a ,

t a m b é m .

M a s e r a p a r a t e r s u p e r s e n s a ç õ e s q u e p a r a a l i s e s u b i a . E e r a s e n s a ç ã o t ã o

s e c r e t a e t ã o p r o f u n d a q u e o j ú b i l o f a i s c a v a n o a r . E l e s q u e r i a m a f o r ç a s u p e r i o r q u e

r e i n a n o m u n d o a t r a v é s d o s s é c u l o s . T i n h a m m e d o ? T i n h a m . N a d a s u b s t i t u í a a

r i q u e z a d o s i l e n c i o s o p a v o r . T e r m e d o e r a a a m a l d i ç o a d a g l ó r i a d a e s c u r i d ã o ,

s i l e n t e c o m o u m a L u a .

A o s p o u c o s s e h a b i t u a v a m a o e s c u r o e a L u a , a n t e s e s c o n d i d a , t o d a r e d o n d a

e p á l i d a , t i n h a l h e s a b r a n d a d o a s u b i d a . E r a m t r e v a s q u a n d o u m p o r u m s u b i r a " a

m o n t a n h a " , c o m o c h a m a v a m o p l a n a l t o u m p o u c o m a i s e l e v a d o . T i n h a m s e a p o i a d o

n o c h ã o p a r a n ã o c a i r , p i s a n d o e m á r v o r e s s e c a s e á s p e r a s , p i s a n d o e m c a c t u s

e s p i n h o s o . E r a u m m e d o i r r e s i s t i v e l m e n t e a t r a e n t e , e l e s p r e f e r i r i a m m o r r e r q u e

a b a n d o n á - l o . O E l e - e l a e r a - l h e s c o m o a A m a n t e . M a s s e a l g u m o u s a s s e p o r

a m b i ç ã o t o c á - l a e r a c o n g e l a d o n a p o s i ç ã o e m q u e e s t i v e s s e .

E l e - e l a c o n t o u - l h e s d e n t r o d e s e u s c é r e b r o s — e t o d o s o u v i r a m - n a d e n t r o d e

s i — o q u e a c o n t e c i a a u m a p e s s o a q u a n d o e s t a n ã o a t e n d i a a o c h a m a d o d a n o i t e :

a c o n t e c i a q u e n a c e g u e i r a d a l u z d o d i a a p e s s o a v i v i a n a c a r n e a b e r t a e n o s o l h o s

o f u s c a d o s p e l o p e c a d o d a l u z — à p e s s o a v i v i a s e m a n e s t e s i a o t e r r o r d e s e e s t a r

v i v o . N ã o h á n a d a a t e m e r , q u a n d o n ã o s e t e m m e d o . E r a a v é s p e r a d o a p o c a l i p s e .

Q u e m e r a o r e i d a T e r r a ? S e v o c ê a b u s a d o p o d e r q u e v o c ê c o n q u i s t o u , o s m e s t r e s

o c a s t i g a r ã o . C h e i o s d e t e r r o r d e u m a f e r o z a l e g r i a e l e s s e a b a i x a v a m e à s

g a r g a l h a d a s c o m i a m e r v a s d a n i n h a s d o c h ã o e a s g a r g a l h a d a s r e b o a v a m d e

e s c u r i d õ e s a e s c u r i d õ e s c o m s e u s e c o s . U m c h e i r o s u f o c a n t e d e r o s a s e n c h i a d e

p e s o o a r , r o s a s m a l d i t a s n a s u a f o r ç a d e n a t u r e z a d o i d a , a m e s m a n a t u r e z a q u e

i n v e n t a v a a s c o b r a s e o s r a t o s e p é r o l a s e c r i a n ç a s — a n a t u r e z a d o i d a q u e o r a e r a

n o i t e e m t r e v a s , o r a o d i a d e l u z . E s t a c a r n e q u e s e m o v e a p e n a s p o r q u e t e m

e s p í r i t o .

D a s b o c a s e s c o r r i a s a l i v a g r o s s a , a m a r g a e u n t u o s a , e e l e s s e u r i n a v a m s e m

s e n t i r . A s m u l h e r e s q u e h a v i a m p a r i d o r e c e n t e m e n t e a p e r t a v a m c o m v i o l ê n c i a o s

p r ó p r i o s s e i o s e d o s b i c o s u m g r o s s o l e i t e p r e t o e s g u i c h a v a . U m a m u l h e r c u s p i u

c o m f o r ç a n a c a r a d e u m h o m e m e o c u s p e á s p e r o e s c o r r e u - l h e d a f a c e a t é a b o c a

— a v i d a m e n t e e l e l a m b e u o s l á b i o s .

186

Estavam todos soltos. A alegria era frenética. Eles eram o harém do Ele-ela.

Tinham caído finalmente no impossível. 0 misticismo era a mais alta forma de

superstição.

O milionário gritava: quero o poder! poder! quero que até os objetos obedeçam

as minhas ordens! E direi: move-te, objeto! e ele por si só se moverá.

A mulher velha e desgrenhada disse para o milionário: quer ver como você não

é milionário? pois vou te dizer: você não é o dono do próximo segundo de vida,

você pode morrer sem saber. A morte te humilhará. O milionário: Eu quero a

verdade, a verdade pura!

A jornalista fazendo uma reportagem magnífica da vida crua. Vou ganhar fama

internacional como a autora de "O exorcista" que não li para não me

influenciar124. Estou vendo direto a vida crua, eu a estou vivendo.

Eu sou solitário, se disse o masturbador.

Estou em espera, espera, nada jamais me acontece, já desisti de esperar. Eles

bebiam o amargo licor das ervas ásperas.

— Eu sou um profeta! eu vejo o além! se gritava um rapaz.

Padre Joaquim Jesus Jacinto — tudo com jota porque a mãe dele gostava da

letra jota.

Era dia trinta e um de dezembro de 1973. O horário astronômico seria aferido

pelos relógios atômicos, cujo atraso é de apenas um segundo a cada três mil e

trezentos anos.A outra deu para espirrar, um espirro atrás do outro, sem parar. Mas ela

gostava. A outra se chamava J. B.

— Minha vida é um verdadeiro romance! gritava a escritora falida.

O êxtase era reservado para o Ele-ela. Que de repente sofreu a exaltação do

corpo, longamente. Ela-ele disse: parem! Porque ela se endemoniava por sentir o

gozo do Mal. Eles todos através dela gozavam: era a celebração da Grande Lei. Os

eunucos faziam uma coisa que era proibido olhar. Os outros, através de Ela-ele,

recebiam frementes as ondas do orgasmo — mas só ondas porque não tinham força

de, sem se destruírem, receber tudo. As mulheres pintavam a boca de roxo como se

fosse fruta esmagada pelos afiados dentes.

124 Este trecho não existe na primeira edição de Onde estivestes de noite de 1974. O

acréscimo consta na quinta edição da editora Nova Fronteira (RJ) de 1980.

187

0 Ela-ele contou-lhes o que acontecia quando não se iniciava na profetização

da noite. Estado de choque. Por exemplo: a moça era ruiva e como se não bastasse

era vermelha por dentro e além disso daltônica. Tanto que no seu pequeno

apartamento havia uma cruz verde sobre o fundo vermelho: ela confundia as duas

cores. Como é que começara o seu terror? Ouvindo um disco ou o silêncio reinante

ou passos no andar de cima — e ei-la aterrorizada. Com medo do espelho que a

refletia. Defronte tinha um armário e a impressão era que as roupas se mexiam

dentro dele. Aos poucos ia restringindo o apartamento. Tinha medo até de sair da

cama. A impressão de que iam agarrar o seu pé embaixo da cama. Era magríssima.

O seu nome era Psiu, nome vermelho. Tinha medo de acender a luz no escuro e

encontrar a fria lagartixa que morava com ela. Sentia com aflição os dedinhos

gelados e brancos da lagartixa. Procurava avidamente no jornal as páginas

policiais, notícias do que estava acontecendo. Sempre aconteciam coisas

apavorantes para pessoas, como ela, que viviam só e eram assaltadas de noite.

Tinha na parede um quadro que era o de um homem que a fixava bem nos olhos,

vigiando-a. Essa figura ela imaginava que a seguia por todos os cantos da casa.

Tinha medo pânico de ratos. Preferiria morrer a entrar em contato com eles. No

entanto ouvia os guinchos deles. Chegava a sentir-lhes as mordidas nos pés.

Acordava sempre sobressaltada, suando frio. Ela era um bicho acuado.

Normalmente dialogava consigo mesma. Dava prós e contras e sempre quem perdia

era ela. Sua vida era uma constante subtração de si mesma. Tudo isso porque não

atendeu ao chamado da sirene.

O Ele-ela só deixava mostrar o rosto de andrógina. E dele se irradiava tal cego

esplendor de doido que os outros fruíram a própria loucura. Ela era o vaticínio e a

dissolução e já nascera tatuada. O ar todo cheirava agora a fatal jasmim e era tão

forte que alguns vomitavam as próprias entranhas. A Lua estava plena no céu.

Quinze mil adolescentes esperavam que espécie de homem e mulher eles iriam ser.

Então Ela-ele disse:

— Comerei o teu irmão e haverá um eclipse total e o fim do mundo.

De vez em quando ouvia-se um longo relincho e não se via cavalo nenhum.

Sabia-se apenas que com sete notas musicais fazem-se todas as músicas que

existem e que existirão. Da Ela-ele emanava-se forte cheiro de jasmim esmagado

porque era noite de Lua cheia. O catimbó ou a feitiçaria. Max Ernest quando criança

188

f o i c o n f u n d i d o c o m o M e n i n o J e s u s n u m a p r o c i s s ã o . D e p o i s p r o v o c a v a e s c â n d a l o s

a r t í s t i c o s . T i n h a u m a p a i x ã o i l i m i t a d a p e l o s h o m e n s e u m a i m e n s a e p o é t i c a

l i b e r d a d e . M a s p o r q u e e s t o u f a l a n d o n i s s o ? N ã o s e i . " N ã o s e i " é u m a r e s p o s t a

ó t i m a .

O q u e f a z i a T h o m a s E d i s o n , t ã o i n v e n t o r e l i v r e , n o m e i o d e l e s q u e e r a m

c o m a n d a d o s p o r E l e - e l a ?

G r e g o t i n s , p e n s o u o e s t u d a n t e p e r f e i t o , e r a a p a l a v r a m a i s d i f í c i l d a l í n g u a .

E s c u t a i ! o s a n j o s a n u n c i a d o r e s c a n t a m !

O j u d e u p o b r e g r i t a v a m u d o e n i n g u é m o o u v i u , o m u n d o i n t e i r o n ã o o o u v i a .

E l e d i s s e a s s i m : t e n h o s e d e , s u o r e l á g r i m a s ! e p a r a s a c i a r a m i n h a s e d e b e b o o

m e u s u o r e m i n h a s p r ó p r i a s l á g r i m a s s a l g a d a s . E u n ã o c o m o p o r c o ! s i g o a T o r a h !

m a s d a i - m e a l í v i o , J e o v á , q u e s e p a r e c e d e m a i s c o m i g o !

J u b i l e u d e A l m e i d a o u v i a o r á d i o d e p i l h a , s e m p r e . " O m i n g a u m a i s g o s t o s o é

f e i t o c o m C r e m o g e m a " . E d e p o i s a n u n c i a v a , d e S t r a u s s , u m a v a l s a q u e p o r i n c r í v e l

q u e p a r e c e s s e c h a m a v a - s e " O p e n s a d o r l i v r e " . É v e r d a d e , e x i s t e m e s m o , e u o u v i .

J u b i l e u e r a d o n o d o " A o B a n d o l i m d e O u r o " , l o j a d e i n s t r u m e n t o s m u s i c a i s q u a s e

f a l i d a , e e r a t a r a d o p o r v a l s a s d e S t r a u s s . E r a v i ú v o , e l e , q u e r d i z e r J u b i l e u . S e u

r i v a l e r a " O C l a r i m " , c o n c o r r e n t e n a r u a G o m e s F r e i r e o u F r e i C a n e c a . J u b i l e u e r a

t a m b é m a f i n a d o r d e p i a n o s .

T o d o s a l i e s t a v a m p r e s t e s a s e a p a i x o n a r . S e x o . P u r o s e x o . E l e s s e f r e a v a m .

A R u m â n i a e r a u m p a í s p e r i g o s o : c i g a n o s .

F a l t a v a p e t r ó l e o n o m u n d o . E , s e m p e t r ó l e o , f a l t a v a c o m i d a . C a r n e , s o b r e t u d o .

E s e m c a r n e e l e s s e t o r n a v a m t e r r i v e l m e n t e c a r n í v o r o s .

" A q u i , S e n h o r , e n c o m e n d o a m i n h a a l m a " , d i s s e r a C r i s t ó v ã o C o l o m b o a o

m o r r e r , v e s t i d o c o m o h á b i t o f r a n c i s c a n o . E l e n ã o c o m i a c a r n e . S e s a n t i f i c a v a ,

C r i s t ó v ã o C o l o m b o , o d e s c o b r i d o r d a s o n d a s , e q u e d e s c o b r i u S . F r a n c i s c o d e

A s s i s . H é l a s ! e l e m o r r e r a . O n d e e s t á s a g o r a ? o n d e ? p e l o a m o r d e D e u s , r e s p o n d e !

D e r e p e n t e e b e m d e l e v e — f i a t l u x .

H o u v e u m a d e b a n d a d a a s s u s t a d i ç a c o m o d e p a r d a i s .

T u d o t ã o r á p i d o q u e m a i s p a r e c i a t e r e m s e e s v a n e c i d o .

N a m e s m a h o r a e s t a v a m o r a d e i t a d o s n a c a m a a d o r m i r , o r a j á d e s p e r t o s . O

q u e e x i s t i r a e r a s i l ê n c i o . E l e s n ã o s a b i a m d e n a d a . O s a n j o s d a g u a r d a — q u e

189

tinham tirado um descanso já que todos estavam na cama sossegados —

despertavam frescos, bocejando ainda, mas já protegendo os seus pupilos.

Madrugada: o ovo vinha rodopiando bem lento do horizonte para o espaço. Era

de manhã: uma moça loura, casada com rapaz rico, dá à luz um bebê preto. Filho

do demônio da noite? Não se sabe. Apuros, vergonha.

Jubileu de Almeida acordou como pão dormido: chocho. Desde pequeno fora

murcho assim. Ligou o rádio e ouviu: "Sapataria Morena onde é proibido vender

caro". Iria lá, estava precisando de sapatos. Jubileu era albino, negro aço com cílios

amarelos quase brancos. Ele estalou um ovo na frigideira. E pensou: se eu pudesse

algum dia ouvir "O pensador livre", de Strauss, eu seria recompensado na minha

solidão. Só ouvira essa valsa uma única vez, não se lembrava quando.

O poderoso queria no seu breakfast comer caviar dinamarquês às colheradas,

estalando com os dentes agudos as bolinhas. Ele era do Rotary Club e da

Maçonaria e do Diners Club. Tinha o requinte de não comer caviar russo: era um

modo de derrotar a poderosa Rússia.

O judeu pobre acorda e bebe água da bica sofregamente. Era a única água

que tinha nos fundos da pensão baratíssima onde morava: uma vez veio uma barata

nadando no feijão ralo. As prostitutas que lá moravam nem reclamavam.

O estudante perfeito, que não desconfiava que era um chato, pensou: qual era

a palavra mais difícil que existia? Qual era? Uma que significava adornos, enfeites,

atavios? Ah, sim, gregotins. Decorou a palavra para escrevê-la na próxima prova.

Quando começou a raiar o dia todos estavam na cama sem parar de bocejar.

Quando acordavam, um era sapateiro, um estava preso por estupro, uma era dona-

de-casa, dando ordens à cozinheira, que nunca chegava atrasada, outro era

banqueiro, outro era secretário, etc. Acordavam, pois, um pouco cansados,

satisfeitos pela noite tão profunda de sono. O sábado tinha passado e hoje era

domingo. E muitos foram à missa celebrada por padre Jacinto que era o padre da

moda: mas nenhum se confessou, já que não tinham nada a confessar.

A escritora falida abriu o seu diário encadernado de couro vermelho e

começou a anotar assim: "7 de julho de 1974. Eu, eu, eu, eu, eu, eu, eu! Nesta bela

manhã de sol de domingo, depois de ter dormido muito mal, eu, apesar de tudo,

aprecio as belezas maravilhosas da Natureza-mãe. Não vou à praia porque sou

gorda demais e esta é uma infelicidade para quem aprecia tanto as ondas

190

verdezitas do Mar! Eu me revolto! Mas não consigo fazer regime: morro de fome.

Gosto de viver perigosamente. Tua língua viperina será cortada pela tesoura da

complacência."

De manhã: agnus dei. Bezerro de ouro? Urubu.

O judeu pobre: livrai-me do orgulho de ser judeu!

A jornalista de manhã bem cedo telefona para sua amiga:

— Claudia, me desculpe telefonar num domingo a esta hora! Mas acordei com

uma inspiração fabulosa: vou escrever um livro sobre Magia Negra! Não, não li o tal

do Exorcista, porque me disseram que é má literatura e não quero que pensem que

estou indo na onda dele. Você já pensou bem? o ser humano sempre tentou se

comunicar com o sobrenatural desde o antigo Egito com o segredo das Pirâmides,

passando pela Grécia com seus deuses, passando por Shakespeare no Hamlet.

Pois eu também vou entrar nessa. E, por Deus, vou ganhar essa parada!

Havia em muitas casas do Rio o cheiro de café. Era domingo. E o rapaz ainda

na cama, cheio de torpor, ainda mal-acordado, se disse: mais um domingo de tédio.

Com o que havia sonhado mesmo? Sei lá, respondeu-se, se sonhei, sonhei com

mulher.

Enfim, o ar clareia. E o dia de sempre começa. O dia bruto. A luz era maléfica:

instaurava-se o mal-assombrado dia diário. Uma religião se fazia necessária: uma

religião que não tivesse medo do amanhã. Eu quero ser invejado. Eu quero o

estupro, o roubo, o infanticídio, e o desafio meu é forte. Queria ouro e fama,

desprezava até o sexo: amava depressa e não sabia o que era o amor. Quero o

ouro mau. Profanação. Vou ao meu extremo. Depois da festa — que festa? noturna

— depois da festa, desolação.

Havia o observador que escreveu assim no caderno de notas: "O progresso e

todos os fenômenos que o cercam parece (sic) participar intimamente dessa lei de

aceleração geral, cósmica e centrífuga que arrasta a civilização ao "progresso

máximo", a fim de que em seguida venha queda. Uma queda ininterrupta ou uma

queda rapidamente contida? Aí está o problema: não podemos saber se esta

sociedade se destruirá completamente ou se conhecerá apenas uma interrupção

brusca e depois a retomada de sua marcha." E depois: "0 Sol diminuiria seus

efeitos sobre a Terra e provocaria o início de um novo período glacial que poderia

durar no mínimo dez mil anos." Dez mil anos era muito e assustava. Eis o que

191

a c o n t e c e q u a n d o a l g u é m e s c o l h e , p o r m e d o d a n o i t e e s c u r a , v i v e r a s u p e r f i c i a l l u z

d o d i a . É q u e o s o b r e n a t u r a l , d i v i n o o u d e m o n í a c o , é u m a t e n t a ç ã o d e s d e o E g i t o ,

p a s s a n d o p e l a I d a d e M é d i a a t é o s r o m a n c e s b a r a t o s d e m i s t é r i o .

O a ç o u g u e i r o , q u e n e s s e d i a s ó t r a b a l h a v a d a s o i t o à s o n z e h o r a s , a b r i u o

a ç o u g u e : e p a r o u e m b r i a g a d o p e l o p r a z e r a o c h e i r o d e c a r n e s e c a r n e s c r u a s , c r u a s

e s a n g r e n t a s . E r a o ú n i c o q u e d e d i a c o n t i n u a v a a n o i t e .

P a d r e J a c i n t o e s t a v a n a m o d a p o r q u e n i n g u é m c o m o e l e e r g u i a t ã o

l i m p i d a m e n t e a t a ç a e b e b i a c o m s a g r a d a u n ç ã o e p u r e z a , s a l v a n d o t o d o s , o

s a n g u e d e J e s u s , q u e e r a o B e m . C o m d e l i c a d e z a a s m ã o s p á l i d a s n u m g e s t o d e

o f e r e n d a .

O p a d e i r o c o m s e m p r e a c o r d o u à s q u a t r o h o r a s e c o m e ç o u a f a z e r a m a s s a d e

p ã o . D e n o i t e a m a s s a r a o D i a b o ?

U m a n j o p i n t a d o p o r F r a A n g é l i c o , s é c u l o X V , v o e j a v a p e l o s a r e s : e r a a

c l a r i n e t a a n u n c i a d o r a d a m a n h ã . O s p o s t e s d e l u z e l é t r i c a n ã o t i n h a m a i n d a s i d o

a p a g a d o s e l u s t r a v a m - s e e m p a l i d e c i d o s . P o s t e s . A v e l o c i d a d e c o m e o s p o s t e s

q u a n d o s e e s t á c o r r e n d o d e c a r r o .

O m a s t u r b a d o r d e m a n h ã : m e u ú n i c o a m i g o f i e l é m e u c ã o . E l e n ã o c o n f i a v a

e m n i n g u é m , s o b r e t u d o e m m u l h e r .

A q u e b o c e j a r a a n o i t e t o d a e d i s s e r a : " f i s c o n j u r o , m ã e d e s a n t o ! " c o m e ç o u a

s e c o ç a r e a b o c e j a r . D i a b o , d i s s e e l a .

O p o d e r o s o — q u e c u i d a v a d e o r q u í d e a s , c a t l é i a s , l é l i a s e o n c i d i o s — a p e r t o u

i m p a c i e n t e m e n t e a c a m p a i n h a p a r a c h a m a r o m o r d o m o q u e l h e t r o u x e s s e o j á

a t r a s a d o b r e a k f a s t . O m o r d o m o a d i v i n h a v a - l h e o s p e n s a m e n t o s e s a b i a q u e q u a n d o

l h e t r a z e r o s g a l g o s d i n a m a r q u e s e s p a r a s e r e m r a p i d a m e n t e a c a r i c i a d o s .

A q u e l a q u e d e n o i t e g r i t a v a " e s t o u e m e s p e r a , e m e s p e r a " , d e m a n h ã , t o d a

d e s g r e n h a d a d i s s e p a r a o l e i t e n a l e i t e i r a q u e e s t a v a n o f o g o :

— E u t e p e g o , s e u p o r c a r i a ! Q u e r o v e r s e t u t e m a n c a s e f e r v e s n a m i n h a

c a r a , m i n h a v i d a é e s p e r a r . É s a b i d o q u e s e e u d e s v i a r u m i n s t a n t e o o l h a r d o l e i t e ,

e s s e d e s g r a ç a d o v a i a p r o v e i t a r p a r a f e r v e r è e n t o r n a r . C o m o a m o r t e q u e v e m

q u a n d o n ã o s e e s p e r a .

E l a e s p e r o u , e s p e r o u e o l e i t e n ã o f e r v i a . E n t ã o , d e s l i g o u o g á s .

N o c é u o m a i s l e v e a r c o - í r i s : e r a o a n ú n c i o . A m a n h ã c o m o u m a o v e l h a

b r a n c a . P o m b a b r a n c a e r a a p r o f e c i a . M a n j e d o u r a . S e g r e d o . A m a n h ã

192

p r e e s t a b e l e c i d a . A v e - M a r i a , g r a t i a p l e n a , d o m i n u s t e c u m . B e n e d i c t a t u i n m u l i e r i b u s

e t b e n e d i c t u m f r u t u s v e n t r i t u i J e s u s . S a n c t a M a r i a M a t e r D e i o r a p r o n o b i s

p e c a t o r i b u s . N u n c a e t o r a n o s t r a e m o r t e A m e m .

P a d r e J a c i n t o e r g u e u c o m a s d u a s m ã o s a t a ç a d e c r i s t a l q u e c o n t é m o

s a n g u e e s c a r l a t e d e C r i s t o . E t a , v i n h o b o m . E u m a f l o r n a s c e u . U m a f l o r l e v e , r ó s e a ,

c o m p e r f u m e d e D e u s . E l e - e l a h á m u i t o s u m i r a n o a r . A m a n h ã e s t a v a l í m p i d a c o m o

c o i s a r e c é m - l a v a d a .

A M É M

O s f i é i s d i s t r a í d o s f i z e r a m o s i n a l d a c r u z .

A M É M

D E U S

F I M

E p í l o g o :

T u d o o q u e e s c r e v i é v e r d a d e e e x i s t e . E x i s t e u m a m e n t e u n i v e r s a l q u e m e

g u i o u . O n d e e s t i v e s t e s d e n o i t e ? N i n g u é m s a b e . N ã o t e n t e s r e s p o n d e r — p e l o a m o r

d e D e u s . N ã o q u e r o s a b e r d a r e s p o s t a . A d e u s . A - D e u s .

3.6.1 - Onde Estivestes de Noite ou A Opacidade do Cotidiano

"I met the nightmare."Shakespeare“O sagrado é ato fundante. Recorte demiúrgico no caos. Instauração de Cosmo e Natureza”Alberto Lins Caldas

E s t e t e x t o 125 e m b o r a n ã o e s t e j a e n t r e o s q u e f o r a m r e p u b l i c a d o s e

r e e l a b o r a d o s v i a i m p r e n s a , é u m d o s m a i s d e s c o n c e r t a n t e s e d e s a f i a d o r e s d e

C l a r i c e L i s p e c t o r . O q u e n e l e c h a m a a t e n ç ã o , e p o r i s s o e l e f o i i n c l u í d o n e s t e

p e r c u r s o , é s u a e x t r e m a f r a g m e n t a ç ã o , u m a f o r t e l i g a ç ã o c o m o g r o t e s c o e a s u a

r e l a ç ã o i n t e r n a c o m o s o u t r o s t e x t o s . E m " O n d e e s t i v e s t e s d e n o i t e " a p r e s e n ç a d o

o v o , d o c a v a l o , d o r e l ó g i o / C o i s a e , d o s b i c h o s q u e h a b i t a m o u n i v e r s o c t o n i a n o ,

f o r m a m u m t i p o d e r e d e c i r c u l a r q u e t e n t a e s t a b e l e c e r o s p o s s í v e i s " l a ç o s " e n t r e u m

e o u t r o .

Os personagens que habitam este universo não se comunicam entre si e seus

gritos são ecos no vazio, dado seu estado de incomunicabilidade. São seres cujas

características (a mulher velha desgrenhada, o todo-poderoso, a escritora falida,

o anão corcunda, o judeu pobre, o estudante perfeito e masturbador, a moça

ruiva e vermelha por dentro, o negro-albino, o Ele-Ela — Ela- Ele, mistura

andrógina, o observador-cientista) centradas mais nas “qualidades” do que no ser

em si, impõem uma imagem estranha de cada personagem. Junte-se a isto, o fato

de serem chamados não pelo nome próprio, mas por um ou mais adjetivos. O

todo que compõe este conjunto são personagens marginais, errantes, mercadores,

mercenários "desacatam" o modelo do herói. Na modernidade o herói se mostra

no conjunto fonnado por este tableau. O conjunto esconde uma unidade cujo

processo de junção revela o monstruoso.

125 LISPECTOR, Clarice. Onde estivestes de noite, Rio de Janeiro, Artenova, 1974. Este será o

texto-base utilizado para análise.

194

A c o m p o s i ç ã o d e u m g r a n d e m o s a i c o h e t e r o g ê n e o p e r m i t e m a v i s ã o d a

“ g r a n d e n o i t e ” e x p r e s s a a t r a v é s d o s a s p e c t o s d e d e g e n e r e s c ê n c i a , d e d e c a d ê n c i a ,

J*i n d i c a n d o a o p ç ã o p o r u m a r a d i c a l i d a d e , i s t o é , p o r m o s t r a r u m a i d e n t i d a d e

e s t i g m a t i z a d a . O q u e e s t á i n s c r i t o n o t e x t o s o c i a l p e r m i t e a e n t r a d a n a s m a l h a s d o

s u b t e x t o q u e p e r m i t e e s t a f u s ã o . O h í b r i d o é b a s t a r d o e p o r e x t e n s ã o , o m o n s t r o .

O c o t i d i a n o a c a b a s e m p r e p o r c r i a r u m a e s p é c i e d e c a s c a a t r a v é s d o a t o

r e p e t i t i v o d e c a d a d i a , f a z e n d o c o m q u e a s c o i s a s m a i s i m p o r t a n t e s p e r c a m o s e u

s i g n i f i c a d o . O c o t i d i a n o a p a g a a p u l s ã o . M a s n ã o é e l e q u e p e s a e s i m o a t o

r e p e t i t i v o q u e s e i n s t a l a e q u e a o s p o u c o s d i s s e m i n a t u d o . I m p o r t a a u m a

d e t e r m i n a d a l ó g i c a q u e o d i t o o u f e i t o s e r e p i t a , e s e j a c o n s i d e r a d o " n o r m a l " . 'A

sociedade que quer recalcar o seu lado miserável, o crítico apresenta um

tableau, em que ela pode se reconhecer” 126

N ã o s e r i a p r e m a t u r o a f i r m a r q u e i n o v a r n ã o é m u d a r o l u g a r d a c u l t u r a n e m s e

s o b r e p o r a e l a , m a s f a z e r d e l a u m a a l i a d a .

E O l g a d e S á q u e m c h a m a a t e n ç ã o a r e a l i d a d e q u e p e r d e u o s e u s e n t i d o p a r a

o h o m e m e i d e n t i f i c a " o m u n d o m o d e r n o " c o m o c u l t u r a l m e n t e a l h e i o a o s a n s e i o s d o

h u m a n o , q u a n d o o p r o g r e s s o e a c i ê n c i a s e p r o p u n h a m t o r n a r o h o m e m m e l h o r e

m a i s f e l i z . “ O mundo moderno representa um agudo momento cultural de opacidade

do cotidiano, da mecanização da vida que a todos consome.”(p■ 137).

A p a r t i r d e s t a a f i r m a ç ã o d e O l g a d e S á o b s e r v a m o s q u e OEN é u m p e n o s o

e x e r c í c i o l i t e r á r i o q u e b u s c a a r r a n c a r e s t e c o t i d i a n o d a s u a e s c u r i d ã o . O l g a d e S á

s u s t e n t a q u e , o s e s c r i t o s d e C l a r i c e s ã o u m m o d o r a d i c a l d e s e p e n e t r a r n o

c o t i d i a n o . A e x p l i c a ç ã o d e c o m o p o d e r i a a c o n t e c e r e s t a a ç ã o r a d i c a l é s u g e r i d a p o r

J o s é W i s n i k ”* 2 7 q U e e x p l i c a : "explosão entre a natureza transformada pela técnica

e o imaginário social, de onde deveriam saltar descargas revolucionárias".

126BOLLE, Willi. Fisiognomia da metrópole. Op. cit., p. 365.127WISNIK, José.“lluminações profanas". In: Olhar. (Org. Adauto Novaes).São Paulo, Companhia das Letras, 1988, p.287.

195

José Wisnik afirma que o texto de Clarice se aproxima daquilo que Walter

Benjamin chama de "iluminação profana" e acrescenta: “(...) a pedra de toque

do visionarismo moderno é o olhar que sonda o impenetrável do cotidiano, e o

cotidiano no seu impenetrável”. Estas duas afirmações, embora venham de fontes

diferenciadas se integram perfeitamente. A opacidade do cotidiano encontra-se

plasticamente impregnada na linguagem através da visão do grotesco:Das bocas escorria saliva grossa, amarga e untosa, e eles se urinavam sem sentir. As mulheres que haviam parido recentemente apertavam com violência os próprios seios e dos bicos um grosso leite preto esguichava. Uma mulher cuspiu com força na cara de um homem e o cuspe áspero escorreu-lhe da face até a boca avidamente ele lambeu os lábios (p. 62-3).

Ao optar pela expressão do grotesco a escritora reafirma o pensamento de

Víctor Hugo128 e a visão do grotesco estranho serve para reafirmar que:(...) tudo na criação não é humanamente belo, que o feio existe ao lado do belo, o disforme perto do gracioso, o grotesco no reverso do sublime, o bem com o mal, a sombra com a luz.

0 relato é uma pergunta: Onde estivestes de noite? e a construção textual é a

reconstrução de uma trajetória que abdica de uma resposta. Neste texto o autor

nega a cumplicidade com o leitor e, ao quebrar o encantamento, recusa a harmonia

para lutar contra a caducidade do texto realista. Neste percurso observamos

desvios, articulações inusitadas e não uma intriga que nos conduza a sensação de

horror ou medo, entretanto há um franzir dè testa que se interroga onde nos levará

esta "narrativa" que se rompe ao invés de aglutinar sentido. Não há a presença de

um discurso f a n t á s t ic o ^ 29 mas um clima de não expectativa que a todo momento

desarma o leitor. Enquanto na "quinta história" há o enleio permanente, aqui se

desenha um desnarrar. Existe paradoxalmente, o chamado efeito: efeito singular,

pois que não nos projeta para um clímax mas para um labirinto, onde o leitor não se

vê enlevado, mas preso numa angústia perplexa. A esta forma de tessitura do texto

chamarei de esgarçamento, isto é, na medida que se tece o estranhamento se tece

128 HUGO, Víctor. O sublime e o grotesco. São Paulo, Perspectiva, 1975, p. 25129 Não há nada no texto que nos faça duvidar da sua veracidade. O pseudosobrenatural é plenamente justificado pela ironia que desconstrói quaquer possibilidade de irreal.

196

t a m b é m u m a o u t r a p r e s e n ç a : a d o c o n c r e t o . A a m p l i a ç ã o d a s p o s s i b i l i d a d e s d a

l i n g u a g e m é d e s u m a i m p o r t â n c i a , a g o r a n ã o m a i s c o m o m e r o i n s t r u m e n t o m a s

c o m o r e s i s t ê n c i a a o j o g o d o v a z i o .

N u m t e m p o e s p e c í f i c o , c a r a c t e r i z a d o c o m o n o i t e , é q u e o s p e r s o n a g e n s s e

m o v e m . “A noite era uma possibilidade excepcional" e , a c r e s c e n t a o n a r r a d o r : "Em

plena noite fechada de um verão escaldante um galo soltou seu grito fora de hora

. S e a f a c e n o t u r n a p r o p i c i a u m a v i s ã o e x a c e r b a d a d a r e a l i d a d e , o d o a t o

d e " s o l t a r o g r i t o f o r a d e h o r a " s u b v e r t e o t e m p o o u p r o p i c i a o s e u d e s l o c a m e n t o

q u e b u s c a , n a s p a l a v r a s d e J o s é W i s n i k ^ l :

(...) criar uma fenda para que se mostre aquilo que se esconde no visível, de que seja pura presença.

P o r i s s o ,

(...) no próprio instante de se ver o ovo , ele é a lembrança de um ovo — Só vê o ovo quem já o tiver visto — Ao ver o ovo é tarde demais: ovo visto, ovo perdido132.

R e i v i n d i c a r u m m o d o p r ó p r i o d e e n t e n d e r o t e m p o e f a z e r d e l e u m a l i a d o n a

c o m p r e e n s ã o d a r e a l i d a d e é o u t r a e s t r a t é g i a u t i l i z a d a n e s t e t e x t o . O t e m p o n ã o

d i v i s í v e l , n ã o c o n t á v e l , e p o r i s s o p e r m i t e u m a f e n d a n o á t i m o d o i n s t a n t e . U m

t e m p o n o t u r n o , u m t e m p o q u e r e s g a t a o i n f o r m e , o s a g r a d o .

N ã o s e r i a m e r a e s p e c u l a ç ã o l e m b r a r q u e C l a r i c e f o i t r a d u t o r a d e E d g a r A l a n

P o e e p o s s í v e l l e i t o r a d e H o f f m a n n , e a c o i n c i d ê n c i a d o t í t u l o d o s c o n t o s " M i s t é r i o

d e S ã o C r i s t ó v ã o " ( C / a / 7 c e Lispector) e " M i s t é r i o d e S ã o S i l v e s t r e'\Hoffmann) v e m

c o r r o b o r a r c o m a s u s p e i t a d e q u e a o p ç ã o d a a u t o r a n o s p a r e c e j á e s t a b e l e c i d a ,

p e l o m i s t é r i o e p o r e x t e n s ã o p e l o e n i g m a . O s m o d o s d e c o m b i n a ç ã o d o m i s t é r i o e

d o g r o t e s c o r e a f i r m a m m u d a n ç a s F i c a c l a r o a t e n t a ç ã o q u e o m i s t é r i o e x e r c e s o b r e

o n a r r a d o r m a s , c o m o e l e o b s e r v a , h á a b a n a l i z a ç ã o d o m e s m o .

(...) o humano sempre tentou se comunicar com o sobrenatural desde o antigo Egito com o segredo das Pirâmides, passando pela Grécia com seus deuses, passando por Shakespeare no Hamlet. Pois eu

130 LISPECTOR. OEN, p.59.131 NOVAES (org,) Olhar, p.286.132 LISPECTOR. ”0 ovo e a galinha”. LE. p.56.

197

também vou entrar nessa. E, por Deus, vou ganhar essa parada!(9.75).

Eis o que acontece quando alguém escolhe, por medo da noite escura, viver a superficial luz do dia. É que o sobrenatural, divino ou demoníaco, é uma tentação desde o Egito, passando pela Idade Média até os romances baratos de mistério (p.76).

A escritora falida não precisa "imitar" o terror causado pelo sobrenatural.

Desvendar o mistério, o que está por trás do aparentemente óbvio, é tornar

estranho o que está soterrado pelo peso do cotidiano. O grotesco comum é

deslocado, isto é, colocado num contexto que apesar de chinfrim, não aceita o

anonimato. Os personagens são seres comuns cujas "deformações" são

decorrentes do colapso de cada dia. O mistério que os envolve é o mistério do

diferente, onde o que é feio não se ousa pronunciar. A ética ingênua é expulsa do

texto. Aclara-se o vazio que precisa da ironia para tecer uma não presença. É

necessário olhar por outro ângulo. A repetição que busca quebrar a mola do desejo

e vigia os passos imprime a esta narrativa outro modo de olhar. O grotesco

assimilado perde o vigor. Clarice repõe o rigor desentranhando o falso grotesco.

O olhar lançado de viés mostra esta face do invisível. A fuga deliberada do

grotesco maravilhoso, do grotesco fantástico, do grotesco realista, impoem o uso da

ironia na caracterização dos personagens e do discurso. A metamorfose é dupla: do

texto (tecido que se rompe e se esgarça) e do ato narrativo que relata fragmentos,

cujo nexo espera por se articular. Ao incrustar desavisadamente no texto comentário

sobre a história que está sendo escrita por outros, estilhaça e aglutina sentidos

aparentemente dispersos.

Uma nova e não autêntica história brasileira era escrita no estrangeiro. Além disso, os pesquisadores nacionais se queixavam da falta de recursos para o trabalho (p. 59).

A história transita livremente liberada de seu peso de compromisso com o

institucional e a verdade.

A esfinge ri e seu riso se expressa através do roubo do cavalo,”Eu quero o

estupro, o roubo, o infanticídio, e o desafio é meu forte”.(p.76) O ovo anuncia uma

198

n o v a t r a j e t ó r i a . “Madrugada: o ovo vinha rodopiando bem lento pelo horizonte.”

(P .73)A c a r i c a t u r i z a ç ã o d o s p e r s o n a g e n s e l e v a a m á x i m a p o t ê n c i a a q u i l o q u e a

s o c i e d a d e d e f o r m o u , i s t o é , s e a p r o p r i a d o a l e g o r i z a d o p a r a f a z e r d e l e s u a p r ó p r i a

a l e g o r i a . N ã o s e p o d e c a r i c a t u r i z a r o q u e j á e s t á m a s c a r a d o , e e s t a a p a r e n t e

c o n t r a d i ç ã o é e n t r e t a n t o q u e l e v a o n a r r a d o r a c o l o c a r u m a m a q u i a g e m n o v a s o b r e

a v e l h a , m u d a n d o t o t a l m e n t e o â n g u l o d a i n t e n ç ã o . A m i s t u r a i n t e r n a m u d a o â n g u l o

d o v i s í v e l . 0 g r o t e s c o v i s í v e l c o n s i s t e n a s u p e r p o s i ç ã o d a s c a m a d a s . O c o n c r e t o é

o m o d o c o m o e l e a t u a s o b r e o e x i s t e n t e .

V a l e l e m b r a r q u e e m m o m e n t o a l g u m o n a r r a d o r a b d i c a d o e s t a d o d e " e x í l i o " d o s

p e r s o n a g e n s d a s h i s t ó r i a s . G e n t e c u j a v i d a m i ú d a e p r o v i s ó r i a o c u p a o e s p a ç o d e

s u a s n a r r a t i v a s : T o d o s a p r e s e n t a m u m a "ferida grande demais" e a e x p õ e m à

t r a g é d i a d e c a d a d i a . M a c a b é a " a e s t r e l a " , O l í m p i c o d e J e s u s , a b e s t a o n i p o t e n t e ,

i n f l a d o p e l a i d e o l o g i a , a s v e l h i n h a s g r o t e s c a s d a A via crucis. S ã o m u l h e r e s e

h o m e n s g r o t e s c o s p o r q u e e n g o r d a m s u a s f r u s t r a ç õ e s e m e d o s , v e l a d o s d e n t r o d o s

"laços de família". D e s t i t u í d o s d o d i r e i t o à v i d a t o d o s a n s e i a m p o r u m a s a í d a d i g n a .

S e m p r e q u e o s p e r s o n a g e n s t e m q u e s e r e l a c i o n a r c o m u m a r e a l i d a d e " e x t e r i o r "

a l g o l h e s a c o n t e c e . A f a l á c i a d e q u e a " i n t e r i o r i d a d e " é a l g o a s e r p r o t e g i d o ,

e s c o r r e g a n o v a z i o . O e m b a t e e n t r e o i n t e r i o r e o e x t e r i o r s e m p r e m o s t r a m a p e r d a

o u a f u g a p a r a o " l u g a r p r o t e g i d o " . Q u a s e t o d o s q u e t e n t a r a m t e c e r u m a r e l a ç ã o

m a i s h u m a n a c o m o u n i v e r s o , m a l o g r a r a m . A s s i m , o u n i v e r s o d o p e s a d e l o e d a

l o u c u r a s e r e p e t e i n f i n i t a m e n t e c r i a n d o a d i f e r e n ç a n a r e p e t i ç ã o .

A p r e s e n ç a d o a n d r ó g i n o , p a r a n o s l e m b r a r d a c o m p l e t u d e p e r d i d a , a p o n t a o

e n c o n t r o d a s m e t a d e s s e p a r a d a s , m a s c o m o u t r a f e i ç ã o .

A mistura andrógina criava um ser tão terrivelmente belo, tâo horrorosamente estupefaciante que os participantes não poderiam olhá-lo de uma só vez: assim como uma pessoa vai pouco a pouco se habituando ao escuro e aos poucos enxergando (p. 60).

133 A presença de Laura (LF), Cristina (BF), Ana (LF), Margarida (LE), Sr*. Xavier (OEN) e outras indicam esta possibilidade.

199

A l i n g u a g e m d o p a r a d o x o "terrivelmente belo" e "horrorosamente

estupefaciante", q u a l i d a d e s d a q u e l e q u e r e ú n e n u m s ó c o r p o o b e l o e o f e i o , r e c u s a

o t o t a l m e n t e p e r f e i t o . O q u e m e p e r m i t e p e n s a r q u e a a c u m u l a ç ã o d a m a t é r i a c o m

q u e é c o m p o s t o o a n d r ó g i n o a b d i c a d a s f r o n t e i r a s . A b e l e z a e m a g n i f i c ê n c i a d e s t a

f i g u r a q u e a t o d o s s e d u z é o d u p l o , v a l e d i z e r , o b e l o é t a m b é m o m o n s t r o .

O s p e r s o n a g e n s d e " O n d e e s t i v e s t e d e n o i t e " t ê m d i a n t e d o s s e u s o l h o s a

v i s ã o d o a b i s m o e d o i n f e r n o e é e m d i r e ç ã o a e l e s q u e s e d i r i g e m . “O inferno é o

meu máximo” d i z o n a r r a d o r d e G.H. e e m OEN c o n f i r m a : “Gosto de viver

perigosamente”:

O g r o t e s c o e r a e n t e n d i d o n a l i t e r a t u r a c o m o a q u e l e c u j a d e f o r m i d a d e , a l é m d e

v i s í v e l , t r a z i a a m a r c a d a a n i m a l i d a d e e s t a m p a d a n o s e m b l a n t e . O g r o t e s c o

m o d e r n o i n d i c a o " a n i m a l " i n t e r i o r e t a m b é m a d e f o r m i d a d e i n t e r i o r , m e n o s v i s í v e l e

p o r i s s o m a i s c o m p l e x a . É d e s t a d u a l i d a d e q u e n o s f a l a o t e x t o . N ã o h á m a i s a l u t a

c o n t r a o m o n s t r o e x t e r i o r q u e a t e m o r i z a v a o h e r ó i , ( i s t o d a r i a u m a c o n t i n u i d a d e à

n a r r a t i v a é p i c a c l á s s i c a ) a é p i c a m o d e r n a s e v o l t a p a r a o m o n s t r o c u j o n o m e é

i m p r o n u n c i á v e l . O p a r a d i g m a d o h e r ó i é s u b s t i t u í d o p o r o u t r o q u e t e m e o

“ d e s p e r t a r ” d i a n t e d a h i s t ó r i a .

E s t e t e x t o “ O n d e e s t i v e s t e s d e n o i t e ” , o n d e q u a s e n a d a f o i r e e s c r i t o p o r

C l a r i c e , m a n t ê m v i n c u l a ç ã o e s t r e i t a c o m o s t e x t o s a n t e r i o r e s , a t r a v é s d e f r a g m e n t o s

r o u b a d o s d o s m e s m o s . A p r e s e n ç a d o c a v a l o b r a n c o , d o o v o , n ã o v i s a m u m a

i n t e r f e r ê n c i a n a h i s t ó r i a m a s s ã o e l e m e n t o s p r o p u l s o r e s d a n a r r a t i v a . A p a r t i r d o

c o n h e c i m e n t o d e s u a s f u n ç õ e s , e s t a b e l e c e m o s r e d e s d e e n t e n d i m e n t o d e s t a

r e a l i d a d e c a ó t i c a e c i f r a d a .

O o b s e r v a d o r p r e v ê q u e o “ p r o g r e s s o m á x i m o ” l e v a r á o h o m e m à q u e d a :

i n i n t e r r u p t a o u u m a q u e d a l i g e i r a m e n t e c o n t i d a ? N a p r ó p r i a i r o n i a s e p e r c e b e a

i m p o s s i b i l i d a d e d a r e s p o s t a . A p r e s e n ç a d e i n d í c i o s d e u m c l i m a d e o r g i a e f i n a l d e

u m a e r a s ã o a p o n t a d o s c o m o u m a f o r m a d e a c e l e r a ç ã o d o p r o c e s s o e m c u r s o .

200

Era dia trinta e um de dezembro de 1973

Um arauto mudo de clarineta aguda anunciava a notícia. Que notícia? a da bestialidade? Talvez no entanto fosse o seguinte: a partir do arauto cada uma passou a “se sentir”, a sentir a si próprio. E não havia repressão: livres, (p. 62)

O a r a u t o m u d o , p o r t a d o r d a n o t í c i a , t r a z e m s i a p r e s e n ç a d e s e u o u t r o . N a

m u d e z e s t á c o n t i d a , d e a n t e m ã o , a n o t í c i a . O a r a u t o é u m f a l s o a n u n c i a d o r . E l e n ã o

p o d e a n u n c i a r o q u e j á f o i d i t o . B a u d è l a i r e d i s s e - o a t r a v é s d a s Flores do Mal. O s

a n j o s d e F r a A n g é l i c o p r e v i r a m . V i s l u m b r a r o a p o c a l i p s e o u e n c o n t r a r a é g u a d a

n o i t e s ã o c a m i n h o s q u e a a u t o r a e n c o n t r o u p a r a s e e x p o r à e x p e r i ê n c i a d a

t r a n s g r e s s ã o . A s h i s t ó r i a s n ã o s ã o v e r d a d e i r a s p o r i s s o s ã o h i s t ó r i a s s e m f i m .

4- CONCLUSÃO

O l e v a n t a m e n t o d o s t e x t o s r e e s c r i t o s p o r C l a r i c e L i s p e c t o r m e f i z e r a m

p e r c e b e r o q u a n t o f o i e n g a n o s o , e m b o r a n e c e s s á r i o , e s t a b e l e c e r u m l i m i t e t e m p o r a l

p a r a o e s t u d o d a s u a p r o d u ç ã o t e x t u a l . T e n t a n d o d e l i m i t a r o corpus d e s t e t r a b a l h o e

d e f i n i r a s m u d a n ç a s q u e p o d e r i a m t e r o c o r r i d o n o s t e x t o s , n o i n t e r v a l o a n o s 6 0 - 7 0 ,

a p e s q u i s a r e v e l o u e x a t a m e n t e o c o n t r á r i o d o q u e m e p r o p u n h a : A l g u n s t e x t o s

h a v i a m s i d o e s c r i t o s a n t e s d o s a n o s 6 0 e o u t r o s p o s t e r i o r e s a o s a n o s 7 0 . E s t a

h i p ó t e s e n ã o s e s u s t e n t o u , n a m e d i d a e m q u e o u t r a s r e e s c r i t a s f o r a m a p a r e c e n d o .

A p r i m e i r a p a r t e d a p e s q u i s a m o s t r a c l a r a m e n t e q u e o p e r c u r s o s e g u i d o , m o d i f i c o u

a h i p ó t e s e l e v a n t a d a . T a l v e z , q u a n d o t o d o s o s t e x t o s e s p a r s o s , i n é d i t o s e s u a s

o u t r a s r e e s c r i t a s f o r e m c o n h e c i d a s s e j a p o s s í v e l , e n t ã o , a d o t a r m o s u m p o n t o d e

p a r t i d a m a i s e s t á v e l . N e s t e s e n t i d o e s t a p e s q u i s a f o i i m p o r t a n t e , p o i s d e s c o r t i n o u a

o u t r a f a c e d o s e s c r i t o s d e C l a r i c e e c o m o “ i m p r e v i s t o ” m o d i f i c o u o â n g u l o d o o l h a r e

d e s c o r t i n o u p o s s i b i l i d a d e s s e q u e r i m a g i n a d a s .

S e u “ ó c i o ” d e “ e s c r i t o r a f a l i d a ” l h e p e r m i t e s e r o flanêur. O o l h a r q u e s o n d a o

m u n d o é u m o l h a r e n v i e s a d o , i n d i r e t o . D e s c a r n a a s o c i e d a d e q u e a a b r i g a e q u e a

f a z "tão anônima como uma galinha” 134. S o b r e p o n d o o s t e x t o s , C l a r i c e f a z

v a r i a ç õ e s e m t o r n o d o m e s m o t e m a e s a c o d e a p o e i r a d o T e m p o . S e u d e s e j o d e

e n f r e n t a r o e n i g m a l e v o u - a a d e s c o b r i r u m m o d o p a r t i c u l a r d e o l h á - l o : “ p o / s

entender é um modo de olhar.”

O p r o j e t o d e e s c r i t u r a e x p o s t o n o t e x t o “ A q u i n t a h i s t ó r i a ” r e v e l a a c a p a c i d a d e

c r i a d o r a q u e b u s c a e n c o n t r a r , n a a r t e , u m m o d o d e s u b v e r t e r a f i c ç ã o e o r e a l . A o

f a l a r s o b r e o d e - d e n t r o , d a s c i c a t r i z e s s o c i a i s , c u l t u r a i s e i d e o l ó g i c a s , e l a d e c r e t a a

n e c r o s e d o c o n t o - c o r p o - s o c i a l . J o g a c o m o m o v i m e n t o d e d i s p e r s ã o p a r a t o r n á - l o

m a i s t r a n s p a r e n t e . O c o n c r e t o s e e s c o n d e n e s t a f o r n a ( e s p i r a l a d a ) , c o n s t e l a r , o n d e

a v i a l á c t e a d a s p a l a v r a s c o n s t r ó i o u n i v e r s o d a s p o s s i b i l i d a d e s . “ A q u i n t a h i s t ó r i a ”

134 LISPECTOR LE. p. 145.

202

c o n t r i b u i t a m b é m , p a r a o e n t e n d i m e n t o d a n o ç ã o d e t e x t o e c o m o s e p r o c e s s a s e u

e s t a b e l e c i m e n t o . E s t e t e x t o , c o m o m u i t o s d e C l a r i c e , t r a z e m n o s e u b o j o

i n f o r m a ç õ e s s o b r e o p r o c e s s o d e c o m o o u t r a s h i s t ó r i a s s ã o g e r m i n a d a s .

O u t r o a s p e c t o j á m e n c i o n a d o n o i n í c i o d e s t a d i s s e r t a ç ã o e s t á r e l a c i o n a d o a o

p r o c e s s o d e m u d a n ç a s q u e s e d e s e n c a d e i a a c a d a c r i a ç ã o , d e s l o c a n d o o s o u t r o s

e s c r i t o s p a r a n o v o h o r i z o n t e d e l e i t u r a . C a d a t e x t o i l u m i n a a i n d a m a i s o a n t i g o , o

q u e m e p e r m i t e a f i r m a r q u e c a d a a c o n t e c i m e n t o d e n t r o d o u n i v e r s o c l a r i c e a n o

d e s e n c a d e i a u m v i o l e n t o processo de decomposição n a e s c r i t a e n o t e x t o c o m o

u m t o d o . A b a r a t a d e “ A q u i n t a h i s t ó r i a ” é s a c r i f i c a d a , p a r a d a r l u g a r a o u t r a q u e f a z

a t r a v e s s i a d o s e u o p o s t o . T e m o s e n t ã o o n a s c i m e n t o d e A paixão segundo G.H. A

d e c o m p o s i ç ã o p o d e s e r e n t e n d i d a , e n t ã o , c o m o u m g e r m e o u c o m p o s t o q u e s e

r e f a z c o m o u t r a c r i a ç ã o .

O o v o , a b a r a t a , o s c a v a l o s e o r e l a t ó r i o s ã o e l e m e n t o s q u e s e c o l o c a r a m

c o m o t r a n s p a r ê n c i a s e n t r e a e s c r i t o r a e o m u n d o . U m a e s p é c i e d e c h a p a

r a d i o g r á f i c a c u j a e x p o s i ç ã o r e v e l a u m a r e a l i d a d e v e l a d a .

P a r a q u e m p e r c e b e u o m u n d o n a s u a r e d e d e r e l a ç õ e s m a i s p r o f u n d a s e

p r e t e n d e u a p r o f u n d a r a s u a p r ó p r i a p e r p l e x i d a d e , f o i n e c e s s á r i o t e c e r o

d i l a c e r a m e n t o d e s t a c o n s c i ê n c i a , v i v e n d o c o m p l e n i t u d e o e x p e r i m e n t a r d a

d e s o b e d i ê n c i a . E n t r e “ficar espantada com o acontecimento na mão", e s c o l h e

r e g i s t r a r s u a o c o r r ê n c i a q u e s e m o v e r a p i d a m e n t e , n ã o s e m p r o j e t a r e s t e

m o v i m e n t o p a r a s u a e s c r i t u r a .

C l a r i c e t r a m o u s e u s m a i s b e l o s t e x t o s s o b r e a d e s c o b e r t a d o m u n d o e d a

p a l a v r a . R o u b o u d a p o e s i a s e u s e f e i t o s d e l i n g u a g e m e c a p a c i d a d e d e s i n t e t i z a r

i m a g e n s . A p r o f u n d o u o o l h a r a t r a v é s d e s u a p r i m e i r a j a n e l a p a r a o m u n d o : o

N o r d e s t e . N o r d e s t e s i m b ó l i c o , q u e e m s e u s e s c r i t o s , s o n d a c o m i n t i m i d a d e e

p a l i d e z .

“ O o v o e g a l i n h a ” s e a r m a n a t e s s i t u r a d o a r t e f a t o v e r b a l q u e a p o i a d o n a

a c u m u l a ç ã o d e s e n t i d o s a p a r e n t e m e n t e o r d e n a d o s e c o n t r a d i t ó r i o s , s e a l i a m p a r a

“ e s c o n d e r ” a “ v e r d a d e ” q u e s e e s v a i a t o d o i n s t a n t e . C o m o u m d e s e n h o i n v i s í v e l , o

203

t e x t o s e b o r d a e d e s b o r d a n u m c o n t í n u o d e s f i a r - s e . E s t e m o d o d e c o n c e b e r a

e s c r i t a f o i p l e n a m e n t e e l a b o r a d o e m Água viva.

O “ S e c o e s t u d o d e c a v a l o s ” c a r r e g a n a s u a b a g a g e m a s v i s õ e s q u e

g e r m i n a r a m a s i m a g e n s d e p e n s a m e n t o , c u j o m o v i m e n t o s u b t e r r â n e o e n g e n d r a

u m a a u t o n o m i a i n c o n t r o l á v e l . O f r a g m e n t o é m o v i d o p e l a s m o l a s p r o p u l s o r a s d e u m

d i s c u r s o q u e p r e c i s a f l a g r a r u m a i m a g e m f u n d a n t e .

N o s f r a g m e n t o s d e “ O n d e e s t i v e s t e s d e n o i t e ” a s i m a g e n s s e c o l a m e

r e s g a t a m a c o r d e u m a r e a l i d a d e a v i l t a d a e s u j a , c h e i a d e e x c e s s o s . O m o s a i c o d a

“ g r a n d e n o i t e " s u g e r e a p r e s e n ç a d e o u t r o u n i v e r s o m a i s f e c u n d o o n d e h a b i t a m o s

t e x t o s : o u n i v e r s o o n í r i c o e s u r r e a l . A m o n t a g e m d a s p e ç a s s u g e r e a l i g a ç ã o c o m

s e u s o u t r o s t e x t o s . O s f i o s q u e s e c r u z a m c á e l á ( o s f i o s d o m i s t é r i o ) t e c e m a r e d e

m a i o r d e r e l a ç õ e s q u e f a z e m t r a n s p a r e c e r o c o n c r e t o . O c o n c r e t o s e s o l i d i f i c a c o m o

o g e s s o d a s b a r a t a s , o u s e m a s s i f i c a c o m a a c u m u l a ç ã o d a l i n g u a g e m e m “ 0 o v o e

g a l i n h a ” ; s e t o r n a b r a n c o e c l á r o c o m o o o v o e f i n a l m e n t e s e d i l a t a n o r e l a t ó r i o -

o b j e c t o - m i s t é r i o r o n d a n d o o s l i a m e s d a C o i s a . O e n i g m a s u r g e d o n a d a , p o i s o q u e

i m p o r t a n ã o é o e n i g m a m a s o s e u p r ó p r i o p r o c e s s o d e c o n s t r u ç ã o . E l e s o b r e v i v e

c o m o u m “ c l a r o e n i g m a ” , c a d a v e z m a i s b r i l h a n t e s o b o o l h a r d e C l a r i c e - C a p i t u .

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F r o n t e i r a , 1 9 8 4 .

________________ __ ( 1 9 7 5 ) . De corpo inteiro, ( e n t r e v i s t a s ) . S ã o P a u l o , S i c i l i a n o ,

1 9 9 2 .

_ _ _ _ _ _ _ _ _ ( 1 9 7 5 ) . Visão do esplendor. R i o d e J a n e i r o , F r a n c i s c o

A l v e s , 1 9 7 5 .

_____________________ ( 1 9 7 7 ) . A hora da estrela. R i o d e J a n e i r o , F r a n c i s c o A l v e s ,

1990.

■______________ ( 1 9 7 8 ) . Um sopro de vida. R i o d e J a n e i r o , F r a n c i s c o A l v e s ,

1 9 9 1 .

'______________ ( 1 9 7 8 ) . Quase de verdade. R i o d e J a n e i r o , E d . R o c c o ,

1 9 8 5 .

______________________ ( 1 9 7 8 ) . Para não esquecer. S ã o P a u l o , Á t i c a , 1 9 7 9 .

221

1 9 9 2 .

( 1 9 7 9 ) . A bela e a fera. F r a n c i s c o A l v e s , R i o d e J a n e i r o ,

( 1 9 8 4 ) . A descoberta do mundo ( c r ô n i c a s ) . R i o d e J a n e i r o ,

222

F r a n c i s c o A l v e s , 1 9 9 2 .

( 1 9 8 7 ) . Como nasceram as estrelas: doze lendasbrasileiras. R i o d e J a n e i r o , N o v a F r o n t e i r a , 1 9 8 7 .

ANEXOS

RELAÇÃO DOS TEXTOS PUBLICADOS NA REVISTA SENHOR

(1959)A m e n o r m u l h e r d o m u n d o , v . 1 , m a r ç o , p p . 3 0 - 3 2 .

O c r i m e d o p r o f e s s o r d e m a t e m á t i c a , v . 4 , j u n h o , p p . 7 6 - 7 8 .

F e l i z a n i v e r s á r i o , v . 8 , o u t u b r o , p p . 3 0 - 3 8 .

A g a l i n h a , v . 1 0 , d e z e m b r o , p . 5 2 .

(1960)I m i t a ç ã o d a r o s a . v . 1 3 , m a r ç o , p p . 7 8 - 8 7 .

C L . L i v r o s ( c o m e n t á r i o s ) , v . 1 4 , a b r i l , p . 7 8 .

O b ú f a l o , v . 1 7 , j u l h o , p p . 3 2 - 3 3 .

(1961)L e g i ã o e s t r a n g e i r a , v . 2 3 , j a n e i r o , p p . 5 4 - 5 7 .

I n s t a n t â n e o d e u m a s e n h o r a . v . 3 2 , o u t u b r o , p . 6 .

P o r n ã o e s t a r e m d i s t r a í d o s , v . 3 4 , d e z e m b r o , p . 7 .

(1962)T e n t a ç ã o . v . 3 5 , j a n e i r o , p . 7 0 .

R e c o n s t i t u i ç ã o d e u m a d a m a . v . 3 6 , f e v e r e i r o , p . 3 .

O c h á . C o r p o e a l m a . v . 3 7 , m a r ç o , p . 3 .

A q u i n t a h i s t ó r i a , v . 3 8 , a b r i l , p . 3 .

C o m e m e u f i l h o . v . 3 9 , m a i o , p . 5 .

O m i n e i r i n h o . v . 4 0 , j u n h o , p p . 1 7 - 1 9 .

A r e p a r t i ç ã o d o s p ã e s . v . 4 0 , j u n h o , p . 4 .

U m a i m a g e m d e p r a z e r , v . 4 1 , j u l h o , p . 1 2 .

M u l h e r c o m u m p a s s a d o , v . 4 4 , o u t u b r o , p . 3 3 .

L e m b r a n ç a d e u m v e r ã o d i f í c i l . v . 4 5 , n o v e m b r o , p . 3 6 .

E m d i r e ç ã o a o c a m i n h o i n v e r s o , v . 4 6 , d e z e m b r o , p . 1 0 .

225

(1963)

C r í t i c a l e v e . v . 4 7 , j a n e i r o , p p . 7 8 .

B r s í l i a , c i n c o d i a s . v . 4 8 , f e v e r e i r o , p p . 9 0 - 9 1 .

A n u d e z c a n t a d a , v . 5 0 , a b r i l - m a i o , p p . 5 2 - 5 3 .

O s d e s a s t r e s d e S o f i a , v . 5 3 , a g o s t o , p p . 2 9 - 3 4 .

V i n g a n ç a e r e c o n c i l i a ç ã o p e n o s a . v . 5 4 , s e t e m b r o , s / p .

(1964)

D e u m c a d e r n o d e n o t a s , v . 5 8 , j a n e i r o , p . 6 0 .

(1971)

O b j e c t o - r e l a t ó r i o - m i s t é r i o . S ã o P a u l o , I n t e r e d i t o r e s S . A . , S ã o P a u l o , v . 9 , s e t ,

p p . 1 0 8 - 1 1 2 .

C l a r i c e L i s p e c t o r . ( a r t i g o d e N é l s o n C o e l h o ) , I n t e r e d i t o r e s S . A . , S ã o P a u l o , v . 9 ,

s e t . , p . 9 .

(s/d)

D e s e s p e r o e d e s e n l a n c e à s t r ê s d a t a r d e . R i o d e J a n e i r o , ( a r q u i v o d a F u n d a ç ã o

C á s a d e R u i B a r b o s a )

O U T R O S T E X T O S D E R E V I S T A S E J O R N A I S .

(1963)

O ô v o e a g a l i n h a . Cadernos brasileiros. R i o d e J a n e i r o , a n o . v , v . 6 , n o v / d e z .

(1972)

U m a n t i c o n t o - O o b j e c t o . Jornal do Brasil, R i o d e J a n e i r o , 1 9 / 2 6 a g o . , 2 s e t .

(1973)

E s t u d o d e c a v a l o s . Jornal do Brasil, R i o d e J a n e i r o , 4 , 1 1 , 1 8 a g o s t o .

(1975)

D e s e s p e r o e d e s e n l a c e à s t r ê s d a t a r d e . Colóquio-letras. L i s b o a , F u n d a ç ã o

C a l o u s t e G u l b e n k i a n , n . 2 5 , m a i o , p p . 5 0 - 5 3 .

SR. & CIA.

Children'« Comer

A QUIN TA HISTÓ RIA

Esto história poderia chamar-se "A s es­tátuas". O utro nome possível é "O assassi­nato". E também "Com o matar baratas". Farei então pelo menos três históríos, ve r­dadeiras porque nenhuma delas mente a outra. Embora uma única, seriam m il e uma, se m il e uma noites me dessem.

A primeira, "Com o m atar bara tas", co­meça assim: queixe i-m e de baratas. Uma senhora ouviu-m e a queixa. Deu-me a re­ceita de como m atá-las. Que misturasse em partes iguois açúcar, farinha e gêsso. A farinha e o açúcar as a tra iriam , o gêsso esturricaria o de-dentro delas. Assim fiz . Morreram.

A outra h istória é a primeira mesmo e chama-se "O assassinato". Começa assim: queixei-me de baratas. Uma senhora ouviu- -me. Segue-se a receita. E então entra o assassinato. A verdade é que só em abstra­to me havia queixado de baratas, que nem minhas eram: pertenciam ao andar térreo, e escalavam os canos do edific io até o nosso lar. Só na hora de preparar a m istura é que elas se tom aram minhas também. Em nosso nome, então, comecei a medir e pesar ingredientes numa concentração um pouco mais intensa. Um vqgo rancor me tomara, um senso de ultra je. De dia as baratas eram invisíveis e ninguém acre­d itaria no m al secreto que roía casa tão tranqüilo. Mas se elas, como os males se­cretos, dorm iam de dia, a li estava eu a preparar-lhes o veneno da noite. M eticu lo ­sa, ardente, eu aviava o e lix ir da longa morte. Um mêdo excitado, e meu próprio mal secreto, me guiavam. Agora eu só queria gèlidamente uma coisa: m atar cada barata que existe. Baratas sobem pelos canos enquanto a gente, cansado, sonha. E eis que a receita estava pronta, tão b ran­ca. Como para baratas espertas como eu, espalhei hàbilmente o pó até que êste mais parecia fazer parte da natureza. De m inha cama, no silêncio do apartamento, eu as imoginovo subindo uma o u m a 'a té a área de serviço onde o escuro dormia, só uma toalha a lerta no vara l. Acordei horas de­pois em sobressalto de atraso. Já era de madrugada. Atravessei a cozinha. No chão da área lá estavam elas, duras, grandes. Durante a noite eu matara. Em nosso nome, amanhecia. No morro um galo cantou.

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v ■■ t ■ ■ i ,

A terceira histório que ora se inicia é a das "Estátuas". Começa dizendo que eu me queixara de baratas. Depois vem a mes­ma senhora. Vai indo até o ponto em que, de madrugada, acordo e ainda sonolenta atravesso a cozinha. Mais sonolenta que eu, está a área na sua perspectiva de la ­drilhos. E na escuridão da aurora, um a r­roxeado que distancia tudo, distingo a meus pés sombras e brancuras: dezenas de estó- tuos se espalham rígidas. As baratas que haviam endurecido de dentro para fora.

Algumas de barriga para cima. Outros no meio de um gesto que não se completaria jamais. Na bôca de umas um pouco da co­mida branca. Sou a primeiro testemunha do alvorecer em Pompéia. Sei como fo i esta ú ltim a noite, sei da orgio no escuro. Em algumas o gèsso terá endurecido tão len­tamente como num processo vita l, e elos, com movimentos cada vez mais penosos, terão sofregamente intensificado os olegrias da noite, tentando fug ir 8e dentro de si mesmos. A té que de pedro se tornam, em espanto de inocência, e com ta l, ta l olhar de censura magoada. Outras — subita­mente assaltadas pelo próprio âmago, sem nem sequer te r tido o intuição de um m ol­de interno que se pe trificava! — essas de súbito se cristalizam , assim como a palavra é cortada do bôca: eu te . . . Elas que.

X

'w~usando o nome de amor em vão, na noite de verão contavam. Enquanto aquela ali, o de ontena marrom suja de branco, terá adivinhado tarde demais que se mumificara exatamente por não ter sabido usar as coisas com a graça gra tu ita do em vão: "é que olhei demais para dentro de m im ! é que olhei demais para dentro d e . . . " ■— de m inha fr ia altura de gente olho a der­rocada de um mundo. Amanhece. Umo ou outra antena de barata morto freme sêca à brisa. Da história onterior canta o galo.

A quarta narrativa inaugura nova era no lar. Começa como se sobe: queixei-me de baratas. Vai até o momento em que vejo os monumentos de gêsso. Mortas, sim. Mas olho para os canos, por onde esto mesma noite renovar-se-á uma população lenta e viva em fila indiana. Eu iria então renovar tódas as noites o açúcar letal? como quem já não dorme sem a avidez de um rito. E tódas as madrugadas me con­duziria sonâmbula até o pavilhão? no vicio de ir ao encontro das estátuas que m inha noite suada erguia. Estremeci de mau pra­zer à visão daquela vida dupla de fe itice i­ra. E estremeci também ao oviso do gêsso que seca: o vício de viver que rebentaria meu molde interno. Aspero instante de es­colha entre dois cominhos que, pensava eu, se dizem adeus, e certa de que qualquer escolho seria o do sacrifício: eu ou m inha olma. Escolhi. E hoje ostento secretamente no coração uma placa de virtude: "Esta casa fo i dedetizada."

A qu in ta histório chamo-se "Le ibn itz e o transcendência do omor na Polinésia". Começa assim: queixei-me de baratas. A

C. L.

Sempre com um je ito melhor. Suo fa lta de novidade é to ta l, a não ser que se apele, como fazem seus editòres (então bem mais tranqü ilos), para os dezesseis anos tão meninos do pequeno outor. Nodo mais me­recido que ta l anúncio atra ia muitos le i­tores, que serão certamente os mesmos que comprariam os livros escritos pelo homem mais gordo do mundo, pela mulher de ta n ­tos broços ou pelos mois siomeses dos ir ­mãos. E nada mais natural que Aguinaldo Silva aproveite tudo isso em iniludíveis têrmos de "ca rre ira ", procurando sensata­mente chamar o máximo de atenção para sua "imodestissima pessoa", em háb il de­trim ento de seu modestíssimo romance. Isso sempre deu ótimos resultados. Oscar W ilde, enquanto não escreveu "T h e impoitance ef Being Earnest", necessitou désse truque para o seu alegre cotidiano e fêz-se ídolo de uma cidade. Aguinaldo Silva, mesmo imodesto, não precisa assustar-se com o exemplo ambicioso. A fin a l de contas, tem apenas o Recife para conquistar.

"Redenção Poro Job" é um livro adulto, isto é, um livro que as crianças não devem ler. Do contrário, acabarão sonhando, pelo menos, com elefantes. Uma advertência aprendida, aliás, no transcorrer da próprio narrativa, com o menino Betinha, seduzido por um garóto mais velho. Mas, ao mesmo tempo, "Redenção Para Job" é um livro tão in fa n til que não se sabe á qual das sete idades deve ser recomendodo. A inda bem que há o descanso de êle não ser recomen­dável. Aguinaldo Silva começa o romance empilhando seus personagens, um por um, como frutas numa bandeja. (V ick i Baum ou Aldous Huxley?) As frutas não estão em bom estado e a natureza morta acaba me­nos vista do que sentido. Aguinaldo Silva

^ não espio, sente apenas. De preferência calor, suor, cheiros. As suos pessoas só vivem nessas facilidades da paisagem. Qual­quer outra ambição do le itor tem que ser satisfeita com as mastigadas fa tias-de-vida dos preguiçosos romances de observação. No caso, as fatias gonham as passos do injustiça social e as do caminho para o resgate. Todo mundo é logo separado em "operários" e "burgueses" e, não demora muito, quase que se ouve o pianista que acompanhava o triturom ento dos vitim os do velha máquina, ò medida que ia sendo re­gistrado pelos primeiros cineastas russos. A propagação atrasadíssima do romance po- lítico-sentim ental no Brasil esforça-se, te- nozmente, por ser moda, mas oté o mo­mento lim ita-se a ser exploração ávida e fa ta l de um gênero. Em "Redenção Poro Job ", por exemplo, o prêto é, pela m ilio -

"REDENÇÃO PARA JO B" E "H ISTÓ RIAS DE M EN IN O "

Aguinaldo Silva estuda ò noite, não tem tempo para ler. Assim avisam (quem sabe comovidos) os editòres de "Redenção Paro Job ". É mesmo umo triste situação. Pois se Aguinaldo Silva tivesse tempo poro ler, ta l­vez não tivesse encontrado tempo para es­crever o seu romonce. Uma possibilidade excelente para todo mundo, principalmente para êle, que não tardaria o descobrir queo seu livro já foi escrito até o esgotamento.

nésima vez, prêto, e o bronco é, pela m i­lionésimo vez, bronco. Os pobres continuam integralmente bons. Seus defeitos pessoois são apenos o ausência das qualidades que custam dinheiro. A prostituta conserva seu inseparável coroção de ouro e suspiro obe­diente por um nomôro de mãos dadas. / mãe percorre as colçadas noturnos pare ampliar a madrugada nova de seu filho. C operário viúvo precisa do ódio porque per­deu a esperança. A mulher comunísto quast é derrotada pelo amor, mas é vista, pele

Clarice Lispector

0 Ôvo e a Galinha

D E manhã, na cozinha, sôbre a mesa vejo o ôvo.

Olho o ôvo com um só olhar. Imediatamente percebo que não se pode estar vendo um ôvo. Ver um ôvo nunca se mantém no presente: mal vejo um ôvo e já se torna ter visto um ôvo há três milênios. — No próprio instante de se ver o ôvo êle é a lembrança de um ôvo. — Só vê o ôvo quem já o tiver vis­to. — Ao ver o ôvo é tarde demais: ôvo visto, ôvo perdido. — Ver o ôvo é a promessa de um dia chegar; há o ôvo.— Olhar curto e indivisível; se é que há pensamento; não há; há o ôvo. — Olhar é o necessário instrumento que, depois de usado, jogarei fora. Ficarei com o ôvo. — 0 ôvo não tem um si-mes- mo. Individualmente êle não existe.

Ver o ôvo é impossível: o ôvo é su- pervisível como há sons supersônicos. Ninguém é capaz de ver o ôvo. O cão vê o ôvo? Só as máquinas vêem o ôvo. O guindaste vê o ôvo. — Quando eu era antiga um ôvo pousou no meu om­bro. — O amor pelo ôvo também não se sente. O amor pelo ôvo é supersensí­vel. A gente não sabe que ama o ôvo.— Quando eu era antiga fui depositá­ria do ôvo e caminhei de leve para não entornar o silêncio do ôvo. Quando mor­ri, tiraram de mim o ôvo com cuidado. ALnda estava vivo. — Só quem visse o mundo veria o ôvo. Como o mundo, o ôvo é óbvio.

O ôvo não existe mais. Como a luz da estrêla já morta, o ôvo propriamen­te dito não existe mais. — Você C per­

feito. ôvo. Você é branco. — A você de­dico o comêço.A você dedico a primei­ra vez.

Ao ôvo dedico a nação chinesa.O ôvo é uma coisa suspensa. Nunca

pousou. Quando pousa, não foi êle quem pousou. Foi uma coisa que ficou embaixo do ôvo. — Olho o ôvo, na co­zinha, com atenção superficial para não quebrá-lo. Tomo o maior cuidado de não entendê-lo. Sendo impossível entendê-lo, sei que se eu o entender é porque estou errando. Entender é a prova do ém>. Entendê-lo não é o modo de vê lo. — Jamais pensar no ôvo é um modo do tê-lo visto. — Será que sei do ôvo? E' quase certo que sei. Assim: existo, logo sei. — O que eu não sei do ôvo, é o ’'iu? realmente importa. O que eu não sei d<> ôvo me dá o ôvo propriamente dito. — A Lua é habitada por ovos.

O ôvo é uma exteriorização. Ter uma casca é dar-se. — O ôvo desnuda a co­zinha. Faz da mesa um plano inclinado. O ôvo expõe. — Quem se aprofunda num ôvo, quem vè mais do que a su­perfície do ôvo. está querendo outra coisa: está com fome.

Ôvo é a alma da galinha. A galinha desajeitada. O ôvo certo. A galinha as­sustada. O ôvo certo. Como um projéti! parado. Pois ôvo é ôvo no espaço, óvo sôbre azul. — Eu te amo, óvo. Eu te amo como uma coisa nem sequer sabe que ama outra coisa. — Não toco nêle. A aura de meus dedos é que vê o ôvo. Não toco nêle. — Mas dedicar-me à vi­são do ôvo seria morrer para a vida

O ô vo e a Galinha 7

não se quebre dentro dela. ôvo que se quebra dentro da galinha é como sangue.

A galinha olha o horizonte. Como se da linha do horizonte é que viesse vin­do um ôvo. Fora de ser um meio de11 ansporte para o ôvo, a galinha é ton­ta. desocupada e míope. Como poderia a g-alinha se entender se ela é a contra- (iicão de um ôvo? O ôvo ainda é o mes­mo que se originou na Macedônia. A ga­linha é sempre a tragédia mais moder­na. Está sempre inütilmente a par. E continua sendo redesenhada. Ainda não se achou a forma mais adequada para uma galinha. Enquanto meu vizinho atende ao telefone, êle redesenha com lápis distraído a galinha. Mas para a galinha não há jeito: está na sua con­dição não servir a si própria. Sendo, porém, o seu destino mais importante que ela, e sendo o seu destino o ôvo. a sua vida pessoal não nos interessa.

Dentro fie si a galinha não reconhece ■a ôvo. mas fora de si também não o re­conhece. Quando a galinha vê o ôvo pen­sa que está lidando com uma coisa im­possível. E com o coração batendo, com o coração batendo tanto, ela não o re­conhece.

De repente olho o ôvo na cozinha e so vejo nêle a comida. Não o reconheço, (> meu coração bate. A metamorfose es­tá se fazendo em m im : começo a não poder mais enxergar o ôvo. Fora de cada ôvo particular, fora de cada ôvo que se come, o ôvo não existe. Já não consigo mais crer num ôvo. Estou cada vez mais sem fôrça de acreditar, estou morrendo, adeus, olhei demais um ôvo e êle fói me adormecendo.

A galinha que não queria sacrificar a sua vida. A que optou por querer ser “fe­liz». A que não percebia que se passas­se a vida desenhando dentro de si como numa iluminura o ôvo, ela estaria ser­vindo. A que não sabia perder a si mes­ma. A que pensou que tinha penas de galinha para se cobrir por possuir pele preciosa, sem entender que as penas eram exclusivamente para suavizar a travessia ao carregar o ôvo, porque o so­frimento intenso poderia prejudicar o ôvo. A que pensou que o prazer lhe era um dom, sem perceber que era para que ela se distraísse totalmente enquanto o ôvo se faria. A que não sabia que «eu» é apenas uma das palavras que se de­senha enquanto se atende ao telefone, mera tentativa de buscar forma mais

adequada. A que pensou que «eu» sig­nifica ter um si-mesmo. As galinhas prejudiciais ao ôvo são aquelas que são um «eu» sem trégua. Nelas o «eu» é tão constante que elas já não podem mais pronunciar a palavra «ôvo». Mas, quem sabe, era disso mesmo que o ôvo precisava. Pois se elas não estivessem tão distraídas, se prestassem atenção à grande vida que se faz dentro delas, atrapalhariam o ôvo.

Comecei a falar da galinha e há mui­to já não estou falando mais da galinha. Mas ainda estou falando do ôvo.

E eis que não entendo o ôvo. Só en­tendo ôvo quebrado: quebro-o na frigi­deira. E ’ dêste modo indireto que me ofereço à existência do ôvo: meu sacri­fício é reduzir-me à minha vida pessoal. Fiz do meu prazer e da minha dor o meu destino disfarçado. E ter apenas a pró­pria vida é, para quem já viu o ôvo, um sacrifício. Como aquêles que, no conven­to, varrem o chão e lavam a roupa, ser­vindo sem a glória de função maior, meu trabalho é o de viver os meus prazeres e as minhas dores. E ’ necessá­rio que eu tenha a modéstia de viver.

Pego mais um ôvo na cozinha, quebro- lhe casca e forma. E a partir dêste ins­tante exato nunca existiu um ôvo. E ’ absolutamente indispensável que eu seja uma ocupada e uma distraída. Sou in- dispensàvelmente um dos que renegam. Faço parte da maçonaria dos que viram uma vez o ôvo e o renegam como for­ma de protegê-lo. Somos os que se abs­têm de destruir, e nisso se consomem. Nós, agentes disfarçados e distribuídos pelas funções menos reveladoras, nós às vêzes, nos reconhecemos. A um certo modo de olhar, a um jeito de dar a mão, nós nos reconhecemos e a isto chama­mos de amor. E então não é necessário o disfarce: embora não se fale, tam­bém não se mente, embora não se diga a verdade, também não é mais necessá­rio dissimular. Amor é quando é con­cedido participar um pouco mais. Pou­cos querem o amor, porque amor é a grande desilusão de tüdò o mais. E pou­cos suportam perder tôdas as outras ilusões. Há os que se voluntariam para o amor, pensando que o amor enrique­cerá a vida pessoal. E ’ o contrário: amor é finalmente a pobreza. Amor é não terjinclusive amor é a desilusão do que se pénsava que era amor. E não é prêmio, por isso não envaidece, amor

6 Clarice Lispector

mundana, e eu preciso da gema e da clara. —- O ôvo me vê. 0 ôvo me idea­liza? 0 ôvo me medita? Não, o ôvo ape­nas me vê. E’ isento da compreensão que fere. — 0 ôvo nunca lutou. Êle é um dom. — 0 ôvo é invisível a ôlho nu. De ôvo a ôvo chega-se a Deus que é invisí­vel a ôlho nu. — O ôvo terá sido talvez um triângulo que tanto rolou no espaço que foi se ovalando. — O ôvo é basica­mente um jarro? Terá sido o primeiro jarro moldado pelos etruscos? Não. O ôvo é originário da Macedônia. Lá foi calculado, fruto da mais penosa espon­taneidade. Nas areias da Macedônia um homem com uma vara na mão dese- nliou-o. E depois apagou-o com o pé nu.

ôvo é coisa que precisa tomar cuida- , do. Por isso a galinha é o disfarce do ôvo. Para que o ôvo atravesse os tem­pos a galinha existe. Mãe é para isso.— O ôvo vive foragido por estar sem­pre adiantado demais para a sua épo­ca. — ôvo por enquanto será sempre revolucionário. — Êle vive dentro da galinha para que não o chamem de branco. O ôvo é branco mesmo. Mas não pode ser chamado de branco. Não porque issa faça mal a êle, mas as pes­soas que chamam a ôvo de branco, es­sas pessoas morrem para a vida? Cha­mar de branco aquilo que é branco po­de destruir a humanidade. Uma vez um homem foi acusado de ser o que êle era, e foi chamado de Aquêle Homem. Não tinham mentido: Êle era. Mas até hoje ainda não nos recuperamos, uns após outros. A lei geral para continuarmos vivos: pode-se dizer «um rosto bonito» mas. quem disser «o rosto», morre; por ter esgotado o assunto. ,

Com o tempo, o ôvo se tomou um ôvo de galinha. Não o é. Mas, adotado, usa- lhe o sobrenome. — Deve-se dizer «o ôvo da galinha». Se se disser apenas «o ôvo», esgota-se o assunto, e o mundo fica nu. — Em relação ao ôvo, o perigo é que se descubra o que se poderia cha­mar de beleza, isto é, sua veracidade. A veracidade do ôvo não é verossímil. Se descobrirem, podem querer obrigá-lo a se tornar retangular. O perigo não é para o ôvo, êle não se tornaria retan­gular. (Nossa garantia é que êle não pode: não pode é a grande fôrça do ôvo: sua grandiosidade vem da grandeza de não poder, que se irradia como um não querer.) Mas quem lutasse por torná-lo retangular estaria perdendo a própria

vida. O ôvo nos põe, portanto, em peri­go. Nossa vantagem é que o ôvo é invi­sível. E quanto aos iniciados, os inicia­dos disfarçam o ôvo.

Quanto ao corpo da galinha, o corpo da galinha é a maior prova de que o ôvo não existe. Basta olhar para a gali­nha para se tornar óbvio que o ôvo é impossível de existir.

E a galinha? O ôvo é o grande sacri­fício da galinha. O ôvo é a cruz que a gaünha carrega na vida. O ôvo é o so­nho inatingível da galinha. A galinha ama o ôvo. Ela não sabe que existe o ôvo. Se soubesse que tem em si mesma um ôvo, ela se salvaria? Se soubesse que tem em si mesma o ôvo, perderia o estado, de galinha. Ser uma galinha é a sobrevivência da galinha. Sobreviver é a salvação. Pois parece que viver não existe. Viver leva à morte. Então o que a galinha faz é estar permanentemente sobrevivendo. Sobreviver chama-se man­ter luta contra a vida que é mortal. Ser uma galinha é isso. A galinha tem o ar constrangido.

E ’ necessário que a galinha não saiba que tem um ôvo. Senão ela se salvaria como galinha, o que também não é ga­rantido, mas perderia o ôvo. Então ela não sabe. Para que o ôvo use a galinha é que a galinha existe. Ela era só para se cumprir mas gostou. 0 desarvora- mento da galinha vem disso: gostar não fazia parte de nascer. Gostar de estar vivo dói. — Quanto a quem veio antes, foi o ôvo que achou a galinha. A gali­nha não foi sequer chamada. A galinha é diretamente uma escolhida. — A ga­linha vive como em sonho. Não tem sen­so da realidade. Todo o susto da gali­nha é porque estão sempre interrom­pendo o seu devaneio. A galinha é um grande sono. — A galinha sofre de um mal desconhecido. 0 mal desconhecido da galinha é o ôvo. — Ela não sabe se ex­plicar: «sei que o êrro está em mim mes­ma», ela chama de êrro a sua vida, «não sei mais o que sinto», etc.

«Etc., etc., etc.», é o que cacareja o dia inteiro a galinha. A galinha tem muita vida interior. Para falar a verda­de, a galinha só tem mesmo é vida in­terior. A nossa visão de sua vida inte­rior é o que nós chamamos de «galinha». A vida interior da galinha consiste em agir como se entendesse. Qualquer ameaça e ela grita em escândalo feito uma doida. Tudo isso para que o ôvo

8 Clarice IÀspector

nfio é prêmio, é uma condição concedida exclusivamente para aquêles que, sem «le, corromperiam o ôvo com a dor pes­soa]. Isso não faz do amor uma exceção honrosa; êle é exatamente concedido aos maus agentes, àqueles que atrapalha­riam tudo se não lhes fôsse permitido adivinhar vagamente.

A todos os agentes são dadas muitas vantagens para que o ôvo se faça. Não é caso de se ter inveja pois, inclusive algumas das condições, piores do que as dos outros, são apenas as condições ideais para o ôvo. Quanto ao prazer dos agentes, êles também o recebem sem or­gulho. Austeramente vivem todos os prazeres: inclusive é o nosso sacrifício para que o ôvo se faça. Já nos foi im­posta, inclusive, uma natureza tôda ade­quada a muito prazer. O que facilita. Pelo menos torna menos penoso o prazer.

Há casos de agentes que se suicidam: acham insuficientes as pouquíssimas instruções recebidas, e se sentem sem apoio. Houve o caso do agente que re­velou publicamente ser agente porque lhe foi intolerável não ser compreendi­do, e êle não suportava mais não ter o respeito alheio: morreu atropelado quan­do saía de um restaurante. Houve um outro que nem precisou ser eliminado: êle próprio se consumiu lentamente na revolta, sua revolta veio quando êle des­cobriu que as duas ou três instruções recebidas não incluíam nenhuma expli­cação. Houve outro, também eliminado, porque achava que «a verdade deve ser corajosamente dita», e começou em pri­meiro lugar a procurá-la; dêle se disse que morreu em nome da verdade, mas o fato é que êle estava apenas dificultan­do a verdade com sua inocência; sua aparente coragem era tolice, e era ingê­nuo o seu desejo de lealdade, êle não compreendera que ser leal não é coisa limpa, ser leal é ser desleal para com todo o resto. Êsses casos extremos de morte não são por crueldade. E’ que há um trabalho, digamos cósmico, a ser feito, e os casos individuais infelizmen­te não podem ser levados em considera-' ção. Para os que sucumbem e se tomam individuais é que existem as instituições, a caridade, a compreensão que não dis­crimina motivos, a nossa vida humana enfim.

Os ovos estalam na frigideira, e mer­gulhada no sonho preparo o café da ma­nhã. Sem nenhum senso da realidade,

grito pelas crianças que brotam de vá­rias camas, arrastam cadeiras e comem, e o trabalho do dia amanhecido começa, gritado e rido e comido, clara e gema, alegria entre brigas, dia que é o nosso sal e nós somos o sal do dia, viver é ex­tremamente tolerável, viver ocupa e dis­trai, viver faz rir.

K me faz sorrir 110 meu mistério. () meu mistério é que ser eu apenas um meio, e não um fim, tem-me dado a mais maliciosa das liberdades: não sou bôba e aproveito. Inclusive, faço um mal aos outros que, francamente. O fal­so emprêgo que me deram para disfar­çar a minha verdadeira função, p.Ms aproveito o falso emprêgo e dêle faço o meu verdadeiro; inclusive o dinheiro que me dão como diária para facilitar mi­nha vida de modo a que o ôvo se faça, pois êsse dinheiro eu tenho usado para outros fins, desvio de verba, ultimamen­te comprei ações da Brahma e estou ri­ca. A isso tudo ainda chamo ter a ne­cessária modéstia de viver. E tambémo tempo que me deram,je que nos dão apenas para que no ócio honrado o ôvo se faça, pois tenho usado êsse tempo para prazeres ilícitos e dores ilícitas, in­teiramente esquecida do ôvo. Esta é a minha simplicidade.

Ou é isso mesmo que êles querem que me aconteça, exatamente para que o ôvo se cumpra? E’ liberdade ou estou sen­do mandada? Pois venho notando que tudo o que é êrro meu tem sido apro­veitado. Minha revolta é que para êles eu não sou nada, eu sou apenas precio­sa : êles cuidam de mim segundo por se­gundo, com a mais absoluta faltã de amor; sou apenas preciosa. Com o di­nheiro que me dão, ando ultimamente bebendo. Abuso de confiança? Mas é que ninguém sabe como se sente por dentro aquêle cujo emprêgo consiste em fingir que está traindo, e que termina acreditando na própria traição. Cujo em­prêgo consiste em diàriamente esque­cer. Aquêle de quem é exigida a apa­rente desonra. Nem meu espelho refle­te mais um rosto que seja meu. Ou sou um agente, ou é a traição mesmo.

Mas durmo o sono dos justos por sa­ber que minha vida fútil não atrapalha a marcha do grande tempo. Pelo con­trário: parece que é exigido de mim qu« eu seja extremamente fútil, é exigido de mim inclusive que eu durma como um justo. Eles me querem ocupada e

O Ovo e a Galinha 9distraída, e não lhes impoartacomo. Pois, com minha atenção errada e minha to­lice grave, eu poderia atrapalhar o que se está fazendo através de mim. E’ que eu própria, eu pròpriamente dita, só te­nho mesmo servido para atarapalhar. O que me revela que, talvez,’’êu seja um agente é a idéia de que meu destino me ultrapasse": pelo menos isso êles tive­ram mesmo que me deixar adivinhar, eu era daqueles que fariam mal o tra­balho se ao menos não adivinhassem um pouco; fizeram-me esquecer o que me deixaram adivinhar, mas vagamen­te ficou-me a noção de que meu destino me ultrapassa, e de que sou instrumento do trabalho dêles. Mas de qualquer mo­do era só instrumento que eu poderia ser, pois o trabalho não poderia ser mes­mo meu. Já experimentei me estabele­cer por conta própria e não deu certo; ficou-me até hoje essa mão trêmula. Ti­vesse eu insistido um pouco mais e te­ria perdido para sempre a saúde. Des­de então, desde essa malograda expe­riência, procuro raciocinar dêste modo: que já me foi dado muito,, que êles já me concederam tudo o que pode ser con­cedido ; e que outros agentes, muito su­periores a mim, também trabalharam apenas para o que não sabiam. E com

as meanas poaíjtiíssánas instruções. Já me foi dado muito; isto, por exemplo: uma vez ou outra, com o coração baten­do pelo privilégio, eu pelo menos sei que não estou reconhecendo! com o rarasfr* batendo de emoção, eu pelo menos compreendo I com o coração batendo de confiança, eu pelo menos não sei.

Mas e o ôvo? Êste é um dos subter­fúgios dêles: enquanto eu falava sôbreo ôvo, eu tinha esquecido do ôvo. «Fa­lai, falai», instruíram-me êles. E o ôvo fica inteiramente protegido por tantas palavras. Falai muitõ, é uma das ins­truções, estou tão cansada.

Por devoção ao ôvo, eu o esqueci. Meu necessário esquecimento. Meu interes­seiro esquecimento. Pois o ôvo é um es­quivo. Diante de minha adoração pos­sessiva êle poderia retrair-se e nunca mais voltar. Mas se êle fôr esquecido. Se eu fizer o sacrifício de viver apenas a minha vida e de esquecê-lo. Se o ôvo fôr impossível. Então — livre, delicado, sem mensagem álguma para mim — tal­vez uma vez ainda êle se locomova do espaço até esta janela que desde sem­pre deixei aberta. E de madrugada bai­xe no nosso edifício. Sereno até a cozi­nha. Iluminando-a de minha palidez.

Desespero' e desenlance às

três da tardeste mês a crônica de Clarice é, na

dade, um conto. Sobre i homem austero, que iepois de viver uma jeriência que todos os lortais considerariam

banal, aprende o alor da simplicidade.

Um conto que ; .sumiu de Clarice eio quilo de alma” e a

deixou trêmula e amedrontada.'

UMA CRÔNICA DE CLARICE LISPECTOR

# qiienta anos. E tal a sua dignidade que pare- um lorde sem dinheiro.

■ não tê-lo é que entrou no bus na praça Mauá em vez tomar um táxi ou — me- r ainda — sentar-se no >re banco de trás de um ro próprio dando mansa- nte uma ordem para o

motorista particular. Sua nsidão era falsa e na ver- le era tenso como elástico• demais espichado. E em lidade não lhe fazia falta dinheiro, pois tinha vida ito sóbria. De que lhe ser­ia a moeda corrente dos beus?Era ateu: não prestava itas a ninguém, nem a us. E carregava com apa- rjXe equilíbrio o orgulho í tinha de pertencer à es- je do ser humano. Tinhai único amigo, com quem ;ava xadrez, uma mulher ra quem não ligava, uma arada filha e um inestimá-

neto. Assim é que apesar pobre tudo era quase per­

to.Se lhe era pesado tamanho do? Nada se sabe a respei- O que se sentia é que o

rregava como se fosse co-i de rei.Assim era o senhor J. B. ie nada pedia e nada dava. Mas houve um aconteci- nto. Que se tornou de sú- o o acontecimento.Não se sabe como come­ta Subiu no ônibus às três ras da tarde em pleno sol :io. Apesar de andar em culo coletivo, ele usufruía

uma solidão. magnífica: o precisava de ninguém.) fundo desprezava todo o indo. Ninguém lhe valia, a corpo pedia pouco, sua na menos ainda.O ônibus estava lotado, rmara-se longa galeria de mens e mulheres de pé, um rpo quase colado a outro rpo. Mas a promiscuidade, e o sr. J. B. nem de longe leraria, não existia para ele. ntia-se só e altaneiro e, mo sempre, parecia ser

do veículo público, dan- _>rdens ao motorista. In-

5 : *udo: não era o ôni- 'Ç movia num cami-

*’ 'irosamente determi-

até inventava para a máquina fumegante um roteiro que lhe convinha. Tudo o que existia lhe convinha: fazia questão disso. De ser adequado.

Eis o estado de coisas da realidade daquela hora.

Como foi que começou? Almoçara pouco, era homem frugal em sexo e comida. Por que então esse leve mal-estar no estômago? Mal-estar que aumentava. E ele colado fren­te a frente a uma senhora de peitos fortes e muito decota­da. Quando, obrigado pela situação em que estava, olha­va para os seios brancos desta digna ou indigna senhora, vi- rava-se-lhe uma entranha pelo avesso. Se desviava o olhar, este caía turvo sobre a boca embigodada e lubricamente úmida de um homem em ple­no vigor da idade, que estava sentado.

E a coisa começou: estava com forte náusea e deu-se conta de que precisava urgen­temente vomitar. Iniciou-se então uma luta mesquinha e inglória face a face ao terror que começou a dominá-lo. Pois se vomitasse seria bem em cima dos seios da senhora que estava tão colada a ele como em pleno ato sexual. Ela, se ele vomitasse, nunca o perdoaria. E, metido entre pessoas totalmente estranhas, sabia que de algum modo o enxotariam se sucumbisse ao mal contido impulso estoma­cal. De súbito ele efctava da­nadamente precisando da co­miseração de outros seres hu­manos. Logo ele que não era uma simples brochura, era um homem solenemente en­cadernado.

Começou a suar frio. Uma gota gelada escorreu-lhe da testa e entrou-lhe pelo olho esquerdo, escorrendo depois como lágrima de mártir.

Esse homem fez então o que nunca fizera na vjda: pôs-se a rezar feito um doido bem doido. Pedia perdão a Deus, rastejava sua alma pela lama, pensando que o que Deus queria do homem era o esfacelamento da dignidade. Prometeu nunca mais comer ou beber, prometia-lhe a pró­pria morte, contanto que esse Deus todo-poderoso lhe pou-

Bíblioteca Univeisitária

UFSCcorpo agora tão pobre uma alma tremia, e milhares de sinos pequenos pareciam ba­dalar por todos os seus ner­vos. Ele rezava assim: Deus, eu vos prometo ser outra pessoa se tiverdes a miseri­córdia de permitir que eu só vomite em casa. Mas sentia que lhe faltava a intimidade necessária para uma prece. Dirigia-se a Deus com fraque e cartola, de súbito precisan­do até de deuses e até de mendigos.

Então houve um momento terrivelmente dramático em que o turbilhão que lhe en­chia o estômago quase lhe saltou pela boca. Fechou os olhos e entregou-se todo des­graçado à perdição. Estava nas agonias de uma morte. E o ônibus parava em cada es­tação que não era a dele, sem ligar a mínima a seu atestado de miséria. Ele, um troço pú­blico, prestes a ser linchado sem piedade por um povo autoritário. Fechou os olhos e de pé, encostado à humana senhora seiúda, praticâmente morreu.

Silêncio.Silêncio de morte. Verti­

gem. Vórtice do inferno.Quando abriu os olhos viu

que podia saltar do ônibus, chegara a sua vez. E —- vi­tória — não vomitara.

Branco como folha virgem de papel, ele se consideraria mais corrupto que um cão se vomitasse na rua. Mas sabia que não haveria tempo de chegar em casa para lá poder proceder ao ato escandaloso.

Então viu — como se no deserto visse uma miragem— a porta aberta de um bo­tequim barato. Estava cheio de soldados, de malandros e de prostitutas. Entrou meio a medo, de súbito temeu ser preso, um soldado a dizer- lhe: ! considere-se preso por causar escândalo público e ofender a alma humana.

Quando, enfim, chegou à porta do mictório, quase mor­reu de novo: aquele lugar or­dinário estava de tal modo imundo que ele não se con­vencia a entrar. Trancou-se- lhe o vômito na garganta e os olhos se esbugalharam. O que fazer, oh Senhor Deus?

dois e, com o dedo na gargan­ta, forçou o vômito. E enfim d jorro maldito.

Daí a uns instantes conse­guiu abrir os olhos do fundo da podridão em que se acha­va e percebeu logo que só fizera acrescentar à imundícia outra imundícia. Ficou em pé, imóvel, já reto, a tremer. O alívio era tão tremendo que o coração arrítmico can­tava aleluia. Olhou para o chão — e atônito viu todos os seus documentos nadando na sujeira. Entendeu que, ao dobrar-se, os papéis lhe ha­viam caído do bolso. Lá es­tava no chão a sua identi­dade.

Espantou-se. Sabia que ja­mais teria a audácia de sujar sua mão para apanhar a iden­tidade imunda. Estava sem atestado de vida. Ele de re­pente não era. Simplesmente, sem documentos, não podia mais provar que existia.

Saiu do botequim meio trôpego, a cabeça devastada pelo sol ainda cheio. Pare­cia incrível: toda a tragédia de Goethe, com música de Wagner, se passara em ape­nas meia hora. Boquiaberto. Até mancava um pouco.

Mas se perguntou todo trê­mulo e vulnerável se fora ví­tima de um desastre ou se recebera uma notícia alegre. Pois ele, que estava habitua­do a viver com extrema força, só agora sabia que a vida podia ser leve. Como é bom a vida sem mim, pensou.

E assim é que nascera um homem comum. Quase ale­gremente tinha que começar tudo de novo e sobre outra base. Em casa, inesperada­mente, encheu-se de pão com salchicha e muita Brahma. Nessa noite quis a mulher e dormiu nu como um menino. Sua mulher não compreen­deu a inesperada afoiteza de um homem até então solene. Afoiteza de homem livre.

Acordou contente e pensou numa gargalhada muda: nada tenho a ver comigo mesmo. Sou como um búlgaro solto no mundo e sem passaporte. Feliz estranheza. Sem poder provar que era J. B.

E viver era muito simples.

cjesespero e desenlace às três da tarde

conto de C larice Lispector

E s te senhor de quem eu vos falo tinha quase cinquenta anos. E tal era a sua dignidade de conde que parecia um lord sem dinheiro. Por não tê-lo é que entrou no ónibus na ensolarada Praça Mauá em vez de tom ar um táxi, ou — melhor ainda — sentar-se no nobre banco de trás dum carro próprio dando mansamente ordens para o seu chauffeur particular. Sua mansidão era falsa e na verdade ele era tenso que nem elástico por d e jn a is espichado. Ém realiclade n5o lhe fazia falta o dinheiro, pois tinha vida muito sóbria. De que lhe serviria a moeda corrente dos plebeus?

Era ateu: jião se devia/a ninguém, nem a Deus. E carregava com aparente equilíbrio o orgulho que tinha de pertencer à estirpe do ser humano. Tinha um único amigo, com que jogava £adrez, uma m ulher a ;que ele não ligava, uma adorada filha e um inestimável neto. A ssim é que apesar de pobre tudo era perfeito.

Se lhe era pesado o próprio fardo? Nada se sabe a respeito. O que se sentia é que o carregava como se fosse coroa de rei.

Assim era o senhor J. B. E nada pedia e nada dava.Sim.M as houve um acontecimento.Que se tornou de siíbito O Acontecimento.Não se sabe como começou. Subiu no ónibus às três horas da

tarde em pleno sol cheio,; um sol repleto de si mesmo/ Apesar de

Daí a uns instantes conseguiu abrir os olhos do fundo d a 'imun­d íc ie /'em que se achava e percebeu logo que só fizera aumentar à imundicíe outra imundicíe. Ficou em pé imóvel, já recto, a treme?L

'lica r de paixão.yO alívio era tão tremendo que o coração arrítmico cantava aleluia. Olhou para o chão.. -

E atónito viu todos os seus documentos nadando na sujeira. Entendeu que, ao dobrar-se,'os atestados de éxistêficiá {lhe haviam caído do bolso. Lá estava no chão a sua carteira de identidade, a carteira de trabalho, tudo o que fora seu desde que se tornara um hom em .]

Esp,antou-se. Sabia que jamais teria a audácia de sujar sua mão ! aó toBar/ria identidade imunda. Estava sem atestado de vida.

Ele de repente não era (m ais,/Sim plesm ente, sem documentos, não podia mais provar a sua vida.' • ^

Saiu do bar meio trôpego, a cabeça devastada pelo sol ainda cheio. Parecia incrível: toda a tragédia de Goethe, com música de Wagner, se passara em apenas meia hora. Boquiaberto. Até man­cava um pouco.

Mas se perguntou todo trémulo e vulnerável se fora vítima dum desastre ou se recebera uma notícia alegre. Pois ele, que estava habituado a viver com extrema força, s ó ,agora sabia que a vida podia ser leve. Como é bom a vida sem /éu/pensou/jespantado

' e quase descrente da descobe r ta / . ? _ - .E assim é que nascera um homem comum. Quase alegremente

tinha que começar tudo de novo e sobre outra base. Em casa ines­peradamente encheu-se de pão com salsicha erbèrveja JBrahma. Nessa noite quis a mulher e dormiu nu como um menino. Sua m ulher não compreendeu a inesperada afoiteza dum homem até então solene. Afoiteza de homem livre.

Acordou contente e pensou numa gargalhada rriuda jcontra o ’ mundo:! nada tenho a ver comigo mesmo.l É córnó se eu fosse/um búlgaro Iqírê' a c'a bass e ; d è ' t e r i sâítado no mundo de pára-quedas./

- jE sem passaporte. Feliz estranheza,|a desta inováçacT, um primeiro modo de existir. E ele aqora ,aceitava aualauêr inovacão. mesmo / as incautas. Viver sem nobreza era mais sim ples.rGanhara de aJgum modo a grande vida ao permitir-se ter o valor dum rato alegre, j

morte contanto que esse Deus todo poderoso lhe poupasse o opró­brio tão próximo a acontecer. Dentro daquele corpo agora tã o pobre uma alma trem ia e/ri milhares de sinos p e q u e n o s (a ^ a fô ta g s m p o r ’ todos os seus nervos. Ele rezava assim: Deus, eu v o s prometo ser outra pessoa se tiverdes a misericórdia de perm itir q u e eu só vomite em casa.

Mas sentia que lhe faltava a intimidade necessária para uma prece. Dirigia-se a Deus com fraque e cartola, ele que súbito pre­cisa v^, até de deuses e até de mendigog^,, ,L, .r , •

Então houve um momento ejn que o turbilhão que íhe enchia o estômago ilhe^énÍKeu/a bocê. h - ~

Fechou os olhos, engoliu a substância e entregou-se todo des­graçado à perdição.

Estava nas agonias duma morte. E o ónibus parava em cada estação que não era a dele, sem ligar a mínima a seu atestado de miséria. Ele, um coisa pública, prestes a ser linchado sem piedade por um povo autoritário. Fechou os olhos e de pé, encostado à humana senhora seiúda, praticamente morreu.

Silêncio.Silêncio de morte. Vertigem. Vórtice do inferno.Quando abriu os olhos viu que podia saltar do ónibus, chegara

a sua vez. E — vitória — não vomitara.Branco como folha virgem de papel, ele se consideraria mais

corrupto que um cão se vomitasse na rua. Mas sabia que não haveria tempo de chegar em casa para lá poder proceder ao acto escandaloso. 't-

Então viu — como se no deserto visse uma mirsgem — a porta aberta dum bar barato. Estava cheio de soldados, de vagabundos e de duas prostitutas. Entrou meio a medo', de súbito temeu ser preso, um soldado a dizer-lhe: «considere-se preso por causar escândalo público e ofender a alma humana».

Quando enfim chegou à porta do mictório quase morreu de novo: aquele lugar ordinário estava de tal modo imundo que ele não se convencia a entrar. Trancou-se-lhe o vom ito na garganta e os olhos se esbugalharam. O que fazer, oh Senhor Deus?jCorneçou por se ausentar mentalmente do lugar a ler as obscenidades escritas ,/ nas paredes./ Ç r , c -v - '• c <- ' )

De repente ofendeu a si^mesmo: dobrou o corpo em dois e [ y \ meteu o dedo pela goela que fremia que nem nervo solto numaj , gengiva.; “

E "enfim o jorro maldito,1 a alma podre saindo do estômago aosj tra rá b o lh õ e S jj

-eXc.'.andar em veículo colectivo, o sr. J. B./usufruía duma solidão mag­nífica: não precisava de ninguém. No fundo desprezava todo o mundo. Ninguém lhe valia. Seu corpo pedia pouco, sua alma menos ainda. 7

- t ç \ £ •. t- j ( ^ ,e& •

O ónibus estava lotado, não havia mais lugar para se sentar./ Formara-se longa galeria de homens e mulheres de pé, um corpo quase colado a outro corpo. Mas a promiscuidade, que o sr. J. B. nem de longe toleraria, não existia para ele. Sentia-se só e altaneiro e como sem pre parecia ser dono do veículo público dando ordens ao chauffeur. Invertia tudo; não era o ónjbus que se movia num caminho rigorosam enteLa^tú^ízaddjré^jm elè';é quém o mandava subir e descer as ruas e até inventava para a máquina fumegante um roteiro que íhe fconvinha. Tudo o que existia lhe convinha: fazia questão disso. De ser adequado.

Eis o estado de coisas da realidade daquela hora.Como foi que começou? Almoçara pouco, era homem frugal

em sexo e comida. Porque então esse leve mal-estar no estômago? M al-estar que aumentava. E ele colado frente a frente a uma senhora de peitos fortes e muito decotada. Quando, obrigado pela situação em que estava, olhava para os seios brancos desta digna ou indigna senhora, viravarrí-se-lhe ás'èntranhas pelo avesso. Se desviava o olhar, este caía turvo sobre a boca embigodada e lubricamente Húmida dum homem sentado e em pleno vigor da idade.

E a coisa começou: estava com forte náusea e deu-se conta de que precisava urgentemente vomitar.

Iniciou-se então uma luta mesquinha e inglória face a face ao terro r que começou a dominá-lo. Pois se vomitasse seria bem èm cima dos seios da senhor? que estava tão colada^ a ele como em pleno acto sexual. Ela, se ele vomitasse, nunca ilhej perdoarja. E, m etido entre pessoas totalmente estranhas, sabia que de algum modo o enxotariam se sucumbisse ao mal contido impulso esto­macal. De súbito ele estava danadamente precisando da comise­ração de outros seres humanos. Logo ele que não era uma simples brochura, era um homem solenemente encadernado.

Começou a suar frio. Uma gota gelada escorreu-lhe da testa e entrou-lhe pelo olho esquerdo, escorrendo depois ;pela face; como lágrima de m ártir.

r sse homem fez então o que nunca fizera na vida: pôs-se a rezar fe ito um doido bem djido.

Pedia perdão a Deus, rastejava sua alma pela lama, pensando que o que Deus [quer/ do homem é o esfacelamento da dignidade,

-p ro m eteu nunca mais comer ou beber, p r o m e t i a a própria

OBJECTORELÀIÕRIOMISTÉRIO

Esta coisa é a mais difícil dc uma pessoa entender. Insista. Vou fãlar de uma coisa que aos outros parece óbvia. Mas e extrem am ente difícil dc se saber dela. Pois envolve o tempo. Ou o TEMPO'.’

N ós dividim os o tem po quando êle na realidade não é divisível. Êlc é sempre imutável. Mas nós, pre­cisam os dividi-lo. E para isso criou- -se uma coisa m onstruosa, o relógio. N ão vou falar sôbrc relógios. Mas sôbre um reiógio. O meu jógo é aberto: digo logo o que tenho a d i­zer. Êssc relógio é eletrônico e tem despertador. A marcy é Sveglia. quer dizer, acorda. Acorda para o . que. meu Deus? Para o tem po. Para a hora. Para o instante. Èsse relógio não é meu. Mas é com o se fôsse . N ão é de pulso: é sôlto. portanto. Tem dois centím etros. Eu queria que éle se chamasse Sveglia. Mas a do­na do relógio quer - que se cham e H orácio. Pouco importa. Pos o prin­cipal é que êlc é o Tem po.

Seu m ecanism o é m uito sim ples. N ão tem a com plexidade de uma gente, mas é mais gente do que gen­te. É super-liom eni? N ão. vem di­retamente d o . planeta M arte, ap :que parece. Se e de lá que êle vem . um dia para lá voltará. Ê to lo dizer que êle não precisa de corda, isso já acon­tece com outros relógios, com o o meu que é de pulso, não precisa de cor­da. é antichoque, pode-se molhar à vontade. Êsses até que são mais que

gente. Mas são da Terra. O Sveglia é de Deus. Foram usados cérebros . divinos para captar o que devia

ser êssc r e ló g io / Estou escre­vendo sôbre êle m as ainda

não o vi. Vai ser o E ncon­tro. Sveglia: acorda, m u­lher, para ver o que tem que ser visto: É im portan­te estar acordada para ver.

O hom em cham ou os m édicos. Ê les disseram que talvez fôsse caso de ca- taiepsia. Êle não se conform ou. D es­cobriu-lhe a barriga e fêz sôbre eia m ovim entos sim ples — com o a dona do Sveglia fêz com êstc quando pa­rou — que êle não sabia explicar.

E a mulher abriu os olhos. E sta­va em saúde perfeita. E está viva. continua bem. que D eus a guarde.

Isso tem a ver com Sveglia. N ão sei com o. Mas que tem, tem. E o cavalo branco do C am po de Santa­na, que c praça de passarinhos, pom ­bas e quatis? T odo param entado, com enfeites de prata, sem sela, de crina alta e altiva. Correndo com um m ovim ento, apesar d& correndo sem pressa. N ão cjuero nunca apagar ve­la de m acum ba. E stou em perfeita saúde física e mental. M as um a noi­te eu estava dorm indo profundam en­te e uma m ôça me ouviu dizer bem alto: eu quero um filho!

Eu sou Sveglia, Maria Betânia é, Fauzi A rap é, mais dois hom ens são. Um dêles bebe m uito, está se auto- destruindo: só Sveglia o salvará. O

outro entende tudo, m as tudo m esm o. Eu não sei entender com a cabeça o que êle fala. só com o coração. A p e­sar de não dormir, Sveglia ainda deixa dormir. E deixa sonhar. H a única bondade dêlc. A liás, n ã o é bondade, é desprêso. É superioridade.

Sveglia vai me dar para o resto da minha vida aquêle que bebe. Por­que nós dois form am os Sveglia, jun­to com aquêle que entende tudo. Eu creio no Sveglia. Êle não crê em mim. A cha que m into m uito. E m into m esm o. N a Terra se mente m uito. Outros dois Sveglia de que estou me lem brando são o físico M a­rio Schem berg e o m atem ático cha­m ado L eopold o N achbin. Eu passo cin co anos sem m e gripar: isso é Sve­glia. E quando m e gripei, durou uns dois ou três dias. D ep ois ficoir uma tosse sêca. M as o m édico me recei­tou antib iótico e cu re i.- A ntib iótico é Sveglia.

Êste é um relatório. Sveglia não adm ite conto , ou rom ance ou o que seja. Mal adm ite que cham e isto de relatório. F aço o possível de fazer

um relatório sêco com o champanha ultra-sêco. M as às vêzes, me descul­pem , fica m olhado. O telefone é Sveglia. Já a televisão é m olhadíssi­ma. U m a coisa sêca é de prata de lei. O uro já é m olhado. Poderia eu falar em diam ante em relação à Sve­glia? N ão, êle é apenas êle. Sveglia não tem nom e: conserva o anonim a­to. A iiás, D eus não tem nom e: con ­serva o -anonim ato perfeito. N ão há língua, que o pronuncie. A liás, Sve­glia é burro. N ão sei da linha que se traçou. V ou agora dizer um a co i­sa m uito grave que vai parecer he­resia: D eus é burro. É verdade que é de um a burrice ultra-ultra-genial. M as êle com ete m uitos erros Ê le sa­be que com ete. Basta verm os a nós e o m odo com o nos organizam os em sociedade e intrinsicam ente. M as um êrro êle não com ete: Êle não m or­re. Por enquanto ainda não vi o Sve­glia. T alvez seja m olhado vê-lo . Sei tudo a respeito dêle. M as parece que a dona dêle não quw que eu o veja. Tem ciúm e. Ciúm e chega a pingar de tão m olhado. A liás, a Terra é m o­lhada de sentim entos. O galo é Sve­glia. O ôvo. então, é puro Sveglia . M as o ôv o inteiro, com pleto, branco, de casca sêca. tudo oval. Por dentro é vida, é vida m olhada. G em a é m o­lhadíssim a. M as com er gema crua é Sveglia.

Querem ver quem é-Sveglia? Jô- go de futebol. M as já Pelé não é . Por quê? Im possível explicar. T al­vez êle não tenha respeitado o ano­nim ato, Briga é Sveglia. A cabo de

' t t r *'1ííií3~'C0 iTT- u iJü íitr u c r íc lu g iü . ■ E udisse: já que você não quer m e dei­xar ver Sveglia, descreva-m e os seus discos. Então ela ficou furiosa (is ­so é Sveglia) e disse que estava cheia de problem as ( ter problem as -não é S veg lia ). Então tentei acalm á-la e ficou tudo bem. A m anhã não lhe te­lefonarei. -D eixarei ela descansar.

Será que escreverei sôbre o ele­trônico sem jam ais vê-lo? Parece que vai ter que ser assim . É fatal. Filho, apesar de m áxim o /sentim ento, é e le- trônico. / Estou com sono. Será .que é permitido? Sei que sonhar não é Sveglia. O núm ero é perm itido. E m ­bora o seis não seja. 1\ N em ..o. aua-- tro.. ' R aríssim os poem as são perm iti­dos. R om ance, então, nem se fa la . T ive um a em pregada por sete dias, cham ada Severina, que d isse que não era alegre nem triste: era assim m es­m o. E la era Sveglia. M as eu não era e não pudô suportar a ausência de sentim ento.

109

É também im portante dormir para poder sonhar? Sveglia é o objeto, o

com letra maiúscula. Será que o Sveglia me vê? Vê, sim, com o se eu fôsse um outro objeto. Êle reconhe­ce que às vêzes agente vem de Marte.

Estão me" acontecendo coisas que mais parecem um sonho. Acorda- -me, Sveglia. eu quero ver a realida­de. Mas é que a realidade'parece um sonho. Estou m elancólica porque es­tou feliz. N ão é paradoxo. D epois do ato do amor não dá uma certa melancolia? A da plenitude. Estou com vontade de chorar. Sveglia não chora. A liás êle não tem circuns­tâncias. Será que êle tem pêso? D or­me, Eveglia, dorme um pouco, eu não suporto tua vigília. V ocê não pára de ser. V ocê não sonha. N em se cha­ma de "funcionar” : você não é fun­cionam ento, você é:

V ocê é todo magro. E nada lhe acontece. Mas é você que faz acon­tecerem as coisas.' "ivie aconteça, ’ Sveglia, me aconteça. E stou preci­sando de um determ inado aconteci­mento. D á-m e de volta o desejo. Eu não te quero para mim. N ão gosto de ser vigiada. E você é o ôlho único aberto sempre. V ocê não me quer mal; mas tam bém não m e quer bem." Será que eu estou ficando assim, sem sentim ento? Um objeto? Sei'que es­tou com pouca capacidade de amar. Minha capacidade de amar foi pisada demais. D eus. Só resta um fio de de­sejo. Eu preciso que se fortifique. N ão é com o você pensa, que só a morte importa* V iver, coisa que vo­cê não conhece — im porta muito. Viver sêco. viver o essencial.

Se êle se quebrar, pensam que morreu? N ão, foi sim plem ente em ­bora. M asW ocê tem fraquezas. Sou­be pela dona que você precisa de uma capa de couro para protegê-lo contra a umidade. Soube tam bém que você uma vez parou. A dona não se afobou. D eu “a ê le-n êle” u m a sj mexidinh^s) m uito das sim ples 's você nunca mais parou. Eu te entendo, eu te perdôo: você veio da Europa e precisa um m ínim o de tem po para se aclimatar, não é? Q uer dizer que vo­cê tam bém morre, Sveglia? V ocê é o tem po que pára? Já ouvi o Sveglia, por telefone, dar o alarma. É com o dentro da gente. Parece que o seu ele- trônico-D eus se com unica com o nos­so cérebro eletrônico: o som é m acio, sem nenhum a estridência.

Eu soube de um hom em a quem aconteceu Sveglia. Ê le estava andan­do com o filho de dez anos, de noite,

e o filho disse: cuidado, pai. tem m acum br aí. O pai recuou, e não é que pisou em cheio na vela acesa, apagando-a. N ão parece ter aconte­cido nada, o que é tam bém m uito de Sveglia. O hom em foi dormir. Q uan­do acordou viu que um de seus pés estava inchado e. negro. Chamou co-~ legas. Êles não viram nenhum a mar­ca de ferim entos: o pé estava intacto— só prêto e m uito inchado, aquêle inchado que deixa a pele tôda esti­cada. £ !es cham aram m ais colegas. E decidiram', os nove m édicos, que era gangrena. Tinharn. que amputar o pé. M arcou-se para o dia seguin­te e com hora certa. Êle dorm iu. E teve um sonho horrível. U m cavalo branco queria agredi-lo e êle fugia com o um louco. Passava-se tudo is­so no C am po de Santana. O cavalo branco era lindo e enfeitado com pra­ta. M a; não houve jeito. O cavalo pegou -o bem no pé, p isando-o . Aí ele áüür.dòu“"gnia ííoü. / ’.' a ia rr, que estava nervoso, explicaram que isso acontecia perto de operação, deram- -lhe um sedativo, êle dormiu de nô-

vo. Quando acordou, olhou logo pa­ra o pé. Sürprêso: o pé estava bran­co e de tam anho normal. C ham ou os m é d ic o s / Vieram nove. E não sou ­beram explicar. Era um enigm a, co ­mo Sveglia (pronuncia-se esvéiia) e os nove m édicos não souberam ex ­plicar. N ão havia mais m otivo de operação. Êle voltou para casa. Só que não pode se apoiar nesse pé: fra­queja. Era a marca do cavalo bran­co, da vela apagada, do Sveglia. O; médicos continuam - sem ex p lica çã o . “Pero que las hay, las hay” (N ã o se se escreve assim, e, se digo isso, i porque faço jôgo lim po, aberto e sen subterfúgios).

Êle anda de cadeira de rodas.~Só que aconteceu uma coisa. Su;

mulher, em perfeito estado de saúde na mesa do" jantar, com eçou a senti fortes dores nos intestinos. Interrovn peu o jantar e foi se deitar. O mari do. preocupadíssim o, foi vê-la. Esta•-V"» — »r*~ K r - T ~ ,-.,u r-r-* - ■m ou-lhe o pulso. N ão havia. (. único sinal de vida é que sua test perlava de suor. E o coração bati;

108

Suécia é. Dinamarca não. Is­rael é.

Ser inventor é. Brincar não é. Vou agora dormir. Mas não devo sonhar. Água, apèsar de ser molhada por excelência, é. Escrever é. Mas estilo não é. Ter seios é, e barriga também. O orgão masculino é de­mais. Bondade não é. Mas a não- -bondade, o dar, é. Bondade não é o opôsto de maldade. Fome é. Mas porque, meu Deus, Gandhi não era? Era quando passava fome deliberada. Zen-Budismo é tão mole. E um pou­quinho flácido. Estarei escrevendo molKãcio? Acho que sim. Meu se­gundo nome é. Já o primeiro é doce demais, é para amor. Não ter ne­nhum segrêdo é. Esparadrapo é. Não ponho reticências agora porque não é. Se alguém me entender é. O que é, afinal? Afinal nada é.

O Sol é, ã Lua não: Parece que eu não sou eu, de tão eu que eu sou. Desodorante é o,u não é? ;- Minha ca­ra é. Uísque é.! E, por incrível aue pareça, Coca-Cola é, enquanto Pepsi- -Cola nunca foi. Estou fazendo pro­paganda de graça? Isto está errado, ouviu, Coca-Cola?

Ser fiel é. O ato do amor é terri­velmente abstrato, portanto é. Eu sou. Você, se não tomar cuidado, não é. Tudo o que estou escrevendo não é. Vou contar uma história. Mas antes quero'dizer que quem me con­tou essa história foi uma pessoa que, apesar de bondosíssima, é Sveglia.

(Estou quase morrendo de can­saço. Sveglia, se a gente não toma cuidado, mata).

A história é a seguinte:Passa-se em Coelho Neto, Gua­

nabara. A mulher da história era muito infeliz. Entre parênteses: ser feliz é Sveglia, Essa mulher linha uma ferida na perna e a ferida não se fechava: Ela não sabia que era Câncer. (Câncer é um dos erros de Deus). Ela trabalhava muito e o - marido era carteiro. Ser carteiro é Sveglia. Tinha muitos filhos. Quase nada o que comer. Quando o mari­do chegava em casa, ajudava ela a preparar o jantar, Essa pessoa resol­veu resolver a situação. E a fazê-la feliz. Mostrou-lhe uma vizinha que era estéril, sofria muito com isso. Não havia jeito de pegar filho. Mos- trou-lhçi que e!a era feliz em ter fi­lhos. E ela ficou feliz.1 Mostrou-lhe também que outra vizinha tinha fi­lhos mas o marido bebia muito e ba­tia nela;/O que a tomou felizJ En4 tão passaram a se reunir tôdas as

noites e cada mulher contava seus problemas. E no contar os proble­mas ficavam felizes. Tôdas as noites.

Eu queria chegar à página 9 que é feliz: Página 9 na máquina de es­crever. Máquina de escrever por um triz que não é Sveglia. O perigo de­la não ser é que se mistura um pou­co com os sentimentos que a pessoa tem. Geladeira é. Já fogão não é.

Paulo Gurgel Valente é Sveglia demais. £ um de meus filhos. O parto é. A comida mais Sveglia é sal­mão norueguês em lata. O outro de meus filhos, Pedro, tem pensamentos muito Sveglia.

Eu enjoei de cigarro Cônsul, que é mentolado. Já o cigarro Carlton é sêco, é duro, é áspero. Como cada coisa é, não me incomodo de fazer propaganda de graça do Carlton. Mas de Coca-Cola, não perdôo. E com êste relatório eu quero que me pa­guem. E me paguem muito bem. Acho que vai sair na revista Senhor, de São Paulo. E também no Jornal do Brasil, caderno B. O homem Gri- soli, do caderno B, é. Marina Cola- santi corre perigo. Ballet russo é, mas russo mesmo. Ballet italiano não presta. A dança espanhola é. Aliás, todo espanhol é.

Minha cozinheira, que cozinha muito bem e é alegre, canta enquanto trabalha, é ou não é? Como você é, julgue por você mesmo. Acho que

para ser.Errar é. Acertar não sei s<

não é.Impaciência é. Espera é c

é? Não sei responder porque de urgência.

De música, não quero falai Stravinsky é. E não morrerá, que já morreu? Mas o nome mos deixar de lado Mozart, Vivaldi, Beethoven. Só que qv é muitíssimo mais do que siní

A dona do relógio tem a 1 no primeiro nome. Z é.

Flauta é. Cravo é mais d piano. Cravo tem um element terror nêle. Coisa de alma de mundo. Violino, quando tocad estridência por Yeudi Menhuir

“It”, em inglês, é. No mei Atrás do pensamento falo mui “it”. Não sei o que vai acon Sei que meias nylon são.

Tive uma empregada qu Chamava-se Ivonete. E com< Saiu de minha rasa para risnr ao casamento e chorei. Ela, mulata e magra, estava linda. . do noivo não queria o casar achava que êle, sendo contadc' diminuía casando com uma do

£ca. Então Ivonete foi buscá-lo se: é para já.

Ela não é de tal maneira chega a zero. Não vou mais sarnentos: me emocionam muií

vou acabar. Mas não sei o que fa-j irei ao casamento de meus do zer. Ah, vou me vestir. lhos. Com roupa nova e sapati

Até nunca mais, Sveglia. Nuvem, nem se fala, ela não é. Mas o céu muito azul é limpo, é de um azul sêco. tpo\

As ondas brancas do mar na praia, elas são mais que o mar. O

, cheiro do mar mistura masculino com feminino, e fica um é engraçado.

A dona do relógio — que me dis­se hoje que êle é que é o dono dela— disse que êle tem uns furinhos -prêtos por onde sai o som. Tem um disco interior que é de couró ou dou

to que não aperte. Roupa no x'- Sveglia, quando, afinal quar

que você me deixa em paz? Nf. me perseguir por tôda a minha vai? Já te odeio. Já queria/ escrever uma história. Qual v o meu futuro literário? Desi que não escreverei mais. Mas » dade que outras vêzes desconfiei entanto escrevi. O que, porén de escrever, meu Deus?

O mais formidável do S\ comigo, eu não quero contar.

rado. O disco exterior é prateado, . involve outra pessoa, e mais outr quáse sem côr. Eu já disse que eu so­nhei que sonhava? Já escrevi isso no meu livro Atrás do pensamento, com uma subscrição: monólogo com a vi­da. Para -orientar o leitor que não sabe o que está comprando. A capa, eu queria que fôsse bem vermelha, apenas gráfica, com as letras em prê- to. Acho que os meus editores (Sa­biá) vão concordar. Êles são baca­nas comigo: me adiantam dinheiro, são carinhosos. Um é, o outro não é, embora faça uma fôrça danada

E agora vou terminar este tório-mistério. Ter cansaço n; Mas acontece que estou muito sada. Vou sair com Maria Bc (ela é) e ver sua exposição no seu de Arte Moderna. Usare perfume que é segrêdo meu. Só uma coisa dêle: é agreste, um i áspero, com uma doçura esconc

Adeus Sveglia. Adeus para ca sempre. Você me matou, morri. Morrer é. E agora — adeus.

112

1972 (coNi ,)

Um d e s s e s c o n t o s - Amor - foi r e p u b l i c a d o a rios d e j j o i s em

Laços d e F a m í l i a . N e s s e c o n t o h á uma f r a s e m a i s o u menos

a s s i m , n ã o me l e m b r o t o t a l m e n t e e e s t o u com p r e g u i ç a d e i r

v e r : " . . . s e g u r o u - l h e a m ã o , g u i a n d o - a , a f a s t a n d o - a d o

p e r i g o d e v i v e r . "

M i n h a v a i d a d e é q u e G u i m a r ã e s R o s a , com o s e u c é l e ­

b r e " v i v e r é p e r i g o s o " , t e n h a t i d o a m esm a s e n s a ç ã o q u e

e u . SÓ q u e a f r a s e d e l e - como é d e s e e n t e n d e r f a c i l m e n ­

t e p o i s t r a t a - s e d e um m e s t r e - é m a i s b o n i t a , é s o b r e t u d o

uma s e n t e n ç a . Mas o s e n t i d o é o m e s m o .

Deus d e b a r r o

Mas s e D e u s n ã o l h e s e r v i a : f o r a f e i t o ã s u a p r ó p r i a

i m a g o n , p a r e c i a - s e d e m a i s com e l e , t i n h a a mesma e s rõ c i e d e

a n s i e d a d e p o r s o l u ç õ e s , e também a m esm o a u t o - s e v e r i d a d e . E

q u a n d o e s s e D e u s e r a b o m , e r a - o como e l e s e r i a s e t i v e s s e

b o n d a d e c o n s i g o m e s m o . 0 v e r d a d e i r o D e u s , um q u e n ã o f o s s e

f e i t o ã s u a i m a g e m e s e m e l h a n ç a , e r a p o r i s s o t o t a l m e n t e

i n c o m p r e e n d i d o p o r e l e , e n ã o s a b i a s e E l e p o r s e u t u r n o

p o d e r i a c o m p r e e n d ê - l o . S e u D e u s a t é e n t ã o f o r a t e r r e s t r e .

E d e e n t ã o em d i a n t e , s e q u i s e s s e r e z a r , s e r i a como r e z a r

ã s c e c a s e ao N a d a . S o b r e t u d o n ã o p o d i a m a i s p e d i r a D e u s .

D e s c o b r i u e n t ã o q u e a t é a g o r a n a v e r d a d e r e z a r a p a r a um

e u - m e s m o , s ó q u e p o d e r o s o , e n g r a n d e c i d o e o n i p o t e n t e . C u s ­

t o u a a d m i t i r um D e u s a b s t r a t o .

S e u e r r o f o i t e n t a r c o m p r e e n d e r D e u s .

12 a g o

P a r a a c a b a r d e " f u n d i r a c u c a " DM

19 a g o

Um a n t i c o n t o \

N o t a : e s t e r e l a t ó r i o - m i s t é r i o , e s t e a n t i c o n t o g e o m é ­

t r i c o f o i p u b l i c a d o n a r e v i s t a S e n h o r : d e S ã o P a u l o . Na

s u a a p r e s e n t a ç ã o , N e l s o n C o e l h o d i z q u e t e n t o m a t a r em mim

a e s c r i t o r a . C i t a v á r i o s e s c r i t o r e s q u e t e n t a r a m o s u i c í ­

d i o d a p a l a v r a e s c r i t a . Nenhum d e l e s c o n s e g u i u . "Cono

C l a r i c e n ã o c o n s e g u i r á " , e s c r e v e N é l s o n C o e l h o .

0 q u e t e n t e i com e s s a e s p é c i e d e r e l a t ó r i o ? Acho q u e

q u e r i a f a z e r um a n t i c o n t o , uma a n t i l i t e r a t ur a . Como s e a s ­

s i m e u d e s m i s t i f i c a s s e a f i c ç ã o . F o i uma e x p e r i ê n c i a v a ­

l i o s a * p a r a m im . Não i m p o r t a q u e e u t e n h a f a l h a d o . Cham a-

s e :

E s t a c o i s a é a m a i s d i f í c i l d e uma p e s s o a e n t e n d e r .

I n s i s t a . Vou f a l a r d e uma c o i s a q u e a o s o u t r o s p a r e c e ó b ­

v i a . Mas é e x t r e m a m e n t e d i f í c i l d e s e s a b e r d e l a , p o i s e n ­

v o l v e o t e m p o .

NÓs d i v i d i m o s o t e m p o q u a n d o e l e na r e a l i d a d e n ã o é

d i v i s í v e l . E l e é s e m p r e i m u t á v e l . Mas s ó p r e c i s a m o s d i v i ­

d i - l o . E p a r a i s s o c r i o u - s e uma c o i s a m o n s t r u o s a : o r e l ó ­

g i o . Não v o u f a l a r s o b r e r e l ó g i o s . Mas s o b r e um r e l ó g i o e -

l e t r ô n i c o . O m eu j o g o é a b e r t o : d i g o l o g o o q u e t e n h o a

d i z e r . E s t e r e l ó g i o e l e t r ô n i c o t e m d e s p e r t a d o r . A m a r c a é

S v e g l i a , o q u e q u e r d i z e r " a c o r d a " . A c o r d a p a r a o q u e , meu

D e u s ? P a r a o t e m p o . P a r a a h o r a . P a r a o i n s t a n t e . E s s e r e ­

l ó g i o n ã o é m e u . Mas é como s e f o s s e . Não é d e p u l s o : é

s o l t o p o r t a n t o . Tem e : :a t£_~ .en te d o i s c e n t í m e t r o s . S e u m e c a ­

n i s m o é m u i t o s i m p l e s . Não t e m a c o m p l e x i d a d e d e uma g e n ­

t e , mas é m a i s g e n t e d o c u e g e n t e . É s u p e r - h o m e m ? N ã o , d e ­

v e v i r d i r e t a m e n t e d o p l a n e t a M a r t e , ao q u e p a r e c e . S e é

d e l á q u e e l e v e m , um d i a p a r a l ã v o l t a r á . É t o l o d i z e r que

e l e n ã o p r e c i s a d e c o r d a , i s s o j á a c o n t e c e com o u t r o s r e ­

l ó g i o s co m u n s , como o meu q u e é d e p u l s o , n ã o p r e c i s a d e

c o x d a , é a n t i c h o q u e , p o d e - s e m o - l h ã - l o â v o n t a d e . E s s e s a t é

q u e s ã o m a i s g e n t e . Mas s ã o d a T e r r a e c r i a d o s p o r h o m e n s .

O S v e g l i a i d e D e u s . Forar . u s a d o s c é r e b r o s . - d i v i n o s p a r a

c a p t a r o q u e d e v i a s e r e s t e r e l ó g i o . /

E s t o u e s c r e v e n d o s o b r e e l e mas a i n d a n ã o o v i . V a i

s e r o e n c o n t r o . S e bem q u e s u a d o n a o d e s c r e v e u com t o d o s

o s d e t a l h e s . S v e g l i a : a c o r r i a , m u l h e r , a c o r d a p a r a v e r o

q u e t e m q u e s e r v i s t o . É i m p o r t a n t e e s t a r a c o r d a d a p a r a

v e r . E m b o r a tam bém s e j a ' i m p o r t a n t e d o r m i r p a r a p o d e r s o ­

n h a r com a s r e a l i d a d e s n a s q u a i s n ã o a c r e d i t a m o s .

S v e g l i a é o b j e c t o , * ( s i c )

S e r á q u e - " ' S v e g l i a . me v ê ? V e , s i m , como s e e u f o s s e

o u t r o o b j e c t o ( s i c ) . E Í e r e c o n h e c e ta m b é m q u e ã s v e z o ? a

g e n t e v e m d e M a r t e .

E s t ã o me a c o n t e c e n d o c o i s a s q u e m a i s p a r e c e m ura s o ­

n h o . A c o r d a - m e , S v e g l i a , e u q u e r o v e r a r e a l i d a d e . Mas é

q u e a r e a l i d a d e , é, um s o n h o . S i n t o - m e a g o r a m e l a n c ó l i c a p o r ­

q u e e s t o u f e l i z . Não é p a r a d o x o . D e p o i s d o a t o d o amor n ã o

d á uma c e r t a m e l a n c o l i a ? A d a p l e n i t u d e . E s t o u com v o r . t a d e

d e c h o r a r . S v e g l i a n ã o c h o r a . A l i á s , e l e s i m p l e s m e n t e não

1 3 / 2 ICÜNT . )

O b j e c t o ( s i c )

1972 ( CONT. )

tein c i r c u n s t â n c i a s . D o r m e , S v e g l i a , d o r m e um p o u c o , e u

n ã o s u p o r t o t u a v i g í l i a nem t e u d e s p e r t a d o r . / V o c ê n ã o p á r a

d e s e r . V o c ê n ã o s o n h a . E nem s e c h a m a d e " f u n c i o n a r " : v o ­

c ê n ã o é f u n c i o n a m e n t o , v o c ê é . Há c o i s a s q u e s ã o .

V o c ê é t o d o m a g r o e e n x u t o . E n a d a l h e a c o n t e c e . Mas

é v o c ê q u e f a z a c o n t e c e r e m a s c o i s a s . Me a c o n t e ç a . S v e g l i a ,

me a c o n t e ç a . E s t o u p r e c i s a n d o d e um d e t e r m i n a d o a c o n t e c i ­

m e n t o . D a - m e d e v o l t a o d e s e j o , S v e g l i a , . ;Mas/ e u n ã o t e q u e ­

r o p a r a mim. Não g o s t o d e s e r v i g i a d a . E v o c ê é o o l h o ú -

n i c o a b e r t o s e m p r e . V o c e n ã o me q u e r m a l , m as também n ã o

me q u e r bem. S e r á q u e e s t o u f i c a n d o a s s i m , s e m s e n t i m e n t o ?

Um o b j e c t o ? ( s i c ) ' S e i q u e e s t o u c o m e ç a n d o a t e r p o u c a c a ­

p a c i d a d e d e a m a r . M i n h a c a p a c i d a d e d e am ar f o i p i s a d a d e ­

m a i s D e u s . Só r e s t a um f i o d e d e s e j o . Eu p r e c i s o e u e e ] e

s e f o r t i f i q u e . Não é como v o c ê p e n s a q u e s ó a l e o i s a m o r t a ,

é p o r t a n t o e t e r n a ; i m p o r t a .

V i v e r - c o i s a q u e v o c ê n ã o c o n h e c e - i m p o r t a m u i t o .

V i v e r s e c o , v i v e r o e s s e n c i a l .

S e e l e s e q u e b r a r , p e n s a m q u e m o r r e u ? N ã o , f o i s i m ­

p l e s m e n t e e m b o r a . M a s , S v e g l i a , v o c ê t e m f r a q u e z a s . S o u b e

p e l a d o n a q u e v o c ê p r e c i s a d e urna c a p a d e c o u r o p a r a p r o ­

t e g ê - l o c o n t r a a u m i d a d e . S o u b e - ' t ambém q u e v o c ê uma v e z

p a r o u . A d o n a n ã o s e a f o b o u : d e u a e l e - n e l e uma m e x i d i n h a

m u i t o d a s i m p l e s e v o c ê n u n c a m a i s p a r o u p a r a t o d o o s e m ­

p r e . Eu t e c o m p r e e n d o , e u t e p e r d ô o : v o c ê v e i o d a S u í ç a

e p r e c i s o u d e um m í n i m o d e t e m p o p a r a s e a c l i m a t a r , n ã o é ?

J á o u v i o d e s p e r t a d o r d e ' S v e g l i a p o r t e ï e f o n e , d a r o

• a l a r m e . É e s t r a n h í s s i m o : é como s e e s t i v e s s e s o a n d o c e n t r o

; d a g e n t e . P a r e c e q u e o s e u e l e t r ô n i c o - D e u s s e c o m u n i c a com

o n o s s o c é r e b r o e l e t r ô n i c o : o som é m a c i o , ( í n t i m o c e r . a i s / e

s e m n e n h u m a e s t r i d ê n c i a . / P a r e c e v i r d e um i n s t r u m e n t o d e

s o p r o . ( S u g i r o q u e g u a r d e e s t a p r i m e i r a p a r t e p a r a d a r s e n ­

t i d o a c o n t i n u a ç ã o , no p r ó x i m o s á b a d o ) . •./I • . - - -J’

a g o

O b j e c t o - Um a n t i c o n t o ( c o n t i n u a ç ã o )

Há c o i s a s q u e s ã o S v e g l i a . ' : Eu s o u b e d e vim homessv a

quem a c o n t e c e u S v e g l i a . E l e e s t a v a a n d a n d o com o f i l h o d e

l' iiO a n o s , d e n o i t e , e o f i l h o d i s s e : c u i d a d o p a i , t e m ma­

c um ba a ; í . O p a i r e c u o u , e n ã o ê q u e f o i l o g o p i s a r e.~ c h c i o

n a v e l a a c e s a , a p a g a n d o - a ? Não p a r e c e u ; t e r a o o n t e c i d o n a -

1 "J/ Z LU NI . )

d a , o q u e é tam b é m m u i t o d e S v e g l i a . O homem f o i d o r m i r .

Q u a n d o a c o r d o u v i u q u e um d e s e u s p é s e s t a v a i n c h a d o e n e ­

g r o . E r a m é d i c o e c h a m o u c o l e g a s . E s t e s n ã o v i r a m n e n h u m a

m a r c a d e f e r i m e n t o : o p é e s t a v a i n t a c t o - s ó p r e t o e m u i t o

i n c h a d o , d a q u e l e i n c h a d o q u e d e i x a a p e l e t o d a e s t i c a d a . E

d e c i d i r a m , o s n o v e m é d i c o s , q u e e r a c a s o d e g a n g r e n a . T i ­

nham q u e a m p u t a r o p é . M a r c o u - s e a o p e r a ç ã o p a r a o d i a s e ­

g u i n t e e com h o r a c e r t a . O p a c i e n t e d o r m i u . E t e v e um s o ­

n h o t e r r í v e l d e e s p l e n d o r . Um c a v a l o b r a n c o q u e r i a a g r e d i -

l o e e l e f u g i a como um l o u c o . P a s s a v a - s e t u d o i s s o no Cam­

po d e S a n t a n a . O c a v a l o b r a n c o e r a b e l í s s i m o , e e n f e i t a d o

com p r a t a . Mas n ã o h o u v e j e i t o . O c a v a l o p e g o u - o bem no

p é , p i s a n d o - a . A í e l e a c o r d o u g r i t a n d o d e d o r . P e n s a r a m

q u e e s t a v a n e r v o s o , e x p l i c a r a m q u e i s s o a c o n t e c i a p e r t o d e

o p e r a ç ã o , d e r a m - l h e um s e d a t i v o , e l e d o r m i u d e n o v o . Q u a n ­

d o a c o r d o u , o l h o u l o g o p a r a o p é . S u r p r e s o : o p é e s t a v a

b r a n c o e d e t a m a n h o n a t u r a l . Chamou o s m é d i c o s . V i e r a m o s

n o v e . E n ã o s o u b e r a m e x p l i c a r . E r a um e n i g m a , como S v e g l i a ,

e o s n o v e m é d i c o s v i r a m q u e n ã o h a v i a m a i s m o t i v o d e o p e ­

r a ç ã o . E l e v o l t o u p a r a c a s a . S ó q u e , p a r a q u e s e l e r . b r e

s e m p r e , n ã o p o d e s e a p o i a r n e s s e p é : e s t e f r a q u e j a ' . E r a a

m a r c a d o c a v a l o ' b r a n c o , d a v e l a a p a g a d a , d o S v e c l i a . Os

m é d i c o s c o n t i n u a r a m s e m e x p l i c a ç ã o . " P e r o q u e l a s h a y , l a s

h a y . " (Não s e i s e s e e s c r e v e a s s i m , e s e d i g o i s t o é p o r ­

q u e f a ç o j o g o l i m p o , a b e r t o e s e m s u b t e r f ú g i o s . )

A . e s s e homem a c o n t e c e u m a i s uma c o i s a . S u a m u l h e r ' , n a

m e s a d o j a n t a r , c o m e ç o u a s e n t i r f o r t e s d o r e s n o s i n t e s t i ­

n o s , a p o n t e d e i n s u p o r t á v e i s , ( s i c ) I n t e r r o m p e u o j a n t a r

e f o i d e i t a r - s e . O m a r i d o , p r e o c u p a d í s s i m o , f o i v ê - l a . E s -,.. -. r . - vt a v a b r a n c a como p a p e l b r a n c o . - T o m o u - l h e o p u l s o . Não h a ­

v i a . O ú n i c o s i n a l d e v i d a é q u e s u a t e s t a p e r l a v a d e s u ­

o r , como s e d i z . ; E o c o r a ç ã o n ã o b a t i a . E l a i m ó v e l , c e

v _ o l h o s f e c h a d o s . 0 homem c h a m o u yo s m é d i c o s . . .Eles d i s s e r a m

q u e t a l v e z ;, f o s s e : c a s o d e ^ c a t a l e p s i a . E l e n ã o s e c o n f o r m o u .

D e s c o b r i u - l h e a b a r r i g a e/, e s q u e c e n d o t o d a a s u a s a p i ê n c i a '

d e m é d i c o , f e z . s o b r e e l a m o v i m e n t o s s i m p l e s - como a d o n a '

d o S v e g l i a • f e z , com e s t e , q u a n d o p a r o u - m o v i m e n t o s q u e e l e

n ã o s a b i a e x p l i c a r .

E a m u l h e r a b r i u o s o l h o s .

Em s a ú d e - p e r f e i t a . E e s t á v i v a ;, c o n t i n u a b e m , q u e

D e u s a s s i m a c o n s e r v e .

Mas q u e i s s o t e m a v e r com S v e g l i a , t e m s i m . Não s e i

1972 (c o n t .)

c o m o . Mas q u e t e m , t e m . E o c a v a l o b r a n c o d o Campo d e S a n ­

t a n a , q u e é p r a ç a d e p a s s a r i n h o s , p o m b o s e q u a t i s ? T od o

p a r a m e n t a d o , com e n f e i t e s d e p r a t a , d e c r i n a a l t a e a l t i ­

v a . C o r r e n d o com um m o v i m e n t o á g i l , e m b o r a s e m n e n h u m a

p r e s s a . Não q u e r o n u n c a a p a g a r v e l a d e m acu m ba . E s t o u em

p e r f e i t a s a ú d e f í s i c a e m e n t a l . Mas uma n o i t e e u e s t a v a

d o r m i n d o p r o f u n d a m e n t e e uma p e s s o a q u e d o r m i a no mesmo

q u a r t o - me o u v i u d i z e r bem a l t o : e u q u e r o um f i l h o !

M a r i a B e t a n i a ê S v e g l i a . F a u z y A r a p é . Um homem q u e

c o n h e ç o é : e n t e n d e t u d o , mas t u d o m e s m o . Eu n ã o s e i com ­

p r e e n d e r com a c a b e ç a o q u e e l e f a l a , s ó com o c o r a ç ã o . Um

o u t r o q u e c o n h e ç o b e b e m u i t o , e s t ã s e a u t o d e s t r u i n d o : s ó

S v e g l i a o s a l v a r i a .

A p e s a r d e n ã o d o r m i r , S v e g l i a a i n d a d e i x a d o r m i r . E

d e i x a s o n h a r . Não é p o r b o n d a d e d e l e . É p o r d e s p r e z o , é s u ­

p e r i o r i d a d e .

Eu c r e i o no S v e g l i a . E l e n ã o c r ê em m im . A c h a q u e

m i n t o m u i t o . E m i n t o m e s m o . Na T e r r a s e m e n t e m u i t o . O u t r o

q u e é S v e g l i a e d o q u a l e s t o u me l e m b r a n d o ê o f í s i c o Má­

r i o S c h e m b e r g . Eu p a s s e i c i n c o a n o s sem me g r i p a r : i s s o é

S v e g l i a . E q u a n d o me g r i p e i , d u r o u d o i s d i a s . D e p o i s f i c o u

uma t o s s e s e c a . Mas o m é d i c o me r e c e i t o u a n t i b i ó t i c o e c u ­

r e i . A n t i b i ó t i c o é S v e g l i a .

E s t e é um r e l a t ó r i o . S v e g l i a n ã o a d m i t e c o n t o , o u r o ­

m a n c e , o u p o e s i a . M al a d m i t e q u e c h a m e i s t o d e r e l a t ó r i o .

F a ç o o p o s s í v e l p a r a e s c r e v e r um r e l a t ó r i o , s e c o como

c h a m p a n h a u l t r a - s e c o . Mas ã s v e z e s , me d e s c u l p e , S v e g l i a ,

f i c a m o l h a d o . / 0 t e l e f o n e é S v e g l i a . J á a t e l e v i s ã o é mo­

l h a d í s s i m a . Uma c o i s a S v e g l i a é d e p r a t a d e l e i . Ouro j á é /

m o l h a d o . P o d e r i a e u f a l a r em d i a m a n t e em r e l a ç ã o ã S v e ­

g l i a ?

. S v e g l i a n ã o t e m n a v e r d a d e um nom e: c o n s e r v a o a n o -— I ’’ * ~ ' In i m a t o ■ c o s m i c o . r A l i asp, y S v e g l i a e b u r r o . ^ V o u ! a g o r a ' d i z e r

uma c o i s a m u i t o g r a v e q u e v a i p a r e c e r / h e r e s i a : D e u ? <? b u r ­

r o . Não t em i n t e l i g e n c i a z i n h a s . V a i r.e.to em f r e n t e . £ v e r ­

d a d e q u e é d e uma b u r r i c e q u e n ã o p o d e m o s s e q u e r a t i n g i r ;

nem com a i m a g i n a ç ã o , d e t ã o b e l a e l a é . Mas E l e c o m e t e .

B a s t a v e r m o s a n ó s , s e u s s e r e s e r r a d o s e o modo como n o s

o r g a n i z a m o s em s o c i e d a d e e i n t r i n s e c a m e n t e . Mas um e r r o

E l e n ã o c o m e t e : E l e n ã o m o r r e . ( C o n t i n u a no p r ó x i m o s á b a ­

d o ) .

s e tUm a n t i c o n t o ( c o n c l u s ã o )

O b j e c t o ( s i c )

P o r e n q u a n t o n ã o v i o S v e g l i a . T a l v e z s e j a m o l h a d o

v ê - l o . S e i t u d o a r e s p e i t o d e l e - m a s p a r e c e q u e a d o n a n ã o

q u e r q u e o v e j a ? Tem c i ú m e . C iú m e c h e g a a p i n g a r d e t ã o

m o l h a d o . A l i á s , a T e r r a é m o l h a d a d e s e n t i m e n t o s , q u a n d o

o q u e f a l t a m s ã o o s a t o s . 0 g a l o é S v e g l i a . 0 o v o , e n t ã o ,

é p u r o S v e g l i a . Mas o o v o i n t e i r o , c o m p l e t o , b r a n c o , d e

c a s c a s e c a , t o d o o v a l . P o r d e n t r o é v i d a m o l h a d a . Gema é

m o l h a d í s s i m a . Mas c o m e r gem a c r u a é S v e g l i a .

S u é c i a é P o r t u g a l , n ã o . I s r a e l é . Ã g u a , a p e s a r d e

s e r m o l h a d a p o r e x c e l ê n c i a , ê . E s c r e v e r é . Mas e s t i l o n ã o

é . T e r s e i o s é , e b a r r i g a t a m b é m . 0 ó r g ã o r e p r o d u t o r m a s ­

c u l i n o é .

E p o r i n c r í v e l q u e p a r e ç a , C o c a - C o l a ê , e n q u a n t o

P e p s i - C o l a n u n c a f o i . E s t o u f a z e n d o p r o p a g a n d a d e g r a ç a ?

I s t o e s t á e r r a d o o u v i u C o c a - C o l a ?

S e u f i e l é . O a t o d o a m o r ê t e r r i v e l m e n t e a b s t r a t o ,

p o r t a n t o é .

E n j o e i d e c i g a r r o , m e n t o l a d o e p a s s e i p a r a o C a r l t o n .

C a r l t o n é s e c o , é t a b a c o , é á s p e r o . Não me i n c o m o d o d e f a ­

z e r p r o p a g a n d a d e g r a ç a d e C a r l t o n . Mas d e C o c a - C o l a n ão

p e r d ô o .

E com e s t e r e l a t ó r i o e u q u e r o q u e me p a g u e m . E me

p a g u e m - m u i t o be m .

A d a n ç a e s p a n h o l a é . A c h o q u e v o u a c a b a r . Mas n ã o ' s e i

o q u e f a z e r . A h , v o u me v e s t i r .

A t é n u n c a m a i s , S v e g l i a . As o n d a s b r a n c a s d o m a r na

p r a i a , e l a s s ã o . O c h e i r o d o m a r m i s t u r a m a s c u l i n o cora f e ­

m i n i n o e v i r a um e ú n i c o .

A d o n a d o r e l ó g i o - n a v e r d a d e e l e é q u e é d o n o d e ­

l a - d i s s e c u e e l e t e m u n s f u r i n h o s p r e t o s p o r o n d e s a i

o s o m . O d i s c o e x t e r i o r é p r a t e a d o , q u a s e sem c o r , como

a c o n t e c e com o a ç o .

S t r a v i n s k i é . Q u a r t e t o ê m u i t í s s i m o m a i s d o q u e s i n ­

f o n i a . F l a u t a é . V i o l i n o , q u a n d o t o c a d o s e m e s t r i d ê n e i a , é .

S v e g l i a , j á t e n t e i me d e s p e d i r e v o c ê n ã o d e i x o u .

Q u a n d o , a f i n a l q u a n d o é q u e v o c ê me d e i x a r á em p a z ? N ã c

v a i me p e r s e g u i r p o r t o d a a m i n h a v i d a , v a i ? J á t e o d e i o .

J á q u e r i a p o d e r e s c r e v e r uma h i s t ó r i a , p o u c o i m p o r t a s e

1972 ( c ont . )

S v e g l i a o u n ã o . Q u a l v a i s e r o meu f u t u r o l i t e r á r i o ? D e s ­

c o n f i o q u e n ã o e s c r e v e r e i m a i s . Ou t a l v e z - s ó t a l v e z

e s c r e v a . O q u e p o r é m h e i d e e s c r e v e r , meu D e u s ?

O mais formidável do Sveglia , comigo, eu não quero

contar. Envolve outra pessoa, e mais outras.

E a g o r a v o u d e f i n i t i v a m e n t e t e r m i n a r e s t e r e l a t õ r i o -

m i s t é r i o . 7 \ c o n t e c e q u e m eu m e c a n i s m o e s t á m u i t o c a n s a d o .

V o u s a i r com M a r i a B o n o m i ( e l a é ) . U s a r e i um p e r f u m e q u e é

s e g r e d o m e u . Só d i g o uma c o i s a d e l e : é a g r e s t e , um p o u c o

á s p e r o , m u i t o m i s t e r i o s o , com uma g r a n d e d o ç u r a e s c o n d i d a ,

o c u l t a m e n t e S v e g l i a .

S v e g l i a , f i q u e s a b e n d o q u e e u n ã o s e i e x p l i c a r o q u e

e s c r e v i . S e i q u e q u e r o d i z e r a l g u m a c o i s a m u i t o i m p o r t a n ­

t e , m as n ã o s e i q ú a l é : D e i x o - t e e a mim em m i s t é r i o . _ S e i

q u e o q u e e s c r e v i n ã o é " b o n i t o " .

E a g o r a a d e u s , S v e g l i a . A d e u s p a r a n u n c a s e m p r e . V o ­

c ê me m a t o u . Eu m o r r i . E a g o r a - a g o r a a d e u s .

s e t

P s i c a n á l i s e e p s i c o t e r a p i a

Como P s i q u i a t r i a i n t e r e s s a a t o d o m u n d o , r e s o l v i h á

t e m p o s e n t r e v i s t a r um. à s no a s s u n t o p a r a uma r e v i s t a e não

s e i p o r q u e t e r m i n o u n ã o s e n d o p u b l i c a d a : p r o f . C i n c i n a t o

M a g a l h ã e s d e F r e i t a s . E l e é d o c e n t e - l i v r e d a C l í n i c a P s i ­

q u i á t r i c a d a F a c u l d a d e d e M e d i c i n a d a U n i v e r s i d a d e F e d e r a l

d o R i o d e J a n e i r o , d i r e t o r d o I n s t i t u t o d e P s i q u i a t r i a d a

U n i v e r s i d a d e F e d e r a l d o R i o d e J a n e i r o , m em bro d a A s s o c i a ­

ç ã o M u n d i a l d e P s i q u i a t r i a , e x - p r e s i d e n t e d a A s s o c i a ç ã o

P s i q u i á t r i c a d o R i o d e J a n e i r o . É , p o r t a n t o , m a i s d o q u e

c r e d e n c i a d o .

O q u e p o d e à P s i q u i a t r i a f a z e r h o j e p o r um homem

m e n t a l m e n t e d o e n t e ? - p e r g u n t e i - l h e .

- M u i t o . Sem f o r ç a d e e x p r e s s ã o , p o d e m o s a f i r m a r q u e

n e n h u m a o u t r a e s p e c i a l i d a d e m é d i c a c u r a m a i s d o q u e a P s i ­

q u i a t r i a . A h , s e a é t i c a p e r m i t i s s e , q u a n t o s n c m e s i l u s ­

t r e s e n o t á v e i s p o d e r í a m o s a p o n t a r e q u e s e c u r a r a m com

t r a t a m e n t o p s i q u i á t r i c o !

- Q u a l a d i f e r e n ç a b á s i c a e n t r e a P s i q u i a t r i a c P s i ­

c a n á l i s e ?

- P a r e c e - m e q u e a j o r n a l i s t a p r e t e n d e uma d e f i n i ç ã o

d e m i n h a p a r t e , q u a n d o , ao f o r m u l a r a p e r g u n t a , d e c o r t o

m odo e n c a m p a a c r e n ç a d e s e r a P s i c a n á l i s e a d v e r s á r i a d a

1972 ( c o n t . )

CLARICE LIoIECTOR

" £ com este relatório eu quero que me paguem. E me paguem

muito bem. Acho que vai sair na revista Senhor de S. P a u lo ."Is

to, Clarice Lispector escreve no próprio texto (como parte in ­

tegrante dele) que nos enviou.

E o texto todo me pareceu uma forma eloquente de suicídio

literário . A maior escritora brasile ira fazendo tudo para ma -

tar a maior escritora b rasile ira , ü autor com ódio do autor. 0

texto lutando para acabar consigo mesmo. A gente assistindo a

insistência coin que Clarice vai mutilando sua expressão. Vai

cortando suas próprias asas. Vai jogando fora, com quase asco,

o escritor que continua vivo nela . 0 escritor que não quer mor

rer. Mas o imenso escritor que sempre esteve em Clarice Lispec_

tor, a gente sabe que não pode morrer. É alguma coisa e*terna e

in f in it a , por isso maior qye a angustia, que a crise existen -

ciai de um ser humano ou de uma época.

Joyce tentou o suicídio da palavra escrita . Salinger tam -

bém. Nenhum dêles conseguiu. Como Clarice não conseguirá.

0 suicídio , a falência das formas de ficção parece ja rea­

lidade. Mas nunca o suicídio, a morte da comunicação profunda

de um ser humano com outros por meio da palavra. Aa descober -

tas v ita is , a revelação de uma verdade humana, a transcedência

existencial, sempre civeram e sempre terão na palavra o seu vei_

culo mais potente. Os genios da intuição filo só fica , religiosa

e mesmo científica usaram a palavra para transmitir suas desco- -

bertas. A comunicação somente pela imagem é o caminho da massi­

ficação do homem, da desindividuação. A comunicação pela pala -

vra é o caminho da individuação, da liberdade existencial. No

final do importante documento, escrito por Clarice Lispector e

que publicamos na p á g i0 8 > lê-se isto :

"Já queria poder escrever jima h istó ria . Qual vai ser meu fu

turo literário ? Desconfio que não escreverei mais. Mas é verda

de que outras vêzes desconfiei e no entanto escrevi. 0 que, po­

rém, hei de escrever, meu Deus ? " .

Nelson Coelho

9

ayo

E s tu do d e c a v a lo s (I )

Desp>oj a i n e n t o

1 C a v a l o l i v r e é a n u d e z c o m p l e t a d o corpo^j O c a v a l o é

n u .

]\ f a l s a d o m es t ic a ç ã o

O q u e é um c a v a l o ? É ^ l i b e r d a d e t ã o i n d o m á v e l q u e ê

i n ú t i l a p r i s i o n á - l o p a r a q u e s i r v a ao homem. D e i x a - s e d o ­

m e s t i c a r m as com um s i m p l e s m o v i m e n t o d e r e b e l d e s a f a n ã o d e

c a b e ç a , s a c u d i n d o a c r i n a como a uma s o l t a c a b e l e i r a , m o s ­

t r a q u e s u a í n t i m a n a t u r e z a é e m p r e b r a v i a , l í m p i d a e l i v r e .

Fo rma

A f o r m a d o c a v a l o -.ê o m e l h o r d o s e r hum ano . T e n h o um

c a v a l o d e n t r o d e mim q u e r a r a m e n t e s e e x p r i m e . Mas ao v e r

o u t r o c a v a l o , o m eu s e e x p r e s s a . S u a f o r m a f a l a .

Do ç u r a .

O q u e é q u e f a z o c a v a l o s e r d e b r i l h a n t e c e t i m ? É

uma d o ç u r a , n ã o e p i e g a s o u s e n t i m e n t a l , mas a q u e l a . d e quen

a s s u m i u a v i d a e s e u f u l g o r - e s s a d o ç u r a s e o b j e t i v a no

s e u p e l o m a c i o q u e d e i x a a d i v i n h a r o s e l á s t i c o s m ú s c u l o s

á g e i s e c o n t r o l a d o s . ,

V i uma v e z um c a v a l o c e g o : a n a t u r e z a n e l e e r r a r a .

E r a d o l o r o s o s e n t i l o i r r i q u i e t o , a t e n t o ao m e n o r r u m o r pro­

v o c a d o p e l a b r i s a n a s e r v a s , com o s n e r v o s p r e s t e s a s e

e r i ç a r e m num a r r e p i o q u e l h e p e r c o r r i a o c o r p o a l e r t a . 0

q u e ê q u e um c a v a l o v ê , a t a l p o n t o q u e n ã o v e r o t o r n a

p e r d i d o como d e s i p r ó p r i o ? É q u e , “ q u a n d o e n x e r g a 7 v ê . f o r a

d e l e o q u e e s t á d e n t r o d e s i . É um a n i m a l q u e s e e x p r e s s a

p e l a f o r m a . Q u a n d o v ê m o n t a n h a s , r e l v a s , g e n t e , c ê u - u s u -

f r u e s u a p r ó p r i a n a t u r e z a .

( S e n s i b i l i d a d e .

T o d o c a v a l o ê s e l v a g e m e a r i s c o q u a n d o m ã o s i n s e g u ­

r a s o t o c a m . *•

É l e e e u

T e n t a n d o p õ r em f r a s e s a m i n h a m a i s o c u l t a e s u t i l

s e n s a ç ã o - e d e s o b e d e c e n d o ã m i n h a n e c e s s i d a d e e x i g e n t e d e

v e r a c i d a d e - e u d i r i a : s e p u d e s s e t e r e s c o l h i d o q u e r i a t e r

n a s c i d o c a v a l o . Mas / quem s a b e -/ t a l v e z o c a v a l o e l e - m e s m o

n ã o s i n t a o g r a n d e s í m b o l o d a v i d a l i v r e q u e n ó s s e n t i m o s

n e l e . D e v o e n t ã o c o n c l u i r q u e o c a v a l o s e r i a s o b r e t u d o p a ­

r a s e r s e n t i d o p o r mim? O c a v a l o r e p r e s e n t a a a n i m a l i d a d e

1973 ( c o n t . )

i y Í j ( C.(J N T . )

b e l a e s o l t a d o s e r h u m a n o ? O m e l h o r d o c a v a l o o c r i t e h u ­

mano j á te in? E n t ã o a b d i c o d e s e r uin c a v a l o e com g l ó r i a jxts

s o p a r a a m i n h a h u m a n i d a d e . O c a v a l o me i n d i c a o q u e s o u .

A d o l e s c ê n c i a d a m e n i n a - p o t r o

J á me r e l a c i o n e i d e um modo p e r f e i t o com o c a v a l o .

Lembro-me d e m i m - a d o l e s c e n t e . De p é com a mesma a l t i v e z

d o c a v a l o e a p a s s a r a mão p e l o s e u p ê l o l u s t r o s o . P e l a su a

a g r e s t e c r i n a a g r e s s i v a . Eu me s e n t i a como s e a l q o meu n o s

v i s s e d e l o n g e . A s s i m : "A Moça e o C a v a l o " .

O a l a r d e

Na f a z e n d a o c a v a l o b r a n c o - r e i d a n a t u r e z a - l a n ­

ç a v a p a r a o a l t o d a a c u i d a d e d o a r s e u l o n g o r e l i n c h o d e

e s p l e n d o r .

O c a v a l o p e r i g o s o

Na c i d a d e z i n h a d o i n t e r i o r , q u e s e t o r n a r i a um d i a

uma p e q u e n a m e t r ó p o l e , a i n d a r e i n a v a m o s c a v a l o s como p r o ­

e m i n e n t e s h a b i t a n t e s . S o b a n e c e s s i d a d e c a d a v e z m a i s u r ­

g e n t e d e t r a n s p o r t e , l e v a s d e c a v a l o s h a v i a m i n v a d i d o o

l u c a r e j o , e n a s c r i a n ç a s a i n d a s e l v a g e n s n a s c i a o s e c r e t o

d e s e j o d e g a l o p a r . Um b a i o n o v o d e r a um c o i c e m o r t a l num

m e n i n o q u e i a m o n t ã - l o . E o l u g a r o n d e a c r i a n ç a a u d a c i o s a

m o r r e r a e r a o l h a d o p e l a s p e s s o a s numa c e n s u r a q u e na v e r ­

d a d e n ã o s a b i a m a q uem d i r i g i r . Com a s c e s t a s d e c or . ,uras

n o s b r a ç o s , a s m u l h e r e s p a r a v a m o l h a n d o . Um j o r n a l s e i n ­

t e i r a r a â o c a s o e l e u - s e com c e r t o o r g u l h o uma n o t a com o

t í t u l o d è O C r i m e d o C a v a l o . E r a o C r i m e d e um d o s f i l h o s

d a c i d a d f e z i n h a . O l u g a r e j o e n t ã o j á m i s t u r a v a ao s e u c h e i ­

r o d e e s t r e b a r i a a c o n s c i ê n c i a d a f o r ç a c o n t i d a n o s c a v a ­

l o s .

( C o n t i n u a no p r ó x i m o s á b a d o )

go

s t u d o d e c a v a l o s ( I I )

a r u a s e c a d e s o l

Mas d e r e p e n t e - no s i l ê n c i o d o s o l d e d u a s h o r a ? d a

t a r d e e q u a s e n i n g u é m n a s r u a s d o s u b ú r b i o - uma p a r e l h a

d e c a v a l o s d e s e m b o c o u d e uma e s q u i n a . P o r um m o m e n t o i m o ­

b i l i z o u - s e d e p a t a s s e m i - e r g u i d a s . F u l g u r a n d o n a s b o c a s co­

mo. e s t á t u a s . Os p o u c o s t r a n s e u n t e s q u e a f r o n t a v a m o c a l o r

d o s o l o l h a r a m , d u r o s , s e p a r a d o s , s e m e n t e n d e r em p a l a v r a s

o q u e v i a m . E n t e n d i a m a p e n a s . P a s s a d o o o f i s c a m e n t o d a

a p a r i ç ã o - o s c a v a l o s e n c u r v a r a m o p e s c o ç o , a b a i x a r a m a s

p a t a s e c o n t i n u a r a m s e u c a m i n h o . P a s s a r a o i n s t a n t e d c

v i s lu m b r aine n t o . I n s t a n t e i m o b i l i z a d o como p o r uma m á q u i n a

f o t o g r á f i c a q u e t i v e s s e c a p t a d o a l g u m a c o i s a q u e j a m a i s a s

p a 1 av r a s d i r ao .

No p ô r d o s o l

N e s s e d i a , q u a n d o o s o l j á i a s e p o n d o , o o u r o s e

e s p a lh o u p e l a s n u v e n s e p e l a s p e d r a s . Os r o s t o s d o s h a b i ­

t a n t e s f i o a r a m d o u r a d o s como a r m a d u r a s e a s s i m b r i l h a v a m

o s c a b e l o s d e s f e i t o s . F á b r i c a s e m p o e i r a d a s a p i t a v a m c o n t i ­

n u a m e n t e a v i s a n d o o f i m d o t r a b a l h o , a r o d a d e uma c a r r o ç a

g a n h o u um n i m b o . N e s s e o u r o p á l i d o ã b r i s a h a v i a uma a s -

c e n ç a o d e e s p a d a d e s e m b a i n h a d a . P o r q u e e r a a s s i m q u e s e

e r g u i a a e s t á t u a e q u e s t r e d a p r a ç a n a d o ç u r a d o o c a s o .

Na m a d r u g a d a f r i a

P o d i a - s e v e r o m o r n o b a f o ú m id o - o b a f o r a d i o s o e

t r a n q u i l o q u e s a í a d a s n a r i n a s t r ê m u l a s e x t r e m a m e n t e v i v a s

e f r e m e n t e s d o s c a v a l o s em c e r t a s m a d r u g a d a s f r i a s .

No m i s t é r i o d a n o i t e

Mas ã n o i t e o s c a v a l o s l i b e r a d o s d a s c a r g a s e c o n d u ­

z i d o s à e r v a g e m g a l o p a v a m f i n o s e s o l t o s no e s c u r o . P o ­

t r o s , r o c i n s , a l a z õ e s , l o n g a s é g u a s , c a s c o s d u r o s - o u d e

r e p e n t e uma c a b e ç a f r i a e e s c u r a d e c a v a l o l - o s c a s c o s

b a t e n d o , f o c i n h o s e s p u m a n t e s e r g u e n d o - s e p a r a o a r em i r a

e m u r m ú r i o . E ã s v e z e s uma l o n g a r e s p i r a ç ã o e s f r i a v a a s

e r v a s eir, t r e m o r . E n t ã o o b a i o s e a d i a n t a v a . A n d a v a d e l a ­

d o , a c a b e ç a e n c u r v a d a a t é o p e i t o , c a d e n c i a d o . Os o u t r o s

a s s i s t i a m i sem o l h a r . O u v i n d o o r u m o r d o s c a v a l o s , e u a d i ­

v i n h a v a o s c a s c o s s e c o s a v a n ç a n d o a t é e s t a c a r e m no p o n t o

m a i s a l t o d a c o l i n a . E a c a b e ç a a d o m i n a r a c i d a d e z i n h a ,

l a n ç a n d o o l o n g o r e l i n c h o . 0 medo me t o m a v a n a s t r e v a s d o

q u a r t o , o t e r r o r d e um r e i , e u q u e r e r i a r e s p o n d e r com a s

g e n g i v a s ã m o s t r a em r e l i n c h o . Na i n v e j a d o d e s e j o o. r o s t o

a d q u i r i a a n o b r e z a i n q u i e t a d e uma c a b e ç a d e c a v a l o . C a n -

s a d a , j u b i l a n t e , e s c u t a n d o o t r o t e s o n â m b u l o . M al e u s a í s ­

s e d o q u a r t o m i n h a f o r m a i r i a s e a v o l u m a n d o e a p u r a n d o - f s ef,

e , q u a n d o c h e g a s s e ã r u a , j á e s t a r i a a g a l o p a r com p a t a s

s e n s í v e i s , o s c a s c o s e s c o r r e g a n d o n o s ú l t i m o s d e g r a u s d a

e s c a d a d a c a s a . Da c a l ç a d a d e s e r t a e u o l h a r i a : um c a n t o e

o u t r o . E v e r i a a s c o i s a s como um c a v a l o a s v i . E s s a e r a a

m i n h a v o n t a d e . Da c a s a e u p r o c u r a v a ao m e n o s e s c u t a r o

m o r r o d e p a s t a g e m o n d e n a s t r e v a s c a v a l o s sem nome g a l o p a -

i y/ 3 ( co Ni . )

ram r e t o r n a d o s ao e s t a d o d e c a ç a e g u e r r a .

As b e s t a s n ã o a b a n d o n a v a m s u a v i d a s e c r e t a q u e s e

p r o c e s s a d u r a n t e a n o i t e . E s e no m e i o d a r o n d a s e l v a g e m

a p a r e c i a um p o t r o b r a n c o - e r a um a s s o m b r o no e s c u r o . T o ­

d o s e s t a c a v a m . O c a v a l o p r o d i g i o s o a p a r e c i a , e r a a p a r i ç ã o .

M o s t r a v a - s e e m p i n a d o um i n s t a n t e . I m ó v e i s o s a n i m a i s a -

g u a r d a v a m sem s e e s p i a r . Mas um d e l e s b a t i a o c a s c o - e a

b r e v e p a n c a d a q u e b r a v a a v i g í l i a : f u s t i g a d o s m o v i a m - s e d e

s ú b i t o á l a c r e s , e n t r e c r u z a n d o - s e sem j a m a i s s e e s b a r r a r e m

e e n t r e e l e s s e p e r d i a o c a v a l o b r a n c o . A t é q u e um r e l i n ­

c h o d e s ú b i t a c ó l e r a o s a d v e r t i a - p o r um s e g u n d o a t e n t o s ,

l o g o s e e s p a l h a v a m d e n o v o em n o v a c o m p o s i ç ã o d e t r o t e , o

d o r s o s e m c a v a l h e i r o s , o s p e s c o ç o s a b a i x a d o s a t é o f o c i n h o

t o c a r :no p e i t o . E r i ç a d a s a s c r i n a s ; e l e s c a d e n c i a d o s , i n ­

c u l t o s .

N o i t e a l t a - e n q u a n t o o s h o m e n s d o r m i a m - v i n h a e n ­

c o n t r á - l o s i m ó v e i s n a s t r e v a s . E s t á v e i s e s e m p ê o s ( s i c ) .

Lá e s t a v a m e l e s i n v i s í v e i s r e s p i r a n d o . A g u a r d a n d o com a

i n t e l i g ê n c i a c u r t a . E m b a i x o , n a c i d a d e z i n h a a d o r m e c i d a , um

g a l o v o a v a e e m p o l e i r a v a - s e no b o r d o d e uma j a n e l a . As g a ­

l i n h a s e s p i a v a m . A l é m da f e r r o v i a um r a t o p r o n t o a f u g i r .

E n t ã o o t o r d i l h o b a t i a a p a t a . Não t i n h a b o c a p a r a f a l a r

mas d a v a o p e q u e n o s i n a l q u e s e m a n i f e s t a v a d e e s p a ç o a

e s p a ç o n a e s c u r i d ã o . E l e s e s p i a v a m . A q u e l e s a n i m a i s q u e t i ­

nham um o l h o p a r a v e r d e c a d a l a d o - n a d a p r e c i s a v a s e r

v i s t o d e f r e n t e p o r e l e s , e e s s a e r a a g r a n d e n o i t e , o s

f l a n c o s d e uma é g u a p e r c o r r i d o s p o r r á p i d a c o n t r a ç ã o . Nos

• s i l ê n c i o s d a n o i t e a é g u a e s g a z e a v a o o l h o corio s e e s t i ­

v e s s e r o d e a d a p e l a e t e r n i d a d e . 0 p o t r o m a i s i n q u i e t o a i n d a

e r g u i a a c r i n a em s u r d o r e l i n c h o . E n f i m r e i n a v a o s i l ê n c i o

t o t a l .

A t é q u e a f r á g i l l u m i n o s i d a d e d a m a d r u g a d a o s r e v e ­

l a v a . E s t a v a m s e p a r a d o s , d e - p é s o b r e a c o l i n a . E x a u s t o s ,

f r e s c o s . T i n h a m p a s s a d o no e s c u r o p e l o m i s t é r i o d a n a t u r e ­

z a a o s e n t e s .

( C o n t i n u a no p r ó x i m o s á b a d o )

1 £ a ao

E s t u d o d e c a v a l o s ( I I I )

E s t u d o d o c a v a l o d e m o n í a c o

N u n c a m a i s r e p o u s a r e i p o r q u e r o u b e i o c a v a l o d e c a ­

ç a d a d e um R e i 1 Eu s o u a g o r a p i o r d o q u e e u m esm a! N u n c a

1973 ( c u n t . )

1973 Cc o n t . )

m a i s r e p u s a r e i : r o u b e i o c a v a l o d e c a ç a d a d o R e i no e n ­

f e i t i ç a d o S a b a t h . S e a d o r m e ç o um i n s t a n t e , o e c o d e um r e ­

l i n c h o me d e s p e r t a . E é i n ú t i l t e n t a r n ã o i r . No e s c u r o d a

n o i t e o r e s f o l e g a r rne a r r e p i a . F i n j o q u e dur m o mas no s i ­

l ê n c i o o g i n e t e r e s p i r a . T o d o s o s d i a s s e r á a m esm a c o i s a :

j á a o e n t a r d e c e r c o m e ç o a f i c a r m e l a n c ó l i c a e p e n s a t i v a . S e i

q u e o p r i m e i r o t a m b o r n a m o n t a n h a d o m a l f a r á a n o i t e , s e i

q u e o t e r c e i r o j á me t e r á e n v o l v i d o na s u a t r o v o a d a . E no

q u i n t o t a m b o r j á e s t a r e i com a m i n h a c o b i ç a , d e c a v a l o f a n ­

t a s m a . A t é q u e d e m a d r u g a d a , a o s ú l t i m o s t a m b o r e s l e v í s s i ­

m o s , me e n c o n t r a i e i s e m s a b e r como j u n t o a um r e g a t o f r e s ­

c o , s e m j a m a i s s a b e r o q u e f i z , a o l a d o d a e n o r m e c a n s a ­

d a c a b e ç a d e c a v a l o .

f i a s c a n s a d a d e q u e ? Q u e f i z e m o s , e u e o c a v a l o , n ó s ,

o s q u e t r o t a m no i n f e r n o d a a l e g r i a d e v a m p i r o ? E l e , o c a ­

v a l o d o R e i , me c h a m a . T e n h o r e s i s t i d o em c r i s e s d e s u o r

e n ã o v o u . Da ú l t i m a v e z q u e d e s c i d e s u a s e l a d e p r a t a ,

e r a t ã o g r a n d e a m i n h a t r i s t e z a hum ana p o r e u t e r s i d o o

q u e n ã o d e v i a s e r , q u e j u r e i q u e n u n c a m a i s . 0 t r o t e p o r é m

c o n t i n u a em mim. C o n v e r s o , a r r u m o a c a s a , s o r r i o , mas s e i

q u e o t r o t e e s t á em m im . . S i n t o f a l t a d e l e como quem m o r r e .

' N ã o , n ã o p o s s o , d e i x a r d e i r .

E s e i q u e d e n o i t e , q u a n d o e l e me c h a m a r , i r e i . Q u e ­

ro q u e a i n d a uma v e z o c a v a l o c o n d u z a o m eu p e n s ame n t o . F o i

oom e l e q u e a p r e n d i . S e é p e n s a m e n t o e s t a h o r a e n t r e l a t i ­

d o s . C o m e ç o a e n t r i s t e c e r p o r q u e s e i , com o o l h o - o h s e m

q u e r e r ! ; n ã o é c u l p a m i n h a ! - com o o l h o s e m q u e r e r / j ã r e s ­

p l a n d e c e n d o d e mau r e g o z i g o - s e i q u e i r e i .

Q u a n d o d e n o i t e e l e me c h a m a r p a r a a a t r a ç ã o d o i n ­

f e r n o , e u ( i r e i . D e s ç o conto um g a t o p e l o s t e l h a d o s . N i n g u é m

s a b e , n i n g u é m v ê . S ó o s c ã e s l a d r a m p r e s s e n t i n d o o s o b r e ­

n a t u r a l .

, E.J a p r e s e n t o - m e rio e s c u r o , a o c a v a l o q u e me e s p e r a , /

c a v a l o d e r e a l e z a , a p r e s e n t o - m e m uda e em f u l g o r . / O b e d i e n ­

t e ã B e s t a . ^

C o r r e m a t r á s d e n ó s d o i s J 5 3 ! f l a u t a s . À; f r e n t e uma

c l a r i n e t a n o s a l u m i a , a n ó s , o s d e s p u d o r a d o s c ú m p l i c e s d o '

e n i a m a . E n a d a m a i s me ê d a d o s a b e r .

D e m a d r u g a d a e u n o s v e r e i e x a u s t o s j u n t o a o r e g a t o ,

s e m s a b e r q u e c r i m e s c o m e t e m p s a t é c h e g a r ã ( i n o c e n t e ) rna-

d r u g a d a .

L_.J.

Na m i n h a b o c a e n a s s u a s p a t a s a rr.arca d o (_g r a n d e j

s a n g u e . O q u e t í n h a m o s i m o l a d o ?

De m a d r u g a d a e s t a r e i d e p é a o l a d o d o g i n e t e a g o r a

m u d o , com o r e s t o d a s - f l a u t a s a i n d a e s c o r r e n d o p e l o s c a b e ­

l o s . Os p r i m e i r o s s i n o s d e uma i g r e j a ao l o n g e n o s a r r e - >

p i a m e n o s a f u g e n t a m , n ó s d e s v a n e c e m o s d i a n t e d a c r u z .

A n o i t e é a m i n h a v i d a com o c a v a l o d i a b ó l i c o , e u

f e i t i c e i r a d o h o r r o r . A n o i t e é m i n h a v i d a , e n t a r d e c e , a

n o i t e p e c a d o r a m e n t e f e l i z é a v i d a t r i s t e q u e é a m i n h a

o r g i a - ah r o u b a , r o u b a d e mim o g i n e t e p o r q u e d e r o u b o em

r o u b o a t é a m a d r u g a d a e u j ã r o u b e i p a r a mim e p a r a o meu

p a r c e i r o f a n t á s t i c o , e d a m a d r u g a d a j á f i z um p r e s s e n t i ­

m en to , ! d e t e r r o r d e d e m o n í a c a a l e g r i a m a l s ã .

L i v r a - m e , r o u b a d e p r e s s a o g i n e t e e n q u a n t o é t e m p o ,

e n q u a n t o a i n d a n á o e n t a r d e c e , , e n q u a n t o é d i a s e m t r e v a s ,

s e é q u e a i n d a h á t e m p o , p o i s a o r o u b a r o g i n e t e t i v e q u e

m a t a r o R e i , e ao a s s a s s i n á - l o r o u b e i a m o r t e d o R e i . E ata l e g r i a o r g í a c á d o n o s s o a s s a s s i n a t o me c o n s o m e em t e r r í ­

v e l p r a z e r ; ' ,Rouba d e p r e s s a o c a v a l o p e r i g o s o d o R e i , r o u ­

b a - m e a n t e s q u e a n o i t e v e n h a e me c h a m e .

2 5 a g o

a n i r a

Como n ã o am a r D j a n i r a , m esm o sem c o n h e c ê - l a p e s s o a l ­

m e n t e ? Eu a m a v a o s e u t r a b a l h o , e q u a n t o . Mas q u a n d o s e

a b r i u a p o r t a e e u a v i - p a r e i e d i s s e : " E s p e r e um p o u c o " .

E v i - v i mesmo - q u e i a s e r m i n h a a m i g a . E l a t e m q u a l q u e r

o o i s a n o s o l h e s q u e d ã a i d é i a d e q u e o m i s t é r i o é s i m p l e s .

Não e s t r a n h o u o f a t o d e e u f i c a r o l h a n d o p a r a e l a , a t é e u

d i z e r : " P r o n t o , a g o r a j ã c o n h e ç o v o c ê e p o s s o e n t r a r . "

D j a n i r a t e m a b o n d a d e no s o r r i s o e no r o s t o mas não

uma b o n d a d e m o r n a o u a g r e s s i v a . Tem em s i o q u e d á ao s e u

t r a b a l h o . É p o u c o ? N u n c a , i s s o é t u d o : i s s o s i g n i f i c a a

v e r a c i d a d e d o s e r hum ano d i g n i f i c a d o p e l a s i m p l i c i d a d e pro­

f u n d a q u e e x i s t e em t r a b a l h a r . S e n t a m o - n o s , e u s e m t i r a r

o s o l h o s d e l - a , e l a me e x a m i n a n d o com b o n d a d e , s e m me e s ­

t r a n h a r nem um p o u c o . S e u m a r i d o , o Mo t i n h a , como é c h a m a ­

d o , e n t r o u . 0 q u e v o u r e p e t i r s ã o f r a s e s d e q u e me l e m b r o

p e r f e i t a m e n t e , p o r a s s i m d i z e r p a l a v r a p o r p a l a v r a ( p o i s ,

s a i n d o d e l ã , a n o t e i v á r i a s , p a r a u s o p r ó p r i o ) .

1 9 - A g e n t e p i n t a como quem a m a , n i n g u é m s a b e p e r

q u e a m a , a g e n t e n ã o s a b e p o r q u e p i n t a .

13/ j (CÜNT.)